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Análise de publicidades do Biotônico Fontoura sob a ótica dos estudos culturais Manoel Henrique E. F. Plácido Adriano Lopes Romero Departamento de Química, Universidade Tecnológica Federal do Paraná - câmpus Campo Mourão Apresentação As relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, têm sido defendidas por documentos norteadores da Educação Básica, assim como, por pesquisadores da área de Ensino de Ciências. Alguns autores (MOTTA-ROTH, 2014; MARCONDES, MENEZES e TOSHIMITSU, 2003 TROTTA e VERGARA, 2012) defendem, por exemplo, explorar rótulos de produtos industrializados - alimentos, fármacos, domissanitários, entre outros - para o ensino de conceitos e conteúdos de Química. Entre os produtos industrializados que podem ser explorados no contexto escolar destaca-se o Biotônico Fontoura. Acreditamos que este produto possui um grande potencial para ser explorado nas aulas de Química da Educação Básica, permitindo trabalhar, além de conceitos formais da disciplina, aspectos culturais relacionados aos modelos de conduta, padrões de beleza, valores e visões de mundo. Neste contexto, este trabalho consistiu na análise de publicidades do Biotônico Fontoura, utilizando a perspectiva das relações de poder em Foucault, na qual entendemos que a mídia é um dispositivo pragmático que produz sujeitos, na medida em que constitui modos possíveis das experiências de si, que molda comportamentos, introjeta valores e contribui para a constituição da própria subjetividade. A utilização de termos científicos pelo marketing Nos últimos anos observasse um aumento significativo na popularização de termos científicos, devido, principalmente, à programas televisivos. No entanto, os termos científicos são, geralmente, utilizados de maneira superficial, onde julgam, por

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Análise de publicidades do Biotônico Fontoura sob a ótica dos estudos culturais

Manoel Henrique E. F. Plácido

Adriano Lopes Romero

Departamento de Química, Universidade Tecnológica Federal do Paraná - câmpus

Campo Mourão

Apresentação

As relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, têm sido defendidas por

documentos norteadores da Educação Básica, assim como, por pesquisadores da área de

Ensino de Ciências. Alguns autores (MOTTA-ROTH, 2014; MARCONDES,

MENEZES e TOSHIMITSU, 2003 TROTTA e VERGARA, 2012) defendem, por

exemplo, explorar rótulos de produtos industrializados - alimentos, fármacos,

domissanitários, entre outros - para o ensino de conceitos e conteúdos de Química.

Entre os produtos industrializados que podem ser explorados no contexto

escolar destaca-se o Biotônico Fontoura. Acreditamos que este produto possui um

grande potencial para ser explorado nas aulas de Química da Educação Básica,

permitindo trabalhar, além de conceitos formais da disciplina, aspectos culturais

relacionados aos modelos de conduta, padrões de beleza, valores e visões de mundo.

Neste contexto, este trabalho consistiu na análise de publicidades do Biotônico

Fontoura, utilizando a perspectiva das relações de poder em Foucault, na qual

entendemos que a mídia é um dispositivo pragmático que produz sujeitos, na medida

em que constitui modos possíveis das experiências de si, que molda comportamentos,

introjeta valores e contribui para a constituição da própria subjetividade.

A utilização de termos científicos pelo marketing

Nos últimos anos observasse um aumento significativo na popularização de

termos científicos, devido, principalmente, à programas televisivos. No entanto, os

termos científicos são, geralmente, utilizados de maneira superficial, onde julgam, por

exemplo, a presença de dada substância como “vilã” ou “extremamente saudável”,

banalizando e fragmentando o conhecimento, o que aliena a população com menos

acesso a informação adequada (MOTTA-ROTH, MARCUZZO, 2010; ALBÉ, 2014;

MOTTA-ROTH, 2009; SCOTTI SCHERER, MOTTA-ROTH, 2014).

Para Marcondes, Menezes e Toshimitsu (2003) a representação do cidadão

pode ser verificada quando há correta leitura e interpretação, por exemplo, de dados

fornecidos nos rótulos de alimentos. Este fato demonstra a formação de consumidores

responsáveis, críticos e exigentes para lidar com a carga de informações que nos é

transmitida pelos anúncios publicitários, muitas vezes tendenciosos.

Diante desse cenário, o professor de Química pode então utilizar-se deste

pressuposto para trabalhar rótulos que apresentem termos científicos em sala de aula,

pois é necessário que o estudante consiga distinguir o que é verídico ou apenas

marketing, questionar as informações trazidas nos rótulos, não mais se utilizando de

informações e sim do conhecimento trazido em sala de aula com a orientação adequada

por parte do professor.

De acordo com Santana e Wartha (2008) e Fonseca (2006) quando o professor

parte da realidade do aluno o processo de ensino e aprendizagem de conteúdos de

Ciências torma-se mais significado. Nesta perspectiva, consideramos que utilizar

rótulos de produtos industrializados, explorando a leitura e a discussão de termos

científicos contidos nestes, pode ser um recurso didático interessante para trabalhar

conteúdos de Química. Acredita-se que o uso deste tipo de abordagem estimule o

raciocínio e a inter-relação dos mesmos com as situações do cotidiano, tornando o aluno

um consumidor mais crítico.

Existem vários termos científicos que são percebidos, pela população, como

algo ruim ou prejudicial, tal como o termo colesterol - substância química contida em

alimentos que possuem componentes de origem animal - que em taxas elevadas pode

ser prejudicial à saúde.

Nos últimos anos, por exemplo, é possível observar que os marqueteiros se

apropriaram de termos científicos, introduzindo-os nos rótulos de diferentes produtos

como uma forma de caracterizá-lo como sendo mais inovador, tecnológico, de melhor

qualidade e saudável (TROTTA e VERGARA, 2012). Isto acabou criando um círculo

vicioso fazendo com que outras empresas que comercializam o mesmo tipo de produto

utilizem também termos científicos em seus rótulos. No entanto, algumas vezes os

termos científicos utilizados não são condizentes com o tipo de produto comercializado,

tal como os termos “sem colesterol” e “0% gordura trans” utilizado em margarinas

(PLÁCIDO et al., 2015).

O termo colesterol criou certa desconfiança no consumidor, que passou a

procurar no rótulo se o produtos contêm ou não colesterol. Os profissionais do

marketing se apropriaram deste medo e introduziram o termo “sem colesterol” em

vários produtos alimentícios.

A leitura e análise de rótulos com termos científicos são recursos didáticos que

podem ser utilizado pelo professor que busca uma metodologia diferente do ensino

tradicional para ser utilizada em sala de aula, onde contribui para o processo de ensino e

aprendizagem de conhecimentos químicos.

Biotônico Fountoura e o ensino de Química

O ensino de Química, ainda hoje, apresenta muitas dificuldades, devido à

formação inadequada de alguns professores, más condições de trabalho, infraestrutura

inapropriada para um ambiente de estudo, material didático com abordagem

desatualizada, com restrita quantidade e qualidade inadequada, as dificuldades da gestão

escolar devido escassez de recursos (VIEIRA, FIGUEIREDO-FILHO, FATIBELLO-

FILHO, 2007; KRAWCYC, 2009).

Estes fatores contribuem para a qualidade do ensino atual, que notoriamente é

fragmentado, tradicional, esquemático e de caráter não investigativo. Muitos professores

se atêm apenas a conceitos que não contribuem para uma aprendizagem significativa, tal

como defendem Moreira e Masini (2011), pautados na Teoria de David Ausubel, que

afirma que a essência do processo de ensino e aprendizagem significativo está

intimamente ligado ao que o aprendiz já sabe, ou seja, a algum aspecto relevante da sua

estrutura de conhecimento.

Uma alternativa para mudar a realidade do ensino de Química é o uso de

Temas Geradores, termo introduzido por Paulo Freire na década de 50, segundo o

mesmo o Tema Gerador é o ponto em que as áreas do saber interdisciplinarmente se

relacionam, em busca da leitura crítica da sociedade (FREIRE, 2009). Os temas

geradores podem ser identificados pela relação homem-mundo, de acordo com Freire

(2002), é por meio destes que se partem de onde aluno está inserido, a compreensão que

a sociedade tem quanto a si mesma e o papel de inserção na realidade imediata em

totalidades mais abrangentes. Dentre os diversos temas que podem ser utilizados como

temas geradores, Fonseca e Loguercio (2013) exploraram o tema gerador relacionado à

alimentação, o uso de rótulos seria um dos recursos possíveis para utilização no

processo de ensino e aprendizagem de Química. O uso de rótulos de alimentos pode ser

considerado um tema gerador no ensino de Química, como na utilização do termo “sem

colesterol” em alguns rótulos de margarinas que são alimentos de origem vegetal, como

este é considerado prejudicial a saúde, empresas muitas vezes aumentam o preço de

seus produtos por apresentarem este tipo de informação no rótulo, o consumidor

prezando por sua saúde adquire a margarina que apresenta o termo “sem colesterol”

mesmo que esta tenha maior custo (PEIXOTO; OLIVEIRA, 2007; AGOSTINHO;

NASCIMENTO; CAVALCANTE; 2012).

Frases de efeito comercial utilizando conceitos científicos são notáveis nos

meios de comunicação como nos cosméticos, onde utilizam frequentemente o termo

científico contém antioxidantes, no intuito de aumentar sua comercialização, como este

afirma ter efeito antienvelhecimento que é desejado por muitos, o publico aumentará e

com isso suas vendas, porém há muitos fatores neste tema que não são abordados como

a estabilidade destes antioxidantes e o seu potencial aintiage, essa possibilidade foi

abordada no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência,

PIBID/Química da UFRPE - para trabalhar funções orgânicas e isomeria (JÚNIOR e

SILVA, 2016)

Entre as possibilidades indicadas destacamos o uso de termos científicos em

produtos industrializados para fins comerciais. O Biotônico Fontoura se tornou um dos

principais produtos a ter historicamente grande investimento em marketing, tanto que

seu slogan “Ferro para o sangue e fósforo para músculos e nervos” e a música jingle

tema do comercial produzido em 1978 continua na memória de muitos Brasileiros “Bê,

á, bá. Bê, e, bé. Bê, i, Bi…otônico Fontoura!”

Devido a saúde frágil de sua esposa o farmacêutico Cândido Fontoura - logo

após sua formação, em 1905, período onde muitas industrias farmacêuticas surgiram

sem grandes pretensões devido dedicação por parte de farmacêuticos na produção de

medicamentos em pequena escala - desenvolveu um estimulante de apetite, antianêmico

e fortificante (EDLER, 2006).

De acordo com Cadena (2010) foi Monteiro Lobato que sugeriu a marca

Biotônico Fontoura para o produto desenvolvido por Cândido Fontoura (os dois eram

amigos e trabalharam juntos no jornal Estado de São Paulo (atualmente conhecido como

Estadão).

Ainda segundo Cadena (2010) o grande interesse por parte de Monteiro Lobato

não parou apenas no nome do produto desenvolvido por seu amigo, este também

desenvolveu um almanaque intitulado Amanach do Biotônico. Onde trazia o livreto

Jeca Tatuzinho, inspirado no personagem Jeca tatu, um homem de aparência fraca e

triste, com verminose. Foi através deste livreto que o Biotônico alcançou maior

divulgação, conquistando simpatia devido o personagem principal ser um homem do

campo enfrentando os males do amarelão e opilação, para estes males dava-se o nome

de Ankilostomia Fontoura. Em 1937, na trigésima quinta edição, o almanaque alcançou

seu maior número de exemplares vendidos, 84 milhões de exemplares, transformando

Jeca Tatuzinho, na obra mais vendida no Brasil.

O Biotônico Fontoura foi disponibilizado para comercialização no início do

século XX, período que contou com um grande avanço na ciência Química, como as

inúmeras investigações e publicações realizadas no intuito de conhecer a estrutura

atômica. As décadas anteriores, contaram com grandes inovações científicas, tais como

na área da saúde como a invenção de vacinas, tal como a antirrábica desenvolvida por

Antonie Pasteur (FERNANDES 1999), a partir dos seus inúmeros trabalhos com

microbiológica. Além disso, os químicos se dedicaram para conhecer as substâncias

químicas presentes em plantas utilizadas para tratar diferentes enfermidades

contribuindo para o desenvolvimento da Química de Produtos Naturais. O

desenvolvimento de dispositivos e novos tratamentos médicos a partir do uso de raios

X, tal como a radiologia que permitiu a visualização de fraturas internas e melhorar a

tomada de decisão de médicos (MARTINS, 2006; CHASSOT, 1995). Neste período

que podemos considerar como sendo de consolidação, a Ciência era vista

primordialmente como inovadora, segura e eficaz, nos dias atuais devido a utilização

inadequada das descobertas científicas, a Química é vista por muitos como perigosa e

danosa a saúde como na utilização de termos em rótulos como “livre de química”,

“Compostos naturais” e “Produto Orgânico”, além da notória presença em muitos

rótulos da informação “sem química”. O Biotônico Fontoura traz em seu rótulo o

mesmo logotipo há mais de 100 anos, onde indica os termos ferro para melhora dos

ossos e fósforo para melhora dos músculos, assim como quatro extrato vegetais: Aloe

amargo (Aloe perryi, utilizado principalmente como acelerador cicatrizante em

ferimentos e cortes), mirra (Commiphora myrrha, usada em medicamentos devido as

propriedades anti-sépticas da resina obtida de seus caules além de ser utilizada pela

naturoterapia no tratamento de infecções causadas por fungos, vírus e bactérias), noz-

moscada (Myristica fragrans, apresenta, entre outras, a substância miristicina, um

inibidor da monoamina oxidase que está relacionada no tratamento de depressão) e

canela (Cinnamomu zeylanicum), utilizada no tratamento de resfriados utilizando seus

óleos destilados. Verifica-se que todos os extratos vegetais presentes na composição do

Biotônico Fontoura apresentam atividades farmacológicas, no entanto, a composição

química destes era pouco conhecida, sendo assim esta informação não foi explorada

pela empresa Fontoura. Atualmente, nos deparamos com uma realidade contraria,

partindo deste contexto, se este produto fosse idealizado no período atual,

provavelmente seriam postos em destaque nos rótulos os produtos naturais, mas como

na época de lançamento do produto grande parte das pessoas tinha acesso aos produtos

naturais esta informação não foi explorada.

Análise das publicidades do Biotônico Fontoura

Os rótulos de embalagens de produtos industrializados podem ser considerados

como um tipo específico de publicidade – uma ferramenta de marketing que é uma fonte

prolífica e potente de imagens culturais. Tais rótulos (i) não alcançam e interpelam

somente àqueles indivíduos que de fato compram os produtos dos quais eles fazem

parte, (ii) podem ser considerados poderosas ferramentas de marketing que envolvem

uma rede de enunciados que, nos casos de produtos alimentícios, articula discursos

médicos, nutricionais e estéticos.

O anúncio de 6 de fevereiro de 1938, por exemplo, trazia também uma

declaração sobre a ação “rápida e eficassíssima” do biotônico assinada pelo médico

Mário Motta.

“Sempre vence o mais forte. Em todos os terrenos a vitória é dos fortes. E a

própria força moral e mental depende das reservas físicas de energia. Renove

as suas reservas ganhando saúde, aparelhando-se para as lutas diárias, com o

Biotônico Fontoura, o mais completo fortificante, bom para todas as idades.

O Biotônico Fontoura age diretamente sobre o sangue, regenerando-o, e

sobre os músculos e nervos, fortalecendo-os. Abre o apetite. Aumenta o peso.

E condiciona o organismo para melhor e mais proveitosa assimilação dos

alimentos. Use Biotônico Fontoura e seja, em todas as situações, o mais forte,

o mais alegre, o mais capaz!”

A mídia é um dispositivo que produz sujeitos, ou seja, indivíduos dotados de

certa experiência de si mesmos. Ela atua como um dispositivo (pragmático ou

“performativo”), na medida em que constitui modos possíveis das experiências de si

(ROCHA, 2011). Tais dispositivos, ao regularem a maneira das pessoas pensarem e

atuarem em relação aos seus corpos, às suas vidas e aos/às demais, encontram-se

implicados nos processos de subjetivação, assumindo uma função nitidamente

pedagógica. Tais dispositivos, ao regularem a maneira das pessoas pensarem e atuarem

em relação aos seus corpos, às suas vidas e aos/às demais, encontram-se implicados nos

processos de subjetivação, assumindo uma função nitidamente pedagógica.

Ao traduzir a esfera da produção para o universo do consumo, os anúncios

conjugam ideais de convivência, sociabilidade e bem viver que servem de mapas de

sentido para a orientação dos indivíduos no universo social (MAZETTI, 2012).

Foucault (1995) apontou a existência de três tipos de lutas sociais: lutas contra a

exploração econômica, que separa os sujeitos daquilo que produ-zem; lutas contra a

dominação – política, étnica ou religiosa – e; lutas contra formas de sujeição, que

subjugam o indivíduo a si mesmo ou o submetem ao controle dos demais. Esses modos

de luta ou de resistência não são excludentes, mas tornam-se hegemônicos em certos

contextos históricos e sociais e, como aponta Foucault, o mundo contemporâneo tende a

assistir o predomínio do terceiro tipo de luta (ROCHA, 2011).

Para Foucault, o sujeito não é uma instância universal ou a-histórica, mas é o

indivíduo dotado de certas formas de experiência de si, socialmente construídas. A

crítica da mídia como instância de manipulação dá lugar à análise de mecanismos de

constituição da subjetividade (ROCHA, 2011).

De fato, a partir do quadro teórico proposto por Foucault (1995), diversos

autores tem procurado analisar este aspecto da cultura midiática, sublinhando,

sobretudo, seu caráter normativo e sua função disciplinar, propondo narrativas

exemplares e promovendo a adequação dos sujeitos a posições identitárias determinadas

(GREGOLIN, 2007, apud ROCHA, 2011). A publicidade do Biotônico Fontoura tentou,

em diferentes momentos, representar a mulher como mãe e provedora da saúde da

família, que possuía também a representação de ser com “beleza delicada”, opondo-se

ao vigor masculino (Figura 1).

Ao considerar que a propaganda está envolvida em relações de poder não

significa dizer, porém, que os publicitários se uniram em um esforço coletivo e

autoconsciente para administrar nossas mentes. Em primeiro lugar, o discurso

publicitário se alimenta de influentes redes discursivas que operam na sociedade. Os

argumentos exibidos nos anúncios se baseiam, normalmente, em postulados formulados

nas ciências humanas que já foram diluídos no imaginário popular. Além disso, os

publicitários elaboram as mensagens comerciais com objetivos bastante imediatos:

vender este ou aquele produto, e não transformar os indivíduos em pessoas egoístas ou

autocentradas (MAZETTI, 2012).

Nesse sentido, para além de seu papel clássico (normativo) de impor

representações pré-estabelecidas – modelos de conduta, padrões de beleza, valores,

visões de mundo, entre outros – o discurso publicitário contemporâneo opera incitando

o consumidor a exercer sua liberdade, expressar a si mesmo e a ter “seu próprio estilo”.

Nesse sentido, trata-se menos de dizer como o indivíduo deve ser (ou agir) e mais de

informá-lo de que o produto em questão expressa sua individualidade e seu estilo

(ROCHA, 2011).

A publicidade de 1934 (denominada de O ideal de todos), Figura 1, por

exemplo, utilizou a imagem de uma mulher e um homem saudáveis, fazendo a relação

de beleza com a mulher e de força com o homem, relatando que são características que

todas pessoas admiram. A publicidade termina com a frase “...Não há beleza nem Força

sem Saúde e não há Saúde sem Biotônico Fontoura”.

Figura 1. Exemplos de publicidades do produto Biotônico Fontoura.

De acordo com Mazetti (2012) nas propagandas de 40 anos atrás não só ficou

clara a quase inexistência de referências à autenticidade como foi observado que os

apelos à distinção e à exibição de status social eram determinantes nos modelos

subjetivos que a publicidade oferecia como ideais e desejáveis. Esses modelos foram

amplamente utilizado nas publicidades do Biotônico Fontoura ao explorar a imagem de

pessoas fazendo esportes, utilizando vestimentas comumente utilizados por esportistas,

com corpos definidos e boa aparência.

Se durante séculos, a humanidade conferia à alma o lugar da identidade humana,

contemporaneamente, é o corpo que passa a exercer essa função. Ele encerra em si o

lugar privilegiado da subjetividade de cada um. Ele é nosso cartão de visitas, o melhor

de nós, o espaço de liberdade pessoal – a de esculpir para si um belo corpo (ORTEGA,

2002).

Ao longo dos anos o Biotônico se destacou por meio de suas campanhas

publicitárias que apresentavam celebridades, como a Xuxa e o Pelé, relacionando o

sucesso profissional, o porte físico, a saúde e a beleza com o consumo do produto. Bem

antes disso, o Biotônico Fontoura colocou na revista “O Cruzeiro”, a de maior

circulação nacional, uma propaganda em que Pelé anunciava as vantagens do produto.

Considerações finais

Após a análise de algumas publicidades do produto Biotônico Fontoura,

produzidas em diferentes períodos, observa-se que tais estilos de publicidade evidencia

o caráter normativo e sua função disciplinar, propondo narrativas exemplares e

promovendo a adequação dos sujeitos a posições identitárias determinadas.

Consideramos que o uso de rótulos de produtos industrializados, tal como

realizado neste trabalho, no contexto educacional, corrobora com o proposto por

Camargo; Souza (2007) que consideram que as diferentes produções da mídia

caracterizam-se como um “dispositivo pedagógico”, pois constroem significados e

atuam decisivamente na formação dos sujeitos sociais.

Conclui-se que além da possibilidade de explorar termos científicos, os rótulos e

publicidades do produto Biotônico Fontoura são um rico recurso para trabalhar

diferentes conhecimentos químicos, assim como permite discussões sobre as relacões de

poder estabelecidas na publicidade deste produto.

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