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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes ANÁLISE DA QUESTÃO AGRÁRIA NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ADELSO ROCHA LIMA Monografia apresentado ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi Monitor: Thiago Ribeiro Machado de Sousa Presidente Prudente 2011

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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)

Convênio: UNESP/INCRA/Pronera

Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes

ANÁLISE DA QUESTÃO AGRÁRIA NO ESTADO DO

ESPÍRITO SANTO

ADELSO ROCHA LIMA

Monografia apresentado ao Curso Especial de Graduação em

Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio

UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de

Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi

Monitor: Thiago Ribeiro Machado de Sousa

Presidente Prudente

2011

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ANÁLISE DA QUESTÃO AGRÁRIA NO ESTADO DO

ESPÍRITO SANTO

ADELSO ROCHA LIMA

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de

Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de

Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para

obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi

Presidente Prudente

2011

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Adelso Rocha Lima

ANÁLISE DA QUESTÃO AGRÁRIA NO ESTADO DO

ESPÍRITO SANTO

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do

título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, submetida à aprovação da

banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Eduardo Paulon Girardi

Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano Prof. Dr. Jorge Montenegro Gómez

Prof. Msc. Andersom Antônio da Silva Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes

Prof. Dr. Clifford Andrew Welch

Presidente Prudente,

novembro de 2011

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a todos os camponeses, a todos

meus familiares, e em especial, aos meus pais,

Lindolfo A. de Lima e Carolina R. de Lima que,

durante décadas existem e resistem no campo,

enquanto produtores de vida e sabedoria, criando

condições, a partir do trabalho familiar, para que

seus onze filhos pudessem estudar e buscar no

trabalho as condições de produção de sua existência.

Dedico também ao Movimento Sem Terra, que tem

proporcionado a materialização dessa nova proeza e

que na luta pela conquista de punhados de terra,

contribui na conquista de dignidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra, pela oportunidade

de realizar esse curso.

Externo minha profunda gratidão a minha companheira Maria Aparecida (Cida) e

aos meus filhos Alex, Alécia e Arthur, pela compreensão da necessidade do estudo e da

pesquisa, apoiando-me na realização deste trabalho durante cinco anos do curso,

realizando diversas atividades durante minha ausência em casa - minha eterna gratidão.

Aos companheiros e companheiras educandos, educadores, monitores,

responsáveis pela secretaria do curso, entre outros que ajudaram a criar as condições e

apoiaram durante o curso. Não citei nomes para não correr o risco de esquecer de

alguém.

Agradeço ao professor Dr. Eduardo Paulon Girardi pela orientação, incentivo e

contribuição durante a realização das pesquisas e elaboração desse trabalho, sem o qual

não haveria possibilidade de alcançar os reSultados esperados.

Parabenizo a Universidade Estadual Paulista – UNESP pela disponibilidade de

profissionais competentes que dedicaram esforços e se somaram nessa luta pela

formação política e técnica.

Minha gratidão à nossa Escola Nacional Florestan Fernandes, uma conquista da

classe trabalhadora, a qual tem contribuído na construção de sujeitos lutadores e

militantes profissionais, que me considero parte dessa construção.

Aos diversos companheiros e companheiras do Movimento Sem Terra capixaba,

parceiros dessa luta, os quais me apoiaram e, na convivência cotidiana, contribuíram para

minha formação através do trabalho e da luta. Meus cordiais agradecimentos.

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“Se você conhece o inimigo e conhece a

si mesmo, não precisa temer o reSultado

de cem batalhas; se você se conhece,

mas não conhece o inimigo, para cada

vitória ganha sofrerá também uma

derrota; se você não conhece nem o

inimigo nem a si mesmo, perderá todas

as batalhas”.

Suan Tzu – “A Arte da Guerra” 500 A.C.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a questão agrária no estado do Espírito Santo, localizado na região

Sudeste do Brasil. Partimos de uma reflexão teórica sobre o tema que define que a agricultura

camponesa e a capitalista são modelos de agricultura diferentes que proporcionam diferentes formas

de desenvolvimento para o campo. A partir dessa base teórica, analisamos vários temas da que

compõem a questão agrária capixaba, como a concentração da terra, a produção e a luta pela terra.

Em nossas análises destacamos os conflitos entre os dois modelos de agricultura e como o Estado

toma partido do modelo capitalista. Para o trabalho utilizamos amplamente o mapeamento dos

dados através do programa Philcarto, o que constituiu um importante aprendizado. Os dados são de

diversas fontes, mas principalmente do IBGE e do INCRA. Nossos referenciais teóricos são

intencionalmente os defensores da reforma agrária e propiciaram importantes compreensões e

reflexões a respeito do tema proposto. A elaboração dos mapas, gráficos e tabelas contribuíram para

melhor visualização e localização, no recorte territorial, do processo de concentração da terra, da

territorialização do agronegócio e demonstrar as conquistas da luta pela reforma agrária.

Palavras-chave: Espírito Santo, questão agrária, campesinato, agronegócio.

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ABSTRACT

This work analyzes the agrarian question in Espírito Santo state, located in the Sudeste Brazilian

region. We start with a theoretical reflection on the theme that defines the capitalist and peasant

agriculture as different models of agriculture that provide different forms of development for the

countryside. From this theoretical basis, we analyze the various themes related to the agrarian

question in Espírito Santo state, as the land concentration, agricultural production and the struggle

for the land. In our analysis we highlight the conflicts between the two models of agriculture

and how the state takes advantage of the capitalist model. We widely used mapping data using the

software Philcarto, which was an important learning experience. Data are from various

sources, but mainly from IBGE and INCRA. Our theoretical framework is

intentionally agrarian reform advocates and provided important insights and reflections on

the theme. The preparation of maps, charts and tables contributed to a better visualization and

localization in crop land, the process of land concentration, the territorialization of agribusiness and

to demonstrate the achievements of the struggle for agrarian reform.

Keywords: Espírito Santo, agrarian question, peasantry, agribusiness.

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LISTAS DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Estrutura fundiária Brasil 2006 ........................................................................................ 39

Gráfico 2 Estrutura fundiária Espírito Santo 2006 ........................................................................... 46

Gráfico 3 Comparativo da estrutura fundiária dos municípios de Conceição da Barra, Pedro

Canário, Santa Maria de Jetibá e Alfredo Chaves 2006 ................................................................... 52

Gráfico 4 Evolução da produção da silvicultura 1999-2009. ........................................................... 78

Gráfico 5 Evolução da área e produção em m² - 1999- 2009. ......................................................... 82

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. EVOLUÇÃO DO ÍNDICE DE GINI 1992-1998-2003 ................................................. 35

Tabela 3. ESTRUTURA FUNDIÁRIA NO BRASIL ................................................................... 37

Tabela 4. Espírito Santo: Índice de Gini 1992–1998–2003 e evolução 1992-2003 ...................... 41

Tabela 5. ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO ESPÍRITO SANTO ................................................ 45

Tabela 6. Rebanho e produção animal ........................................................................................... 73

Tabela 7 Silvicultura Produção em M³ .......................................................................................... 77

Tabela 8 Principais produtos alimentícios da produção agropecuária capixaba ...................... 84

Tabela 9 Financiamentos agropecuários 2006 ............................................................................... 85

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Índice de GINI 2003. ........................................................................................................... 43

Mapa 2 Estabelecimentos agropecuários por grupo de área 2006 ..................................................... 48

Mapa 3 Declividade do relevo do estado do Espírito Santo ............................................................. 50

Mapa 4 Uso da terra em 2006 ........................................................................................................... 55

Mapa 5 População rural e urbana 2010 ............................................................................................. 59

Mapa 6 Mão-de-obra ocupada nos estabelecimentos por grupo de área 2006 ................................ 61

Mapa 7 Distribuição da população ocupada nos estabelecimentos agropecuários 2006 ................... 63

Mapa 8 Famílias em ocupação de terra MST/ES 1985 à 2005 ....................................................... 93

Mapa 9 Famílias assentadas 1984 à 1989 .......................................................................................... 98

Mapa 10 Famílias assentada 1990 a 1994 ....................................................................................... 102

Mapa 11 Famílias assentadas 1995 à 1998 ..................................................................................... 104

Mapa 12 Famílias assentadas 1999 à 2002 .................................................................................... 106

Mapa 13 Famílias assentadas 2003 à 2006 ..................................................................................... 108

Mapa 14 Famílias assentadas 2007 à 2010 ..................................................................................... 110

Mapa 15 Famílias assentadas 1984 à 2010 ..................................................................................... 113

LISTAS DE PRANCHAS

Prancha 1 Evolução da área com pastagem, pastagem e matas e florestas ...................................... 57

Prancha 2Área ocupada com lavouras temporárias 2009 .................................................................. 67

Prancha 3 Área com lavoura permanente 2009. ............................................................................... 70

Prancha 4 Produção animal municipal 2009 ..................................................................................... 74

Prancha 5 Produção animal municipal. continuação ........................................................................ 75

Prancha 6 Silvicultura no Espírito Santo .......................................................................................... 79

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 11

1. QUESTÃO AGRÁRIA E REFORMA AGRÁRIA ................................................................... 13

2. FORMAÇÃO AGRÁRIA DO ESPÍRITO SANTO ................................................................... 27

3. ESTRUTURA FUNDIÁRIA ...................................................................................................... 32

2.1. Estrutura Fundiária Capixaba. ................................................................................................. 39

4. USO E OCUPAÇÃO DA TERRA ............................................................................................. 54

4.1. PRODUÇÃO E OCUPAÇÃO............................................................................................. 58

4.2. PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA ....................................................................................... 65

4.2.1. Lavoura ........................................................................................................................ 66

5.2.2. Pecuária ............................................................................................................................. 72

5.2.3. Silvicultura ........................................................................................................................ 77

5.2.4 Extração Vegetal .......................................................................................................... 80

4.3. Algumas considerações a respeito da produção agropecuária capixaba ............................. 81

5. A LUTA PELA TERRA E SUA(S) CONQUISTA(S) NO ESPÍRITO SANTO ....................... 87

5.1 Ocupação: uma forma de luta e acesso à terra ................................................................... 90

5.2. O MST no Espírito Santo: a luta pela terra e a criação dos assentamentos em meio a

conflitos e violência........................................................................................................................ 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 117

BILBIOGRAFIA ............................................................................................................................. 120

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INTRODUÇÃO

Não raros são os estudos realizados sobre a questão agrária. Isso não nos tira a

possibilidade de realizar outros estudos. Pelo contrário, a cada estudo, mais aprofundamento e

novos elementos são incorporados. A escala também é outro aspecto levado em consideração, ou

seja, as diferentes escalas permitem fazer diferentes abordagem a respeito do tema proposto. Na

realização desse trabalho foi tomado como escala o estado do Espírito Santo. Disso também decorre

o forte traço da Geografia Regional que pode ser encontrado no trabalho.

O estado do Espírito Santo, por muitos, é considerado um estado de pequenos

estabelecimentos agropecuários, em função destes serem majoritariamente muito maiores em

número. Para os defensores da terra concentrada, do agronegócio, da concentração do poder e da

renda, utilizam dessa argumentação para justificar a não disponibilidade de terra para a reforma

agrária. Estes também afirmam que não há público potencial disposto a buscar na terra, no trabalho

na agropecuária, as condições da produção de sua existência. Esses argumentos são desarticulados,

quando estudamos os aspectos que compõem a questão agrária capixaba.

Na realização desse trabalho foi utilizada a pesquisa bibliográfica tanto para análise teórica

do tema em questão como na coleta de dados para produção de tabelas, gráficos e mapas para a

compreensão da questão agrária capixaba.

Os cinco capítulos que compõem esse trabalho possibilitam fazer abordagens diferenciadas

e complementares. No primeiro capítulo trabalhamos os aspectos conceituais da questão agrária, a

conceituação de agricultura capitalista e camponesa, de latifúndio e agronegócio e de reforma

agrária. Para isso buscamos a produção bibliográfica de diversos autores como OLIVEIRA (2007),

FERNANDES (1999), GIRARDI (2008), MARTINS (1978) e CARTER (2010). Esses aspectos

conceituais perpassam todo o trabalho, embasando a análise em seus diversos aspectos.

No segundo capítulo trabalhamos a formação agrária do Espírito Santo e o processo de

migração, de expropriação das terras dos camponeses, das comunidades indígenas e quilombolas,

assim como as ações realizadas sob o aval do Estado para a implantação e expansão dos projetos,

tidos como de desenvolvimento, como da monocultura de eucalipto, cana e pecuária extensiva.

Trabalhamos no terceiro capítulo sobre a estrutura fundiária, buscando explicitar o grau de

concentração da terra e suas diferenciações no espaço. Para melhor compreensão, foi utilizado um

agrupamento dos estabelecimentos agropecuários com dados do IBGE.

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No quarto capítulo trabalhamos o uso e ocupação do solo, a dinâmica de expansão das

áreas com lavoura, pastagem e matas e florestas. Os dados do Censo agropecuário foram utilizados

para a elaboração de mapas, tabelas e gráficos, possibilitando melhor compreensão dos elementos

analisados.

Trabalhamos no quinto capítulo a luta pela terra e suas conquistas, contemplando os

aspectos da ocupação de terra, os conflitos e violência no processo da construção dos assentamentos

de reforma agrária com enfoque ao Movimento Sem Terra. As reações e repressões contra a luta

pela democratização da terra constatada nesse processo também foram levadas em consideração, ou

seja, os conflitos e violência contra a terra, contra as pessoas, contra a luta e contra a vida.

Esperamos que com esse trabalho possamos contribuir de alguma forma para o estudo,

análise e reflexões a respeito da questão agrária capixaba atual. Sabemos que a neutralidade é algo

impossível de se efetivar quando estão em questão proposições e projetos de sociedade e de

desenvolvimento divergentes. Nossas proposições apontam para a democratização da terra enquanto

condição necessária ao desenvolvimento econômico, político e social; afirmam que a concentração

da terra é um empecilho ao desenvolvimento de uma classe e a distanciamento entre os seres e os

elementos necessário a sua produção da vida.

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1. QUESTÃO AGRÁRIA E REFORMA AGRÁRIA

A questão agrária é um conceito utilizado por diversas ciências para interpretações e

análises da realidade agrária. Diferentes enfoques são possíveis sob este mesmo conceito, podendo

variar entre as diferentes ciências, os pesquisadores, as organizações sociais, os partidos políticos e

os órgãos do Estado. Na academia, o estudo da questão agrária é destacado na História, Economia,

Sociologia e Geografia. (STEDILE, 2005).

A questão agrária é compreendida como “conjunto de problemas inerentes ao

desenvolvimento do capitalismo no campo” (GIRARDI 2008, p. 90). Ou seja, o capitalismo se

desenvolve não de forma homogênea, mas a partir das contradições por ele geradas, ampliando a

concentração de renda, riqueza, poder, terra e demais elementos da natureza; explora, subordina e

expropria os camponeses e, por outro lado, gera conflitos, gera lutas, destrói e reconstrói o

campesinato. Neste trabalho, a abordagem da questão agrária parte da Geografia, buscando analisar

como se dá a apropriação e uso da terra, considerando-a como principal bem da natureza no

processo de ocupação do território. Para Fernandes (2008) a questão agrária é parte intrínseca e

contraditória do capitalismo,

sendo parte de sua própria lógica de desenvolvimento, gerando processos de

diferenciações e desigualdades, expulsões e expropriações, excluindo ou

subalternizando, destruindo e recriando o campesinato (FERNANDES, 2008, p. 1).

Afirma ainda Fernandes (2005) que a questão agrária “nasceu da contradição estrutural do

capitalismo que produz simultaneamente a concentração da riqueza e a expansão da pobreza e da

miséria” (p. 4). Esse é um tema complexo que envolve diversos sujeitos com diferentes

intencionalidades, o que desencadeia embates teóricos e políticos que, por vezes, não sendo

resolvidos em prol do desenvolvimento social, desencadeiam violências principalmente contra os

camponeses e trabalhadores rurais. (FERNANDES, 2005; GIRARDI, 2008). No aspecto teórico, os

embates ocorrem majoritariamente na academia ou através dela, de forma que diversas ciências

sociais se dedicam a análise da questão agrária e proposições para solucionar os problemas que a

compõem.

No contexto brasileiro o debate da questão agrária é muito recente. Tivemos um longo

período colonial imposto ao nosso povo, em consonância com carência científica; tardia criação da

primeira universidade no Brasil, em 1903; por longo período, a maioria dos partidos políticos não

questionaram (nem questionam) o regime vigente e nem propuseram (nem propõem) a superação do

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modelo latifundiário de posse e uso da terra, com cultivo prioritariamente para exportação. Todas

essas questões são vigentes nos dias atuais, vigorando desde o início da invasão européia, a partir do

ano de 1500.

Movimentos e organizações camponesas em luta pela posse e uso da terra, a partir das mais

variadas forma de ações, contribuíram para o despertar do debate da questão agrária. Na década de

1950 as ligas camponesas tiveram papel importantíssimo na mobilização acerca da luta pela terra. A

partir de 1960 alguns partidos políticos incluíram a questão agrária em suas agendas de debates em

função de necessidades políticas e sociológicas. A concentração da terra por uma pequena parcela

da população e a luta pelo seu acesso, a partir das migrações estrangeiras, a abolição da escravidão

negra e a formação do campesinato brasileiro após a segunda metade do século XIX criou (ou

fortaleceu) a necessidade do debate, do estudo e pesquisa da questão agrária. (STEDILE, 2005).

No final da década de 1970 a questão agrária passou a ser um tema estudado pela

Geografia brasileira devido à influência marxista da Geografia Crítica. Diversos são os temas

ligados à Geografia Agrária, dos quais destacamos camponeses, movimentos socioterritoriais,

agronegócio, latifúndio, agricultura, meio ambiente, reforma agrária, assentamentos rurais, estrutura

fundiária, relação rural-urbano, questão de gênero, educação para o campo, modernização da

agricultura, dentre outros. Conforme afirma Girardi:

[...] a diversidade de temas encontrados na Geografia Agrária atual representa o

esforço no estudo da questão agrária brasileira pela Geografia. A abordagem da

questão agrária pela Geografia Agrária está relacionada a uma nova forma de

pensar o campo, surgida com a Geografia Crítica. (GIRARDI, 2008, p. 91).

No caso brasileiro, Ariovaldo Umbelino de Oliveira fortaleceu o debate da questão agrária

a partir de sua tese de doutorado em 1978. Sua contribuição motivou outros intelectuais nessa

discussão a partir da geografia. Ao abordar questões sociais no debate da questão agrária, a

sociologia e a economia serviram de referência a essa temática. (GIRARDI, 2008).

Para o estudo da questão agrária tomaremos como centrais alguns conceitos, como

capitalismo, agronegócio, latifúndio e campesinato. Comecemos por entender a diferença entre a

produção capitalista e a produção camponesa. O princípio do modo de produção capitalista é o

estabelecimento de duas classes: os capitalistas, proprietários dos meios de produção, e os

assalariados que, desprovidos dos meios de produção, são obrigados a vender sua mão-de-obra aos

capitalistas em troca do salário. O montante de dinheiro que compõe o salário que o trabalhador

recebe é somente o suficiente para sua manutenção e reprodução social para que continue sendo um

trabalhador e produza novos trabalhadores – seus filhos. O proletário não recebe em pagamento

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todo o resultado de sua produção, mas apenas parte deste resultado, que é o salário, o suficiente para

sua manutenção e reprodução. O capitalista se apropria do restante do resultado do trabalho

desempenhado pelo assalariado – a mais-valia. Desta forma, no modo de produção capitalista, a

produção é feita de forma coletiva - pelos trabalhadores -, mas a apropriação do fruto desta

produção se faz de forma individual - pelo capitalista, que se apropria da mais-valia. (OLIVEIRA,

2007; KAUTSKY, 1986 [1899]).

Com seu salário, o proletário consegue adquirir no mercado as mercadorias e serviços para

sua manutenção, utilizando praticamente todo o seu salário e, por isso, geralmente não acumula

dinheiro ou bens. Assim, os donos da força de trabalho compram as condições essenciais de

sobrevivência para continuar vendendo sua força de trabalho. O capitalista, por sua vez, transforma

em capital o lucro (mais-valia apropriada) que consegue com a venda das mercadorias produzidas

pelos trabalhadores, de forma que pode, aumentando a sua produção e o número de empregados,

também aumentar a quantidade de mais-valia extraída dos trabalhadores, no processo contínuo de

acumulação. (OLIVEIRA, 2007; KAUTSKY, 1986 [1899]).

Na produção capitalista, separam-se os trabalhadores dos meios de produção. Nesse caso,

os trabalhadores são “livres” de toda propriedade, com exceção de sua força de trabalho, a qual

coloca a serviço dos detentores dos meios de produção. No capitalismo a palavra „livre‟ possui a

conotação de „despossuídos‟. (MARTINS, 1978; OLIVEIRA, 2007). Conforme afirma Martins “É

no trabalho livremente vendido no mercado que o trabalhador recria e recobra a liberdade de vender

novamente a sua força de trabalho.” (1978. p. 17). É sob esta condição de dependência de alguém

que explore sua força de trabalho, que se encontra grande parte da população mundial.

Contudo, nem todos conseguem achar quem os queira explorar, formando assim o exército

de reserva de trabalhadores. Há mais vendedores de mão-de-obra do que o capital necessita para se

desenvolver. Desta forma, por não conseguir vender sua mão-de-obra, um grande contingente não

consegue as condições mínimas de sobrevivência a partir das relações capitalistas de produção, ou

seja, assalariamento. Apesar do modo capitalista de produção ser predominante, as relações

capitalistas de produção não constituem a única forma de produção, de modo que as relações não

capitalistas de produção, como o campesinato, são importantes e representam uma alternativa real à

submissão total ao capital.

A produção camponesa se diferencia da capitalista porque tanto o trabalho empregado na

produção quanto a apropriação dos frutos deste processo são feitos de forma coletiva, geralmente

pela família camponesa, que trabalha de forma cooperada e se apropria de todo o reSultado da sua

produção. Se na produção capitalista o excedente do mínimo necessário para a reprodução do

trabalhador é apropriado pelo capitalista sob a forma de mais-valia, na produção camponesa este

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excedente é apropriado pela própria família e é denominado mais-produto. O mais-produto

conseguido através da venda da produção camponesa é revertido em melhorias para a exploração do

estabelecimento, melhorias na qualidade de vida com novos produtos e serviços ou até mesmo para

a formação de uma poupança ou compra de mais terras. (KAUSTSKY, 1986 [1899] apud

GIRARDI, 2008).

Camponeses são agricultores que produzem majoritariamente com mão-de-obra familiar. A

produção camponesa não está alicerçada na exploração de mão-de-obra alheia, através do

assalariamento, embora possa lançar mão desta forma de relação de produção em períodos críticos,

nos quais necessita de mais trabalho do que sua família pode fornecer ou então vender sua mão-de-

obra em momentos que seja excedente no estabelecimento. Além de poderem utilizar mão-de-obra

assalariada no estabelecimento, em alguns momentos, os camponeses também podem, como forma

de complementação de suas condições essenciais de sobrevivência, vender sua mão-de-obra, seja no

campo ou na cidade, o que configura o trabalho acessório. (CHAYANOV 1974 [1925] apud

GIRARDI, 2008). Contudo, o camponês não abre mão de sua terra e retorna quando supre essa

necessidade e/ou quando não encontra mais quem compre sua mão-de-obra. Isso não lhe tira as

condições de continuar sendo camponês.

Lênin contribui nessa reflexão ao analisar a diferenciação dos camponeses no contexto do

desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Para ele, camponeses podem diferenciar entre si em

ricos, médios ou pobres. Camponeses ricos são aqueles cujo retorno da produção no

estabelecimento supre todas as necessidades do grupo e que tende a ampliar suas possibilidades de

produção de forma que o trabalho familiar passe a ser minoritário, tornando-se assim um capitalista

pelo fato da mão-de-obra predominante no estabelecimento ser assalariada. Camponeses médios são

aqueles que possuem retorno suficiente para manutenção do estabelecimento e da família, de forma

que não vendem nem compram mão-de-obra. Camponeses pobres são aqueles que não possuem

retorno suficiente em seu estabelecimento e, por isso, necessitam buscar outras formas de

rendimento, seja no campo ou na cidade, para complementar a demanda de sua família e continuar

atuando em seu estabelecimento de produção. Caso a situação decadente se mantenha, este

camponês pobre tende a ser transformado unicamente em um assalariado com a perda de seu

estabelecimento, ocorrendo assim a desintegração do campesinato. Esses três tipos de camponeses

podem ser considerados como a) compradores de mão-de-obra, b) os que não compram e nem

vendem mão-de-obra e c) os que vendem mão-de-obra. (LÊNIN, 1985 [1899] apud GIRARDI,

2008).

Na produção camponesa não há a separação dos meios de produção da força de trabalho,

embora em muitos casos a família camponesa não seja proprietária da terra e tenha que pagar algum

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tipo de renda da terra pré-capitalista para poder produzir. Para o campesinato o campo é lugar de

produção e de reprodução social. Segundo Girardi

Camponeses são produtores que desenvolvem suas atividades com força de

trabalho predominantemente familiar; que têm a terra como local de produção e

reprodução social; que lutam pela permanência na terra e contra a desigualdade

social gerada pelo desenvolvimento do capitalismo. Possuindo diversos graus de

tecnificação, integração ao mercado, conhecimento e qualidade de vida, os

camponeses podem ser pobres, médios ou ricos. (GIRARDI, 2008. p. 108).

Outro aspecto considerado importante na análise do campesinato é a flexibilidade, que está

relacionada ao processo de diferenciação e desintegração. Para Chayanov 1974[1925] o camponês

possui uma característica particular ao não buscar a acumulação como elemento principal em sua

lógica de produção. Os camponeses atuam com a prioridade de atender plenamente suas

necessidades. Para Chayanov há três elementos que devem ser levados em consideração na

produção não capitalista no campo: a flexibilidade, a mão-de-obra familiar e a não objetivação do

lucro. A flexibilidade está relacionada à condição dos camponeses em exercer maior ou menor

esforço para o atendimento de suas necessidades plenas. Dispor da mão-de-obra familiar para a

produção de suas condições materiais de sobrevivência. Ao ampliar a produtividade da terra e/ou do

trabalho, possibilita o atendimento de suas necessidades, dispondo de menor tempo ao trabalho.

Pelo contrário, quando as necessidades imprescindíveis exigir maior esforço, a família recorre a

todos os membros da família, maior tempo disponível ao trabalho no estabelecimento, ou fora dele,

podendo este ser na agricultura, indústria ou comércio, o qual Chayanov chama de trabalho

acessório. Nesse sentido, o camponês tem como fundamento no trabalho familiar a produção de sua

existência e não a geração de lucro.

A flexibilidade do campesinato, assim como definida por Chayanov, é o principal

elemento que possibilita a sua sobrevivência e reprodução no interior do

capitalismo. Esta flexibilidade, juntamente com o caráter familiar da mão-de-obra e

a não objetivação do lucro como elemento principal, são as principais contribuições

do trabalho de Chayanov que consideramos na nossa concepção de campesinato

(GIRARDI, 2008. p. 98).

Essa concepção de trabalho e relação com a terra foge da lógica capitalista de produção. No

seu desenvolvimento o capitalismo não só destrói o campesinato, mas também pode criá-lo e recriá-

lo de diferentes maneiras. A recriação ou criação do campesinato por meio do capital pode ocorrer

através do arrendamento de terra, do trabalho integrado à indústria (sendo subordinado), da compra

de terra, de parceria ou da meação. Uma outra forma de criação ou recriação do campesinato é a

luta pela terra que reSulta na criação de assentamentos rurais.

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A produção capitalista no campo brasileiro na atualidade é representada pelo agronegócio

e, para estudar a questão agrária é necessário considerar, além do campesinato, o agronegócio e sua

relação com o latifúndio, que formam territórios distintos (FERNANDES, 2005; GIRARDI, 2008).

Para Fernandes e Welch (2007) a primeira conceituação de agronegócio é de Davis e

Goldberg (1957), sendo conceituado como um

complexo de sistemas que compreende agricultura, indústria, mercado e finanças.

O movimento desse complexo e suas políticas formam um modelo de

desenvolvimento econômico controlado por corporações transnacionais, que

trabalham com um ou mais commodities e atuam em diversos outros setores da

economia. Compreendemos que essa condição confere às transnacionais do

agronegócio um poder extraordinário que possibilita a manipulação dos processos

em todos os sistemas do complexo. (FERNANDES e WELCH, 2007, p. 3).

Podemos considerar que o agronegócio tem como características principais o trabalho com

monocultura em grandes extensões de terra, trabalho assalariado e a produção em larga escala. O

poderio econômico e político do agronegócio impõe condições em sua relação com o campesinato.

Nesse caso não há como o camponês fazer parte do agronegócio em função de sua condição ínfima

em relação à força do agronegócio. Em alguns casos o campesinato se integra ao agronegócio de

forma subalterna, sem a mínima autonomia no processo de produção, cabendo ao agronegócio o

controle de toda a cadeira produtiva. (FERNANDES e WELCH. 2007).

O agronegócio é, portanto, um novo nome para uma velha prática instalada no Brasil a

partir da colonização portuguesa e implantação da monocultura de cana-de-açúcar. É uma maneira

mais aperfeiçoada de exploração da terra, do trabalho; da degradação mais acelerada do meio

ambiente. Para OLIVEIRA, com base em PORTO-GONÇALVES o agronegócio busca

substituir e diferenciar a agri-cultura do agro-negócio. Ou por outras palavras,

tratava-se de distinguir entre a atividade econômica milenar de produção dos

alimentos necessários e fundamentais à existência da humanidade, e, a atividade

econômica da produção de commodities (mercadorias) para o mercado mundial.

[...]. Na realidade o agronegócio nada mais é do que a reprodução do passado.

Aliás, desde o ano de 1500, eles dizem que irão desenvolver o Brasil através da

exportação de mercadorias da agropecuária. (OLIVEIRA, 2007, p.147 e 149).

Nos últimos anos há uma intensa propaganda ao agronegócio, considerando-o como

“salvador da lavoura” e da economia. Há uma apologia ao agronegócio através do Estado, das

empresas e da mídia. Isso impõe à sociedade uma visão de que o agronegócio é promotor do

desenvolvimento, superando o latifúndio improdutivo. Fernandes afirma que o agronegócio “reúne,

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de formas diferenciadas, os sistemas agrícolas, pecuário, industrial, mercantil, financeiro,

tecnológico, científico e ideológico” (2008, p. 1).

No campo brasileiro o agronegócio está associado ao latifúndio, que tem a propriedade da

terra como reserva de valor para especulação fundiária. Agronegócio e latifúndio são

complementares em seus objetivos e concorrem com o sistema camponês de produzir e se

relacionar com a terra e a sociedade. Se latifúndio é sinônimo de terra improdutiva, de violência,

trabalho escravo, terra propícia à reforma agrária. O agronegócio tenta passar a idéia de terra

produtiva, de modernidade, de desenvolvimento, de terra não propícia à reforma agrária. Porém, se

latifúndio exclui pela improdutividade, agronegócio exclui pela superprodução, explorando de

forma mais profunda a terra, a biodiversidade e o trabalho. Latifúndio e agronegócio, por suas

características concentradoras, contribuem para o acirramento da desigualdade social e acirramento

dos problemas dela decorrentes.

O campesinato e agronegócio promovem diferentes formas de desenvolvimento da

agricultura, pois são sistemas contrários. Esses dois sistemas disputam território, competindo por

terra, poder e recursos, os quais são concentrados pelo agronegócio. Neste processo, surge a

conflitualidade da questão agrária (FERNANDES, 2005). Enquanto o latifúndio e agronegócio

buscam exterminar os camponeses pela expropriação da terra e/ou subordinando-os,

desterritorializando-os, os camponeses lutam permanentemente pela reterritorialização, no sentido

contrário ao latifúndio e agronegócio.

O conflito é o estado de confronto entre forças opostas, relações sociais distintas,

em condições políticas adversas, que buscam por meio da negociação, da

manifestação, da luta popular, do diálogo, a superação, que acontece com a vitória,

a derrota ou o empate. (FERNANDES, 2006. p. 26).

O latifúndio e o agronegócio tentam colocar fim aos conflitos por eles gerados. Para isso

recorrem à cooptação, subordinação e também à violência física e psicológica contra os

camponeses. Quanto maior a expropriação e concentração da terra e das riquezas, maior a tensão

entre camponeses com o latifúndio e o agronegócio. Quem mais perde com o tensionamento são os

camponeses, em função de serem presos, expropriados, assassinados e refluxos na luta e

organização. A distensão do conflito através do desenvolvimento beneficia toda a sociedade,

diminuindo a conflitualidade, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, desconcentrando terra

e riqueza. (FERNANDES, 2006).

Porém, é necessário diferenciar conflito de violência, pois, conforme afirma Girardi,

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Conflito é uma ação criadora para a transformação da sociedade e a violência é

uma reação ao conflito, caracterizada pela destruição física ou moral; é a

desarticulação do conflito por meio do controle social. A violência tenta por fim ao

conflito sem que haja resolução dos problemas e por isso barra o desenvolvimento.

Ocupações de terra, acampamentos, defesa de interesses junto ao parlamento e ao

governo são formas de conflito. Assassinatos, ameaças de morte, expulsões da

terra, despejos da terra e trabalho escravo são formas de violência (2008. p. 293).

O avanço do capitalismo no campo não destrói por completo o campesinato, pois este

continua a (r)existir em suas mais diferentes formas. Ao resistir às ofensivas e investidas do modo

capitalista, os camponeses (re)constroem e continuam (r)existindo, seja na mesma ou em outras

regiões. Nesse processo os camponeses sofrem o que Shanin (2005) apud Girardi (2008) chama de

pauperização e marginalização. Para ele

A pauperização acontece devido à concentração do capital em determinados pólos

em detrimento a regiões onde tenha havido a desintegração, nas quais não são

criados empregos. Também está vinculada a este processo a criação de uma grande

massa de desintegrados que, pelo mesmo motivo, não se tornaram nem capitalistas

nem proletários e se alojam nos bolsões de pobreza desses pólos. O processo de

marginalização ocorre por que, sob algumas condições, o camponês não se

transforma nem em capitalista nem operário, mas também não se torna

simplesmente um pobre. Ele continua a existir e se vincula à economia capitalista

circundante e a economia camponesa diminui no cenário nacional. Os camponeses

são assim marginalizados (SHANIN, 2005 apud GIRARDI, 2008, p. 105).

Os camponeses, com sua heterogeneidade em diferentes regiões e mesmo no interior de

uma mesma região, deixam suas marcas, ao se transformarem. Os camponeses (re)nascem em

diferentes condições de luta. As ocupações de terra e a criação de assentamentos de reforma agrária

têm sido uma das formas dos camponeses se recriarem.

A reforma agrária é considerada um instrumento clássico de distribuição de riqueza desde

a antiguidade e permanece como necessidade nos dias atuais.

Os hebreu, gregos e romanos passaram por fazes de redistribuição fundiária entre

os séculos VII e II A.C. Na Era Moderna a primeira grande reforma agrária teve

início com os decretos da Revolução Francesa revogando os direitos de

propriedade feudal e liberando todas as pessoas da servidão. [...] No entanto,

nenhum outro século testemunhou tanta atenção e luta política em torno à questão

agrária quanto o século XX. [...] diversas políticas de redistribuição de terra foram

adotadas em numerosos países. (CARTER, 2010, p. 46).

Diversos fatores contribuíram para o avanço da reforma agrária no século XX, os quais

seguem: a) crescimento populacional mundial rápido, demanda de alimento e necessidade de

expansão do uso de novas terras cultiváveis; b) mudanças no uso e controle da terra a partir do

avanço tecnológico (comunicação e transporte) e alteração na estrutura fundiária e c) maior

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presença do Estado, com a nova configuração de poder no campo, a partir dos ideais

desenvolvimentistas. (CARTER, 2010).

A presença do Estado foi determinante para a realização de reforma agrária em diversos

países, com sistema político e ideologias diferenciadas. A grande maioria dos governos de

orientação marxista realizaram reforma agrária, como foi o caso da União Soviética, China, grande

parte do Leste Europeu, Coréia do Norte, Vietnã, Cuba e Etiópia. Outros países, pós Segunda

Guerra Mundial, sob apoio e orientação dos Estados Unidos também realizaram reforma agrária,

como o Japão, Coréia do Sul e Taiwan. Os países limitaram o tamanho máximo das propriedades

rurais, como foi o caso da Índia, Irã, Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka. Em outros países, os

governos considerados nacionalistas expropriaram grandes latifúndios concedendo terra aos

trabalhadores, como aconteceu no México, Bolívia, Guatemala, Egito, Indonésia, Argélia, Síria,

Iraque, Líbia, Portugal e Peru. Todos esses exemplos de reforma agrária e ou limites de tamanho

máximo de propriedade privada da terra tiveram o Estado como central no processo. (CARTER,

2010).

Tudo isso reforça a ideia de que a realização da reforma agrária necessariamente precisa do

envolvimento do Estado, seja para a sua realização ou para a sua regularização. A presença do

Estado é imprescindível para o processo de limitação de um tamanho máximo da propriedade da

terra, assim como para a promoção da reforma agrária. Outro fator determinante no processo da

realização da reforma agrária é a expectativa e a demanda por ela. Sem uma necessidade social a

reforma agrária não se efetiva. A execução da reforma agrária se efetiva a partir da intervenção do

Estado e da demanda da sociedade. (CARTER, 2010). Para Carter (2010) “a reforma agrária [...]

pode exercer uma função determinante na redução de severas disparidades sociais” (p. 57). A

grande maioria dos países que reduziram as desigualdades sociais realizaram a reforma agrária no

século XX.

O Brasil é um dos países com maior desigualdade social do mundo, mesmo possuindo

indicadores de riqueza e desenvolvimento humano moderadamente alta em aos 18 principais países

em desenvolvimento. É o 6º menos pobre (menos de 2 US$ por dia); o 8º menos pobre em relação

à mortalidade infantil (crianças mortas com menos de 5 anos a cada 1.000) e o 6º (0,8) em menor

desenvolvimento humano. Apesar de estar entre os primeiros nesses três aspectos, podendo

considerá-lo um país razoavelmente rico, é o 1º colocado (0,590) no Índice de Gini na relação

renda/consumo; é o 1º colocado (0,85) no Índice de Gini relacionado à concentração da terra; o 7º

em menor PIB per capta; o 7º menos rural (% de emprego no setor agrícola). (CARTER, 2010).

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Carter (2010) também classifica em duas abordagens as reformas agrárias realizadas em

países com governos “democráticos”: uma conservadora e outra progressista1. A reforma agrária

realizada no Brasil a partir de 1985, mesmo sobre pressão popular, de movimentos organizados, foi

considerada conservadora em função de diversos fatores que seguem: a) foi reativa aos protestos

sociais e não motivada por uma agenda de mudança social; b) lida com demandas específicas e não

com problemas sistêmicos e sob orientação estrutural; c) minimizar os conflitos sociais e não em

promover a agricultura e alterar a estrutura fundiária e as relações de poder; d) beneficia poucas

famílias em relação à demanda e de terra disponível; e) favorece aos interesses do Estado e dos

grandes proprietários; f) os proprietários são indenizados por volumosos recursos públicos; g) não

confronta com os proprietários de terra. (CARTER, 2010).

No Brasil a reforma agrária continua sendo uma necessidade. Para ser efetiva, deve ter

como objetivo destruir o latifúndio e confrontar com o agronegócio o agronegócio, o que desperta

nas classes a eles ligadas uma forte reação à reforma agrária. Nesse sentido, não há como fazer a

reforma agrária com desapropriação e desconcentração de terra sem que haja conflito. Porém, os

latifundiários reagem contra essa política, promovendo a violência contra trabalhadores,

ameaçando, cooptando e os assassinando. Compete ao Estado criar políticas públicas de reforma

agrária, em beneficio de toda sociedade, ampliando a democracia e o bem estar social.

A reforma agrária está entre as políticas necessárias para tornar o campo um lugar de vida

digna, com saúde, alimentação, educação, trabalho, lazer, entre outros direitos que, na maioria das

vezes, são mais disponíveis (mas não universais) nas cidades. Como o nome já diz, reforma agrária

é apenas reforma e não revolução agrária. A revolução agrária busca fazer as transformações no

campo, nas estruturas agrárias em conjunto com outras políticas que alteram outras estruturas da

sociedade e suplantam o modo capitalista de produção. A reforma agrária tem como fundamento a

alteração da estruturas fundiária, porém sem necessariamente alterar as estruturas capitalistas de

produção que regem a vida e produção no campo. Ela se faz com política agrícola e política

fundiária. Ou seja, desconcentrar a terra, colocando-a a serviço de um maior número de pessoas e

criando as condições para que estas possam permanecer na terra, produzindo, obtendo renda,

criando as condições materiais de sobrevivência, produzindo sua existência. (OLIVEIRA, 2007).

Nunca se efetivou no Brasil uma reforma agrária que de fato desconcentrasse a terra e

fornecesse aos camponeses condições adequadas de produção e vida no campo. A realização de

assentamentos e regularização fundiária que também se confundem com colonização e políticas

ambientais tem possibilitado muitas famílias o acesso à terra e alguns benefício sociais e, em muitos

1 Miguel Carter expõe no livro Combatendo a desigualdade social - o MST e a reforma agrária no Brasil uma profunda

elaboração sobre a reforma agrária e sua relação com desigualdade social.

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casos, beneficiando proprietários com indenizações exorbitante. Uma política fundiária deve limitar

o tamanho das propriedades, colocando a terra a serviço de mais pessoas, limitando ao mínimo o

pagamento em dinheiro pelas terras desapropriadas. Para Oliveira “reforma agrária, como

consagrada na Constituição, com pagamento prévio e a dinheiro é negócio agrário, que interessa

apenas ao latifúndio, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro”. (OLIVEIRA, 2007,

p.119). A terra, enquanto bem natural, não pode ser propriedade de alguns poucos. Porém, não há

no Brasil nenhuma forma de limitação do tamanho das propriedades rurais. As únicas limitações

estão na aquisição de terras públicas, mas que frequentemente são burladas.

No Brasil, as únicas limitações que existiram em termos legais para a aquisição de

terras públicas através de processos licitatórios, foi o limite de 10.000 hectare

estipulado pela constituição de 1946, diminuindo em 1967 para 3.000 hectare, e

para 2.500 hectare em 1988. Assim o limite máximo no Brasil foi de 154 vezes

maior que os norte americanos em 1946 e 1967, de 46 vezes maior entre 1967 e

1988, e de ainda 34 vezes maior de 1988 em diante (OLIVEIRA, 2007, p. 71).

Por não haver um limite para o tamanho da propriedade rural no Brasil e pela existência de

uma fronteira agropecuária em plena expansão, a propriedade fundiária serve à especulação e como

reserva de valor. A propriedade fundiária, além da valorização do mercado de terras, permite o

acesso a créditos subsidiados provenientes de recursos públicos, o que constitui mais um interesse

dos especuladores. A conexão entre propriedade fundiária e acesso a crédito agropecuário tem dois

problemas básicos: a) nem sempre o crédito agropecuário obtido é utilizado na produção

agropecuária, pois não são raros, principalmente na fronteira agropecuária, o desvio desses

empréstimos para outras finalidades que não o cultivo da terra ou criação, configurando desvio de

recursos públicos e b) se o montante de crédito disponível é ligado ao tamanho da propriedade, a

concentração fundiária leva também à concentração de recursos na mesma ordem de concentração

da terra no país, de forma que a concentração fundiária é recompensada. Concentrar terra é impedir

que grande parte da população tenha acesso aos meios de produção, aos recursos públicos, ao

emprego, à renda e aos direitos fundamentais.

A desconcentração da terra é o elemento básico de uma reforma agrária, mas não é o único

objetivo dessa política pública. Uma reforma agrária efetiva deve contemplar também geração de

emprego e renda e difusão de direitos sociais. Oliveira afirma que:

A reforma agrária constituiu-se, portanto, em um conjunto de ações

governamentais realizadas pelos países capitalistas visando modificar a estrutura

fundiária de uma região ou de um país todo. Ela é feita através de mudanças na

distribuição da propriedade e ou posse da terra e da renda com vista a assegurar

melhorias nos ganhos sociais, políticos, culturais, técnicos, econômicos

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(crescimento da produção agrícola) e de reordenação do território. (OLIVEIRA,

2007, p. 68).

No caso brasileiro, diversos problemas enfrentados pelas populações das cidades, como

inchaço urbano, problemas habitacionais, sanitários, desemprego, subemprego, transporte, entre

outros, ocorreram ou foram agravados em função de políticas anti-reforma agrária. Fazer a reforma

agrária possibilita beneficiar não apenas a população do campo, mas o conjunto da sociedade, seja

ela no campo ou na cidade. É necessária uma reforma agrária que crie condições para que as

pessoas acessem e permaneçam na terra produzindo sua existência em condições dignas de vida.

Quando comparada com a população urbana, a população rural brasileira apresenta

condições de vida inferiores. Um dos índices que mostra isso é o Índice de Desenvolvimento

Humano – IDH. Esse índice leva em consideração a síntese de três dimensões: saúde, educação e

longevidade. Porém, é necessário fazer algumas ressalvas com relação ao IDH, em função de levar

em consideração a média, isso em um país continental, com imensa desigualdade social e regional.

No caso da educação, o que determina o índice é a taxa de matrícula e não a qualidade do ensino.

Segundo Girardi:

Em 2000 os municípios brasileiros com baixo IDH (abaixo de 0,500) eram 22 e

neles residiam 232.185 habitantes. Desses 22 municípios, 21 tinham população

rural superior à população urbana e faziam parte das regiões Norte e Nordeste. Os

municípios com médio IDH em 2000 correspondiam a 89,46% dos municípios

brasileiros. A metade desses municípios apresentava IDH inferior a 0,698 e cerca

de 39% apresentavam população rural superior à população urbana. Os municípios

com alto IDH eram 539 (9,7% dos municípios brasileiros) e deste total 94%

apresentavam IDH entre 0,800 e 0,850. Ainda entre os municípios com alto IDH,

110 (20% dos 539) tinham população rural superior à população urbana, dos quais

apenas um, Rosana - SP (com grande número de famílias assentadas) não está na

região Sul. Os outros 109 municípios localizam-se no Paraná (3), Santa Catarina

(45) e Rio Grande do Sul (62) (GIRARDI, 2008, p. 150-151).

Isso nos mostra que dos municípios com menor IDH são os com maiores taxas de

ruralização. No outro extremo, dos municípios com maior IDH tinham população rural inferior à

urbana. Contudo, isso não quer dizer que diminuindo a população rural também serão reduzidos os

problemas de qualidade de vida, já que este quadro também é grave nas periferias das grandes

cidades. Ao contrário, o desenvolvimento do campo deve ser promovido e considerado uma

alternativa importante para o desenvolvimento humano no Brasil. As migrações descontroladas

contribuem para acirrar o problema urbano e aprofundar o problema no campo.

Apesar da alta taxa de migração do campo para as cidades nas últimas décadas, e a atual

taxa de urbanização de 84,35%, a população rural brasileira é de 29.852.986 habitantes, conforme

Censo Demográfico de 2010. Dos 35 países da América (do Sul, Central e do Norte) o Brasil está

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em 5ª colocação na mais baixa taxa da população rural, na frente apenas da Venezuela (6,25%),

Uruguai (7,56%), Argentina (7,79%) e Chile (11,25%), conforme o Censo demográfico de 2009. O

Brasil possui uma população rural maior que grande parte da população total de diversos países das

Américas (IBGE, 2010). Esses brasileiros do campo, como os demais, têm direito sobre as riquezas

naturais e produzidas no país. Para uma efetiva reforma agrária, no caso brasileiro, em que há ampla

concentração fundiária e que a propriedade privada da terra representa poder, são necessárias

mudanças estruturais. Nesse caso, a luta pela reforma agrária não deve “restringir apenas e

especificamente, à luta pelo direito do acesso a terra; deve, isto sim, ser a luta contra quem está por

trás da propriedade capitalista da terra, ou seja, o capital”. (OLIVEIRA. 2007. p. 67). Para isso, é

necessário envolver diversos setores da sociedade brasileira na luta pela reforma agrária, de forma

que não seja apenas a luta dos camponeses, mas de setores que são (e serão) direta e indiretamente

beneficiados pela reforma agrária.

Fazer a reforma agrária é desterritorializar o latifúndio e construir o território do

campesinato. Fazer a reforma agrária é fazer a luta por território. Fernandes contribui nessa

afirmação quando diz que “a construção de um tipo de território significa, quase sempre, a

destruição de um outro tipo de território, de modo que a maior parte dos movimentos

socioterritoriais forma-se a partir dos processos de territorialização e desterritorialização.

(FERNANDES, 2005, p. 31).

Há no campo brasileiro diversos movimentos que lutam pela reforma agrária e têm no

território suas condições e efetivação de existência. Construir território é, ao mesmo tempo, destruir

território de outros, ou seja, é desterritorializar; é construir novos territórios, seja ele onde os

camponeses foram desterritorializados ou em outros lugares. A reforma agrária é, nesse sentido, a

luta pela territorialização, desterritorialização e reterritorialização, sintetizado pela sigla TDR.

Construir território é uma condição necessária pela construção, de fato, da reforma agrária. O

território é um espaço que se constrói a partir de relações de poder. (FERNANDES, 2005). No caso

da reforma agrária, é a luta pela conquista da terra e pela permanência nela em condições dignas de

vida. Permanecer na terra é permanecer em luta pela conquista de novos poderes e contra novos

poderes, seja ele cultural, religioso, sindical, educacional, entre outros.

No caso brasileiro a reforma agrária é uma política, assim como uma luta atual. É a luta

pela terra, luta por política pública, implantação de assentamentos. Essa luta deve acontecer onde há

terra concentrada e gente sem-terra, pois a concentração da terra é concentração de poder e

expansão de miséria.

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Para desenvolver-se uma reforma agrária no Brasil que altere de fato a estrutura fundiária é

necessário alterar diversas esferas de poder, seja ele executivo, legislativo e judiciário. Para título de

informação e reflexão CARTER afirma que

Entre 1995 e 2006, a representação política média de camponeses sem-terra foi de

apenas um deputado federal para cada 612 mil famílias. os grandes proprietários de

terra, por outro lado, tiveram um deputado federal para cada 236 famílias. dessa

forma, a Câmera dos Deputados, a representação política dos maiores latifundiários

do país foi 2.587 vezes maior do que a dos camponeses sem-terra. Como

consequência dessa distribuição desigual de poder, entre 1995 e 2005, os maiores

fazendeiros do país tiveram acesso a 1.587 dólares em gastos públicos para cada

dólar disponibilizado aos trabalhadores rurais sem-terra. (2010. p. 63).

Por diversas vezes a bancada ruralista conseguiu barrar iniciativas que beneficiassem a

classe trabalhadora, como a não atualização dos índices de produtividade que define se uma terra é

ou não produtiva, uma das condições necessárias para desapropriá-la e destiná-la à reforma agrária.

Pelo contrário, tem constituído diversas CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) e CPMI

(Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) com o Movimento Sem Terra – MST. Aprovou na

Câmara dos Deputados recentemente um novo Código Florestal, o qual legaliza a expansão da

devastação das florestas a favor da expansão das monoculturas. Tem garantido volumosos recursos

públicos provindos de financiamento, como é o caso do Plano Safra dos últimos anos.

Realizar a reforma agrária nessas condições de desigualdade de poderes não é uma tarefa

impossível, mais de difícil viabilização. Maior que as dificuldade é a persistência de diversas

organizações que resistem durante décadas, na luta a favor da classe trabalhadora e pela reforma

agrária. É uma luta de caráter nacional e internacional, como é o caso da Via Campesina

(DESMARAIS, 2007), que congrega organizações camponesas em todos os continentes e desafia a

ofensiva dos adversários da classe trabalhadora. A luta acontece em nível internacional, nacional e

também em cada estado da federação, com suas especificidades de adversidade e forças.

A reforma agrária no Brasil é uma necessidade atual, política e econômica, em função da

grande quantidade de terra propícias a serem desapropriadas, uma imensa quantidade de famílias

que podem se beneficiar dessa ação, o que torna atual a questão agrária.

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2. FORMAÇÃO AGRÁRIA DO ESPÍRITO SANTO

O campo capixaba é cheio de contradições pela própria lógica capitalista de acumulação,

de depredação dos bens da natureza e das pessoas que ali vivem, da destruição e recriação dos

camponeses. Para melhor compreender a questão agrária capixaba é necessário conhecer a

formação do campesinato capixaba, sua destruição e recriação e a implantação dos grandes projetos

agropecuários capitalistas. É “[...] portanto, nessa contraditória e relevante história do campesinato

capixaba, num terreno tão propício para a produção agrícola, mas também, propício para a vida e

existência do latifúndio, historicamente combatido.” (CASALI e PIZETTA, 2005, p. 31) que

buscaremos compreender o campo capixaba.

Compreender o campo capixaba requer relacionar as especificidades da formação dos

camponeses, “lembrar que o Espírito Santo não é um bloco, mas uma constelação feita de diferentes

identidades e sentimentos. Os pomeranos, os quilombolas, os pescadores, os povos remanescentes

de indígenas, poloneses e italianos.” (CASALI e PIZETTA, 2005, p. 35).

O Espírito Santo é caracterizado atualmente por imensas áreas com a monocultura de

eucalipto, cana-de-açúcar, pecuária extensiva, devastação acelerada da fauna e flora, migração

acelerada do campo para a cidade. Scarin (2009), em sua tese de doutorado, trabalha com o conceito

de vazio demográfico e atraso, os quais para o autor foram utilizados para justificar a necessidade

de sua superação para viabilizar o desenvolvimento, ou seja, elevar o Espírito Santo da condição de

subdesenvolvimento para desenvolvimento, ou sair da periferia do desenvolvimento. Esses conceitos

foram construídos e utilizados pelo Estado para implementar o desenvolvimento e tornar o Espírito

Santo um estado moderno. Os desdobramentos dessa estratégias são explicados no seguir do texto.

A área que compreende o estado do Espírito Santo, assim como nos demais estados da

federação, já era habitada pelos povos indígenas quando chegaram os colonizadores europeus. Os

negros africanos, trazidos à força para o trabalho escravo, passaram a compor a população,

juntamente com os portugueses colonizadores.

Para a implantação projetos, de colonização, principalmente a monocultura canavieira, os

primeiros donatários enfrentaram algumas adversidades, como foi o caso da floresta densa e da

bravura dos índios que resistiram ao trabalho escravo e à saída de suas terras. A declividade do

terreno, principalmente no oeste do estado, era uma dificuldade. Isso fez com que até a segunda

metade do século XX grande parte da área do Espírito Santo, principalmente o norte do estado,

permanecesse coberta com a exuberante mata atlântica, onde conviviam diversas tribos indígenas,

algumas comunidade de caboclos, pescadores e comunidades remanescentes de quilombolas. A

economia da região, tinha como base a agricultura diversificada de base familiar, principalmente

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para o autoconsumo e comércio do excedente para atravessadores. A terra era utilizada de forma

comunal, com menor índice de propriedade privada. A relação entre homem e natureza era mais

harmônica.

Para a viabilização de projetos, tidos como modernos, para elevar o estado ao

desenvolvimento, foi construído o conceito de vazio demográfico.

Em laudo do Serviço Geográfico do Exército de 1941, diz que, até 1927, toda a

região ao norte do Rio Doce foi descrita como “desconhecida” e “devoluta”, “vida

quase primitiva”, “isolamento”, “população vivendo por si mesma”, “terra de

ninguém, território abandonado, esquecido ou ignorado, fora de qualquer influência

juridicional”. Termos que indicam o processo de sua intencionalidade de

justificação da tese do vazio demográfico e sua consequente ocupação. (SCARIM,

2009, p.75).

Esse vazio demográfico foi construído para justificar um outro tipo de povoamento, os

imigrantes e, posteriormente, a instalação de grandes projetos, como foi o caso da Aracruz Celulose.

O vazio demográfico devia ser substituído pelo povoamento. É nesse sentido que justificava a

necessidade da imigração. A “imigração italiana, germânica e polonesa, entre outras, teve como

objetivo primordial, no Espírito Santo, a colonização e o povoamento do grande vazio demográfico

que era o seu território no século XIX." (SCARIM, 2009, p.70).

A invisibilidade das comunidades indígenas, de quilombolas, dos pescadores, dos caboclos,

entre outros, principalmente no norte capixaba, era utilizada para acelerar o processo da imigração.

É nesse sentido que

A partir de 1847 começa a chegada mais intensa de imigrantes, como os alemães,

nos vales dos rios Jucu e Santa Maria da Vitória, e logo mais nos rios Guandu,

Santa Maria do Rio Doce e Piraqueaçu, Benevente e Itabapoana. Logo após

também chegam os italianos, nos municípios de Santa Teresa, Castelo, Rio Novo

do Sul, Itapemirim, Colatina e São Mateus. Após a década de 1920, este fluxo

segue para o norte com a construção da ponte do Rio Doce em Colatina, em 1928.

Juntam-se a estes os poloneses, austríacos, belgas, luxemburgueses, gregos,

holandeses, espanhóis, sírios e libaneses. (SCARIM, 2009, p.70-71).

A população capixaba passa a ser constituída com povos de diversas culturas, com relação

diferenciada com a terra e a floresta. Enquanto o

caboclo que se expressa através da relação profunda com a natureza, tendo-a como

espaço de vida, onde extrai o alimento e as condições para a sobrevivência. De

outro, está o campesinato branco italiano que chega ao estado e se ingressa no

mundo da lavoura de café. Este assume uma postura diferente. Vê a floresta não

como parte, como produtora de comida, mas como inimiga e que precisa ser

destruída para produzir comida. E, pelo fato de se ver meio reservado diante da

floresta, com um certo medo da mata, busca utilizar o caboclo para fazer a

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derrubada da mesma, sempre em troca de algum dinheiro. É esta cultura

camponesa europeia que, a partir dos anos setenta, assume o pacote da revolução

verde. (CASALI e PIZETTA, 2005, p. 29 e 30).

A formação dos latifúndios acontece a partir da exploração dos caboclos e dos imigrantes

europeus. “O trabalho com a derrubada das florestas era executado por caboclos e caipiras, que

plantavam nessas terras até a formação da fazenda. Depois de formadas as fazendas de café,

começava o trabalho da família camponesa migrante.” (FERNANDES, 1999, p. 17).

O incentivo à imigração européia possibilitava a expansão da agricultura camponesa, o

preenchimento do “vazio demográfico”, a “limpeza” do terreno, com a derrubada da mata, a

retirada da madeira, constituindo uma rentável fonte de recurso a empresários. Foram “instaladas

mais de duzentas serrarias em todo o norte. [...] Com o prazo de 30 anos todo o norte foi

desmatado.” (CASALI, 2005, p. 41).

São criadas as condições para a implantação de um outro conceito, o atraso, que justificava

a implantação de um novo projeto desenvolvimentista. “O ES se encontrava em „relativo atraso‟ e

que este era representado pelos pequenos agricultores que eram a barreira para a expansão da

produtividade. (...) áreas periféricas do desenvolvimento nacional.” (SCARIM, 2009, p.83-84).

O papel do Estado foi fundamental nesse processo.

O Estado usa seu potencial que organiza, estrutura, produz e reproduz relações e se

reproduz a si mesmo a partir do exercício da acumulação e de

dominação/legitimação. (...) E o Estado é parte do conflito, vive o conflito como

mediação e como tensão, pois seu papel está na sua capacidade de des/organizar,

des/regular e des/legitimar a sociedade e suas instituições e, na sua autoridade, na

regulação da escolha dos lugares para a locação de capitais. (SCARIM, 2009, p.80-

82).

A partir do vazio demográfico, do atraso econômico, constrói-se o desenvolvimento. As

florestas, onde viviam diversos povos era o vazio demográfico; o modo de vida camponês, no

convívio com a floresta, com produção principalmente para o autoconsumo era o atraso econômico;

a devastação da mata, da cultura local, da migração da população para a periferia dos centros

urbanos para a formação do exército de reserva e liberação do campo para a implantação da

monocultura de eucalipto, da pecuária extensiva, do agronegócio da cana-de-açúcar foi considerado

o moderno, o desenvolvimento, a saída da periferia do desenvolvimento. Esta “modernização levou

ao aumento da concentração urbana e industrial, ao aumento das monoculturas, à expulsão de

famílias do campo e à concentração fundiária.” (SCARIM, 2009, p.104).

É nessas contradições, no interior do modo capitalista de produção, que se encontra o

Espírito Santo hoje.

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[...] no processo de sua institucionalização, o pensamento e a prática do

desenvolvimento no ES carregavam uma série de paradoxos centrados

principalmente nas seguintes tentativas: de imposição da industrialização sobre

uma base territorial rural; de imposição do latifúndio sobre uma base de pequena

agricultura familiar e comunitária; de imposição da monocultura sobre uma

diversidade de práticas e cultivos fundados na manutenção integral da família e da

comunidade; de imposição de uma racionalidade única e instrumental sobre uma

base de enorme diversidade étnica, social e ecológica de saberes agrários ainda

presentes no território capixaba devido às resistências, insurgências e

domesticações, formando territorialidades e laços múltiplos. (SCARIM, 2009, p.

116).

No intuito de justificar a superação do atraso econômico, promover a diversificação

econômica a partir da industrialização, o Estado buscou articular o apoio e a instalação de diversas

empresas estatais que viabilizassem essa ação, que depois foram privatizadas.

Trata-se de quatro conjuntos de investimentos, as novas usinas de pelotizadoras da

CVRD e de consorciadas estrangeiras, localizada junto ao Porto de Tubarão, em

Vitória, a pelotizadora SAMARCO Mineração, localizada no Município de

Anchieta, a Aracruz Celulose, no Município de Aracruz e a Companhia Siderúrgica

Tubarão, no Município da Serra. (GOMES, 2005, p. 25).

A implantação dessas empresas a partir de 1970 desencadeou diversos impactos,

promovendo uma nova configuração para o Espírito Santo. O crescimento dos bolsões de pobreza

na região da Grande Vitória, com o crescimento e a formação de novas favelas; a ampliação da

poluição, também na região da Grande Vitória, em função de sediar a maioria desses investimentos.

Em função dos graves problemas em sua implantação e funcionamento, a Aracruz

Celulose, acompanhada pela monocultura de eucalipto, acelerou o processo de concentração

fundiária, migração acelerada da população do campo para a periferia dos centros urbanos, poluição

ambiental no processo de implantação do agronegócio do eucalipto, além dos crimes cometidos

contra as comunidades tradicionais (indígenas e quilombolas) nos mesmos municípios em que a

monocultura foi instalada com maior abrangência.

Em 1967 foi criada a empresa Aracruz Florestal S.A. para fornecer carvão às indústrias

instaladas no estado e em 1972 foi criada a empresa Aracruz Celulose S.A., para a produção de

celulose para exportação. Em 1975 foi instalada a fábrica da Aracruz Celulose S.A. no município de

Aracruz, com capital público (45%) e privado (55% - sendo 36% do grupo que compõe a empresa e

19% de empréstimos externos). O Estado foi o avalista para o empréstimo externo. Para o

fornecimento de matéria prima, a empresa apropriou das terras do Litoral Norte capixaba (com o

aval do Estado legalizando a posse), promovendo a expulsão de famílias para os centros urbanos e

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implantando o monocultivo de eucalipto. Muitas famílias foram expulsas de suas terras e a Mata

Atlântica e áreas de cultivo de alimento deram lugar ao monocultivo de eucalipto. (GOMES, 2005).

Soma-se a esses projetos, que acirra ainda mais os problemas fundiários no campo

capixaba, as grandes extensões do agronegócio da cana-de-açúcar no litoral capixaba e a pecuária

extensiva principalmente no noroeste do estado. A política nacional de erradicação de pés de café

em 1962, em função da considerada baixa produtividade cafeeira e a crise do mercado, também

contribuiu para a evasão das famílias do campo capixaba.

Em meio a todos esses problemas, resistem no campo capixaba comunidades indígenas,

diversas comunidades remanescentes de quilombolas, mais de 80 assentamentos com mais de 4 mil

famílias assentadas, muitos pequenos agricultores, diversos projetos de educação do e para o

campo, as quais corajosamente desafiam os grandes projetos, que vieram acompanhados de grandes

danos à população, principalmente do campo.

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3. ESTRUTURA FUNDIÁRIA

A forma como a terra é distribuída e apropriada é determinante para a questão agrária. A

terra é limitada, tanto em quantidade quanto em qualidade, um bem da natureza, impossível de ser

produzida (produz-se na terra, mas não produzimos terra), diferente, por exemplo, da indústria que,

após ser construída, possibilita a produção de diferente quantidade e qualidades de objetos. Uma

indústria pode fabricar tantos tratores, aparelhos celulares, automóveis quanto achar necessário, de

maneira que uma pessoa possa apropriar-se de quantos necessitar e/ou permitirem seus recursos. No

caso da terra isso é impossível, pois se uma pessoa apropriar de uma imensa área impede que outros

possam produzir nela. O uso de tratores, aparelhos de celulares e automóveis é útil à humanidade,

porém não é determinante à sobrevivência, diferente da terra, base da produção de alimentos,

provindos da produção agropecuária, silvicultura e extrativismo.

A terra é imprescindível à sobrevivência da humanidade e impossível de ser reproduzida,

necessitando, portanto, a sua justa distribuição. Concentrar terra é privar outros da possibilidade do

acesso e condições de produzir alimentos e os bens materiais necessários à sobrevivência. A

distribuição da terra e sua utilização não são fatores suficientes para analisar a concentração da

renda e da riqueza, mas contribui para essa análise.

No Brasil, a concentração fundiária perpassou esses mais de quinhentos anos. As

capitanias hereditárias constituíram a primeira forma de concentrar imensas áreas de terras sob o

controle de poucos. Muitas mudanças ocorreram em toda a história do Brasil, porém a terra

continuou concentrada até os dias atuais. A luta pelo acesso e permanência na terra também

perpassou toda a história brasileira, buscando romper a privação de muitas pessoas ao seu acesso. A

concentração da terra se diferencia entre as regiões geográficas, unidades da federação e até mesmo

no interior de uma unidade da federação.

A propriedade coletiva da terra é uma necessidade no sentido da socialização dos meios de

produção, porém está longe das possibilidades no Brasil da atualidade. Nesse sentido, a distribuição

da terra em forma de unidades famílias de produção é uma possibilidade mais realizável, pois,

mesmo sendo privada, torna seu uso mais democrático e possibilita a um maior número de pessoas

o seu uso, tornando os interesses coletivos acima dos interesses individuais, disponibilizando-a para

a sobrevivência e a produção alimentícia, além de outras produções. A concentração da terra é a

base da questão agrária, a qual busca-se analisar nesse trabalho e em especial neste capítulo.

No Brasil há duas fontes de dados para analisar a estrutura fundiária: os imóveis rurais,

cujos dados são disponibilizados pelo INCRA, e os estabelecimentos agropecuários, com dados

disponibilizados pelo IBGE. Esses dados possuem diferença na sua natureza, pois,

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O INCRA elabora o cadastro dos imóveis rurais através da declaração dos

proprietários ou posseiros e por isso comporta o caráter jurídico da estrutura

fundiária, de forma que um imóvel pode ser uma propriedade ou uma posse. O

IBGE considera, nos censos agropecuários, os estabelecimentos agropecuários(...).

Os dados da estrutura fundiária, em especial aqueles do INCRA, possuem uma

dimensão política importante, com a qual devemos ser cuidadosos. O cadastro do

INCRA é abastecido com dados de natureza declaratória, não havendo

conferências com informações dos cartórios de registro de imóveis, o que indica a

fragilidade do sistema. A declaração de uma área superior ou inferior à área real do

imóvel pode ter como objetivo a redução de impostos, omissão de terras

improdutivas, ampliação de crédito rural e grilagem de terras. Por isso, devemos

considerar possíveis desvios principalmente no tamanho da área dos imóveis rurais.

Esses possíveis desvios nos dados do INCRA não os inutilizam, pois essas práticas

ilegais, por mais numerosas que possam ser, não se aplicam à maioria dos

detentores. Os dados do IBGE não estão totalmente isentos desses possíveis

desvios, porém, em virtude de sua finalidade censitária, acreditamos que haja

menos interesse dos produtores em fornecer informações falsas. (GIRARDI, 2008,

p. 202).

Em função de fazer uso dessas duas bases de informações para analisar a questão agrária

capixaba, acreditamos ser necessário tecer algumas reflexões a respeito do Censo agropecuário,

questionando o de 2006. Em primeiro lugar é preciso apresentar como o Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE define como estabelecimento agropecuário:

(...) toda unidade de produção dedicada, total ou parcialmente, a atividades

agropecuárias, florestais e aqüícolas, subordinada a uma única administração: a do

produtor ou a do administrador. Independente de seu tamanho, de sua forma

jurídica ou de sua localização em área urbana ou rural, tendo como objetivo a

produção para subsistência e/ou para venda, constituindo-se assim numa unidade

recenseável. (IBGE, 2006, p. 40.)

Os dados dos imóveis rurais serão utilizados principalmente na análise da concentração

fundiária, em específico com o índice de Gini. Os dados do IBGE serão utilizados mais amplamente

em função deste disponibilizar informações mais abrangentes e atuais sobre o uso e ocupação do

solo.

O índice de Gini mede o grau de concentração de um atributo, como é o caso do trabalho, da

renda ou da terra. É utilizado o intervalo de 0 a 1. Quanto mais próximo de zero maior é o grau de

distribuição e, quanto mais próximo de um, maior é o grau de concentração. Alguns países

membros da ONU (Organizações da Nações Unidas) têm como base a posse ou uso da terra, como é

o caso do Brasil; há países que tomam por base apenas as terras propícias para uso agropecuário,

desconsiderando as demais (mineração e preservação ambiental, por exemplo), como é o caso do

Canadá. Nesse sentido, a comparação do índice de Gini entre países, deve ser respeitado a

metodologia utilizada em cada país (MDA/INCRA, 2001; CALAÇA e RODRIGUES, 2006).

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A tabela 02 apresenta o índice de Gini nas UFs e no Brasil nos anos de 1992, 1998 e 2003,

que foram calculados a partir dos dados dos imóveis rurais disponibilizados pelo INCRA. Em 2003

o índice de Gini no Brasil era de 0,816, sendo alto o grau de concentração da terra e sua evolução

foi de apenas - 0,010 no período em análise, indicando que as políticas de reforma agrária, que

possuem a tarefa primordial (e não única) de desconcentrar a terra, não tem atendido sua função.

Onze estados tiveram suas terras ainda mais concentradas nesse período, sendo que Distrito Federal,

Tocantins, Rio Grande do Norte foram os estados que mais evoluíram na concentração da terra,

com 0,046, 0,017 e 0,013, respectivamente. Amazonas, Distrito Federal e Pará foram os estados

com maiores índice de concentração em 2003 (0,837; 0,827 e 0,823). Os outros três estados com

menor grau de concentração foram Rondônia, Amapá e Roraima (0,567; 0,585 e 0,597), todos na

região Norte do Brasil. O estado do Espírito Santo, apesar possuir o índice de Gini abaixo da média

nacional em 2003, foi o quinto estado em que a terra mais concentrou no período em análise,

passando de 0,615 para 0,626.

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Tabela 1. Evolução do Índice de GINI 1992-1998-2003

UF GINI 1992 GINI 1998 GINI 2003 Evolução 1992-2003

Acre 0,883 0,865 0,785 -0,098

Alagoas 0,783 0,783 0,784 0,001

Amapá 0,842 0,775 0,585 -0,257

Amazonas 0,935 0,927 0,837 -0,098

Bahia 0,802 0,826 0,807 0,005

Ceará 0,684 0,695 0,691 0,007

Espírito Santo 0,615 0,632 0,626 0,011

Goiás 0,717 0,72 0,72 0,003

Maranhão 0,74 0,759 0,719 -0,021

Minas Gerais 0,745 0,754 0,741 -0,004

Mato Grosso do Sul 0,807 0,806 0,805 -0,002

Mato Grosso 0,813 0,803 0,763 -0,05

Pará 0,888 0,885 0,823 -0,065

Paraíba 0,753 0,758 0,755 0,002

Pernambuco 0,757 0,756 0,742 -0,015

Piauí 0,743 0,767 0,755 0,012

Paraná 0,693 0,702 0,677 -0,016

Rio de Janeiro 0,728 0,742 0,738 0,01

Rio Grande do Norte 0,739 0,759 0,752 0,013

Rio Grande do Sul 0,713 0,718 0,693 -0,02

Rondônia 0,631 0,631 0,567 -0,064

Roraima 0,87 0,789 0,597 -0,273

Santa Catarina 0,625 0,632 0,607 -0,018

Sergipe 0,788 0,788 0,773 -0,015

São Paulo 0,75 0,754 0,744 -0,006

Tocantins 0,661 0,685 0,678 0,017

Distrito Federal 0,781 0,804 0,827 0,046

BRASIL 0,826 0,838 0,816 -0,01

Fonte: DATALUTA - Estrutura Fundiária/Cadastro do INCRA

Org.: Adelso Rocha Lima 2011.

O estudo mais detalhado sobre a estrutura fundiária capixaba se encontra no item 2.1. neste

mesmo capítulo.

O Censo Agropecuário é o mais amplo instrumento de informações sobre o campo

brasileiro. A edição de 2006 do Censo Agropecuário apresentou algumas alterações metodológicas

que têm sido questionadas por diversos pesquisadores. No que se refere a estrutura fundiária, foi

dada prioridade no detalhamento nos micros e pequenos estabelecimentos em detrimento da

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generalização do grande estabelecimento, cuja classe máxima é de 2.500 ha e mais. Esta mudança

não permite analisar a evolução dos grandes estabelecimentos (a partir de 2.500 ha), quebrando as

possibilidades de comparação histórica. Esta opção metodológica demonstra ser uma forma

discriminatória de tratar informações, de acordo interesses de um grupo social. Fazer detalhes dos

micros e pequenos estabelecimentos e agrupar os grandes estabelecimentos a partir de 2.500 ha em

um só grupo revela interesse de classe ao não revelar informações desses grupos de

estabelecimentos.

Para que pudéssemos comparar a estrutura fundiária dos anos de 1996 e 2006 do IBGE

realizamos um agrupamento com as seguintes classe: menos de 100 ha (pequeno); de 100 até menos

de 1.000 ha (médio); 1.000 ha e mais (grande). Os dados podem ser vistos na tabela 02.

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Tabela 2. Estrutura fundiária no Brasil

N° Estabe % Estabe % N° Estabe % Estabe % N° Estabe % Estabe %

ÁREA (ha) lecimento lecimento Área lecimento lecimento Área lecimento lecimento Área

Meno s de 1 512.032 280.955,44 10,54 0,08 606.808 264.819 11,73 0,08 94.776 -16.136,44 18,51 -5,74

De 1 a meno s de 2 471.298 637.186,09 9,7 0,18 442.148 563.880 8,54 0,17 -29.150 -73.306,09 -6,19 -11,5

De 2 a meno s de 5 796.724 2.543.526,59 16,39 0,72 791.778 2.485.062 15,3 0,76 -4.946 -58.464,59 -0,62 -2,3

De 5 a meno s de 10 622.320 4.420.525,94 12,81 1,25 636.337 4.484.847 12,3 1,36 14.017 64.321,06 2,25 1,46

De 10 a meno s de 20 701.417 9.799.203,59 14,43 2,77 736.792 10.289.684 14,24 3,12 35.375 490.480,41 5,04 5,01

De 20 a meno s de 50 814.695 25.438.628,71 16,76 7,19 843.911 26.120.628 16,31 7,92 29.216 681.999,29 3,59 2,68

De 50 a meno s de 100 400.375 27.455.753,27 8,24 7,76 390.874 26.482.780 7,55 8,03 -9.501 -972.973,27 -2,37 -3,54

A té 10 0 4 .3 18 .8 6 1 7 0 .5 7 5 .7 8 0 8 9 2 0 4 .4 4 8 .6 4 8 7 0 .6 9 1.7 0 0 8 6 2 1 129.787 115 .9 2 0 ,3 9 3 ,0 1 0 ,16

De 100 a meno s de 200 246.314 32.919.190,41 5,07 9,31 220.255 29.342.738 4,26 8,89 -3.793 -3.576.452,41 -10,58 -10,86

De 200 a meno s de 500 165.243 50.436.029,65 3,4 14,26 150.859 46.395.555 2,91 14,06 -14.384 -4.040.474,65 -8,7 -8,01

De 500 a meno s de 1000 58.407 40.186.297,06 1,2 11,36 53.792 36.958.185 1,04 11,2 -4.615 -3.228.112,06 -7,9 -8,03

D e 10 0 a m e no s de 10 0 0 4 6 9 .9 6 4 12 3 .5 4 1.5 17 10 3 5 4 2 4 .9 0 6 112 .6 9 6 .4 7 8 8 3 4 -45.058 -10 .8 4 5 .0 3 9 ,13 -9 ,5 9 -8 ,7 8

10 0 0 a m a is 4 9 .3 5 8 15 9 .4 9 3 .9 4 9 ,10 1,0 2 4 5 ,0 1 4 6 .9 11 14 6 .5 5 3 .2 18 0 ,9 1 4 4 ,4 2 -2.447 -12 .9 4 0 .7 3 1,10 -4 ,9 6 -8 ,11

Sem declaração 21.682_

0,45_ _ _ _ _ _ _ _

P ro duto r s em área_ _ _ _

255.024_ 4,93 _ _ _ _ _

Total 4.859.865 353.611.245,84 100 100 5.175.489 329.941.396 100 100 315.624 -23.669.849,84 6,49 -6,69

Área (ha) Área (ha)

Fonte: Censo agropecuário 1996 - 2006  Org.: Adelso Rocha Lima 2011.

CLASSE DE

1996 2006 EVOLUÇÃO 1996/2006

Área (ha)

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38

A partir da tabela 02 é possível verificar que no Brasil 89% dos estabelecimentos

agropecuários são pequenos, ocupando apenas 21% da área. Os médios estabelecimentos, com

apenas 8% do número, ocupa 34% da área. Ao somarmos os médios e grandes estabelecimentos,

estes possuem juntos apenas 8,91% do número e 78,42% da área, ou seja, menos de 10% dos

estabelecimentos possuem juntos mais área do que os outros 89%.

Constata-se que os estabelecimentos agropecuários pequenos são numerosos, porém

representam pouco em área, sendo que houve redução no número e uma pequena elevação na área

no período de 1996-2006. Em 1996 os estabelecimentos agropecuários pequenos representavam

89% do total de estabelecimentos. Contudo, a área compreendida por esses estabelecimentos

correspondia a 20% do total. Já em 2006 o número de estabelecimentos caiu para 86% e a área

obteve uma pequena elevação para 21%. Já os médios estabelecimentos perderam participação no

número, de 10% para 8% e na área, de 35% para 34%. Por fim, os grandes estabelecimentos

reduziram sua participação tanto no número, de 1,02% para 0,91%, quanto na área, de 45,1% para

44,42%. Porém é necessário frisar que menos de 1% dos estabelecimento (grandes) representam

quase 50% da área dos estabelecimentos, enquanto que 86% dos estabelecimentos (pequenos)

representam apenas 21% da área. A terra é ainda muito concentrada.

Com essas mesmas informações contidas na tabela 02 podemos fazer outras análises e

constatar o quanto a terra é concentrada no Brasil. Se em 1996 os pequenos estabelecimentos

possuíam uma área média de 16,34 ha por estabelecimento, em 2006 esse mesmo grupo de

estabelecimento possui uma área média de 15,89. Ou seja, houve uma redução da área média dos

pequenos estabelecimentos no período. Os médios estabelecimentos ampliaram sua área média de

262,87 ha para 265,22 ha. Já os grandes estabelecimentos apresentaram redução, indo de 3.231,37

para 3.124,06 no período 1996-2006. O gráfico 01 contribui nessa análise, tornando visível a má

distribuição da terra no Brasil. São muitos estabelecimentos com pouca área e poucos

estabelecimentos com muita área.

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39

Gráfico 1 Estrutura fundiária Brasil 2006

A terra no Brasil continua muito concentrada e 11 das 27 Unidade da Federação tiveram a

terra ainda mais concentrada, considerando que já é alto o grau de concentração da terra no Brasil.

Considerando que a concentração da terra é diretamente proporcional à desigualdade

socioeconômica no Brasil, é necessário a implementação de políticas mais eficazes de

desconcentração de renda e riqueza, conjugada com políticas de desconcentração da terra.

2.1. Estrutura Fundiária Capixaba.

Ao analisar a estrutura fundiária capixaba utilizamos dados dos imóveis rurais, a partir do

índice de Gini que calcula o grau de concentração fundiária. Tem como base a estrutura fundiária de

1992, 1998 e de 2003 do INCRA. Para Girardi

[...] o critério mais adequado para o cálculo do índice de Gini para a estrutura

fundiária seria adotar como unidade básica o proprietário e a área total da qual é

detentor, não importando a contigüidade ou localização dos imóveis. Isso,

contudo, não é possível, devido ao formato de divulgação dos dados do INCRA

(GIRARDI, 2008, p. 203).

Em 2003 o índice de Gini no Espírito Santo foi de 0,626. Apesar de ser baixo em relação

às demais Unidades da Federação, estando na 22ª colocação na ordem de concentração da terra,

conforme Tabela 02, a terra, gradativamente, ficou mais concentrada no período de 1992-2003,

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40

estando em 5ª colocação entre os estados que tiveram suas terras mais concentradas no período em

análise. Isso demonstra que, apesar da criação de alguns assentamentos de reforma agrária nesse

período, isso não repercutiu na desconcentração da terra, pelo contrário, ela ficou mais concentrada.

A Tabela 3 apresenta os dados do Índice de Gini do período de 1992, 1998 e de 2003 dos

municípios capixabas.

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Tabela 3. Espírito Santo: Índice de Gini 1992–1998–2003 e evolução 1992-2003

GIN I GIN I GIN I EVOLUÇÃ O GIN I GIN I GIN I EVOLUÇÃ O

19 9 2 19 9 8 2 0 0 3 19 9 2 - 2 0 0 3 19 9 2 19 9 8 2 0 0 3 19 9 2 - 2 0 0 3

Co nc. da Barra 0,817 0,868 0,811 -0,006 Do res do Rio P re to 0,568 0,572 0,544 -0,024

Vila Velha 0,846 0,832 0,799 -0,047 Muniz Fre ire 0,564 0,564 0,535 -0,029

Itapemirim 0,76 0,768 0,766 0,006 Iba tiba 0,547 0,537 0,534 -0,013

Serra 0,688 0,728 0,755 0,067 P iúma 0,579 0,595 0,528 -0,051

Aracruz 0,621 0,778 0,754 0,133 Alto Rio No vo 0,58 0,53 0,527 -0,053

Mucuric i 0,725 0,739 0,747 0,022 S. Leo po ldina 0,455 0,491 0,523 0,068

São Mateus 0,716 0,74 0,739 0,023 Bre je tuba X X 0,522_

P o nto Belo X X 0,71_

Venda N. do Imigrante 0,525 0,505 0,518 -0,007

Linhares 0,682 0,692 0,705 0,023 P ancas 0,525 0,528 0,517 -0,008

Eco po ranga 0,675 0,684 0,697 0,022 S. J o s é do Calçado 0,525 0,53 0,517 -0,008

P inhe iro s 0,66 0,667 0,695 0,035 Águia Branca 0,495 0,515 0,516 0,021

Mo ntanha 0,634 0,657 0,691 0,057 Vila Valério X X 0,515_

P edro Canário 0,7 0,689 0,682 -0,018 Co nc . do Cas te lo 0,476 0,454 0,5 0,024

So o re tama X X 0,666_

Vargem Alta 0,489 0,494 0,5 0,011

Mimo s o do Sul 0,618 0,628 0,641 0,023 Água Do ce do No rte 0,491 0,488 0,498 0,007

Guaçui 0,614 0,62 0,637 0,023 S. Do mingo s do No rte X 0,501 0,497_

Mara ta izes X X 0,633_

Cas te lo 0,494 0,492 0,495 0,001

Viana 0,576 0,595 0,626 0,05 Rio No vo do Sul 0,49 0,489 0,492 0,002

Bo a Es perança 0,577 0,623 0,622 0,045 S. Gabrie l da P a lha 0,497 0,5 0,491 -0,006

Cariac ica 0,608 0,655 0,617 0,009 Irupi X 0,522 0,487_

Apiacá 0,602 0,606 0,616 0,014 Afo ns o Cláudio 0,493 0,498 0,484 -0,009

P res id. Kennedy 0,597 0,601 0,605 0,008 Ibiraçu 0,468 0,473 0,483 0,015

Muqui 0,606 0,601 0,601 -0,005 Santa Teres a 0,443 0,451 0,48 0,037

Baixo Guandu 0,595 0,597 0,597 0,002 Itaguaçu 0,459 0,464 0,469 0,01

Fundão 0,621 0,597 0,597 -0,024 Vila P avão X 0,458 0,469 0,469

Anchie ta 0,631 0,603 0,596 -0,035 Marecha l F lo riano X 0,443 0,467_

Atílio Vivacqua 0,588 0,594 0,595 0,007 Ico nha 0,463 0,464 0,462 -0,001

C. de Itapemirim 0,59 0,604 0,591 0,001 Rio Bananal 0,451 0,46 0,46 0,009

J erô nimo Mo nte iro 0,573 0,587 0,585 0,012 Marilândia 0,455 0,464 0,459 0,004

B. J es us do No rte 0,527 0,571 0,578 0,051 J o ão Neiva 0,438 0,444 0,453 0,015

No va Venéc ia 0,549 0,564 0,57 0,021 Go v. Lindenberg X X 0,452_

Barra de S . Franc is co 0,584 0,589 0,568 -0,016 Do mingo s Martins 0,423 0,436 0,449 0,026

J aguaré 0,573 0,582 0,568 -0,005 Alfredo Chaves 0,414 0,43 0,444 0,03

Alegre 0,575 0,58 0,566 -0,009 Ita rana 0,448 0,47 0,442 -0,006

Guarapari 0,523 0,548 0,564 0,041 Laranja da Terra 0,406 0,429 0,421 0,015

Co la tina 0,534 0,538 0,552 0,018 S. Maria de J e tibá 0,431 0,42 0,416 -0,015

Ibitirama 0,538 0,534 0,551 0,013 S. Ro que do Canaã X X 0,411_

Mantenó po lis 0,536 0,537 0,549 0,013 ES P ÍR ITO S A N TO 0 ,6 15 0 ,6 3 2 0 ,6 2 6 0,011

Vitó ria 0,545 0,506 0,549 0,004

Iúna 0,552 0,563 0,547 -0,005

Divino de S . Lo urenço 0,571 0,564 0,544 -0,027

data, não havendo evolução no período em análise.

M UN IC ÍP IOS

F o nte : DATALUTA – Es trutura fundiária / Cadas tro do INCRA

M UN IC ÍP IOS

Org . Adels o Ro cha Lima 2011.

* Com X estão os municípios que foram criados a partir dessa

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42

Em 2003 vinte e cinco municípios capixabas (32%) estavam com índice de Gini até 0,500,

considerado médio/baixo. Estes municípios localizam-se principalmente no oeste do estado, região

com declividade mais elevada. Quarenta e quatro municípios (56,4%) possuíam índice de Gini

compreendido entre mais de 0,500 a 0,700. É a classe mais frequente e distribuída por todo o

estado. Nove dos municípios capixabas (11,53%) possuíam índice de Gini superior a 0,700. Estes

municípios estão predominantemente no Litoral e Noroeste do estado, região com menor

declividade topográfica, favorecendo a produção agropecuária extensiva, além de dispor de boa

malha rodoviária, facilitando o escoamento da produção. Alguns desses municípios se destacam,

como é o caso de Conceição da Barra (0,811), Itapemirim (0,766), Aracruz (0,754), Mucurici (0,

747), São Mateus (0,739), Ponto Belo (0,710) e Linhares (0,705). No período em análise (1992-

2003), em seis desses municípios a terra ficou ainda mais concentrada. Em um a terra

desconcentrou e um desses municípios foi criado nesse período, não sendo possível fazer

comparações. Isso demonstra que é crescente a concentração fundiária também nos municípios em

que a terra já é concentrada.

Entre os municípios de menor concentração fundiária, estão São Roque do Canaã (0,411),

Santa Maria de Jetibá (0,416), Laranja da Terra (0,421), Itarana (0,442), Alfredo Chaves (0,444),

Domingos Martins (0,449), Governador Lindemberg (0,452) e João Neiva (0,453). Estes

municípios estão predominantemente nas áreas em que o relevo possui maior declividade. Nesse

período quarenta e quatro municípios (56,41%) tiveram elevação da concentração da terra e vinte e

quatro desconcentraram (30,76 %) e dez municípios (12,28 %) foram criados no período em

análise. Os dados do índice de Gini afirmam que a estrutura fundiária no Espírito Santo está

caminhando para uma crescente concentração da terra, tanto no índice estadual (tabela 01), como na

maioria dos municípios (tabela 03).

Através do mapa do índice de Gini do ano de 2003 é possível perceber onde a terra está

concentrado no Espírito Santo. Esses municípios localizam-se principalmente no Noroeste, Litoral

Norte e Sul do estado. Os municípios com baixo índice de Gini (até 0,500) estão

predominantemente no oeste do estado. Os municípios com alto índice de Gini são os mesmos em

que há predominância de pecuária extensiva, monocultura de eucalipto e cana-de-açúcar. No

capítulo 04 sobre produção agropecuária essas informação são melhores explicitadas.

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43

Mapa 1 Índice de GINI 2003.

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44

A partir de dados dos estabelecimentos agropecuários para a análise da questão agrária,

possibilita confirmar a má distribuição da terra no Espírito Santo, tanto no que diz respeito aos

grupos de área, assim como, quando se faz o comparativo entre os municípios. O Espírito Santo é

uma das Unidades da Federação que há grande número de pequenos estabelecimentos

agropecuários, porém, proporcionalmente, representam pouca área. No outro extremo, os médios e

grandes estabelecimentos agropecuários, são poucos em número, mas ocupam imensa área. É o que

podemos ver na tabela 04.

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Tabela 4. Estrutura fundiária no Espírito Santo

CLASSE DE N° Estabe % Estabe N° Estabe % Estabe N° Estabe % Estabe

ÁREA (ha) lecimento lecimento lecimento lecimento lecimento lecimento

Menos de 1 1.308 606,641 1,78 0,02 3.569 1.540 4,22 0,05 2.261 933 246,84 153,86

De 1 a menos de 2 1.943 2.534,84 2,65 0,07 4.433 5.839 5,26 0,21 2.490 3.304 211,09 130,35

De 2 a menos de 5 8.900 31.456,27 12,14 0,9 15.397 52.275 18,25 1,84 6.497 20.819 109,11 66,18

De 5 a menos de 10 11.341 85.594,53 15,47 2,45 16.849 123.426 19,97 4,35 5.508 37.831 62,01 44,2

De 10 a menos de 20 15.456 224.620,01 21,09 6,44 16.544 230.886 19,61 8,14 1.088 6.266 12,6 2,79

De 20 a menos de 50 19.759 625.373,99 26,96 17,93 16.638 514.150 19,72 18,12 -3.121 -111.224 -13,05 -17,79

De 50 a menos de 100 8.197 565.644,34 11,18 16,21 5.872 397.878 6,96 14,02 -2.325 -167.766 -26,53 -29,66

Até 100 ha 66.904 1.535.830,63 91,27 44,02 79.302 1.325.994 93,99 46,73 12.398 -209.837 27,83 -13, 66

De 100 a menos de 200 3.691 507.063,16 5,04 14,53 2.533 346.369 3 12,2 -1.158 -160.694 -29,68 -31,69

De 200 a menos de 500 1.944 590.401,57 2,65 16,92 1.423 425.945 1,69 15,01 -521 -164.457 -25,26 -27,86

De 500 a menos de 1000 467 316.342,91 0,64 9,07 343 230.444 0,41 8,12 -124 -85.899 -25,43 -27,15

De 100 a menos de 1000 6.102 1.413.807,64 8,33 40,52 4.299 1.002.758 5,1 35,33 -1.803 -411.050 -27,94 -29,07

De 1000 a mais 202 539.086,23 0,28 15,45 157 509.426 0,18 17,95 -45 -29.660 -19,07 -27,61

Sem declaração 80 _ _ _ _ _ _ _ -80 _ _ _

Produtor sem área _ _ _ _ 598 _ 0,71 _ 598 _ _ _

Total 73.288 3.488.724,50 100 100 84.356 2.838.178,00 100 100 11.068 -650.547 23,69 -22,31

Fonte: IBGE Censo agropecuário 1996 - 2006  Org.: Adelso Rocha Lima 2011.

% Área Área (ha) Área (ha)

ESTRUTURA FUNDIÁRIA - ESPÍRITO SANTO 1996 - 2006

1996 2006 EVOLUÇÃO 1996/2006

% Área Área (ha) % Área

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46

O Censo Agropecuário de 2006 revela que os 79.302 pequenos estabelecimentos

agropecuários (93,99 % do total), ocupam uma área de 1.325.994 hectares (46,73 % do total). São

muitos pequenos estabelecimentos, mas respondem por pequena área de terra. Os médios

estabelecimentos, com 5,19 % do número, respondem por 35,33 % da área. Os grandes

estabelecimentos com 0,18% do número dos estabelecimentos são responsáveis por 17,95% da área.

A disparidade entre o número e a área de cada grupo de área dos estabelecimentos é

enorme. A área média dos pequenos estabelecimentos caiu de 22,95 ha para 16,72 ha cada, no

período em análise. Os médios estabelecimentos agropecuários tiveram sua área média ampliada de

231,69 ha para 233,25 ha por estabelecimento agropecuário no mesmo período.

Os grandes estabelecimentos também ampliaram sua área média no período, de 2.668,74

para 3.244,75 ha por estabelecimento. Nesse sentido, um grande estabelecimento comporta 194,06

pequenos estabelecimentos. Sinal de que, se fosse distribuído os grandes estabelecimentos em

pequenos, de 100 ha em média, seria possível torná-los 5.094 estabelecimentos agropecuários e não

apenas 157 como estão hoje. Os médios e grandes estabelecimentos representam juntos 5,28% do

número, porém ocupam uma área de 53,28% do total.

O gráfico 02 apresenta a distribuição dos estabelecimentos agropecuários por grupo de área

no Espírito Santo a partir do Censo Agropecuário de 2006.

Gráfico 2 Estrutura fundiária Espírito Santo 2006

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Se comparada em nível nacional, a estrutura fundiária capixaba possui menor concentração

da terra. Isso não o torna um estado com terra desconcentrada. Pelo contrário, a concentração é

apenas menor que outras Unidades da Federação. Mesmo havendo grande parte dos municípios com

o índice de Gini abaixo da média nacional, há diversos municípios com elevado índice de Gini, ou

seja, a concentração da terra não é homogênea em nível estadual, conforme observado na Tabela 04.

Ao partir das informações do índice de Gini dos imóveis rurais e o número e áreas dos

estabelecimentos agropecuários por grupo de área, constatamos que a estrutura fundiária no Espírito

Santo sofreu pequenas alterações, longe da desconcentração fundiária esperada pela população

excluída do direito e interessada ao acesso e uso da terra.

Ao aprofundarmos essa análise, podemos perceber que há uma diferenciação entre alguns

municípios e regiões no Espírito Santo. Através do mapa 02, percebe-se a distribuição dos

estabelecimentos agropecuários por grupo de área no estado do Espírito Santo. Os pequenos

estabelecimentos agropecuários estão presentes em quase todos os municípios capixabas,

predominantemente no Centro-Oeste do estado, estendendo para o litoral Sul e menos presente no

Litoral Norte capixaba. No Centro-Oeste do estado a área dos pequenos estabelecimentos é

proporcionalmente maior que os médios estabelecimentos em cada município, com a ausência dos

grandes estabelecimentos. No Sul e litoral Sul do estado os pequenos e médios estabelecimentos

possuem área proporcionalmente semelhante na maioria dos municípios.

Em alguns municípios do Sul do estado os médios estabelecimentos possuem área

proporcionalmente maior que os pequenos estabelecimentos. Os médios estabelecimentos

agropecuários estão presentes em quase todos os municípios do estado. Os grandes

estabelecimentos agropecuários estão presentes no extremo norte, Litoral Norte e alguns poucos

municípios do Noroeste do estado. Mas é no Litoral Norte capixaba, principalmente em Conceição

da Barra e São Mateus em que os grandes estabelecimentos agropecuários possuem área

proporcionalmente maior que a soma dos pequenos e médios estabelecimentos.

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Mapa 2 Estabelecimentos agropecuários por grupo de área 2006

No Litoral Norte capixaba, conforme tratamos no capítulo 02, a partir da década de 1960,

em função dos projetos desenvolvimentista, foi implantado o agronegócio do eucalipto para

produção de papel e celulose, ocupando grande extensão de área. É no norte capixaba que foram

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instalados também os projetos de cana-de-açúcar para a produção de açúcar e álcool e a pecuária

extensiva. Estes grandes projetos do agronegócio têm promovido a pauperização e desintegração

dos camponeses. O agronegócio tem avançado principalmente no norte capixaba, região em que há

comunidades quilombolas e indígenas.

As “terras de preto” em Conceição da Barra e São Mateus, o Sapê do Norte,

território ancestral quilombola, e também as terras Tupi-Guarani em Aracruz e seus

aldeamentos em movimento, foram os lugares da invisibilidade e da expulsão

(BARCELOS, 2010, p. 129).

Somou-se a essa condição de posse da terra outro fator, como a baixa declividade do

relevo. No Centro-Oeste, Sul e parte do litoral Sul capixaba o relevo possui declividade alta,

justamente na região em que há a predominância dos camponeses nos estabelecimentos

agropecuárias e menor concentração fundiária, pois o agronegócio encontra restrições nessas terras,

as quais são cultivadas principalmente por camponeses. Consta no mapa 03 a declividade do relevo

do estado do Espírito Santo.

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Mapa 3 Declividade do relevo do estado do Espírito Santo

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As áreas de baixa declividade do relevo estão, com maior predominância, no Litoral Norte,

estendendo-se para o extremo norte e parte do litoral Sul do estado. As regiões com maior

declividade do relevo estão principalmente no noroeste, Centro-Oeste, Sul e litoral Sul do estado.

Para explicitar a diferenciação do grau de concentração da terra nas diferentes regiões do

Espírito Santo tomamos como referência dois municípios nos quais há grande concentração

fundiária e dois em que a terra é bem distribuída. Os gráficos que seguem fazem a comparação da

porcentagem do número e da área dos estabelecimentos agropecuários por grupo de área. Os dois

primeiros estão no Litoral Norte capixaba, região com grande concentração fundiária; o terceiro e

quarto estão no Centro-Oeste do estado, região em que a maioria dos municípios tem sua área

ocupada pelos pequenos estabelecimentos agropecuários.

Em Conceição da Barra os pequenos estabelecimentos representam 94% do número, mas

apenas 4% da área. Já os grandes estabelecimentos representam apenas 1,5% do número, mas com

87% da área. Ao considerarmos os médios e grandes estabelecimentos juntos, constatamos que

estes possuem 5,% do número e 93% da área. Este município tem destaque na concentração

fundiária no Espírito Santo. Neste município está presente grande extensão de área com a

monocultura de eucalipto para celulose e monocultura de cana-de-açúcar para a produção de açúcar

e álcool. Pedro Canário também se destaca pela concentração fundiária. 78 % dos estabelecimentos

são pequenos, ocupando uma área de apenas 16%. Os médios estabelecimentos agropecuários

representam 21% do número, mas apenas 59% da área.

Os municípios de Santa Maria de Jetibá e Alfredo Chaves têm destaque pela melhor

distribuição da terra no Espírito Santo. Em Santa Maria de Jetibá, 98% dos estabelecimentos são

pequenos e ocupam uma área de 95%. Em Alfredo Chaves 96% dos estabelecimentos são pequenos

ocupando uma área de 75%. Ambos os municípios não possuem grandes estabelecimentos

agropecuários. Os médios estabelecimentos são proporcionalmente pouquíssimos, tanto em número

quanto em área.

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Gráfico 3 Estrutura fundiária dos municípios de Conceição da Barra, Pedro Canário, Santa Maria de Jetibá e

Alfredo Chaves 2006

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Como podemos perceber, a terra no Espírito Santo é altamente concentrada em algumas

regiões e de menor concentração em outras. Os camponeses no Brasil e em específico no Espírito

Santo sempre lutaram pelo acesso e uso da terra, porém nunca houve políticas públicas que

pudessem contribuir na distribuição da terra. Pelo contrário, os grandes proprietários sempre foram

favorecidos com políticas públicas. Como afirma Oliveira:

[...] a terra, particularmente no Brasil adquiriu o caráter de reserva de valor, reserva

patrimonial, ou seja, a terra é apropriada principalmente com fins especulativo e

não para produzir [...]. É assim que se retêm terrenos urbanos vazios e latifúndios

improdutivos. (OLIVEIRA, 2007, p. 64).

A terra sempre esteve associada ao poder. Os grandes proprietários de terra são, na maioria

das vezes, os mesmo que detêm o poder político e econômico em um município ou região. Ter terra

nessas condições pode facilitar o acesso aos financiamentos públicos, subsidiados pelo Estado.

Quanto maior o tamanho de um estabelecimento, maior a possibilidade e o volume de recurso que

uma pessoa ou empresa pode acessar dos cofres públicos. Quanto maior um estabelecimento, maior

a possibilidade dessa pessoa acumular riqueza. Terra distribuída é uma possibilidade de renda e

riqueza distribuída. Apropriar de imensas áreas de terra é privar outros ao acesso e uso da terra.

Lutar pela terra deve fazer parte da luta dos trabalhadores pela sua emancipação econômica

e política. Oliveira afirma que “a luta pela terra não se pode restringir apenas e especificamente, à

luta pelo direito do acesso a terra; deve, isto sim, ser a luta contra quem está por trás da propriedade

capitalista da terra, ou seja, o capital.” (OLIVEIRA, 2007, p. 67).

No caso brasileiro, os detentores do poder sempre foram contrários à distribuição da terra.

Nesse caso a luta pela terra está intrinsecamente relacionada à luta pelo poder. É por isso que o

acesso à terra pelos camponeses nunca foi facilitado, incentivando assim a luta permanente e de

forma coletiva. A luta deve ser feita tanto para o acesso quanto pela permanência na terra.

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4. USO E OCUPAÇÃO DA TERRA

Segundo o IBGE, conforme Censo Agropecuário 2006, dos 2.838.178 hectares de terras

dos estabelecimentos agropecuários em 2006 no Espírito Santo, 26,5% eram ocupadas com

lavouras, 47,22% ocupadas com pastagens e 20,63% ocupadas com matas e florestas. No período de

1996-2006 houve uma redução de 650,5 mil hectare na área dos estabelecimentos agropecuários,

conforme tabela 04. As áreas ocupadas com lavoura e pastagem sofreram redução de 15% e 26%,

respectivamente, tendo sido as matas e florestas aumentadas em 19%. Essas área estão assim

distribuídas pelos municípios, conforme o mapa que segue:

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Mapa 4 Uso da terra em 2006

Os estabelecimentos agropecuários ocupados com lavoura encontram-se bem distribuídos

na grande maioria dos municípios, porém com proporcionalidade baixa em relação à área ocupada

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com pastagem. As áreas de pastagens estão em quase todos os municípios capixabas e são bem

expressíveis em proporcionalidade de área em cada um, com exceção de alguns municípios do

Centro-Oeste do estado. As áreas com pastagem sofreram redução no período de 1996/2006, as

quais foram contabilizadas nas áreas com lavoura e matas e florestas.

As áreas de matas e florestas passaram de 2,49 mil hectares para 3,07 mil hectares. Essas

áreas estão principalmente no Litoral Norte e Centro-Oeste do estado. No Litoral Norte

predominam os grandes estabelecimentos e no Centro-Oeste predominam os pequenos

estabelecimentos.

Em função da monocultura do eucalipto ser contabilizado nas áreas as florestas plantadas,

as quais foram as que mais ampliaram sua área nesse período, vejamos algumas considerações. A

partir do Censo Agropecuário de 2006 constata-se que as florestas plantadas estavam assim

distribuídas: 17,88% nos pequenos estabelecimentos; 10,84% nos médios e 71,26% nos grandes.

Nesse mesmo período a produção de madeira em tora para papel e celulose subiu de 4.846.515 m³

para 5.269.324 m³. No período de 1990 a 2009 a produção de eucalipto para papel e celulose teve

um de crescimento de 368,34%. Isso contribui na afirmação de que a ampliação da área com matas

e floresta no Litoral Norte se dá em função da ampliação do plantio de eucalipto, como é o caso dos

municípios de Conceição da Barra, São Mateus e Aracruz.

A partir dos mapas que apresentam a evolução em porcentagem da área com lavoura,

pastagem, matas e florestas, no período de 1996-2006 é possível fazer as seguintes constatações:

a) Pedro Canário, Pinheiro, Mucurici, Montanha, São Mateus, Boa Esperança, Jaguaré e Rio

Bananal no norte do estado, foram os municípios que ampliaram suas áreas com lavoura e

reduziram com pastagem.

b) Outros municípios, como Ibatiba, Irupi, Iuna, Vargem Alta, Marechal Floriano, Itarana e

Santa Tereza, também elevaram suas áreas com lavoura e reduziram com pastagem.

c) Os municípios de Barra de São Francisco, Águia Branca e Itapemirim ampliaram suas áreas

com pastagem e reduziram com lavoura.

d) Os municípios no Litoral Norte que mais ampliaram suas áreas com matas e floresta foram:

Aracruz (10,63%), Pinheiro (8,9%), Conceição da Barra (8,33%) e São Mateus (6,76%).

e) No Centro-Oeste e litoral Sul, os municípios que mais ampliaram suas áreas com matas e

florestas foram: Rio Novo do Sul (17,38%), Santa Leopoldina (14,6%), Alfredo Chaves

(11,56%) e Santa Maria de Jetibá (9,44%).

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Prancha 1 Evolução da área com lavoura, pastagem e matas e florestas

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No período 1996-2006 o Espírito Santo teve redução percentual de sua área com pastagem

em -27,7%. Maior que nos demais estados da região Sudeste e da média nacional, ou seja, São

Paulo e Minas Gerais evoluíram -18,9% e -5,2% respectivamente, enquanto Rio de Janeiro evoluiu

+3,9%. A média nacional foi de -3% no mesmo período. A redução da área de pastagem indica o

avanço do agronegócio no campo brasileiro e, em específico, no Espírito Santo. É a lógica de

superação do latifúndio improdutivo pelo agronegócio. Altera-se a forma e a intensidade de

exploração da terra, mantendo a concentração fundiária.

O projeto desenvolvimentista a partir de 1960 expropriou os camponeses, principalmente

no Litoral Norte, substituindo grande parte da mata atlântica pelo agronegócio de eucalipto e da

cana-de-açúcar. No Noroeste as extensas áreas de pastagens tem sido reduzida, em função do

agronegócio da cana e do eucalipto. Contudo, os camponeses continuam resistindo nessas regiões.

O agronegócio nos grandes estabelecimentos são pouco representativos no Centro-Oeste do estado,

região de alta declividade do relevo, onde encontra-se a maioria dos migrantes europeus, os quais

compõe as comunidades de camponeses.

4.1. PRODUÇÃO E OCUPAÇÃO

Em função da intensa migração da população rural a partir da década de 1960 a população

capixaba passou a se concentrar nos centros urbanos. Em 2010 a população do estado era de 3,5

milhões de habitantes, sendo 84,36% urbana e 15,64% rural. Esta população urbana está

concentrada na região metropolitana da Grande Vitória, conforme mapa 05 a seguir.

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Mapa 5 População rural e urbana 2010

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Dos 3,5 milhões de habitantes capixabas, conforme o Censo Demográfico de 2010, 48,01%

estão na região metropolitana de Vitória, ou seja, 1,68 milhões de habitantes em apenas sete

municípios. A população urbana na Grande Vitória representa 56,59% de toda a população urbana

capixaba.

Mesmo com alta taxa de urbanização, 21 municípios capixabas (26,9% do total) possuem a

população rural relativamente maior que a urbana, com destaque para Santa Leopoldina (78,64%),

Domingos Martins (75,69%), Brejetuba (71,33%) e Laranja da Terra (67,41%), todos esses

municípios estão na região Centro-Oeste do estado. Presidente Kennedy é o único município

litorâneo que possui a população rural maior que a urbana, ou seja, 66,65%. Esses 21 municípios

com população rural maior que a população urbana representam apenas 7,59% da população

capixaba e 19 desses possuem menos de 20 mil habitantes cada, ou seja, são municípios com baixa

população.

Os pequenos estabelecimentos agropecuários com apenas 46,73% da área total dos

estabelecimentos capixabas são responsáveis por 84,6% da mão-de-obra na atividade agropecuária,

os médios por 12,43% e os grandes por apenas 4,08%. A partir do mapa 06 podemos constatar a

distribuição da população capixaba por grupo de área dos estabelecimentos agropecuários.

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Mapa 6 Mão-de-obra ocupada nos estabelecimentos por grupo de área 2006

A mão-de-obra nos pequenos estabelecimentos agropecuários é predominante no Centro-

Oeste e Sul do estado. Os municípios de São Mateus e Linhares, no Norte do estado, apesar de

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serem responsáveis por um número relativamente grande da mão-de-obra, boa parte desta está nos

médios e grandes estabelecimentos. Os municípios de Pinheiro e Montanha, ambos no Litoral Norte

capixaba, são os que possuem maior proporcionalidade de mão-de-obra nos médios

estabelecimentos, 47,58% e 37,75%, respectivamente. A mão-de-obra no meio rural capixaba

envolvida nos grandes estabelecimentos estão prioritariamente no Litoral Norte capixaba e em

apenas dois municípios do Centro-Oeste, sendo Baixo Guandu e Brejetuba. O município de

Itapemirim, no Sul do estado, também possui grande parte da mão-de-obra envolvida nos grandes

estabelecimentos.

A agricultura camponesa, com apenas 34% da área dos estabelecimentos agropecuários, é

responsável por 74,38% da mão-de-obra ocupada nos estabelecimentos agropecuários em 2006,

conforme Censo Agropecuário. A agricultura capitalista, com 66% da área dos estabelecimentos

agropecuários, emprega apenas 34% da mão-de-obra na agropecuária. (IBGE, 2010)2. A partir do

mapa que segue é possível perceber a distribuição dessa população nos municípios capixaba.

2 A agricultura camponesa foi considerada, prioritariamente os pequenos e médios estabelecimentos que usam mão-de-

obra familiar; a agricultura capitalista utiliza mão-de-obra assalariada ou outra forma de contrato, mesmo sendo nos

pequenos, médios ou grandes estabelecimentos.

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Mapa 7 Distribuição da população ocupada nos estabelecimentos agropecuários 2006

A agricultura camponesa é responsável pela mão-de-obra envolvida nos estabelecimentos

agropecuários na grande maioria dos municípios capixaba. Apenas quatro municípios no Litoral

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Norte do estado possuem a maioria da mão-de-obra envolvida na agricultura capitalista, sendo

Pedro Canário (67,71%), Linhares (65,77%), Pinheiro (65,44%) e Montanha (50,6%). Municípios

como Santa Maria de Jetibá e Domingos Martins, ambos na região Centro-Oeste, possuem grande

número da população atuando na agricultura e desta 80,99% e 78,16% respectivamente, estão na

agricultura camponesa.

O Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), que subsidia as políticas pública capixaba a

partir da gestão de informações, publicou em 2010 um relatório chamado “Perfil da Pobreza no

Espírito Santo”, mapeando as características gerais da população de baixa renda, as quais estão

inscritas no Cadastro Único (Cadúnico).

O Cadastro Único incorpora dados de famílias que tenham renda familiar per capita

de até meio salário mínimo ou renda familiar de até 03 salários mínimos. Não

obstante, famílias com renda superior a meio salário mínimo per capita poderão ser

incluídas no cadastro, desde que sua inclusão esteja vinculada à seleção ou ao

acompanhamento de programas sociais implementados pela União, pelos estados

ou pelos municípios (IJSN 2010, não pag.).

A partir da análise desse documento e relacionando com a estrutura fundiária capixaba,

constata-se grande concentração de pobres na região Norte do estado, assim como maior número de

municípios com alto índice de pobreza nessa mesma região, justamente a que possui maior

concentração fundiária capixaba. Conforme consta no documento

Observa-se uma maior concentração de pobres na porção Norte do estado. [...]

Também ao nível de desagregação dos dados por municípios observa-se maior

concentração de municípios com percentuais mais elevados na porção Norte do

estado. (IJSN, 2010, p. 14).

Ainda a partir do documento do IJSN, dos domicílios com incidência de pobreza no

Espírito Santo, 27,5% estão no meio rural e 72,5% estão no meio urbano. No Norte 78,3% da

população pobre esta no meio urbano. 23,9% das famílias cadastradas no Cadúnico no Espírito

Santo não é beneficiada com o serviço público de coleta de lixo, 39,6% não possui esgotamento

sanitário adequado, 26,7% possui abastecimento de água inadequado, ou seja, através de carro pipa,

poço/nascente ou outro, 18,5% utilizam água sem nenhum tratamento. A falta de saneamento básico

agrava ainda mais a situação de pobreza em que vivem estas famílias.

O acesso à educação é um outro serviço essencial, que deve ser público, mas 15,5% da

população pobre, de 4 a 17 anos não frequentam à escola. Quando considerado a educação infantil,

de 0 a 6 anos, o número de pessoas que não frequentam a escola sobe para 81,7%. Em relação às

pessoas de 4 aos 17 anos de idades, portadoras de algumas deficiência, 23,4% não frequentam a

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escola. Entre as pessoas a partir dos 6 anos de idade, 14,5% são analfabetos e 67,7% possuem o

ensino fundamental incompleto. A partir dos 18 anos, os analfabetos correspondem a 14,9% dessa

população e os que possuem ensino fundamental incompleto correspondem a 66%. Da população

que frequenta escola 99,6% estão na rede pública.

No quesito trabalho, o qual possibilita às pessoas e famílias conseguirem sua auto

sustentação, também é desastroso, considerando que 68,1% dessa população com mais de 18 anos

de idade não trabalha, ou seja, são 728.159 pessoas sem trabalho. Entre os jovens de 18 a 24 anos, o

número de pessoas sem trabalho sobe para 84,55% dessa população. Entre as pessoas que

trabalham, 22% não possuem carteira assinada e 40,8% são autônomas sem previdência social. No

Norte capixaba o percentual de pessoas que trabalham sem carteira assinada é de 65,1%.

Deste tópico podemos concluir que nos municípios em que há grande concentração

fundiária a população municipal urbana é proporcionalmente maior que a rural e a população rural

trabalha sob relações capitalistas de produção, mediante assalariamento. Outra consideração que

podemos concluir dessas informações refere-se ao êxodo rural. A concentração fundiária tem

promovido o inchaço urbano, mantendo a estrutura fundiária inalterada e não melhora as condições

de vida das famílias que saem do campo e se concentram na cidade.

4.2. PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA

No Espírito Santo o rendimento monetário provindo dos estabelecimentos agropecuários

em 2006, segundo o Censo Agropecuário, estava assim distribuído: 76,52% da produção vegetal,

21,22% da produção animal e 2,26% da agroindústria. Ambas produções possuem variações no que

diz respeito às regiões produtoras, rendimentos, maior ou menor índice de utilização de mão-de-

obra, produção camponesa ou capitalista, monocultivos ou policultivos, entre outros.

Apesar de haver grande número de pequenos estabelecimentos agropecuários no Espírito

Santo, o agronegócio é expressivo no que diz respeito à posse e uso da terra. As atividades

desenvolvidas na agricultura camponesa tem gerado mais trabalho e emprego, viabilizando a

permanência dos camponeses no campo. O agronegócio, apesar de ocupar grande extensões de

terra, tem gerado renda, porém concentrada, com poucos postos de trabalho, promovendo a saída de

pessoas do campo. Duas atividades desenvolvidas nos estabelecimentos agropecuários no Espírito

Santo serão tomadas como exemplo para explicitar a geração de emprego e trabalho.

A Aracruz Celulose, com 154.500 hectare só no Espírito Santo (sendo 375.000 no Brasil),

gera 1 emprego direto a cada 122 hectare, tendo como atividade a monocultura de eucalipto. Na

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cultura do café, a mais significativa cultura agrícola no Espírito Santo, mesmo cultivada também

como monocultura, gera um emprego direto a cada hectare cultivado (DE‟NADAI, 2011). Partindo

deste pressuposto, analisaremos a produção agropecuária no Espírito Santo tendo como base a área

ocupada por cada atividade.

4.2.1. Lavoura

No Espírito Santo a lavoura é responsável por 26,5 % da área dos estabelecimentos

agropecuários, ou seja, 752.117 hectares. Desse total, 25,3% são utilizados para lavoura temporária

e 5,73% para lavoura permanente. 76,52% do valor da produção agropecuária no Espírito Santo

provém da lavoura. Algumas lavouras se destacam no Espírito Santo pela área ocupada, como é o

caso da cana-de-açúcar, café, mamão, pimenta-do-reino e mandioca. O café e a pimenta do reino

ocupam o segundo lugar em maior área plantada no país.

a) Lavouras temporária

Na prancha 02 constam as principais lavouras temporárias, considerando a área ocupada

por cada uma, conforme Pesquisa Agrícola Municipal 2009.

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Prancha 2 Área ocupada com lavouras temporárias

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A partir da Prancha 02 constata-se a distribuição da área cultivada com lavouras

temporárias nos municípios capixaba. As culturas mapeadas representam 66,86% do valor da

produção das culturas temporárias em 2009. A cultura do abacaxi se destaca em apenas dois

municípios capixabas, os quais estão no Sul do estado, como é o caso de Marataízes, com 1.300 ha

em 2009, seguido de Presidente Kennedy, com 320 ha.

A cultura de arroz, base da alimentação brasileira, está presente em 41 municípios

capixabas. O Espírito Santo fica na frente apenas do Distrito Federal em área de produção de arroz,

além de ter reduzido drasticamente sua área de cultivo, caindo de 8.106 ha em 1999 para 1.406 em

2009, conforme pesquisa agropecuária municipal. Barra de São Francisco é o município que se

destaca nesse cultivo, seguido de Nova Venécia. Os municípios produtores de arroz estão na faixa

oeste do estado.

A cultura do feijão também sofreu ampla redução na área plantada no Espírito Santo, de

35.739 ha em 1999 para 22.419 em 2009, conforme pesquisa agrícola municipal. O feijão é

cultivado em 76 dos 78 municípios capixabas, mas é no Centro-Oeste que concentra os principais

municípios produtores. Santa Maria de Jetibá e Domingos Martins, municípios com a menor

concentração fundiária no estado é responsável por 26,73% da área cultivada. Linhares, no Litoral

Norte capixaba está entre os municípios maiores produtores de feijão.

A cultura de mandioca está presente em todos os estados da federação e 71 dos 78

municípios capixabas, com destaque no Litoral Norte e litoral Sul capixaba. É uma cultura

agropecuária quase exclusiva nos pequenos estabelecimentos agropecuários. Em 2006, os pequenos

estabelecimentos foram responsáveis por 95,48% da área cultivada no estado.

O cultivo do milho está presente em todas as unidades da federação e 74 dos 78 municípios

capixaba. É também um produto que tem reduzido sua área de cultivo em 28,4% no período de

1999/2009, saindo de 52.614 ha para 37.671 ha. É no Sul do estado que sua produção é mais

expressiva, além do município de Linhares, Litoral Norte.

A cana-de-açúcar é a lavoura que mais ocupa área no Espírito Santo, com 80.162 hectare

em 2009, presente prioritariamente no Litoral Norte e Sul capixaba. Área maior que as principais

lavouras alimentícias, como arroz, feijão, milho e mandioca juntas (76.832 ha). Foi uma das

lavouras que mais expandiu no Espírito Santo. Foi também a lavoura que mais expandiu área.

Apenas nos últimos 10 anos (1999/2009) essa lavoura elevou sua área em 63,83%. Essa

monocultura está nas regiões em que há predominância dos médios e grandes estabelecimentos. A

cana-de-açúcar é cultivada em 60 municípios capixabas, mas 5 municípios do Litoral Norte do

estado foram responsáveis por 60,33% da área cultiva em 2009. Os grandes estabelecimentos foram

responsáveis por 54,94% da produção (2.408.277 ton.) em 2006. As áreas com declividade baixa

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favorecem a mecanização agrícola e essa lavoura é uma das principais beneficiárias com essa

condição natural, além de ser as regiões com as melhores rodovias construídas com recursos

públicos.

b) Lavouras permanentes

O IBGE define como cultura permanente

a área plantada ou em preparo para o plantio de culturas de longa duração, tais

como: café, laranja, cacau, banana, uva, etc., que após a colheita, não necessitasse

de novo plantio, produzindo por vários anos consecutivos.

Não foram categorizadas como lavouras permanentes a cana-de-açúcar, a

mandioca, o abacaxi e a mamona, as quais, apesar de serem de longa duração,

foram consideradas, para a pesquisa, como temporárias (IBGE, 2006, p. 48).

A prancha que segue consta as lavouras permanentes de maior representatividade no

Espírito Santo, em 2009, a partir do IBGE em Produção Agrícola Municipal.

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Prancha 3 Área com lavoura permanente 2009.

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O Espírito Santo é o segundo maior produtor nacional de café, com uma área de 489.754

hectares, ficando atrás apenas de Minas Gerais, com 1.011.356 hectares. A cultura do café possui a

maior abrangência de área entre as demais lavouras permanentes implantadas no Espírito Santo, a

qual está presente em 76 dos 78 municípios capixabas, sendo considerado a base econômica de

diversos municípios. Está entre as lavouras que mais gera trabalho, sendo um posto de trabalho a

cada hectare. No período da colheita são 4 a 5 postos de trabalho a cada hectare (DE‟NADAI, ,

2011). No Espírito Santo é cultivado o café arábica e o café conilon. O Norte do Espírito Santo é

considerado o clima favorável ao cultivo do café conilon, região com grande expansão dessa

variedade.

A lavoura de pimenta-do-reino (2.342 hectares em 2009), coloca o Espírito Santo no

segundo lugar com maior área plantada desta cultura, atrás apenas do Pará, com 22.598 hectares.

Apenas 17 municípios capixabas cultivavam a pimenta-do-reino em 2009, todos no Norte do

estado, com destaque em São Mateus, com 1.600 ha sendo 68,31% da área cultivada. É uma cultura

presente em diversos pequenos estabelecimentos agropecuários, mas também nos médios e grandes

estabelecimentos. É uma cultura que exige ampla mão-de-obra na colheita, em função de ainda não

ser realizada de forma mecanizada.

A lavoura de banana tem se destacado nos municípios do Sul capixaba. Linhares, no

Litoral Norte capixaba, também se destaca pela ampla área com essa lavoura. É uma cultura

presente em 71 municípios capixabas. É cultivado principalmente pelos camponeses, nos pequenos

estabelecimentos agropecuários. Há também o cultivo nos médios e grandes estabelecimentos.

A lavoura de coco está presente em diversos municípios, mas é em São Mateus que sua

produção é mais expressiva, com 3.800 ha em 2009 (35,76% da área), seguido de Vila Valério com

800 ha 97,52% área). É um produto comercializado principalmente in natura, mas também

industrializado, o qual é feito pela grande indústria. Pela grande extensão litorânea capixaba, o coco

é comercializa com grande potencial nas praias, principalmente nos períodos mais quentes do ano.

O Espírito Santo é o segundo maior produtor nacional em área, da cultura de mamão, com

7.382 hectares, atrás apenas da Bahia, com 15.052 hectares. Em função de doenças, principalmente

o mosaico, dificilmente essa cultura é feita duas vezes consecutivas na mesma área. Isso implica em

haver a necessidade de rotação de cultura. Também é utilizado os arrendamentos de área em

pequenos e médios estabelecimentos para implantação dessa lavoura. O município de Pinheiro, no

Norte capixaba, se destaca com 2.500 hectare cultivados em 2009 (33,86% da área), seguido de

Linhares (1.260 ha), Sooretama (700 ha) e São Mateus (664 ha), todos no litoral Norte capixaba.

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A lavoura de cacau com 20.798 hectares é cultivada em apenas 28 municípios do estado,

tem como destaque de Linhares, Litoral capixaba, com 18.991 hectare, que corresponde a 91,3% de

toda a área com essa lavoura.

A partir da análise da área cultivada com as lavouras temporárias e permanentes, constata-

se que as culturas de arroz e feijão, dois alimentos básicos na dieta dos brasileiros, sofreram

drasticamente a redução da área cultivada nos últimos dez anos (1999-2009), enquanto a cana-de-

açúcar tem se expandido sua área de cultivo. Enquanto as duas primeiras são cultivadas,

prioritariamente na região em que há baixo índice de concentração fundiária, a última está presente

prioritariamente no Litoral Norte e Sul do estado, regiões com maior concentração fundiária do

estado.

Com exceção do café, presente em todo Espírito Santo, e banana, cultivada principalmente

no Sul, as demais culturas permanentes estão prioritariamente no norte do estado. As culturas

anuais, destinadas principalmente para alimentação humana, estão com maior abrangência de área

nas regiões com menor concentração fundiária, com exceção da lavoura de abacaxi, que se

concentra no Sul e a mandioca, cultivada na maioria dos municípios, mas no norte e Sul

(principalmente no litoral) que se encontram as maiores áreas.

5.2.2. Pecuária

No Espírito Santo a pecuária extensiva com animais de grande porte é ainda presente em

grande parte dos municípios, principalmente nos grandes e médios estabelecimentos. A pecuária

bovina é a mais expressiva nesse sentido, presente principalmente no Norte do estado. A criação de

aves (galinhas, frangos, frangas e pintos) é a mais expressiva no que se refere ao número de animais

e presente em todo o estado. Mas é nos pequenos estabelecimentos agropecuários que essa atividade

é mais expressiva. Outras produções animal também fazem parte da atividades econômica capixaba,

como é o caso da suinocultura, caprinocultura, ovinocultura, além da criação de equinos, asininos e

muares, as quais estão vinculado a criação bovina, utilizado para o manejo nessa atividade, assim

como para o transporte, tração animal nas atividades agropecuárias e entretenimento.

Na tabela quatro consta o rebanho e a produção animal nos pequenos, médios e grandes

estabelecimentos no ano de 1996 e sua evolução no período de 1996-2006, a partir do censo

agropecuário.

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Tabela 5. Rebanho e produção animal

Produtos Rebanho/

selecionados produção

Pequenos Médios Grandes em 2006 Quantidade %

Asininos 992 662 99 815 -938 -46,38

Aves * 6.179.688 1.402.799 45.950 23.776.000 16.147.563 311,68

Bovinos 686.401 885.646 216.643 1.791.501 2.753 100,16

Vacas ordenhadas _ _ _ 245.750 _ _

Caprinos 10.121 3.798 323 10.579 -3.673 -74,28

Equinos 31.983 28.352 5.901 47.480 -18.757 -71,68

Muares 7.047 5.364 954 6.409 -6.956 -47,95

Ovinos 6.722 16.923 3.268 33.558 6.645 124,69

Suinos 212.711 52.350 1.135,00 227.107 -39.131 -85,32

Leite de vaca (mil litros) 153.562 142.652 11.787 311.820 3.818 101,24

Ovos de galinha (mil dúzias) _ _ _ 141.894 _ _

Dados: IBGE/SIDRA Censo Agropecuário 1996 e 2006. O rg. Adelso Rocha Lima 2011

TABELA Rebanho e produção animal

Participação dos estabelecimentos Evolução

na quantidade produzida em 1996 1996/2006

* Galinhas, galos, frangos, frangas e pintos

Constata-se que a criação de asininos, caprinos, equinos, muares e suínos sofreram uma

ampla redução do número de animais no período de 1996/2006. A criação de aves, bovinos e ovinos

teve uma ampliação do número, com destaque na criação de aves que subiu 311,68% nesse período.

Em nível nacional a criação de bovinos, suínos e aves elevou o número em 130%, 120% e 138%

respectivamente. A partir das pranchas 05 e 06 é possível perceber o número e a distribuição das

principais criações de animais no Espírito Santo por município.

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Prancha 4 Produção animal municipal 2009

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Prancha 5 Produção animal municipal. continuação

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Em 2009 o rebanho bovino era de 2.189.244 animais, presente em todos os municípios do

estado. Mas é no norte que se destaca essa criação, como é o caso dos municípios de Ecoporanga,

Linhares e Montanha, ambos com mais de 100 mil animais. A criação bovina no sistema extensivo

se destaca nos municípios em que há os grandes latifúndios (Prancha 03).

Os grandes e médios estabelecimentos agropecuários, os quais ocupam juntos 53% da área

dos estabelecimentos agropecuários capixaba, conforme o Censo Agropecuários de 2006, é

responsáveis por 74% do rebanho bovino e 40% do leite produzido. Nos pequenos estabelecimentos

agropecuários a pecuária bovina é direcionada principalmente para a produção de leite. Com apenas

47% da área dos estabelecimentos agropecuários, os pequenos estabelecimentos são responsáveis

por 60% do leite produzido, com apenas 25% do rebanho. Os grandes estabelecimentos

agropecuários têm a criação bovina prioritariamente para corte já que detêm 14,8% do número de

animais e apenas 2,65% da produção de leite.

Nos últimos dez anos (1999-2009), conforme Pesquisa Pecuária Municipal –PPM, apesar da

redução da área de pastagem, o rebanho bovino cresceu 16,22%, porém a produção de leite teve

crescimento menor, com apenas 14,59%, mesmo com crescimento de 21,49% do número de vacas

ordenhadas. Isso significa que os investimentos para a ampliação do rebanho bovino não tem

elevado a produção de leite na mesma proporção em função da falta de melhoramento do rebanho e

de práticas de manejo com o rebanho e pastagem. A produção de leite gera renda mais constante,

fazendo com que nos pequenos estabelecimentos os agricultores dediquem principalmente a essa

produção e menos na criação de gado de corte, como acontece nos médios e grandes

estabelecimentos. Geralmente, nos pequenos estabelecimentos a produção se dá de forma

diversificada, em que os agricultores têm em seus estabelecimentos diversos tipos de produção

agropecuária.

A criação de equinos está presente prioritariamente nos municípios em que se destaca a

criação bovina, em função destes animais serem utilizados principalmente para o manejo do gado

bovino. É uma criação presente em 77 municípios capixabas. Os pequenos estabelecimentos

agropecuários em 2006, foram responsáveis por mais de 51% do rebanho equino capixaba (IBGE,

2006).

A criação de asininos é pouco expressiva no Espírito Santo no que se refere ao número de

animais, apesar de estar presente em 61 municípios capixabas. É no Norte o estado que se destaca

essa criação, como é o caso dos municípios de Ponto Belo, Ecoporanga, Pinheiro, São Mateus e

Mucurici. É uma criação utilizada para serviços na lavoura, utilizado para carga e montaria. 67,85%

dos asininos estão nos pequenos estabelecimentos agropecuários.

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A criação de caprinos está presente em 75 dos 78 municípios capixabas e bem distribuído

em todo o estado, apesar de ser um rebanho considerado pequeno, com pouco mais de 11 mil

animais em 2009. Desse total, mais de 74% estão nos pequenos estabelecimentos agropecuários.

A criação de suínos está presente em todo o estado, com exceção da capital Vitória. Mas é

no Sul do estado que se encontram os municípios com maior número de animais, região com

predominância dos pequenos estabelecimentos agropecuários, os quais são responsáveis por mais de

80% da criação de suínos.

A criação de aves é a mais expressiva criação em número de animais, com mais de 12

milhões de animais e presente em 77 municípios capixabas, a qual responde por 34,54% do valor da

produção animal no Espírito Santo. Porém, os municípios de Domingos Martins e Marechal

Floriano concentram mais 63% da criação. Os pequenos estabelecimentos agropecuários são

responsáveis por 67,66% da criação de aves e de 94,19% da produção de ovos de galinha. Os

produtores sem área são responsáveis por mais de 14% da criação de aves.

5.2.3. Silvicultura

Para o IBGE (2006), fazem parte da silvicultura os produtos como “casca de acácia-negra,

a lenha, a madeira em toras, para papel e celulose, e para outras finalidades” (p. 61). Não foi

considerado a área cultivada como na lavoura. Nesse caso será considerado a quantidade produzida

em cada uma, com suas respectivas unidades de medidas. Esta atividade representa apenas 4,14%

do valor da produção vegetal no estado. Na tabela que segue consta a participação de cada grupo de

produção por período, a partir do ano 1990.

Tabela 6 Silvicultura Produção em M³

1990 % 1995 % 2000 % 2005 % 2009 %

TOTAL 1.829.590 100 5.601.071 100 5.479.061 100 5.785.290 100 6.460.762 100

Madeira para lenha (M³) 163.089 8,91 357.720 6,39 342.458 6,25 311.066 5,38 230.048 3,56

Madeira para papel e

celulose (M³) 1.645.781 89,95 5.092.808 90,93 4.559.337 83,21 4.719.714 81,58 6.062.232 93,83

Madeira para outras

finalidades (M³) 20.720 1,13 150.543 2,69 577.266 10,54 754.510 13,04 168.482 2,61

ESPÍRITO SANTO - SILVICULTURA

Fonte: IBGE produção da silvicultura. Org.: Adelso Rocha Lima 2011

Conforme tabela 05 a produção de madeira em tora teve um crescimento exorbitante no

período de 1990/2009, passando de 1,82 milhões de metros cúbicos para 6,46 milhões, ou seja, um

crescimento de 353,12% em 19 anos. A produção de madeira para papel e celulose possui a maior

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parcela nessa produção e foi a que mais cresceu nesse período. Em 1990 essa produção representava

89,95% de toda produção da silvicultura, enquanto em 2009, representava 93,83%. Foi a produção

que mais cresceu em valores absoluto e relativo nesse período.

O gráfico que segue possibilita visualizar esse crescimento da produção na silvicultura no

período de 1990 a 2009 por tipo de produção.

Gráfico 4 Evolução da produção da silvicultura 1999-2009.

A produção de madeira para lenha e para outras finalidades possui pouca

representatividade na produção da silvicultura capixaba, as quais oscilaram sua produção, enquanto

a produção de madeira para papel e celulose teve um crescimento continuado, com exceção apenas

no período de 1995/2000, mas voltando a crescer no período seguinte.

Apesar da silvicultura possuir pouca representatividade no valor da produção agropecuária

capixaba (4,14%), as floretas plantadas ocupam 37% da área de toda produção vegetal no Espírito

Santo no ano de 2006, conforme Censo agropecuário. Na prancha 04 consta uma relação entre o

valor da silvicultura na produção agropecuária, as florestas plantadas, o valor dos financiamentos

por municípios e a produção de madeira em tora para papel e celulose.

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Prancha 6 Silvicultura no Espírito Santo

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A partir da prancha 04 constata-se que o valor da silvicultura está concentrado em apenas

três municípios, Conceição da Barra, Ibiraçu e Aracruz, sendo que, neste último, está localizado a

indústria de papel e celulose. Nessa mesma prancha, constata-se que os municípios de Conceição da

Barra, São Mateus e Aracruz são responsáveis por grande parcela das florestas plantadas no estado.

São estes mesmos três municípios que produzem a maior parte de madeira em tora para papel e

celulose. Isso nos possibilita concluir que as florestas plantadas no Espírito Santo são basicamente

para a produção de madeira em tora para papel e celulose, a partir da monocultura de eucalipto.

Ao relacionar essa produção com os financiamentos agropecuários, constata-se que o

município de Aracruz, onde está localizado a sede da Aracruz no Espírito Santo, é responsável pela

maior parte dos financiamentos. Dos 2,34 bilhões de reais de financiamentos na produção

agropecuária capixaba em 2006, 4,67% vai para a silvicultura, contemplando apenas 19 municípios,

sendo que Aracruz e Conceição da Barra são responsáveis por 79% desse valor, ou seja, R$ 69,6

milhões de reais, dos 109,4 milhões destinados a todo o estado. Nos municípios de Aracruz,

Conceição da Barra e Ibiraçu o valor dos financiamentos destinados à silvicultura é de 64,12%,

45,63% e 47,10% respectivamente. No município de Aracruz 99.45% dos financiamentos são

destinados à produção florestal com florestas plantadas Isso nos permite afirmar que os

financiamentos para a produção agropecuária capixaba é destinado prioritariamente para a produção

de eucalipto para papel e celulose. A partir dessas constatações, podemos declarar com firmeza que

há uma intima relação entre latifúndio e acesso a recursos públicos. Os financiamentos contribuem

para o fortalecimento do agronegócio e a manutenção da estrutura fundiária concentrada.

É no município de Aracruz que se encontra as áreas indígenas no Espírito Santo. Em

Conceição da Barra e São Mateus estão a maioria das comunidades quilombolas no estado. A

monocultura de eucalipto tem avançado a partir da década de 1960, período em que foi instalado a

indústria de papel e celulose no estado, principalmente sobre as terras indígenas e quilombolas.

5.2.4 Extração Vegetal

O IBGE considerou como extração vegetal no Censo Agropecuário de 2006, as

quantidades obtidas e vendidas, provindas da extração vegetal. No Espírito Santo essa atividade

possui pouca representatividade econômica, com apenas 0,009% do valor da produção agropecuária

em 2006, conforme Censo agropecuário.

Em 1999 o valor da produção a partir da extração vegetal, conforme produção na extração

vegetal municipal, estava assim distribuída: madeira em tora (51,24%), lenha (21,83%), carvão

vegetal (20,28%) e palmito (6,66%). Todas essas produções promovem a gradativa destruição das

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florestas. Não é uma produção compatível com a preservação da biodiversidade e apenas 6,66% é

considerada alimento.

4.3. Algumas considerações a respeito da produção agropecuária capixaba

A partir das informações analisadas sobre a produção agropecuária é possível constatar que

as áreas com pastagens, as quais ocupam a maior parcela dos estabelecimentos agropecuários, não

são as que geram a maior parte do valor da produção e nem mesmo as que geram a maior parte dos

postos de trabalho na agropecuária capixaba.

Na produção vegetal as lavouras com produção de alimentos possuem pouca

representatividade em área total e tiveram redução de sua área gradativamente nos últimos dez anos,

como foi o caso da produção de feijão e arroz. Em contrapartida, a lavoura de cana-de-açúcar e a

produção de madeira em tora para a produção de papel e celulose ocupam grande parcela da área

dos estabelecimentos agropecuários e tem expandido assustadoramente nos últimos dez anos. Os

gráficos que seguem tornam mais visível essa relação.

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Gráfico 5 Evolução da área cultivada e produção - 1999- 2009.

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A área com o cultivo de arroz e feijão, dois alimentos básicos da dieta brasileira, perderam

área. A área com arroz caiu de 8.106 ha para 1.460 ha no período de 1999 a 2009 e a área com a

produção de feijão caiu de 35.739 ha para 22.419 ha no mesmo período.

A área com a produção de cana-de-açúcar expandiu de 48.929 ha para 80.162 ha no

período de 1999/2009 e a produção de madeira em tora para papel e celulose subiu de 3.144.242 m²

para 6.062.232 m² no mesmo período, sendo que para isso foi necessário a expansão exorbitante da

área destinada a essa produção.

A monocultura de eucalipto expandiu no Litoral Norte capixaba, não de forma homogênea.

As condições topográfica contribuíram, mas não foram determinantes para a escolha dessa região

para a instalação do plantio de eucalipto.

A territorialização dos grandes monocultivos arbóreos, neste sentido, não seguiu

estritamente o gradiente topográfico-morfológico como normalmente supõe a

leitura econômica. Apesar das facilidades proporcionadas pelo relevo, de fácil

mecanização e logística, foram em Aracruz, São Mateus e Conceição da Barra,

terras tradicionalmente ocupadas pelo domínio indígena e pelas múltiplas

experiências das “terras de preto” que a monocultura se apresenta, se sobrepõe.

Isso porque em Linhares, lugar de outros domínios, como o setor moveleiro, o

cacau, a cana e a pecuária, a morfologia, de igual conteúdo, não representou

nenhuma facilidade para as monoculturas; pelo contrário. (BARCELOS, 2010, p.

129).

Essa constatação confirma que as comunidades indígenas e quilombolas foram as que mais

sofreram com a instalação dos monocultivos de eucalipto. No município de Linhares, com vasta

área de planície, não foram ocupadas com essa monocultura. Nesse município, o latifúndio já havia

territorializado desde a primeira metade do século XX, a partir do setor moveleiro, das lavouras de

cacau, cana e a pecuária extensiva. Essa consolidação do latifúndio dificultou a entrada da

monocultura de eucalipto.

Apesar do grande avanço da monocultura (principalmente de eucalipto e cana) ocupar

imensas áreas, principalmente as mais propícias à mecanização e de fácil acesso ao escoamento da

produção, a partir da rodovias, os pequenos estabelecimentos são responsáveis pela grande maioria

dos produtos agropecuários, principalmente os alimentícios.

A tabela 07 apresenta a participação dos pequenos, médios e grandes estabelecimentos

agropecuários em relação a alguns produtos provindos da lavoura e da produção animal.

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Tabela 7 Principais produtos alimentícios da produção agropecuária capixaba

Produtos selecionados

Total Pequenos % Médios % Grandes %

Abacaxi (ton) 31.860 89,6 5,03 _

Abobora (ton) 2.621 74,93 _ _

Arroz (ton) 3.860 90,65 1,84 _

Batata-inglesa (ton) 2.613 98,12 1,84 _

Feijão (ton) 11.480 92,53 7,01 _

Mandioca (ton) 193.996 95,49 3,43 3,43

Milho (ton) 51.871 91,3 8,19 0,33

Aves (Nº animais) 23.776.000 67,66 18,3 0,02

Suinos (Nº animais) 227.107 80,86 17,94 0,97

Leite de vaca (mil l) 311.820 59,7 37,55 2,65

Ovos (mil dz) 141.894 67,16 28,54 3,56

TABELA - Produção vegetal/animal/ES 2006

Fonte : IBGE Censo Agropecuário 2006 O rg.: Adelso Rocha Lima 2011

Participação dos estabelecimentos na quantidade produzida

Os pequenos estabelecimentos agropecuários são responsáveis pela maioria dos produtos

alimentícios provindos da produção agropecuária, com destaque na produção de batata-inglesa,

mandioca e milho, todos com mais de 90% da produção. Os médios estabelecimentos vêm em

segundo lugar, com destaque para a produção de ovos e leite, sendo 67,16% e 59,7%

respectivamente. A participação dos grandes estabelecimentos é baixíssima em todos os itens

relacionados e não produzem abacaxi, abóbora, arroz, batata-inglesa ou feijão.

Há um nítido conflito pela terra no Espírito Santo, tanto no que diz respeito à posse, como

no uso.

A terra é utilizada como reserva de valor e como possibilidade ao acesso aos

financiamentos públicos e privados, mas não é utilizada na produção de grande parte dos produtos,

principalmente os alimentícios. As políticas públicas têm favorecido prioritariamente os grandes

estabelecimentos, como foi o caso do plano safra 2010/2011, no qual, dos 116 bilhões de reais

destinados ao financiamento para a produção, comercialização, beneficiamento, industrialização e

armazenamento de produtos agropecuários, 16 bi (13,8%) é destinado à agricultura

familiar/camponesa e 100 bi (86,2%) é destinado à agricultura capitalista. Na tabela 07 consta a

participação no acesso aos financiamento agropecuário em 2006, considerando os grupos de área, a

partir de dados extraído do Censo agropecuário.

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Tabela 8 Financiamentos agropecuários 2006

Valor Valor Valor Valor

Absoluto Absoluto Absoluto Absoluto

16.857.878.000 1.173.883.000 7 5.551.672.000 33 4.575.048.000 27 6.676.552.000 40

ES 452.856.000 34.592.000 8 138.232.000 31 54.048.000 12 260.386.000 57

% % % %

Fonte: IBGE/SIDRA Censo agropecuário 2006 Org.: Adelso Rocha Lima 2011

Total

Brasil

Valor dos financiamentos agropecuário bancários por grupo de área em 2006

Grupo de área

0 a menos de 10 ha 0 a menos de 100 ha

de 100 a menos de

1.000 ha 1.000 ha a mais

No Brasil, dos 16,85 bilhões de reais destinados aos financiamentos agropecuário, 7%

ficou com os pequenos estabelecimentos, 33% com os médios e 40% com os grandes. No Espírito

Santo, dos 452,85 milhões, os pequenos participam com 8%, os médios com 31% e os grandes com

57%. Conforme podemos constatar, no Espírito Santo a desproporcionalidade da distribuição dos

financiamentos é ainda maior que no Brasil. Enquanto no Brasil os grandes estabelecimentos

acessam 40% dos financiamentos, no Espírito Santo esse mesmo grupo são responsáveis pelo

acesso de 57%. Se fosse distribuído o volume de recursos acessado pelos 157 grandes

estabelecimentos no Espírito Santo, daria em média R$ 1,65 milhões para cada um, enquanto que os

pequenos receberia apenas R$ 31,00. Porém nem todos os pequenos estabelecimentos acessam

financiamentos agropecuário. Todas essas análises possibilitam afirmar que as políticas públicas no

Brasil compactuam com a permanência do latifúndio e o agronegócio e um desprezo pelos

camponeses.

No Espírito Santo o agronegócio da pecuária extensiva vem perdendo área para o

agronegócio das lavouras, principalmente da cana-de-açúcar, em função desta ser a que mais

expandiu em área nesse período, assim como a monocultura de eucalipto para a produção de

madeira para papel e celulose. Essa é uma lógica de superar o latifúndio atrasado, terra improdutiva,

propícia à reforma agrária pelo agronegócio, considerado moderno, de desenvolvimento e terra não

propícia à reforma agrária. Se antes o latifúndio atrasado excluía pela improdutividade e violência,

agora o latifúndio exclui pela produtividade, pela violência, pela exaustão dos trabalhadores.

Agronegócio moderniza a forma de exploração da terra e das pessoas. Tanto a terra quanto os seres

humanos necessitam de um período de descanso para recuperar suas energias e continuar

sobrevivendo. O agronegócio nega esse tempo, matando tanto a terra, como os seres humanos

através da super exploração, do envenenamento.

Considerando que é justamente na região onde a terra está mais concentrada no Espírito

Santo, que o agronegócio avança na contramão da distribuição da terra. Esta lógica combina com o

avanço do agronegócio com a manutenção da concentração fundiária. Os conflitos referentes a

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questão agrária no Espírito Santo acontecem tanto nos aspectos fundiários, quanto pelo uso da terra.

Enquanto a luta pela reforma agrária prima pela distribuição da terra, os latifundiários insistem na

permanência da terra concentrada, assim como do poder e da renda. Nesse sentido é vigente a luta

por política agrícola e agrária, a qual favorecerá ao maior número de pessoas com acesso a

melhores condições de vida, não só no campo, mas também na cidade.

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5. A LUTA PELA TERRA E SUA(S) CONQUISTA(S) NO ESPÍRITO SANTO

A luta pela terra fez parte das diversas ações dos trabalhadores, principalmente os

camponeses, em função de não ser viabilizado o acesso à terra e as condições materiais e sociais de

sobrevivência por outras vias que não seja através da luta. Uma minoria adquire a terra através da

compra ou pratica o arrendamento. A luta foi e continua sendo feita não apenas para o acesso, mas

também pela permanência na terra e em condições dignas de vida, superando o paradigma de que o

campo é apenas unidade de produção de matéria prima. A defesa aqui é do paradigma da luta pela e

na terra, alicerçada em um campo de produção de vida, de biodiversidade e sociodiversidade. Em

função disso, as diversas conquistas realizadas, mas ainda insuficiente, superando a apropriação

privada e predatória da terra e dos bens da natureza, jamais foi viabilizado através de concessões,

mas da luta dos trabalhadores organizados e de apoio da sociedade. É nesse sentido que diversas

organizações e movimentos se organizam e articulam a luta, sejam camponeses sem-terra ou outros

grupos que têm a terra como fonte de vida. A discussão a seguir exemplifica alguns movimentos e

organizações que se articulam na luta pela terra e por territórios.

a) As comunidades indígenas

Duas comunidade indígenas no Espírito Santo - Tupiniquim e Guarani - estão instaladas no

município de Aracruz, mesmo município em que a multinacional Aracruz Celulose, hoje Infinit,

possui sua fábrica de papel e celulose e detém grande área com plantação de eucalipto. Nesse

município 66,4% da área dos estabelecimentos agropecuários estão cobertas com florestas plantada,

em sua quase totalidade, com eucalipto.

Essa forma de apropriação das terras faz com que haja conflitos permanentes. As tribos

indígenas perderam gradativamente suas terras desde a chegada dos portugueses no Brasil, a partir

do ano de 1500. Mas foi com a chegada da multinacional Aracruz Celulose, a partir da década de

1960 e implantação da monocultura de eucalipto no Espírito Santo, que acirrou o processo de

tomada das terras dos indígenas, ocasionando em sua quase extinção, enquanto comunidades

indígenas. Após sucessivas perdas materiais, ambientais, culturais durante quase quarenta anos em

confronto com a multinacional Aracruz Celulose, mas uma vez, a prova de que através de luta e

resistência, os povos organizados e a solidariedade entre os povos, a conquista é possível.

Enfrentando o agronegócio de eucalipto

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os índios realizaram várias ações, como ocupação de terra (1979 e 2000), auto-

demarcação (1980 e 2005), ocupações das fábricas da empresa (2005) e do Portocel,

por onde é exportada a celulose produzida pela Aracruz, (2006), derrubada e queima

de eucalipto (2006) e reconstrução de aldeias (2005, 2006 e 2007). [...] O desfecho

da disputa veio [...], em 27 de agosto de 2007, do Ministério da Justiça (MJ),

declarando as terras (18.027 hectares) como „tradicionalmente ocupadas pelos povos

Tupiniquim e Guarani‟ e determinando a sua demarcação (GOMES e OVERBEEK,

2011, p. 17).

A conquista da demarcação de suas terra não significa uma vitória definitiva dos indígenas.

É necessário que a luta e o apoio entre os povos continue, pois será necessário a reconstrução do

território, tomado por eucalipto, tornando-o propício às necessidades das comunidades indígenas.

Índios e agronegócio continuam convivendo lado-a-lado. O primeiro continuará contando com a

solidariedade popular e o exemplo da conquista através da luta e resistência. O segundo continuará

contando com seu poderio econômico e sua influência nos poderes executivos, legislativo e

judiciário, seja ele local, regional, nacional e internacional.

b) As comunidade remanescentes de quilombolas

Quilombolas e indígenas possuem histórias parecidas e adversários em comuns – a

multinacional Aracruz Celulose e a monocultura de eucalipto. Ambas as comunidades tradicionais

são vitimadas pelo processo de colonização a partir do ano de 1.500 e hoje pelo agronegócio. A luta

pela demarcação de suas terras e a construção de seu território fazem parte da luta na atualidade. As

comunidades quilombolas estão em diversas regiões do Espírito Santo. Mas é no Litoral Norte do

estado, com diversas comunidades remanescentes de quilombolas, que a luta possui maior

expressão e inimigo mais violento, criminalização mais acirrada, luta e resistência mais

contundente.

O Sapê do Norte é um território de remanescentes de quilombolas que possui cerca de 35

comunidades, 1.200 famílias quilombolas em luta pela demarcação de suas terras, reconstrução de

sua liberdade, cultura, condições socioeconômicas, as quais vivem em meio as monoculturas de

eucalipto e cana de açúcar, nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra. Aquilo que parecia

uma conquista, quando o Presidente da República, em 20 de novembro de 2003, assinou o Decreto

4.887, regulamentando o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação

e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombolas, a perseguição,

criminalização das comunidades acirrou em todo pais.

Na comunidade Sapê do Norte houve ampla investida da Aracruz Celulose para criminalizar

as famílias que vivem em meio ao monocultivo de eucalipto e cana de açúcar, como invasão de

policiais e funcionários da empresa de segurança contratada pela Aracruz Celulose, na casa das

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famílias, prisões em supostos flagrantes em roubo de madeira, perseguição contra caças a animais

silvestres e assassinatos de membros de famílias. Mesmo assim, no Espírito Santo nenhuma terra

ainda foi demarcada, apenas relatório de identificação e delimitação, através de trabalhos realizados

pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a partir de pressão das

comunidades quilombolas. (GOMES e OVERBEEK, 2011).

As famílias remanescentes de quilombolas, durante anos, vêm perdendo sua liberdade entre

os eucaliptais e canaviais; tem suas terras envenenadas por agrotóxicos, assim como seus córregos,

rios e lagos drenados pelas monoculturas e envenenados por pulverizações constantes de

agrotóxico; vem perdendo sua crença naqueles que detêm o poder legislativo, executivo e

judiciário. Mas vem ganhando força e experiência através da luta e resistência; vem ganhando apoio

e solidariedade popular e de entidades que acreditam na luta do povo organizado. Vem adquirindo

resistência para continuar viva, com sua cultura, sua sabedoria, com suas festas, com suas crenças.

Em meio ao deserto verde de eucalipto e cana de açúcar as comunidades remanescentes de

quilombolas vem mantendo acesa a chama da luta e resistência, ao considerar que o inimigo é forte.

Mas o inimigo não é apenas das comunidades de quilombolas, é também dos indígenas, das

comunidades de assentamentos, dos pescadores, dos pequenos agricultores, da educação do campo,

dos povos do campo e da cidade. O inimigo comum é um potencial que pode unificar os povos a

lutarem contra aqueles que os prejudica e os massacra; nesse caso, o agronegócio.

c) O Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA

A década de 1990 marca um período de grandes avanços na luta pela e na terra no Espírito

Santo. Além das diversas ações do MST que viabilizaram diversas conquistas, das ações dos

indígenas, dos quilombolas, é nesse mesmo período que nasce o MPA enquanto movimento social,

formado por camponeses, que através de sua autonomia e a construção de alianças, buscam

afirmarem que o campo é lugar de vida e de produção, contrapondo o modelo do agronegócio que

vem buscando homogeneizar o campo, através das monoculturas, uso exacerbado de agrotóxico,

expulsão dos camponeses e destruição ambiental.

O MPA busca construir um campo com camponeses, com produção diversificada,

principalmente para o auto consumo e o comércio local. É um movimento que nasce no convívio

com a biodiversidade, através da produção diversificada, seja ela animal e vegetal (agrícola e

florestal). Nasce também com a sociodiversidade, considerando sua base com a rosto dos diversos

povos do campo, como os indígenas, os quilombolas, os imigrantes entre outros.

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O MPA reconhece e valoriza o movimento sindical pelo papel que este cumpriu sem

períodos anteriores, com as oposições sindicais, principalmente quando contribuiu na organização

dos camponeses na luta pela terra, na década de 1980, mas que hoje não representa as reais

necessidades dos camponeses. É nesse sentido que o MPA nasce rompendo com a lógica

institucional dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais – STRs. Nasce de forma coletiva, de baixo

para cima, de acordo com a realidade concreta dos camponeses, que enxergam na luta, nas

mobilizações dos trabalhadores a possibilidade das conquistas. A base do MPA está em diversos

municípios capixabas, com grupos organizados, lutando para o acesso aos recursos públicos para a

construção de sua autonomia. (MPA, 2010).

5.1 Ocupação: uma forma de luta e acesso à terra

No Brasil, a concentração da fundiária fez com que a terra fosse sempre um anseio da

grande maioria das pessoas e famílias que a considera necessária, já que foram excluídas do seu

acesso e não possuíam outros meios de produção para sua sobrevivência. Esse anseio e necessidade

nunca foram facilitados no Brasil através de políticas públicas amplas. Pelo contrário, todas as

políticas favoreceram a permanência do latifúndio e expansão do agronegócio.

Conforme afirma Martins (1978) ao analisar a situação dos colonos no estado de São

Paulo, “o colono deveria ser primeiramente um trabalhador da fazenda para tornar-se independente

somente após um certo período de trabalho para terceiro.” (p.129). Martins ainda complementa que

os camponeses deveriam “através do trabalho árduo, obter os recursos para comprar a terra

necessária ao seu trabalho autônomo.” (p. 130). Essa foi uma das formas utilizadas para garantir a

mão-de-obra, principalmente dos imigrantes que chegavam no Brasil a partir do século XIX, no

trabalho agropecuário nas grandes fazendas. Isso nos ajuda a compreender que no Brasil sempre

houve luta pelo acesso à terra.

A luta pelo acesso e permanência na terra no Espírito Santo está inserida no contexto

nacional e acontece de diversas maneiras, frente à expansão dos grandes projetos, tidos como de

“desenvolvimento”. Cada povo, através de suas formas de organização, vem travando essa batalha.

As comunidades indígenas, Tupiniquim e Guarani no município de Aracruz, não apenas resistiram a

esse processo, mas, apesar de muitas perdas, vêm reconstruindo sua identidade, sua cultura; vêm

retomando suas terra. As comunidades de remanescentes de quilombolas têm sofrido perseguições

constantes. Vivem ilhadas no interior do deserto verde de eucalipto, mas, resistindo a esse modelo

de desenvolvimento devastador, vem lutando para a demarcação de sua terras. Os pequenos

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agricultores resistem no campo, frente ao grande projeto do agronegócio e, através do MPA buscam

tornar o campo um lugar bom de viver, com a produção camponesa.

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Espírito Santo - FETAES também se

articula na luta pela terra, realizando ocupações e conquistando territórios, a partir da criação de

assentamentos de reforma agrária.

Através da Via Campesina, uma articulação em nível internacional, esses camponeses

encontram força para enfrentar o grande capital e seu projeto. Constroem uma relação não

capitalista no interior do modo capitalista de produção.

Esses povos não apenas resistem à implantação do projeto capitalista devastador, mas

também é a esperança, a chama para a construção de um outro projeto de vida e de sociedade, mais

harmônico, mais solidário. Vem construindo uma nova relação entre campo e cidade.

Enquanto alguns camponeses lutam para permanecer na terra, outros lutam para entrarem

na terra. E a ocupação foi e continua sendo uma forma encontrada para viabilizar essa conquista.

São famílias que se organizam para buscarem de forma coletiva a posse da terra, pressionarem para

a realização da reforma agrária, construindo assentamentos.

As diversas organizações que utilizam dessa estratégia de luta, estão amparadas na

Constituição Federal – CF, no Art. 186 que trata da função social da terra, a qual deve atender as

dimensões ambientais, trabalhistas e produtiva. Se um estabelecimento agropecuário ou imóvel

rural for produtivo, mas que para isso não estiver em acordo com os aspectos ambientais e ou

trabalhista, está susceptível à desapropriação para fins de reforma agrária. Mas a lei por si só não

viabiliza a democratização da terra, sem que para isso, haja políticas públicas e luta para o

cumprimento da própria lei. A aplicação ou não da lei se efetiva através da luta.

A partir do final da década de 1970 diversas famílias se articularam para, de forma

coletiva, ter acesso à terra e a ocupação fez parte dessa estratégia de luta. Em 7 de setembro de

1979, no Rio Grande do Sul, um grupo de famílias resolveram ocupar uma terra, em função de não

serem atendidas suas reivindicações por outras vias. Em outros estados da federação, as ocupações

de terra também foram sendo utilizadas para viabilizar a conquista da terra. Esta foi e continua

sendo uma ação que famílias sem terra são articuladas para, de forma coletiva conquistar a “terra de

trabalho, onde há terra de negócio.” (FERNANDES, 1999. p. 271).

A luta pela terra a partir das ocupações tem contribuído de forma significativa na luta pela

reforma agrária e a conquista de diversos assentamentos. Fernandes (1999), afirma que “pela não

realização da reforma agrária, a ocupação de terra tem se tornado uma importante forma de acesso à

terra.” (p. 269). No Espírito Santo há alguns movimentos e organizações que realizam ocupações de

terra, contribuindo na construção de assentamentos. O Movimento Sem Terra é uma das principais

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organizações que organizam ocupações de terra. Ao considerar o MST como principal organização

na luta pela terra e que utiliza a ocupação como forma de acesso a terra, é levado em consideração o

período de atuação ininterrupto, a partir de 1985, o número de ocupações e famílias envolvidas nas

lutas. O número de assentamentos e famílias assentadas é outro fator levado em consideração para

confirmar o MST como majoritário na luta pela terra o Espírito Santo. Mas as diversas organizações

e movimentos se somam na luta pela terra. Quanto mais ocupações de terra são realizadas, mais

ações contra o latifúndio e a pressão sobre o Estado é intensificada, maior é a possibilidade da

criação de assentamentos e desconcentração da terra.

Nesse caso, a luta pela terra no Espírito Santo está inserida no contexto nacional e as

ocupações que culminaram com a construção de assentamentos tiveram início na primeira metade

da década de 1980. Um grupo de famílias organizadas pelo Movimento Sem Terra, com grande

apoio de diversas organizações, como da igreja católica, partidos políticos de esquerda, fez sua

primeira ocupação no dia 27 de outubro de 1985 no município de São Mateus, norte do estado. Esse

foi um marco histórico na luta pela terra no Espírito Santo, considerado como a fundação oficial do

MST/ES. As ocupações de terra passaram a ser uma das principais formas de luta pelo acesso a

terra, pois pressionava o poder público para a agilidade na criação dos assentamentos.

Como bem afirmam SOUZA e PIZETTA (2005)

ao conquistar a terra, conquista-se as condiçoes para desenvolver a produçao;

edifica-se a escola [...], busca-se um jeito de lidar com a terra que prioriza a

agroecologia e a preservaçao, a recuperaçao ambiental; preocupa-se com a

juventude [...]; busca permanentemente ampliar a participaçao das mulheres [...];

busca desenvolver alternativas relacionadas à área de saúde preventiva e

comunitária [...]. Vão conquistando áreas e espaços onde passam a serem

reconhecidos. (p. 73-74).

O mapa que segue consta o número de famílias organizadas pelo MST/ES em ocupação de

terra no Espírito Santo, a partir de 1985, até final de 20053.

3 O MST/ES tem organizado informações de ocupação de terra no período de 1985 à 2005 somente as realizadas pela

própria organização, as quais utilizamos para trabalharmos. A CPT e o DATALUTA tem organizado informações

sobre ocupação de terra, porém somente a partir de 1988, contemplando outras organizações e movimentos. Nesse

caso no mapa 8 consta apenas as ocupações realizadas pelo MST/ES.

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Mapa 8 Famílias em ocupação de terra MST/ES 1985 à 2005

Em 2005 foram realizado diversas atividades comemorativas dos 20 anos do MST/ES. Foi

realizado um balanço das diversas atividades do MST, como é o caso das ocupações de terra. Essas

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informações possibilitaram construirmos o mapa das ocupações de terra do MST no período de

1985 a 2005. Foram constatadas 57 ocupações envolvendo 9.449 famílias em 26 municípios

capixabas. A maioria das ocupações ocorreram nos municípios de São Mateus, Conceição da Barra

e Pinheiros (33,3%) envolvendo 45,2% das famílias em ocupação de terra organizadas pelo

MST/ES.

Essas ocupações contribuíram para a criação de diversos assentamentos. Nos três

municípios no Norte do estado em que houve grande parte das ocupações foram os mesmos que se

efetivaram grande parte dos assentamentos (26,6%) e grande parte das famílias assentadas (30%)

organizadas pelo MST/ES.

Podemos considerar que as famílias sem-terra são motivadas a irem para as ocupações a

partir de trabalho de base realizado pelas organizações que lutam pela terra, assim como, pela

efetivação de conquistas concretas. A cada conquista são vislumbradas outras necessidades

essenciais às famílias assentadas, motivando-as à luta, assim como, motiva outras famílias a lutarem

pela terra, valorizando a ocupação enquanto forma de viabilizar sua necessidades através da luta.

A não criação de assentamentos prejudica as famílias por dois motivos. Primeiro pelo fato

de promover um retrocesso na desconcentração da terra. Segundo, pelo fato de frustrar as famílias,

que desacreditam nos governos e do poder público. Alguns autores consideram que a não criação de

assentamento não apenas prejudica, mas criminaliza a luta e condena as famílias envolvidas nesse

processo. Para FERNANDES (1999),

Criminalizar as ocupações é se esquivar do problema sóciopolítico e econômico

que elas representam. É condenar famílias sem-terra que lutam pela recriação de

suas existências como trabalhadoras. É aceitar os interesses dos latifundiários e o

processo de intensificação da concentração da terra. (p. 269).

Mas, apesar dos altos e baixos nas ocupações e número de famílias envolvidas, as

organizações, por mais de 25 anos, vem articulando famílias, realizando ocupações, pressionando os

governos para a criação dos assentamentos, além de lutar por outras necessidades que viabilizem a

permanência na terra em melhores condições. Isso prova que, maior que as dificuldades é a força do

povo que se nega a aceitar pacientemente o não atendimento dos seus direitos. Por isso lutam

permanentemente, mantendo viva a chama da rebeldia e o vigor da luta.

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5.2. O MST no Espírito Santo: a luta pela terra e a criação dos assentamentos em meio a

conflitos e violência

Para falar da criação do MST é preciso relacionar as ocupações de terra e a construção dos

assentamentos. As ocupações foi e continua sendo uma das formas de luta que questiona a

concentração da terra e proporciona a criação dos assentamentos os quais são conquistas que efetiva

a materialização da luta, viabilizando terra e algumas condições materiais para que as famílias

possam construir vida digna a partir do trabalho, da organização e da luta contínua. Mas essas

conquistas não acontecem sem conflitos, pois desperta reações dos latifundiários. Nesse sentido, ao

discutirmos sobre a construção do MST no Espírito Santo, inserimos nessa análise as ocupações de

terra, os conflitos e a violência.

No processo de construção do MST diversas organizações, entidades, lideranças

contribuíram no processo, seja ele pela motivação de famílias nos trabalhos de base nos bairros das

cidades, incentivando-as para as ocupações de terra, enquanto caminho para a conquista de terra, no

apoio durante o período de acampamento, seja na campanha de alimentação às famílias, na

interlocução com o Estado, nas visitas às famílias durante o período de acampamento, nas

mobilizações, nas audiências, nas atividades festivas, de comemoração de conquistas, assim como

nos períodos mais difíceis, de perda de companheiros pela bala assassina dos inimigos da reforma

agrária. Para Fernandes (2009)

o MST não é reSultado de uma proposta política de um partido, não é fruto de uma

proposta da Igreja, nem do movimento sindical. Embora tenha recebido apoio da

conjugação dessas forças políticas. O MST é uma realidade que surgiu da lógica

desigual do modo capitalista de produção. O Movimento é fruto dessa realidade e

não das instituições (p.274).

É nesse sentido que

O MST não é somente dos Sem Terra, o MST é uma conquista da sociedade

brasileira que acredita e sente a necessidade de mudanças estruturais e dentre elas,

a Reforma Agrária no seu profundo e verdadeiro sentido. (SOUZA e PIZETTA,

2005, p. 148).

Os primeiros assentamentos de reforma agrária no Espírito Santo são criados a partir da

terra negociada com o governo estadual. Nesse período, grupos organizados articulavam audiências

com o governador do estado e a secretaria de agricultura para viabilização de terra aos

trabalhadores. Desde esse período, as audiências eram combinadas com mobilização dos

trabalhadores.

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Com a criação dos primeiros assentamentos no Espírito Santo, a partir de 1984, foram

criadas também as condições iniciais de trabalho e renda para as famílias que foram contempladas

com a terra. A criação também encorajou outras pessoas a lutarem por terra, fazendo com que, até o

dia 18 de julho de 1985 fossem criados seis assentamentos, em que foram assentadas 148 famílias

em 1.281 hectares de terra. Apesar de poucas as conquistas no aspecto material em função da área

conquistada, esses primeiros assentamentos foram importantes para a luta. Considerando que as

negociações não dão conta de atender ao número de famílias mobilizadas e organizadas, as

ocupações de terra passam a ser outra estratégia de luta.

Algumas lideranças capixabas que organizavam grupo de sem terra, participaram do I

Encontro Nacional do MST que aconteceu em fevereiro de 1985, em Curitiba/PR. Nesse encontro a

ocupação de terra foi definida como uma das principais ações para viabilizar o acesso à terra para os

trabalhadores que se dispuseram a fazer a luta coletiva. Em outros estados da federação, a ocupação

de terra já vinha ocorrendo e possibilitando a conquista da terra.

É nesse contexto que as lideranças que vinham organizando as famílias na luta pela terra,

decidem fazer ocupação de terra para agilizar o processo de desapropriação. Em 27 de outubro de

1985, no município de São Mateus um grupo de aproximadamente 300 famílias fizeram a primeira

grande ocupação do MST no Espírito Santo. Esse é um marco de criação do MST no estado. Dessa

ocupação reSultam na viabilização dos Assentamentos Vale da Vitória, com 39 famílias. Essas

mesmas famílias conquistam os Assentamentos Georgina, com 80 famílias, o Assentamento

Pratinha, com 17 famílias, todas no município de São Mateus. Fruto dessa mesma luta, no mesmo

ano foi criado o assentamentos Pontal do Jundiá, com 48 famílias, no município de Conceição da

Barra. A criação desses assentamentos só foi possível graças a sucessivas ocupações, tanto dos

latifúndios, quanto da sede do INCRA na capital para pressionar o governo a agilizar o processo de

desapropriação de terra. As ocupações são intercaladas por despejos realizadas por policiais

armados.

A constituição do MST é forjada da luta pela terra pelas própria famílias que estavam

disposta e organizadas a lutarem pela terra e a ocupação, assim como foi definida no I Encontro

Nacional do MST, tornou-se uma ação fundamental que consolidava o Movimento no Espírito

Santo. Conforme afirma Fernandes (1999) “Os sem-terra são e fazem o Movimento” (p. 274). A

ocupação é confirmada na prática como sendo uma das possibilidades de agilizar a criação dos

assentamentos. “A ocupação é, portanto, uma forma de materialização da luta de classes”

(FERNANDES, 1999, p. 269).

Em 20 de setembro de 1986 o MST ocupou um outro latifúndio improdutivo, pertencente a

empresa Floresta Rio Doce, no município de São Mateus. Dessa ocupação surge o Assentamento

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Juerana, no município de São Mateus, o Assentamento Chapadão do Rio Quartel, no município de

Linhares, o Assentamentos Pip-Nuck, no município de Nova Venécia. Parte desse grupo,

aproximadamente 50 famílias realizam uma ocupação no município de Pedro Canário, que reSulta

posteriormente na conquista do Assentamento Castro Alves e são assentadas 129 famílias na área.

A criação dos assentamentos despertou não apenas o interesse de outras famílias a lutarem

pela terra, mas despertou a reação dos latifundiários, os quais criaram a UDR no ano de 1986, para

defenderem o direito da propriedade privada e combater a luta do MST. A UDR passou a contratar

pistoleiros para atuarem juntamente com a Polícia Militar – PM no combate aos sem-terra, tentando

impedir as ocupações de terra. A partir das ações violentas da UDR, espalhando medo em diversos

municípios do norte capixaba, impedindo diversas ocupações de terra, assassinando lideranças

sindicais e religiosas. Essas ações contribuíram para dificultar as articulações do Movimento,

acirrando o conflito, gerando violência, que reSulta na morte de diversas lideranças do MST e de

outras entidades que apoiavam a luta.

Mesmo sobre perseguição da UDR e a morosidade do poder público, as ocupações de terra

dão fruto a outros assentamentos. Da ocupação no município de Pedro Canário, além do

Assentamento Castro Alves, em Pedro Canário, as famílias conquistaram também o Assentamento

Francisco Domingos Ramos, no município de Montanha, o Assentamentos Três Pontões, no

município de Nova Venécia.

Em setembro de 1988 o MST organizou uma grande ocupação, com aproximadamente 550

famílias em uma área da Acesita Energética, no município de Conceição da Barra. A reação da

UDR articulada com a PM para desocupar a área também foi grande. Dispostos a retirarem os sem-

terra da área, essa „operação de guerra‟ mobilizou em torno de 600 homens fardados (entre policiais

e pistoleiros). Com o clima tenso e a pressão feroz dos latifundiários que articularam suas forças

(pistoleiros e policiais), o MST foi pressionado a sair a noite da área e construir um outro

acampamento em uma outra localidade, no município de São Mateus.

Após meses de pressão e negociações, a partir da resistência das famílias acampadas,

dispostas a conquistarem um pedaço de chão, e da solidariedade prestada pela sociedade, fruto

dessa luta, é conquistado o assentamento Gaviãozinho, Treze de Maio, ambos no município de

Nova Venécia, o Assentamento Vale Ouro no município de Ecoporanga, no ano de 1989. Alguns

dos assentamentos citados anteriormente só foram criados legalmente pelo INCRA alguns meses ou

anos posteriormente a tomada de posse da área pelas. (SOUZA e PIZETTA, 2005). Conforme o

mapa que segue, percebe-se que a conquista de terra a partir da criação de assentamentos, nesse

período, se concentra no Norte do estado.

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Mapa 9 Famílias assentadas 1984 à 1989

O período aqui considerado vai desde a criação dos primeiros assentamentos, final do

período do governo militar, até o período do governo de José Sarney. Até o ano de 1989 foram

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assentadas apenas 756 famílias em 24 assentamentos, sendo 97% no Norte do estado, todas a partir

da luta do MST, com exceção de apenas 19 famílias (3%) no município de Viana, na região da

Grande Vitória, em um assentamento (4% do total) articulado por outras organizações. Dos 24

assentamentos, 18 foram criados pelo governo estadual e seis pelo governo federal, contemplando

respectivamente 415 e 341 famílias.

O período de 1989 a 1991 foi marcado por diversos conflitos violentos, perseguições de

lideranças e assassinatos arquitetados pelos fazendeiros através da UDR. No ano de 1990 não foi

criado nenhum assentamento no Espírito Santo. Um fato marcante dessa história foi em uma

tentativa de ocupação da fazenda Ipuera, no município de Pedro Canário, próximo ao Assentamento

Castro Alves. Parte das famílias que estavam mobilizadas para fazerem a ocupação, foram

impedidas, ainda em seu município de origem (Pinheiros) e após longas interrogações, repressão e

torturas, o grupo foi desmobilizado e impedido de prosseguir viagem. Um outro grupo de

aproximadamente 50 famílias conseguiram chegar na área. Na madrugada do dia 5 de junho de

1989, o proprietário, acompanhado por um policial, dirigiram-se à fazenda e, percebendo a presença

de famílias na área, decidem atirar contra as famílias. Dá-se então o confronto entre famílias e

fazendeiro, acompanhado pelo policial e reSulta na morte do Fazendeiro José Machado (dono da

fazenda) e o policial Sérgio Narcísio.

A partir desse episódio a perseguição contra o MST torna-se mais acirrada e violenta.

Diversas lideranças foram perseguidas e ameaçadas de morte. Algumas dessas foram obrigadas a

deixar o estado. Foram realizadas diversas prisões, além da dispersão das famílias, destituindo o

pequeno acampamento. Como forma de intimidar o MST e vingar a morte do fazendeiro e o

policial, a UDR promoveu assassinatos de lideranças que apoiavam e contribuíam na organização

dos sem-terra. No dia 19 de junho de 1989 foi assassinado o tesoureiro do Partido dos

Trabalhadores – PT, Paulo Damião Tristão, o Purinha, no município de Linhares. Após 30 dias, no

município de Montanha, o líder sindical e ex-vereador, Verino Sossai, foi assassinado em plena

manhã, quando este prestava serviço a um morador do bairro. Em 12 de setembro do mesmo ano o

sindicalista e líder comunitário Valdício Barbosa dos Santos foi assassinado, quando retornava de

uma atividade na Escola Família Agrícola de Pinheiro, onde alguns de seus filhos estudavam.

Diversas prisões de pessoas acampadas, lideranças sociais sucederam, na intenção de intimidar a

luta e barrar as ocupações de terra e a criação de assentamentos.

Esse clima de terror prosseguiu por anos, dificultando as organização dos trabalhadores na

luta por um pedaço de terra. Algumas lideranças que apoiavam a luta do MST também se afastaram,

buscando preservar suas vidas (SOUZA e PIZETTA, 2005, p. 94 à 102).

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Nesse período foi organizado diversos grupos informais (sem pessoa jurídica) e formais

(com pessoa jurídica) de famílias, articulando a cooperação agrícola e a agroindustrialização. A

partir dessas ações, foram criadas algumas associações e cooperativas de produção agropecuária –

CPAs que viabilizaram a criação da Cooperativa Central dos Assentados em 31 de maio de 1991.

Essa Central de cooperativas contribui na articulação de assistência técnica às famílias assentadas,

acompanhamento aos grupos de cooperação, organizando atividades de formação.

A partir dessas ações, os furtos continuam sendo colhidos. No ano de 1998 o MST

articulou alguns profissionais técnicos que atuavam nas áreas de assentamentos e cria a Cooperativa

de Prestação de Serviço Técnico da Reforma Agrária do Espírito Santo – COOPTRAES. Essa

cooperativa congrega profissionais nas áreas das ciências agrárias, da economia, da administração,

da medicina veterinária, pedagogia e história. Através de convênios firmado com o INCRA, essa

cooperativa presta serviço nos assentamentos de reforma agrária organizados pelo MST no Espírito

Santo, assim como serviço de demarcação topográfica no Espírito Santo e em outros estados da

federação (SOUZA e PIZETTA, 2005, p. 86-104).

Outra ação que teve relevância nesse período foi o processo de formação das famílias via a

organização das escolas dos assentamentos. O processo de educação foi forjado desde a criação dos

primeiros assentamentos. Mas é no início da década de 1990 que as escolas de assentamentos

passam a atender, não mais até a 4ª série, mas é elevado o estudo até a 8ª série do ensino

fundamental. São criadas nesse período 6 escolas de atendimento do ensino fundamental completo e

intensifica os cursos de formação de professores, culminando com a criação do curso de magistério

que teve início em 1995, a partir de uma parceria entre o INCRA, a Escola Estadual de Ensino

Médio Santo Antônio e o Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos

Agricultores do Estado do Espírito Santo – CIDAP/ES. Diversos outros cursos informais são

realizados propiciando a formação técnica e política dos educadores das áreas de assentamentos.

A partir de 1999 e criado o I e o II curso de pedagogia através de parceria entre o CIDAP,

INCRA e a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Outras escolas de ensino fundamental

foram sendo criadas juntamente com a criação de outros assentamentos. O MST/ES também

encaminha pessoas para outros estados e países para realização de cursos de formação política e

técnica, como os de ensino médio e superior em diversas áreas do conhecimento, como técnico em

administração de cooperativas, de saúde comunitária, medicina, direito, entre outros. (SOUZA e

PIZETTA, 2005, p. 86-132).

A partir de 1990 o MST expande sua organização para o Sul do estado, organizando

famílias, realizando ocupação de terra e construindo assentamentos. O MST deixa de atuar apenas

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no norte e noroeste do estado e passa a atuar em caráter estadual. ReSultado desse trabalho no Sul

do estado, em 20 de maio de 1991 é realizado uma ocupação na Fazenda Caxeta, no município de

Presidente Kennedy. Nessa ocupação houve grande repressão da Polícia Militar – PM contra o

conjunto das famílias e lideranças dos Sem Terra, com torturas e prisões. A conquista da terra e o

assentamento de famílias só veio acontecer em 1996 com a conquista do Assentamento Santa Rita,

no município de Bom Jesus do Norte.

Mas no período de 1990 a 1994, nos governos Collor de Melo (15/03/1990 a 02/10/1992) e

Itamar Franco (02/10/1992 a 1/1/1995), apesar da grande repressão, são assentadas algumas

famílias, conforme o mapa 10 que segue.

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Mapa 10 Famílias assentada 1990 a 1994

Nos governos Collor e Itamar ( 15/03/1990 a 31/12/1994) só foram assentadas 84 famílias

em 6 assentamentos no Espírito Santo. Apenas 1.049,82 hectares de terra foram conquistadas nesse

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período. Foram assentadas 32 famílias via o governo federal e 52 pelo governo estadual, todas nos

anos de 1991 e 1993. O governo estadual criou assentamentos até o ano de 1991, totalizando 22

assentamentos, com 467 famílias em 4.810,48 hectares. A partir do assentamento dessas famílias,

no Espírito Santo passou a ter 30 assentamentos, 821 famílias assentadas em 9.650,253 hectare,

sendo 97%, 98% e 98% respectivamente vinculados ao MST.

No primeiro mandato do governo FHC (1995/98) foi retomada a criação de novos

assentamentos. Outras organizações também realizam ocupações, como é o caso da FETAES,

proporcionando o assentamento de famílias não mais apenas pelo MST. O mapa 11 representa o

número de famílias assentadas no período de 1995 a 1998 e sua expansão em outros municípios e

regiões do estado.

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Mapa 11 Famílias assentadas 1995 à 1998

Os 30 assentamentos criado até o ano de 1994 estavam em apenas 9 municípios capixaba.

No período compreendido entre 1995 a 1998 (governo FHC) os 22 assentamentos criados

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expandiram para mais 14 municípios capixaba, nas diversas regiões do estado. Foram assentadas

1.711 famílias em 15.164,0218 hectares, sendo que o MST foi responsável 73% dos assentamentos,

58% da famílias assentadas e 64% da área conquistada.

No segundo mandato de FHC (1999/2002) houve uma redução na criação de

assentamentos, conforme mapa que segue.

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Mapa 12 Famílias assentadas 1999 à 2002

Foram criados apenas 12 assentamentos, com 691 famílias, em 7.179,0630 hectare, sendo

que o MST foi responsável respectivamente por 50%, 65% e 64% dessa conquista.

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Até o ano de 2002 o MST foi responsável por 82% dos assentamentos, 71% das famílias

assentadas e 76% da área conquistada. Até esse período os assentamentos de reforma agrária

estavam em 29 municípios capixabas.

A partir de 2003, com a motivação da eleição do governo Lula (2003/2006), houve uma

intensificação da luta pela terra, ampliando as ocupações. Havia uma expectativa que o governo

Lula daria ênfase à realização da reforma agrária e as ocupações poderia contribuir nessa

perspectiva. O mapa 13 representa as famílias assentadas no período de 2003 a 2006.

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Mapa 13 Famílias assentadas 2003 à 2006

Apesar de não haver grande avanço na realização da reforma agrária, foram criados 16

assentamentos nesse período, contemplando 644 famílias em 7.353,2839 hectares, sendo que o

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MST foi responsável por 44% dos assentamentos, 44% da famílias assentadas e 485 da área

conquistada. A criação dos assentamentos nesse período se deram principalmente no oeste do

estado, em 9 municípios capixaba, totalizaram 3.886 famílias assentadas em 80 assentamentos em

39.507 hectares.

No segundo mandato do governo Lula houve uma frustração na luta pela democratização

da terra, em não contribuir no avanço da reforma agrária, assentando apenas 372 famílias em 6

assentamentos em área de 6.870,787 hectare. O Mapa 14 consta as famílias assentadas nesse

período.

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Mapa 14 Famílias assentadas 2007 à 2010

Conforme o mapa 14, constata-se que as famílias foram assentadas em apenas 4

municípios capixaba, sendo um no Sul do estado.

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Nesses 26 anos de luta na conquista de assentamentos de reforma agrária no Espírito Santo

(1984 – 2010) foram assentadas 4.258 famílias em 86 assentamentos num total de 46.377,41

hectares, em 32 municípios capixaba. O MST foi responsável 71% dos assentamentos, 65% das

famílias assentadas e 68% da área conquistada, presente em 25 municípios.

Analisando o processo do assentamento das famílias no Espírito Santo, no período de 1884

a 2010 é possível relacionar a conquista de terra, a partir da criação dos assentamentos e o processo

de concentração da terra, assim como a luta pela realização da reforma agrária. Na tabela que segue

constam as famílias assentadas, número de assentamentos e área conquistada por ano, as quais estão

organizadas pelo MST e outras organizações.

TABELA 08

Total MSTOutras Org. Total MST Outras Org. Total MST Outra Org.

1984 1 1 0 31 31 0 155 155 0

1985 7 7 0 135 135 0 1.306,00 1.306 0

1986 6 5 1 230 211 19 3116,9059 2956,9059 160

1987 3 3 0 83 83 0 1143,2297 1143,2297 0

1988 5 5 0 202 202 0 2180,5471 2180,5471 0

1989 2 2 0 75 75 0 858,75 858,75 0

1990 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1991 5 5 0 77 77 0 968,92 968,92 0

1992 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1993 1 1 0 7 7 0 80,9 80,9 0

1994 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1995 1 1 0 50 50 0 489,1 489,1 0

1996 5 4 1 397 320 77 3818,79 3138,79 680

1997 6 5 1 507 293 214 3.968,49 2.833,49 1135

1998 10 5 5 757 326 487 6.887,64 2.774,84 4112,8

1999 3 2 1 282 211 71 2.718,42 1.992,81 725,61

2000 2 1 1 77 37 40 916,9 455,8 461,1

2001 2 0 2 55 0 55 580,5992 0 580,5992

2002 5 3 2 277 203 74 2.963,14 2144,3928 818,7479

2003 4 1 3 99 34 65 1.048,43 380,0133 668,4148

2004 5 1 4 271 226 45 2.801,35 566,28 2235,0696

2005 4 4 0 170 170 0 2182,3732 2182,3732 0

2006 3 1 2 104 36 68 1321,133 400,18 920,953

2007 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2008 1 1 0 100 100 0 2042,0499 2042,0499 0

2009 4 1 3 233 75 158 4.259,71 1343,6386 2916,0729

2010 1 1 0 39 39 0 569,0258 569,0258 0

TOTAL 86 60 26 4.258 2.941 1.373 46.377,41 30.963,04 15.414,37

Assentamentos Famílias assentadas Área dos assentamentos

Fonte: INCRA SR/20 e MST/ES Org.: Adelso Rocha Lima 2011

Ano

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A criação dos assentamentos representa o esforço de famílias que se articulam e lutam para

a conquista coletiva da terra e de melhores condições de vida. A terra não é o todo, mas a base

essencial, o chão para outras conquistas. As famílias assentadas, através do policultivo, do trabalho

familiar e da organização comunitária constroem sua identidade camponesa. Passam de camponeses

sem terra para camponeses com terra, com esperança de dias melhores, com dignidade. Tornam-se

arquitetos dos seus sonhos a partir do trabalho e da organização camponesa.

O mapa 15 consta as famílias assentadas no Espírito Sano no período de 1984 à 2010.

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Mapa 15 Famílias assentadas 1984 à 2010

A partir dos mapas de distribuição das famílias assentadas no Espírito Santo, percebe-se

que a maioria dessas estão nas regiões em que há maior concentração fundiária, como é o caso do

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norte e Sul capixaba. Na mesma região em que há grandes latifúndios, há também articulação dos

trabalhadores, famílias sem-terra dispostas a lutar pela terra.

Os assentamentos criados nesses 26 anos de luta viabilizaram a conquista de 46,37 mil

hectares de terra distribuído para 4.258 famílias. Apesar de não ser ainda a efetivação da reforma

agrária, pois ainda é tímida a desconcentração da terra, mantendo grandes latifúndios, mas

demonstra sinal de que as conquistas serão viabilizadas a partir da luta e jamais por concessão do

Estado, o qual tem criado políticas agrícolas e agrárias de manutenção e fortalecimento do

latifúndio e do agronegócio, como é o caso da desproporcionalidade dos recursos para a agricultura

familiar e empresarial/capitalista disponibilizado pelo plano safra.

Podemos constatar também que as famílias assentadas, base do MST estão

predominantemente no norte e Sul do estado, principalmente no litoral, enquanto que as famílias

base de outras organizações, como é o caso da FETAES, estão predominantemente no Noroeste e

Sul (principalmente no Oeste) do estado.

Há um conflito direto entre as famílias assentadas e o latifúndio e agronegócio, na

construção dos territórios. Enquanto os assentamentos contribuem na distribuição da terra, o

policultivo, na produção de alimento, um campo com pessoas, com culturas, os latifúndios e

agronegócio lutam pela construção de um campo de negócio, sem gente, de terra concentrada, de

monoculturas, principalmente de eucalipto para a produção de papel e celulose, da cana-de-açúcar,

da fruticultura entre outras. Os assentamentos se somam para o fortalecimento da agricultura

camponesa, enquanto que o agronegócio se soma para a agricultura capitalista.

A necessidade da reforma agrária é ainda latente no Brasil, com suas especificidade em

cada unidade da federação. No caso do Espírito Santo, com 157 estabelecimentos agropecuários

acima de 1.000 hectare cada, em um total de mais de 500 mil hectare confirma a necessidade da

reforma agrária. Mesmo com a elaboração do I Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA) em

1985 e o II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) em 2004 a terra continua concentra. A

não efetivação das políticas agrícolas e agrária que beneficia as classes menos favorecidas da

sociedade brasileira contribui para a efetivação das políticas que beneficia a classe patronal. Isso

fica evidente ao analisar o não cumprimento das metas do I PNRA e o II PNRA em assentar

famílias sem-terra e a destinação de volumosos recursos ao agronegócio a partir de políticas

públicas, como é o caso do Plano Safra.

A luta pela democratização da terra confronta com políticas de manutenção dos grandes

latifúndios e o avanço do agronegócio. Conforme afirma Canavesi (2011) “Os conflitos fundiários,

que não são exclusivos da região norte do ES, têm aí sua expressão máxima, denunciando séculos

de incertezas territoriais que ainda hoje persistem”. (p. 126). É no Norte do Espírito Santo que se

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encontra a grande maioria das famílias assentadas, assim como a expansão dos monocultivos de

cana, de eucalipto, de fruticultura e de pecuária extensiva.

A conquista de terra para assentamentos de reforma agrária é ainda baixo no que se refere a

desconcentração da terra, mas representa a persistência dos camponeses frente ao grande capital, ao

agronegócio. A formação de comunidades de camponeses assentados soma-se à luta de outros

camponeses, dos quilombolas e comunidades indígenas. Pois foi justamente nessas comunidades

que se instalou a monocultura de eucalipto a partir da década de 1970.

A monocultura do eucalipto em vastas extensões se instalou nos municípios de

Aracruz, Conceição da Barra e São Mateus, onde predominavam comunidades

indígenas, camponesas e quilombolas, deixando de lado territórios onde prevalecia

uma classe dominante local, que foi respeitada; assim, o município de Linhares não

sofreu a dominação de seu território por parte da monocultura do eucalipto

(CANAVESI, 2011, p. 128)

Essa constatação contribui na afirmação de que não foram apenas as terras de planícies e a

logística os fatores determinantes na escolha das áreas para a instalação dos monocultivos de

eucalipto. Conforme verificado na não instalação no município de Linhares, litoral Norte capixaba,

com grandes extensões de planícies. A monocultura de eucalipto e, posteriormente de cana, foi

instaladas nas áreas pertencentes às comunidades camponesas, indígenas e quilombolas, em sua

grande maioria, possuía a posse, a terra para uso e sustentação da vida e não a propriedade privada

da terra. Em Linhares, a terra já estava consolidada em propriedade privada pelos grandes

latifúndios.

A conquista da terra pelas famílias camponesas e a construção de assentamentos de

reforma agrária principalmente no Norte do estado aflora o conflito entre terra de trabalho e a terra

de negócio, pois, “o grileiro, o latifundiário, o empresário chegam onde o posseiro está. Os sem-

terra estão ou chegam onde o grileiro, o latifundiário, o empresário estão” (FERNANDES, 1999, p.

275).

As comunidades de assentamentos somam-se às demais comunidades de camponeses, de

quilombolas, de indígenas, construindo territórios heterogêneos, onde os monocultivos insistem em

construir territórios homogêneos, ou os desertos verdes de eucalipto e cana. Constroem territórios

com gente, onde os grandes projetos insistem em construírem territórios de negócios sem gente.

Os monocultivos de eucalipto e cana foram implantados a partir de diversas teses, entre elas,

a farsa do “vazio demográfico”, pois desconsiderava a pequena agricultura familiar, a partir das

comunidades indígenas, quilombolas e posseiros de modo geral eram invisíveis”. (SCARIM, 2009).

Mas foi com a instalação desses projetos que tem promovido a expropriação das terras dos

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camponeses, expulsando-os para as periferias das cidades. A partir do Censo demográfico de 2010,

constata-se que mais de 48% da população capixaba estão nos setes municípios que compõem a

região da Grande Vitória. A população rural capixaba até a década de 1960 representava mais de

70% da população total. Foi justamente no período de instalação e expansão do monocultivos de

eucalipto que inverte a população rural – urbana chegando em 2010 com apenas 15,64% da

população no meio rural.

Nesse sentido, a luta pela reforma agrária não representa o retorno ao campo, mas o retorno

da terra de trabalho, da terra para a produção de alimentos, da terra para a produção da vida, da

biodiversidade e da sociodiversidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho buscou estudar a questão agrária capixaba levando em consideração os

aspectos conceituais, elementos técnicos e informações que envolvem a discussão do tema

proposto. Em função disso, foi possível compreender a desigual distribuição da terra no Espírito

Santo a partir de sua colonização e que se mantém no período contemporâneo. Essa constatação

confirma que a questão agrária ainda e um tema importante para o estado capixaba. É em função

disso que as comunidades camponesas, indígenas e quilombolas se mantiveram em luta durante esse

longo período. Resistem em meio à permanência do latifúndio e ao avanço do agronegócio,

sustentado em políticas do Estado, seja através de financiamentos, de projetos de (re)organização

territorial, assim como através de mudanças na legislação, em favorecimento a essa lógica de

„desenvolvimento‟.

Na contramão desse processo, as políticas agrícolas e agrária que poderiam beneficiar os

camponeses só foram conquistadas através de muita luta e persistência. Mesmo assim a política de

reforma agrária tem sofrido diversas alterações nesse processo. Os dois Planos Nacionais de

Reforma Agrária do governo federal em momentos distintos, mesmo com tímidas metas de

assentamento de famílias, não conseguiram cumprir o que foi elaborado e aprovado.

As terras capixabas continuam concentradas e servindo prioritariamente para a produção

de commodities, como é o caso de papel e celulose, a partir da grandes extensões de plantações

homogêneas de eucalipto. Soma-se a esse processo a monocultura de cana-de-açúcar, de pecuária

extensiva e lavouras de fruticultura. Houve grande expansão dessas atividades, enquanto têm sido

reduzidas as áreas com a produção para o abastecimento do mercado interno, como é o caso da

produção alimentícia.

Os pequenos estabelecimentos são responsáveis pela maior parte da mão de obra ocupada

na agropecuária. Esses estabelecimentos são também responsáveis por grande parte da produção

alimentícia, como é o caso da batata-inglesa (98,12%), mandioca (95,49%), feijão (92,53%), milho

(91,3%), arroz (90,65%), suínos (80,86%), aves (67,66%), ovos (67,16%) e leite (59,7%).

O fato das plantações homogêneas de eucalipto serem consideradas pelo IBGE como

florestas plantadas também gera um conflito teórico. Pois não é por ser uma árvore que a

monocultura de eucalipto torna-se uma floresta. É por isso que no Espírito Santo a Rede Alerta

contra o Deserto Verde, uma articulação que reúne lideranças de comunidades impactadas pelas

plantações homogêneas de eucalipto, como os indígenas e quilombolas, o MST, o MPA, CPT, bem

como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), a Associação dos

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Geógrafos Brasileiros (AGB), o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) entre outros,

como pesquisadores, religiosos e estudantes. (GOMES e OVERBEEK, 2011).

Essa articulação realiza e apoia diversas ações contra a Aracruz Celulose, tornando

conhecidos nacional e internacionalmente os problemas gerados por essa empresa no Espírito

Santo. Para a implantação dessa monocultura, houve uma devastação da mata atlântica e grandes

impactos nas comunidades, principalmente de indígenas e quilombolas. Nesse sentido, as

plantações homogêneas de eucalipto são consideradas “Desertos Verdes”. A sua instalação destrói a

diversidade socioambiental, expulsando famílias, exterminando córregos e nascentes, animais e

vegetais. Diferente das matas e florestas que são formadas por uma diversidade de fauna e flora,

possibilitando a permanência de comunidades, que durante décadas e séculos conviveram nessa

região, sem necessariamente destruir a mata atlântica. A monocultura de eucalipto está mais

próxima de um Deserto Verde do que uma floresta, com uma variedade de animais e vegetais,

possibilitando que os humanos possam ter conviver e produzir sua existência.

É necessário que os camponeses continuem resistindo através de suas organizações, da luta

contínua, buscando e fortalecendo o apoio de diversos setores da sociedade, no intuito de contribuir

na construção de políticas que favoreçam a classe trabalhadora. A bandeira da reforma agrária

precisa ser incluída nas metas governamentais com responsabilidade de viabilizar a

desconcentração da terra, em benefício não apenas dos camponeses, mas do conjunto da sociedade,

desconcentrando a terra, a riqueza e a renda. Contribua também pela resolução dos grandes

problemas urbanos, como a escassez de emprego, saneamento, e abundância de violência e de vida

precária.

Discutir a questão agrária deve ser compreendido como parte da luta camponesa. É preciso

compreender e discernir os discursos que beneficiam os camponeses e a classe trabalhadora de

modo geral, assim como os discursos que beneficiam os latifundiários, o agronegócio e os

defensores desse modelo excludente de produção e concentração. A questão agrária é inerente ao

modo capitalista de produção, tendo a produção capitalista e a produção camponesa parte de um

mesmo processo. Esse modo de produção não só exclui, mas também cria e recria o campesinato.

Os camponeses são criados e recriados a partir da luta e organização social. A reforma

agrária é uma política pública que pode intensificar a recriação dos camponeses. Através da

produção com base familiar, os camponeses podem ampliar a produção, fortalecendo o mercado

interno, socializar os benefícios do seu trabalho, ampliando os postos de trabalho, a geração de

renda e riqueza ao número de pessoas.

A formação agrária do Espírito Santo segue a mesma lógica nacional, de permanência do

latifúndio e avanço do agronegócio. O Estado, através de suas políticas públicas, durante décadas,

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tem favorecido a expropriação dos camponeses, da comunidade indígenas e quilombolas a benefício

do avanço do agronegócio. Mas é através da luta, da resistência que os camponeses vêm sendo

criados e recriados. A ocupação de terra tem sido uma das formas de diversas famílias, a partir da

criação dos assentamentos, construírem o território camponês.

A desconcentração da terra pode contribuir com a sociedade como um todo.

É nos pequenos estabelecimentos agropecuários que produzem os principais e a maioria dos

alimentos provindos da agricultura, gera a maioria dos postos de trabalho no campo, assim como

amplia a possibilidade de um maior número de pessoas acessarem os benefícios socialmente

produzidos. A desconcentração da terra é, portanto, a desconcentração do poder, da renda, da

riqueza, da redução da pobreza, da violência, do inchaço urbano e de diversos problemas sócio

econômicos e ambientais.

No Espírito Santo a luta pela terra continua vigente. Apesar de haver grandes extensões de

terra com a monocultura de eucalipto, cana e pecuária extensiva, grande concentração fundiária, os,

camponeses tem buscado alternativas de desenvolver e enfrentar as dificuldade naturais (relevo,

clima, qualidade do solo, hidrografia, etc.), assim como as construídas pelas forças dominantes.

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