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Análise comparativa dos sistemas de colheitas de órgãos para
transplantação humana: a realidade de vários países.
Andreia Maria Póvoa Vicente
Artigo de revisão bibliográfica
Mestrado Integrado em Medicina
Orientador: Professor Doutor Humberto Machado
Porto, 2014
III
Agradecimentos
A Deus, por me ouvir e por nunca largar a minha mão.
Ao Professor Dr. Humberto Machado por gentilmente ter aceitado ser meu orientador, pelo
acompanhamento do trabalho, pelo apoio, generosidade e disponibilidade, pelas críticas e
correções. Por ser um exemplo da riqueza em competência científica e humana.
“Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”.
À minha mãe, a luz que ilumina o meu caminho e a quem devo tudo. Pela sua força, por me
incentivar a nunca desistir dos meus sonhos, pelo sacrifício, pela paciência, perseverança,
carinho e segurança mesmo nos momentos em que tudo parece falhar.
À minha família e namorado pelo apoio e carinho.
V
Resumo
Introdução: A transplantação é largamente aceite como um tratamento de sucesso que
oferece os melhores benefícios terapêuticos a centenas de milhares de doentes em todo o
mundo. A baixa disponibilidade global de órgãos desperta preocupações bioéticas e questões
acerca de que determinantes atualmente estão a influenciar estas taxas.
Métodos: Este trabalho baseou-se na pesquisa de artigos, obtenção de dados de fontes como
IROdAT (www.irodat.org), US CIA Factbook (www.cia.gov), World Bank Group
(www.worldbank.org) e seu processamento em Microsoft Excel 2007. Os países tratados foram
divididos em 9 regiões com o objetivo de se detetar potenciais diferenças entre agregados
culturais.
Resultados: O consentimento presumido parece ser favorável a maiores taxas de doação de
órgãos por cadáveres e o informado a maiores taxas de doação por dadores vivos.
No geral as religiões não se opõem à doação e transplantação salvo algumas exceções.
Parece haver uma forte correlação entre a doação de órgãos e as crenças religiosas
dominantes em certas regiões principalmente a Ásia e África.
Despender maior percentagem do seu PIB em saúde não reflete necessariamente um melhor
desempenho ao nível da recolha de órgãos. Contudo verifica-se que países com gastos muito
baixos tendem a apresentar taxas de doação menores.
Discussão: Para além da religião estão identificados muitos outros fatores que influenciam a
decisão de ser dador de órgãos, entre eles a taxa de recusa dos familiares. Relativamente a
este último, os dados são muito limitados e os valores devem ser interpretados com cuidado.
Conclusão: O tipo de consentimento ou a religião isoladamente não explicam a variação geral
de taxas de doação entre os países, sem dúvida que isto resulta da combinação de muitos
outros fatores.
É necessária uma abordagem multissetorial, uma vez que não existe uma única solução para
aumentar as taxas de doação.
VI
Palavras- chave:
Doação de órgãos, transplantação, dador cadáver, dador vivo, dador em paragem circulatória,
recusa de doação por familiares, atitudes face à morte, religião, consentimento informado e
presumido, gastos em saúde.
VII
Abstract
Introduction: The organ transplantation is widely known and accepted as one of the more
successful methods in which therapeutic benefits are improving the health of hundreds of
thousands of people worldwide. However the low availability of organs raises bioethical issues
and concerns about the questions behind the actual success rate.
Methods: The present work was based on scientific research articles, data from IROdAT
(www.irodat.org), US CIA Factbook (www.cia.gov), World Bank Group (www.worldbank.org)
and its further analysis was performed using Microsoft Excel 2007. The countries were grouped
in nine regions in order to detect potential differences among the cultural groups.
Results: The presumed consent seems to favour higher availability of organs from dead donors
and the increasing rate of living donors is strictly associated to countries with an informed
consent system.
In general, religions accept the organ donation and transplantation, with rare exceptions. There
is a strong correlation between organ donations and religious beliefs, which is more pronounced
in Asiatic and African countries.
In the majority of the countries studied a bigger percentage of the GPD in health does not reflect
necessarily a better performance in organ donation rates. However, countries which spend less
of their GPD with health, a smaller organ donation rate is observed.
Discussion: Many other factors beyond religion influence the decision of being organ donor, for
example the relatives’ refusal. These data are very restricted and their interpretation requires
some caution.
Conclusion: The different kind of consent or the religion alone is not able to explain the rates of
organ donation variation across countries, there are many other factors that altogether are
crucial to define its outcome.
Each country should maximise all the opportunities of organ harvesting. It is necessary a wide
approach because a single solution is not sufficient to increase the donation rates.
VIII
Keywords:
Organ donation, transplantation, deceased donor, living donor, non-heart beating donor, family
refusal, religious perspective on organ donation, attitudes toward death, religion, informed
consent, presumed consent, informed consent, health expediture.
X
Índice
Agradecimentos ........................................................................................................... III
Resumo ........................................................................................................................ V
Índice…… ..................................................................................................................... X
Lista de gráficos ........................................................................................................... XI
1. Introdução ............................................................................................................... 13
2. Metodologia ............................................................................................................ 16
3. Resultados e Discussão.......................................................................................... 17
3.1. Dadores de coração parado ...................................................................... 27
3.1.1. Protocolos de doação após paragem cardiocirculatória. ........................ 27
3.2. Croácia ..................................................................................................... 29
3.3. Fatores que influenciam a decisão de ser dador de órgãos. ..................... 30
3.3.1. Religião ................................................................................................. 30
3.3.2. Crenças culturais e outros fatores demográficos ................................... 33
3.3.3. Influência da família .............................................................................. 34
3.3.4. Integridade corporal .............................................................................. 34
3.3.5. Interação com o sistema de saúde ........................................................ 34
3.3.6. Nível de conhecimento e informação sobre doação de órgãos ............. 35
3.3.7. O papel dos media ................................................................................ 35
3.3.8. Despesas em saúde .............................................................................. 35
3.3.9. Recusa da doação ................................................................................ 36
4. Conclusões ............................................................................................................. 38
5. Referências bibliográficas ....................................................................................... 39
Anexos ....................................................................................................................... 42
Anexo 1 - Classificação de Maastricht modificada de dadores em morte circulatória
............................................................................................................................ 43
Anexo 2 – Sistemas de registos, categorias de Maastricht e órgãos colhidos. ..... 44
Anexo 3 – Itens descritos em protocolos de doação relativos a alguns países. ... 45
Anexo 4 – Distribuição das religiões em vários países......................................... 46
Anexo 5 – Mapa com distribuição das religiões no mundo .................................. 49
Anexo 6 – Despesas em saúde per capita (dólares) e % do PIB – 2012 ............. 50
Anexo 7 – Taxas de recusa de doação pelas famílias de alguns países .............. 52
XI
Lista de gráficos
Gráfico 1 - Dadores cadáveres no Mundo 2012 (pmp) ............................................ 18
Gráfico 2 - Dadores vivos no Mundo 2012 (pmp) .................................................... 19
Dadores da Europa 2012 (pmp)
Gráfico 4 – Dadores vivos .................................................................................... 20
Gráfico 3 – Dadores cadáveres ........................................................................... 20
Dadores da Ásia 2012 (pmp)
Gráfico 6 – Dadores vivos .................................................................................... 21
Gráfico 5 – Dadores cadáveres ........................................................................... 21
Dadores da Oceânia 2012 (pmp)
Gráfico 8 – Dadores vivos .................................................................................... 24
Gráfico 7 – Dadores cadáveres ........................................................................... 24
Dadores de África 2012 (pmp)
Gráfico 9 – Dadores cadáveres ........................................................................... 24
Gráfico 10 – Dadores vivos .................................................................................. 24
Dadores América 2012 (pmp)
Gráfico 12 – Dadores vivos .................................................................................. 26
Gráfico 11 – Dadores cadáveres ......................................................................... 26
Gráfico 13 - Dadores de coração parado no mundo (pmp) ...................................... 27
13
1. Introdução
Por volta do ano 1000 d.C foi descoberta uma misteriosa narrativa com cerca 2000 anos.
Boadicea, uma poderosa rainha Celta que liderou os icenos contra a ocupação romana na Grã-
Bretanha entre 60 e 61 d.C e capaz de gerar vários filhos de uma só vez, faleceu aos 30 anos.
A sua sorte ficou nas mãos de um Druida que, metodicamente e em primeiro lugar, a fez
respirar as brumas para que não sentisse dor, em seguida fez o mesmo com uma escrava. De
um corte no peito desta colheu o seu coração, fez o mesmo à rainha e implantou nesta o órgão
saudável, costurou a abertura com fios de ouro lavados no recipiente da vida e lançou
pequenos raios no coração que começou a bater novamente. O tórax foi fechado então com os
mesmos fios de ouro.
Um aspeto fantástico deste registo é a presença de alguns chavões que traduzem de forma
poética o que nos dias de hoje são premissas para esse ato cirúrgico: não sentir dor
(anestesia), a sutura com cuidados de higiene e a necessidade de “raios” (choque) para o
coração voltar a bater. A ideia da transplantação não terá emergido dos tempos modernos mas
sim desde muito cedo terá feito parte do imaginário e ambições do ser humano.
A transplantação de órgãos é o melhor e, por vezes, o único tratamento para muitas doenças
em fase terminal. Um dos problemas de saúde mais críticos dos dias de hoje é a sua escassez
persistente e a discrepância entre a sua necessidade e o seu provimento. Daqui resultam
longos períodos de espera para os doentes, sucumbindo muitos deles durante esse tempo.[1]
Efetivamente, vários países têm debatido as suas políticas, adotado e modificado legislações
com o objetivo de melhorar esse balanço e assegurar que os procedimentos se desenrolem
uma base firme em termos éticos e legais com igualdade e segurança.[2]
Entre 30 de abril e 2 de maio de 2008, mais de 150 participantes oriundos de esferas
científicas, médicas, governamentais, de todo o mundo, elaboraram a Declaração de Istambul.
Este documento assenta nos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e
recomenda o desenvolvimento e implementação de uma legislação ou jurisdição em cada país
que regule as atividades de doação e transplante de órgãos. Alerta para a necessidade de um
sistema de supervisão claro que garanta a segurança de doadores e recetores bem como a
aplicação de normas e a proibição de práticas sem ética.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), em Maio de 2010 elaborou o Guiding Principles on
Human Cell, Tissue and Organ Transplantation, 11 princípios orientadores referentes à doação
por cadáveres e vivos que fornecem princípios orientadores de ordem e ética para aquisição e
transplantação de células, órgãos e tecidos humanos para fins terapêuticos.
Há tipos diferentes de legislações e o primeiro aspeto é o sistema de registo e os 2 mais
comuns são o consentimento informado e o consentimento presumido. No primeiro, ninguém é
14
dador por defeito e para o ser o indivíduo deve registar-se como dador de órgãos assinando
um cartão de dador ou indicando o seu estatuto na licença de condução. Este sistema está
sujeito à desvantagem de depender da espontaneidade e do altruísmo de cada um, sendo a
procrastinação e a inércia fatores capazes de tornar a taxa de doação inferior à vontade de
doar. Aqui a recolha de órgãos também está dependente da permissão da família.
O consentimento presumido surge então como uma alternativa aparentemente capaz de
resolver alguns desses entraves: neste sistema todo o cidadão adulto é dador por defeito, a
menos que escolha não o ser e se registe como não dador. Contudo, este sistema também tem
desvantagens: os familiares do falecido podem objetar a doação e o governo pode ser visto
como um aproveitador da inércia e da falta de atenção dos cidadãos para dar
consentimento.[3,4]
Para além destes 2 sistemas há ainda um 3º que é praticado nos Estados Unidos da América e
que estabelece que deve ser ilegal, bem como irresponsável e imoral desligar um ventilador de
um indivíduo que é declarado morto após testes ao tronco cerebral sem primeiro fazer a
investigação adequada quanto à possibilidade de tecidos e órgãos serem usados para
transplante. Isto faz com que haja menos negligência nas oportunidades de doação, muitos
indivíduos podem não ser dadores porque os familiares não foram abordados e o familiar mais
próximo tem o direito moral e legal de saber que os órgãos e tecidos podem ser doados se ele
e a família o desejarem. Apesar da introdução deste sistema ter permitido um aumento inicial
das doações, ao longo do tempo os números foram diminuindo.[5]
Em 1995-1996, Spital sugere um novo sistema: escolha obrigatória. Desta forma se os
indivíduos forem forçados a escolher, os inconvenientes éticos tornar-se-ão eventualmente
menores, contudo é ainda incerto se isso levaria a uma taxa de doação de órgãos mais
elevada.[3]
Os órgãos doados são provenientes de dois tipos de dadores: cadáveres e vivos. O primeiro
caso, para além de não permitir suprir plenamente as necessidades em nenhum país, é
praticamente inexistente em alguns deles, fenómeno que leva ao aumento da dadores vivos
como uma fonte de recolha de rins e mais recentemente de fígado. Este aspeto é problemático
na medida em que muitas destas práticas em certas zonas assentam na exploração de
dadores vivos.[2]
Dentro dos dadores cadáveres existem 2 categorias: doação após morte cerebral – são usados
critérios neurológicos, há perda irreversível de todas as funções cerebrais incluindo o tronco
cerebral e doação após morte cardíaca – uma morte declarada com base em critérios
cardiopulmonares, são os “dadores de coração parado” (cessação irreversível das funções
circulatória e respiratória).[6] Esta última categoria surgiu com o intuito de expandir o número
de dadores mas é praticada apenas em apenas alguns países.
15
Em termos técnicos o envelhecimento da população e o aumento da incidência de diabetes
tipo 2 também poderão colocar alguma pressão na viabilidade dos órgãos.[7]
Vários estudos recentes estudaram fatores influentes na doação de órgãos, entre eles: o
altruísmo, vontade de salvar vidas, a integridade corporal e dignidade, medo de negligência
médica, atitudes da família e o seu envolvimento na decisão de recolher órgãos, religião do
dador, a definição da morte cerebral, tristeza e medo por parte da família do dador,
características demográficas, educação, informação, género e raça. [4,8,9]
Em termos organizacionais apresentam-se outros fatores tais como a riqueza do país e
investimento no sistema de cuidados de saúde, atitudes públicas, organização e infraestrutura
dos serviços de transplantação.
Embora a maioria das religiões em termos históricos se tenha oposto à doação de órgãos,
atualmente a doação de órgãos é aceite no geral como um ato de amor e generosidade desde
que o cadáver seja tratado com respeito. Contudo ainda há exceções e umas religiões são
mais positivas quanto a este aspeto do que outras.
Algumas das questões em estudo são: Quais as diferenças e semelhanças dos métodos de
colheita de órgãos para transplante humano em alguns dos vários países que fazem
transplante? Que fatores influenciam a doação de órgãos nos vários países e como isso se
traduz na quantidade de órgãos disponíveis?
16
2. Metodologia
Para a elaboração deste trabalho foram recolhidos dados de vários artigos pesquisados no
PubMed, Medline e no Google académico. As palavras-chave utilizadas nessa pesquisa foram
fundamentalmente “transplant”, “transplant societies”, “organ donation”, “transplantation
donation criteria”, “national transplantation organizations”, “family refusal organ donation”,
“countries organ donation”, “organ donation religion culture demographic”, “donation after
circulatory death”. Foram também consultados websites de Organizações Nacionais de
transplantação de vários países. Os dados para elaboração dos gráficos foram recolhidos do
IROdAT - International Registry of Organ Donation and Transplantation (www.irodat.org) e o
seu tratamento foi feito com recurso ao Microsoft Office Excel 2007.
A distribuição das religiões em cada país foi retirada do website da CIA (www.cia.gov) e os
dados relativos às despesas em saúde de cada país foram obtidos do website do World Bank
Group (http://www.worldbank.org).
Para criar uma distribuição lógica e comparável dos países, estes foram divididos em 9 regiões
baseadas nas 6 regiões mundiais definidas pela WHO, incluindo mais 3 para assim detetar
potenciais diferenças entre agregados culturais (Europa Leste, Europa Norte, Europa Sul,
América Norte, América Sul, Ásia Norte, Ásia Sul, África, Oceânia). Alguns países tais como
por exemplo México e Cuba foram incluídos na América do Sul devido às semelhanças em
termos de linguagem e cultura.
17
3. Resultados e Discussão
Nos Gráficos 1 e 2 estão representados dados de 73 países referentes aos dadores cadáveres
e dadores vivos, respetivamente, por milhão de população (pmp).
Analisando o Gráfico 1 verifica-se que em 2012 a Croácia com 36,5 dadores cadáveres pmp
ultrapassou a líder de anos anteriores Espanha (34,8 dadores cadáveres pmp). Observa-se
também a predominância de países onde se aplica o consentimento presumido nos lugares
cimeiros, o que parece indicar que este sistema é favorável a uma maior disponibilidade de
órgãos provenientes de cadáveres.
Apesar disso há que destacar entre os primeiros lugares Malta, Puerto Rico e EUA, países nos
quais se pratica o consentimento informado.
Em 1987 o Middle East Society for Organ Tranplantation (MESOT) foi criado com o objetivo de
promover a educação, investigação e cooperação entre vários países do Médio Oriente no
campo da transplantação. Alguns dos países constituintes e representados neste trabalho são:
Azerbeijão, Emiratos Árabes Unidos, Egipto, Síria, Líbia, Paquistão, Marrocos, Tunísia,
Ucrânia, Líbano, Irão, Arábia Saudita, Turquia e Chipre. Como se verifica no Gráfico 1, estes
possuem taxas de doação de cadáveres das mais baixas do mundo, sendo nulas nos 6
primeiros. Por sua vez no Gráfico 2 onde estão representadas as taxas de dadores vivos pmp
parece mesmo haver uma inversão, encontrando-se alguns deles nos lugares cimeiros com a
Turquia a liderar o ranking, acompanhada de perto pelo Chipre, Arábia Saudita, Líbano e Irão.
Aparentemente o sistema de consentimento informado parece favorecer maiores taxas de
dadores vivos.
No Médio Oriente o tipo de doação mais praticado é o de dadores vivos, o que inclui rim e parte
do fígado. A doação por cadáveres teria um grande potencial nesta zona em particular devido à
elevada taxa de acidentes. Embora a religião tenha a sua quota-parte de influência, as razões
da não utilização deste recurso vão muito para além desta. Prendem-se sobretudo com
debates acesos relativamente aos critérios de morte cerebral, com a pouca consciencialização
da população quanto à importância da doação de órgãos, transplantação e naturalmente o
empenho dos governos e entidades responsáveis. Campanhas públicas para educar e
sensibilizar para o problema coordenadas com líderes religiosos poderiam ser boas
abordagens nestes casos. [10]
Os países que apresentam valores nulos de doação por cadáveres, apenas permitem recolha
de órgãos de dadores vivos. É importante notar que muitos deles ou não possuem legislação
clara ou esta não está ainda implementada.
18
0 0 0 0 0 0 0 0 0,09 0,1 0,2 0,3 0,5 0,6 0,9
1,8 2
2,5 2,9 3,1 3,2 3,4 3,5 3,7
4,5 4,5 4,8
5,8 6,9 6,9 7 7,2 7,3
7,9 8,4 8,6
9 9,3
10,2 11,1
12 12,6 12,8 13,1 13,4 13,7
14,3 14,7 15 15,1
15,6 15,7
16,1 16,5
17 18,3
19 19,8 19,9
22,4 22,5
23 23,5
24 24,3
24,9 26 26,3
30 32,9
34,8 36,5
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Azerbeijão
Sudão
Arménia
Georgia
Líbia
Nicarágua
Moldávia
Singapura
Marrocos (2011)
Tunísia
Filipinas
Bulgária
Ucrânia (2011)
Malásia
Japão
República Dominicana
Trindade e Tobago
Líbano
Rússia
Arábia Saudita
Costa Rica
Roménia
México
Equador
Venezuela
Turquia
Chipre
Taiwan (2011)
Panamá
Irão
Grécia
Hong Kong (China)
Israel
Luxemburgo
Coreia do Sul
Nova Zelândia
Chile
Islândia
Colômbia
Bielorrússia
Suíça
Brasil
Alemanha
Eslováquia
Dinamarca
Lituânia
Hungria
Canadá
Suécia
Países Baixos
Austrália
Argentina
Polónia
Uruguai
Irlanda
Reino Unido
Letónia
República Checa
Finlândia
Itália
Áustria
Eslovénia
Noruega
Portugal
Estónia
França
EUA
Puerto Rico
Malta
Bélgica
Espanha
Croácia
Consentimento presumido
Consentimento informado
Presumido: Bulgária, Tunísia,
Singapura, Arménia,
Informado: Filipinas, Marrocos,
Macedónia, Geórgia
Lesgislação desconhecida
Gráfico 1 - Dadores cadáveres no Mundo 2012 (pmp)
19
0 0 0 0,4 0,6 0,6 0,8 0,9 1,2
1,7 1,7 1,7 1,7 1,7 1,8 1,8 1,9 2 2 2,1 2,5 2,7 2,76 3 3 3 3,3 3,3 3,7 3,8 4
4,5 4,6 4,9 5 5,3 5,3 5,4 5,7
6,8 6,8 7
7,7 7,7 8 8,2 8,4
9,2 10,4 10,8
11,3 12,6 12,9
13,5 14,1
14,6 14,6
15,4 16,3
16,8 16,9 17,2
18,6 19,8 20,1
22 22,1
25,8 28,57
29,3 39
43,3
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Eslovénia Chile
Luxemburgo
Marrocos Singapura
Eslováquia Puerto Rico
Uruguai
Moldávia Bulgária
Ucrânia (2011) Polónia Estónia
Equador Nicarágua
Malásia Filipinas
Finlândia
Colômbia Rússia
Letónia República Dominicana
Líbia Malta
Croácia Bielorrússia
Georgia Arménia
Grécia
Roménia Lituânia Portugal Panamá
Sudão
Azerbeijão Venezuela
Hungria Itália
França Hong Kong (China)
República Checa Irlanda Áustria
Argentina Bélgica
Espanha Brasil
Trindade e Tobago Alemanha
Austrália
Tunísia Suíça
Nova Zelândia Dinamarca
Japão Israel
Canadá EUA
Noruega México
Reino Unido
Suécia Islândia
Taiwan (2011) Irão
Líbano
Arábia Saudita Costa Rica
Chipre Países Baixos Coreia do Sul
Turquia
Consentimento presumido
Consentimento informado
Presumido: Luxemburgo,
Eslovénia
Informado: Chile, Marrocos
Legislação desconhecida
Gráfico 2 - Dadores vivos no Mundo 2012 (pmp)
20
7,9
9,3
12
12,8
13,4
15
15,1
17
18,3
19,9
22,5
23,5
32,9
22,4
24
24,9
30
34,8
0
0
0
0
0,3
0,5
2,9
3,4
4,5
4,8
7
11,1
13,1
13,7
14,3
16,1
19
19,8
23
24,3
36,5
0 10 20 30 40
Luxemburgo
Islândia
Suíça
Alemanha
Dinamarca
Suécia
Países Baixos
Irlanda
Reino Unido
Finlândia
Áustria
Noruega
Bélgica
Itália
Portugal
França
Malta
Espanha
Arménia
Azerbeijão
Geórgia
Moldávia
Bulgária
Ucrânia (2011)
Rússia
Roménia
Turquia
Chipre
Grécia
Bielorrússia
Eslováquia
Lituânia
Hungria
Polónia
Letónia
República Checa
Eslovénia
Estónia
Croácia
Dadores da Europa 2012 (pmp)
Europa
Leste
Europa
Sul
Europa
Norte
0
2
7
7,7
8
10,4
12,6
13,5
16,3
16,9
17,2
18,6
29,3
3
4,5
5,4
5,7
8,2
0
0,6
1,2
1,6
1,7
1,7
1,7
2,1
2,5
3
3
3,3
3,3
3,7
3,8
4
5
5,3
6,8
28,57
43,3
0 20 40 60
Luxemburgo
Finlândia
Irlanda
Austria
Bélgica
Alemanha
Suíça
Dinamarca
Noruega
Reino Unido
Suécia
Islândia
Países Baixos
Malta
Portugal
Itália
França
Espanha
Eslovénia
Eslováquia
Moldávia
Bulgária
Polónia
Estónia
Ucrânia (2011)
Rússia
Letónia
Croácia
Bielorrússia
Arménia
Georgia
Grécia
Roménia
Lituânia
Azerbeijão
Hungria
República Checa
Chipre
Turquia
Gráfico 3 – Dadores cadáveres
Gráfico 4 – Dadores vivos
21
Dadores da Ásia 2012 (pmp)
*Singapura: Consentimento presumido
Relativamente à Europa, a Turquia destaca-se por apresentar uma taxa de doação por
cadáveres bastante baixa e alcançar o 1º lugar do seu grupo na doação por vivos. Há que notar
que 99% da população segue o Islamismo, uma presença muito forte eventualmente capaz de
influenciar estes resultados.
Há ainda países com ausência de legislação ou esta não é clara, a destacar a Moldávia e
Ucrânia.
Analisando o grupo de países com 0 doações por cadáver, destaca-se o Azerbaijão cujos
93,4% da população seguem o Islamismo, um fator claramente influente embora não único. Por
outro lado a Moldávia, Geórgia e Arménia, também pertencentes a esse grupo, apresentam
uma forte prevalência de Cristianismo Ortodoxo assim como a maioria dos países no fundo do
ranking da Europa do Sul. Portanto, apesar dos mesmos resultados, nestes últimos a religião
Ásia
Norte
(Leste +
Central)
Ásia Sul
0
0
0
0
0,2
0,6
2,1
2,5
3,1
6,9
7,3
0,9
5,8
7,2
8,4
0 5 10
Paquistão (2006)
Singapura
Emiratos Árabes …
Síria
Filipinas
Malásia
Tailândia (2011)
Líbano
Arábia Saudita
Irão
Israel
Japão
Taiwan (2011)
Hong Kong
Coreia do Sul
0
0,6
1,8
1,9
3,26
11,7
14,6
15,1
20,1
22
22,1
6,8
14,1
19,8
39
0 20 40 60
Tailândia
Singapura
Malásia
Filipinas
Emiratos Árabes …
Síria
Israel
Paquistão (2006)
Irão
Líbano
Arábia Saudita
Hong Kong
Japão
Taiwan (2011)
Coreia do Sul
Gráfico 5 – Dadores cadáveres
Gráfico 6 – Dadores vivos
22
não pode ser apontada como barreira, uma vez que o Cristianismo não se opõe à doação. Mais
uma evidência que para além da religião há outros fatores tão ou mais poderosos em campo.
Na Ásia predomina o sistema de consentimento informado e aqui estão as mais baixas taxas
de doação por cadáveres do mundo. Por outro lado, de todas as regiões investigadas, é a
única que para além de concentrar das maiores taxas de doação por vivos, estas são múltiplas
vezes superiores às doações por cadáveres.
Sabe-se que poucos países nesta área têm legislações em efeito, para além disso um estudo
feito no Taiwan e China identificou mais fatores controversos: a dificuldade em apelar aos
sentimentos do público, o grau de competência e disponibilidade de profissionais de saúde,
questões acerca das motivações e da legitimidade da pena de morte de prisioneiros, medo da
discriminação pública e os desafios/receios para a família cuidar dos transplantados.
Na Coreia foram identificadas barreiras socioculturais atribuídas ao Confucionismo, critérios de
definição de morte cerebral e mitos sobre venda de órgãos que possivelmente contribuem para
a baixa taxa de doação por cadáveres que se verifica.
Já o Taiwan considera-se o exemplo de um país onde a legislação desempenhou um papel
importante na maturação da transplantação.[11]
Na Síria, Emiratos Árabes Unidos, Singapura e Paquistão apenas são recolhidos órgãos de
dadores vivos. No caso da primeira, os obstáculos à doação por cadáveres prendem-se com a
falta de consciência da sua importância por parte da população e dos profissionais de saúde,
falta de recursos financeiros, pessoais e de serviços. Não existe um organismo nacional de
transplantação que influencie a atitude pública, defina guidelines e supervisione as
atividades.[12]
O Paquistão é um país onde o comércio de órgãos é uma realidade, a taxa de literacia é
bastante baixa, portanto era importante despertar a consciência da população formulando
opiniões e reforçando leis relacionadas com a transplantação. Os líderes religiosos e médicos
deviam envolver-se nesse processo, os debates deviam ser difundidos através da imprensa e
há que investir na abordagem da bioética no ensino.[13]
Na Tailândia os dadores vivos devem ser familiares ou legalmente casados com o recetor por
pelo menos 2 anos. O primeiro transplante do género a ser feito no país foi em 2009, uma
doação de parte de fígado de filho para pai.
A Malásia frena o desenvolvimento da transplantação através das suas perspetivas
conservadoras predominantes, sistema de valores e cultura, passado histórico, convicções
religiosas e falta de legislação.
Na maioria dos países a doação por vivos inclui apenas familiares, conjugues ou familiares por
casamento e nos países mais a Oeste os amigos próximos já podem ser solicitados. Nas
Filipinas, Paquistão e Irão estas restrições não se colocam e a pobreza é a razão número 1 da
23
venda de órgãos com cerca de 25% da população do primeiro país a defender a doação
recompensada. O Irão era o único país onde, pelo menos em 2009, não existia lista de espera
para transplante de rins.
Apesar de tudo, mesmo os países mais desenvolvidos também têm os seus problemas. A
destacar aqui o Japão onde o conflito cultural está presente devido à falta de compreensão e
aceitação da doação, falha da formação específica dos profissionais de saúde, falta de
confiança no processo e não-aceitação dos critérios de morte cerebral. Também há que notar
que cerca de 71,4% da população crê no Budismo e 83,9% no Xintoísmo, duas religiões pouco
recetivas à transplantação.[11]
Na Ásia a religião influencia bastante os vários aspetos da vida, desde saúde à segurança e
moralidade, em oposição aos países do Oeste onde esta por norma desempenha um papel
mais secundário. Enquanto na Coreia do Sul há uma maior variedade de religiões, países
como o Irão, Arábia Saudita, Síria, Emiratos Árabes Unidos e Paquistão apresentam
prevalências de crença no Islamismo entre 87% a praticamente 100%. Taiwan e Tailândia
apresentam prevalência do Budismo superiores a 93% e Israel 75,1% de Judaísmo. De notar
que estas religiões não são das mais favoráveis à transplantação. Já nas Filipinas 83% da
população segue o Cristianismo, logo está fora de questão justificar seja em que grau for a sua
baixa taxa com a religião.
Singapura tem um sistema de consentimento presumido há mais de 20 anos, contudo mantém
taxas de doação muito baixas. Apesar das melhorias a nível da educação no país, ainda se
mantém uma antipatia geral no que toda à doação por cadáver. Isto prende-se com crenças
tradicionais dos diferentes grupos étnicos e a necessidade de preservar o corpo após a morte.
Há mesmo médicos que se negam a identificar potenciais dadores.
24
Dadores da Oceânia 2012 (pmp)
Estes dois grandes países da Oceânia estudados seguem o consentimento informado e
revelam taxas de doação por cadáver relativamente baixas. Há a destacar as altas taxas de
recusa de doação pelos familiares: 41,8% para a Austrália e mais de 50% na Nova Zelândia,
estes são sem dúvida fatores com impacto.[14]
Dadores de África 2012 (pmp)
12,9
10,8
9 10 11 12 13 14
Nova Zelândia
Austrália
15,6
8,6
0 5 10 15 20
Austrália
Nova Zelândia
0
0
0
0
0,09
0,1
0 0,05 0,1 0,15
Sudão
África do Sul
Líbia
Egípto (2003)
Marrocos (2011)
Tunísia
0
0,4
2,76
4,9
6,9
11,3
0 5 10 15
África do Sul
Marrocos (2011)
Líbia
Sudão
Egipto (2003)
Tunísia
Gráfico 7 – Dadores cadáveres
Gráfico 8 – Dadores vivos
Gráfico 9 – Dadores cadáveres
Gráfico 10 – Dadores vivos
25
Em África os gastos em saúde per capita são dos mais baixos do mundo e predomina o
consentimento informado.
A África do Sul é um país com legislações inexistentes ou pouco claras e embora não se colha
órgãos há registos de transplantes.
No Egipto, Líbia e Sudão apenas são recolhidos órgãos de dadores vivos e estes têm que ser
familiares. Nestes sente-se a forte influência da religião pois entre 90% a 100% da população
segue o Islamismo. O Sudão é o único país do mundo onde a comercialização de órgãos é
legal.
O tráfico de órgãos é uma realidade comum em muitos destes países, a referir também a
China, Colômbia e algumas partes da restante América Latina, Paquistão, Filipinas, Índia,
Rússia e Europa do Leste. Indivíduos de regiões pobres vendem rim em troca de recompensa
monetária e na China o corpo de um prisioneiro executado pode converter-se em dinheiro
através da venda dos seus órgãos.[15]
Imagens de vendedores de rins. [17] [18]
26
Dadores América 2012 (pmp)
O Perú não autoriza dadores vivos não familiares, já a Costa Rica e Paraguai permitem mas
com pré-requisitos.
Os Estados Unidos da América e Canadá, embora sejam potências que exibem gastos em
saúde per capita dos mais altos do mundo e maiores parcelas do PIB de investimento em
saúde não são os que apresentam as taxas de doação mais altas. É muito provável que o seu
sistema de doação tenha uma forte influência nisto.
América
Norte
América
Sul
0
0,2
1,8
2
2,9
3,2
3,2
3,5
3,7
4,5
6,9
9
9,9
10,2
12,6
15,7
16,5
26,3
14,7
26
0 10 20 30
Nicarágua
Guatemala (2006)
República Dominicana
Trindade e Tobago
Paraguai
Costa Rica
Perú (2010)
México
Equador
Venezuela
Panamá
Chile
Cuba (2010)
Colômbia
Brasil
Argentina
Uruguai
Puerto Rico
Canadá
EUA
0
0
0,5
0,8
0,9
1,7
1,8
2
2,7
2,83
4,6
5,3
6
7,7
8,4
9,2
16,8
25,8
14,6
15,4
0 10 20 30
Paraguai
Chile
Cuba (2010)
Puerto Rico
Uruguai
Equador
Nicarágua
Colômbia
República …
Perú (2010)
Panamá
Venezuela
Guatemala …
Argentina
Brasil
Trindade e …
México
Costa Rica
Canadá
EUA
Gráfico 11 – Dadores cadáveres
Gráfico 12 – Dadores vivos
27
3.1. Dadores de coração parado
De acordo com informações do Registry in Organ Donation and Transplantation (IRODAT),
para além dos países listados no Gráfico 13, também os seguintes reportaram atividade
ocasional de dadores de coração parado desde 2000, contudo sem atividade em 2012: Algéria,
Bolívia, Brasil, Croácia, Hong Kong, Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional
(constituída por Índia, Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka , Nepal, Butão, Maldivas e
Afeganistão), Arábia Saudita, Singapura, Coreia do Sul, Turquia, Ucrânia, Israel, Nova Zelândia
e Colômbia.
Gráfico 13 - Dadores de coração parado no mundo (pmp)
3.1.1. Protocolos de doação após paragem cardiocirculatória.
A doação de órgãos após paragem circulatória é uma estratégia que pretende atenuar a
problemática da falta de órgãos e o seu uso e número de dadores varia entre os vários países.
Analisando os critérios de inclusão e de exclusão para doação, legislação, forma de
determinação da morte e métodos de preservação foi possível comparar protocolos praticados
em países europeus.
0,02
0,02
0,1
0,16
0,2
0,5
0,51
0,7
0,88
0,9
1,9
2,08
3,4
3,4
3,4
3,75
6,3
7,42
7,94
11,5
0 2 4 6 8 10 12 14
México
Coreia do Sul
Itália
Roménia
República Checa
Áustria
Japão
Irlanda
Suíça
Rússia
França
Canadá
EUA
Espanha
Austrália
Líbano
Bélgica
Países Baixos
Reino Unido
Letónia
28
Há 12 países europeus que trabalham com este tipo de doação: Áustria, Bélgica, Espanha,
França, Irlanda, Itália, Letónia, Países Baixos, Reino Unido, República Checa, Roménia e
Suíça. A Roménia e a Irlanda têm uma atividade bastante residual de apenas 3 intervenções
cada um daí a que será mais focada a atividade dos restantes 10. Desses 10, 8 têm protocolos
específicos excetuando a Letónia e a República Checa.
Outros países que estão a planear iniciar este programa são: Chipre, Estónia, Luxemburgo,
Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Eslovénia e Suécia. A principal razão da não
adesão a este plano é a dificuldade organizacional que envolve.[16]
A recolha de órgãos em dadores com paragem cardiocirculatória (DPC) implica uma
coordenação cuidada entre o tempo de assistolia e o início da recolha de órgãos. Os resultados
de transplantes de órgãos de DCP por norma são piores do que os de dadores em morte
cerebral (DMC), excetuando os rins DPC que mostram uma sobrevida similar aos de DMC e os
pulmões chegam até a ter uma sobrevida maior nos DPC.
Em 1995 foi criada a Classificação de Maastricht definida por 4 categorias de DPC, em 2000
foi acrescentada uma 5ª pelo grupo de Madrid (Anexo 1).
Os tipos I, II e V são considerados “não controlados” porque o tempo de morte do potencial
dador não é conhecido. Os tipos III e IV são “controlados” porque há possibilidade de prever e
planear uma morte cardiorrespiratória iminente, normalmente sendo seguido de cuidados a
nível de cuidados intensivos. [19]
O Anexo 2 resume o sistema de registo de doação (consentimento), as categorias de
Maastricht praticadas e os órgãos colhidos de alguns países. Ter em atenção que esta fonte
não assume a categoria V.
A categoria III é de longe a mais praticada mas em Portugal optar-se-á por colher órgãos de
DPC na categoria II. [20, 21]
Alguns países focam-se na doação de coração parado não controlada (Espanha e França) e
outros na controlada (Países Baixos e Reino Unido) ou executam ambos. Esta diferença pode
ser explicada pela experiência das Unidades de Cuidados Intensivos e pela decisão de quando
suspender o tratamento de suporte de vida ou não. Nos países da Europa do Norte, suspender
um tratamento, se este for considerado fútil, é uma prática mais facilmente aceite do que na
Europa do Sul. Isto pode dever-se à disponibilidade e à experiência por parte dos cuidados
intensivos, médicos com menos expectativas face à situação tendem a suspender mais
facilmente tratamento médico inútil.
As razões para a ausência da prática dos tipos “não controlados” foram de natureza ética e
jurídica (França, Espanha, Letónia) e as dos tipos “controlados” foi por dificuldades em termos
de organização. Dos 10 países, 7 praticam ambos os tipos de controlo e 3 têm consentimento
informado.
29
A definição de quando a morte acontece varia bastante entre os protocolos e quando um
doente é elegível para ser dador de órgãos é importante que haja uma boa coordenação entre
a determinação de morte e os procedimentos imediatos para preservação e minimização de
danos nos órgãos. Na Tabela 3 de Anexos estão representados protocolos de doação de
alguns países.
Em termos de resultados verifica-se que há diferenças consideráveis no desempenho
consoante as categorias de DCD utilizadas, legislações e critérios de definição da morte. [22]
3.2. Croácia
A Croácia apresentou-se como o país com maior número de dadores cadáveres por milhão de
população com 36,5 dadores pmp em 2012 quando há uma década atrás tinha dos números
mais baixos da Europa (2,7 dadores pmp). Entre 2008 e 2011 a lista de espera para
transplante renal desceu 37,2% e o tempo de espera médio passou de 46 para 24 meses. O
modelo Croata é já internacionalmente reconhecido e há planos para a sua implementação
noutros países.
Ilustração 1 - Fatores chave para o aumento da doação e transplantação de órgãos na Croácia [23]
A equipa de secretariado funciona 24 sobre 24 horas apoiando as coordenações hospitalares e
equipas de recolha, a rede de coordenadores hospitalares é constituída por 30 coordenadores
Nomeação de coordenadores
hospitalares (1999)
Nomeação de coordenador nacional de transplantes com
equipa de secretariado ativa
24/24 horas (2000)
Adoção de nova legislação
Implementação de novo modelo
financeiro - Reembolso de hospitais dadores
Campanhas de consciencialização do público - Dia nacional
do dador, Dia do dador Europeu.
Cooperação internacional - Eurotransplant
Programa assegurador da qualidade dos
dadores
30
internos, especialistas em cuidados intensivos que trabalham em universidades e hospitais
gerais de todo o país. Estes reportam potenciais dadores ao serviço coordenador nacional, o
que facilita e controla o processo e cooperação interna, elimina muitos obstáculos e torna o
processo mais eficiente comparado com o sistema antigo e outros em que a equipa local de
transplante é responsável gerir toda a manutenção e alocação de órgãos.
O sistema vigente é o consentimento presumido e desde 1982 que a doação por cadáveres é
feita após determinação de morte cerebral. [23]
3.3. Fatores que influenciam a decisão de ser dador
de órgãos.
Vários estudos procuram explorar as atitudes das comunidades relativamente à doação de
órgãos por dador vivo ou cadáver cujo objetivo é obter informação e procurar estratégias para
melhorar essas taxas.
Ao longo do tempo foram sendo identificados vários fatores que influenciam a decisão de ser
dador de órgão tais como: proximidade com o recetor do órgão, crenças religiosas, influências
culturais, influências familiares, integridade do corpo, perspetiva relativamente ao sistema de
saúde, falta de confiança neste, mal- entendidos, validação de morte cerebral e medo da
recolha de órgãos precoce, o conhecimento individual acerca do processo de doação de
órgãos.
3.3.1. Religião
Na esfera religiosa, há os opostos: para uns a fé religiosa encoraja a doação de órgãos, o
órgão pode ser aproveitado para salvar outra pessoa não devendo ser desperdiçado revelando
assim uma atitude altruísta. Por outro lado há os que acreditam que a sua religião não o aceita.
Certo é que a doação de órgãos é uma temática a debater e os líderes religiosos deviam tomar
uma posição definitiva a seu respeito.
A ideia do “fazer de Deus” é frequentemente citada por alguns participantes dos estudos que
completam que ninguém deve intervir se alguém está destinado a morrer.
Curiosamente uma objeção frequente à doação de órgãos é a necessidade de manter a
integridade do corpo após a morte. Muitos creem que é necessário o corpo inteiro para poder
31
entrar na próxima vida, para outros este pertence ao seu Deus e como tal ninguém tem
soberania para doar órgãos (“Não quero metade do meu corpo enterrado e que a outra metade
vá para o céu”; “Depois de morrer, pode-se ir para o outro mundo. Se me faltar um olho não
posso ver”).
É importante criar estratégias que abranjam grupos minoritários reforçadas por líderes culturais
e religiosos e informar acerca do processo de doação e os seus resultados positivos. [8]
A tabela do Anexo 4 indica as percentagens de prevalência das religiões em cada país e o
mapa do Anexo 5 permite ter uma ideia da sua distribuição das várias religiões.
Nenhuma religião:
Proíbe ou obriga formalmente a doação ou receção de órgãos ou a transplantação. Há
ainda bastante ceticismo em algumas delas, prendendo-se com questões como critérios de
morte cerebral e todo o processo que se desenvolve em volta da morte. [9]
Considera a doação de órgãos como aproveitamento de “recursos da sociedade” ou
considera “um dever religioso” (excetuando alguns rabinos e alguns estudiosos muçulmanos e
cristãos).
Proíbe a recolha de órgãos de dador de coração parado ou a xenotransplantação.
Alguns ulemás/muftis muçulmanos e algumas religiões asiáticas preferem a doação de órgãos
em vida em vez da sua proveniência de cadáveres mas nenhuma religião prefere dadores
cadáveres em vez de vivos.
A igreja católica é contra a recolha de órgãos em indivíduos anencéfalos ou após eutanásia.
A doação de órgãos direcionada apenas para indivíduos da mesma religião foi proposta
somente por alguns judeus ortodoxos e alguns ulemás/muftis islâmicos. [24]
Alguns dos povos que desencorajam a doação de órgãos são os nativos dos EUA e ciganos,
em termos de religiões destacam-se o Xintoísmo e o Judaísmo Ortodoxo, determinados nichos
do Budismo e o Confucionismo bastante prevalente na China, que é mais uma filosofia do que
religião. Assim as perspetivas variam da quase completa oposição (Judaísmo ultra- ortodoxo)
ao ceticismo profundo de certas partes da comunidade Indo-Asiática Islâmica.
É importante notar que as escrituras nas quais cada religião se fundamenta não contêm
referências específicas relativamente à transplantação de órgãos: isto cria um terreno fértil à
subjetividade da sua interpretação. É, portanto, natural que se verifique variedade de
perspetivas dentro da mesma fé ou religião, entre estudiosos, comunidades e escolas do
pensamento religioso.[9]
32
Tabela 1 - Ideias-chave de várias perspetivas religiosas face à doação de órgãos
[9]:
Religiões mais favoráveis à doação de órgãos
Cristianismo
É um ato altruísta, a maioria das fés Cristãs apoiam ativamente e aprovam.
A decisão de o fazer deve ser deixada à consideração de cada indivíduo.
A Igreja da Inglaterra chegou mesmo a declarar a doação de órgãos um dever
Cristão.
Hinduísmo
Religião predominante no Sul da Ásia com cerca de 1 bilião de seguidores.
Crê na reincarnação e em meios através dos quais a vida possa ser prolongada
ou sustentada, logo a integridade física após a morte não é essencial. Isto
suporta facilmente a ideia da doação de órgãos.
Sikhismo
A religião deve ser praticada nas vivências do mundo através da forma como se
lida com problemas do dia-a-dia.
Crê na vida após a morte e no círculo contínuo do renascimento, logo a
integridade física não é essencial neste processo mas sim a prática de boas
ações.
Taoísmo
Tradição filosófica do Leste Asiático que acredita que as alterações feitas na
forma Humana não afetam a essência da vida, assim a doação de órgãos é uma
prática geralmente aprovada.
Religiões menos favoráveis à doação de órgãos
Judaísmo
O funeral deve ser realizado 24 horas após a morte e a profanação de um
cadáver mesmo que para obtenção de benefício a partir dele é reprovável.
A definição de morte cerebral é problemática pois a definição de morte pelo
Judaísmo requer a cessação das funções cerebrais, respiratórias e cardíacas.
Em Israel, 75% da população é Judaica mas apenas 10% possui o cartão de
dador de órgãos e a taxa de doação é extremamente baixa (7,3 pmp). Em 2008 o
governo tentou amenizar esta questão através da definição do tempo de morte e
disponibilizando benefícios a quem se registassem como dadore. Parte da
comunidade Ultra-Ortodoxa retaliou com cartões anti-doação.
A Halachic Organ Donor Society favorece a doação e permite que os indivíduos
optem entre doar após morte cerebral ou paragem cardíaca.
Islamismo
Segundo o Alcorão aquele que salva a vida de uma pessoa é como se salvasse
toda a humanidade, por outro lado, a violação do corpo humano é um ato
estritamente proibido. Estas duas ideias contraditórias têm sido o centro de
diversos debates.
Apesar de estudiosos do Islamismo tentarem promover a doação de órgãos,
muitos Muçulmanos não a aceitam, particularmente a doação por cadáveres.
A maioria dos órgãos colhidos em países predominantemente Muçulmanos é
proveniente de dadores vivos, contudo mantêm-se reservas se isto se deve
apenas a questões religiosas. Nestes países os problemas logísticos também são
entraves bastante comuns à instituição de sistemas nacionais de doação.
Muçulmanos Indo-Asiáticos manifestam uma maior oposição à doação por
cadáveres do que os de países Árabes. Também os Muçulmanos dos países do
Oeste reportam preocupações religiosas e apenas 39% destes acha que a
doação de órgãos está de acordo com o Islamismo.
33
Budismo
A morte é um processo e o tempo é importante de tal forma que alguma
consciência espiritual permanece no cadáver alguns dias após a morte. Por outro
lado destacam-se as ideologias fundamentais Budistas do altruísmo e dedicação
ao outro. Isto acarreta contradições entre a comunidade Budista juntando-se
ainda a problemática da aceitação de critérios de morte cerebral.
Testemunhas
de Jeová
A não-aceitação da transfusão de produtos derivados do sangue dificulta a
transplantação.
A decisão cabe a cada indivíduo desde que não haja transfusão de sangue.
Xintoísmo
Espiritualidade indígena do Japão. Crê que o corpo é puro e vai acumulando
impurezas ao longo da vida, o cadáver é, portanto, considerado algo muito
poderoso e que pode dar má sorte se profanado.
A colheita de órgãos após morte cerebral foi legalizada em 1997 e apesar de a
doação por cadáveres ser legal no Japão, a sua taxa continua a ser muito baixa.
Para ultrapassar este problema o país desenvolveu um dos primeiros sistemas de
transplantação ABO incompatível.
3.1.1. Crenças culturais e outros fatores demográficos
Algumas das crenças culturais encontram-se inerentes às religiosas mas em alguns casos
podem não ter qualquer ligação. Por norma giram em torno dos cuidados de saúde, da morte e
do morrer. Muitas vezes baseiam-se em superstições e crenças de que falar sobre a morte ou
registar-se como dador de órgãos pode levar a que isso ocorra mais rapidamente.
Os indivíduos de raça negra tendem a não gostar de falar acerca da morte e são muito
reservados acerca disso. Algumas das suas culturas acreditam que o espírito do dador
transfere-se para o recetor, outras defendem a necessidade da aprovação dos ancestrais antes
da doação de modo a que a família não perca a proteção espiritual do seu antepassado. Há
também as que alertam para a importância de rituais particulares relativamente ao processo de
luto eventualmente perturbados pela doação de órgãos.[8]
Um estudo envolvendo 452 participantes de Denver e San Francisco, cuidadores de candidatos
a transplante (CCT) e frequentadores de feiras de saúde (FFS), procurou ,através de um
questionário de 42 perguntas, avaliar e comparar os obstáculos à disponibilidade de se registar
como dador de órgãos. Em Denver 83% dos CCT e 68% dos FFS manifestaram vontade de se
registar, já em San Francisco as percentagens foram 58% dos CCT e 70% dos FFS. Em ambas
as cidades se verificou que os fatores preditores dessa vontade eram: ser de raça caucasiana,
com curso superior, casados e detentores de uma maior perceção positiva acerca da doação
de órgãos, acrescentando ainda em Denver o género feminino e em San Francisco indivíduos
mais informados acerca da doação de órgãos.[25]
34
Num outro estudo em 1652 indivíduos, conduzido em 2009 no Azerbaijão, verificou-se que
29,7% eram a favor da doação dos seus órgãos após a morte, 60,1% recusava e 10,2%
estavam indecisos. A vontade de doar estava associada de forma significativa ao género
masculino, jovens, com ensino superior e solteiros. As razões da recusa eram: falta de
informação sobre a importância da doação de órgãos (43,8%), incerteza quanto a implicações
religiosas (39,5%), preocupações éticas (37,9%), preferência por ser enterrado intacto (28%) e
inquietação relativamente à manipulação de cadáveres (33%).[26]
3.1.1. Influência da família
A família pode ter uma influência negativa ou positiva nas decisões individuais dos sujeitos.
Alguns participantes questionados revelaram necessidade de perguntar permissão aos
membros da família para ser dadores de órgãos, outros achavam que uma decisão definitiva
por parte dos entes queridos asseguraria que não seriam mais tarde sobrecarregados com
uma decisão difícil. Outros acharam que a doação de órgãos interfere com o processo do luto
para as famílias.
Muitos revelaram que aceitariam doar um rim em vida a um familiar ou amigo mas não em vida
ou após a morte a alguém que não conhecessem.
3.1.2. Integridade corporal
Há quem tenha crenças fortes relativamente ao corpo como um todo não relacionadas com
questões religiosas mas com o processo de remoção de órgãos e a preocupação do trauma
que a família possa sofrer perante o pensamento de que o seu corpo é “cortado”. Outro temor é
que isso impeça que o caixão permaneça aberto durante o funeral, principalmente se as
córneas forem doadas (medo de não ter olhos).
3.1.3. Interação com o sistema de saúde
A falta de confiança no sistema de doação de órgãos baseia-se muitas vezes em experiências
negativas anteriores com o sistema de saúde. A validade da morte cerebral é questionada e
caem suspeitas sobre os fornecedores dos cuidados de saúde. Alguns dos receios citados em
35
vários estudos foram que o interesse em colher órgãos leve à falta de prestação dos cuidados
de saúde necessários aos potenciais dadores. Há também receio que os cadáveres dadores
não sejam tratados com respeito e dignidade e que os órgãos vão para recetores que não o
merecem ou que sejam usados para investigação em vez de salvar vidas. É interessante notar
que este género de opiniões é maioritariamente recolhido em populações minoritárias
suscetíveis a uma maior marginalização por parte dos serviços de saúde.
3.1.4. Nível de conhecimento e informação
A falta de conhecimento sobre doação de órgãos é sem dúvida uma barreira ao sucesso da
doação de órgãos. Há indivíduos que acreditam que doação e transplantação não passam de
“mitos urbanos” ou associados a ficção em programas de televisão. Ao longo do tempo alguns
“mitos” foram tomados como corretos e traduziram-se em receios e falta de confiança no
sistema de doação e transplantação. Um número significativo de pessoas manifesta
preocupação pela falta de informação sobre a doação de órgãos. Por outro lado também há
quem defenda que não seria dador de órgãos mesmo estando melhor informado
fundamentando-se no seu sistema de crenças. [8]
3.1.5. O papel dos media
A 1 de Maio de 2012 a rede social Facebook™ permitiu que os membros se registassem
oficialmente no seu perfil como sendo dadores de órgãos. No primeiro dia dessa iniciativa
ocorreram 13054 novos registos versus o número médio de registos diários de 616. Os meios
de comunicação e redes sociais revelam-se, portanto, poderosas ferramentas com impacto no
aumento da doação de órgãos, podendo aplicar-se a outros problemas de saúde pública nos
quais a comunicação e educação é essencial.[27]
3.1.6. Despesas em saúde
Integrando os dados do Anexo 6 com os gráficos de dadores, verifica-se que não são os países
com maiores gastos em saúde per capita que lideram o ranking de doações, ou seja, no geral
ter maiores despesas não significa necessariamente maiores taxas de doação de órgãos ou
maior eficácia desse sistema. De qualquer forma há que notar que a generalidade dos países
36
com menores gastos per capita e normalmente associados a uma economia mais débil
apresentam taxas de doação mais baixas.
3.1.7. Recusa da doação
O grau de envolvimento dos familiares próximos na recolha de órgãos de cadáver a nível
mundial ainda é pouco claro.
Em todos os países em que o consentimento é presumido, o familiar mais próximo é informado
e em todos os países em que o consentimento é informado, é requerida a autorização do
familiar se a posição do dador é desconhecida. Isto irá refletir claramente padrões culturais, o
grau de consciência e informação de determinada população relativamente à doação e
transplantação.
Ao verificar o Anexo 7 percebe-se que independentemente do tipo de consentimento vigente na
maioria dos países, o familiar mais próximo é envolvido na decisão de recolher órgãos do
falecido e a sua decisão é respeitada.
A taxa de recusa dos familiares é considerada um fator major para a grande discrepância entre
a disponibilidade e a necessidade de órgãos. Esta ronda os 43% nas famílias abordadas no
Reino Unido e perto dos 50% nos Estados Unidos da América. Infelizmente há que notar que
estes dados são muito limitados e os valores devem ser interpretados com cuidado uma vez
que nem todos os países os disponibilizam. Há estudos que sugerem que uma abordagem
cuidada ao familiar próximo pode ter um efeito imediato e maior nas taxas de doação do que
alterar legislações. [28, 29, 30]
A seguir estão representados 2 estudos que investigaram causas para a recusa da família:
Ghorbani F et al (2011) [31]
Le Nobin J et al (2014) [32]
1º Negação e rejeição de critérios de morte cerebral – 44,4%
Desejo de manter o corpo intacto (46,3%)
2º Crença num milagre – 13,6% Crenças Religiosas (16,4%)
3º Receio da troca de órgãos e o seu destino desconhecido – 9,9%
Falta de confiança na comunidade médica (13,4%)
4º Crenças religiosas – 8,6% Revolta contra a sociedade (6%)
5º Insegurança em relação ao diagnóstico de morte cerebral – 6,2%
Ocorreu recusa da doação em 44,8% dos casos de mortes violentas e inesperadas, 23,9% de mortes em jovens, 17,9% em casos em que a família negava a morte e 11.9% em que a família se sentia culpada.
6ª Instabilidade emocional da família – 6,2%
7ª Vontade desconhecida do dador – 4,9%
8ª Crença na integridade corporal – 3,7%
9ª Medo que outros familiares objetem a doação – 2,5%
37
Os resultados fornecem uma base para os profissionais de saúde e responsáveis pelo
regulamento da doação de órgãos compreenderem o contexto no qual as famílias se
encontram e o que dá sentido à doação de órgãos e tecidos [33]:
Perspetivas da família do dador cadáver
Compreesão da morte súbita
(aceitar o fim da vida, ambiguidade da morte cerebral)
Encontrar um significado na
doação (altruísmo, deixar o dador "viver" noutro
corpo, obrigação moral, alívio do
sofrimento)
Medo e suspeita (motivações financeiras,
responsabilidade indesejada pela morte, falta de confiança nos
médicos)
Conflito nas decisões (pressão
da decisão, consenso familiar,
dissonância interna, crenças religiosas)
Vulnerabilidade (valor da
sensibilidade e respeito, oprimido
e sem poder)
Respeito para com o dador (honrar a
sua vontade, preservar a integridade
corporal)
Introspeção (reconhecimento,
arrependimento da recusa, incerteza
não resolvida)
38
4. Conclusões
Aparentemente o consentimento presumido é favorável a maiores taxas de doação por
cadáveres e o informado a maiores taxas de doação por vivos. Contudo há autores que ainda
duvidam se esta variação é justificada apenas com a legislação
Na Europa predomina o sistema de consentimento presumido principalmente nos países do sul
e leste, concentrando-se o consentimento informado nos do norte.
Na Ásia predomina o sistema de consentimento informado, concentra países com as maiores
taxas de doação por vivos e o padrão único de estas serem várias vezes superiores à taxa de
doação por cadáveres.
Os países da Oceânia seguem predominantemente o consentimento informado e apesar dos
altos gastos em saúde per capita revelam taxas de doação por cadáver aquém das
expectativas. Neste caso a legislação e a recusa dos familiares (em volta dos 50%) podem ser
alguns dos fatores limitantes.
Em África os gastos em saúde per capita são dos mais baixos do mundo, predomina o
consentimento informado e abunda a falta de legislação
O tráfico de órgãos é uma realidade comum em alguns países, sendo a pobreza a sua principal
percursora.
Sem dúvida que para além do sistema de doação outros fatores entram em jogo: legislação,
disponibilidade dos dadores, infraestruturas, riqueza e investimento nos cuidados de saúde,
atitudes das comunidades, sensibilização para a doação e transplantação, educação, empenho
dos governos, etc. A importância relativa de cada um ainda permanece pouco clara.
Apesar da doação por DPC ser uma estratégia bem estabelecida e aparentemente benéfica
para aumentar a quantidade de dadores e reduzir as listas de espera de transplantação, o seu
potencial não está ainda completamente explorado. A maioria dos países que trabalham com
DPC tem sistema de consentimento informado, a categoria III de Maastricht é a mais praticada
mas em Portugal optar-se-á por colher órgãos na categoria II.
A vontade de se registar como dador de órgãos parece ser melhor explicada por fatores
demográficos do que pelo facto de ter uma maior proximidade com candidatos a transplante.
A religião, sem dúvida, exerce uma forte influência na doação de órgãos em vários pontos do
mundo, contudo nem sempre é a explicação dessa variabilidade, colocando-se assim a
possibilidade que este fator não atue isolado. A influência da família e do parente mais próximo
é um aspeto que influencia fortemente a variação da doação de órgãos, uma vez que na
maioria dos países aqueles são consultados e têm poder de vetar a doação.
É importante partilhar experiências e obter consensos de forma a traduzir esta estratégia em
protocolos uniformes e sólidos, apoiados pelas autoridades competentes profissionais de
transplantação e cuidados intensivos.
39
5. Referências bibliográficas
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43
Anexo 1 - Classificação de Maastricht modificada de dadores em morte circulatória.[34]
Categoria Descrição Tipo de controlo
I Morte à chegada Não controlado
II Ressuscitação não sucedida Não controlado
III Aguardando paragem cardíaca Controlado
IV Paragem cardíaca em morte cerebral Controlado (considerado não
controlado antes da modificação)
V Paragem cardíaca inesperada em doente
crítico Não controlado
44
Anexo 2 – Sistemas de registos, categorias de Maastricht e órgãos colhidos.[22]
País Consentimento Categorias de doação após paragem
circulatória Órgãos recolhidos
Austrália Informado III*
Áustria Presumido II, III Rim
Bélgica Presumido II, III, IV* Rim, fígado, pâncreas,
pulmão
Canadá Informado III*
Colômbia Presumido II*
República Checa
Presumido I, II, III, IV Rim
França Presumido I, II, IV Rim
Itália Presumido II, III, IV Rim
Letónia Presumido II, IV Rim
Países Baixos Informado II, III, IV Rim, fígado, pâncreas,
pulmão
Reino Unido Informado II, III, IV Rim, fígado, pâncreas,
pulmão
Espanha Presumido I, II, IV* Rim, fígado, pulmão
Suíça Informado I, II, III, IV Rim, fígado, pulmão
Israel Informado IV
Japão Informado II, III *
Nova Zelândia Informado II, III
Russia Presumido II, IV
EUA Informado III*
*Variação em protocolos regionais
45
Anexo 3 – Itens descritos em protocolos de doação relativos a alguns países.[22]
País Critérios e procedimentos
para determinação da morte Quem determina a
morte
Tempo em que não se toca no
cadáver (minutos)
Áustria Assistolia Médico que trata com jus
praticandi 10
Bélgica Critérios cardiorrespiratórios 3 médicos independentes 5
República Checa
Não descritos Médico independente,
não envolvido na doação 10
França Critérios cardiorrespiratórios,
perda de consciência e ausência de atividade do tronco cerebral
Médico independente, não envolvido na doação
5
Itália Assistolia, ECG isoelétrico para
confirmar Médico que trata 20
Letónia Não descritos Intensivista 15
Países Baixos Paragem cardiocirculatória Médico que trata 5
Reino Unido
Paragem cardiocirculatória, perda de consciência,
monitorizar pressão intra-arterial, ECG por 5 minutos. Após esse
tempo confirma ausência de atividade do tronco cerebral.
Médico que trata 5
Espanha Assístole, apneia, sem resposta
a estímulos, ECG para confirmar.
Médico que trata 5
Suíça
Lege artis de acordo com as guidelines e confirmar assistolia
com ecocardiograma transtorácico.
2 médicos independentes 10
46
Anexo 4 – Distribuição das religiões em vários países [35]
Sem
religião
Cristianismo Judaísmo Islamismo Budismo Hinduismo Sikhismo
Testemunhas de Jeová
Xintoísmo Taoísmo Outros Católica Protestante Ortodoxa Outros
Arábia Saudita ≈100%
Argentina 92% 2% 2% 4%
Arménia 1,1% 1% 92,6% 5,3%
Austrália 22,3% 25,3% 28,8% 2,6% 4,5% 2,2% 2,5% 1,3% 10,7%
Áustria 12% 73,6% 4,7% 4,2% 5,5%
Azerbeijão 4,8% 93,4% 1,8%
Bélgica 75% 25%
Bielorrússia 80% 20%
Brasil 8% 64,8% 22,2% 0,7% 4%
Bulgária 3,7% 59,4% 7,8% 29,1%
Canadá 23,9% 38,9% 20,3% 1,6% 6,3% 1% 3,2% 1,1% 1,5% 1,4% 0,6%
Chile 11,5% 66,7% 16,4% 1 4,5%
China 52,2% 5,1% < 0,1% 1,8% 18,2% < 0,1% 0,8%
Chipre 78% 18% 4%
Colômbia 90% 10%
Coreia do Sul 43,3% 7,6% 24% 24,2% 0,9%
Costa Rica 3,2% 76,3% 14,4% 1,3% 4,8%
Croácia 3,8% 86,3% 4,4% 1,5% 4%
Cuba 85% 15%
República Checa
34,5% 10,4% 1,1% 54%
Dinamarca 80% 4% 16%
Republica Dominicana
95% 5%
Equador 95% 5%
Egipto 10% 90%
Emiratos Árabes Unidos
9% 76% 15%
Estónia 54,1% 9,9% 16,2% 2,2% 17,6%
Filipinas 0,1% 82,9% 2,8% 4,5% 5% 4,7%
Finlândia 19,2% 78,4% 1,1% 1,1% 0,2%
França 85% 2% 1% 5-10% 4%
Georgia 0,7% 0,8% 87,8% 9,9%
Alemanha 34% 34% 3,7% 28,3%
Grécia 98% 1,3% 0,7%
Hong Kong ≈10% 3,1% 21,2% 0,25% 14,1% 50%
Hungria 18,2% 39% 13,8% 29,1%
Islândia 5,2% 3,4% 76,2% 15,3%
47
Irão 99,4% 0,7%
Irlanda 5,7% 84,7% 2,7% 2,7% 1,1% 3,2%
Israel 2% 75,1% 17,4% 5,5%
Itália 20% 80%
Japão 2% 71,4% 83,9% 7,8%
Letónia 19,6% 15,3% 1% 64,1%
Líbano 40% 54% 6%
Líbia 2,7% <1% 96,6% 0,3% <1% <1%
Lituânia 6,1% 77,2% 0,8% 4,1% 11,7%
Luxemburgo 87% 13%
Malásia 0,8% 9,2% 61,3% 19,8% 6,3% 2,7%
Malta 98% 2%
México 4,7% 82,7% 6,6% 1,4% 4,6%
Moldávia 98% 1,5% 0,5%
Marrocos 99% 1%
Países Baixos 42% 30% 20% 5,8% 2,2%
Nova Zelândia 44,3% 1,1% 1,4% 2,1% 2,7%
Nicarágua 15,7% 58,5% 23,2% 0,9% 1,6%
Noruega 1,8% 82,1% 3,9% 2,3% 9,9%
Panamá 85% 15%
Paquistão 96,4% 3,6%
Paraguai 1,1% 89,6% 6,2% 1,1% 1,9%
Perú 2,9% 81,3% 12,5% 3,3%
Polónia 87,2% 0,4% 1,3% 11,2%
Portugal 6,8% 81% 3,3% 8,9%
Puerto Rico 85% 15%
Roménia 0,2% 4,3% 6,4% 81,9% 7,2%
Rússia 15-20% 2% 10-15%
Singapura 16,4% 7,1% 11% 14,3% 33,9% 5,2% 11,3% 0,7%
Eslováquia 13,4% 62% 8,2% 3,8% 12,5%
Eslovénia 10,1% 57,8% 2,3% 0,9% 2,4% 26,4%
Espanha 94% 6%
Suécia 87% 13%
Sudão ≈100
Suíça 21,4% 38,2% 26,9% 5,7% 4,9% 2,9%
Síria 10% 87% 3%
Taiwan 4,5% 93% 93% 2,5%
Tailândia 0,1% 1,2% 4,9% 93,6% 0,2%
Trindade e Tobago
2,2% 21,6% 32,1% 5% 18,2% 1,5% 19,5%
Tunísia 99,1% 1%
48
Turquia 99,8% 0,2%
Ucrânia 67% 1% 1% 31%
Reino Unido 25,7% 59,5% 4,4% 1,3% 9,2%
EUA 4% 23,9% 51,3% 3,3% 1,7% 0,6% 0,7% 14,6%
Uruguai 17,2% 47,1% 11,1% 0,3% 24,3%
Venezuela 96% 2% 2%
50
Anexo 6 – Despesas em saúde per capita (dólares) e % do PIB – 2012 [39]
País Despesas em saúde per capita (em dólares) Despesas em saúde (% do PIB)
1 Noruega 9055 9,0
2 Suíça 8980 11,3
3 EUA 8895 17,9
4 Luxemburgo 7452 6,9
5 Dinamarca 6304 11,2
6 Austrália 6140 8,9
7 Canadá 5741 10,9
8 Países Baixos 5737 12,4
9 Áustria 5407 11,5
10 Suécia 5319 9,6
11 Japão 4752 10,1
12 Bélgica 4711 10,8
13 França 4690 11,7
14 Alemanha 4683 11,3
15 Finlândia 4232 9,1
16 Islândia 3872 9,1
17 Irlanda 3708 8,1
18 Reino Unido 3647 9,4
19 Nova Zelândia 3292 10,3
20 Itália 3032 9,2
21 Espanha 2808 9,6
22 Singapura 2426 4,7
23 Israel 2289 7,5
24 Grécia 2044 9,3
25 Chipre 1949 7,3
26 Eslovénia 1942 8,8
27 Portugal 1905 9,4
28 Malta 1835 9,1
29 Coreia do Sul 1703 7,5
30 República Checa 1432 7,7
31 Emiratos Árabes Unidos 1343 2,8
32 Eslováquia 1326 7,8
33 Uruguai 1308 9,0
34 Chile 1103 7,2
35 Brasil 1056 9,3
36 Estónia 1010 5,9
37 Argentina 995 8,5
38 Hungria 987 7,8
39 Trindad e Tobago 972 5,4
40 Costa Rica 951 10,1
41 Croácia 908 6,8
42 Rússia 887 6,3
43 Lituânia 859 6,7
44 Polónia 854 6,7
45 Arábia Saudita 795 3,2
46 Letónia 792 6,0
47 Panamá 723 7,6
48 Líbano 675 7,6
49 Turquia 665 6,3
50 África do Sul 645 8,8
51 México 618 6,1
52 Venezuela 593 4,6
53 Líbia 578 3,9
54 Cuba 558 8,6
55 Colômbia 530 6,8
56 Bulgária 516 7,4
57 Irão 490 4,2
58 China 480 5,4
59 Roménia 420 5,1
60 Malásia 410 3,9
51
61 Azerbeijão 398 5,4
62 Paraguai 392 10,3
63 Equador 361 6,4
64 Bielorrússia 339 5,0
65 Perú 337 5,1
66 Georgia 333 9,2
67 República Dominicana 310 5,4
68 Tunísia 297 7,0
69 Ucrânia 293 7,6
70 Moldávia 239 11,7
71 Guatemala 226 6,7
72 Tailândia 215 3,9
73 Marrocos 190 6,4
74 Egipto 152 5,0
75 Arménia 150 4,5
76 Nicarágua 144 8,2
77 Filipinas 119 4,6
78 Sudão 115 7,2
79 Síria 105 3,4
80 Paquistão 39 3,1
81 Puerto Rico - - - - - -
52
Anexo 7 – Taxas de recusa de doação pelas famílias de alguns países [14, 30, 36, 37, 40, 41]
Consentimento presumido Consentimento informado
Familiar próximo
pode vetar
doação?
País Doações recusadas pela
família (%)
Consentimento do familiar é requerido
mesmo conhecendo a posição do
dador?
País Doações recusadas pela família
(%)
Não
✓
Não
✓
✓
Não Não
Arménia Áustria
Bielorrússia Bélgica Bulgária
Chile Colômbia
Costa Rica Croácia Equador
Eslováquia Eslovénia Estónia
Espanha Finlândia França Itália
Luxemburgo Noruega Paraguai
Perú Polónia Portugal
República Checa Rússia
Singapura Suécia Tunísia Turquia
0 -
64,7 (2011) -
60-70% 48,1% 25,2%
20% (2011) -
16,5% 10,2% (2011) 13,9% (2011)
24,5% 15,6%
- 32%
26,1% -
17,9% 28,6% 70%
11,2% Sem dados
13,9%
0 ? -
96% 76,6%
Não
Não Não Não
África do Sul Alemanha
Arábia Saudita Austrália
Brasil Canadá
Coreia do Sul Cuba
Dinamarca Estados Unidos
da América Filipinas Islândia
Índia Irlanda Israel Japão
Lituânia Malásia Malta
México Nova Zelândia Países Baixos Reino Unido
Roménia Suíça
Tailândia Venezuela
? - ?
41,8 37,2 Sem
dados ?
8,3 -
≈ 50*
? - ? -
52,9 ?
40,2 ? -
45% ≈50 52,4
(2011) 42,5 29,2
-