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27ª Edição – 2013 RAUL CASTRO BRASIL Professor - CLF ENSAIOS Análise das obras UVA 2013.2

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27ª Edição – 2013

RAUL CASTRO BRASIL

Professor - CLF

ENSAIOS

Análise das obrasUVA 2013.2

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COORDENAÇÃO EDITORIAL:COORDENAÇÃO GERAL:

AUTOR:ASSISTÊNCIA EDITORIAL:

COORD. DE PRODUÇÃO GRÁFICA :COORDENAÇÃO DE REVISÃO:

EDIÇÃO DE ARTE:CAPA:

IMPRESSÃO:ACABAMENTO:

Francisco Lúcio Pontes FeijãoCarlos Albuquerque

Raul Castro BrasilSilvana Cândido

Auricélio Rodrigues VasconcelosAnne Dayana Marques do NascimentoAntonio Johnyslei Alves Sampaio

333 PropagandaGráfica CLF

Gráfica CLF

Todos os direitos reservados

COLÉGIO LUCIANO FEIJÃO

Av. D. José, 325 - CentroSobra-CE-Brasil - CEP 62030-630

Tel.: (88) 3112.1000www.lucianofeijao.com.br

2013

Impresso no Brasil

Raul Castro Brasil

Resumo das Obras - UVA 2013.2 – 27ª edição – Sobral: CLF, 2013

Conteúdo: Literatura Brasileira - Ensaios

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Caros alunos,

Se hoje sei Literatura, é porque estive escalando nos ombros de gigantes. Passei a amar Literatura nas beiras de um terceiro ano que me predestinava a um curso de Direito, comecei a ter professores que, quando entravam em sala, aos poucos, em doses moderadas, mostravam-me um pouco do saber literário.

E foi nas salas do mesmo colégio que hoje ensino, que me apaixonei perdidamente pelas letras, porque tive professores que ensinavam com tanto amor, afinco e destreza, que aquilo me cativou, havia horas que eu não sabia o que mais me encantava, o conhecimento que detinham ou amor com que ensinavam.

Eles me concediam a ponta do iceberg, e me convidavam a mergulhar e descobrir o que havia por baixo, e lá ficava a contemplar a maravilha de saberes que estavam além de uma aula. Hoje tenho a honra de estar ao lado deles em profissão.

Não estou tentando aqui convencê-lo a fazer Letras, mas se quiserem tentar....Enfim, tento a cada dia de meu magistério transbordar esse mesmo amor,

dedicação e saber, foi por isso que surgiu esse material, apresento-lhe aqui uma ponta do iceberg, um pouco dos cinco livros que a tão almejada UVA nos indica, o que não os impedem de conhecê-los melhor, de estudá-los, sem ficar na loucura de qual pergunta a questão quererá saber. Desfrutar um prazer imenso que é ler na íntegra os romances românticos, naturalistas e pré-modernistas. Ninguém faz cálculos por prazer, ninguém faz equações por amar Química, mas ler um bom livro, um bom romance...

Talvez tenha sido por isso que optei pelas letras, porque descobri que, nas artes, pode-se fazê-las com imenso prazer em ler, descobrir e estudar.

Raul Castro.

Apresentação

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• ROMANTISMO

I. Senhora (José de Alencar) ............................................................ 08

II. Helena (Machado de Assis) .......................................................... 08

• REALISMO e NATURALISMO

III. O Missionário (Inglês de Sousa) .................................................... 27

IV. Casa de Pensão (Aluísio de Azevedo) ............................................ 27

• PRÉ-MODERNISMO (1902)

V. Triste Fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto) ........................... 40

Sumário

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Tendo a Uva indicado dois livros românticos, não podemos deixar de fazer algumas breves considerações dessa escola literária que irá revolucionar o modo de se fazer Literatura.

Grande é o número de características que marcaram o movimento romântico, características essas que, centradas sempre na valorização do eu e da liberdade, vão-se entrelaçando, umas atadas às outras, umas desencadeando outras e formando um amplo painel de traços reveladores.

Para aqui discuti-las, vamos seguir os aspectos considerados os mais significativos por Domício Proença Filho em sua análise dos estilos de época na Literatura.

1. Contraste entre os ideais divulgados e a limitação imposta pela realidade vivida. 2. Imaginação criadora. 3. Subjetivismo. 4. Evasão. 5. Senso de mistério. 6. Consciência da solidão. 7. Reformismo. 8. Sonho. 9. Fé.

10. Ilogismo. 11. Culto da natureza. 12. Retorno ao passado. 13. Gosto do pitoresco, do exótico. 14. Exagero. 15. Liberdade criadora. 16. Sentimentalismo. 17. Ânsia de glória. 18. Importância da paisagem. 19. Gosto pelas ruínas. 20. Gosto pelo noturno. 21. Idealização da mulher. 22. Função sacralizadora da arte.

Acrescentem-se a essas características os novos elementos estilísticos introduzidos na arte literária: a valorização do romance em suas muitas variantes; a liberdade no uso do ritmo e da métrica; a confusão dos gêneros, dando lugar à criação de novas formas poéticas; a renovação do teatro.

O RomantismoUVA 2013.2

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O Romantismo Brasileiro

Considera-se a obra Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, publicada em Paris em 1836, como o marco inicial do Romantismo brasileiro.

A poesia romântica brasileira passou por diferentes momentos nitidamente caracterizados. Essas diferentes vagas são apontadas pelos estudiosos, que agrupam os autores segundo as características predominantes em sua produção, dando destaque a essas tendências. Embora alguns críticos estabeleçam quatro, cinco e até seis grupos, observa-se que os aspectos apresentados em relevo podem ser assim reunidos:

1º grupo – chamado de primeira geração romântica – em que se destacam duas

tendências básicas: o misticismo (intensa religiosidade) e o indianismo. A religiosidade é marcante nos primeiros românticos, enquanto o indianismo se torna símbolo da civilização brasileira nos poemas de Gonçalves Dias. Esse espírito nacionalista fez desabrocharem também poemas cuja temática explorou o patriotismo e o saudosismo. Nomes que marcaram o período: Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto Alegre, Gonçalves Dias.

2º grupo – a segunda geração romântica – por seu intimismo, tédio e melancolia,

abraçou o negativismo boêmio, a obsessão pela morte, o satanismo. É conhecida como geração byroniana (numa alusão ao poeta inglês Lord Byron, um de seus principais representantes) e sua postura vivencial considerada o mal do século, por se tratar não apenas de um fazer poético, mas de uma forma autodestrutiva de ser no mundo. Destaques no período: Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Junqueira Freire. Algumas das obras de Castro Alves permitem enquadrá-lo no período. Sua visão da mulher, marcada pela sensualidade, distancia-se, porém, do lirismo idealizante que caracterizou as demais produções de poesia amorosa do período.

3º grupo – a terceira geração romântica –, voltada para uma poesia de

preocupação social. Conhecida como condoreira (tinha como emblema o condor, ave que constrói seu ninho em grandes altitudes) ou hugoniana (numa referência a Vitor Hugo, escritor francês cuja obra de cunho social marcou o período), sua linguagem adquiria um tom inflamado, declamatório, grandiloquente, carregada de transposições e de figuras de linguagem. Seus principais representantes, Castro Alves e Tobias Barreto, têm sua produção associada ao movimento abolicionista e republicano, respectivamente.

O Romance Romântico

Destaque especial teve no movimento romântico a narrativa romanesca. Foi por meio dos romances que a Europa marcou seu reencontro com o mundo medieval em que repousavam as raízes das modernas nações europeias. Ali floresceram os ideais

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cavalheirescos que resgatavam na origem heroica a dignidade da pátria e se expressaram nos romances históricos. Encontram-se também as narrativas apoiadas no embate entre o Bem e o Mal, com a vitória do primeiro. No Brasil, o romance histórico se fez indianista na busca das raízes da nacionalidade (não esqueçamos que a independência há pouco alcançada legou aos intelectuais românticos o compromisso de construir a identidade nacional).

O primeiro romance bem-sucedido na história da Literatura brasileira foi A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. Seu reconhecimento se deve ao fato de ter sido a primeira narrativa centrada em personagens brasileiros, com ambiência local.

Os romances do período romântico foram construídos em torno de quatro grandes núcleos:

? os romances históricos, voltados para as relações que fizeram o Brasil colônia; ? os romances indianistas, com a intenção de estabelecer nossas raízes históricas,

construiu-se em torno da idealização da figura do índio, transformado em herói nacional;

? os romances urbanos, com ênfase nas relações amorosas, foram o espaço de revelação das preocupações burguesas, sua noção de honra e o significado do dinheiro nas relações estabelecidas;

? o romance sertanista ou regionalista, voltado para o mundo rural, veio a ser a abertura para uma das temáticas mais significativas a desenvolver-se na literatura brasileira nos movimentos literários que se seguiram ao Romantismo.

Embora encontrados em muitos dos escritores do período, os romances assim caracterizados foram preocupação especial de José de Alencar, que se propôs a, através de sua obra, representar o Brasil em todas as suas facetas.

Portanto, vamos ver onde se enquadra os nossos livros, Helena e Senhora, cujos autores representam marcos na nossa Literatura, são romances românticos urbanos.

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VIDA E OBRA DO AUTOR:

José de Alencar, advogado, jornalista, político, orador, romancista e teatrólogo, nasceu em Mecejana, CE, em 1º de maio de 1829, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12 de dezembro de 1877. É o patrono da Cadeira n. 23, por escolha de Machado de Assis. Era filho do padre, depois senador, José Martiniano de Alencar e de sua prima Ana Josefina de Alencar, com quem formara uma união socialmente bem aceita, desligando-se bem cedo de qualquer atividade sacerdotal; neto, pelo lado paterno, do comerciante português José Gonçalves dos Santos e de D. Bárbara de Alencar, matrona pernambucana que se consagraria heroína da revolução de 1817. Ela e o filho José Martiniano, então seminarista no Crato, passaram quatro anos presos na Bahia, por sua adesão ao movimento revolucionário irrompido em Pernambuco.

Em 1844 vai para São Paulo, onde permanece até 1850, terminando os preparatórios e cursando Direito, salvo o ano de 1847, em que faz o 3º ano na Faculdade de Olinda. Formado, começa a advogar no Rio e passa a colaborar no Correio Mercantil, convidado por Francisco Otaviano de Almeida Rosa, seu colega de Faculdade, e a escrever para o Jornal do Commercio os folhetins que, em 1874, reuniu sob o título de Ao correr da pena. Redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro em 1855.

A crítica por ele feita ao poema denota o grau de seus estudos de teoria literária e suas concepções do que devia caracterizar a Literatura brasileira, para a qual, a seu ver, era inadequado o gênero épico, incompatível à expressão dos sentimentos e anseios da gente americana e à forma de uma Literatura nascente. Optou, ele próprio, pela ficção, por ser um gênero moderno e livre. Ainda em 1856, publica o seu primeiro romance conhecido: Cinco minutos. Em 1857, mostra-se um escritor mais maduro com a publicação, em folhetins, de O Guarani, que lhe granjeou grande popularidade.

Daí para frente escreveu romances indianistas, urbanos, regionais, históricos, romances-poemas de natureza lendária, obras teatrais, poesias, crônicas, ensaios e

Análise da Obra

José de AlencarSenhora

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polêmicas literárias, escritos políticos e estudos filológicos. A parte de ficção histórica, testemunho da sua busca de tema nacional para o romance, concretizou-se em duas direções: os romances de temas propriamente históricos e os de lendas indígenas. Por estes últimos, José de Alencar incorporou-se no movimento do indianismo na Literatura brasileira do século XIX, em que a fórmula nacionalista consistia na apropriação da tradição indígena na ficção, a exemplo do que fez Gonçalves Dias na poesia.

Sua obra é da mais alta significação nas letras brasileiras, não só pela seriedade, ciência e consciência técnica e artesanal com que a escreveu, mas também pelas sugestões e soluções que ofereceu, facilitando a tarrefa da nacionalização da Literatura no Brasil e da consolidação do romance brasileiro, do qual foi o verdadeiro criador. Sendo a primeira figura das nossas letras, foi chamado "o patriarca da Literatura brasileira". Sua imensa obra causa admiração não só pela qualidade, como pelo volume, se considerarmos o pouco tempo que José de Alencar pôde dedicar-lhe numa vida curta. Faleceu no Rio de Janeiro, de tuberculose, aos 48 anos de idade.

Nota:Os romances urbanos, que nos interessam mais de perto, têm como cenário a

corte, ou seja a cidade do Rio de Janeiro do Segundo Reinado... É neles que se mostram com maior evidência os ingredientes amorosos românticos, como atesta o ferrenho alencariano, Oscar Mendes: "Como no período romântico não se compreendesse um romance que não tivesse uma intriga amorosa, todos os romances urbanos de Alencar são romances de amor, do amor, como entendia a mentalidade romântica da época, um amor, sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, mas redimindo-se pela própria força acrisoladora de sua intensidade e de sua paixão Publicado em 1875, Senhora é um dos últimos romances de Alencar.

ELEMENTOS DA NARRATIVA

TEMÁTICA CENTRAL e CRÍTICAS

Temática central:

O tema deste romance – o casamento por interesse.O conflito amoroso entre os protagonistas nasce desse choque entre os sentimentos

e o interesse econômico. Aurélia Camargo é uma mulher de personalidade forte, carregada de sentimentalismo romântico.

Críticas:

José de Alencar critica em Senhora em muitos trechos o modo como o dinheiro influía na sociedade da época ( e ainda influi ), utilizando para fazê-la, a sua personagem

Senhora |José de Alencar 11

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principal: Aurélia.José de Alencar procurou mostrar como o dinheiro elevavam as pessoas por entre a

alta sociedade, se o possuiam, e como rebaixavam - nas, se não o tinham, como mostra ao relatar a vida de Aurélia, a sua faze pobre e a sua ascendência após receber a herança de seu avô.

A narração do livro cita por várias vezes como Aurélia recorre ao pensamento de que todos rodeavam - na por causa do dinheiro que possuía, como é visto neste parágrafo na página 12:

Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.

E ainda nesta revolta de Aurélia na página 107, no diálogo com Seixas:

- É então verdade que me ama?-Pois duvida, Aurélia?-E amou - me sempre, desde o primeiro dia que nos vimos?-Não lho disse já?-Então nunca amou a outra?-Eu lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra mulher, que não

fosse minha mãe. O meu primeiro beijo de amor, guardei - o para minha esposa, para ti...(...)

- Ou para outra mais rica!...(...)

José de Alencar critica ainda as intrigas de amor entre as pessoas da sociedade da época, como a questão do caça - dotes, visto também na mesma citação anterior, neste trecho:

"(...)- Ou para outra mais rica!(...)

Ainda relacionado com estas características da época, José de Alencar critica ainda, o modo como os pobres eram quase como excluídos da sociedade, da alta burguesia como é visto várias vezes na segunda parte do livro, quando Aurélia era pobre.

Outras temáticas

* A crítica ao casamento por interesse.* O dinheiro e o amor como agentes de transformação do homem e da sociedade.* A crítica aos falsos valores sobre os quais está assentada a sociedade da época.* Idealização do amor e das personagens.* A crítica aos costumes da sociedade burguesa (crônica de costumes).* A ambiguidade de caráter das personagens.* O homem é bom, mas a sociedade o corrompe. (Rousseau – “Bom Selvagem”)* A redenção do homem pelo Amor.

Senhora |José de Alencar12

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FOCO NARRATIVO

José de Alencar escreveu o livro em terceira pessoa, com o narrador se permitindo a onisciência, ou seja, narrando os fatos de fora e, ao mesmo tempo, de dentro, quando penetra na interioridade de diferentes personagens. Sugerimos como exemplo este trecho na página 27:

"Opôs-se formalmente Aurélia; e declarou que era sua intenção viver em casa própria, na companhia e D. Firmina Mascarenhas.

- Mas atenda, minha menina, que ainda é menor. - Tenho dezoito anos. - Só aos vinte e um é que poderá viver sobre si e governar-se. - É a sua opinião? Vou pedir ao juiz que ele há de atender-me. A vista desse tom positivo, o Lemos refletiu, e julgou mais prudente não contrariar a

vontade da menina. Aquela ideia do pedido ao juiz para remoção da tutela não lhe agrada. Pensava ele que às mulheres ricas e bonitas não faltam protetores de influência."

TEMPO

O tempo é cronológico, tomando como base o século XIX, durante o Segundo Império. Entretanto, não há linearidade, já que a história é contada a partir de flash-back.

ESPAÇO

O espaço central da narrativa é Rio de Janeiro, como podemos perceber nessa passagem a seguir:

- O Recife é realmente tão bonito como dizem?- Creio que poucas cidades do mundo lhe poderão disputar em encantos de

perspectiva e beleza de situação.- Nem o nosso Rio de Janeiro? Perguntou Aurélia com um sorriso.- O Rio de Janeiro é sem dúvida superior na majestade da natureza...

PERSONAGENS

As personagens são bem construídas e já apresentam certa profundidade psicológica. Ao contrário de várias personagens românticas, não constituem meros tipos sociais, já que são capazes de atitudes inesperadas.

1. Fernando Seixas: Jovem estudante de Direito, bem vestido e apreciador da vida em sociedade. A falta de dinheiro o conduz a acreditar que a única maneira de evitar a ruína final é casando-se com um bom dote. Envolvido pelo amor de Aurélia, chega a pensar em abandonar os hábitos caros, mas acaba percebendo que não consegue viver longe da sociedade. Depois do casamento por interesse, é humilhado, arrepende-se e consegue resgatar o dinheiro que recebeu a Aurélia.

Senhora |José de Alencar 13

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2. Aurélia Camargo: Moça pobre. Aurélia é decente e apaixonada por Fernando Seixas. A decepção amorosa transforma-a num mulher vingativa e fria, mas que não consegue disfarçar seu verdadeiro sentimento por Seixas. Seu comportamento é típico de uma esquizofrênica, já que se vê dividida entre sentimentos contraditórios até o final do romance. O amor parece ser sua salvação, redimindo-a de perder o homem que ama por causa de seu orgulho.

3. Dona Emília: Viúva, mãe de Aurélia. Mulher honesta e séria, que amargou imenso sofrimento por causa de seu amor por Pedro Camargo.

4. Pedro Camargo: Pai de Aurélia, filho natural de um rico fazendeiro do interior de São Paulo, de quem nutria grande medo. Morre à mingua por não conseguir confessar seu casamento contra a vontade do pai.

5. Lourenço Camargo: Avô de Aurélia. Pai de Pedro. Homem duro e rústico, mas que procura ser justo depois que descobre a existência do casamento do filho.

6. D. Firmina: Parente distante de Aurélia e que lhe serve de companhia quando fica rica.

7. Lemos: Tio de Aurélia. “Velho de pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulância de rapaz, e casava perfeitamente com seus olhinhos de azougue.” Foi escolhido por Aurélia como tutor porque a moça podia dominá-lo facilmente.

8. Adelaide: rival de Aurélia, quando pobre, na disputa do Seixas. Acaba se casando com o Dr. Torquato Ribeiro que Aurélia habilmente lhe arranja.

9. Torquato Ribeiro: moço bom e humilde que procurou ajudar Aurélia nos momentos difíceis, quando pobre.

10.Eduardo Abreu: pretendente de Aurélia. Moço bom que custeou as despesas do enterro de sua mãe.

11. Lísia Soares: amiga de Aurélia. Picante e um tanto fofoqueira.

RÁPIDAS ANÁLISES

Senhora foi publicado em 1875. O romance pode ser considerado uma das obras-primas de seu autor e uma das principais da Literatura brasileira. Uma vez que trata do tema do casamento burguês, ou seja, baseado no interesse financeiro, pode ser considerada precursora do Realismo ou pré-realista.

Alencar classifica a obra dentro de seus “perfis de mulher”, já que concentra na mulher o papel mais importante dentro da sociedade de seu tempo. Aurélia é a protagonista do romance, uma jovem mulher dividida entre o amor e o ódio, o desejo e o desprezo pelo homem que ama. Essa personalidade dividida apresenta um desvio

Senhora |José de Alencar14

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psíquico ocasionado a partir do rompimento do noivo, Fernando Seixas, e que causou um certo caso de esquizofrenia na personagem.

A personagem Aurélia Camargo é idealizada como uma rainha, como uma heroína romântica, pelo narrador. De "régia fronte, coroada de diadema de cabelos castanhos, de formosas espáduas", essa personagem, no entanto, é ao mesmo tempo "fada encantada" e "ninfa das chamas, lasciva salamandra". Ao estereótipo da "mulher-anjo" romântica, o narrador acrescenta, assim, um elemento demoníaco, elemento que, em vez de explicitar, deixa sugerido, "sob as pregas do roupão de cambraia que a luz do sol não ilumina", e também "sob a voz bramida, o gesto sublime, escondendo o frêmito que lembrava silvo de serpente" ou quando "o braço mimoso e torneado faz um movimento hirto para vibrar o supremo desprezo". Tal maneira de caracterizar a personagem - pelos elementos exteriores - é típica do narrador observador. Tal caracterização, por sua vez, humaniza a personagem, afastando-a do maniqueísmo romântico e acrescentando-lhe traços realistas.

O conflito entre os protagonistas gera momentos de grande emoção e sofrimento. É desse embate entre o desejo de vingança e o desejo de amar em plenitude que nasce a ação psíquica que se transforma em enredo. Se a temática e o psiquismo da obra representam antecipações realistas, ambos fortemente consolidados pela evidente crítica de uma sociedade que valoriza mais a aparência e o dinheiro que os sentimentos humanos, a idealização das personagens reflete o universo romântico presente na obra. O desenlace configura, por si só, a vitória do Romantismo em Alencar sobre a possibilidade realista.

Para melhor entendermos a obra, devemos perceber as interações do artista que a criou. Alencar acreditava sinceramente na vitória do homem na reforma de si mesmo e da sociedade. Não havia nele ainda o traço de pessimismo profundo e de ceticismo que tantas páginas maravilhosas fizeram nascer em Machado de Assis. É dessa crença nos sentimentos humanitários que bruta o Romantismo alencariano, do qual bruta a força vital de suas personagens. Divididos entre o ódio e o perdão, a necessidade financeira e os apelos do coração, vencem sempre os segundos. O mesmo caso pode ser observado na construção do romance Lucíola, mas com um final trágico. Em ambos os romances a premente necessidade do dinheiro, veículo central de uma sociedade aristocrática e burguesa, obriga personagens a trocarem seus sentimentos por dinheiro. O grande vilão, o antagonista, é sempre a sociedade e seus hábitos doentios e seus costumes imorais. Se é essa a pretensão do autor, o seu recado para a sociedade de seu tempo, devemos classificar Senhora com um romance de costumes. Se o cenário das personagens é o Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, podemos também considerá-lo como um romance urbano com traços de psicologismo e critica social.

ESTRUTURA DA OBRA e RESUMO

Senhora é um romance dividido em quatro partes e não obedece uma ordem cronológica, isto é, a primeira parte (O Preço), narra os episódios atuais, enquanto que a segunda parte (Quitação), fala-nos do passado de Aurélia, seguem os capítulos: Posse e

Senhora |José de Alencar 15

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Resgate. A narrativa é feita por um narrador que parece penetrar na alma de Aurélia Camargo para transmitir suas confidências mais íntimas.

Esses títulos contrariam ostensivamente o espírito de uma história de amor, como efetivamente é o romance Senhora. Mas, como se trata de um amor contrariado pelos hábitos sociais, fica clara a ideia de que os títulos foram assim escolhidos para hipertrofiar a metáfora contida no livro. Eles explicitam, em tom caricatural e hiperbólico, a ideia de que a compra efetuada por Aurélia é uma metáfora do casamento por interesse, muito corrente na época, mas sempre disfarçado por elegantes e frágeis encenações sociais.

RESUMO

O preço:

O leitor encontrará Aurélia Camargo muito rica, numa mansão nas Laranjeiras (RJ) tutelada por Lemos, seu tio e D.Firmina, uma velha parenta, viúva. Era preciso, frisa o narrador, que uma jovem, bela e rica, tivesse “pais postiços” (mãe de encomenda) pois a sociedade não havia ainda admitido a emancipação feminina.

Trata-se de um Rio de Janeiro pomposo, cortesão e requintado ambiente por onde a “estrela” circula, com direito a bailes e desprezo aos pretendentes que a circundam.

A essência desta primeira parte resume-se na proposta de casamento que Fernando Seixas receberá de Aurélia através de Lemos.

Seriam cem contos de réis (Lemos estava autorizado a chegar até aos duzentos) pelo contrato matrimonial. O único detalhe: Seixas não deveria saber a identidade da pretendente.

Fernando estava comprometido com Adelaide, a Amaralzinha, em função dos trinta contos de réis que ele teria de dote. Lemos, a mando de Aurélia, desarticula este compromisso para obter, numa jogada só, dois resultados: unir Adelaide a Torquato e Fernando a Aurélia.

Desfeito o noivado, sem dinheiro — ele teria de restituir vinte contos de réis à irmã Nicota que faziam parte da herança do pai —, Fernando acaba por aceitar o casamento, mas pede vinte adiantado.

É atendido.Fernando é apresentado como funcionário público, honesto, porém gastador,

corrompido pela sociedade, precisava subir na vida, andar “no rigor da moda”Enfim, após o casamento, na noite de núpcias, Aurélia revela a farsa que estavam

vivendo. Ela se considera mulher traída e a ele se refere como homem “vendido”, um “traste”.

Quitação:

Nesta segunda parte o leitor fica sabendo por quais motivos Aurélia agiu daquela forma com o marido, nem chegando a consumar o matrimônio. Há um retorno ao passado, usa-se o flashback e revelasse o passado pobre da moça das Laranjeiras.

Aurélia tinha um irmão, Emílio (“parvo”) e a mãe Emília. Estavam vivendo a duras

Senhora |José de Alencar16

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penas uma vez que Pedro, o pai, havia se submetido aos desmandos de seu pai, Lourenço, que não aceitava a união dele com Emília, mulher pobre, sem estirpe. Acometido de uma febre, por fraqueza moral inclusive, Pedro morre deixando órfãos os filhos e viúva a Emília.

Emílio torna-se “homem da casa” trabalhando como caixeiro viajante, porém é Aurélia, astuta, quem o ajuda nas contas. Humilhado, fraco por natureza, morre Emílio tempos depois.

A mãe, doente, preocupada em que a filha não se perca na vida, pede para que ela arrume um casamento. Rico, de preferência. Até o tio, Lemos, quis tirar proveito da beleza da moça e da escassez financeira que estava por chegar.

A fim de agradar a mãe — após silenciosa recusa da proposta absurda — Aurélia continua à janela em Santa Teresa, e aí acaba por apaixonar-se por Fernando Seixas, recusando os demais que a desejavam, inclusive Eduardo Abreu, moço rico e educado.

O romance não dura muito, pois o Seixas a abandona em troca da possibilidade de um dote de trinta contos, fato já mencionado.

Com a morte de Emília e a do avô Lourenço, Aurélia torna-se herdeira da riqueza deste, uma vez que ele havia deixado com ela um testamento, uma espécie de “desculpas” por não ter acreditado nas histórias de seu filho, Pedro, sobre netos. Rica porém traída, Aurélia, a nova estrela, da sociedade carioca vai em busca de vingança.

Posse:

Nesta parte, Fernando assume realmente a condição de escravo branco, homem vendido e decide trabalhar assiduamente na repartição e recuperar o dinheiro que lhe devolva a honra da liberdade.

Aparentemente viviam bem, contudo a tensão era latente. Seixas promete a si mesmo não amar outra mulher. Aurélia assume pose de mulher bem casada e Fernando, ironicamente, passa a pedir permissão até para fumar.

Aurélia luta contra seu próprio desejo mantendo-se distante dele.Chega a propor o divórcio (cap. VIII), negado por ele que reafirma a necessidade de

servi-la como um servo.

Resgate:

Seguem-se aqui as posturas por vezes contraditórias de Aurélia que chega a desmaiar num baile em S. Clemente bem sobre os braços dele, e até passa a adorar um quadro que mandara fazer do próprio Fernando, dizendo em alto e bom tom que o Seixas amado é o da imagem e não o real.

Mais do que nunca o moço tenta desvencilhar-se da situação buscando dinheiro para pagar sua liberdade.

Inesperadamente surge o lucro de um negócio que Seixas fizera com minas de cobre, três anos antes, coisa que lhe rendera quinze contos de réis.

A partir daí o leitor descobre que nenhum tostão daqueles oitenta contos —

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recebidos no casamento — foi gasto por Fernando e agora, de posse do lucro do negócio, mais as economias que fizera, pode enfim devolver os vinte contos de réis que havia pedido adiantado.

Devolve tudo com juros e o contrato é desfeito. Assim que Fernando pede a separação, Aurélia diz que o passado (onze meses) está extinto e um outro casal deve começar a viver. Ela ajoelha-se diante dele e suplica-lhe o amor. Apesar da recusa momentânea dele, Aurélia insiste e chega, num último gesto, a mostrar-lhe seu testamento, onde ela declara ser Fernando Seixas seu herdeiro universal. O final é feliz.

Senhora |José de Alencar18

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Paixões de largos anos, chegando ao casamento, acabam muitas vezes pela separação ou pelo ódio, quando menos pela indiferença. O amor não é mais que um instrumento de escolha; amar é eleger a criatura que há de ser companheira na vida, não é afiançar a perpétua felicidade de duas pessoas, porque essa pode esvair-se ou corromper-se. Que resta à maior parte dos casamentos, logo após os anos de paixão?

Uma afeição pacífica, a estima, a intimidade. Não peço mais ao casamento, nem lhe posso dar mais do que isso.

(Machado de Assis - 1975, p.61).

SOBRE MACHADO

Apesar das obras de Machado de Assis, em sua maioria, fazerem parte do Realismo, o romance Helena escrito em 1876 se encaixa na “fase romântica”, quando melhor se diriam “de compromisso” ou “convencionais” do escritor. Entretanto vale destacar que a genialidade do autor transcende a qualquer escola que se possa colocar.

A obra de Machado, segundo alguns críticos, pode ser dividida em duas fases: romântica ou convencional e realista.

1ª fase: Romântica“Ressurreição” (1872)“A Mão e a Luva” (1874)“Helena” (1876)“Iaiá Garcia” (1878)

Os romances de sua primeira fase se caracterizam por uma mistura de romantismo agonizante e psicologismo incipiente. Observam-se aqui e ali perfeitas construções estilísticas, renúncia à ação aventureira e melodramática dos românticos, certa agudeza em tratar os caracteres dos personagens; mas o grave equívoco destes romances é que Machado os submete à moral e aos padrões da época.

Análise da Obra

Machado de AssisHelena

UVA 2013.2

Análise das Obras | UVA 2013.2 19

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2ª fase: Realista“Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881)“Quincas Borba” (1891)“Dom Casmurro” (1900)“Esaú e Jacó” (1908)“Memorial de Aires” (1908)

Pode-se encontrar a verdadeira essência do Machado de Assis nesta 2ª fase. Quebra da atitude narrativa e da estrutura linear, análise psicológica, uma nova visão do mundo e o senso de humor destacam o realismo na obra do escritor.

Dessa forma Helena se comporta de forma Romântica, mas, assim como Senhora, de José de Alencar, o livro possui características pré-realistas.

Elementos da Narrativa e Características

LINGUAGEM e ESTILO:

Elaborada em uma linguagem bem simples, pode-se considerar uma característica de um pré-realismo, a linguagem na obra é a mesma adotada no resto de suas obras.

O estilo de Machado de Assis assume uma originalidade despreocupada com as modas literárias dominantes de seu tempo. Mesmo suas obras iniciais — Ressurreição, Helena, Iaiá Garcia — que eram pertencentes ao Romantismo (ou ao convencionalismo), possuem uma ainda tímida análise do interior das personagens e do homem diante da sociedade, que ele virá mais amplamente desenvolver em suas obras do Realismo. Os acadêmicos notam cinco fundamentais enquadramentos em seus textos: "elementos clássicos" (equilíbrio, concisão, contenção lírica e expressional), "resíduos românticos" (narrativas convencionais ao enredo), "aproximações realistas" (atitude crítica, objetividade, temas contemporâneos), "procedimentos impressionistas" (recriação do passado através da memória), e "antecipações modernas" (o elíptico e o alusivo engajados à um tema que permite diversas leituras e interpretações).

Ainda no estilo machadiano não podemos esquecer de que ele falava com o leitor, como podemos ver nessa passagem na página 31 onde se usa até mesmo pronomes na 1º pessoa do plural:

Eugênia desfiou uma historiazinha de toucador, que omito em suas particularidades por não interessar ao nosso caso, bastando saber que a razão capital da divergência entre as duas amigas fora uma opinião de Cecília acerca da escolha de um chapéu.

FOCO NARRATIVO

A narrativa é toda em 3ª pessoa, portanto é onisciente, heterodiegético, Machado tem como característica a análise do perfil feminino, e o psicologismo, sua marca registrada, para isso precisa de um narrador que não esteja na história.

Helena |Machado de Assis20

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TEMPO

O tempo não se define até o momento que Helena entrega no dia do aniversário de Estácio um quadro que representava o ambiente que eles passeavam de cavalo, a quadro é assinado e datado de 1850, portanto estamos na metade do século XIX.

A história se passa de forma bastante linear, bem diferente do estilo Machadiano em quebrar a linearidade dos fatos, como faz com seus livros Realistas, exceto nos capítulos XXV e XXVI em Salvador contam a história a Pe. Melchior e Estácio e relembra sua trágica história.

ESPAÇO

O ambiente como é típico de Machado de Assis, é o Rio de Janeiro, especificamente o Andaraí, que é aonde Helena vai quando seu nome é encontrado no testamento de Conselheiro Vale.

PERSONAGENS

HelenaÉ a personagem central da história, é a partir dela que tudo se desenrola, é a sua

chegada que gera os conflitos que permearão a obra, moça linda e de boa educação.

EstácioÉ o irmão de Helena, mas em função de não ter convivido com ela desde pequeno

desenvolve um amor romântico pela moça, isso lhe custa muito sofrimento pondo em risco muita coisa.

Era formado em Matemática e nunca quisera entrar para a política, embora fosse a vontade de todos.

Tal era o filho do conselheiro; e se alguma coisa há ainda que acrescentar, é que ele não cedia nem esquecia nenhum dos direitos e deveres que lhe davam a idade e a classe em que nascera. Elegante e polido, obedecia à lei do decoro pessoal, ainda nas menores partes dela.

MendonçaChega ao Rio de Janeiro e esteve em Paris por um tempo, ao conhecer Helena tem

inicialmente uma má impressão, mas depois se apaixona quando Estácio viaja. Acaba sendo mal interpretado pelo colega que se arde em ciúmes, a amizade fica abalada, mas depois é restaurada.

D. ÚrsulaTia de Estácio, senhora entre seus 50 anos, no começo reluta em aceitar a moça, mas

depois cede aos caprichos da moça principalmente quando Helena cuida dela quando adoece.

Conselheiro ValeÉ a sua morte que desencadeia todo o conflito, pois reconhece em seu testamento

Helena |Machado de Assis 21

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uma filha que estudava na escola no Botafogo.

SalvadorO verdadeiro pai de Helena, fugiu com Ângela e viveu sempre na pobreza com a

única felicidade em ter a filha, ao ir visitar seu pai, que depois morre, descobre que ela está com o conselheiro, e sofre amargamente, mas acaba renunciando sua paternidade em função da felicidade da filha. Era ele que Helena visita várias vezes na chácara e que relata ao padre e Estácio a real origem da moça. Antes da morte da moça, escreve um carta dizendo que vai embora para não prejudicá-la.

ÂngelaMorre quando Helena tinha apenas 12 anos, extremamente amada pela filha,

Ângela larga Salvador para ficar com o Conselheiro, chega a dizer para a filha que seu pai morrera.

Dr. CamargoÉ o médico da família, homem extremamente interesseiro, tudo para ele não

passava de um negócio, sente-se chateado por Helena entrar na família, pois diminuiria a herança de Estácio. Chega a pedir ajuda da moça para que Estácio casasse logo com sua filha. Morava no Rio Comprido com sua filha Eugênia e D. Tomásia, sua esposa.

CURIOSIDADE!

Não se esqueçam dos três beijos de Camargo:O primeiro ocorre ainda no primeiro capítulo, quando morre o conselheiro

Vale.O segundo ocorre na capítulo XIII, quando chega a carta de Estácio pedindo a

sua filha em casamento.A terceira na morte de Helena.Esses beijos representam as conquistam do objetivo central de Camargo,

casar a filha, que vão desde a morte do seu amigo conselheiro Vale, passa pelo pedido e vai se concretizar na morte de Helena.

EugêniaEra a noiva prometida à Estácio, eram amigos desde a infância, mas tinha certas

atitudes que desagradavam ao rapaz, como por exemplo o fato de que a moça discutia muitas futilidades.

Dr. MatosEra advogado da família, que é descrito como desconhecer da ciência do direito, no

entanto tinha aprendizados meteorológicos e botânicos, vivia a falar de uma planta medicinal ou de uma erva que curava aquilo e aquilo outro, era viciado em gamão.

A esposa de Dr. Matos era D. Leonor a quem Conselheiro Vale já se ardera de paixões, mas que fora desprezado pela mesma. Ela era descrita como uma das belezas do primeiro reinado e conservava bem o aroma da juventude.

Helena |Machado de Assis22

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MelchiorO padre exerce um papel importante principalmente quando Helena pede que

sonde o coração de Mendonça, pois ela queria se casar com ele. Melchior desenvolve sempre um papel de apaziguador, ora entre Helena e Mendonça em um jantar, ora entre Estácio e Mendonça, quando se estranham por causa de Helena, ora quando vai com Estácio até a casa de Salvador.

Vale notar que mesmo Machado de Assis tendo tendências a nunca obedecer a preceitos de escolas, obedece a uma rigorosa característica romântica: a idealização da figura religiosa, o padre.

Mesmo assim o autor não deixa de contrastar tal idealização com a descrença de Estácio, que era matemático, ou seja, voltado para um caráter científico.

MacedoO coronel Macedo tinha a particularidade de não ser coronel. Era major.

VicenteEra o pajem de Helena, sempre ia com ela visitar a casinha pobre, no início, na

chegada de Helena, é o primeiro a advogar por ela, chega a procurar o padre e conta que o homem que ela visitava era irmão de Helena, mas era na verdade o que ele achava ser.

RESUMO

Capítulo I

A narrativa inicia logo com a morte de conselheiro Vale, homem idôneo e detentor de grande status social, mantinha um ponto neutro partidário o que lhe concedeu o privilégio raro de manter amizades de ambos os lados, um enterro disputadíssimo e cheio de honrarias.

A causa da morte fora apoplexia, que é uma designação genérica das afecções causadas por derramamento de sangue ou de serosidade no interior de um órgão, a morte, instantânea, o narrador trata de mencionar Dr. Camargo e Pe. Melchior, ambos não tiveram como socorrer o conselheiro.

Em seguida, trata de enumerar a família do falecido, Estácio, filho, e D. Úrsula, irmã. Dr. Estácio, formado em Matemática, e bastante relutante no querer do falecido pai em inseri-lo na política, tinha 27 anos, e Úrsula, solteira, entre 50 e 59 anos.

Após o enterro, Estácio procura Camargo e reafirma os laços de amizade mesmo com a morte do pai e saem a procura de um testamento, Camargo após encontrá-la se impressiona com o conteúdo e chega a chamar de erro, no entanto não diz o assunto e alega que amanhã seria um melhor dia, todo esse mistério para tentar prepará-los, Estácio se resigna com a dúvida no coração.

Camargo vai para casa ver sua família, D. Tomásia, a esposa, e Eugênia, sua filha tão amada.

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Capítulo II

Chega o grande dia, então durante a leitura sabemos o tamanho mistério que o narrador guarda:

Uma disposição havia, porém, verdadeiramente importante. O conselheiro declarava reconhecer uma filha natural, de nome Helena, havida com D. Ângela da Soledade. Esta menina estava sendo educada em um colégio de Botafogo. Era declarada herdeira da parte que lhe tocasse de seus bens, e devia ir viver com a família, a quem o conselheiro instantemente pedia que a tratasse com desvelo e carinho, como se de seu matrimônio fosse.

A informação pega a todos de surpresa. Úrsula se indigna, alega ser uma usurpação social, isso porque o testamento deixava bem claro, que a filha, fruto de um amor desconhecido com uma pessoa na qual eles não conheciam, deveria ser inserida na família como se fosse criada com eles.

Estácio se põe contra a tia e diz querer receber a irmã, a ordem do pai era soberana, Camargo revela que já tinha conhecimento de Helena, ainda tenta convencê-lo a não trazer para casa a filha bastarda, mas não é o suficiente, Estácio mantém a palavra do pai, tal caráter de bondade nada mais era herdado de sua mãe.

Em seguida discute com a tia que ainda persiste em não trazê-la, mas o filho do conselheiro novamente alega suas opiniões a favor da moça, querendo conhecê-la.

Estácio sabe que terá de esperar até a tia aceitar aquela situação inusitada, Úrsula ainda tenta sondar as origens da mãe de Helena com Camargo, o médico não concordava com o herdeiro, entretanto aconselha a irmã do falecido a amá-la, e depois de muitos pedidos do sobrinho, Úrsula vai buscar a nova habitante da casa.

Capítulo III

Nesse capítulo, Estácio e Helena se conhecem, almoçam, mas ainda há entre ambos, certa estranheza, passam-se quatros dias até engatarem uma conversa mais sólida quando Estácio diz que a casa é tão dela quanto dele, ela solicita a nova tia que possa conhecer a casa com mais detalhes, Úrsula responde com aspereza, Helena, brandamente se oferece para ler para ela mostrando resignação, Estácio então se oferece para mostrar os aposentos bem como a chácara.

Helena reluta, mas aceita, ambos vão para o gabinete do pai, emociona-se ao saber dele e agradece por tê-la reconhecido e lhe dado futuro e família, saem para a chácara, Helena se mostra outra mulher, e isso surpreende de forma positiva a Estácio.

Após o passeio, Úrsula ainda se mantém indiferente, Helena começa a mudar o curso da opinião de sua tia.

Capítulo IV

Aqui continua a empreitada de Helena em conquistar todos da casa, principalmente os escravos, um dos primeiros a se afeiçoar a ela é Vicente que será seu advogado em

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meio aos outros que ainda viam a nova herdeira mais como um gesto de caridade.O capítulo fala um pouco mais de Melchior, padre de sessenta anos que comandava

a igrejinha na chácara. Dr. Matos, um velho advogado e D. Leonor, esposa, a quem o conselheiro Vale já se ardera de paixões.

Depois o coronel Macedo, que era na verdade major, homem bastante experiente.Helena vence a todos, Úrsula cede aos poucos, mas Camargo continua

irreconciliável em sua opinião. Todo esse encanto das pessoas se dava por dois grandes motivos:1 – A origem misteriosa da moça.2 – À personalidade de Helena.

Capítulo V

Estácio visita Eugênia, filha de Camargo, a fim de reatar o desejo de pedir a moça a permissão para pedi-la ao seu pai em namoro, entretanto ao longo da conversa, Estácio apresenta uma certa dualidade, dúvidas em relação ao que sente pela moça. Eugênia era meiga, simpática, até mesmo almeja a amizade de Helena, entretanto se entrega facilmente às futilidades da vida, intriguinhas juvenis o que desanima Estácio.

O silêncio paira sobre os dois, Carlos Barreto, estudante de Medicina, chega para entregar os convites do baile de uma de suas parentas, e quebra o silêncio, Eugênia esquece o ocorrido, tudo fica em paz, a desilusão do rapaz o aplaca, pois a intenção de estar ali, pedi-la em namoro ao pai, havia sido cancelada.

Capítulo VI

Ao chegar a casa, o jovem matemático recebe a carta de Luís Mendonça, que havia sido seu colega de sala, esteve na Europa, por dois anos, estava agora em Pernambuco, e anunciava que logo em breve chegaria, tal notícia o anima e tira um pouco do peso da desilusão no capítulo anterior.

Então entra em cena Helena, submissa, ainda tentando ganhar a tia Úrsula, diz querer aprender a andar a cavalo, Estácio se oferece para ensiná-la, D. Úrsula até empresta um vestido de amazona, Helena e Estácio conversam e Helena é usada pelo autor para expressar certos aforismos (olhar aforismos).

Helena já sabia andar a cavalo, mente para Estácio a fim de que ele a acompanhasse, que a reprende com perguntas, ela triste fica, mas Estácio restabelece o clima amigável desculpando-a por achar que lhe negaria tal prazer.

Um clima romântico vai se estabelecendo entre ambos.Debatem sobre riquezas e reflexões, Helena responde a altura que Estácio alega que

ela deveria ter nascido homem e advogado.Continua a caminhar, ao estarem próximos da chácara, uma tristeza abate Helena

que sendo percebida pelo irmão pede apenas que ele diga cada má impressão que dela tiver, então chegam, ele, curioso com o pedido e apreensivo pela suposta indireta da infelicidade da irmã e ela com vergonha.

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Capítulo VII e VIII

Estácio insiste em pedir que Helena desse melhores explicações sobre o ocorrido, a irmã tenta se desviar, logo depois o bom humor da moça volta.

Estácio procura a tia e conversa sobre Helena, Úrsula revela que as desconfianças antes sentidas diminuíram, e quando se prepara para contar a novidade, Camargo chega de surpresa, e inicia uma longa conversa na tentativa de convencê-lo a ser o novo deputado em virtude dos dotes familiares, que reluta e diz consultar os moradores da casa, inclusive a nova herdeira. Ao sair padre Melchior solicita que se candidate, até mesmo para sua surpresa, Helena também se mostra a favor.

Logo após, D. Tomásia e Eugênia vão almoçar no Andaraí.No dia seguinte, espiando pela janela flagra Helena lendo uma carta de quatro

laudas, o que lhe entristece, pois imagina ser uma carta amorosa, desce movido pela curiosidade, a moça chega a perguntar-lhe se desejava lê-la, entretanto ele se contém.

Depois é a vez de Estácio de receber uma carta de Eugênia, que mostra à irmã, ambos conversam e Helena aconselha-o a procurá-la duvidando do amor do rapaz, na tarde que decide vê-la, cai um grande temporal e o plano de visita é abortado.

Capítulo IX

D. Úrsula adoece e Helena cuida como uma enfermeira, além de presidir a casa com maestria, após a cura da tia, a jovem moça acaba por ganhar de vez o seu carinho.

Estácio ainda se resigna a pedir Eugênia em casamento, e não gosta ao saber que Helena está saindo a cavalo com Vicente, o pajem, ela chega a perguntar se Estácio está chateado, o mesmo se diz incomodado com as saídas e pergunta se ela ama, e ela diz: “Muito! Muito! Muito!” envergonha-se, quando chega o amigo distante do matemático, Luís Mendonça.

Capítulo X

Os amigo se abraçam e logo é apresentada ao colega recém-chegado Helena, inicialmente ele tem má impressão, mas Estácio trata de tirá-la, conversam sobre a vida e o casamento do matemático, o colega diz querer imitá-lo, estava cansado das viagens, das variedades que Paris proporcionava, no entanto ele mantém esses hábitos na cidade carioca.

Helena e seu irmão voltam a passear juntos.

Capítulo XI

Era o aniversário de Estácio, Helena dá-lhe de presente um fiel desenho do ambiente que por vezes passavam quando passeavam a cavalo, o desenho era uma imitação perfeita, o jovem fica maravilhado, D. Úrsula que lhe deu uma bocetinha de joalheiro admira a destreza da moça.

Ele decide levá-la para passear no mesmo ambiente para comparar o desenho dado

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pela irmã, neste capítulo ele dá indícios do amor que sente por ela.

Capítulo XII

A festa se segue, Mendonça dança com Eugênia ganhando elogios de Dr. Matos, Camargo concorda, depois, Mendonça pede à Helena que lhe conceda uma dança que a nega, alegrando Estácio.

A jovem moça ocupada com os afazeres da festa dorme em um sofá, mas é interrompida por Camargo, alegando ele pedir um conselho, o que a faz ficar desconfiada.

Aqui se inicia um longo diálogo.Camargo alega querer fazer uma viagem, mas tem medo de embarcar e deixar

Eugênia sem estar casada com Estácio, que, segundo ele, está tendo umas mudanças de comportamento em relação ao amor que sente por sua filha. Daí o médico propõe que Helena intervenha, que logo pede para que o mesmo procure pelo Estácio, o médico reluta:

— Não havia inconveniente; estabeleceu-se, porém que um pai não deve ser o primeiro a falar em tais coisas. É preciso respeitar a dignidade paterna.

Acresce que Estácio é rico, e tal circunstância podia fazer supor de minha parte um sentimento de cobiça, que está longe de meu coração. Podia falar a D. Úrsula; creio, porém, que ela não tem a sua habilidade, e... por que o não direi? A sua influência no espírito de Estácio.

Camargo continua a insistir alegando que acredita na influência de Helena sobre Estácio, Helena então dá uma sugestão:

— Anuncie a viagem, e Estácio se apressará a pedir-lhe sua filha. Se o não fizer, é porque a não ama, conforme ela merece, e em tal caso mais vale perder um casamento do que o fazer mau.

O doutor finge aceitar e lança lhe uma ameaça:

— Dá-me o seu braço até à sala? perguntou.Camargo sorriu.— Só isso? Eu dizia comigo outra coisa.— Que dizia então? perguntou Helena.— Dizia que muito se devia esperar da dedicação de uma moça, que acha meio de

visitar às seis horas da manhã uma casa velha e pobre, não tão pobre que a não adorne garridamente uma flâmula azul...

Helena fez-se lívida; apertou nervosamente o pulso de Camargo. Nos olhos pareciam falar-lhe ao mesmo tempo o terror, a cólera e a vergonha.

Através dos dentes cerrados Helena gemeu esta palavra única:— Cale-se!

Helena para o médico que ele era cruel, Camargo responde contar com ela.

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Capítulo XIII-XV

A moça chega ao quarto e chora, não consegue dormir, o irmão se preocupa e fica pensando em pedir Eugênia, Helena chega ao escritório e cobra do irmão o pedido à Eugênia, Estácio promete pedi-la, mas mostra dúvidas sobre seus sentimentos. Helena o reprova e no dia seguinte, Estácio entrega a carta à ela que deveria ser dada ao Dr. Camargo, não lê e pede ao escravo que entregue na mão do doutor.

A carta chega à família do médico, que após lê-la brada triunfos, dá o segundo beijo na filha, Eugênia ao receber a notícia só pensa na pompa do casório, Camargo fica a andar pela casa, quando o autor revela as suas intenções, é descrito como homem maquiavélico, que tudo planejara desde o início, Eugênia para ele era mais um negócio.

Entretanto um imprevisto ocorre, a madrinha de Eugênia, D. Clara na qual a família da moça fazia questão que ela fosse ao casamento, adoeceu, estava à beira da morte, e tudo teve que ser temporariamente adiado. Era uma senhora rica e Camargo, por interesse, quis visitá-la e resolve viajar com a família ao Cantagalo, Eugênia se recusa, mas Estácio contra sua vontade acaba cedendo e vai, ao se despedir de Helena, solicita que a mesma não saia a passeio sozinha, que o desobedece, vai à casinha velha, procura por alguém, pega um papel escreve algo, deixa embaixo da porta e vai embora.

Todos sentem falta do homem da casa, entretanto é nessa ausência que Mendonça começa a gostar de Helena que finge não perceber o interesse do rapaz.

Estácio envia uma carta demonstrando uma imensa saudade e pedindo respostas, livros e bordados. Vou fazer por voltar breve. Adeus, minha boa Helena; adeus, minha vida, adeus, ó mais bela e doce de todas as irmãs! Diz ele ao final da carta.

Capítulo XVI

Ao longo do dia, Mendonça tenta se aproximar de Helena e não é bem sucedido, o rapaz por fim decide se declarar para ela em breve.

Depois a moça vai à capela, assisti a missa e entrega a carta de Estácio ao padre que lê a do rapaz e a resposta da moça. Depois saem para almoçar, o padre lhe sugere casamento e ela reluta, depois pede ao padre que sonde o coração de Mendonça, e sugere que pode também amá-lo.

No meio do almoço o padre pega a mão dos dois e declara saber que Mendonça ama Helena, e que Helena pode amá-lo, o rapaz nem acredita, acha ser um sonho, garante após recuperar a fala que seria sua maior honra e glória, a moça se resigna ao silêncio e aprova as palavras do padre.

Capítulo XVII

Mendonça, empolgado com a novidade, não podia acreditar, radiava felicidade e escreve para Estácio narrando os últimos eventos em relação à sua irmã e pedindo seu consentimento.

Estácio quando recebe a carta fica espantado e decidi voltar imediatamente ao Andaraí, chegando, todos se alegram e Estácio conduz Mendonça ao quarto para

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conversar, o amigo revela amar Helena, Estácio o trata com frieza e sai para consultar Helena dizendo poucas palavras ao amigo.

Capítulo XVIII

Somente no dia seguinte a conversa entre os irmãos ocorre, Estácio alega que a moça está se sacrificando casando com um homem que não a ama, pois a mesma já havia dito que amava uma pessoa.

Helena responde que não, procurava alguém que a amava, o resto era ilusão ou fantasia que havia passado, Estácio não acredita na irmã e diz que não consentirá o casamento.

O rapaz sai a procura do padre que não entende o porquê do não consentimento do rapaz. Eis a justificativa:

— Porque não desanimo de descobrir a pessoa a quem Helena entregou o coração. Talvez ela ache impossível aquilo que é simplesmente difícil. Demais, não esqueçamos que Helena mal tem dezessete anos.

Depois critica o amigo. Dizendo que podia ser qualquer um, menos ele.Após as tentativas do padre, Estácio não volta atrás.

Capítulo XIX

Estácio encontra Mendonça chegando à capela, o jovem matemático dá a sua opinião o que contraria a todos, Mendonça fica decepcionado e se retira do Andaraí, o padre tenta ainda conciliá-los, sem sucesso, Helena e Estácio brigam, mas a moça, como sempre, convence a chamar novamente o amigo e faz que seu irmão aceite o casamento.

Helena escreve um bilhete pedindo a Mendonça que volte.

Capítulo XX e XXI

Estácio vai com o padre atrás de Mendonça que já esperava por aquela visita, mas o clima ainda é tenso, Helena se diz disposta a casar, chega a se comparar a um exército em sentido à sua decisão.

Foi após isso que Estácio decide caçar, depois de fracassadas tentativas, vê o pajem de Helena, a quem a mesma já havia pedido sua liberdade, conduzindo a mula e a égua, ele se esconde e fere sua mão na certa, e vê a saída de Helena em direção à casa de bandeira azul onde ela havia desenhado o quadro que dera a ele. Após a saída dela, ele vai até lá, sobre o pretexto da mão ensanguentada, e entra, o homem mesmo pobre o recebe muito bem, Estácio ao estar recebendo os cuidados o observa:

E depois o deixa dizendo que se desejasse poderia dar-lhe melhor condição de vida, o homem recusa a oferta.

No jantar de volta a casa ele continua a desconfiar da irmã e se resigna ao escritório.

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Capítulo XXII

Helena visita o irmão cobra a sua presença na casa; não obtém resposta, começa a perguntar o que houve, quando ele vai e pega o quadro na parede e aponta para a casa da bandeira azul. Helena treme, Estácio arremessa o quadro e ela corre pelo corredor.

Dr. Úrsula visita o rapaz que tem algo a dizer, mas só depois, em seguida a tia vai a Helena, que pouco fala e também nada revela.

Estácio fica preocupado e com medo dos escravos desconfiarem do que se passava dentro da casa.

Manda chamar Pe. Melchior, após se reunirem, ele conta o que vira. Dr. Úrsula fica arrasada, o padre pede que ela saia e fica sozinho com Estácio que aguarda para ouvir o capelão.

Dr. Camargo, por carta, manda avisar que D. Clara morrera e que em breve estará de volta.

Capítulo XXIII

O padre pergunta se o rapaz acredita em Deus e diz que o mesmo esteve à beira do abismo do pecado, o jovem diz não entender, quando ele revela:

— Estácio, disse Melchior pausadamente, tu amas tua irmã.

Aquilo deixa-o aterrado de pavor, de medo e de horror, tenta falar e não consegue, nega. Melchior não aceita as alegações e ao sair faz jurar que tratará Helena como uma estranha e que só falará com ela depois de amanhã. A promessa é feita frente ao crucifixo e a benção do padre.

Capítulo XXIV

Em meio ao escândalo, a tensão se instaura na casa, o clima fica tenso. Vicente procura o padre e diz saber de algo que pode salvar a reputação de sua senhora, mas com a chegada de um escravo e estando escuro, o pajem beija-lhe a mão e se retira.

Mendonça escreve perguntando se há doença na casa.No dia seguinte, o padre se encontra com ela do lado de fora, D. Úrsula vai chamar

Estácio, enquanto isso o padre diz que Vicente o procurara e que o jovem rapaz havia dito que o homem com quem Helena se encontrava era seu irmão, e que nenhum mal havia nisso.

Helena o desmente, entrega uma carta e diz que após a leitura dela a relação com aquela família estará acabada.

Estácio chega, o padre já tem lido e entrega ao jovem matemático a carta, lá chamava-a de filha e falava da recente visita de Estácio.

Tudo começa a ficar confuso, o padre ainda tenta retirar de Helena alguma confissão, mas de nada adianta, então eles resolver ir até a casa de Salvador, o real pai de Helena.

Helena |Machado de Assis30

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Capítulo XXV

O padre e Estácio vão até Salvador, mostram a carta e ele se propõe a contar toda a história.

Aqui narra sua tragédia e suas angústias e suas dores.Ângela era filha de um nobre lavrador no Rio Grande do Sul, linda e bela, ele era

filho de um homem que tinha boas condições e que queria o seu progresso, que estudasse.

Impelidos pelo amor, fogem e vivem na miséria, nem sequer casam, o amor entre os dois só aumentava, Salvador trabalhava com bastante vigor e sacrifício, tivera várias profissões, o salário é que não compensava muito.

Quando tudo parecia estar perdido nasce Helena, era o motivo de sua vida.Depois sabe que o pai está doente, vai ao encontro dele e lá falecendo o pai retorna

para sua família depois de um tempo, no entanto ao chegar, fica sabendo que sua esposa está de vida nova morando em São Cristóvão, vai ao encalço dela e descobre que Ângela está morando com o conselheiro Vale.

Aquilo o arrasa, pensa em apelar para a violência, queria resgatar Helena, mas ela rogava implorava e pedia que não.

Salvador vivia na espreita a vigiá-los até que um dia uma cena que ele presencia muda tudo:

O conselheiro erguera-se, tendo nos braços Helena, que já não chorava. Ele beijava-lhe as mãozinhas e dizia-lhe: “Se papai foi para o céu, fiquei eu no lugar dele, para dar-te muito beijo, muito doce e muita boneca. Queres ser minha filha?” A resposta de Helena foi a do náufrago; estendeu-lhe os braços em volta do pescoço, como se dissesse: “Se não tenho ninguém mais no mundo!” O gesto foi tão eloquente que eu vi borbulhar uma lágrima nos olhos do conselheiro. Essa lágrima decidiu do meu destino; vi que ele a amava, e de todos os sacrifícios que o coração humano pode fazer, aceitei o maior e mais doloroso: eliminei a minha paternidade, desisti da única herança que tinha na terra, força da minha juventude, consolo de minha miséria, coroa de minha velhice, e voltei à solidão mais abatido que nunca!

A partir daí ele chora e interrompe a narrativa.

Capítulo XXVI

Salvador se recompõe e continua, diz que aos 12 anos Helena o reconheceu na rua e o abraçou, o pai fizera a moça prometer que não o vira, e ela cumpre.

Depois começa a visitar a filha para isso, deixava de comer para dar dinheiro a uma escrava que intermediava o encontro.

Fica sabendo da morte de Ângela, depois de cinco ano morre conselheiro Vale, e quando soube do testamento nada pode fazer.

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Capítulo XXVII

O pai de Helena diz que se a família não a quiser mais ele a quererá.Estácio sai com padre sem saber o que fazer, Melchior orienta a deixar as coisas

como estão, mas o jovem não a quer como irmã, o padre sabe o porquê:

— Estácio! disse o padre, depois de olhar para ele um instante. Compreendo, quisera despojar Helena do título que seu pai lhe deixou, para lhe dar outro, e ligá-la à sua família por diferente vínculo...

Ao chegarem, Helena vai ao encontro deles e a família demonstra seu desejo de tê-la na casa, mas Helena se diz não merecedora de tal obséquio e pede meio que querendo que não que a permita ir embora. Estácio nega. Recebe depois uma carta de Salvador dizendo que estava indo embora.

Capítulo XXVIII

Estácio se encontra arrebatado de amores por Helena, aquilo lhe consumia, mas decidi escrever a Mendonça, para se adiantar pois queria apressar o seu casamento.

Helena a cada dia vai ficando mais triste, o padre sugeri que vigiem, pois todos temiam que cometessem suicídio. O jovem matemático frente a um tanque e pede que entre, ela pede tempo, estava molhada, Estácio tenta convencê-la e trocam olhares, olhares de amor e paixão. Quando começa os indícios de chuva ele a traz, mas quando chove ela corre pela chuva, Estácio a agarra e a traz de volta. Helena vá se encontrava fraca e com muita febre.

A partir de então a luta na casa pela vida de Helena é constante, Estácio resolve ir atrás do pai, de nada adianta. Camargo chega, Eugênia tenta lhe dar forças. Estácio e Mendonça choram agarrados no jardim.

Mandam chamá-lo, Helena morre em seus braços. Todos sofrem, principalmente Estácio:

Sozinho com Estácio, o capelão contemplou-o longo tempo; depois, alçou os olhos ao retrato do conselheiro, sorriu melancolicamente, voltou-se para o moço, ergueu-o e abraçou com ternura.

— Ânimo, meu filho! disse ele.— Perdi tudo, padre-mestre! gemeu Estácio.Ao mesmo tempo, na casa do Rio Comprido, a noiva de Estácio, consternada com a

morte de Helena, e aturdida com a lúgubre cerimônia, recolhia-se tristemente ao quarto de dormir, e recebia à porta o terceiro beijo do pai.

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Pintor Paul Desire Trouillebert, París, Francia,

REALISMO

Direções:

Realismo exterior

? Aproveitamento das conquistas da ciência.? Objetividade na fotografação da realidade concreta.? Obra de arte como arma de combate das indústrias decadentes (Burguesia, Clero

e Trono)? O exagero de tais características originou o NATURALISMO.

o Aluízio Azevedoo Inglês de Sousao Adolfo Caminhao Domingos Olímpio.

Realismo interior

? Preconiza como realidade objetiva não a aparência, mas a essência dos seres e das coisas de onde procura vasculhar a psicologia íntima dos personagens: Machado de Assis e Raul Pompéia.

? O prolongamento dessa linha converge para a prosa simbolista.

A prosa regionalista

? Coelho Neto e Afonso Arinos? A presença do conto

O NaturalismoRealismo e o UVA 2013.2

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Origens:

? Revolução Industrial.? Avanço científico e tecnológico.? Teorias científicas: Positivismo, Evolucionismo, Experimentalismo.? O escritor deve acercar-se impessoalmente dos fatos, sendo objetivo e tendo

como apoio a Ciência.? França: Gustave Flaubert (Madame Bovary, 1856)? Brasil: Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas)

Características:? Veracidade: A existência como se dá nos sentidos; Senso de responsabilidade e

análise da realidade.? Contemporaneidade: As habilidades do dia a dia; os dramas do momento.? Materialismo: Nada de transcendentalismo; os fenômenos físicos ou

psicológicos têm origem na matéria.? Narrativa lenta: Prefere a narração à descrição; Valorização dos detalhes.? Objetividade: Os autores realistas são mais que tudo objetivos: preocupam-se,

quase obsessivamente, em mostrar as coisas como elas são de fato, e não como gostariam que fossem.

? Atitude de crítica e de combate: Para os autores realistas, o romance não se devia limitar a um simples passatempo, leitura inconsequente para as horas de lazer; era, isto sim, um poderoso instrumento de crítica e de combate a instituições arcaicas e ultrapassadas, como – acreditavam eles – a Igreja Católica. Esse direito de crítica, os realistas exerceram, muitas vezes, de maneira, de maneira violenta e impiedosa.

? Espírito analítico: Nas obras realistas, vê-se que os autores analisam a realidade profunda e minuciosamente, a fim de evitar visões grosseiras e deformadas pela observação comum. Esse espírito analítico explica, facilmente, o gosto pela observação, manifestado por quase todos os escritores realistas.

? Determinismo na atuação das personagens: Como diz o Prof. Domício Proença Filho, “nenhuma atitude do personagem pára o seu comportamento”.

? Preferência pela Narração: Ao contrário dos românticos – fortemente descritivos – os realistas optam, quase sempre, pela narração, gênero mais objetivo e menos propício a divagações filosóficas por parte do autor. Acrescente-se que a narração dos realistas é quase sempre lenta, devido ao gosto desses autores pelo detalhe.

? Correção Gramatical: Uma das principais características do realismo: senhores do idioma com que trabalham, os realistas primam pela linguagem correta e elegante, fruto de contínua preocupação com a perfeição formal.

? Linguagem próxima da realidade: A linguagem dos realistas não chega a ser coloquial – como lograram conseguir os modernistas – mas já se aproxima bastante da realidade, livre de rebuscamentos e de floreios retóricos.

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Quadro comparativo:

NATURALISMO

A delimitação do Naturalismo, como estilo literário, tem gerado algumas controvérsias: para alguns autores, está o Naturalismo contido no Realismo, sendo, na realidade, apenas um momento deste; para outros, no entanto, trata-se de um estilo à parte, como características próprias e bem definidas. Concordamos com o porf. Afrânio Coutinho, um dos mais respeitados críticos literários do Brasil, quando se diz ser o Naturalismo um Realismo a que se acrescentam certos elementos, o que distingue e toma inconfundível sua fisionomia em relação a ele. O mais correto seria talvez falarmos de Naturalismo-Realismo; aqui, por conveniência didática, estamos considerando os termos separadamente. Vejamos, então, quais são os elementos que caracterizam o Naturalismo; como um estilo literário, diferenciando-o do Realismo que acabamos de estudar.

Características:

? Conceito de homem natural: Para os naturalistas, o homem é antes de tudo, um animal, sujeito às leis físico-químicas da Natureza e profundamente influenciado pelo meio-ambiente.

? Tematização do patológico: Há, nos autores naturalistas, uma acentuada preferência por temas de natureza patológica, como os desvios da sexualidade (homossexualidade, incesto, bestialismo).

? Amoralismo: Percebe-se, facilmente, nas obras naturalistas, uma nítida preocupação com as regras e preceitos da moral, de que resulta o amoralismo que, não rara vezes, surpreende e até choca o leitor.

? Cientificismo: Para os naturalistas, só as leis científicas sobre a Natureza é que são válidas; concepções teológicas e metafísicas, que transcendem a Ciência, não têm, para eles, nenhum valor. Os escritores Naturalistas foram influenciados por

Realismo Pontos em comuns Naturalismo

Faz romance de tese documental.

Fundamentação filosófica idêntica: Positivismo e

Determinismo.

Faz romance de tese experimental.

Focaliza o sociológico. Diferem na aplicação das

teorias. Focaliza o patológico.

Detém a análise em determinado ponto.

São ambos anticlericais e antiburgueses.

Não detém a análise, vai até o fim.

É indireto na interpretação; deixa

subtendido: o leitor tira suas conclusões.

Querem retratar e educar a sociedade.

É direto na interpretação; expõe conclusões; cabe ao

leitor aceitá-las ou discuti-las.

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três princípios científicos-filosóficos em voga na segunda metade do século XIX: o Determinismo (que estabelece relações de causa e consequência entre todos os fenômenos observados na Natureza); o Positivismo (que apresenta leis para explicar o comportamento e as transformações por que passa a sociedade); e o Evolucionismo (segundo o qual todos os seres vivos da face da terra, animais, vegetais, estão em contínua transformação).

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Análise da Obra

Inglês de SousaO Missionário

Santo Inácio de Loiola

O título

O título deste romance revela uma relação eclesiástica, pois indica a pessoa que tem um grande propósito ou uma grande tarefa a cumprir, de tal forma que precisará da ajuda de Deus para isso, por exemplo, converter índios antropófagos e incréus ao Cristianismo. O título também faz alusão indireta à Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loiola e alguns amigos, que é constantemente citado no romance.

Autor e obra

Herculano Marcos Inglês de Sousa foi advogado, professor, jornalista, contista e romancista, nasceu em Óbidos, PA, em 28 de dezembro de 1853, e faleceu no Rio de Janeiro, em 6 de setembro de 1918. Compareceu às sessões preparatórias da criação da Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira n. 28, que tem como patrono Manuel Antônio de Almeida. Na sessão de 28 de janeiro de 1897 foi nomeado tesoureiro da recém-criada Academia de Letras. Fez os primeiros estudos no Pará e no Maranhão. Diplomou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo, em 1876. Nesse ano publicou dois romances, O cacaulista e História de um pescador, aos quais seguiram-se mais dois (Cenas da vida do Amazonas e O coronel sangrado) todos publicados sob o pseudônimo Luís Dolzani. Com Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e Silva publicou, em 1877, a Revista Nacional, de ciências, artes e letras. Foi presidente das províncias de Sergipe e Espírito Santo. Fixou-se no Rio de Janeiro, como advogado, banqueiro, jornalista e professor de Direito Comercial e Marítimo na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais. Foi presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. Foi um dos introdutores do Naturalismo no Brasil, mas seus primeiros romances não tiveram repercussão. Tornou-se conhecido com O missionário (1891), que, como toda sua obra, revela influência de Zola. Nesse romance, descreve com fidelidade a vida numa pequena cidade do Pará, revelando

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agudo espírito de observação, amor à natureza, fidelidade a cenas regionais. O romance nasceu a partir de um conto chamado O sofisma do vigário. Obras: O cacaulista, romance (1876); História de um pescador, romance (1876); O coronel sangrado, romance (1877); O missionário, romance (1891); Contos amazônicos (1893). Não publicados: Filipe de Monfort; A justiça de Deus; Os Lopiadas e algumas poesias. Escreveu diversas obras jurídicas e colaborou na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Momento

Inglês de Sousa (1853-1918) foi testemunha de uma notável época de transformações políticas, religiosas e literárias no Brasil. À questão social, vista na chaga vergonhosa da escravidão, segue-se a questão religiosa com a Maçonaria, abalando os alicerces do catolicismo, até então intocável. A Guerra do Paraguai mostra as deficiências da organização militar e faz a monarquia sofrer os primeiros abalos. O Segundo Império deixava escapar a sua falência, subjugado pelo espírito das campanhas abolicionista e republicana, que se acentuam a partir de 1870. É preciso parâmetro para se lançar ao julgamento do que é, de fato, boa literatura, a ser guardada nos compêndio do futuro.

Com O Missionário destaca-se na literatura nacional pelo que representou no naturalismo de Língua Portuguesa. Inglês de Sousa enquadra-se no mesmo time de escritores influenciados pelo cientificismo nas últimas décadas do século XIX e através da Literatura francesa, sobretudo de Émile Zola. Para esses autores, a ciência seria capaz de justificar todos os fenômenos da natureza, inclusive o modo como o homem se sobressai às forças naturais. Alia-se a isso a série de mudanças que o autor acompanha no país, como a derrocada de crenças e instituições à época em falência. Esses cenários fizeram de Inglês de Sousa um personagem diferenciado entre os demais autores de sua escola literária.

Este romance recupera a imagem da luta do homem com o meio selvagem, somando-se a isso os embates sociais e políticos do final do século XIX. O compromisso de Inglês de Sousa, que também ocupou cargos públicos, é com a realidade, daí o realismo-naturalismo pulsante em seus textos, uma homenagem a região em que nasceu e viveu antes de mudar-se para São Paulo. O paraense Inglês de Souza, comprovadamente para alguns o introdutor do Naturalismo no Brasil, não é reconhecido pelos historiadores da Literatura brasileira como tal. Este título é atribuído ao maranhense Aluísio de Azevedo, inegavelmente mais célebre, mas injustamente "premiado".

Análise

O romance tem início com a angústia do sacristão Macário quanto à chegada do Padre Antônio de Morais ao vilarejo de Silves, numa esplêndida manhã de fevereiro. O padre Antônio pedia pouco: uma casa modesta mobilhada com simplicidade. Alugada

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a casa ao Presidente da Câmara, o Neves Barriga, Macário arranjou uns móveis, uns quadros religiosos e pronto, a casa ficara decente. Depois de ajeitar tudo, Macário tomou para si a função de diretor da recepção do novo pároco. E como se sentia importante com isso. Um homem como ele, que a vida inteira fora nada, agora recepcionava o novo padre, o reverendíssimo que substituiria Padre José. Agora ele era o Ilmo. Senhor Macário de Miranda Vale; as pessoas gradas falavam com ele. Estava liberto de um passado humilhante. Ia dar conselhos a Sua Reverendíssima, arranjar-lhe a vida, guiá-lo, enfim, mandar no senhor vigário. Nisso, recordava-se do nada de onde saíra. Pai, não conhecera. A mãe, uma lavadeira qualquer que se unira a um sargento bruto do corpo policial de Manaus. Apanhava dos dois. Lembrava de como fora parar em Silves a mando do reitor da escola de padres para servir como “sacristã” ao finado Padre José, um pândego que passava meses no lago, tocando violão e namorando as mulatas e as caboclas dos arredores...p.17. Mas sua mesa era farta e alegre, foi perfeito para o Macário. Da parte do padre e do povo, havia a mais pura desconsideração. Queria ser alguém, era vaidoso, mas não conseguia subir. Arranjou uma tática, o Macavelismo. “ Um meio astucioso de tudo fazer e dizer sem ferir de frente a são convenções e a verdade, sem desmoralizar-se e sem pecar”. P.19 De onde vinha aquela palavra, não sabia ao certo, apenas que existira um dia um espertalhão chamado Maquiavel. Gostou do termo e adotou para seu uso. O Vapor da Companhia do Amazonas chegara. A vila se enfeitava toda, era um acontecimento. O juiz, os vereadores, os comerciantes, todos acorriam para cumprimentar o novo padre. Macário, importante, os apresentava. A população imediatamente gostou do novo pároco, pois ficaram sabendo que Antônio de Morais escolhera ir para Silves em vez de ir para a paróquia vizinha, Sulspício. Um patriota!

O narrador, dotado de onisciência múltipla, típica da obra naturalista, como em O cortiço, agora nos apresenta e analisa o Padre Antônio de Morais, que repassa por sua mente todos os fatos e pessoas do dia. Macário (o sacristão), Tenente Valadão (subdelegado), Capitão Manuel Mendes (Coletor de rendas), João Pedreira das Neves Barriga ( Presidente da Câmara ), José Antônio Pereira (escrivão), João Carlos (vereador), Aníbal Americano Selvagem Brasileiro (professor), Joaquim da Costa e Silva ( dono de um empório) etc. Apresentaram-lhe depois a igreja, um templo modesto e em decomposição. A miséria do lugar e das vestes do padre anterior eram a prova do cabal relaxamento. Detestava a ideia de usar aquelas roupas, o mesmo cálice e outros apetrechos de missa. Teve nojo. Mandaria buscar tudo novo em Belém, capital do Grão-Pará. Almoçou na casa da câmara. Comeu sem cerimônia. Em seguida, mostraram-lhe a casa onde ficaria alojado. E frente, morava uma tal Luisa Madeirense, que lavava e engomava pra fora, inclusive para o antigo vigário. Lembrou-se do pai, o capitão Pedro Ribeiro de Morais, pequeno fazendeiro de Igarapé-mirim, que perdera tudo que tinha em jogatinas. A mãe, D. Brasília, nulificada e submissa sempre estivera do seu lado. O menino crescia sem perspectiva de futuro. Por ordem do padrinho, um comandante superior, dera a ideia de mandar Antonico para o seminário. A mãe não queria, mas a ideia vingou e não houve o que fazer. O pai manteve-se indiferente. Entrou para o

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seminário e lá sofreu o diabo. As liberdades da fazenda, as brincadeiras inocentes com as caboclas deram lugar aos castigos e às rações. Não saia nunca. Sempre rezando. A clausura em que vivia levava-o a ler de tudo. Entregou-se ao estudo heroico do cristianismo. Aprendidos os conceitos, começou a questioná-los e negá-los. Por exemplo, alargava discussões sobre a idoneidade do confessor. Espevitava o juízo, tentava agarrar a verdade de Orígenes a Lutero. Vez por outra, enfrentava o Padre Azevedo. Resultado: era punido severamente. Sua rebeldia chegou aos ouvidos do bispo, D. Antônio. Os castigos aumentaram. E tome reza. Aos poucos, parecia ir embora a vaidade herdada dos instintos desregrados do pai. Vinha a submissão inspirada na Mãe resignada. Anos depois, era outro homem, outro padre. Operara-se, segundo o reitor, um verdadeiro milagre. Recebeu como tema de estudo: Das malícias e das consequências do peca “venial”. Nesse pensamento, bateram-lhe à porta. Era o Macário. “A janta está na mesa!”

O terceiro capítulo nos apresenta o prof. Francisco Fidêncio, homem com problemas hepáticos, que vivia “amigado” com uma mulata ainda nova de nome Maria Miquelina e não fazia nada para não dar nas vistas do povo aquela mancebia. Professor de latim, “carioca da gema”, perseguia os alunos ruins e era um tipo de “ídolo” para os mais desasnados, embora “dar bons exemplos” não fosse o seu forte. Membro ativo da Maçonaria, não ia muito com a conversa dos padres. Há muito escrevia nos jornais sobre as patifarias dos clérigos e os equívocos da Igreja. Péssimo professor, na verdade, o que mais odiava ultimamente era ler. “De livros estava farto. Bastava-lhe a maçada de os ler obrigatoriamente na aula, todos os dias para lecionar aos discípulos”p.48 Era colaborador de um jornal em Manaus “O Democrata”. Tudo que era notícia em Silves ele mandava para o matutino, principalmente escândalos ligados à conduta errada dos padres. Mas, dessa vez não havia o que escrever. Odiava o padre Antônio de Morais pela sua bondade, sua castidade, sua pureza, sua dedicação etc. Por causa das confusões que arranjava, saiu do Rio de Janeiro, mas antes viu muita coisa: a crise bancária de 1864; o Christie furioso (Brasil X Inglaterra). Deixou-se ficar no Grão-Pará. Um português chamado Felipe, do mercado Ver-o-peso, indicou-lhe para umas aulas em Silves. Foi para lá. Foi chegando devagarzinho e, através de elogios bem feitos, conseguiu um lugar respeitado e a estima da maioria. Como jornalista-maçom, seu passatempo era atacar a Igreja, os homens de Santo Inácio de Loiola. Naquela tarde, sem ter o que escrever ficou lendo textos anticlericais. Queria escrever um livro esculhambando tudo de errado na Igreja Católica, já tinha até alguns títulos em mente: Carapuças Romanas, Os vampiros, Os abutres sociais. Seu pseudônimo seria Padre Quelé. No momento, seu negócio mesmo era “sovar” o padre Antônio de Morais. No entanto, não havia nada a dizer. O povo adorava o novo vigário.

Macário, naquele dia, em alegre ansiedade, ajeitava as coisas da matriz. Acendia velas no altar, organizava os apetrechos da missa com a Judá do sineiro José do Lago. Era um dia especial: casamento de rico. Mas algo de estranho andava acontecendo. As pessoas vinham se afastando da igreja. A missa cada vez mais vazia. Os meninos já gazeavam as aulas de catecismo. Muitas mulheres, antes tão devotas, não queriam mais

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se confessar. Padre Antônio sentia aquele retraimento e andava pensativo. O casamento que haveria logo era uma boa ocasião para chamá-los à responsabilidade. Tudo aquilo devia ser obra do Chico Fidêncio ou, no fundo, aquela gente, principalmente os “grados”, queriam mesmo era um vigário como o Padre José ou o padre João da Mata que, segundo diziam, morreu na Sapucaia “nos braços de uma mameluca linda como o sol”. Chegara o tempo da colheita das castanhas. Ir para os castanhais era o assunto da cidade. Havia uma certa euforia porque nos castanhais tinha de tudo (festa, dança, comida, sexo etc.)”Tolo seria quem ficasse em Silves a papar missas, quando podia fazer fortuna com o trabalho de levantar castanhas do chão”p.77. Padre Antônio estava descontente com aquilo. Tinha bolado um plano e contara-o ao sacristão. Aquela não seria uma missa comum. Celebrava-se o casamento de Cazuza Bernardino com a sobrinha do Neves Barriga. Feita a união, entrou o padre num sermão nunca ouvido. Todos os mais importantes da cidade estavam ali. Até o Chico Fidêncio, escondido na entrada, ouvia o sermão e tremia com o poder da oratória de Padre Antônio de Morais.

Padre Antônio, ciente do que fazia, falou tão vivamente de pecado, do Diabo e do Inferno, que todos estavam assustados. Falou da perdição da alma pelo gozo dos prazeres terrenos. O Céu era a igreja, o Inferno, os castanhais. Em pouco tempo, havia gente gemendo e chorando. Ao final, em vez de responderem ao Pai Nosso, apenas gritavam juntos: Misericórdia! Misericórdia! Depois, não podendo se flagelar com ferros ou chicotes, passaram a bater na própria cara “com ambas as mãos, produzindo um ruído seco e prolongado como uma salva de palmas, na plateia de um teatro” p.90 Padre Antônio desceu do púlpito direto para casa, feliz com o que acabara de fazer, pois, com aquele sermão, a alma daquela gente seria sua para sempre. Macário, nos seu canto, vibrava com a situação. Durante o resto do dia, até a hora da festa, só se falava do sermão fantástico do padre Antônio de Morais. À noite apenas o Macário foi à festa do casamento e lá, humilhado na sua pobreza interior, mendigava atenção e uma xícara de chocolate. A festa foi até altas horas. Compareceram, além dos pais, já conhecidos, os filhos, a nova geração inútil de Silves. Totônio Bernardino (irmão do noivo, estudava no Pará e era boêmio), Pedrinho Sousa (amigo do Totônio), Manduquinha Barata (que abandonara o seminário para ser vagabundo em Silves), Anselmo Pereira Campos (juiz municipal), Felício Natividade (boticário, irmão de D. Prudência), Quinquim da Manuela (sobrinho do Neves Barriga), Mapa-múndi (Pedro Guimarães) e outros. Na festa, engatou-se o namoro de D. Milu com o Totônio. Os pais não concordaram. Separados no fim da noite, o rapaz meteu-se num quarto chorando. Macário testemunha de tudo isso, queria apenas uma xícara de chocolate.

O Chico Fidêncio continuava no seu propósito de desmoralizar o padre Antônio. Ficava ele, normalmente, na frente da venda do Costa e Silva dizendo pilhérias, fazendo intrigas, esculhambando os padres diante da plateia de sempre: Pedrinho, Totônio e Manduquinha, além de gente boba como o prof. Aníbal Brasileiro, o alfaiate, Chico Pereira e o chefe maçônico, o Regalado. Nesse dia, o Fidêncio teve a ideia de espalhar para todos que o Padre Antônio era um “acomodado”, levava uma vidinha calma em Silves, como os outros padres. Não teria jamais a coragem de pregar nas matas, de virar

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missionário e sair para catequizar os índios. Isso sim é que era ser padre. Seu plano deu certo. Antônio de Morais passou a avaliar a sua estada em Silves. Percebia que nada fizera e que ali, principalmente, não prestaria um grande serviço à Igreja. Aquela gente não precisava dele. Aquele lugar era nada diante da glória de ser missionário, como Anchieta, como São Francisco Xavier, como São Jacó. Nessa hora, sua ambição e sua vaidade é que falavam. Pesou em sair de Silves, ser reconhecido, ser mandado para a matriz de Belém... Isso! Sairia em missão para catequizar índios selvagens e antropófagos de Mondurucânia, lugar mais hostil daquela região. Chamou o Macário e deu-lhe a noticia. O sacristão ficou aterrorizado, pois sabia que os mondurucus eram perigosos. Ao mesmo tempo, apodera-se dos dois a ambição, a vaidade dos grandes feitos. Antônio de Morais tinha para si que aquela nobre missão o faria grande, além de fortificar-lhe mais ainda os laços com a Igreja e com sua fé, que andava meio vacilante. Era preciso um grande sacrifício. Precisava sofrer, ser testado para saber o quanto podia com sua fé em Deus. Macário, por sua vez, como Sancho Pança, aproximando a narrativa do célebre romance de Miguel Cervantes (Dom Quixote de La Mancha), entende que seguir aquele padre louco também poderia ser vantajoso para ele. Tudo bem que sua vida, perto do que sofria com o Padre José já melhorara muito, mas a fama, o reconhecimento que poderia vir dali, seu nome nos jornais como um sacristão missionário... salvando os selvagens...catequizando corajosamente...aquilo tudo dava uma certa coragem. Começou a cuidar da missão. Precisava arranjar remadores para a canoa (igaraté). Aos poucos, ia cuidando, mas cada vez que falava a alguém, branco ou tapuio, sobre a viagem, aos mondurucus, o indivíduo desconversava e desaparecia. Um belo dia surgiu-lhe na igreja o jovem Totônio Bernardino dizendo que remaria a canoa para o padre. Macário quis saber por quê. O jovem contou-lhe a sua desdita amorosa. Os pais não queiram o seu namoro com a Milu. Ela ainda podia fazer. Por não ver saída, então decidira morrer. Mas, como “romântico” que era não queria morrer sem glória. Morreria fazendo algo corajoso. Morreria ajudando a Igreja. Padre Antônio não aceitou. Restou ao Macário enganar dois tapuios (João e Pedro) acertando o “serviço” sem dizer-lhes para onde iriam. A missão estava cada vez mais próxima.

Nos capítulos VII e VIII, tem início a grande missão. Eram quatro horas da manhã quando a igaraté sumiu-se na neblina saindo de Silves em direção ao Mondurucu. Padre Antônio de Morais, sentado na borda da canoa, via a matriz desaparecer de longe. Adiante, o rio surgindo imenso. Três dias de vagem pelo rio Abacaxis/Guarajatuba e saiam do Paraná-mirim para entrar no Amazonas. À noite, no Corumã, encontraram o sítio do ribeirinho Guilherme e sua esposa Teresa. Antes disso, os tapuios João e Pedro fugiram levando a canoa e a comida. Continuaram a pé. Teresa arranjou-lhes uma pequena canoa, um brinquedo de criança, que mal cabia o padre. A viagem prosseguiu com todas as dificuldades. A ração era pouca, bananas e pirarucus. O padre pouco comia. Quando paravam eram devorados pelos mosquitos, pelos carapanãs e pelas motucas. A iminência de serem atacados pelos índios ferozes aterrorizava Macário. Chegaram a ser alvo de algumas flechas, quando índios mondurucus, provavelmente, passaram na outra margem do rio, mas conseguiram escapar milagrosamente. Em terra,

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continuavam vigiados pelo olhar de índios que se escondiam nas moitas. Os índios surgiram armados. Macário se desesperou e saiu correndo e gritando em direção ao rio. –Mundurucus! Mundurucus! Sumiu nas curvas da mata. Padre Antônio de Morais ajoelhou-se diante dos índios e, em agonia, olhando para o céu, esperou o golpe violento que lhe tiraria a vida.

O capítulo começa com o Capitão Manuel Mendes da Fonseca, coletor de impostos, sentindo a falta dos amigos que foram para os castanhais (o Valadão, o João Carlos, o Juiz Municipal, o Natividade, o Pereira...) Nesse momento, o estado do Amazonas estava sem Presidente da Província. Substituiu-lhe um tal Padre Marcelino que queria ser um tipo de Catão. O coletor, na verdade, estava preocupado com as acusações de que desviara dinheiro do governo. José Pereira era culpado de tudo, queria o cargo dele. A briga da Igreja com Maçonaria intensificava-se no Grão-Pará. Fonseca também lamentava os achaques da esposa, D. Cirila, pois tudo começara a desandar com a mania da velha de ir para os castanhais. Devia ter seguido os conselhos do vigário de Silves. Agora estava aí o resultado. Enquanto estava nessas divagações, apareceu-lhe o vereador João Carlos, chegado dos castanhais, que vinha tirar o capitão daquele isolamento. Disse que Totônio Bernardino acabara de morrer. Há, nessa hora, uma ironia ao Romantismo, pois Totônio, com sua morte “por amor”, não viria a parecer com os poetas do romantismo. Apenas algumas mulheres “bobas” como a D. Cirila achavam isso. Os demais ironizavam a fraqueza física e moral do jovem Bernardino. Depois de muito procurar um chapéu-de-sol, que sempre andava emprestado aos amigos, o coletor rumou para o enterro. Nessa hora, o leitor fica sabendo que o sacristão Macário escapara sozinho dos “perigosos índios” e que apenas o padre Antônio de Morais morrera no ataque dos mondurucus. Macário estava de volta à sua vidinha de sacristão, e graças ao seu macavelismo agora era respeitado por todos. Era um sobrevivente da grande missão catequizadora em que morrera o santo Padre Antônio. Quando chegara, Macário contara uma história mirabolante para “aliviar” a sua covardia de ter corrido e deixado o padre para trás. Conseguira fugir pelo rio. Depois, no sítio do Guilherme, conseguira uma canoa e chegara ao Ramos. Descendo o Carumã e o Sacará, chegara ileso ao porto de Silves. Mas, mentiroso como era, aumentou ainda mais seu heroísmo dizendo que fora aprisionado para ser devorado enquanto os índios levavam o padre para ser comido dentro da floresta. Sua salvação, dizia, foi uma cutia que roera as cordas de sua mão e ele se libertara. Fugiu rapidamente, lamentando a sorte de padre Antônio. Agora estava ali, um verdadeiro herói, pois enfrentara índios ferozes, maués, mundurucus ou parintins. Deixou desses pensamentos e foi ajudar no enterro, pois a paróquia já não tinha padre, então não podia faltar. O professor Aníbal Brasileiro, que não era Lamartine nem Casimiro de Abreu, escreveu uma “nênia” para o Bernardino: Morto por amor... texto elegíaco que seria lido no cemitério. Interessantemente, lembrando a famosa cena de Dom Casmurro, em que a Capitu chora mais que a viúva Sancha a morte de Escobar, a D. Mariquinha, toda de luto, encostou-se ao caixão e olhou-o longamente. O marido, Cazuza Bernardino, a arrancou a esposa de perto do corpo do irmão e a mesma foi embora soluçando como se tivesse perdido mais que um simples cunhado... Quando o

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caixão deixou a casa, ouviu-se lá dentro um estridente grito de mulher. Era a D. Mariquinha tendo um ataque. No cemitério, a um canto, o Chico Fidêncio chamou o Macário e mostrou-lhe um texto que mandaria para o jornal “Democrata” reabilitando a imagem do padre Antônio de Morais e sua corajosa missão. Macário leu e concordou com cada letra.

No capítulo X, finalmente, temos notícias do padre Antônio de Morais. O texto começa com o mameluco Felisberto abrindo a porta do quarto e perguntando se ele estava melhor. Isso o fez tornar a si e lembrar o que, de fato, lhe acontecera. Lembra que, de joelhos, em prece, olhando para o céu, aguardava o golpe que lhe tiraria a vida, enquanto Macário fugia pelo rio. Mas os dois índios que se aproximavam, de arma em punho, estavam apenas cortando mato para chegarem até ele, pois, assustados também, achavam que ele fosse a alma do finado padre João da Mata, vigário de Maués. Não sabia por que, mas desmaiara. Agora, recuperado, via tudo com maior lucidez. Os índios eram Felisberto (tagarela insuportável) e seu avô, João Pimenta (antigo tuxaua de uma tribo de mondurucus). Enfim, gente simples e boa que vivia ali, na Sapucaia, escapando às privações e influências da cidade. O lugar era simplesmente maravilhoso, entre as matas e rios, justificando o isolamento do padre João da Mata naquelas profundezas selvagens. Havia também uma mameluca ridícula chamada Clarinha, a quem o padre não tinha observado direito, mas parecia muito meiga com ele e com o avô, o João Pimenta. Era uma “menina de quinze a dezesseis anos de idade, uma fisionomia tão petulante e decididamente desagradável”, tão desagradável que padre Antônio achava melhor nem olhar muito para ela. Era de uma beleza estranha...

“Aquela mameluca incomodava-o, irritava-lhe os nervos doentes, com o seu pisar firme de moça do campo, a voz doce e arrastada, os olhos lânguidos de crioula derretida (...) com seu arzinho ingênuo, visivelmente enganador, como devem ser todas as mulheres que o demônio excita a tentar os servos de Deus” p.245.

O Felisberto, desgraçado e falador, sempre a dizer pelos cantos que Clarinha tinha uma “queda” por Sua Revma. Isso o irritava mais ainda. Aos poucos, porém, a figura de Clarinha passava a interessá-lo, pois como podia aquela moça branca e bonita no meio daquela mata? Soube que Clarinha era filha de Benedita, que por sua vez era filha da moça que o velho João Pimenta raptara em Serpa. Benedita era uma mocinha quando se envolveu com o Padre João. Dessa relação nascera, no mínimo, a Clarinha que, bela como a mãe, passou a ser protegida pelo padre, ou melhor, pelo pai, o safado do João da Mata, e ninguém nem imaginava... Aquele romance sacrílego atraía-o poderosamente, tanto o que lhe contaram quanto o que “estava para acontecer”, pois o “inimigo do gênero humano” levava-o ao desregramento da vida de Ministro da Fé. Sentia um prazer estranho, uma volúpia... pensava no atrativo que prendera o padre João da Mata no sítio da Sapucaia... Pensava em Clarinha, na sua beleza, nas suas formas...

Enquanto o padre Antônio tentava entender toda aquela história, Clarinha tentava entender o que levava um rapaz de vinte e três anos a aventurar-se pelas matas para salvar índios selvagens, gente desconhecida, esforço inútil que também fizera o Jiquitaia (João Pimenta) seguir o Padre João até a Sapucaia. Clarinha lembrava da

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dedicação do padrinho na catequese dos índios. Na sua concepção, Padre Antônio tinha uma “tristeza resignada” que lhe falava ao coração. A elegância, o asseio, a graça, a distinção, faziam-na tremer. Ele parecia um ente superior. Seu instinto de mulher a advertia. O hóspede iria partir. Sofria antecipadamente. Nessa hora, o texto nos lembra um pouco o romance Inocência, de Visconde de Taunay, embora os papéis sejam inversos. Mas um contratempo, uma viagem que João Pimenta precisava fazer com a canoa, atrasaria a partida do padre Antônio. Uma chance... Da parte do padre, a paixão já o consumia. Sua fé, sua castidade de tanto anos, sua dedicação a Deus, agora exposta aos determinismos animalescos dos quais não se consegue fugir. Por que ela o tratava tão carinhosamente? Por que estava sempre por perto? Olhava-o sorrindo maliciosamente...

“A ausência dela lhe recordava as formas voluptuosas, os lábios rubros, o olhar demoníaco, e a lembrança o mergulhava na mais áspera sensualidade. (...) Um agente estranho, um ser independente e autônomo tomara a tarefa de o rebaixar a um tal animalismo ” p.259

O gozo se tornava necessário e fatal. A Igreja, o Estado, os escrúpulos, tudo cedia ao seu imenso amor naquela nova ilha de Calipso.

No dia seguinte, ao encontrar a neta do João Pimenta arrumando-lhe a cama, não se conteve e disse-lhe o que sentia. Ignorou sua metade “padre” e entregou-se como “homem” ao sentimento. A moça ouviu-lhe nervosa e em silêncio. Sentia o mesmo. Mas novamente o Felisberto atrapalhou-os abrindo a porta. Fez cara de cínico e saiu rindo. Depois disso, a crise de Padre Antônio passou a ser muito maior. Precisava ir embora. Lembrou-se dos índios para salvar, do Padre Azevedo, de São Francisco Xavier, de São Luís de Gonzaga e sofria. No auge dessa excitação, foi passear no cacaual. Lá, encontrou a Clarinha (saia arregaçada, alça da blusa caindo... Eita!!) Descontrolou-se.

“ (...) com um frio mortal no coração, com o cérebro despedaçado por um turbilhão de sentimentos contrários, atirou-se à moça, agarrou-a pela cintura e mordeu-lhe o lábio inferior numa carícia brutal. Foi breve a luta. A neta de João Pimenta caiu exausta sobre o tapete de folhas úmidas do orvalho, douradas pelo sol. Entre os ramos dos cacaueiros os passarinhos sensuais cantavam” p.279

No capitulo XII, quando o Felisberto voltou de Maués trouxe consigo a pior notícia que poderia ser dada ao Padre Antônio de Morais, naqueles três meses de tanto prazer. A verdade é que padre Antônio andara esquecido do mundo. Passeava sempre com Clarinha. Tomavam banho no rio, viam, juntos, o pôr-do-sol, deitavam-se na rede do alpendre (copiá), olvidados do tempo, com a cumplicidade do ignorante Felisberto e a indiferença do João Pimenta. Mas aquela notícia trouxe o padre de volta à realidade. Felisberto havia encontrado em Maués o Costa e Silva, dono do “Modas e manias de Paris” que lhe falara da morte do corajoso Padre Antonio de Morais na luta contra os mondurucus. Teria o Felisberto contado tudo ao Costa e Silva? Será que já sabiam em Silves da vida “prazerosa” que levava na Sapucaia? Estava com sua carreira cortada e a vida destruída! O Chico Fidêncio acabaria com ele. Passou uma descompostura em Felisberto, enquanto o mesmo se defendia dizendo, beijando os dedos em cruz, que não

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falara nada. Padre Antônio isolou-se. Evitava Clarinha e não falava com ninguém mais que o necessário. Por sorte, a viagem do Costa e Silva era ao Madeira, lugar distante dali e de Silves, portanto demoraria a voltar. Haveria tempo para chegar antes e evitar mal-entendidos. Mas sabia que era impossível abandonar Clarinha. Outra luta se travou entre o amor e a ambição. Agora era impossível deixá-la. Dilema terrível. Não sabia o que fazer. Cobriu o rosto com o lençol e chorou largamente, um choro de criança contrariada. E foi a própria rapariga, que estava deitada com ele, que resolveu o problema ao segredar-lhe ao ouvido: - Levas-me contigo? E assim foi feito.

No último capítulo, dá-se o regresso. Durante três dias do mês de dezembro, debaixo de sol forte, desceram o rio Abacaxis até o sitio do Tucunduva. Eram três horas da tarde. Os quatro, Carinha, Felisberto, João Pimenta e Padre Antônio saíram da Sapucaia como se fossem numa viagem de passeio. Lá ficara apenas a negra Faustina, cuidando do sítio. Felisberto era o mais empolgado, pois sonhava com o posto de sacristão. Clarinha era a mais feliz, pois, com o intuito de levá-la para “trabalhar” para ele, e lavando-lhe a roupa e cuidando da casa, o padre conseguira convencer o avô da menina a ir junto. Resumindo, unia-se o útil ao agradável. O padre pensava, a meio do caminho, em como “esconder” a menina até que tudo se acalmasse em Silves. Seria difícil, mas as coisas se arranjariam. A sua degradação mortal já o levara a muito pior. Queria, a partir dali, voltar a ser o sacerdote que Felisberto e João Pimenta encontraram na mata. Conseguiria. Era incrível como lhe voltavam o fervor e o gosto pelo sacerdócio. E quando desanimasse daquela vida de sacerdote de província, havia a Clarinha, pronta para recebê-lo...

Nesses pensamentos, entraram na Tucunduva, no sítio da bailarina Gertrudes, e lá o padre deu de cara com o Capitão Fonseca, o coletor de impostos em pessoa. Deram-se as explicações. Soube que toda a gente da vila dera como certa a morte de Padre Antônio graças ao que lhes dissera o sacristão, único sobrevivente da “chacina”. Padre Antônio, depois de ouvir a mirabolante “história da cutia”, disse apenas que tinha sido “mais ou menos” daquele jeito. Depois de dar-lhe um jornal onde o nome de padre Antônio fora estampado como herói, Fonseca pediu que voltasse logo a Silves, pois só ele poderia salvar aquela gente da perdição. Sem muito custo, convenceu Gertrudes a hospedar Clarinha por uns tempos enquanto ele voltava de Silves para buscá-la. A menina não gostou muito, mas não havia muito que fazer. Era aceitar. Amava-o de qualquer maneira. Faltava agora arranjar um lugar para deixar o tagarela do Felisberto, talvez em algum sítio do Paraná-mirim. Chegaria a Silves apenas com o velho índio. Seria grande o reboliço na cidade. ”As janelas abertas, as colchas nos parapeitos, as felicitações, a glória!” Macário confirmando os fatos, as narrativas, tudo se acertando para o seu crescimento ali e em Belém.

O jornal que o capitão Fonseca lhe dera era só o começo. Em todo o Grão-Pará falariam dele. Engrandecia-se. Que outro sacerdote teria feito o que ele fez? A selva, os índios, os carapanãs, os perigos? Tudo por um pensamento de religião e caridade. A ideia do cristóforo (barco para missa rio abaixo) com toda a comunidade dentro. Satisfeito com esse raciocínio do amor próprio aplaudido pela consciência, dobrou o jornal onde um “s” torto o perturbava e guardou-o. Lembrou-se de sua chegada a Belém, de sua entrada no seminário. Os rapazes alegres, as mulatinhas faceiras, os carros, os lampiões a gás...

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Embebido nessas recordações, padre Antônio de Morais nem percebia o ubá deslindo sobre a água na embocadura do rio Ramos, logo estaria em Silves. O paquete passou por eles rumo a Manaus passando por Serpa. Logo o navio voltaria a Silves para saber das glórias de Padre Antônio sendo agradado pelo Bispo Justiceiro do Grão-Pará, que lhe daria, com certeza, um importante cargo.

“ Ao mesmo tempo, na toalha larga, clara e movediça do rio, a perder-se intérmina no horizonte, parecia refletir-se a imagem de um esplêndido futuro, em que ofuscavam a fantasia as cintilações diamantinas da mitra episcopal numa diocese do sul...” p.320 (Praia do Embaré – abril – 1888)

Elementos da Narrativa

Tempo: O tempo é cronológico, tomando como base o século XIX, no final do Segundo Reinado (1822-1889)

Espaço: O espaço central da narrativa é a cidade de Silves, no estado do Pará. Há, no entanto, a citação de vários lugares como Belém, São Paulo e Rio de Janeiro. Parte da história acontece no sítio da Sapucaia.

Personagens: As personagens são normalmente marcadas por sua má conduta, por isso apresentam profundidade psicológica. Alguns são meros tipos sociais, outros extremamente caricaturescos como Neves Barriga, o presidente da câmara.

Protagonista: Personagem mais importante da narrativa, o dono da história.

Padre Antônio: padre jovem, bonito, de 22 anos que, aparentemente bem ordenado, ou seja, convicto em sua fé e em suas qualidades de representante de Deus, mostra-se extremamente contraditório em sua conduta. Com a força da onomasiologia (estudo dos nomes) Antônio e Morais são vocábulos que indicam uma pessoa de moral contraditória, pois, apesar de ser padre, Antônio é regido por desvios morais como a luxúria, a ambição e a vaidade.

Secundários: sem muita relevância no enredo.

Macário: Sacristão, fiel serviçal do Padre Antônio, que se transforma em um tipo de co-protagonista tamanha a importância que tem na narrativa. Criou inclusive uma teoria denominada Macavelismo, influenciada pelo que ouviu e não aprendeu sobre Nicolau Maquiavel. Sua importância faz com que seja comparado a Sancho Pança, do livro Dom Quixote de La Mancha.

Neves Barriga: Presidente da Câmara. Por ser um dos grados, um dos mais importantes, é o que mais aprece na trama.

Felipe: Embora seja apenas citado, Felipe, dono de uma loja no Mercado ver o Peso, em Belém, é quem supre o povoados de Silves nas suas maiores necessidades, principalmente trazendo coisas do Rio de Janeiro, de Portugal e até da França.

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Padre João da Mata: Aparece sempre na fala dos outros, mas é de grande importância para entendermos a circularidade de duas histórias similares de um padre que sai para catequizar e sucumbe aos encantos naturalistas da selva amazônica. Padre João da Mata é o pai de Clarinha e Felisberto.

Clarinha: Filha de Padre João da Mata e provavelmente saiba disso, será ela a prova determinista de que um homem e uma mulher dentro da mata farão tudo que a Natureza permite. É irmã de Felisberto, neta de João Pimenta e vai dar ao padre a sugestão de levá-la com ele para Silves.

Outras: Cazuza Bernardino, João Pimenta, Anibal Selvagem Brasileiro, Mapa-Mundi, Manuel Mendes da Fonseca, Miquelina, Faustina etc.

Antagonista: dependendo da situação.

Chico Fidêncio: Professor, jornalista e maçom, é o grande antagonista de Padre Antônio, principalmente porque representa a Maçonaria na luta contra os padres e contra a educação jesuíta.

Padre Antônio: Há momentos em que, no seu descontrole, na sua vaidade, na sua ambição, e nas contradições morais e eclesiásticas que representa, o antagonista do Padre Antônio é ele mesmo.

Bônus

A Companhia de Jesus no Brasil

A história da Companhia de Jesus no Brasil inicia com a chegada dos jesuítas em 1549 na Bahia. Aí fundaram um colégio e iniciaram a catequese dos índios. Posteriormente, já na segunda metade do século XVIII, seriam expulsos de Portugal e de suas colônias pelo Marquês de Pombal. Atualmente possuem vários colégios e universidades dispersos pelo país, além de paróquias e atuação no apostolado social, bem como na formação do clero, religiosos e leigos católicos. Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549 e começaram sua catequese erguendo um colégio em Salvador da Bahia, fundando a Província Brasileira da Companhia de Jesus. Vinham na armada de Tomé de

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Sousa, chefiados por Manuel da Nóbrega, e eram eles Leonardo Nunes, João de Azpilcueta Navarro, Vicente Rodrigues, Antonio Pires e o irmão Diogo Jácome. A segunda vaga aconteceu em 1550 na armada de Simão da Gama. O primeiro Bispo chegou em 1552 e em 1553 aportou José de Anchieta na armada de Duarte Góis. Cinquenta anos mais tarde já tinham colégios pelo litoral, de Santa Catarina ao Ceará. Quando foram expulsos em [1759], eram 670 por todo o país, distribuídos em aldeias, missões, colégios e conventos. Os nomes grandiosos são evidentemente os de Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.

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Análise da Obra

Aluísio de AzevedoCasa de Pensão

Análise da obra:

A obra foi baseada num fato real: a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio Azevedo. Neste livro, o autor estuda as influências da sociedade sobre o indivíduo sem qualquer idealização romântica, retratando rigorosamente a realidade social trazendo para a Literatura um Brasil até então ignorada.

Autor fiel à tendência naturalista difundida pelo Realismo, Aluísio Azevedo focaliza, nesta obra, problemas como preconceitos de classe, de raças, a miséria e as injustiças sociais. Descreve a vida nas pensões chamadas familiares, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na capital. Diferente do Romantismo, o Naturalismo enfatiza o lado patológico do ser humano, as perversões dos desejos e o comportamento das pessoas influenciado pelo meio em que vivem.

Casa de Pensão é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem (O Mulato) e o romance de espaço (O Cortiço). Como em O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em O Cortiço, a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação.

As teses naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.

Romance naturalista de 1884, em que o autor, de carreira diplomática bastante acidentada, move personagens que se coadunam perfeitamente com a análise dos críticos de que seus tipos são, via de regra, grosseiros, não se distinguem pela sutileza da compreensão, nem pela frescura dos sentimentos.

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Análise das Obras | UVA 2013.250

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São eixos de relações da estrutura da presente narrativa a Província -Maranhão, a Corte -Rio de Janeiro, A casa paterna e Casa de pensão.

Estilo:

O Naturalismo está plenamente representado em Casa de Pensão desde a abertura do romance, quando Amâncio parece marcado fatalisticamente pela escola e pela família: uma e outra o encheram de revolta. Por causa de um castigo justo ou injusto, "todo o sentimento de justiça e da honra que Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus semelhantes...". O leite que o menino mamou na ama negra também está contagiado e irá marcá-lo. O médico dizia: "Esta mulher tem reuma no sangue e o menino pode vir a sofrer para o futuro." Amâncio é uma cobaia, um campo de experimentação nas mãos do romancista. Nele o fisiológico é muito mais forte do que o psicológico. É o determinismo que vai acompanhar toda a carreira do personagem.

Está presente também na obra o sentido documental e experimental do romance naturalista, renunciando ao sentimentalismo e à evasão, procura construir tudo sobre a realidade. Como já mencionado, a estória do romance se baseia num caso real.

Linguagem:

Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos pormenores descritivo-narrativos de tal modo que a estória caminha devagar, lerda e até monótona. É a necessidade de ajuntar detalhes para se dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas minúcias se estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num episódio, por exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens. E móveis de uma sala até os objetos mais miúdos.

Elementos da Narrativa

Foco narrativo

O autor escolheu o seu ponto-de-vista narrativo: a terceira pessoa do singular, um narrador onisciente e onipotente, fora do elenco dos personagens. Como um observador atento e minucioso dentro das próprias fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio Azevedo trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.

Temática

Como em O Cortiço, Aluísio de Azevedo se torna excepcionalmente rico na criação de personagens coletivos: a casa de pensão, tão comum ainda hoje, no Brasil inteiro, tem vida, uma vida estudante, nas páginas do romance. Aluísio conhecia, de experiência própria, esse ambiente feito de tantos quartos e tantos inquilinos, tão numerosos e tão diferentes, nivelados pela mediocridade e em fácil decadência moral. O autor faz alguns retratos com evidentes traços caricaturais (a sua velha mania ou vocação para a

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caricatura...), mas fiéis e verdadeiros. Tudo se movimenta diante do leitor: a casa de pensão é um mundo diferente, gente e coisas tomam aspectos novos, as pessoas adquirem outros hábitos, informadas ou deformadas por essa vida comunitária tão promíscua. Aí se encontram e se desencontram, se amontoam e se separam tantos indivíduos transformados em tipos, conhecidos, às vezes, apenas pelo número do quarto. Em O Cortiço o meio social é mais baixo; na Casa de Pensão é médio.

Personagens

Os personagens, sob nomes fictícios, escondem pessoas reais:

Os principais:

Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva) estudante, acusado de sedução. Foi absolvido.

Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça seduzida, pivô da tragédia.

Mme. Brizard - (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é uma viúva, dona da casa de pensão:

João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).

Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da moça, homem descrito na obra como um carniceiro.

Os Adjacentes:

Manoel Pedro Vasconcelos - Pai de Amâncio, homem muito rude e severo com filho, começa a demonstrar afeto pelo filho em uma carta que lhe envia estando o rapaz na Corte, morre de Beriberi.

D. Ângela - Mãe de Amâncio, ama-o perdidamente.

Dr. Silveira - Advogado da família de Amâncio no Maranhão que se aproveita da situação da morte do chefe da família para extorquir dinheiro de D. Ângela.

Pires - professor de Amâncio dos 7 aos 12 anos, homem carrasco e que bati nos alunos, era um ditador em sala, a personagem central possui um trauma muito grande em função dos maus tratos.

Luís Campos - Homem que comanda uma casa de negócios e hospeda inicialmente o jovem universitário, sempre correto e ético defende Amâncio quando é preso, mas ao descobrir que o rapaz assediava sua esposa e volta contra ele.

D. Hortênsia - Esposa de Luís Campos, é assediada por Amâncio, que resiste e depois da prisão do rapaz, arrepende-se perdidamente.

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D. Carlota - irmã de Hortênsia.

César e Nini - Filhos de Mme. Brizard, um de 12 anos e a outra tinha problemas mentais após a perda de um filho.

Os Hóspedes:

Um fator de extremo interesse é você saber os hóspedes da casa de pensão de João Coqueiro, vamos a eles:

Nº 01: Dr. Tavares - Advogado, gostava de fazer discursos inflamados e epopeicos, interessa-se em defender Amâncio quando está preso e é um dos que ainda se mantem com a família de Coqueiro quando eles saem da casa de pensão para Santa Tereza.

Nº 02: Fontes - Era um homem que havia ficado rico, mas perdera todo seu dinheiro, agora tentava se reerguer vendendo muamba pela cidade.

Nº 03 Piloto - Repórter do jornal Gazeta.

Nº 04 Campelo - Misterioso, pouco se sabe sobre ele.

Nº 05 Paula Mendes e Catarina - O marido era rabequista e ela pianista, vendem o piano para quitar dívidas na casa de pensão.

Nº 06 O guarda-livros - Homem que paga sempre em dias e troca com Amâncio pelo gabinete no meio do livro.

Nº 07 Rapaz doente - Rapaz que definha dia após dia e morre nas mãos de Amâncio.

Nº 08 Lúcia e Pereira - Lúcia era uma senhora interesseira que tenta seduzir Amâncio, mas João Coqueiro e Mme. Brizard mandam-na embora. Pereira é um lento que só dorme.

Nº 09 Melinho - Funcionário da Caixa.

Nº 10 Lambertosa - o Gentleman, homem metido a intelectual.

Nº 11 Dr. Correia - Médico, alugava o quarto só para estudar, mas não era bem isso...

Enredo:

Amâncio (Da Silva Bastos e Vasconcelos), rapaz rico e provinciano, abandona o Maranhão e segue de navio para o Rio de Janeiro (a Corte), a fim de se encaminhar nos estudos e na vida. É um provinciano que sonha com os deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e vazio de propósitos de estudar... A mãe fica chorosa e o pai, indiferente, como sempre fora no trato meio distante com o filho. O rapaz tinha que se tornar um homem.

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Amâncio começa morando em casa do sr. Campos, amigo do Pai, e, forçado, se matricula na Escola de Medicina. Ia começar agora uma vida livre para compensar o tempo em que viveu escravizado às imposições do pai e do professor, o implacável Pires.

Por convite de João Coqueiro, co-proprietário de uma casa de pensão, junto com a sua velhusca mulher Mme. Brizard, muda-se para lá. É tratado com as maiores preferências: os donos da pensão queriam aproveitar o máximo de seu dinheiro e ainda arranjar o seu casamento com Amélia, irmã de Coqueiro. Um sujo jogo de baixo interesses, sobretudo de dinheiro. Naquele ambiente, tudo concorreria para fazer explodir a super-sensualidade do maranhense.

"Ele, coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro: Na ramificação de seu caráter e sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado, porque de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores."

A casa de pensão era um amontoado de gente, em promiscuidade generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu dono: havia miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a pensão passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, inesperto e rico estudante: pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro. Para alcançar o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia, principalmente quando da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos cuidados. Até que se tornou, disfarçadamente, sua amante. Sempre mantendo as aparências do maior respeito exigido dentro da pensão pelo João Coqueiro...

O pai de Amâncio morre no Maranhão. A mãe chama o filho. Ele pretendo voltar, logo que terminarem os seus exames de medicina. Era preciso que o filho voltasse para vê-la e ver os negócios que o pai deixara. Mas o rapaz está preso à casa de pensão e a Amélia: este o ameaça e só permite sua ida ao Maranhão, depois do casamento. Amâncio prepara sua viagem às escondidas. Mas, no dia do embarque, um oficial e justiça acompanhado de policiais o prende para apresentação à delegacia e prestação de depoimentos. Amâncio é acusado de sedutor da moça. João Coqueiro prepara tudo: o caso foi entregue ao famigerado e chicanista Dr. Teles de Moura. Aparecem duas testemunhas contra o rapaz. Começa o enredado processo: uma confusão de mentiras, de fingimentos, de maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável para os interesses pecuniários de Mme. Brizard e marido. Há uma ressonância geral na imprensa e, na maioria, os estudantes se colocam ao lado de Amâncio. O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D. Hortênsia. E se coloca contra quem não soube respeitar nem a sua casa...

Três meses depois de iniciado o processo, Amâncio é absolvido. O rapaz é levado em triunfo para um almoço, no Hotel Paris.

Amâncio passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma mulher famosa." Todo mundo olhava com curiosidade e admiração o estudante absolvido. E lhe atiravam flores, Ouviam-se vivas ao estudante e à Liberdade. Os músicos alemães tocaram a Marselhesa. Parecia um carnaval carioca.

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Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e ouvindo tudo. A alma envenenada de raiva. Em casa o destampatório da mulher que o acusava de todo o fracasso. As testemunhas reclamavam o pagamento do seu depoimento. Um inferno dentro e fora dele. Chegaram cartas anônimas com as maiores ofensas. Um homem acuado...

Pegou, na gaveta, o revólver do pai. E pensou em se matar. Carregou a arma. Acertou o cano no ouvido. Não teve coragem. Debaixo da sua janela, gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter... No dia seguinte, de manhã, saiu sinistro. Foi ao Hotel Paris. Bateu no quarto II, onde se encontrava o estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu a porta. Amâncio dormia, depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima. Coqueiro atirou a queima-roupa. Amâncio passa a mão no peito, abre os olhos, não vê mais ninguém. Ainda diz uma palavra: "mamãe" ... e morre.

Coqueiro foi agarrado por um policial, ao fugir. A cidade se enche de comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio. Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda abalada. A tragédia tomou conta de todos.

A opinião pública começa a flutuar, a mudar de posição: afinal, João Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...

Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada, chega ao Rio de Janeiro, se viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa vitrine, ela descobriu o retrato do filho "na mesa do necrotério, com o tronco nu, o corpo em sangue. Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João Coqueiro, no Hotel Paris...

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Autoria: Maria José Dantas LaranjeiraFonte: http://www.coladaweb.com/literatura/pre-modernismo

Nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, o Brasil também viveu sua bélle époque. Nesse período, nossa Literatura caracterizou-se pela ausência de uma única diretriz. Houve, isso sim, um sincretismo estético, um entrecruzar de várias correntes artístico- literárias. O país vivia na época uma constante tensão.

Nesse contexto, alguns autores refletiam o inconformismo diante de uma realidade sóciocultural injusta e já apontavam para a irrupção iminente do movimento modernista. Por outro lado, muitas obras ainda mostravam a influência das escolas passadas: realista/naturalista/parnasiana e simbolista. Essa dicotomia de tendências, uma renovadora e outra conservadora, gerou não só tensão, mas sobretudo um clima rico e fecundo, que Alceu Amoroso Lima chamou de Pré-Modernismo.

Quanto à prosa, podemos distinguir três tipos de obras: 1- Obras de ambiência rural e regional - que tem por temática a paisagem e o

homem do interior. 2- Obras de ambiência urbana e social - retratando a realidade das nossas cidades. 3- Obras de ambiência indefinida - cujos autores produzem uma literatura desligada

da realidade sócio-econômica brasileira.

Características:

A. ruptura com o passado - por meio de linguagem chocante, com vocabulário que exprime a “frialdade inorgânica da terra”.

B. inconformismo diante da realidade brasileira - mediante um temário diferente daquele usado pelo romantismo e pelo parnasianismo: caboclo, subúrbio, miséria, etc..

C. interesse pelos usos e costumes do interior - regionalismo, com registro da fala rural.

D. destaque à psicologia do brasileiro - retratando sua preguiça, por exemplo nas mais diferentes regiões do Brasil.

E. acentuado nacionalismo - exemplo Policarpo Quaresma. F. preferência por assuntos históricos. G. descrição e caracterização de personagens típicos - com o intuito de retratar a

realidade política, e econômica e social de nossa terra. H. preferência pelo contraste físico, social e moral. I. sincretismo estético - Neo-Realismo, Neoparnasianismo, Neo-Simbolismo.

Pré-ModernismoUVA 2013.2

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J. emprego de uma linguagem mais simples e coloquial - com o objetivo de combater o rebuscamento e o pedantismo de alguns literatos.

Principais autores:

Na poesia: Augusto dos Anjos, Rodrigues de Abreu, Juó Bananére, etc.. Na prosa: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato, Afonso

Arinos, Simões Lopes, Afrânio Peixoto, Alcides Maia, Valdomiro Silveira, etc...

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Análise da Obra

Afonso Henriques de Lima BarretoTriste fim de Policarpo Quaresma

“O grande inconveniente da vida real e o que a torna insuportável ao homem superior é que, se se transferirem para ela os princípios do ideal, as qualidades tornam-se defeitos, de modo que, muito frequentemente, o homem completo tem bem menos sucesso na vida do que aquele que se move pelo egoísmo ou pela rotina vulgar.”

Triste Fim de Policarpo Quaresma A epígrafe do romance é retirada do 26º capítulo de Marco Aurélio ou o fim do mundo antigo (Marc-Aurèle ou la fin du monde antique), último volume da obra As origens do Cristianismo (Les origines du Christianisme) do escritor e pensador francês Ernest Renan. Renan parece argumentar que os altos ideais, muito nobres, de pouco valem no mundo real, governado por interesses e proveitos pessoais, o que nos prepara para o fracasso final de Policarpo Quaresma.

VIDA E OBRA DO AUTOR:

Fonte de Pesquisa: Lima Barreto: Literatura Comentada.De Antônio Arnoni Prado. Ed. Nova Cultural, 1988

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em 1881 na cidade do Rio de Janeiro. Enfrentou o preconceito por ser mestiço durante a vida. Ficou órfão aos sete anos de idade de mãe e, algum tempo depois, seu pai foi trabalhar como almoxarife em um asilo de loucos chamado Colônia de Alienados da Ilha do Governador.

Concluiu o curso secundário na Escola Politécnica, contudo, teve que abandonar a faculdade de Engenharia, pois seu pai havia

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sido internado, vítima de loucura, e o autor foi obrigado a arcar com as despesas de casa. Como leu bastante após a conclusão do segundo grau, sua produção textual era de

excelente qualidade, foi então que iniciou sua atividade como jornalista, sendo colaborador da imprensa. Contribuiu para as principais revistas de sua época: Brás Cubas, Fon-Fon, Careta, etc. No entanto, o que o sustentava era o emprego como escrevente na Secretaria de Guerra, onde aposentaria em 1918.

Não foi reconhecido na Literatura de sua época, apenas após sua morte. Viveu uma vida boêmia, solitária e entregue à bebida. Quando tornou-se alcoólatra, foi internado duas vezes na Colônia de Alienados na Praia Vermelha, em razão das alucinações que sofria durante seus estados de embriaguez.

Lima Barreto fez de suas experiências pessoais canais de temáticas para seus livros. Em seus livros denunciou a desigualdade social, como em Clara dos Anjos; o racismo sofrido pelos negros e mestiços e também as decisões políticas quanto à Primeira República. Além disso, revelou seus sentimentos quanto ao que sofreu durante suas internações no Hospício Nacional em seu livro O cemitério dos vivos.

Sua principal obra foi Triste fim de Policarpo Quaresma, no qual relata a vida de um funcionário público, nacionalista fanático, representado pela figura de Policarpo Quaresma. Dentre os desejos absurdos desta personagem está o de resolver os problemas do país e o de oficializar o tupi como língua brasileira.

Lima Barreto faleceu no primeiro dia do mês de novembro de 1922, vítima de ataque cardíaco, em razão do alcoolismo.

Elementos da Narrativa e Características

Linguagem

Enquanto alguns escritores do período escreviam como se estivéssemos no melhor dos mundos e viam a Literatura como "o sorriso da sociedade" (Afrânio Peixoto), Lima Barreto escancarou as janelas e deixou entrar o cheiro forte da realidade. Ele assumiu os problemas do seu tempo e examinou-os em seus romances. Foi, sobretudo, o "romancista da Primeira República", vista pelos olhos da classe média dos subúrbios do Rio. Enquanto os historiadores oficiais falavam nas lutas patrióticas da consolidação da República, ele via o outro lado da medalha: o povo, massa de canhão totalmente inconsciente do que se passava; a luta pelo poder entre os barões da agricultura e a burocracia militar ou civil; e, sobretudo, a vida dos subúrbios, com seus dramas e suas pequenas felicidades, seus grotescos e ridículos, seu lado terno e humano.

Lima Barreto rompeu conscientemente com a linguagem anacrônica e classicizada de um Rui Barbosa, de um Coelho Neto, de tanto prestígio na sua época e acusava os escritores acadêmicos de fazerem da literatura "uma continuação do exame de português". Foi por isso, e por alguns pequenos descuidos em suas obras, que os adversários o acusaram de desleixado, quando na verdade ele rompeu voluntariamente com os representantes da "idade de ouro do lídimo linguajar castiço e vernáculo" (M. Cavalcanti Proença). O combate a tal tipo de linguagem seria retomado pelo

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Modernismo. Lima Barreto chegou primeiro.

Foco Narrativo

A narração é feita em terceira pessoa, "narrador onisciente". Em pequenos trechos, a história é contada pelas próprias personagens, como as circunstâncias da guerra que o major Quaresma descreve, em carta, a sua irmã Adelaide. Como o autor conduz simultaneamente vários núcleos dramáticos (várias histórias), ele às vezes antecipa alguns fatos para em "flash-back", voltar atrás e explicar como as coisas sucederam. Assim, no terceiro capítulo, Genelício dá a notícia de que o Major Quaresma fora internado num hospício. E só no capítulo quarto é que iremos saber as causas e circunstâncias desse internamento.

Tempo

O tempo da narrativa é cronológico: os fatos, normalmente são apresentados em sua sequência temporal. Em algum capítulo, temos um "flash-back" para restabelecer o elo perdido.

A ação do romance situa-se numa época precisa: a da implantação da República no Brasil, com os governos de Deodoro e, sobretudo, do Marechal Floriano.

Os acontecimentos políticos são vistos no livro não pela ótica oficial, mas pelos olhos do povo e, em particular, na perspectiva da classe média suburbana.

Sob o aspecto sociológico, Lima Barreto conseguiu uma pintura perfeita: surge diante dos olhos aquela época dos fraques, das casacas e sobrecasacas, do pincenez (óculos de um aro só), das correntinhas de ouro nas cavas dos coletes, das bengalas e das cartolas... Dorme-se de camisão, paga-se em ceitis, mil reis e contos de reis. Anda-se de coches, de tílburis e de bondes puxados a mulas, joga-se o "pocker", as mulheres enfiam-se em cassas bem engomadas... As gravatas têm alfinetes, as casas são ornamentadas com monogramas na porta de entrada, compoteira nas cimalhas "e outros detalhes equivalentes..."

Espaço

Com exceção dos meses passados no "Sossego", a obra se ambienta, como outras de Lima Barreto, no Rio de Janeiro e, sobretudo, em seus subúrbios. Há um pano de fundo maravilhosamente bem retratado, econômica, social e folcloricamente: o sossego das ruas da periferia, as fofocas, a vigilância e o comentário dos vizinhos sobre os vizinhos, os tipos populares – como o próprio e inesquecível Ricardo Coração dos Outros. “A "aristocracia" dos subúrbios, composta de funcionários públicos, de pequenos negociantes, de médicos de alguma clínica, de tenentes de diferentes milícias, nata essa que impara pelas ruas esburacadas daquelas distintas regiões..."

Além do ambiente burocrático das repartições públicas, a "papelada inçada", as conversas e "gozações" que são descritos com grande vivacidade; afinal, Lima Barreto o

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conhecia muito bem. Outra reconstituição perfeita é a do hospício porque é feita com fibras de sua própria vida e experiência, onde Quaresma passou uma temporada.

O sítio do "Sossego" é descrito logo no início da segunda parte.O lugar tinha "o aspecto tranquilo e satisfeito de quem se julga bem com sua

sorte". "A casa erguia-se sobre um socalco, uma espécie de degrau, formando a subida para a maior altura de uma pequena colina que lhe corria nos fundos. Em frente, por entre os bambus da cerca, olhava uma planície a morrer nas montanhas que se viam ao longe". Essa planície era cortada por um regato de águas sujas e, qual uma fita, pela via férrea. A habitação "era também risonha e graciosa nos seus muros caiados. Edificada com a desoladora indigência das nossas casas de campo, possuía, porém, vastas salas, amplos quartos, todos com janelas, e uma varanda com uma colunata heterodoxa".

Outra excelente descrição dos subúrbios do Rio aparece no segundo capítulo da segunda parte. Finalmente, nos últimos capítulos do romance a ação decorre muitas vezes a beira-mar. E não faltam as poéticas reconstituições desse ambiente: a cerração que de manhã envolve tudo, o pôr-do-sol na praia...

O centro da cidade, a época da rebelião, era alegre e jovial. Havia muito dinheiro, o governo pagava soldos dobrados... Os teatros eram frequentados e os "restaurantes" noturnos também.

Em contraste, o Campo da São Cristóvão: "ia vendo aquela sucessão de cemitério, com as suas campas alvas que sobem montanhas, como carneiros tosquiados e limpos a pastar; aqueles ciprestes meditativos que as vigiam; e como que se lhe representava que aquela parte da cidade era feudo e senhorio da morte".

Personagens Fonte de pesquisa: http://pt.scribd.com/doc/55556012/Triste-Fim-de-

Policarpo-Quaresma-Lima-Barreto-Resumo-Detalhado

Lima Barreto, com este romance, criou tipos que já não mais lhe pertencem, mas à Literatura brasileira. Em particular, o major Policarpo Quaresma e o menestrel "Ricardo Coração dos Outros".

Major Policarpo Quaresma: "Era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre baixo, mas quando fitava alguém ou alguma cousa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da cousa que fixava". "Contudo, sempre os trazia baixos como se guiasse pela ponta do cavanhaque que lhe enfeitava o queixo". "Vestia-se sempre de fraque, e era raro que não se cobrisse com uma cartola de abas curtas e muito alta, feita segundo um figurino antigo..." Tudo "made in Brasil": "de tudo que há nacional, eu não uso estrangeiro. Visto-me com um pano nacional, calço botas nacionais e assim por diante."

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Adelaide, irmã de Policarpo: “Era uma bela velha de corpo médio", ser metódico, ordenado e organizado, de ideias simples, médias e claras, seus olhos verdes não revelavam nenhuma paixão ou ambição."

Era totalmente diferente do irmão e não o entendia em nada. Censurava-o constantemente pela rigidez da preferência pelos artigos nacionais. Queixava-se dos temperos nacionais, da manteiga rançosa, da falta de "flores de verdade" no jardim...

Tinha seus cinquenta anos, quatro a mais que o Major.

Anastácio: era o criado que desde sempre acompanhava o Major. Preto africano muito trabalhador, mas precisava de comando por que era "baldo de iniciativa, de método, de continuidade no esforço".

Vicente Coleoni: imigrante italiano a quem Quaresma emprestava dinheiro num momento difícil e que, vindo a prosperar em quitandas e na construção civil, jamais perdeu a gratidão. Vivia num palacete em Real Grandeza, com a única filha, Olga, afilhada do Major. Alma boa, reta, sempre fiel ao compadre, de quem, no entanto, não entendia suas excentricidades.

Olga: era muito querida pelo Major, e lhe ocupava no coração o lugar dos filhos que não tivera nem teria. "Era pequena, muito mesmo". No seu rosto, nada de grego. Havia nos seus traços muita irregularidade, mas a sua fisionomia era profunda e própria, com seus grandes olhos negros e luminosos. "A boca pequena, de um desenho fino, exprimia bondade, malícia, e o seu ar geral era de reflexão e curiosidade". Casou-se meio sem convicção com o Dr. Armando Borges, por quem perdeu toda a afeição. É de notar que, no romance, Olga parece muitas vezes exprimir as opiniões pessoais do próprio autor.

Ricardo Coração do Outros: famoso por sua habilidade em cantar modinhas e tocar violão. Em começo, a sua fama estivera limitada a um pequeno subúrbio da cidade, em cujos "saraus" ele e seu violão figuravam como Paganini e a sua rabeca em festas de duques. Depois ela cresceu, e ele passou a "frequentar e honrar" as melhores famílias do Meier, Piedade e Riachuelo.

A TURMA DO SOSSEGO

Várias personagens estão ligadas à permanência de Quaresma no sítio Sossego:

Felizardo: muito trabalhador, foi contratado por Quaresma. Casado com a curandeira Sinhá Chica. "Era magro, alto, de longos braços, longas pernas, como um símio". Muito conversador, leva-e-traz. Rebentando a revolta da Esquadra, ocultou-se para fugir ao recrutamento.

Sinhá Chica: mulher de Felizardo, "velha cafuza, espécie de Medeia esquelética, cuja fama de rezadeira pairava por todo o município". "Vivia sempre mergulhada no seu sonho divino, abismada nos misteriosos poderes dos

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feitiços, sentada sobre as pernas cruzadas, olhos baixos, fixos, de fraco brilho, parecendo esmalte de olhos de múmia, tanto ela era encarquilhada e seca."

Mané Candeeiro: outro contratado. Era claro e tinha umas feições regulares, cesarianas, duras e fortes, um tanto amolecidas pelo sangue africano. Falava pouco e cantava muito.

Tenente Antonino Dutra: escrivão da Coletoria de Curuzu. Representa juntamente com o Dr. Campos, os piores vícios de nossa política do interior. Apareceu no "Sossego" sob pretexto de angariar donativos para Nossa Senhora da Conceição e, na realidade, para tirar suas conclusões sobre a "política" do Quaresma. Atacou o Major pela imprensa e intimou-o a pagar 500.000 reis de multa, por ter enviado umas batatas para o Rio. A sua gordura "tinha um aspecto desonesto. Parecia que a fizera de repente e comia a mais não poder, com medo de a perder de um dia para outro".

Dr. Campos: médico, presidente da Câmara Municipal de Curuzu. "Jovial, manso, de grande corpo, era alto e gordo, pançudo um pouco, olhos castanhos, quase a flor do rosto, uma testa média e reta; o nariz, mal feito". Um tanto trigueiro de cabelos corridos e já grisalhos – era um caboclo, mas o bigode era crespo. Tinha de cor uma meia dúzia de receitas, nas quais conseguira enquadrar as doenças locais. Tendo proposto um golpe a Quaresma, como este recusasse, passou a persegui-lo.

A TURMA DO ALBERNAZ

Albernaz: "Nada tinha de marcial, nem mesmo o uniforme que talvez não possuísse. Durante toda a sua carreira militar, não viu uma única batalha, não tivera um comando, nada fizera que tivesse relação com a sua profissão e o seu curso de artilheiro". "O altissonante título de general... ficava mal naquele homem plácido, medíocre, bonachão, cuja única preocupação era casar as cinco filhas e arranjar pistolões para fazer passar o filho nos exames do Colégio Militar". "Era alto, o pescoço enterrado nos ombros, e o seu pincenez era preso por um trancelim (corrente) de ouro que lhe passava por de trás da orelha esquerda. Em suas conversas, era indispensável uma referência a Guerra do Paraguai, dramatizada, importante". – O Sr. esteve lá, não foi, General ?" "- Não, adoeci antes e voltei ao Brasil. Mas o Camisão esteve..."

Dona Maricota: esposa de Albernaz: "Muito ativa, muito inteligente, não havia dona de casa mais econômica, mais poupada e que fizesse render mais o dinheiro do marido e o serviço das criadas". A pequena cabeça de cabelos pretos contrastava muito com o seu corpo enorme.

Ismênia, Quinota, Zizi, Lalá e Lulu eram os filhos do casal. Ismênia era noiva de Cavalcanti, Quinota casou-se com Genelício e Lalá noivava com o tenente Fontes.

Ismênia: "Era até simpática, com a sua fisionomia de pequenos traços mal desenhados e cobertos de umas tintas de bondade". Seu noivado com Cavalcanti durava anos: havia cinco que ele arrastava um curso de Odontologia de dois anos. "Na vida, para

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ela, só havia uma coisa importante: casar-se; mas pressa não tinha, nada nela a pedia". "Amorenada, o seu traço de beleza dominante era os seus cabelos castanhos, com tons de ouro, sedosos ate ao olhar". Psicologicamente, era de uma natureza pobre, incapaz de qualquer vibração sentimental. Mostrava uma bondade passiva, indolência de corpo, de ideias e de sentidos. Ante a fuga do noivo, cujo pedido de casamento fora tão comemorado, viu desmoronar o sentido de sua vida. Incapaz de reunir forças para reagir, humilhou-se, entristeceu-se, definhou, enlouqueceu, morreu.

Cavalcanti: tinha olhos esgazeados, o nariz duro e fortemente ósseo. Durante o curso fora financiado nos livros, taxas e comida pelo futuro sogro. Formado, dirigiu-se para o interior e nunca mais deu notícias à noiva.

Contra-almirante Caldas: nunca embarcara, a não ser por pouco tempo, na Guerra do Paraguai. Certa vez, deram-lhe o comando de um navio inexistente. Como não conseguisse encontrá-lo, apresentou-se aos superiores, foi preso e submetido a julgamento. Absolvido, nunca mais caiu nas graças deles. Levou quarenta anos para chegar a capitão-de-fragata. Reformado no posto imediato, "todo o seu azedume contra a Marinha se concentrou num longo trabalho de estudar leis, decretos, alvarás, avisos, consultas que se referiam a promoção de oficiais. Os requerimentos, pedindo a modificação de sua reforma, choviam sobre os sucessivos ministros... Viu fugir a última esperança por ocasião da revolta da esquadra, quando ficou ao lado de Floriano, calculando que ele necessitaria de militares daquela arma, ensejando-lhe, afinal, a oportunidade de comandar uma frota."

Inocêncio Bustamante: tinha a mesma mania demandista do Caldas. Renitente, teimoso, mas servil e humilde. Antigo voluntário da pátria, possuindo honras de major honorário, vivia com requerimentos pedindo diversas coisas: medalhas, honras de tenente-coronel...

A rebelião foi a sua oportunidade de ouro: imaginou e organizou o batalhão "Cruzeiro do Sul", cuja responsabilidade ficou de fato nos ombros de Quaresma, mas que deu, a ele, a patente tão ambicionada. No seu uniforme, talhado segundo os moldes dos guerreiros da Crimeia, com uma banda roxa e casaquinha curta, "parecia ter saído, fugido, saltado de uma tela de Vítor Meireles... "Tinha uma, barba 'mosaica' e a sua especialidade, no batalhão, era cuidar da escrita, com caligrafia caprichada, tinta azul e vermelha.”

Doutor Florêncio: "Os anos e o sossego da vida lhe tinham feito perder todo o saber que porventura pudesse ter tido ao sair da escola. Era mais um guarda de encanamentos que mesmo um engenheiro".

Genelício: personagem estereotipado, convencional, caricatural. Nitidamente "plano", e brindado com todos os defeitos que mais aborreciam o próprio Lima Barreto:

Casou-se com Quinota, filha do Gal.Albernaz.

Triste fim de Policarpo Quaresmo |Afonso Henriques de Lima Barreto64

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Tenente Fontes: noivo de Lalá, a terceira filha do Albernaz. Entendia de artilharia e serviu, na revolta, sob o comando de Quaresma - a quem, aliás, não se subordinava. "Era positivista e tinha de sua República uma ideia religiosa e transcendente. Fazia repousar nela toda a felicidade humana... " "Era magro, moreno carregado e a oval do seu rosto estava amassada aqui e ali". Falava com unção, a voz arrastada e nasal em tom de oratória.

Dr. Armando Borges: outro tipo caricatural, como o Genelício. Casado com Olga, e por isso enriquecido, não se satisfazia: "a ambição de dinheiro e o desejo de nomeada esporeavam-no". Médico do Hospital Sírio, em meia hora atendia a trinta ou mais doentes. Seu grande sonho era ser médico do Estado, e valeu-se da rebelião para alcançar seus objetivos. Desonesto, roubara escandalosamente de uma órfã rica - o que lhe valeu o desafeto da esposa. Achava que o seu pergaminho e o anel de doutor tornavam-no superior aos mortais comuns. Procurava ficar sempre em evidência, por amizades com jornalistas e publicação periódica de artigos, "estiradas compilações, em que não havia nada de próprio".

Temática central

O leitor deve ter percebido que Lima Barreto critica impiedosamente os seus personagens. Pouquíssimos são poupados: Olga, dona Adelaide... Mesmo aqueles, como Quaresma, que representavam algo puro, ingênuo, honesto, são implacavelmente expostos ao ridículo. Outros já parecem criados de propósito para se obter unicamente esse efeito.

Certamente, temos aí um dos aspectos do homem deslocado e revoltado que foi Lima Barreto. Nos tipos caricaturais, sobretudo, ele dá vazão aos seus ressentimentos.

O Tema principal simplesmente é o choque de um patriota sonhador com a realidade.

Sob esse aspecto, o tema do romance e desdobrado em três movimentos principais, correspondentes a três partes da obra.

Primeira etapa: predomínio da fantasia.

O major Quaresma nos é apresentado como indivíduo sem amigos, levando vida reclusa, incubando e engordando seu extraordinário patriotismo em leituras sem fim, em reflexões "me-ufanistas". Acredita piamente nos livros e, no seu pequeno mundo, vive do que é "nacional".

Observa-se que esta fase, de máxima defasagem entre sonho e realidade, também se veste de máxima comicidade: o sisudo Quaresma representando o Tangolomango, ou reproduzindo o livro goitacá de boas maneiras, só faltando chegar a "alta costura" de Adão; ou ainda, acreditando na oficialização do tupi-guarani...

A loucura é o resultado lógico de tamanha ruptura entre o sonho e a realidade.

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Segunda etapa: equilíbrio entre realidade e fantasia.

Esta é a fase do Quaresma agrícola. E ainda cômico ver a concepção e a execução de sua estratégia agrária: os minuciosos cálculos baseados nos boletins da Associação de Agricultura Nacional; a parafernália de hidrômetros, pluviômetros, anemômetros, barômetros e outras inutilidades domésticas, logo dribladas pela realidade; a crença inabalável nas "terras mais ubérrimas do mundo"; a tenacidade com que tenta dominar os altos segredos do emprego da enxada, no que mais de uma vez teve de "beijar a terra, mãe dos frutos e dos homens"...

E o impossível acontece. Quaresma é tão honesto, tão puro, que sua aparentemente inexpugnável fortaleza de crenças não resiste ao assalto da realidade: as decepções se sucedem, e ele as acolhe, com um sofrido espanto; as formigas, as intempéries, os atravessadores, as perseguições de coletores e políticos em disponibilidade...

É o segundo choque de Quaresma; "a luz se lhe fez no pensamento..." a rede de posturas, códigos e preceitos, nas mãos de tais caciques, transformada em "instrumentos de suplícios para torturar os inimigos, oprimir as populações, crestar-lhes a iniciativa e a independência abatendo-as e desmoralizando-as..."

Estava a crise posta à mesa. A antiga visão ainda resiste. Reconhece a puerilidade, a ingenuidade do primeiro Quaresma, mas é este que, ainda vivo, tenta encontrar em Floriano um Sully, um novo Henrique IV para reformar a Pátria...

Terceira etapa: vence a realidade

E o humor cede ao patético. Na verdade, é bem o antigo Quaresma que, ao primeiro contacto, ainda não extrai a raiz quadrada de Floriano e da fauna que o cerca, que ainda pretende comandar um destacamento inspirando-se nos livros; que ainda larga um canhão apontado para o alvo e corre a casa conferir os cálculos... mas triunfam a sua candura, a sua honestidade e pureza; elas e que não o deixam compactuar com o crime, com a opressão, com o absurdo. Elas - ainda uma vez a estrada real para a verdade. E são elas, ainda que banham as páginas finais do romance – de um grande romance –com estas águas de humanidade e de sofrimento que não mais nos fazem rir, e que talvez nos puxem as lágrimas...

E a crise final, e a redenção de Quaresma: "A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete". "A que existia de fato, era a do tenente Antonino, a do Dr. Campos, a do homem do Itamarati".

Sim, este é o romance do verdadeiro patriotismo, redimido pela vida, paixão e morte do humilde Policarpo Quaresma, que lhe assinalou a sua verdadeira base, o lugar de onde é preciso, modestamente, começar. O romance não termina, depois de tudo, no desespero: "esperemos mais", e o último pensamento, sereno, de Olga - é de Lima Barreto.

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Outras Problemáticas:

A problemática central da obra e relativamente simples. Mas as questões levantadas secundariamente, como de passagem, por Lima Barreto, são tão numerosas:

01. O Tema da Loucura 02. A Burocracia 03. Política no Interior do Brasil 04. Os casamentos interesseiros da burguesia 05. O Mito do "doutor" 06. Miséria e improdutividade do interior 07. Literatura do tempo 08. Críticas ao governo 09. A República 10. A Imprensa Frívola 11. Superstições

Resumo

PARTE I

Observa-se que esta fase, de máxima defasagem entre sonho e realidade, também se veste de máxima comicidade: o sisudo Quaresma representando o Tangolomango, ou reproduzindo o livro goitacá de boas maneiras, só faltando chegar a "alta costura" de Adão; ou ainda, acreditando na oficialização do tupi-guarani...

A loucura é o resultado lógico de tamanha ruptura entre o sonho e a realidade.

Capítulo I – A lição de violão

O major Policarpo Quaresma, como assim era conhecido, mantinha sua vida metodicamente calculada, desde o momento que saia do arsenal de guerra na qual era subsecretário, ao momento de chegar em casa, até mesmo os passos dados para se chegar ao bonde, e claro, isso chamava a atenção da vizinhança.

Também era recatado, não acolhia ninguém em sua casa, sem inimigos, mas sem amigos, outra característica é a posse de vários livros que não mostrava a ninguém, só se podia vê-los quando ele abria a janela. Só recebia visitas da filha e do compadre.

Encarado pela vizinhança como esquisito e misantropo começou a ter aulas de violão três vezes na semana e todos na vizinhança começaram a falar mal.

Eram esses os seus hábitos; ultimamente, porém, mudara um pouco; e isso provocava comentários no bairro. Além do compadre e da filha, as únicas pessoas que o visitavam até então, nos últimos dias, era visto entrar em sua casa, três vezes por semana e em dias certos, um senhor baixo, magro, pálido, com um violão agasalhado numa bolsa de camurça. Logo pela primeira vez o caso intrigou a vizinhança. Um violão em casatão

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respeitável! Que seria?...a vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. Mas que cousa?Um homem tão sério metido nessas malandragens!

Seu respeito diminui ainda mais quando passa a andar com o violão pela rua, indo para sua casa Adelaide sua irmã, recebe-o e reprende seu comportamento também por querer esperar Ricardo, o seresteiro que lhe dava aulas.

Policarpo defende as modinhas:

É preconceito supor-se que todo o homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a mais genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede. Nós é que temos abandonado o gênero, mas ele já esteve em honra, em Lisboa, no século passado, com o Padre Caldas que teve um auditório de fidalgas. Beckford, um inglês, muito o elogia. ...

Convém que nós não deixemos morrer as nossas tradições, os usos genuinamente nacionais...

Esse é o primeiro indício da principal característica de Quaresma, seu patriotismo, era um patriotismo arraigado beirando um fanatismo incompreendido. Não era um patriotismo que dava lugar a ambições políticas ou coisas do tipo, e sim, um patriotismo puro e ingênuo. Na sua prateleira, apenas autores nacionais, livros de História, somente do Brasil e de autores brasileiros, conhecia com fluência o inglês, o francês e o alemão.

Na sabia ao certo onde nascera, melhor assim, pois ele não apresentava regionalismos, era simplesmente brasileiro. Isso fez de Policarpo a escolha pelo exército, como fora dispensado por causa da saúde recorreu ao setor administrativo militar, julgava o exército o “hálito da pátria”, esse patriotismo também o incentivou em uma constante pesquisa sobre o Brasil, suas terras, suas riquezas, suas belezas, principalmente a do rio Amazonas, tal paixão fez que se dedicasse ao tupi-guarani recebendo a alcunha de Ubirajara, sendo assim motivo de chacota entre alguns, principalmente Azevedo.

Quaresma pela idade e sua honestidade era respeitado, mas o seu comportamento irritava alguns, Azevedo não dizia nada quando Policarpo falava do Brasil, entretanto, em seguida, maldizia o colega. Desde o dia que recebera o epíteto e reservara ainda mais, mudo e calado, exceto no dia que ouviu uma pessoa dizendo que queria ir para a Europa:

O major não se conteve: levantou o olhar, concertou o pince-nez e falou fraternal e persuasivo: "Ingrato! Tens uma terra tão bela, tão rica, e queres visitar a dos outros! Eu, se algum dia puder, hei de percorrer a minha de princípio ao fim!"

O outro objetou-lhe que por aqui só havia febres e mosquitos; o major contestou-lhe com estatísticas e até provou exuberantemente que o Amazonas tinha um dos melhores climas da terra. Era um clima caluniado pelos viciosos que de lá vinham doentes...

E como mais um dia espera por Ricardo: coração dos outros, Ricardo não era um seresteiro qualquer era um homem respeitado e querido no meio da alta sociedade

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suburbana, Ricardo está para o jantar, e ali Quaresma não perde tempo para novamente exaltar as qualidades da cozinha brasileira.

Depois vã ao jardim na qual só havia flores brasileiras e depois continuam com aulas de violão.

Recebem a visita de Ismênia que novamente responde sobre o casamento com Cavalcanti, lá ela convida Ricardo para cantar na casa de seu pai, um general vizinho de Policarpo.

Capítulo II – Reformas radicais

Nesse capítulo, Policarpo tira férias e se dedica cada vez mais a seus estudos patrióticos, e após longos 30 anos de meditação e estudo patriótico concluía:

A convicção que sempre tivera de ser o Brasil o primeiro país do mundo e o seu grande amor à pátria eram agora ativos e impeliram-no a grandes cometimentos. Ele sentia dentro de si impulsos imperiosos de agir, de obrar e de concretizar suas ideias. Eram pequenos melhoramentos, simples toques, porque em si mesma (era a sua opinião), a grande pátria do Cruzeiro só precisava de tempo para ser superior à Inglaterra.

Tinha todos os climas, todos os frutos, todos os minerais e animais úteis, as melhores terras de cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, mais inteligente e mais doce do mundo – o que precisava mais? Tempo e um pouco de originalidade.

As idas de Ricardo a casa do major despertou o interesse do general seu vizinho por festas e modinhas e até dissipou o preconceito que havia.

O general Albernaz e sua esposa Dona Maricota convidam Policarpo a participar da festa nacional que irão participar, era uma chegança à moda do Norte em razão do aniversário de sua praça. Entretanto tinham que achar quem ensaiasse e desse os versos e a dança, foi aí que tiveram de ir atrás de Maria Rita, preta velha, antiga lavadeira da família de Albernaz, passam de bonde por alguns pontos da cidade, como o Pedregulho, Quaresma relembra as fragilidades do Império e chegam ao seu destino.

Ao chegarem na casa da velha se decepcionam, pois a velha alega não lembrar de mais nada das velhas cantigas, Policarpo observa como as pessoas esqueciam rápido das tradições e costumes populares.

Até que acham um velho, indicação de Cavalcanti, que, após ler para os dois alguns contos populares, fala do Tangolomango, e os ensina, Quaresma dança no dia da festa vestido de velho com dez crianças, dança tanto que desmaia, mas logo acorda, somente depois descobri que o Tangolomango era de cultura afro-íbera e decidi fazer apenas danças e costumes nacionais, o que leva-o a estuda a cultura Tupinambá.

Ao receber Olga, sua afilhada por quem tinha imensa afeição, recebe-a com gritos e choros a puxar o cabelo, e depois de muito alvoroço explicou que era assim que os Tupinambás faziam.

Depois chegou Ricardo que muito se entusiasmou ao ser reconhecido por Olga que já havia lido sobre seus trabalhos. Entretanto Quarema e Ricardo discutem, pois Ricardo alega que os instrumentos cabocos não são bons e Quaresma por sua vez despreza a viola

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de Ricardo. Todos inclusive Olga se admira da inquietação do major.

Capítulo III – A Notícia do Gentelício

Este capítulo é voltado, principalmente, para a festa de noivado tão aguardada de Ismênia e Cavalcânti, já que o que impedia que o noivo pedisse Ismênia formalmente em casamento era o fato de que ele não havia ainda completado a sua faculdade, a qual era paga pelo próprio sogro.

Desde o começo até o final do dia da festa, Ismênia não demonstrou nenhum sinal de alegria por esse acontecimento, ou seja, de todas as pessoas à sua volta, ela era a menos entusiasmada, visto que por ela ter passado praticamente que a sua vida toda ouvindo sua mãe dizendo que era importante aprender isso e aquilo para quando fosse casar, o casamento acabou tornando-se para ela nada mais do que um negócio, uma ideia, e não algo que deveria acontecer quando o casal se gostasse de verdade.

No momento da festa, praticamente todas as moças presentes cercaram a noiva, fazendo-lhe perguntas, as quais Ismênia pouco respondia, e enquanto isso acontecia, o noivo estava do outro lado do salão tocando piano. Os rapazes que o rodeavam faziam-lhe perguntas sobre a faculdade, sobre quem ele conhecera, e quando ficavam sem perguntas, paravam e ficavam olhando para Cavalcânti, porém de um jeito diferente de como olhavam para ele antigamente, pois formado, ele deixara de ser mais um simples homem, para tornar-se alguém com uma essência superior.

Na sala de jantar, o general, pai da noiva, conversava com o Contra-Almirante, o Major Inocêncio, o doutor Florêncio e o capitão de bombeiros Sigismundo, os quais partilhavam histórias de suas vidas profissionais, até serem interrompidos pela esposa do general, Dona Maricota, que pediu para que o general convencesse os convidados a dançar. Feito isso, o general e seus amigos foram jogar cartas, até que Caldas, ao ver Dona Quinota, outra filha do general, passar pela mesa do jogo, aproveitou para perguntar onde estava Genelício, porém a moça não soube lhe dizer.

Genelício, namorado de Dona Quinota, era um jovem que estava prestes a terminar seu curso de Direto e que tinha futuro promissor na área em que trabalhava. Na bajulação e nas manobras para obter sucesso profissionalmente, ele era ótimo, e isso lhe rendia respeito de seus colegas. Um tempo após ter feito a pergunta à Quinota, Caldas é surpreendido quando Genelício entra no cômodo, trazendo a notícia de que Quaresma havia feito um ofício em tupi e que o havia enviado ao ministro.

Capítulo IV – Desastrosas consequências de um requerimento

Através de um flashback, é contado nesse capítulo porque na festa de noivado de Ismênia diziam que Quaresma estava louco.

O acontecido foi que, algumas semanas antes do pedido de casamento de Ismênia, todos riam na sessão da Câmara de um requerimento de Quaresma no qual ele solicitava ao Congresso Nacional que decretasse o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro.

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Este requerimento do major foi durante dias assunto de todas as palestras, publicado em todos os jornais e “não havia quem não fizesse uma pilhéria sobre ele”. Uma ilustração semanal publicou uma caricatura sua e o major foi apontado na rua, quando ele nunca havia sofrido críticas, nunca havia se atirado à publicidade, só se ocupava com os seus livros, porém os sarros e a maneira como o olhavam na rua só faziam a sua ideia se enraizar dentro dele.

Enquanto os jornais riam do requerimento, a repartição onde ele trabalhava ficou furiosa pela brusca popularidade de Quaresma, já que julgavam-no pretensioso por propor alguma coisa ao Congresso.

A notícia atingiu Coleoni, o compadre de Policarpo, que morava em um palacete de Real Grandeza, rico com os lucros de construções, viúvo, antigo quitandeiro e que vivia com a cunhada, que dirigia a casa e com a filha, que comandava as festas das quais Coleoni não gostava muito, mas fazia a vontade da menina.

Tinha intenção de fazer a vontade Olga também quanto ao seu noivo. Sabendo que ela queria um doutor, pensava “que arranje!”. Só contrariava bastante as visitas, as colegas da filha, suas mães, suas irmãs, mas não se aborrecia muito profundamente.

Coleoni lia o jornais de manhã, quando se deparou com o requerimento do seu compadre. Não o entendeu muito bem e chamou a filha e ela explicou o desejo do padrinho e Coleoni julgou-o louco enquanto Olga achava um ato ousado, porém não considerava loucura.

Mais um acontecimento fez com que Quaresma fosse mesmo rotulado de louco: por uma distração sua, foi parar no ministério um ofício em tupi. O ministro devolveu o ofício e censurou o arsenal.

O diretor do arsenal, furioso, chamou o secretário e suspendeu-o. Quaresma “(...)saiu abatido, como um criminoso do gabinete do coronel (...); chegando à sala do trabalho nada disse e (...) atirou-se pela porta afora”.

Capítulo V – O Bibelot

Este capítulo aproveita-se de uma visita de Olga ao hospício, para descrever a casa temível onde os loucos viviam e os próprios delírios da mente insana. A aparente calma que a casa transpirava por fora era rapidamente desapontada pelos rostos dos pacientes já na sala de espera, alguns lidavam bem com a "doença", mas outros chegavam a ser violentos.

Para muito a loucura era o pior mal que o homem poderia sofrer, valia mais a pena ter uma boa morte do que ficar internado naquele manicômio, tudo aquilo transformava até os mais íntimos amigos nos piores inimigos através das fantasias e do mundo novo que o louco vivia. Impossível viver feliz ali, ainda mais para um homem tão bem conceituado e estável, com um emprego e uma vida muito digna, o sorriso e a simplicidade já não faziam mais parte de Quaresma que recebia visitas tão só e puramente do pai de Olga, da mesma e de seu amigo Ricardo.

A loucura nivelava os homens tanto quanto a morte ou o crime, não importava estar bem ou mal vestido, ser elegante ou pobre, feio ou bonito, inteligente ou desprovido da

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mesma, eram atingidos indiscriminadamente. Impressionante também as mais variadas reações que os pacientes tinham, diante do mesmo infortúnio.

Aproveitando-se das observações de Olga, o autor demonstra uma melhora no seu protagonista que a anima bem como Coleoni. Durante a conversa a afilhada contou sobre seu casamento e apesar de falar que gostava de seu noivo, pode-se ver que casa muito mais por empolgação e curiosidade, status social mesmo, do que por amor propriamente.

Enquanto Policarpo estava internado, Coleoni e Ricardo cuidavam de seus negócios enquanto sua irmã Adelaide de sua casa. Além das considerações de amigos, era interessante para Ricardo que Quaresma saísse logo daquele hospício, pois precisava de seu apoio para ganhar terreno contra outro trovador tocador de violão que apontava, ficou, portanto, muito feliz de saber da melhora do Major, quando Olga e seu pai chegaram à casa que pertencia a Policarpo.

O assunto mais uma vez era o casamento de Olga, e essa esperta, logo tratou de desviar o foco perguntando do general, Adelaide logo passou a contar o sofrimento de Ismênia, filha do general, por seu noivo tê-la abandonado e já estava sem escrever ou dar notícias por dois meses. Durante a narração do sofrimento da personagem, o autor também descreve um pouco do carnaval de rua que acontecia no Rio de Janeiro. Pouco depois disso, a própria Adelaide adentrou a casa e perguntou sobre o Major e ela tardou a perguntar se havia recebido cartas, mas pelo timbre da voz na resposta perceberam que não e que aquilo realmente incomodava-lhe.

PARTE II

Esta é a fase do Quaresma agrícola. E ainda cômico ver a concepção e a execução de sua estratégia agrária: os minuciosos cálculos baseados nos boletins da Associação de Agricultura Nacional; a parafernália de hidrômetros, pluviômetros, anemômetros, barômetros e outras inutilidades domésticas, logo dribladas pela realidade; a crença inabalável nas "terras mais ubérrimas do mundo"; a tenacidade com que tenta dominar os altos segredos do emprego da enxada, no que mais de uma vez teve de "beijar a terra, mãe dos frutos e dos homens"...

E o impossível acontece. Quaresma é tão honesto, tão puro, que sua aparentemente inexpugnável fortaleza de crenças não resiste ao assalto da realidade: as decepções se sucedem, e ele as acolhe, com um sofrido espanto; as formigas, as intempéries, os atravessadores, as perseguições de coletores e políticos em disponibilidade...

É o segundo choque de Quaresma; "a luz se lhe fez no pensamento..." a rede de posturas, códigos e preceitos, nas mãos de tais caciques, transformada em "instrumentos de suplícios para torturar os inimigos, oprimir as populações, crestar-lhes a iniciativa e a independência abatendo-as e desmoralizando-as..."

Estava a crise posta à mesa.

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Capítulo I – No Sossego

Este capítulo mostra a continuação da vida de Policarpo depois de sair do manicômio. Foi sua afilhada Olga que o aconselhou a comprar um sítio depois de reparar na tristeza que dominada o Major depois de lidar com a loucura tão de perto, aquela que julgavam a pior das coisas que poderia acontecer com o homem.

O desafio de criar, plantar, cultivar, colher e cuidar das plantas e dos animais em contato direto com a natureza reanimou Policarpo, ele calculou todos os pesares detalhadamente e se deparou com a possibilidade de render muito com aquilo, a sua felicidade, entretanto, não era advinda do dinheiro e sim do fato de provar mais uma vez e especialmente desta vez, que as terras brasileiras eram as mais férteis do mundo, como tudo na vida dele havia de ter uma finalidade nacionalista.

Foi assim que Major se mudou para o campo, comprando o sítio chamado "Sossego", que também era o que procurava depois das recentes más experiências. Teve como empregado Anastácio, um senhor negro com experiência no campo que muito lhe ajudou nos primeiros passos narrados nesse capítulo.

Policarpo não tinha a mesma desenvoltura na capinagem que tinha estudando os livros e instrumentos de medição novos que comprou somados ao seu prévio conhecimento sobre botânica, geologia, zoologia e mineralogia que adquiriu devido as leituras que já havia feito anteriormente. O Major começou fazendo um pequeno museu sobre as plantas, rochas e animais que encontrara no sítio, dando nomes populares e quando possível científicos.

Foi o seu criado Anastácio quem lhe avisou sobre um homem que estava na porteira do sítio querendo falar com o dono da propriedade. Como era a primeira visita que recebia desde que se mudou para lá, apressou-se e recebeu o visitante. Era um tenente que tentava angariar fundos para a festa da padroeira da cidade, o homem transmitiu a mensagem, mas saiu de lá com uma má impressão do protagonista, uma vez que contou-lhe sobre a disputa política que havia entre o candidato a prefeito da cidade e o governador, julgando que Policarpo se dizia inocente e alheio a tudo isso porque pretendia se dar bem com quem quer que saísse ganhando da situação. Ao mesmo tempo, Policarpo ficou pensando como é possível tanta gente se importar com isso uma vez que tinham uma excelente terra pra plantar e cultivar.

Capítulo II – Espinhos e Flores

Neste capítulo se retrata muito bem o cenário do subúrbio do Rio de Janeiro, suas ruas que se iniciam como boulevards e terminam em vielas, suas voltas inúteis que parecem fugir ao alinhamento reto com um ódio tenaz e sagrado, e descreve as características de seus jardins pobres e desleixados, de suas casas, umas burguesas e outras choupanas de pau-a-pique, de sua população com damas elegantes e outros funcionários de tamanco, mostra também a sociedade em geral com seu namoro epidêmico e seu espiritismo endêmico, essa sociedade em que muitos viviam em caixotins e que exerciam as mais tristes profissões e muitas vezes chefes de família iam a

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pé a cidade por falta de níquel para o trem. Numas dessas casas do subúrbio vivia Ricardo Coração dos Outros, e ele gostava de

onde morava, da janela de sua casa, vislumbrando um lugar o qual achava lindo, com suas casinhas pintadas de azul, de branco, de oca, ele pensava em sua vida, em sua infância e na rivalidade que arrumara com aquele tal preto, que muitos já consideravam melhor que ele, e pensando nisso tudo, lágrimas lhe caiam pela face, vendo que não tinha nenhum ombro a chorar lembrou-se de versinhos, observou uma preta que lavava roupa, ficando com pena de sua condição de lavadeira e de preta e assim começou a pensar nas desgraças da vida, a rapariga sem o perceber então começou a cantar e ao parar foi incentivada por Ricardo a continuar, mas mesmo assim não continuou.

Com isso, as mágoas de Ricardo passaram, e ele pôs-se a tentar escrever uma modinha, mas não conseguiu, pois a emoção fora muito forte. Voltou a pensar nas coisas da vida, quis procurar um amigo com quem poderia dividir suas emoções, mas não tinha ninguém e então se lembrou de seu amigo Quaresma, e pensou em ir visitá-lo, mas como estava longe e não tinha dinheiro, desistiu, e é nesse momento que chega um carta do general Albernaz convidando-o para o casamento de sua filha Quinota, alegrando Ricardo.

Ricardo foi ao casamento, viu o general, a noiva, a mãe da noiva, conversou com eles, viu todos os parabéns e elogios ao noivo Genelício por ter conseguido um grande posto, o de primeiro escriturário do Tesouro e também a Albernaz por ter casado bem sua filha.

Entraram os homens numa discussão sobre profissões e depois mais uma vez o general Albernaz falou da guerra do Paraguai, enquanto isso a dança acontecia na sala de visitas. Dona Maricota foi chamar Albernaz para ajudá-la com as visitas, nisso Ricardo toma coragem de pedir a passagem para visitar o Quaresma, pedido esse que foi o principal motivo dele ter ido a festa. O general pediu para que ele passasse no dia seguinte na repartição e então conversariam e então foram para sala.

Lá uma moça cantou e tocou piano e depois foi a vez do Ricardo, com seu violão e voz, encantou a todos. Saindo, desviando-se dos cumprimentos, algumas mulheres pediram-lhe que quando fossem ao encontro de Policarpo, pedisse a Dona Adelaide que lhes escrevessem.

Capítulo III – Golias

No sábado seguinte do casamento de Dona Quinota com Genelício, a sobrinha de Quaresma, Olga, casa-se. A cerimônia não fora nem um pouco simples, muito pelo contrário, recebeu toda a decoração que a riqueza de sua família poderia lhe proporcionar.

Do casal, o noivo é que estava mais feliz com o casamento, não por conta da pessoa com quem casara, mas do rumo que a partir dali a sua vida ia tomar, pois por já ser doutor, e consequentemente tornar-se rico com o casamento, ele enxergava em seu caminho muita glória. Ele acreditava que Olga casara com ele somente por seu título de doutor, mas enganava-se, pois na verdade, ela se encantou com a sua simulação de inteligência,

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de amor à ciência, enfim, uma imagem falsa que ele passara para outras pessoas de si mesmo a fim de ser mais bem visto pela sociedade.

Quaresma não foi ao casamento, mas em compensação, mandou um leitão e um peru como votos de felicidade. O padrinho da noiva preferiu ficar cuidando de seu sítio, na companhia de seus ajudantes, sua irmã, e seu amigo Ricardo, que resolvera ficar lá por alguns meses, fazendo companhia para o amigo.

Em um de seus passeios pela vila que ficava a alguns quilômetros do Sossego, Ricardo acabou conhecendo o doutor Campos, um médico local, que o apresentou a alguns partidos conhecidos. Na manhã seguinte, antes de ir cavalgar com o doutor Campos, Ricardo comentou com Quaresma quem havia conhecido e perguntou se poderia trazer Campos para conhecê-lo, já que o mesmo estava interessado em conhecer o major. Na noite desse mesmo dia, ao voltar do passeio à cavalo e após jantarem, Quaresma e Ricardo saem para passar no sítio, e param para conversar embaixo de uma árvore, até que são interrompidos por Olga, que surpreende Quaresma com sua chegada no sítio.

Olga viera passar alguns dias com o marido no sítio, o qual em toda a sua estadia, teve muitas conversas com o padrinho da esposa. Em uma manhã, ao tomar café, Quaresma abre o jornal e vê seu nome citado em uma reportagem sobre política, e fica escandalizado, não entendendo o porquê ele fora citado no meio de algo que ele nunca fizera parte.

Pode-se dizer que durante a estadia no sítio de seu padrinho, Olga abriu os olhos para a situação que se encontrava aquela região, pois em um passeio com seu marido e com a família do doutor Campos, ela notou a miséria da região, a falta de cultivo, a pobreza das casas, enfim, algo que ela jamais tinha visto, já que fora educada na cidade, e até então pensava que os roceiros eram felizes e saudáveis.

De noite, quando todos estavam dormindo, um barulho persistente despertou Quaresma, que levantou de sua cama, e com uma vela, foi ao cômodo da casa de onde parecia partir o barulho. Ao abrir a porta, nada viu, porém algo sentiu, tal como uma ferroada, que quase o pôs a gritar. Quando foi ver o que lhe havia picado, ficou surpreso com a quantidade de formigas que se encontravam no cômodo, e que invadiam a despensa, carregando suas reservas de milho e feijão, já que os recipientes dos mesmos haviam sido deixados abertos. Tentou matá-las, pisando em uma, em outra, porém parecia que quanto mais matava mais formiga surgia, até que deu conta que elas subiam pelo seu corpo, e alarmado, deixou a vela cair. No escuro, debateu-se descontroladamente até encontrar a porta, de onde correu para longe do inimigo.

Capítulo IV – “Peço energia, sigo já”

Dona Adelaide é a irmã de Quaresma. “(...) tinha uns quatro anos a mais que ele. Era uma bela velha, (...) uma espessa cabeleira já inteiramente amarelada e um olhar tranquilo, calmo e doce. Fria, sem imaginação, de inteligência lúcida e positiva, em tudo formava um grande contraste com o irmão; contudo, nunca houve entre eles uma separação profunda nem tampouco uma penetração perfeita, (...) Ela já atingira os

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cinquenta, mas ambos tinham ar saudável (...) e prometiam ainda muita vida.”Para ela, a vida era coisa simples: ter uma casa, jantar e almoço, vestuário. Não tinha

ambições, paixões, desejos; não sonhara com príncipes, belezas, triunfos, nem mesmo um marido. Se não casou foi porque não sentiu necessidade; o sexo não lhe pesava e de alma e corpo ela sempre se sentiu completa.

Quaresma, felizmente, não andava transtornado como um doido. Só examinando seus hábitos, gestos e atitudes é que percebia-se alguma conturbação. Nem mesmo sua irmã reparava, “mesmo porque, a não ser no jantar e nas primeiras horas do dia, eles viviam separados. Quaresma na roça, nas plantações, e ela superintendendo o serviço doméstico.”

Ricardo havia seis meses que não lhe visitava e da afilhada e do compadre as últimas cartas que recebera datavam de uma semana. Durante esse tempo, Quaresma não cessou de se interessar pelo aproveitamento de suas terras. Os seus hábitos não foram mudados e a sua atividade continuava sempre a mesma, só não utilizava mais parte os instrumentos de meteorologia.

Quaresma vinha sentindo que a campanha que lhe tinham movido não era pública, mas lavrava ocultamente. Havia no seu espírito e no seu caráter uma vontade de acabá-la de vez, mas não o acusavam, não articulavam nada contra ele diretamente. Era um combate com sombras.

De resto, a situação geral que o cercava, aquela miséria da população campestre que nunca suspeitara, aquele abandono de terras à improdutividade, encaminhavam sua alma de patriota meditativo a preocupações angustiosas.

Ele via dificuldades para fazer a terra produtiva e remunerada. Mas, ele venceu os maus-tratos e o abandono de tantos anos de sua terra pelos antigos donos e os abacateiros conseguiram frutificar fracamente, mas de forma superior às necessidades de sua casa.

Vendeu-os à um tal de Senhor Azevedo no Mercado, o rei das frutas, com satisfação orgulhosa de quem acaba de ganhar uma grande batalha imortal. Depois de cálculos para avaliar o lucro percebeu que o comprador tinha-lhe pago pelo cento a quantia com que se compra uma dúzia. Assim mesmo o seu orgulho não diminuiu.

Ficou mais animado ainda para o trabalho e queria agora de limpar as fruteiras. Como Anastácio e Felizardo continuavam ocupados nas grandes plantações; contratou um outro empregado para ajudá-lo, Mané Candeeiro que ele se pôs a serrar os galhos das árvores, os galhos mortos e aqueles em que a erva daninha segurava as suas raízes.

Apesar do aspecto triste das árvores amputadas no fim do serviço, não tardou que os botões arrebentassem e o renascimento das árvores trouxesse o contentamento das aves e do passaredo. Porém, as formigas reapareceram e destruíram quase que todo o seu milharal.

Ele então, queimou as aberturas principais do formigueiro com formicida mortal e os inimigos pareciam derrotados. Porém, certa noite, Quaresma percebeu que as saúvas ocupavam quase todas as laranjeiras e houve um instante de desânimo na alma do major. Mas no dia seguinte, o major já havia retomado o ânimo e daí em diante, foi uma batalha

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sem tréguas: aplicava-se o veneno em cada abertura que aparecia do formigueiro. O major pôde colher alguns produtos das plantações que tinha feito e o lucro, dessa

vez, foi um pouco maior do que o lucro dos abacates. Quando se convenceu de fazer uma reforma agrícola, usando máquinas para dar o

rendimento de vinte homens, o seu coqueiro lhe anunciou a visita do doutor Campos, alto, gordo, olhos castanhos, uma testa média e reta e nariz malfeito; cabelos corridos e já grisalhos, era o que chamavam de caboclo, mesmo com o seu bigode crespo. O presidente da Câmara vinha da Bahia ou de Sergipe, mas já vivia em Curuzu há vinte anos, onde casara e prosperara, sendo uma das pessoas mais consideráveis da cidade.

O fato é que era tempo de eleições e o presidente foi, em nome de Neves, pedir ao major que este respondesse que não houve eleição na seção que funcionava na sua vizinhança. Quaresma se negou a fazê-lo e Campos, sem mostrar aborrecimento foi embora.

Dias depois, Policarpo foi intimado por um papel oficial assinado pelo Dr. Campos, a roçar e capinar as testados do seu sítio que confrontavam com as vias públicas, sob pena das mesmas posturas e leis.

Chegou então uma carta de sua afilhada, onde, viva e alegre, ela contava pequenas histórias de sua vida e pedia notícias do padrinho e de Adelaide. Ela falava também de “Duquesa”, uma pata grande e branca que, pela majestade no andar, merecera de Olga esse apelido nobre. Porém, a pata havia morrido dias antes, junto com duas dúzias de patos, perus e galinhas, assolados por uma peste que causava paralisia. O galinheiro ficou como uma aldeia devastada.

Esses contratempos abateram muito o cultivador entusiástico dos primeiros meses. Entretanto, não passara pela cabeça de Quaresma desistir.

Chegou então outro soldado de polícia com mais um papel oficial; desta vez, era da coletoria, assinado por Antonio Dutra, e intimava o Senhor Policarpo Quaresma a pagar uma multa por ter enviado produtos de sua lavoura sem pagamento dos respectivos impostos. “A 40 km do Rio pagavam-se impostos para se mandar ao mercado umas batatas? Como era possível fazer prosperar a agricultura, com tantas barreiras e impostos?”

Meditava sobre um governo mais forte, até a tirania, medidas agrárias, quando abriu o jornal e deu com a notícia de que os navios da esquadra haviam insurgido e intimado o presidente a sair do poder. “Seus olhos brilharam de esperança”. Sem falar nada à irmã, dirigiu-se a estação. Foi ao telégrafo e escreveu: “Marechal Floriano, Rio. Peço Energia. Sigo já – Quaresma.”

Capítulo V – O trovador

General Albernaz e seu amigo Almirante Caldas andavam pelo quartel general, com suas devidas vestimentas, discutindo sobre o prestígio e força que o governo e seus governantes devem ter para que o país evolua.

Após cruzarem o parque imperial inteiro, chegam à plataforma da estação onde Albernaz avista uma única mulher ao meio de muitos soldados, lembrando-se assim de

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sua filha Ismênia, que perdia o juízo lentamente e ninguém conseguia curá-la.Com a chegada do trem a estação vem com ele uma quantidade imensa de soldados

e alguns civis, os soldados vinham alegres, mas civis calados, pois qualquer mínima crítica ao governo poderia custar-lhe a vida, todos poderiam ser perseguidos e prender, desde o senador a um pobre qualquer e aquele que fosse preso seria esquecido por um bom tempo na prisão. Toda essa violência e tirania eram justificadas pelo governo com o seu Positivismo, aplicado em manutenção da ordem.

Com a partida do trem Caldas segue para o Arsenal enquanto Albernaz e Bustamante, que acabara de chegar, vão para o quartel.

Ao chegarem ao quartel Albernaz e Bustamante conversam com o tenente Fontes, Albernaz por ser noivo de sua filha Lalá e Bustamante por que tinha lições de armada com ele.

Fontes era não era mau, porém era positivista imaginando assim que o país só estaria bom da forma em que o governo imaginasse.

Albernaz, Caldas e Bustamante confiavam e acreditavam no governo de Floriano Peixoto, contudo a Causa não ia muito bem e apesar do governo gastar muito dinheiro, ele não deixava de contratar pessoas para trabalharem no mesmo.

O doutor Armando Borges, marido de Olga, via na revolta a realização de alguns sonhos seus. Apesar de ser rico, pela fortuna da mulher, ele tinha ambição do dinheiro, tanto que quase perdeu sua esposa ao dar um golpe em uma órfã rica.

Armando logo que vê que Quaresma está indo ajudar Floriano e comenta com sua filha a vinda do padrinho dela, gerando assim uma grande discussão sobre o patriotismo de Policarpo Quaresma.

Enquanto isso Ricardo Coração dos Outros ficava a maioria do seu tempo sozinho em sua casa revisando suas canções, ficava isolado do mundo, sem noticias de ninguém para não perder a concentração no seu trabalho.

PARTE III

E o humor cede ao patético. Na verdade, é bem o antigo Quaresma que, ao primeiro contacto, ainda não extrai a raiz quadrada de Floriano e da fauna que o cerca, que ainda pretende comandar um destacamento inspirando-se nos livros; que ainda larga um canhão apontado para o alvo e corre a casa conferir os cálculos... mas triunfam a sua candura, a sua honestidade e pureza; elas e que não o deixam compactuar com o crime, com a opressão, com o absurdo. Elas - ainda uma vez a estrada real para a verdade. E são elas, ainda que banham as páginas finais do romance – de um grande romance –com estas águas de humanidade e de sofrimento que não mais nos fazem rir, e que talvez nos puxem as lágrimas...

E a crise final, e a redenção de Quaresma: "A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete". "A que existia de fato, era a do tenente Antonino, a do Dr. Campos, a do homem do Itamarati".

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Capítulo I – Patriotas

O capítulo narra a visita que Policarpo Quaresma faz ao palácio de Floriano Peixoto. Curiosamente o palácio demonstra certo ar de familiaridade, de calma e relaxamento, depois de muito esperar e se deparar com algumas figuras, o Major finalmente consegue avistar Floriano, mas antes que pudesse finalmente conversar com ele e entregar-lhe o documento que havia redigido, uma legião de militares surgem para cumprimentá-lo e passam-lhe a frente.

Quando finalmente Policarpo consegue avistar o rosto do Marechal percebeu que era bem diferente do que imaginava ser o de um homem com tantos poderes, mas como era de sua prática, não lhe julgou, afinal isso não queria dizer nada, porém o passado queria, e dizia que a preguiça do então presidente era tanta que muitas vezes os documentos que precisavam de sua assinatura ou seu conhecimento se acumulavam, ao contrário dos hábitos de grandes soberanos.

O perfil traçado de Floriano Peixoto faz oposição a tudo que o autor julga bom em um homem poderoso, chega a descrevê-lo como "homem-talvez" pelo fato de nunca tomar uma decisão enérgica e estar sempre com aquela “calma” que não é peculiar dos grandes governantes. Ele chega ainda a apontar outro motivo como sendo um homem familiar, com instinto patriarcal, mas tanto por um quanto por outro, não deixa de criticar o jeito daquele homem.

Todo esse julgamento fica alheio ao Major Quaresma, o qual tem até certa admiração pelo Marechal e crença nas suas promessas de um Brasil melhor e diferente. Mas Floriano não demonstrava todo esse afeto como o outro, ainda mais quando percebeu a intenção de Policarpo, entregar-lhe um manuscrito sobre as reformas que a agricultura nacional precisava. Foi com este desprezo que o presidente rasgou uma das primeiras páginas do documento para escrever um bilhete, depois pediu desculpas pela desatenção, mas o fato era que já estava rasgado.

Saindo do palácio, Policarpo pega um bonde até a casa do pai de Olga e no caminho encontra dois amigos militares, um deles chega a convidá-lo para fazer parte de seu batalhão e enquanto o Major reencontrava o cenário dos bairros da cidade do Rio de Janeiro, acabou contanto que justamente seu título de Major era apenas como era conhecido e não oficial.

Capítulo II – Você, Quaresma, é um visionário

É caracterizado o amanhecer do dia no quartel onde Policarpo era major, desde os primeiros raios de sol até a completa claridade. Toda a neblina e treva que aquele lugar trazia, o mar sujo, o lodo nas pedras, a estrutura do pavilhão do imperador onde eles residiam. O fato é que ele quase nunca saia de sua sala, lá almoçava, jantava e até muitas vezes dormia, passou ele muitos anos estudando e agora se dedicava a artilharia e seus afins. Mesmo Quaresma não sendo muito respeitado por seu subalterno, tinha a admiração de muitos, como Ricardo Coração dos Outros, que agora era cabo e que foi pedir-lhe para que o deixasse tocar algumas modinhas longe do quartel. Vários casos se

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passaram naquele quartel, como tiros de canhões para todos os efeitos. Quando o Tenente Fontes veio vistoriar tudo como de costume, ouviu a cantoria de

Ricardo e outros soldados, e acabou os repreendendo e os proibiu o ato, assim como foi severo com o próprio Policarpo que já até havia se esquecido da permissão concedida ao cabo.

Foram chamados para fora com um toque e se depararam com um tiroteio dos inimigos, tiroteios os quais eram a diversão da cidade.

Depois desse episódio, Policarpo voltou a seu quarto para seus estudos, e todos os seus dias eram assim, pois a guerra estava tomando um caráter banal. A cidade cheia de festas e noites alegres e joviais não detinha a atenção de Quaresma, ele era reservado, e então um dia quando saiu a um passeio até o campo de São Cristóvão, reviu sua antiga casa e visitou o general Abernaz. Lá jantou com o general e vários outros amigos de quartel. Durante o jantar entraram numa discussão sobre a pátria e mais uma vez Policarpo defendeu sua pátria com toda a força que tinha com seu patriotismo até que todos se calaram com suas observações, depois voltaram a conversar sobre a revolta.

Preocupou-se com Ismênia e soube que estava cada dia mais fraca. Foi embora no final da noite e já em seu quartel deitou-se um pouco. Ricardo foi lhe chamar avisando-o da visita de Floriano Peixoto ao lugar e então Quaresma foi ao seu encontro e conversaram sobre o quartel, os ataques recentes a base, a quantidade de homens no pelotão e por fim ao estarem conversando Policarpo pergunto-lhe se já havia lido o seu memorial, aquelas suas idéias para fazer do Brasil a maior nação já vista e então com o sim de Floriano, colocou-se a falar e por fim a fisionomia de Floriano muda e ao ir embora diz: - Você, Quaresma, é um visionário...

Capítulo III - ...e tornaram logo silenciosos...

Dona Maricota, o general e Quaresma não sabiam mais o que fazer para tentar ajudar e reanimar Ismênia, que até então vinha passando a sua vida dentro do quarto, entristecendo , enfraquecendo e adoecendo, tudo isso decorrente do abandono de seu noivo, Cavalcânti, que depois de concluída a faculdade, fugiu e nunca mais foi visto.

Seus pais já haviam chamado diversos médicos para ir vê-la, porém de nada adiantou, pois cada um passou um tipo de remédio e nenhum a ajudara a melhorar. Alguns médicos chegaram a aconselhar o general a interna-la em uma clínica, porém a mãe, não permitiu, preferia que a filha ficasse em casa e que ela mesma cuidaria dela.

Feiticeiros foram contratados, cerimônias foram feitas, mas nada fez a moça melhorar de sua situação, até que Quaresma pediu permissão do pai de Ismênia para ele poder trazer Armando, o marido de Olga, sua sobrinha, para poder vê-la, e o general autorizou. Feito isso, Quaresma foi ao encontro de Armando, que ao saber de quem se tratava a moça adoecida, se mostrou indiferente ao caso.

Após o encontro com o médico, Quaresma, foi ao quartel do seu batalhão, para ver se conseguia arranjar uma pequena licença para ir visitar a sua irmã, Adelaide, a qual ele deixara em seu sítio, e de quem recebia notícias, através de cartas, três vezes por semana. Por melhores que fossem as notícias vindas do sítio, o major queria poder ver

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pessoalmente sua irmã e Anastácio, pessoas com quem ele se encontrava diariamente há anos e que lhe faziam falta, porém acabou não conseguindo a licença, pois quando chegou ao quartel, recebeu a notícia de que fora mandado a uma missão e de que teria que mudar os seus estudos, ou seja, ele passaria da artilharia para atuar na infantaria.

O marido de Olga não fez questão alguma de ir ver a Ismênia, e a situação da moça continuou a piorar, ficando mais magra, mais fraca, a ponto de não conseguir mais se sentar na cama. Depois de alguns dias, sendo que Armando já havia ido algumas vezes diagnosticá-la, o médico voltou à sua casa e notou uma melhora considerável, já que ela passou a se sentar na cama e conversar bastante.

Dona Maricota tomava conta da filha dia e noite, até que um dia ela teve um compromisso e precisou se ausentar por algumas horas, deixando as suas outras filhas tomando conta de Ismênia, e assim elas fizeram, passaram a tarde juntas, e em todas as vezes que as irmãs foram vê-la no quarto, ela estava dormindo. Quando Ismênia acordou, ela viu seu vestido de noiva no guarda-roupa e quis vesti-lo, e no que ela o vestia, recordações de seu casamento falho voltaram, fazendo-a se entristecer novamente. Quando acabou de se vestir, ao olhar-se no espelho, mal se reconheceu, espantou-se ao ver em que estado estava. Colocou a coroa, o véu, até que sentiu fraqueza, deu um ai e caiu de costas na cama. Quando suas irmãs foram vê-la mais uma vez, encontraram-na já sem vida.

Capítulo IV: O Boqueirão

Por mais que Anastácio se esforçasse, o sítio de Quaresma voltava ao estado de abandono em que ele o encontrara. As formigas voltaram também e muito mais forte, já que o antigo escravo era “incapaz de achar meios eficazes de (...) afugentá-las”. Mesmo assim, Anastácio mantinha sua mania, seu vício e cultivava em uma horta, protegida das saúvas e de animais da vizinhança.

A revolta fez com que todos os partidos da região de Curuzu dedicassem-se ao governo, unindo-os, reconciliando-os de alguma forma que trazia mais paz.

As eleições chegaram e Dona Adelaide se divertia com o desfile de manequins esquisitos, de museu, que passava à sua porta. Além disso, fazia-lhe companhia a mulher de Felizardo, Sinhá Chica.

Felizardo aparecia pouco em casa de Quaresma e vivia num constante pavor, chegando até a dormir vestido. Ele e a mulher tinham dois filhos, que achavam um castigo o trabalho todo dia e viviam nos bailes da vizinhança. Só iam à casa de Quaresma procurar pelos pais, que viviam lá, quando não tinham o que comer.

Dona Adelaide sentida falta do irmão, ela comprava as coisas na venda e não se incomodava com as coisas do sítio. Ela ansiava pela volta do irmão, que pedia perdão a ela, por não saber exatamente a quem pedir, por ter matado. Descreveu a guerra dizendo que ela tirava “do fundo das pessoas a ferocidade adormecida que se depositou em nós nos milenários combates com as feras, quando ainda disputávamos terra”; a ferocidade que traz uma sede de matar, matar e somente matar.

Quaresma diz nesta carta também que foi ferido, mais que o seu sofrimento era

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extremamente moral. Disse ele que a vida é “absurda e ilógica” e que ele já tinha medo de viver, só queria viver na quietude. Já é possível perceber nesse trecho um arrependimento em Quaresma “Ninguém compreende o que quero, ninguém deseja penetrar e sentir; passo por doido, tolo, maníaco e a vida vai fazendo inexoravelmente com a brutalidade(...)”.

Policarpo voltou para o Rio de Janeiro e ficou sem uma visita, sem ver uma face amiga por bastante tempo. A revolta da baía chegava ao fim. Toda gente queria esse alivio, mas o almirante e Albernaz observaram esse fim com tristeza, pois o primeiro não conseguiria comandar uma esquadra e o general sentia perder sua comissão, cujos rendimentos melhoravam a situação da família.

Albernaz vai à missa de um senador republicano muito prestigiado, considerado o patriarca da república, a fim de uma afirmação política. Durante toda a missa, conversou com Caldas sobre a guerra e o governo e quando saem da celebração, discutem o mesmo assunto com Genelício, deixando bem claro que, para ele e muitos outros políticos, a cerimônia não foi para rezar pela alma do falecido e sim para fazer uma imagem política.

A revolta acabou depois de alguns dias e “o marechal ganhou feições sobre-humanas com a vitória”. Policarpo aceitou com repugnância o papel de carcereiro na Ilha das Enxadas onde estavam marinheiros prisioneiros.

Os seus tormentos mais cresceram com o exercício de tal função, pois cada vez mais Policarpo percebia que a iniciativa de participar da guerra por acreditar que esta promoveria melhorias no seu país só existia dentro dele. Nada superior animava aquelas pessoas, e isso valia para os dois lados que guerrearam: tanto em meio aos revoltosos quanto aos que apoiavam o Floriano, estavam pessoas inteiramente estranhas à questão em debate, muitas delas até arrancada à força de seus lares.

Quaresma vivia olhando o mar e lamentando por estar sozinho, por não ter um companheiro com que conversar. Tinha insônias e não conseguia nem mesmo ler.

Um dia, veio um oficial do Itamarati aos prisioneiros e escolheu uma dúzia de homens, a esmo, ao acaso para levá-los em uma lancha para além das águas da ilha. Quaresma, quando atinou uma explicação àquela cena, a lancha já ia em direção as trevas do fundo da baía, para o Boqueirão. Começou a pensar em como havia se misturado em tão tenebrosos acontecimentos, assistindo ao sinistro alicerçar do regime.

Capítulo V: A afilhada

O capítulo inicia-se com Policarpo preso em uma masmorra, na Ilha das Cobras, tentando entender porque estava ali, o que tinha feito para chegar aquele ponto, ele, “o Quaresma plácido, o Quaresma de tão profundos pensamentos patrióticos, merecia aquele triste fim?”.

Ele não sabia ao certo porque estava naquele lugar, engaiolado, trancafiado, isolado como uma fera, como um criminoso, mas atribuía a prisão à carta que escrevera ao presidente, protestando contra a cena que presenciara. Não conseguira aceitar aquela leva de desgraçados escolhidos ao acaso para uma carniçaria distante e falara todos os seus sentimentos, princípios morais; escrevera a carta indignado, sem nada omitir do seu

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pensamento. E agora, num tempo de carnificina, ele sabia que iria morrer. Quaresma reflete sobre sua vida e chega a triste conclusão que gastara toda a sua

vida em um estudo inútil de sua Pátria e ela o premiava, o recompensava, o condecorava matando-o. A pátria que quisera ter era um mito; a que existia era do Dr. Campos, a do homem do Itamarati. Ele não conseguia entender como que ele, tão sereno, tão lúcido, empregara sua vida, gastara seu tempo e não vira a realidade. E assim é que ia para a cova, sem deixar traço, um filho, um amor, um beijo mais quente e ainda sem o acompanhamento de um parente, de um amigo, de um camarada; nada deixava que afirmasse a sua passagem.

Enquanto Policarpo pensava que nunca mais veria sua irmã, Anastácio, sua afilhada e Ricardo Coração dos Outros, este último soubera da prisão do major e procuravam soltá-lo. Mesmo com todos contra Quaresma, julgando que seu protesto era um desejo de diminuir o valor da vitória alcançada, Ricardo não se intimidou e procurou todas as influências que conhecia para pedir que ajudassem o amigo. Falou com Genelício, Albernaz, Coronel Bustamante, mas nenhum deles queria arriscar sua imagem e se negaram a ajudar.

Coração dos Outros se lembrou então de Olga, a afilhada do major. Foi ao encontro da moça, contou-lhe o motivo da visita e ela tentou pensar, desesperada, em um jeito de ajudar o padrinho. Não encontrava. Ricardo citou o marido da moça, mas ela pensou um pouco, examinou o caráter do esposo e logo viu seu egoísmo, sua ambição e sua ferocidade interesseira e descartou essa alternativa.

O rapaz sugeriu então sugeriu que a moça tentasse ir até lá. Ele pensou com admiração em Olga enquanto ficou sozinho para que ela se vestisse para sair. A moça, por simples amizade, se dava a tão arriscado sacrifício.

Quando ela abotoava as luvas para saírem, o marido entrou. O casal discutiu um pouco a respeito da decisão da moça em defender o padrinho, mas Olga enfrentou-o e saiu, deixando o marido assombrado e silencioso.

Olga entrou no palácio da Rua Larga e Ricardo foi esperá-la no Campo de Sant'Ana. Ela tentou falar com o marechal, mas foi inútil. A muito custo, falou com um secretário, que não permitiu que a moça falasse com Floriano e ainda rotulou Quaresma como um traidor, um bandido.

Olga não insistiu e retirou-se orgulhosamente, chegando à conclusão de que talvez fosse mais coerente deixar o padrinho morrer só e heroicamente do que humilhá-lo com um pedido de clemência que diminuiria sua grandeza moral diante de seus verdugos. Olhando a cidade e pensando nas profundas modificações que tudo sofrera ao longo de quatro séculos, consola-se pensando que o futuro trará mudanças. E nutrindo esta frágil esperança segue ao encontro de Ricardo Coração dos Outros.

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