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“Análise comportamental de animais submetidos à Separação Materna e ao Enriquecimento Ambiental.” 1 Alex Jonas da Costa 2 José Inácio Lemos 3 1 Trabalho desenvolvido com o apoio do Programa PIBIC/UFPA-INTERIOR. 2 Graduando do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC/UFPA. E-mail: [email protected] 3 Docente da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Pará Email: [email protected] RESUMO Em muitas espécies animais, os filhotes dependem de suas mães para o desenvolvimento, alimentação e interação física. O estresse da separação materna prejudica a interação mãe-filhote e causa alterações neuroquímicas e comportamentais nos filhotes persistentes por toda a vida do indivíduo. Sabe-se que o enriquecimento ambiental promove efeitos opostos aos da separação materna, entretanto há poucos estudos investigando os efeitos desse tipo de ambiente em animais submetidos previamente ao estresse da separação materna. Dados do nosso grupo de pesquisa evidenciaram que animais submetidos à separação materna apresentam redução na neurogênese hipocampal, sendo que este efeito não é revertido ou atenuado pelo enriquecimento ambiental. Não há trabalhos na literatura investigando as respostas comportamentais de animais submetidos ao estresse neonatal e ao enriquecimento ambiental. Portanto nosso estudo foi direcionado para verificar se possíveis diferenças comportamentais na exploração do enriquecimento ambiental poderiam ajudar a esclarecer os diferentes efeitos encefálicos desse tipo de manipulação ambiental. Foram utilizados 2 grupos experimentais: 1) animais controle ou 2) submetidos à separação materna ambos submetidos ao ambiente enriquecido. As respostas comportamentais dos animais foram registradas, mesmo no período escuro, utilizando-se câmeras infravermelhas. As variáveis analisadas foram: ingestão de ração e água, ganho de peso, movimentação pelas escadas, procura por água e movimentação nas rodas de atividade. Além disso, calculou-se o quociente de encefalização de animais submetidos ou não ao enriquecimento ambiental com ou sem exposição prévia ao estresse da separação materna. Verificou-se que os animais não separados submetidos ao enriquecimento ambiental apresentaram maior quociente de encefalização que os animais criados em caixas padrão, entretanto esse efeito do ambiente enriquecido não foi observado nos animais submetidos previamente ao estresse neonatal. Tal fato pode ser decorrente de menor exploração do ambiente enriquecido pelos animais separados da mãe, evidenciada por menor número de passagens pelas escadas, menor procura por água e menor atividade nas rodas de correr. Conclui-se que a separação materna interfere com o comportamento dos animais prejudicando os efeitos benéficos do enriquecimento ambiental sobre o encéfalo dos ratos. PALAVRAS-CHAVE: enriquecimento ambiental, separação materna, análise comportamental, quociente de encefalização.

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“Análise comportamental de animais submetidos à Separação Materna e ao Enriquecimento Ambiental.”1

Alex Jonas da Costa2 José Inácio Lemos3

1 Trabalho desenvolvido com o apoio do Programa PIBIC/UFPA-INTERIOR. 2 Graduando do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Pará.

Bolsista PIBIC/UFPA. E-mail: [email protected] 3 Docente da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Pará

Email: [email protected] RESUMO

Em muitas espécies animais, os filhotes dependem de suas mães para o desenvolvimento, alimentação e interação física. O estresse da separação materna prejudica a interação mãe-filhote e causa alterações neuroquímicas e comportamentais nos filhotes persistentes por toda a vida do indivíduo. Sabe-se que o enriquecimento ambiental promove efeitos opostos aos da separação materna, entretanto há poucos estudos investigando os efeitos desse tipo de ambiente em animais submetidos previamente ao estresse da separação materna. Dados do nosso grupo de pesquisa evidenciaram que animais submetidos à separação materna apresentam redução na neurogênese hipocampal, sendo que este efeito não é revertido ou atenuado pelo enriquecimento ambiental. Não há trabalhos na literatura investigando as respostas comportamentais de animais submetidos ao estresse neonatal e ao enriquecimento ambiental. Portanto nosso estudo foi direcionado para verificar se possíveis diferenças comportamentais na exploração do enriquecimento ambiental poderiam ajudar a esclarecer os diferentes efeitos encefálicos desse tipo de manipulação ambiental. Foram utilizados 2 grupos experimentais: 1) animais controle ou 2) submetidos à separação materna ambos submetidos ao ambiente enriquecido. As respostas comportamentais dos animais foram registradas, mesmo no período escuro, utilizando-se câmeras infravermelhas. As variáveis analisadas foram: ingestão de ração e água, ganho de peso, movimentação pelas escadas, procura por água e movimentação nas rodas de atividade. Além disso, calculou-se o quociente de encefalização de animais submetidos ou não ao enriquecimento ambiental com ou sem exposição prévia ao estresse da separação materna. Verificou-se que os animais não separados submetidos ao enriquecimento ambiental apresentaram maior quociente de encefalização que os animais criados em caixas padrão, entretanto esse efeito do ambiente enriquecido não foi observado nos animais submetidos previamente ao estresse neonatal. Tal fato pode ser decorrente de menor exploração do ambiente enriquecido pelos animais separados da mãe, evidenciada por menor número de passagens pelas escadas, menor procura por água e menor atividade nas rodas de correr. Conclui-se que a separação materna interfere com o comportamento dos animais prejudicando os efeitos benéficos do enriquecimento ambiental sobre o encéfalo dos ratos.

PALAVRAS-CHAVE: enriquecimento ambiental, separação materna, análise comportamental, quociente de encefalização.

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1. INTRODUÇÃO

Em muitas espécies animais, os filhotes dependem de sua mãe para o

desenvolvimento, alimentação e interação física. Sendo assim, as interferências

causadas na relação mãe-filhote, neste caso a separação materna, podem causar

alterações comportamentais, bioquímicas e morfológicas nos indivíduos. Tais

alterações, podem ser persistentes e ter consequências duradouras comprometendo a

vida desses indivíduos (Andersen et al., 1999; Anand & Sclazo, 2000; Holmes et al.,

2005; Hulshof et al., 2011; Post et al., 1998; Raceková et al., 2009; Shánchez et al.,

2001; Van den Buuse et al., 2003).

As alterações comportamentais podem ser explicadas com bases neurológicas.

Trabalhos apontam papel importante do hipocampo, amígdala e córtex pré-frontal,

regiões encefálicas envolvidas com respostas emocionais. Em ratos, muitos estudos

descrevem os efeitos de estressores durante o período pós-natal que acarretam

alterações comportamentais, neuroquímicas e morfológicas. Um dos modelos mais

estudados para esses fins é a separação materna (Lehmann e Feldon, 2000; McEwen,

2003). As primeiras análises das consequências da separação materna em ratos datam

de meados da década de 1970 (Lehmann e Feldon, 2000). Sabe-se que animais

submetidos a este tipo de estresse neonatal apresentam maior susceptibilidade a

estímulos aversivos, com aumento da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal

(Andersen et al., 1999; Anand & Sclazo, 2000; Holmes et al., 2005; Hulshof et al.,

2011; Post et al., 1998; Raceková et al., 2009; Shánchez et al., 2001; Van den Buuse et

al., 2003.).

O “enriquecimento ambiental” é um modelo experimental onde animais são

criados com muitos estímulos, que podem ser explorados livremente e causam

modificações comportamentais e morfofuncionais neurais dependentes dessa

experiência (Larsson et al., 2002; Nithianantharajah et al., 2004).

Animais submetidos à gaiola de enriquecimento ambiental, têm a sua disposição

alguns brinquedos, como: rolhas, caixas de papelão, tubos, rodinhas. Isso é uma forma

de fazer esses animais terem um ambiente onde possam andar livremente à procura de

comida e ração, além de disputarem por território e alimentação, rodinhas para

atividades físicas. Considerando que este tipo de ambiente pode atenuar efeitos de

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alguns tipos de estresse, é interessante investigar se tal ambiente pode reverter ou

atenuar efeitos da separação materna.

Muitas pesquisas demonstram que o enriquecimento do ambiente pode

influenciar de forma positiva o desenvolvimento do encéfalo dos animais expostos a ele

(Brenes & Fornaguera, 2008; Brenes et al., 2009; Chourbaji et al., 2012; Hendriksen et

al., 2010; Lehmann & Herkenham, 2011; Schloesser et al., 2010; Workman et al.,

2011).

Ao fazer uma extensa revisão na literatura, verifica-se que não há dados sobre as

respostas comportamentais de animais submetidos à separação materna e criados em

gaiolas de enriquecimento ambiental. Assim, o presente estudo analisou o

comportamento (nas gaiolas de enriquecimento ambiental) de ratos separados da mãe

comparando com animais não submetidos a este modelo de estresse neonatal.

Objetivou-se analisar se a separação materna influencia em respostas comportamentais

como busca por comida e água, tempo utilizado para atividades físicas (rodas de correr),

exploração dos três compartimentos da gaiola de enriquecimento ambiental, movimento

pelas escadas da gaiola e permanência nas tocas. Adicionalmente, a encefalização dos

animais foi analisada através do quociente de encefalização, a fim de verificar possíveis

diferenças nos efeitos do enriquecimento ambiental sobre os encéfalos dos animais dos

diferentes grupos experimentais.

2. JUSTIFICATIVA

Eventos estressantes na infância promovem alterações comportamentais e

encefálicas persistentes por toda a vida do indivíduo. A separação materna é um dos

modelos animais mais utilizados para estudar efeitos promovidos pelo estresse neonatal.

Sabe-se que animais estressados no início da vida podem apresentar hiperatividade

motora e comportamentos estereotipados. Assim, pretendeu-se analisar respostas

comportamentais (na gaiola de enriquecimento ambiental) de animais separados da mãe

comparando com animais não submetidos a este modelo de estresse neonatal.

3. MATERIAL E MÉTODOS

Ratas Wistas prenhas foram acompanhadas diariamente a fim de verificar o dia

do nascimento dos filhotes, considerado P0. Do 1º ao 14º dia de vida, os neonatos foram

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privados diariamente do contato materno de 09:00 às 12:00h. Os animais controles

continuaram com suas mães no ninho, sendo manipulados apenas conforme as normas

do biotério de experimentação, para pesagem e limpeza das caixas.

Aos 21 dias, foi realizado o desmame, sendo metade dos animais criada em

ambiente espaçoso com maiores oportunidades de aprendizado, interação social e

atividade física (ambiente enriquecido). Para as análises comportamentais foram

utilizados 2 grupos experimentais: 1) controles criados em ambiente enriquecido, 2)

submetidos à separação materna e criados no ambiente enriquecido. Durante o período

de exposição ao enriquecimento ambiental, as respostas comportamentais dos animais

foram registradas durante todo o dia usando-se câmeras infravermelhas. Analisou-se

comportamentos relativos à exploração da gaiola: tempo e frequência de entrada nos

diferentes ambientes da gaiola; busca por alimento e água, movimento pelas escadas e

em rodas de atividade.

As análises foram feitas nos primeiros dois minutos de cada hora, com exceção

nos horários de apagar e acender as luzes, com dez minutos de observação (06:55 às

07:05 h e 18:55 às 19:05 h), totalizando 64 minutos de observação por dia analisado. A

posição das câmeras foi alterada diariamente de acordo com os locais onde se

encontravam os objetos de acordo com a ordem a seguir: 1) comida, água e tocas, 2)

rodas, 3) túneis e 4) escadas. Cada variável foi registrada por quatro dias totalizando

256 minutos de análise para cada parâmetro em cada grupo experimental. O

experimentador (bolsista PIBIC) que fez as análises comportamentais não sabia qual

grupo estava analisando nas filmagens de cada gaiola de enriquecimento ambiental,

sendo a análise de dados posterior e realizada em conjunto com o orientador. A fim de

inferir os efeitos do enriquecimento ambiental no encéfalo dos animais, os quocientes

de encefalização (razão entre a massa encefálica real obtida a partir da pesagem dos

encéfalos no momento de sacrifício e a massa esperada calculada pela fórmula MEencéfalo

= 0.026x Mcorporal0.773; onde ME= massa esperada do encéfalo; Herculano-Houzel, 2007)

foram calculados para cada um dos animais dos diferentes grupos experimentais e

comparados com àqueles de animais submetidos ou não ao estresse neonatal criados em

gaiolas padrão.

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4. RESULTADOS

4.1. Busca e ingestão de Água

Nos gráficos 1, 2 e 3 estão ilustrados os comportamentos de busca por água medidos

pelo tempo de permanência nos bebedouros (gráfico 1), frequência de visita aos

bebedouros (gráfico 2) e consumo médio de água por animal ao longo de todo o

experimento (gráfico 3). Verificou-se que os animais controles apresentaram maior

frequência de visita e tempo de permanência nos bebedouros tanto no período claro

quanto escuro do ciclo de luz, entretanto o consumo médio de água por animal ao longo

de todo experimento foi muito parecido com apenas 4,83% de consumo superior de

água pelos animais não submetidos ao protocolo de separação materna.

Gráfico 1: Tempo de permanência nos bebedouros, onde C (animais controles) e

SM (separados), analisados durante o dia e a noite.

Gráfico 2: Número de visitas aos bebedouros durante o dia e a noite.

0

100

200

300

400

C SM

Dia Noite

C SM

Tem

pos

nos

bebe

dour

os (s

)

≠ 68,53%

≠ 56,77%

0

2

4

6

8

10

C SM

Dia Noite

C SM

Nº d

e vi

sita

s ao

s be

bedo

uros

≠ 59,23%

≠ 45,45%

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Gráfico 3: Consumo de água durante todo experimento, dos animais submetidos

ao enriquecimento ambiental

4.2. Consumo de ração

O gráfico 4 ilustra o consumo médio de ração por animal ao longo das quatro

semanas de experimento. Verificou-se que os animais separados ingeriram 27,26% mais

ração que os animais controles.

Gráfico 4: consumo de ração dos animais C e SM submetidos ao ambiente

enriquecido.

1.3. Movimentação nas rodas de atividade.

No gráfico 5 estão ilustrados os comportamentos de exploração e movimentação nas

rodas de atividade. Pode-se observar que os animais separados permaneceram bem mais

nas rodas em relação aos controles, mas a permanência foi sem movimento, em

600

650

700

C SMC

onsu

mo

de á

gua

(mL)

≠ 4,83%

200

250

300

350

400

C SM

≠ 27,26%

Con

sum

o de

raçã

o (g

)

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oposição a isso, os controles passaram mais tempo correndo na roda, exercendo maior

atividade física.

Gráfico 5: Permanência dos animais nas rodas de atividade.

1.4. Movimento pelas escadas

O número médio de passagens pelas escadas está ilustrado no gráfico 6. Observou-

se que os animais controles tiveram um número de passagens pelas escadas 39,53%

maior que os animais separados.

Gráfico 6: Quantidades de passagens pelas escadas.

0

50

100

150

C SM C SM

Parados Correndo

≠ 24,26%≠ 133%

Per

man

ênci

a na

s R

odas

(s)

0

20

40

60

80

C SM

≠ 39,53%

Pass

agen

s pe

las

esca

das

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1.5. Permanência nas tocas.

O tempo de permanência nas tocas (ilustrado no gráfico 7) foi analisado nas fases

clara (dia) e escura (noite) do ciclo de luz. Observou-se que os animais controles

permaneceram mais tempo nas tocas durante o dia e os separados mais tempo nas tocas

durante a noite. Infere-se que essa diferença pode ter acontecido devido ao estresse

neonatal sofrido pelos animais do último grupo, contribuindo para uma maior

permanência nas tocas durante a noite, ao invés de maior exploração nesse período do

dia, o que seria o comportamento natural dessa espécie.

Gráfico 7: Tempo de permanência dentro da toca, no período do dia e da noite.

1.6. Ganho de peso

O ganho de peso total dos animais, submetidos ou não ao enriquecimento ambiental,

está ilustrado no gráfico 8. Verificou-se que os controles levados ao enriquecimento

ambiental foram os que apresentaram menor ganho de peso.

0

10

20

30

C SM

Dia Noite

C SM

≠ 56%≠ 63,55%

Tem

pos

nas

toca

s (s

)

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Gráfico 8: Ganho de peso dos animais submetidos ou não ao ambiente enriquecido.

1.7. Quociente de encefalização (QE)

O quociente de encefalização estima a capacidade de encefalização. Verificou-se

que o enriquecimento ambiental só foi capaz de aumentar a encefalização nos animais

que não foram submetidos ao estresse da separação materna (gráfico 9). Ao analisar-se

a diferença entre os quocientes de encefalização dos irmãos submetidos ao

enriquecimento ambiental em comparação aos animais não submetidos a esse ambiente

(ΔQE, gráfico 10), verificou-se que essa diferença foi positiva em animais não

submetidos ao estresse da separação materna e negativa nos animais submetidos a este

tipo de estresse neonatal.

Gráfico 9: Quociente de encefalização dos animais que foram submetidos ou não

ao ambiente enriquecido.

50

100

150

C SM

*

C SM

Gaiola Padrão Ambiente enriquecido

ga

nh

o d

e p

eso

(g

)

0.9

1.0

1.1

1.2 *

Qu

oci

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o

C SM C SM

Gaiola Padrão Ambiente enriquecido

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Gráfico 10: Diferença entre quocientes de encefalização (ΔQE).

5. DISCUSSÃO

De acordo com nossa revisão da Literatura, este é o primeiro trabalho a analisar

respostas comportamentais de ratos submetidos à separação materna e ao

enriquecimento ambiental. Foram analisados comportamentos alimentares (ingestão de

água e ração), atividade física em rodas de atividade, exploração geral das gaiolas

(passagens pelas escadas e permanência em tocas). Também é o primeiro trabalho que

investiga a encefalização dos animais criados em gaiolas de enriquecimento ambiental a

fim de verificar possíveis diferenças nos encéfalos de animais submetidos ou não ao

estresse neonatal e posteriormente criados em gaiolas de enriquecimento ambiental.

Os comportamentos de ingestão de água foram analisados de três maneiras: número

de visitas aos bebedouros, tempo de permanência nestes locais e finalmente o consumo

do líquido (gráficos 1, 2 e 3, respectivamente). Os animais controles frequentaram mais

vezes e permaneceram mais tempo nos bebedouros (gráficos 1 e 2) o que pode ser

decorrente de maior atividade locomotora verificada pelo maior tempo gasto correndo

nas rodas de atividade (gráfico 5) e maior exploração da gaiola inferido pelo maior

número de passagens pelas escadas (gráfico 6). Entretanto, quando se comparou o

consumo total de água observou-se que os animais controles consumiram apenas 4,83%

mais água que os animais separados (gráfico 3). Essa pequena diferença pode ser

explicada em parte pela maior ingestão de ração dos animais separados da mãe (gráfico

4).

-0.1

0.0

0.1

0.2ΔQE

C SM

*

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Outro fato interessante foi o maior ganho de peso dos animais separados (gráfico 8)

que pode ser consequência tanto do maior consumo de ração como da menor atividade

física exercida por esses animais nas gaiolas de enriquecimento ambiental.

Sabemos que a análise de consumo de ração e de água nas gaiolas com mais de um

animal não é precisa, pois não é possível inferir o consumo individual dos animais,

entretanto optamos por essa metodologia para não submeter os animais ao estresse do

isolamento social, principalmente nas gaiolas de enriquecimento ambiental.

Ao analisar o tempo de permanência dos animais nas tocas, notou-se que os

separados ficaram mais tempo no período da noite, porém os controles ficaram durante

o dia, com isso infere-se que a separação interfere no comportamento dos animais, pois

em habitat natural ratos ficam durante o dia em suas tocas (ninhos) saindo no período

noturno em busca de comida.

No presente estudo ainda foi analisado o coeficiente de encefalização dos animais.

A Teoria da Encefalização, proposta por Jerison em 1977, propõe que animais com

maior encefalização são mais “inteligentes”, apresentam maior capacidade de

aprendizado e memória (Jerison, 1977, 1985). Sabe-se que o enriquecimento ambiental

é um ambiente que favorece o desenvolvimento encefálico dos animais por fornecer

maiores oportunidades de aprendizado, de atividade física e de interação social.

Observou-se no presente estudo que os animais não submetidos ao estresse da

separação materna criados em gaiolas de enriquecimento apresentaram maior quociente

de encefalização que os animais criados em gaiolas padrão (gráficos 9 e 10), reforçando

a hipótese de que este tipo de ambiente melhora o desempenho encefálico dos animais.

Por outro lado, o efeito do enriquecimento ambiental sobre a encefalização não foi

observado nos ratos separados da mãe no início da vida, sugerindo que este tipo de

estresse neonatal diminui a neuroplasticidade mesmo em ambientes que estimulam o

desenvolvimento encefálico.

A ausência de maior encefalização nos animais separados submetidos ao

enriquecimento ambiental pode ser decorrente da menor exploração desse tipo de

ambiente (comparada com a exploração pelos animais controle). Assim, os animais

separados da mãe não “aproveitariam” as maiores oportunidades de aprendizado

presentes no ambiente em decorrência de permanecerem mais tempo em suas tocas

comendo (principalmente durante a noite, horário que ratos apresentam maior atividade

exploratória).

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Por fim, é interessante comentar um estudo antigo do grande evolucionista britânico

Charles Darwin. Este pesquisador verificou que animais selvagens (não domesticados)

apresentavam encéfalos superiores em volume ao de animais domésticos. Para explicar

essas diferenças no volume encefálico, Darwin propôs que os animais na natureza

tinham mais oportunidades para “desenvolverem seus intelectos” em decorrência dos

diversos estímulos sensoriais aos quais estariam expostos diariamente. (Darwin, 1900).

Sabe-se que algumas experiências vividas por ratos na natureza, como busca e disputa

por comida, exploração de novos locais e grande atividade física também estão

disponíveis nas gaiolas de enriquecimento ambiental. Pensando na citação de Darwin,

pode-se explicar que a ausência de efeito sobre a encefalização do enriquecimento

ambiental nos animais previamente separados das mães, pode-se ser decorrente, pelo

menos em parte, de déficits sensoriais.

No primeiro experimento, mostrado no relatório parcial, verificamos que a abertura

dos olhos dos animais separados da mãe ocorria mais tardiamente que nos animais

controle, sugerindo que alterações em órgãos sensoriais (visão nesse caso) podem ser

provocadas pelo estresse da separação materna. Neste último experimento, este efeito

sobre a abertura dos olhos não foi significativo, porém verificamos que o

comportamento noturno dos animais submetidos ao estresse neonatal foi diferente do

comportamento dos animais controle, sendo que os primeiros permaneceram mais

tempo nas tocas durante a fase escura (noite) do ciclo de luz.

Diante dos resultados apresentados neste relatório, pode-se concluir que

interferências na relação mãe-filhote podem modificar as respostas comportamentais

dos ratos em determinados ambientes e modificar o efeito de ambientes favoráveis

aumentarem a capacidade encefálica dos animais. Assim, nossos resultados reforçam a

importância das experiências de vida (mesmo as mais precoces) dos animais no

desenvolvimento do seu organismo, em particular de seu encéfalo.

6. REFERÊNCIAS

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7. PARECER DO ORIENTADOR

Durante o período do projeto, o aluno desempenhou adequadamente todas as

atividades previstas, demostrando amadurecimento e responsabilidade necessários ao

desenvolvimento de um trabalho de pesquisa sério. É importante ressaltar que, apesar de

serem experimentos de execução aparentemente simples, as análises comportamentais

são muito difíceis.

O bolsista participou de todas as etapas dos experimentos comportamentais

desde a separação materna até o final do protocolo de enriquecimento ambiental, além

de estar engajado em outros projetos do laboratório ligados a essa linha de pesquisa que

visam estudar as diferenças morfológicas nos encéfalos dos animais dos diferentes

grupos experimentais. As análises comportamentais foram discutidas com o orientador,

mas foram todas realizadas pelo aluno de Iniciação Científica que as fez com muita

responsabilidade e detalhamento minucioso, anotando muito mais observações do que

as que foram apresentadas nesse relatório.

Diante do exposto, finalizo dizendo que alunos como esse tornam muito mais

gratificante o trabalho de um orientador. Em ciência, não são apenas os mestres que

ensinam, mas todos aprendemos juntos, aprendi muito com as discussões e com os

resultados das análises realizadas pelo discente Alex Jonas da Costa.