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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA 27 A 29 DE OUTUBRO DE 2010 IV SEMINÁRIO DE PESQUISA A N A I S

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  • UNIVERSIDADE

    ESTADUAL DE LONDRINA

    27 A 29 DE OUTUBRO DE

    2010

    IV SEMINRIO DE PESQUISA

    A

    N

    A

    I

    S

  • Organizao

    Silvia Cristina Martins de Souza

    Sylvia Ewel Lenz

    Jos Miguel Arias Neto

    Mrcia Elisa Tet Ramos

    Diagramao e Arte

    Gilberto da Silva Guizelin

    Anais do IV Seminrio de Pesquisa

    do Programa de Ps-Graduao em Histria

    Social da Universidade Estadual de Londrina,

    27 a 29 de outubro de 2010

    Publicao On-Line:

    Associao Nacional de Histria Seo Paran

    Londrina, Paran Brasil

  • Reitora Ndi

    na Aparecida Moreno

    Vice-Reitora Berenice Quinzani Jordo

    Pr-Reitor de Pesquisa de Ps-Graduao Mrio Srgio Mantovani

    Pr-Reitora de Extenso Cristiane Cordeiro de Nascimento

    Diretora do Centro de Letras e Cincias Humanas Miriam Donat

    Vice-Diretor do Centro de Letras e Cincias Humanas Ariovaldo de Oliveira Santos

    Espao reservado para Ficha Catalogrfica com ISBN ou ISSN

  • Chefe do Departamento de Histria Edmia Aparecida Ribeiro

    Vice-Chefe do Departamento de Histria Rogrio Ivano

    Coordenadora do Programa de

    Ps-Graduao em Histria Social Silvia Cristina Martins de Souza

    Vice-Coordenador do Programa de

    Ps-Graduao em Histria Social Jos Miguel Arias Neto

    Comisso Organizadora do IV Seminrio

    de Pesquisa do PPGHS/UEL Maria de Ftima da Cunha

    Sylvia Ewel Lenz

    Zueleide Casagrande de Paula

    Gilberto da Silva Guizelin

  • Apresentao ............................................................................... 10

    LINHA I: TERRITRIOS DO POLTICO

    Jos Oiticica: Itinerrio de um Militante Anarquista. 1912

    1919

    Aden Assuno Lamounier .................................................... 13

    A Participao e a Organizao Poltica das Mulheres: Um

    Estudo Bibliogrfico

    Alexandra Pingret ................................................................ 26

    As Relaes entre Brasil e Estados Unidos nas Pginas da

    Revista Em Guarda (1941 - 1945)

    Aline Vanessa Locastre ......................................................... 38

    A Tradio Helinistica Transformada no Imprio Romano do

    Sculo II D.C.: A Anbase de Alexandre Magno de Arriano de

    Nicomdia

    Andr Luiz Leme ................................................................. 51

    Santos Dias, A Construo da Memria

    Carlos Alberto Nogueira Diniz ............................................... 61

    Conflito Poltico nas Foras Armadas: A Associao de Ex-

    Combatentes do Brasil

    Carlos Henrique Lopes Pimentel ............................................. 74

    A Escrita e o Sentido da Histria na Muqaddimah de Ibn

    Khaldun (1332 1406)

    Elaine Cristina Senko .......................................................... 85

    S

    U

    M

    R

    I

    O

  • As Instrues Cientficas Portuguesas de Viagem e a Formao do Viajante-

    Naturalista Setecentista

    Frederico Tavares de Melo ..................................................................................... 99

    O Prisma Atlntico Como Ponto de Partida: A Reorientao da Produo

    Historiogrfica Brasileira Acerca do Trfico Transatlntico de Escravos e da

    Poltica Externa Imperial

    Gilberto da Silva Guizelin ................................................................................. 112

    Levantamento e Anlise das Fontes Historiogrficas do Processo de Re-Ocupao

    Ambiental do Centro Oeste Paulista Assis; Caminhos da Histria e Novas

    Abordagens da Histriogrfia

    Gustavo Siqueira Campos Cheliga ..................................................................... 124

    Nacionalismo e a Proposta de (Re)Construo da Nao Brasileira Desenvolvida

    Pela Ao Integralista Brasileira na Dcada de 1930

    Jaqueline Tondato Sentinelo .............................................................................. 134

    Imagens e Mensagens Libertrias do Primeiro de Maio: No Jornal A Voz do

    Trabalhador (1909 - 1915)

    Joo Carlos Marques ......................................................................................... 147

    Natureza e Agricultura em Itu no Sculo XIX: O Significado da Fazenda Modelo

    Karina Barbosa Souza Quiroga ......................................................................... 156

    A Sistematizao da Ocupao Portuguesa Sobre as Minas do Cuiab e as

    Resistncias da Sociedade Colonial (1721 1728)

    Lus Henrique Menezes Fernandes ..................................................................... 168

    Algumas Consideraes Sobre a Modernidade: A Ordem Jurdica Portuguesa e a

    Linguagem das Defesas de Crimes de Lesa-Majestade em Finais do Antigo

    Regime

    Marcelo Dias Lyra Jnior ................................................................................... 180

    Os conflitos Platinos e a Formao do Estado Brasileiro (1808 - 1828)

    Mayra Cristina Laurenzano ............................................................................. 194

    Uma Anlise do Universo Fascista Presente no Jornal Integralista A Offensiva

    (1934 1935)

    Murilo Antonio Paschoaleto ............................................................................... 206

  • Miguel Reale, Escrita de Si e a Problemtica da Retomada Integralista

    Odilon Caldeira Neto ........................................................................................ 216

    Identidades e Memria de Imigrantes Japoneses e Descendentes em Londrina: 1930

    1970

    Priscila Martins Fernandes ............................................................................... 227

    Usos do Passado: Imperialismo e Arqueologia na Inglaterra Vitoriana

    Renata Cerqueira Barbosa ................................................................................ 238

    A Produo Historiogrfica no Brasil nos Anos de 1960 e 1970

    Robson Carlos Souza ........................................................................................ 248

    Reagan e o Imprio Hollywoodiano: A Dcada de 1980 e a Integrao Vertical e

    Horizontal da Industria Cinematogrfica Estadunidense

    Rodrigo Candido da Silva ................................................................................. 259

    A guia Voa: A Poltica Externa dos Estados Unidos e o Desenvolvimento de suas

    Doutrinas Militares e de Relaes Internacionais no Ps-Segunda Guerra Mundial

    (1945 - 2009)

    Sandro Heleno Morais Zarpelo ........................................................................ 272

    As Conjunturas da Construo de Braslia

    Sara Csar Brito .............................................................................................. 291

    Proibido Transgredir: A Relao do PCB com os Artistas e Intelctuais

    Comunistas (1945 1953)

    Tiago Joo Jos Alves ......................................................................................... 300

    LINHA II: CULTURA, REPRESENTAES E RELIGIOSIDADES

    Cemitrios Militares Brasileiros: O Embate Entre o Religioso e o Patritico

    Adriane Piovezan .............................................................................................. 309

  • Seduo e Rapto Consensual: Anlise Histrica A Partir de Autos Criminais

    (1940 1970)

    Clodoaldo Oliveira Silva .................................................................................... 318

    Entre Valores e Prticas: A Infncia e Adolescncia Pobres Assistidas na Cidade de

    Toledo/PR (1970 2000)

    Cristiano Nri .................................................................................................. 325

    Fome, Frio e Forca: Imaginrio e Representao em Oliver Twist de Charles Dickens

    Diogo Heber Albino de Almeida .......................................................................... 337

    Oliveira Vianna: Investigao Cientfica e Sntese dos Problemas Sociais no

    Brasil

    Felippe Estevam Jaques ...................................................................................... 349

    O Romantismo Ingls Como Fenmeno Histrico na Transio Entre os Sculos

    XVIII e XIX na Poesia de William Blake

    Flvia Maris Gil Duarte .................................................................................... 361

    Joaquim Inojosa e o Jornal Meio-Dia (1939 1942)

    Joo Arthur Ciciliato Franzolin .......................................................................... 373

    A Historicidade do Personagem Diogo da Rocha Figueira, o Bandido Dioguinho a

    Partir da Anlise de Produes Narrativas

    Jos Osvaldo Henrique Corra ............................................................................. 387

    A Busca pela Conscientizao Poltica das Mulheres por Meio das Imagens da

    Imprensa Comunista Brasileira (1945/1957)

    Juliana Dela Torres ............................................................................................ 399

    Letras dos Poetas Esquecidos: A Boemia Literria na Belle poque Paulistana

    Karen Cristina Leandro .................................................................................... 409

    Discurso e Poder em Foucault: Embates Discursivos entre a Santa S e Leonardo

    Boff

    Leonir Nardi ................................................................................................... 420

    O Debate Acerca do Nacionalismo Musical no Brasil: Mrio de Andrade e o Grupo

    Msica Viva (1920 1950)

    Lucas Dias Martinez Ambrogi .......................................................................... 433

  • Histria das Ideias em A rvore Mgica de Peter Sloterdijk

    Maria Siqueira Santos .................................................................................... 443

    Pensamento Jurdico Sobre as Greves no Brasil na Dcada de 1950

    Patrcia Graziela Gonalves .............................................................................. 454

    O Tempo na Espanha do Sculo XVII: Diego Velzquez e os Retratos de Felipe IV da

    Espanha

    Susana Aparecida da Silva .............................................................................. 466

    Estmago, O Filme Como Prato Principal para a Histria

    Uliana Kuczynski .......................................................................................... 476

    Sobre o Tempo: Uma Perspectiva a Partir da Histria Social

    Vincius Emanuel Rodrigues ............................................................................ 489

    LINHA III: HISTRIA E ENSINO

    A Imagem Como Pesquisa No Ambiente Escolar, Um Estudo do Brasil

    Oitocentista Pelas Obras de Jos Ferraz de Almeida

    Arnaldo Martin Szlachta Jnior ........................................................................ 513

    Representantes de Professores das Seres Iniciais do Ensino Fundamental Sobre a

    Escola de Tempo Integral na Cidade de Apucarana PR

    Carlos Rogrio Chaves ....................................................................................... 525

    Formar Para o Trabalho e Formar Para a Vida O Senai PR (1940 1960)

    Desir Luciane Dominschek ............................................................................... 536

    Consideraes Iniciais de Pesquisa: Estudo de Caso do Modelo de Escola em Tempo

    Integral no Municpio de Apucarana PR, 2001 2009

    Diego Favaro Soares ......................................................................................... 543

  • Ensino e Histria: O Uso das Fontes Histricas Como Ferramentas na Produo de

    Conhecimento Histrico

    rica da Silva Xavier ........................................................................................ 553

    A Representao Sobre os professores Paranaenses a Partir do Movimento Grevista

    de 1988

    Fabiane Luzia Menezes ..................................................................................... 563

    O Ensino e Aprendizagem de Histria Atravs da Mediao de Filmes em Sala de

    Aula

    Fernando Rossi ................................................................................................ 576

    Educao Profissional: Histria E Ensino de Histria

    Francinne Calegari de Souza ............................................................................ 585

    Ps-Abolio: Narrativas de Concluintes dos Cursos de Licenciatura em Histria

    do Norte do Paran

    Glucia Ruivo Murinelli ................................................................................... 597

    Os Cristos-Novos no Ensino de Histria: Escrita e Representaes nos Livros

    Didticos (1980 2007)

    Helena Ragusa .................................................................................................. 607

    Rastros do Efmero no Cotidiano da Sala de Aula: Pensando As Diversas Leituras

    do Livro Didtico de Histria

    Jferson Rodrigo da Silva .................................................................................. 621

    Construo do Conhecimento Histrico Escolar Atravs da Msica

    Julho Zamariam .............................................................................................. 633

    Gnero, Sexualidade e Ensino de Histria: A Construo de um Dilogo

    Luana Pagano Peres Molina ............................................................................. 642

    Os Jogos de Interpretao de Personagem. Suas Narrativas e Perspectivas no

    Ensino de Histria

    Ricardo Jferson da Silva Francisco ................................................................... 653

  • 10

    com prazer que fazemos chegar aos leitores os Anais do IV

    Seminrio de Pesquisa do Programa de Ps Graduao em Histria

    Social realizado entre os dias 27 e 29 de outubro de 2010, no Centro de

    Letras e Cincias Humanas da Universidade Estadual de Londrina

    (UEL).

    Este seminrio teve por objetivo principal promover, consolidar e

    fortalecer o Programa de Mestrado em Histria Social da UEL, atravs

    da disseminao e troca de reflexes em pesquisas acerca das

    recentes tendncias historiogrficas, tericas e metodolgicas no

    campo em constante construo da Histria Social.

    Tomando por base as trs linhas de pesquisas do Mestrado em

    Histria Social da UEL, a saber, Territrios do Poltico; Cultura,

    Representaes e Religiosidades; e Histria e Ensino, constaram da

    programao do evento mesas redondas compostas por professores

    convidados, por professores da casa e por alunos egressos do

    programa, alm de simpsios temticos. As mesas redondas

    privilegiaram os seguintes temas: Tendncias historiogrficas; Projetos

    de pesquisa desenvolvidos no PPGHS/UEL; Dissertaes defendidas

    no PPGHS/UEL; Abordagens de pesquisas desenvolvidas em

    Programas de Ps Graduao vizinhos.

    Nesta quarta verso do Seminrio, o estreitamento das relaes

    com outros Programas de Ps Graduao foi, alis, um dos objetivos

    centrais a serem contemplados. E, podemos, satisfatoriamente, dizer

    que alcanamos este objetivo, pois a participao de ps graduandos

    vindos de instituies tais como a Universidade Federal Fluminense, a

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Universidade Federal do

    Paran, a Universidade Estadual de Maring, a Universidade Estadual

    do Oeste do Paran, a Universidade Estadual do Centro-Oeste e a

    Universidade Estadual de So Paulo (Assis), contribuiu para trocas de

    experincias de pesquisas, para o intercmbio de informaes e para o

    afinamento de interesses e perspectivas de anlises.

    A

    P

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  • 11

    Por fim, gostaramos de deixar registrado que este evento no teria sido realizado

    sem a participao efetiva dos membros da Comisso Organizadora e da Comisso

    Cientfica; dos professores do programa, que contriburam de diferentes formas para sua

    realizao; do apoio institucional da Universidade Estadual de Londrina; do apoio

    financeiro e material concedidos pela Fundao Araucria e pela Caixa Econmica

    Federal respectivamente; bem como do apoio organizacional e veiculador do Instituto de

    Tecnologia Desenvolvimento Econmico Social (ITEDES) e da Associao Nacional de

    Histria (ANPUH) Seo Paran.

    Londrina PR, Janeiro de 2011.

    Silvia Cristina Martins de Souza Coordenadora do PPGHS/UEL

    Chefe da Comisso Organizadora do IV Seminrio de Pesquisa do PPGHS/UEL

  • LINHA I:

    TERRITRIOS DO POLTICO

  • 13

    JOS OITICICA: ITINERRIO DE UM MILITANTE ANARQUISTA. 1912-1919

    Aden Assuno Lamounier Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Histria Social

    da Universidade Estadual de Londrina [email protected]

    RESUMO: O presente artigo tem como principal objetivo analisar de forma sucinta o perfil da trajetria anarquista de Jos Oiticica. A opo pelo recorte temporal - de 1912 a 1919 deve-se ao fato de, em 1912, Oiticica ter declarado, no semanrio anticlerical A Lanterna, ser anarquista. 1919 o ano em que o personagem retornou Capital Federal aps deportao para o Estado de Alagoas, acusado de ser um dos mentores da greve de 1918, ocorrida no Rio de Janeiro, tida como insurrecional por parte da historiografia brasileira. O estudo ser desenvolvido a partir das premissas da anlise biogrfica, buscando, no apenas contar uma histria mida, mas, sobretudo, permitir uma compreenso ampla e plural da participao de Oiticica no movimento operrio carioca do incio do sc. XX. Para tanto, a abordagem biogrfica ter Jos Oiticica como fio condutor e, como pano de fundo, o movimento operrio carioca do incio do sc. XX at 1919. Desta forma, pretendo compreender algumas de suas relaes e escolhas, no campo do pblico e do privado, as quais seriam pouco perceptveis se o estudo fosse guiado pelas premissas de anlises macro-estruturais. Assim sendo, deixo-me guiar pelas multifacetadas escolhas do indivduo, procurando observar suas experincias, relaes sociais, interpretaes de mundo, as quais tm grande responsabilidade na composio do curso de sua vida.

    PALAVRAS-CHAVE: Jos Oiticica, Anarquismo, Movimento Operrio Brasileiro.

    Em maio de 1919, o jornal dirio A Rua, trazia a informao do retorno do anarquista Jos

    Oiticica cidade do Rio de Janeiro.

    Est no Rio de Janeiro o Dr. Jos Oiticica, veio no Itatinga. Um agente da Polcia Martima, vigiou-o em disfarce [...]. Foi como se tivesse rebentado uma bomba explosiva na lancha da Polcia Martima, quando hoje, ao fundear no porto o paquete Itatinga, da Costeira, sentado no convs, conversando com seu filho. Retido por algum tempo, foi autorizado seu desembarque, pelo Dr. Aurelino Leal.1

    Jos Oiticica voltava ento, junto com sua famlia, Capital Federal, aps ter sido preso e

    deportado para o Estado de Alagoas acusado de ser um dos responsveis por promover a greve

    geral do Rio de Janeiro, em novembro de 1918.

    Segundo boa parte dos estudiosos, Jos Rodrigues Leite e Oiticica foi um intelectual e

    anarquista doutrinrio brasileiro que participou ativamente das lutas operrias ocorridas no pas na

    Primeira Repblica, seguindo sua ideologia, realizou palestras e cursos de carter doutrinrio e

    educativo, escreveu artigos para jornais, elaborou peas de teatros e participou da organizao da

    insurreio anarquista do Rio de Janeiro. Defendeu o anarquismo at sua morte, mesmo depois

    que este ideal perdeu espao dentro do movimento operrio para uma corrente de vis comunista.

    1 RODRIGUES, Edgar. Os Libertrios. Rio de Janeiro: VRJ, 1993, p.37

  • 14

    Conforme ttulo deste artigo, analisarei Oiticica enfocando a sua militncia, vida deste

    perigoso subversivo, visando perceber os caminhos e possibilidades com os quais este homem

    teve contato durante sua trajetria. Assim procuro evitar uma biografia teleolgica; a narrao

    de histria de vida em que as atitudes e decises do biografado so coerentes, certas e lineares.

    O texto se desenvolver, quase sempre, seguindo uma ordem cronolgica, buscando assim,

    mostrar no uma idia de predestinao, mas sim, como afirma Benito Bisso Shmidt, a variedade

    de caminhos que ele (Oiticica) encontrou e a importncia das escolhas feitas.2

    Descendente de famlia alagoana, Jos Oiticica nasceu em Oliveira, Minas Gerais, em 22

    de julho de 1882, quarto filho de um total de sete do casal Francisco de Paula Leite e Oiticica e D.

    Ana A. Leite e Oiticica. Seu pai era advogado e, posteriormente, entre 1891 e 1893, foi deputado

    federal de Alagoas; tambm foi senador pelo mesmo estado no perodo de 1894 a 1900.

    Podemos presumir, a partir das atividades exercidas pelo pai, que Oiticica no passou por

    dificuldades financeiras em sua infncia, pelo contrrio, veio de uma famlia abastada e, desde

    cedo, tambm teve contat com o mundo da poltica. Sendo assim, vindo de uma famlia rica,

    Oiticica iniciou o seu aprendizado escolar logo cedo, aos 6 anos de idade, enviado para estudar

    em um internato do Colgio So Luis Gonzaga, em Petrpolis. Posteriormente, j no Seminrio

    Arquidiocesano So Jos, foi expulso, segundo Alexandre Samis, por se rebelar contra os

    castigos corporais aplicados pelo padre-mestre. Foi ento matriculado no Colgio Paula Freitas,

    concluindo os cursos preparatrios para o ensino superior aos 15 anos de idade.3

    A formao educacional de Oiticica nos mostra traos das caractersticas de sua vida

    familiar, pois logo cedo foi enviado para estudar em colgios religiosos tradicionais e

    possivelmente, por influncia deles, ingressou no ensino superior no curso de Direito. Iniciou sua

    graduao na Faculdade de Cincias Jurdicas do Recife concluindo-a na Faculdade de Cincias

    Jurdicas e Sociais do Rio de Janeiro. Matriculou-se ainda, na Faculdade de Medicina, mas no

    concluiu o curso.

    Aqui importante notarmos que Jos Oiticica poderia, como vrios jovens herdeiros da

    oligarquia da poca, ter dado continuidade carreira poltica do pai, uma tendncia naquela

    poca. Mas, mesmo se formando em Direito, decidiu-se pelo Magistrio, trabalhando como

    professor at ser aposentado. A possibilidade de um vasto conhecimento cientfico proporcionado

    pelos centros educacionais por onde ele passou, possivelmente, ajudaram-no a adquirir um

    importante manancial que seria empregado em sua formao ideolgica, tambm demonstrada na

    sua louvvel capacidade de escrita.

    No decorrer de toda a vida discente de Oiticica, na qual teve contado com disciplinas

    humanistas como Sociologia e Filosofia vo se delineando as suas concepes ideolgicas sobre

    2 SCHMIDT, Benito Bisso. O patriarca e o Tribuno: Caminhos, encruzilhadas e ponte de dois lderes

    socialistas- Francisco Xavier da Costa (187?-1934) e Carlos Cavaco (1878-1961), Tese de Doutorado em Histria. UNICAMP,2002, p.22 3 SAMIS, Alexandre. Presenas Indmitas: Jos Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge e

    REIS, Daniel Aro. As Formaes das Tradies 1889-1945.Rio de Janeiro, Civilizao brasileira,2007, 92

  • 15

    a sociedade, inicialmente, com uma colorao patritica, em defesa do povo brasileiro, j muito

    presente em alguns de seus escritos4.

    Na profisso do Magistrio, talvez motivado por um saudosismo da poca em que era

    aluno, Jos Oiticica, procurou a direo do Colgio Paula Freitas para assumir aulas de Histria

    que estavam vagas. E foi neste Colgio que ele iniciou sua carreira de docente. Por ser um

    colgio particular, podemos pensar que pode ter sido favorecido, na obteno deste cargo, o fator

    de l ter estudado e se formado com mritos, ou tambm ter utilizado de influncia familiar.

    Em 1905 casou-se com sua prima Francisca Bulhes com quem teve seis filhos, um

    homem e cinco mulheres, e fundou em 1906, junto com sua esposa, e com a ajuda financeira de

    seus pais, o Colgio Latino-Americano no qual buscou aplicar suas perspectivas filosficas, que,

    segundo Samis, ainda trazia traos da ideologia republicana5

    Preocupado com a questo social nacional, Oiticica acreditava que os problemas

    advinham dos sistemas normativos das instituies educacionais, que acabavam por limitar a

    capacidade competitiva e a capacitao tcnica do povo brasileiro, os quais seriam o caminho

    para emancipao da nao.

    Oiticica tambm flertava com os ideais liberais republicanos. Acreditava, no entanto, que a

    emancipao do homem poderia vir de sua instruo escolar, impedindo assim que as classes

    sociais mais baixas vivessem sempre subordinadas aos interesses das classes mandantes. As

    disciplinas escolares deveriam aguar a criatividade dos homens para que assim pudessem

    realizar suas tarefas na sociedade industrial e atividades comerciais de forma a viabilizar a sua

    ascenso neste meio.

    Esta concepo da funo educacional aplicada ao Colgio Latino-Americano6, a qual no

    buscava satisfazer somente as aspiraes da burguesia, pode ter resultado em um baixo

    interesse por parte das famlias que poderiam pagar mensalidades. Aliado ao desinteresse da

    populao em geral, quanto necessidade de ensino escolar7, o fornecimento de vagas gratuitas

    na instituio para crianas carentes pode ter constitudo um dos motivos que determinou seu

    fechamento aps dois anos de dificuldades financeiras.

    Aps a sua malograda experincia como dono de colgio, Oiticica seguiu para Laguna,

    Santa Catarina. No consegui encontrar fontes que esclarecessem o porqu dele ter se mudado

    para o Sul do pas, algumas hipteses aqui podem ser levantadas como, um convite de trabalho

    ou por ter parentes que l residiam. Morando em Laguna, atuou durante dois anos como diretor do

    Colgio Municipal daquela cidade.

    4 SAMIS, Alexandre. Presenas Indmitas: Jos Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge e

    REIS, Daniel Aro. As Formaes das Tradies 1889-1945.Rio de Janeiro, Civilizao brasileira,2007, p.93 5 SAMIS, Alexandre. Presenas Indmitas: Jos Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge e

    REIS, Daniel Aro. As Formaes das Tradies 1889-1945.Rio de Janeiro, Civilizao brasileira,2007, p.93. 6 OITICICA, Jos. Estatutos do Colgio Latino Americano. Rio de Janeiro, Thipographia da Gazeta de

    Notcias, 1905. 7 Ver, RAMOS, Graciliano. Infncia. So Paulo, Livraria Martins, 6 Ed. 1967. P.107

  • 16

    Em 1909, voltou ao Rio de Janeiro e tentou, por diversas vezes ser aprovado em

    concursos para empregos do Estado embora, conseguindo sempre timos resultados8 no

    obteve nenhum destes cargos.

    Possivelmente, fundamentado em suas frustraes pessoais em relao a esse Estado

    Oligrquico, que no empregava pelo mrito e sim pelo clientelismo, nos anos seguintes, segundo

    Samis, Oiticica ampliar suas crticas ao Estado, deixando de lado suas idias patriticas iniciais.

    Ele usar de sua cultura geral alicerada na atuao como professor de histria9 para aumentar

    suas observaes sobre a sociedade para alm do territrio nacional.

    O contato com o anarquismo aconteceu em uma conversa com seu primo Ildefonso

    Falco, sobre a poltica nacional quando Oiticica, expondo suas idias, ouve de seu primo que

    eram teorias anarquistas10. Devido ao fato de Oiticica ter relutado contra esta idia, pois, pensava

    que anarquismo era uma espcie de seita que pretendesse reformar o mundo mediante a sua

    destruio, Ildefonso, para provar sua afirmao, lhe apresentou alguns jornais anarquistas de

    outros pases para que Oiticica pudesse entender melhor o que defendia esta ideologia11.

    Segundo Edgar Rodrigues, aps este contato, as idias anarquistas passaram a compor

    as produes, artigos, poemas, textos teatrais, de Oiticica. Em tudo, podia-se notar suas novas

    teorias que traziam agora uma carga anrquica. Quanto mais se envolvia com o anarquismo

    mais tentava propag-lo subordinando todos os assuntos abordados aos princpios e mtodos

    anarquistas12.

    Sheldon Leslie Maran escreve que [...], da por diante, dedicou causa suas habilidades

    de orador pblico, polemista, poeta, teatrlogo e fillogo13. At mesmo em suas aulas de

    Portugus ministradas no Colgio Pedro II, Jos Oiticica, buscava ensinar a doutrina anarquista

    usando biografias de personagens da idade antiga ou analisando a estrutura dramtica de

    comdias enquanto gnero, tentando sempre transformar as anlises feitas em suas aulas em

    momentos de propaganda da ao libertria.

    8 RODRIGUES, Edgar. Os Libertrios. Rio de Janeiro, VRJ, 1993,p.33.

    9 SAMIS, Alexandre. Presenas Indmitas: Jos Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge e

    REIS, Daniel Aro. As Formaes das Tradies 1889-1945.Rio de Janeiro, Civilizao brasileira,2007, p.94. 10

    Segundo George Woodcock em seu livro Histria das Idias e Movimentos Anarquistas, o anarquismo uma doutrina uma critica sociedade vigente; uma viso da sociedade ideal do futuro e os meios de passar de uma para outra (WOODCOCK,2002,p.07). Sendo assim, o anarquista [...] procura romper com tudo, voltar s razes e basear qualquer tipo de organizao que se torne necessria para usar uma das frases favoritas dos anarquistas na questo da produo. A dissoluo da autoridade e do Estado, a descentralizao da responsabilidade, a substituio dos governos e de outras organizaes monolticas semelhantes por um federalismo que permitir que a soberania retorne s unidades essenciais bsicas da sociedade.(WOODCOCK,2002,p.29) 11

    SAMIS, Alexandre. Presenas Indmitas: Jos Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge e REIS, Daniel Aro. As Formaes das Tradies 1889-1945.Rio de Janeiro, Civilizao brasileira,2007. P.98 12

    RODRIGUES, Edgar. Os Libertrios. Rio de Janeiro, VRJ, 1993. P.33 13

    MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operrio brasileiro: 1890-1920. Trad: Jos Eduardo Ribeiro Moretzsohn, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979,p.87

  • 17

    Aps iniciar seus estudos sobre as teorias anarquistas Jos Oiticica se declara militante da

    causa em 1912 em artigo publicado no semanrio anticlerical A Lanterna14, o qual foi intitulado de

    Francisco Ferrer e a Humanidade nova15 Sobre esta primeira publicao de afirmao anrquica

    de Oiticica, Jos Romero escreveu, em 1957,

    Em 1912 tivemos a satisfao de ler o primeiro artigo de Oiticica de afirmao anrquica. [...].Nele ressaltava a obra do mrtir de Montjuich e previa o triunfo do racionalismo libertrio. Esse trabalho foi publicado no nmero especial de A Lanterna, de S. Paulo, do dia 13-10-1912, em recordao do 3 aniversrio do fuzilamento de Francisco Ferrer.16

    Este artigo de Romero foi publicado pelo mensrio anarquista Ao Direta, o qual Oiticica

    havia sido diretor fundador. De carter homenagtico, por ocasio da morte de Jos Oiticica, em

    30 de junho daquele ano, recordava algumas passagens do grande companheiro Jos Oiticica

    no meio anarquista nacional.

    Importante notarmos que o primeiro artigo de Oiticica publicado em uma revista de cunho

    militante operrio voltado questo da educao. Portanto, ele demonstra a sua preocupao

    em instruir o trabalhador para que assim pudesse lutar por seus direitos e, tambm, contra o

    malfico sistema capitalista. Idia esta, que era comum s ideologias que respaldavam a

    ascenso proletria em detrimento da sociedade capitalista. Deixando o professor falar mais alto

    Oiticica afirmava que a educao era um dos caminhos determinantes para que as idias

    libertrias triunfassem, mas que esta instruo no deveria seguir os moldes do sistema

    educacional estatal, representante da classe burguesa, e sim, deveria seguir os preceitos da

    Escola Moderna, fundada por Francisco Ferrer.17

    Possivelmente, foi nesta poca que Jos Oiticica comeou a se corresponder com Edgard

    Leuenroth, este, era o ento Diretor de A Lanterna. Leuenroth aderiu ao movimento anarquista em

    1904, depois de conhecer o poeta Ricardo Gonalves. Assim como Oiticica, ele tambm

    considerado um dos grandes militantes da causa anarquista no Brasil, atuou com mais frequncia

    na capital paulista, mas isso no quer dizer que sua militncia se restringiu a So Paulo.

    Segundo Silvia Regina Ferraz Petersen, existem vrios indcios de que o movimento

    operrio, literalmente, cruzava fronteiras estaduais18. Os congressos, os movimentos de

    solidariedade, as denncias quanto explorao existentes em cada estado tornavam-se

    14

    Sobre o semanrio A Lanterna ver: DULLES, John W. Foster. Anarquistas e Comunistas no Brasil:1900-1933. Trad. Csar Parreiras, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977,p.25 15

    Sobre Francisco Ferrer e a Escola Moderna ver: SAFN, Ramn. O racionalismo combatente de Francisco Ferrer Y Guardia. Imaginrio. So Paulo. 2003 16

    ROMERO, Jos, Jos Oiticica: recordando alguma coisa de sua trajetria no movimento libertrio, Ao Direta. Ano 11, n120, ago-set. 1957 17

    . Segundo Ramn Safn,[...]. A escola moderna mista e aberta a todos os meios (conquanto paga, o preo da penso varia em funo da renda dos pais); ela laica e bane todo ensino religioso. Enfim, tambm racional e cientfica. SAFN, Ramn. O racionalismo combatente de Francisco Ferrer Y Guardia. Imaginrio. So Paulo. 2003.p.53 18

    PETERSEN, Silvia Regina Ferraz, Cruzando Fronteiras: As Pesquisas Regionais e a Histria Operria Brasileira. Porto Alegre, Anos 90, N.3, junho 1995 p. 135

  • 18

    reivindicaes comuns quando estes militantes se encontravam em eventos promovidos em prol

    da causa operria. A circulao de jornais pelos estados e, tambm, dos militantes motivados por

    perseguies ou no, foram, igualmente, fatores que possibilitaram o cruzamento de idias entre

    os personagens da histria operria nacional. Juntamente com Leuenroth, Jos Oiticica ajuda a

    sustentar, no Brasil, pequenos grupos anarquistas ps-Grande Guerra 19. Em 1912, Oiticica aderiu

    Liga Anticlerical20 do Rio de Janeiro da qual participaria, provavelmente, at o ano de 1937.

    Neste mesmo perodo, o movimento anarquista e anticlerical intensificou sua propaganda.

    Segundo Rodrigues, O ano de 1912 nasce com o despontar de novos baluartes da propaganda

    operria, veculos de divulgao de suas idias e de doutrinas cratas21. O movimento, agora

    revigorado e com grande disseminao das teorias anarquistas, tinha como veculo divulgador de

    idias um mensrio anticlerical. Esclareo, ainda, que A Lanterna no era o nico jornal que

    combatia o capital, mas ele tinha importncia inquestionvel na luta operria, o que pode ter

    levado Oiticica a aproximar da Liga, antes mesmo de manter contato mais estreito com o

    movimento operrio.

    A partir de ento, Oiticica passou a se relacionar com militantes que participavam da luta

    operria e, possivelmente, isto foi o que o levou a procurar conhecer a Federao Operria do Rio

    de Janeiro22 em 1913 - o seu primeiro contato mais direto com a causa operria.Podemos notar

    ento, que histria de militncia de Jos Oiticica no movimento operrio brasileiro nasceu junto

    com o seu revigoramento. Atuando de vrias formas, como mencionado anteriormente, Oiticica

    procurou, defender seus ideais e informar seus conhecimentos aos operrios relacionando-os com

    a questo social. Buscou ensin-los por meio de palestras e conferncias, sobre o idioma,

    cincias, higiene, entre vrios outros estudos. Procurou aprimorar a cultura do trabalhador para

    que assim pudesse melhor se organizar e lutar contra os malefcios causados pela sociedade

    capitalista.

    Esta concepo iluminista do poder a partir do saber, segundo Francisco Foot

    Hardman23, teve grande influncia nas correntes ideolgicas do movimento operrio. Alm da

    idia de que a emancipao do operrio viria, tambm, a partir da educao, a instruo da

    classe trabalhadora era necessria para a compreenso das ideologias discutidas em congressos,

    palestras e jornais. Sendo assim, os sucessos das propagandas militantes operrias dependiam

    da extino do analfabetismo. Isabel Bilho, ao abordar o tema afirma que,

    19

    MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operrio brasileiro: 1890-1920. Trad: Jos Eduardo Ribeiro Moretzsohn, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979,p.86. 20

    Sobre Anticlericalismo ver: VALLADARES, Eduardo. Anarquismo e Anticlericalismo. So Paulo, Imaginrio, 2000, p.10 21

    RODRIGUES, Edgar. Socialismo e Sindicalismo no Brasil: 1675-1913. Rio de Janeiro, Laemmert, 1969, p.308 22

    Sobre a forma de organizao operria em Federaes ver: Documentos do Movimento Operrio: resolues do Primeiro Congresso Operrio Brasileiro, In: Estudos Sociais, n 16, marc.1963, p. 387-398. 23

    HARDMAN, Francisco Foot. Nem Ptria, Nem Patro: Memria Operria, Cultura e Literatura no Brasil. 3 Ed, So Paulo, UNESP, 2002. P.78

  • 19

    [...] a defesa da instruo para os operrios, tema que, como seu correlato incentivo leitura, comparecia reiteradamente na imprensa operria da poca, sendo considerada pelas lideranas como condio primordial difuso dos nobres ideais e ao alevantamento moral do operariado.24

    Oiticica, acrescentou estas concepes ao que j pensava ser a funo do ensino logo,

    em 1913, j se pode encontrar seu nome ligado conferncias e palestras operrias. Neste

    mesmo ano, ele participou de uma festa promovida pelo Grupo Dramtico Anticlerical, no salo do

    Centro Galego do Rio de Janeiro25. Este era um grupo teatral que buscava propagar os ideais da

    emancipao humana, era comum a poca a existncia grupos teatrais voltados causa social.

    Possivelmente, esta parceria com o grupo teatral possibilitou a Oiticica conhecer Orlando

    Corra Lopes, este, era um dos principais conferencistas das festas organizadas pelo Grupo26. Na

    definio de Joo Batista Maral, Orlando foi, engenheiro, jornalista, escritor e revolucionrio.

    Militante e terico anarquista. Natural de Itaqui, Rio Grande do Sul. Gacho inteligente e culto de

    temperamento vibrtil e impetuoso.27 Aqui, percebemos novamente o cruzamento de

    fronteiras, j tratado antes, dentro do movimento operrio e que rendeu vrios frutos no mbito da

    luta operria. Em 1914, esta dupla fundou a revista anarquista A Vida que circularia de novembro

    de 1914 at o ano seguinte. Juntamente com estes militantes, participaram da composio da

    revista, Francisco Viotti, ento estudante de Medicina, Fbio Luz, mdico e higienista, que se

    tornou anarquista j no inicio do sc. XX aps a leitura da obra de Kropotkin28.

    Todos estes, eram frequentadores assduos do Centro de Estudos Sociais, fundado no Rio

    de Janeiro em 12 de abril de 1913, onde se revelavam as grandes disputas ideolgicas que

    coexistiam dentro do movimento operrio brasileiro. Sendo assim, representantes destas

    correntes buscavam angariar mais adeptos para terem uma maior representatividade dentro dos

    sindicatos. Toda esta disputa ocorria nas agitadas reunies noturnas de sexta-feira, em que se

    realizavam palestras e conferncias que acabavam por se tornar grandes debates entre as

    diferentes correntes ideolgicas.

    A participao de Oiticica no movimento operrio e suas contribuies ao anarquismo

    nacional, surgiram na medida em que ele conheceu e manteve relaes com alguns militantes da

    causa. O movimento, alm de ser um canal de luta para Oiticica, acabou tornando-se tambm um

    local produtivo para a sua vida anarquista, passando a conhecer novos militantes, desenvolveu

    as produes hoje conhecidas.

    24

    BILHO, Isabel. Identidade e Trabalho: Uma Histria do Operariado Porto Alegrense (1898-1920). Londrina, EDUEL, 2008. p. 74 25

    Local onde se realizou vrios eventos anarquistas e sindicalistas. O primeiro congresso operrio de 1906 e algumas palestra do segundo congresso operrio de 1913 foram realizadas neste centro. Vrias festas e festivais libertrios foram tambm ali realizadas. 26

    REVERBEL, Carlos, APUD, MARAL, Joo Batista. Os Anarquistas no Rio Grande do Sul: anotaes biogrficas, textos e fotos de velhos militantes da classe operria gacha. Porto Alegre, EU/Porto Alegre,1995, p.102 27

    MARAL, Joo Batista. Os Anarquistas no Rio Grande do Sul: anotaes biogrficas, textos e fotos de velhos militantes da classe operria gacha. Porto Alegre, EU/Porto Alegre,1995, p.102 28

    Terico anarquista russo

  • 20

    Ainda em 1914, Oiticica comeou a lecionar na Escola Dramtica do Rio de Janeiro.29 De

    1909 at 1914, no encontrei fontes que revelassem algum vnculo empregatcio, possivelmente,

    ele tenha ministrado aulas particulares, trabalhado na rede privada de ensino ou tambm

    recorrido aos recursos financeiros cedidos por sua famlia.

    O ano de 1915 os ecos da Grande Guerra na Europa que se iniciara em agosto de 1914

    tambm repercutiram no Brasil onde o proletariado j sofria com a carestia e desemprego antes

    mesmo da deflagrao blica. A continuao do conflito aumentou a demanda por matria-prima

    e gneros alimentcios que agravou a a carestia tornou a sua sobrevivncia ainda pior.

    Movido por esta, entre outras questes, o proletariado se movimentou contra conflito e o

    aumento exagerado do custo de vida. A guerra tornou-se um novo inimigo dos militantes que

    buscavam demonstrar que a guerra era resultado da corrida capitalista que os pases europeus

    promoviam. E que nesta corrida, quem pagava o saldo era o operariado e as classes menos

    favorecidas da sociedade. Jos Oiticica, na divulgao do anarquismo contra a Guerra realizou

    uma conferncia em prol da Revista A Vida, no dia 4 de abril de 1915, na qual discutiu as atitudes

    que os anarquistas deveriam tomar na luta contra a guerra europia. Esta conferncia teve como

    ttulo: Anarquismo e a guerra europia.30

    Ainda em 1915, animados com o Congresso Internacional da Paz, organizado pelos

    grupos militantes esquerdistas no Rio de Janeiro, Oiticica e seus companheiros tambm

    buscaram organizar um congresso especifico de idias anarquistas, denominado Congresso

    Anarquista Sul-Americano. O Texto abaixo foi redigido pela comisso organizadora do evento, da

    qual possivelmente Oiticica fazia parte, e pode demonstrar a justificativa pelos anarquistas para a

    realizao do Congresso naquela conjuntura.

    Conquanto atravessemos de infrene reao, em que as tendncias autoritrias esto no apogeu de sua grandeza, , sem dvida alguma, at certo ponto muito importante a reunio do elemento revolucionrio da Amrica do Sul, afim de resolver qualquer ao com o momentoso transe. A revoluo a que aspiram, pela qual trabalham os anarquistas e da qual esto segurssimos, no trar, como se pensa, apenas transformao de individualidades, isto , derrubada de uns e consequentemente subida de outros.[...]. E o congresso, reunindo-se justamente no momento em que esto em jogo as diversas correntes idealistas e sociais, muito poder fazer para o advento da nova era.31

    Neste Congresso, Jos Oiticica tomou parte ativa nos debates sobre tticas, meio de

    propaganda e tica da doutrina. Mais tarde, certos pontos tratados por ele neste evento viriam a

    fazer parte de sua obra A doutrina anarquista ao alcance de todos lanado em 1945.32

    29

    OMENA, Maria Aparecida Munhoz de, Anarquia no sonetos de Jos Oiticica?. Disponvel em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_teses/LinguaPortuguesa/artigos/artigo_anarquia.pdf em: 19 jul. de 2010 30

    A Vida, Ano 1, n5, mar 1915 31

    Congresso Anarquista Sul-Americano. Na Barricada, Ano 1, n19, out. 1915 32

    RODRIGUES, Edgar. Os Libertrios. Rio de Janeiro, VRJ, 1993.p.37

  • 21

    Aps fazer parte e frequentar as manifestaes e reivindicaes de carter reformista,

    participando, organizando e contribuindo para a efetuao de debates, palestras, conferncias,

    congressos e jornais, ainda no mesmo ano da realizao destes Congressos Jos Oiticica se

    filiaria a um sindicato. Possivelmente, almejava, com esta filiao, conseguir uma maior

    representatividade nos congressos promovidos pela Confederao Operria Brasileira (COB)33.

    Em 1916 se arriscou novamente nos concursos estaduais, desta vez a vaga pretendida

    era da ctedra de professor de Portugus do Colgio Pedro II. Como j foi dito, nos concursos

    anteriores Jos Oiticica havia sido preterido mesmo alcanando as maiores notas. Nestes, no

    seria diferente. Alm do fato de defender uma tese em que demonstrava os erros contidos nos

    livros de alguns dos examinadores ainda trazia consigo suas tendncias anarquistas. Aps cinco

    tentativas, Oiticica, possivelmente usando de privilgios adquiridos por contatos com os

    intelectuais da capital federal, convidou para assistir as provas Carlos Maximiliano, a quem

    estavam, naquela poca, afetas as questes do ensino34.

    Sobre a defesa de Oiticica na banca examinadora, relata Rodrigues, foi uma batalha

    memorvel entre o saber e a mediocridade. Esta perspectiva, certamente reflete a forte

    admirao pelo personagem. Seguindo, comenta que aps sua apresentao, alcanando o

    mesmo nvel dos concursos anteriores, seus examinadores se sentiram tentados a reprov-lo,

    alm de se sentirem desrespeitados, eram contra sua postura poltica, anarquista e anticlerical.

    O diretor do colgio, Carlos Laet, um dos mais criticados entre os examinadores35, teve

    papel fundamental na aprovao do candidato. Aps argumentar a favor da capacidade intelectual

    de Oiticica, afirmou que ele no poderia ser reprovado devido a suas divergncias entre seus

    pontos vista de com os da banca examinadora. Alm disso, o anarquismo e o atesmo do

    candidato no poderiam influenciar de forma alguma o resultado, pois no tinham nenhuma

    relao com a avaliao proposta pela banca. Finalmente, Oiticica foi aprovado por unanimidade

    e nomeado para o cargo que exerceu durante 35 anos, at 1952 quando, aos 70 anos, foi

    compulsoriamente aposentado.

    O ano de 1917 marca o incio do perodo em que o movimento sindical entrou em sua

    maior atividade na Primeira Repblica, devido ao contexto da poca, no qual o mundo sofria, e em

    especial as classes menos favorecidas, com os dficits econmicos e sociais decorrentes da

    Guerra. A expectativa do sucesso da Revoluo Sovitica trazia um grande manancial para ser

    discutido e debatido nos meios operrios, incentivando assim, os trabalhadores s greves.

    Segundo Tiago Bernardo de Oliveira, este

    o momento em que a tenso capital/trabalho atinge seu clmax durante a Primeira Repblica. A represso armada por si s no conseguiu cont-la. A

    33

    Sobre a COB ver: Edilene Toledo, em: Anaquismo e sindicalismo revolucionrio: Trabalhadores e militantes em So Paulo na primeira republica. So Paulo, Fund. Perseu Abramo,2004 34

    Tefilo de Andrade. Oiticica e os Aglossi. O Jornal (RJ), 2-3 nov. 1957 35

    SAMIS, Alexandre. Presenas Indmitas: Jos Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge e REIS, Daniel Aro. As Formaes das Tradies 1889-1945.Rio de Janeiro, Civilizao brasileira,2007

  • 22

    classe dominante e o Estado, a duras penas, tiveram que reconhecer a fora dos operrios grevistas e viam-se obrigados a negociar36.

    Fatos comuns e isolados incentivavam os operrios greve geral. No Rio de Janeiro,

    desde o incio de 1917, os militantes da FORJ, organizaram um Comit Central de Agitao e

    Propaganda contra a Carestia e o Aumento dos Impostos. Nele visaram politizar a questo do

    custo de vida, realizando vrios comcios em que buscavam revelar e informar aos trabalhadores

    quem eram os culpados pela exorbitante explorao. Em um destes comcios, Oiticica tratou do

    tema afirmando que,

    A carestia resultante, em ltima instncia, da prpria estrutura social brasileira, ou seja, da explorao capitalista e da dominao burguesa. Enquanto os aambarcadores estocam gneros de primeira necessidade nos armazns, enquanto os burgueses em geral vivem com luxo e conforto e o Estado _ representante da burguesia_ permanece indiferente, a classe trabalhadora e a populao pobre em geral vivem na penria.37

    neste contexto que ocorreu a greve de 1918, denominada por parte da historiografia,

    como a Insurreio Anarquista de 191838, a qual Jos Oiticica foi um dos principais mentores do

    ataque frustrado ao palcio do governo no Rio de Janeiro, ento capital federal. .

    Esta fracassada tentativa de deflagrao de uma greve geral na cidade seguida do intento

    de derrubar o Governo custou-lhe a priso e a deportao com toda a famlia para Alagoas em 10

    de dezembro. No entanto, na primeira metade de 1919, Oiticica j tinha retornado ao Rio de

    Janeiro. Em escritos posteriores, Oiticica atribuiu um alto significado a este movimento, afirmando

    que foi um movimento mpar e um dos mais importantes e repercursores marcos na histria do

    movimento operrio.39

    Finalizando, Oiticica defendeu o anarquismo at a morte, mesmo depois do ideal perder

    espao no movimento operrio para a corrente comunista. Ele tambm reconhecido pela sua

    erudio alm de dominar vrios idfomas (latim e grego clssicos, francs, ingls, alemo,

    espanhol, italiano, russo e esperanto). Foi considerado por intelectuais como Cndido Juc Filho,

    um dos maiores linguistas, fonetistas e fillogos do Brasil s segundo Samis, apaixonado pelas

    36

    OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. Mobilizao Operria na Repblica Excludente: Um estudo comprativa da relao entre o Estado e o Movimento Operrio nos casos de So Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul nas duas primeiras dcadas do sculo XX. Dissertao de Mestrado, UFRGS, 2003, p.150 37

    NEVES, Roberto das (org) Ao Direta. Rio de Janeiro, Germinal,1972,p 138 38

    Sobre a Greve de 1918 no Rio de Janeiro ver: DULLES, John W. Foster. Anarquistas e Comunistas no Brasil:1900-1933. Trad. Csar Parreiras, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977, p.66-71, e tambm, ADDOR, Carlos Augusto. A insurreio anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Achiam,2 Ed. 2002,p.101-131. 39

    OITICICA, Jos, Ao Anrquica: recordaes, Ao Direta. Ano 1, n15, jul. 1946, p.03

  • 23

    letras e movido pela sua ideologia, alcanou renome internacional e foi mesmo, para alguns

    governos, um perigoso subversivo.40

    40

    SAMIS, Alexandre. Presenas Indmitas: Jos Oiticica e Domingos Passos. In: FERREIRA, Jorge e REIS, Daniel Aro. As Formaes das Tradies 1889-1945.Rio de Janeiro, Civilizao brasileira,2007, p.92.

  • 24

    BIBLIOGRAFIA

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  • 25

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  • 26

    A PARTICIPAO E A ORGANIZAO POLTICA DAS MULHERES: UM ESTUDO BIBLIOGRFICO

    Alexandra Pingret Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Histria Social

    da Universidade Estadual de Londrina [email protected]

    RESUMO: Esse texto resulta do estudo bibliogrfico que visa compreender a participao e a organizao poltica das mulheres brasileiras, do final do sculo XIX ao incio do sculo XXI, a partir de trs livros: A mulher brasileira e suas lutas sociais e polticas: 1850-1937, de June Edith Hahner, 1981; A resistncia da mulher ditadura militar no Brasil de Ana Maria Colling, 1997 e Uma histria do feminismo no Brasil, de Cli Regina Jardim Pinto, 2003. Os estudos dessas trs obras foram acompanhados de algumas reflexes acerca das vrias formas encontradas por elas para reivindicar seus direitos sociais, jurdicos e polticos, bem como as classes sociais envolvidas nas manifestaes feministas de cada perodo.

    PALAVRAS-CHAVES: mulheres; participao poltica; feminismo.

    Esse estudo bibliogrfico foi feito a partir de trs obras que contribuem significativamente

    para a historiografia, no campo dos estudos de gnero1: A mulher brasileira e suas lutas sociais e

    polticas: 1850-1937, de June Edith Hahner, 1981; A resistncia da mulher ditadura militar no

    Brasil de Ana Maria Colling, 1997 e Uma histria do feminismo no Brasil, de Cli Regina Jardim

    Pinto, 2003, com uma reimpresso em 2007.

    A produo acadmica em relao aos estudos das mulheres se expandiu

    consideravelmente na dcada de 1980, essa produo ainda era pautada pelas biografias. O livro

    de Hahner, fora dessa tendncia, prope uma discusso para alm das biografias, referindo-se s

    atividades exercidas pelas mulheres e suas formas de organizao, a partir das experincias

    vividas, percepes e problemas em comum; e, o mais importante, pela perspectiva feminina. Na

    dcada de 1990, no Brasil, as preocupaes se voltaram para os estudos das relaes de gnero,

    e Colling tratou, nessa perspectiva, de um assunto recente a ditadura cvico-militar2. O livro de

    Pinto buscou dar relevo s tendncias que melhor sintetizam o feminismo do final do sculo XIX

    virada do milnio, priorizando o sculo XX.

    1 que incorporam a partir da dcada de 1990, no Brasil, as discusses acerca da Histria das Mulheres e do

    Feminismo, numa perspectiva relacional, representando o aspecto social das relaes entre os sexos. 2 Visto que segmentos civis apoiaram e colaboraram com o golpe ocupando inclusive funes importantes e

    at estratgicas nesse perodo da ditadura. P. 23.

  • 27

    A contribuio dessas autoras aos estudos de gnero pode ser observada em artigos3 e

    livros4 nos quais constam citaes sobre os seus estudos tornados referncia contempornea a

    partir de suas temticas, abordagens e fontes. Nesse sentido indispensvel conhec-las para

    desenvolver o estudo nesse campo. Nessa introduo sero apresentadas as autoras, suas

    fontes, temticas e problemas de pesquisa. Bem como se pretende delinear o percurso da anlise

    realizada.

    June Edith Hahner historiadora, doutora pela Universidade Estadual de Nova York, em

    Albany. Pesquisadora estadunidense e brasilianista pesquisou um rico e inexplorado conjunto de

    documentos sobre as mulheres do sculo XIX, acervo da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. E,

    a partir desse material, desenvolveu sua pesquisa sobre as lutas sociais e polticas das mulheres

    no Brasil do sculo XIX que resultou no livro A mulher brasileira e suas lutas sociais e polticas:

    1850-1937, Alm da Biblioteca Nacional, ela tambm pesquisou no Arquivo Nacional,

    especialmente no arquivo da Federao Brasileira do Progresso Feminino e no Arquivo do Estado

    de So Paulo, dentre outros. Esse estudo se realizou ao longo de uma dcada e suas

    preocupaes eram: quais inquietaes levaram as mulheres a participar da poltica e a

    organizarem-se? E ainda, as atividades polticas de algumas mulheres influenciam os papis,

    socialmente construdos, de todas as mulheres?

    Ana Maria Colling historiadora, doutora em Histria pela Pontifcia Universidade Catlica

    do Rio Grande do Sul PUC-RS; o trabalho aqui apresentado o resultado da pesquisa de

    mestrado Choram Marias e Clarices uma questo de gnero no regime cvico-militar brasileiro,

    concluda em 1994 e cuja orientadora foi Celi Regina Jardim Pinto, que ser mencionada adiante.

    Colling tratou da construo do sujeito mulher subversiva durante o regime militar brasileiro,

    buscando compreender a construo do discurso da represso sobre a mulher militante. As fontes

    utilizadas foram: os documentos do DOPS (Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social)

    encontrados no Arquivo Pblico Estadual RS e nove entrevistas com pessoas que foram presas

    pela polcia da represso, seis mulheres e trs homens. O recorte temporal estabelecido foi de

    1964 a 1979, quando se promulgou a Lei de Anistia. Dentre os vrios problemas de pesquisa, a

    autora destaca algumas questes: como a represso constri o sujeito mulher subversiva, por

    meio de seus discursos? O discurso da represso em relao mulher subversiva dirigido

    somente para ela ou atinge as demais camadas sociais? E, a questo de gnero5, perpassa a

    represso?

    3 Como, por exemplo, os estudos realizados no doutorado em Sociologia, na Universidade de So Paulo

    USP - por Yumi SANTOS , bem como os estudos de Cynthia Andersen SARTI; cujas referncias encontram-se na bibliografia. 4 Como, por exemplo, o livro de Ivana Guilherme Simili, da Universidade Estadual de Maring UEM; cuja

    referncia encontra-se na bibliografia.

    5 Colling destaca que para tratar de mulheres, as relaes de gnero so as que explicam com mais

    clareza, tendo em vista o aspecto relacional entre mulheres e homens. P.15.

  • 28

    Celi Regina Jardim Pinto historiadora e doutora em Cincia Poltica, pela universidade de

    Essex, na Inglaterra. Atualmente professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seu

    livro faz parte da coleo Histria do Povo Brasileiro, da Editora Fundao Perseu Abramo. A

    temtica abordada o feminismo brasileiro expresso por tendncias. A pesquisa foi bibliogrfica,

    contendo algumas imagens (fotografias), cujos crditos so do Acervo Iconographia do Centro

    Srgio Buarque de Holanda, e do livro Mulher Brasileira: anos 20, de Rosanita Monteiro de

    Campos (So Paulo, Copyjet Indstria grfica, 1988), entre outros. Sua principal preocupao foi

    estudar o feminismo brasileiro com suas particularidades e apontar os momentos fundamentais ou

    tendncias, desse feminismo, num espao de tempo que vai do final do sculo XIX ao final do

    sculo XX.

    Os estudos dessas trs obras sero acompanhados de algumas reflexes acerca das

    classes sociais envolvidas na participao e organizao das mulheres, dando nfase s vrias

    formas que elas encontraram, em cada perodo, para manifestar as suas reivindicaes. Busca-se

    escrever de maneira cronolgica, primeiramente sobre a obra de Hahner, que fez um estudo mais

    detalhado sobre a participao e organizao das mulheres do sculo XIX e incio do sculo XX,

    na seqncia estuda-se o livro de Pinto relacionando-o com os estudos presentes nas obras de

    Hahner e Colling.

    Conforme Hahner, em meados do sculo XIX, no Brasil, como em outras partes do mundo,

    as mulheres ainda estavam ausentes da poltica e dos espaos pblicos, pois esses espaos

    eram historicamente atribudos aos homens. Havia algumas diferenas dependendo das classes

    sociais, como as mulheres das classes inferiores relegadas a trabalhos fsicos exaustivos e

    permanecendo mais tempo fora de casa enquanto grande parte da elite era confinada esfera

    privada. Entre elas, havia excees como algumas vivas do campo que dirigiam fazendas e, nas

    cidades, mulheres que administravam grandes estabelecimentos com muitos serviais e escravos.

    Contudo, a autoridade do marido e do pai permanecia suprema sobre todas as mulheres.6

    Contudo, em outros pases as mulheres j estavam se organizando politicamente

    buscando a emancipao, e, aos poucos algumas mulheres brasileiras das classes mdia e alta,

    insatisfeitas com as suas condies e papis, iniciaram as primeiras atividades polticas. O

    advento da Repblica tambm foi determinante para fortalecer o desejo de algumas mulheres por

    direitos polticos, bem como a Assemblia Constituinte de 1890.

    Hahner expe seus estudos acerca de um primeiro feminismo7 brasileiro, liderado por

    mulheres da classe mdia, na sua maioria professoras, que faziam algumas manifestaes por

    meio da elaborao de jornais artesanais, buscando despertar outras mulheres para o seu

    6 HAHNER, J. E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e polticas: 1850-1937. So Paulo: Brasiliense,

    1981: 28. 7 Para essa autora, o feminismo abrange todos os aspectos da emancipao das mulheres e inclui

    qualquer luta projetada para elevar seu status social, poltico e econmico. P. 25.

  • 29

    potencial e aumentar o nvel de suas aspiraes. Essas mulheres tambm organizaram

    associaes filantrpicas e algumas abolicionistas8. E ainda, peas de teatro foram produzidas

    para dar maior visibilidade a suas reivindicaes, como, por exemplo, na campanha do sufrgio

    feminino a pea O voto feminino. De forma sutil e, ao mesmo tempo ousada, essas mulheres

    deram seus primeiros passos para fora do lar.

    A autora cita, no decorrer do livro, vrios dos jornais produzidos por mulheres da poca.

    Nesses jornais observa-se uma ampliao gradativa das reivindicaes feitas pelas mulheres aos

    homens e aos poderes institudos. Entre elas, a ampliao da educao para as mulheres, com

    contedos iguais aos dos homens e ensino superior; respeito; liberdade fsica e moral;

    emancipao feminina (jurdica e econmica); profisso; participao nos concursos para cargos

    pblicos e principalmente a igualdade poltica. E ainda, uma das evolues observadas,

    comparando dois jornais, a autoria dos textos escritos por mulheres: no O jornal das mulheres

    (Rio de Janeiro, 1852), eram aceitos textos em anonimato, para no expor as mulheres que

    quisessem se pronunciar. Em contraste, no Bello Sexo (Rio de Janeiro, 1862) as mulheres j

    escreviam textos assinando sua autoria.

    Os homens, diante de tantas reivindicaes se sentiam cada vez mais desconfortveis

    pois a igualdade poltica foi uma afronta, uma vez que pois a mulher deveria ser um anjo

    confortador, companheira amorosa de seu homem e a deusa do lar, mas nunca a sua adversria

    ou rival na luta cotidiana da vida9, e ainda, no apenas a idia incmoda de mulheres eleitoras,

    mas tambm o espectro de mulheres polticas10. Uma das formas encontradas pelos homens

    para ridicularizar as aes dessas mulheres com idias inconvenientes era dramatiz-las. Assim

    tambm produziram uma pea teatral As doutoras que mostrava a vida de uma advogada bem

    sucedida que se candidatou a deputada federal para legislar a causa da emancipao feminina.

    Por fim ela cabou sucumbindo ao casamento e maternidade e em princpio, satisfeita, desistiu

    de sua carreira.

    A partir dessa escrita da histria, que considera de forma relacional, tanto o universo

    feminino como o masculino em cada contexto, Hahner estabelece as relaes de gnero,

    antecipando essa discusso no Brasil. Dessa mesma maneira, Colling vai proceder no

    desenvolvimento de seu livro sobre a Ditadura cvico-militar no Brasil, pensando que no se pode

    falar das mulheres sem falar das relaes entre homens e mulheres.11

    8 HAHNER, J. E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e polticas: 1850-1937. So Paulo: Brasiliense,

    1981: 45-46 9 Idem, ibidem: 85.

    10 Idem, Ibidem: 78.

    11 COLLING, Ana Maria. A resistncia da mulher ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Record: Rosas

    dos Tempos, 1997: 116.

  • 30

    Na seqncia, Hahner apresenta o jornal O Sexo Feminino (Campanha, MG: 1873-

    1876), cuja editora foi Francisca Senhorinha da Motta Diniz, que alcanou uma tiragem de

    oitocentos exemplares, numa populao de 1.458 mulheres alfabetizadas, esse jornal sobreviveu

    por quase trs anos sem diluir sua mensagem ou comprometer seu padro, num Brasil repleto de

    jornais efmeros, que no resistiam a um ou dois nmeros12.

    Na agitao republicana do final da dcada de 1880, Francisca Diniz reedita seu jornal13

    em 1889, com o ttulo O Quinze de novembro do sexo Feminino. O pblico alvo desse jornal

    eram as mulheres, pois, segundo Francisca Diniz, elas precisavam se emancipar, no deixando

    subjugar-se como um cordeiro humilde, e, precisam abrir os olhos para as injustias, o domnio e

    a postergao de direitos (...) com a instruo conseguiremos tudo, e quebraremos ainda as

    rdeas que desde sculos de remoto obscurantismo nos rodeiam.14

    Outro jornal tambm citado por Hahner A Famlia (Rio de Janeiro, 188915) que tem um

    perfil um pouco diferente, mas com o mesmo mpeto. Sua editora, Josephina de Azevedo, era

    favorvel s leis do divrcio, pois, em sua concepo as mulheres deveriam se libertar do

    capricho imposto pela autoridade paterna que escolhia o marido. Josephina de Azevedo

    acreditava no progresso da nao por meio da educao das mulheres, pois elas no eram

    escravas dos homens e poderiam emancipar-se por meio da profisso e da poltica para uma vida

    de liberdade e igualdade.

    Josephina de Oliveira tambm publicou, em 1897, um livro de biografias16 das mulheres

    eminentes e um livro17 no qual foram includos muitos de seus artigos para jornais, discursos e

    peas teatrais, dentre elas O voto feminino, j citado. Naquele momento algumas mulheres j

    no queriam s respeito dentro da famlia ou direito educao universitria, mas sim o

    desenvolvimento pleno de todas as suas faculdades, dentro e fora do lar. (...) em p de igualdade

    com os homens em todas as esferas, a ocupar todos os cargos, desempenhar todas as funes

    (...) [tanto] no governo da famlia, como na direo do Estado.18

    Durante a Assemblia Constituinte, de 1891, Josephina de Azevedo, junto com outras

    feministas, travou debates com os homens, buscando seu apoio ao sufrgio feminino. Porm, na

    concepo desses homens, a mulher j era a rainha do lar e seu papel era exclusivamente a

    maternidade e os cuidados com o marido. Certamente foi um avano, essas mulheres terem

    conseguido, pelo menos, fazer com que alguns homens colocassem em pauta o sufrgio feminino,

    12

    HAHNER, J. E. Op. Cit.: 61 13

    Essa reedio, segundo Pinto, foi no Rio de Janeiro. P. 31 14

    HAHNER, J. E. Op. Cit.:: 54. 15

    A publicao do jornal A Famlia, segundo Pinto, foi entre 1888 e 1897, na cidade de So Paulo. 16

    AZEVEDO, Josefina Alvarez de. Galleria illustre:Mulheres clebres. Rio de Janeiro, Typ. A Vapor, 1897. 17

    AZEVEDO, Josefina Alvarez de. A mulher moderna. Trabalhos de propaganda. Rio de Janeiro. Tpy. Montenegro, 1891. 18

    HAHNER, J. E. Op. Cit.: 81.

  • 31

    durante a Assemblia, juntamente com outros temas polticos. Todavia, os comentrios dos

    deputados foram dos mais variados, demonstrando o que a maioria dos homens, daquela poca,

    pensava sobre as mulheres. Tais comentrios variavam entre considerar as mulheres com

    crebros infantis, inferioridade mental e racionalmente incapazes para superarem os conflitos da

    poltica. Pior, a natureza da mulher j era determinada pelo seu sexo, por isso, seu destino, desde

    o nascimento, era ser me e esposa, em tempo integral.19 Assim, aps muitas discusses, o

    sufrgio feminino no foi aprovado naquela Constituio.

    Adentrando o sculo XX observa-se, segundo Hahner, um feminismo mais moderado, feito

    por mulheres da elite, que, ao contrrio das primeiras e mais ardorosas feministas, (...) no eram

    obrigadas a sustentarem-se e as suas famlias, o que sem dvida influenciava seus pontos de

    vista sobre seu lugar e atividades de direito20. Suas questes eram diferentes das mulheres de

    classe mdia, e, portanto ofereciam menos perigos, do que as advindas de correntes do

    anarquismo e do socialismo, que j mostravam seus primeiros alardes, e eram mais temveis.

    Na seqncia, Hahner cita as fundadoras do Movimento Sufragista Brasileiro: Bertha Lutz,

    que ocupava uma alta colocao no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e mais algumas mulheres,

    que tambm j eram graduadas, algumas no Brasil e outras no exterior e que ocupavam cargos

    pblicos. Essas profissionais, vinculadas elite, defenderam mudanas menos drsticas nos

    papis e atitudes da mulher e, por isso, foram menos criticadas e ridicularizadas. Devido sua

    posio social e de lder do Movimento Sufragista, Bertha Lutz ampliou-o para outros estados,

    aliando-se inclusive a organizaes internacionais, como a Aliana Internacional pelo Sufrgio da

    Mulher, em 1922.

    Nesse contexto, tambm os jornais contribuam, junto com alguns eventos, para a causa

    do sufrgio feminino. Todavia, eram jornais bem mais sofisticados, como o O Nosso Jornal,

    muito parecido com as elegantes revistas da poca e em suas pginas encontravam-se pontos de

    vistas acerca de como as mulheres poderiam conciliar suas obrigaes sociais com seus papis

    de mes e esposas, e que o voto da mulher era um avano para o progresso, expressado o

    orgulho do movimento feminista brasileiro em buscar seus objetivos sem violncia, de forma

    pacfica.

    Vrias associaes de mulheres surgiram nesse perodo, como a Legio da Mulher

    Brasileira (Rio de janeiro, 1919) e a Liga para a Emancipao Intelectual da Mulher (1920),

    liderado por Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura21, professora e autora mineira. Essas

    associaes transformaram-se posteriormente na Federao Brasileira pelo Progresso Feminino

    19

    HAHNER, J. E. Op. Cit.: 84-85. 20

    Idem, Ibidem: 81. 21

    Pinto situa Maria Lacerda de Moura como uma ativista anarquista e feminista radical, que na dcada de 1920 colocou-se frontalmente contra as sufragistas, contrapondo a luta pelo voto pela proposta anarquista. Informaes encontradas, segundo a autora, na biografia de Maria Lacerda de Moura, escrita por Mirian Moreira Leite. P. 37.

  • 32

    (FBPF), e teve ramificaes em vrios estados como as Ligas Paulista e Mineira pelo Progresso

    Feminino.

    A FBPF preparou congressos e conferncias, alm de diversas tticas para influenciar

    lderes polticos e a opinio pblica a favor de sua causa: publicidade, entrevistas, telegramas aos

    polticos, mensagens apoiando feitos estaduais que se mostravam favorveis ao voto feminino e a

    elaborao de um manifesto. Em 1928, intitulado como Declarao dos Direitos da Mulher, foi

    enviado ao Senado com assinaturas de vrias mulheres da elite22 em que as mulheres defendiam

    o voto feminino como base fundamental dos direitos humanos de igualdade e liberdade.

    No contexto do regime provisrio de Getlio Vargas, a partir de 1930, junto com o seu

    empenho em criar um novo cdigo eleitoral, as sufragistas redobraram suas tticas com o apoio

    poltico dos funcionrios pblicos e da publicidade. As lderes do movimento se encontraram com

    Getlio, que se mostrou favorvel ao voto das mulheres. Ento, em 1932, o novo Cdigo Eleitoral

    incluiu os direitos polticos, facultativos, s mulheres. Esse resultado legitimou toda a organizao

    das mulheres de classe mdia e da elite, entretanto, a conquista do voto beneficiou um pequeno

    segmento da populao feminina nacional, e as questes familiares e de trabalho ainda estavam

    postas para toda uma parcela de mulheres das classes inferiores.

    Cabe aqui ressaltar que so muitas as aproximaes encontradas entre a obra de Hahner

    e o primeiro captulo da obra de Pinto, no qual so analisadas23 as movimentaes feministas,

    como prefere chamar Pinto, datadas a partir do final do sculo XIX a 1932 (quando algumas

    mulheres brasileiras votaram pela primeira vez). Pinto justifica seu recorte temporal, que no

    incorpora o perodo ps 1932 at 1965, pois o considera como um refluxo do movimento

    feminista. Sua nica meno a respeito desse perodo no final da dcada de 1940 e o incio da

    de 1950, mulheres de diferentes classes sociais e ideologias lutavam contra a carestia Nessa luta

    encontravam-se mulheres influenciadas pelo Partido Comunista e mulheres da elite, lutando pela

    mesma causa, realizando a Passeata da Panela Vazia.24

    Pinto conceitua feminismo como a luta pela transformao da condio da mulher na

    sociedade25, e o classifica em duas fases as manifestaes feministas do perodo: a bem

    comportada, que a mesma que Hahner chama de mais moderada, abrangendo as

    manifestaes do incio do sculo XX, na maioria das vezes ligadas ao nome de Bertha Lutz e ao

    sufrgio feminino; e a fase mal comportada, que a menos moderada, em Hahner, se referindo

    22

    Sobre os eventos desse perodo Pinto cita um abaixo-assinado levado ao Senado pela FBPF, em 1927, com 2.000 assinaturas de mulheres de todo o Brasil; pode ser o mesmo evento, com duas formas diferentes de informaes. P. 25 23

    De uma maneira bem mais simplificada, por no ser esse o recorte temporal de Pinto. 24

    PINTO, Cli Regina Jardim. Uma histria do feminismo no Brasil. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo, 2003: 44 25

    Idem, ibidem: 11.

  • 33

    principalmente imprensa feminista26 ou feminismo difuso, do final do sculo XIX. E, nessa

    esteira, Pinto acrescenta o Feminismo Anarquista.

    O feminismo anarquista estava ligado ao operariado do perodo, em sua maioria,

    imigrantes, que trouxeram consigo os iderios anarquistas e comunistas, influenciando ativamente

    na organizao do movimento operrio brasileiro. As inquietaes feministas giravam em torno do

    excesso de trabalho, essas mulheres ressaltavam a importncia de diminuir a jornada para

    poderem cuidar de seus afazeres domsticos e encontrar tempo para os estudos, pois sem

    instruo no poderiam se organizar. Elas faziam manifestaes e publicavam em jornais

    anarquistas como o Terra Livre e o A Plebe27. E, segundo Pinto, essas manifestaes

    feministas estavam acontecendo simultaneamente campanha do sufrgio feminino.

    Na seqncia, Pinto ressalta dois grupos de feministas que se organizam durante o

    perodo cvico-militar, dentro das classes mdia e alta. O primeiro se organizava em residncias,

    em reunies pequenas de mulheres, nas quais eram discutidas as suas particularidades, como:

    sexualidade e literatura feminina, todavia, essas mulheres se sentiam culpadas por no fazerem

    discusses mais polticas sobre como enfrentar a ditadura. O outro grupo, de exiladas vindas

    principalmente na Europa ampliaram seus conhecimentos acerca das organizaes feministas e

    das suas formas de lutas, e, conforme podiam, mandavam cartas e materiais para o Brasil,

    informando o que estavam descobrindo de novo naquela cultura, no que dizia respeito ao

    feminismo.

    Naquele cenrio, a ONU (Organizao das Naes Unidas), definiu que o ano de 1975,

    seria o Ano Internacional da Mulher e o primeiro ano da dcada da mulher. A partir da, esse tema

    comeou a ser visto com outros olhos pelo presidente general Geisel, que recm assumia o

    governo. O Centro de Informao da ONU organizou um evento no Rio de Janeiro, e, nesse

    evento foi fundado o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira. Todavia, o Centro de

    Desenvolvimento da Mulher brasileira estava refm de uma dupla censura, primeiro do regime

    cvico-militar e, segundo, dos grupos de esquerda que primavam pela discusso da luta de

    classes. Abrigando diversas tendncias feministas28, o Centro administrou a oposio ditadura e

    as lutas feministas com as de classe, por apenas cinco anos.

    Nesse mesmo perodo, aconteceram tambm os encontros nacionais das feministas

    brasileiras acadmicas, entre 1975 a 1985, durante as reunies anuais da SBPC (Sociedade

    Brasileira para o Progresso da Cincia), eram as possveis brechas encontradas naquele perodo

    histrico marcado por perseguies, torturas, mortes e desaparecimentos; onde o regime militar

    26

    Pinto cita um jornal do Rio Grande do Sul Pela Mulher, fundado na cidade de Bag, em 1898, por Andradina de Oliveira. O jornal teve uma durao de nove anos e transformou-se depois em uma revista ilustrada, j ento publicada em Porto Alegre. Andradina publicou sete livros abordando a temtica feminina. P. 32. 27

    No texto no constam referencias s datas de publicao desses jornais. 28

    PINTO, Cli Regina Jardim. Op. Cit.: 59

  • 34

    estava destinado a conservar a ordem, entendendo como desordem qualquer manifestao de

    opinio contrria sua.29

    As questes feministas, nesse perodo eram discutidas em vrios espaos sociais,

    inclusive em alguns sindicatos, que promoveram eventos, como por exemplo, o I Congresso da

    Mulher Metalrgica de So Bernardo e Diadema, em So Paulo, no ano de 197830. Pode-se ento

    postular que o feminismo naquele perodo tinha vrias frentes: das classes inferiores s elitizadas,

    ou seja, as mulheres operrias e as mulheres universitrias; todas buscando reconhecimento

    enquanto sujeitos polticos.

    Antes de adentrarmos no perodo da redemocratizao, ao final do sculo XX, estudado

    por Pinto, opta-se por incluir as contribuies de Colling, que prope, no primeiro captulo do seu

    livro uma fotografia do Brasil em quatro poses, selecionando quatro discursos que, segundo ela,

    do sentido ao Brasil da poca (1964-1979): o discurso oficial da ditadura militar, cujos objetivos

    eram controlar os comunistas, conter a inflao e executar as reformas polticas e econmicas,

    para o possvel retorno do governo civil. Os discursos das organizaes de esquerda, que eram

    mltiplos, coexistindo mais de quarenta siglas que divergiam basicamente no trip estratgia,

    ttica e programa, sendo a estratgia a diferena mais discutida, uns optavam pela transio

    pacfica e outros pela luta armada. O discurso do tetraedro imaginrio31 no qual se destacam as

    atividades culturais - teatro, cinema e msica - que para aquela juventude eram instrumento de

    transformao poltica, refletindo uma aspirao internacional de contracultura. E o discurso

    feminista que trata de uma ruptura radical, segundo Colling, do cotidiano de homens e mulheres

    da dcada de 1960.

    Naquele momento tambm fervilhava um caldo de transformaes sociais e polticas

    nacionais e internacionais como, por exemplo: a inveno da plula anticoncepcional; as revises

    comportamentais das mais variadas, desde o vesturio concepo de casamento, os jornais

    feministas que comearam a ser editados, como o Brasil Mulher, Ns Mulheres e Mulherio32;

    as campanhas contra a violncia domstica Quem ama no mata, que virou at seriado na TV e

    a criao do Movimento Feminista pela Anistia. Tudo isso acontecendo juntamente com a

    influncia dos feminismos europeus e americanos. Nesse sentido, as discusses ampliaram-se

    para temas como a sexualidade, contracepo e aborto, e outros foram retomadas, como a dupla

    jornada de trabalho e as discriminaes que as mulheres continuavam sofrendo de ordem

    econmica, social e poltica.

    29

    COLLING, Ana Maria. A resistncia da mulher ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Record: Rosas dos Tempos, 1997: 22 30

    PINTO, Cli Regina Jardim. Op. Cit.: 66 31

    Poliedro de quatro faces, a autora se refere aos movimentos de 1968: as Barricadas de Paris, a Primavera de Praga, os Panteras Negras americanos e a cultura brasileira. 32

    No texto no constam referencias s datas de publicao desses jornais.

  • 35

    Pinto e Colling afirmam que o feminismo brasileiro encontrou no contexto da ditadura

    cvico-militar, um momento histrico propcio para se desenvolver33 em torno de problemas

    especficos de sua condio, tentando derrubar as barreiras da discriminao e administrando o

    duplo desafio de lutar contra o inimigo externo que eram os militares e ainda enfrentar os

    militantes das organizaes de esquerda, que as julgavam inoportunas, inconvenientes e

    divisionistas.

    Colling entrevistou seis mulheres militantes de organizaes de esquerda (cinco

    universitrias e uma operria) e trs homens, todos presos pela ditadura cvico-militar, consultou

    tambm alguns documentos do DOPS; buscando compreender como foi esse duplo desafio no

    dia-a-dia dessas mulheres e principalmente como a represso construiu o discurso mulher

    subversiva. A autora destaca as dificuldades encontradas por eles, homens do seu tempo, na

    forma de tratar essas mulheres, companheiras de militncia: muitas vezes o problema de

    relacionamento e como fazer era maior que a prpria revoluo34, o constrangimento que sentiam

    derivavam de suas concepes socialmente construdas, nas quais as mulheres no eram

    constitudas como sujeitos polticos.

    E, a partir das concepes sociais do lugar da mulher na famlia e na sociedade, a

    represso construiu um discurso para tratar essas mulheres militantes, considerando-as como

    mulheres subversivas com comportamentos desviantes de prostituta e comunista, vulgarmente

    chamadas de puta-comunista, e que por isso no mereciam respeito, o que justificava a tortura

    psicolgica e fsica pela represso. Afinal, os militares estavam cumprindo a sua funo: eliminar

    qualquer manifestao de oposio, buscando desconstruir a pretenso da mulher em se

    considerar um sujeito poltico autnomo, nesse espao determinado pelo e para o masculino, ao

    longo das relaes culturais e histricas.

    Feitas estas consideraes acerca do ltimo livro deste estudo bibliogrfico, parte-se para

    o perodo de abertura, lenta, gradual e segura, do regime cvico-militar nas discusses feitas por

    Pinto, que pe em relevo o movimento feminista, marcado fortemente por dois acontecimentos: a

    anistia aos presos polticos, que trouxe experincias e contedos diferenciados para as

    discusses feministas no Brasil e a reforma partidria, que dividiu o MDB e algumas feministas em

    dois partidos: PT e PMDB.

    No incio da dcada de 1980, foram formados os primeiros Conselhos da Condio da

    Mulher e Delegacias da Mulher. Naquele perodo tambm surgiram grupos temticos de

    feministas independentes, que comeam a tratar da sade e da violncia contra a mulher, e ainda

    muitas mulheres foram eleitas para os parlamentos. Tambm o feminismo acadmico ampliou-se,

    33

    Nesse sentido, Pinto expe seu pensamento de que o novo feminismo nasce da resistncia ditadura. P. 41 34

    COLLING, Ana Maria. Op. Cit.: 106.

  • 36

    por meio da formao dos primeiros Ncleos de Pesquisa em Estudos da Mulher, nas

    universidades brasileiras.

    Destacam-se assim, trs espaos onde estavam organizadas as mulheres desde o incio

    da dcada de 1980 ao final da dcada de 1990: o poltico institucional (principalmente o

    parlamentar, partidrio e sindical), o movimento feminista independente e o feminismo acadmico.

    Entretanto, esses espaos dialogavam muito pouco, principalmente a partir da formao e

    proliferao das Organizaes No-Governamentais ONGs, que desenvolvem vrios papis

    algumas so mobilizadoras, outras prestam assessoria especializada, outras ainda so prestadoras de servio. Atuam tanto junto da sociedade quanto junto ao Estado, algumas delas com assento em conselhos, outras sendo interlocutoras de ministr