análise do discurso jurídico resumo completo

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Análise do Discurso Jurídico Diogo José Morgado Rebelo FDUNL Ano Letivo 2014/2015

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Análise do Discurso Jurídico

Diogo José Morgado Rebelo

FDUNL

Ano Letivo 2014/2015

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Apontamentos de Análise do Discurso Jurídico

O conceito de Direito

A relação realidade- linguagem

A adesão a uma relação estabelecida de entre a realidade e a linguagem pode

estar na base de toda uma dificuldade em definir o “Direito”. Diz-se, por vezes, que a

definição é “meramente verbal” ou “só relativa à palavra”, mas isto pode gerar um

sentido muito enganador, quando esta expressão passa a ser de uso corrente. Nesta

relação entre a linguagem e a realidade temos de ter em consideração duas visões: uma

de cariz mais conceitualista e uma de cariz mais filosófico-analítico.

Para alguns, os conceitos refletem a essência das coisas e que as palavras são

veículos condutores dos próprios conceitos. Isso supõe que a relação entre o significado

das expressões linguísticas e a realidade consista numa conexão necessária feita pelo

Homem que não pode criar ou alterar, mas apenas reconhecer, detetando aspetos

essenciais da realidade que devem, inevitavelmente, estar contidos nos conceitos. De

acordo com esta conceção da relação que é estabelecida de entre a linguagem e a

realidade, existe uma única definição válida para uma palavra, definição essa que é

obtida mediante intuição intelectual da natureza intrínseca dos fenómenos denotados

pela expressão. A tarefa de definir um termo é, por esta mesma razão, descritiva de

certos factos.

Para a filosofia analítica (perspetiva convencionalista), sendo a linguagem um

sistema de símbolos, a relação desta para com a realidade é estabelecida

arbitrariamente pelo Homem e, embora haja um acordo consuetudinário em certas

coisas com determinados símbolos, ninguém é obrigado, nem por razões lógicas, nem

por factos empíricos, a seguir os usos vigentes, podendo escolher qualquer símbolo para

se referir a qualquer tipo de coisas.

É de notar a ideia de Carlos Santiago Nino nos faz transmitir no seu manual,

segundo a qual: o facto de todas estas visões sobre o Direito procurarem uma busca de

aquela que é a sua verdadeira essência, “uma investigação sobre o uso da palavra direito

na linguagem corrente e na linguagem dos juristas não garante uma caracterização do

conceito de Direito com traços claros e bem definidos, que satisfaça certas exigências da

operatividade teórica”. Tal acontece porque a termo “Direito” é, por si mesmo, ambíguo

e vago. Para Nino, “não é possível enunciar (todas) as propriedades que devem estar

presentes em todos os casos” em que a palavra Direito é empregue.

Conceção de Direito segundo Austin

John Austin, filósofo britânico, tinha como objetivo principal identificar as

características distintivas do direito positivo a fim de libertá-lo da confusão com

preceitos morais e religiosos que havia sido promovido pela teoria do direito natural.

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Assim, o autor admite que possam existir leis moralmente injustas. A teoria deste

britânico propõe três principais elementos distintivos do direito positivo: “O direito

consiste em comandos (ordens, expressões de vontade), direcionados aos integrantes de

uma comunidade política independente. Os comandos expressam a vontade de um

soberano, o qual não se submete ao direito, e são apoiados em ameaças (sanção). O

soberano é alguém que é habitualmente obedecido.”

A visão austiniana do fenómeno jurídico pressupõe a existência de esferas não

reguladas juridicamente e sustenta que frequentemente os juízes são compelidos a

solucionar conflitos para os quais o direito ainda não apresentou uma solução. Nesse

sentido, Austin reputa benéfica e necessária a atuação judicial na criação do direito, o

que seria possível graças a uma delegação do poder soberano ao juiz para legislar sobre

o caso concreto. Essa autorização tácita do soberano autorizaria, também, a

incorporação de costumes ao direito por meio de decisões judiciais.

A teoria de Austin não preconiza a sujeição do governo à lei. Trata-se de uma

teoria sobre a autorização do governo de usar a lei como um instrumento de poder. Tal

visão, nas suas linhas gerais, é essencialmente coerente, e deve ser entendida no

contexto inglês dos séculos XVIII e XIX. É importante considerar que Austin elaborou

uma teria do direito analítica e autónoma de forma bastante detalhada e precisa, o que

permitiu uma ampliação da compreensão do fenómeno jurídico e a formulação de

críticas racionais às suas ideias.

Conceito de Direito de Herbert Hart

A obra que o levou ao notório conhecimento e reputação internacional foi “The

Concept of Law”, publicada em 1961. Esta obra transformou o modo como era

compreendida e estudada a Teoria Geral do Direito, comumente apresentada como

'Jurisprudence of Law" no mundo de língua inglesa e fora dele.

Para o autor, o intuito da obra era o de aprofundar a compreensão do direito, da

coerção e da moral, como fenómenos sociais distintos, no entanto, relacionados. O

“Conceito de Direito” pode ser considerado, de acordo com suas palavras, como “um

ensaio sobre a teoria jurídica analítica”. A obra é uma crítica às deficiências do modelo

simples de sistema jurídico, constituído segundo as linhas da teoria imperativa de J. L.

Austin.

A tentativa mais clara e mais completa de análise do conceito de direito em

termos de elementos aparentemente simples de comandos e hábitos, feita por J. L

Austin, não demonstrava, na opinião de Hart, a diferença essencial entre ser obrigado a

e ter uma obrigação. É famosa sua negação de definir o direito de maneira clara,

questionando a possibilidade e utilidade de uma definição genérica.

A noção de obrigação desenvolvida por Hart implicará a diferenciação de uma

perspetiva interna (participante) e externa (observador), fornecendo uma análise dos

conceitos do direito e do sistema jurídico por meio de uma discussão do modo pelo qual

as regras de conduta humana são usadas como “standards sociais” de comportamento.

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Esses standards são frequentemente combinados em conjuntos sistemáticos

complexos, dentro dos quais os conceitos do discurso jurídico são compreensíveis e se

tornam aplicáveis a contextos sociais apropriados. É igualmente famosa sua análise

sobre as normas secundárias que determinam a criação e aplicação das normas

primárias sobre a conduta das pessoas.

A obra “O Conceito do Direito” causou tamanho impacto que deu origem a uma

multiplicidade de publicações discutindo a argumentação desenvolvida não só no

contexto da Teoria Jurídica, como também no da Filosofia Política e da Filosofia da

Moral.

Caracteres do Direito

Obrigação, moral e justiça

Podemos conceber o Direito como uma ciência autopoiética que anda sempre à

procura da natureza das coisas ou da sua essência. A verificação dos critérios vigentes’

no uso comum é uma tarefa a que muitos jurisconsultos se têm dedicado no que

respeita a qual deverá ser o emprego dado à palavra “Direito”.

A este respeito, Kelsen, no seu manual de “O Conceito de Direito” diz-nos que:

“a caraterística geralmente proeminente do direito em todos os tempos e lugares

consiste em que a sua existência significa que certas espécies de conduta humana já não

são facultativas, mas obrigatórias em certo sentido. Contudo, esta caraterística

aparentemente simples do Direito não é o ato simples, porque dentro da esfera da

conduta obrigatória não facultativa, podemos distinguir duas formas diferentes.” A

conduta humana passa a ser facultativa quando um Homem é forçado a fazer aquilo que

um outro lhe diz, não sendo, obstante, compelido fisicamente a adotar certo

comportamento, mas porque o outro o “ameaça” com consequências que poderão vir

a ser desagradáveis na sua esfera jurídica. Por exemplo, o assaltante armado, ordena à

sua vítima que lhe entregue a bolsa e ameaça que lhe dá um tiro se recusar. Dizemos,

nestes casos, que se a vítima acede às exigências do “offender”, que ela foi obrigada a

agir dessa mesma maneira.

Para alguns teóricos, o Direito deve ser visto como um conjunto de ordens que

são acatadas em ameaças. Este é o ponto de partida da análise de Austin, influenciado

pela doutrina dos direitos de matriz anglo-saxónica. Concebe que a obediência e a

ameaça são o cerne da “chave da ciência do Direito”.

Mas, por mais atraente que possa parecer esta redução do fenómeno complexo

“Direito” a este simples elemento, descobriu-se que, quando examinada de perto, não

é mais do que “uma distorção” ou uma “fonte de confusão”, mesmo no âmbito da “lei

penal, em que uma análise nestes termos parece mais plausível.

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Ultrapassemos esta redução exacerbada do conceito de Direito a uma

obrigação1. Para tal, utilizemos o papel que as normas morais têm numa comunidade

politicamente organizada como a nossa. “As regras morais impõem obrigações e retiram

certas zonas de conduta da livre opção do indivíduo de agir como lhe apetece.” Tal como

um sistema jurídico contém elementos estreitamente ligados com o caso simples de

ordens e ameaças, também contém óbvia e igualmente elementos estreitamente

ligados com certos aspetos da moral. “O Direito e a moral partilham um vocabulário, de

tal modo que há obrigações, deveres e direitos, quer morais, quer jurídicos, mas também

todos os sistemas jurídicos reproduzem a substância de certas exigências morais

fundamentais”. Podemos aqui tomar como exemplos a situação de um homicídio e o

uso da violência de uma maneira gratuita, enquanto atos moralmente repugnados e

tipificados pela lei portuguesa como crimes de natureza penal.

Ainda dentro do conceito de Direito, temos de incluir uma ideia de Justiça, que

acabará por unir o campo da obrigação e da moral supra referidos. De acordo com

Herbert Hart, a Justiça é uma “virtude especialmente apropriada ao direito e a mais

jurídica das virtudes”. Quando dizemos que uma determinada coisa ou acontecimento

é justo, estamos a associar o vocábulo justiça a como que uma espécie de harmonia.

No entanto, a caracterização desta ciência autopoiética, apesar de exaustiva,

continua a confundir frequentemente uma conduta obrigatória de uma conduta que é

devida. Para além disso, deixa um espaço insuficiente para as diferenças em espécie de

entre as regras jurídicas e as regras morais. No entanto, são estes os traços mais

genéricos e principais que podemos ter em consideração para uma definição de aquilo

que é o “Direito”. Para Hart, a asserção de que uma lei injusta ou imoral não é lei tem

um “timbre de exagero e de paradoxo, se não de falsidade”.

A obrigação jurídica

A partir do jusracionalismo iluminista e, sobretudo em momento ulteriores ao

período de codificação que sucedeu com a Revolução Francesa, procurou-se afirmar a

força vinculativa das normas jurídicas, como independentes da adesão e da consciência

dos seus destinatários. Christian Thomasus considerava que a força vinculativa externa

do Direito assentava numa ordem jurídica coativa, enquanto a força vinculativa interna

desta ciência jurídica resultaria das normas, valores ou princípios associados à Moral. A

ideia de uma obrigação moral referir-se-ia às prescrições autónomas do sujeito moral,

enquanto entidade Auto legiferante que a si próprio dava regras, em termos de ação

para a universalidade.

Todo o empreendimento positivista tendeu a depurar o conceito de dever-ser

jurídico de conotações éticas e metafísicas, chegando mesmo a substituí-lo por uma

imputabilidade de uma sanção no caso de uma norma ter sido violada. Estamos perante

1 Esta obrigação jurídica será objeto de estudo numa fase posterior destes apontamentos com recurso ao manual do professor José Lamego.

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uma visão do Direito como uma ordem coativa. Esta perceção concebe, também ela, a

norma jurídica como um imperativo acompanhado de uma sanção.

John Austin definiu Obrigação jurídica. Para Austin: “a command, duty and

sanction are inseparably connected terms (…) Each of the three terms signifies the same

notion, but each one denotes a different part of that notion and connotes a residue”.

Herbert Hart também deu um contributo fundamental nesta análise. No entanto,

a sua abordagem era diversa. Esta consegue superar a visão imperativista das normas e

a teoria impredictiva da obrigação jurídica mediante a introdução do conceito social de

obrigação. Para este autor, qualquer sistema jurídico desenvolvido criava na esfera

jurídica dos seus particulares um conjunto de direitos e obrigações (devemos estender

este conceito também para com um conjunto de imunidades, poderes, ou direitos

potestativos). Portanto, as obrigações jurídicas são socialmente mutáveis porque

podem ser extintas, modificadas ou alteradas pelas entidades competentes.

No seu manual de o Conceito de Direito (página 95) Hart diz que “a afirmação de que

alguém tem ou está (é obrigado) sujeito a uma obrigação traz na verdade implícita a

existência de uma regra”. Ter uma obrigação é substancialmente diferente do que ser

obrigado a fazer algo. Quando temos uma obrigação de fazer (x), quer-se dizer que a

realização de uma determinada conduta é necessária para evitarmos infligir o mal a

alguém ou a nós próprios. Afirmar que alguém “tem uma obrigação” não é equivalente

a uma afirmação sobre sentimento de compulsão experimentados pelos agentes. Se a

obrigação jurídica cifrasse-se num mero “ser obrigado” não conseguiríamos distinguir

as injunções jurídicas de aquelas imposições que nos são feitas por exemplo para nos

tornarmos “gangsters”, exemplo este dado pelo professor José Lamego no seu manual.

O “dever-ser” do Direito- concetualização genérica

A ideia de que um “ser” não se pode extrair de um enunciado de “dever-ser”

proveio da Lei de Hume. “A distinção ser/dever-ser fundamentou uma ciência descritiva

do Direito em Bentham, Kelsen e Hart”- Lamego, José, Hermenêutica e Jurisprudência,

“Uma análise da Teoria da Receção”.

Dever ser é um enunciado substancialmente diferente de ter de ser. A utilização

de enunciados de deveres-ser, sejam eles jurídicos ou morais, só deve, de acordo com a

opinião do professor José Lamego, ser feita em referência às “regras constitutivas do

facto institucional em causa”. Por exemplo, só se pode afirmar que o sujeito A deve fazer

x. Quando dizemos que o sujeito A deve fazer x durante um jogo de futebol, este

enunciado quer dizer que os restantes jogadores estão adstritos à adoção do

comportamento que é devido pelo sujeito A. Contudo, apesar de podermos expressar

oralmente a ideia de que o sujeito A deve adotar a conduta correta, podemos não estar

a concordar com ela, considerando que a norma de comportamento é socialmente

incorreta ou até mesmo injusta. Por exemplo, os jogadores de futebol deviam poder

usar a camisola de fora dos calções, no entanto, não o podem fazer, pelo menos

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enquanto não começar a partida. Um outro exemplo, os jogadores de futebol devem,

de acordo com as “regras de futebol amigável” ceder a bola à outro equipa como forma

de demonstração de “fair-play”. No entanto, tal facto não quer significar que acreditem

mesmo na conduta é a mais correta para ser adotada durante o jogo. “Esta tese de

possibilidade de conhecimento sem aceitação fundamenta a conceção de positivismo

metodológico ou conceitual”.

O Direito pretende orientar a conduta humana, estabelecendo ao Homem como

esta deve processar-se, ou seja, impondo uma determinada atuação. As leis que a ordem

normativa compreende não se destinam a descrever como se processa a conduta do

Homem, mas antes como esta “deve ser”, isto é, como se deve processar.

Desta forma, a ordem normativa não pode deixar de ser dotada de

imperatividade: para atingir aqueles fins, é imprescindível que as leis sejam acatadas,

não podendo o seu cumprimento ser deixado à livre opção dos seus destinatários. No

entanto, o Homem, destinatário único destas normas, é dotado de vontade, pelo que

esta lhe permite optar, em termos fácticos, entre o cumprimento e o não cumprimento

das leis, sendo estas, então, violáveis. Deste modo, verifica-se que a ordem normativa é

dotada também de violabilidade. Contudo, do não cumprimento da norma, surgem

sanções, ou seja, consequências desfavoráveis derivadas do mesmo, verificando-se

ainda outra característica: a existência de sanções.

Segundo Kaufmann, “o direito é a correspondência entre o dever e o ser (…), não

tem um carácter substancial, mas sim relacional, o direito no seu conjunto não é

portanto um complexo de artigos da lei, um conjunto de normas, mas sim um conjunto

de relações.» Por outras palavras, procura-se «um caminho “em forma de espiral”

(“espiral hermenêutica”), em que dever (ideia de direito, norma) e ser (hipotética

situação da vida, caso) são reciprocamente postos em correspondência.

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Posições Jurídicas

A polémica entre o Jusnaturalismo e o positivismo jurídico gira em torno da

relação que é estabelecida de entre a Moral para com o Direito. De acordo com os

adeptos da corrente jusnaturalista, as normas positivas determinadas pelos homens são

direito somente na medida em que se ajustam ao direito natural e não o contradizem.

Jusnaturalismo

São inúmeras as teses que defendem a existência de uma relação de entre o

Direito e a Moral. Contudo, nem todas têm o mesmo caráter lógico. Na generalidade, as

teses jusnaturalistas defendem que as normas de um sistema refletem os valores e as

aspirações gerais de uma comunidade, devendo adequar-se a um conjunto de princípios

morais e de justiça válidos em termos universais, independentemente de serem aceites

pela sociedade em que se aplicam. Estas normas devem ser reconhecidas e tornarem-

se como padrões efetivos vigentes no seio de uma comunidade. Conceitualmente, é

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impossível haver uma distinção taxativa de entre normas jurídicas e normas morais. A

aplicação do Direito por parte das entidades jurídicas competentes recorrendo não só

às normas, mas também a princípios morais e de justiça fundamentais.

De acordo com algumas das teorias jusnaturalistas, se uma norma se constitui

regra num determinado sistema jurídico, ela terá necessariamente força moral

obrigatória, deverá ser aplicada corretamente pelos juízes e obedecida pelos

particulares. A ciência jurídica deverá encarar a tarefa de formular princípios de justiça

aplicáveis a diferentes situações jurídicas relevantes, avaliando até que ponto o sentido

que se extrai com recurso aos critérios interpretativos podem ajustar-se às exigências

da situação de facto. De acordo com os teóricos jusnaturalistas, o reconhecimento de

um sistema normativo como uma ordem jurídica ou como uma regra requer uma

verificação da satisfação das condições fácticas, mas também deve existir um

ajustamento destes princípios da moral e da justiça.

Algumas são de natureza fáctica porque pretendem descrever o que ocorre na

realidade, ao passo que outras são de tipo valorativo ou normativo e destinam-se a

estabelecer aquilo que deve ou não deve ser feito. Depois, temos algumas teses de

índole conceitual que versam sobre a caracterização ou definição de certas noções,

como a de sistema jurídico e norma jurídica, por exemplo.

A conceção jusnaturalista de conceber o Direito pode ser vista de acordo com

duas teses: a tese da filosofia ética, que afirma a existência de princípios morais e de

justiça universalmente válidos e acessíveis à razão humana; a tese relativa à conceção

de Direito, segundo a qual um sistema normativo ou uma norma não podem ser

classificados como “jurídicos” se estão em desacordo com os princípios da moral e da

justiça. Embora os jusnaturalistas concordem, substancialmente, na necessidade de

defesa das duas teses, estas acabam por divergir no que respeita à origem, fundamento

e determinação dos princípios morais e de justiça que constituem o chamado “Direito

Natural”.

O Jusnaturalismo teleológico, sob orientação de São Tomás de Aquino, afirma

que o direito natural é a parte da ordem eterna do universo originado em Deus e

acessível à razão humana. Segundo essa conceção, as leis positivas devem ser o

“corolário do direito natural” ou devem ter a função de determinação aproximativa,

prescrevendo os postulados gerais do Direito Natural. De acordo com esta corrente

teleológica, nenhuma ordem positiva tem força obrigatória se não concordar com os

princípios de Direito Natural.

Sendo a ordem jurídica criada sob a égide de Deus, o Direito Natural tem de ser

respeitado em todas as situações porque: verdadeiro; válido; existente; universal;

imutável e aplicado a todos os Homens. Estes teóricos consideram que as leis positivas

têm única e simplesmente a função de “coação dos mandados de Direito Natural”.

O Jusnaturalismo racionalista teve origem no chamado movimento Iluminista

dos séculos XVII e XVIII, sendo adotado, de entre outros, por Kant. Segundo esta

conceção, o direito natural não deriva das “ordens de Deus”, mas da natureza ou

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estrutura da razão humana. Os juristas racionalistas tentaram procurar detalhados

sistemas do próprio Direito Natural, cujas normas básicas constituíam supostos axiomas,

evidentes por si mesmo à razão humana. Este método influenciou fortemente a

dogmática jurídica, que é a modalidade do direito predominante nos países da Europa

Ocidental.

A conceção historicista, de autores como Savigny e Puchta, procura inferir

normas universalmente válidas a partir do desenvolvimento da história humana. Supõe-

se que a História é movida por uma necessidade interna que conduz para algum destino.

A direção da História constitui o critério que, segundo esta corrente historicista, nos

permite distinguir o bem do mal. De acordo com este Jusnaturalismo Historicista, certas

normas ou valorações derivam de determinadas descrições ou previsões sobre a

realidade, i.e., o que deveria ser ou o que se deduz que será.

Portanto, apesar da diversidade quanto à origem e quanto ao conteúdo dos

princípios do próprio Direito Natural, o Jusnaturalismo pode ser caracterizado pela

adesão às teses afirmadas anteriormente. Em sima “a corrente do Jusnaturalismo

defende que o direito é independente da vontade humana, ele existe mesmo antes do

homem e acima das leis do homem. Para os jusnaturalistas o direito é algo natural e tem

como pressupostos os valores do ser humano, e busca sempre um ideal de justiça.”

Sumariamente, segundo a doutrina Jusnaturalista, antes do próprio Direito

Positivo, existem normas anteriores e superiores á ordem positivada. Mas dentro do

naturalismo ligado ao próprio mundo do Direito, temos o jusracionalismo que se rege

segundo princípios da razão que são as normas anteriores que devem ser consignadas,

designadamente aquela vertente utilitária desenvolvida por Jeremy Bentham. De

acordo com a última, se o direito positivo não estiver de acordo com os princípios

relacionais, pode mesmo ser derrogado. Os preceitos racionais assumem mais

importância do que propriamente o próprio direito positivado. Também as normas

positivas podem ser derrogadas quando não estão de acordo com os princípios da razão.

O Positivismo

Os positivistas creem na existência de uma separação absoluta de entre o Direito

e a Moral. No positivismo, a Moral baseia-se unicamente a atos externos. Não pode

existir qualquer intersecção de entre o dever moral para com o dever jurídico, porque

enquanto o dever moral tem a sua garantia e o seu próprio fundamento pela própria

“natureza” das coisas, o dever jurídico observa-se através do cumprimento, e pela

infração, será legítimo o recurso à coação.

A este dever jurídico associamos portanto a coercibilidade. Nesta corrente,

sabemos que as normas jurídicas são mais facilmente mutáveis porque não teremos de

recorrer aos valores e princípios do Direito Natural.

Para os positivistas devemos conceber o direito como: “ (…) sistema cuja

abrangência pode ser verificada de modo empírico, de forma objetiva e conclusiva,

independentemente das valorações subjetivas que tenhamos”.

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Correntes Positivistas

De entre as demais correntes positivistas, há que denotar o Ceticismo ético. A

esta corrente podemos subsumir Hans Kelsen e Alf Ross, enquanto positivistas

empiristas, bem como Jeremy Bentham e John Austin, estes últimos, tidos como autores

positivistas modernos. Esta corrente concebe a ausência de princípios morais e de

justiça universalmente válidos e cognoscíveis por meios racionais objetivos.

Hans Kelsen e Alf Ross, defendem que os únicos juízos cuja verdade ou falsidade

pode ser decidida de maneira racional são os juízos que possuem um conteúdo

empírico. De acordo com estes autores, os enunciados morais não satisfazem esta

condição e não expressam, portanto, proposições genuínas, que possam ser suficientes

para uma classificação da sua veracidade ou falsidade. Os enunciados valorativos são

subjetivos e relativos, pelo que limitam-se a expressar estados emocionais. Segundo

Kelsen, as tentativas de justificar racionalmente certos princípios de justiça costumam

incorrer num vício lógico do ser e do dever-ser.

Para Bentham, existe uma possibilidade de se conseguir justificar racionalmente

um princípio moral universalmente válido. O utilitarismo de Bentham deve ser

subsumido aqui para esta matéria, no sentido de que “uma conduta é moralmente

correta quando contribui para aumentar a felicidade do maior número de pessoas”.

Devemos concluir que não é correto identificarmos o positivismo jurídico com o

ceticismo. Antes, a nossa conclusão deve ir no sentido de que a postura adotada por

Kelsen e Ross não é essencial. A crença na existência de princípios morais e de justiça

universalmente válidos e justificáveis é, como percebemos na atualidade, perfeitamente

compatível com a conceção positiva de Direito.

Dentro do positivismo ideológico, de Norberto Bobbio, diz-nos que o direito

positivo tem força obrigatória e as suas disposições devem ser necessariamente

obedecidas pela população e aplicadas pelos juízes, prescindindo de quaisquer

“escrúpulos” morais, independentemente do conteúdo das normas. Esta corrente crê

na consideração de um único princípio moral por parte dos juízes: “devemos observar

única e simplesmente aquilo que o Direito Positivo dispõe”. O positivismo ideológico

rejeita a validade ou a força obrigatória das normas jurídicas que derivem da

concordância com os princípios morais e de justiça, i.e., de uma norma não positiva,

básica, assumida como um mero pressuposto epistemológico.

“A lei é a lei, que significa que qualquer ordem jurídica é direito e, como tal, seja

qual for o espírito e a sua temática, deve ser obedecida”.

O positivismo ideológico define o Direito em termos puramente fácticos, porque

as proposições sobre as quais o Direito vigente dispõe são reduzíveis única e somente a

proposições sobre factos. Tal, acaba sempre por não expressar razões operativas para

justificar ações ou omissões. Quando estamos perante uma ação moralmente relevante,

as razões morais excluem as razões prudenciais constituídas por desejos ou interesses,

que acabam por se tornar insuficientes para justificar ações ou omissões. Os juízes,

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como todos nós, não podem evitar a adoção de posturas morais em matérias de especial

relevância.

Analisemos a posição complexa adotada por Kelsen. Em momento algum, Kelsen,

na sua obra Teoria Pura do Direito, afirma da necessidade de aceitação de uma norma

básica que determina que uma norma positivamente vigentes “deva” ser cumprida. Este

autor fala apenas de uma “aceitação hipotética da norma básica por parte do jurista

para descrever, e não para aplicar o Direito”. Não nega que os juízes possam ter que

deixar de aplicar normas jurídicas nas suas decisões por motivações morais Para Kelsen,

uma norma jurídica é composta, não de factos, mas de entidades que pertencem ao

mundo do “dever-ser”. Chegamos então à conclusão de que este autor não é um

verdadeiro positivista ideológico, porque não crê na existência de uma qualquer

obrigação moral de obedecer ou aplicar uma norma jurídica.

O formalismo jurídico corresponde a uma corrente positivista que expressa a

estrutura do ordenamento jurídico, concebendo o Direito como uma ciência

autopoiética composta exclusiva e predominantemente por atos legislativos, ou seja,

por normas elaboradas de uma determinada forma constitucionalmente exigida e

aprovadas por sujeitos com legitimidade democrático-representativa para tal. De

acordo esta corrente a ordem jurídica é sempre completa quando não tenha lacunas

legislativas nem contradições e precisa, quando as normas aprovadas não são vagas,

contendo inúmeros conceitos indeterminados e cláusulas abertas.

De acordo com os adeptos desta corrente, “o Direito é composto exclusiva e

predominantemente por preceitos legislativos, ou seja, por normas promulgadas de um

modo explícito e deliberado por órgãos centralizados”.

Para os formalistas, “uma ordem jurídica pode ser integrada por normas

consuetudinárias e jurisprudenciais, além das normas legisladas”. Tomemos em

consideração as posições que são tomadas por Kelsen, Ross e Hart nestas matérias. Ross

e Hart consideram que o “Direito não é um sistema autossuficiente nas soluções, o que

muitas vezes deixa os juízes sem outra alternativa, senão recorrer a princípios ou critérios

não jurídicos para justificarem as suas decisões”. Kelsen acha que o Direito é uma ciência

que não apresenta qualquer lacuna ou contradição lógica, embora admita a existência

de indeterminações linguísticas que fazem com que o Direito apresente várias soluções

que os juízes podem subsumir para com o caso concreto.

Por último, dentro do positivismo, temos de fazer referência a uma corrente

muito importante denominada por positivismo metodológico ou conceitual. Nesta,

o conceito de Direito é independente de qualquer descrição valorativa que lhe possa ser

aposta. “O Direito não deve ser caracterizado de acordo com propriedades valorativas,

(…) mas apenas de acordo com propriedades meramente descritivas”. A descrição de

aquilo em que consiste efetivamente a ciência autopoiética em causa depende apenas

de uma enunciação de factos observáveis empiricamente, não de valores e princípios da

Moral.

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É muito importante saber que este positivismo metodológico ou conceitual não

se opõe totalmente à tese jusnaturalista racionalista, segundo a qual existem princípios

morais e de justiça universalmente válidos e justificáveis de modo racional. “É

perfeitamente coerente dizer que certo sistema é uma ordem jurídica. Esta linha de

positivismo não envolve, portanto, uma tese de filosofia ética exacerbada e não implica

necessariamente uma postura cética em relação à justificação sobre os juízos de valor

que podem vir a ser considerados.

Argumentos das duas posições jurídicas

A controvérsia destas duas posições jurídicas reside no sentido atribuído à

expressão linguística Direito, que passou a ser encarada de dois ângulos distintos: em

alguns contextos a palavra Direito é empregada sem qualquer conotação valorativa; em

outras situações o “qualificativo jurídico” deve ser empregue com alguma conotação

moral ou valorativa.

A visão do positivismo pela parte naturalística é a da consideração de uma

“ambiguidade máxima”, na medida em que as diferentes teses positivistas fazem

referência a posturas diferentes que nem sempre têm relação entre si, ou que, em

muitos casos, haviam sido rejeitadas por autores declaradamente positivistas.

Por outro lado, os positivistas formularam vários argumentos a favor da definição

da palavra “Direito” a partir das propriedades descritivas, excluindo as valorativas

porque tal comprometeria, segundo eles, a neutralidade dos enunciados no aspeto

axiológico bem como tornaria a comunicação ineficiente e ineficaz, porque dependente

de noções subjetivas e relativas.

A tese usada pelos jusnaturalistas de que o nazismo foi um resultado de uma

aplicação positiva das normas jurídicas na Alemanha é ultrapassada pelos positivistas:

“os regulamentos do regime nazi, não sendo verdadeiras normas jurídicas, eram (e são)

inoperantes para legitimar os atos executados em concordância com eles”.

No entanto, nem todos os positivistas eram céticos em matéria ética, na medida

em que nem todos eles defendem uma conceção puramente descritiva de aquilo em

que consiste o Direito. É completamente impossível os juízes conseguirem tomar uma

decisão para com o caso concreto sem adotarem uma determinada postura moral

Sabemos que os padrões morais variam de sociedade para sociedade e de entre

os demais períodos históricos. “O que um povo, em certa época, considera moralmente

abominável, outro povo, em épocas ou lugares diferentes, julga perfeitamente razoável

e legítimo”. Para os positivistas: “os conflitos sociais devem ser resolvidos, não de acordo

com os caprichos das apreciações morais” das entidades aplicadoras do Direito, mas

com base em normas jurídicas estabelecidas, acaba por tornar possível a ordem, a

segurança e a certeza nas relações sociais.

Portanto, no que se refere à definição de Direito, a posição que parece ser a mais

acertada é a do positivismo metodológico ou conceitual.

Page 13: Análise do discurso jurídico resumo completo

Faculdade de Direito da UNL 003538

13

Toda uma interpretação das posições adotados pelos demais filósofos ao longo

das épocas, nos sugere, atualmente, que: “tudo o que é dito na linguagem positivista

pode ser traduzido para a linguagem jusnaturalista (…) embora a tradução seja, em

alguns casos, muito complicada”.

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Linguagem Jurídica

As normas jurídicas são “uma espécie da classe geral das normas e as normas

são um caso do uso prescritivo da linguagem”.

Linguagem prescritiva

Desde muito tempo, a linguagem é usada para “transmitir informações ao

mundo”, mas obviamente que essa não é a sua única função. A linguagem tem uma

função: de uso informativo, quando utilizada para descrever determinados factos ou

coisas; de uso expressivo, quando empregamos uma linguagem para expressar emoções

ou para provoca-las no interlocutor; para uso interrogativo, nos casos em que a oração

tem como intuito solicitar um determinado tipo de informação ao interlocutor; uso

operativo, tida pela pronúncia de certas palavras em determinadas condições que

acabam por implicar a realização da ação a que as palavras se referem; e um uso

prescritivo ou operativo que ocorre quando aquele que fala pretende direcionar o

comportamento do outro, influenciando-o à realização de uma determinada ação.

As orações diretivas distinguem-se por serem formuladas com a intenção de

influenciar no comportamento de outro. Tal caráter não é prejudicado pelo facto de

alcançarem ou não o seu propósito. Para o sucesso de uma oração diretiva temos de

considerar: a ascendência do emissor ao destinatário; a possibilidade de o destinatário

cumprir ou não o comportamento indicado; a aceitação da diretiva ou o estímulo da sua

aceitação com recurso à ameaça ou à premiação. Estas orações diretivas caraterizam-se

pela ausência de sentido, na medida em que não podemos afirmar que as mesmas são

verdadeiras ou falsas.

Nas asserções a sua maior certidão já nos permite apreciar da sua veracidade ou

falsidade, nomeadamente quando estas se referem ao estado de coisas que acontecem

na própria realidade.

“O uso do verbo da oração no modo imperativo é um bom recurso para expressar

a intenção de direcionar o comportamento ao destinatário, mas não é (…) uma condição

necessária ou suficiente para que uma oração expresse uma diretiva.” A Diretiva será o

resultado de uma linguagem utilizada através de uma oração no indicativo (devias

estudar) ou através da emissão de uma proposição assertiva, mediante uma oração no

modo imperativo (Para ligares a televisão, tens de ligar primeiro os cabos).

Existem inúmeros tipos de diretivas. Aquelas que mais se destacam são as

ordens, os mandados e as imposições.

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14

As Diretivas que são ordens designam-se por prescrições caraterizam-se pela

superioridade que poderá ser física ou moral- infligimos um dano físico ou moral na

esfera de um terceiro. Quando a diretiva é uma prescrição ou ordem, o emissor não

submete o seu cumprimento à vontade do destinatário, como no caso de um conselho

ou de um pedido. Se o destinatário justificar a sua desobediência a uma prescrição, esta

não será vista pelo emissor como admissível, mas sim como um desafio à sua

autoridade. A prescrição é um termo muito amplo. Não se refere só a ordens. Também

temos de considerar como prescrições as permissões e as autorizações.

Uma permissão não precisa, obviamente, de derrogar uma ordem preexistente.

Estas têm uma certa relação com as ordens, na medida em que para que se diga que

alguém permitiu a adoção de uma determinada conduta, esse alguém, tem de ter

autoridade para ordenar, ou para proibir, alternativamente uma outra conduta. Por

exemplo, quando o pai diz ao filho. Podes andar de bicicleta, mas não podes andar de

mota.

As diretivas estão relacionadas com as normas. Contudo, nem toda a prescrição

é denominada norma, sobretudo aquelas que se baseiam numa imposição de uma

superioridade física. Além disso, nem toda a norma é prescrição.

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Sistemas Jurídicos

Os sistemas jurídicos como sistemas normativos

Um sistema jurídico, de uma maneira provisória é: “sistema normativo

reconhecido (em geral obrigatório), por determinados órgãos que o próprio sistema

institui, e que regula as condições em que esses órgãos podem dispor a execução de

medidas coativas em situações particulares, recorrendo ao monopólio da força estatal”.

Alchourrón e Bulygin caraterizaram os sistemas normativos como “sistemas

dedutivos de enunciados em que, entre as consequências lógicas, há pelo menos uma

norma, i.e., um enunciado que correlaciona um determinado caso à solução normativa-

(…) permissão, proibição e obrigatoriedade de certa ação”. Falamos então de um

sistema dedutivo de enunciados.

De acordo com esta definição, a mera presença de pelo menos uma norma no

conjunto de enunciados é suficiente para a classificação de um sistema enquanto

normativo.

Os sistemas jurídicos como sistemas coativos

Kelsen exagera quando afirma que todas as normas de um sistema jurídico

prescrevem sanções ou atos coativos. Este autor considerava que a coatividade era o

aspeto que permite fazer uma distinção de entre um sistema jurídico e um sistema

normativo.

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Assim como um sistema normativo tem de incluir um conjunto de enunciados e

de incluir pelo menos uma norma para ser considerado como sistema normativo,

também o sistema jurídico tem de incluir em si um conjunto de normas que prescrevam

sanções ou atos coativos, embora nem todas as normas aí existentes tenham de prever

consequências para com a realização de uma determinada conduta.

Joseph Raz coloca em causa a consideração necessária da coatividade enquanto

condição necessária de um sistema jurídico, contrariamente a Kelsen. Este autor

defende que, “embora todos os sistemas jurídicos que conhecemos incluam normas que

estipulam sanções em determinadas condições, essa é uma circunstância imposta pela

natureza humana, não sendo logicamente necessária para que classifiquemos um

sistema como jurídico.” De acordo com este autor, o conceito de Direito está

intimamente associado a um sistema que prevê medidas coativas: “muita gente

hesitaria a chamar Direito a um sistema que não estipulasse medidas coativas”. Para

Raz, quando se supõe o desaparecimento do Direito, o que se está a propor na realidade

é a existência de uma sociedade em que é desnecessário o uso de medidas coativas por

parte de certos órgãos.

Os sistemas jurídicos como sistemas institucionalizados

Segundo Herbert Hart, para distinguirmos o Direito de outros sistemas

normativos, como por exemplo a moral, não basta invocarmos a coatividade. Aqui,

devemos considerar que o Direito é constituído por normas primárias (obrigação) e

normas secundárias (de reconhecimento, de adjudicação e de mudança).

As normas fornecem ao sistema jurídico um caráter institucionalizado: “as

normas estabelecem autoridades ou órgãos centralizados que vão operar de uma

determinada maneira com as normas do sistema.”

De acordo com a teoria de Hart, as normas de mudança estabelecem os órgãos

criadores das normas jurídicas. As regras de adjudicação determinarão quem serão os

órgãos responsáveis pela aplicação das normas previamente definidas pelas de

mudança, ao passo que as regras de reconhecimento estabelecem algumas limitações

que têm de ser respeitadas pelos órgãos no processo de aplicação normativa.

Órgãos primários dos sistemas jurídicos

Dentro de um sistema institucionalizado, os órgãos primários são aqueles

encarregues de fazerem e alterarem as normas gerais de um sistema (legisladores num

sentido amplo). No entanto, a extensão dos órgãos primários num sistema jurídico

institucionalizado não se esgota aqui. Há ainda que considerar os órgãos encarregados

de determinar quais as normas que são aplicáveis a situações particulares, dispondo da

execução das medidas que as normas podem prescrever (juízes num sentido amplo). Em

sistemas institucionalizados, encontramos ainda órgãos que são responsáveis

fisicamente por executar as medidas cativas pré-determinadas pelos juízes, como por

exemplo órgãos policiais e de segurança.

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Raz imagina um sistema em que órgãos primários (incluindo juízes) não fossem

obrigados a aplicar determinadas normas nas decisões por si tomadas e, face de uma

situação concreta. Estes, seriam autorizados a resolver cada caso segundo os seus

próprios méritos, aplicando, para isso, discricionariamente, as normas ou os princípios

que considerassem mais justos ou mais convenientes. No entanto, esta descrição de Raz

vai de encontro a um sistema onde existe uma absoluta discricionariedade, pelo que

não podemos falar de um verdadeiro sistema jurídico.

A verdade é que, em todos os direitos desenvolvidos os órgãos primários são

obrigados a aplicar certas normas aos casos com que se defrontam. A discricionariedade

dos juízes não é reconhecida nos sistemas jurídicos modernos, sejam estes caraterísticas

da common law ou da civil law.

Parar Hart, a questão surge na prática ou regra socialmente praticada. Quando

as normas satisfazem determinadas tipos de condições são válidas e devem ser

aplicadas. A existência de uma prática social de reconhecimento (feito pelas normas de

reconhecimento) evidencia-se na aplicação reiterada das normas.

Critérios de Pertinência e Critérios de Individualização

Muitas vezes, dentro de um sistema jurídico, associa-se a questão da pertinência

de uma norma com a validade da mesma. Esta pertinência permite-nos aferir se uma

determinada norma integra ou não um sistema jurídico. Por outro lado, uma utilização

do critério de individualização permitir-nos-á fazer uma distinção de entre diversos

sistemas jurídicos.

A pertinência num sistema de normas derivadas

Este critério parece ser utilizado razoavelmente pela maioria dos autores. Esta

pertinência usual, vai certamente relevar para uma determinação da pertença de um

norma a um determinado sistema jurídico: “uma norma pertence a um sistema jurídico

quando o ato de determiná-la é autorizado por uma outra norma que pertença ao

mesmo sistema jurídico em questão”. Ou seja, uma norma é válida quando foi criada por

uma outra norma válida de um sistema jurídico. O facto de uma norma autorizar a

criação de outra, i.e., o facto de a última derivar da primeira quer dizer

fundamentalmente que a conduta de determinar a norma inferior é permitida pela

superior.

Kelsen, no seu critério de validade de uma norma jurídica2, diz-nos que uma

norma será válida quando concorda com o estabelecido por uma outra norma válida:

em face do órgão que tem competência para a produzir; e para com o procedimento

mediante o qual deve ser sancionada. Também temos de considerar a validade da

norma em relação ao conteúdo que a mesma dispõe, sendo este um elemento relevante

2 Critério este de validade que desenvolveremos num momento posterior de uma maneira muito mais aprofundada.

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considerado por Kelsen. Por exemplo, se queremos descobrir que a norma A pertence

ao sistema x, devemos encontrar uma norma B que aceitamos como pertencente ao

mesmo sistema x, que tenha autorizado o estabelecimento da norma em questão por

aquele que a sancionou, pelo procedimento que seguiu e em face do conteúdo que lhe

deu.

Porém, quando dizemos que uma norma é válida por provir de uma norma

superior, a cadeia de validação não pode progredir indefinitivamente. Mais cedo ou mais

tarde, precisaremos de encontrar uma norma cuja pertinência no sistema não dependa

da sua determinação por ter sido autorizada por uma outra norma, porque dada a

extensão das autorizações concedidas, chegaremos a um certo ponto, em que nenhuma

outra norma superior vai permitir a criação de uma outra norma. Tornar-se-á necessário

criar um outro critério superior de validade adicional que não requeira que uma norma

em questão tenha de derivar de uma outra, no sentido de que a sua promulgação tenha

sido autorizada por uma outra norma no sistema.

A pertinência no sistema de normas não derivadas

Critérios de Individualização

A conexão de entre a pertinência para com os demais critérios de

individualização é muito mais evidente no que respeita às normas derivadas.

Devemos em primeira mão denotar que esta conexão é aplicável às normas de

máxima hierarquia. O sistema terá que estabelecer certas condições que devem

satisfazer tanto a norma cuja pertinência no sistema é colocada em causa, como as

demais normas primitivas desse sistema, excluindo obviamente as normas dos outros

sistemas numa primeira fase. Estas serão as condições que à posteriori permitirão

distinguir um sistema jurídico de um outro.

Em primeiro, o critério territorial. Este está relacionado com o âmbito de

aplicação territorial do sistema: “Duas normas pertencem ao mesmo sistema jurídico

quando são aplicáveis no mesmo território; duas normas pertencem a diferentes

sistemas jurídicos quando são aplicadas em diferentes territórios.”

Para tal, devemos individualizar um determinado território no Direito, através de

uma determinação das normas que nele são aplicáveis. Num Estado, existem

determinadas circunscrições territoriais onde as normas aplicáveis são potencialmente

diferentes. Ou seja, primeiramente, distinguimos o território de um outro e depois

distinguimos um território estatal de um outro.

De acordo com o critério da origem no legislador certo, “uma norma pertence

ao sistema originado num soberano quando foi estabelecida diretamente por ele ou por

um legislador cuja competência deriva de outras normas estabelecidas pelo soberano”.

John Austin afirma que uma ordem jurídica se distingue de outra pelo legislador que

direta ou indiretamente determinou as normas que integram o sistema, i.e., um sistema

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jurídico é constituído por todas as normas que um legislador determinou e pelas que

foram determinadas por outros órgãos aos quais esse mesmo legislador delegou

competências. Este critério implica que uma mudança no legislador original determine

uma mudança der sistema jurídico mesmo que este esteja integrado pelas mesmas

normas. Isto é admissível quando ocorre uma mudança revolucionária do soberano, mas

não podemos assumir isto quando estejamos perante um fenómeno de sucessão ao

trono.

Em relação à pertinência e individualização, o critério da norma fundamental,

definido por Kelsen, determina a validade de uma norma pela sua derivação de outra

norma válida. Uma norma positiva superior chega a todas as outras, sendo concebida

como critério de validade de aquelas que lhe advém. Este fenómeno é subsumida a uma

norma fundamental: “aqueles que elaboraram a Constituição estão autorizados a fazer

isso (…). Deve ser o que o legislador original estabeleceu e a coação deve ser exercida

nas condições prescritas pela Constituição."

Ainda neste âmbito institucional de um sistema jurídico, temos de considerar o

critério baseado na regra de conhecimento de Hart3. Na sua teoria, a pertinência

estipula que uma norma pertence a um determinado sistema jurídico quando a sua

aplicação for prescrita pela regra de reconhecimento desse mesmo sistema jurídico. A

individualização, como está supra referido, estabelecerá que um determinado sistema

jurídico se distingue de um outro pelo facto de a aplicação de todas as suas normas estar

direta ou indiretamente prescrita por uma regra de reconhecimento diferente da que

prescreve a aplicação das normas de outro sistema. Hart esclarece que não tem sentido

declarar a validade ou invalidade da regra de reconhecimento pois ela serve, para

determinar quando as demais normas são válidas.

A única forma de distinguirmos a norma fundamental de Kelsen das demais

normas fundamentais é considerar o conteúdo. Para esta tarefa, é preciso antes ter

individualizado o sistema jurídico ao qual a norma fundamental confere validade. A

regra de reconhecimento de Hart, enquanto considerada como norma positiva, faz

supor que possa ser individualizada, distinguindo-se das outras pelo conteúdo e pelo

espaço social onde é aplicada.

Temos, por último, o critério baseado no reconhecimento dos órgãos primários

de Joseph Raz. De acordo com este autor, os critérios de individualização e de

pertinência não devem basear-se na identidade de um órgão criador de normas

(contrariamente àquilo que dizia Austin) ou na individualização de certa norma ou regra

primitiva (tal como defendiam Hart e Kelsen simultaneamente). Os critérios deviam sim,

basear-se numa aplicação das normas por parte dos juízes ao caso concreto. Este critério

parece ser decisivo para conferir uma unidade ao grupo de normas e para declarar que

uma norma pertence ao grupo unitário formado.

Raz, carateriza, como está supra referido, os órgãos primários como “aqueles

órgãos facultados a adotar decisões com força obrigatória”. Esta faculdade deriva das

3 Será desenvolvido, também este, numa fase posterior destes resumos.

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normas de pertinência do sistema, pelo que para determinar quais os indivíduos que

gozam de tal poder, deve-se definir as normas que efetivamente pertencem ao sistema.

Para determinar quais as normas que pertencem a um sistema, será então necessário

verificar se elas são reconhecidas pelos órgãos primários. Quando seja exigido que os

órgãos sejam autorizados a decidir quando está em causa o uso da força a verificação

da sua permissibilidade, a determinação de quais são os órgãos primários competentes

será feita com um recurso às normas do sistema.

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Teoria Pura do Direito- Hans Kelsen

A Pureza

A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito Positivo em geral. Esta, não está

vocacionada para uma ordem jurídica em especial. Kelsen, na sua obra, fornece-nos

matrizes gerais sobre a forma como a interpretação jurídica deve ser conduzida.

O principal objetivo da sua obra é conhecer o objeto do Direito. A sua pureza

está relacionada com um conhecimento efetivo de aquilo que se dirige somente ao

Direto, excluindo tudo aquilo que não possa ser abrangido pelo seu objeto. Procura este

autor libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos,

constituindo-se tal como o princípio metodológico fundamental. Supostamente,

utilizando este método, conseguimos evitar um sincretismo, i.e., da reunião de

doutrinas diferentes que obscurece a ciência jurídica e dilui os limites que lhe são

impostos pela natureza do seu objeto.

Dever Jurídico e o Dever-ser

A palavra dever está ligada à ideia de um valor moral absoluto, sobretudo com a

ética desenvolvida nos primórdios por Immanuel Kant. Esta assunção pressupõe

evidentemente que hajam deveres absolutos e inteligíveis para todos.

Os ordenamentos jurídicos não somente são compostos por normas que

prescrevem ou proíbem uma determinada conduta, mas também por normas que

atribuem poderes ou competências. Estas últimas, concedem autorização a um sujeito

no sentido de este poder adotar uma determinada conduta. Por exemplo, as normas

constitucionais de competência dos artigos 164º e 165º CRP, conferem competências

ao legislador nacional para levar acabo toda uma atividade normativa.

O conceito de dever jurídico refere-se exclusivamente a uma ordem jurídica

positiva e não tem associado qualquer espécie de conotação ou implicação moral.

Kelsen reconhece que um dever jurídico do qual se extrai uma determinada conduta,

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pode ser prescrito num qualquer sistema moral, mas esta moralidade de conteúdo pode

ser afastada. Kelsen adota aqui uma posição tendencialmente positivista. O dever

jurídico não impõe a adoção da conduta devida, porque não se constitui como um

pressuposto de um ato de coerção.

O conceito de dever-ser goza de uma maior amplitude porque passamos do

plano abstrato para com aquilo que efetivamente aconteceu na realidade. Aqui, o

sujeito não se comporta da maneira como se devia comportar. A terminologia dever-ser

é empregue para “designar (…) o sentido da norma que prescreve uma determinada

conduta mas também o sentido da norma que positivamente permite uma determinada

conduta ou a autoriza”. O dever ser já é utilizado para abranger os comportamentos que

devem ser adotados pelos sujeitos jurídicos, para que estes não vejam na sua esfera

jurídica um conjunto de consequências associados. No dever ser jurídico já temos

associada uma ideia de coercitividade que ronda toda a ciência autopoiética.

Dever Jurídico e a Sanção

“A conduta de um indivíduo prescrita por uma ordem social é aquela a que este

indivíduo está obrigado”. Um indivíduo tem a obrigação de mediata ou imediatamente

adotar um determinado comportamento em face de um outro sujeito.

Se o Direito é considerado como uma ordem coercitiva, uma conduta apenas

pode ser considerada como objetivamente prescrita pelo Direito como conteúdo de um

dever jurídico que foi adotado pelo sujeito destinatário da norma em causa. Se a

conduta devida não foi adotada, o Direito pode associar à situação concreta uma sanção.

Uma norma jurídica estatui um dever jurídico. O dever jurídico associado ao ser

implica a adoção de um determinado comportamento que não contrário àquele que se

encontra previsto na norma. O dever jurídico tem, tal como a norma jurídica, uma

caráter geral e abstrato, porque se aplica a um conjunto de destinatários não definidos

e não identificados. Normalmente, um conjunto de pessoas deve adotar o

comportamento devido, quando não o faz, terão um conjunto de consequências

associadas por essa mesma violação.

Logo, “o sujeito de um dever jurídico é o indivíduo cuja conduta é o pressuposto

a que é ligada a sanção dirigida contra esse indivíduo”.

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Dinâmica Jurídica- Teoria de Kelsen sobre as normas jurídicas

Normas Jurídicas

John Austin, na sua obra “The Providence of jurisprudence Determined”,

conseguiu definir a norma jurídica como: “mandados gerais formulados pelo soberano

em mão de seus súbditos”. Toda a norma jurídica, de acordo com Austin, exprime uma

ordem ou uma regra. Com as normas, o Direito manifesta a sua intenção em que alguém

se comporte de uma determinada maneira. Quando pretendemos causar um prejuízo a

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alguém, tendemos a comportar-nos de uma maneira contrária àquela pretendida pela

norma estabelecida.

A norma jurídica, tem três elementos: o sujeito destinatário da ordem; o ato que

deve ser realizado; e a ocasião em que tal ato hipoteticamente se realizará. Para além

disto, devemos ainda considerar que as normas apresentam um operador imperativo,

que é quem ordena aos sujeitos a realização do ato em questão.

Hans Kelsen, sem conhecer a elaboração original de Austin, formulou a sua

própria conceção de norma jurídica, análoga em muitos aspetos àquela de Austin, mas

esta também apresenta importantes diferenças.

a) As normas jurídicas como juízos de “dever-ser”

Kelsen distingue de entre dois tipos de juízos: os de “ser” e os de “dever-ser”.

Enquanto os juízos de “ser” são enunciados descritos, cuja veracidade pode ser aferida,

os juízos de “dever-ser” são diretivos, pelo que a averiguação da sua veracidade ou

falsidade não faz qualquer tipo de sentido. Na opinião de Kelsen, “nenhum juízo de dever

ser pode derivar logicamente de premissas que sejam apenas juízos de ser”. Os juízos de

dever são importantes no processo interpretativo, pois o seu sentido é composto por

um ato de vontade, i.e., de atos cuja intenção se destina a uma atuação de uma pessoa.

Estes juízos de dever ser pressupõem a vontade constante de quem a formulou, no

sentido de que se cumpra a conduta prescrita.

Para Kelsen, a vontade que é caraterística dos mandados e apenas concomitante

nas normas, pode ser substituída por outra propriedade que as normas têm e que as

diferencia dos mandados ou ordens. Esta propriedade determina a validade de uma

norma jurídica, pelo que com esta, a mera existência das normas é suficiente para a sua

obrigatoriedade.

Para Kelsen, as normas são “juízos de dever-ser que expressam o sentido objetivo

de um ato de vontade”. Distingue ainda as normas de ordens, porque estas últimas são

“a expressão da mera intenção subjetiva de quem as formula”.

b) A estrutura das normas jurídicas

“As normas constituem técnicas de motivação social”, ou seja, são instrumentos

utilizados para induzir o ser humano a se comportar de um determinado modo. Para

induzir o ser humano ao cumprimento, Kelsen distingue de entre duas técnicas de

motivação: a motivação direta, que se carateriza pelo fato de as normas indicarem

diretamente a conduta desejável, e de pretenderem motivar as pessoas apenas usando

a autoridade ou a racionalidade na própria norma (quem matar vai ser punido com uma

pena de prisão); por outro lado, Kelsen concebeu uma técnica de motivação indireta,

segundo a qual, uma norma pretende motivar as pessoas sem indicar diretamente a

conduta desejável, mas estabelecendo uma sanção para a conduta indesejável ou um

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prémio para a desejável (quem se portar bem na escola, vai certamente receber prendas

no Natal).

“As normas jurídicas também constituem casos de técnica de motivação indireta”.

Ao contrário das normas religiosas, Kelsen associa, como supra referido, a

coercividade, enquanto caraterística atinente às normas jurídicas. Para este autor, uma

norma jurídica prevê uma sanção jurídica. Para tal, recorre à terminologia de Von

Wright: “o conteúdo das normas jurídicas é um ato coercitivo que priva alguém de um

bem”.

Como vimos atrás quando abordamos o dever-ser na “Teoria Pura do Direito”, a

questão do “dever-ser” tanto satisfaz as situações em que o ato é permitido ou

autorizado, mas também se refere àquelas situações em que o ato é obrigatório.

c) Tipos de Normas Jurídicas

No que respeita ao critério de aplicação, Kelsen carateriza as normas enquanto

categóricas e hipotéticas. As categóricas são essencialmente as sentenças judiciais. As

leis são, em geral, normas hipotéticas. Quanto aos destinatários, a norma pode

distinguir-se de entre a geral (norma que se refere a tipos de indivíduos e tipo de

ocasiões indeterminadas) e a particular (norma em que se especifica um ou alguns

indivíduos ou alguma ocasião determinada). Por essa mesma razão, as sentenças são

em geral normas particulares, e, em oposição, as leis são quase sempre gerais.

Para Kelsen, as normas jurídicas têm como destinatários aqueles agentes

responsáveis por “servir a justiça” ou por garantir uma execução das normas. As normas

constituem-se como “uma técnica indireta de motivação da conduta dos cidadãos”.

Uma outra distinção importante feita por este teórico, foi a consideração da

existência de normas primárias e de normas secundárias. As norma primária é uma

norma que tem como conteúdo um ato coercivo que é classificado como devido. Esta

prescreve, em certas condições ou não, a privação dos bens de um sujeito por meio da

força. Estas são genuínas, o que significa que uma ordem jurídica é integrada apenas por

elas. As normas jurídicas secundárias são meros derivados lógicos das normas primárias

e a sua enunciação só tem sentido para uma explicação mais clara do Direito.

As normas secundárias só podem ser derivadas das normas primárias

hipotéticas, visto que as categóricas não mencionam como condição uma conduta cujo

oposto pode constituir o conteúdo de uma norma secundária.

d) Normas que não estabelecem sanções

Uma norma com caráter de dever e cujo conteúdo não se constitua como um ato

coercivo, só é uma norma jurídica se constituir uma norma secundária que derive de

uma norma primária, como exemplo a normas constitucionais e normas civis que

estabelecem um conjunto de direitos e obrigações.

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Segundo Kelsen: “um sistema jurídico (..) seria integrado apenas por tantas

normas quantas sanções (são) previstas”, sendo cada uma das normas

extraordinariamente complexa, na medida em que o seu antecedente constituir-se-ia

como uma “conjugação de uma série enorme de enunciados”. Isto também implica que

uma única norma pode ser determinada através de muitos atos legislativos realizados

em épocas diferentes por pessoas distintas. Os enunciados que integram o antecedente

não precisam de ser formulados na mesma época e pela mesma autoridade.

De acordo com Kelsen, as “únicas normas que se constituem como normas

autónomas, exceto as penais, são algumas normas civis cujo conteúdo é um ato de

execução forçosa de bens”.

e) Norma jurídica e Proposição Normativa

A proposição normativa é um enunciado que descreve uma ou várias normas

jurídicas. “A ciência do direito é composta por um conjunto de proposições normativas,

não por normas jurídicas”. As normas jurídicas constituem o objeto de estudo da ciência

do Direito que para descrevê-lo formula proposições normativas. As proposições

normativas, como enunciados descritivos que são, contrariamente às normas jurídicas,

são suscetíveis de verdade ou falsidade.

Críticas à conceção de Kelsen sobre a estrutura das normas jurídicas

Realismo Jurídico

O movimento denominado por realismo jurídico questiona a possibilidade de

podermos compatibilizar o conceito de Direito com um sistema de normas.

Como dia Hart no seu manual: “o ceticismo diante das normas é uma espécie de

reação extrema contra uma atitude oposta”.

Uma das mais importantes críticas à Teoria de Kelsen sobre a estrutura das

normas jurídicas foi feita por Herbert Hart, na sua obra, “O conceito de Direito”.

Considera este autor que Kelsen desconsidera as normas que atribuem poderes ou

competências. Há normas jurídicas que estabelecem a forma para a realização de uma

ação juridicamente valorada. Essas normas não procuram impor obrigações, mas

conceder um conjunto de facilidades aos particulares, conferindo-lhe poderes para

concretizarem os seus direitos. De referir que estas normas de poder ou competência

não se referem somente a atos privados, mas também a atos de cariz público, como por

exemplo as normas constitucionais que atribuem ao legislador a competência de

legislar, bem como as mesmas normas constitucionais que atribuem ao juiz o poder de

se imiscuir na esfera de um particular, atribuindo-lhe uma sentença em face do delito.

Para Hart, tanto as normas que impõem deveres, as normas penais, bem como

as normas de poder/competência, “servem como critérios de conduta para a apreciação

crítica de certas ações”. Isto culmina na formulação de regras ou normas que acabam

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por integrar o ordenamento jurídico. Hart ressalva ainda a ideia, contrariamente a

Kelsen, de que o processo de distinção das diferentes normas jurídicas não implica que

estas mesmas normas deixem de estabelecer relações de entre si.

Hart propõe considerar o ordenamento jurídico como uma “união de diferentes

tipos de normas ou regras”, concluindo que a conceção que reduz o Direito a um só tipo

de regras implica “uma inaceitável deturpação da realidade jurídica”. Hart distingue de

entre: normas primárias, enquanto aquelas que prescrevem aos indivíduos realizar

determinados atos, independentemente da sua vontade; e normas secundárias, que

não tratam diretamente sobre aquilo que o indivíduo deve ou não fazer, mas que versam

sobre as normas primárias.

As regras primárias, em certo sentido, impõem obrigações e indicam aos

cidadãos condutas consideradas necessárias e prescrevem aos servidores da justiça a

aplicação de sanções aos incumpridores.

As regras secundárias subdividir-se-ão de entre: regras de reconhecimento (úteis

para a identificação de quais as normas que integram ou não o sistema jurídico); regras

de mudança (que permitem dinamizar o ordenamento jurídico, indicando

procedimentos para que as regras primárias nasçam e mudem de sistema); e as regras

de adjudicação (que conferem competência a certos indivíduos, como os juízes, para

determinar, em face de uma ocasião específica, se a regra primária foi ou não infringida).

Hart diz que considerar o Direito como uma união de regras primárias de

obrigação, com as regras secundárias, facilitará certamente uma compreensão mais

profunda de muitos fenómenos jurídicos. A diferenciação de normas não implica que

estas não estabeleçam uma relação de entre si. “Não podemos considerar que as várias

normas estão encaixadas, de uma maneira simplista, num sistema unitário”.

Uma das outras importantes críticas à Teoria de Kelsen sobre a estrutura das

normas jurídicas foi desenvolvida por Alf Ross na sua obra “Sobre o Direito e a Justiça”.

Para este autor, não importa a origem ou o conteúdo de uma norma para classifica-la

como jurídica e determinar a sua vigência: “uma norma existe e é vigente num

determinado lugar, quando se pode dizer que os juízes provavelmente a usarão como

fundamento das suas decisões”. Este autor carateriza o Direito com base nas decisões

judicias, mas preocupa-se em esclarecer que essa caraterização cabe à ciência jurídica e

não ao seu objeto de estudo. A Ciência do Direito será responsável por prever que as

normas ou instruções serão usadas pelos juízes como fundamento nas sentenças.

Para Ross, a pertença de uma norma a um sistema jurídico não depende da sua

validade ou da sua força obrigatória, mas da utilização que lhes é dada pelos juízes.

Kelsen rejeita determinantemente esta postura de Ross, sendo que esta aceção

das normas cairá certamente num “círculo vicioso”, pois se para definir uma norma

recorremos ao conceito de juiz, não temos outro remédio senão voltar às normas

jurídicas, pois o juiz é autorizado a realizar determinados atos com recurso às normas.

Para Kelsen, a aplicação judicial das normas jurídicas determina a sua eficácia: “uma

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norma é eficaz se for obedecida pelos cidadãos ou, em caso de desobediência, aplicada

pelos juízes“. Também considera que: “a eficácia de uma norma é irrelevante para a sua

existência”.

De uma maneira muito sumária, para Kelsen, a pertença de uma norma a um

sistema jurídico depende da sua: positividade, possibilidade e validade. Estes três

pressupostos determinam a pertença de uma norma a um sistema jurídico. É positiva

toda a norma que formulada por uma oração cujo sentido corresponda à norma em

questão. É possível toda a norma que procura regular uma situação lógica e

empiricamente possível e é válida quando uma norma tem força obrigatória e dispõe

acerca do “dever-ser”. Como veremos, a força obrigatória de uma norma deriva de uma

outra, superior a esta, designada por norma fundamental. A norma fundamental

pressupõe a existência de outras normas, de acordo com a conceção que lhe é

“comumente” fornecida pelos juristas, sendo que a norma superior de todas, “a norma

fundamental é uma hipótese, não necessitando de nos apoiar no seu modo categórico

ao seu conteúdo.”

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

A Validade e a Existência do Direito- formulações genéricas

A palavra “validade” é bastante ambígua. Esta corresponde, em muitos

contextos, a dizer que uma norma ou um sistema jurídico são válidos porque

efetivamente existem. Aqui, existe uma compatibilização dos critérios de validade de

uma norma jurídica ou de um sistema com a sua mera existência, embora estes critérios

possam variar de acordo com diferentes conceções. A validade de uma norma pode

indicar, então, que a norma em questão pertence a um certo sistema jurídico.

A validade de uma norma ou sistema pode também estar associada à sua

justificabilidade, i.e., ao facto de dever ser feito o que a mesma dispõe porque possui

uma força obrigatória geral. “Uma norma jurídica é válida quando existe uma outra

norma que declara a sua aplicação ou observância como obrigatória moral”. A norma

jurídica também tem de ser estabelecida e determinada por uma autoridade

competente e dentro dos limites da sua competência.

Quando se diz que uma norma ou um sistema jurídico são válidos, às vezes pode-

se querer dizer que eles são eficazes ou que têm vigência, i.e., que na generalidade dos

casos são observados e aplicados.

Conceitos normativos e descritivos da validade

A partir do momento em que incluamos a justificabilidade e a obrigação moral

num conceito de validade, tornamo-lo numa noção jurídica. Com esse sentido, dizer que

uma norma ou um sistema são válidos implica afirmar que devem ser observados e

aplicados, porque fornecem razões para justificar uma ação ou decisão. A aplicação das

diferentes aceções de validade depende apenas de verificações fáticas.

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A Existência das normas como um conceito descrito

Sabemos que, embora a existência de um sistema jurídico se identifique com a

sua vigência ou eficácia, o mesmo não ocorre no caso das normas. Uma norma jurídica

existe e pertence a um sistema jurídico vigente quando as suas regras primitivas são

observadas em geral pelos sujeitos normativos e são efetivamente aceites, nas suas

decisões pelos órgãos que têm a possibilidade de dispor da execução de medidas

coativas recorrendo ao monopólio da força estatal.

Suma da Validade: Um sistema normativo que estipula, entre outras coisas, as

condições em que o uso da força é permitido ou proibido e que institui que os órgãos

centralizados que aplicam as normas aos casos particulares (juízes e executores),

disponham das medidas coativas pelo sistema para impor um cumprimento da lei com

recurso à força estatal.

O conceito de validade de Kelsen

Kelsen, na sua Teoria Pura, emprega um conceito puramente descritivo de

validade, alheio a qualquer associação com a justificabilidade ou força obrigatória de

uma norma ou de um sistema jurídico. Por vezes, Kelsen parece identificar a validade

com a existência das normas, mas outras vezes identifica esta mesma com a pertinência

num sistema. Outras ainda, com o fato de haver outra forma que autorize a sua

determinação ou que declare obrigatória a sua observância, vigência e eficácia.

Para Kelsen, a validade uma norma depende da sua força obrigatória, não moral.

A única normatividade que existe para Kelsen é a normatividade justificada, que pode

ser percecionada à luz da razão. Para Kelsen, as normas não pertencem essencialmente

ao mundo dos factos, mas sim ao mundo do dever-ser. Daí a sua validade. De acordo

com Kelsen, para reconhecermos as normas como verdadeiras e não como uma mera

sequência de factos, será certamente preciso admitir que as prescrições de certas

autoridades devem ser observadas, i.e., existem certas obrigações que têm de ser

cumpridas.

O fundamento de validade de uma ordem jurídica: a norma

fundamental

De acordo com Kelsen, o que fundamenta a unidade de uma pluralidade de

normas é somente a existência de uma norma numa determinada ordem. “O

fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra

norma”. Uma norma que se constitui como fundamento de validade de uma outra

norma designa-se por norma superior quando equiparada com a que é inferior.

As normas provém de uma autoridade. O legislador tem autoridade para

estabelecer normas válidas. Esta autoridade tem de ser fundamentada, na medida em

que apenas quem tem competência pode estabelecer uma norma válida e conferir

poder a uma outra norma para legitimar uma que lhe é inferior. A norma mais elevada

tem de ser pressuposta. Esta norma designa-se por fundamental e não pode ser

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legitimada por nenhuma outra norma. De acordo com Kelsen, todas as normas cuja

validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema

de normas, uma verdadeira ordem jurídica.

Então: “uma norma (…) pertence a uma ordem normativa porque o seu

fundamento de validade é a norma fundamental (…), sendo que esta constitui a unidade

de uma pluralidade de normas (…) e é o fundamento destas normas”.

Sistemas de normas- estático e dinâmico

Temos de considerar o princípio do estático e o princípio do dinâmico.

De acordo com o tipo estático, a conduta determinada é considerada como

devida por força do seu conteúdo, porque a validade pode ser reconduzida a uma norma

cujo conteúdo integra outras normas do ordenamento. Estamos perante um sistema de

normas cujo fundamento de validade e conteúdo de validade são deduzidos de uma

norma pressuposta como norma fundamental.

No tipo dinâmico, a norma fundamental pressuposta só tem por conteúdo a

instituição de facto produtora de normas, de acordo com a atribuição de poder a uma

autoridade legislativa. Podemos também considerar aqui o exemplo de uma regra que

determina como devem ser criadas as normas gerais ou individuais do ordenamento que

haja sido fundado pela norma fundamental. Esta norma delega poderes numa

autoridade legisladora e fixa uma regra segundo a qual têm de ser respeitados tipos de

procedimentos dentro de um sistema.

Como vimos, a norma fundamental é “o fundamento de validade de um sistema”.

Quando a norma fundamental se limita de acordo com o princípio dinâmico a conferir a

uma autoridade legisladora o poder de delegar as suas competências noutras

autoridades que por sua vez prescrevem a conduta dos indivíduos subordinados a elas

e das quais podem ser deduzidas novas normas através de uma operação lógica.

Estamos perante um entrecruzar do princípio do estático para com o princípio dinâmico.

Conflito de normas e decisões

A norma fundamental é o fundamento de todas as normas pertencentes a uma

mesma ordem jurídica. Esta norma “constitui a unidade na pluralidade destas normas”.

A unidade de uma ordem jurídica vai então assentar em proposições jurídicas que não

se devem contradizer. No entanto, existe sempre uma possibilidade de os órgãos

legislativos, na sua atividade de produção normativa, estabelecerem normas que

efetivamente se contradizem. O conflito de normas acontece “quando uma norma

determina uma certa conduta como devida e outra norma determina como devida uma

outra conduta inconciliável com aquela.”

Os princípios lógicos em geral, bem como o princípio da não contradição em

especial, podem ser aplicados às proposições jurídicas que descrevem normas de Direito

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e assim indiretamente podem ser aplicados a normas jurídicas. Quando duas normas

são contrárias, somente uma delas pode ser considerada como objetivamente válida.

No entanto, é de notar que: “um conflito de normas representa (sempre uma

contradição lógica”.

Quando estamos perante um conflito de normas dentro do mesmo escalão,

existem várias formas de resolução da problemática. Como sabemos de Introdução ao

Direito e ao Pensamento Jurídico, quando as normas são estabelecidas em diferentes

ocasiões, a norma posterior derroga a norma anterior (“lex posterior derogat priori”);

no entanto, quando as normas não foram aprovadas em “tempos” diferentes, cabe ao

tribunal ou ao órgão competente para a aplicação da lei, a escolha de entre estas

diferentes normas contraditórias. Quando as normas só se contradizem parcialmente,

uma apenas limita parte da validade da outra.

Em suma, a resolução desta problemática das “antinomias normativas” está

associada a um recurso aos critérios interpretativos. Quando não é possível nenhuma

interpretação eficaz, passamos a ter um ato legislativo sem sentido lógico. Podemos no

entanto, afirmar da validade de um ato quando consigamos provar que este é coerente

para com a norma fundamental.

Os conflitos podem também resultar da tomada de duas decisões ou soluções

individuais diferentes a casos suscetíveis de analogia. Aqui, o conflito é resolvido pelo

facto de o órgão executivo ter a faculdade de escolher de entre observar uma ou outra

decisão. A atribuição da pena ou a execução civil, estão, neste âmbito dependentes, da

escolha feita pela entidade aplicadora do Direito, que vai escolher uma ou outra norma

individual.

A questão do conflito normativo não pode coexistir com normas que ocupam

diferentes posições ao nível hierárquico das fontes normativas: “entre normas de

diferentes escalões não pode existir qualquer conflito”, na medida em que a norma de

escalão inferior tem o fundamento de validade na norma de escalão superior.

O fundamento de validade de uma ordem jurídica

Pertencem à ordem jurídica todas “as normas que são criadas em conformidade

com a norma fundamental”. Kelsen reconhece que “todo e qualquer conteúdo pode ser

Direito”. Para este autor, não existe qualquer conduta que possa ser tomada pelo ser

humana que possa ser excluída do conteúdo de uma norma jurídica

De acordo com este autor do Século XIX, todas as normas positivas resultam de

um “ato especial de criação”. É a Constituição que nos fornece as orientações e diretrizes

necessárias acerca de como devem ser produzidas as normas gerais de um ordenamento

jurídico. Neste âmbito, temos de saber, qual o fundamento de validade das normas

constitucionais? Estas normas surgiram num ato constituinte conscientemente

determinado por certos indivíduos, que interpretarem objetivamente factos produtores

de normas, dando assim origem a um paradigma constitucional. Portanto: “a

instauração do facto fundamental da criação jurídica pode ser designada como

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constituição no sentido lógico-jurídico”. De notar que a instância constituinte é

considerada como a mais elevada autoridade superior do ordenamento e daí a sua

legitimidade para a institucionalização de “tradições constitucionais comuns”.

A Constituição estabelecida “não é o produto de uma descoberta livre (e) a sua

pressuposição não opera arbitrariamente”. Podemos interpretar o sentido objetivo do

ato constituinte, o que se pode traduzir na existência de normas objetivamente válidas.

As relações constituídas são, também elas, relações jurídicas e, por isso, o

estabelecimento de uma norma fundamental não corresponde a qualquer valor que

transcenda o Direito Positivo.

Apesar de a validade desta poder ser aferida por um ato de interpretação

objetivo, de acordo com Kelsen, devemos conduzir-nos conforme aquilo que a

Constituição prescreve, de harmonia com o sentido subjetivo do ato de vontade

constituinte, e com a vontade do autor da própria Constituição. Discordo desta posição,

as normas constitucionais, ainda que fundamentais, devem ser objeto de uma

interpretação atualista e não de uma interpretação “mens legis”, porque tal como os

valores, as tradições constitucionais comuns são mutáveis ao longo dos tempos de entre

diferentes sociedades.

A função da norma constitucional é a de “fornecer” validade objetiva a uma

ordem jurídica positiva, ou seja, de normas fundadas que resultam da atividade

legislativa, que acabarão por constituir um “ordem coerciva globalmente eficaz”. Esta

norma é o pressuposto de validade de uma ordem jurídica, não é querida, mas “é

indispensável para a fundamentação da validade objetiva das normas positivas.” A

ciência jurídica não arroga a possibilidade da sua verificação em qualquer autoridade

legislativa.

Legitimidade e Eficácia

O significado da norma fundamental torna-se claro quando uma constituição não

é modificada, mas sim “revolucionariamente substituída” por outra quando a validade

de toda uma ordem jurídica não dependa da eficácia da constituição que está a ser

colocada em causa: “as normas de uma ordem jurídica valem enquanto a sua validade

não termina, de acordo com os preceitos dessa mesma ordem”. No entanto, a situação

de revolução, constitui-se como uma atitude de “modificação ilegítima da constituição”.

Há que considerar o princípio da legitimidade para a eficácia de uma

determinada ordem jurídica. Segundo este: “a norma de uma ordem jurídica é válida até

a sua validade terminar por um modo determinado através dessa mesma ordem jurídica

ou até ser substituída pela validade de uma outra norma desta ordem”

Importante para o Direito Positivamente estabelecido, é a conexão existente de

entre a validade e a eficácia. Existe uma relação especial entre o “dever-ser” da

norma jurídica e a realidade natural. O ato com o qual a ordem jurídica de uma norma

é posta em causa, está relacionado com a esfera do “ser”. Uma pessoa atua

contrariamente à norma e coloca pode colocar em causa a sua eficácia.

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Existem duas teses a considerar: a Teoria Idealista que afirma que entre a

validade e a eficácia como um “ser” não existe qualquer conexão, concebendo a

validade a validade do Direito como completamente independente da sua eficácia; a

Teoria Realista, que afirma da existência de uma plena conexão de entre a validade do

Direito para com a eficácia.

Nenhuma das teorias é perfeita, na medida em que em ambas se podem

encontrar incorreções. A Teoria Idealista não pode negar a ordem jurídica como um

todo. Também tem de reconhecer que uma norma singular perde a sua validade quando

deixa de ser eficaz. Deve reconhecer-se a existência de uma conexão de entre o “dever-

ser” da norma e o “ser” da realidade. Por outro lado, a Teoria Realista deve reconhecer

da existência de inúmeros casos em que as normas jurídicas, apesar de válidas, podem

não ser eficazes.

Logo, a validade de “dever-ser” de uma norma jurídica não se identifica com a

sua eficácia na ordem do “ser” de todo, mas a eficácia da norma singular e da ordem

jurídica são condições de validade que podem ser consideradas. Por exemplo, sendo a

norma fundamental pressuposta de uma Constituição formada pelo poder constituinte,

harmoniosa e globalmente eficaz, a “fixação positiva e a eficácia são pela norma

fundamental tornadas condições de validade” em todas as situações.

Dizer que: “uma norma jurídica não perde a sua validade quando apenas não é

eficaz em casos particulares”. Esta, apesar de ser transgredida em determinadas

situações, devia ser observada e respeitada.

Em suma, a invalidade de uma norma é aferida quando esta não é observada em

nenhum caso e desconsiderada pelos demais valores dos membros de uma comunidade

politica. Por sua vez, a norma jurídica é ineficaz, quando resulta de um ato de ordenação

singular, embora permaneça por executar durante um determinado período de tempo,

esta vai acabar por ser observada.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

A Norma Fundamental e o Direito Natural

Kelsen, como patente logo no início do documento, Kelsen é um cético

positivista. Para este autor, o Direito Positivo pode ser justo ou injusto. De acordo com

o manual da Teoria Pura: “nenhuma ordem jurídica positiva pode ser considerada como

não conforme à sua norma fundamental e portanto como não válida. (..) O conteúdo de

uma ordem jurídica positiva é independente da sua norma fundamental. “ A norma

fundamental apenas determina a validade de uma ordem jurídica, não o seu conteúdo.

Toda a ordem coerciva globalmente eficaz pode ser pensada como ordem

normativa objetivamente válida. O conteúdo das normas nunca pode colocar em causa

a validade da ordem jurídica, constituindo-se tal como o pressuposto ou elemento

essencial do positivismo jurídico. Portanto, a validade do sistema jurídico pode ser

condicionada ou relativa pela pressuposição de uma norma fundamental. Mas a norma

fundamental não determina o conteúdo da ordem jurídica, pelo que, de acordo com o

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Direito Positivo, “toda a ordem de coerção globalmente eficaz (…) é uma ordem

objetivamente válida”.

Temos então de encontrar um critério que nos permita encontrar justiças ou

injustiças dentro do Direito Positivo. Este critério também não pode ser fornecido pelo

Direito Natural. Mesmo dentro deste DN existem incongruências de entre propriedade

individual vs propriedade coletiva ou de entre democracia vs exclusiva autocracia.

Considera-se que a justeza ou não do Direito Positivo pode ser retirada da “Lei

da Casualidade”, segundo a qual as normas são imanentes à natureza quando se admite

que a natureza proveio da vontade de Deus. Contudo, este Deus é “uma suposição

metafísica” cuja existência não é aceite pela Ciência do Direito, pois qualquer

experiência não consegue provar da sua existência.

Portanto, a justeza de uma norma depende dos membros que estão inseridos na

Comunidade política e dos valores que os mesmos comungam e das apreciações que os

mesmos fazem em face da situação concreta.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Direito Formal e Direito Material

Para Kelsen, é Direito Formal o que regula a organização e o processo das

autoridades administrativas e judiciais, como o Processo Civil, Processo Penal e Processo

Administrativo. Entende que o Direito Material encerra as normas gerais que

determinam o conteúdo dos atos daquelas autoridades, que tomam as decisões em face

do caso concreto.

O autor ressalva a dependência que tem o Direito Material do Direito Formal,

pois o primeiro não pode ser aplicado sem observar o último. Para ser Direito, a

proposição jurídica deve conter os elementos formal e material. Por exemplo: um delito

determinado por uma norma geral de Direito Material, será julgado por um órgão cuja

competência provém de uma norma de Direito Formal através de um processo também

de Direito. Existe aqui uma grande conexão para com a distinção que é feita por este

autor no que respeita às normas primárias e secundárias.

As normas de Direito Material devem ser aplicadas pelos órgãos competentes

cujos poderes lhes são atribuídos pelas normas de Direito Formal.

Estrutura Escalonada da Ordem Jurídica

Atualização da obra tendo em conta a estrutura escalona no contexto dos sistemas jurídicos

modernos

A ordem jurídica não é uma “sequência de normas ordenadas no mesmo plano, mas

sim uma construção escalonada em diferentes níveis”- temos normas superiores que

são o fundamento de validade das normas inferiores.

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Estes elementos que se seguem não são fontes, são antes instrumentos jurídicos.

1. Constituição

As normas constitucionais são o fundamento de validade das normas que

coexistem num determinado ordenamento jurídico. Esta constituição pode ser

entendida formal ou materialmente. A Constituição em sentido material pode

constituir-se pela existência de normas produzidas por via consuetudinária, ou por um

conjunto de indivíduos, que têm um caráter vinculante. A Constituição em sentido

formal corresponde ao documento designado por constituição, correspondendo este

último à sua forma escrita.

O processo de revisão das normas constitucionais é muito mais complexo e

submetido a um conjunto mais severo de requisitos do que os processos de revisão das

leis ordinárias, na medida em que a Constituição é o “fundamento do direito positivo de

qualquer ordem estadual”. Esta determina os princípios, valores, organização do poder

político e económico, bem como as garantias de cumprimento dos preceitos que nela

estão incluídos.

2. Lei e Decreto

Estas são o resultado de toda uma atuação dos órgãos legislativos com

competência que lhe é atribuída pela própria “lei fundamental” que determina a forma

do Estado. Estes órgãos podem ser de cariz legislativo ou executivo, consoante a norma

fundamental lhes incumba a tarefa de fazerem ou garantirem a execução das normas

produzidas nos Parlamentos Nacionais.

3. O costume

O costume é a prática habitualmente seguida, desde tempos imemoriais, por

todo o Povo, por parte dele, ou por determinadas instituições, ao adotar certos

comportamentos sociais na convicção de que são impostos ou permitidos pelo Direito.

Assim, o costume é fonte privilegiada do Direito, enquanto exprime diretamente

a ordem da sociedade, sem necessitar de mediação, pois não existe qualquer tensão

entre o “ser” e o “dever-ser”. No entanto, esta fonte normativa tem vindo a perder

alguma relevância no plano da hierarquia das fontes do Direito, na medida em que as

práticas estão em constante mudança com a evolução da sociedade, e por isso os

comportamentos seguidos desde tempos imemoriais não podem ser impostos em quem

não está convicto da conduta que por eles é imposta.

4. Doutrina

Enquanto fonte do Direito, pode ser definida como o conjunto das noções,

teorias e opiniões, formuladas por escrito pelos teóricos da Ciência de Direito

(jurisperitos), que dão a conhecer aos juristas práticos, aos estudantes e aos cidadãos

comuns o conteúdo e significado de um certo ordenamento jurídico, e influenciam os

Poderes legislativo e judicial no exercício das respetivas funções.

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33

5. Jurisprudência

A Jurisprudência está relacionada com as atividades dos Tribunais e respetivos

juízes, pelo que muitas leis remetem a decisão de questões jurídicas delicadas para o

prudente arbítrio do juiz, sendo que a prudência constitui um elemento essencial da

atividade judicial e, em geral, da atividade jurídica. Por outro lado, pode ser entendida

também como o conjunto das decisões dos tribunais. Assim, a Jurisprudência pode ser

definida como fonte de Direito, quando entendida como a parcela específica da

atividade dos tribunais que consiste nas decisões dotadas de força obrigatória geral ou

que constituam correntes uniformes de interpretação ou integração de uma dada

norma jurídica.

Fontes de Direito para Hans Kelsen

Lei, doutrina e jurisprudência são instrumentos de criação do Direito, mas não

fontes de criação do Direito, pois a “fonte de criação do Direito são os atos humanos, é

o que se entende por esta presente obra de dissertação científica”- escreve Eduardo

Telischewsky.

“O homem faz o Direito para o homem (…) o Direito não faz o homem para o

Direito.” Nenhuma Lei, nenhuma jurisprudência e nenhuma doutrina criaram a ciência

do Direito, mas sim das relações humanas. Portanto Lei, Doutrina e Jurisprudência são

instrumentos jurídicos, mas não são fontes jurídicas.

O Direito originou-se das relações humanas. Então, a fonte do Direito são as

relações do homem em sociedade. Da necessidade e importância de administrar os atos

e as relações humanas surgiu o Direito como a ciência jurídica, com as funções de

estudar e administrar os atos, condutas e relações do homem, e esta ciência dos atos e

relações humanas é aplicada na civilização através de seus instrumentos jurídicos, que

são as normas jurídicas, as leis, as jurisprudências, as doutrinas.

As fontes do Direito são os atos humanos - como os atos dos Três Poderes

(Legislativo, Executivo e Judiciário) - dos quais surgem as necessidades humanas, como

a necessidade de se criar normas jurídicas. Estamos no campo de aplicação dos atos de

Criação; Aplicação e Observância do Direito.

A ordem jurídica corresponde a um sistema de normas gerais e individuais que

estão ligadas entre si pelo facto de a criação de todas elas advirem de uma mesma

norma. Portanto: “uma norma pertence a uma determinada ordem jurídica se foi criada

por um órgão da respetiva comunidade e portanto por esta mesma comunidade.” Estas

normas são criadas por uma norma que atribui às entidades legislativas competência

para produzirem normas e influir na esfera jurídica dos sujeitos de uma comunidade.

Quando uma norma não é criada de acordo com uma norma superior que lhe atribui

competência para tal, não pode valer como verdadeira norma, e assim sendo não pode

pertencer verdadeiramente ao sistema jurídico. A criação e a aplicação do Direito

coexistem a partir do momento em que uma determinada norma entra em vigor no

ordenamento jurídico. Em face da observância do Direito, há que denotar da sua

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existência a partir do momento em que existe um desrespeito das normas por parte dos

indivíduos. Aqui, a conduta corresponde ao oposto de aquilo que era pretendido, e

portanto, temos associado um ato coercivo, através de uma aplicação da sanção.

É de esclarecer o facto de a criação, aplicação e a observância do Direito serem

fontes no sentido do Direito Positivamente entendido.

Aplicação do Direito e a Jurisprudência

A “ordem jurídica regila a conduta humana não só positivamente prescrevendo

certa conduta, mas também negativamente permitindo uma determinada conduta pelo

facto de não a proibir. (…) Aquilo que não é juridicamente proibido (…) é permitido”.

Aquilo que não é proibido pode sempre ser feito por um determinado indivíduo,

pelo que quando haja uma conduta nesse sentido, o resto da comunidade tem de a

acatar. Exemplo: o aborto é permitido até a um determinado período, apesar de muitas

pessoas serem contrárias a esta interrupção da gravidez.

Existe aplicação do Direito na produção de normas jurídicas gerais por via

legislativa e consuetudinária, nas resoluções de autoridades administrativas e nos atos

jurídico-negociais. Portanto: “os tribunais aplicam, as normas gerais ao estabelecerem

normas individuais”.

O juiz nacional é responsável por uma averiguação do ilícito, subsumindo as

normas gerais e abstratas ao caso concreto, e aplicando as respetivas sanções quando

verifique estar perante um ilícito: “o reconhecimento da atividade ou facto delitual é

uma função do tribunal plenamente constitutiva.” No entanto esta aplicação não é um

processo tão simples como se possa pensar à partida. O tribunal, ao aplicar as normas

jurídicas gerais tem de decidir a questão da constitucionalidade da norma que vai

aplicar, remetendo em caso de dúvida, o processo de fiscalização concreto para o

Tribunal Constitucional, como acontece no caso de Portugal. Ultrapassando esta

questão da constitucionalidade, analisemos a questão das normas potencialmente

aplicáveis a uma situação individual:

“A norma individual deve ser dirigida contra um determinado indivíduo,

estabelecendo uma sanção perfeitamente determinada”. Esta norma é criada através de

uma decisão judicial.

Lacunas de Direito

Quando o juiz nacional não consiga determinar uma norma geral potencialmente

aplicável para com a situação que se defronta, a ordem jurídica prevê que o tribunal

possa produzir para o caso concreto uma norma jurídica individual cujo conteúdo não é

predeterminado por uma norma jurídica geral de Direito Material, mas sim, criada,

respetivamente, por via legislativa ou consuetudinária. Não se costuma presumir a

existência de uma lacuna em todos os casos. Esta presunção só ocorre quando a

ausência de legislação é verificada pelo juiz e considerada pelo próprio como indesejável

do ponto de vista da política jurídica. A sua aplicação seria desajustada e desacertada.

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35

Para além destas lacunas próprias (caso concreto), também existem lacunas

técnicas, que são aquelas omissões legislativas que deviam ser reguladas para que a

aplicação da lei pudesse ser feita de uma maneira efetiva, i.e., nos casos em que a lei

consagra um conjunto de conceitos indeterminados e cláusulas gerais que tornam a sua

“teleologia” impercetível.

Esta solução não é utilizada na ordem jurídica nacional. Perante lacunas

legislativas, o juiz nacional deve ultrapassar a problemática recorrendo aos critérios

interpretativos, i.e., à analogia legis ou analogia juris.

O tribunal também é uma instituição jurisdicional responsável pela aplicação do

Direito. O tribunal, ao tomar uma decisão, está a incluir em todo o sistema jurídico como

que uma espécie de precedente vinculativo, que terá de ser seguido em decisões que

venham a ser tomadas posteriormente em casos suscetíveis de analogia, embora esta

regra do precedente seja mais uma caraterística dos sistemas de Direito típicos da

Common Law. Esta técnica é utilizada quando não existe uma precedência normativa ou

consuetudinária.

Por outro lado, quando a interpretação não é unívoca, mas sim dúbia, o tribunal,

enquanto instância jurisdicional, também é responsável por uma criação do Direito,

porque a decisão acabará por assumir o caráter de uma norma geral.

Administração

A administração judicial também é responsável por uma “criação e aplicação de

normas jurídicas”. O órgão administrativo superior, designado em Portugal por Governo,

tem inúmeros poderes de cariz administrativo que lhe são conferidos pela própria

Constituição Portuguesa, de entre os quais há que destacar: poder de conclusão dos

tratados internacionais ou mesmo garantir uma publicação conforme à Constituição de

decretos ou ordens administrativas.

Os restantes órgãos administrativos também têm uma grande influência na

aplicação de normas gerais e individuais: “a execução de uma sanção mesmo quando

seja feita pelo tribunal é um ato administrativo”, embora quem vá garantir o

cumprimento seja o +órgão executivo e não o órgão jurisdicional.

Ilegalidade

Uma decisão é ilegal quando “uma decisão judicial ou um ato administrativo são

contrários ao direito”. Tal significa que o processo em que a norma individual foi

produzida ou mesmo o seu conteúdo, não correspondem à norma geral criada por via

legislativa. A ilegalidade consiste, sumariamente, numa contraditoriedade para com

aquilo que consta do próprio texto legal.

Inconstitucionalidade

Como sabemos a validade de uma lei inferior está depende da norma superior.

A lei constitucional é tida, em muitos ordenamentos, como uma norma normarum.

Page 36: Análise do discurso jurídico resumo completo

Diogo José Morgado Rebelo 003538

36

Portanto, a validade de um ato legislativo ordinário dependerá necessariamente da sua

conformidade com as normas constitucionais.

No entanto, a consideração de uma lei como inválida, nem sempre significa que

esta seja contrária àquilo que se encontra no próprio texto constitucional.

Em alguns países, os tribunais têm competência para apreciação da

constitucionalidade dos atos jurídicos produzidos. Em Portugal e, na maior parte dos

ordenamentos, esta fiscalização jurisdicional é feita por uma jurisdição própria com

competência que lhe é atribuída pela própria Constituição.

Kelsen reforça em “Teoria Pura do Direito”, a ideia de que os tribunais devem ter

competência para apreciar a constitucionalidade das normas gerais que aplicam ao caso

concreto, acabando por criar simultaneamente um “precedente vinculativo” em face de

casos concretos que possam ser suscetíveis de analogia. Não aplicam as normas dada a

sua apreciação de constitucionalidade e por isso acabam por influenciar os restantes

aplicadores do Direito.

Nulidade e Anulabilidade em Kelsen

Para Kelsen, a invalidade dos atos por anulação só deve ter efeitos para o futuro.

Este autor, admite a retroatividade, única e somente nos casos em que seja necessário

a destruição dos efeitos produzidos, i.e., na nulidade

Para Kelsen “não é correto afirmarmos da existência de uma decisão anulatória”

quando na verdade estamos perante uma declaração de nulidade do ato. Todas as

decisões de invalidade com efeitos retroativos deviam ser, na opinião deste

jurisconsulto, designadas por nulas e não por anuladas.

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Herbert Hart- “O Conceito de Direito”

Segundo Hart, a maior parte das obras de filosofia do Direito tem como

preocupação central a elucidação e definição de alguns dos principais termos utilizados

do discurso jurídico. Este autor considera que grande parte dos problemas, mas relativos

à compreensão do fenômeno jurídico tem permanecido sem solução devido a esta

“perseguição” de definições precisas. Neste sentido, Hart considera inadequada a

definição de expressões gerais e abstratas como as expressões jurídicas, preferindo

desvendar o significado de tais expressões a partir de explicações contextuais.

Principalmente na obra “O Conceito de Direito”, este autor revela uma visão do

Direito como instituição social. Nesta ótica, segundo Joseph Raz, o Direito para Hart é

um “fenómeno cultural modelado pela linguagem”.

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Faculdade de Direito da UNL 003538

37

Assim, a compreensão dos enunciados normativos coloca-se como ponto central

para a compreensão do sistema jurídico. A compreensão destes enunciados, a partir de

uma análise linguística, permite explicar a aceitação dos mesmos pelos seus sujeitos

formuladores e recetores. Ou seja, explica o reconhecimento - por parte destes sujeitos

– destes enunciados como padrões de comportamento e guias de conduta. Assim, o seu

estudo dentro de um enfoque diacrónico (o qual permite compreender a evolução dos

fenómenos linguísticos através dos tempos), bem como a compreensão do caráter

simbólico do discurso jurídico e o seu significado social.

O Direito como uma união de regras primárias e secundárias

Herbert Hart refuta a tese, segundo a qual “o direito é uma reunião de ordens

coercitivas”. Tal modelo foi historicamente empregue por muitos para explicar as

relações que existiam de entre o soberano e os seus súditos.

As falhas do modelo coercitivo acerca de aquilo que é o Direito são utilizadas

pelo autor como elementos iniciais para a formulação de um conceito alternativo de

“Direito” e, consequentemente, de como se organiza um sistema jurídico. Para Hart, não

é suficiente a conceção de que todas as regras de um sistema jurídico sejam ordens

baseadas em ameaças.

A este respeito, Hart lembra que há diversas espécies de lei que não se adequam

a este modelo. É o caso daquelas que criam poderes jurídicos para julgar ou legislar

(poderes públicos) ou para constituir ou alterar relações jurídicas (poderes privados).

Estas são as regras de poder ou de competência. Podemos ter que considerar, neste

âmbito, as próprias leis criminais (espécie que mais se aproxima mais do paradigma de

Hart). Estas leis criminais diferem das ordens coercivas concebidas por Kelsen, porque

se aplicam também àqueles sujeitos responsáveis pela sua produção.

A partir desta análise, Hart conclui que há duas espécies fundamentais de regras

jurídicas. Aquelas que exigem ao ser humano que faça ou que se abstenha de fazer

certas ações, sendo estas as regras primárias. Depois existem regras secundárias que

permitem aos seres humanos criarem, extinguirem ou modificarem as regras antigas,

determinando de um outro modo a sua incidência ou fiscalizando a sua aplicação.

Segundo Hart: “O direito pode ser caraterizado de uma maneira mais

esclarecedora enquanto união de regras primárias de obrigação e regras secundárias de

poder ou competência”.

Inicialmente, Hart supõe a existência de uma sociedade rudimentar, em que não

existia Poder Legislativo, Tribunais ou mesmo pessoas encarregues de fazer cumprir as

regras. As sociedades eram regidas unicamente por regras primárias. Posteriormente,

tal agrupamento foi ultrapassado não pela crença da existência de regras primárias, ou

seja, que prescrevem uma conduta padrão, mas também pela existência de regras

secundárias.

Page 38: Análise do discurso jurídico resumo completo

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38

Regras secundárias

Hart define a necessidade de três espécies de normas secundárias, cada uma

delas correspondente a um aspeto da limitação de um sistema formado apenas por

regras primárias.

Afirma que “a introdução de um limitação ou correção para cada defeito poderia

em si ser considerado um passo na passagem do mundo pré-jurídico para o jurídico, uma

vez que cada um desses remédios traz consigo muitos elementos que vão permear o

direito”. Estas três soluções são em conjunto, sem dúvida, “suficientes para converter o

regime de regras primárias naquilo que é indiscutivelmente um sistema jurídico”.

Critérios de Validade das Leis em Hart

“Hart desenvolve um entendimento próprio sobre o critério de validade das leis

(ou do próprio Direito), ou seja, a norma X é legalmente válida na sociedade portuguesa

somente se essa norma X se enquadrar nos critérios de validade aceitos pela sociedade

portuguesa, e esses critérios, por sua vez, são verificáveis através de certos fatos sociais

e não apenas "imaginados" (ou pressupostos, como na norma fundamental de Kelsen”.

A regra de reconhecimento de Hart é uma norma positiva convencionada

tacitamente por juízes e outras autoridades incumbidas de aplicar a lei, quando

reconhecem através de suas práticas sociais, que determinada lei é um padrão legítimo

de comportamento.

Portanto, a primeira das dificuldades é saber quais são as regras ou qual o

eventual alcance que elas têm. Tal problema só pode ser solucionado se houver um

processo para a solução desta dúvida, seja por referência a um texto dotado de

autoridade, seja pela circunstância de ter sido emitida uma declaração por um

funcionário estadual competente para tanto. Como solução desta dificuldade, Hart

afirma a necessidade de introdução de uma “regra de reconhecimento” (rule of

recognition), que especificam importantes aspetos em função dos quais uma

determinada regra é considerada afirmativa e concludentemente como uma regra do

grupo que deve ser apoiada pela pressão social que ele exerce. A forma assumida por

uma semelhante espécie normativa pode variar do mais simples ao mais complexo: “da

mera circunstância de constar de um documento escrito até à submissão desta a

complexos critérios de hierarquia, especialidade e cronologia.”

A regra de reconhecimento deve ser entendida como uma regra “última e

suprema”. A supremacia explica-se porque as regras identificadas por referência a ela

são reconhecidas como regras do sistema, ainda que estejam em conflito com regras

identificadas por referência a outros critérios. Por outro lado, pode dizer-se que a regra

de reconhecimento é última porque ao verificarmos a validade de algum ato jurídico em

específico, reportamo-nos a um outro ato anterior e hierarquicamente superior, do qual

este mesmo procurará obter a sua validade. Já este segundo ato referir-se-á a um

terceiro e assim sucessivamente, até que se chegue a uma regra que faculta critérios

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para a apreciação da validade e de outras regras, mas não há regra que faculte critérios

para a apreciação de sua própria validade jurídica.

Pode-se formular uma série de questões acerca desta regra última: se ela causa

mais bem do que mal, se é justa ou injusta, de entre outros interregnos. Nesse aspeto,

o que diferencia a regra de reconhecimento de outra regra do sistema é que esta pode

existir independentemente de sua aplicação, ao passo que aquela apenas existe como

uma prática complexa de se identificar o direito a partir de certos critérios. Assim, não

se pode questionar a validade da regra de reconhecimento – porque não há outra regra

que lhe imprima validade – mas apenas a sua existência: “se a regra de reconhecimento

não for aplicada, ela não existe”. Atribuindo estas características à regra de

reconhecimento, Hart rejeita a teoria de que existe um poder legislativo soberano que

é juridicamente ilimitado.

O segundo problema deriva do caráter estático das regras primárias. Uma

sociedade que apenas disponha de regras primárias só poderá passar a dispor de novas

regras pelo lento processo de amadurecimento através do qual os tipos de conduta

inicialmente pensados como facultativos se tornam habituais e, posteriormente,

obrigatórios.

O desaparecimento de regras primárias também só seria possível quando os

desvios, anteriormente reprimidos severamente, passem a ser tolerados. Para corrigir

tal impropriedade, seria necessária uma segunda espécie de normas secundárias,

especificamente dirigidas a disciplinar a deliberada (intencional) supressão, introdução

ou modificação das regras primárias até então existentes. Hart denomina tal espécie de

“regras de alteração” (rules of change) e evidencia sua relação com as “regras de

reconhecimento”: estas devem incorporar pelo menos algum aspeto de legislação para

que uma regra primária seja considerada como válida e pertinente ao sistema.

O terceiro defeito advém da circunstância de que sempre ocorreriam dúvidas

acerca da aplicabilidade de uma regra a um caso concreto, bem como da sua extensão

e, especialmente, se a regra foi ou não violada no caso concreto. Esta é uma

competência dos juízes. O fato de não haver órgãos especificamente incumbidos da

aplicação do castigo pela violação da regra implica deixar tal tarefa aos indivíduos

ofendidos ou ao grupo em geral. O remédio a isto corresponde às “regras de

jurisdição” (rules of adjudication) que dão poder aos indivíduos para proferir

determinações dotadas de autoridade a respeito da questão sobre se uma regra

primária foi ou não violada numa situação em concreto. Além de identificar os indivíduos

a quem compete julgar, tais regras determinam o processo a ser empregue. Também

estas espécies normativas estão intimamente ligadas às regras de reconhecimento “ao

determinar se uma regra foi violada, estamos a verificar que outras regras também o

foram”. Assim, a regra que atribui competência para julgar é também uma regra de

reconhecimento que identifica as regras primárias através das sentenças dos tribunais

e estas sentenças tornar-se-ão uma “fonte de direito”.

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40

A “obrigação” de Hart

Prosseguindo, Hart entende que o conceito de obrigação é fundamental para a

formulação de uma teoria do direito. Analisa o conceito tradicional de ordens coercitivas

e alternativo de regras primárias e secundárias de direito para reformular aquilo que

entende por obrigação.

Inicialmente, o autor extrema as situações de “ter a obrigação” e de “ser

obrigado”. Para tanto, utiliza um exemplo hipotético: A ordena a B que lhe entregue o

seu dinheiro e ameaça que lhe dará um tiro, se ele não lhe obedecer. Se B lhe obedecer,

pode-se dizer que ele “foi obrigado” a tanto, mas jamais que “tinha tal obrigação”. Hart

pondera que, nesse caso, que o sujeito A poderia ser entendido como o soberano que é

habitualmente obedecido e B, como seu súdito. Nesse caso, é importante lembrar que

o “foi obrigado” equivale a afirmar que B acreditou que um mal lhe poderia advir, caso

ele não entregasse o dinheiro.

Portanto, por trás desta afirmação residem dois juízos, segundo os quais não

haverá obediência quando o sujeito está perante uma ameaça de um mal insignificante

ou crê que a sanção jamais será efetivada. Estes dois juízos não são condições

necessárias de validade da afirmação de que uma pessoa “tinha a obrigação” de fazer

algo. O conceito de obrigação não pode surgir em torno da gravidade ou plausibilidade

de sanção. Exemplo disso seria a contradição em dizer-se que uma pessoa é obrigada a

prestar o serviço militar, mas que não haveria a menor possibilidade que o castigo lhe

fosse aplicado, já que fora corrompida a autoridade para tal incumbida.

Obviamente, num sistema jurídico normal as sanções são frequentemente

aplicadas aos seus infratores que, portanto, correm o risco de sofrerem o castigo. Desta

forma, ao “ter a obrigação” corresponde a previsibilidade do castigo em caso de um não

cumprimento.

O conceito de “obrigação” esconde o facto de que, quando existem regras, os

desvios a elas “não são simples fundamentos para a previsão de que se seguirão reações

hostis, mas são também a razão ou justificação para a aplicação das sanções”.

Para o autor, torna-se necessária a existência de regras primárias ou secundárias

para que exista coerência dentro de um sistema jurídico.

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Observância das regras

A questão melhor esclarece-se melhor quando Hart menciona que há dois

pontos de vista para analisar a observância das regras, quais sejam, os pontos de vista

interno e externo.

O ponto de vista interno é aquele empregue pelos membros de um grupo que

aceita as regras estabelecidas. Obviamente, quem observa as condutas de um grupo ao

qual não pertence compreenderá que a regularidade destas fornece-lhe um juízo de

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previsibilidade das condutas e das sanções em caso de desvio da regra. Como exemplo,

cita-se a situação daquele “sujeito que, após ter observado durante algum tempo o

funcionamento de um sinal de trânsito se limita a dizer que, quando a luz fica vermelha

há uma grande probabilidade de que os carros parem”. Caso algum carro não o faça, é

previsível que se lhe apliquem alguma sanção. Quem se preocupa com a aplicação das

regras do ponto de vista interno sente-se obrigado a adotar o padrão de conduta por

elas determinado. Para os sujeitos, a violação da regra não é apenas uma base para a

exclusão, mas também de uma reação hostil (base da hostilidade).

Do ponto de vista externo, a eficácia de tais comportamentos pode ser

deturpada, na medida em que a visão da realidade pode não ser a mais credível.

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Sistemas jurídicos e Hart

Hart afirma que o fundamento de um sistema jurídico não pode consistir na

situação em que a maioria de um grupo social obedece habitualmente às ordens

baseadas em ameaças da pessoa ou pessoas soberanas, as quais não obedecem elas

próprias habitualmente a ninguém. A aceitação desta teoria não seria suficiente à

existência do direito. Diferente, Hart afirma que o fundamento de um sistema jurídico

reside na circunstância de que uma regra secundária de reconhecimento seja utilizada

na identificação das regras primárias de obrigação.

O autor afirma que “a existência de tal regra raramente é explicitamente

afirmada”, mas é comumente pressuposta e pode-se traduzir sob diversas formas,

desde a referência a um texto dotado de autoridade até a decisões judiciais proferidas

em casos concretos. Nas complexas sociedades contemporâneas, a regra de

reconhecimento expressa-se pela aplicação de vários critérios (hierarquia,

especialidade, cronologia, de entre outros) que estabelecem a preferência de uma fonte

normativa sobre outra.

Neste contexto: “dizer-se que uma regra é válida equivale a dizer que ela satisfaz

todos os critérios que compõem a regra de reconhecimento”. Isto também evidencia a

distinção conceitual entre eficácia e validade. O fato de uma norma em particular não

ser obedecida não determina a sua invalidade, salvo se a própria regra de

reconhecimento contemplar uma “regra de desuso” (“nenhuma regra é considerada

como regra do sistema se tiver eficácia tiver cessado há muito”).

Situação diversa temos, de acordo com Hart, quando não houver a observância

geral das regras do sistema. Nessa hipótese, poder-se-ia afirmar que o referido sistema

jurídico jamais foi aceite ou que foi abandonado pela sociedade a ele correspondente.

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Direito e Moral

A Moral e a Justiça em Hart

Herbert Hart discute a questão da moralidade no Direito, apesar de não elaborar

uma teoria consistente da justiça. Ele afirma que em todo Direito positivo deve haver

um conteúdo mínimo de Direito natural. Podemos identificar, hoje, esse Direito natural

como sendo a Moral social. Percebemos, portanto, a importância dada por Hart à

presença da moralidade no Direito positivo.

Hart separa, no entanto, o Direito da Moral exatamente para diferenciar a

invalidade da imoralidade em relação ao mundo jurídico, o que constitui uma posição

normativista. Hart adota uma metodologia formalista para o estudo do Direito ao

considerar válidas todas as normas que correspondem aos critérios da regra de

reconhecimento – sem fazer análises axiológicas, inicialmente, sobre elas – exatamente

para poder estudar todas as normas, julgando-as justas ou injustas, e analisando o

comportamento de rejeição da sociedade perante regras iníquas. A regra de

reconhecimento exerce, de certa forma, a função da norma hipotética fundamental de

Kelsen. Este autor explica que não exclui de seus estudos a axiologia das normas e

justifica: "Um conceito de direito, que permita a distinção entre a invalidade do direito e

a sua imoralidade, habilita-nos a ver a complexidade e a variedade destas questões

separadas, enquanto um conceito restrito de direito que negue validade jurídica às

regras iníquas pode cegar-nos para elas."

O jurista inglês teoriza que a moralidade concede apenas um sentido ao Direito,

não condiciona a sua validade. Difere, deste modo, de Dworkin, quando diz que uma

norma injusta é, ainda assim, válida. Hart atribui a validade de uma norma apenas à sua

correspondência com os critérios da regra de reconhecimento, não importando se ela é

justa ou injusta. Reconhece, entretanto, a necessidade de alteração dessa regra, por ser

ela injusta. Expõe ele essa ideia no seu pós-escrito: "Sustento neste livro que, embora

haja muitas conexões contingentes diferentes entre o direito e a moral, não há conexões

conceptuais necessárias entre o conteúdo do direito e o da moral, e daí que possam ter

validade, enquanto regras ou princípios jurídicos, disposições moralmente iníquas."

Para além disso, ressalva a importância da justeza das normas para que elas

sejam estáveis e, assim, não gerem revoltas: "Se o sistema for justo e assegurar

genuinamente os interesses vitais de todos aqueles de quem pede obediência, pode

conquistar e manter a lealdade da maior parte, durante a maior parte do tempo, e será

consequentemente estável. Pelo contrário, pode ser um sistema estreito e exclusivista,

administrado segundo os interesses do grupo dominante, e pode tornar-se

continuamente mais repressivo e instável, com a ameaça latente de revolta."

Direito como instrumento para tornar efetiva a Moralidade

Hart discutiu uma tese extrema, segundo a qual a preservação da moral social é

algo bom em si mesmo.

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A tese moderada, por sua vez, considera que a preservação da moral positiva é

instrumentalmente valiosa como meio para defender a sociedade.

Em face da tese extrema, não é claro que pode ser o valor em obter

conformidade com a moral por meio da compulsão e não pelo convencimento. Esta tese

está ligada à ideia de que a punição da imoralidade serve como denúncia pública dela,

mas para a denúncia basta, em geral, as palavras, sendo desnecessário o sofrimento

implícito da pena. Esta tese assume que existe um consenso moral na população que

não é claro que ocorra nas sociedades pluralistas modernas. A moral vigente numa

sociedade pode ser extremamente aberrante, pelo que não se entende como pode ser

valioso em si mesmo preservá-la.

Num sentido contrário àquilo que nos é dito pela tese moderada. “Não há porque

identificar uma sociedade com certa moral (…) a moralidade da sociedade pode mudar

sem que esta se destrua.” Não existe evidência empírica de que as modificações nos

hábitos morais das pessoas tenham levado à desintegração de algumas sociedades. Esse

tipo de posturas encobre uma confusão entre “democracia” e “populismo moral”, i.e.,

a doutrina de que a maioria deve determinar não quem deve governar, mas como os

demais devem viver.

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Teorias Deontológicas

Kant e o Reino dos Fins

Kant divide todo o conhecimento em lógica, física e ética, compreendendo,

respetivamente, as regras puramente formais de todo o raciocínio em geral, os

princípios do uso teórico da razão e os princípios do uso prático desta mesma.

As verdades lógicas adquirem validade universal e incondicional à custa da sua

completa vacuidade. As verdades da física são substantivas e não puramente formais,

mas isso, é conseguido a custo do seu campo de aplicação ficar limitado ao âmbito da

possibilidade da experiência sensorial. Pode parecer que as verdades da ética, se forem

substantivas como são as da física, deveriam estar também condicionadas por certos

dados empíricos, mas se fosse assim, mais que princípios morais, teríamos um sistema

de princípios prudenciais sobre como satisfazer melhor os desejos dos Homens.

Segundo Kant, as leis ou princípios morais são autónomos, i.e., são leis que

alguém dá a si mesmo com abstração das determinações de certa autoridade humana

ou divina ou dos próprios desejos ou impulsos.

São também categóricos, porque ao contrário dos imperativos hipotéticos do

raciocínio prudencial, o que eles ordenam, não está condicionado por certos fins ou

desejos. As leis morais são ainda universais, ou seja, cada ser racional quererá a mesma

lei que qualquer racional quereria e portanto, essa lei moral, obriga todos os seres

racionais por igual.

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Diogo José Morgado Rebelo 003538

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A universalidade está contida como princípio fundamental de toda a moralidade

no Imperativo categórico: “age apenas segundo uma máxima tal que seja

simultaneamente suscetível de se tornar uma lei universal”. Kant, afirma, que o Homem

existe, como um fim em si mesmo, não só como um meio para certos usos, e por

consequência, todo o Homem, nas suas ações, deve tratar a si mesmo e aos demais

como fins e não como simples meios. “Age de tal modo que trates a humanidade tanto

na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim e nunca apenas

como um meio”.

Rawls e a “posição originária”

A teoria de Rawls é uma teoria de inspiração Kantiana, que recorre à

tradição contratualista. Para Rawls, o objeto do contrato não é o estabelecimento do

Estado, mas a estipulação de certos princípios de justiça que serviram para avaliar as

instituições fundamentais de uma sociedade. Rawls, adota uma certa conceção sobre

justiça que denomina “justiça como equidade”. Segundo esta postura, “os princípios de

justiça são aqueles escolhidos por pessoas livres e puramente racionais que só se

preocupam com o seu próprio interesse se estiverem em posição de igualdade”. Sendo

as condições dessa escolha “fair”, i.e., equitativas ou imparciais, quaisquer que forem

os princípios escolhidos, serão os princípios de justiça.

A visualização das condições para a escolha dos princípios de justiça, assenta que

designa por “posição originária”, que corresponde à “reunião imaginária de seres

puramente racionais e auto interessados que (são) livres para decidir, estando sobre um

véu de ignorância”. Fixadas as condições relevantes para a escolha dos princípios, Rawls

afirma que os participantes acabariam necessariamente por escolher os seguintes

princípios: 1. Cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema total mais extenso de

liberdades que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos; 2.

As desigualdades sociais e económicas devem ser dispostas de tal modo que beneficiem

aqueles que se encontram numa posição social menos vantajosa e devem ser conferidas

a funções bem como posições abertas a todos sob condições de uma equitativa

igualdade de oportunidades.

Rawls defende também uma regra de prioridade de entre esses dois princípios,

segundo a qual, quando se ultrapassa um certo nível mínimo de desenvolvimento

económico, o primeiro princípio tem absoluta prioridade sobre o segundo, o que quer

dizer que deve ser satisfeito completamente antes de se passar a satisfazer o segundo.

Imagina também, uma sequência de 4 etapas na decisão de questões de justiça

por parte de seres racionais: 1. Escolha de princípios de justiça sob um “véu de

ignorância completa”; 2. Estipulação de normas constitucionais para fazer valer o

princípio de igual liberdade; 3. Estabelecimento de regras legislativas para tornar efetivo

o segundo princípio; 4. Aplicação das regras a casos particulares por parte de juízes e

administradores, requerendo-se o reconhecimento pleno de todos os factos gerais e

particulares. Cada etapa pressupõe um gradual levantamento do “véu de ignorância”.

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A justificação da Pena

As sanções penais distinguem-se de outras sanções e medidas coativas aplicadas

pelo Estado por implicarem a finalidade de colocar os seus destinatários numa situação

desagradável, infligindo-lhes sofrimento, o que requer uma justificação moral

convincente.

De acordo com o utilitarismo de Jeremy Bentham, a pena não é justificada

moralmente pelo facto de que quem a recebe tenha feito algo de mal no passado, mas

para promover a felicidade geral, fazendo que mediante as distintas funções da pena,

no futuro, sejam cometidos menos delitos, o que constitui um benefício social que pode

compensar o sofrimento implícito na pena, ou seja, para o Utilitarismo, uma pena é

justificada: se, for um meio eficaz para evitar a ocorrência de certos males sociais; se for

um meio necessário no sentido em que não existe outra forma menos prejudicial para

evitar esse males e o prejuízo que acarreta para o seu destinatário for menor que os

prejuízos que a sociedade sofreria se a pena não fosse aplicada.

O utilitarismo aparece como um enfoque racional e humano da questão. Induz-

nos a não deixar levar pelo espirito e pelo ressentimento diante da impotência par

desfazer o mal que aconteceu, agravando desse modo os infortúnios humanos, e, em

vez disso, olharem para o futuro, procurando apenas a minimização do sofrimento.

Kant, concebe a pena baseada na retribuição. Para o Retribucionismo, a pena

não se justifica como um meio para minimizar os males sociais futuros, mas como

resposta a um mal passado, quaisquer que sejam as consequências que essa mesma

pena possa ter. Essa justificação exige que, o destinatário da pena seja responsável pelo

mal que a pena retribui e o mal implícito na pena seja proporcional ao mal que ela

retribui e ao grau de responsabilidade do agente.

O Retribucionismo exclui a possibilidade de condenar o inocente, exige que só

sejam condenadas as ações voluntárias, prescreve penas mais severas para factos mais

graves e determina que um ato intencional seja punido de forma mais severa do que um

ato negligente. O Retribucionismo requer de nós uma intuição ética básica

compartilhada por muito poucos: “a soma de dois males dá como um bem”.

Correlação das duas perspetivas

É possível combinar aspetos positivos do utilitarismo e do Retribucionismo numa

justificação coerente da pena. “Se não se quer abraçar o obscuro mito de conceber como

boa a soma de dois males, deve-se exigir como condição necessária de legitimidade de

toda a pena que ela seja, de modo demonstrável, o meio mais eficaz para evitar prejuízos

sociais maiores do que aqueles que implica.” Porém, “uma coisa é justificar a pena (…)

outra é justificar a sua aplicação”. Para este último passa, devemos complementar o

princípio utilitarista de proteção social com o princípio de distribuição. Existe um

princípio de distribuição de princípios e encargos, fundamentado, no consentimento dos

indivíduos afetados. “Se alguém realiza de uma forma livre e consciente um ato, sabendo

que este tem como consequência normativa necessária a perda de imunidade contra a

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pena de que os cidadãos em geral gozam, este consente em perder tal imunidade, ou

seja, em contrair responsabilidade penal”.

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O papel dos juízes numa sociedade democrática

Os juízes têm, de modo incontestável, um âmbito de discrição, no cumprimento

das suas responsabilidades de resolução de casos. Parte dessa discrição é uma “discrição

de Direito”, ou seja, outorgada pelas regras do sistema. Porém, boa parte da discrição

judicial, é uma “discrição de facto”, que tem a sua origem no caráter vago ou ambíguo

da linguagem legal ou nas lacunas ou inconsistências do sistema jurídico.

“A discrição judicial propõe dificuldades particulares numa sociedade

democrática”. Os juízes não são eleitos democraticamente pelo povo. É questionável o

facto de os juízes tomarem as suas decisões baseadas em princípios, pontos de vista

valorativos, conceções ideológicas, não legitimados pelos poderes do Estado que gozam

de representatividade democrática. Quando os juízes decidem um caso com base numa

regra ou princípio, que não fazia parte do sistema jurídico, é como se aplicassem

retroativamente uma lei, surpreendendo as partes com a adjudicação de direito,

deveres e sanções. Enquanto restrições à liberdade dos juízes, Dworkin chama a

“doutrina da responsabilidade política” que estipula que os juízes só podem adotar

aquelas decisões que podem justificar com base numa teoria geral que também permita

justificar as outras decisões que se propõem adotar. Essa exigência responde a questões

elementares de coerência e facilita a previsibilidade das decisões judiciais.

A principal restrição a ter em consideração no exercício da discrição judicial é

dada, segundo Dworkin, pela distinção de entre princípios que estabelecem direitos e

políticas (policies) que fixam objetivos sociais coletivos. Os direito estipulados pelos

princípios distinguem-se dos objetivos coletivos definidos por certas políticas através do

facto de os direitos serem distributivos e individualizados, e os objetivos coletivos serem

agregativos e não individualizados; os direitos constituem um limite contra medidas

fundamentadas em objetivos coletivos: “se um suposto direito sucedesse a qualquer

objetivo social legítimo, não seria um verdadeiro direito”.

Assim, Dworkim defende, que os juízes se devem limitar a julgar os casos

concreto de acordo com princípios, deixando as considerações referentes a políticas aos

poderes do Estado, permitindo, segundo ele, superar as referidas dificuldades da

discrição judicial. As decisões de natureza ideológica devem ficar nas mãos dos órgãos

democraticamente eleitos e aplicar-se à formação de políticas e não à determinação de

princípios, já que ela se baseia no facto de que os conflitos entre interesses e pretensões

dos diferentes grupos devem ser dirimidos através dos canais estaduais.

Assinatura

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Diogo Morgado Rebelo