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0 ANAIS Organização Edmilson José de Sá Realização ARCOVERDE 2019 AUTARQUIA DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS

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0

ANAIS

Organização

Edmilson José de Sá

Realização

ARCOVERDE

2019

AUTARQUIA DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE

COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS

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ANAIS

Organização

Edmilson José de Sá

Realização

ARCOVERDE

2019

AUTARQUIA DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE

COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS

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Copyright 2019 © Edmilson José de Sá (org.). É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem

autorização expressa dos autores e organizadores. Por se tratar de uma publicação de artigos, a

comissão organizadora do I Encontro regional de linguística e ensino de língua portuguesa isenta-se de

qualquer responsabilidade autoral de conteúdo, ficando a cargo do autor de cada artigo tal

responsabilidade.

CAPA / DIAGRAMAÇÃO:

Edmilson José de Sá

ORGANIZAÇÃO EDITORIAL E REVISÃO

Edmilson José de Sá

Catalogação na publicação (CIP)

Ficha catalográfica produzida pelo organizador

SÁ, Edmilson José de (org.). Anais do I Encontro Regional de

Linguística e Ensino de Língua portuguesa: Variação linguística:

leituras, tendências e avanços. AESA – CESA: Arcoverde, 2019.

1ª ed.

ISSN: 2674-6980

Letras - Congressos. 2. Letras – Língua. 3. Literatura - Congressos. 4. Ensino - Congressos. I. Sá.

Edmilson. II. Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde. Centro de Ensino Superior de Arcoverde. (2

: 2019 : Arcoverde, PE). III. Encontro

418 CDD

88 CDU

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3

COMISSÃO ORGANIZADORA

Prof. Dr. Edmilson José de Sá

Prof. Dr. Augusto César Acioly Paz Silva

Prof. M.Sc. Franklin dos Santos Freire

Prof. M.Sc. Austriclínio Andrade

Profª. M.Sc. Cíntia Henrique Galindo

Profª Esp. Josigleide Silva de Lima

Prof. Esp. Gilberto Cosme de Farias

COMISSÃO CIENTÍFICA

Dr. Adeilson Pinheiro Sedrins (UFRPE)

Dr. Augusto César Acioly Paz Silva (CESA)

Drª Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI/UNICAP)

Dr. Benedito Gomes Bezerra (Unicap/ UPE)

Drª Clécia Maria Nóbrega Marinho (UFPB)

Prof. Dr. Edmilson José de Sá (CESA)

Dr. Fernando Augusto de Lima Oliveira (UPE)

Dr. José Robson Santiago (UFPB)

Drª Izabel Cristina Izidoro Barbosa (CESA)

Drª Jaciara Josefa Gomes (UPE)

Drª Amanda Cavalcante de Oliveira Lêdo (UPE)

Drª Lívia Suassuna (UFPE)

Drª Maria do Socorro Pereira de Assis (CESA)

Drª Rossana Regina Guimarães Ramos Henz (UNICAP / UPE)

Drª Fábia Fulni-ô (UFAL)

Drª. Januacele da Costa (UFAL)

Drª Maria Do Socorro Silva De Aragão (UFPB / UFC)

EQUIPE DE TRABALHO

Prof. Dr. Edmilson José de Sá

Prof. Esp. Evandro Valério da Silva

Prof. Esp. Gilberto Cosme de Farias

Prof. Esp. Otacílio de Freitas Góis

Prof. M.Sc. Austriclínio Andrade

Profª Drª Izabel Cristina Izidoro de Souza

Profª Esp. Josigleide Silva de Lima

Profª. M.Sc. Cíntia Henrique Galindo

REALIZAÇÃO

Curso de Letras do Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA)

Av. Gumercindo Cavalcante - 420 - São Cristóvão, Arcoverde - PE, 56512-200

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Diretor – presidente (AESA)

Prof. Esp. Roberto Salomão Coelho

Diretor pedagógico (CESA)

Prof. Ms. Franklin dos Santos Freire

Vice-diretor pedagógico (CESA)

Prof. Esp. Paulo Neves de Almeida

Coordenador de Pesquisa e Extensão (CESA)

Prof. Ms. Austriclínio Bezerra de Andrade Neto

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5

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

Edmilson José de Sá

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO: UM OLHAR SOB A

PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA

8

Jadilson Marinho da Silva

UMA ANÁLISE HISTÓRICO – COMPARATIVA ENTRE AS LINGUAS

NEOLATINAS PORTUGUES E ESPANHOL

29

Layon Cândido de Barros

PROPOSTAS DE PRODUÇÃO ESCRITA NO LIVRO DIDÁTICO PARA O

ENSINO FUNDAMENTAL II

40

Jaciara Josefa Gomes

RETRATOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM GARANHUNS: UM

BREVE ESTUDO SOBRE A ESCRITA

52

Simone Anunciada Amaral Vilaça

Edmilson José de Sá

JACK SOUL DO SCRATCH: UM CAMINHO PARA VALORIZAÇÃO DA

LINGUAGEM REGIONAL-POPULAR E INOVAÇÃO NO ENSINO DE

PORTUGUÊS EM JOÃO PESSOA-PB

63

José Robson do Nascimento Santiago

GEOLINGUÍSTICA, CULTURA SERTANEJA E HISTÓRIA: ALGUMAS INTER-

RELAÇÕES

89

Edmilson José de Sá

UMA ANÁLISE ETNOLINGUÍSTICA DA MÚSICA “FEIRA DE MANGAIO” DE

SIVUCA E GLORINHA GADÊLHA

103

Thalita Rose Tamiarana Gadêlha Taveira

O GÊNERO RESUMO DE COMUNICAÇÃO E SUAS INTER-RELAÇÕES

CONTEXTUAIS

121

John Hélio Porangaba de Oliveira

ESTRATÉGIAS RETÓRICAS E LINGUÍSTICAS DO RESUMO DE

COMUNICAÇÃO EM ANÁLISE DE GÊNEROS

132

John Hélio Porangaba de Oliveira

POESIA DE HAICAI: UMA EXPERIÊNCIA DE SALA DE AULA 145

Tatianne Gabrielly Oliveira Quintans

LITERATURA DE AUTORIA FEMININA EM SALA DE AULA: UMA

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

171

Welson dos Anjos Pereira

NAS FRONTEIRAS ENTRE A AUTORIA E O PLÁGIO À LUZ DA NOÇÃO DE

DIALOGISMO DE BAKHTIN

183

Maria Ladjane dos Santos Pereira

A CORRELACÃO ENTRE OBRAS LITERÁRIAS E OS ASPECTOS

RELIGIOSOS COMO FORMA DE ESTABELECER NOVOS PARÂMETROS DE

LEITURA.

193

Helen Suzandrey Maia Sousa

ALÉM DO PONTO DAQUELES DOIS: UMA LEITURA DA HOMOAFETIVIDADE 215

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6

EM CONTOS DE CAIO FERNANDO ABREU

Bruno Bezerra dos Anjos

REGIONALISMOS NO CONTO 'UMBILINA E SUA GRANDE RIVAL' DE

CÍCERO BELMAR

226

Edmilson José de Sá

ABORDAGENS TERMINOLÓGICAS EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO:

ANÁLISE DE TESES E DISSERTAÇÕES (2008-2018)

235

Márcia Ivo Braz

INTERTEXTUALIDADE NO ARTIGO CIENTÍFICO: FORMAS DE CITAÇÃO E

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE POR ALUNOS DE GRADUAÇÃO

253

Lidya Rafaella da Silva Morais

UM CONVITE À ENUNCIAÇÃO ESCRITA EM ÉMILE BENVENISTE 267

Austriclínio Bezerra de Andrade Neto

ANÁLISE COMPARATIVA DA DISTRIBUIÇÃO DAS INFORMAÇÕES EM

RESUMOS (ABSTRACTS) E INTRODUÇÕES DE ARTIGOS CIENTÍFICOS

282

Kamyla Pradines Guimarães

ALGUMAS TESES SOBRE GÊNERO NA RELAÇÃO COM TEXTO E

DISCURSO

300

Benedito Gomes Bezerra

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Apresentação

Os anais do I ENCONTRO REGIONAL DE LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA

PORTUGUESA (I ERELIP) resultam da troca de experiências resultantes de um evento organizado

pela Coordenação de Letras (CL) do Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA), vinculado à

Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde (AESA) e inserido na Coordenação de Ensino, Pesquisa e

Extensão da instituição promotora.

O ERELIP consistiu-se de um evento de caráter regional, tendo recebido, em sua primeira

edição, convidados de diversas partes da Região Nordeste. Considerando o intuito basilar de cooptar

pesquisa, ensino e extensão, abordando tanto a graduação e como a pós-graduação no Curso de Letras,

o evento visou à contribuição da pesquisa e da extensão para a ciência e a educação no Estado de

Pernambuco.

Agora em sua primeira edição, o ERELIP atendeu, ainda, profissionais e estudiosos de outras

áreas de investigação, a exemplo da História, da Geografia e de Pedagogia, o que inseriu o evento em

nuances teórico-metodológicas voltadas para o enriquecimento das discussões propostas.

Já cientes do sucesso que eventos sobre a temática da descrição e análise linguística têm

proporcionado pelo país e até extrapolando as suas fronteiras, a ideia de compartilhar as experiências

em leitura e pesquisa veio em boa hora para o Estado de Pernambuco, pois se trata talvez de um dos

poucos estados em que discussões acadêmicas na área ainda são embrionárias, a despeito de alguns

trabalhos acadêmicos por algumas universidades, muitas vezes, priorizando as discussões sobre a

variação linguística na capital.

Para compor a primeira edição do evento, a temática escolhida 'Variação e mudança: leituras,

tendências e avanços' pretendeu, além de outros propósitos, refletir sobre questões teórico-

metodológicas sobre as pesquisas recém-realizadas e atualmente propostas sobre a variação

linguística, a fim de avaliar comparativamente os avanços dela decorrentes.

Tendo em vista a presença de professores-pesquisadores, professores da educação básica e

superior, estudantes de graduação e de pós-graduação, gestores e técnicos educacionais, profissionais

de atividades afins, esperamos que o evento tenha se constituído em uma oportunidade de diálogo e

interlocução a respeito das atividades desenvolvidas a partir da experiência de cada um, e que

possibilite reflexões mais densas sobre esses trabalhos resultantes de esforços realizados nos estágios,

nos projetos de extensão ou de iniciação científica, bem como nas atividades resultantes de pesquisas a

nível stricto sensu.

A Comissão Organizadora do I ERELIP

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A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO: UM OLHAR

SOB A PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA

Jadilson Marinho da Silva

RESUMO: Esse estudo tem o intuito de refletir sobre a variação linguística no ensino de Língua Portuguesa,

buscando analisar o tratamento dando a este fenômeno no livro didático para o Ensino Médio, coleção

Português Contemporâneo: Diálogo, Reflexão e Uso (CEREJA; DAMIEN; VIANNA, 2016), aprovado pelo do

Programa Nacional do Livro Didático 2018. Para a realização deste estudo, foi preciso fazer um estudo

descritivo, com abordagem qualitativa, observando o tratamento dado à variação linguística, às noções de certo

e errado e ao preconceito linguístico. Tomando por base os estudos realizados, constatou-se que o tratamento

da variação linguística no ensino de língua portuguesa costuma ser problemático, como se observa, isso

acontece porque é construída uma mitologia de preconceitos linguísticos que giram em torno da metodologia

de ensino de língua portuguesa e que acabam por trazer diretamente implicações para o ensino de língua. O

livro analisado demonstra que, apesar de ainda não está em uma almejada situação de ensino de língua

materna, percebe-se a preocupação dos autores em incorporar os estudos linguísticos à heterogeneidade e

diversidade linguística, fundamentados pela Sociolinguística. Além disso, verificou-se por meio das análises,

que o LD aqui avaliado aborda a variação linguística, porém com limitações no que se refere ao tratamento da

variedade padrão e da norma culta. Contudo, é importante salientar que, sem uma sólida formação acadêmico-

científica e um conhecimento adequado da Sociolinguística por parte do professor de Língua Portuguesa, o

livro didático sozinho, por mais bem elaborado que seja, não conseguirá resultar em um ensino/aprendizagem

de língua materna que respeite a diversidade linguística e o multiculturalismo dos falantes.

Palavras-chave: Língua. Variação. Livro didático. Sociolinguística.

1 INTRODUÇÃO

O ensino de língua materna passa por diversas mudanças em se tratando da

competência linguístico-textual e na capacidade de leitura e de produção textual em

contextos socio-históricos, mesmo assim, as aulas de Língua Portuguesa ainda precisam

rever o tratamento dado aos aspectos variacionistas da língua e seus usos. Por um lado,

observa-se a prescrição do falar correto, com base na variedade padrão, dita exemplar. Do

outro, a língua considerada errada pela gramática normativa, inaceitável, tanto no que diz

respeito à escrita quanto à oralidade, por parte de pedagogos, professores, gramáticos,

jornalistas etc.

Um exemplo do caso supracitado, foram as altercações que ocorreram, em maio de

2011, relacionadas ao livro Por uma vida melhor, de autoria de Heloísa Ramos, da Coleção

Viver, Aprender, da Editora Global, aprovado pelo Programa Nacional de Livros Didáticos

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2012 (BRASIL, 2011) para o ensino da Língua Portuguesa na Educação de Jovens e Adultos

(EJA). Toda a polêmica entre jornalistas, pedagogos, professores de Língua Portuguesa e

membros da Academia Brasileira de Letras (ABL) foi causada por frases e por orientações

apresentadas no livro, como: “Nós pega o peixe” ou “Os livro ilustrado mais interessante

estão emprestado” (RAMOS, 2009, p. 15).

Desarticulados da obra e de conhecimentos sociolinguísticos, esses enunciados,

foram alvo de críticas e muita polêmica gerada pela imprensa nacional que noticiaram e

discutiram alguns aspectos do livro, afirmando que Ramos (2009) estaria fazendo apologia

ao erro de português e desvalorizando a variedade padrão da língua. Toda essa questão está

vinculada ao fato de que provavelmente as pessoas que a ladearam não apresentam,

conforme Possenti (2011), nenhuma formação histórica que lhes permitiriam saber que o

certo de agora pode ter sido o errado de antes.

Observa-se nas aulas de Língua Portuguesa, o ensino da gramática normativa com

base em prescrições de regras da variedade padrão descontextualizada do uso social,

desvinculada de seu funcionamento. Além disso, o ensino da produção textual ainda se

reserva, muitas vezes, ao conhecimento de técnicas e manuais, com ênfase na escrita,

isolando ou ignorando a oralidade e as diversidades linguísticas. Essas concepções de ensino

tangenciam estudos orientados para o funcionamento e para o uso da língua. Trata-se de um

conservadorismo que negligencia as contribuições teóricas da Linguística Moderna,

sobretudo, dos estudos desenvolvidos a partir das últimas décadas do século XX.

Nem sempre é comum identificar as relações entre a Linguística e as análises dos

processos de ensino de Língua Portuguesa, talvez devido à especialidade do pesquisador ou

à forma como o conhecimento científico ainda é veiculado. Isso reflete na postura do

professor que, muitas vezes, alheio às diversas pesquisas na área da linguagem, decide

supervalorizar a prática em detrimento da teoria. E pode repercutir na própria sociedade, que

em função do desconhecimento deixa-se seduzir e influenciar pelo discurso da imprensa.

Nessa perspectiva, esta pesquisa é delineada a partir da preocupação em discutir

como está posto o ensino da língua materna e as contribuições sociolinguísticas abordadas

na coleção do livro didático de Língua Portuguesa.

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Sendo assim, esse trabalho tem por objetivo geral: analisar o tratamento da variação

linguística em livro didático de Língua Portuguesa do Ensino Médio e conduzir a uma

reflexão sobre o direcionamento dado à variação linguística, descrevendo as noções de certo

e de errado, de mudança linguística e preconceito linguístico, relacionados à obra.

Para a realização deste estudo, a fonte de análise é a coleção “Português

contemporâneo: diálogo, reflexão e uso”, de Cereja, Damien e Vianna, aprovado pelo

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para 2018 a 2020. Sendo assim, busca-se

também conhecer a concepção de funcionamento que esse livro traz e que se encontra nas

diversas escolas do estado de Pernambuco, pois entende-se que não pode haver

demonstração de funcionamento autêntico da língua, sem que consideremos o contexto e o

uso da diversidade linguística.

Destaca-se na referida obra “a sistematização de procedimentos de fala e de escuta

atenta, com sugestão de tomadas de notas, o que contribui para o desenvolvimento da

competência do aluno no exercício da oralidade” (BRASIL, 2011, p. 30). Em um livro

didático, o trabalho com a oralidade é um fator bastante positivo, pois o ensino da oralidade

e de seu uso é limitado nas escolas, em consequência das poucas indicações metodológicas e

didáticas e de lacunas apresentadas na formação dos professores. Há quem diga que o aluno

não frequenta a escola para aprender a falar; isso ele aprende em casa, no seio familiar e na

convivência social. Sendo assim, o livro se mostrou ideal como fonte de análise que, ao

trazer uma abordagem sobre a oralidade, motivou-nos a estabelecer a hipótese de que a obra

analisada poderá apresentar um direcionamento adequado às variações linguísticas.

Após a seleção da obra, foi realizado um estudo descritivo, com abordagem

qualitativa, a partir da análise do tratamento da heterogeneidade linguística, das noções de

certo e “errado e do preconceito linguístico”. Para tanto, realizou-se uma leitura prévia dos

três volumes constituintes da coleção Português Contemporâneo: Diálogo, Reflexão e Uso,

seguida de uma leitura minuciosa, que originou os recortes necessários para as análises, com

base nos quais foram identificadas as seções referentes à exploração da temática.

Para tanto, optou-se por apresentar as análises de cada volume separadamente, com

recortes de trechos originais da obra, retirados das páginas dos livros, os quais foram

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colocados em destaque por meio de boxes de textos para uma maior visualização. Portando,

o foco foi dado às seções dos livros relacionadas à exploração do tema que pudessem

responder aos objetivos propostos para esta pesquisa. No entanto, frente à delimitação que

exige uma investigação científica, não foi possível e nem foi pretensão do pesquisador

abordar todas as seções do livro relacionadas às variações linguísticas.

Estudos das variações linguísticas no livro didático são desenvolvidos na tentativa de

contribuir para encaminhamentos que favoreçam ao aprendiz produzir e ler textos nos mais

variados contextos de sua vida pública e privada, utilizando-se das mais diversas linguagens.

Acredita-se que pesquisas como esta poderão contribuir para novas pesquisas e estudos

relacionados ao ensino da língua materna e ao conteúdo dos livros didáticos, que visem

respeitar a heterogeneidade linguística e os diversos falares que os usuários da língua

portuguesa apresentam. Para isso, novos olhares precisam estar voltados para o uso da

língua em sala de aula com o intuito de subsidiar formas de respeito às diversidades

linguísticas existentes entre as pessoas de idade diferentes, de menor grau de escolarização,

das diversas regiões, dentre outros aspectos demarcados pela língua em funcionamento.

2 AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NO LIVRO DIDÁTICO AO LONGO DA

HISTÓRIA

Segundo Coelho (2007, p. 1), “a variação linguística não existia como objeto de

ensino para a maioria dos professores de português”, realidade ainda coexistente no cenário

educacional de nosso país. Embora possamos identificar um crescente e significativo

número de estudiosos brasileiros voltados para as pesquisas na área da Sociolinguística

como Bortoni-Ricardo, Bagno, Possenti, Tarallo, Monteiro, Dionísio, Aragão, Costa, Lopes,

dentre outros, esses conhecimentos ainda não foram incorporados de fato às aulas de língua

materna pelo professor e pelo livro didático, especialmente, no que diz respeito às variações

linguísticas.

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Coan e Freitag (2010, p. 1) afirmam que, “apesar dos avanços significativos nas

últimas décadas, as implicações decorrentes da correlação entre heterogeneidade linguística

e ensino de Língua Portuguesa estão ainda longe de se esgotar”.

São mais de cinquenta anos de existência das pesquisas Sociolinguísticas de Labov

sobre as relações entre linguagem e classe social com a descrição das variações linguísticas

numa mesma comunidade de fala e ainda não é perceptível uma grande equivalência entre

pressupostos teóricos sociolinguísticos desenvolvidos na academia e práticas de ensino de

língua materna exercidas na sala de aula.

Mesmo com as orientações de documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN), que vem tentando há mais de 15 anos buscar uma adequação do ensino da

gramática normativa aos estudos linguísticos, ainda percebemos um distanciamento entre a

prescrição e a descrição linguística (BRASIL, 1999), embora com alguns ensaios dessa

adequação como demonstraremos neste estudo.

Os PCN ressaltam que o problema do preconceito linguístico, concernente aos

diferentes modos de falar, pode e deve ser constantemente combatido na escola, como parte

do objetivo educacional que prima por uma formação que realmente respeite as diferenças.

Nesse sentido, desenvolvemos esta pesquisa por compreendermos que a escola deve se

apropriar dos constructos teóricos relacionados à língua e à sociedade, reiterando a

heterogeneidade da língua, seja na modalidade escrita seja na modalidade oral.

A escola precisa ter ciência de que, conforme ressaltam Coan e Freitag (2010, p. 4),

“quando se diz que a Sociolinguística é o estudo da língua em seu contexto social, isso não

deve ser mal interpretado”, pois não se trata de impor a diversidade linguística no ambiente

escolar, mas procurarmos entender o “uso da língua, no sentido de verificar o que ela revela

sobre a estrutura linguística”, sobre o sujeito que carrega consigo todos os multilinguismos e

sobre como ocorre as relações entre a língua e seu funcionamento.

Compreende-se que, reconhecendo a variação como característica imanente a toda e

a qualquer língua, a escola não pode se eximir de mostrar ao aluno o que são, por que

ocorrem e como ocorrem as variações de uma língua. Tarallo (1985, p. 8) define variação

linguística como duas ou mais formas de dizermos a mesma coisa em um mesmo contexto,

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com o mesmo valor de verdade. É evidente que fatores de diversidade linguística não ficam

restritos apenas ao tempo e ao espaço, por isso corroboramos com a afirmação de Monteiro

(2000) de que a heterogeneidade se explica também pelo condicionamento linguístico da

sociedade, pelo condicionamento social da língua, e, não poderia deixar de ser, pela função

social que a língua exerce.

De acordo com Bortoni-Ricardo (2005), a variação faz parte da natureza da

linguagem e é resultado da diversidade de grupos sociais e da relação que esses grupos

mantêm com as normas linguísticas. A heterogeneidade, dentro de um vasto e diversificado

país como o Brasil, é um fato natural e inevitável, ignorado muitas vezes pela escola, pelo

professor e pelo próprio livro didático.

Os professores ainda limitam o ensino de Língua Portuguesa às aulas da gramática

normativa, cuja função é corrigir o português considerado errado, ensinando nomenclatura

gramatical e análise gramatical, sem contextualização, utilidade e compreensão prática.

Ressaltamos que muitas vezes os aspectos que recebem menos atenção nas propostas de

ensino de língua materna são aqueles ligados à heterogeneidade linguística.

A escola, enquanto instituição de ensino e formação, não pode se esquecer de que

uma língua não é estanque e nem homogênea. E deve levar o educando a compreender que a

língua portuguesa varia de acordo com diversos fatores como status social, sexo, grau de

instrução, profissão, estilo pessoal, contexto (formal/informal), região, entre outros. O

caráter heterogêneo da língua precisa ser incorporado às aulas de LP, o que justifica a

relevância de análises sociolinguísticas de livros didáticos.

3 PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO: DIÁLOGO, REFLEXÃO E USO SOB O

OLHAR DA SOCIOLINGUÍSTICA

O livro sugere em seu título Português Contemporâneo: Diálogo, Reflexão e Uso

uma concepção de linguagem baseada no sociointeracionismo, que entende a língua como

um espaço de interação social e não apenas como representação do pensamento ou um mero

instrumento de comunicação. Está dividido em três volumes, com quatro unidades temáticas

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em cada volume. As unidades apresentam três capítulos, totalizando 12 capítulos, que

incluem, de forma articulada, eixos de Literatura, Língua e Linguagem, Produção de Texto e

Oralidade. Em cada unidade, existem seções fixas que contemplam eixos de leitura,

oralidade, escrita, conhecimentos linguísticos e literários, sem haver a separação entre os

capítulos de estudos de linguagem, de produção textual e de literatura.

Segundo o Guia de Livros Didáticos 2018, a coletânea constitui um bom instrumento

de acesso ao mundo da escrita e favorece experiências significativas de Leitura dada a

diversidade de textos verbais da modalidade escrita (textos representativos dos movimentos

literários e textos contemporâneos), bem como a variedade significativa de textos

multimodais privilegiados (tiras, folders, cartuns, canções, gravuras). Além disso, eixo dos

Conhecimentos Linguísticos é alvo de estudo em uma das três grandes partes em que se

subdividem os capítulos, Língua e Linguagem, sendo abordado sempre a partir das

atividades de estudo dos textos, observando-se os usos textuais do conteúdo linguístico,

amplificando-os com mais exemplos e breves comentários explicativos.

A parte Língua e Linguagem é composta do estudo dos conhecimentos linguísticos

dos capítulos. Dentro dessa parte, há Reflexões sobre a língua, que apresenta a parte teórica

e conceitual do assunto em estudo, e a seção Texto e enunciação, cuja proposta é a de que os

textos sejam analisados do ponto de vista do discurso. (BRASIL, 2018).

Segundo o Guia de Livros Didáticos 2018, não há uma seção específica para o

trabalho com a Oralidade, como ocorre com os demais eixos. As atividades do eixo da

Oralidade propostas na coleção em análise apresentam certa consistência e suficiência

metodológica, pois contam com razoável grau de diversidade e bastante clareza na

formulação das propostas, com adequação ao nível de ensino.

A proposta da obra para o trato da Oralidade recai no trabalho com projetos, os quais

permitem diferentes formas de expressão e interação oral no âmbito da sala de aula, como:

debater no grupo estratégias para desenvolver o projeto, discutir maneiras de divulgação das

produções, decidir sobre o suporte de materiais. Tudo isso implica o uso da Oralidade em

situações de fala pública, como declamar poemas em um sarau literário, apresentar trabalhos

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produzidos pela classe em uma feira ou mostra de produção textual, instruir oralmente os

visitantes de uma feira, e assim por diante.

Para o desenvolvimento dos projetos, a coleção disponibiliza as atividades que

exploram gêneros orais adequados a situações comunicativas diversificadas na produção

(entrevista, jornal falado, apresentação de trabalho, debate etc.), exploram a oralização da

escrita (leitura expressiva, encenação, declamação de poemas, jograis etc.) e orientam a

construção do plano textual dos gêneros orais (critérios de seleção e hierarquização de

informações, padrões de organização geral, recursos de coesão etc.). As atividades discutem

e orientam o uso da linguagem adequada à situação (prosódia, recursos de coesão, seleção

lexical, recursos morfossintáticos etc.), além de instruir sobre o uso de recursos visuais como

auxiliares à produção oral (cartaz, painel, slide, entre outros).

O eixo dos Conhecimentos Linguísticos recebe da coleção duas seções dedicadas

exclusivamente a ele: Texto e enunciação e Reflexões sobre a língua, presentes em todos os

capítulos de cada um dos volumes. Os textos são predominantemente atuais e originários

dos meios urbanos, o que possibilita que o português brasileiro contemporâneo seja a base

do estudo linguístico.

A coleção defende a perspectiva de estudo da Gramática textual e ela é,

particularmente, perceptível e melhor traduzida pela seção Texto e Enunciação, em especial

no primeiro volume, em que se observa o estudo dos gêneros discursivos, da variação

linguística, da teoria da linguagem e da semântica ou, no terceiro volume, com progressão

referencial e operadores argumentativos, por exemplo.

A perspectiva tradicional de estudos da língua também comparece na coleção ao se

observar o estudo da morfologia e da sintaxe, além do estudo do uso da pontuação, da

acentuação e da ortografia, em que a sistematização de questões gramaticais se faz com

algumas atividades que se estruturam sobre frases soltas, descontextualizadas, não

possibilitando muita reflexão sobre os usos da língua.

Há textos didáticos produzidos pela coleção, acompanhados por exemplos e por

boxes, nos quais são resumidos os conteúdos trabalhados ou são fornecidos conceitos e

definições gramaticais. Ainda que não se encontrem de modo sistemático atividades de

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estímulo ao uso de fontes e instrumentos de consultas, como dicionários e gramáticas,

algumas vezes essa sugestão de pesquisa se explicita no interior de uma atividade e alguns

boxes e a seção Fique conectado também contribuem com essa instrumentalização,

sugerindo sites, livros, filmes, documentos, em que o assunto tratado pode ser aprofundado.

Na avaliação do Ministério da Educação (MEC), através do Programa Nacional do

Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) no âmbito dos Conhecimentos Linguísticos,

é importante promover atividades que explorem dimensões sociolinguísticas (variações

dialetais e de registro), bem como adequar a teoria linguística à faixa etária e ao nível de

ensino, como atividades de sistematização das estratégias e dos procedimentos implicados

no desenvolvimento desse eixo.

O livro analisado apresenta aspectos positivos no que diz respeito ao tratamento das

variações linguísticas, principalmente, por também enfocar questões relacionadas à

oralidade.

As aulas de ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio, independente da série,

devem oportunizar de forma igualitária, em termos de conteúdos e conhecimentos, uma

aprendizagem condizente com os princípios sociolinguísticos.

Bortoni Ricardo (2005, p 19) alerta para o fato de que no Brasil, ainda não se

conferiu a devida atenção à influência da diversidade linguística no processo educacional. A

ciência linguística vem, timidamente, apontando estratégias que visam aumentar a

produtividade da educação e preservar os direitos do educando.

No processo educacional, é necessário compreender que é no seio da sociedade e da

cultura, por meio da linguagem, com suas particularidades e afinidades, que as falas fluem,

que a interação entre os indivíduos ocorre. Linguagem, cultura e sociedade estão ligadas

entre si por laços indissolúveis. Todos nós temos uma linguagem, fazemos parte de uma

sociedade e temos uma cultura marcada pela história de nossas vidas. Esse princípio de

indissociabilidade entre língua, cultura e sociedade não pode ser tangenciado pela escola.

Figura 1 – Questões 4 e 5 (Seção Texto e Enunciação)

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Fonte: Cereja; Damien; Vianna (2016, p. 29)

Nessa atividade percebem-se aspectos relacionados à variação linguística no trabalho

com as expressões populares. Nesse sentido, é possível alegar que, sim, há a ideia de

investigação de sentidos em negociação na tarefa, que trabalha, aqui, com casos, não mais

com exemplos.

A padronização gramatical é vista não como uma necessidade absoluta, não como a

língua certa; pelo contrário, a ideia de trazer ditados populares serve para validar usos para

além da norma culta, mais altamente influenciada pela gramática normativa. E, ainda,

propõe-se que o estudante reflita sobre efeitos de sentido alcançados com concordâncias

desviantes em relação ao padrão. Enquanto é feita a análise estrutural, especial nos itens (a)

e (b) de 5, isto é, a análise sintática com reconhecimento de verbo e sujeito, e também é

proposta a reescrita conforme a norma-padrão, estabelecem-se dois casos a serem estudados

de acordo com os sentidos que produzem: o ditado tal e qual é proferido, e o ditado

modificado para atender às exigências da concordância padrão. Os falantes reconhecem a

sua língua e, por isso, sabem que determinadas construções são validadas em diferentes

situações à revelia dos compêndios gramaticais normativos. O sentido, aqui, depende do

contexto.

Infelizmente, a tarefa, em si, não encaminha uma busca para além do material

proposto no livro. Então, embora as questões não operem pela perspectiva de treinamento e

resolução, ligada tradicionalmente à depreensão de unidades de palavras ou frases, fica

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totalmente sob a responsabilidade do professor complementar essas lacunas. Do modo como

está elaborada a tarefa, muito possivelmente a leitura conduziria a pelo menos dois

estereótipos: o de que as construções com concordância não padrão não são encontráveis em

textos formais, e o de que a fala e também a escrita culta não enfrentam as tensões da

gramática padrão. Conforme Britto,

Na verdade, a mudança do registro não é uma característica da norma padrão,

ocorrendo em função da situação interlocutiva. Nesse sentido, é constitutiva de

qualquer discurso de qualquer falante. [...] Registro não é uma variedade

linguística ou uma forma de fala mais ou menos adequada à norma canônica, mas

sim a mudança no uso da língua conforme a situação. O registro de uma situação

doméstica será diferente de uma conversação entre estranhos, que, por sua vez,

será diferente de uma cerimônia religiosa. [...] Mesmo em comunidades muito

pobres e relativamente isoladas, o registro varia do mais pessoal ao mais social, do

mais monitorado ao menos monitorado. (BRITTO, 2004, p. 128-129).

Afirmar que os efeitos de sentido variam é necessário, mas persiste a demanda de

que se apresentem textos aos alunos que desafiem a influência da padronização gramatical

sobre os textos cultos. No que diz respeito à concordância, empiricamente se poderia

identificar o não uso da voz passiva sintética e dos infinitivos flexionados, para ficar apenas

em dois exemplos, pois são várias as possibilidades para explorar-se o fato de que a

mudança linguística efetivamente chega aos escritos na norma culta, que passa a não

perceber que “infringe” o padrão ao passo que é influenciada por ele. Mas é claro que uma

única tarefa não dá conta da infinidade das demandas, bem como o LD não é feito para

suplantar todas as discussões possíveis em uma aula. Enfim, o que fazer? A proposta pode ir

ao encontro dessa sugestão:

3.1. TEXTO E ENUNCIAÇÃO NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

O trabalho todo da seção Texto e Enunciação dessa etapa é realizado tendo por

objeto um cartão enviado por Tarsila do Amaral a Mário de Andrade. O objetivo das

atividades é discutir, entre outros assuntos, a mudança linguística, a escolha de registro

(formalidade ou informalidade) e a regência verbal. Há, nessa seção, a integração entre a

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gramática e o texto, com foco na função dos recursos linguísticos em um texto autêntico. O

texto utilizado para o debate está a seguir, junto das primeiras questões encaminhadas:

Figura 2 – Questões 1 e 2 (Seção Texto e Enunciação)

Fonte:Cereja; Damien; Vianna ( 2016, p. 80-81)

Nelas, propõe-se o debate sobre o registro utilizado pela autora do cartão: se formal

ou informal, considerando-se o gênero do texto e a época da escrita. A ideia de questionar o

registro a partir do gênero textual é interessante e está conforme a discussão de Britto

(2004), que afirma que o registro depende do contexto de interlocução.

O que acontece, nesse caso específico, é que poderia existir, para o professor, dada a

delicadeza do tema, uma sugestão de abordagem que desvincule a relação entre

padronização gramatical e formalidade de registro, porque é para esse problema que a tarefa

encaminha: a regência tradicional, chancelada pela gramática normativa, é encontrada em

textos formais, mas não necessariamente outra escolha caracterizaria informalidade.

É importante sublinhar que a construção desse mito de colocar em pé de igualdade o

padrão e o formal já foi identificada por linguistas como Bagno (2013), autor que define a

informalidade como uma “vala comum”, enfim, um conceito teórico nebuloso através do

qual são julgados todos os fenômenos de mudança linguística que desrespeitem o padrão. Se

assim é, a falta de maior suporte ao docente por parte do livro didático pode acarretar a

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manutenção de uma falácia linguística. Além disso, a questão de ambiguidade proposta

parece caminhar na direção contrária da intuição linguística dos falantes. Certamente esse

fato é apontado na sugestão de resposta do item (b) da segunda questão, mas o motivo

sugerido poderia dar conta da questão do paralelismo sintático: a coordenação de estruturas

similares garante a leitura sem problemas de comunicação nesse trecho. Infelizmente essa

abordagem não entra em questão nas sugestões do livro. Importante é dizer que os

apontamentos aqui são uma crítica acerca de uma proposta que já vai ao encontro do que se

espera como atividade de reflexão linguística. Sabe-se que o livro didático não pode dar

conta de tudo, portanto é também papel do professor identificar lacunas e suplantá-las.

As questões apresentadas indicam, por parte dos autores, uma expectativa de que o

aluno seja investigativo quanto aos usos linguísticos presentes no texto. Essa postura pode

ser identificada nas análises demandadas nas questões 3, 4 e 5: pede-se uma leitura crítica de

usos ortográficos divergentes do padrão, a expansão de usos linguísticos através da reescrita

de trechos do texto lido e a reflexão sobre as regências utilizadas pela autora.

Figura 3 – Questão 3 (Seção Texto e Enunciação)

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Fonte: Cereja; Damien; Vianna (2016, p. 81)

Em 3 e 4, é significativo frisar que os autores não tacham os usos que seriam

desviantes como erros. O próprio texto oferecido para a leitura, nesse sentido, infringe a

norma no uso ortográfico, e as atividades são concebidas a partir da consideração de que as

formas linguísticas utilizadas dependem dos gêneros textuais, especialmente do seu contexto

de circulação. Há, inclusive, abertura, no item (c) da questão 3 e no (b) da questão 4, para

que se debata uma atualização da escrita do cartão-postal, que serve como objeto de estudo,

para o contexto virtual.

O livro didático em estudo acata essas possibilidades de uso e não as considera

desvios embora não atendem ao padrão gramatical, pois a premissa dos autores é que, em

determinados contextos, a norma não opera como baliza para a correção. Nesses casos

apresentados, portanto, a reflexão sobre os usos transcende o limite do período e chega ao

texto nas suas particularidades: a escolha linguística depende do efeito de sentido

pretendido.

O problema acontece, todavia, quando determinadas estruturas acolhidas pela norma

culta são marginalizadas à informalidade porque divergem da gramática padrão (Bagno,

2013). É o que se vê na sugestão de resposta ao item (c) da questão 4, quanto às regências de

“esquecer” e “mandar”. Por acarretamento, o mesmo dilema aconteceria na abordagem da

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questão 5, caso o professor, na sala de aula, optasse por considerar que as alterações feitas

pelos estudantes, conforme a proposta, são desvios. Quais são, afinal, esses textos formais

de que o livro tanto trata? Certamente os autores não consideram formal o cartão de Tarsila

do Amaral, mas também, como já se identificou, mesmo os textos jornalísticos apresentam

usos que seriam condenados de acordo com o critério da norma-padrão

De acordo com Bagno (2013), a norma padrão é um ideal linguístico. Nessa esteira,

enquanto os alunos pesquisam a partir de suas gramáticas internalizadas e têm a

oportunidade de se questionar sobre as múltiplas construções que a linguagem permite, a

gramática padrão segue como uma máquina a ser acionada quando os “textos sérios”

aparecerem. A norma passa a ser um critério de correção para gêneros textuais que não

aparecem nas atividades da seção – os ditos formais –, porque, se aparecessem, as atividades

ganhariam um tom incomodamente conservador. Felizmente, por outro lado, considera-se o

estilo no texto lido, embora haja menos tensão quando a gramática normativa não viola a

autoria com as regras inquebrantáveis. Reflete-se sobre as variedades linguísticas, e não são

tomados enunciados para serem reescritos conforme o padrão a fim de corrigi-los. E,

notadamente, essas são todas escolhas dos autores, que, mesmo que se protejam atrás de um

mito de gramática e de um mito de texto, optaram por abranger uma diversidade de gêneros

para abranger também a diversidade da linguagem.

4 METODOLOGIA

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa de caráter bibliográfico e

realizou-se em quatro etapas. Inicialmente se fez necessária a escolha do objeto a ser

analisado com a reflexão sobre que ponto poderia ser relevante para a educação, mais

especificamente para o ensino de língua portuguesa na educação básica. Algo que

necessitasse ser discutido e que seria significativo para os professores. Em seguida, ocorreu

a escolha do arcabouço teórico a ser usado como base conceitual na análise em questão,

buscando-se autores tidos como referência em seus escritos a respeito da temática abordada.

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O terceiro passo foi a leitura per se dos textos nos quais a pesquisa está fundamentada para

que o conteúdo presente no corpus escolhido fosse consequentemente explanado. E por

último, foi realizada a análise do objeto de estudo, a reflexão da problemática, juntamente a

argumentação sobre a importância do trabalho da sociolinguística variacionista no dia a dia

das salas de aula de língua portuguesa na educação básica, no intuito de diminuir e

gradualmente extinguir todo o preconceito existente quanto aos aspectos das variações

linguísticas pelos professores e pelos próprios alunos.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A sociolinguística é uma área de grande importância para a educação, visto que

através dela é possível realizar um trabalho que vise diminuir o preconceito linguístico

muitas vezes encontrado dissolvido na sociedade e que contribua para a aprendizagem sobre

as variedades linguísticas, o aprimoramento intelectual e para um melhor rendimento dos

alunos na disciplina de língua portuguesa.

O preconceito linguístico é um fato encontrado em algumas comunidades de fala e

traz como razão principal a questão socioeconômica do país. A distribuição de renda no

Brasil não acontece de maneira igualitária, uma vez que se pode constatar a presença de um

grupo de pessoas que detém uma significativa quantidade de bens, de um lado, e uma

parcela da população, de outro, que vive em situação precária.

Os cidadãos que possuem acesso maior a bens materiais são exatamente os que têm

mais acesso à norma padrão da língua, à norma ditada nas gramáticas normativas e nos

cânones literários, em detrimento das pessoas menos favorecidas economicamente que

acabam por não ter muitas oportunidades de entrar em contato com a norma padrão. Outro

fator é a situação histórico-política do Brasil, que vem desde o período da colonização do

país, em que as cidades do litoral, por terem mais contato com os portugueses, tiveram mais

acesso à língua culta, o que implica até os dias atuais numa diversidade linguística que faz a

língua das capitais litorâneas serem consideradas de mais prestígio que as interioranas, isso

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no aspecto social. Conforme Bortoni-Ricardo (2004, p.34), “estamos vendo, então, que são

fatores históricos, políticos e econômicos que conferem prestígio a certos dialetos ou

variedades regionais e, consequentemente, alimentam rejeição e preconceito em relação a

outros.”.

É possível ver, pois, que essa problemática vem perpetuando-se desde muitos anos,

e, quando chega em sala de aula, cabe ao professor buscar maneiras de diluir a concepção de

que os dialetos e falares de algumas comunidades são melhores que outros e que só existe

uma maneira tida como correta para se expressar, conscientizando os alunos de que dentro

das comunidades existe mais de uma possibilidade de escolha para se dizer uma mesma

coisa com o mesmo valor de verdade em situações diferentes.

O educador deve passar para os alunos que não existe um jeito certo e

consequentemente um errado de falar, o que existe é a maneira adequada para utilização da

linguagem em cada ocasião durante as interações sociais vivenciadas, que vão de acordo

com os papeis sociais desenvolvidos por cada cidadão.

Os professores, por sua vez, necessitam ter conhecimento a respeito das prerrogativas

defendidas pela sociolinguística para que possam desenvolver atividades e atitudes

interativas de conscientização, como uma das atividades que é proposta pelos PCN (1998, p.

82-83) “levantamento das marcas de variação linguística ligadas a gênero, gerações, grupos

profissionais, classe social e área de conhecimento, por meio da comparação de textos que

tratem de um mesmo assunto para públicos com caraterísticas diferentes [...]”.

O trabalho com a diversidade envolve não apenas a classe econômica a que cada

pessoa pertence, outros fatores, conhecidos na sociolinguística como grupos de fatores ou

fatores condicionadores, também influenciam na escolha de um determinado uso linguístico

por um falante. E durante as explicações em sala de aula esse é um ponto a ser ressaltado

pelos professores.

Há que se ter o cuidado, porém, de como trabalhar as variações em exercícios e

provas, para não acabar propagando ainda mais o preconceito. Um fato ocorreu numa prova

da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que gerou, em 1998, uma reação da

Associação Brasileira de Leitura (ABL) por conter aspecto preconceituoso e antipedagógico.

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Segue um trecho da carta de indignação direcionada à secretária da educação na época,

como comentam Basso e Ilari (2011, p.236):

A posição do professor frente às variações sociolinguísticas é de grande relevância,

visto que ele é o instrumentador da temática e o mesmo pode tanto motivar o aluno quanto

desmotivá-lo. Um professor que leve em consideração que o aluno traz de casa uma

bagagem linguística, é mais compreensivo no sentido de entender que existe uma variável

distinta da variedade padrão e que pode ser utilizada na comunidade, dependendo da

situação.

Porém, um professor que seja extremamente tradicional em sua conduta e só admita

como sendo adequada a norma padrão, pode gerar medo e total insegurança no aluno, como

na narrativa de Carmo Bernardes, em que a formalidade do professor causava insegurança

linguística, conforme afirma Bortoni-Ricardo (2004, p. 24) “como um mestre à moda antiga,

nosso colega Frederico caprichava muito na linguagem. Por exemplo, em vez de dizer

“levantar” dizia “erguer”. Sua formalidade, associada ao seu rigor, contribuiu para criar no

menino um grande temor e insegurança linguística. ”. Quando um aluno sente temor e

insegurança, começa a ficar cada vez mais recatado em sala de aula por medo de dizer

alguma coisa “errada”, mais precisamente que seja considerada errada pelo professor e

possivelmente gere algum tipo de constrangimento em decorrência da maneira como o

educador faz as correções, a seu ponto de vista, necessárias. O que, assim, vai proporcionar

mais desinteresse da parte do estudante e consequentemente queda de seu rendimento, e com

a queda de seu rendimento, o aluno vai se achar de fato incapaz de aprender e vai se

desinteressar mais, o que pode gerar mais constrangimento para o mesmo e assim um ciclo

negativo de aprendizagem é criado.

Para Bortoni-Ricardo (2005, p.14) “a escola é norteada para ensinar a língua da

cultura dominante; tudo o que se afasta desse código é defeituoso e deve ser eliminado.”. Os

sociolinguistas tem o objetivo de quebrar essa ideia empregada ainda hoje em muitas

escolas, lutam para que essa problemática seja banida das salas de aula e a questão

linguística seja explorada de maneira muito mais igualitária e interativa. Nesse processo,

almeja-se que os alunos tenham acesso a mais de um tipo de variedade, o que implica o

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ensino também da gramática normativa. Assim, faz-se necessário o ensino da variedade

culta da língua, visto que ela é a variedade presente em documentos oficiais, textos literários

e em outros momentos formais. No entanto, não se pode ter o foco exclusivo nela, é preciso

mostrar a riqueza e a diversidade existentes na língua portuguesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo abordou a importância de se trabalhar a variação linguística em

sala de aula de língua portuguesa, mostrando o que é a sociolinguística e sua vertente

variacionista, que estuda as variedades linguísticas presentes nas diversas comunidades de

fala da sociedade.

Esse trabalho traz contribuição para professores que de fato estão envolvidos e

interessados em desenvolver uma didática mais interativa e estejam abertos a abraçar o

projeto de diminuição desse preconceito linguístico existente, que se preocupam com a

efetiva educação de seus alunos e com o bem estar dos mesmos, visto que aborda questões

referentes ao papel do profissional no processo ensino/aprendizagem e sua interação com os

alunos, fator importante para a compreensão dos educandos a respeito das temáticas

abordadas em sala de aula.

Quando os alunos estão envolvidos na didática do professor, quando se sentem à

vontade, sabendo que não serão repreendidos de forma negativa, o interesse pelo estudo e o

rendimento escolar aumentam. É preciso, pois, que os professores tenham consciência das

variedades existentes no meio social de seus alunos e dos pressupostos teóricos da

sociolinguística para que assim possam melhorar suas aulas e aperfeiçoar o conhecimento de

seus estudantes.

O mercado educacional necessita de uma melhoria, formando estudantes cada vez

mais capazes de dar conta de seus papeis de cidadãos, que possam refletir criticamente em

situações diversas, que saibam como se adequar aos contextos vivenciados, que saibam

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escolher a linguagem adequada a cada situação, e é a prática em sala de aula, o modo como

os assuntos são abordados que vão contribuir para esse sucesso.

Ao fim desse trabalho de análise, conclui-se de que o conjunto de tarefas situa as

partes de Língua e Linguagem da primeira unidade de “Português contemporâneo: diálogo,

reflexão e uso” em uma perspectiva híbrida, ora tendendo à maneira tradicional de ensino de

gramática, ora às práticas de reflexão linguística. Essa dualidade do material lido está em

sintonia com a realidade da sala de aula, também híbrida, de convivência entre metodologias

de ensino por vezes conflituosas (MENDONÇA, 2006). Além disso, a reflexão linguística,

por excelência, provavelmente está empreendida nas demais partes da unidade analisada e

do livro como um todo, pois ela consiste em uma etapa do tratamento com textos mesmo

que os autores não a sinalizem. O trabalho seria mais completo, com certeza, se todas as

seções pudessem ser analisadas, com a criação de critérios claros para a identificação de

atividades de reflexão linguística.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, I. Gramática contextualizada – limpando “o pó das ideias simples”. São

Paulo: Parábola Editorial, 2014.

BAGNO, M. Sete erros aos quatro ventos: a variação linguística no ensino de

português. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.

BASSO, Renato; ILARI, Rodolfo. Linguística do Português e Ensino. In: O português da

gente: a língua que estudamos a língua que falamos. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2011. Cap.

4, p. 197-237.

BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolinguística em sala de

aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

__________. Nós cheguemu na escola, e agora? São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

__________. Manual de Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2014. BRAGA, M. L.

(Orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2004.

Cap. 1, p. 09-14.

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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Língua Portuguesa. Ensino

Fundamental. Terceiro ciclo. Brasília: MEC/SEF, 1998. MOLLICA, M. C. Fundamentação

Teórica: conceituação e definição. In: MOLLICA, M. C;

BRASIL. Ministério da Educação. PNLD 2018: língua portuguesa – guia de livros

didáticos – Ensino Médio. Ministério da Educação – Secretaria de Educação Básica – SEB –

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF: Ministério da Educação,

Secretaria de Educação Básica, 2017.

BRITTO, L. P. L. O Ensino Escolar Da Língua Portuguesa Como Política Lingüística:

Ensino De Escrita x Ensino De Norma. Revista Internacional De Lingüística

Iberoamericana, vol. 2, no. 1 (3), 2004, pp. 119–140.

CEREJA W. R.; DAMIEN, C.; VIANNA, C. D. Português contemporâneo: diálogo,

reflexão e uso.Vol. 3, 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MENDONÇA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In:

BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. [Org.]. Português no Ensino Médio e Formação do

Professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

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UMA ANALISE HISTÓRICO – COMPARATIVA ENTRE AS LINGUAS

NEOLATINAS PORTUGUES E ESPANHOL

Layon Cândido de Barros1

RESUMO: O presente trabalho acadêmico tem como objetivo apresentar semelhança entre os idiomas

português e espanhol. Assim, quebrar barreiras impostas por pessoas que tem dificuldade em aprender outra

língua a partir de sua língua regional e nacional. Adicionar a sua língua outro idioma internacional, para

realização profissional e ingresso no mercado de trabalho, muito concorrido, visando atender o fluxo

migratório neste século XXI, mais precisamente ano 2019. As metodologias seguidas foram pesquisa

bibliográfica, analises dos elementos e das relações entre um idioma e outro, e a pesquisa quantitativa

revelando dados de pessoas que falam tais línguas - servindo de estimulo para brasileiros - futuros leitores

deste trabalho acadêmico, a estarem apreendendo também a língua espanhola. Elaboradas tabelas com

informações sobre quais países e populações falam o espanhol e, o português. Analise entre as normas padrão

das línguas citadas, os pronomes pessoais no singular e plural, conjugação verbal, frases, formas de expressões,

sejam para escrita ou linguística de ambos os idiomas. E a principio, exposto um contexto histórico entre as

línguas, migrações, e colonizações desde a região europeia da Península Ibérica – Espanha e Portugal ate o

Brasil. Que nos apresentam multilinguíssimos fantásticos dos movimentos das pessoas. E verdade que do

Latim surgiram às línguas Português e Espanhol.

Palavras-chave: Linguística. Línguas Neolatinas. Português. Espanhol.

1 ORIGENS DOS IDIOMAS

A história da Península Ibérica, onde estão localizados os países Portugal e Espanha,

apresenta os fatos e acontecimentos escritos, de uma forma muito atraente. Levando aos

leitores interesse no assunto, e um aprofundamento no tema. Parecido o mar, quando leva e

traz tudo que está sobre ele.

Seja vento ou impulso, correnteza ou natureza. Quando estudamos as origens de

nossas línguas, podemos apreciar ótima pesquisa.

Assim reparamos o fluxo migratório das pessoas que saem de suas regiões de

nascença para colonizar outras.

Com essas mudanças de uma população para outro lugar – ocorrem transformações –

na cultura, na linguagem de nativos e seus respectivos lugares.

1 Graduando em Letras do Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA).

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E na Espanha e Portugal houve diversas migrações e colônias. As autoras Patrícia

Damasceno Fernandes, Natalina Sierra Assencio Costa, e o autor Miguel Eugenio Almeida,

(em sua obra sobre as línguas espanhol e português, 2015), no texto intitulado Breve

Histórico da Língua Portuguesa e Espanhola, separaram em tópicos, três destas colônias na

Península Ibérica – A romanização da Península Ibérica – por volta de 218 aC. Os

germânicos invadem a Península – em 409 dC. Os Árabes invadem a Península – em 711.

Neste ultimo citaram o autor Castilho:

O desenvolvimento literário foi muito intenso, a ponto de pensarem alguns

historiadores da literatura que a poesia lírica medieval da Península Ibérica seja de

origem árabe. Estudos linguísticos foram cultivados, para as explicações do

Alcorão. (CASTILHO, 2009, p. 19).

Lá deixaram seus sotaques – marca de uma língua regional – as indo-europeias

famílias de línguas, onde se encontra o latim e suas línguas neolatinas – a autora Arean

Garcia, na sua obra – Breve Histórico da Península Ibérica, apresentou:

O galego, o português, o castelhano, como também a maioria das línguas da

região, exceção feita ao basco, originaram-se do processo de romanização da

Península aliado ao substrato indo-europeu característico de cada localidade e

ainda somado aos superstratos germânicos e aos abstratos vizinhos (GARCIA,

2009, p 19).

A autora descreve, também, no mesmo texto sobre as origens da língua galego-

português – foram herdadas dos galaicos e lusitanos, que habitavam no Nordeste, banhados

pelo Oceano Atlântico Norte (GARCIA, 2009).

O Espanhol e Português surgiram do latim de Roma, nas colonizações destes países

europeus:

Em termos sociolinguísticos, a diglossia proveniente da latinização acabou

desencadeando um processo massivo de assimilação linguística, que culminou

com a extinção das línguas autóctones na parte ocidental do Império. Dessa

maneira, o latim se sobrepôs às línguas locais e distintas em épocas diferentes na

Península Ibérica, significando que, durante a romanização, nunca deve ter havido

uma unidade linguística total na região peninsular. (MONTEAGUDO,1999, p. 56

apud GARCIA, 2009, p.5).

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Essa unidade linguística foi comparada no Brasil, pelo autor Marcos Bagno igual um

mito – no seu Livro Preconceito Linguístico - o que e, como se faz. Segundo Bagno, (2010,

p. 27) – “O fato e que, como a ciência linguística moderna já provou e comprovou, não

existe nenhuma língua no mundo que seja (uma), uniforme e homogênea...”. Ainda

considera que:

Toda e qualquer língua humana viva e, intrinsecamente e inevitavelmente,

heterogênea, ou seja, apresenta variação em todos os seus níveis estruturais

(fonológica, morfologia, sintaxe, léxico, etc.) e em todos os seus níveis de uso

social (variação regional, social, etária, estilística etc.). (BAGNO, 2007, P. 27).

Na sua obra, Arean Garcia cita Bassetto, comenta sobre um latim vulgar na

linguagem dos espanhóis, que era falado por pessoas populares (2009, p. 3):

A norma vulgar foi preponderante no processo de difusão e fixação do latim nas

províncias, uma vez que era falada pelo exército, pelos colonos civis e militares e

pelos comerciantes – que mantinham contato direto e permanente com as

populações autóctones2.

Dessa rápida passagem pelas origens das línguas portuguesa e espanhola,

objetivamos ressaltar a necessidade de profissionais dominarem outras línguas a partir de

sua língua materna, regional. A importância também de dominar a norma padrão do

português brasileiro, para escrita e usos casuais e formais desta língua.

Adicionar a sua língua outro idioma internacional, para realização profissional e

ingresso no mercado de trabalho, muito concorrido, visando atender o fluxo migratório neste

século XXI, mais precisamente ano 2019.

E confirmar a semelhança entre os idiomas. Quebrando barreiras, muitas vezes

impostas por pessoas que tem como desafio apreender o português e espanhol.

2 Eram chamados de autóctones os antigos espanhóis e sua linguagem - Durante o processo de romanização,

foram introduzidos vários elementos socioculturais desconhecidos pelos povos autóctones, tais como: o direito

romano; a língua latina (processo de latinização); a organização militar, civil e política. (AREAN GARCIA,

2009, p.4).

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As metodologias seguidas foram pesquisa bibliográfica, analises dos elementos e das

relações entre um idioma e outro, e a pesquisa quantitativa revelando dados de pessoas que

falam tais línguas - servindo de estimulo para futuros leitores deste trabalho acadêmico, a

estarem apreendendo também a língua espanhola.

Assim elaborar tabelas com informações sobre quais países e populações falam o

espanhol e, o português. Fazer uma comparação entre as normas padrão das línguas citadas,

os pronomes pessoais no singular e plural, conjugação verbal, frases, formas de expressões,

sejam para escrita ou linguística de ambos os idiomas.

Os falsos cognatos ou falsos amigos - são palavras parecidas com as do português,

mas com significados diferentes, faladas nas linguísticas do português brasileiro, com tais

significados regionais, e ate dentro da norma cultua atual, mas no idioma espanhol com

outro sentido:

Os falsos cognatos em espanhol são considerados realmente os `falsos amigos`,

por se tratarem de palavras muito parecidas na semântica com a língua portuguesa,

porém, possuem um significado totalmente diferente do que parecem ser e isso,

pode ocasionar em falha de interpretação e comunicação numa conversa na língua

espanhola (POMPERMAYER, 2019, grifo do autor).

Seguindo com descrição de um contexto histórico entre as línguas, migrações, e

colonizações desde a região europeia da Península Ibérica – Espanha e Portugal até o Brasil.

2 O TRATADO DE TORDESILHAS

Foi um decreto assinado entre os Reinos de Portugal e Espanha em Tordesilhas no

ano de 1494. Um combinado em relação a novas terras descobertas na América do Sul para

desbravarem e colonizarem (um novo continente).

No qual, evento este, teve participação o Papa Alexandre VI, na época, como

mediador no conflito entre os países, por causa das novas terras descobertas. O combinado

foi o seguinte - o Papa demarcou uma linha dividindo o continente - “essa linha imaginária

passava a 370 léguas de Cabo Verde. O território a oeste da linha ficaria com a Espanha e a

leste, Portugal.” (PERES, 2018).

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Nos mapas que contém as demarcações deste tratado, notam-se as duas linhas de

norte a sul das Américas. Do lado direito uma linha a partir do continente da Europa em

Portugal e no continente da África. E outra linha cortando a América do Sul ao centro do

Brasil. Da central do Brasil a direita ficou destinada para a Espanha, e do centro do Brasil à

esquerda para Portugal.

Há relatos de que ambas as partes descumpriram o tratado. Sendo vigorado outro

tratado. O Tratado de Madri – com divisões de terras já colonizadas.

3 OS PORTUGUESES E ESPANHOIS NO BRASIL

Os primeiros relatos dos europeus no Brasil, descritos foram, após embarcações do

português Pedro Alvares Cabral, que em suas navegações aportou no Brasil, deixando dois

homens de sua frota, que navegavam pelo mar Atlântico Sul rumo as Índias.

Eles ficaram na então – Novas Terras – pra passarem informações, junto com mais

dois navegantes que fugiram da embarcação, faziam longas viagens. O escrivão, destas

primeiras navegações – Pero Vaz de Caminha escrevera – “Mjhor e mujto milhor

enformacom da terra daram dous homees destes degredados que aaquy leixassem do que

eles dariam seos leuvassem”.3 (PEREIRA, 1964, p.6 apud MATTOS E SILVA 2004, p. 14).

Na historia de colonização do Brasil lemos não só uma necessidade de

convergência da língua, mas também tentativas de conversão religiosa dos português aos

indígenas do Brasil – “Embora homogeneizadora da atividade catequética – construiu um

tupi jesuítico -, a língua geral da costa, de base tupi, chegou a ser um risco para a hegemonia

do português no Brasil.” (MATTOS E SILVA, 2004, p.14).

E comenta também das línguas indígenas existentes no Brasil nesse tempo, e sua

importância na comunicação:

3 Tradução no português - Melhor e muito melhor informação da terra darão dois homens destes degredados

que aqui deixassem do que eles dariam se os levássemos.

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(...) juntamente com outras línguas gerais indígenas que foram veículos de

intercomunicação entre brancos, negros e índios não só no litoral brasileiro, mas

nas entradas paulistas. Pelo nordeste teria sido uma língua geral cariri (Houaiss,

1985 – 49-50) e na Amazônia a língua geral de base tupinambá o antepassado do

nheengatu, que persiste hoje em área de complexo multilinguismo no Rio Negro,

língua brasileira, fruto vivo da morte de outras línguas (MATTOS E SILVA, 2004,

P.14).

No Brasil, a grande imigração influenciou no saber da cultura popular, é notório em

diversas áreas: arquitetura e urbanismo, artes, religião, culinária, educação: numerais,

literatura, linguística e todas as palavras que compõem o contexto cultural:

Assim, é fato conhecido de algumas pessoas a influência de uma cultura sobre

outra, de uma língua na outra. Isso ocorreu com a língua portuguesa que, na

constituição de seu vocabulário, lançou mão do saber de outros povos, outras,

raças, outras culturas. Herdaram-se palavras latinas, gregas, germânicas, celtas,

árabes, francesas, inglesas, africanas, indígenas, espanholas, na constituição do

léxico português. (LESSA, 2010).

Os espanhóis, também deixaram suas contribuições, na cultura do Brasil. Nota-se nos

dias atuais palavras iguais e semelhantes a dos espanhóis, faladas por nós brasileiros.

(LESSA, 2010):

O volume de contribuição do espanhol, ao português, data, essencialmente, da época

do predomínio político e literário da Espanha. Alguns dos termos, em causa, situam-se nos

ambientes a seguir:

QUADRO 1 - Contendo algumas palavras de origens espanholas, faladas por nós brasileiros.

Cortezão- Cavalheiro (Nobre) Lhano (Sincero) Airoso (Gracioso)

Noções Militares- Cabecilha (Chefe) Caudilho (Capitão) Guerrilha (Guerra)

Costumes e

Vestuário-

Terno (Afeto) Boina (Boné) Mantilha (Manto)

Vocábulos,

Semânticos

Trecho (Segmento) Tijolo (Argila) Moçoila (Moça)

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Significados extraídos do Dicionário Online de Português – www.dicio.com.br – 05/2019.

E o próprio étnico castelhano, que usurpou o lugar do ant. Castelão. Diga-se, ainda,

que existem não poucos castelaníssimos perfeitamente integrados na fonética do português

e, por isso, difíceis de identificar." (LESSA. 2010).

Também Garcia (2014) ressalta a passagem e a existência de espanhóis no estado de

Pernambuco e palavras deixadas nas linguistas dos sertanejos pernambucanos:

Quadro 1: palavras do léxico espanhol, no dialeto do nordeste brasileiro, região Sertão de Pernambuco, como

elas são nos dicionários do português brasileiro e em espanhol.

Enrriba Acima Original Espanhol Arriba

Visse Viu Em Espanhol Vistes

Antonces Então Em Espanhol Entonces

Depois Depois Em Espanhol Despues

Mucho Muito Ocho Oito

Fonte: o autor

Numa publicação muito bem tratada e apresentada, sobre estas línguas portuguesas e

espanholas, já citada acima, as autoras e o autor descrevem sobre a língua espanhola na

América:

Após a conquista, começa a colonização da América e com isso a língua espanhola

passa a estar em contato com línguas indígenas dos povos que viviam lá antes da

chegada dos espanhóis. A partir daí o espanhol influenciou as línguas indígenas de

povos nativos. “Existen fenômenos y problemas de superstrato, influjo de la

lengua dominante sobre la dominada; en nuestro caso, penetración de hispanismos

en el nahua, en zapoteco, en el quéchua, en guarani4.” (LAPESA, 1980, p. 539-

540) apud DAMASCENO, 2015).

4 Há fenômenos e problemas de superstrato, influência da língua dominante sobre a dominada; no nosso caso, a

penetração dos hispanismos em Nahua, Zapotec, Quechua, Guarani.

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4 PAÍSES QUE FALAM ESPANHOL E PORTUGUÊS

Na atualidade, vemos as línguas indígenas brasileiras e suas tribos isoladas. Bem

próximas do idioma espanhol, principalmente as tribos indígenas brasileiras que fazem

fronteira com países do idioma espanhol, maioria no Continente Sul-americano.

Quadro 2 - Países que falam espanhol

Américas África e Europa

Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia,

Peru, Equador, Puerto Rico, Republica

Dominicana, Cuba, Panamá, Costa Rica,

Nicarágua, Honduras, El Salvador,

Guatemala, México.

Guiné Equatorial

Espanha

(Fonte - www.soespanhol.com.br)

Atualmente, o espanhol é a segunda língua mais falada no mundo, perdendo apenas

para o mandarim.” (VIRTUOUS, 2019).

Em um post Wagner Rodrigues nos apresenta dados expressivos sobre a língua

espanhola – “São mais de 500 milhões de pessoas que falam nativamente o espanhol, atrás

somente do chinês. Ademais, o idioma espanhol é a segunda língua de comunicação do

mundo, sendo o inglês o primeiro.”

Também nos apresenta grandes números em relação ao espanhol no Brasil e EUA:

No Brasil, 6 milhões de pessoas falam espanhol. Isto após a Lei Federal que tornou

obrigatório o ensino da língua espanhola nas escolas. Segundo estimativas, com o

aumento do número de professores de espanhol na rede de ensino, este número

poderá ultrapassar os 11 milhões. Já nos Estados Unidos, onde o ensino do

espanhol não é obrigatório, mais de 7 milhões de estudantes optaram pelo idioma,

mesmo podendo optar por outros como francês e alemão, por exemplo.

(RODRIGUES, 2019).

Já os países que falam o português com suas variantes linguistas entre o idioma

português e regional, citamos a região nordeste com um sotaque linguístico forte e

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conhecido com sua heterogênea influência de outras línguas neolatinas português e

espanhol, história parecida com a região e linguística da Catalunha. Os países que falam

língua portuguesa são:

Quadro 3: Países que falam português

América do Sul Europa África Ásia, Oceania

Brasil Portugal Cabo Verde,

Guine Bissau,

Guine Equatorial,

São Tome e Prince,

Angola,

Moçambique

Timor Leste

(Fonte www.normaculta.com.br)

BREVE CONCLUSÃO

O português é a quinta língua mais falada do mundo, com cerca de 250 milhões de

falantes. É a língua oficial de nove países, que formam a Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa (CPLP).” (NEVES, 2019).

A autora também nos apresenta o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que em

1990, visando unificar a escrita dos vários países falantes do português e, consequentemente,

preservar a língua portuguesa, foi assinado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que

definiu novas regras ortográficas para o português. (NEVES, 2019)

Conclui-se que há semelhanças entre o português e espanhol, tanto pelas imigrações

e colonizações quanto por o léxico, vocabulário, norma culta de tais línguas. Assim vamos

aprender mais idiomas com muita leitura, foco, disciplina, fé em Deus e confiança em si

mesmo, que somos capazes de aprender e vencer.

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REFERÊNCIAS

AGUIAR, Luis Eduardo Garcia, A influência espanhola na linguagem do povo

pernambucano do interior, (enviado em 2014, reeditado em 2015,

recantodasletras.com.br).

BAGNO, Marcos Preconceito Linguístico o que e, como se faz. 49ª edição – São Paulo,

junho de 2007.

CORPAS, Jaime; Eva García; Agustín Garmendia; Carmen Soriano. Aula Internacional 1.

P. 28, 29, 30. Difusión, S. L. Barcelona 2005.

DICIO. Dicionário Online de Português - Significados de Palavras em Português <

https://www.dicio.com.br/ > Acessado em 14/05/2019.

GALVÃO, Luísa Lessa. 2010. A Influência Espanhola no Vocabulário Português –

agazetadoacre.com - <https://agazetadoacre.com/a-influencia-espanhola-no-vocabulario-

portugues/?fbclid=IwAR1X1ZBM6ennft1OYP0-

1Dz4LCGBIR_dISCjNtloz3eMSsYpVSWWd47oLbs> - Acessado em 07 de maio de 2019.

GARCIA, Nilsa Arean, Breve Histórico da Península Ibérica. Revista Philologus, Ano 15,

N° 45. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2009.

NEVES, Flávia, Países que Falam Português < https://www.normaculta.com.br/paises-que-

falam-portugues/ > Acessado em 13/05/2019.

PERES, Paula. Tratado de Tordesilhas – Nova Escola ORG.BR - encontrado em

<https://novaescola.org.br/conteudo/11871/por-que-portugal-e-espanha-assinaram-o-tratado-de-

tordesilhas> - Acessado em 16 de abril de 2019.

POMPERMAYER, Deisielle. Falsos Cognatos em Espanhol. Info Escola Navegando e

Aprendendo. Encontrado em - <https://www.infoescola.com/espanhol/falsos-cognatos-em-

espanhol/> - Acesso em: 11 abr. 2019.

RODRIGUES, Wagner, O Idioma Espanhol no Mundo

<http://culturaespanhola.com.br/blog/o-idioma-espanhol-e-o-segundo-mais-falado-no-

mundo/>Acesso em 10/05/2019.

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SILVA, Rosa Virginia Mattos e, Ensaios para Uma Sócio-História do Português

Brasileiro, São Paulo, 2004,).

VIRTUOUS, "Espanhol pelo Mundo" em Só Espanhol. Disponível na Internet em

<http://www.soespanhol.com.br/conteudo/Diversos_Espanhol_pelo_mundo.php-> Acesso

em 10/05/2019

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PROPOSTAS DE PRODUÇÃO ESCRITA NO LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO

FUNDAMENTAL II*

Jaciara Josefa Gomes**

RESUMO: Nesse artigo, objetivamos refletir sobre o ensino da escrita através das propostas para produção

presentes em livros didáticos de língua portuguesa do ensino fundamental II. Esses manuais se transformaram

em ferramentas legítimas da cultura escolar e assumiram papel indispensável na condução da prática docente.

Em razão disso, verificamos que condições de produção são favorecidas ou excluídas nesse processo.

Adotamos a ideia de que o estudo da língua/linguagem deve estar pautado no texto, elemento básico para o

ensino de língua materna, de acordo com os PCN (BRASIL, 1998), e compreendemos a escrita enquanto

processo de inserção social de estudantes (BRONCKART, 1999). Os resultados apontam que alguns aspectos

pertinentes ao livro didático devem ser revistos, pois apresentam lacunas em relação ao tratamento dado aos

conteúdos, à metodologia e à formulação das propostas de produção escrita.

PALAVRAS-CHAVE: Produção Escrita; Condições de Produção; Livro didático.

1 INTRODUÇÃO

A ideia de que língua e sociedade estão intimamente relacionadas, não se definindo

separadamente e revalidando a concepção de linguagem como forma de ação e evento

social, cultural e histórico, além de cognitivo e interacional (MARCUSCHI, 2008) é

princípio básico na discussão desenvolvida aqui. Portanto, nossa orientação está no estudo

da língua/linguagem pautado no texto, entendido como elemento básico para o ensino de

língua materna, já que a compreensão da escrita enquanto processo de inserção social de

estudantes (BRONCKART, 1999) é o que nos motiva nessa pesquisa.

O ensino de Português se constituiu historicamente como uma prática fragmentada,

tanto em relação ao objeto de ensino, a língua/linguagem, como também ao que disso foi

transformado em ferramenta de aprendizagem (gramática, leitura de clássicos e escrita

única), embora já apresente importantes mudanças em relação à escrita (MARCUSCHI e

CAVALCANTE, 2005). O objetivo nessa discussão é refletir sobre o ensino da escrita

* A discussão apresentada aqui resulta do projeto de pesquisa “Escrita e letramento no Ensino Fundamental II:

inclusão e cidadania”. ** Doutora em Letras-Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco, atua como professora na

Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns, na Graduação em Letras e no Mestrado Profissional em

Letras (PROFLETRAS/CAPES). Lidera o Grupo de Pesquisa/CNPq em Letramentos e Práticas Discursivas

(LEPRADIS). E-mail: [email protected].

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através das propostas para produção presentes em livros didáticos de língua portuguesa do

ensino fundamental II (EFII). Os referidos manuais se transformaram em ferramentas

legítimas da cultura escolar e assumiram papel indispensável para conduzir a prática

docente. Sendo assim, verificamos que condições de produção são favorecidas ou excluídas

nesse processo.

Discutimos aspectos pertinentes à textualidade, revisão individual, presença de leitor

externo ou destinatário, existência de projetos voltados a uma maior utilização e reutilização

dos textos produzidos, espaço de circulação dos textos, variedade e emprego evidente dos

tipos e gêneros textuais.

A organização realizada nesse estudo inicia com um breve histórico da escrita no

contexto de ensino. Em seguida, retomamos alguns discursos sobre a escrita, a partir de

abordagens sobre a escrita, bem como sobre seu ensino e aprendizado, refletindo ainda sobre

a avaliação dessa etapa. Posteriormente, analisamos como a coleção do livro didático

“Português: linguagens” de Cereja e Magalhães, aprovado no Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD, 2017), exploram os critérios selecionados para análise e, por fim,

apontamos aspectos a serem revistos nos manuais por apresentarem lacunas em relação ao

tratamento dado aos conteúdos, à metodologia e à formulação das propostas de produção

escrita. Longe de condenar essas ferramentas, pensamos em apontar como melhorá-las para

atenderem não só aos conteúdos da área, mas também à formação crítica e reflexiva dos

educandos.

2 A ESCRITA NO CONTEXTO DO ENSINO: HISTÓRIA E DISCURSOS

A produção escrita sempre teve lugar no ensino de língua materna, mas a forma como

foi compreendida e desenvolvida no contexto do ensino de português passou por diferentes

compreensões do que seja a linguagem, bem como do que ensinar quando se ensina

português (BATISTA, 1997). Em virtude disso, optamos por, nesse tópico, apresentarmos

um breve percurso histórico do ensino da escrita no Brasil, desde o final do século XIII até

as inovações promovidas nas décadas de 1980 e 1990, chegando aos anos 2000, bem como

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retomarmos alguns discursos sobre a escrita que influenciaram ou influenciam seu ensino e

aprendizagem.

2.1 BREVE HISTÓRIA DO ENSINO DA ESCRITA

Longe de ser exaustiva, o percurso histórico do ensino da escrita aqui apresentado

pretende mostrar um panorama de como, em perspectiva temporal, se organizaram as

práticas desse ensino e de sua aprendizagem, considerando também a concepção de

linguagem dominante no período.

Do final do século XIII até meados do século XX, dominava no contexto de ensino a

língua enquanto expressão do pensamento, com destaque para as regras gramaticais e leitura.

O ensino da Composição ficou relegado para as últimas séries do ensino secundário. Nessa

prática, os alunos deveriam escrever a partir de figuras ou títulos dados. A ênfase estava no

produto final. Observamos que essas práticas perduraram longos séculos chegando, muito

fortemente, ainda em nossos dias (SUASSUNA, 2019)5.

Somente a partir das décadas de 1960 e 1970 que começou a haver inovações como

incentivo à criatividade do aluno, prática bastante questionável, sobretudo porque na

avaliação terminava por rotular o mau desempenho do aluno, além de ter como pano de

fundo o discurso de que escrita é um dom, como veremos no próximo item. Podemos

lembrar ainda que o texto de leitura era utilizado como estímulo. Já o texto produzido era

estimulado pelo método, resultando de processo criativo. O que temos nessa época é a

compreensão de texto como objeto de uso e, portanto, também produto acabado. Lembremos

ainda que a concepção de linguagem predominante nesse período era a de instrumento de

comunicação (SOARES, 1998), ou seja, o ensino tinha a função utilitária de preparar mão de

obra para o mercado de trabalho.

5 Em palestra na abertura do I ERELIP, a professora Lívia Suassuna mostrou exemplos de práticas de produção

escrita, realizadas em 2018, dando conta de solicitar produção textual a partir de uma figura (mostrou figura de

um menino escovando os dentes).

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As inovações foram sendo ampliadas nas décadas de 1980 e 1990, quando se tornaram

cada vez mais diversas, uma vez que diferentes estudos da linguagem, como linguística

aplicada, linguística textual, sociolinguística, psicolinguística, antropologia linguística e

neurolinguística tomaram fôlego e passaram a influenciar as pesquisas sobre o ensino de

língua no país (SOARES, 1998). Assim, entendeu-se a linguagem enquanto enunciação e

discurso. Ou mais diretamente com base em uma linguística da enunciação, a linguagem

sendo concebida como uma forma de interação, como defendeu Geraldi (2002). Nesse

período, a produção de texto passou a considerar as situações de produção do texto, bem

como seu resultado.

Já no final dos anos de 1990, houve uma ampliação da concepção de linguagem que

passou a ser entendida como, além de um fenômeno sócio-histórico, uma atividade

cognitiva, agregando elementos linguísticos e não-linguísticos (MARCUSCHI, 2008). Desse

modo, Antunes (2003) salienta que a escrita passou a implicar, como toda atividade

interativa, uma relação cooperativa entre duas ou mais pessoas e, consequentemente, essa

escrita pressupõe um interlocutor, ou seja, a escrita é para/com alguém e deve ser sobre algo,

isto é, o aluno precisa ter ideias, precisa ter o que dizer.

2.2 DISCURSOS SOBRE A ESCRITA

Quando nos propomos a discutir a produção textual na atualidade, concordamos com o

entendimento de que as práticas sociais e as atividades de linguagem são múltiplas e

heterogêneas. Assim, de acordo com os PCN (1998), o texto é a unidade de ensino e os

gêneros são os objetos de ensino. Isso posto, passamos a apresentar quatro discursos que

estão nessa área como o discurso da escrita enquanto processo, a escrita a partir dos estudos

de gêneros, a escrita enquanto prática social e a escrita enquanto ato sócio-político. Essas

diferentes noções são aqui pensadas a partir das crenças sobre a escrita e seu aprendizado,

das abordagens de ensino da escrita e de critérios de avaliação próprios a cada discurso,

como propõe Ivanič (2004).

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Para tornar essa discussão mais didática, reproduzimos a seguir uma adaptação do

quadro proposto por Ivanič (2004):

Quadro 1: Discursos da escrita e do aprendizado da escrita

DISCURSO

CRENÇAS

SOBRE A

ESCRITA

CRENÇAS SOBRE

O APRENDIZADO

DA ESCRITA

ABORDAGENS DE

ENSINO DA ESCRITA

CRITÉRIOS

DE

AVALIAÇÃO

1. DO

PROCESSO

Escrever consiste

em processos de

composição

Aprender a escrever

inclui aprender os

processos

envolvidos na

composição de um

texto

ABORDAGEM DO

PROCESSO

Ensino explícito

?

2. DE

GÊNEROS

A escrita envolve

um conjunto de

gêneros,

determinados

pelo contexto

social

Aprender a escrever

envolve aprender as

características dos

diferentes tipos de

escrita que possuem

propósitos

específicos em

contextos

específicos.

ABORDAGEM DE

GÊNEROS

Ensino explícito

Adequação

3. DAS

PRÁTICAS

SOCIAIS

Inserida num

contexto social, a

escrita é uma

forma de

comunicação

guiada por

propósitos

Aprendemos a

escrever em

contextos da vida

real, com objetivos

reais para a escrita

ABORDAGENS

FUNCIONAIS

Ensino explícito

COMUNICAÇÃO

SIGNIFICATIVA

Ensino Implícito

‘Ens. comunicativo de

línguas’

APRENDIZES COMO

Eficácia

comunicativa

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45

ETNÓGRAFOS

Aprendizagem a partir da

pesquisa

4. SÓCIO-

POLÍTICO

Escrever é uma

prática

sociopolítica,

c/ consequência

para a identidade

do escritor, e

aberta à

contestação e à

mudança

Aprender a escrever

inclui compreender

por que os dif. tipos

de texto e de

discurso são como

são, e poder

escolher, de forma

crítica, entre as

alternativas

possíveis

LETRAMENTO

CRÍTICO

Ens. explícito

‘conscientização

linguística crítica’

Responsabilida

de social

Fonte: Adaptado de Ivanič (2004, p. 22)

Nesse quadro, temos resumidamente não apenas os discursos sobre a escrita, que

podem/devem ser inclusive combinados quando em práticas escolares para o ensino e a

aprendizagem da produção textual escrita. Vemos nele que o ensino pode ser implícito,

quando realizado a partir de práticas sociais, de respostas a demandas sociais (algo que nem

sempre é possível fazer no contexto de ensino que tem muito de simulação mesmo) e

explícito quando resultando de uma intervenção escolar didatizada e simulada.

Julgamos pertinente retomar alguns princípios sobre a escrita os relacionando ao que

foi posto no quadro. Antunes (2003) defende que a escrita se realiza, na diversidade de usos,

cumprindo funções comunicativas socialmente específicas e relevantes. A autora lembra que

a escrita varia, em sua forma, em decorrência das diferentes funções que se propõe cumprir

e, consequentemente, em decorrência dos diferentes gêneros em que se realiza. Dessa forma,

a escrita também supõe condições de produção e recepção diferentes daquelas atribuídas à

fala. Ademais, a escrita se faz de etapas distintas e integradas de realização (planejamento,

operação e revisão), as quais, por sua vez, implicam da parte de quem escreve uma série de

decisões (quanto à linguagem, quanto à estrutura, quanto ao gênero). Isso se estabelece

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46

porque, enquanto sistema de codificação, a escrita é regida por convenções gráficas,

oficialmente impostas.

Além desses princípios fundamentais e assumindo uma dimensão interacional da

linguagem, Antunes (2003) lista implicações pedagógicas essenciais no processo de ensino

da escrita, uma vez que esta pressupõe: autoria também dos alunos; que seja uma escrita de

textos; que sejam textos socialmente relevantes; uma escrita funcionalmente diversificada;

uma escrita de textos que têm leitores; uma escrita contextualmente adequada; uma escrita

metodologicamente ajustada; uma escrita orientada para a coerência global e, por fim, uma

escrita adequada também em sua forma de se apresentar.

3 PROPOSTAS DE PRODUÇÃO ESCRITA NO LDLP

Nesse item, analisamos as propostas de produção escrita exploradas no livro didático

de português. De início, explicamos os critérios para seleção do livro e do tema. Como posto

em nota no título, essa discussão se insere em um projeto maior, o projeto de pesquisa

“Escrita e letramento no Ensino Fundamental II: inclusão e cidadania” coordenado por

mim na Universidade de Pernambuco (UPE)/Campus Garanhuns.

Em uma das etapas de desenvolvimento desse projeto, elegemos como espaço de

pesquisa a Escola de Aplicação Professora Ivonita Alves Guerra que funciona no Campus

Garanhuns. A obra selecionada foi a utilizada pela escola, livro “Português linguagens”,

obra de Cereja e Magalhães, aprovada em todas as edições do PNLD.

De acordo com o PNLD (2017), a obra Português linguagens, na seção destinada à

produção de texto escrito, afirma estar baseada em gêneros textuais diversos, com o objetivo

central de trabalhar com os alunos as características que definem os gêneros selecionados

para torná-los produtores dessas formas de expressão escrita.

O livro está organizado em 4 unidades temáticas, cada unidade apresenta 3 propostas

de produção textual escrita totalizando 12 produções por ano. Para cada unidade, há um

projeto de circulação/divulgação da produção escrita na seção projetos. Por isso, já podemos

considerar que o processo de produção com revisão dificilmente será realizado para todas

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essas produções tanto pelo tempo escolar fragmentado e, consequentemente, escasso, quanto

pela complexidade que os processos de produção e refacção exigem.

Apresentamos um quadro com os gêneros/tipos trabalhados em cada ano do ensino

fundamental II. Como há uma confusão entre gêneros e tipos, optamos por, nesse momento,

utilizar ambas as nomenclaturas, ainda que reconheçamos o quão problemático tem sido esse

tipo de confusão teórico-metodológica que têm muitas implicações na prática pedagógica de

produção textual. Vejamos:

Quadro 2: Propostas de produção escrita no LDLP

FONTE: Produzido pela autora

Gêneros/tipos Projetos

6º ano Conto maravilhoso, história em quadrinhos, relato

pessoal, carta pessoal, diário, gêneros digitais (e-mail,

blog, twitter, comentário), artigo de opinião, cartaz.

livro, exposição, livro

ou blog, leitura em uma

mostra/blog/jornal

7º ano Textos sobre mitos, poema, cordel, poema-imagem,

texto de campanha comunitária, debate deliberativo,

notícia, entrevista escrita.

Livro, livro,

exposição/exibição de

debate (filmado), jornal

mural

8º ano Texto teatral escrito, resenha crítica, crônica, crônica

argumentativa, anúncio publicitário, carta de leitor,

carta-denúncia, texto de divulgação científica,

seminário.

Encenação (se

quiserem), livro,

encaminhar para

jornal/revista, mural da

classe.

9º ano Reportagem, editorial, conto, debate regrado público,

artigo de opinião, texto dissertativo-argumentativo,

Jornal, livro, jornal

televisivo/blog, mural,

redes sociais, jornal

mural.

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É inegável a diversidade de gêneros e tipos que a obra explora na dimensão escrita,

aspecto bastante positivo. Nos aspectos negativos, além da confusão gênero/tipo, podemos

citar a produção de um texto sem função na atualidade, como a carta pessoal, pedida no

sexto ano, bem como a exigência de produção de gêneros que entendemos serem mais

apropriados para compreensão e não, necessariamente, para produção como é o caso do

editorial proposto no nono ano. Trata-se de um gênero com o ponto de vista do jornal, da

revista, como desenvolver a autoria do aluno em uma produção leitor a partir de uma

proposta assim? O livro diz que a produção fará parte de um jornal organizado pela turma,

no capítulo Intervalo, projeto Jovem, o que você quer? Algumas questões precisam ser

colocadas aqui, como o jornal ou revista deverá ter, se for para que o texto cumpra sua

função social, apenas um editorial, como será realizada a seleção desse texto? Quais os

critérios? O que será feito com os demais textos que não forem selecionados para o editorial

do jornal?

A seguir, apresentamos também em um quadro as condições de produção exigidas no

PNLD (2017) e verificamos se são ou não cumpridas pelo livro em análise. São quatro as

condições exigidas: aponta leitor externo ou destinatário? Existem projetos voltados a uma

maior utilização e reutilização dos textos produzidos? São previstos espaços de circulação

dos textos e revisão textual? Vejamos o quadro abaixo:

Quadro 3: Condições de produção das propostas

Fonte: Produzido pela autora

Condições de produção S (Sim) / N (Não)

6º 7º 8º 9º

Aponta leitor externo ou destinatário S S S S

Existem projetos voltados a uma maior utilização e

reutilização dos textos produzidos

S

S S S

Prevê espaço de circulação dos textos S S S S

Indica revisão textual S S S S

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Esse quadro 3 resume as condições de produção necessárias e exigidas das obras

avaliadas e aprovadas pelo PNLD. O livro Português Linguagens, nos quatro anos do ensino

fundamental II, atende a todas elas. A questão é que o fato positivo de a obra atender a todas

essas condições não é suficiente para um trabalho mais efetivo e reflexivo com os textos,

como o que se espera quando se entende a língua como interação, bem como todas as

questões discutidas por nós no tópico 2.

O fato de existirem projetos voltados para uma maior utilização dos textos, por

exemplo, nos coloca diante da dificuldade que esses projetos sejam realizados no tempo

escolar e pelo professor, já que ele não exerce sua função em uma única turma. Logo, é

difícil que esse profissional consiga coordenar todas essas ações em todas as turmas que atua

e todas as escolas também. No que se refere à revisão textual, temos outro problema porque

a revisão proposta fica sempre a critério exclusivo do aluno. O professor apenas deve

lembrar, pedir a revisão. Lembrando que os textos terão circulação pública e outros leitores,

temos em virtude dessa revisão única do aluno, o risco de expor esse sujeito a situações no

mínimo constrangedoras.

Essas são apenas alguns aspectos que apontamos sobre a produção textual escrita no

LDLP. O projeto maior dará conta de outras investigações, voltadas para outros letramentos.

Ademais, temos consciência de que essa discussão não foi esgotada ainda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo nos mostra que as propostas de produção presentes no LDLP dialogam

com muito do que propõem estudiosos como Geraldi (2002), Antunes (2003) e Bunzen

(2006). Vimos que se fazem necessárias mudanças no processo de ensino-aprendizagem da

escrita, sobretudo no que se refere à revisão textual e à utilização dos textos. O maior desafio

para promover a formação de escritores proficientes é conseguir efetivar o desenvolvimento

de atividades que encaminhem a produção textual como uma prática social significativa e

responsiva. Lembremos que a escola é responsável por realizar uma educação voltada ao

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desenvolvimento de capacidades que permitam ao aluno intervir na realidade para

transformá-la.

Para além do que o PNLD analisa, nessa discussão, vimos ainda que podemos ampliar

esse olhar a partir de outras questões a pesquisar futuramente, como saber que gêneros se

repetem, se são gêneros da ordem do argumentar, relatar, expor, narrar, se o movimento de

retomar e aprofundar é realizado, bem como que gêneros são retomados/aprofundados?

REFERÊNCIAS

ANTUNES, I. Avaliação da Produção Textual no Ensino Médio. In: Clecio Bunzen e

Márcia Mendonça (Orgs.). Português no Ensino Médio e Formação do Professor. São

Paulo, Parábola, 2006, p. 163-180.

_____. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

BRONCKART, J.-P. Atividade de Linguagem, Textos e Discursos. Por um interacionismo

sócio-discursivo. São Paulo, EDUC, 1999.

BUNZEN, C. Da Era da Composição à Era dos Gêneros: o ensino da produção de texto no

Ensino Médio. In: Clecio Bunzen e Márcia Mendonça (Orgs.). Português no Ensino Médio

e Formação do Professor. São Paulo, Parábola, 2006, p. 139-161.

CEREJA, W.; MAGALHÃES, T. Português linguagens. São Paulo: Saraiva, 2017. Anos 6,

7, 8 e 9.

GERALDI, J. W. Unidades Básicas do Ensino de Português. In: João W. Geraldi (Org.) O

Texto na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 2002, p. 59-79.

ILARI, R. Uma Nota Sobre Redação Escolar. In: A Linguística e o Ensino de Língua

Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1997 (1976), p. 51-66.

IVANIC, R. The Discourses of Writing and Learning to Write. Language and Education,

v. 18, n. 3, p. 220-245, 2004.

MARCUSCHI, B.; CAVALCANTE, M. Atividades de Escrita em Livros Didáticos de

Língua Portuguesa: perspectivas convergentes e divergentes. In: Maria das Graças Costa

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Val; Beth Marcuschi (Orgs.). Livros Didáticos de Língua Portuguesa: letramento e

cidadania. Belo Horizonte: CEALE/AUTÊNTICA, 2005, p. 237-260.

MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo:

Parábola, 2008.

ROJO, R. Concepções Não-Valorizadas de Escrita: a escrita como “um outro modo de

falar”. In: Angela B. KLEIMAN. Os Significados do Letramento: uma nova perspectiva

sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995.

SOARES, M. B. Concepções de Linguagem e o Ensino de Língua Portuguesa. In: Neusa B.

Bastos (Org.). Língua Portuguesa: história, perspectivas, ensino. São Paulo: EDUC, 1998,

p.53-60.

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RETRATOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM GARANHUNS: UM

BREVE ESTUDO SOBRE A ESCRITA

Simone Anunciada Amaral Vilaça

Edmilson José de Sá

RESUMO: Este trabalho tem o propósito de discutir flutuações recorrentes na escrita, sejam causadas pela

variação fonética, seja por razões relacionadas à segmentação que também costuma interferir na escrita e, para

esse fim, utilizaram-se como corpus os dados de uma pesquisa realizada por alunos do Profletras - campus

Garanhuns, numa escola de ensino fundamental do mesmo município , com alunos do 6º ao 9º ano do ensino

fundamental. Considerando a abordagem acerca da disciplina 'Estratégias para o trabalho pedagógico com a

leitura e a escrita', foi possível estimular a reflexão sobre a escrita na escola pública. Na ocasião, foi solicitado

que os mestrandos do referido curso averiguassem tanto aspectos referentes à leitura quanto à escrita. Graças a

essa pesquisa, foi possível organizar um corpus com dados compilados dos dois processos. O respaldo teórico

fica a cargo de Silva (2001), Cagliari (2002); Bortoni-Ricardo (2004), com o qual tentaremos descrever alguns

dos principais fenômenos encontrados na pesquisa. Na ocasião, a ideia é verificar aspectos relacionados à

segmentação e outros itens inerentes à escrita e que foram registrados na pesquisa realizada no município

pernambucano. Aspectos referentes à questão fonética também puderam ser averiguados, uma vez que a

escrita, em certos casos, contemplou a forma como o aluno se expressou em sua fala espontânea.

Palavras-chave: Ensino, Língua Portuguesa, Escrita, Garanhuns

INTRODUÇÃO

Estudos sobre a relação da fala com a escrita têm sido recorrentes a cada dia, haja

vista o surgimento das discussões sobre os registros de flutuação de natureza fonética, de

entonação ou simplesmente de segmentação, que costumam interferir no modo como a

produção é realizada, mas que se justificam, sobretudo, por questões extralinguísticas, uma

vez que “a linguagem escrita é uma modalidade de comunicação que demanda um

conhecimento maior da língua do que a linguagem oral” (BRANDÃO, 2015, p. 11).

Diante dessa constatação, convém verificar se tais flutuações ocorrem em ambientes

escolares distintos, a exemplo das salas de aula de alunos do ensino fundamental de uma

escola pública do interior de Pernambuco ou tem a ver com o ‘contínuo de urbanização’ a

que Bortoni-Ricardo (2004, p. 61) se refere quando trata das razões de a língua portuguesa

se mostrar tão variável.

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A análise dos dados advém de um corpus coletado pelos mestrandos do Profletras

numa pesquisa realizada como parte integrante da avaliação da disciplina Estratégias para o

trabalho pedagógico com a leitura e escrita, quando alunos do Ensino Fundamental – séries

finais escreveram um pequeno texto solicitado pelos pesquisadores e catalogaram as

principais marcas registradas na produção.

O trabalho em tela tem a seguinte estrutura: in limine será apresentado um aporte

teórico a partir das visões de Lemle (1995), Antunes (2003) e Bortoni-Ricardo (2004) acerca

da escrita em sala de aula a partir da transposição da fala e da leitura. Em seguida, será

descrita a metodologia da pesquisa a ser analisada na sequência, antes de serem emitidas as

considerações finais e perspectivas futuras sobre o que fora discutido.

1 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE LEITURA E ESCRITA E ENSINO DE LÍNGUA

PORTUGUESA

Desde os anos 80, pesquisadores em educação e linguagem têm dado ênfase a

estudos relacionados à leitura. Nessa época, as abordagens realizadas por Kleiman, (1999),

Kato (1986) e Silva (1993) sob a égide da psicologia e de teorias cognitivas ganhavam lugar

de destaque. Assim, os pontos de vista tomavam, aos poucos, uma linha mais sociológica,

como se esperava quando se vislumbrava inserir os estudos no cenário escolar. Isso ainda

parece acontecer, já que:

[...] o estudo de fenômenos linguísticos no ambiente escolar deve buscar responder

a questões educacionais. Estamos interessados em formas linguísticas somente na

medida em que, por meio delas, podemos obter uma compreensão dos eventos de

sala de aula e, assim, da compreensão que os alunos atingem. Nosso interesse

reside no contexto social da cognição, em que a fala une o cognitivo e o social.

(COOK-GUMPERZ, 1987, apud BORTONI-RICARDO, 2005, p. 119)

Com essa preocupação, era de se esperar que as abordagens sobre modelos de leitura

comumente ensinados em sala de aula evoluíssem da simples decodificação ao socio-

interacionismo.

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Bloomfield (1961, p. 31-32) defendia que a leitura bem-sucedida advinha da

obtenção de sons “a partir da página escrita ou impressa e da compreensão do significado

desses sons". Entende-se, então, que, para ele, a compreensão da leitura ocorrerá quando a

criança ouvir a si mesma emitindo os sons da fala correspondentes ao texto impresso.

Porém, através do viés psicolinguístico, Goodman (1969) se apoiava teoria gerativo-

transformacional, em vários componentes interagiam para o acesso ao sentido do texto

desviou a atenção dos sons para o estudo da sintaxe, o que implicou uma atividade preditiva

de ler, ambientando-se em formulação de hipóteses, que levava o leitor a interagir com o

texto, utilizando-se do seu conhecimentos linguístico e conceitual e de sua experiência,

fazendo predições ou antecipações das informações, formulando ou rejeitando “hipóteses de

leitura”.

Ao tratar da leitura, Goodman (1967, p.127)6 afirma:

It involves an interaction between thought and language. Efficient reading does not

result from precise perception and identification of all elements, but from skill in

selecting the fewest, most productive cues necessary to produce guesses which are

right the first time. The ability to anticipate that which has not been seen, of

course, is vital in reading, just as the ability to anticipate what has not yet been

heard is vital in listening.

Ainda se inspirando na psicologia cognitiva, o modelo proposto em Rumelhart

(1977) considerava a leitura a partir de interações sociais que resultam no significado. Logo,

sua teoria composta de esquemas tinha o propósito de formular uma categorização global do

conhecimento.

Já na concepção sociointeracionista, Bakhtin (1981) defende que a leitura consiste de

um processo interpretativo que varia conforme os pontos de vista dos leitores, ou seja, a

linguagem é interação que só existe na reciprocidade do diálogo, logo se trata de um

fenômeno heterogêneo, vivo, variável, flexível e sempre situada num contexto sócio-

6 Ela envolve uma interação entre pensamento e linguagem. A leitura eficiente não resulta da percepção precisa

e identificação de todos os elementos, mas da habilidade em selecionar as pistas mais produtivas, o menor

número necessário para produzir as suposições que são certas da primeira vez. A capacidade de antecipar o que

não foi visto, é claro, é vital em leitura, assim como a capacidade de antecipar o que ainda não foi ouvido é

vital na audição.

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histórico. A leitura é, portanto, uma atividade multifacetada, realizada a partir da interação

do autor/leitor/texto ou autor/professor/aluno/texto.

É fato que documentos norteadores de normativas de ensino de língua portuguesa

como os PCN, por exemplo, sugerem o trabalho com a leitura e a escrita como elemento

formador de um aluno apto a se desenvolver enquanto leitor, com domínio da produção das

diversas modalidades de textos.

Sobre esse aspecto Dorneles (2008) ao discutir que a leitura é a forma de

enriquecimento da memória e do conhecimento sobre os mais variados assuntos que se pode

escrever. se apropria de Antunes (2003, p. 54), que assim ratifica:

elaborar um texto é uma tarefa cujo sucesso não se completa, simplesmente, pela

codificação das idéias ou das informações, através de sinais gráficos. Ou seja,

produzir um texto não é uma tarefa que implica apenas o ato de escrever. Não

começa, portanto, quando tomamos nas mãos papel e lápis. Supõe, ao contrário,

várias etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o

planejamento, passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da

revisão e da escrita.

Dada a importância de se trabalhar a leitura e a escrita, o que se percebe acerca do

ensino de Língua Portuguesa no Brasil são os mesmos problemas já encontrados em outros

países no que concerne ao ensino de sua língua materna. Assim, tanto no Ensino

Fundamental, quanto no Ensino Médio, aqui se considera a ideologia do dom, da deficiência

cultural e pouco se trata da ideologia cultural.

Além disso, são justamente os PCN, quase saindo de linha, que buscam resgatar as

variedades dialetais e socioculturais, na iminência de uma compensação dos efeitos que a

linguagem tida como desprestigiada surte nos alunos de determinada comunidade. Contudo,

também se percebe que tais orientações não são seguidas à risca pelos professores do ensino

básico, já que, nas palavras de Bittencourt (2003, p.10) “[...] a escola não consegue produzir

sozinha a igualdade, quando a sociedade é desigual”. Por isso, algumas mudanças são

essenciais e devem ser aplicadas dentro da maior brevidade, pois é necessário transformar

mentalidades, respeitar a cultura e a linguagem do aluno de Ensino Fundamental e Ensino

Médio e a incumbência disso cabe à universidade, preparando adequadamente os corpos

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56

administrativo, docente e discente, a se juntarem à sociedade para o reconhecimento dessa

nova visão de ensino de línguas.

2 DESCRIÇÃO DE FENÔMENOS FONÉTICOS E ESTRUTURAIS

ENCONTRADOS NA ESCRITA

Em pesquisas para averiguação de níveis de leitura, alguns aspectos são mais

recorrentes, a exemplo de aspectos variáveis relacionados à regionalização da linguagem.

Logo, comportamentos relacionados tanto a acréscimos quanto à eliminação de fonemas

costumam ser percebidos acentuadamente.

No caso da eliminação de fonemas, é possível encontrar casos como o apagamento

da vogal átona não final, sobretudo em palavras proparoxítonas que, no português brasileiro,

tendem a ser reduzidas na fala espontânea, como em xícara → [ʹʃikɾɐ]. Há, ainda, o

fenômeno da monotongação, quando o ditongo decrescente perde a fonema semivocálico

como em feira → [ʹfera], o apagamento do /r/ final, como se pode perceber em de correr →

[koʹhe] e, não menos frequente, o fenômeno do apagamento do /d/ no grupo /ndo/, a

exemplo do que ocorre e colocando, que costuma ser lido e falado [kɔlɔʹkãnʊ].

Já em relação ao acréscimo de fonemas, ocorre comumente a ditongação, quando, ao

contrário da monotongação, surge uma semivogal após a vogal final seguida da fricativa [s],

típica em exemplos como atrás → [aʹtrajs].

Ainda se tratando da variação fonética, como processo motivador da flutuação na

leitura e na escrita, empiricamente são encontradas situações em que as vogais médias /e/ e

/o/ costumam ser alçadas como menino → [miʹninʊ] e em guardado → [guaɦʹdadʊ].

Nesses casos, já categorizadas por Lemle (1995), o item lexical é escrito como

pronunciada por desconhecimento das diferenças entre língua oral e língua escrita.

A autora ainda aponta casos em que o aluno começa a perceber que nem sempre as

palavras são escritas do modo como são pronunciadas, havendo alguns desvios sistemáticos

entre língua oral e língua escrita, e tenta corrigir os erros de transcrição da fala. Ex.: pedil

(pediu ). Por outro lado, por desconhecimento das regras contextuais, o aluno deixa de

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considerar a posição de uma letra ou unidade sonora em relação a outras. Quando

escreve pasarinho, por não saber que a letra s entre vogais tem o som de /z/, ou ainda

quando escreve gitarra, por desconhecimento de que a letra [g] diante de [e] e [i] representa

som diferente daquele representado quando diante das vogais [a, o, ou u]. Da mesma forma,

ocorre, ainda, a marcação da nasalização, caracterizada pela não diferenciação entre vogais

nasais e orais, como na escrita de iteiro (inteiro) ou pela marcação inadequada da

nasalização, como na escrita de elefãote (elefante).

Falhas devido à concorrência em que as palavras cuja escolha da letra apropriada para

representar certo fonema depende não de aspectos fonológicos, mas da etimologia ou de

aspectos morfológicos costumam ser observadas no caso do uso de /s/ ou /z/ entre vogais, o

uso de /ss/ ou /ç/ diante de /a/, /o/ e /u/, o uso de /g/ ou /j/ diante de /e/ e /i/, o uso

de /x/ ou /ch/ em várias palavras.

Por outro lado, em sílabas complexas, a escrita aparece com estruturas diferentes, que

não sejam consoante-vogal, como boboleta (borboleta) ou baço (braço). Por isso, o uso

inadequado dos dígrafos /nh/, /lh/ e /ch/ também pode ser classificado nessa categoria, por

exemplo, escrevendo coelo para coelho.

Na escrita, Lemle (1995) tem verificado troca de letras, que se caracterizam pela

escolha de letra errada para representar determinado som, surgindo escritas

como vormiga (formiga) e isso ocorre com outras trocas frequentes como entre p/b, t/d, c/g,

ou seja, trocas entre consoantes surdas e sonoras.

Flutuações, chamadas por Carraher (1985) de falhas de segmentação, são comuns na

escrita por se caracterizarem pela segmentação não convencional das palavras. Para ela,

esses ‘erros’ são observados em duas categorias, podendo ser resultantes de ausência de

segmentação (aonça, tipego) ou de segmentação indevida (a migo, a legre).

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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa é de natureza qualitativa por fazer uma reflexão sobre aspectos da

leitura e da escrita de alunos no Ensino Fundamental a fim de verificar flutuações fonéticas

nessas modalidades da língua.

Partindo de um texto base (Apêndice 1), elaborado para privilegiar a recorrência dos

fonemas previstos na categorização de Lemle (1995), alguns estudantes, escolhidos de forma

aleatória, foram convidados a fazer a leitura, pois devidamente gravada subsidiaria a análise

nessa modalidade, enquanto outro grupo de alunos, selecionados da mesma maneira, foram

submetidos à escrita do texto através de leitura pausada realizada pelos pesquisadores.

3.1 O AMBIENTE DE PESQUISA

A pesquisa realizou-se numa escola estadual do município de Garanhuns, localizada

no interior do estado de Pernambuco e distante 231km da capital, contando com os níveis

Médio e Fundamental – séries finais em sua composição. Funciona em horário regular,

havendo, eventualmente, atividades extracurriculares realizadas no contraturno. Possui

quadros pedagógico e de gestão completos, além de ser uma referência em educação no

município que a sedia.

3.2 OS SUJEITOS INVESTIGADOS

Os estudantes selecionados frequentam as turmas dispostas entre 6º e 8º anos do

Ensino Fundamental, com idade adequada à modalidade. Para a realização da diagnose, eles

foram retirados da sala de aula e, considerando o foco deste artigo com a verificação da

escrita, foi feita uma leitura a cada aluno selecionado para tal fim, para que escrevessem o

texto proferido. Essa atividade foi aplicada de forma individual a fim de preservar os

participantes de informações sobre o texto utilizado para a coleta dos dados.

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4 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES ESCRITAS

Após ter sido feita uma triagem com os dados catalogados na escrita do texto, foram

selecionados fenômenos das produções de alunos do 6º e 9º anos, que se localizam nas

extremidades do Ensino Fundamental – anos finais.

Ao se trabalhar a escrita com os alunos do 6º ano, foram encontrados os seguintes

fenômenos de natureza fonética, mas com interferência imediata na escrita:

a) Apagamento do r final e acentuação da vogal final: cantá[r]

b) Apagamento da vogal átona não final: abób[o]ra

c) Apagamento do /d/ no grupo /ndo/: levan[d]o

d) Ditongação: atra[i]s.

Os fenômenos supracitados têm sido recorrentes em outras pesquisas, sobretudo de

natureza fonética. Porém, por ora, não se pretende estender, aqui, a análise desses

fenômenos, por questões de tempo e para não tornar a análise aproximativa. Porém, isso

poderá ser realizado em análises futuras.

Verificaram-se ainda, aspectos relacionados especificamente à linguagem escrita:

a) Quanto à acentuação: registraram-se casos do não uso do acento gráfico nas

proparoxítonas e o seu uso na sílaba posterior, sendo este último em menor ocorrência;

b) Quanto à pontuação: foram verificados casos de apagamento das vírgulas do texto e, com

menor frequência, seu uso indevido, separando termos essenciais da oração.

Além do apagamento da vogal átona não final, já mencionado, enfatiza-se, ainda, no

caso dos alunos do 8º ano, a monotongação, como ocorreu na escrita ca[i]xa.

Acentua-se, também, que, nesse grupo de alunos, não foram verificados desvios

relativos à pontuação. No entanto, quanto à acentuação, constataram-se casos de:

a) Desproparoxitonização: sab[a]do, pet[a]la

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b) Abaixamento da tonicidade da vogal média posterior /o/: “est[ó]mago”.

Nos dois contextos de ano/série, foi possível apontar, ainda, desvios devido à

concorrência (LEMLE, 1995), repetindo-se em todos os casos analisados as variantes da

palavra debruçou-se “debrussouse” ou “debrusou-se”, em que os alunos substituíram o ‘ç’

por ‘ss’ e por ‘s’, por os assemelharem com a pronúncia que compartilham.

Salienta-se, então, que os estudantes exibem escrita com poucas flutuações e desvios,

o que impede de se realizar uma análise mais estatística, ao contrário do que se esperava no

início da análise e nos resultados já verificados em outras pesquisas de mesma natureza.

Nesse sentido, foi observada, inclusive, a diminuição dos casos de flutuações

normativas na escrita no decorrer dos anos de escolarização, sendo prevista a sua eliminação

no final do Ensino Fundamental, a partir da evolução da aprendizagem da língua por parte

dos alunos. Um fator que pôde contribuir para esse resultado é a condição de prestígio da

escola, onde o envolvimento dos pais na vida escolar é constante. Além disso, as atividades

curriculares são desenvolvidas com interesse e concentração, já que os alunos para

ingressarem nela passam por uma seleção, cujo critério-chave é o conhecimento.

Mesmo considerando que os alunos matriculados na escola campo de pesquisa não

apresentam, necessariamente, em sua maioria, um alto poder aquisitivo, percebe-se uma

excessiva demonstração de foco na aprendizagem. Dessa forma, uma escola fortalecida pelo

compromisso de toda comunidade escolar torna-se ambiente propício para detectar e sanar

possíveis desvios da escrita tanto de ordem fonética quanto de natureza da gramática escrita.

CONCLUSÃO

A língua portuguesa pode apresentar flutuações de natureza fonética e de entonação,

que interferem no modo como a produção escrita se concretiza, pois exige reflexão sobre o

modo como a oralidade se reproduz e qual signo é utilizado para esse fim. Dessa forma, a

escola, responsável pela aquisição e melhoramento da escrita, se torna condição sine qua

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non para percepção de tais aspectos e oferecimento de condições de sanar as dificuldades em

seguir a gramática normativa.

Assim, a pesquisa em que se respaldou este artigo propôs analisar produções escritas

de estudantes que cursam os anos finais do Ensino Fundamental para verificar as ocorrências

mais evidentes em que não foram aplicadas as normas inerentes à língua portuguesa.

Nessa perspectiva, verificou-se que a condição da escola que, embora pública, possui

um tratamento diferenciado para a formação das turmas, com o ensino direcionado para o

aprimoramento da escrita. Além disso, o perfil dos pais e alunos contribui para o

desenvolvimento satisfatório desta modalidade da língua.

Assim, se a ideia do ensino da língua perpassa pelas condições de proporcionar ao

aluno uma maior competência linguística além das carteiras de sua sala de aula, aqui se

concretiza com o número reduzido de flutuações e desvios, o que significa que,

evolutivamente, o trabalho com os níveis fonético, morfológico e sintático tem sido bem-

sucedido e, a depender do número da casos registrados nos anos iniciais, os alunos, quando

estiverem no final do nível fundamental, se encontrarão em condições de minimizarem

consideravelmente os aspectos não pertencentes à escrita correta.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola

Editorial, 2003.

BAKHTIN, Michael. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na

sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

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BRANDÃO, Maria Hellen. Uma abordagem fonológica da segmentação na escrita de alunos

do ensino fundamental II. Dissertação de Mestrado – Profletras. Uberlândia: UFMG, 2015.

CARRAHER, Terezinha Nunes. Explorações sobre o desenvolvimento da competência em

ortografia em português. Psicologia: teoria e pesquisa, 1 (3), 1985, p. 269-285.

DORNELES, Darlan Machado. A leitura e escrita no ensino de língua portuguesa. Anais do

SIELP. Volume 2, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2012.

GOODMAN, Kenneth S. Reading: A psycholinguistic guessing game. In: SINGER, H.;

RUDDELL, R.B. (Eds.). Theoretical models and processes of reading (2nd ed., pp. 497–

508). Originally published in Journal of the Reading Specialist, 1967, 6, 126–135.

KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes Editora da

Unicamp, 1989.

KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

LEMLE, Míriam. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática, 1995.

RUMELHART, D. E. Toward an interactive model of reading. In: DORMICI (Org.).

Attention and performance. XI. Mahwah (USA): Lawrence Erlbaum, 1977.

APÊNDICE

TEXTO – BASE

O bêbado saiu no sábado para comprar pássaros na feira de Garanhuns, levando todo o ouro

de seu tesouro guardado na xícara em forma de abóbora com uma pétala ao lado. Com o

espírito tranquilo, foi colocando tudo na caixa, debruçou-se na janela e olhou para a árvore

onde colocaria os pássaros, quando um relâmpago ao longe deixou-lhe o estômago em

pânico, mas teve que correr para pegar o ônibus com um menino atrás de um médico.

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JACK SOUL DO SCRATCH: UM CAMINHO PARA VALORIZAÇÃO DA

LINGUAGEM REGIONAL-POPULAR E INOVAÇÃO NO ENSINO DE

PORTUGUÊS EM JOÃO PESSOA-PB

José Robson do Nascimento Santiago

RESUMO: Levar contribuições das pesquisas dialetológicas, lexicológicas, sócio e etnolinguísticas para a sala

de aula é um desafio, mas também uma obrigação para quem lida com o ensino de Língua Portuguesa e o

compreende atrelado à valorização das diferenças regionais, sociais e culturais que a língua apresenta.

Contudo, o ensino se torna ainda mais desafiador quando envolve projetos que visam à valorização de artistas

regionais que não são contemporâneos das crianças e jovens de hoje. Este trabalho tem, pois, o objetivo de

demonstrar como é possível unir o tradicional e o moderno, ao discutir uma experiência desenvolvida na

cidade de João Pessoa-PB, onde alunos do ensino fundamental do 6º ao 9º ano utilizam músicas do cantor

Jackson do Pandeiro na construção de jogos digitais através do programa Scratch, que foi desenvolvido pelo

MIT e pertence ao universo da Web 2.0.

Palavras-chave: Linguagem regional-popular. Jackson do Pandeiro. Ensino. Novas tecnologias.

INTRODUÇÃO

Jack Soul Brasileiro

E que o som do pandeiro

É certeiro e tem direção

Já que subi nesse ringue

E o país do suingue

É o país da contradição

(LENINE, 1999)

Na epígrafe que abre este artigo, o jogo já se faz presente. É o jogo de palavras

estabelecido no título e nos primeiros versos da letra de Lenine, a qual homenageia Jackson

do Pandeiro, o Zé Jack, o Rei do Ritmo, que fez, na rima da embolada e com o peculiar

instrumento de percussão, brilhar a linguagem regional-popular por todo o país. Em toda a

música, a alma (soul) brasileira é apresentada como mistura de possibilidades, dos diferentes

ritmos aos jeitinhos que fazem esse povo, mesmo “despencando na ladeira”, seguir “na

zoeira da banguela”. “É o país da contradição”, onde se discursa em favor de melhorias na

Professor de Língua Portuguesa na rede municipal de João Pessoa-PB, doutor em Letras pela UFPB. E-mail:

[email protected].

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educação e no ensino em si, mas se aprovam e se apoiam medidas que inibem investimentos

nesse setor.

E Jackson, que foi alfabetizado na fase adulta, justamente num tempo em que não

havia universalização do ensino, resistiu às discriminações e ganhou o país com suas letras e

performances irreverentes. Ele contrariou padronizações da língua e estrangeirismos de que

discordava ou com os quais pouco se importava para jogar com as palavras simples, na

linguagem que o povo entendia e com a qual se identificava. Quiçá por isso tenha alcançado

tanto sucesso num tempo em que já não imperava soberana a audição do rádio, que

começava a perder terreno para a televisão.

Pode parecer também contraditória a defesa da modernização, da inserção de novas

tecnologias no ensino e, ao mesmo tempo, atuar pela conservação de tradições, da

linguagem regional e os valores que nela se refratam. Contudo, é exatamente disto que se

constitui a alma brasileira, em especial a do nordestino: junção de moderno e tradicional.

Aqui, diferente da falta de investimentos educacionais, que não combina com discurso de

melhorias, a união de tecnologias inovadoras, como ferramentas da Web 2.0, ao estudo da

linguagem regional-popular em músicas de ritmos tradicionais vem bem a calhar para a

melhoria do ensino da língua portuguesa.

Isto porque, em vez de tratarmos do estudo de variações linguísticas nas músicas do

cantor com o texto em si, ou seja, o texto pelo texto, introduzimos conceitos que atraem o

público jovem: protagonismo, cooperação, compartilhamento de conhecimento e inovação

tecnológica. A eles unimos valorização de identidades, da sua história e de sua terra. Esses

últimos estão presentes nas canções de Jackson; os anteriores, incutidos no Scratch, software

gratuito, disponível online e off-line, que foi desenvolvido pelo grupo Lifelong

Kindergarten, no Media Lab do Massachuseths Institute of Technology (MIT).

Este trabalho tem, pois, o objetivo de demonstrar como é possível unir o tradicional

e o moderno, ao discutir uma experiência desenvolvida na cidade de João Pessoa-PB, onde

alunos do ensino fundamental do 6º ao 9º ano utilizam músicas do cantor Jackson do

Pandeiro na construção de jogos digitais. A ideia surgiu das provocações e inspirações que

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obtivemos numa formação continuada ofertada pelo município de João Pessoa neste ano de

2019, realizada em parceria com a Fundação Telefônica/Vivo.

Como a valorização da diversidade linguística, o combate ao preconceito linguístico

e o reconhecimento de variedades além da norma-padrão são previstos na Base Nacional

Curricular Comum (BNCC), o trabalho que desenvolvemos na capital paraibana se alinha ao

que se preconiza para o ensino da língua portuguesa no Brasil atual e se fundamenta, além

dos pressupostos apontados na BNCC, em conceitos oriundos da Dialetologia, Lexicologia,

Sociolinguística e Etnolinguística. As pesquisas realizadas por essas ciências visam, dentre

tantos ganhos para o conhecimento da diversidade linguística e cultural de nossa nação, à

valorização da linguagem regional-popular.

Do ponto de vista metodológico, a ação interdisciplinar que ora discutimos,

denominada Projeto Jack Soul do Scratch: um jogo de linguagem digital, contou com a

participação de 20 alunos selecionados por meio de uma sondagem de interesses culturais e

um teste de habilidades em informática. Compuseram o grupo cinco alunos de cada ano do

ensino fundamental ofertado na Escola Municipal de Ensino Fundamental Ministro José

Américo de Almeida (EMEF JAA), situada no bairro de nome homônimo, em João Pessoa-

PB. Formando 4 equipes de 5 componentes, sendo uma para cada ano (6º, 7º 8º e 9º), os

alunos participam de encontros semanais na sala de informática da escola, pesquisam sobre

músicas de Jackson do Pandeiro, aprendem sobre seu léxico e descobrem como operar o

programa Scratch, em oficinas quinzenais mediadas por uma professora do Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB).

Ainda em andamento, o Projeto Jack Soul do Scratch colhe frutos de primeira safra,

quando a escola se mobilizou no fim do primeiro bimestre para dar conhecimento aos alunos

das músicas de Jackson do Pandeiro. Não há quem não tenha ouvido falar de seu nome ou

que ao menos não conheça um trecho de canção por ele cantada. De nossa parte,

introduzimos a temática dentro da própria seleção que realizamos7, com a solicitação, no

7 A seleção dos vinte alunos teve duas etapas: uma sondagem de interesses e habilidades, projetada pela

psicóloga da escola; e um teste de conhecimento em informática, aplicado pelos monitores de informática que

atuam no auxílio dos professores e em oficinas de robótica ministradas em contraturno.

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teste de habilidades em informática, de que os interessados realizassem um trabalho com a

letra da música Casaca de couro. Na ocasião os candidatos tiveram a oportunidade de

demonstrar domínio de comandos, como baixar e salvar imagens, editá-las, criar legendas,

alterar cores, fazer desenhos digitais ou até criar apresentações de slides, tudo de acordo com

letra da música.

No decorrer do projeto, outras canções cujas letras já foram pesquisadas pelos alunos

têm sido objeto de trabalho, como Sebastiana, O canto da ema, Cantiga do sapo, Chiclete

com banana, Forró em Limoeiro e Secretário do Diabo. A princípio, o que se tem feito com

essas canções são estudos do ponto de vista da interpretação textual, com pesquisa vocabular

em dicionários regionais e de língua para auxiliar a compreensão dos textos.

Neste artigo, contudo, apresentamos somente os primeiros resultados dos estudos

sobre Casaca de couro, do ponto de vista dialeto e lexicológico, sócio e etnolinguístico, as

impressões que os alunos têm da letra da música quanto ao léxico nela empregado e

discutimos as possibilidades que o Scratch oferece para a construção de jogos digitais com

base nela e nas demais músicas.

1 UM JOGO DE LINGUAGEM DIGITAL

Criar um jogo com elementos presentes nos textos de um artista regional era, até há

pouco, uma empreitada audaciosa demais, diante do pouco conhecimento que tínhamos

sobre tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) no âmbito educacional. No

entanto, a ideia é real, factível e exequível. E foi isso que propusemos como ação

interdisciplinar na EMEF JAA, em João Pessoa, como contribuição para o projeto da escola

para concorrer ao prêmio Escola Nota 108 neste ano de 2019, que tem como tema Jackson

do Pandeiro.

8 Trata-se de uma avalição anual que a Secretaria de Educação de João Pessoa realiza com as escolas e creches

que administra. As unidades de ensino são avaliadas sob seis critérios: aprendizagem, plano de trabalho,

formação continuada, projeto, patrimônio e gestão escolar. A partir deles, a gestão municipal cria um índice de

excelência escolar e premia os funcionários das escolas com 14º salário pago no fim do ano ou início do

próximo.

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Homenageado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), quando se

completam 100 anos de seu nascimento, o cantor nascido na cidade de Alagoa Grande,

situada no brejo paraibano, terá sua vida e obra ilustradas nas escolas municipais e creches

da cidade. É esperado que elas desenvolvam com grande diversidade propostas que integrem

ao menos três disciplinas, a fim de promover nos alunos o gosto pelas obras desse artista.

Como a Dialetologia, a Sociolinguística e Etnolinguística são em si interdisciplinares,

unimos nossos conhecimentos a respeito delas, seus procedimentos investigativos e estudos

de natureza histórica e geográfica sobre Jackson do Pandeiro e sua terra a um aplicação

colaborativa através da Informática.

Visando à união do tradicional com o moderno, através da apreciação da linguagem

regional no uso de tecnologias computacionais e dando espaço para o protagonismo infanto-

juvenil, elegemos a criação de um jogo como um caminho para conseguirmos motivar os

alunos a se empenharem nas atividades do projeto da escola. É que, se o Escola Nota 10 não

premia os alunos, não há motivação para eles senão o de cumprir atividades por notas

bimestrais; não há desafios que os provoquem senão a participação em atividades

costumeiras planejadas pelos professores.

Pensando nessa provocação, surgiu o projeto Jack Soul do Scratch: um jogo de

linguagem digital, que tem como objetivo principal permitir que os alunos da EMEF JAA

protagonizem as ações referentes ao projeto escolar para o prêmio Escola Nota 10, ao

criarem um jogo com base em letras de músicas de Jackson do Pandeiro através do

programa Scratch. A ideia inicial partiu das provocações e inspirações que obtivemos na

formação continuada ofertada pelo município neste ano, realizada em parceria com a

Fundação Telefônica/Vivo. Nela tivemos a oportunidade de realizar o curso “Produção

Colaborativa de Conhecimento: redes para multiplicar e aprender”, através do qual

pudemos compartilhar ideias com colegas de profissão e aprender sobre novas formas de

lidar com os alunos de modo colaborativo na produção de texto em ambiente digital.

Como o curso tinha a opção de compartilhar projetos, foi possível conferir diversas

iniciativas já consagradas e ações ainda embrionárias, postadas no espaço propício para

troca de experiências e usado para o cumprimento de tarefas no curso: o fórum de atividade

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avaliativa. Foi nesse espaço, portanto, que nos deparamos com uma proposta que visava à

construção de um projeto colaborativo entre escolas, ensinando os alunos a criar um vídeo

usando um aplicativo de Stop Motion. Nessa proposta compartilhada nos foi possível

visualizar um trecho de um vídeo com a música Sebastiana, cantada por Jackson, em

cumprimento da tarefa de apresentar uma atividade colaborativa cujo produto fosse um texto

multimodal.

Foi aí que vislumbramos a possibilidade de “animar” ainda mais as músicas de

Jackson do Pandeiro, uma vez que o cantor viveu num tempo em que a internet sequer

existia tampouco ele alcançou sucesso nacional suficiente no tempo em que se gravavam

clipes para serem exibidos em programas de TV, de modo que se fizessem hoje presentes

nas redes. Seus registros visuais em meios digitais são de apresentações em programas de

auditórios cujas filmagens foram posteriormente postadas na internet, e entrevistas gravadas

para documentários veiculados na TV e também lançados na rede anos depois. O sucesso de

Jackson vem, na verdade, da era do rádio, período longínquo para as crianças e adolescentes

desta geração. Conhecê-lo é mergulhar na história da arte musical brasileira, na do próprio

país e também de seu estado.

“Animar” suas músicas em jogos, por sua vez, consiste em usar suas letras e

melodias em diversas partes, como cenários nelas descritos, unidades léxicas a serem

empregadas por personagens dos jogos ou até mesmo trechos cantados em eventos de

mudança de cenário ou ganho de pontos, por exemplo. Vai além das animações dos clipes

musicais, portanto, uma vez que o jogador tem a possibilidade de conduzir as ações

programadas e o que surge dessas ações gráficas são movimentos de personagens inspirados

nas letras de Jackson, animais a que ele se referiu, lugares que ele cita, palavras que proferiu.

Como as músicas não são contemporâneas das crianças e adolescentes envolvidos no

projeto, faz-se necessário um trabalho de pesquisa em fontes digitais, devido à dificuldade

de encontrá-las materialmente. Além disso, realizar pesquisas na internet é uma tarefa que os

jovens apreciam; logo, um elemento motivador para a adesão ao projeto.

Nesse sentido, o contato com Jackson do Pandeiro, cujos CDs e LPs são raridades,

fez-se em espaço virtual de grande interesse para jovens e crianças da atualidade, que

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também costumam utilizá-lo com jogos online. Vimos, portanto, na criação de um jogo a

oportunidade de trazer à baila a voz de Jackson num tipo de plataforma divertida e bastante

utilizada pelos alunos envolvidos. Vimos a oportunidade de incentivá-los a reler as letras das

músicas do artista e as ilustrar em cenários baseados na cidade natal de Jackson, para

compor o jogo. Vimos, por fim, a chance de incutir nos alunos a valorização de sua terra e

de sua linguagem, da língua portuguesa do Nordeste, mais precisamente do paraibano,

através da utilização do léxico empregado pelo artista, ao incluí-lo em desafios a serem

transpostos pelos jogadores.

A proposta que trazemos além de conciliar os ensinamentos do curso de Produção

Colaborativa de Conhecimento (Telefônica/Vivo) com o projeto interdisciplinar Jackson do

Pandeiro: música e poesia da terra (proposto pela EMEF JAA para concorrer ao prêmio

Escola Nota 10), une-se também a ambições acadêmicas que decorrem de nossas pesquisas

com o léxico regional-popular durante o curso de doutorado (UFPB), concluído em 2018

(SANTIAGO, 2018). Se naquela oportunidade nos limitamos aos textos escritos em prosa,

nesta nos aventuramos no texto oral, registrado em gravações de anos atrás, e nos

propusemos a usá-lo numa ferramenta moderna, digital, com modalidades de linguagem

peculiares, suporte para diversos gêneros textuais e possibilidades de construção coletiva.

Assim é o programa Scratch, software livre que possibilita o aprendizado através da

criação de jogos e animações sem a necessidade de que o usuário entenda necessariamente

de linguagem de programação. Com base em blocos pré-programados, é possível construir

roteiros que comandam os acontecimentos de um jogo: movimentos de personagens,

surgimento de novos, mudanças de cenário, inclusão de imagens e sons, por exemplo, fazem

parte do elenco de possibilidades que o Scratch permite controlar.

2 O PROGRAMA E O PROJETO PILOTO

Segundo Castro e Koscianski (2017), o desenvolvimento do Scratch teve início em

2003, sendo lançado na internet em 2007. Ou seja, trata-se de uma plataforma gratuita, que

está disponível há mais de 10 anos, mas que é pouco conhecida e utilizada pelas escolas do

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país; é um recurso cuja oportunidade de utilizar é condicionada apenas ao acesso à internet

nas escolas e a um pequeno treinamento com os alunos, ainda que seja bastante lúdico.

Contudo, sua ludicidade vai além das possibilidades de uso que permite; seu layout já aponta

para isso, com os blocos de cores diferentes, os personagens e cenários prévios que possui e

a facilidade para operar. É, em suma, uma ferramenta multimodal, desenvolvida por uma

instituição de reconhecida excelência internacional, e que se encontra a disposição daqueles

que veem o processo educacional como um desafio com base na pesquisa e no ensino

motivador.

A linguagem de programação do Scratch foi inspirada na linguagem. Logo, porém

com uma interface gráfica mais fácil. O projeto teve início em 2003 e a partir de

2007 foi lançado um site na internet. O Scratch é um software gratuito e está

disponível tanto online quanto off-line. Ele foi desenvolvido pelo grupo Lifelong

Kindergarten no Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT),

liderados por Mitchel Resnick. (CASTRO; KOSCIANSY, 2017, p. 4)

A linguagem Logo de que os autores tratam foi criada por Seymor Papert, no fim da

década de 1960, e visava colocar crianças para ensinar o computador; ou melhor, a criança

comandava a representação de um robô na tela de um computador. Basicamente, é isso que

o Scratch permite. Inspiradas em teorias de Piaget, tanto a linguagem. Logo quanto a do

Scratch, que é mais moderna, porém mais fácil para as crianças, elevam o processo de

ensino-aprendizagem a outro patamar, no qual o erro é entendido como tentativa de acerto.

Assim, os blocos coloridos pré-programados que permitem a construção dos roteiros

de programação podem ser facilmente manipulados com um mouse, montando e remontando

quantas vezes for necessário até o usuário decidir que basta, que conseguiu realizar a tarefa

pretendida; ou que seja necessário reiniciar a programação, ou ainda construir outra. Para

nós, esses blocos permitem que os alunos envolvidos no Projeto Jack Soul possam encontrar

por si mesmos a melhor forma de representar as músicas de Jackson do Pandeiro nos jogos

que planejarem construir. Abaixo, um exemplo do layout do programa e a partir do projeto

piloto que usamos para apresentar o Scratch aos alunos que se interessaram em aderir a

nossa proposta na EMEF JAA.

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Figura 1: programação do jogo piloto com Casaca de couro

Fonte: scratch.mit.edu

Na imagem acima, tem-se a organização dos blocos do Scratch na lateral, a esquerda,

junto com os comandos dos códigos (em bolinhas) de movimento, aparência, som, eventos,

controle, sensores e operadores. Junto aos comandos dos códigos, ainda há os de fantasias,

para inserir ou modificar personagens, e de sons, com quais se podem realizar uploads de

músicas, como as de Jackson, além de vincular outros sons pertencentes à biblioteca do

programa aos projetos. Já no centro, há um exemplo de roteiro, construído para fazer o ator

(caricatura de Jackson) se mover no cenário a direita: o palco.

Na figura 1, os blocos coloridos ao centro, cujo encaixe se dá numa sequência de

cima para baixo, são o exemplo de programação em si. Temos um comando de evento

(quando este ator for tocado), dois de movimento (vá para posição aleatória) e um de

aparência, no qual parte do refrão de Casaca de couro foi inserido (Xô, xô, xô, xô, casaca de

couro). Esta programação permitiu que o ator (Jackson caricatura) se movesse sempre que

clicado pelo mouse, além de apresentar um balão de fala, como ocorre nas histórias em

quadrinhos.

Logo abaixo há o início de outra programação, na qual previmos a mudança de

cenário após finalizada uma etapa do jogo, cujo objetivo era fazer o ator ir atrás de um par

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de casacas de couro, aves cujo canto em dueto se assemelha a risadas. Assim, a sequência se

inicia com um bloco de aparência, que muda do cenário 1 para o cenário 2; um bloco de

som, que prevê a interrupção da música na passagem de um cenário para outro; e um bloco

de controle, cuja definição no momento da captura da imagem ainda não havia ocorrido,

mas que prevê, no termo sempre, que um comando encaixado neste bloco se repita sem

limites de vezes. É este controle que garante, por exemplo, a impressão de deslocamento de

um ator na direção horizontal ou na vertical, em caso de linhas pontilhadas passarem perto

dele, como no efeito de um carro na estrada, o que pode ocorrer também com árvores, casas

ou quaisquer outros objetos que passem por ele constantemente.

Após novos estudos sobre o programa, refizemos essa programação e inserimos o

segundo ator nos cenários 1 e 2. Abaixo apresentamos a figura 2, uma captura de tela para a

segunda programação do ator Jackson caricatura.

Figura 2: programação que envolve o segundo ator.

Fonte: scratch.mit.edu

Na imagem acima, vemos parte da programação do segundo evento entre o primeiro

e o segundo ator, um par de casacas de couro cuja imagem foi salva com o nome casaca da

lama 1. Este nome remete a um tipo de casaca de couro presente no Nordeste, que difere de

outras espécies pela aparência, hábitos e canto. A figura 2, que apresentamos acima,

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demonstra uma sequência composta pelos comandos de evento, em que se prevê o uso da

tecla de espaço par realizar um movimento previsto pelo bloco vá para, tendo como destino

o ator casaca da lama 1; na sequência, dois blocos de aparência: diga (com inserção de

outra parte do refrão para balão da fala - cantando as duas na teia) e próximo cenário. Fecha

essa programação o bloco de controle sempre, mais uma vez encerrando os sons após

mudança de cenário.

Figura 3: cenários 1 e 2.

Fonte: scratch.mit.edu

Por fim, na figura 3 apresentamos as duas capturas de tela correspondentes aos

cenários 1 e 2. O primeiro com a presença dos atores caricatura de Jackson e casaca da

lama 1 tendo como pano de fundo, ou palco na linguagem do Scratch, uma foto do

Memorial Jackson do Pandeiro. Já o segundo, que também contém os atores, apresenta como

palco uma foto de Alagoa Grande, cujo portal de entrada com um pandeiro gigante aponta

para o visitante a importância que o cantor tem.

No entanto, o jogo piloto serviu apenas ao propósito de demonstrar potencialidades

do Scratch aos alunos, não se constituindo em jogo propriamente dito, uma vez que não

chegou a ser finalizado com atribuição de pontuação aos jogadores. Para que eles possam

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desenvolver seus próprios jogos, uma série de objetivos específicos foram traçados dentro

do Projeto Jack Soul. De um lado, parte deles está ligada aos estudos da linguagem do

cantor e da temática de suas músicas: pesquisar músicas do cantor Jackson do Pandeiro;

selecionar letras que inspirem cenários para um jogo; realizar levantamento do léxico

regional nelas empregado; e valorizar a linguagem regional bem como a cultura paraibana.

Por outro lado, há objetivos mais voltados para o aprendizado e uso do Scratch na

construção dos jogos no âmbito educacional: realizar oficinas de estudo sobre o programa

Scratch; promover intercâmbio com professores de outras instituições educacionais que

tenham experiência com o uso do programa; Desenvolver habilidades de cooperação em

trabalho conjunto; ampliar a compreensão do raciocínio lógico; compartilhar experiências

colaborativas com outros usuários do Scratch; relevar a obra de Jackson do Pandeiro,

alçando-a a plataformas digitais.

Do ponto de vista metodológico, destacamos que a implementação do projeto

necessitou de uma seleção prévia de participantes devido a impossibilidade de atender a

todos os alunos da escola. Tal restrição se justifica por, na carga horária do proponente, não

caberem mais que duas horas semanais para dedicação ao projeto; pela quantidade de

computadores com acesso à internet na sala de informática: vinte (20); e pelo fato de as

oficinas só poderem ocorrer quinzenalmente, de acordo com a disponibilidade da

facilitadora, uma professora do IFPB com quem estabelecemos parceria. Esta, que tem

formação em Ciências da Computação, desenvolve um projeto de extensão que visa à união

do lúdico e do tecnológico para valorização da cultura popular. Além disso, toma por base

conceitos da pedagogia piagetiana como construtivismo e construcionismo, apostando nas

TDICs como alternativas ao ensino tradicional. Esses fatores fazem o projeto Jack Soul do

Scratch peculiar do ponto de vista da viabilidade de sua execução: depende apenas do

interesse dos participantes em lidar com as músicas de Jackson, pois as demais condições

estão dadas.

Assim, selecionamos vinte (20) alunos divididos em quatro (4) equipes de cinco (5)

alunos, as quais competem entre si com o objetivo de desenvolver o melhor jogo com base

em canções de Jackson do Pandeiro, segundo os seguintes critérios: fidelidade ao visual

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regional nos cenários; uso de palavras e expressões regionais empregadas nas músicas do

autor; desafios empolgantes no jogo; possibilidade de colaboração para melhora do jogo por

outros usuários. Esse último critério é de grande importância para que o projeto se coadune

com o que preconiza a educação nos moldes da Web 2.0, a qual visa à “diminuição da

separação entre a escola e o meio envolvente” em que vivem os alunos, “cada vez mais

dominado pelo acesso aos serviços proporcionados através da internet”. (CARVALHO,

2008, p. 11).

Sobre Web 2.0, é importante salientar a definição de Primo (2017, p. 01), para quem

esta é a “segunda geração de serviços online e se caracteriza por potencializar as formas de

publicação, compartilhamento e organização de informações”. As atividades educacionais

que se pautam por este conceito não se resumem a ser apresentadas apenas na comunidade

escolar, mas precisam ser compartilhadas com o mundo através da internet. Mais que isso,

as ferramentas da Web 2.0 possibilitam a construção colaborativa em rede, onde os projetos

podem ter diversos atores na sua construção. Assim são os wikis, por exemplo, espaços

digitais compartilhados nos quais usuários escrevem textos que podem receber contribuições

de outros usuários. Do mesmo modo, o Scratch tem a possibilidade de manter abertos os

projetos nele desenvolvidos, para que outros usuários do programa possam melhorá-los.

Além disso, no processo educacional que se vale da Web 2.0, a própria relação

professor-aluno se modifica, uma vez que sai dos limites do livro, caderno ou lousa e passa

ao ambiente aberto das redes, ainda que controlado pelo condutor do projeto, que não mais

se comporta como aquele que tudo sabe, mas sim aquele que media a aprendizagem quase

que autônoma dos alunos. Desse modo, o professor deixa de ser quem transmite

conhecimento pronto - um repetidor de ideias existentes - e passa a mediar a construção do

conhecimento pelos próprios alunos, a partir dos caminhos que lhes são apresentados.

Um último componente de natureza teórica que tem relevância para esse trabalho diz

respeito ao modo como a escola deve fazer para permitir o aprendizado da leitura e da

escrita. Além de promover atividades colaborativas, é preciso que a escola tenha em conta o

que apregoa Delia Lerner (2007), quando fala do que é real, o que é possível e o que é

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necessário no ensino; e Rojo (2013), a respeito do papel da escola com o advento das novas

tecnologias.

Para Lerner (2007), no âmbito do real, é preciso que as soluções para a melhoria do

ensino de escrita e leitura considerem as dificuldades que a escola possui. Em nosso caso,

levamos em conta as limitações de estrutura, de equipamentos e tempo para as oficinas do

Scratch. Além disso, consideramos as próprias limitações de nossos alunos para lidar com as

letras das músicas de Jackson, o que nos fez prever encontros semanais também para discuti-

las.

Do ponto de vista do que é possível, relevamos o que diz Lerner sobre a aproximação

da realidade escolar com a social. Embora tratemos de jogos, que não resultam

necessariamente na produção de textos escritos, a leitura está muito presente no processo de

seu desenvolvimento. E leitura aqui é entendida sob o prisma dos gêneros multimodais,

como deve ser considerado o programa Scratch. Assim, o esforço que se faz nesse projeto é

o de aproximar o máximo possível os alunos das atividades de programação de jogos que

ocorrem no mundo social, barreira que o Scratch derruba ao compartilhar em rede projetos

de vários usuários. Com ele, nossos alunos passam a integrar uma comunidade de

programadores, deixando de usá-lo apenas por ser tarefa da escola, mas por se inserir nessa

comunidade.

Posto isso, chegamos ao que Lerner (2007, p.18) defende como o necessário: “fazer

da escola uma comunidade de escritores que produzam seus próprios textos, para mostrar

suas ideias”. Os textos são os jogos cujas ideias estão contidas em seus projetos a serem

compartilhados em rede. Nesse sentido, a produção de jogos digitais torna-se também um

exercício de linguagem, seja ela digital, no ato da programação, ou não, quando se permite

aos alunos o trabalho em equipe para que discutam oralmente as melhores soluções para os

jogos.

Por fim, consideramos relevantes os apontamentos de Rojo (2013, p. 7), para quem

“a escola deve preparar a população para um funcionamento da sociedade cada vez mais

digital”. É nesse sentido que o projeto Jack Soul do Scratch se insere, tendo em vista a

preocupação em permitir a estudantes de escola pública entrarem em contato com práticas

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que já ocorrem noutras instituições voltadas para público de classe mais abastada. Também

eles terão a oportunidade de se “encontrarem no ciberespaço” e mostrarão sua identidade

mundo afora. Com isso, temos certeza de que um trabalho dessa natureza se coaduna com o

que a autora preconiza, uma vez que busca a inserção dos alunos em práticas educacionais

inovadoras que levam em consideração o universo da TDICs.

3 O LÉXICO, A VARIAÇÃO E OS VALORES CULTURAIS NAS CANÇÕES DE

JACKSON

O trabalho que desenvolvemos nos surpreendeu de início, quando nos deparamos

com estudantes da periferia de uma capital nordestina que manifestam dificuldade em

compreender as músicas de um artista regional, atribuindo às palavras que ele usa o

principal motivo. Nisso, vemos que estamos diante de uma questão de léxico, pois muitos

chegam a dizer que as palavras parecem inventadas. Ou seja, ao não partilharem do léxico

que Jackson dominava, os estudantes de hoje deixam de compreender parte de suas músicas.

Contudo, os estudos dialetológicos, lexicológicos sócio e etnolinguísticos demonstram que

não se trata de invenção.

Na introdução do livro As ciências do léxico, Biderman (2001) define léxico como

patrimônio, tesouro cultural abstrato, herança de uma série de modelos categoriais, já que o

homem categoriza o mundo pelas palavras, gerando novas, conforme sua experiência com

este mundo. Segundo ela:

Os modelos formais de signos linguísticos preexistem, portanto, ao indivíduo. No

seu processo individual de cognição da realidade o falante incorpora o vocabulário

nomeador das realidades cognoscentes justamente com os modelos formais que

configuram o sistema lexical. (BIDERMAN, 2001, p.14)

Sendo assim, não compete ao usuário da língua, salvo pelas inovações que o sistema

permite, moldar o léxico conforme sua intenção criativa, sem que lhe seja concedido o crivo

da comunidade linguística. Sobre isso, vale ressaltar o que diz Barbosa (2001), ao tratar do

neologismo. Para esta autora, embora exista na língua a força renovadora, há também a

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conservadora, as quais agem na tensão para a renovação lexical de acordo com a

aceitabilidade dos destinatários aos quais as novas palavras são dirigidas. Sobre essa

questão, aponta:

Criado, o neologismo só passa a ter esse estatuto, se o seu uso se generaliza a

ponto de ser um vocábulo disponível de, pelo menos, um grupo de indivíduos;

depois, começam a empregá-lo e, assim, se vai dando difusão; doutras vezes há

uma rejeição natural ou intencional do termo e esse desaparece ao nascer. O

julgamento da aceitabilidade se processa no meio social, depende não só da

vontade individual como também de um consenso social e cultural. (BARBOSA,

2001, p.38)

Diante disso, entendemos que não é suficiente para um só usuário da língua inventar

novas palavras, ainda que à intenção criativa se unam permissões do próprio sistema

linguístico. É preciso também que os novos componentes, aspirantes a fazer parte do léxico,

recebam aval de uma comunidade, sendo aceitos por ela, por corresponderem às

necessidades que a mesma demanda. Em obras literárias regionais, nas quais a identidade

linguística com a comunidade local é pretensa e comumente alcançada, a criação lexical

segue esse modelo, conforme a aceitabilidade de vários locutores e compatibilidade com a

língua, como Barbosa preconiza. Cremos que o mesmo valha para as músicas regionais

como as que Jackson do Pandeiro cantou, ou seja, suas palavras têm aceitabilidade pelas

pessoas por haver identificação, visto que a variedade linguística regional é um instrumento

identitário, conforme Stella Maris Bortoni-Ricardo esclarece abaixo:

Toda variedade regional ou falar é, antes de tudo, um instrumento identitário, isto

é, um recurso que confere identidade a um grupo social. Ser nordestino, ser

mineiro, ser carioca, etc. é um motivo de orgulho para quem o é, e a forma de

alimentar esse orgulho é usar a linguagem de sua região e praticar seus hábitos

culturais. (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 33)

Aqui a autora põe a identidade nordestina em patamar de igualdade com a carioca e a

mineira. Disso podemos concluir inicialmente que as pessoas dos lugares a que ela se refere

nutrem orgulho por pertencerem a esses lugares, o que lhes conduz à utilização da

linguagem característica. Até aí concordamos, mas atentamos para o fato de que o Nordeste

não é um estado, tampouco Rio de Janeiro é uma região. Nesse sentido, preferimos dizer que

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nosso trabalho trata da identidade paraibana, que os valores a que remetem as canções que

abordamos são paraibanos, que a cultura e a terra a que elas se referem são da Paraíba,

porque acreditamos que as músicas abordadas aqui espelhem, pela linguagem, esse estado e

esse povo; ou seja, são músicas nas quais se possam encontrar o desenho da realidade

paraibana.

É preocupante, contudo, perceber que os estudantes da periferia pessoense possam

não reconhecer esse desenho e, mais que isso, não nutrir o sentimento identitário

supracitado. Por isso, a tarefa de valorizar a linguagem regional-popular torna-se ainda mais

importante, e o trabalho com as músicas de Jackson cumprem bem esse papel. Embora

compreendamos que o cantor transitou por outros estados do Nordeste e do Brasil e

reconheçamos que neles também tenha buscado inspiração, cantando composições de

autores diversos, a maioria das canções que abordamos neste trabalho remetem ao universo

geográfico, histórico e cultural da Paraíba. Compreendemos também que há um intervalo de

tempo considerável entre o momento de Jackson e o dos alunos com os quais trabalhamos;

eles estão em momentos históricos distintos. Além disso, a norma de Jackson se aproxima

mais da norma rural, e os alunos com os quais trabalhamos, da norma urbana.

Sobre essa distinção entre normas, Bortoni-Ricardo (2004, p. 53) explica que “não

existem fronteiras rígidas que separem os falares rurais, rurbanos e urbanos”. Ou seja, por se

tratar de um contínuo que vai do rural para o urbano, um usuário da língua pode apresentar

características de uma norma ou de outra, ou mais de uma que de outra. A compreensão

desses conceitos não é fácil, nem compete ao projeto Jack Soul do Scratch esclarecer.

Contudo, eles balizam os estudos que propomos aos estudantes, um vez que a escolha das

músicas deve ser realizada por eles, mas sob o critério de representatividade da identidade

paraibana e/ou nordestina. O entendimento dessa identidade pode ser amparado pelos

preceitos da Dialetologia, da Sociolinguística e da Etnolinguística. Por isso, cabem

esclarecimentos a respeito das tarefas dessas ciências.

Para Coseriu (1987), é tarefa da Sociolinguística, no plano do discurso, estudar os

tipos de discursos e as diferenças estruturais entre os mesmos nas camadas socioculturais, e

a utilização das diferenças diastráticas em qualquer tipo de discurso. Já a Etnolinguística, no

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mesmo plano, tem como objeto o estudo dos tipos e da estrutura peculiar dos discursos

tradicionais específicos de uma cultura, o que nos interessa, uma vez que tratamos da cultura

nordestina. Segundo esse autor, portanto, a língua apresenta variações nos discursos de

acordo com as camadas socioculturais que os proferem e de acordo com as tradições

culturais de grupos específicos. Como é pertinente o exame dos pressupostos teóricos e

métodos dessas duas ciências na investigação de obras literárias regionais, cremos que o

mesmo possa ser considerado no trabalho com as músicas cantadas por Jackson.

No tocante à Dialetologia, por sua vez, Aragão (1999, p. 15), quando busca situar

seus limites, revela que os dialetólogos também buscam as “causas sociais e estilísticas que

determinam as variações regionais”. Este é o caso, então, em que, para a autora, as barreiras

entre Sociolinguística e Dialetologia se tornam cada vez mais tênues, e o pesquisador,

muitas vezes não sabe “onde termina uma e começa a outra”.

Distinção relevante sobre essas duas ciências faz também Cardoso (2010), após

introduzir discussões sobre a Dialetologia e os estudos das variações linguísticas. A autora

afirma que, embora pareçam sinônimas, os estudos dialetológicos se diferem dos

sociolinguísticos pela “forma de tratar os fenômenos e na perspectiva que imprimem à

abordagem dos fatos linguísticos” (Idem, p. 26). Para essa autora:

A Dialetologia, nada obstante considerar fatores sociais como elementos

relevantes na coleta e tratamento dos dados, tem como base da sua descrição a

localização dos fatos considerados, configurando-se, dessa forma, como

eminentemente diatópica. A Sociolinguística, ainda que estabeleça a

intercomparação entre dados diferenciados do ponto de vista espacial, centra-se na

correlação entre os fatos linguísticos e os fatores sociais, priorizando, dessa forma,

as relações sociolinguísticas. (CARDOSO, 2010, p. 26)

A compreensão dos aspectos sociais do tempo de Jackson tem grande importância

nesse ponto. O “forró” a que se refere Jackson quando canta os primeiros versos de Forró

em Limoeiro ou a “gafieira” nos últimos de Sebastiana remetem a um lugar de diversão, não

apenas o nome de um ritmo musical. É o brega ou o funk que muitos jovens da periferia

pessoense frequentam hoje. A língua, portanto, espelha a realidade social de cada momento

histórico-cultural, nas palavras de cada geração que os vive.

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Do mesmo modo, quando Jackson canta “pé de turco”, “jurema”, “pau branco” e

“pau preto” em Casaca de couro, traz à tona o ambiente espacial, geográfico, visto que se

tais unidades léxicas remetem a árvores conhecidas de localidades rurais onde as aves fazem

ninhos ou de onde retira material para fazê-los. Ainda que possam pertencer ao falar

regional, tais palavras não são comuns para os pessoenses, o que causou estranheza aos

alunos envolvidos no projeto aponto inclusive de comprometer a interpretação da música.9

A respeito do falar regional, é relevante a definição de Aragão (1983):

Dialeto ou falar regional será, então, por nós definido como uma variante regional

de determinada língua. Esta definição, além do aspecto espacial, geográfico ou

diatópico, aquele a que geralmente se dá mais ênfase nos estudos dialetológicos,

também compreende os aspectos temporal ou diacrônico, e social ou diastrático,

que têm igual importância para o conhecimento da realidade linguística. (p.18)

Nesse sentido, o falar regional vai além de aspectos espaciais. Engloba aspectos de

natureza temporal e também social. Do ponto de vista espacial, reflete a norma de um

determinado lugar (ou lugares da mesma região); no que concerne ao tempo, demonstra a

conservação ou o desaparecimento de elementos linguísticos que podem ser verificados ao

longo da história de um povo; no tocante ao social, por fim, entrega os diferentes estratos da

sociedade. Por isso, o trabalho com a linguagem regional é também um trabalho de natureza

sociolinguística.

Segundo Coseriu (1987), contudo, a Sociolinguística deve se limitar ao estudo da

variedade e variação da linguagem em relação com a estrutura social das comunidades. É,

neste ponto, uma visão que a entende mais como ciência linguística que sociológica. Sua

tarefa consiste em analisar a relação linguagem – contexto social. Como não há condições de

separar contexto social da história, do lugar e da cultura dos povos, um estudo

sociolinguístico é sempre interdisciplinar. A relevância nos aspectos sociais para explicar as

9 Durante os trabalhos de seleção dos alunos para o projeto, ao serem apresentados à letra de Casaca de couro,

a maioria deles respondia que pau branco e pau preto eram pedaços de madeira de cores branca e preta. Ou

seja, desconheciam que tais unidades léxicas nomeavam dois tipos de árvores; ou seja, pau branco e pau preto

são os nomes de dois tipos de vegetais, mas não fazem parte do léxico urbano.

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ocorrências linguísticas é que caracteriza a Sociolinguística e a diferencia das ciências

próximas.

Já sobre a Etnolinguística, Coseriu (1987, p. 46) aponta que a ela corresponde “o

estudo dos fatos de uma língua enquanto motivados pelos ‘saberes’ (ideias, crenças,

concepções, ideologias) acerca das ‘coisas’”. Aqui vale salientar alguns versos de O canto

da ema: “A ema gemeu no tronco do jurema [...] Você bem sabe / Que a ema quando canta /

Vem trazendo no seu canto / Um bucado de azar”. Nesses versos, a crença no “sobrenatural”

se faz presente, visto que a ema, um mero animal silvestre, uma ave, ao emitir um grunhido,

sinaliza que algo ruim vai ocorrer com as pessoas. Esses aspectos de natureza cultural, no

entanto, são entraves à interpretação dos jovens, que não partilham dessas crenças na capital.

A própria lexia “gemido” não é comum na realidade deles com esse sentido, sem contar que

alguns sequer conhecem uma ema.

Desta forma, o conhecimento sobre os aspectos espaciais (diatópicos) a que as

músicas de Jackson remetem, sobre a realidade social, e as implicações de natureza cultural

de que as letras se constituem, são de suma importância para que as crianças e adolescentes

envolvidos no projeto Jack Soul do Scratch possam construir jogos que de fato representem

uma identidade paraibana e/ou nordestina. Não se trata apenas de pôr palavras das músicas e

no jogo; é mais que um jogo de palavras. Trata-se de mergulhar no universo sociocultural do

artista através das palavras para, em seguida, emergir com elementos que se materializem

graficamente em plataforma digital e garantam a identificação com o artista, sua cultura e

sua terra.

4 LÉXICO REGIONAL-POPULAR EM CASACA DE COURO

As unidades léxicas que compõem esta canção bem como determinadas construções

sintáticas nos levam a enquadrá-la como um texto em linguagem regional-popular. Esta

pode ser entendida como uma linguagem coloquial que representa valores culturais e

características linguísticas peculiares a uma determinada região. No caso da letra da música

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em tela, é o léxico o que mais evidencia isso. Nela destacamos 16 unidades léxicas que

comprometeram a interpretação dos alunos e que foram objeto de discussão e pesquisa por

eles mesmos realizadas. Abaixo destacamos todas elas dentro da letra da música.

Casaca de Couro (Jackson do Pandeiro)

Xô, xô, xô, xô, casaca de couro

Dançando as duas na teia

Dançando as duas na teia

Parece um arapuá

Cheio de vara e algodão

O ninho de uma casaca

Não parece ninho não

Parece mais os parceiros

Dos pajáu do sertão

Em riba de um pé de turco

Tem um ninho de graveto

Tem garrancho de jurema

Tem pau branco, tem pau preto

Tem lenha que dá pra facho

Tem vara que dá espeto

Uma grita, outra responde

Uma baixa, outra também

Parece mulher pilando

Pro mode fazer xerém

Subindo e descendo as asas

Como o seio do meu bem

Eu nunca vi desafio

Mais bonito, mais iguá

Duas casaca de couro

Quando começa a cantar

Parece dois violeiros

Num galope à beira-mar

As pesquisas foram realizadas em 4 dicionários: um de língua (DH – Dicionário

Houaiss de Língua Portuguesa, 2009) e três regionais (DFP – Dicionário do Falar

Pernambucano; DN – Dicionário do Nordeste; e DTEP – Novo Dicionário de Termos e

Expressões Populares). Optamos pela consulta em compêndios escritos e impressos porque,

ao contrário dos dicionários regionais aqui elencados, não é comum em sites e blogs que se

propõem a definir termos regionais e/ou populares rigor científico mínimo para

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padronização de verbetes. Além disso, era intenção dessa etapa fazer os alunos terem

contato com a mínima estrutura possível de um verbete preconizada pelos estudos

lexicológicos e lexicográficos: entrada + definição + abonação. Este último elemento nem

todo dicionário apresenta, especialmente alguns compêndios online.

Assim, listamos em seguida as 16 unidades léxicas, acrescentando abaixo do termo

entrada, ou seja, a palavra ou expressão a ser definida, códigos de dicionarização (DMS –

dicionarizado no mesmo sentido; DSD – dicionarizado em sentido diferente; ND – não

dicionarizado) de acordo com os registros nos dicionários consultados. Para esta discussão,

contudo, optamos por não construir verbetes completos, apenas definir cada unidade léxica

que consideramos pertencentes à linguagem regional-popular usada por Jackson do Pandeiro

e que foram motivo de dúvida para os alunos.

ARAPUÁ

ND (DFP, DTEP, DN, DH)

Tipo de abelha pequena, de cor escura, que

faz colmeia em tronco de árvores.

PAJÁU

ND (DFP, DTEP, DN, DH)

Faca ou qualquer outro instrumento de corte

usado em briga de arruaceiros no sertão.

CASACA DE COURO

DMS (DFP, DTEP, DN, DH)

Pássaro que costuma viver em casal e faz

dueto no canto, que se assemelha a risadas

numa algazarra.

PAU PRETO

DMS (DH); ND (DFP, DTEP, DN)

Tipo de árvore escura, parecida com

jacarandá.

EM RIBA

DMS (DFP, DTEP, DN, DH)

Parte de cima de alguma localidade.

PÉ DE TURCO

DMS (DH); ND (DFP, DTEP, DN)

Pequena árvore espinhosa.

FACHO

DMS (DTEP); DSD (DH); ND (DFP, DN)

Porção de galhos ou gravetos recolhidos e

postos em feixe para queimar.

PILAR

DMS (DH); ND (DFP, DTEP, DN)

Ato de usar o pilão no esmagamento de

grãos.

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GALOPE À BEIRA MAR

DMS (DTEP, DN); ND (DFP, DH)

Tipo de poema escrito ou declamado, com

dez versos decassilábicos e que tem por

princípio básico ser finalizado com a lexia

composta galope à beira mar ou galope na

beira do mar.

PRO MODE

DMS (DFP, DTEP, DN); ND (DH)

Variante de com o fim de.

IGUÁ

ND (DTEP, DFP, DN, DH)

Variante popular de igual.

TEIA

ND (DFP, DTEP, DN, DH)

Variante de telha.

JUREMA

DMS (DN, DH); ND (DFP, DTEP)

Tipo de árvore comum em regiões

interioranas.

VIOLEIRO

DSD (DH); ND (DFP, DTEP, DN)

Artista que canta ou declama versos tocando

uma viola.

PAU BRANCO

DMS (DN, DH); ND (DFP, DTEP)

Tipo de árvores de caule roxo e flores

brancas.

XERÉM

DSD (DN); DMS (DFP, DTEP, DH)

Milho seco pisado, esmagado no pilão.

Quadro 1 - 16 unidades léxicas pertencentes à linguagem regional-popular usada por Jackson do Pandeiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os primeiros resultados da experiência com o projeto Jack Soul do Scratch nos

levam a crer que a linguagem regional-popular utilizada pelo artista está mais distante dos

alunos da periferia pessoense do que imaginávamos. Quando submetidos à letra de Casaca

de couro, os alunos, que se empolgam com o ritmo, apresentam dificuldades de

interpretação textual como em outros textos, mas que nesse se agravam devido ao

desconhecimento de grande parta das unidades léxicas, sejam por constituírem arcaísmos ou

por não serem pertencentes a variedade linguística de prestígio que a escola apresenta.

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Compreender a variação linguística como fenômeno natural das línguas se faz necessário

para valorizar a linguagem regional-popular no texto literário.

Do ponto de vista das potencialidades do programa, muito já foi possível comprovar,

mas ainda é cedo para dizer que o Scratch é uma ferramenta que caiu nas graças do nosso

alunado. Por enquanto, a empolgação para as oficinas existe, há equipes que já começaram a

planejar seus jogos, mas o domínio do programa ainda não ocorreu suficientemente para que

isso se traduza em ação efetiva, com programação de jogos. Também as condições da escola

têm atrasado o cronograma inicialmente previsto, uma vez que dos 20 computadores, só

metade propiciaram acesso à internet com velocidade recomendável para operar o programa

simultaneamente. Para que o necessário ocorra, é preciso que o possível saia da esfera do

real e busque o ideal, ainda que não o alcance facilmente. Talvez a própria frequência com

que os alunos se reúnem para desenvolver seus projetos na sala de informática precise

aumentar. Contudo, é necessário que outros agentes educacionais abracem o projeto Jack

Soul do Scratch para além de uma ação de um professor, mas como um projeto da escola.

Por fim, espera-se que os alunos despertem interesse tanto pelas obras do cantor

Jackson do Pandeiro quanto pela ferramenta colaborativa que é o programa Scratch. Além

disso, pretende-se que os mesmos desenvolvam mais empatia e apreço pelo trabalho em

grupo, uma vez que os recursos da Web 2.0 são colaborativos e sua inserção no ensino

permite inovação. Cremos que a união das músicas tradicionais com ferramentas

tecnológicas do meio digital possa levar as crianças e jovens deste século a valorizar mais

suas raízes e jamais abandoná-las, conhecendo a diversidade linguístico-cultural de seu povo

e valorizando sua história e sua terra.

REFERÊNCIAS

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Nordeste. In: Revista do Gelne. Ano 01. nº.02, 1999. p. 14-20.

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GEOLINGUÍSTICA, CULTURA E HISTÓRIA: ALGUMAS INTER-RELAÇÕES

Edmilson José de Sá

RESUMO: Considerando que tradições e costumes do sertanejo podem ser refletidos em várias maneiras,

inclusive na sua linguagem, pretende-se apresentar como isso ocorre, usando como corpus alguns dados

encontrados nas pesquisas para o Atlas Linguístico de Pernambuco, distribuídas entre as quatro microrregiões

do Sertão. Quando se fala em sertanejo, logo se pensa em um povo pertencente a uma comunidade pouco

habitada do interior, à seca e à caatinga, o que pode ser explicado na própria história do Estado, no que os

colonizadores deixaram nos nativos ou nos povos escravizados. Com base numa interpretação diatópica, foram

selecionadas ocorrências para canga, cangalha, caçuá e alforje, por esses serem os termos mais variáveis na

pesquisa e, obviamente, por fazerem parte constante do dia-a-dia do sertanejo.

Palavras-chave: Geolinguística. Cultura sertaneja. História

INTRODUÇÃO

O Nordeste é a uma região composta por nove estados. Porém, a caracterização do

nordestino, associada à caatinga e a outros aspectos específicos desse povo parece ser só

evidente em alguns desses estados, como Ceará, Paraíba, Pernambuco e Piauí, ignorando

que nos demais estados podem ser encontradas as mesmas características. Mas isso é

produto do que a mídia propaga, seja nas informações jornalísticas, seja nas produções

artísticas.

Em se tratando de Pernambuco, a ênfase recai para o sertão, ao qual tradicionalmente

se atribuem as maiores dificuldades causadas pela seca e pelas consequências que ela tem

produzido. Mas outros aspectos que merecem destaque, inclusive a sua história, a sua cultura

e a sua linguagem.

Por isso, pretende-se, aqui, apresentar até que ponto são conhecidos alguns dos

elementos marcantes da cultura do homem sertanejo na língua falada, usando, para esse fim,

as designações coletadas na pesquisa para o Atlas Linguístico de Pernambuco no que tange à

canga, à cangalha, ao caçuá e ao alforje, justificando, na história, o prevalecimento ou a

omissão dos termos. Deste modo, ver-se-á a possibilidade de unificar três linhas de pesquisa

a priori divergentes, a Geolinguística, por ser um método capaz de classificar as formas

variáveis da língua no espaço geográfico onde são proferidas assiduamente, a Cultura

Sertaneja, pelo interesse nos elementos estereotípicos que essa cultura apresenta em

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detrimento de outras culturas e na História, pela importância que ela exerce na justificativa

de muitas questões relativas ao povo e na própria cultura que ele segue.

1 GÊNESE PERNAMBUCANA

Conforme encontrado em Sampaio (2008), os primeiros registros étnicos apontam

para a povoação de indígenas, portugueses, holandeses, judeus, africanos e espanhóis. Há,

inclusive, ainda hoje, colônias japonesas no interior do Estado.

Originário do tupi Paraná-Puca, o nome do estado de Pernambuco significa “onde o

mar se arrebenta”, já que uma boa parte do seu litoral está resguardada por paredões de

recifes de coral.

A história conta que, o litoral pernambucano passou a ser cobiçado pelos portugueses

e franceses e outros povos da Europa no século XVI, por conta da extração do pau-brasil.

Divididas as terras brasileiras nos lotes que culminaram com as Capitanias Hereditárias, a

capitania de Pernambuco foi uma das mais sucessivas.

Estando Portugal e suas colônias sob o domínio espanhol, os vizinhos holandeses se

ligaram aos portugueses, instituindo expedições às terras brasileiras, como a de 1630,

momento em que, nesse ínterim, já era sabido na Holanda a produção de açúcar de boa

qualidade, o que explica o fato de seu povo ter tido maior sucesso na conquista, dando lugar

ao governo de quinze anos de Maurício de Nassau.

Em 1810, D. João VI repartiu a Província de Pernambuco em Comarca do Sertão de

Pernambuco. Essa, mais tarde, foi nomeada Comarca do São Francisco e Comarca de

Alagoas.

Pernambuco teve considerável importância na economia brasileira e isso ocorreu

graças a alguns ciclos geradores de renda de que fez parte, como o da cana-de-açúcar e o do

gado.

Durante o primeiro ciclo, o estado passou a despertar o interesse de outras nações,

graças à criação de engenhos dentro dos quais se extraía o açúcar e esses se localizavam, de

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início na faixa litorânea e, mais tarde, no interior, quando já se requeria o auxílio do gado

para o transporte do açúcar, o serviço da lavoura e a movimentação dos aparelhos de

moagem, uma vez que “os engenhos precisam de gado para seu funcionamento. O gado

servia para mover máquinas e como meio de transporte. Além disso, dele obtinham-se carne

e leite para consumo local” . (SAMPAIO, 2008, p. 61)

Chega aí o ciclo do gado, percorrendo as fronteiras do Rio São Francisco em terras

pertencentes à Bahia e a Minas Gerais, do rio Pajeú, do sertão pernambucano até o rio

Piranhas na Bahia e em outras regiões do país. Pode-se, então, compreender que o foco

litorâneo em Pernambuco recaiu para o ciclo da cana-de-açúcar e no interior, para o ciclo do

gado.

Pernambuco só passou a ter a extensão territorial que possui atualmente após o ano

de 1827, uma vez que a Comarca de Alagoas se demudara em província três anos antes e a

Comarca do São Francisco havia sido acrescida à província de Minas Gerais e depois à

Bahia, conservando-se assim até a República, tal como se mantém nos dias atuais com 98.

311 km2 e cinco mesorregiões que comportam 19 microrregiões geográficas.

As referidas mesorregiões foram classificadas como Sertão Pernambucano, São

Francisco Pernambucano, Agreste Pernambucano, Mata Pernambucana e Metropolitana

do Recife, das quais fazem parte os 184 municípios e ainda o arquipélago de Fernando de

Noronha.

No censo de 2000, realizado pelo IBGE, Pernambuco possuía a quantia de 7.918.344

habitantes, o que, passados 12 anos, já foi alterado.

2 : NOÇÕES TEÓRICAS E DE CARÁTER DOCUMENTAL

O termo Geolinguística traz à tona duas distintas linhas de estudo que se unificaram.

Por um lado, a geografia, responsável por todo o tratamento conceitual dado a terra e a

fenômenos nela existentes. Por outro lado, a linguística, que se ocupa de analisar a

linguagem nivelada segundo seus caracteres macro e micro. Surgiu, então, a geografia

linguística ou geografia das línguas, que analisa principalmente realizações variáveis de

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pronúncia, vocabulário e concordância com base no contexto geográfico em que se inserem,

ou seja, são tratadas segundo a região em que predominam.

O método da Geolinguística é, pois, utilizado para a elaboração de estudos dos

dialetos e falares, de competência da Dialetologia.

Coseriu (1987, p. 79) o define como sendo:

[...]o método dialetológico e comparativo que pressupõe o registro em mapas

especiais de um número relativamente elevado de formas linguísticas (fônicas,

lexicais ou gramaticais), comprovadas mediante pesquisa direta e unitária numa

rede de pontos de determinado território, ou que, pelo menos, tem em conta a

distribuição das formas no espaço geográfico correspondente à língua, às línguas,

aos dialetos ou aos falares estudados.

Por este motivo, a Geolinguística motiva a Dialetologia, já que é estudada

contiguamente com os fenômenos de diferenciação dialetal. Para isso, usufrui-se de mapas

chamados de cartas, cujo conjunto de informações diatópicas permite ao linguista a

construção de atlas linguísticos.

Porém, de início, quando estudiosos europeus resolveram analisar a linguagem

distribuída geograficamente, não eram considerados fatores sociais, como o sexo, a faixa

etária, a escolaridade, a localização, mas apenas o local onde essa linguagem particular era

detectada. Isso foi encontrado nos trabalhos pioneiros quais sejam: o Linguistischer Athlas

des Dacorumänischen Sprachgebietes, desenvolvido por Gustav Weigand e publicado em

1909; o Atlas linguistique de la France, publicado em 1910 por Jules Gillièron.

No Brasil, a Geolinguística passou a ser pensada como método de descrição dialetal

em meados dos anos 50, com a ideia de Antenor Nascentes de construir um atlas nacional

brasileiro. Contudo, as dificuldades em encontrar pesquisadores capacitados para concretizar

a ideia foram o bastante para que ela fosse adiada. Foi visto que:

[...] embora seja de toda vantagem um atlas feito ao mesmo tempo para todo o

país, para que o fim não fique muito distanciado do princípio, os Estados Unidos,

país vasto e rico e com excelentes estradas, entregou-se à elaboração de atlas

regionais, para mais tarde juntá-los no atlas geral. (NASCENTES, 1957, p. 7).

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Assim, projetos de atlas estaduais e até regionais começaram a sair do papel e doze

dele já foram concluídos. São eles: O Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB) (1963), o

Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais (EALMG) (1977), o Atlas Linguístico da

Paraíba (ALPB) (1983), o Atlas Linguístico de Sergipe (ALS I) (1994), o Atlas Linguístico

do Paraná (ALPR) (1996), o Atlas Linguístico Sonoro do Pará (ALISPA) (2003), o Atlas

Linguístico do Amazonas (ALAM) (2004), o Atlas Linguístico de Sergipe II (ALS II)

(2004), o Atlas Linguístico de Mato Grosso do SUL (ALMS) (2007), o Atlas Linguístico

do Paraná II (ALPR - II) (2007), o Micro Atlas-Fonético do Estado do Rio de Janeiro (Micro

AFERJ) (2009), o Atlas Linguístico do Estado do Ceará (ALECE) (2010), o Atlas

Linguístico de Goiás (2012), o Atlas Linguístico de Pernambuco (2016) e o Atlas

Linguístico do Amapá (2017)

Há, ainda, alguns atlas em planejamento, em fase inicial ou avançada de pesquisas,

como o Atlas Geo-sociolinguístico do Pará, o Atlas Etnolinguístico do Acre, o Atlas

Linguístico do Maranhão, o Atlas Linguístico do Piauí, o Atlas Linguístico do Rio Grande

do Norte, o Atlas Prévio do Espírito Santo, o Atlas Linguístico Sonoro do Estado do Rio de

Janeiro, o Atlas Linguístico do Estado de São Paulo, o Atlas Linguístico do Amapá e o Atlas

Linguístico de Rondônia.

No início dos anos 90, a ideia de Nascentes em construir um atlas nacional voltou

fazer parte das mesas dos linguistas. Planejou-se aí o Atlas Linguístico do Brasil (ALiB),

para o qual foram selecionados duzentos e cinquenta municípios como pontos de inquérito e

os informantes devem possuir o ensino fundamental completo e, nas capitais, além desse

nível, também devem ser selecionados informantes de nível superior. A faixa etária ficou em

informantes de 18 a 30 anos e de 50 a 65 anos que, distribuídos nos dois sexos, perfazem

quatro informantes por ponto e mais quatro nas capitais. Chega-se, então, a 1100

informantes, dos quais 1036 já foram pesquisados, o que resulta em quase 95% do trabalho

de coleta concluída.

A esses informantes são feitas perguntas que compreendem questionários diversos, a

depender do foco que deseja investigar. São eles: o Questionário Fonético-Fonológico

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(QFF), o Questionário Semântico-Lexical (QSL); o Questionário Morfossintático (QMS),

aos quais também são acrescidas questões pragmáticas, semidirigidas, metalinguísticas e um

texto para leitura.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para analisar o perfil do homem sertanejo na língua falada por ele, optou-se por

apresentar alguns termos que fazem relação com o ambiente com que ele tem se deparado. O

corpus foi, então, selecionado dos dados coletados para a elaboração do Atlas Linguístico de

Pernambuco (ALiPE), a partir das designações encontradas para os itens canga, cangalha,

caçuá e alforje, muito comuns no dia-a-dia do sertanejo.

O Atlas Linguístico de Pernambuco foi planejado para seguir a metodologia do Atlas

Linguístico do Brasil, tanto em relação à faixa etária, quanto à escolaridade, que foram

características nos dois sexos dos informantes.

A partir das orientações encontradas em Ferreira e Cardoso (1994) e reforçada em

Cardoso (2010), foram selecionados vinte municípios como pontos de inquérito a partir da

análise demográfica, histórica, cultural e populacional: Afrânio, Águas Belas, Arcoverde,

Caruaru, Custódia, Floresta, Garanhuns, Limoeiro, Ouricuri, Palmares, Petrolina, Recife,

Salgueiro, Santa Maria da Boa Vista, São Bento do Una, São José do Egito, Serra Talhada,

Tacaratu, Taquaritinga do Norte e Tupanatinga.

A ideia de análise com cartas linguísticas permitirá verificar se a identidade do

sertanejo pernambucano é manifestada na sua linguagem ou se ocorre o contrário, quando os

fatos históricos não são suficientemente evidentes para manter viva a característica desse

povo.

Para subsidiar a análise dos dados foram consultados os seguintes dicionários:

Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda

Ferreira (1974); Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de Antônio Houaiss (2009), o

Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo (1999), o Dicionário do

Nordeste, de Fred Navarro (2004) e o Vocabulário Pernambuco, de Francisco Augusto

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Pereira da Costa (1937). A organização do trabalho obedeceu, então, às seguintes

etapas:

1) coleta de dados no corpus do Atlas Linguístico de Pernambuco;

2) análise quantitativa e qualitativa dos dados, com o auxilio de tabelas e cartas;

3) consulta a dicionários para a verificação das variantes registradas;

4) análise das designações, buscando possível relação com fatores históricos e culturais de

cada região.

4 ANÁLISE DOS DADOS

Os informantes do ALiPE só forneceram, em sua maioria, uma designação para as

questões referentes à canga, cangalha, caçuá e alforje, ao contrário do que se esperava.

Para o primeiro item, quando lhes foi perguntado qual a armação de madeira, em

forma de forquilha (mímica) que se coloca no pescoço de animais (porco, terneiro / bezerro,

carneiro, vaca) para não atravessarem a cerca (QSL 054), os itens mais quantificados no

Estado estão dispostos na tabela abaixo:

Tabela 1: Designações para Cangalha em Pernambuco

Variantes Percentual Variantes Percentual Variantes Percentual

Canga 43% Cambão 2,2% Armação de pau 2,2%

Cambito 4,5% Cangalha 2,2% Não soube/ não

lembrou

30%

Fonte: Atlas Linguístico de Pernambuco (SÁ, 2013)

Houve muitas designações em ocorrências únicas como gancho, estaca, timbó,

cabresto, tipoia, vara, arame, armação com formato de xis, coleira, corda e rédea.

O número reduzido de variantes quantificadas e o número elevado de abstenções de

respostas são preocupantes, quando se considera o desejo de elaborar um atlas que sintetize

o conhecimento vocabular do pernambucano, ainda que seja por amostragem. Por isso,

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convém estender a análise na perspectiva diatópica e, para tanto, foi construída uma carta

com a distribuição de variantes por localidade, incluindo algumas das ocorrências únicas que

foram agrupadas num único item nomeado de “outras lexias”:

Figura 1: Carta com designações para cangalha

Fonte: Atlas Linguístico de Pernambuco (SÁ, 2013)

Os dados informados na Figura 1 refletem a preferência dos informantes, por

municípios pesquisados, em termos de uso das variantes documentadas.

Considerando uma divisão do estado pelas cinco mesorregiões que o compõem,

poder-se-ia obter uma dinamicidade do léxico, considerando os processos migratórios por

que passam muitos dos habitantes de cidades interioranas para a capital, como ocorre em

outras regiões, o que seria uma justificativa para a existência de novas formas de designar

determinado item. No entanto, na extensão que compreende o Agreste, a Zona da Mata e a

Região Metropolitana do Recife, isso parece ser diferente, a julgar pelo número de

ocorrências em detrimento do que ocorreu no Sertão e o número de abstenções de respostas.

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Em termos percentuais distribuídos no âmbito das mesorregiões, o item canga

apareceu 22 vezes no Sertão e 16 nas demais mesorregiões. O termo advém do tupi a'kanga

e significa cabeça, conforme encontrado em Pereira da Costa (1937, p. 137). A variante

cangalha possui uma terminação de diminutivo de origem latina.

Dez pessoas afirmaram não saber do que se tratava o item perguntado nos municípios

do Sertão e dezoito nas demais regiões.

Esse “desconhecimento” do objeto em questão em áreas próximas ao litoral do

Estado talvez tenha um reflexo histórico.

O avanço na produção de cana-de-açúcar fez com que os portugueses temessem pela

perda da plantação, que também servia de alimento para o gado usado como transporte e

para movimentação do maquinário. Isso fez com que os criadores buscassem outros

ambientes para seu criatório, migrando para o interior, durante o chamado ciclo do gado. A

esse respeito, Sampaio (2008, p. 61) justifica:

Inicialmente, a criação do gado era desenvolvida nas proximidades dos engenhos,

mas logo essa prática enfrentou dificuldades. Os animais, criados soltos, invadiam

as áreas de canavial, estragando as plantações. Também se percebeu que as áreas

destinadas à pastagem poderiam ser ocupadas com as plantações. (...) Com isso, os

criadores precisaram buscar novas medidas, e essa atividade foi se expandindo

para o interior.

Essa mesma hipótese pode ser levantada para explicar as respostas à questão que

indagou sobre a armação de madeira que se coloca no lombo do cavalo ou do burro para

levar cestos ou cargas (QSL 055), pois o índice de omissões não foi tão alto, mas, assim

mesmo, foi maior nas regiões não pertencentes ao sertão do Estado e o item mais encontrado

foi cangalha ou sua variante fonética, cangaia, que compartilhou 34% do total de respostas.

Em algumas cidades, foi proferida a palavra sela ou a derivada selote, chegando a

11 ocorrências que perfizeram pouco mais de 12% do total Cambito e caçuá, por sua vez,

obtiveram, cada um, 5% do total. O percentual de omissões chegou a 13%.

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Em termos de mesorregiões, três municípios pertencentes ao Agreste, um à Zona

da Mata e a capital obtiveram respostas negativas à questão contra três do sertão, o que

representa que o objeto não é tão conhecido pelos habitantes das demais mesorregiões.

Vale, aqui, uma ressalva para o fato de que a penetração para o sertão adquiriu

maior ênfase a partir da segunda metade do século XVI, quando os holandeses foram

expulsos do Brasil e o governo federal trouxe bandeirantes paulistas para combater os

indígenas e o quilombo dos Palmares, na época da guerra dos Bárbaros, como atesta

Andrade (2004).

Ao serem questionados sobre a peça de madeira que vai no pescoço do boi, para

puxar o carro ou o arado (QSL 056), o índice das não-respostas foi bastante elevado.

Foram 47% de ocorrências para canga e as demais foram ocorrências únicas do

tipo arreio, junta, cambão, cabeçalho, guia, balaio, que somadas aos 36% de abstenções de

respostas mostram uma situação curiosa. Dos dez municípios do Sertão, seis tiveram

respostas negativas, enquanto nos municípios das outras mesorregiões, sete tiveram não sei

ou não lembro como resposta.

A princípio, isso não seria relevante, se não fosse o resultado de alguns municípios

que tiveram dois ou três informantes (dos quatro investigados em cada um) que não

responderam:

a) Uma resposta negativa em Afrânio.

b) Duas respostas negativas em Águas Belas, Floresta, Ouricuri, Palmares, Caruaru;

c) Três respostas negativas em São Bento do Una, Limoeiro, Petrolina, Salgueiro e

Taquaritinga do Norte.

Dos oito informantes de Recife, seis informaram não saber o que era uma canga.

As ocorrências para objetos de vime, de taquara, de cipós trançado(s), para levar

batatas (mandioca, macaxeira, aipim, etc.), no lombo do cavalo ou do burro (QSL 057)

resultaram em poucas variantes. Das respostas válidas, aproveitaram-se cesto, caçuá, balaio,

caixote, cangaia, mala (maleta), grajal e aió.

Do total de respostas, inclusive considerando as abstenções, o item caçuá chegou

a 38%, 17% foram para o item cesto; 12% foram para balaio; caixote, cangalha, mala

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(maleta) e bolsa chegaram a 2% e as demais com ocorrência única. No caso dos informantes

que informaram não saber ou não se lembrar da resposta, o percentual chegou a 17%, bem

distribuídos, ou seja, ocorreram em Afrânio, duas vezes, Recife, quatro vezes, e em dez

municípios, foi computado apenas uma vez.

Esse resultado contraria uma hipótese de que o instrumento “canga” poderia ser

bastante conhecido, pelo menos, no Sertão, já que quase todos os municípios que o

compõem praticamente sobrevivem de atividades rurais, porém já se sabe que o interior do

estado vem sendo intensamente modernizado com o desenvolvimento de cidades de maior

porte o que pode ser a causa dessa disparidade. Até a criação de gado já passa por um

processo de modernização, em que os antigos sistemas agrícolas associados à pecuária têm

sido substituídos por processos mais modernos, em grande parte, importados.

Concernente à distribuição dos resultados em mesorregiões, houve ligeira

equiparação, pois seis abstenções ocorreram no Sertão e no Agreste, Zona da Mata e Região

Metropolitana, também foram seis casos. Não há, portanto, como analisar o perfil do

informante e seu conhecimento sobre esse tipo de canga. Eis aqui um motivo para

concordar com a afirmação de Capistrano de Abreu sobre a existência de uma “civilização

do couro” no Nordeste.

É fato que o pernambucano fugiu da zona canavieira por não dispor de recursos e

comprar numerosa escravaria, por isso se dedicava à pecuária. Porém, Andrade (2004, p. 81)

lembra que:

No início do século XIX, com o desenvolvimento da cultura do algodão, surgiram,

em áreas semiáridas, grandes fazendas, com numerosa escravaria, muitas vezes, de

proprietários originários da região da Mata. Na época do império, o Agreste e

Sertão também deram os seus barões e os seus ricos latifundiários.

No caso da pergunta sobre os objetos de couro, com tampa, para levar farinha, no

lombo do cavalo ou do burro (QSL 058), houve uma diversidade de itens e, ao contrário dos

casos anteriormente apresentados, o índice de abstenções não foi tão elevado. A figura

abaixo mostra como as ocorrências foram distribuídas no Estado.

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Figura 2: Carta com designações para bolsa

Fonte: Atlas Linguístico de Pernambuco (SÁ, 2013)

Na figura 2, o índice de ocorrências lexicais para a bolsa parece remeter ao grande

contingente migratório existente no Estado, além de possíveis influências de outras regiões.

O item alforje, de origem árabe, pode ter vindo dos missionários sírios que vieram

a Pernambuco nas caravanas portuguesas. O imperador D. Pedro II, que falava o idioma,

chegou a viajar para o Líbano e a Síria no século XIX. Já o caso de caçuá parece ser

originário de línguas indígenas.

Outro item curioso é amucrevo, provavelmente um termo indicado para os objetos

transportados pelos almocreves, indivíduos que tinham essa incumbência. Souza (2006)

conta que tal classificação era dada a Lampião, que fazia esse transporte até Alagoas.

O item coronha encontrado em duas cidades do sertão é originário do espanhol e

se refere a objeto de couro usado para guardar armas de fogo. Segundo encontrado em

Almeida (2010), famílias luso-espanholas imigraram para o sertão. Isso ocorreu com os

Valadares, Mendonça e Menezes.

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho mostra as interfaces da história com outras áreas de conhecimento e

linhas de pesquisa. Por um lado, a análise de dados linguísticos permite entender a variação

no léxico do Estado de Pernambuco, cujos trabalhos ainda engatinham. Por outro lado,

buscar explicações para essa variação na História, muitas vezes, exploradas apenas por quem

se dedica exclusivamente a ela pode ser uma atividade bastante produtiva.

Através da História, é possível compreender melhor a realidade que cerca o

homem, seja no estudo da linguagem, dos usos e costumes, da religiosidade ou do espaço

geográfico.

No âmbito da Geolinguística, o trabalho permitiu distribuir alguns itens lexicais

encontrados na fala do pernambucano no próprio ambiente onde ele vive e, assim,

compreender, mesmo de modo elementar, as marcas que regem esse falar.

Ao escolher tratar da cultura sertaneja, foi possível, pelo menos, divulgar um pouco

do que ele usa no seu dia-a-dia na tentativa de reafirmá-los culturalmente no Estado e até

extrapolando suas fronteiras, não se mantendo apenas na região que construíram.

Espera-se que este trabalho possa render frutos para outros pesquisadores, de modo a

fazê-los perceber que a cultura do sertanejo, através das suas memórias e identidades,

precisa ser preservada e divulgada, para que, dessa maneira, seja possível entender a sua

própria identidade.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Djalmira Sá. Famílias que colonizaram o alto sertão de Pernambuco. <

Disponível em http://www.webartigos.com/artigos/familias-que-colonizaram-o-alto-sertao-

de-pernambuco/37999/#ixzz2BY3gikqR > Acesso em 09/11/2012.

ANDRADE, Manuel Correia de Oliveira. Pernambuco: cinco séculos de colonização. João

Pessoa, PB : Editora Grafset, 2004.

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102

CARDOSO, Suzana Alice Marcelino. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo:

Parábola, 2010.

COSERIU, Eugene. Introducción a la linguística. Madrid: Gredos, 1987.

FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana. A dialectologia no Brasil. São Paulo: Contexto,

1994.

NASCENTES, Antenor. Bases para a elaboração do Atlas Linguístico do Brasil. Rio de

Janeiro: MEC, Casa de Rui Barbosa, Vol. I, 1957.

PEREIRA DA COSTA, Francisco Augusto. Vocabulário pernambucano. Revista do

Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano. Recife, 1936.

SAMPAIO, Francisco Coelho. História de Pernambuco. São Paulo: Editora Atual, 2008.

SOUZA, Antônio Vilela de. O incrível mundo do cangaço. Garanhuns: Ed. Bagaço, 2006

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UMA ANÁLISE ETNOLINGUÍSTICA DA MÚSICA “FEIRA DE MANGAIO” DE

SIVUCA E GLORINHA GADÊLHA

Thalita Rose Tamiarana Gadêlha Taveira10

RESUMO: Neste artigo, busca-se um aprofundamento teórico da música Feira de Mangaio de Sivuca e

Glorinha Gadêlha no que concerne às possibilidades de análise através da etnolinguística. Com o objetivo de

compreender as relações da etnolinguística e da cultura, a canção foi utilizada para que possamos observar as

particularidades regionais desta, bem como o maior conhecimento da música, da linguagem e do povo

nordestino ao qual ela faz referência. Serão abordadas diversas particularidades do povo nordestino, mais

especificamente do povo da Paraíba, já que tanto Sivuca quanto sua esposa Glorinha são paraibanos. Para

fundamentar este trabalho aplicam-se as contribuições teóricas de Coseriu (1982 e 1987), Lions (1981), Mateus

(2001), que foram utilizados com ênfase na relação entre texto literário - já que vamos analisar a letra da

canção – e etnolinguística a fim de que se considere a referida obra como um importante arquivo socio-cultural

do povo nordestino.

Palavras-chave: Etnolinguística. Cultura. Linguagem.

INTRODUÇÃO

Severino Dias de Oliveira (1930 – 2006), mais conhecido como Sivuca, nasceu em

Itabaiana/ Paraíba, foi um multi-instrumentista, maestro, arranjador, compositor,

orquestrador e cantor brasileiro. Suas composições giram em torno da música popular

tipicamente nordestina como o forró e o frevo. Entretanto, devido as suas viagens aos

Estados Unidos, Sivuca compunha jazz e blues, dentre outros.

A ligação de Sivuca com a música iniciou-se quando ele era ainda menino. Aos nove

anos Sivuca ganha sua primeira sanfona e aos quinze já inicia seus trabalhos profissionais na

Rádio Clube de Pernambuco. Em 1951 grava seu primeiro disco e em 1955 muda-se para o

Rio de Janeiro, centro de oportunidades referente as artes brasileiras na época. Devido ao

seu grande sucesso, morou em lugares como Lisboa, Paris e Nova Iorque lançando discos e

propagando a cultura brasileira. Em 2006, vítima de um câncer, Sivuca falece e deixa uma

filha, Flávia. O compositor tem atualmente trinta e três discos gravados e esteve sempre ao

10 Mestra em Literatura, Cultura e Tradução pela UFPB/PPGL. E-mail: [email protected]

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lado de sua esposa Glorinha Gadêlha, também compositora e cantora, nascida em Sousa/

Paraíba em 1947. Glorinha conseguiu concluir, ainda na Paraíba, seu curso de medicina, mas

foi na música que a cantora se realizou. Sempre ao lado do marido Sivuca, Glorinha

compunha diversas canções, dentre elas Feira de Mangaio e lançou sete discos

independentes dos de Sivuca.

A música Feira de Mangaio lançada na década de 1970, foi gravada inicialmente pelo

próprio Sivuca e, posteriormente, incorporada ao repertório de Clara Nunes – cantora

brasileira, considerada uma das maiores interpretes do país. Neste período, o casal, Sivuca e

Glorinha moravam nos EUA. Feira de Mangaio, curiosamente, foi concluída numa Mc

Donald’s. Para tanto, Glorinha esclarece "Essa música começou a sair de dentro da minha

alma no meio de uma aula de inglês. Aí dentro do metrô ela continuou na minha cabeça, foi

crescendo. E quando cheguei no McDonald's terminei".

Prova fiel do não esquecimento da cultura nordestina mesmo tão distante da terra, a

canção Feira de Mangaio pode ser analisada através da etnolinguística, apresentando

aspectos particulares do povo do nordeste e sua cultura, sacramentando através de

nordestinos como Sivuca e Glorinha a resistência do nordeste e sua vasta diversidade

linguístico- cultural.

1 ETNOLINGUÍSTICA, LINGUAGEM E CULTURA

Compreendida como estudo em relação à civilização e cultura das comunidades

falantes (COSERIU, 1987), a etnolinguística é uma corrente atual da linguística e se

preocupa com o estudo das diversas e possíveis variações da linguagem em relação a uma

determinada civilização e sua cultura. Para tanto, pode-se observar, em linhas gerais, que a

etnolinguística, do latim etno, povo, preocupa-se com os estudos voltados a língua de um

povo e suas diversificações, isto é, as particularidades da linguagem de determinados grupos

falantes de uma mesma língua separados geograficamente, e portanto, detentores de

costumes variados.

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Desta forma um grupo restrito e sua cultura podem ser interpretados por meio da

etnolinguística. Discursos diferentes que são construídos por saberes relacionados a

diferentes estruturas sociais refletidos na fala de uma determinada comunidades fazem parte

dos estudos da etnolinguística. Portanto, a etnolinguística para Coseriu (1987) foi definida

da seguinte maneira:

A etnolinguística é estudo da civilização e da cultura refletidas nas línguas, quer

dizer, fundamentalmente da organização da cultura material e intelectual

(concepções ideologias) manifestada no léxico (incluindo também o “saber”

relativo às relações sociais e à linguagem como parte da realidade cultural

organizada nas línguas mesmas). No mesmo plano, mas no sentido diacrônico, é

objeto da etnolinguística o estudo da mudança linguística em relação com as

mudanças na civilização e na cultura. (COSERIU, 1987, p. 30).

Trata-se, portanto, a etnolinguística, do estudo dos saberes acerca das coisas enquanto

manifestadas pela linguagem, isto é, aspectos culturais, costumes, manifestados através da

linguagem. Nesta perspectiva, podemos observar que a linguagem é compreendida como um

meio de manifestação cultural, e portanto, constituída como expressão intersubjetiva, isto é,

diretamente relacionada as diversidades culturais de um grupo social.

A língua, enquanto motivada pelos “saberes” (ideias, crenças, costumes, ideologias)

registra determinadas organizações lexicais determinantes de experiências e conhecimentos

de um povo. Portanto, podemos observar as pluralidades de questões que a língua apresenta

de um grupo e sua cultura (COSERIU, 1987, p. 47).

Para tanto, há uma grande dificuldade em definir a palavra “cultura” já que a mesma é

tão abrangente e encontra-se atrelada a diversas civilizações. Cultura, podemos observar,

constitui pluralidades relacionadas à arte, literatura, maneiras e instituições sociais (LIONS,

1981, p. 273). Língua e cultura estão intimamente relacionadas visto que compreendemos

aspectos culturais de um determinado grupo em sua língua, assim, existem várias

possibilidades de codificação lexical para uma única palavra.

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Por isso, comunidades distintas apresentam possibilidades de codificação também

distintas para um mesmo lexema. Daí a riqueza que a linguagem apresenta: variedades

linguísticas unidas a variedades culturais. Então, classificamos as diferenças lexicais e

gramaticais entre as línguas atribuídos também a diferenças culturais (LIONS, 1981, p. 282).

Podemos avaliar certas diferenças lexicais, ou ainda, lexemas particulares de uma

determinada comunidade dentro de uma mesma língua também, já que a disposição

geográfica contribui, dentre outras questões, para as particularidades linguísticas de uma

comunidade.

Nesta mesma ótica, podemos avaliar segundo Whorf que:

Cada língua é um vasto sistema diferente dos outros no qual são ordenadas

culturalmente as formas e as categorias pelas quais as pessoas não só comunicam

como também analisam a natureza e os tipos de relações e de fenômenos, ordenam

o seu raciocínio e constroem a sua consciência. (WHORF op, cit MATEUS, 2001,

p. 4).

Desta forma através da língua é possível avaliar os aspectos culturais de uma

comunidade bem como a maneira pela qual elas se comunicam e analisam variadas questões

cotidianas. Assim, é possível avaliar a relação estreita entre linguagem e cultura visto que o

comportamento de uma determinada comunidade falante nos é apresentado através da língua

proferida por ela e, assim, questões sociais, politicas, econômicas e culturais transparecem

por meio do contexto social inseridos na linguagem.

Portanto, a língua contribui poderosamente para que se reconheça a si próprio ou a

outro sujeito inserido em determinada cultura, e se apresenta como um fator de identificação

cultural, já que o contexto em que o sujeito está inserido favorece relações estreitas entre ele,

o espaço geográfico, a língua e, por conseguinte, sua cultura apresentada através da língua

(MATEUS, 2001, p. 20).

Devemos considerar, entretanto, que para Coseriu (1982), as palavras mudam

continuamente e, por isso, uma palavra nunca é exatamente a mesma. Isso significa que com

o passar do tempo, determinado lexema pode mudar de significado, ou ainda, adquirir novos

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significados. Isto contribui para a riqueza linguística o que proporciona uma vasta gama de

significados lexicais nas mais variadas línguas.

Nesta perspectiva, partiremos para a análise da música Feira de Mangaio e os

significados dos lexemas que abrangem aspectos culturais do povo do Nordeste nesta

canção. Para tanto é interessante considerar que a região nordeste possui uma grande

diversidade cultural devido ao contato entre índios, brancos e negros no período de

colonização do Brasil, bem como a posterior mistura entre essas raças, o que proporcionou

ao povo do nordeste as primeiras ligações e trocas culturais no território brasileiro.

2 FEIRA DE MANGAIO

Foi preferível analisar a música Feira de Mangaio estrofe por estrofe para que o

entendimento dos lexemas seja mais preciso. Para tanto, observemos os aspectos discutidos

pelos teóricos anteriormente citados e poderemos encontrar palavras-chave que nos levam

ao campo de cultura e tradição do povo do nordeste. É interessante salientar que o

significado dos lexemas trabalhados foi encontrado em dicionários, bem como em acessos

de sites específicos sobre a cultura nordestina ou ainda, em conversas com nordestinos;

pessoas que vivenciam os aspectos culturais apresentados na canção.

Feira de Mangaio, conhecida também entre os pernambucanos por Feira do

Mangangá, é uma feira da região nordeste que comercializa produtos artesanais de grande

variedade, desde produtos domésticos, a agropecuária e fármacos, ou seja, uma feira livre.

Mangaio, por sua vez, é um instrumento desenvolvido para carregar pequenos objetos,

produtos ou frutas.

O mangaio é constituído essencialmente por uma vara, colocada por trás do pescoço

para que se possa carregar os produtos, e dois cestos de cipó em cada extremidade que

receberá o produto a ser transportado pelo mangaieiro, os profissionais do mangaio, ou seja,

uma espécie de camelô do nordeste. Tanto as feiras de mangaio em todo o nordeste, bem

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como os comerciantes envolvidos com as feiras exercem importante papel de preservação da

história e da cultura do povo nordestino que perpassa gerações.

Fumo de rolo, arreio de cangaia,

Eu vim pra vender, quem quer comprar?

Bolo de milho, broa e cocada,

Eu vim pra vender, quem quer comprar?

(SIVUCA, GADELHA, 1978)

Um dos produtos populares comercializados nas feiras de mangaio é o fumo de rolo,

um tipo de fumo torcido utilizado para confeccionar cigarros de palha ou ainda mascar

pedaços deste fumo. Folhas são enroladas em cordas e colocadas ao sol para secar por mais

de sessenta dias. O fumo de rolo é ainda um produto essencial no comércio da feira de

mangaio e é de costume do povo nordestino comprar e vender este tipo de fumo apenas em

feiras de mangaio. Portanto, não foram encontrados registros da venda desse fumo em outros

tipos de comércio, exceto em casas específicas para venda de fumo.

Para que possamos chegar à definição de Arreio de cangaia é necessário

primeiramente compreendermos que a palavra “cangaia” vem de “cangalha”.

Informalmente, o povo do interior do nordeste, assim como em outras regiões do norte e do

sul do país, ou ainda nas periferias das grandes cidades, é de costume mudar o morfema lha

por ia, ou seja, estamos de frente para um fenômeno linguístico conhecido por yeísmo que

consiste na troca do lh pelo i.

Estamos lidando com uma transformação da língua, isto é, uma evolução linguística,

que no entendimento dos falantes facilita o processo de comunicação. Para tanto, devido ao

fenômeno, palavras como trabalho transformam-se em trabaio, ou ainda telha, transforma-

se em teia. Assim cangalha transformou-se em cangaia na canção.

Cangalha pode ser classificado como uma armação de madeira ou de ferro em que se

sustenta e equilibra a carga das bestas. Para tanto, no Nordeste, também existe a pessoa

cangalha, isto é, aquela que tem as pernas arqueadas; o mesmo formato dado as pernas das

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pessoas que montam nas bestas. Portanto, arreio de cangaia é a estrutura utilizada entre o

povo do nordeste para vestir mulas que sustentarão cargas.

O bolo de milho é um prato tipicamente nordestino feito basicamente de milho e muito

consumido no período de festas juninas que acontece em junho, sendo um dos pratos

fundamentais nesta época festiva. Entretanto, em todo o Nordeste é possível encontrar bolos

de milho em delicatessens ou ainda produzidos pelos próprios nordestinos em suas casas nos

outros meses do ano visto que este bolo encontra-se fortemente presente na cultura do povo

no nordeste.

Outra comida tradicional no Nordeste feita de milho é a broa. Também produzida no

sudeste brasileiro, a broa é uma espécie de pão de milho. O termo broa é uma adaptação

“abrasileirada” de bread, em inglês, pão. A broa foi bastante difundida no período de

exploração de riquezas minerais em Minas Gerais, sendo, portanto, um pão de milho que

garantia parte da sustança dos bandeirantes. No Nordeste, pelo fato de ter como matéria-

prima o milho, a broa é muito aceita em todas as regiões e costuma vir acompanhada de uma

xícara de café.

Cocada é um doce tradicional em várias partes do mundo. De origem africana, a

cocada chegou ao Brasil ainda no período de colonização através das escravas que faziam

bom uso de seus dotes culinários adaptando seus conhecimentos aos produtos encontrados

em abundância no Brasil. A cocada no Brasil provavelmente foi feita inicialmente em

Salvador, fonte das origens da maioria dos pratos feitos de coco em terras brasileiras, e

posteriormente, produzidas nos outros estados do nordeste.

Dando sequência a análise etnolinguística da música proposta, observemos a segunda

estrofe:

Pé de moleque, alecrim, canela

Moleque sai daqui me deixa trabalhar

E Zé saiu correndo pra feira de pássaros

E foi passo-voando pra todo lugar

(SIVUCA, GADELHA, 1978)

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O pé de moleque foi levado para a Europa pelos árabes ainda na idade média e

posteriormente trazido pelos europeus para o Brasil. Um doce feito basicamente de

amendoim torrado e açúcar, o pé de moleque tem duas possíveis explicações para seu nome:

a primeira é de que o nome do doce seja uma referência aos pés dos meninos negros que

corriam descalços no período de colonização brasileira. Outra possibilidade é a de que as

cozinheiras que preparavam o doce diziam às crianças que pedir os doces na cozinha “Pede,

Moleque!”. São duas possíveis origens bastante interessantes para o nome do doce.

Há ainda a produção do bolo de pé de moleque, também feito à base de amendoim.

Em Pernambuco ainda há outra variação: o manuê. Chamado por alguns como pé de

moleque, o manuê é uma comida tipicamente pernambucana feita a base de farinha de

mandioca e um toque de erva doce. Tanto a textura quanto o formado do manuê é diferente

do pé de moleque das demais regiões. É provável que o pé de moleque pernambucano

coberto, de folhas de bananeira e encontrado facilmente no centro da cidade do Recife, tenha

sido dado pela semelhança do prato típico com um pé. Entretanto, os mais antigos ainda

preferem chamá-lo de manuê.

Dando sequência aos lexemas tanto o alecrim quanto a canela são especiarias trazidas

pelos colonizadores e utilizadas tanto na culinária quanto na medicina. O alecrim na

culinária para preparação de carnes e na medicina no combate a febres. Já a canela é

utilizada na culinária para biscoitos e doces e na medicina no combate ao açúcar no sangue e

a hipertensão. Tanto o alecrim quanto a canela são especiarias encontradas em qualquer feira

de mangaio, daí a citação delas na música.

A Feira dos pássaros citada na canção é uma feira costumeira do povo do nordeste.

Principalmente no interior dos estados é fácil encontrar perto de feiras de mangaio ou de

mercados públicos feiras específicas para venda de pássaros. Contudo, esta prática vem

sendo combatida pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis) a fim de reduzir o tráfico de animais no Brasil.

No verso seguinte, Sivuca e Glorinha utilizam o lexema composto passo-voando, que

quer dizer “pássaro voando”. Estamos frente a mais um fenômeno linguístico: o metaplasmo

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por supressão de sons que consiste em suprimir o som do começo, meio ou fim de

determinadas palavras.

Passo-voando na verdade é “pássaro voando”; o fim da palavra “pássaro” foi

suprimido e escrito da mesma forma como é pronunciado por diversos falantes nordestinos.

Os compositores da música Feira de Mangaio encontraram neste verso uma maneira bem

criativa tanto para encaixar as palavras do verso na melodia da música quanto, ao mesmo

tempo, conseguiram apresentar mais um fenômeno linguístico costumeiro do Nordeste.

Tinha uma vendinha no canto da rua, onde o mangaieiro ia se animar

Tomar uma bicada com lambú assado, e olhar pra Maria do Joá

Tinha uma vendinha no canto da rua, onde o mangaieiro ia se animar

Tomar uma bicada com lambú assado, e olhar pra Maria do Joá

(SIVUCA, GADELHA, 1978)

Vendinha é o diminutivo de venda, um pequeno armazém, uma mercearia. No

Nordeste é costumeiro o emprego de diminutivos em substantivos e adjetivos no sentido de

manifestação de carinho. Assim, é de costume dos nordestinos oferecer cafezinhos,

suquinhos, docinhos e afins. A palavra mangaieiro já foi por nós analisada neste artigo.

Em sequência bicada, que quer dizer “embreagado, bêbado”. Então, tomar uma

bicada significa dizer que o mangaieiro ia se embreagar perto da feira do mangaio e lá

comeria um lambú assado: uma espécie de ave chamada em outras regiões do país por

“nhambu”,”inambu” ou “inhambu”. Em Pernambuco ainda é do costume de todos chamar

uma mulher feia, desproporcional, de “lambu”. A música ainda acrescenta que o mangaieiro,

bêbado, ainda olhava para a esposa de outro mangaieiro, a Maria do Joá. A preposição “do”

na canção dá então, no trecho, ideia de posse.

Cabresto de cavalo e rabichola

Eu tenho pra vender, quem quer comprar

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Farinha, rapadura e graviola

Eu tenho pra vender, quem quer comprar

(SIVUCA, GADELHA, 1978)

Em sequência, Sivuca e Glorinha seguem o mesmo princípio das duas primeiras

estrofes da música, isto é, apresentam utensílios e alimentos encontrados em feiras de

mangaio. Para tanto, cabresto de cavalo vem em sequência e é o nome dado a corda

colocada na cara do cavalo utilizada para guia-lo. Rabichola também é um produto vendido

em feiras de mangaio e também pertence a gama de produtos agropecuários. É o acessório

utilizado para segurar a cangalha em animais de carga. A rabichola fica atrelada a uma corda

e é colocada atrás do animal, perto do anûs, para garantir que a carga fique bem segura.

Farinha é outro produto muito vendido em feiras de mangaio e bastante utilizado em

alimentos pelos nordestinos. É geralmente obtido por cereais moídos como o trigo ou ainda

por raízes ricas em amido, como a mandioca. Rapadura é um doce nordestino muito

tradicional. Referenciada como principal doce consumido no Ceará, a rapadura é produzida

a partir da raspa de camadas de açúcar que ficava presa nos tachos utilizados na fabricação

do açúcar previamente aquecido. Por último a graviola, fruta agridoce de polpa branca

bastante consumida pelos nordestinos e, assim como outras frutas, encontrada nas feiras de

mangaio espalhadas pelo Nordeste.

Pavio de candeeiro, panela de barro

Menino vou me embora, tenho que voltar

Xaxar o meu roçado que nem boi de carro

Alpargata de arrasto não quer me levar

(SIVUCA, GADELHA, 1978)

Dando sequência aos utensílios temos o pavio de candeeiro. Pavio é o nome dado ao

fio colocado em candeeiros ou velas no qual se coloca fogo. Candeeiro, por conseguinte, é

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um utensílio utilizado para iluminar ambientes. Geralmente funcionam a gás ou petróleo

outro líquido inflamável. No passado, bastante utilizado nas zonas rurais dos estados do

nordeste onde havia frequentes faltas de luz elétrica.

A panela de barro é outro utensílio doméstico bastante utilizado pelos nordestinos,

especialmente nos interiores. É uma panela como outra qualquer, mas, produzida com barro,

o que dá um toque diferente nas comidas cozinhada por ela. É também a panela mais antiga

e reconhecida desde a pré-história. No Brasil, os índios costumavam usar a panela de barro,

depois passada para o costume dos negros escravizados.

Xaxar o meu roçado é uma expressão de cunho rural e significa “preparar a roça para a

plantação”. Daí, portanto o nome do ritmo “xaxado” que consiste numa dança proposta em

roçar, bater mansamente, os pés no chão e forma ritmada. Portanto, “xaxar o roçado” é

preparar o solo sem auxílio de tecnologias como o boi de carro – utilizado no transporte de

cargas e produtos agrícolas, além de auxiliar na preparação do solo para o plantio.

Alpargata, conhecida também por “alpercata”, é uma sandália de couro desenvolvida

pelos cangaceiros e muito usada até hoje. Alpargata de arrasto, então, é a sandália de couro

do povo nordestino. “De arrasto” porque esse tipo de calçado costuma fazer barulho ao

arrastar no chão, por isso a lembrança da alpargata ser de arrasto, ou seja, de couro. Na

sequência da música há a referência a uma festa. Para tanto, os compositores já anunciam

que as alpargatas não querem levar o seu dono, a pessoa que canta a música.

Porque tem um Sanfoneiro no canto da rua, fazendo floreio pra gente dançar

Tem Zefa de Purcina fazendo renda, e o ronco do fole sem parar

Porque tem um Sanfoneiro no canto da rua, fazendo floreio pra gente dançar

Tem Zefa de Purcina fazendo renda, e o ronco do fole sem parar

(SIVUCA, GADELHA, 1978)

Desta maneira, a música finda com última estrofe apresentando uma festa dentro da

feira de mangaio; o chamado “fim de feira”. Um sanfoneiro, homem que toca sanfona –

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nome dado ao acordeon no nordeste – tocando no canto da rua e fazendo floreio, ou seja,

fazendo malabarismos com o instrumento, fazendo movimentos musicais que fazem todos

da feira do mangaio dançar.

Mais uma lembrança dos compositores a tradição nordestina ao ressaltar a rendeira,

representada na música por Zefa de Purcina, personagem criada para referenciar o trabalho

manual da renda, feito com diversos tipos de fios e malhas e também encontrado em

qualquer feira de mangaio. Por fim, ronco do fole, expressão dada para representar o som da

sanfona que possui um fole – aparelho que serve para produzir vento.

CONCLUSÃO

A música “Feira de Mangaio” é muito popular entre o os nordestinos. Cantada pela

maioria dos cantores de forró permanece presente em qualquer festividade do povo do

nordeste - principalmente no período das festas juninas em junho. Esta música tornou-se

mundialmente conhecida por ter sido composta por Sivuca, mestre sanfoneiro propagador da

cultura brasileira, e popularizando-se na voz de Clara Nunes, interprete brasileira renomada

e considerada uma das melhores do país. Por ter sempre buscado a valorização da cultura

popular, Clara Nunes cantou forrós e sambas procurando sempre a preservação da cultura e

a tradição do povo brasileiro.

A música “Feira do Mangaio” é um exemplo de preservação e propagação da cultura e

da tradição de um povo. Os paraibanos Sivuca e Glorinha Gadêlha valorizaram diversos

costumes do nordeste descrevendo uma feira de mangaio, seus produtos, alimentos e

travessuras nelas contidas. Assim, a música “Feira de Mangaio” é um prato cheio de cultura,

isto é, um acervo riquíssimo da cultura nordestina; apresentando um pouco de um povo que

preza pelas tradições e costumes, além de apresentar as variações linguísticas do povo do

nordeste e seus lexemas peculiares. Desta forma, através da análise etnolinguística podemos

compreender certas particularidades aqui apresentadas.

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REFERÊNCIAS

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de Janeiro: Guanabara, 1981.

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compreenda que uma língua viva em diferentes culturas? Artigo disponível em:

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116

http://www.mercadinhossaoluiz.com.br/blog/rapadura-conheca-a-historia-dessa-delicia-que-

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http://www.dicionarioinformal.com.br/alpargata/

http://www.dicionarioinformal.com.br/floreio/

http://www.dicio.com.br/fole/

ANEXOS

Feira de Mangaio Fumo de Rolo

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Arreio de Cangalha Bolo de milho

Broa Cocada

Pé de Moleque Bolo de Pé de Moleque

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Pé de Moleque Pernambucano - Manuê Alecrim

Canela Feira de Pássaros

Lambu Cabresto de Cavalo

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Farinha Rapadura

Graviola Pavio de Candeeiro

/

Panela de barro Carro de Boi

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Alpargata Sanfoneiro

Rendeira Fole de Sanfona

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O GÊNERO RESUMO DE COMUNICAÇÃO E SUAS INTER-RELAÇÕES

CONTEXTUAIS

John Hélio Porangaba de Oliveira11

RESUMO: Neste trabalho completo objetivamos expor o gênero resumo de comunicação considerando o

conceito de colônia de gêneros e cadeia de gêneros nos eventos acadêmicos enquanto aspectos de análise de

contexto. As reflexões estão fundamentadas na abordagem de estudo de gêneros do ESP – English for Specific

Purposes que tem como principal representante teórico Swales (1990) sobre a análise de gêneros. Os resultados

dessa pesquisa apontam para uma compreensão do resumo de comunicação enquanto um gênero marcado por

características de agrupamento de gêneros que se inter-relacionam por meio de marcas de compreensão do

contexto. Concluímos que essas características de agrupamento oferecem um entendimento de como esse

gênero resumo de comunicação é encontrado no mundo real.

Palavras-chave: Gêneros. Resumo de comunicação. Cadeia de gêneros. Colônia de gêneros.

INTRODUÇÃO

No universo acadêmico muitos gêneros resumo são produzidos seguindo convenções

estabelecidas, mas poucos são os conhecimentos acerca da variação comunicativa que cada

um atende. Os eventos acadêmicos são situações contexto que promovem a integração do

ensino e o desenvolvimento cultural e científico na sociedade (CAMPELO, 2000).

Nesses contextos de produção encontramos uma certa variedade de resumos

marcados por inter-relações em que cada resumo de simpósio, resumo de comunicação,

resumo de trabalho completo, etc. são construções de propósitos específicas em atenção a

um propósito comunicativo geral no ato de resumir.

As produções desses gêneros implicam habilidades de interpretação, organização,

compreensão e conhecimento de formas de saber produzir e receber os gêneros acadêmicos

complexos gerais e específicos (BEZERRA, 2012). O que Bezerra (2012) destaca, segundo

os estudos de Swales (1990, 2004), que a capacidade de ler, de compreender e de produzir

os gêneros acadêmicos da área específica é pressuposto para o desenvolvimento acadêmico

do estudante.

*Doutorando em Ciências da Linguagem no PPGCL/UNICAP. Pesquisador de gêneros acadêmicos com ênfase

nos contextos de produção. E-mail: [email protected]

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Nosso objeto de estudo está situado no contexto dos eventos acadêmicos, refere-se,

portanto ao gênero resumo de comunicação. Nos questionamos em que sentido o gênero

resumo de comunicação se relaciona com os conceitos de colônia de gêneros e cadeia de

gêneros nos eventos acadêmicos enquanto aspectos de análise de contexto? Desse modo,

objetivamos expor o gênero resumo de comunicação considerando o conceito de colônia de

gêneros e cadeia de gêneros nos eventos acadêmicos enquanto aspectos de análise de

contexto.

Esta pesquisa está organizada em cinco tópicos: esta breve introdução; um segundo

tópico em que apresentamos um breve panorama das bases teóricas que caracterizam a

análise de gêneros nos aspectos contextuais; um terceiro tópico em que situamos a

metodologia empregada; um quarto tópico em que expomos as análises, discussões e

resultados; e, por fim, um quinto tópico em que tecemos algumas considerações finais

acerca das inter-relações entre os gêneros resumo nos eventos acadêmicos.

1 AS INTER-RELAÇÕES ENTRE OS GÊNEROS RESUMO

A compreensão dos gêneros resumo acadêmicos em que fundamentamos nossa

pesquisa está situada nos estudos de Swales da abordagem do English for Specifc Purposes

– ESP. Swales (1990, p. 58) concebe gênero como “uma classe de eventos comunicativos”,

em que os membros da comunidade discursiva “compartilham um conjunto de propósitos

comunicativos” e que esses propósitos constituem a razão subjacente ao gênero, que

delineiam a estrutura esquemática do discurso e influenciam e restringem as escolhas de

conteúdo e estilo do gênero.

Nesse sentido, os propósitos comunicativos mantem a intenção e/ou objetivo do

gênero ligado a uma ação retórica em que a linguagem funciona como um veículo de

comunicação de algo para alguém (SWALES, 1990).

Nessa perspectiva de compreender dos gêneros acadêmicos, os resumos são

produções regidas por regras, normas, valores e ideologias específicas (BEZERRA, 2012),

em que a escrita integra a natureza das interações dos participantes e seus processos de

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123

interpretação contextual e abstrata das concepções sobre leitura, escrita e modelos de

contexto (VAN DIJK, 2012; STREET, 2014).

O conceito de contexto de Van Dijk (2012) caracteriza uma experiência específica

adquirida a partir de interpretações abstratas de situações sociais relevantes em que uma

dada pessoa tenha vivenciado. Essas interpretações influenciam ou restringem a ação

comunicativa, o discurso. Assim, o termo ‘contexto’ representar um modelo de contexto que

se dá pela construção subjetiva das identidades dos participantes da interação e pela

capacidade de interpretar, combinar e construir de maneira única os parâmetros relevantes

das situações comunicativas.

O resumo, de modo geral no que se refere aos resumos informativos, são gêneros em

que se descreve o que o autor fez, como o autor fez, o que o autor encontrou e o que o autor

concluiu (BHATIA, 1993). A partir dessa descrição, no resumo de comunicação representa

uma ação informativa de uma proposta de trabalho para fins de apresentação, surge

desvinculado de um trabalho completo e muitas vezes é apenas indicativo para realização

desse trabalho. Seguindo a perspectiva apresentada em Bhatia, a descrição das ações é

focada por estratégias retóricas e linguísticas em que são constituídos os propósitos

comunicativos.

Desse modo, nos eventos acadêmicos, as produções dos gêneros resumo são

baseadas na relação com o contexto que determina e reproduz, por meio de suas regras e

normas, formas do gênero resumo como se fossem produções simples e iguais a todo

momento. Mas os gêneros resumo desse contexto são muito mais do que formas, são

construções de sentido e significados diversos, cada resumo produzido é único e atende a um

propósito comunicativo diferente dentro de uma base, objetivo geral, de resumir.

Nesse ponto de observação, dos gêneros resumo, encontramos seguindo a abordagem

do ESP, os conceitos de colônia de gêneros resumo e cadeia de gêneros. Colônia de gêneros

resumo porque se agrupam em torno do mesmo propósito geral de resumir, se especificam

de acordo com o contexto e indicação prototípica de produção e mantêm inter-relações com

outros gêneros (BHATIA, 2004; BEZERRA, 2006; 2017; OLIVEIRA, 2017).

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124

O conceito de cadeia de gêneros surge porque essas produções, dentro do especifico

contexto, são diferentes gêneros do conjunto de produções de um contexto como sucessivas

e hierárquicas, a primeira indicando a próxima e assim por diante (RÄISÄNEN, 1999;

SWALES, 2004; NOBRE; BIASI-RODRIGUES, 2012; OLIVEIRA, 2017).

Esses são “conceitos teóricos destinados a dar conta de variados aspectos

relacionados com o fenômeno das inter-relações mostradas pelos gêneros” (BEZERRA,

2017, p. 61). Desse modo, na cadeia de gêneros a produção do resumo de comunicação vem

como resposta a cartas circulares informando sobre um evento acadêmico, suas modalidades

de participação, e resumos dos diferentes simpósios temáticos (ST) serão realizados no

evento.

Vemos a partir do exposto que o resumo de comunicação surge por uma adequação

ao resumo de ST, posteriormente o resumo de trabalho completo surgirá a partir de uma

adequação desse resumo de comunicação em atenção aos objetivos específicos da produção

a que ele atenderá. Isso instaura uma hierarquia não apenas da cadeia de gêneros (NOBRE;

BIASI-RODRIGUES, 2012; OLIVEIRA, 2017) produzidos no evento acadêmico, mas uma

hierarquia na produção dos gêneros resumo, quais sejam, resumo de ST, resumo de

comunicação e resumo de trabalho completo.

Esses conceitos são basilares da constituição de gêneros resumo do contexto de

eventos acadêmicos. Dadas as considerações conceituais apresentaremos a seguir alguns

aspectos metodológicos, do recorte da dissertação, que caracterizam o norteamento deste

trabalho completo.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A abordagem de estudo de gêneros do ESP – English for Specific Purposes tem

servido como suporte para muitos estudos de produções textuais acadêmicas, em que seu

precursor (SWALES, 1990) cunhou, inicialmente, que a análise de gêneros parte do

contexto para o texto. Os elementos do contexto são fundamentais para produção,

entendimento e uso dos gêneros, por isso delineamos nas bases teóricas uma breve definição

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125

do termo ‘contexto’ e seguimos com alguns conceitos sobre cadeia de gêneros e colônia de

gêneros.

Esses conceitos fazem parte dos elementos constitutivos do contexto enquanto

conhecimento de mundo, experiências sociais com outros gêneros acadêmicos e o efeito

cognitivo de apreensão dos modos de produzir. Assim, em nossas análises e discussões

privilegiamos uma apresentação sobre cadeias e colônias de gêneros em que situamos o

resumo de comunicação de nos eventos acadêmicos da área de linguística e literatura

enquanto aspectos de análise de contexto.

Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior, é, portanto, um recorte da dissertação

de mestrado de Oliveira (2017), elaborada a partir da análise do gênero resumo de

comunicação em que teve como foco a organização retórica e linguística do respectivo

resumo. Neste momento estamos sintetizando alguns conhecimentos em que refletimos, nas

discussões a seguir, os conceitos dos fundadores do que estamos concebendo como aspectos

de inter-relações entre gêneros categorias de contexto.

3 GÊNERO RESUMO DE COMUNICAÇÃO E SUAS INTER-RELAÇÕES

CONTEXTUAIS

A descrição do resumo de comunicação segundo o modelo de Oliveira (2017) passa

por uma compreensão de diferentes conceitos (de cadeia e colônia de gêneros), em que se

fundamenta a caracterização analítica da abordagem de estudos de gêneros do ESP. O

primeiro conceito em que nos situamos é o de cadeia de gêneros, em que a atenção se volta

para observação dos diversos gêneros importantes do processo de construção e aceite do

resumo de comunicação.

O processo de construção do gênero resumo de comunicação está imbricado com

aspectos diversos de marcas de contexto. O contexto aqui tem seu papel importante porque

estamos seguindo a abordagem de estudos de gêneros do ESP, como descrito anteriormente.

Nessa compreensão situada na análise de gêneros, o contexto tem uma face marcada pelo

reconhecimento de elementos da situação de produção e referência de modelos mentais

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126

prototípicos (enquanto aspectos cognitivos) de experiência na produção de outros resumos

atendendo a diferentes atividades tanto da vida diária quanto da prática de vida acadêmica.

A análise e discussões sobre o contexto enquanto elementos de análise para o gênero

resumo de comunicação surge em virtude de que o resumo de comunicação é um gênero

com características contextuais em que sua produção independe do texto de origem. Suas

marcas linguísticas e retórica trazem elementos estratégicos da ação comunicativa deste

gênero como uma atividade de linguagem atravessada por marcas contextuais ou de

experiências de outras situações de produção de resumo.

No quadro abaixo podemos visualizar a cadeia de gêneros em que o resumo de

comunicação está inserido, bem como outros gêneros constituintes que antecedem e

sucedem sua produção. Essa cadeia de gêneros foi desenvolvida por Oliveira (2017) em

observação ao resumo de comunicação, mas segundo nossa retomada nesse trabalho,

podemos observar que não há nela uma atenção para os resumos de ST, nem para os

resumos de trabalho completo, todos importante para essa cadeia de gêneros. Contudo ela

atende aos pressupostos definidores de utilidade ao descrever gêneros não visíveis, mas

constitutivos no processo de elaboração desses.

Quadro 1: Relação necessária e cronológica entre gêneros para realização do resumo de comunicação em

Oliveira (2017, p. 58)

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127

Como descrito anteriormente, dois outros gêneros não foram contemplados nessa

cadeia de gêneros, mas no segundo conceito, também caracterizados como elemento de

referência contextual para análise do resumo de comunicação, podemos ver muitos outros

gêneros resumo presente no contexto dos eventos acadêmicos.

A seguir estaremos mostrando dois quadros em que situamos duas colônias de

gênero. No primeiro quadro (quadro 2) foi proposto na dissertação de mestrado de Oliveira

(2017) abrangendo os diversos gêneros resumo, desde os resumos visíveis no dia a dia para

os mais diversos fins até os resumos típicos do âmbito acadêmico. O segundo quadro

(quadro 3) é uma construção atual desenvolvida para os fins deste trabalho em síntese

específica para o contexto.

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128

Quadro 2: Colônia de gêneros ressumo desenvolvida por Oliveira (2017, p. 44)

Neste quadro os diferentes gêneros resumo estão dispostos no que concebemos a

partir dos estudos de Bhatia (2004) e Bezerra (2007, 2017) como colônia de gêneros. Essa

colônia de gêneros resumo nos permite observarmos a diversidade de resumos existente,

bem como perceber que cada um é produzido em relação com um contexto específico. No

quadro 3 a seguir exporemos os gêneros resumo do contexto dos eventos acadêmicos.

Quadro 3: Gêneros resumo que se agrupam no contexto dos eventos acadêmicos

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129

A descrição do resumo de comunicação a partir dos conceitos de cadeia de gêneros e

colônia de gêneros serve como um delineador de observação do contexto. O modo como o

contexto é compreendido enquanto modelos de contexto em que as situações são elaboradas

e reproduzidas a partir de experiências em outros contextos, amplia nossa compreensão para

a análise de gêneros.

Essa descrição em cadeia e colônia de gêneros instaura uma percepção das inter-

relações entre os gêneros resumo. Observamos como resultados que o gênero resumo de

comunicação é produzido em atendimento a uma situação específica, em que outros gêneros

surgem como indicadores e reguladores (e por vezes normalizadoras) de sua produção. O

respectivo gênero não se encerra em si, ele é indicador e mediador da produção de outros

gêneros que o sucedem.

A colônia de gênero dos quadros 2 e 3 são representantes para um modelo de análise

em que vemos exemplares de cada resumo nos mais diversos contextos e muitas vezes não

nos damos conta de suas diferenças particulares. No quadro 2 podemos observar que os

diferentes resumos atendem a uma especificação próxima de um pressuposto geral de

resumir como uma ideia prototípica.

No quadro 3, situado no contexto dos eventos acadêmicos, os diferentes resumos

estão caracterizados em duas frentes, no lado esquerdo contendo resumos para participação

de atividades específicas e no lado direito os resumos estão postos de forma sucessiva em

que o primeiro resumo de ST indica a produção do segundo, resumo de comunicação, este

responde ao primeiro e indica o terceiro resumo ligado ao texto a que ele atende, o trabalho

completo.

De modo geral, as descrições de cadeia de gênero e colônia de gênero acima

apresentadas constituem o entendimento de que os resultados dessa pesquisa apontam para

uma compreensão do resumo de comunicação enquanto um gênero marcado por

características de agrupamento de gêneros resumo que se inter-relacionam.

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130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho completo, procuramos expor o gênero resumo de comunicação

considerando o conceito de colônia de gêneros e cadeia de gêneros nos eventos acadêmicos

enquanto aspectos de análise de contexto. Concluímos que a produção do gênero resumo é

uma operação dinâmicas ligada a diversos conhecimentos de características contextuais.

O conceito de cadeia de gêneros serviu para expor o resumo de comunicação em seu

contexto de produção. O conceito de colônia de gêneros serviu para situar a diversidade de

resumos que encontramos no mundo real e especificamente observarmos os diferentes

resumos dentro do contexto dos eventos acadêmicos que de algum modo podem ou estão

influenciando a produção do resumo de comunicação.

Diante dos resultados da pesquisa de mestrado de Oliveira (2017) a compreensão do

resumo de comunicação é marcada por características de agrupamento de gêneros resumo

que se inter-relacionam. Desse modo, concluímos que essas características de agrupamento

oferecem uma compreensão de como esses gêneros são encontrados no mundo real, de como

cada um é produzido de acordo com uma função e indicação.

Consideramos, ainda, que os conceitos de cadeia e colônia de gêneros nos mostram

um olhar da dinâmica atividade de produzir resumos, de produzir resumos para uma ação

específica. O gênero resumo de comunicação de eventos acadêmicos é um importante

gênero de conexão de e para produção de outros gêneros. A análise contextual desse gênero

nos permite uma consciência de interpretação e adequação de uma produção textual para

uma ação comunicativa específica.

REFERÊNCIAS

BAWARSHI, Anis S. e REIFF, Mary Jo. Gênero: história, teoria, pesquisa, ensino.

[Tradução de Benedito Gomes Bezerra] São Paulo: Parábola, 2013.

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131

BEZERRA, Benedito Gomes. Colônia de gêneros: o conceito e seu potencial analítico. In:

IV Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais. Tubarão/SC UNISUL: Anais

SIGET, 2007. p. 715-728.

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conceituais. 1. Ed. São Paulo: Parábola Editora, 2017.

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acadêmicos. Dissertação de Mestrado, Recife, PPG em Ciências da Linguagem da

UNICAP, 2017.

RÄISÄNEN, C. The Conference Forum Paper as a System of Genres. Gotembergo: Acta

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Linguística Aplicada, v. 10, n. 2, p. 347-361, 2010.

SWALES, J. M. Genre Analysis: English in academic and research settings. Nova York:

Cambridge University Press, [1990] [13 printing] 2008.

SWALES, J. M. Research Genres: Exploration and Aplications. Cambridge: University

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VAN DIJK, Teun A. Discurso e contexto. Tradução de Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto,

2012.

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132

ESTRATÉGIAS RETÓRICAS E LINGUÍSTICAS DO RESUMO DE

COMUNICAÇÃO EM ANÁLISE DE GÊNEROS

John Hélio Porangaba de Oliveira12

RESUMO: Neste texto apresentamos, como objetivo, a descrição retórica e linguística do gênero resumo de

comunicação. O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa de mestrado na qual foi realizado um estudo

sobre a análise do gênero resumo de comunicação de eventos acadêmicos. O objetivo de tal pesquisa foi

analisar o gênero resumo de comunicação do ponto de vista da construção de sentido, considerando texto e

contexto, contexto de produção e organização retórica do gênero. A análise foi realizada com 60 resumos de

comunicação. As principais bases teóricas foram Swales (1990); Bhatia (2009, 2004); Bezerra (2006, 2007);

Nobre e Biasi-Rodrigues (2012); Van Dijk (2012). Na análise elaborou-se um modelo descritivo da

organização retórica do resumo de comunicação em que se concluiu que o respectivo gênero é resultado das

práticas acadêmicas marcadas por ações linguísticas e retóricas.

Palavras-chave: Análise de gêneros. Resumo de comunicação. Estratégias retóricas. Estratégias linguísticas.

INTRODUÇÃO

Os gêneros estão presentes nas mais diversas áreas de estudo da linguagem,

representam conjuntos de enunciados no emprego da língua em uso nas mais diversas

atividades humanas, refletem condições específicas e finalidades de cada campo da

comunicação (BAKHTIN, [1952-1953] 2011). Os gêneros ocupam um espaço importante na

construção de sentido e domínio dos recursos linguísticos nos diferentes usos da linguagem,

segundo Swales ([1990] 2008, p. 46 [tradução própria]) os gêneros “são veículos de

comunicação que visam atingir um objetivo”.

Um aspecto importante que vale ressaltar é a classificação da natureza dos

enunciados, apresentada por Bakhtin ([1952-1953] 2011, p. 263) como gêneros primários

(simples), formados nas condições imediatas da comunicação, como o diálogo cotidiano, a

carta, etc., e gêneros secundários (complexos), que “surgem nas condições de um convívio

cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado”, como o romance,

*Doutorando em Ciências da Linguagem no PPGCL/UNICAP. Pesquisador de gêneros acadêmicos com ênfase

nos contextos de produção. E-mail: [email protected]

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133

as pesquisas científicas de toda espécie, os gêneros publicitários, bem como o resumo de

comunicação acadêmica, objeto deste estudo.

Ao tomar o gênero resumo de comunicação como um gênero complexo e, portanto,

acadêmico, nos situamos na abordagem de gêneros em Swales ([1990] 2008) para tratar do

tema análise de gêneros em contextos específicos e descrever a organização retórica do

resumo de comunicação para eventos acadêmicos. Essa abordagem de estudos de gênero

trata especialmente e produções textuais da comunidade acadêmica. Partimos da

compreensão de que os estudos sobre gêneros buscam uma descrição da aprendizagem, da

evolução e do funcionamento dos gêneros em contextos específicos. Isto é, de “como os

gêneros são aprendidos e adquiridos, como evoluem e mudam e de que modo funcionam

como ações discursivas em contextos sociais, históricos e culturais específicos”

(BAWARSHI; REIFF, 2013, p. 137).

Os gêneros resumo constituem uma denominação discursiva de conhecimentos

genéricos, pois existem muitos tipos de resumo desenvolvidos em diversas atividades

acadêmicas, por exemplo: resumo de atividade de sala de aula, resumo de livro, resumo de

minicurso, resumo de simpósio temático, resumo de comunicação, resumo de tralho

completo conhecido como resumo de artigo, etc. cada um desses gêneros é uma produção

específica.

O resumo de comunicação de eventos acadêmicos constitui o objeto de estudo, em

que se tomou como objetivo apresentar a descrição retórica e linguística do gênero resumo

de comunicação.

O presente trabalho está organizado em cinco tópicos: este primeiro tópico em que se

introduz a apresentação e objetivo deste trabalho; o segundo em que está situada a

compreensão analítica do gênero, do contexto e da comunidade específica em que o resumo

de comunicação está inserido; o terceiro tópico segue com uma explicação metodológica; o

quarto trata da apresentação da descrição da organização retórica e linguística do resumo de

comunicação; e por fim, o último e quinto tópico apresenta algumas conclusões acerca do

referido gênero e seu modelo retórico e linguístico como instrumento para novas pesquisas e

ensino.

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134

1 COMPREENSÕES DE GÊNERO EM CONTEXTOS ESPECÍFICOS

Os gêneros, na abordagem do English for Specifc Purpose – ESP, “compreende uma

classe de eventos comunicativos, cujos membros compartilham um certo conjunto de

propósitos comunicativos” (SWALES, 1990, p. 58). Nesta definição os propósitos

comunicativos e a comunidade discursiva em que um gênero é produzido representam

elementos importantes para o estudo e análise de uma dada produção.

Um gênero é definido por suas ações linguísticas e retóricas no uso da linguagem

para comunicar algo a alguém em algum momento, contexto e propósito. A comunidade

acadêmica em especial de uma área disciplinar especifica reconhece os propósitos

comunicativos de um dado gênero e trabalham em cima desses aspectos reconhecidos para

realizarem seus propósitos pessoais por meio dos propósitos do gênero (BHATIA, 2004,

BESERRA; BIASI-RODRIGUES, 2012).

Conforme Bawarshi e Reiff (2013) o foco da abordagem de gêneros em ESP está

centrado no inglês acadêmico e de pesquisa, bem como no uso da análise de gêneros para

fins aplicados. Na análise de gêneros em ESP são descritos os traços linguísticos, os

propósitos comunicativos e os efeitos comunicativos de variedade da língua, pois a análise

de gêneros tem como objetivo avaliar os propósitos retóricos, revelar as estruturas da

informação e explicar escolhas sintáticas e lexicais (SWALES, 1990).

A análise de gêneros possui estratégias analíticas e compromissos pedagógicos que

permitem uma compreensão da realidade de como os gêneros são construídos. Os traços

linguísticos e retóricos estão ligados ao contexto e a função social a que o gênero é

construído como resposta à uma atividade social (BAWARSHI; REIFF 2013).

A abordagens de análise de gêneros em ESP procede sua trajetória de análise a partir

da estrutura esquemática para os traços léxico-gramaticais do gênero ao mesmo tempo

atentando para o propósito comunicativo do gênero e para a comunidade discursiva que o

define. Conforme Swales (1990 [2008]) o gênero é realizado por estratégias retóricas que

realiza movimentos retóricos e por fim realiza os propósitos comunicativos do gênero. Os

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135

movimentos retóricos do gênero são unidades funcionais identificado por estratégias

linguísticas e comunicativas.

O contexto envolve participantes e situações tipificadas, em que o termo ‘contexto’

em Van Dijk (201, p 11) “consiste na compreensão do que é contexto e de como se relaciona

com o discurso: Não é a situação social que influencia o discurso (ou é influenciada por ele)

mas a maneira como os participantes definem essa situação”. Diante dessa concepção as

produções textuais se constituem não só das convenções genéricas do gênero, mas, também

da forma como os participantes do discurso definem o contexto.

O resumo de comunicação funciona como uma forma de ingresso ou passagem para

os debates e discursos da ciência (MIRANDA, 2014). É um texto escrito com função de

submeter uma proposta para avaliação de um comitê, a fim de participar de um evento

acadêmico e científico. Se aprovado, o resumo de comunicação tem, ainda a função de

informar aos demais participantes do evento sobre o conteúdo da comunicação que será

apresentada (MIRANDA, 2014).

Nos estudos de Oliveira (2017) o respectivo gênero consiste em uma síntese dos

pontos principais da produção científica na indicação dos traços formais dos debates da

produção e divulgação de pesquisas acadêmicas. Além disso, registra aspectos retóricos e

linguísticos na explicitação do seu referencial discursivo (OLIVEIRA, 2017).

O gênero resumo de comunicação mantem relação entre texto e contexto no processo

de sua produção. A natureza desse gênero é complexa e se relaciona com seu contexto, os

eventos acadêmicos, que constituem sua compreensão enquanto produção científica

(MEADOWS, 1999) em promoção da integração do ensino e do desenvolvimento cultural e

científico na sociedade (CAMPELO, 2000).

Dentro das regras e normas estabelecida em cada evento acadêmicos os membros da

academia, interessados em participar do evento, se utilizam de suas particulares formas de

compreender o contexto e suas orientações de produção do resumo de comunicação, que são

genéricas e muitas vezes podem não caber na delimitação de palavras para produção do

respetivo gênero.

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136

As informações estabelecidas nas plataformas on-line dos eventos acadêmicos

indicam que o resumo deve conter objetivos, problemática, justificativa, metodologia,

resultados e conclusões. Além disso deve ser escrito em um parágrafo, de 150 a 300, de 200

a 300 e em casos especiais de 500 a 750 palavras. O gênero resumo de comunicação é

produto de uma compreensão prototípica do termo resumo, do contexto e de como texto e

contexto se relacionam para construir sentido dentro das especificações normativas.

2 METODOLOGIA

A pesquisa, a que o presente trabalho se refere, teve um caráter qualitativo de

abordagem documental, filiado a abordagem de gêneros do ESP, em que coprus foi

delimitado em 60 resumos de comunicação dos eventos acadêmicos: ABRALIN, ECLAE e

SIGET, realizados no ano de 2015.

O Procedimento de análise adotado no desenvolvimento geral da pesquisa passou

pelas categorias de análise de contexto e finalizou na análise do texto. Neste particular

trabalho (recorte de dissertação) apresentamos apenas a descrição retórica e linguística do

gênero resumo de comunicação.

Nos delimitamos em apresentar a organização retórica do gênero resumo de

comunicação resultante do processo de análise, o número de ocorrência de estratégias

retóricas (ER) e movimentos retóricos (MOVE). Em seguida, apresentamos alguns dos

marcadores linguísticos (FREITAG, 2008) de identificação dos aspectos retóricos.

3 ORGANIZAÇÃO RETÓRICA DO RESUMO DE COMUNICAÇÃO

No contexto de produção do resumo de comunicação, tal gênero realiza-se a partir de

um conjunto de propósitos comunicativos. Esses propósitos são realizados por moves

retóricos, e estes são realizados por ERs (ASKEHAVE; NIELSEN, 2004; BEZERRA,

2006). No contexto dos eventos acadêmicos o gênero resumo de comunicação é determinado

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137

pelos propósitos comunicativos que atendem ao processo de interação discursiva da situação

em questão, informar sobre uma pesquisa em andamento ou concluída e sobre seus aspectos

de comunicação relevantes.

Em nossas análises, resumo de comunicação foi observado a partir de suas marcas

linguísticas que o caracterizam. Em cada sentença determinados substantivos, verbos e

frases observamos a caracterização dos move e ERs na superfície do texto, bem como

percebemos a caracterização da construção de sentido do gênero. Na tabela 1 a seguir é

apresentado o modelo explicito da organização do respectivo gênero, em que são mostrados

um número de ocorrências de ERs na realização de cada move, enfatizando a dinâmica de

produção e construção do gênero em observação a um corpus de 60 resumo de comunicação.

O modelo que segue é uma representação descritiva da organização do resumo de

comunicação na área de linguística.

Tabela 1: Padrão da descrição retórica do gênero resumo de comunicação

MOVE 1: ESTABELECER O CONTEXTO RC Oco.

ER1: Contextualizando a pesquisa e/ou 60 39

ER2: Apresentando o objeto de estudo e/ou 60 33

ER3: Apresentando o problema a ser solucionado e/ou 60 23

ER4: Levantando a hipótese 60 14

MOVE 2: INTRODUZIR O PROPÓSITO

ER1: Indicar a intenção do autor e/ou 60 12

ER2: Apontando os objetivos 60 59

MOVE 3: DESCREVER A METODOLOGIA

ER1: Apresentando o quadro teórico-metodológico e/ou 60 44

ER2: Descrição dos fundamentos teóricos e/ou 60 26

ER3: Incluindo informações sobre o corpus e/ou 60 27

ER4: Descrevendo os procedimentos ou métodos e/ou 60 26

ER5: Indicando o escopo da pesquisa 60 14

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138

MOVE 4: SINTETIZAR OS RESULTADOS

ER3: Apresentando os resultados 60 32

MOVE 5: APRESENTAR AS CONCLUSÕES

ER1: Apresentando as conclusões 60 16

Essa formulação descritiva enquadra as ocorrências das estratégias retóricas

ocorridas nos sessenta resumos analisados. Nessa descrição percebemos uma dinamicidade

de na produção de sentido, com margens para a observação do respectivo gênero como um

veículo comunicativo no discurso científico do ponto de vista do contexto e da organização

retórica individual observada em cada resumo de comunicação.

Em decorrência dos aspectos retóricos indicados pelos eventos acadêmicos para

construção do gênero, a singularidade desse modelo descritivo do resumo de comunicação

está nos aspectos de possibilidades, em que pode ou não haver ocorrência da estratégia

retórica para situar o foco informativo. Além disso, esse modelo representa um investimento

de marcas da complexa realidade em que encontramos os gêneros.

A compreensão desse modelo, sobre as unidades retóricas com seus move e ERs,

representa uma realidade na produção dos resumos de comunicação para eventos

acadêmicos. Representa a forma como esse gênero é compreendido e produzido pelos

participantes dos eventos acadêmicos quando observam as instruções do contexto e

reconhecem a escrita do resumo como proposta de estudo ou trabalho à ser submetido para

comunicação oral.

4 MARCADORES RETÓRICOS E LINGUÍSTICOS DO RESUMO DE

COMUNICAÇÃO

A marcas linguísticas que indicam a realização das ER e que constituem o move,

correspondem a linguagem desenvolvida na relação entre o texto e contexto para efeito de

compreensão e sentido tanto do que compete a descrição das ERs quanto das informações

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139

sobre o conteúdo. As marcas são compostas por verbos e substantivos abstratos, que indicam

a informação referencial nas sentenças e constituição do gênero resumo de comunicação, a

partir do referencial sobre: contexto, objeto de estudo, verbos de ação que constituem a

intenção do autor, o objetivo e ou o escopo da pesquisa, quadro teórico-metodológico,

justificativa, corpus, fundamentos teóricos, procedimentos, resultados na sua nomeação

parcial ou final, e conclusão em suas variantes que constituem a compreensão do substantivo

correspondente.

Os marcadores, conforme descrito na tabela 2, a seguir, qualificam a dinamicidade,

flexibilidade e particularidade do gênero resumo de comunicação em seu contexto, em que a

organização das palavras na estrutura inicial, no meio da sentença ou no final da sentença de

uma dada estratégia retórica indica a ação resumitiva e construção de sentido.

Diante do modelo de organização retórica empreendido, relatado na tabela 1,

sinalizamos à esquerda da tabela 2, a seguir, os moves e ERs e a direita da tabela alguns

marcadores linguísticos não restritos apenas na descrição do substantivo que qualificam a

ação estratégica, mas em frases sentenças, marcas metalinguísticas, que indicam a ação

comunicativa e compreensão sobre o substantivo que vem situar a ER.

Tabela 2: Expressões de aspectos linguísticos como mecanismos retóricos

Move 1 – Estabelecer o

contexto Aspectos linguísticos

ER1: Contextualizando a

pesquisa

Dessa forma, o artigo científico se configura como...

Muito se discute acerca do...

A discussão trazida faz parte de um...

Esta comunicação é o resultado de...

ER2: Apresentando o

objeto de estudo

Dessa forma, o ensino com base em análise de gêneros aparece como uma

alternativa viável para...

Nos últimos anos, pesquisadores internacionais têm se referido aos estudos de

gêneros no Brasil como [...] ou, nessa mesma direção, mais especificamente

como uma...

Assim, o gênero poema, neste trabalho, em sendo texto poético, representa...

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140

ER3: Apresentando o

problema a ser solucionado

A questão motivadora desta pesquisa gira em torno da necessidade de...

No que tange ao trabalho com [...] evidenciam apenas uma de suas dimensões,

[...], o que de certo modo, dificulta o desenvolvimento dos [...] quanto às ...

O exemplar, redigido em forma de [...], joga luz sobre a necessidade de

ampliar discussões, nesse contexto [...], sobre as implicações da...

Os questionamentos que norteiam essa pesquisa são os seguintes: Como se dá

o [...]? Qual a intenção de [...]? Quais elementos [...]?

ER4: Levantando a

hipótese

Nossa hipótese é de que...

Assim, espera-se que a...

Nesse sentido, partilhamos da compreensão de que...

Move 2 – Introduzir o

propósito

ER1: Indicar a intenção do Nesse sentido, o interesse deste trabalho é promover a...

O presente trabalho apresenta reflexões sobre...

Neste trabalho, procurarei oferecer alguma reflexão preliminar na tentativa de

embasar...

Centrou-se na análise dos...

ER2: Apontando os

objetivos

O objetivo deste trabalho, também, é empreender...

Assim, busca-se evidenciar a...

Os objetivos deste trabalho são apresentar...

Move 3 – Descrever a

metodologia

ER1: Apresentando o

quadro teórico-

metodológico

Para promover essa discussão, embasamo-nos em...

Nos pautamos teoricamente em autores como...

O quadro teórico-metodológico adotado envolveu aspectos da...

ER2: Descrição dos

fundamentos teóricos

O autor enfatiza...

Para as análises foi utilizado, especialmente, o texto de [...]. A estudiosa se

propõe a analisar [...]. Para compreender o seu posicionamento, é necessário

inseri-la no seu contexto...

Fundando-se no entendimento de que [...] o autor propõe que...

ER3: Incluindo

informações sobre o corpus

O corpus analisado nesta pesquisa é formado pelas...

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141

Do ponto de vista metodológico, os dados foram levantados a partir dos...

Com vistas a alcançar os nossos objetivos, coletamos no banco de [...] um

corpus ampliado, composto por [...].

ER4: Descrevendo os

procedimentos ou métodos

Essa conversa, juntamente com uma entrevista posterior que fizemos com a

dupla, questionando-a a respeito [...], constituíram nossos dados processuais.

Aplicamos questionários para os...

Foi proposto aos estudantes que elaborassem um [...] O procedimento de

elaboração de [...] envolve quatro etapas: a) leitura [...]; b) identificação dos

[...]; c) paráfrase de [...]; d) organização das...

ER5: Indicando o escopo

da pesquisa

Trata-se, portanto, de trabalhar com questões de...

Para alcançar o objetivo pretendido, buscaremos analisar as...

Investiga-se aqui o...

Move 4 – Sintetizar os

resultados

ER1: Destacando os

resultados

As análises empreendidas apontam que [...]. É preciso apontar, ainda, que...

Os resultados obtidos sinalizam que [...]. A análise dos [...] revela traços tanto

de [...] quanto de...

Os resultados indicam que...

Move 5 – Apresentar as

conclusões

ER1: Apresentando as

conclusões

Conclui-se que...

Conclui-se pela...

As conclusões indicam que...

Nessa tabela 2, a dinamicidade pode ser verificada pela forma como essa produção é

compreendida e realizada na compatibilidade do modelo de contexto entre os membros da

comunidade. É pertinente observar que, ou os produtores realizam bem a ação resumitiva do

referido gênero, uma vez que, poderiam não fazer parte dos cadernos de resumo de

comunicação nas páginas online dos eventos acadêmicos ou esses resumos de comunicação

não foram devidamente revisados pelos pareceristas que os aceitaram. No entanto a essa

observação, acreditamos e enfatizamos a dinâmica ação de compreensão e produção desse

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142

gênero na referida área que é avaliado por pareceristas que identificam nesse texto a

capacidade de uma boa comunicação.

CONCLUSÃO

O resumo de comunicação é parte de uma atividade de linguagem que desenvolve em

seu corpo uma interação dinâmica entre estrutura, conteúdo e estilo que considera o texto e o

contexto para a concretização do gênero. Entram, nessa constituição do gênero as normas e

regras para elaboração do texto em adequação e compreensão do contexto em que o

respectivo gênero circula. Essa compreensão nos faz considerar que o gênero resumo de

comunicação realiza uma prática de linguagem.

Esse gênero é um instrumento de produção de conhecimentos que se desenvolve

como uma prática acadêmica que une os mais diversos participantes da comunidade

discursiva para construir e compreende a linguagem de um dado assunto. O resumo de

comunicação é o produto de uma construção de sentido que agrega conhecimentos

compartilhados e a possibilidade de promoção do produtor com o desenvolvimento de

conhecimentos novos.

A complexa prática de ações que caracterizam a comunidade acadêmica, como um

domínio discursivo, se apresenta como funcionamento da linguagem situada em um

contexto. O gênero resumo de comunicação deve ser considerado como uma prática que está

intimamente ligada a todas as atividades desenvolvidas e efetuadas no contexto dos eventos

acadêmicos por estudantes, professores e pesquisadores.

Desse modo, o gênero resumo de comunicação é produzido em interação com uma

série de referências contextuais, que influenciam e restringem nas ações linguísticas e

retóricas da construção de sentido. O referido resumo, a partir de sua função comunicativa e

retórica, é uma singular produção textual. Mas, como visto no modelo da tabela 1, ele, como

qualquer outro gênero, é dinâmico, flexível e plástico em sua constituição como tal.

Ainda como aspecto conclusivo, o modelo ora apresentado pode servir a prática

pedagógica de ensino de gêneros acadêmicos de forma explicita. Sendo, portanto, não um

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143

simples modelo de produção a ser seguido, mas uma base para observação de como outros

resumos de comunicação são realizados, confirmando ou não sua realidade. Além disso, a

organização retórica do resumo de comunicação precisa ser confirmada de modo

multidisciplinar, em outros campos disciplinares em observação a especificidade de cada

campo de atividade.

REFERÊNCIAS

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BAWARSHI, Anis S. e REIFF, Mary Jo. Gênero: história, teoria, pesquisa, ensino.

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POESIA DE HAICAI: UMA EXPERIÊNCIA DE SALA DE AULA.

Tatianne Gabrielly Oliveira Quintans13

RESUMO: A literatura pode nos fazer perceber com maior sensibilidade e significância o mundo em que

vivemos. Por acreditarmos nisso trazemos no presente trabalho a síntese das ações e atividades desenvolvidas

em volta da literatura, em uma turma de 6ª ano do ensino fundamental, na Escola Estadual Miguel Santa Cruz,

localizada no município de Monteiro – PB, ao longo de nosso Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa

no período de 5 de setembro de 2018 à 28 de setembro de 2018. Tratando-se de um relato de experiência de um

conjunto de 15 aulas pensadas e desenvolvidas junto a disciplina de estágio na Universidade Estadual da

Paraíba, com o seguinte escopo teórico: CANDIDO, 2004, COSSON, 2006, KELAFÁS, 2014, FERRAREZI ;

CARVALHO 2017, como também os Parâmetros Nacionais Curriculares (BRASIL, 1998). O nosso trabalho,

portanto, visa trazer uma contribuição para aqueles, que como nós, acreditam que o ensino de literatura

especialmente a poesia de haicai, pode ser criativamente utilizada para construção de sentido e de reconstrução

do mundo através da palavra que dá voz as imagens.

Palavras-chave: Estágio supervisionado. Literatura. Leitura. Escrita. Ilustração de haicai.

INTRODUÇÃO

Com o poder de nos fazer viajar através da imaginação para lugares antes

inexplorados a literatura pode também nos fazer perceber com maior sensibilidade o meio

em que vivemos. É por acreditar nisso que trazemos à lume o presente trabalho. Visando

uma contribuição para aqueles que como nós acreditam que o ensino de literatura

especialmente a poesia de haicai, pode ser criativamente utilizada para construção de

sentido, de ressignificação e de reconstrução do mundo, através da palavra que dá voz e vida

as imagens. Ao lermos um texto verbal, podemos transcender o campo das palavras e

imaginar cenas tal qual uma fotografia real.

Faz-se relevante destacar que este artigo é a síntese das ações e atividades

desenvolvidas em uma turma de 6ª ano, do Ensino Fundamental da Escola Estadual Miguel

Santa Cruz, localizada no município de Monteiro – PB, ao longo de nosso Estágio

Supervisionado em Língua Portuguesa no período de 5 de setembro de 2018 à 28 de

setembro de 2018. Tratando-se, assim, de um relato de experiência de como foi trabalho

com a literatura, no processo de leitura, interpretação e produção textual, em um conjunto de

13 Graduanda em Licenciatura Plana em Letras Português pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Campus VI e residente do Programa Residência Pedagógica. E-mail: [email protected]

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15 aulas pensadas e desenvolvidas, junto a disciplina de estágio da Universidade Estadual da

Paraíba.

Dessa forma, objetivamos apresentar tanto os relatos da experiência, quanto os

procedimentos da nossa sequência de aulas voltadas para leitura e escrita, buscando destacar

a poesia de haicai como fonte de inspiração que aguça a imaginação criativa do leitor.

Para subsidiar nossa prática de ensino de leitura e escrita em sala de aula,

utilizaremos o seguinte escopo teórico: CANDIDO, 2004, COSSON, 2006, KELAFÁS,

2014, FERRAREZI; CARVALHO, 2017, como também os Parâmetros Nacionais

Curriculares (BRASIL, 1998), tendo esses finalidade de apresentar como o professor pode

desenvolver o processo de escrita na aula de Língua Portuguesa.

1 A LEITURA E A ESCRITA COMO FORMA DE EXPERIENCIAR O MUNDO

Ao analisarmos as aulas em nosso primeiro estágio – chamado de Estágio

Observatório, visto que, ele está voltado para observação e analise de como acontecem as

aulas – percebemos que o processo de leitura e interpretação textual, que vinha sendo

realizado pela professora da disciplina de Língua Portuguesa, deveria ser continuado, tanto

por uma necessidade dos alunos, quando pela solicitação do sistema de ensino da escola.

Assim, trabalhamos com os discentes os eixos de leitura e interpretação, mas também,

acrescentamos o eixo de produção textual, por acreditarmos que os educandos podem se

expressar ainda mais quando dão asas à imaginação e se tornam autores.

De acordo com Cosson, (2006, p. 47), ao falar sobre o processo de leitura, ele

enfatiza que “a aprendizagem da literatura, que consiste fundamentalmente em experienciar

o mundo por meio da palavra” dessa maneira, esse deveria ser o ponto central das aulas de

literatura na escola, em vez disso a magia de experienciar o mundo por meio da palavra está

sendo ocultado pelos tradicionais métodos de abordar a literatura em sala de aula, que está

voltado para cobranças, tais como, vida do autor, característica de época, resumo do texto,

ensino de gramática usando o texto apenas com um pretexto, entre outras cobranças, que não

vislumbram a leitura como um momento de prazer, de viver a experiência do contato com

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texto “permitindo que na interlocução com as palavras o leitor não vise somente (...)

reconhecer características de época, mas permita que aquelas leituras provoquem nele

deslocamentos, transformações.” (KELAFÁS, 2012, p. 3 – 4).

Para isso ocorrer é imprescindível que o mediador tenha consciência da importância

que tem a leitura por fruição, que consiste no corpo a corpo com o texto, sem demasiadas

cobranças, ler para sentir o texto, deixar com que ele faça sentido para o leitor e com isso

provoque nele prazeres, como também, transformações de ver a si e ao mundo com outros

olhos.

O que se reivindica aqui é que no ensino da literatura não se pode prescindir da

experiência da leitura, do trato com o texto, pois é nesse corpo a corpo com ele que

se dá trânsito de sentidos, fazendo por vezes com que a compreensão do mundo

seja transgredida, ressignificada. (KELAFÁS, 2012, p.8)

Para que a visão de mundo do aluno-leitor seja ressignificada é preciso que a escola e

os educadores forneçam possibilidades dos alunos terem contado direto com a leitura de

livros dos mais variados temas e gêneros. Conforme, aponta Ferrarezi & Carvalho (2017, p.

50) “A escola não é o local de algumas leituras: é o local de todas elas. Desde a leitura do

mundo até a leitura mais estrita da palavra, tudo é de interesse da escola.” É por meio de

uma boa leitura e de incentivos que o aluno pode além de se tornar um leitor ativo, torna-se

também um escritor que tem gosto de criar seus textos, de sentir a magia das palavras, sem

medos e receios de correções gramaticais, que ocorrem muitas vezes, antes do docente

analisar a mensagem que o aluno quis passar.

De acordo com os PCN, a produção textual que envolvem autoria e criação, envolve

mais atenção do educador, visto que esse tipo de produção exige que o aluno sobretudo

reflita sobre “o conteúdo, o que dizer, e a expressão, como dizer” (BRASIL, 1998, p. 76),

por isso ele – o educador – precisa analisar o texto do aluno não com o olhar de correção,

mas com o olhar interpretativo prestado atenção ao que o aluno expressou através do seu

texto.

Assim, nossa organização didática foi influenciada, principalmente, pela noção de

letramento literário, de Cosson (2006). O autor aborda que é preciso ocorrer um processo

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continuo de leitura que parte do já conhecido, pelo aluno, ao não conhecido. Tendo como

objetivo ampliar a visão cultural do educando.

[...] adotamos como princípio do letramento literário a construção de uma

comunidade de leitores. É essa comunidade que oferecerá um repertório, uma

moldura cultural dentro da qual o leitor poderá se mover e construir o mundo e a

ele mesmo. Para tanto, é necessário que o ensino da Literatura efetive um

movimento contínuo de leitura, partindo do conhecido para o desconhecido, do

simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o objetivo de

ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno. (COSSON, 2006, p. 47 – 48)

Para efetivarmos esse movimento contínuo de leitura de que nos fala Cosson,

seguimos o processo de leitura e em seguida de produção escrita, especificamente, de

haicais. Pois, acreditamos que esse subgênero poético impulsiona não somente a leitura e a

escrita, mas principalmente incentiva um novo olhar para o mundo em que vivemos,

ampliando, portanto, o repertório cultural do aluno-cidadão.

O Haicai é um poema de origem japonesa, tradicionalmente composto por três

versos, geralmente formado por cinco, sete e cinco sílabas. Conforme Borges (2013, p. 8):

Haicai é uma poesia que se volta claramente para fazer as coisas em busca de sua

essência intemporal e, em última instância, se pretende buscar, depois delas, o

sagrado que esconde. Remete a duas instâncias: ao que está aí e se pode ver (o

palpável) e o que está aí, mas escapa aos nossos sentidos (o invisível).

Sentimos que a poesia haicaísta ativa nossa sensibilidade para percebermos o que

antes passava desapercebidos, desde belezas singelas a situações críticas sociais, por

exemplo. Portanto, acreditamos que o poema-haicai mexe com nossa percepção libertando

nossa visão para o mundo.

Ao falar sobre poesia, no livro o Arco e a Lira, Otavio Paz nos diz que: “A poesia é

conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a

atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de

libertação interior. A poesia revela este mundo.” (1982, p. 15).

Tento consciência de que a poesia é capaz de transformar o mundo revelando-o,

como nos diz Paz, e, sabendo da magia que os haicais provocam em quem os recebem, tanto

na escrita, quanto na leitura, resolvemos trabalhar com esse subgênero da poesia, para que

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nossos alunos percebessem que ler poesia e produzir pode ser muito divertido, assim como

um jogo em momentos lúdicos.

2 PROCEDIMENTOS DAS AULAS DE LEITURA E ESCRITA

2.1 OS SENTIDOS DAS PALAVRAS: LEITURA DA CRÔNICA DEFENESTRAÇÃO E

CONSULTA AO DICIONÁRIO

Nas quatros primeiras aulas, na sala de aula do 6º ano, trabalhamos com o conteúdo

de semântica, especificamente, com a temática “Os sentidos das palavras”. Para isso,

utilizamos na primeira aula a crônica de tom humorístico Defenestração, de Luís Fernando

Verissimo. O objetivo desta aula foi praticar a leitura e criar e compreender os sentidos de

novas palavras.

Assim sendo, nas duas primeiras (aulas 1 e 2 – 05/09/18), iniciamos a prática

perguntando as palavras que os alunos mais gostavam e quais eles achavam mais estranhas,

à medida que eles falavam, íamos escrevendo na lousa, dentre as palavras ditas, estavam

gírias, nomes de familiares e nomes de jogos de vídeo game.

Em seguida, anotamos do outro lado do quadro o nome Defenestração, e

perguntamos se os discentes já haviam ouvido tal palavra e o que eles achavam que ela

significava. Os alunos responderam que nunca tinham ouvido, mas foram fazendo o jogo da

semelhança entre a palavra defenestração com outras que eles conheciam e consideravam

parecida com esse vocábulo. À medida que eles iam dizendo íamos escrevendo na lousa para

fazermos um campo semântico. Elogiamos as palavras ditas pelos discentes e interrogamos,

se eles desejavam saber o significado que o mundo do dicionário dá à palavra defenestração.

Ao responderem afirmativamente, entregamos a crônica que tinha por título a palavra

defenestração. Acrescentamos que o narrador do texto, assim como eles, gostava de dar

novos significados às palavras e também, que no decorrer da leitura, iriamos descobrir o

significado real dessa e outras novas palavras.

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A leitura foi realizada, inicialmente pela professora em formação, mas alguns alunos

ao demostrarem avidez pelo texto, fez com que a leitura continuasse de maneira coletiva,

isto é, cada aluno lia um parágrafo ou dois. Algo bastante proveitoso, pois notamos que

assim houve uma maior interação entre o mediador e os alunos.

Após a leitura, iniciamos um processo de discussão, voltada para interpretação do

texto. Segue abaixo as perguntas que foram feitas no processo:

• Gostaram do texto?

• Qual o assunto que o texto aborda?

• Vocês consideram esse texto triste ou alegre e por qual motivo?

• Qual momento foi mais divertido na leitura?

• Descobriram qual o significado da palavra defenestração?

• Surpreenderam-se com o significado da palavra ou com o final do texto?

• Gostaram do significado de defenestração?

• Vocês preferiam o significado que o narrador vai imaginado para a palavra ou o

significado dicionarizado?

Os alunos responderam às perguntas apontando suas opiniões. Grande parte

destacaram o final do texto, como o momento mais engraçado. Esse momento que os alunos

citaram, é quando ocorre uma falta de entendimento do significado da palavra defenestração

por um dos personagens da crônica. Refletimos com isso a importância de darmos “asas à

imaginação” criando novas definições para as palavras como faz o narrador do texto, mas

também é interessante saber o significado denotativo, que está no dicionário, da palavra,

para não fazermos igual ao personagem que desconhecia a palavra.

Em seguida, após a reflexão os alunos perguntaram qual era o significado de

algumas palavras que o narrador havia brincado dando-lhe novas definições. Então,

situamos sobre a atividade que eles fariam, qual seja, pesquisar as palavras que estavam

destacadas em itálico na crônica, nos dicionários: falácia, hermenêutica, traquinagem,

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plúmbeo, e, para haver o melhor entendimento, escrevemos o enunciado da atividade na

lousa e as palavras para pesquisa. Eles iniciaram a pesquisa, demostrando surpresa com o

significado que o dicionário dava a tais palavras. Faz-se relevante destacar, que a ideia da

consulta ao dicionário surgiu em uma aula de observação, ainda no primeiro estágio, em que

a professora da disciplina fez uma aula de como consultar o dicionário e os alunos

demostraram bastante interesse, principalmente pela disputa que criaram de quem

encontrava mais rápido a palavra.

Por fim, perguntamos qual versão de significados que eles preferiam: o dado pelo

narrador da crônica ou os fornecidos pelo dicionário. Sem acessão os discentes responderam

que gostaram mais dos criados pelo narrador. Assim, para finalizarmos a aula, levamos a

discussão para o lado criativo que temos dentro de nós e como é relevante que venhamos a

trabalhá-lo. Perguntamos se eles desejavam também criar novos sentidos para as palavras,

responderam positivamente. Então, informamos que na próxima aula iriamos iniciar essa

prática.

2.2 DICIONÁRIO PARTICULAR: DANDO SIGNIFICADOS AS PALAVRAS E

PRATICANDO A IMAGINAÇÃO.

Nesta terceira e quarta aula (12/09/18), realizamos a continuação do assunto da aula

anterior, isto é, os sentidos das palavras. Praticar a imaginação dando significados a

vocábulos desconhecidos, criando o seu dicionário particular “Dicionário particular,

consiste em propor à turma a elaboração de um dicionário, definindo de forma imaginária

algumas palavras.” (COSSON, 2006, p. 55). Após situarmos os alunos na atividade,

escrevemos o enunciado, que segue abaixo, na lousa e à medida que íamos retirando a

palavras de uma caixinha anotávamos na lousa:

De acordo com a sua imaginação, dê significados as palavras que se seguem:

ABAXIAL PERVENCER POLOGRAFIA REMOCAR

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SAMPAR TANADO OVENÇAL RITMOPÉIA

IMBLÓGLIO GINGE ZUMBRIR

Antes que eles começassem a escrever, perguntamos se eles já tinha ouvido tais

palavras e solicitamos que respondessem oralmente o que significava para eles algumas

daquelas palavras. Com o intuito de saber se eles estavam entendendo a dinâmica e os

alunos bastante participativos. Em seguida, solicitamos aos discentes que escrevessem no

caderno o que eles acreditavam significar aquelas palavras.

Depois que os discentes deram significados aos vocábulos desconhecidos,

solicitamos que eles compartilhassem o que escreveram. Foi um momento lúdico, pois, as

definições além de criativas, eram bastante engraçadas. Após todos terminarem, anunciamos

que iriamos ler o significado dicionarizado das palavras. No decorrer da leitura da definição

do dicionário, alguns alunos estranharam dizendo que não havia nenhuma relação da palavra

com o significado dicionarizado; já outros gostaram pelo mesmo fato de acharem estranho

essa falta de semelhança. Essa reação dos discentes era prevista, pois geralmente

comparamos uma palavra desconhecida com uma que já conhecemos pelo processo de

assimilação decorrente da sonorização que o vocábulo produz, por exemplo, na palavra

“ovençal” um aluno escreveu que significava um ovo com sal. Em seguida, quando

perguntamos qual a definição que os discentes mais gostaram, disseram que preferiam a

deles. Era esse o intuito; fazer com que eles valorizassem o que criaram e, com isso, se

sentirem mais motivados para ativar a imaginação no mundo das palavras lidas.

Para finalizar esse momento, entregamos o texto de Mia Couto “Perguntas à Língua

Portuguesa”. O texto era sobre algumas perguntas criativas feitas à língua portuguesa, como

exemplo, “Não tendo sucedido em Maio, mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou

um desmarço?”.

Antes da leitura, questionamos qual era a pergunta que eles fariam a língua

portuguesa e alguns responderam que perguntaria por que é tão difícil. Perguntamos se a

aula estava sendo difícil, os alunos responderam que não. A leitura do texto foi bastante

proveitosa para que os alunos continuassem tendo contato com esse jogo de significados das

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palavras, agora em forma de texto. Faz-se importante destacar que nem todos os alunos

entendiam a pergunta de primeira, mas à medida que eles iam se interessando pelo texto

prestavam maior atenção, confirmando, assim, um dito popular que costumamos dizer aqui

no sertão que diz: “a melhor maneira de aprender é estar no assunto interessado”.

Concluímos que o objetivo da aula foi alcançado, pois, os alunos deram significados

criativos as palavras que desconheciam e após tomarem conhecimento das definições

dicionarizadas, continuaram valorizado as suas criações.

2.3 PENSAR A CRIATIVIDADE IMAGINATIVA QUE SE EXPRESSA ATRAVÉS DAS

PALAVRAS E DAS IMAGENS

O objetivo dessa quinta aula (13/09/18) foi perceber a criatividade que se expressa

por meio das palavras e das imagens. Para isso, utilizamos o Jornal das Miudezas, autoria de

André Gravatá. O jornal das miudezas, de André Gravatá. Esse jornal pauta-se em fazer um

retrato das pequenas coisas, acompanhado de uma manchete poética que fala sobre a

imagem fotografada.

Iniciamos perguntando se os discentes já haviam tido contato ou lido jornal. Alguns

falam que já viram. Então, começamos a mostrar os jornais tradicionais e solicitamos que

eles dissessem as características do jornal. Conforme os alunos diziam (notícias, papel,

imagens), íamos anotando-as em torno da palavra jornal que estava escrita no quadro,

fazendo assim, seu campo semântico.

Em seguida, perguntamos aos alunos o que significava a palavra miudeza e eles

ficaram na dúvida. Então, perguntamos sobre a palavra “miúdo” e os discentes respondem

que é uma coisa pequena, comentamos, portanto, que a definição da palavra miudeza é a

mesma que a de miúdo, isto é, algo pequeno, delicado. “porque a palavra miudeza vem do

tupi miudezí, que significa encantamento.” (GRAVATÁ, 2016). Logo, perguntamos como

seria um jornal das miudezas. Eles falaram que seria um jornal pequeno. Antes de

apresentarmos as manchetes de Gravatá, mostramos jornais tradicionais e os alunos iam

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confirmando o que havia dito sobre aqueles. Em seguida, começamos a mostrar as cinco

manchetes do jornal das miudezas, que estão em anexo. Algumas eles riram, outras geraram

reflexão. À medida que íamos mostrando as imagens e suas manchetes, íamos também

fazendo a interpretação.

• Você gostou dessa manchete, por qual motivo?

• A manchete trata sobre o quê?

• O que mais chamou a sua atenção nesse jornal das miudezas?

• A manchete é mais engraçada ou mais reflexiva, por qual motivo?

Como a aula estava próximo do termino, pois esta é a última aula do dia os alunos

saem mais cedo, não deu tempo de perguntar as diferenças entre os dois jornais. Mas os

alunos interpretaram muito bem as notícias do jornal das miudezas. Prova disso, eram as

discussões geradas, os exemplos que eles traziam do dia a dia. Na última imagem, ocultamos

a notícia e solicitamos que eles oralmente a noticiassem. Os alunos foram narrando a

manchete que fariam. Por fim, mostramos a manchete oficial da imagem, eles demostraram

surpresa e graça quando ouviram a notícia.

2.4 LEITURA, INTERPRETAÇÃO, PRODUÇÃO ESCRITA E ILUSTRATIVA DE

HAICAI.

Dessa sexta e sétima aulas (19/09/18) em diante, iniciaremos efetivamente o

processo de leitura e escrita, especialmente o de haicai. Nestas aulas em especifico, faremos

a leitura de dez haicais (poema de estrutura pequena, geralmente, com três versos) do livro

Outro silêncio, de Alice Ruiz para lermos em conjunto e os alunos terem um primeiro

contato com esse subgênero da poesia.

Para iniciar a aula, escrevemos no quadro o título outro silêncio e perguntamos aos

alunos o que significava esse outro silêncio para eles. Íamos instigando a participação,

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perguntando o que era silêncio? Onde e por qual motivo eles ficavam em silêncio? Se eles

gostavam do silêncio? Perguntamos qual história um livro que traz um título “outro silêncio”

poderia trazer.

Em seguida, entregamos as folhas com os haicais deste livro, ocorreu um imprevisto

e faltaram alguns exemplares. Por isso que alguns alunos ficaram em dupla.

Demos início a leitura e à medida que íamos lendo, solicitávamos que os discentes

fossem dizendo como eles visualizavam a paisagem que estava descrita no haicai. Essa

dinâmica foi muito proveitosa para ativar suas mentes a verem esse texto como palavras de

uma imagem, isto é, o haicai é como uma fotografia traduzida em palavras. Notamos que a

maioria dos discentes, conseguiram através da leitura criarem imagens mentais do que

haviam lido. Em seguida, quando terminamos a leitura dos 10 haicais, entregamos mais uma

folha com haicais para eles lerem sozinhos. Dessa vez, as folhas foram suficientes.

Após terminarem a leitura, perguntamos se havia semelhança entre os textos.

• Quais as temáticas que foram abordadas?

• Quais dos textos eram parecidos ou se havia textos semelhantes?

• Qual era o tamanho desse texto?

Quando os discentes perceberam que os textos eram iguais na estrutura. Dissemos

que ele tinha o nome de haicai. Então, perguntamos o que seria um haicai. Os discentes não

sabiam, mas utilizaram o método de comparação, semelhante ao que fizemos em aula

passada ao darmos significados a palavras desconhecidas. Então, falamos que haicai era um

tipo de poesia que a partir daquele dia passaríamos a conhecer melhor.

Solicitamos que eles escolhessem, dos haicais que haviam lido, os que tinham

gostado mais para compartilharem com os colegas. Então, uma aluna sugeriu que eles

fizessem um desenho do haicai que haviam escolhido. Como a ilustração estava no plano da

aula que havíamos preparado, achamos importante fazer com que a aluna sentisse autora da

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ideia. E os discentes com disposição, principalmente, os que estavam prestando atenção à

leitura, começaram a fazer suas ilustrações.

A aula estava próxima de terminar. Então, as ilustrações ficaram para a próxima aula.

Concluímos que está aula foi importante pois demos início oficialmente no trabalho com a

poesia haicaista.

2.5 PRATICAR A CRIATIVIDADE ILUSTRATIVAMENTE ATRAVÉS DO TEXTO

LIDO.

O tema da nossa oitava aula (20/09/18) foi ilustração de haicais – atividade esta que

alguns alunos deram início na aula passada, 19 de setembro.

Inicialmente, organizamos as carteiras da sala, colocando-as em fileiras, pois a sala

em quase todas as aulas costuma estar desorganizada. Além disso, para que os alunos não

ficassem em grupos e dispersos na aula, selecionamos lugares específicos para eles se

sentarem. Houve resistência, mas insistimos que eles se sentassem no lugar que havíamos

selecionado e eles se sentaram. Essa ação foi orientada pelo coordenador de estágio, em

reunião, com o intuito que haja a melhoria da atenção dos alunos na aula.

Em seguida, situamos os discentes na atividade e informamos que as ilustrações

deles fariam parte do livro da turma. Os alunos mais atentos abriram os cadernos para dar

continuidade, pintando, acrescentando novos desenhos às ilustrações que haviam iniciado na

aula anterior. Antes que os discentes começassem a primeira versão das ilustrações,

colocamos em cima do birô, para eles usarem, alguns materiais tais como lápis e canetas

coloridas, terra, estrelas de decoração, desenhos em molde, etc. Quando pensamos em

propor essa atividade, almejamos fazer com que os alunos deem asas a sua imaginação a

partir do que tenham lido no poema.

Alguns alunos gostavam bastante de desenhar outros diziam que não sabiam

desenhar e que iam pedir para o colega que tinha habilidade em fazer desenhos, mas

enfatizamos que cada aluno precisava ser autor de sua arte, o importante era tentar. Alguns

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perguntaram se podiam utilizar os moldes de imagens para criarem seus desenhos,

informamos que sim.

Com o adiantar da hora, a aula terminou. Então, avisamos que na próxima aula

daríamos continuidade a essa atividade eles demostraram animação. Provavelmente, pelo

momento lúdico que estávamos realizando.

2.6 LEITURA E ILUSTRAÇÃO DE HAICAIS PARA CONSTRUÇÃO DO LIVRO DA

TURMA

Nessa nona e décima aulas (21/10/18), o primeiro momento foi voltado para a leitura

dos haicais que havíamos entregado, no dia 19, para os alunos lerem sozinhos, mas, como

percebemos que nem todos os discentes fizeram isso, resolvemos fazer a leitura com eles

nesta aula. O segundo momento foi voltado para a continuação do processo de ilustração dos

haicais para a folha (página) que comporá o livro da turma.

Após organizarmos a sala, situamos os alunos para a atividade de leitura e, depois,

informamos que eles iriam passar para folha do livro, as ilustrações que fizeram. Repetimos

novamente que estas ilustrações feitas por eles iriam compor o livro de haicais da turma e

escrevemos no quadro o enunciado:

Transcreva e ilustre o haicai do livro O OUTRO SILÊNCIO que você mais gostou.

Posteriormente, as produções formarão um livro da turma.

Iniciamos a leitura dos haicais. O lado positivo é que a maioria da turma estava mais

centrada no momento da leitura do que em aulas anteriores. Após a leitura, informamos que

iríamos começar a passar as ilustrações para a folha oficial do livro para concluirmos essa

atividade.

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Assim sendo, colocamos o material (lápis e canetas coloridas, areia, etc) em cima do

birô e a cada um dos alunos, entregamos metade de uma folha de papel ofício, comunicando

que equivalia a página do livro da turma. Assim, começamos a (re)produção.

Em relação aos moldes que levamos, temos dúvida se em outra oportunidade de

trabalhar ilustrações de haicais, os levaremos novamente, pois, apesar de alguns moldes

terem funcionado como uma base para os nossos desenhos, para os alunos do 6º ano, pode

ser que tenham impedido de eles criarem. Entretanto, houve aluno que, assim como nós,

destravou sua vergonha de desenhar começando seu desenho a partir de um molde de um

animal e criando o resto da ilustração. Outros não quiseram os moldes criando um desenho

super autêntico ligado ao conteúdo do haicai e com imagens que eles gostavam de desenhar.

À medida que os alunos iam terminando suas ilustrações, íamos colando-as no

quadro com fita adesiva. Também colamos as nossas ilustrações, que fizemos em casa, com

o intuito dos alunos notarem que antes de passar esta atividade para eles, nós, professores,

também fizemos esse processo de criação. Os discentes comentavam que as ilustrações eram

lindas. Notamos que elas puderam impulsioná-los a verem e acreditarem que as ilustrações

de haicais podem ficar interessantes. Comentamos que com os discentes que esses desenhos

que eles acharam lindos, nasceram das palavras daqueles haicais que estávamos lendo.

No geral, a aula foi interessante, porque muitos dos alunos considerados

“trabalhosos” fizeram as ilustrações do haicai e disseram o motivo de terem feito tal

desenho, mesmo que alguns deles tenham imitado o desenho do amigo, no fim, souberam o

que significava. Isso é bom para um professor em formação, não só pelo fato de eles terem

cumprido a atividade, mas principalmente por a leitura e o processo de ilustrar o que leu, ter

feito “sentido” para os alunos, pelo menos aparentemente.

É preciso ressaltar que apesar de termos explicado de maneira simples a estrutura do

haicai, dizendo que é uma poesia expressada em apenas três versos (linhas) e escrito

exemplos na lousa. A metade dos alunos transcreveu fora da estrutura. Como estávamos

ajudando alguns discentes, que tinham dificuldade de leitura, a ler e a entender o haicai, não

ficamos enfatizando para que eles transcrevessem na estrutura. E como esse foi o primeiro

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contato, achamos mais relevante levá-los a experienciar o momento da leitura, Cosson

(2006).

No final da aula, todas as ilustrações estavam expostas no quadro e os alunos que

quiseram compartilhar disseram como foi o processo de imaginar a sua ilustração para o

haicai que mais gostou. Foi um momento significativo ver os alunos expondo seus processos

de criação. E, muito provavelmente, uns dos mais relevantes, visto que, estamos semeando

um processo de instigar nos discentes a criatividade, o gosto pela leitura através da poesia, e,

nesta aula tivemos um resultado concretamente positivo, que é a vontade dos alunos de

mostrarem o que desenharam e comunicarem como foi o desenvolvimento imaginativo da

sua ilustração. É importante destacar que na fala dos alunos havia a referência ao haicai que

lhes inspiraram criar a imagem.

2.7 PRODUÇÃO ESCRITA DE MANCHETES

Esta aula é voltada para escrever manchetes de jorna, no estilo da que vimos no

jornal das miudezas. Esse processo irá nós levar para produção de haicai, decidimos iniciar

com a manchete de jornal, pois vemos que esta é mais livre, principalmente na estrutura.

Para dar início a aula de hoje (26/09/18), organizamos as cadeiras da sala de aula. Em

seguida, situamos os alunos na atividade que iríamos realizar. Perguntamos se eles já haviam

brincado de jornalista e eles disseram que não. Então, indagamos se eles sabiam o que um

jornalista fazia e a metade da turma deu respostas, tais como: passa no jornal nacional, diz

notícia, escreve jornal. Aproveitando o “escreve jornal” dito por eles, perguntamos se

desejavam ser jornalistas por um dia e escreverem manchetes a partir de imagens. Mais da

metade da turma respondeu positivamente. A outra metade disse que não sabia escrever,

comentamos que nós os ajudaríamos.

Demos início à aula, a primeira fotografia que mostramos para os alunos, tirada pelo

haicaísta Leminski, tinha um cunho de crítica social. Levamos essa foto, porque houve uma

aula que mostramos algumas manchetes do “Jornal das Miudezas” que criticavam

singelamente alguns padrões sociais, os alunos gostaram e levantaram críticas construtivas e

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reflexivas diante dessas manchetes. Primeiro, mostramos a fotografia de Leminski que

estava em uma folha A4 para que os alunos dissessem o que viam naquela imagem e, após

isso ocorrer, solicitamos que a imagem fosse passada entre eles para que olhassem mais de

perto e tentassem escrever uma manchete para o que haviam visto. Os discentes começaram

a escrever; alguns perguntaram como escrevia tal palavra, outros viam perguntar se estava

bom o que escreveram, outros dois copiavam igual ao dos colegas. Para estes, perguntei o

que eles viam na foto e deram respostas diferentes e mais criativas do que as que haviam

imitado. Então, solicitei que escrevessem o que tinham me dito.

A segunda fotografia foi tirada por nós, professores em formação, dois dias antes

desta aula. Era um bode que estava amarrado por uma corda no pé de uma árvore próximo

da escola. O intuito era exemplificar a manchete de cunho cômico que criamos a partir da

imagem. Porém, quando mostramos aos alunos a foto e perguntamos o que eles tinham

visto, ouvimos respostas criativas deles e resolvemos mostrar a nossa manchete apenas no

final, porque assim eles iriam criar mais manchetes para a fotografia. E foi o que ocorreu; a

maioria dos alunos foi tendo ideias e as transcreveram para o caderno. No final mostramos a

nossa manchete, utilizamos a expressão “bode amarrado” usada em nossa região, que

significa, estar chateado, com raiva.

Extra! Extra!

Pessoa chateada amarra o bode numa árvore em plena rua.

E resta uma pergunta deixada pelo próprio bode:

Até quando ela ficará de bode amarado? Liberdade!

Os alunos acharam engraçada tal manchete, acreditamos que a maneira como foi

narrada contribuiu muito para esse resultado. Na metade dessa segunda aula, um funcionário

da escola veio informar aos alunos que estes fossem beber a água do bebedouro e não a que

os professores compravam. Os discentes reclamaram que o bebedouro estava fechado e que

só abriam na aula de educação física. O funcionário disse que só era eles pedirem que o local

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específico para os discentes tomarem água seria aberto. Após o funcionário sair, os alunos

demostraram revolta dizendo que o que ele havia falado não condizia com a realidade.

Com isso, tivemos uma ideia. Solicitamos que os alunos fizessem uma manchete

para essa situação que eles estavam enfrentando. Eles perguntaram se o texto a ser escrito

poderia ser um haicai. Respondemos positivamente e confessamos que gostamos muito

desta pergunta.

A turma começou a produzir, então, para instigar os que estavam com muita

dificuldade, escrevemos na lousa os dois primeiros versos do haicai e solicitamos que eles

escrevessem o último.

Bebedouro fechado

Alunos com sede

________________

Com o adiantar da hora, a aula terminou. Ao analisarmos o trabalho de hoje,

acreditamos que, se houvesse um datashow para projetar as fotos, seria melhor para

fazermos a análise. Entretanto, não havia, pois, neste dia, a escola não dispunha de cabos

para conectá-lo. Acredito que, apesar dos pontos que precisam ser melhorados, tais como, a

disponibilidade de equipamento (que não só a escola, mas nós como estagiários deveríamos

ter) e o comportamento de alguns alunos, a aula foi produtiva, pois os discentes que

praticaram a escrita criativa demostraram estarem gostando do momento. A ideia da

produção de um haicai refletindo a respeito da situação que estavam passando na escola foi

também um progresso. Foi um momento importante, porque sentimos que eles canalizaram

a revolta verbalizada para uma escrita criativa, organizada e concisa. Segue o haicai de um

dos alunos que estava com mais resistência para produção, ele escreveu no próprio quadro.

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Bebedouro fechado

Alunos com sede

Portão aberto

Os outros alunos gostaram. Refletimos sobre este haicai, pois havia nele mais de um

sentido. O primeiro: era da alegria que o último verso traz, pois os alunos iriam saciar sua

sede com a abertura do portão. O segundo sentido dizia respeito a caso a escola não

abrissem o portão do bebedouro, por falta de água o portão principal da escola iria ser aberto

para eles irem para suas casas. Notamos com isso que os alunos estavam realmente

evoluindo, deste o modo suscito de escrita à reflexão.

2.8 PRODUÇÃO ESCRITA DE HAICAIS

Essa décima terceira aula (27/09/18) foi voltada para a produção dos haicais dos

alunos. Nessa proposta eles irão trabalhar só com as suas imaginações, isto é, não levamos

imagens para inspirá-los. Antes de iniciar a produção, perguntamos se eles lembravam

como geralmente é a estrutura dos haicais. Três alunos disseram que era um poema pequeno

e a maioria deles tem três linhas.

Para dar início ao trabalho, fizemos quatro perguntas aos discentes para que eles

pensassem sobre elas:

• O que você mais gosta de fazer?

• Qual o dia da semana que você mais gosta?

• Qual o lugar que você mais gosta de ir?

• Qual parte do dia que você mais gosta?

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A partir dessas perguntas, fomos de carteira em carteira para instigar o aluno a pensar

e facilitar a organização do poema, apesar disso, cada palavra que eles utilizavam no haicai

vinham através dos seus pensamentos, isto é, não dizíamos as palavras ou a frase que eles

deveriam escrever, apenas fazíamos questionamentos para que subjetivamente eles se

expressassem, através de suas palavras o que desejava escrever. Alguns dos alunos quando

concluía seus haicais, sorriam, vinham animadamente nos mostrar seu poema. Estávamos

também felizes por eles e também por nós, pois acreditamos na magia da poesia que nos

transforma em seres melhores para nós mesmos e para o mundo, pois passamos a notar

“miudezas” que antes passavam desapercebidas. O mundo passa a ter mais beleza e sentido.

Um dos pontos mais positivos dessa aula foi um aluno que se descobriu um grande

admirador e produtor de haicais. Além de ter demostrado autodidatismo na escrita, visto que

grande parte de suas produções ele fez sozinho, seus haicais eram muito bons, criativos e

dinâmicos. É importante dizer que este aluno não era um dos considerados comportados e

atenciosos, mas desde o início das aulas de intervenção, ele demostrou interesse pelos

conteúdos e assuntos que abordamos. Por isso, costumamos dizer que é fundamental fazer

um plano de aula que, além de contribuir para o aprendizado do alunado, faça sentido, isto é,

instigue o aluno a se reinventar. Somos conscientes de que nosso trabalho pode não estar

atingindo a todos de maneira efetiva, mas só de darmos a oportunidade deles conhecerem

essa poesia é importante para o seus processos de aprendizagem com a leitura e escrita.

2.9 PERCEBER AS MIUDEZAS POÉTICAS QUE HÁ NA ESCOLA

Nas duas aulas de hoje (28/06/18), realizamos a experiência de caminhar pela escola,

com o intuito de possibilitar que os alunos tirassem fotografia de algo no âmbito escolar que

lhe chamasse atenção para fazerem um haicai dessa imagem. Essa dinâmica foi inspirada no

“Jornal das Miudezas”, de autoria de André Gravata.

Para iniciar a aula, situamos os alunos na atividade. Em seguida, exemplificamos

tirando uma foto da janela fechada da sala de aula e dissemos: “Extra! Extra! À tarde na

escola/ alunos com calor/ janelas fechadas. E resta uma pergunta deixada pela temperatura e

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pela janela: até quando eles vão aguentar?!”. Os alunos riram e ficaram animados,

principalmente, porque iriam fazer o passeio. Solicitamos que no nosso passeio, eles

ficassem próximos, e, quando vissem uma miudeza, solicitassem nosso celular para que eles

capturassem a imagem.

À medida que íamos caminhando, íamos também interagindo. Percebemos que os

alunos ficaram divididos entre os que estavam interessados em fotografar algo que lhe

chamou atenção e os que queriam somente aproveitar o passeio. Não vemos problema nesse

segundo grupo, mas como esse não era o objetivo central, eles não puderam participar

qualitativamente do segundo momento da atividade.

Nesse primeiro momento, a maioria dos alunos foi bastante ativa e perceptiva para

notar o que estava todos os dias embaixo dos pés deles ou encostado na parede, mas que eles

não haviam reparado antes. Eles demostraram surpresa com a ocorrência dessa nova

percepção que lhes ocorreram.

O segundo momento foi para eles construírem as manchetes/haicais a partir das

fotografias que tinham tirado. Nem todos os alunos fizeram efetivamente todo o processo,

isto é tirar a foto e escrever o haicai.

Foi notório que os alunos gostaram muito do passeio. E mesmo que todos não

tenham produzido. Curtir um passeio de verdade já é poético por si. Sabemos que isso não

tira a responsabilidade da atividade, mas também compreendemos que escrever poesia é um

processo de libertação e é preciso que eles sintam naturalmente a vontade para escrevê-la.

Na parte final da aula, solicitamos que passassem a limpo todas as manchetes/haicais

que haviam feito até o momento para nos entregar e se organizassem para compartilhar com

os colegas suas criações. Foi um momento interessante, alguns alunos tinham produzido

mais haicais outros menos. Alguns demostravam orgulho de suas produções, rindo muitas

das vezes com o que escreveram e fazendo seus colegas rirem também, a exemplo, de um

aluno que falou como era a sensação de descer uma ladeira em sua pequena bicicleta sem

freio.

Após o momento de os alunos compartilharem suas produções, perguntamos se

alguém que não havia realizado nenhuma das atividades de escrita desejava fazê-la.

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Faltavam poucos minutos para o intervalo, porém dois alunos levantaram a mão e nos

prontificamos a ajudá-los. O primeiro não tinha vindo na aula anterior. Então, fizemos as

mesmas perguntas da aula do dia 27 para ele pensar a respeito e construir sua poesia.

Perguntamos de que ele gostava, respondeu que não sabia. Sabendo que este aluno ouvia

música cuja temática era vaquejada, perguntamos se ele gostava de vaquejada, ele ficou

animado e disse que sim. Então, perguntamos qual horário ele preferia ir olhar a prática

desse esporte e ele respondeu à noite. Em seguida, perguntamos o que ele via lá e o aluno

disse que via o vaqueiro correndo atrás do boi. Indagamos sobre o que ele achava das

vaquejadas e obtivemos a seguinte resposta: “é bom”. Perguntamos, então, o que o cantor

Mano Walter, um conhecido cantor de música de vaquejada, diria de uma coisa muito boa.

Ele pensou e disse: “é show, papai”. Concluímos dizendo que ele poderia escrever tudo isso

que nos falou em apenas três linhas e quem lesse iria entender sem muitas explicações.

Indiquemos que ele escrevesse na primeira linha o período (manhã, tarde ou noite) que ele

gosta de ir à vaquejada; na segunda, o que ele via lá e, na terceira, o que achava de tudo isso.

Quando ele terminou de fazer este haicai, perguntou se poderia escrever outro e nós

respondemos positivamente. Então, o aluno disse que não sabia por onde começar.

Aconselhamos que ele falasse em três linhas o que tinha feito hoje de manhã, por exemplo.

Ele produziu. O resultado está no livro que fizemos com as produções da turma.

Com o segundo aluno que ainda não havia feito, mas desejava fazer a produção,

fizemos o mesmo processo. A diferença foi que ele gostava muito de vídeo game. Então,

perguntamos qual especificamente e o aluno respondeu. Como não conhecíamos o jogo,

perguntamos como era e ele deu algumas informações. Alguns dos seus colegas vieram

lanchar na sala, já que havia tocado para o intervalo, e comentaram que ele havia se

equivocado; a breve discussão girava em torno do personagem do jogo roubar por bem ou

por mal. O aluno tinha dito que era por bem, mas seus colegas o convenceram de que o

personagem não era tão bom assim. Foi um diálogo interessante. No final o haicai foi feito

em conjunto.

O livro produzido pelos dissentes ficou junto ao nosso relatório de estágio com o

professor da disciplina. Porém sabemos dá importância de haver um momento para festejar a

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produção desse livro (PAIVA, 2015). Para nossa próxima prática de trabalho com o haicai,

buscaremos fazer com que cada aluno produza o seu livro com ilustrações e produção escrita

de haicais, como também, faça a capa e costure-a, com o auxílio de nós professores.

CONSIDERAÇÔES FINAIS

Essa experiência, portanto, nos fez confirmar que o trabalho com a literatura, em

especial de leitura e escrita de haicais, é muito significativo para instigar a inspiração-

imaginação-criação dos educandos. Sentimos também que é imprescindível repensar o

trabalho docente, refletindo e almejando melhorá-lo para que possamos continuar

acreditando nas linguagens principalmente a literária como fonte de libertação para o

mundo, na reconstrução de sentidos. Além disso, consideramos ser o estágio supervisionado

de intervenção algo de muito valor no processo para formação de professores, pois foi

através dele que conseguimos além de trabalharmos efetivamente com o ensino, refletir a

respeito de nossas práticas.

REFERÊNCIAS

BORGES, I. A. A Prática de Leitura e Escrita para os Alunos do Ensino Médio: o uso

do haicai como incentivo. Os Desafios da Escola Pública Paranaense Na Perspectiva do

Professor PDE. Paraná, v.1, ISBN 978-85-8015-076-6, p. 3-18, 2013.

BRASIL/MEC. Parametros Curriculares Nacionais- Terceiro e Quarto Ciclos do

Ensino

Fundamental: Lingua Portuguesa. Brasilia: MEC/SEF, 1998.

COSSON, Rildo. Letramento literário: Teoria e prática. São Paulo: Contexto. 2006.

KELAFÁS, Eliana. Corpo a corpo com o texto na formação do leitor literário. São

Paulo: Autores Associados, 2012, p. 1-44.

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PAIVA, Ana Paula Mathias de. Professor criador: fabricando livros para a sala de aula.

Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 65 – 163.

PAZ, Octavio. O arco e a lira (Trad. Olga Savary). 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1982.

RUIZ S, Alice. Outro silêncio: haikais. 1ª ed. São Paulo: Boa Companhia, 2015.

VERISSIMO, Luis Fernando. Defenestração. In: VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias

para Ler na Escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 57-60

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

GRAVATÁ, André. Manifesto das miudezas. Publicado em 7 de Mar. de 2016.

Disponível em < https://andregravata.wordpress.com/>. Acesso em: 9 de ago. de 2018.

COUTO, Mia. Perguntas à língua portuguesa. Recanto das letras. Publicado em 7 de nov.

de 2011. Disponível em <https://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/3321778>.

Acesso em: 9 de ago. de 2018.

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ANEXOS:

Manchetes do Jornal das Miudezas, autoria de André Gravatá.

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LITERATURA DE AUTORIA FEMININA EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA

DE INTERVENÇÃO

Welson dos Anjos PEREIRA14

[email protected]

Universidade Estadual da Paraíba

RESUMO: Desde muito, o texto literário é utilizado na escola para fins vários, como a identificação de

categorias gramaticais que em nada tem a ver ou contribui para efetiva formação de leitores competentes,

muito menos leitores de literatura. É por saber disso e por acreditar que a literatura é um fator indispensável de

humanização (Candido, 2004) e ainda por acreditar ser possível resinificar a experiência literária em sala de

aula, é que trazemos a lume o presente trabalho que surge a partir da experiência de sala de aula realizada na

Escola Estadual Miguel Santa Cruz na cidade de Monteiro – PB e desenvolvida durante a disciplina de estagio

supervisionado na Universidade Estadual da Paraíba. Trata-se de uma proposta de intervenção voltado para o

9º ano do Ensino Fundamental baseado na leitura de textos de autoria e temática feminina.nos valeremos para

isso da leitura dos textos Uma galinha, Devaneio e Embriaguez Duma Rapariga e A imitação da rosa, ambos

escritos por Clarice Lispector e que refletem a respeito do feminino em contextos sociais e familiares. Para a

elaboração de tal proposta, baseamo-nos nas orientações teórico-metodológicas Candido (2004), Jouve (2012),

Cosson (2006) e Zilberman (2009), bem como o disposto nos documentos parametrizadores (PCN) do ensino

de nosso país e do Estado da Paraíba. Pretendemos com o nosso trabalho ajudar colegas professores que estão

comprometidos com o ensino de literatura para efetiva formação de leitores críticos e humanizados e possam

encontrar no nosso trabalho um caminho para isso.

Palavras-chave: Leitura Literária. Ensino de Literatura. Autoria feminina.

INTRODUÇÃO

Por muitos anos o trabalho com o texto literário na escola foi relegado ao

esquecimento em detrimento do ensino de gramática e redação, na maioria dos casos,

quando muito o texto literário é tomado como pretexto para se discutir análise gramatical ou

questões puramente linguísticas negando ao aluno a possibilidade de experiência

verdadeiramente o texto literário.

Nas academias muitos trabalhos tem refletido sobre a chamada crise do ensino de

literatura que ganha força principalmente a partir dos anos de 1980. A respeito das causas

que levaram a essa crise, muitas são as explicações possíveis, uma delas, segundo Zilberman

(2008) é que o ensino de literatura perde no início do século XX a sua eficácia ante as

aspirações de escola da classe burguesa que àquela altura pretendia um ensino voltado para

formação de mão de obra, uma escola tecnicista que não tem tempo para discutir questões

voltadas para formação humana.

14 Graduando em Licenciatura plena em Letras Português pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Campus VI e residente do Programa Residência Pedagógica.

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Para Cosson (2006), o trabalho com o texto literário perde espaço na escola ante a

multiplicidade de imagens e manifestações culturais que surgem com maior força nas

últimas décadas, segundo o autor,

Para muitos professores e estudiosos da área de letras, a literatura só se mantem na

escola por força da tradição e da inércia curricular, uma vez que a educação

literária é um produto do século XIX que já não tem razão de ser no século XXI. A

multiplicidade dos textos, a onipresença das imagens e a variedade de

manifestações culturais, entre tantas outras características da sociedade

contemporânea, são alguns dos argumentos que levam a recusa de um lugar à

literatura na escola atual (COSSON 2006, P. 20).

Se o trabalho com o texto literário canônico, está sendo deixado de lado pelos

professores em muitas escolas, o que dizer de textos de autoria feminina que refletem o

papel da mulher na sociedade? A escola não deve se furtar de seu objetivo de formar pessoas

críticas e conhecedoras de suas liberdades, direitos e deveres. Principalmente numa

sociedade machista e patriarcal como a nossa.

É pensando nestas questões que o presente trabalho pretende trazer a lume uma

proposta de intervenção para anos finais do Ensino Fundamental que toma o texto literário

para reflexão e experienciação, com vistas a humanização que a literatura é capaz de

proporcionar, tomando texto de autoria feminina que refletem a respeito das questões

femininas na sociedade. Este trabalho, embora não se trate de um relato de experiência,

nasce a partir do conjunto de atividades desenvolvidas numa escola da rede estadual de

ensino da cidade de Monteiro PB e que estão vinculadas a disciplina de estágio

supervisionado da Universidade Estadual da Paraíba.

Nosso objetivo é pois, apresentar uma proposta de intervenção que tome o texto

literário como centro da aula de literatura que possa ser experiênciado pelos aluno

promovendo uma reflexão que suscite o debate em relação à desigualdade de gênero

existentes em nossa sociedade, tema de grande relevância quando colocamos em perspectiva

o modelo de sociedade machista e patriarcal que está cristalizada até hoje e é uma das

principais causadoras de violências. Para tal, nos pautaremos nos pressupostos teóricos e

metodológicos de Cosson (2006), Candido (2004), Jouve (2012) e Zilberman (2009), para

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quem o trabalho com o texto literário é imprescindível para formação de leitores

competentes, bem como é instrumento efetivo de humanização.

Nosso trabalho está divido em quatro seções: a primeira, introdução, irá apresentar os

objetivos do trabalho e situar a pesquisa; a segunda está destinada apresentação da

fundamentação teórica; a terceira trata-se da apresentação da proposta de intervenção e, por

fim, a quarta é destinado às nossas considerações finais.

1 LITERATURA E ESCOLA

Nas últimas décadas vemos passando pelo que muitos estudiosos chamam de crise na

educação, esse crise perpassa por diversos conhecimentos que a escola oferta; a literatura

não se exclui dessa crise, na verdade ela é uma das mais afetadas. Por vezes é vista como

conhecimento secundário, ultrapassado ou desnecessário; com essa visão muitos professores

da educação básica, mesmo ela ainda estando presente nos currículos e livros didáticos,

acabam desprezando sua importância dando espaço ao que muitos consideram mais

importante: gramática e produção textual. E mesmo quando trazem a literatura à sala de

aula, faz para que os alunos aprendam sobre os estilos de época e escolas literárias sem ao

menos poder experiência a leitura efetiva de textos significativos para o que Cosson (2008)

nomeia de letramento literário.

Para o autor, a escola está permeada de letramentos que na sua esteira se referem a

um conjunto de práticas sociais que se realizam em sociedade tomando a leitura e escrita

para mobilizar processos de interação em contextos específicos. O letramento literário é um

desses letramentos dos quais a escola tem a função de mediar. Cosson (2006) afirma, no

entanto, que o letramento literário é diferenciado dos demais a medida que

Em primeiro lugar, o letramento literário é diferente dos outros tipos de letramento

porque a literatura ocupa um lugar único em relação à linguagem, ou seja, cabe à

literatura ‘[...] tornar o mundo compreensível transformando a sua materialidade

em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas’. Depois, o

letramento feito com textos literários proporciona um modo privilegiado de

inserção no mundo da escrita, posto que conduz ao domínio da palavra a partir

dela mesma. Finalmente, o letramento literário precisa da escola para se

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concretizar, isto é, ele demanda um processo educativo específico que a mera

prática de leitura de textos literários não consegue sozinha efetivar. (p. 17)

Essa efetivação do trabalho comprometido verdadeiramente com o

desenvolvimento do literário deve levar em consideração três momentos de realização de

processos metodológicos, nas palavras do autor

hoje é quase um consenso que o processo de leitura envolve três momentos ou

fases distintas: a pré-leitura – que são as antecipações, as previsões e tudo que

antecede e prepara o leitor para contato com o texto; a leitura efetiva do texto –

que compreende a decifração e a compreensão; e a interpretação – que é a

incorporação do lido à vida, o que o leitor faz com o que leu. (COSSON, 2011 p.

26).

Esses três momentos, segundo o autor, se referem a um processo cognitivo que é ao

mesmo tempo individual e social. É individual à medida que que é realizado pelo indivíduo,

e é social a medida que depende também de elementos que estão fora do indivíduo:

tanto no que se refere aos meios materiais, quanto aos discursos que informam a

construção de sentidos em uma sociedade, está centralizado em quatro elementos.

O primeiro deles é o texto que pode ser concebido em termos quase etimológicos

como uma tessitura, uma teia de sentidos registrada em signos. O segundo é o

autor entendido como o produtor do texto, aquele que propõe a teia para a leitura.

O terceiro é o leitor que se apropria do texto para atualizar os sentidos propostos.

O quarto é o contexto que se refere aos espaços em que o texto é atualizado, por

isso pode ser definido como o espaço que caminha com o texto (COSSON, 2008 p.

46).

À medida que o trabalho com o texto atende a esses procedimentos, irá promover entre

este e o aluno um diálogo que tende a ser profundo e significativo para o desenvolvimento

de estratégias de leitura e interpretação do texto literário que estão para além da pura

decifração tornando-se leitor competente, ou seja, aquele que:

[...] sabe selecionar, dentre os vários textos que circulam socialmente,

aqueles que podem atender a suas necessidades, conseguindo estabelecer

estratégias adequadas para abordar tais textos. O leitor competente é capaz

de ler as entrelinhas, identificando, a partir do que está escrito, elementos

implícitos, estabelecendo relações entre o texto e seus conhecimentos

prévios ou entre o texto e outros textos já lidos (BRASIL, 1998, p. 70).

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Tendo possibilitado ao aluno ser protagonista do seu desenvolvimento como leitor e,

consequentemente, à medida que se torna um cidadão “letrado” tem maior criticidade para

agir em sociedade. Esses momentos de introdução, leitura e interpretação ficam mais claros

quando postos em prática, é a isso que nos dedicamos na seção seguinte que trata da

proposta propriamente dita.

2 DIÁLOGOS EM SALA DE AULA

Nesta seção passamos a descrever a proposta de intervenção que está voltada

especialmente para os anos finais do Ensino Fundamental. Procuramos na formulação da

proposta estar em alinhamento com as orientações metodológicas sugeridas por Cosson

(2008) bem como o que pedem os documentos oficiais.

O primeiro momento se destina a atividade de motivação; que irá ajudar a introduzir

a temática e preparar os alunos para a leitura do texto. Essa atividade consiste basicamente

na criação de personagens de acordo com as profissões. Sendo assim, o professor irá pedir

para que os alunos descrevam em uma folha os perfis com idade, tipo físico e gênero das

profissões bombeiro, cirurgião, policial, piloto de avião, advogado e engenheiro, profissões

geralmente atribuídas a pessoas do sexo masculino, e professor dono de casa, babá e

enfermeiro, profissões geralmente atribuídas a pessoas do gênero feminino. Quando os

alunos terminarem, o professor irá pedir para que os alunos apresentem seus trabalhos e logo

após irá mostrar aos alunos fotos e/ou depoimentos de pessoas que, contrariando a

expectativa, exercem a profissão atribuída ao outro sexo. Essa dinâmica tem o objetivo de

evidenciar como a desigualdade de gênero, os estereótipos e o machismo que está enraizado

na sociedade.

No segundo momento se inicia a leitura de fato do texto. O primeiro a ser lido é o

conto “uma galinha” da escritora Clarice Lispector. Este texto irá trazer uma reflexão acerca

do modo pelo qual muitas vezes a mulher é vista, e outras vezes, a vida que ela está

condicionada; sempre servil e indefesa. Para que possamos atingir os objetivos da sequência,

optaremos por entregar aos alunos o texto impresso, mas, por enquanto, ele não estará

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completo. Pois durante a leitura haverá uma pausa interpretativa. Porém, antes da leitura é

importante refletirmos antes a respeitos dos elemento que compõem o texto para que os

alunos levantem hipóteses que possam ser verificadas ao fim da leitura, para isso iremos

explorar com os alunos o título do conto fazendo as seguintes perguntas: o que vocês acham

que o texto vai falar, qual o assunto do texto? Quais são as características de uma galinha? O

que vocês acham que vai acontecer com a galinha, vocês acham que o texto irá tratar de uma

galinha mesmo ou é apenas uma metáfora para se referir a outra coisa? Para guiar a aula o

professor irá pedir para que os alunos que se sintam à vontade para ler voluntariamente

comecem a leitura de modo que essa se torne colaborativa.

Terminada a leitura da primeira parte do texto, faremos uma reflexão do que foi visto

até aqui. O professor deve provocar os alunos com algumas perguntas:

Vocês gostaram do texto até aqui? Por que?

O que vocês acham que acontecer com a galinha? Ela vai ter um final

feliz? Por que?

O que vocês fariam se estivessem no lugar desta família?

Quais são as características da galinha que chamam sua atenção?

Após essa reflexão pode ser entregue aos aluno o restante do texto para que

eles leiam. Ao fim o professor irá fazer mais alguns questionamentos:

Gostaram do desfecho do texto? Por que?

Suas hipóteses estavam certas?

A autora, de fato, se refere a uma galinha mesmo ou é uma analogia?

Ela pode estar se referindo as mulheres de maneira geral?

Como a sociedade julga que sejam as mulheres?

Como muitas vezes as mulheres devem se comportar para não sofrerem

sansões da família ou da sociedade?

Vocês concordam com a visão da autora?

Além desses questionamentos orais faremos ainda uma atividade escrita que consiste

em produzir um texto a partir do seguinte enunciado: em sua opinião, como pode ser

explicado o fato de, no final, a galinha ter sido morta e ido para a panela, mesmo tendo sido

ela considerada "a rainha da casa"?

No terceiro momento será feita mais uma atividade de motivação intitulada de

“Porque tanta diferença”; o objetivo da dinâmica é proporcionar aos alunos que eles possam

trocar seus papeis de gênero se colocando no lugar do gênero oposto. Para isso a sala será

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dividida em seis grupos, os meninos teriam que discutir e produzir cartazes contendo as

vantagens e desvantagens de ser mulher, enquanto as meninas produziriam imagens textuais

sobre as vantagens e desvantagens de ser homem. Após cada grupo ter terminado é

momento de socializar com todos os resultados.

Após a motivação prosseguiremos com a leitura do conto Devaneio e Embriaguez

Duma Rapariga e, como no momento anterior, iremos explorar o título colocando-o na lousa e

pedindo para que os alunos façam inferências a partir dele, formando assim um campo

semântico a respeito das contribuições que eles deram a partir do título do conto (Cosson,

2006). Além disso o professor irá fazer algumas perguntas para cativar os alunos, como: o

que é uma rapariga? O que vocês acham que vai acontecer com ela? Vocês acham que irá se

tratar de uma história de amor? O que o adjetivo ‘embriagada’ sugere pra vocês no texto?

Após essa reflexão, começa a leitura. O professor pode começar a ler e depois pedir para que

os alunos façam essa leitura. Como se trata de um texto relativamente rápido e pequeno a

leitura pode ser de uma única vez. Após o termino é preciso que se discuta alguns aspectos

relevantes para compreensão do texto e para motivar e gerar o debate a esse respeito o

professor deve fazer o seguinte questionamento.

Trata-se de uma história de amor mesmo?

As hipóteses que vocês levantaram a partir do título foram confirmadas?

A mulher representada nesse conto tem alguma característica que possa

lembrar as características da “galinha” do conto que lemos anteriormente?

Ela aceita o que a sociedade lhe impõe?

Ela está passiva esperando as coisas acontecerem ou faz algo que pode

mudar seu modo de viver?

Vocês consideram que a personagem age conforme os ditames da

sociedade?

Porque vocês acham que o marido da “rapariga” preferiu acreditar que ela

estava doente?

Ela está feliz com seu casamento?

No texto a personagem acaba demonstrando interesse por outro homem

que não o seu marido, o que vocês pensam sobre isso?

E se a situação fosse oposta e fosse o marido que demonstrasse interesse

por outra mulher, vocês veriam isso de maneira diferente? Porque?

Vocês acham que as mulheres tem mais obrigações morais a cumprir que

os homens?

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No quarto momento iremos proceder como nos anteriores formando o campo

semântico em relação ao título do conto com vista de que os alunos possam fazer inferências

sobre o texto, além disso, essa atividade funciona como uma motivação para a leitura. Logo

após iremos iniciar a leitura do texto A imitação da rosa. Como se trata de um texto um

pouco mais longo é necessário que o professor faça algumas paradas para ajudar os alunos a

entenderem o texto. Após o termino alguns questionamentos são importantes:

Gostaram do texto? Porque?

Que parte mais chamou sua atenção?

Vocês se identificaram com os personagens? Quais?

Por que Laura e seu marido não tiveram filhos?

Sua rotina a afligia? Por que?

Qual era a sentimento que Laura tinha Carlota, sua amiga?

Por que vocês acham que ele resolveu presentear sua amiga com as flores?

O que essas flores representam?

Alguma hipótese que vocês levantaram a partir do título do texto se

confirmou?

Por que vocês acham que Laura estava tão feliz no dia que presentou sua

amiga com as flores?

Ao fim das atividades de leitura e reflexão, o professor deve discutir com os alunos a

respeito das desigualdades de gênero presentes na nossa sociedade e como elas estão

enraizadas nos atos mais pequenos que muitas vezes realizamos, para isso ele levará para a

sala de aula o vídeo “relações de gênero na escola disponível no canal Paulo Freire15

levando os alunos a perceberem as ações que eles praticam na própria escola que reforçam

essa desigualdade. Depois da exibição do vídeo o professor deve fazer alguns

questionamentos: as ações que o vídeo mostra como reforço das desigualdades nas escolas

acontecem na nossa escola? Vocês podem dar mais exemplos de desigualdades que podemos

encontrar na escola? Vocês tinham consciência de que o que acontece nesses atos relatos por

vocês reforçavam estereótipos e preconceitos? O que vocês acham que pode ser feito para

mudar isso? vamos dar uma volta pela escola para que vocês possam apontar se o que

acontece no vídeo se passa na escola de vocês?

15 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=y1fDkuGrJzw acesso em 25 de Abril de 2019

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Após a leitura dos textos e realização das atividades escritas é pertinente que façamos

uma atividade final que possa registrar e unificar a reflexão feita pelos alunos durante a

aplicação da sequência, esta consistirá basicamente na confecção de um varal da igualdade.

Para isso o professor deve fornecer material para confecção (barbante, lápis, folhas) aos

alanos e explicar a atividade. Essa confecção deve ser guiada pelo professor, para isso ele

explicará que os alunos podem escrever textos que ressaltem a igualdade de gênero, podem

ser frases, palavras de ordem, ou até mesmo pesquisas realizadas na internet (desde que o

professor supervisione), nesse caso o professor deverá levar os aluno a sala de informática

para que cada um possa escolher sua pesquisa e voltar a sala para confeccionar o varal. Após

a confecção o varal (ou os varais, dependendo do número de alunos) pode ser exposto na

sala de aula ou nos corredores da escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os desafios que impõem ao horizonte de quem se compromete com a educação de

qualidade, são muitos. No entanto, quando assumimos o compromisso com a educação de

nossos jovens, assumimos também a missão de formar o futuro de nossa espécie. Talvez

devêssemos nos perguntar enquanto professores que tipo de pessoas estamos formando.

Retomo aqui a epigrafe que abre o trabalho de Oliveira e Cecchetti (2010) em que os autores

transcrevem um bilhete de autoria desconhecida encontrado em muro de um campo de

concentração de Auschwitz anos depois do holocausto.

Sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum

homem poderia ver: câmaras de gás construídas por engenheiros formados,

crianças envenenadas por médicos diplomados, recém-nascidos mortos por

enfermeiras treinadas, mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de

colégios e universidades. Assim, tenho minhas suspeitas sobre a educação. Meu

pedido é: ajudem seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca

deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e

aritmética só são importantes para fazer nossas crianças mais humanas (KEIM,

2002, apud Oliveira e Cecchetti, 2010p. 69).

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Essas palavras são ao mesmo tempo emocionantes, e reflexivas. E alertam para o fato

de que é preciso que nós enquanto professores não esqueçamos a formação humana que

damos aos nossos alunos para que eles sejam sujeitos críticos e conhecedores de si próprios,

seus direitos e ou direitos do outro. A literatura pode ser um instrumento para isso por ser

fator de humanização (Candido, 2004), para isso é preciso que saibamos como o trabalho

com ela pode ser importante se afastado da visão imposta já pela tradição gramatical.

O proposta que hora apresentamos aqui demonstra que esse trabalho com o texto

literário é possível e viável; pela riqueza de manifestação e de temáticas a literatura pode

também servir de base para discussão de problemas sociais, como também apresentamos na

proposta; isso não quer dizer que é texto literário vira pretexto para essa discussão, ao

contrário ele é o meio pelo qual ela pode ser realizar e por isso também sua importância.

Para isso é preciso que o professor seja consciente da importância que ele dá a literatura,

concordamos, pois, com Todorov quando diz que

O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas das vias régias que

conduzem a relação pessoal de cada um. O caminho tomado atualmente pelo

ensino literário, que dá as costas a esse horizonte, arrisca-se a os conduzir a um

impasse – sem falar que dificilmente poderá ter como consequência o amor pela

literatura. (TODOROV, 2010, p. 33)

Sendo assim, esperamos que as reflexões que trazemos com o nosso trabalho sirva

para demonstrar aos nobres colegas que o trabalho com a literatura perpassa o simples uso

descontextualizado de frases para fins outros que não o de vivência do texto literário,

perpassa também o mero conhecimento de escolas literárias e estilos de época, se assumimos

isso, estaremos garantindo aos nossos alunos uma nova forma ensino que prepara acima de

tudo para ser humano.

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NAS FRONTEIRAS ENTRE A AUTORIA E O PLÁGIO À LUZ DA

NOÇÃO DE DIALOGISMO DE BAKHTIN

Maria Ladjane dos Santos Pereira (UNICAP/CAPES)

Resumo: No que tange às discussões em torno das noções de autoria não nos parece possível escapar das

singulares contribuições dos estudos de Bakhtin. No nosso trabalho, especialmente, não tratamos das questões

de autoria concernentes às polêmicas que permeiam as produções acadêmicas, ora atribuídas ao próprio, ora a

Voloshinov ou a Medvedev. Dessa forma, nosso principal objetivo é discutir as manifestações na relação entre

sujeito e linguagem, perpassando as noções de dialogismo, autoria e plágio, uma vez que este ocorre quando

não há uma marcação efetiva entre a palavra “própria” e a alheia. Para tanto, nos pautamos em duas obras que

trazem ao centro a noção de autoria, a saber: Estética da Criação Verbal (2003) e Problemas da Poética de

Dostoievski (2013). Esperamos com este breve ensaio trazer discussões pontuais sobre tais conceitos de modo

a contribuir para os estudos da linguagem.

Palavras-chave: Autoria. Plágio. dialogismo.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao que nos propomos neste trabalho, partimos do pressuposto de que ao tratar

questões de linguagem é imperativo pensá-la na relação entre esta e o sujeito por meio do

processo de interação. No que remete à perspectiva teórica que orienta tais discussões,

sobretudo, compartilhamos do que considera Faraco (2009, p. 88) ao tratar que “o tema do

autor e da autoria está presente, em maior ou menor grau, em quase todos os escritos

conhecidos de Bakhtin”.

Ao tomar a teoria dialógica como ponto de partida para as discussões em torno das

quais tratamos aqui, também nos sentimos representados no que Cunha (2011) nos indica ser

um desafio ao explorarmos tais questões, passadas mais de três décadas em que tal temática

aparece em numerosos trabalhos, “o desafio é ir além do já dito e mostrar o caráter

heurístico das propostas de Bakhtin (...)”.

Talvez não consigamos chegar ao ponto sugerido por Cunha. Também não

pretendemos esgotar as questões que permeiam a autoria e o plágio, pois seria ambicioso e

* Ensaio apresentado em cumprimento aos créditos da disciplina Tópicos Avançados ministrada pela Profa.

Dra. Dóris Arruda da Cunha, no Programa de Doutorado em Ciências da Linguagem pela Universidade

Católica de Pernambuco, no semestre 2018.2. ** Professora da Educação Básica, redes municipais de ensino de Arcoverde e Buíque; Mestra. E-mail:

[email protected].

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utópico para um trabalho dessa natureza. Nesse sentido, nosso principal objetivo é discutir

as manifestações na relação entre sujeito e linguagem, perpassando as noções de dialogismo,

autoria e plágio. Assim, partimos da premissa de que a concepção de linguagem que

predomina em Bakhtin, em toda a sua obra, é a interação verbal. E, assim sendo,

concordamos e defendemos que toda enunciação pressupõe uma interação, haja vista o fato

de que não há um enunciado isolado, dissociado do já dito e do que se venha a dizer, ainda

que se dê com alterações ou mudanças, sem desconsiderar a singularidade do ato

enunciativo.

Dessa forma, no intuito de discutir o fenômeno da autoria através das relações

dialógicas travadas nesse ato, organizamos este ensaio de modo que o primeiro tópico

explora as noções de autoria em linhas gerais e, especialmente, na obra de Bakhtin; o

segundo, por sua vez, enfoca a noção de dialogismo; adiante, tecemos algumas discussões

sobre o plágio em produções acadêmicas; e, por fim, fazemos algumas considerações, por

ora finais, mas que pretendem suscitar novas questões.

1 ÀS MARGENS DA AUTORIA: “A MORTE DO AUTOR”

Tratar questões de autoria sugere considerarmos o elo entre o sujeito e a linguagem,

tendo em vista que ambos são partes indissociáveis na enunciação. Além disso,

compreendemos que cada enunciado, apesar de ser único, não se dá desvinculado do que já

fora dito, nem do que ainda está para ser dito. Há uma relação de interação no interior do seu

fluxo histórico, fazendo com que o sujeito se constitua, por meio da assimilação das vozes

do outro e, ao mesmo tempo, das suas inter-relações dialógicas que, de modo consciente ou

não, remete-se a essas vozes para constituir novos enunciados.

Apesar do que este tópico pode sugerir a leitores propensos aos estudos literários,

especialmente no que se refere ao célebre ensaio A morte do autor, de Roland Barthes

(1967), nesta discussão, nos ancoramos em alguns conceitos que advém da teoria literária,

porém direcionamos nossos esforços em tratar a autoria pela óptica dos postulados

bakhtinianos. Arán (2014, p.5), por exemplo, sugere que “(...) se há alguém que pode ilustrar

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uma série de dilemas que se referem ao que consideramos autor em relação a uma obra esse

alguém é Bakhtin”.

Como já mencionado, não estarmos tratando da polêmica autoria de algumas obras,

interessa-nos, portanto, supor um autor percebido como um sujeito cotidiano que utiliza a

linguagem para a produção textual em um contexto específico, neste caso, a produção

acadêmica na universidade. Acrescentemos ainda que não pretendemos situar o texto como

algo singular, irrepetível, original, mas como resultado de um encontro dialógico organizado

que também se constitui por meio de uma relação dialógica com o outro. Nos termos de

Bakhtin, toda palavra é semiprópria/semialheia, uma vez que quando escrevemos ou falamos

trazemos elementos que resultam de algo que já lemos, presenciamos ou escutamos em outro

momento.

Para Bakhtin (2017, p. 37, itálicos do autor) “por palavra do outro (enunciado,

produção de discurso) eu entendo qualquer palavra de qualquer outra pessoa, dita ou escrita

na minha própria língua ou em qualquer outra língua, ou seja, é qualquer outra palavra não

minha”. E, com isso, nos questionamos, mas se tudo o que dizemos parte de algo já dito por

outrem, como pode se configurar a autoria? Talvez pensar uma resposta conclusiva à

questão seja ambicioso demais, uma vez que tal questão tem sido percebida por diferentes

prismas em diversos trabalhos.

Ao prosseguirmos, Bakhtin (2017, p. 42), “a questão do falante (do homem, do

sujeito do discurso, do autor do enunciado, etc.). A linguística conhece apenas o sistema da

língua e o texto. Entretanto, todo enunciado, até uma saudação padronizada, tem uma forma

de autor (e de destinatário)”. Dessa maneira, diante desse fio dialógico, ainda que de modo

ponderado, cabe-nos pensar que ainda não havendo uma palavra primeira ou última, cada

discurso traz em si as marcas do contexto do ato enunciativo em que ocorre, na relação que

se tece entre o autor e o seu interlocutor.

Sabemos ainda que as questões mais centrais sobre a autoria foram tratadas a partir

de algumas concepções provenientes da teoria literária. Em Problemas da Poética de

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Dostoiévski (2013)16, o romance é um gênero em que há uma composição de um conjunto de

vozes equivolentes. Com isso, surge o questionamento: onde fica a voz do autor? Na

tessitura textual, a multiplicidade de vozes dá autenticidade à polifonia, por meio de uma

síntese das vozes. Logo, o autor não pode ser posto sob uma condição de soberania sobre as

demais vozes.

De acordo com Arán (2014, p.11), “o autor deve se ‘colocar de fora’ e ver por fora

do mundo íntimo da personagem, ter esse excedente de visão que lhe permite compreender e

valorar a partir de outro lugar, inacessível à personagem”. Transpondo-se esse excerto para a

perspectiva do trabalho acadêmico, pensemos em um autor que, ao buscar fortalecer sua

fundamentação teórica, por exemplo, se distancia do próprio texto para assim buscar outras

vozes que corroborem o seu pensamento. Ciente de que estas outras vozes partem de uma

outra perspectiva e trazem consigo diferentes discursos, provenientes das mais diversas

situações comunicativas. Sobre isso, apresentamos de modo mais específico no tópico

subsequente.

2 A NOÇÃO DE DIALOGISMO DE BAKHTIN

Ao partirmos do pressuposto de que a linguagem também se forma por meio dessa

teia dialógica, a produção textual/discursiva de cada sujeito, seja numa perspectiva literária

ou fora dela, não se constitui apenas de uma única voz, mas, ao contrário, tende a partir de

múltiplas vozes. Dessa forma, a produção de um discurso não pode se dar exclusivamente

como originalmente de quem o proferiu, bem como quem escreve um artigo científico, por

exemplo, não será nunca seu autor máximo. Não defendemos com isso que o texto não traga

marcas singulares que confiram uma identidade a quem o escreveu, mas apontamos para o

fato de que tal discurso traz em si outras vozes, sejam elas marcadas ou não.

Nesse sentido, Cunha (2008, p. 112) ancorada nas reflexões de François (2006)

assevera que “não há palavra que seja primeira ou última nem limite para o contexto

16 Primeira edição data de 1929.

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dialógico, que se perde num passado e num futuro limitados (...)”. Se tomarmos como

referência essa perspectiva, percebemos que todo o discurso que se constrói nessa relação

excede os limites linguísticos, construindo-se a visão de um sujeito sócio-histórico que se

constitui por meio da linguagem.

Segundo Fiorin (2006) o dialogismo ocorre sempre entre discursos. O sujeito só

existe enquanto discurso. Em seus termos “há, pois, um embate de dois discursos: o do

locutor e o do interlocutor, o que significa que o dialogismo se dá sempre entre discursos”

(p. 166).

No que diz respeito a essa perspectiva dialógica, intrínseca à linguagem e a sua

relação com o sujeito na realização discursiva, Bakhtin nos aponta para o fato de que:

as relações dialógicas são extralinguísticas. Ao mesmo tempo, porém, não

podem ser separadas do campo do discurso, ou seja, da língua enquanto

fenômeno integral concreto. A linguagem só vive na comunicação

dialógica daqueles que a usam. É precisamente essa comunicação dialógica

que constitui o verdadeiro campo da vida da linguagem. Toda a vida da

linguagem, seja qual for o seu campo de emprego (a linguagem cotidiana, a

prática, a científica, a artística, etc.), está impregnada de relações

dialógicas (BAKHTIN, 2013, p. 212).

Logo, toda a realização humana mediada pela linguagem contempla a face do

dialogismo e assim o constitui. Transpondo-se em termos práticos, na construção deste

breve ensaio, proferimos discursos já ditos por outrem que, certamente, construiu tais

discursos a partir de outras relações de interação. E o que se estar para ser dito, decerto

levará consigo todas essas construções enunciativas de então.

Para Bakhtin (2015, p. 130), “em todos os cantos da vida e da criação ideológica

nosso discurso está repleto de palavras alheias, transmitidas em todos os diversos graus de

precisão e imparcialidade”. Dessa forma, percebemos que tudo o que produzimos não nos

surge de modo inédito. Talvez não façamos uma reprodução total do já dito, mas o que

dizemos, normalmente, parte da reflexão sobre o que já tenha sido produzido ao longo do

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processo histórico da sociedade em que diferentes sujeitos, em diferentes momentos,

motivados por diferentes circunstâncias, construíram.

Se trouxermos tais ponderações tendo em vista a construção do pensamento

científico, diversos estudos e descobertas aconteceram. Ainda que se tenha feito uma grande

descoberta, jamais “pensada” antes, supomos que esta não tenha surgido do nada. A

exemplo disso, na produção de textos acadêmicos temos a presença de um conteúdo

aparentemente monológico, em que não há um diálogo explícito dada a natureza da

composição do gênero, ou ainda um caráter mais estilístico do autor. Contudo, há uma

recorrência a buscar na sua construção argumentativa, fazer remissões a conhecimentos

anteriormente produzidos, sejam para ratificar o ponto de vista do autor ou para refutá-los. O

que parece estar no centro disso é a forma como o autor “orquestra” essas “vozes” que se

manifestam nesse discurso citado, como podemos associar ao que Bakhtin (2013) considera

que:

(...) a atividade de Dostoiésvki-autor se manifesta no fato de levar cada um

dos pontos de vista em debate a atingir força e profundidade máximas, ao

limite da capacidade de convencer. Ele procura revelar e desenvolver todas

as possibilidades semânticas jacentes naquele ponto de vista (...).

Dostoiévski sabia fazê-lo com intensidade excepcional. E essa atividade,

que aprofunda o pensamento alheio, só é possível à base de um tratamento

dialógico da consciência do outro, do ponto de vista do outro (BAKHTIN,

2013, p. 83).

Ainda que tal aspecto esteja relacionado à teoria do romance, se associado à

produção acadêmica, em que tendemos a buscar o conhecimento já construído para

fundamentar nossa leitura para novos fenômenos, na construção do texto acadêmico, o autor

precisa marcar o discurso alheio, quando posto de modo integral ou parafraseado de modo a

atribuir um tratamento dialógico do ponto de vista do outro. Quando desconsiderado isso,

temos a apropriação do discurso alheio de modo indevido, como tratamos no tópico que

segue.

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3 O ROMPIMENTO DAS RELAÇÕES DIALÓGICAS: O CASO DO PLÁGIO

Comecemos este tópico com um questionamento: se tudo o que dizemos constituiu-se

de nossas leituras, conversas e do já dito por alguém, o que eu posso chamar de plágio?

Por definição, o plágio pode ter duas acepções: “1 Ato ou efeito de plagiar. 2

Imitação de trabalho, geralmente intelectual, produzido por outrem” (MICHAELLIS, 2019).

Tomemos como referência a segunda que, por sua vez, direciona ao fato de alguém

“apropriar-se” do discurso de outrem, sem as devidas menções. Nos termos de Wachouicz e

Costa (2016, p. 110) “o plágio é essencialmente uma questão ética que consiste no ato de

tomar para si, de qualquer forma ou meio, uma obra intelectual de outra pessoa,

apresentando-a como de sua autoria”. Mais adiante, acrescentam ainda que “o plágio é a

antítese da autoria, viola os fundamentos da Propriedade Intelectual perante os Direitos

Humanos básicos que o criador possui sobre a sua obra” (p. 157, itálicos nossos).

Tal ato parece um tanto frequente quando nos referimos às pesquisas acadêmicas de

estudantes mais iniciantes. Talvez pelo fato de, em algumas circunstâncias, tornar-se

complexa a separação entre o eu e o outro. Contudo, na tessitura textual, para construir um

texto de fato dialógico, parece-nos necessário que sejam destacadas as presenças do outro a

fim de fortalecer o fio dialógico que agrega além dos elementos linguísticos, as condições de

produção dos discursos que trazem consigo sentidos que podem ser modificados ou ainda

ampliados quando postos em uma nova perspectiva.

Ao concebermos a ideia de que para não haver um rompimento da corrente dialógica

no interior dos discursos, quando nos referimos especialmente aos textos dos estudantes,

parece-nos necessário estabelecer um “tratamento dialógico” que, grosso modo, sugere que a

posição autoral construa essa relação dialógica entre os discursos, de modo que essas

relações apareçam bem definidas, entre as distintas posições.

Para Bakhtin, é possível que apareça “o discurso do outro em forma dissimulada, isto

é, sem quaisquer traços formais do discurso do outro” (BAKHTIN, 2015, p. 82), o que

Cunha (2010), ao explorar essa prática no gênero notícias, vem a chamar de “presença

diluída do outro no discurso do texto dialogado transformado em texto monologado

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190

demonstra que não há, em algumas partes do texto escrito, demarcação nítida entre as

vozes”. Transpondo-se isso à autoria quando tratamos do discurso acadêmico, por exemplo,

a não marcação do discurso de outrem, quando reportado ipsis litteris, pode denotar o que

viemos a denominar plágio.

No que diz respeito ao plágio, que fere a conduta moral a apropriação tomada para si

do discurso de outrem, tal qual constituiu-se em outro momento enunciativo, cujas

condições e contexto de produção são distintos, podem não contemplar o momento

enunciativo em que é replicado. Uma vez que, ainda que saibamos que o ato enunciativo é

único e, por assim ser, irrepetível; contudo, pode ser retomado e, talvez, até modificado.

Dessa forma, parece interessante que haja uma tentativa de reconstruir o contexto de

produção, trazendo as marcas linguísticas que denotem as condições em que aquele discurso

foi produzido. Feito isso, muito provavelmente, poderá estar sendo mantida a relação

dialógica entre esses discursos.

Ao retomarmos a questão que inicia o tópico, podemos considerar que a apropriação

se dá quando o sujeito atribui a si um dado discurso. Quando produzimos textos, sejam orais

ou escritos, trazemos em nosso discurso ideologias, termos compartilhados por diferentes

sujeitos, mas quando optamos por apresentar essas verdades discursivas recortadas do outro

sem atribuir-lhes um novo significado, decerto estamos rompendo a teia dialógica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como havíamos afirmado desde as considerações iniciais, não trouxemos respostas

conclusivas ou findamos qualquer discussão a ser feita em torno da autoria. Antes,

discutimos essa relação do discurso que parte de diferentes sujeitos que ocupam as mais

diversas posições enunciativas que, apesar de partirem de discursos pré-existentes, os

reconstroem, atuando como autores dos seus próprios dizeres, ainda que tragam uma

multiplicidade de vozes.

A questão central reside nesse limiar do que é do sujeito e o que é do outro. Se não

considerada essa fronteira, incorremos na apropriação indevida e dissimulada da palavra e

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da ideia alheia, sem que sejam postas nossas impressões e possamos recriar sentidos, não

apenas reproduzindo o já dito.

Finalizamos este breve ensaio, trazendo um excerto que resume essa questão da

autoria, de Furlanetto (2018) et all que diz:

Continuamos pensando na teia delicada que é tecida a partir do lugar da

autoria, com os regimes autorais envolvendo formas subjetivas em

alteridade, lendo, interpretando, retomando, produzindo, recriando –

ensaiando a própria morte enquanto a escrita se prolonga para deixar

cicatrizes de inacabamento. E tentando mais criar que repetir, já que

repetir, embora necessário, não abre caminho. Apesar disso, mantém o

caminho seguro, não o renega, não o apaga (FURLANETTO; RAUEN;

SIEBERT, 2018, p. 19).

O inacabamento parece pertencer à natureza dos discursos, uma vez que a

enunciação se dá de moto ativo e dinâmico, num fluxo contínuo, em que o sujeito constrói

seus discursos e atua na sua realidade histórica, interagindo e reconstruindo essa teia. Esse

sujeito, por sua vez, aparece imerso em uma sociedade em que há uma ampla circulação de

discursos, em diferentes meios, seja nas redes sociais, nos programas de TV, ou em

aplicativos cada vez mais versáteis. Então, parecem surgir novos pontos de visão para

encarar o fenômeno da autoria, que pode nos levar à necessidade de perceber o fenômeno da

interação a partir de outras perspectivas e a fronteira do que é a palavra própria e a palavra

alheia pode ser cada vez mais diluída.

REFERÊNCIAS

ARÁN, Pampa Olga. A questão do autor em Bakhtin / The Question of the Author in Bakhtin

/ La pregunta por el autor en Bajtín. Bakhtiniana, São Paulo, Número Especial: 4-25,

Jan./Jul. 2014.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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192

______. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução direta do russo por Paulo Bezerra.

Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

______. Teoria do Romance I: A Estilística. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Editora

34, 2015.

______. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Tradução Paulo Bezerra. São

Paulo: Editora 34, 2017.

CUNHA, D. A. C. Visitando a interação na prosa literária. Delta, 24:1, 2008, (p. 105-123).

______. O funcionamento dialógico em notícias e artigos de opinião. In: DIONÍSIO, A. P.;

MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (org.). Gêneros textuais e ensino. São Paulo:

Parábola Editorial, 2010. (p.179-193).

______. Formas de presença do outro na circulação dos discursos. Bakhtiniana, São Paulo,

v.1, n.5, p. 116-132, 1º semestre 2011.

FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias do Círculo de Bakhtin. São Paulo:

Parábola Editorial, 2009.

FIORIN, J. L. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, B (org.). Bakhtin: outros

conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.

FURLANETTO, M. M.; RAUEN, F. J.; SIEBERT, S. Plágio e autoplágio: desencontros

autorais. In: Linguagem em (Dis)curso. LemD, Tubarão, SC, v.18, n.1, p.11-19, jan./abr.

2018.

MICHAELIS. Dicionário on line. Editora Melhoramentos LTDA, 2019. Disponível em

http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=Pl%C3%A1gio. Acesso em

18/02/2019.

WACHOWICZ, M.; COSTA, J. A. F. Plágio acadêmico. E-book. Curitiba: Gedai

Publicações/UFPR, 2016.

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193

A CORRELACÃO ENTRE OBRAS LITERÁRIAS E OS ASPECTOS

RELIGIOSOS COMO FORMA DE ESTABELECER NOVOS

PARÂMETROS DE LEITURA.

Helen Suzandrey Maia Sousa17

RESUMO: A presente comunicação tem a intenção demonstrar um recorte da pesquisa dissertativa: Análise

transtexto-discursiva do conto machadiano A igreja do Diabo, para obtenção do título de Mestre, pela

Universidade do Estado do Pará-UEPA. Onde se estabeleceu a princípio um vasto diálogo sobre a campo

discursivo da literatura e seu papel em textos religiosos. Dada a importância de estabelecer relação entre a

Literatura e a Religião como um espaço plural que expressa a possibilidade de interpretação, dentro de uma

perspectiva contemporânea, neste sentido, estamos dando visibilidade para um lugar de fala acadêmico-

científico ainda pouco explorado. Diante da vasta literatura que aborda aspectos relacionados ao campo

disursivo das Ciências da Religião e que muito tem a dizer sobre o ser-humano e suas particularidades. Neste

sentido, foram levantados os conceitos de intertextualidade, paratextualidade e a relação transtexto-discursiva

da Literatura com os textos religiosos. Desta forma, buscamos ratificar constantemente a relação entre dois

universos distintos como forma de se estabelecer novos parâmetros de leitura. Já que a Literatura é a

compreensão da sociedade, a folhagem cultural de um povo, estrada pela qual se tem a compreensão de uma

cultura e que por apresentar elementos que estão diretamente relacionados ao ser humano tornou-se

transtemporal e pode ser entendida como forma de construção narrativa e discursiva de interpretações sobre a

vida no mundo.

Palavras-chave: Literatura. Religião. Transtexto- discursividade. Correlação. Machado de Assis.

1 RELIGIÃO COMO FONTE DE INSPIRAÇÃO PARA O TEXTO LITERÁRIO

O diálogo entre Religião e Literatura é conhecido no Brasil desde a década de 1990.

Pesquisas nesta interface têm sido desenvolvidas e podemos destacar o livro Teologia e

Literatura: reflexões teológicas a partir da antropologia contida nos romances de Jorge

Amado, de autoria de Antônio Manzatto18, que aguçou os estudos da literatura não religiosa

no meio teológico.

No texto introdutório Manzatto19 traz as possibilidades de interpretações do fazer

literário, visto que, para ele, a literatura é uma arte que, em geral, adquiriu importância

17 Doutoranda da Universidade de Coimbra- Portugal. Doutoramento em Literatura de Língua Portuguesa. Mestre em

Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Para (UEPA). Especialista em Estudos Linguísticos e Análise

Literária (UEPA). Graduada em Letras pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Professora efetiva da Secretaria de

Educação do Pará (Seduc-Pa). E-mail: [email protected]

18 MANZATTO, Antonio. Teologia e literatura: reflexão teológica a partir da antropologia de Jorge Amado.

São Paulo: Edições Loyola, 1994, p. 7. 19 Ibid, p, 5.

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impar na cultura, no entanto não foi vista pelos teólogos em todos os seus aspectos,

comprometendo assim sua condição de arte, que dentre outros aspectos, é a forma de

comunicação e expressão da sociedade e, consequentemente, do homem.

Manzatto refaz um caminho e constrói a ideia de que a literatura, por se tratar da arte

eminentemente simbólica, faz alusão ao real, apelando para significação, representação,

evocação, compreendendo, interpretando a vida e o ser humano, com isso se teve

equivocadamente uma compreensão inadequada sobre o fazer literário, pois o mesmo

representaria o que não é verdade, porém a verdade da literatura não representa o absoluto, a

realidade de fato, o histórico, mas sim a hermenêutica, a interpretação ao qual o artista

demonstra por meio de sua obra simbólica certa compreensão da vida, da sociedade e do

homem, esta compreensão perpassa pelo conceito de metáfora que, para ele, é a substituição

de ideias por analogias, sendo um discurso predominantemente simbólico, afirma:

É densa de conteúdos sociológicos, psicológicos, culturais, linguísticos, que se

expressam não por números ou conceitos, mas sim pelo imaginário que apela ao

vivido, à experiência. Mas é preciso notar que o ‘o imaginário é bem mais que o

imaginário. Engaja a existência do homem em todos os planos e em todos os

níveis. Pois, o que fazemos não é apenas sentir e aplaudir: participamos, através do

sinal que nos dirige a obra de imaginação, de uma impalpável sociedade uterina.

A imaginação tem um valor de forma de pensamento, tem o valor de

racionalidade, e revela sentimentos de um povo, pois ela é mais que um

documento histórico: a literatura é reveladora da sociedade e fala sempre do

humano, já que ela é, como foi dito, essencialmente antropocêntrica. (MANZATO, 1994, p. 7).

Assim, a partir das definições da importância da literatura para o homem e para

sociedade, o pesquisador introduz as suas percepções a cerca de um novo aspecto de leitura

do fazer teológico e literário, conceitos e implicações no campo científico, no qual haveria a

possibilidade de discussão entre fé e razão, pois é a condição existencial da teologia, sendo o

centro do debate, por isto a teologia tem um caráter eminentemente humano, humanista ou

mesmo antropológico. Já no que corresponde ao seu olhar sobre a literatura, Manzatto diz

que a literatura pode ajudar a completar a visão que se tem do homem, na medida em que ela

apresenta também uma compreensão do que significa do ser humano no mundo, ou seja,

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para ele, a literatura seria diferente da ciência, ressalta que isto não significa essencialmente

uma oposição entre a Literatura e a Ciência, mas sim, complementaridade. Ainda ao analisar

um romance da literatura brasileira admite que a literatura tem suas próprias leis, seus temas,

sua maneira de existir independentemente da teologia20.

Portanto Manzatto, ao analisar o romance Tenda dos Milagres, de Jorge Amado,

mesmo tendo um olhar teológico particular sobre os estudos ligados à compreensão da

análise literária do texto e de ressaltar sua importância, ainda sim, apresenta uma submissão

aos conceitos teológicos, pois não demonstra autonomia para as reflexões próprias, já que o

pesquisador se restringe a estabelecer o fazer literário a partir de três categorias teológicas:

revelação, tradição eclesial e o magistério eclesiástico. Mesmo com esta concepção, o autor

admite que a literatura é uma arte e a teologia uma ciência, elas tocam-se em vários sentidos

e em vários pontos, sendo o nível cultural um exemplo, o interesse antropológico outro.

Tento em vista que para ele a teologia é a ciência da fé, isto é, da reflexão sobre a fé de

maneira rigorosa, científica, inteligível, racional21. Ainda que de maneira embrionária as

pesquisas de Manzatto já nos impulsionam a estabelecer novos horizontes na busca de uma

leitura mais ampla dos textos literários e textos religiosos.

Seguindo o caminho pelo o qual nos propomos, ou seja, o de rastrear os estudos

sobre Religião e Literatura, ainda no panorama brasileiro, chegamos ao teólogo e cientista

da religião Antônio Carlos de Melo Magalhães, em seu livro Deus no espelho das palavras:

teologia e literatura em diálogo, declara ainda na introdução de sua obra que o Cristianismo

é a religião do livro, pois é desta maneira que se reafirma a condição de literatura22. Reitera a

posição do Cristianismo como literatura, tendo por si só uma enorme capacidade de

interpretação e produção, ocupando papel essencial da cultura ocidental.

Magalhães nos propõe o método da correspondência que, apesar de já ter sido um

novo olhar para os estudos entre a Literatura e a Região, ainda tem certa tendência a

20 Ibid, p, 13. 21 MAGALHÃES, A. C. de M. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. 2. ed. São

Paulo: Paulinas, 2009, p. 56. 22 Ibid, p. 9.

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valorizar a teologia sobre a literatura, já que nele os textos literários não religiosos devem ter

sua reciprocidade na Bíblia, engessando o fazer literário em sua acepção artística. Esta

subordinação da literatura em relação à teologia provoca um questionamento ligado às

questões imediatista, pois os elementos que constam na Bíblia ou da tradição cristã, como

pontuou Magalhães, devem refletir sua significação imediata na literatura não religiosa,

sendo assim, a literatura, para o teólogo, não tem autonomia para falar sobre o

transcendente, tendo em vista que só são reconhecidos e analisados elementos que estão

presentes na Bíblia. Diz:

É preciso libertar a literatura das amarras religiosas para que ela desempenhe

também sua função social e política, além de resguardar sua dignidade estética.

Para os artistas, não importa somente o aspecto social dessa crítica à ideologização

da fé cristã por meio de grupos de poder, mas também uma compreensão de

estética que cada vez mais vai firmando-se dentro de círculos literários: estéticas

não pode estar dissociada a crítica social, pois ela pode torna-se, assim como a

religião, porta-voz e sinal de formas de produção que desumanizam o ser humano

e aviltam sua dignidade. (MAGALHÃES, 2009, p. 56.)

Tanto Antônio Carlos Magalhães, quanto Antônio Manzatto acabam por subordinar a

literatura à teologia, no entanto, Magalhães avança no sentido de enfatizar a importância da

literatura e reconhece que Deus revela-se também através das palavras, sendo que para ele

“nenhuma palavra é mera realização de outra. Palavras se correspondem na força da

experiência, na precisão e alcance da nomeação e na coragem de escrever sobre o mistério

de nossas vidas23”.

Assim, vê-se, a partir das apresentações conceituais acima uma motivação para

perseguir a fronteira entre a Religião e a Literatura, nesta direção no ano de 2001, encontra-

se a pesquisa do professor Eli Brandão da Silva, tese que foi defendida na Universidade

Metodista de São Paulo (UMESP) e que tem como título O nascimento de Jesus-Severino no

auto de natal pernambucano como revelação poético-teológica da esperança: hermenêutica

transtexto-discursiva na ponte entre teologia e literatura. Este que nos traz um caminho

metodológico a ser recepcionado em nossa pesquisa, segundo ele os textos são uma

23 MAGALHÃES, A. C. de M. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. 2. ed. São

Paulo: Paulinas, 2009, p. 249.

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sobreposição de outros textos, e que no caso do texto literário, temos algumas vezes, o

palimpsesto de palimpsesto, e que no texto teológico temos sempre um palimpsesto24.

Silva reuniu sistematicamente algumas hipóteses que foram levantadas a partir da

compreensão entre os textos religiosos e não-religiosos, textos que, para ele, se cruzam,

foram traduzidos em temáticas, nos métodos de leitura, reescritura e na linguagem. Para

conduzir a pesquisa a partir daí, Silva reconhece:

Que a relação entre a teologia e literatura remonta às mitologias do mundo antigo e

que a linguagem na qual os prototextos teológicos estão configurados testificam

essa afiliação mais profunda; Que as obras literárias são passíveis de transportar

teologia explicita ou latente; Que, pela natureza própria da teologia, a imagem

literária se apresenta como via capaz de veicular os temas teológicos; Que os

trabalhos analisados, implicitamente, trazem métodos de leitura aplicáveis,

indistintamente, a textos literários e teológicos. ( SILVA, 2001, p.86)

Silva faz uma leitura transdisciplinar, seguindo em direção ao estruturalismo e a

hermenêutica para chegar ao método de leitura proposto, segundo o qual o objetivo é

construir este caminho a partir da aplicabilidade entre tecido-obra-objeto, onde se construirá

o encontro entre Religião e Literatura. O caminho percorrido pelo hermeneuta para chegar à

teoria que terá sua empregabilidade na análise textual em consonância às relações que

aproximam a religião da literatura, a partir da compreensão da teoria da transtextualidade ou

transcendência textual do texto, de Gérard Genette, o professor enfatiza seu caráter

sistematizador das possibilidades de relações que um texto pode estabelecer com outros

textos25, isto é, segundo a teoria da transtextualidade de Gerárd Genette, tudo que o coloca

em relação manifesta ou secreta com outros textos26.

Silva conclui que todo texto traz evidências de outros textos que submergem de

maneira clara ou não desde que, para isso, os mesmo estejam presentes na vida cultural do

leitor. Para se chegar ao método de leitura que pudesse orientar a dinâmica de interpretação

de textos religiosos e não religiosos o pesquisador reconhece a importância da hermenêutica,

24 SILVA, Eli Brandão da. O nascimento de Jesus-Severino no auto de natal pernambucano como revelação

poético-teológica da esperança: hermenêutica transtexto-discursiva na ponte entre teologia e literatura, 2001,

p. 273. 25 Ibid, p. 90. 26 GENETTE, Gerard. Palimpsestes. La littérature au second degré,1982, p. 07.

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sobretudo no texto escrito, pois para ele o trabalho hermenêutico estaria para o falar da

linguagem e da retomada de sentido.

A partir da compreensão metodológica que circunscreveu seu texto, Silva constrói

um percurso que o leva à análise dos textos, coloca em prática o método de leitura aplicável

e conclui que está diante do palimpsesto dos palimpsestos. Convencido disto ainda esclarece

que os textos são cheios de outros textos, sendo que no texto literário temos, algumas vezes,

o palimpsesto de palimpsestos, no entanto nos textos teológicos, temos sempre um

palimpsesto, visto que a teologia, por natureza, é reescritura dos seus prototextos

teológicos27. Sobre este aspecto Conceição, declara que a construção da ponte entre teologia

e literatura se fundamenta a partir de um processo de harmonização entre os textos dos

escritores e os textos cujo monopólio se restringe à tradição da Igreja (textos bíblicos) e

ainda reitera que os textos fundamentais da tradição literária ocidental possuem uma

dimensão de coopertença e de mutua cumplicidade em favor dos temas que dão sentido à

dimensão humana28.

2 CONEXÕES INTERTEXTUAIS NA PRODUÇÃO LITERÁRIA DE MACHADO

DE ASSIS

A fortuna crítica que envolve a literatura machadiana merece destaque dentro do

cenário de pesquisas em torno da relação entre Religião e Literatura, assunto que causou a

defesa de opiniões díspares no que diz respeito à presença da religião nas obras

machadianas. Faz-se necessário enfatizar a importância de alguns trabalhos acadêmicos que

se debruçaram em torno da concepção de um arcabouço intelectual formado a partir dos

textos de Machado de Assis. Uma das primeiras tentativas de se analisar a religião nas obras

de Machado se deu com o bispo Dom Hugo Bressane de Araújo, que ressalta, entre outras

coisas que, para Machado, a Bíblia não tem valor religioso, o que para Araújo é lamentável:

27 GENETTE, Gerard. Palimpsestes. La littérature au second degré,1982, p. 273. 28 CONCEIÇÃO, Douglas Rodrigues da. Teologias e Literaturas 3: aspectos religiosos em Machado de Assis.

São Paulo: Fonte Editorial, 2013, p. 56.

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Sem o lume da fé, a obra de Machado de Assis, profundamente humana, não é cristã29. Para

o religioso essa modalidade de pensamento é uma consequência lógica da ignorância da fé:

Era essa modalidade de pensamento uma consequência lógica da ignorância

religiosa, “que é o primeiro dos obstáculos intelectuais à conquista da fé, negativo

no seu conteúdo, mas nem por isso menos eficaz na sua ação descristianizadora. A

fé é uma adesão racional a um patrimônio de verdade. Desconhecer a sua

exposição autêntica, a sua concatenação interior, sua harmonia com as mais

profundas harmonias da alma humana; envolver nas sombras de um eclipse total

os motivos que a fundamentam e as provas que a justificam é tolher à adesão justa

e esclarecida. A ignorância em matéria de religião paralisa, na sua origem, o

movimento da alma para a fé”. (ARAÚJO, 1978, p. 38)

O trabalho de Araújo inaugura, mesmo que embrionariamente, os estudos em torno

da relação entre Religião e a Literatura30 em Machado. O livro foi lançado por ocasião do

centenário do nascimento de escritor carioca, no ano de 1939, obra que foi intitulada Os

Aspectos religiosos na obra de Machado de Assis. A maneira escolhida por Araújo para

analisar os aspectos religiosos se resume na tentativa de evidenciá-los a partir da

compreensão biográfica, ou seja, parte do pressuposto da experiência religiosa vivida por

Machado de Assis. As citações machadianas, apesar de reconhecidamente numerosas e

frequentes em seus textos, para Araújo, não falam sobre o transcendente, pois o fato de

Machado utilizar aspectos religiosos seria um artificio para representar verdadeiras e intimas

tragédias humanas31.

Apesar de ter motivado tão expressiva produção envolvendo o espaço machadiano,

por muito tempo as pesquisas não saíram da inércia, não trouxeram novos ares às produções

bibliográficas e, com isto, traçaram um caminho quase que irrefutável acerca da literatura

machadiana, a contribuição dessas pesquisas para dar folego aos estudos literários na

interface Religião e Literatura não passaram de correspondências entre o que diz a Bíblia e o

que diz Machado de Assis. Mesmo neste cenário existem pesquisas que estabeleceram novos

29 ARAÚJO, Hugo Bressane de. O aspecto religioso da obra de Machado de Assis. São Paulo: Paulinas, 1978,

p. 38. 30 Tema revisitado no ano de 1994, no livro Teologia e Literatura: reflexões teológicas a partir da

antropologia contida nos romances de Jorge Amado, de autoria de Antônio Manzatto. 31 CONCEIÇÃO, Douglas Rodrigues da. Teologias e Literaturas 3: aspectos religiosos em Machado de Assis,

p. 38.

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horizontes e desempenharam um papel importante para a análise da literatura machadiana,

conferindo uma visão mais hermenêutica.

Neste aspecto e na contramão dos estudos de Araújo, temos a pesquisa do cientista

da religião Douglas Rodrigues da Conceição que, em seu livro Teologias e Literaturas:

aspectos religiosos em Machado de Assis, organiza e fundamenta de maneira sistematizada a

evolução de pesquisas relacionadas ao tema, tendo por finalidade analisar os aspectos

religiosos nas obras de Machado de Assis, e que diante das discussões traçadas parte para a

compreensão antropológica da literatura machadiana.

Conceição apresenta um estudo detalhado em torno das pesquisas já consolidadas

sobre a relação entre Religião e Literatura, o que seria para ele, uma tarefa impossível de se

esgotar dada as inúmeras produções intelectuais que gravitam em torno do tema. O cientista

da religião, por sua vez, apresenta a metodologia hermenêutica de Paul Ricoeur, como um

caminho para análise dos textos de Machado de Assis, pois a maior parte das pesquisas

foram escritas na tensão entre teológica e literatura e presumiam a possibilidade de fazer

teologia ou de captar a transcendência nos textos literários, porém, para Conceição, não

caberia fazer da literatura um lugar teológico onde somente poder-se-ia ver determinados

traços de uma teologia imutável ou imagens religiosas cristalizadas em nossa tradição32. Esta

se trataria da grande reviravolta no discurso teológico, tendo em vista sua compreensão na

vida da humanidade e, consequentemente, de sua postura no mundo. Neste sentido, a

literatura não religiosa pode deixar a posição de subordinação que ocupou em relação à

literatura religiosa e ser palco de produção teológica autônoma, dinâmica e que reflete

questões histórico-culturais.

O professor, que tem a antropologia machadiana como alvo de sua pesquisa, enfatiza

que a busca pelo religioso nas diversas formas artísticas, antes de qualquer análise, precede

uma perspectiva hermenêutica, mas não estritamente33. Machado de Assis é objeto de estudo

de muitas pesquisas e por muito tempo se estabeleceu como critério de análise de seus textos

32 CONCEIÇÃO, Douglas Rodrigues da. Teologias e Literaturas 3: aspectos religiosos em Machado de Assis,

2007, p. 41. 33Ibid, p. 93.

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sua própria vida, fato contestado por Conceição, pois, para ele, é comprometedor coincidir a

vida de um autor com sua obra ou com questões que emergem de sua literatura, neste ponto

da pesquisa, ratifica seu compromisso com questões que afloram nas narrativas machadianas

e seus aspectos religiosos, tendo em vista a antropologia e o comportamento humano,

marcados pelas ações das personagens diante das aflições da humanidade:

Não nos caberá, portanto, produzir um exercício exegético que imprima sobre a

literatura machadiana aquilo que dela esperamos no que toca à questão religiosa.

Todavia caberá, a partir de medidas teóricas adequadas, dar voz ao seu campo de

sentido que, se visto sob os dilemas do mundo moderno, poderá expressar, de

forma particular, um olhar sobre o ser humano e suas experiências mais profundas.

(CONCEIÇÃO, 2007, p. 97)

Enfim, a pesquisa desenvolvida por Conceição, que versa sobre o sentido da finitude

que rodeia o ser humano e que nas obras Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás

Cubas a experiência religiosa, na primeira obra, está pautada na ambivalência e na

polissemia que são representadas com a perda do sentido de Deus e por outro lado pelo

surgimento de uma forma de transcendência que se dá nos limites da própria vida34. Já na

segunda obra a experiência esta localizada na concepção de que a vida é um espaço

intransitivo das manifestações religiosas, pois chama de religiosa a dimensão experiencial da

antropologia machadiana, aquilo que qualifica e caracteriza como algo extraordinário das

experiências da vida35, fortalecendo as suspeitas de vitalidade produzidas nos textos em

questão, pois a vida é compreendida a partir de todo esforço feito e vivenciado na maior

intensidade possível.

A partir desta constatação e de tantas outras análises feitas em seu livro, Conceição

constrói a teoria do homo vitalis, compreendida como um amor incondicional a vida

(vitalidade) que se apresenta como um fator de intensificação da própria vida36. O homo

vitalis seria um evento metafórico-enunciativo emergido no arcabouço estético da literatura

machadiana que nos exige tal enquadramento conceitual para uma compreensão um pouco

34 CONCEIÇÃO, Douglas Rodrigues da. Teologias e Literaturas 3: aspectos religiosos em Machado de Assis,

2007, p.135. 35 Ibid, p.139. 36 Ibid, p..157.

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mais alargada das expressões religiosas sob o ponto de vista antropológico, depois da

chamada morte de Deus37, isto se deve a importância que a vida tem e o sentido vital

construído pelo ser humano machadiano:

O homo vitalis é uma questão de sentido. Por se tratar de evento delineado pelo

discurso literário que atinge a realidade através de um processo de referenciação, o

homo vitalis não assumirá a tarefa de enquadrar ou de se propor como matriz da

expressão religiosas do ser humano do mundo tardomoderno. O homo vitalis e

suas singularidades são eventos discursivos produzidos pela força poética da

literatura machadiana. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 157)

A aplicabilidade do homo vitalis se dá a partir da compreensão de que a vida é

importante mesmo diante da expectativa da morte, isto ocorre principalmente no discurso

literário machadiano que é produzido pela força poética de seus personagens, tendo como

objeto de estudos a obra Memorias póstumas de Brás Cubas, Conceição enfatiza esta

vivacidade através do amor de Brás Cubas em relação à Marcela, pois este amor estaria no

plano de incondicionalidade, ele traz consigo a expectativa da morte, ou o senso de finitude

que é camuflado a partir da convicção de amor a vida, potencializado em torno do amor

perene que nutri por Marcela. E, portanto, o sentido da vida de Brás Cubas só teve pleno

significado quando admitiu que sua vida não deveria se condicionar a nenhuma dimensão

teleologicamente construída38. Consideramos que o trabalho desenvolvido por Conceição é

vanguardista no que tange à possibilidade de construção das pesquisas na interface entre

Literatura e Religião, sem subordinar um campo discursivo ao outro. Além disto, o trabalho

é uma prova prática de que o texto literário não religioso, em especial o Machadiano,

transborda reflexões teológicas sobre o ser humano e sua relação com o transcendente.

Na direção desta discussão, encontramos várias ruelas que são importantes para o

caminho desta pesquisa e, principalmente, para constatarmos a relação latente que há entre o

tema em questão, neste sentido o trabalho dissertativo de Fernando Machado Brum39,

intitulado; Literatura e Religião: estudo das referências religiosas na obra de Machado de

37,Ibid, p. 157. 38 Ibid, p. 135. 39BRUM, Fernando Machado. Literatura e Religião: estudos das referencias na obra de Machado de Assis.

Porto Alegre, 2009. p. 93

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Assis, na tentativa de relacionar religião com a literatura machadiana, dividiu seu texto em

duas partes. A primeira se estabeleceu a partir do plano histórico, ou seja, enfatizou o papel

da Igreja Católica no Brasil, o seu desenvolvimento e o perfil da formação intelectual de

Machado de Assis, este que, por sinal, nos chama atenção o valor biográfico que Brum

estabelece para formação religiosa machadiana. Segundo ele, Machado de Assis fora criado

dentro das tradições religiosas da família. O objetivo de sua pesquisa não está em descobrir

o credo de Machado e sim visitar os lugares de influência na formação religiosa que, por sua

vez, forjaram seu caráter e seu perfil intelecto-religioso, vale aqui ressaltar neste momento o

que o professor Conceição enfatizou que “fazer coincidir a biografia de um autor com os

temas e questões que emergem de sua literatura talvez seja um fator comprometedor da

relação de uma determinada expressão artística como obra de arte”40. Brum justifica:

Brás pode ser lido como uma corruptela de Brasil e, dessa forma, parece ser desejo

do autor que a sociedade reconheça-se nele como herói, ainda que às avessas,

fundador. Esta compreensão passa, e passava por entender qual o papel de Moisés

para o povo hebreu e isso era mais viável em uma sociedade que possivelmente

tinha na época uma familiaridade com o tema e os elementos e por razão poderia,

talvez, mais facilmente, compreender essa ironia. Já em Papeis avulsos é um livro

de contos estruturalmente muito radical publicado por Machado de Assis. Ocupa,

na narrativa curta, a importância que Memórias Póstumas de Brás Cubas, ocupa na

longa. A temática religiosa aqui é mais abundante na medida em que mais

personagens e mais referências se relacionam com esse universo. (BRUM, 2009, p.

105)

Apesar do notável esforço em estabelecer uma relação intertextual entre Religião e a

Literatura através das obras de Machado de Assis, a pesquisa de Fernando Brum teve seu

auge na descrição em torno das referências religiosas que constam nas obras, para ele

existem três tipos fundamentais de indicação de religiosidade em Machado, são elas: a

citação bíblica (séria ou irônica), a representação de personagens membros da hierarquia da

Igreja ou próximo a eles (bispos, padres, sacristãos, etc.) e, por fim, toda uma ordem de

referências a ritos e costumes, personalidades da vida da Igreja41. Percebe-se, através desta

40 Ibid,p. 94. 41 Ibid, p. 99.

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citação, que a grande preocupação de Brum, de fato, é fazer a descrição desses elementos,

deixando a desejar quanto a leitura hermenêutica dos textos.

Neste sentido Proença42 em sua tese de doutorado intitulada Sob o signo de caim: O

uso da Bíblia por Machado de Assis, em 2011, aborda o papel que a Bíblia desempenha na

construção e na sustentação das obras de Machado de Assis, segundo ele, esse olhar para o

passado, guiado pela Bíblia, é invariavelmente delimitado na obra machadiana. Para tecer

sua fundamentação teórica apropriou-se das teorias bakhtinianas de intertextualidade e

interdiscursividade, segundo o qual não aparece explicitamente na obra de Bakhtin, tendo

sido adotada por adaptação progressiva. Porém, enfatiza que apesar do conceito de

intertextualidade não aparecer de maneira clara no texto de Bakhtin, a noção de interdiscurso

submerge através do conceito de dialogismo. Baseado nesta teoria Proença considera que

todo discurso dialoga com outros discursos43. A intertextualidade e a interdiscursividade são,

segundo ele, os únicos caminhos para a linguagem tendo em vista que estes fenômenos são

observados nos textos de Machado de Assis por resgatarem e se apropriarem do discurso

bíblico.

Indiscutivelmente Machado de Assis é um dos autores brasileiros mais estudados nas

Universidades de todo o país, com opções temáticas que reúnem um arcabouço extenso de

assuntos ainda a serem explorados. Um desses caminhos é o da formação do personagem

Diabo, na interface entre a Literatura religiosa e a não religiosa. Seguindo nesta direção

chegamos aos trabalhos: As bem aventuranças nas versões de Borges, de Machado de Assis,

da Bíblia satânica de Anton Lavey e na versão ao mestre com carinho44 e A representação

do diabo no conto A igreja do diabo de Machado de Assis e no romance Grande Sertão:

42 PROENÇA, Paulo Sérgio de. Sob o signo de Caim: O uso da Bíblia por Machado de Assis. Tese.

Universidade de São Paulo (USP). 2011. 43 Ibid, p. 20. 44 FERRAZ, Salma. As bem-aventuranças nas versões de Borges, de Machado de Assis, da Bíblia satânica de

Anton Lavey e na versão ao mestre com carinho. In: O demoníaco na literatura. Campina Grande, Paraíba:

Eduepb, 2012, p.15.

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veredas de Guimaraes Rosa45, ambos contidos no livro: O Demoníaco na Literatura, além

do artigo O Bruxo do Cosme velho decretou a morte do diabo46. Em todos os casos nossa

escolha foi pelos trabalhos acadêmicos que, de alguma maneira, abarcam a presença da

personagem Diabo.

Diabo, Satã, Demônio, em que momento ele usa asas de anjo para pular das páginas

dos textos religiosos para os livros de textos não religiosos? A recepção do Diabo e suas

ressignificações na literatura ocidental vêm da tradição hebraica. A personagem tem origem

na cultura judaico-cristã, onde o cristianismo foi responsável pela sua divulgação. Segundo

Pfṻtzenreuter, a serpente é apenas uma das formas de constituição do Diabo no imaginário

cristão, além dela tem-se ainda: o bode expiatório, em Levítico; Satã, no Livro de Jó; o

Diabo, nos Evangelhos; e o Anjo Caído e seus heterônimos, no Apocalipse47. Salma Ferraz,

ainda em seu texto introdutório do Livro O Demoníaco na Literatura, diz que:

O demoníaco permite, portanto, esta fronteira do pensamento, esta linha tênue

entre o religioso, o literário, outras formas de criar e desenvolver o pensamento e

sedimentar as culturas. Se as figuras do Diabo, de Satanás são figuras

tradicionalmente religiosas, em grande parte, cultivadas e interpretadas na historia

das religiões, o demoníaco, por sua vez, estabelece uma fronteira criativa com

essas figurações do mal, mas também continua a constituir a criatividade em outras

tradições do pensamento, sem deixar de manter certo vínculo com as muitas

formas de sua representação na história da cultura, das civilizações e da religião.

(FERRAZ, 2012, p. 12)

O Diabo não mete medo em ninguém e é quase um membro da família brasileira,

traquino e astuto, basta ver as seguintes expressões comuns no Brasil: “Oh diacho”; “menino

encapetado”; “endiabrado”; “o diabo que te carregue”; “sai deste corpo que não te pertence”;

45 DA SILVA, Ricardo Gomes. A representação do diabo no conto A igreja do diabo de Machado de Assis e

no romance Grande Sertão: veredas de Guimaraes Rosa. In: O demoníaco na literatura. Campina Grande,

Paraíba: Eduepb, 2012, p. 255. 46 FERRAZ, Salma. O Bruxo do Cosme Velho decretou a morte do Diabo. In: As malasartes de Lúcifer: textos

críticos de teologia e literatura. 2011. p. 16 47 PFṺTZENREUTER, Filipe Marchioro. O diabo enquanto personagem literário em O bom diabo de

Monteiro Lobato e Belzebu.com, de Luis Fernando Verissimo. In: O demoníaco na literatura. Campina

Grande, Paraíba: Eduepb, 2012, p.64.

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etc.48. O Diabo se tornou, portanto, um personagem que saiu das páginas dos textos

religiosos para caminhar nas páginas da literatura.

Da Silva considera que, o Diabo ganhou uma “categoria de personagem” e não

simplesmente personagem, tendo em vista suas mais diversificadas aparições nos textos

literários. Para chegar a esta conclusão Da Silva busca sua justificativa a partir de diversos

“Diabos” existentes na literatura universal, porém, deu ênfase a dois personagem que

marcam a trajetórias de duas obras, o conto machadiano A igreja do diabo e a prosa de

Guimaraes Rosa em Grandes Sertões Veredas. Mas o que faz um Diabo ser diferente do

outro? Inicia sua pesquisa com a noção de representação, pois para ele a literatura tem uma

relação intrínseca com a representação, e nesta linha de raciocínio destaca que o Diabo,

enquanto entidade, representa algo que, por sua vez, faz a diferença da representação do

Diabo na Idade Media e na Modernidade, segundo ele na Idade Média o Diabo representou

algo a se temer e respeitar, já na Modernidade passou a se identificar e se compadecer49. A

partir desta constatação sobre as duas formas de se olhar os dois Diabos, o da Idade Média e

outra da Moderna, diferenciou as representações presentes nas duas obras analisadas. Para

ele, o Diabo de Machado presenta a modernidade deste personagem, enquanto que o Diabo

de Guimaraes Rosa é mais ligado às feições medievais.

O que há de moderno no Diabo de Machado está inteiramente ligado à formação dele

que, para Da Silva, se deve ao fato de ter como maior representação, ou melhor, como seu

pai maior o Mefistófeles de Goethe, segundo o qual possui, assim como no conto A igreja

do diabo um víeis alegórico e que concede ao personagem voz, forma, existência e contorno

quase humano. Porém, Marks50, em seu trabalho dissertativo Fausto e a representação do

Diabo na Literatura: um estudo comparativo da tradição fáustica em Guimarães Rosa,

Thomas Mann e Fiódor Dostoiévski, ressalta que apesar do elemento fantástico estar

presente em narrações nas quais o Diabo é uma personagem, esse elemento promove a

48 FERRAZ, Salma. O Bruxo do Cosme Velho decretou a morte do Diabo, 2012, p 32. 49 DA SILVA, Ricardo Gomes. A representação do diabo no conto A igreja do diabo de Machado de Assis e

no romance Grande Sertão: veredas de Guimaraes Rosa, p. 259. 50 MARKS, Maria Cecília. Fausto e a representação do Diabo na Literatura: um estudo comparativo da

tradição fáustica em Guimarães Rosa, Thomas Mann e Fiódor Dostoiévski. São Paulo, 2012.

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aproximação com o leitor na medida em que se reflete em crenças arraigadas, provenientes

de toda a tradição judaica cristã, em arquétipos da civilização que determinam o bem o mal

como conceitos que se contrapõem51, percebe-se que as duas definições se complementam,

pois ambas se estabelecem a partir da configuração alegórica da personagem Diabo.

Segundo Ferraz52, se houver uma observação atenta, o Diabo foi criado e formado a

partir do cristianismo já que, antes disto, não há nenhum menção clara ao Diabo no Antigo

Testamento, a não ser com outras nomenclaturas como a serpente em Adão e Eva, o bode

expiatório em Levítico 16 e mais a frente Satã no Livro de Jó, este que pareceu para ela

surpreendente, já que até então não havia aparecido nada que pudesse apontar em direção ao

Diabo. Nesta direção Nogueira, reitera:

Fenômeno de caráter essencialmente histórico, a compreensão de como se

estrutura a figura do Demônio no Ocidente cristão leva-nos necessariamente à

tradição religiosa hebraica, responsável pela gestação do Cristianismo. Este, como

religião dominante na coletividade ocidental, reuniu, sistematizou e determinou a

figura, as atitudes e a esfera de ação de nossa personagem: o Diabo. (NOGUEIRA,

1986, p. 59)

Ferraz enfatiza, entre outras coisas, que o conto machadiano A igreja do Diabo muito

se parece com o Livro bíblico de Jó e o Prólogo no Céu em Fausto de Goethe, no entanto,

no caso do conto o Diabo vai até Deus, não para fazer uma aposta, mas para informá-lo de

sua nova ideia: a de construir sua própria Igreja. Para Ferraz o conto machadiano é um

intertexto de Fausto53. Tendo em vista que o conto não passaria de mera presença efetiva de

um texto em outro, no entanto esta afirmação restringe o potencial de transição textual que

ocorre diversas vezes no texto Machadiano. Embora esta suspeita nos pareça real a que se

habilite a avaliar de que maneira esta relação entre (inter) textos foi concebida por Machado,

consideramos que mesmo com o esforço notório realizado pela pesquisadora, no que se

refere as possibilidades interpretativas, a pesquisa carece de um maior desdobramento no

51 Ibid, 24. 52 FERRAZ, Salma. O Bruxo do Cosme Velho decretou a morte do Diabo, p.20. 53 Ibid, p. 40.

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que tange os aspectos relacionados a composição, haja vista a importância de fomentar tal

debate e dar maior visibilidade ao diálogo entre Literatura e a Religião.

3 A INTERFACE ENTRE RELIGIÃO E LITERATURA

Existe uma disposição que reúne uma intrínseca relação entre texto e cultura, já que a

literatura é um dispositivo de acesso ao processo intertextual que relaciona narrativas entre

si, assim, é possível entender porque a ‘palavra literária’ não é o ponto (um sentido fixo),

mas um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de diversas escritas54, no qual os

textos se misturam entre si formando um verdadeiro mosaico, pois todo texto é absorção e

transformação de um outro texto. Isto explica, de certo modo, a compilação de trabalhos

que nos permitiram entender o conto A Igreja do Diabo, na interface entre Religião e

Literatura. Esta via de acesso foi estabelecida ainda com o professor Antônio Carlos

Magalhães, que ao nos apresentar o método da correspondência, já nos indica um novo olhar

para os estudos entre a Religião e a Literatura, mesmo com certa tendência a valorizar uma

doutrina teológica sobre a literatura, já nos traz um caminho de compreensão e análise que

corresponde à relação entre o texto literário e o texto religioso. Para ele a literatura vai, em

grande parte, assumir essa visão crítica que desconfia a capacidade estética da Igreja em

definir os critérios a partir dos quais as narrativas poderão ser construídas e contadas55.

Devemos concordar que a literatura não religiosa assume a responsabilidade de “falar”

explicitamente o que os textos religiosos falam implicitamente, daí a importância de analisar

os textos literários como produção teológica autônoma e mecanismo de leitura metodológica

para a compreensão dos textos.

Mas, se de alguma maneira esses autores já estabelecem tal vínculo, o que estaria tão

equivocado ao ponto de não percebermos de fato esta correlação entre textos considerados

religiosos e os textos literários? Talvez, seja a via de expectativas que estão

convencionando-os, já que para muitos pesquisadores, esta relação se estabelece unicamente

54 KRISTEVA, Julia. Introdução a semanálise. São Paulo: Perspectiva, 2012, p.140. 55 MAGALHÃES, Antônio. Deus no Espelho das Palavras: teologia e literatura em diálogo, 2009, p. 30.

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por meio de uma subordinação e não pelo equilíbrio de suas composições, já que ambas

pertencem ao gênero: texto. Desta forma, podemos ratificar a importância de estabelecer

essas possíveis conexões a partir da compreensão da relação entre Religião e Literatura, pois

abrange o diálogo e não cristaliza o discurso literário meramente em torno de

correspondências teológicas/cristãs baseadas apenas em condições dogmáticas.

O contexto das pesquisas em torno de relação transdisciplinar está cada vez mais

frequente, a presença de trabalhos de natureza acadêmica sobre as fronteiras entre os textos

literários religiosos e não religiosos são reconhecidamente uma área de pesquisa em

expansão. Estes estudos abrangem uma maior capacidade de compreensão na formação

desses textos, tais linguagens nos revelam uma nova perspectiva de natureza transtextual, ou

seja, de que ponto estes textos se cruzam e formam um novo texto e, consequentemente,

uma nova perspectiva de leitura? Vale lembrar que, para Conceição, não cabe à literatura

um lugar teológico onde somente poder-se-ia ver determinados traços de uma teologia

imutável ou imagens religiosas cristalizadas em nossa tradição56. Ressalta ainda a

importância de se ampliar as pesquisas em torno da literatura machadiana, tendo em vista

sua complexa dimensão artística, que expôs a falta de sentido que submerge na vida do

homem moderno:

Devemos nos voltar para a literatura machadiana buscando entende-la como

dimensão artística que antecipou, desvelou e expôs, por meio da ação criativa (por

meio de uma poética), a falta de sentido que era iminente ao mundo moderno. Ao

lado de uma mundo que silenciava o seu otimismo por meio dos processos

despotencializadores do ser humano enquanto dimensão autorreferente, emergia

também um mundo que desejamos chama-lo, sem delongas, de mundo sem Deus.

Se há um projeto estético no interior da literatura machadiana de antecipação de

algumas expressões do sem sentido, este projeto não silenciou o que poderia ser,

do ponto de vista de uma compreensão própria do ser humano e de sua posição no

mundo, um mundo sem Deus. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 104)

A relevância de inserir a discussão entre religião e literatura na obra de Machado de

Assis encontra-se no fato da presença constante de elementos ligados à cultura teológica em

suas obras. Desta forma, reiteramos que a dimensão religiosa acompanha os textos que

56 Ibid, 41.

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derivam, em parte, estabelecer relação com a cultura que emerge da tradição cristã. Como

exemplo prático da afirmação que acabamos de fazer podemos citar duas personagens do

conto A igreja do Diabo: Deus e o Diabo. Como bem afirmou Conceição em sua tese:

Machado de Assis não recriou a realidade por meio da linguagem literária, todavia a

antecipou, a revelou e pôs em evidência o desconhecido de forma autêntica com sua força de

expressão57. Diante de tão singular importância este trabalho propõe um olhar mais atento

para os estudos entre Literatura e Religião como ferramenta de compreensão e codificação

dos textos literários religiosos e não religiosos como uma possibilidade analítica e

compreensão de textos.

A exemplo da pesquisa do professor Eli Brandão da Silva que encontrou no texto

literário de João Cabral de Melo Neto, inspiração para compor seus estudos e estabeleceu

um novo parâmetro para análise de textos. Brandão nos fornece um caminho pelo qual nos

parece fundamental para elucidação e análise dos textos, pois para ele a compreensão ou a

percepção de um texto em outro pode estar mais ou menos explícitas, mas, para que haja a

identificação de uma relação intertextual é necessário que os mesmos façam parte do mesmo

universo cultural do leitor, justifica sua preocupação dizendo que a problemática da

interpretação textual emerge no interior de uma questão mais ampla, a que se refere à

linguagem de um modo geral, em particular, à linguagem escrita, que é ainda mais

desafiador quando se reconhece que estes textos são obras literárias e teológicas. Considera

ainda que o texto é um lugar onde se manifestam e se expressam as mais diversas relações

dos seres humanos58, e por que não dizer que o texto é uma composição dos mais diversos

sistemas culturais da humanidade? Esta importância segundo Silva se estabelece porque a

escrita contribuiu extraordinariamente para o enriquecimento do ser humano, ao

proporcionar-lhe um novo mundo distinto daquele em que habita, constituído pelas

referências dos textos que leu.

57 CONCEIÇÃO, Douglas Rodrigues da. Teologias e Literaturas 3: aspectos religiosos em Machado de Assis,

2007, p .88.

58 SILVA, Eli Brandão da. O nascimento de Jesus-Severino no auto de natal pernambucano como revelação

poético-teológica da esperança: hermenêutica transtexto-discursiva na ponte entre teologia e literatura. São

Bernardo do Campo, SP. Tese. Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), 2001, p, 106.

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É interessante perceber como Eli Brandão da Silva teve a preocupação de demonstrar

que a religião é um eixo muito significativo no desenvolvimento e composição de sua tese,

principalmente no horizonte hermenêutico, sendo a esperança o elo que revela a composição

poética-teológica da obra Cabralina, desta forma nos abre as cortinas de um cenário ainda

pouco explorado nesta relação entre Religião e Literatura, a partir da compreensão deste

método de leitura em que o próprio pesquisador enfatiza sua dimensão dizendo que só

devemos entrar no texto através dele mesmo59. Esta importância dada ao próprio texto nos

revela que para que se estabeleça uma relação “trans” dos textos, devemos mergulhar em

seus próprios enigmas, esta compreensão nos aponta para o conto machadiano A igreja do

Diabo, que fornece elementos de caráter paratextual que, além de se constituírem como

fonte identificadora, mantêm relações profundas com o texto, este que será um dispositivo

teórico metodológico para a compreensão da formação da narrativa machadiana, que de

certo modo, já nos convoca à uma visão antropologicamente mais ampla, porém o faz com a

consciência de que a religião é um dos instrumento de formação ideológica ou de limitação

do homem. Conseguimos deflagrar esta consciência machadiana quando de maneira

perturbadora a personagem Diabo vai pela última vez ao encontro de Deus questionando-a

sobre o comportamento humano, Deus também indaga e responde: — Que queres tu, meu

pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram

franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana60. Assim, este artigo

desenvolveu-se a partir das compreensões interpretativas que atuaram como referência para

as próximas e inesgotáveis discussões sobre a correlação entre obras literárias e os aspectos

religiosos como forma de estabelecer novos parâmetros de leitura.

59 Ibid, 18. 60 MACHADO DE ASSIS, J. M. A igreja do Diabo. In: Histórias sem data. São Paulo: Editora Globo, 1997, p.

11

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ALÉM DO PONTO DAQUELES DOIS: UMA LEITURA DA

HOMOAFETIVIDADE EM CONTOS DE CAIO FERNANDO ABREU

Bruno Bezerra dos Anjos61

RESUMO: Este artigo traz análises literárias acerca de dois dos principais contos com enredos homoafetivos

de Caio Fernando Abreu: Aqueles Dois e Além do Ponto. A relevância do tema está ligada ao atual momento

político e social brasileiro e às mais diversas lutas que a comunidade LQBTQI62 tem enfrentado ao longo do

tempo, tais como a de se ver presente em representações artísticas e culturais. Percebe-se que as questões que

afetam tal comunidade atualmente não diferem muito das que a afetaram nos anos 70 e 80. Sabe-se que há

muito de um autor numa obra e Caio Fernando Abreu proporciona reflexão nas mais diversas ações postas em

seus contos. Um aspecto visivelmente adotado pelo autor é o da normalização da relação de homoafetividade,

algo não muito visto nas tentativas de tratar da temática em algumas expressões literárias e artísticas, como as

telenovelas brasileiras durante os anos 2000, por exemplo. Casais de configuração homossexual sempre foram

remetidos, muitas vezes de forma direta, à sexualidade descarada e à transmissão de ISTs63, raramente sendo

observados pela ótica do sentimento genuíno apresentada nos contos de Abreu. Aqui, pretende-se

contextualizar os escritos de Abreu, situando-os nos correntes dias, sob a ótica de uma perspectiva de

preservação da temática em discussões acadêmicas.

Palavras-chave: Literatura LGBTQI. Caio Fernando Abreu. Literatura Brasileira.

INTRODUÇÃO

Uma alta parcela da sociedade segue tendo dois mitos arraigados em sua crença:

o primeiro, que a comunidade LGBTQI não é discriminada, que tal afirmativa não passa de

falácia, e o outro, que essa comunidade é nova, ou seja, “ser gay, lésbica, bissexual,

travesti, transexual, transgênero, queer ou intersex é um ‘costume’ da sociedade

contemporânea”. Este artigo traz reflexões literárias acerca desses e outros mitos que

perpetuam a história, partindo dos primórdios da humanidade até os dias mais próximos.

Abordaremos a literatura homoafetiva na obra de Caio Fernando Abreu, enfatizando dois de

seus contos, visando pensar o contexto no qual o autor estava inserido enquanto produzia

tais escritos. Raramente encontra-se muito dele em livros didáticos de língua portuguesa, o

61 Coordenador Pedagógico na Escola Júlio Tenório Cavalcanti e Articulador Municipal do Selo Unicef na

Prefeitura Municipal da Pedra; Graduado em Letras pela Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde;

[email protected] 62 Sigla utilizada para se referir à comunidade formada por gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais,

transgêneros, queers e intersex. 63 Sigla utilizada para se referir às Infecções Sexualmente Transmissíveis.

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que nos traz discussões políticas – uma vez que envolve a ideia de construção e exposição

dos sentimentos de uma classe até então marginalizada – e sociais – afinal nos

deparávamos com a forte repressão de uma ditadura militar que obrigava as minorias a

escreverem à sua maneira, calando desejos e personalidades – consistentes.

Uma vez que abordaremos enredos de configuração homossexual, é importante,

para melhor entendimento, trazermos a definição e a primeira forma de utilização do termo

“homossexual”:

“(...) por homossexual, entendemos a condição humana de um ser pessoal que, ao

nível de sexualidade, caracteriza-se desta peculiaridade de sentir-se constitutivamente

instalado na forma de expressão exclusiva com um parceiro do mesmo sexo”. (Vidal, 1985,

p.58)

“O termo homossexual foi criado em 1869, por uma médica húngara.

Apresentava- se apenas de maneira clínica, para explicar casos de pessoas que tinham

impulso sexual voltado para pessoas do mesmo sexo. (MENDES, 2007).

A organização estrutural do artigo inicia numa breve abordagem biográfica, com

foco no contexto histórico no qual Caio esteve inserido e culmina nas análises de Aqueles

Dois e Além do Ponto, dois contos do autor que tratam abertamente de questões

homoafetivas. A relevância do tema está ligada ao atual momento político e social brasileiro

e às mais diversas lutas que a comunidade tem enfrentado ao longo do tempo, tais como a

de se ver presente em representações artísticas e culturais.

1 CAIO FERNANDO ABREU

Nascido no sul do país, em Santiago – RS, numa manhã de setembro de 48, mais

precisamente às oito e quinze do dia 12, Caio Fernando Loureiro de Abreu era filho de um

militar apaixonado por literatura e uma professora, o que lhe expõe a um contato maior

com os livros. Caio mudou-se ainda jovem para Porto Alegre, onde publicou seus primeiros

contos. Chegou a ingressar nos cursos de Letras, pela Universidade Federal do Rio Grande

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do Sul, e, posteriormente, em Artes Dramáticas, mas abandonou ambos para se dedicar ao

trabalho jornalístico, em revistas e jornais.

Continuar escrevendo durante a ditadura militar (1964-1985) no Brasil, mesmo

tendo sua arte perseguida por órgãos como o DOPS (Departamento de Ordem Política e

Social) e o DCDP (Divisão de Censura de Diversões Públicas), era algo demasiado corajoso,

mas Caio Fernando Abreu foi um dos corajosos que seguiu expondo seu pensamento através

de sua obra. Em 1968, Abreu teve que se refugiar no sítio da amiga e escritora Hilda Hilst,

em São Paulo e em 1973, visando deixar tudo, viajou para a Europa, passeando pela

Espanha, Estocolmo, Amsterdã, Londres e Paris, retornando a Porto Alegre em 1974, não

cabendo mais na situação política brasileira. Caio estava com cabelos tingidos de vermelho,

usava brincos enormes nas orelhas e se vestia com batas de veludo. Em 1983, transferiu-se

para o Rio de Janeiro e em 1985 voltou a morar em São Paulo. Em 1994, convidado pela Casa

dos Escritores Estrangeiros, voltou à França.

Um fato curioso é que Caio Fernando não gostava do termo gay. Segundo relatos

de amigos e familiares, ele dizia não existir homossexualidade – e sim sexualidade, apenas.

Apesar disso, nunca escondeu sua condição, tratando com normalidade a afetividade humana,

independente da sua configuração de gênero. Mas no conto Além do Ponto (1982 – ainda no

período militar), Caio deixa nas entrelinhas que o amor entre dois homens deveria ser mantido

em segredo quando o eu-lírico diz “quem me via assim molhado não via nosso segredo, via

apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato

apertada contra o peito”. Abreu poderia muito bem ter escondido sua sexualidade, mas optou

– num ato de coragem – por encará-la com a mesma naturalidade com que qualquer

sexualidade heteronormativa é tratada.

Caio Fernando Abreu descobriu ser portador do vírus HIV em setembro de 1994,

o que o fez retornar a casa de seus pais. Pôs-se a cuidar de roseiras, encontrando sentido nas

formas mais delicadas da vida. Faleceu vítima do vírus, em 25 de fevereiro de 1996, no

Hospital Menino Deus, em Porto Alegre.

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1 AQUELES DOIS

Aqueles Dois é um conto presente na obra Morangos Mofados, quarto livro de

contos de Caio Fernando Abreu, e trata de dois rapazes (Raul e Saul) que se conhecem numa

empresa da qual fariam parte após a efetivação em cargos. A princípio, o contato existente

entre os dois se resumia a cumprimentos por mera educação, o que não ficaria por ali, uma

vez que viriam a trabalhar juntos, não apenas no mesmo setor, mas com mesas postas lado a

lado. Abreu traz características físicas dos personagens: Raul tinha trinta e um anos, acabara

de sair de um casamento fracassado, era moreno e de barba forte; Saul tinha vinte e nove,

cachos claros e olhos azuis, também era fruto de um relacionamento nada agradável e,

apesar de ter a mesma estatura de Raul, aparentava ser menor e mais frágil.

Os dois rapazes foram apresentados no primeiro dia de trabalho de cada um, mas

preferiram o afastamento, afinal não sabiam bem onde estavam pisando. Os primeiros contatos

não passavam de “oi, tudo bem?” e, no máximo, um “bom fim de semana” às sextas, mas algo

– além das nove horas diárias – aproximava aqueles dois. Raul e Saul não tinham outra opção

a não ser tornarem-se cada vez mais próximos... e foi o que aconteceu.

Dois rapazes sozinhos, sem ninguém naquela cidade, que ouviam as moças da

repartição elogiarem como ficavam bonitos quando juntos, não imaginavam (ou talvez sim)

em que resultaria essa estranha e secreta harmonia. É necessário atentar para o fato de nenhum

dos dois entenderem muito bem o que sentiam, o que não diminuía em nada a intensidade do

sentimento que estava sendo construído ao longo dos dias, mas ao mesmo tempo não os

tratavam como anormais ou diferentes. No trecho “não chegaram a usar palavras como

‘especial’, ‘diferente’ ou qualquer coisa assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido

no primeiro segundo do primeiro minuto. Acontece, porém, que não tinham preparo algum

para dar nome às emoções, nem mesmo para tentar entendê-las.”, Abreu (1982) confirma o

despreparo de Raul e Saul no que se refere às relações homoafetivas, embora algo no interior

dos dois já reconhecesse a necessidade da aproximação. Eles tinham consciência dos

sentimentos que estavam despertando, mas, apesar de não utilizarem palavras discriminatórias

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ao falarem disso, não possuíam conhecimento suficiente para lidar com as situações que

teriam que enfrentar.

E essas situações teriam tardado muito não fosse o estranho atraso de Saul, que,

respondendo a um bom dia, contou que o motivo do horário tardio havia sido um velho filme

que assistira durante a madrugada. Raul, na tentativa de amenizar a situação, perguntou qual

o nome do filme que teria sido causa da chegada apressada, quase às onze. Infâmia. Respondeu

Saul, imediatamente dizendo que ninguém conhecera. Não bastasse o destino ter colocado

‘aqueles dois’ lado a lado todos os dias, Raul não só conhecia o filme, como convidou o

parceiro para um café que não teve assunto que fugisse do enredo de Infâmia. Nos próximos

dias, outros filmes vieram e, consequentemente, histórias passadas e questões pessoais. A

intimidade e a saudade eram inevitáveis.

Desejaram, pela primeira vez, um em sua quitinete, outro na pensão, que o sábado

e o domingo caminhassem depressa para dobrar a curva da meia-noite e novamente desaguar

na manhã de segunda-feira quando, outra vez, se encontrariam para: um café. (ABREU,

1982).

A partir daí, encontros costumaram ser mais frequentes, a princípio de modo geral,

em bares, com a presença das moças com quem trabalhavam. Em uma das bebedeiras, Raul e

Saul comentaram, pela primeira vez, sobre o fracasso de seus relacionamentos e como

estavam cansados de todas as mulheres, exaltando o modelo de vida solitário e independente

no qual estavam vivendo ultimamente. No dia seguinte, Saul faltou ao trabalho sem dar

explicação alguma, tornando o dia de Raul inquieto e sobrecarregado de cafés e meio maço

de cigarros a mais. Os fins de semana longos fizeram Raul passar o seu número de telefone

para Saul, que, num domingo após o almoço, o visitou para um jantar que inevitavelmente fez

com que outros detalhes fossem desvendados.

Na segunda, nenhuma palavra sobre a noite anterior. As colegas de trabalho

observavam e comentavam o comportamento daqueles que, há cerca de seis meses, eram o

assunto de toda. Os telefonemas, almoços e jantares tornaram-se cada vez mais constantes;

numa noite chuvosa, Saul acabou dormindo no sofá de Raul. No dia seguinte, chegaram juntos

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e com os cabelos molhados no trabalho – motivo que serviu para aumentarem os comentários

sobre a aproximação daqueles dois.

No início de dezembro daquele ano, a mãe de Raul faleceu e ele precisou ficar

uma semana ausente. Saul, desorientado e vagando pelos corredores, esperava um único

telefonema... que não chegou. À noite, após muitas tentativas de dormir, teve um sonho:

[...] caminhava entre as pessoas da repartição, todas de preto, acusadoras. À

exceção de Raul, todo de branco, abrindo os braços para ele. Abraçados fortemente, e tão

próximos que um podia sentir o cheiro do outro. Acordou pensando, mas é ele que devia

estar de luto. (ABREU, 1982).

No trecho acima, confirmamos pensamentos que trazem a saudade como prova da

existência de sentimentos semelhantes ao amor. O sonho de Saul remete ao desejo, sucumbido

em sua mente, de afagar o outro, sentir seu cheiro e fazer dos dois corpos um. A narrativa

segue com a volta de Raul e um encontro que resultou no primeiro toque apaixonado entre

aqueles dois:

Quando Saul estava indo embora, começou a chorar. Sem saber ao certo o que

fazia, Saul estendeu a mão e, quando percebeu, seus dedos tinham tocado a barba crescida

de Raul. Sem tempo para compreenderem, abraçaram-se fortemente. E tão próximos que um

podia sentir o cheiro do outro: o de Raul, flor murcha, gaveta fechada; o de Saul, colônia de

barba, talco. Durou muito tempo. A mão de Saul tocava a barba de Raul, que passava os

dedos pelos caracóis miúdos do cabelo do outro. Não diziam nada. No silêncio era possível

ouvir uma torneira pingando longe. Tanto tempo durou que, quando Saul levou a mão ao

cinzeiro, o cigarro era apenas uma longa cinza [...] (ABREU, 1982).

Os toques, agora vistos de maneira diferente, tiveram uma pausa seguida de coisa

qualquer como eu não tenho mais ninguém e você tem a mim agora, para sempre. Os rapazes

perceberam que as coisas não estavam mais como antes (e talvez nunca estiveram diferentes).

Num ato de dificuldade de compreender certas situações, Saul caminhou por horas pelas ruas

desertas, em busca de respostas que possivelmente nunca viriam. Natal e réveillon se

aproximavam e os convites para festas continuaram sendo recusados por Raul e Saul, que

preferiam a dupla solidão. Na noite de trinta e um de dezembro, beberam até quase cair e,

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próximo a hora de dormir, olharam-se, nus, com toda a força que há no ato de despir-se ante

o outro. Elogios não faltaram aos corpos desnudos pouco antes de o contato se reduzir a brasa

acesa do cigarro.

Tudo estava prestes a mudar. Deslumbrados e apaixonados estavam que nem se

deram conta dos olhares e comentários que os acusavam o tempo todo. Quando janeiro

começou, com férias já planejadas – em conjunto, é claro – o chefe da seção os convidou a

irem à sua sala, no horário de meio-dia:

[...] foi direto ao assunto. Tinha recebido algumas cartas anônimas. Recusou-se a

mostra-las. Pálidos, ouviram expressões como ‘relação anormal e ostensiva’,

‘desenvergonhada aberração’, ‘comportamento doentio’, ‘psicologia deformada’, sempre

assinadas por Um Atento Guardião da Moral. (ABREU, 1982).

Raul e Saul eram alvo de alguém que se julgava guardião da moral. Quantos até

hoje não são apontados pelos inúmeros guardiões da moral? Quantos não escutam as

mesmas expressões? São quase quarenta anos desde a publicação do conto, e pouca coisa

mudou – talvez as expressões, talvez o modo de ataque – mas seguem presentes, apontando

e julgando o comportamento alheio. Não havia outra saída que não fosse a demissão. A fala

do chefe continuou com frases de efeito como a-reputação-de-nossa-empresa e os-senhores-

estão- despedidos.

Caio Fernando Abreu encerra o conto com a arrumação das gavetas de Raul e Saul

e a cumplicidade dos dois ao descerem pelo elevador até o térreo, observados sempre pelos

que, como o próprio autor colocou, não conseguiram mais trabalhar em paz por terem a

nítida sensação de que seriam infelizes para sempre – e foram.

2 ALÉM DO PONTO

Além do ponto é um conto breve, se comparado ao texto de Aqueles Dois, mas de

muita complexidade, o que traz diversas interpretações a cada leitura feita. O texto é narrado

em primeira pessoa, pela ótica de um dos personagens, e é iniciado com uma forte chuva e um

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homem que a enfrentara em busca de uma paixão. Durante a narrativa, são dados detalhes

como embriaguez, vício em cigarros e a presença frequente em bares, todos ligados ao

narrador, que segue, bêbado e solitário, caminhando pelas ruas quase desertas.

Os traços afetivos também aparecem logo nas primeiras linhas, quando o rapaz se

mostra preocupado com a imagem que o outro terá dele. Abreu (2009) trouxe um homem que

não queria gastar os últimos trocados em cigarros e bebidas para não parecer sem dinheiro;

aflito por chegar bêbado ao seu destino; cauteloso ao sorrir, pois havia quebrado um dente,

mas não desejava transparecer relaxado por não ir ao dentista; e atento as olheiras, para não

se mostrar insone. Tratava-se de alguém apaixonado escondendo aquilo que julgava ser

defeitos e percebendo, ainda na chuva, que ocultar aquilo tudo era ocultar-se.

Esses pensamentos fizeram com que o narrador percebesse, em meio a um

desgosto, que escondendo todas essas características, ele estaria escondendo sua identidade.

Pensou em desistir da missão amorosa, se viu confuso com seus pensamentos e o estado no

qual se encontrava:

[...] tentava atravessar sem conseguir [...], mas eu não podia, ou podia mas não devia,

ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha

que continuar indo ao encontro dele, ou podia mas não queria ou não sabia mais

como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele.

(ABREU, 2009).

Existia, porém, um sentimento mais forte, chamado pelo rapaz de ‘ponto’, que o

impedira de parar, que fazia com que ele perdesse o comando do próprio corpo. A curiosidade

o fez seguir em busca do que havia além do tal ponto. O incerto, o obscuro e o desejo

diminuíram o peso das dificuldades que em algum momento foram motivo de uma possível

desistência.

Faz-se necessário atentar para o fato de que o eu lírico menciona – mais de uma

vez – a reciprocidade por parte do seu amado. Ao longo do conto, encontram-se trechos que

fazem com que o leitor subentenda que a caminhada é iniciada apenas quando um convite é

feito, o que se confirma no trecho:

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223

Então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa

tipo ‘mas como você está molhado’, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me

chamava, eu só ia indo porque ele me chamava. (ABREU, 2009, grifo meu).

O personagem segue sua narrativa nos lembrando que quem o via molhado não

enxergava o segredo que ali estava oculto, reiterando a paixão mútua entre ele – que esteve

em busca – e o outro – que esteve esperando. Mais adiante, menciona uma porta, aquela na

qual bateria, seu alvo de sempre, e é a partir daí que as estranhezas têm início: [...] porque

esse era o meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia

agora. E bati, bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as

pessoas na rua parassem. (ABREU, 2009).

Não havia outro destino que não fosse aquele. Uma predestinação? Uma

exclusividade de sentido. Alguns fatos relevantes seguiram sendo exportados: “Eu quis

chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez eu o soube, se é que ele o teve

um dia. [...] eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra

coisa, outra ação, outro gesto”. (ABREU, 2009).

Nesse trecho, é possível perceber o questionamento acerca do sentimento da

projeção que se tinha do outro e, mais além, a dúvida se alguma vez o tal amor chegou a existir.

Percebe- se, ainda, que há profunda tristeza do narrador-personagem ao deparar-se com a

realidade da falência dos planos, principalmente por eles serem únicos.

O texto é encerrado deixando uma dúvida que possibilita inúmeras interpretações.

Caio Fernando faz uso do verbo bater, empregado no gerúndio, exatamente treze vezes, para

enfatizar a insistência do personagem em continuar lutando pelo amor que, agora percebemos,

por algum motivo não é correspondido. Eis as dúvidas. O que faria com que tal sentimento

não fosse recíproco? Seria um amor platônico? Mas qual o motivo de falar com tanta

segurança sobre um amor mutual? Estaria Abreu utilizando “o outro” como metáfora para

fazer com que percebêssemos que há, em nós, mais de um eu? Possibilidades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que as questões que afetam a comunidade LGBTQI nos dias atuais não

difere muito das que a afetaram nos anos 70 e 80. Sabe-se que há muito de um autor numa

obra e Caio Fernando Abreu proporciona reflexão nas mais diversas ações postas em seus

contos: desde personagens que sofrem por não entender quem são, até os que se esconderam

em relacionamentos fracassados para, talvez, fugirem do foco do preconceito sofrido por

quem foge do padrão heteronormativo exigido pela sociedade, passando pelos encontros às

escondidas que trazem aceleração no peito e o tão temido friozinho na barriga. Ao mesmo

tempo, nota-se farta a quantidade de vezes que as personagens de Caio tiveram que passar por

situações preconceituosas e discriminatórias. Serem demitidos pela aproximação que tiveram

e serem vítimas de alguém que se julga guardião da moral é algo demasiado corriqueiro na

luta que gays, lésbicas e travestis têm que travar se quiserem ser reconhecidos enquanto

cidadãos.

Um aspecto visivelmente adotado por Abreu é o da normalização da relação de

homoafetividade, algo não muito visto nas tentativas de tratar da temática em telenovelas

brasileiras durante os anos 2000, por exemplo. Casais de configuração homossexual sempre

foram remetidos, muitas vezes de forma direta, à sexualidade descarada e à transmissão de

ISTs, raramente sendo observados pela ótica do sentimento genuíno apresentada nos contos

de Abreu.

REFERÊNCIAS

ABREU. Caio Fernando. Além do ponto e outros contos. São Paulo: Ática, 2009. ABREU.

Caio Fernando. Morangos mofados: além do ponto. Porto Alegre: Agir, 1982.

MENDES, Sandra. Homossexualidade: a concepção de Michel Foucault em contraponto ao

conhecimento neurofisiológico do século XXI. Revista de Psicologia. São Paulo: 2007.

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225

VIDAL, Marciano. Homossexualidade: ciência e consciência. São Paulo: Edições Loyola,

1985.

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REGIONALISMOS NO CONTO 'UMBILINA E SUA GRANDE RIVAL' DE

CÍCERO BELMAR

Edmilson José de Sá

Resumo: O trabalho em tela tem o intuito de analisar a variação linguística num conto escrito pelo

pernambucano Cícero Belmar, intitulado ‘Umbilina e sua grande rival’. Nesse conto, Umbilina, a personagem,

é uma mulher forte, magra, determinada, uma típica sertaneja, com desejo de imortalizar o filho através dos

versos do cordel, o que já insinua, no seu contexto campesino, a possibilidade de uma linguagem

eminentemente popular. A partir da catalogação de itens lexicais registrados em grande parte das suas duzentas

e cinquenta e oito páginas, pretende-se compartilhar um estudo com base na variação de itens como arisia (p.

20), gulora (p. 21), indagorinha (p. 69), que mexem na estrutura fonética, e em itens que visam a uma

interpretação puramente semântica, a exemplo de lá-por-acolá (p. 45), disurina (p.53), de-comer (p. 114). Com

base nas visões de Biderman (2001), Greimas e Courtés (1981) e Pottier (1987), será possível destrinchar a

análise semântico-lexical, catalogando, por ora, as variantes eminentemente regionais tanto do falar

pernambucano quanto no falar nordestino. Assim, será possível fazer uma reflexão bem-sucedida sobre os itens

selecionados e permitir comparações não só com outros trabalhos da mesma natureza, mas com a cultura que

cada falante detém em seu próprio meio de vida.

Palavras-chave: Variação linguística. Léxico. Umbilina e sua grande rival.

INTRODUÇÃO

Estudos voltados para variação lexical têm sido cada vez recorrentes para os

pesquisadores interessados em descrição linguística. Contudo, além de se respaldar na

Sociolinguística ou na Dialetologia, é possível analisar o léxico sob os auspícios da

Lexicografia, responsável por catalogar as designações e explicá-las a partir de glossários

específicos e da Semântica, quando se verifica a relação de múltiplos sentidos que a língua

possibilita nas suas criações lexicais.

Neste trabalho, pretende-se analisar o léxico literário, usando, para esse fim, um

corpus construído de itens lexicais encontrados num conto popular pernambucano intitulado

Umbilina e sua grande rival, de autoria de Cícero Belmar, tomando como parâmetro teórico

as perspectivas encontradas em Biderman (2001), Greimas e Courtés (1981) e Pottier (1987)

e, quando necessário, outras perspectivas da macro e da microlinguística.

Já que “qualquer sistema léxico é a somatória de toda a experiência acumulada de

uma sociedade e do acervo da sua cultura através das idades” (BIDERMAN, 2001a, p. 139),

a análise aqui proposta pretende compreender os traços culturais relacionados ao modus

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vivendi do povo pernambucano, bastante registrado na literatura de cordel, cuja homenagem

do autor do conto é levada justamente à sua personagem principal.

1 INTERFACE ENTRE LÉXICO E SEMÂNTICA

A partir da referência de Barbosa (1993, p. 158), que vê a língua, a sociedade e a

cultura como “termos indissociáveis, já que interagem continuamente e constituem, na

verdade, um único processo complexo”, entende-se como contextos socioculturais podem

ser responsáveis pela heterogeneidade linguística, muitas vezes difícil de ser entendida.

Além disso, questões ideológicas, valores éticos, morais e culturais podem se

manifestar na fala espontânea através do léxico presente na memória do falante. Assim, para

Dubois et al (2007), o léxico na linguística designa:

[...]o conjunto das unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma

atividade humana, de um locutor, e de tantos sujeitos partícipes. Por essa razão, o

léxico entra em diversos sistemas de oposição, conforme o modo pelo qual é

considerado o conceito.

Essas questões, então, quase sempre deixam transparecer as tradições de que cada

comunidade participa, o que se justifica pelas intensas relações étnicas existentes há muito

tempo.

Biderman (2001) defende que dentre os níveis da língua, o léxico é um dos mais

afetados por influências externas, tendo em vista que, como o tesouro vocabular de uma

língua, ele perpetua a herança cultural de uma sociedade por meio dos signos verbais,

sintetizando aspectos da vida, dos valores e das crenças de uma comunidade social.

Ao usar o léxico, o falante permite expressar suas ideias, as de sua geração, as da

comunidade a que pertence, enfim usa a língua como retrato de seu tempo, atuando,

inclusive como agente modificador e imprimindo marcas geradas pelas novas situações com

que se depara. Assim, concorda-se com Camara Jr. (1985) quando ele afirma que a língua é,

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pois, um instrumento distinto da manifestação da cultura de um povo, enquanto conjunto das

invenções humanas.

Nada obstante, é através da interação humana que surgem as relações sociais, como

ponto de partida para reunir e integrar pessoas e grupos. São, portanto, em situações comuns

do dia-a-dia que se formam as interconexões responsáveis pela aproximação de práticas

comunicativas e a concepção social da realidade.

Um dos problemas encontrados pelos estudiosos do sentido e da significação é a

definição do que venha a ser semântica e uma das noções que tem se registrado cabe a

Lyons (1991), que a conceitua como o estudo do sentido. O autor leva em conta, em seus

estudos, a semântica puramente linguística das significações, como também preconizam

Greimas e Courtés (1981).

Já que a semântica é ciência das significações linguísticas segundo Bréal (1992) e se

baseia no uso pragmático da língua, responsável por presidir a transformação do sentido, à

escolha das expressões novas, ao aparecimento e à morte das locuções, ela serve, como diria

Pottier (1987) de modelo para o estudo de outros sistemas linguísticos, sendo, pois, válida

para todas as línguas naturais, embora cada língua particular tenha suas regras e suas

realizações próprias.

2 A PRODUÇÃO LITERÁRIA DE CÍCERO BELMAR

Cícero Belmar é jornalista e escritor, autor de romances, contos, biografias e peças

de teatro. Natural de Bodocó (Pernambuco), nasceu a 20 de janeiro de 1963 e ganhou duas

vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife,

nos anos de 2000 a 2005, pelos romances "Umbilina e sua grande rival" e "Rossellini amou

a pensão de Dona Bombom". Esse último também recebeu o Prêmio de Ficção da Academia

Pernambucana de Letras em 2005.

Além desses dois romances, ele tem também um livro de contos, "Tudo na Primeira

Pessoa" e duas biografias: "Pola" e "O homem que arrastou rochedos".

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Para o teatro escreveu A floresta encantada, Coração de mel, Meu reino por um

drama e A flor e o sol. Essa última foi premiada pela Associação dos Produtores de Artes

Cênicas de Pernambuco (APACEPE). É autor do livro de contos ‘Tudo na primeira pessoa’,

da biografia de Fernando Figueira, ‘O homem que arrastou rochedos’ e ‘Aqueles livros não

me iludem mais’, que mistura os gêneros conto e novela, ganhador do prêmio da Academia

Pernambucana de Letras (APL), na categoria ficção, em 2013.

Além de escritor, Cícero Belmar tem uma larga experiência como jornalista, já tendo

recebido duas vezes o prêmio Cristina Tavares de Reportagem. Ele trabalhou em redações

de vários jornais e televisões em Pernambuco.

Falando do conto ‘Umbilina e sua grande rival’, a personagem principal na visão de

Belmar (2009) se constitui de uma mulher forte, magra, determinada, uma típica sertaneja. A

grande rival, como o título dá pistas, é a Morte, não o fenômeno. Contudo, a própria morte

ganha status de personagem, por isso O desejo de imortalizar o filho através dos versos do

cordel faz Umbilina negociar com a rival.

Em seu conto, o autor apresenta um texto de realismo, que homenageia a cultura

popular e a literatura de cordel, o que lhe possibilitou conquistar, pela primeira vez, a obra

conquistou o Prêmio Lucilo Varejão do Conselho Municipal de Cultura da Prefeitura do

Recife e, na segunda edição, a capa apresenta xilogravuras de J. Borges, conforme a figura 1

e conta ainda com a apresentação de Raimundo Carrero.

Figura 1: Capa da 2ª edição do livro Umbilina e sua grande rival

Fonte: Belmar (2009)

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3 A LINGUAGEM REGIONALISTA DE CÍCERO BELMAR

O conto ‘Umbilina e sua grande rival’ é composto de 258 páginas, dentro das quais

estão contidos 31 capítulos. Para a realização do estudo semântico-lexical, serão utilizados

53 itens lexicais registrados no conto que serão analisados a partir de Pottier (1987) e

Greimas e Courtés (1981), não eximindo o uso de perspectivas teóricas associadas à

fonética, à linguística histórica a exemplo de Cagliari (1997), Cristófaro-Silva (2001), Souza

& Santos (2004) e Coutinho (1979), bem como de consultas lexicográficas, quando

necessário.

3.1 REGIONALISMO E FORMAÇÃO DE PALAVRAS

-Intiriço → Ela gritava bramuras com aquela dor inteiriço (p. 52)

-Gastura → Ela começou com uma gastura no bucho.(p. 52)

-Severoso → Anda montado num cavalo, sujeito severoso. (p. 57)

-Fubana → Quando ela chega na casa da fubana, fica sabendo que ela foi pros quintos dos

infernos (p. 58)

-De-comer → Vou preparar um de-comer. (p. 114)

-Modernagem → Aqui não se conhece modernagem.(p. 117)

-Pabulagem → Não sou de contar pabulagem, mas sou poderosa. (p. 117)

-Escruvitiar →...o sapo começou a escruvitiar na minha barriga. (p. 118)

-Incocurin → Você também sente a dor incocurin, a infeliz dor de mulheres, todo mês? (p.

120)

-Labacé→ Foi o maior labacé (p. 125)

-Abufelar → As duas se abufelaram... (p. 125)

-Surucabanada → Outra surucabanada da marca de Fonfita entrou na briga. (p. 125)

-Precundia → E uma precundia sem fim no meu juízo! (p. 125)

-Canifo → Estava todo dia mais magra, um canifo de gente (p. 127)

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-Embeiçamento → Agora você pode continuar com o seu embeiçamento pela Menina

Santinha.(p. 136)

-Bexiguento → Eu não suporto mais esse bexiguento! (p. 157)

-Quintos → Quando menos se espera, aparece gente dos quintos. (p. 188)

-Mangofa → Sei de muitas histórias de gente que fez mangofa de Florzinha. (p. 188)

-Nego → O nego voltou pra casa com mais de mil. (p. 188)

-Acoloiar → O senhor se acoloiou com muita peça ruim. (p. 199)

-Abilolada → Essa era abilolada de nascença. (p. 212)

-Impingento → Venâncio era impingento, chorão...(p. 212)

-Repunança →Vem chegando a repunança na natureza. (p. 213)

-Baticum → Esse baticum no coração. (p. 213)

-Xumbregar → Depois ele começou a xumbregar com a Fonfita... (p. 216)

-Magote → Eu já açoitei um magote de cantador. (p. 222)

-Calafriado → Passei, em momento, calafriado, para o lado misterioso dessa senhorinha...

(p. 238)

-Cantilho → Vou deixar ela aqui num cantilho (p. 38)

-Sirieiro → ... Toda vez que conto, fico meio sirieiro. (p. 41)

-Recenso → De longe já sentia o recenso (p. 5)

-Sintina → Dava nem tempo de sair de dentro de casa pra ir no mato ou na sintina (p. 53)

3.2 REGIONALISMO E SEMÂNTICA

- Feder (em pouco tempo) → Escapou fedendo, como é próprio no dizer da gente daquele

lado do mundo. (p. 14)

-Escangatar (sumir) → Ela foi indo, foi indo, escangatou. (p. 53 )

- Malinar (mexer) → Quem mandou eu malinar no que tá quieto. (p. 81)

- Bexiguento (chato, inoportuno) → Eu não suporto mais esse bexiguento! (p. 157)

-Garruncho (sapo cururu) → É um sapo tei tei... desses garrunchos que nem podem direito

com o corpo (p. 126)

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-Qui-qui-qui (fofoca) → Esses romeiros têm um qui-qui-qui danado com a Florzinha.(p.

168)

3.2.1 Significados distintos por atualização do sema virtual

- Arisia (bobagem) → ...não pode ficar a tarde inteira conversando arisia, aqui, comigo.(p.

20).

Nesse item, recorre-se à fonética para explicar que se trata de um item com abaixamento da

vogal pretônica inicial e alteamento da vogal pretônica em posição pretônica mediana de

heresia – [eɾeʹziɐ]

-Espritar (inquietar) → Quando o bicho se espritava, era um descontramantelo da

desimbestação dentro do bucho dela. (p. 52)

Nesse item, há um síncope vocálica da lexia ‘espiritar’.

-Inteireza (honestidade) → Aquela mulher era diferente da que se interessava por ele com

tanta inteireza. (p. 239)

3.3 REGIONALISMO E HISTÓRIA DO PORTUGUÊS

- Estralar → Dava uma dor que os olhos pareciam que iam estralar. (p. 52)

- Treita → Eu nunca tava mesmo com treita. (p. 56)

- Engorfar → Vocês, meninos, não vão engorfar na cachaça, que nem seu pai. (p. 212)

-Amoquecar → Vivia se amoquecando perto de mim...(p. 212)

-Azunhar → Azunhou, puxou os cabelos e mordeu.(p. 125)

3.4 REGIONALISMO E FONÉTICA

-Engorfar → Vocês, meninos, não vão engorfar na cachaça, que nem seu pai. (p. 212)

-Farsejar → Ela nunca farsejou o luto. (p. 52)

-Gulora (glória) → Gulora ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo. Amém. (p. 21)

-Ventrusidade (ventosidade) → Foi quando começou a ventrusidade (p. 52)

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-Repunança (repugnância) → Vem chegando a repunança na natureza.(p. 213)

-Sintina (sentina) → Dava nem tempo de sair de dentro de casa pra ir no mato ou na sintina

(p. 53)

3.5 REGIONALISMO E LEXICOLOGIA

-Malassombrada → Que conversa é essa malassombrada, minha mãe? (p. 137)

-Cão nos couros → Disse que o homem tava com o cão nos couros. (p. 188)

-Estado interessante → Umbilina estava em estado interessante por aqueles tempos. (p. 124)

-Bota sentido → A senhora tá botando sentido em mim? (p. 115)

-Umendo → Umendo eu fico livre de estar me condenando toda noite, com você, na cama.

(p. 43)

-Indagorinha → Indagorinha era um calor dos seiscentos.. (p. 69)

-Malassombrada → Que conversa é essa malassombrada, minha mãe? (p. 137)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise que ora se apresentou nem de longe representa a compreensão do conto

‘Umbilina e sua grande rival’ em sua totalidade, a julgar, inclusive, por alguns itens

descritos que fazem parte de mais de uma dimensão.

Além disso, no complexo mundo da palavra, de que fazem parte as vicissitudes

históricas e idiossincrasias permitidas pela língua, o espaço aqui se torna insuficiente para

atender aos interesses que subjazem a análise semântico-lexical de um texto literário

regionalista da ficção pernambucana.

Nada obstante, é conveniente mencionar que a análise do conto em tela possibilitou

uma compreensão mais apurada acerca da influência dos semas virtuais na atualização do

sentido, de um novo olhar acerca dos significados diferentes para signos pré-estabelecidos,

além da compreensão de mecanismos fonéticos e diacrônicos que influenciaram a criação de

itens que outrora eram desconhecidos e a certeza de que a cultura popular continua em

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atividade através das marcas que se implantaram nas comunidades através do meio mais

fácil de o homem expressar suas próprias ideias, as de sua geração e as da comunidade a que

pertence: a língua.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, M. Aparecida. O léxico e a produção da cultura: elementos semânticos. I

Encontro de estudos linguísticos de Assis. Anais. Assis; UNESP, 1993.

BELMAR, Cícero. Umbilina e sua grande rival. 2ª edição. Recife: Editora do autor, 2009

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Teoria linguística: teoria lexical e linguística

computacional. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BRÉAL, Michel. Ensaio de Semântica. Tradução F. Aída et al. São Paulo: Fontes/Educ,

1992 [1904].

CAGLIARI, Luiz Carlos. Analise fonológica: Introdução à teoria e à pratica com especial

destaque para o modelo fonêmico. – parte I, Campinas – SP: Edição do Autor, 1997.

CÂMARA Jr., Joaquim Matoso. História e estrutura da língua portuguesa. 4ª ed. Rio de

Janeiro: Padrão, 1985.

COUTINHO, I. de L. Gramática histórica. 9. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979.

CRISTOFARO-SILVA, Thais . (Org.). Estudos em fonética e fonologia do português.

Belo Horizonte: Faculdade de Letras, 2001

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística; trad. Frederico Pessoa de Barros. São Paulo:

Cultrix, 2007

GREIMAS, A.J. e COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, 1981.

LYONS, John. Natural language and universal grammar: Essays in linguistic

theory. Volume I. New York: Cambridge University Press, 1991.

POTTIER, Bernard. Théorie et analyse en linguistique. Paris: Hachette,1987.

SOUZA, Paulo Chagas de.; SANTOS, Raquel Santana. Fonologia. In: FIORIN, José Luiz.

Introdução à linguística: princípios de análise. v. II. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2004.

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ABORDAGENS TERMINOLÓGICAS EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO:

ANÁLISE DE TESES E DISSERTAÇÕES (2008-2018)

Márcia Ivo Braz64

RESUMO: As ciências e as áreas de especialidade compõem universos que desenvolvem para si uma

metalinguagem específica e uma visão de mundo própria. Aprender e apreender uma ciência implica no

entendimento da linguagem de especialidade respectivamente constituída, conferindo entendimento dos

princípios, métodos e técnicas. A terminologia constitui-se em área inter e transdisciplinar à medida que

perpassa o estudo do léxico das diferentes ciências até sua representação em bases de dados e bibliotecas, que é

o papel da Ciência da Informação. Este trabalho tem como objetivo descrever as diferentes escolas

terminológicas e a utilização de seus aportes nos estudos da área de Ciência da Informação. A pesquisa parte

da análise de um corpus composto de teses e dissertações oriundas de programas de pós-graduação que tratam

de Terminologia. Como resultado, foi observado que a TCT é a teoria mais representativa, havendo também

sugestões de adaptação aos contextos de uso. O trabalho conclui que a transdisciplinaridade entre Terminologia

e CI é um campo profícuo de investigação.

Palavras-chave: Terminologia. Ciência da Informação. Escolas da Terminologia.

INTRODUÇÃO

As ciências e as áreas de especialidade compõem universos de discurso que

desenvolvem para si uma metalinguagem específica e uma visão de mundo própria.

Aprender e apreender uma ciência implica no entendimento da linguagem de especialidade

respectivamente constituída, conferindo entendimento dos princípios, métodos e técnicas.

Assim, a terminologia constitui-se em área inter e transdisciplinar à medida que

perpassa o estudo do léxico das diferentes ciências até sua representação em bases de dados

e bibliotecas, que é o papel da Ciência da Informação. Este trabalho tem como objetivo

descrever as quatro diferentes escolas terminológicas e a utilização de seus aportes nos

estudos da área de Ciência da Informação, com enfoque na Teoria Comunicativa da

Terminologia.

As considerações aqui apresentadas se apoiam nos pressupostos de Cabré (1999)

para a Teoria Comunicativa da Terminologia, como parâmetro de comparação com as

demais escolas. Os autores fundamentais são: Wüster (1998) para a Teoria Geral da

64Professora do Departamento de Ciência da Informação - Universidade Federal de Pernambuco. Doutoranda

em Ciências da Linguagem - Universidade Católica de Pernambuco. [email protected]

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236

Terminologia, Gaudin (1993) para a Socioterminologia e Temmerman (2000) para a

Terminologia Sociocognitiva.

Quanto aos procedimentos metodológicos, foram levadas em consideração as

abordagens teóricas da Terminologia com o intuito de verificar sua incidência, a cronologia

da utilização, os produtos ou discussões resultantes dos trabalhos realizados a nível de pós-

graduação strictu sensu no Brasil. A pesquisa parte da análise de um corpus composto de

um conjunto de teses e dissertações oriundas de programas de pós-graduação que tratam

predominantemente de Terminologia.

O trabalho está organizado da seguinte forma: apresenta inicialmente os conceitos

sobre Terminologia, uma breve explicação sobre as escolas clássicas e apresentação das

teorias mais conhecidas e utilizadas. Em seguida é debatida a relação entre Ciência da

Informação e Terminologia, os procedimentos metodológicos e as discussões sobre os

resultados obtidos.

1 TERMINOLOGIA: CONCEITOS E PRINCIPAIS TEORIAS

A Terminologia realiza o controle da conceituação das palavras de um dado campo

com o intuito de otimizar a comunicação/transferência de informações entre os membros de

uma comunidade discursiva. Essa acepção é semelhante à de Lara (2004), que afirma que

Terminologia pode ser considerada sob dois aspectos: terminologia teórica, que abarca

metodologia, princípios que regem a compilação, a estruturação, o uso, a administração de

conceitos; e terminologia metodológica, que seria um conjunto de termos relacionados a

uma área de especialidade tendo, portanto, duplo aspecto: científico e lexicográfico.

Além do mais, a Terminologia abrange, concomitantemente, o ponto de vista da

expressão dos conceitos, por meio de termos ou símbolos, assim como o seu conteúdo

semântico (BARROS, 2004).

Diante do fortalecimento da comunicação técnica e especializada especialmente após

a Revolução Industrial, uma maior atenção foi concedida para os aspectos da linguagem

especializada, que tem seus precedentes teóricos nos trabalhos de Eugen Wüster, que

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237

motivou outros estudos e visões sobre a temática, denominadas de escolas, conforme a

origem das instituições nas quais as investigações estavam sendo desenvolvidas (KRIEGER;

FINATTO, 2004).

O papel dessas escolas de Terminologia visava dar seguimento e novas aplicações

aos postulados de Wüster em seus contextos correspondentes, estando todas situadas na

primeira metade do século XX.

• Escola de Viena: Originada através dos estudos do engenheiro austríaco Eugen

Wüster em sua tese de doutorado Normalização Internacional da Linguagem

Técnica, com ênfase na Electrotécnica,defendida em 1931.

• Escola de Linguística Funcional de Praga: teve origem nos princípios da Linguística

Funcional, fundada a partir dos trabalhos de Saussure, preocupando-se em destacar

os aspectos funcionais da linguagem. Seu objetivo era a pesquisa da linguagem

padronizada do ponto de vista funcional e como instrumento de comunicação em

todos os âmbitos sociais, especialmente cultura e tecnologia.

• Escola de Moscou: Teve origem com o terminólogo Lotte e como engenheiro e

Serguei Chaplygi, inspirados pela tradução da tese de Wüster para o russo em 1935.

A diversidade linguística da antiga URSS ocasionou uma preocupação voltada aos

aspectos teóricos e metodológicos da padronizar os termos em russo.

Além das escolas clássicas, teorias posteriores enriqueceram as pesquisas e os vieses

pelos quais a Terminologia é observada, transparecendo abordagens múltiplas acerca dos

termos, conceitos e sua relação com a linguagem, conforme será a seguir.

1.1 TEORIA GERAL DA TERMINOLOGIA

O ponto de partida da Teoria Geral da Terminologia - TGT é a normalização

internacional da linguagem técnica, sua proposta mais conhecida. Nesse contexto que

resultou na Escola Vienense de Terminologia alicerçada a partir de Eugen Wüster.

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238

Segundo a TGT, as áreas especializadas possuem um sistema conceitual próprio,

designado pelos termos correspondentes, relativos à cada área. Assim, cada termo, revestido

da monorreferencialidade, se afasta do discurso comum, podendo aparecer em diferentes

contextos sem mudar seu significado. Isso ocorre por conta das relações lógicas e

ontológicas estabelecidas e organizadas em sistemas hierarquizados de conceitos.

Contudo, o anseio da TGT em uniformizar as formas de expressão da informação

científica designa que deva existir a correspondência entre um conceito e seu termo ideal, o

que vai de encontro ao que ocorre com a palavra, uma vez que seu uso no discurso e

situações de comunicação não altera seu conceito, seu significado.

A utilização de termos ou unidades terminológicas (UT) na comunicação

especializada tem como objetivo eliminar a polissemia, ambiguidade e sinonímia que

espontaneamente acompanham a utilização das palavras nas situações de uso da língua

natural. Por este motivo o termo se reveste de uniformidade, ficando restrito a um conceito

atemporal que corresponde ao arcabouço ideológico da área científica correspondente,

inclusive a nível internacional.

No tocante à TGT relacionada às as áreas de especialidades e suas formas de

expressão e comunicação, podemos afirmar que são a motivação do trabalho terminológico,

uma vez que seu objetivo é a comunicação científica mais eficiente e clara possível entre os

especialistas de cada área, o que lhes confere o caráter interdisciplinar,pela necessidade de

colaboração entre os profissionais de outras disciplinas e os terminólogos, e transdisciplinar,

por estar presente no contexto discursivo e no léxico especializado das ciências.

1.2 A SOCIOTERMINOLOGIA

Através da observação dos fenômenos de variação que ocorrem no sistema interno da

língua em que estão redigidos os textos de especialidade, a preocupação de verificar os

aspectos sociológicos capazes de influenciar o modo como as palavras e, invariavelmente os

termos são utilizados desencadeou uma nova tendência nos estudos terminológicos.

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239

Os primeiros questionamentos mais profícuos sobre os postulados de Wüster se

estabeleceram nos anos oitenta, com influência dos estudos sociolinguísticos e da Análise do

Discurso, isto porque ao considerar a língua como um fato social e a existência de

comunidades de fala para que existam as terminologias próprias de cada área, admitimos que

há uma oposição à análise in vitro, como ocorre com a TGT e passa-se ao estudo in vivo nas

línguas de especialidade (BARROS, 2004).

O marco inicial da Socioterminologia ocorre com Boulanger (1991), que declara em um

artigo que uma leitura sociocultural da terminologia poderia atenuar os efeitos prescritivos

de proposições anteriores, assim como ocorre em algumas outras publicações que proferiram

críticas às proposições demasiadamente normativas da TGT.

Contudo, é Gaudin (1993) quem debate mais profundamente a questão da terminologia

voltada para o social, enfatizando as investigações sobre a gênese dos termos, e os motivos

para a sua aceitação ou não nas práticas linguísticas nos contextos de uso.

Dentre as concepções trazidas pela Sociolinguística, podemos destacar a

incorporação do aspecto diacrônico e não apenas sincrônico na Terminologia, que, de acordo

com Pavel (1993), ao considerar que as línguas podem ser constantemente melhoradas para

adequar-se aos propósitos comunicativos, recebendo influência de fatores culturais,

geográficos e históricos, a diacronia pode proporcionar, por exemplo, a introdução de

neologismos.

Faulstich (2006), por sua vez, destaca que a pesquisa socioterminológica deve estar

atenta ao fato de que os termos são suscetíveis à variação e mudança e que a comunicação

entre membros da sociedade e das áreas do conhecimento é capaz de gerar conceitos

correlatos para um mesmo termo ou mesmo termos diferentes para um mesmo conceito.

1.3 A TEORIA COMUNICATIVA DA TERMINOLOGIA (TCT)

Os questionamentos à TGT que vieram à tona após os anos 1980 trouxeram novos

paradigmas, como os advindos da Sociolinguística e, posteriormente, da comunicação.

Nesse cenário, a Teoria Comunicativa da terminologia - TCT, tem seu marco na

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240

Universidade Pompeu Fabra na Catalunha, Espanha, cuja principal representante desta teoria

é Maria Teresa Cabré:

A teoria que propomos pretende dar conta dos termos como unidades singulares e,

em algumas ocasiões, similares a outras unidades de comunicação, dentro de um

sistema global de representação da realidade, admitindo a variação conceitual e

denominativa, considerando a dimensão textual e discursiva dos termos",

(CABRÉ, 1999, p.136, tradução nossa.)65.

Diferentemente da TGT, Cabré observa que os termos devem ser considerados

conforme os contextos de comunicação, não sendo adequado primar unicamente pela

normalização, ignorando as possibilidades de variação. Essa representação terminológica

admite a transferência de conhecimento especializado real (que não trata obrigatoriamente

dos canais formais, mas pode ser utilizado na comunicação por mediadores, como os

tradutores e professores) e padronizado (segundo a comunicação especializada) com

características mais prescritivas (CABRÉ, 1999).

Portanto, a TCT busca o entendimento do fenômeno terminológico, consentindo a

possibilidade de variação na pesquisa das ocorrências, e apenas após a listagem dessas é que

poderão ser estabelecidas as possíveis padronizações.

A Teoria Comunicativa considera a variação presente no discurso especializado, ou

seja, as unidades terminológicas variar conforme o espaço, o tempo ou especialização, assim

como as situações em que são usadas. Segundo Cabré (1999), há dois grupos de variação :a

dialetal, que se relaciona ao indivíduo e a funcional, que se refere à situação de

comunicação.

Cabré (1999) estabeleceu os fundamentos da sua TCT:

• A Terminologia é um campo interdisciplinar que traz contribuições de três teorias:

uma teoria do conhecimento, para esclarecer a conceitualização da realidade e as

denominações; uma teoria da comunicação, para descrever os tipos de situações que

podem ocorrer no processo de expressão de um conceito e dos termos; uma teoria da

65 La teoría que proponemos pretende dar cuenta de los términos como unidades singulares y a la vez similares

a otras unidades de comunicación, dentro de un esquema global de représentación de larealidad, admitiendo la

variación conceptual y denominativa, y teniendo en cuenta la dimensión textual y discursiva de los términos.

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241

linguagem,que considere as unidades terminológicas dentro da linguagem natural,

porém, salientando seu caráter terminológico.

• O objeto as UTs, unidade lexical que faz parte da língua geral e de sua gramática,

onde podem exercer diferentes funções no âmbito do discurso.

• A função de termoé ativada conforme a situação de uso, a perspectiva

comunicacional, tipo de texto, quem transmite e quem recebe a mensagem.

• Os termos são constituídos de forma e conteúdo, simultaneamente. O conteúdo pode

ser expresso com maior ou menor rigor por outras denominações, o que ocasiona a

sinonímia, da mesma forma que podem ocorrer outras situações, como a homonímia;

nesses casos, tem-se termos distintos, porém relacionados.

• Numa área de especialidade, os conceitos mantêm entre si relações de diversos tipos,

constituindo assim a estrutura conceitual.

• É possível valorar cada termo conforme o lugar que ocupa na estrutura conceitual,

mas a sua posição não é definitiva, podendo ocupar mais de uma estrutura na mesma

ou em posições diferentes.

• O objetivo da Terminologia assume um caráter teórico e aplicado: descrever de

maneira formal, semântica e funcional as unidades que podem assumir a qualidade

de termo e compilar as unidades com valor terminológico conforme a situação

específica. Assim, o intuito é representar o conhecimento especializado e possibilitar

sua transferência.

Logo, através da TGT, é possível estudar a representação do conhecimento através

da análise do termo, relacionando-o primeiramente como componente da linguagem natural

que adquire funções distintas de acordo com sua função no contexto do discurso,

considerando também a sua posição estrutura conceitual e os relacionamentos com os outros

termos.

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242

1.4 A TEORIA SOCIOCOGNITIVA DA TERMINOLOGIA (TST)

A teoria mais recente constituída como alternativa aos princípios da TGT é a Teoria

Sociocognitiva da Terminologia (TST), cuja alcunha é conferida a Temmerman (2000).

Conforme registrado em sua obra Towards New Ways of Terminology Description: The

Sociocognitive-approach, a autora faz objeções à Teoria Geral no tocante à padronização

como princípio condutor, propondo uma descrição mais próxima aos contextos de uso dos

significados dos termos nos textos especializados. Os princípios da metodologia do trabalho

sociocognitivo tomam por base um estudo empírico nos processos de categorização e

lexicalização, a partir da qual o objeto foi um corpus de publicações científicas na área de

ciências biológicas.

Ainda na mesma obra, Temmerman (2000) sugere uma teoria e metodologia novas,

cujas bases são a hermenêutica e a semântica cognitiva, e questiona o objetivismo da TGT e

a sua orientação prescritiva e padronizadora, sendo estas frentes de trabalho da terminologia,

mas não o centro de suas atividades, pois devemos considerar as situações comunicativas e

sociocognitivas.

De acordo com a TST, as categorias sociocognitivas possuem uma estrutura

prototípica, onde as representações conceituais seriam os modelos cognitivos. Assim, as

representações das relações entre os conceitos interligam modelos cognitivos idealizados

conforme os postulados no enquadramento cognitivo.

De modo geral, os princípios da TST, conforme Temmerman (2000, p. 236-237)

consideram as palavras como o combustível do poder criativo da mente, que resulta na

construção de modelos cognitivos idealizados. Além disso, as palavras variam com o tempo,

e a reconstrução do seu percurso refaz os fragmentos da história da experiência. Em terceiro

ponto, há a mudança decompreensãodas palavras de um usuário para outro, fazendo parte de

um processo sociológico. Aliás, as palavras refletem diferentes nuances da experiência

individual ou coletiva e por conter a estrutura prototípica das categorias, podem mudar seu

significado. Por fim, elas possuem a capacidade de mover-se em estruturas na rede de

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243

comunicação, logo, tanto usadas na escrita artística (poesia ou literatura) quanto no papel de

termos, as palavras têm o poder de mover nossa experiência.

Portanto, a TST busca uma metodologia alternativa para a descrição terminológica, e

propõe que a base do estudo seja a ocorrência de termos e conceitos em um discurso

especializado específico e no perfil do potencial usuário do trabalho terminográfico.

2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E TERMINOLOGIA

A Terminologia tem sido o instrumento essencial para a representação de

informações, especialmente científicas, cuja utilidade está diretamente ligada com a Ciência

da Informação, , a fim de que os registros do conhecimento sejam organizados nos mais

variados ambientes e suportes (seja bibliotecas, bases de dados, repositórios científicos, etc.

através de classificações e vocabulários controlados.

A terminologia constitui-se em área inter e transdisciplinar à medida que perpassa o

estudo do léxico das diferentes ciências até sua representação. Dessa forma, o conhecimento

social na perspectiva científica é fundamental para os arquivistas, bibliotecários, museólogos

e cientistas da informação (MIRANDA, 2005), uma vez que constitui a base para as mais

diversas atividades que são desenvolvidas no âmbito da Documentação e Ciência da

Informação.

A Ciência da Informação, conforme Saracevic (1996) é um campo dedicado às

questões científicas e à prática profissional voltadas para os problemas de efetiva

comunicação do conhecimento e de seus registros entre os seres humanos, no contexto

social, institucional ou individual do uso e das necessidades de informação.

Na perspectiva da Ciência da Informação, há subcampos específicos, como a

Organização do Conhecimento, que se relacionam com a Terminologia e que são voltados à

ordenação lógica dos registros do conhecimento para que seja possível a recuperação

posterior a partir dos aspectos próprios da publicação (como autoria e título) ou a partir das

temáticas e ideias, que são tratadas e convertidas em termos (estabelecidos conforme as

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244

ferramentas terminológicas apropriadas), ou seja, expressões que representem o assunto

contido no documento e que servem como formas de acesso ao material pelo pesquisador.

3 METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

(BDTD), que integra os sistemas de informação das instituições de ensino e pesquisa do

Brasil com cursos de pós-graduação strictu sensu.

Foram delimitadas as teses e dissertações defendidas com temáticas da Ciência da

Informação entre 2008 e 2018 que tratavam diretamente de Terminologia. Os termos de

busca para a delimitação desse corpus foram "Terminologia" e "Ciência da Informação",

assim determinados no campo assunto (palavras-chave). Foram recuperados 15 resultados,

dos quais foram excluídos 3 ocorrências (duas teses com mais de 10 anos e uma duplicata).

Figura 1: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

Fonte: http://bdtd.ibict.br/vufind/

Excluídas:

Duas teses defendidas em 2001 e 2006; Uma duplicidade

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245

A análise transcorreu de forma qualitativa, onde cada documento foi acessado e

tratado individualmente com o intuito de identificar a teoria ou teorias terminológicas

utilizadas, assim como foram observados os dados de ano de defesa e programa de pós-

graduação ao qual foi vinculado, uma vez que essas informações podem indicar uma

tendência teórica, temporal ou temática. Os resultados individuais e as discussões serão

apresentadas no tópico seguinte.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Após a pesquisa na BDTD, os resultados foram organizados conforme alguns

critérios para que a análise contemplasse os seguintes aspectos: Autoria, programa de pós-

graduação, ano de defesa, tipo de trabalho (se tese ou dissertação) e teoria ou teorias que

basearam a pesquisa.

Os resultados foram organizados no Quadro 1 para a melhor visualização do

panorama identificado:

Quadro 1: Síntese dos resultados da BDTD

Autor;

Programa de Pós-

Graduação;

Ano de defesa

Tipo do trabalho e título Teoria terminológica que serviu de

base

OLIVEIRA, Ana Karina

Rocha de

Programa de Pós-

Graduação em Ciência

da Informação

2009

(Dissertação) Museologia e

ciência da informação:

distinções e encontros entre

áreas a partir da

documentação de um

conjunto de peças de 'roupas

brancas'

Não cita nenhuma teoria terminológica,

embora tenha destacado que seguiu a

linguística documentária que, por sua

vez, se apoia simultaneamente em

elementos da TCT e TGT.

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246

SILVA, Josiane Cristina

da

Programa de Pós-

Graduação em Ciência

da Informação

2010

(Dissertação) A representação

da informação em prontuários

de pacientes de hospitais

universitários: uma análise à

luz da teoria comunicativa da

terminologia

"A Teoria Comunicativa da

Terminologia (TCT) será detalhada no

próximo capítulo, pois à luz dessa teoria

será realizada a análise sobre a

representação da informação em

prontuários de pacientes."

SIQUEIRA, Jéssica

Camara

Programa de Pós-

graduação em Ciência

da Informação

2011

(Dissertação) As noções de

documento e de informação -

uma abordagem

terminológica

"Na fase de análise terminológica foi

considerada a vertente da Teoria

Comunicativa da Terminologia,

representada por Cabré e seus

colaboradores."

SOUZA, Gisele Pereira

de

Programa de Pós-

graduação em Ciência

da Informação

2011

(Dissertação) Linguagem de

especialidade da ciência da

informação: estudo

exploratório a partir dos

periódicos brasileiros da área

entre 2005 e 2009

"Os grupos que nos interessam são os

que mantém relações profissionais ou

acadêmicas, pois suas práticas são, em

sua maioria, oriundas de um

conhecimento específico [...] seleção

esta explicitada por Cabré [...]."

TYBUSCH, Gerson

Augé.

Programa de Pós-

graduação em Ciência

da Informação

(Dissertação) A comunicação

entre arquitetos e

marceneiros: o desenho

técnico e a terminologia

como vetores do processo

produtivo do setor mobiliário

sob medida

"Fundamenta-se principalmente na

Teoria Comunicativa da

Terminologia (TCT) de Maria Teresa

Cabré, que foca o caráter social da

linguagem utilizada pelos especialistas

na comunicação técnica e científica."

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247

2012

OLIVEIRA JUNIOR,

Carlos Duarte de.

Programa de Pós-

graduação em Ciência

da Informação

2012

(Dissertação) Extração

automática de contextos

definitórios em textos

acadêmicos da ciência da

informação

"Cita teorias de Organização da

Informação como Classificação

Facetada de Ranganathan, a teoria do

Conceito de Dahlberg e as teorias da

terminologia, tais como a Teoria Geral

da Terminologia de Wüster e a Teoria

Comunicativa da Terminologia de

Cabré. "

ALBUQUERQUE,

Alfram Roberto

Rodrigues de

Programa de Pós-

graduação em Ciência

da Informação

2012

(Tese) Discurso sobre

fundamentos de arquitetura

da informação

Não cita nenhuma teoria. Baseia-se em

uma dissertação sobre Arquitetura da

Informação para criação de um banco

de defifinições.

"Trata-se da construção de princípios e

definições fundamentais para a

Arquitetura da Informação e da

proposição de instrumentos formais

para o seu estudo. "

BISCALCHIN, Ricardo

Programa de Pós-

graduação em Ciência,

Tecnologia e Sociedade

2013

(Dissertação) Construção de

vocabulário controlado

multilíngue: um estudo de

possibilidades no contexto da

garantia cultural e pela

perspectiva da terminologia

"Dentre as vertentes teóricas da

Terminologia apresentadas, a Teoria

Comunicativa da Terminologia (TCT)

se mostrou a mais adequada para a

determinação de parâmetros de

construção do VCM [...]."

ARAUJO, Vera Maria

Araujo Pigozzi de

Programa de Pós-

Graduação em Letras

(Tese) Sistemas de

recuperação da informação e

linguagens documentárias :

contribuições dos estudos da

linguagem

"Considerando os propósitos desta

pesquisa, selecionamos como

referências teóricos a Teoria

Comunicativa da Terminologia (TCT)

proposta por Cabré e seus colaboradores

(1999) e a vertente de estudos de

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248

2013

Terminologia, que pode ser denominada

como Terminologia Textual."

LAIPELT, Rita do

Carmo Ferreira

Programa de Pós-

Graduação em

Linguística Aplicada

2015

(Tese) Metodologia para

seleção de termos

equivalentes e descritores de

tesauros : um estudo no

âmbito do Direito do

Trabalho e do Direito

Previdenciário

"Destacamos que, embora nossa

proposta seja baseada e desenvolvida

sob o ponto de vista da Teoria

Comunicativa da Terminologia

(TCT), também apresentamos alguns

aspectos da Teoria Geral da

Terminologia (TGT) [...]."

MAIA, Paulo Cesar

Chagas

Programa de Pós-

Graduação em Gestão

de Recursos Naturais e

Desenvolvimento Local

na Amazônia

2015

(Dissertação)Análise

terminológica da produção

científica dos Programas de

Pós-Graduação (PPGs): a

elaboração de um

microtesauro sobre gestão

ambiental

Não cita uma teoria terminológica

específica, apesar de se referir

diretamente a Cabré, precursora da

TCT: "Nesta pesquisa, foi adotada a

concepção de terminologia aplicada,

também conhecida como terminografia

que compreende a elaboração dos

instrumentos terminográficos, tais como

tesauros, glossários, dicionários dentre

outros, já citados anteriormente,

conforme Cabré [...]."

BARBANTI , Cristina

Hilsdorf

Programa de Pós-

Graduação em Ciência

da Informação

2015

(Dissertação) Representação e

recuperação da informação

em centros de memória

"[...] evidencia-se assim a importância

da Teoria Comunicativa da

Terminologia como teoria referente

para a metodologia de construção do

vocabulário."

Fonte: a autora

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249

Acerca das considerações que podemos tecer, é importante considerar as seguintes

informações:

• Apesar da maioria das pesquisas se concentrarem a nível de mestrado (9 ocorrências,

enquanto teses somam um total de 3), evidencia-se a predominância para produtos

terminológicos já desenvolvidos ou orientação para que sejam implementados. Pode-

se dizer que esse aspecto revela o aspecto aplicado da Terminologia, seus contextos

de uso e sua utilidade em bases de dados, bibliotecas e centros de informação, o que

marca uma característica importante da Ciência da Informação, que é a representação

das áreas do conhecimento de modo que seja possível aos usuários especializados a

eficaz recuperação dos documentos.

• Em relação aos programas de pós-graduação, as considerações apresentadas

anteriormente refletem também nas áreas de pesquisa, uma vez que 8 dos trabalhos

foram realizados em programas de Ciência da Informação.

• Os documentos analisados revelaram a predominância da Teoria Comunicativa da

Terminologia, embora a abordagem sociológica seja tratada pelos autores como fator

relevante para os contextos estudados, o que condiz com o posicionamento da

própria TCT. Sobre os números, temos o seguinte resultado quanto às teorias

utilizadas: TCT: 6 publicações. TGT: 1 publicação. Mais de uma abordagem

combinada: 3 publicações. Nenhuma das teorias terminológicas clássicas: 2

publicações.

• Há uma inclinação para produtos, a maioria tesauros e vocabulários controlados,

além de contextos de aplicação voltados à tecnologia concluindo, portanto, que a

Terminologia e seus pressupostos para a Ciência da Informação são princípios

básicos, sobretudo para a representação do conhecimento.

Após a observação dos trabalhos que compuseram o universo de estudo da presente

pesquisa, é possível fazer inferências sobre a importância da Terminologia para a Ciência da

Informação: enquanto os estudos da linguagem tornam possíveis as reflexões e investigações

sobre a natureza e o comportamento dos signos, os contextos de uso, as variações

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250

conceituais, as normas individuais e coletivas de organização, a viabilização de produtos

terminológicos e terminográficos, é na Ciência da Informação que efetivamente muitas

dessas ferramentas são utilizadas.

A importância da Terminologia para a CI é inquestionável e tem beneficiado o

trabalho de profissionais como bibliotecários, gestores da informação, museólogos e

arquivistas, assim como daqueles que se dedicam à organização da informação em diferentes

suportes e que consideram conceitos e termos como princípios da representação temática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Terminologia se constitui em uma área importante para a definição do universo

conceitual das ciências e, durante décadas, diferentes teorias surgiram com propósitos que

privilegiaram momentos diferentes dos estudos voltados à linguagem. Assim, iniciativas

bem demarcadas cronologicamente como Teoria Geral da Terminologia, Socioterminolotgia,

Teoria Comunicativa e Teoria Sociocognitiva possuem marcos temporais para seu

surgimento, embora não se sobreponham. É comum que cada contexto tenha características

que solicitem determinada abordagem terminológica, ou até mesmo combinações.

Para verificar essas possibilidades e aplicações em Ciência da Informação, que

notoriamente tem trabalhado com pressupostos terminológicos e suas ferramentas, foi

realizada uma pesquisa com teses e dissertações, que demonstrou que as teorias da

Terminologia estão bem presentes na área de Ciência da Informação, sobretudo nos produtos

terminológicos, o que se refletiu também na área dos programas de pós-graduação onde os

trabalhos foram desenvolvidos.

Sobre a ocorrência das teorias, foi observado que embora a TCT seja a teoria mais

representativa, abordagens como os pressupostos clássicos e sugestões de adaptação aos

contextos de uso são ressaltadas, o que contribui para a evolução da área e até mesmo possa

apontar para tendências nos estudos desenvolvidos no Brasil.

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251

Desse modo, conclui-se que a transdisciplinaridade entre Terminologia e CI é um

campo profícuo de investigação, o que pode abrir portas para estudos mais amplos e mais

aprofundados.

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253

INTERTEXTUALIDADE NO ARTIGO CIENTÍFICO: FORMAS DE CITAÇÃO E

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE POR ALUNOS DE GRADUAÇÃO

Lidya Rafaella da Silva Morais66

RESUMO: Os estudantes que ingressam no ambiente acadêmico sofrem com a necessidade de construir uma

identidade na Universidade. Professores da área costumam fomentar expectativas altas sobre como o aluno

deve se portar ao se deparar com os diversos gêneros científicos que constituem uma grande parte dos eventos

de letramento Assim, este estudo foi realizado através da coleta de informações sobre as percepções dos alunos

de graduação do curso de Letras da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) acerca do processo de

produção de artigos científicos, apoiando-se na proposição de Castelló et al. (2011), que estabelece um

contínuo que tenta abarcar a intertextualidade a partir de dois polos que vão desde a referência mais explícita

(citação) à menos explícita (alusão). Os resultados demonstraram que os estudantes dos artigos científicos

analisados ainda estão construindo as suas próprias identidades no meio acadêmico. Portanto, a

intertextualidade é o elemento constitutivo do artigo científico, uma vez que é a partir dela que os estudantes

conseguem fazer citações (diretas e indiretas) que os ajudam a dar base ao que tentam discutir em seus

trabalhos. Palavras chave: Linguística; Intertextualidade; Estudantes de Letras; Artigos Científicos.

INTRODUÇÃO

Os diversos estudantes que ingressam no ambiente acadêmico sofrem com a

necessidade de construir uma identidade na Universidade. Professores da área costumam

fomentar expectativas altas sobre como o aluno deve se portar ao se deparar com os diversos

gêneros científicos que constituem uma grande parte dos eventos de letramento, como a

produção de gêneros de prestígio que, por sua vez, variam de acordo com as disciplinas.

Bezerra (2015, p. 62) diz que “as práticas de letramento conduzem à realização mais ou

menos recorrente de eventos de letramento que tipicamente incluem a produção ou a

recepção de gêneros acadêmicos de prestígio que variam de acordo com os campos

disciplinares”. De uma forma geral, entende-se que o artigo científico, principalmente na

área de Letras/Linguística é o gênero de maior visibilidade e status na área, em grande parte

porque é essencial para a qualificação de projetos/cursos/programas de pós-graduação.

66 Graduanda do Curso de Letras do Centro de Teologia e Ciências Humanas; Bolsista (PIBIC CNPq) sob a

orientação do Prof. Dr. Benedito Gomes Bezerra. E-mail: [email protected]

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Isto posto, este trabalho foi baseado na tese defendida por Ivanič (1998, apud

BEZERRA, 2015, p. 65) que fala que “a escrita é um ‘ato de identidade’ pelo qual as

pessoas se alinham a possibilidades socioculturalmente delineadas de estar no mundo,

reproduzindo ou contestando valores, crenças e interesses característicos de práticas e

discursos dominantes”. Assim, os alunos de cursos de graduação descobrem que seus

discursos e práticas acadêmicas sustentam identidades distintas da sua vida não acadêmica,

ou seja, a identidade é concebida através de práticas de letramento que fazem com que o

estudante crie a sua própria identidade neste ambiente. Portanto, a autora afirma que a

identidade acadêmica é fruto dos discursos que o estudante escolhe para si e também da

forma como ele usa os discursos alheios, sendo, portanto, uma identidade construída através

da intertextualidade.

Bezerra (2015, p. 63), por sua vez, aborda a noção de identidade como um fenômeno

interativo, plural e complexo. De acordo com o autor, as identidades são construídas dentro

de discursos e são produzidas em locais específicos a partir de determinadas estratégias e

práticas discursivas. Ao adotar o discurso como uma produção de uma identidade, analisa-se

como o estudante age utilizando a imagem que constitui a ação de diversos sujeitos sociais.

Ao falar sobre identidade acadêmica, é necessário também citar que a relação entre a

intertextualidade e o plágio é algo a se ter em conta no exercício da escrita acadêmica dos

estudantes, visto que mexe com a discussão da identidade do escritor. Bezerra (2015, p. 67)

diz que “a construção discursiva da identidade do estudante via escrita acadêmica [...]

implica não só aprender a usar a escrita criativamente, mas também a utilizar os discursos de

outros de maneira própria e também criativa”. Assim, o aluno reproduz textos de outros

autores para conseguir escrever algo relevante para o meio acadêmico. No entanto, é central

que este possua a noção do uso adequado desses textos, para que não se aproprie do

conteúdo intelectual alheio, mas sim que consiga desenvolver o seu próprio texto a partir

deles.

Concretamente, será decisiva a forma como o estudante de graduação, ao produzir

seu texto, adotará as estratégias possíveis e legitimadas de citação como traços visíveis do

processo de construção de identidade, configurada na intertextualidade entre o artigo

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produzido por ele e as vozes de autores em geral entendidos como participantes (mais)

experientes da comunidade acadêmica. Nesta pesquisa, portanto, a citação, procedimento

típico da escrita de artigos científicos, é tomada como a principal evidência de

intertextualidade stricto sensu e, consequentemente, como uma pista para as estratégias

adotadas pelos estudantes visando à construção de sua identidade como autores acadêmicos.

1 OBJETIVOS

1.2.1 OBJETIVO GERAL

Analisar as formas de citação em artigos científicos como estratégias adotadas por

graduandos em Letras no processo de construção da identidade no ambiente acadêmico.

1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

(1) Examinar como o estudante de graduação em Letras concebe o processo de inserção na

prática de produção de artigos científicos do ponto de vista do diálogo com as vozes de

outros autores.

(2) Mapear as formas de citação no artigo científico como estratégias de construção da

identidade no diálogo com outras vozes de autores.

(3) Discutir a relação entre as formas de citação no artigo científico e a construção da

identidade do aluno de graduação como autor de artigo científico.

2 MATERIAL E METÓDOS

A análise proposta neste artigo abrange dois aspectos: (1) a coleta de informações

sobre as percepções dos alunos acerca do processo de produção de artigos científicos,

realizada através da aplicação de um questionário composto por questões abertas, que

enfocam as dificuldades de escrita, as orientações recebidas para a produção e as formas de

lidar com citações, entre outros pontos; (2) o exame de um corpus de textos, que foram

solicitados aos próprios alunos ou baixados da internet, quando publicados.

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Para a análise textual, foi utilizada como base a proposição de Castelló et al. (2011 apud

BEZERRA, 2015, p. 68), que estabelece um contínuo que tenta abarcar a intertextualidade a

partir de dois polos que vão desde a referência mais explícita (citação) à menos explícita

(alusão), uma vez que a intertextualidade não é apenas produzida através de textos lidos e

citados. Nesta pesquisa, portanto, foram observados os seguintes aspectos, apontados pelos

autores (2011, p. 113):

• Citação direta.

• Citação indireta (implica parafrasear e comentar uma determinada citação).

• Menção a pessoas, documentos ou enunciados (exige explicar com as próprias palavras o

que uma determinada fonte expressa, sem emitir juízo de valor).

• Comentário avaliativo sobre enunciados, textos ou outras vozes invocadas.

• Uso de frases ou termos associados a pessoas, grupos de pessoas ou documentos.

• Uso da linguagem característica de determinadas formas de comunicar, discutir com

outros, ou de tipologias de documentos: gêneros, vocabulário, padrões de expressão.

Para a análise proposta neste estudo, foram selecionados 10 (dez) artigos científicos

produzidos por alunos do curso de Licenciatura em Letras da UNICAP, inclusive em versões

preliminares (rascunho), além da versão final apresentada a professores de disciplinas ou

orientadores. Não houve restrição quanto às temáticas dos artigos, mas apenas o critério de

que fossem produzidos como atividades relacionadas com a formação em Letras.

As análises dos textos recolhidos foram baseadas na introdução e no primeiro tópico de cada

artigo selecionado, percebidos como suficientes para a observação das estratégias e técnicas

empregadas pelos autores dos artigos científicos, através da busca pela intertextualidade

contida em cada texto, via citação ou alusão.

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3 ANÁLISE COMENTADA

3.1 O QUE REVELAM AS ANÁLISES DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS

As análises realizadas a partir dos artigos científicos coletados mostram que há uma

predominância de citações indiretas, presentes tanto na introdução como no tópico inicial,

representando 29% das ocorrências de intertextualidade nos textos investigados, enquanto as

citações diretas ocorrem apenas em 15%. Há ainda a constatação de 26% de ocorrências de

menções a pessoas, documentos ou enunciados; entre outras formas de intertextualidade,

como pode ser observado no seguinte gráfico:

Gráfico 1: Análises dos artigos

Fonte: a autora

Considerando o corpus no todo, é possível destacar as três ocorrências mais

recorrentes, que são, em ordem decrescente, as citações indiretas, as menções a pessoas,

documentos ou enunciados, e as citações diretas. Os dez artigos aqui citados estão referidos

como AC1, AC2, AC3, AC4, AC5, AC6, AC7, AC8, AC9 e AC10.

A citação indireta (paráfrase), cuja ocorrência é predominante nos artigos que

compõem o corpus deste artigo, é uma forma menos explícita de citação em que o autor do

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texto exercita com mais profundidade o seu aparato cognitivo, uma vez que ele tem que

tomar uma posição a partir do discurso de outro autor mais reconhecido e prestigiado,

assumindo, assim, uma nova interpretação de um discurso já visto. Araújo (2016, p. 79)

defende que “esse modo de citar confere ao escritor um status mais privilegiado frente à

comunidade científica, pois mostra que ele já tem mais intimidade com o conteúdo citado,

bem como mais conhecimento da postura teórica do autor citado”. Assim, ele consegue

filtrar o sentido das palavras de outro autor, fazendo com que elas sirvam para o propósito

do seu texto.

Observe o exemplo abaixo:

Exemplo 1: Citação indireta

[AC10] Originalmente, a fábula era um texto oral contado às pessoas em situações informais

do dia a dia, o que justifica sua denominação, advinda etimologicamente do latim “fari” =

falar e do grego “phaó” = dizer, contar algo (COELHO, 1984, pág. 115).

A ocorrência de citações indiretas em que o nome do autor não está mencionado no

enunciado citante, só aparecendo no final, entre parênteses, foi recorrente em todos os

textos, o que mostra que os autores valorizam o aspecto autoral, não dando ênfase em nomes

de autores mais aclamados e prestigiados pela academia. Araújo (2016, p. 87) destaca que o

uso de paráfrases “mostra que ele já tem mais intimidade com o conteúdo citado, bem como

mais conhecimento da postura teórica do autor citado. E isso é mais acentuado quando o

escritor não usa o nome do autor citado nos enunciados citantes”.

Assim, pode-se concluir que os estudantes, ao escolherem essa forma de citação,

que, por sua vez, é mais usada por autores experientes, revelam que têm uma grande

habilidade de se posicionar e de reformular o conteúdo de seu trabalho a partir da sua

interpretação dos discursos de outros.

A segunda citação mais recorrente nos trabalhos avaliados é a menção a pessoas,

documentos ou enunciados. Há certa polêmica em relação a esse tipo de citação trazida por

Castelló et al. (2011 apud BEZERRA, 2015, p. 71), uma vez que ela deve “explicar com as

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próprias palavras o que uma determinada fonte expressa, sem emitir juízo de valor”. Ora,

partindo do princípio de que toda a citação é proveniente de outro discurso externo, não há

como existir um discurso “neutro”, visto que “o próprio ato de citar, a escolha de quem, de

qual trabalho e de que parte citar já indica um posicionamento e, portanto, um juízo de

valor”. (BEZERRA, 2015, p. 72)

Portanto, essa noção de neutralidade é dificilmente verificável nas citações

analisadas. Por isso, adoto o mesmo posicionamento de Bezerra (2015, p. 71-72), em que ele

inclui a categoria de listas enumerativas de autores que o estudante evoca a partir da sua

fundamentação teórica, mesmo faltando a parte de “explicar com as próprias palavras o que

uma determinada fonte expressa, sem emitir juízo de valor”, uma vez que Motta-Roth e

Hendges (2010, p. 79 apud ARAÚJO, 2016, p. 96) consideram que “ao citar no início do

texto, o autor consegue dar mais confiabilidade aos seus leitores”, como pode ser visto no

exemplo abaixo:

Exemplo 2: Menção “neutra” como lista enumerativa da base teórica

[AC5] Iremos abrir uma disussão sobre assujeitamento ideológico, formação discursiva,

interdiscursividade e alguns outros conceitos da AD. Para tal fim, apoiamo-nos em Orlandi

(1999), Michel Pêcheux (1969) e Bakhtin (1997).

Outro possível exemplo que foi observado nas análises dos artigos selecionados foi

o seguinte:

Exemplo 3: Menção “neutra” usando as “próprias palavras”

[AC7] Considerado o predecessor nos estudos sociolinguísticos, Antoine Meillet - linguista

francês -, defendia as variações linguísticas como processos motivados por fatores histórico-

sociais.

Nele é possível se aproximar mais dessa definição de “explicar com as próprias

palavras o que uma determinada fonte expressa, sem emitir juízo de valor”, mas, ainda

assim, é impossível sustentar essa concepção de um discurso “neutro”. Assim, apesar da

controvérsia que esse tópico suscita, decidi incluí-lo neste trabalho devido à recorrência nos

textos analisados (26%), ressaltando, apenas, que esta definição apresenta problemas.

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260

A terceira forma de citação mais vista nos artigos estudados é a citação direta com

mais de três linhas, como no exemplo abaixo:

Exemplo 4: Citação direta com mais de 3 linhas precedida de comentário avaliativo

[AC2] Ora, essa definição tem se provado obsoleta, já que põe o autista quase como um

animal, assim como põe Cavalcanti e Rocha apud Rêgo Barros (2011, p. 13):

uma rápida incursão na lista dos traços tomados como sintomas indicadores do

autismo no campo da psiquiatria infantil nos levaria a concluir que essas crianças

não são gente, pois não têm linguagem, não falam e quando falam são papagaios:

suas falas são repetitivas e não têm sentido.

A partir dele, é possível perceber que o estudante utiliza a afirmação do autor citado

para respaldar o seu comentário avaliativo anterior. Assim, baseando-se nessa autoridade, o

autor do artigo se sente mais seguro para defender sua postura sobre o assunto, uma vez que

o estudante usa as palavras de terceiros para apoiar o seu próprio comentário, que, por sua

vez, segue a ideia central do texto cujo trecho foi citado, não sendo, portanto, totalmente

independente.

Cortes (2012, p. 116 apud ARAÚJO, 2016, P. 84) defende que a citação direta é

“uma importante escolha retórica que ajuda os escritores a estabelecer uma estrutura

epistemológica persuasiva e social para a aceitação de seus argumentos”, e, por isso,

“[...]podem ser mais persuasivas do que as indiretas, ‘uma vez que permitem a apresentação

do pensamento do autor de maneira mais real e afetiva [...]’. Dessa forma, o autor do artigo

expõe consistentemente o pensamento do autor, assumindo como sua a tarefa de descrever

com as próprias palavras o conteúdo evocado, usando, assim, a autoridade de outro autor

para construir o seu discurso de forma fundamentada.

3.2 O QUE REVELAM OS QUESTIONÁRIOS

Questionados sobre se já tinham tido experiências de leitura e produção de artigos

científicos antes de ingressarem na universidade, foi constatado um consenso sobre esta

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questão, visto que a maioria disse que apenas leu ou produziu algo parecido, mas não sabia o

que era exatamente que estava fazendo.

Quanto às orientações recebidas para a produção do artigo científico, não houve um

consenso; quatro disseram que tiveram orientações superficiais, um falou que foi autodidata,

dois foram orientados por algum professor, inclusive realizando reuniões, enquanto os

outros três disseram que receberam orientações sobre formatação, como fazer citações e

pesquisa de material, como formular o texto, além de orientações sobre o texto escrito.

Sobre as principais dificuldades encontradas ao produzir o artigo científico, a

escolha de um tema relevante, o desenvolvimento da tese, a procura por uma base teórica, e

a elaboração do texto seguindo as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas

(ABNT) para desenvolver o tema de forma coesa, a fim de evitar o plágio, foram as mais

citadas pelos estudantes.

Perguntados sobre como viam a relação entre as formas de citação no artigo

científico e a construção da identidade do aluno de graduação como autor de artigo

científico, todos os estudantes afirmaram que enxergam o uso das citações como algo de

extrema importância, visto que evita o plágio e possibilita a construção de sua tese.

Por último, indagados sobre se ainda sentem dificuldades ao produzir esse tipo de

trabalho, seis pessoas disseram que se sentem seguras, porém quatro afirmaram que não.

A partir dessas percepções dos alunos sobre o processo de produção e as formas de

lidar com as citações, é possível compreender que o processo de aprendizado no nível

superior exige que o aluno consiga dominar novos conhecimentos sobre interpretação,

compreensão textual e organização de saberes, o que, muitas vezes é dificultado pelo fato de

ele não ter conhecimento prévio de como fazer isso, visto que a maioria dos estudantes do

ensino médio não tem contato direto com os diversos gêneros que são requeridos pela

Universidade. Assim, ao adentrar no ambiente universitário, o estudante precisa receber a

orientação de professores para auxiliar a compreensão das normas que, até então, ele

desconhece, possibilitando que possa obter sucesso em seu curso, e, quando isso não ocorre,

o aluno sente dificuldade ao realizar a produção desses gêneros, como é possível perceber

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pelo fato de quatro dos dez alunos dizerem que não se sentem seguros para produzirem

artigos científicos.

Portanto, ao analisar os questionários, foi possível comprovar que a

intertextualidade é o elemento constitutivo do artigo científico, uma vez que é a partir dela

que os estudantes conseguem fazer citações (diretas e indiretas) que os ajudam a dar base ao

que tentam discutir ou apontar em seus textos, nos trazendo uma importante reflexão sobre

como a identidade é uma parte crucial na constituição de um discurso, se tornando algo

intrínseco ao ambiente acadêmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho foi possível ter uma noção de como a intertextualidade

ocorre nos artigos científicos de estudantes do curso de Letras da Universidade Católica de

Pernambuco (UNICAP), partindo, assim, da investigação das formas de citação mais usadas

por eles, que, por sua vez, revelam o modo como as identidades são construídas nesse

processo. Com base no exame atento do corpus coletado, foi detectada uma predominância

de citações diretas e indiretas, bem como menções a pessoas, grupos de pessoas e

documentos.

As citações indiretas foram as formas de referência mais recorrentes, representando

29% do corpus, e, por isso, demonstram que os autores valorizam o aspecto autoral do seu

trabalho, deixando de lado a ênfase em nomes de autores já consagrados pela academia,

mostrando habilidade de posicionamento diante da sua interpretação dos discursos de outros.

As menções a pessoas, documentos ou enunciados, vêm em segundo lugar, com

26%; esta categoria, por sua vez, apresenta problemas em sua formulação, devido à noção de

discurso “neutro” dificilmente verificável nos textos analisados, uma vez que, na minha

concepção, o simples ato de citar outro autor já demonstra um posicionamento ou juízo de

valor do autor citante. Ainda assim, por sua grande ocorrência nos artigos, decidi mantê-la

nesta pesquisa, uma vez que as menções revelam uma preferência dos autores citantes em

sempre basear suas afirmações em alguma fonte externa para dar credibilidade.

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263

A última forma de intertextualidade que mais aparece nos trabalhos analisados são

as citações diretas, representando 15% de ocorrências. As citações com mais de três linhas,

que aparecem com ainda mais frequência, mostram que os estudantes se respaldam nas

palavras de autores reconhecidos pela academia para se sentirem seguros de suas conclusões

acerca da tese explorada. Esse tipo de citação, por sua vez, também indica que os autores

citantes investem na utilização das palavras de textos de terceiros para reiterar as suas

próprias afirmações e conjecturas, dando continuidade ao conteúdo do texto citado. Assim,

os estudantes se sentem mais confortáveis e seguros para construir e defender seus próprios

discursos, uma vez que estão baseados em uma autoridade já consagrada.

Quanto ao resultado dos questionários aplicados, é possível perceber que existem

estudantes que ainda se sentem perdidos no processo de construção de um artigo científico,

porém, ainda assim, a maioria demonstra já ter assimilado os métodos e as técnicas

necessárias para a produção deste gênero. Dessa forma, entende-se que os estudantes dos

artigos científicos analisados ainda estão construindo as suas próprias identidades no meio

universitário e acadêmico.

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UM CONVITE À ENUNCIAÇÃO ESCRITA EM ÉMILE BENVENISTE

Austriclínio Bezerra de Andrade Neto67

RESUMO: Este trabalho apresenta um estudo exploratório, a partir de textos selecionados de Émile

Benveniste, no intuito de ampliar a compreensão de sua Teoria da Enunciação e, em especial, elementos que

contribuam para uma aproximação da enunciação escrita. Trata-se de um trabalho desenvolvido no âmbito da

disciplina Tópicos de Estudos sobre Linguagem - Enunciação e Produção Textual, do Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), em resposta a um

convite para relacionar o pensamento enunciativo benevenistiano à produção textual.

Palavras-chave: Teoria da Enunciação; Enunciação escrita; Émile Benveniste.

INTRODUÇÃO

Aceitar o convite da professora Isabela Barbosa do Rêgo Barros no curso

Enunciação e produção textual, ministrado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em

Ciências da Linguagem, da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), para conhecer

melhor Émile Benveniste foi, sem dúvida, uma das mais significativas experiências

formativas que vivenciei. Na verdade, já conhecia Benveniste, sua Teoria da Enunciação e

seu axioma basilar: O homem está na língua. Mas, talvez, por não ser uma abordagem

preponderante nos estudos da linguagem - apesar de sua evidente contribuição tanto para a

Linguística quanto para outras disciplinas, que se apropriaram de seus pressupostos, tais

como a Filosofia da Linguagem, a Literatura, a Psicanálise, a Comunicação, a Antropologia

entres outras – não me detive suficiente em seus textos. Talvez, também, por uma certa

fragilidade em me conectar com seu pensamento, tendo em vista que Benveniste é

reconhecido pela complexa rede de termos que utiliza, pelas singulares definições e noções

presentes nos seus escritos; pela sua fértil produção teórica; pela incompletude de sua teoria

enunciativa; pela historicidade dos textos e pela característica flutuação conceitual. O que se

exige, no dizer de Flores (2012, p. 151): “assumir um ponto de vista” e “delinear um

67 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade Católica de

Pernambuco (UNICAP). Professor do Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA). Bolsista da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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itinerário de leitura”. Hoje, reconheço, que faltou, infelizmente, em minha primeira

aproximação com o linguista sírio-francês, um itinerário de leitura.

Nessa segunda aproximação, no entanto, com um objetivo definido e uma seleção

cuidadosa de textos retirados dos seus livros Problemas de Linguística Geral I

(BENVENISTE, 2005) e Problemas de Linguística Geral II (BENVENISTE, 2006) e

apoiados por estudiosos de sua obra, sobretudo na perspectiva da enunciação escrita

(ARESI, 2011, 2012; ENDRUEWIT, 2006; FENOGLIO, 2013; FLORES 2018, 2017,

2013, 2012; FLORES, TEIXEIRA, 2012; JUCHEN, 2012; SILVA, 2018) foi possível uma

conexão expressiva. Pude, finalmente, perceber a profundidade do pensamento de Émile

Benveniste. Posso, enfim, corroborar com Roland Barthes quando declara: “lemos outros

linguistas (é indispensável), mas gostamos de Benveniste (apud FLORES, 2012, p. 149).”

O objetivo definido para essa segunda leitura foi aproximar-se da enunciação escrita.

Para o itinerário de leitura foram escolhidos os seguintes textos do linguista, sugeridos no

desenvolvimento do curso Enunciação e Produção Textual: A estrutura das relações da

pessoa no verbo (1946); A natureza dos pronomes (1956); Da subjetividade na linguagem

(1958) e O aparelho formal da enunciação (1970). O ponto de vista assumido foi o

entendimento que a Teoria da Enunciação de Émile Benveniste comporta tanto a enunciação

falada quando a enunciação escrita.

A partir desse encaminhamento metodológico desenvolveu-se este texto que aponta

caminhos para a ampliação da compreensão do que vem a ser enunciação escrita

benvenistiana, inicialmente delineando a construção da subjetividade em Benveniste,

condição necessária para sua concepção de enunciação e, em seguida, uma discussão sobre o

sujeito e as marcas de sua presença no processo enunciativo tanto falado quanto escrito.

1 O SUJEITO EM ÉMILE BENVENISTE

Um princípio básico do pensamento de Émile Benveniste pode ser evidenciado pela

frase: O homem está na língua.

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Segundo Benveniste (2005, p. 285), “não atingimos nunca o homem separado da

linguagem [...]. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com

um outro homem”. De sorte que “é na linguagem e pela linguagem que o homem se

constitui como sujeito (p. 286).”

Dosse (1993, p. 61 apud ENDRUWEIT, 2006, p. 106) reconhece a enaltece a

importância dessa concepção benvenistiana da subjetividade na linguagem, pois compreende

que “Benveniste foi um iniciador em um período em que se pensava a linguagem

abstraindo-se do sujeito”. Em seu pensamento, observa-se “o caráter constitutivo da

linguagem, distanciado do aspecto instrumental” (ENDRUWEIT, 2006, p. 106). Em

“Benveniste, antes de qualquer coisa, linguagem e homem são indissociáveis (FLORES,

2013, p. 109).”

Nesse sentido, tentando primeiramente compreender o sujeito benvenistiano, propõe-

se, a seguir, uma sondagem nos textos selecionados do linguista para delimitar a concepção

de subjetividade que adquire em seu pensamento.

1.1 A ESTRUTURA DAS RELAÇÕES DA PESSOA NO VERBO (1946)

Em A estrutura das relações da pessoa no verbo (1946) Benveniste fundamenta a

presença, como reforça Flores (2013), da linguística da subjetividade na linguagem.

Logo no início do texto ele chama a atenção para a inexistência de língua na qual as

pessoas do discurso não se marquem de uma ou de outra maneira nas formas verbais.

Considera a categoria de pessoa realmente pertencente às noções fundamentais e necessárias

do verbo. No entanto, chama a atenção para a não simetria das três pessoas verbais.

Tornando, em seu argumento, evidente, que a noção de pessoa se refere, tão somente, às

duas primeiras pessoas do discurso: o eu e o tu. A primeira pessoa designa aquele que fala.

A segunda pessoa aquele a quem se dirige. A terceira pessoa, no entanto, o ele, não é uma

pessoa, mas a não-pessoa. Aquele que está ausente, de quem se fala. Essa terceira pessoal,

seria tratada de forma diferente na flexão verbal: impessoal. Daí, questiona a legitimidade da

terceira pessoa, enquanto pessoa verbal. Segundo o linguista, a categoria de pessoa seria

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própria às posições “eu” e “tu”. O eu e o tu (a primeira e a segunda pessoa) não estaria no

mesmo plano que ele (a terceira pessoa). A terceira pessoa, em virtude de sua própria

estrutura, seria a forma não pessoal.

Na realidade, para Benveniste, nem a primeira e a segunda pessoa, estariam

equiparadas plenamente na categoria de pessoa, defendendo que eu, seria, na verdade,

pessoa subjetiva; e tu, a pessoa não-subjetiva. A terceira pessoa, ele, como falado

anteriormente, não seria pessoa.

1.2 A NATUREZA DOS PRONOMES (1956)

Publicado uma década após A estrutura das relações da pessoa no verbo (1946), o

texto A natureza dos pronomes (1956) retoma a distinção pessoa e não-pessoa, ampliando

sua complexidade. Na verdade, ainda no texto de 1946, Benveniste (BENVENISTE, 2005,

p. 247) já indicava a necessidade de deter-se sobre a categoria pronominal. Sobre isso disse

o linguista: o pronome “tem tantos caracteres que pertencem particularmente e comporta

relações tão diferentes que exigiria um estudo independente”. No texto de 1956, conclui essa

ideia.

Benveniste compreende que a categoria de pronome é característica de todas as

línguas, pois todas as línguas possuem pronomes. O que configura o pronome como uma

categoria universal da língua, mas compreende que não se trata de uma classe unitária, mas

espécies diferentes pertencentes à sintaxe da língua ou, ao que chama, das instâncias do

discurso.

Iniciando pelos pronomes pessoais, Benveniste retoma e defende que apenas o

pronome eu e tu se enquadram efetivamente na categoria de pessoa. Ainda assim, o eu se

sobressai na pessoalidade. E continua: “eu significa a pessoa que enuncia (p. 278)” e é

identificada somente pela instância de discurso que o contém, dessa forma, “só tem

existência linguística no ato da palavras que a profere (p. 279). Ou seja “não tem valor a não

ser na instância na qual é produzida”, trazendo a compreensão do pronome para uma

categoria da lingua relacionada com a posição na linguagem. Ou seja: a posição da pessoa

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pronunciando eu, que é única e ocupa uma disposição particular na alocução. O tu, por sua

vez ocupa uma posição simétrica ao eu. O tu seria o indivíduo alocutário. Em outras

palavras, os pronomes pessoais eu e tu, não são apenas formas lexicais, são efetivamente

posições. A posição do locutor e a posição do alocutário. Que se revezam alternadamente

como sujeitos na alocução. Para Benveniste, tal situação é característica da linguagem, que

impõe uma condição às línguas que, como salienta Flores (2013), reserva lugares de pessoa

e não pessoa, sem o que não seria possível falar.

Em seguida Benveniste une o pronomes pessoais eu e o tu a uma série de indicadores

com as mesmas características: conjuntos de signos vazios, não referenciais, não matérias,

que se tornam plenos apenas quando o locutor os assume na instância de seu discursos, tais

como os pronomes demonstrativos, advérbios de tempo, de lugar e locuções adverbiais: as

dêixis.

Para Benveniste, como enfatiza Flores (2013, p. 95), “as palavras dêiticas não

remetem a posições objetivas no tempo ou no espaço, mas a enunciação que as contém”.

1.3 DA SUBJETIVIDADE NA LINGUAGEM (1958)

A subjetividade, para Benveniste (2005, p. 286), “é a capacidade do locutor de se

propor como sujeito.” Ou seja, como a capacidade que o locutor tem de se instituir como

sujeito na alocução. Concebe Benveniste que a “a linguagem está na natureza do homem”

por isso critica a concepção da linguagem como mero instrumento de comunicação no texto

Da subjetividade na linguagem (1958). Seria reducionismo aceitar tal coisa. Tal concepção

instrumental coloca em oposição o homem e a natureza. Mas isso é inconcebível, pois a

linguagem estaria na natureza do homem, na própria definição do homem.

Para Benveniste (2005, p. 286) é na linguagem e pela linguagem que o homem se

constitui como sujeito. Ou, como afirma magistralmente: “É ‘ego’ que diz ‘ego’”. Ou seja,

como esclarece Flores (2013): é o sujeito que diz eu, ou ainda, é o sujeito quem assume a

posição de eu. Encontra-se aí, nesse argumento, o fundamento da subjetividade “que se

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determina pelo status linguístico de ‘pessoa’” (BENVENISTE, 2005, p. 286). Então conclui:

A linguagem é “profundamente marcada pela expressão da subjetividade (p. 287)”.

Continuando seu pensamento, que coloca efetivamente o sujeito na língua, para

Benveniste (2005), os pronomes eu e o tu não devem ser tomados como figuras, mas como

formas linguísticas que indicam a categoria de pessoa. Defende que os pronomes pessoais

são “o primeiro ponto de apoio para essa revelação da subjetividade na linguagem (p. 288) ”,

afirmando categoricamente que “única é a condição do homem na língua (p. 287)”.

Flores (2013, p. 102) esclarece, todavia, que, para Benveniste, a categoria de pessoa,

é algo muito mais amplo que a simples associação aos pronomes pessoais. Assim afirma:

“Ela, é o próprio fundamento linguístico da subjetividade, uma vez que a linguagem contém

as formas linguísticas apropriadas a expressão da subjetividade”. Ao se apropriar, no

exercício do discurso à sua pessoa, definindo-se a si mesmo como eu, o locutor se assume

como sujeito. Na primeira pessoa se manifesta efetivamente a subjetividade. Em Benveniste

(2005) a linguagem só é possível “porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo

a ele mesmo como eu no seu discurso (p. 287).” Nesse entendimento, a linguagem estaria

da de tal maneira estruturada que permitiria ao locutor apropriar-se da língua

Nesse artigo, Da subjetividade na linguagem (1958), como novamente esclarece

Flores (2013), a categoria de pessoa benvenistiana é evocada como indicador de

subjetividade.

1.4 O APARELHO FORMAL DA ENUNCIAÇÃO (1970)

Nesse texto complexo, talvez o mais complexo de todos os textos de Benveniste, o

linguista sintetiza sua construção teórica enunciativa de 40 anos de reflexões linguísticas.

Tão significativo, segundo Flores (2013), e tão impactante também, que causou profunda

influência na linguística dos anos 1970 e ainda provoca atualmente.

Em o aparelho formal da enunciação (1970) Benveniste (2006) declara,

efetivamente, sua concepção de enunciação. Define enunciação como “colocar em

funcionamento a língua por um ato individual de utilização (p. 82)”. Ou como ele mesmo

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reforça: “É o ato mesmo de produzir um enunciado”, a tomada da palavra. Constitui-se,

portanto, como o processo de inserção dos sujeitos na língua. Isto é: é nesse ato, a tomada

da palavra, que o sujeito se insere, efetivamente, na língua.

Nesse ato, o locutor “mobiliza a língua por sua conta (BENVENISTE, 2006p. 82)” e

a “relação do locutor com sua língua determina os caracteres linguísticos da enunciação

(p.82).” Dessa forma, “o locutor se apropria do aparelho formal da língua e anuncia sua

posição de locutor por meio de índices específicos [...]e por meio de procedimentos

acessórios (p.84).” A enunciação pressupõe, portanto, um quadro que se configura por

sujeitos e situação: a noção de pessoa, o espaço e o tempo.

Mas embora considere um ato individual, para Benveniste (2005, 2006), a

enunciação é um mecanismo total, que afeta a língua inteira. Toda a língua estaria

estruturada para a enunciação.

O conceito de enunciação “é sem dúvida a tentativa mais importante para ultrapassar

os limites da linguística da língua (MALDIDIER; NORMAND; ROBIN, 1994, p. 72, apud

FLORES, TEIXEIRA, 2012)”. Trata-se, como reforça Flores e Teixeira (2012) de um estudo

que busca evidenciar as relações da língua, não apenas como sistema combinatório, mas

como linguagem assumida por um sujeito. Uma tentativa de preencher as lacunas da

linguística pelo argumento de que o estudo semântico dos enunciados é insuficiente quando

não se leva em conta a enunciação

Ainda, para Benveniste (2005), o processo de enunciação pode ser estudado sob

diversos aspectos. Em O aparelho formal da enunciação (1970) apresenta três: i) a

realização vocal da língua ou enunciação fônica. É a própria sonorização. A emissão dos

sons da voz; ii) a semantização da língua. As relações de formas e sentido que contribuem

para a conversão da língua em discurso; iii) o quadro formal de realização. Os caracteres

formais a partir da qual a enunciação se evidencia. Neste último aspecto o linguista se detém

detalhadamente. É, em suma, o objetivo principal do artigo.

Benveniste então apresenta, nas palavras de Flores (2013), um verdadeiro caminho

metodológico para o estudo da enunciação do quadro formal da enunciação: “Na enunciação

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consideramos, sucessivamente, o próprio ato, as situações em que se realiza, os instrumentos

de sua realização (BENVENISTE, 2005, p. 83).”

Como se pode observar, os textos de Benveniste, aqui parcialmente apresentados,

com seu característico pensamento singular e complexo, contribuíram, e ainda contribuem,

para o entendimento da real importância do homem na linguagem. Ampliando o

entendimento do processo linguístico humano para além de uma abordagem instrumental da

linguagem.

Inicialmente, abordou-se o entendimento do caráter eminentemente subjetivo da

primeira e segunda pessoa verbais. Em seguida observou-se, na categoria dos pronomes

pessoais, o papel diferenciado que os pronomes eu e tu assumem na alocução.

Posteriormente, apresentou-se o entendimento que a linguagem humana estaria estruturada

de tal forma que permitiria ao locutor apropria-se dela, subjetivamente. E por fim o

entendimento que esse processo individual de apropriação, a enunciação, insere o homem na

língua diretamente, manifestada através de certos indicadores.

Esses indicadores, como marcas da subjetividade na linguagem, serão tratados a

seguir.

2 ENUNCIAÇÃO: UM OLHAR SOBRE AS MARCAS DO SUJEITO NA FALA

E NA ESCRITA

Benveniste (2006, p. 84) declara que “o locutor apropriado do aparelho formal da

língua enuncia sua posição de locutor.” Sim, “a língua introduz em primeiro lugar o locutor

como parâmetro nas condições necessárias da enunciação (BENVENISTE, 2006, p. 83).”

E como isso se dá? Benveniste (2006, p. 83) esclarece, “por meio de índices

específicos, de um lado, e por meio de procedimentos acessórios, de outro.” Esse processo,

portanto, “supõe a conversão individual da língua em discurso”. Ora, para que haja

enunciação, é necessário que haja, em primeiro lugar, um locutor que faça operar a língua

por sua conta, efetuando-a em uma instância de discurso.

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No que se refere à enunciação escrita, ela é considerada pelo próprio Benveniste no

célebre texto: O aparelho formal da enunciação. Ao finalizar seu artigo, Benveniste conclui:

“seria preciso também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita (BENVENISTE,

2006, p.90)”.

Mas, conforme salienta Flores (2018, p .402), Benveniste não desenvolve essa

reflexão pois “limita-se a abordar um aspecto” geral da enunciação, “o quadro formal de

realização da enunciação”.

Assim, Flores (2018, p.415) propõe uma prospecção no sentido do desenvolvimento

desse ponto da teoria de Benveniste, ou seja, uma concepção de enunciação escrita. E nesse

espírito, sugere “ir além” do que o linguista sírio-francês formulou, considerando, inclusive

“deslocamentos e novas formulações conceituais.”

As prospecções de Flores (2018) são deveras esclarecedoras e, ao mesmo tempo

instigantes. Embora esboce uma proposta para se aproximar da teoria enunciativa

benvenistiana — com indicativos bastantes sugestivos, como por exemplo: i) “uma teoria

da enunciação escrita implica necessariamente uma teoria de leitura (p.415)”; ii) “a escrita

comporta tanto as marcas daquele que escreve quanto daqueles que o autor faz se

enunciarem em seu texto (p. 416)”; iii) “é possível aceitar que o locutor, assim como produz

a enunciação escrita, produz também a leitura da enunciação escrita; (p.416)” — tampouco

Flores (2018) conclui esse esforço, o que deixa, evidentemente, aberta a possibilidade de

outras contribuições para o entendimento da linguística enunciativa escrita em Benveniste.

De fato, Benveniste (2006, p. 82) sugeriu que a enunciação “pode ser estudada sob diversos

aspectos”.

Pesquisadores têm acolhido a sugestão de Benveniste, como por exemplo:

Silva (2018), que considera ser na dimensão do discurso que se pode “conceber o

texto em uma perspectiva enunciativa de linguagem (p.426)”. Nessa perspectiva, declara

Silva (2018 p. 426): “o estudo enunciativo de um texto privilegia a relação do produtor com

o discurso.”

Fenoglio (2013), que compreende ser possível abordar a enunciação escrita a partir

do estudo do rascunho manuscrito, como vestígios enunciativos ou “os traços de operações

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enunciativas (2013, p. 3),” no qual está exposto “o trabalho semântico do escrevente-

enunciador (2013, p. 4)” e se observa “o modo pelo qual a enunciação se desenvolve (2013,

p. 6)”. Tal abordagem autoriza a autora a afirmar que “a escrita é saturada enunciativamente

(2013, p. 7)”.

Juchen (2012), que analisou a escrita e a reescrita de textos produzidos por alunos

ingressantes no ensino superior, ressaltando o caráter intersubjetivo das produções e a

necessidade evidente dos estudantes marcarem-se no texto.

Knak (2012), que concebe a teoria enunciativa benvenistiana como pauta necessária

para o tratamento do texto falado e escrito no ensino da Língua Portuguesa.

Também Endruweit (2006), quando sugeriu que abordar a enunciação “implica um

gesto de leitura singular (p. 99).” Debruçada sobre a redação escolar do ensino médio,

comparou os rascunhos originais com as versões finais entregue aos professores, procurando

identificar os movimentos constitutivos dos sujeitos no texto, na concepção que “o sujeito

escrevendo deixa traços de sua experiência (p. 116).”

Sim, afirma Flores (2012, p. 164) “o homem se marca na língua, se singulariza na

língua, se propõe como sujeito na língua.” É pois, “em torno da noção de sujeito que a

linguística da enunciação se constitui (COX, 2017, p. 1115) e sobre as noções de índices e

procedimentos acessórios, como marcas enunciativas ou indicadores da subjetividade na

linguagem, que a enunciação se evidencia (ARESI, 2011, p. 271). Significando, que a

linguagem dispõe de formas linguísticas próprias que expressão a enunciação. Ou, como diz

Benveniste (2006, p. 84) há “um jogo de formas específicas cuja função é de colocar o

locutor em relação constante e necessárias com sua enunciação.”

Trata-se aqui justamente de ver como o locutor se marca no seu dizer: como o

locutor enuncia a sua posição de locutor; quais as unidades linguísticas que revelam a

relação do homem com a língua; quais os instrumentos linguísticos que asseguram a

presença cada vez singular do locutor em sua enunciação (ARESI, 2011, 2012).

O que seriam então os índices específicos e os procedimentos acessórios que

demarcam a posição do sujeito no processo enunciativo?

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Quanto aos índices específicos, Benveniste (2006) apresenta uma explicação para

essa indagação: i) os índices de pessoa (relação eu-tu); ii) os índices de ostensão - termos

que implicam um gesto que designa o objeto ao mesmo tempo que é pronunciada a instância

do discurso (este, aqui, etc); iii) as formas temporais.

A enunciação pressupõe, portanto, um quadro que se configura por sujeitos e

situação: a noção de pessoa, o espaço e o tempo.

Sobre esse aspecto, esclarece Aresi (2011; 2012): os pronomes pessoais, indicadores

dêiticos pronominais e adverbiais, tempos verbais, verbos modalizadores e performativos,

permitem que o locutor, ao se apropriar da língua, designe-se como sujeito. Assim, os

índices específicos da enunciação correspondem as categorias de pessoa, tempo e espaço: o

aqui-agora do locutor. Tais índices seriam, portanto, os indicadores por excelência da

subjetividade na linguagem.

E no caso da enunciação escrita, como se procede?

Benveniste (2006) é categórico ao afirmar que não há enunciação sem locutor. Então,

considerando essa premissa, evidentemente, não há enunciação escrita sem locutor. Nesse

sentido Flores (2018) enfatiza que é possível conceber até diferentes locutores em diferentes

planos da enunciação escrita mas não há enunciação escrita sem locutor. Com isso, desloca-

se a problemática da autoria do texto para outra dimensão: a da presença do locutor. Assim,

a enunciação é sempre referida àquele que enuncia, o locutor, independentemente do plano

em que ele enuncia.

Flores (2018) então questiona: “quem é o locutor parâmetro das condições

necessárias da enunciação escrita? O autor do texto? (p.411)”. E quanto ao alocutário?

Aquele a quem a enunciação é direcionada. — Benveniste (2006) considera que quando o

sujeito se declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que

seja o grau de presença que ele atribua a este outro. E conclui: “toda enunciação é, explícita

ou implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário (Benveniste 2006: 84).” —

Assim Flores (2018) indaga: “quem é o alocutário da enunciação escrita? O leitor do texto?

(p. 412)”

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Flores (2018, p.413) tem uma proposta: “se o leitor pode ser pensado como

alocutário, isso somente é possível do ponto de vista do locutor, pois, do ponto de vista da

leitura, o leitor é sempre um locutor”. Sugerindo que “o leitor enuncia a leitura, a sua

leitura”. Então conclui: “se o locutor é sempre o ‘parâmetro’ da enunciação, ao se considerar

tanto a produção da escrita quanto a leitura da escrita, é do locutor que se trata sempre.

Locutor e alocutário são, em suma, sempre colocutores.”

Flores (2018, p.415) então considera que sobre à situação – as coordenadas de

tempo, espaço e pessoa – “há uma situação de produção da enunciação escrita e uma

situação de leitura da enunciação escrita. Ambas não coincidem em termos de coordenadas

de espaço-tempo-pessoa.” Em outras palavras “as circunstâncias de produção de uma

enunciação escrita estão necessariamente em disjunção com as circunstâncias de leitura.”

Quanto aos procedimentos acessórios, Benveniste (2006) também apresenta uma

resposta, ainda que incompleta. Considera a existência de diversos procedimentos utilizados

na enunciação que fornecem as condições necessárias às grandes funções sintáticas,

utilizadas pelo locutor para se marcar e influenciar o alocutário. Eles seriam: i) a

interrogação – que é uma enunciação construída para suscitar uma resposta; ii) a intimação

– ordens, apelos concebidos em categorias como o imperativo e o vocativo; iii) a asserção –

que visa comunicar uma certeza; iv) todos os tipos de modalidade formais que enunciam

atitudes do enunciador pertencentes aos verbos ou à fraseologia – tais como os verbos

optativo e subjuntivo; os indicativos de incertezas, indecisão, recusa, etc.

Sobre esse ponto, Aresi esclarece (2012) que os procedimentos acessórios da

enunciação possuem estatutos distinto em relação aos índices, uma vez que remetem não à

ideia de unidade, mas à de processo. Trata-se, portanto, não de elementos da língua

indicadores de subjetividade, mas de operações que o locutor realiza ao enunciar. Estão

relacionados ao próprio modo de organização das unidades linguísticas, ao processo de

agenciamento das formas da língua. Reconhecer isso significa alargar o alcance da análise

enunciativa para além das classes formais de pessoa, tempo e espaço.

Aresi (2011) considera, ainda, que compreender as marcas enunciativas como

restritos às categorias de pessoa, tempo e espaço, vislumbra apenas parte do aparelho formal

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da enunciação, concebe a enunciação pela metade. Que caracteres marcam a relação do

locutor com a língua? Aresi (2011, p. 273) então a afirma: “todos os caracteres do

enunciado, uma vez que todos eles fazem parte do processo de agenciamento sintagmático e

cumprem uma função nessa organização, a cada vez singular”. Ou seja, “a própria escolha

lexical é uma marca de subjetividade, o próprio recurso prosódico também o é. Em suma,

enunciar é subjetivizar a língua toda”.

Flores (2013) e Aresi (2011; 2012) sugerem, no entanto, que embora não explicitado

por Benveniste, muitos outros mecanismos poderiam ser tomados como procedimentos da

enunciação.

E no caso da enunciação escrita, quais os procedimentos acessórios? Teriam

características próprias?

Flores (2018, p. 416) considera, que com relação à particularidade da enunciação

escrita, esses instrumentos precisam ser observados levando em consideração a

complexidade desse tipo de enunciação, que comporta: uma dupla cena enunciativa.

Conforme apresentada por Benveniste (2006, p .90), a enunciação “se situa em dois planos:

o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita, ele faz os indivíduos se

enunciarem.” Flores (2018), assim afirma, que a escrita comporta tanto as marcas daquele

que escreve quanto daqueles que o autor faz se enunciarem em seu texto.

Ou seja, por meio de índices específicos e procedimentos acessórios o locutor/autor

se marca efetivamente no texto e se assume como sujeito no processo enunciativo.

CONCLUSÃO

Este estudo apresentou uma análise exploratória do pensamento enunciativo de

Emile Benveniste com intuito de ampliar a compreensão do sujeito na linguagem e as

marcas constitutivas dessa inserção. Sem dúvida uma reflexão preliminar, mas que

apresenta elementos aproximativos para contribuir nos estudos atuais sobre o tema. O

próprio Benveniste deixou explícito que a enunciação pode ser estudada sob diversos

aspectos. Deixou também explícito a existência da enunciação escrita e um convite aos

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estudiosos: “seria preciso também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita

(BENVENISTE, 2006, p.90)”. Oferece-se, com este trabalho, uma possibilidade de

colaborar nessa discussão.

REFERÊNCIAS

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282

ANÁLISE COMPARATIVA DA DISTRIBUIÇÃO DAS

INFORMAÇÕES EM RESUMOS (ABSTRACTS) E INTRODUÇÕES DE

ARTIGOS CIENTÍFICOS

Kamyla Pradines Guimarães68

RESUMO: Ao adentrar na graduação, o estudante precisa lidar com formas de escrita bastante específicas,

sendo uma das mais notórias o artigo científico. Diante disso, surgiram estudos que investigaram a estrutura

delas. A saber, o modelo CARS (Creat a Research Space) de Swales (1990), inicialmente produzido para

analisar a retórica de introduções de artigos. Igualmente, vários pesquisadores se debruçaram sobre o gênero

resumo (abstract). Entretanto, faltam trabalhos que analisem comparativamente o resumo e a introdução do

artigo do ponto de vista de quais informações são incluídas em um e na outra parte do texto. Dessa forma, o

objetivo deste trabalho é analisar comparativamente a distribuição das informações entre resumos (abstracts) e

introduções de artigos científicos. A presente pesquisa tem um corpus composto por 10 (dez) artigos

produzidos por estudantes do curso de Letras nos anos de 2017 e 2018. Os resultados demostraram que os

graduandos têm mantido parcialmente um padrão de e coerência entre o resumo e introdução. Por fim,

concluímos que a produção dos gêneros acadêmicos ainda aparenta ser uma tarefa nada fácil para um

graduando.

Palavras chave: Artigo científico; Resumo; Introdução; Organização retórica; letramentos.

INTRODUÇÃO

O aluno que adentra na graduação se depara com uma realidade acadêmica na qual

estão inseridas práticas distintas de leitura e escrita, previstas em eventos de letramentos

acadêmico. Partindo desse pressuposto e, tendo em vista que o Artigo Científico é um

gênero de bastante notoriedade na comunidade científica, podemos afirmar que estar

familiarizado a ele é essencial para obter êxito em um cenário acadêmico de “publique ou

pereça!” (MOTTA- ROTH; HENDGES, 2010, p. 13). No curso de Letras da Universidade

Católica de Pernambuco (UNICAP), por exemplo, é bastante comum que professores

solicitem aos graduandos a produção de um artigo como meio avaliativo em uma disciplina.

68 Graduanda em Letras Português/Inglês pela Universidade Católica de Pernambuco/UNICAP e voluntária no

projeto de iniciação à pesquisa (PIBIC), sob a orientação do professor Dr. Benedito Gomes Bezerra

(UNICAP/UPE).

E-MAIL: [email protected]

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Além do mais, para aqueles que almejam uma carreira como pesquisador, a publicação de

seu estudo através de um artigo científico em anais e revistas é um meio de promoção e

prestígio. E como é salientado por Motta-Roth e Hendges (2010):

A atividade de pesquisa está essencialmente ligada ao meio universitário,

onde professores e alunos desenvolvem estudos avançados e pesquisas que,

mais tarde, se tornarão públicas por meio de apresentações em congressos,

mas principalmente, por meio da publicação de artigos (2010, p. 66).

Contudo, apesar da necessidade de se dominar a prática de produção do artigo, nem

sempre os estudantes estão familiarizados a ele; e, infelizmente,” há pouco ou nenhum

espaço para o ensino dos gêneros acadêmicos nos currículos de diversos cursos”

(BEZERRA, 2013, p.166).

O primeiro contato com o Artigo Científico se dá pelo resumo (abstract). Dessa

maneira, é o resumo que acaba por trazer as informações primordiais do texto fonte,

convencer a respeito da relevância da pesquisa e determinar se o artigo será ou não útil para

futuros pesquisadores. Para Motta-Roth e Hendges (2010), “o abstract resume as

informações do texto mais longo, permitindo que os leitores tenham acesso mais rápido ao

conteúdo desse texto. Em outras palavras, o abstract é um texto breve que encapsula a

essência do artigo que se seguirá” (2010, p. 152). Posteriormente ao abstract, no plano

material e textual, a seção de introdução também é responsável pela impressão prévia

provocada pelo artigo. É nela, que os autores relatam os objetivos e a justificativa do estudo.

Bezerra (2013) já salientava que “[...] essa percepção da importância da introdução para o

sucesso do artigo já orientava o trabalho de Swales (1990)” (p. 166).

Nesta pesquisa, fizemos uma análise dos movimentos retóricos presentes em

introduções e resumos de artigos científicos. Um ponto particularmente inovador e relevante

do nosso estudo foi a análise da relação de distribuição de informações entre essas duas

partes do artigo, do ponto de vista de quais informações são inseridas em uma ou em outra

parte do artigo, e se há uma coerência entre elas. A maioria dos estudiosos anteriores, tais

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como Swales (1990), Biasi-Rodrigues (1998) e Ritti-Dias e Bezerra (2013), se concentrou na

análise de resumos e introduções separadamente.

Dessa maneira, este estudo foi consideravelmente relevante, uma vez que analisar os

movimentos retóricos de um texto pertencente a um determinado gênero é essencial para

compreender a essência do próprio gênero e o seu propósito social. Além de que a relação

entre resumo e introdução é um aspecto fundamental que retoma à organização global do

texto e sua relação de continuidade. Dessa maneira, nosso trabalho pode contribuir, de uma

maneira mais específica, para investigação do modo em que os graduandos em Letras

produzem um artigo científico à medida que se tornam academicamente letrados.

Nesta pesquisa, Oliveira (2017), Biasi-Rodrigues, Hemais e Araújo (2009), Motta-

Roth e Hendges (2010) e Ritti-Dias e Bezerra (2013) foram os teóricos com os quais

dialogamos. Seus estudos revisitaram as obras de Swales (1990), cujas contribuições

desbravaram significativos estudos no campo da análise de gêneros textuais, oferecendo

subsídios que auxiliassem o reconhecimento dos gêneros. Swales julgava o gênero não

apenas como uma fórmula textual de noções reducionistas, mas “uma classe de eventos

comunicativos realizados por meio da linguagem verbal” (BIASI-RODRIGUES; HEMAIS;

ARAÚJO, 2009, p. 19). Para ele, uma vez que sejam dominadas as características formais e

funcionais de um dado gênero textual, os estudantes podem desenvolver a plena capacidade

de produzir textos que “realizem com eficácia seus propósitos comunicativos” (BIASI-

RODRIGUES, HEMAIS. ARAÚJO, 2005, p. 17).

A princípio, os protótipos retóricos advindos de Swales (2010) propuseram um caráter

analítico que mapeou as estratégias retóricas mais recorrentes em diversos gêneros textuais a

fim de formular um modelo padrão. Porém, de acordo com Ritti-Dias e Bezerra (2013), “o

modelo CARS construiu, entretanto, além de um trabalho investigativo, também um

trabalho de caráter pedagógico” (RITTI-DIAS; BEZERRA, 2013, p. 169).

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1 OBJETIVOS

1.1 OBJETIVO GERAL

Analisar comparativamente a distribuição das informações em resumos (abstracts) e

introduções de artigos científicos produzidos por alunos de graduação em Letras da

Universidade Católica de Pernambuco.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

(1) Examinar a organização retórica de resumos (abstracts) produzidos por alunos de

graduação;

(2) Investigar a organização retórica de introduções de artigos científicos produzidos por

alunos de graduação;

(3) Analisar padrões de recorrência e de coerência entre resumos (abstracts) e introduções de

artigos científicos.

2 MATERIAL E METÓDOS

A presente pesquisa é de cunho qualitativo e tem um corpus composto por 10 (dez)

artigos científicos, em exemplares já concluídos, produzidos por estudantes do curso de

Letras da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) nos anos de 2017 e 2018.

Adotamos como requisitos a diversificação de autores e orientadores no que diz respeito à

produção dos textos coletados. Alguns desses textos foram produzidos com a finalidade de

obter nota em disciplinas do curso de Letras e outros tiveram caráter independente ou

motivados partir do Projeto de Iniciação à Pesquisa (PIBIC).

Inicialmente, perguntamos a vários alunos de períodos diversos se eles já haviam

produzido um texto do gênero artigo científico. Uma boa parte deles relatou que já produziu

um artigo em algum momento do curso e se disponibilizou a enviá-lo sob o critério da não

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286

exposição do nome do autor. Os textos foram enviados pelos alunos através de e-mails,

sendo posteriormente impressos para análise. Apesar do grande número de textos recebidos,

poucos deles se enquadraram no gênero requerido. Em termos mais específicos, os textos

recebidos são classificados em resumos, relatórios finais e parciais do PIBIC, Resenhas,

Papers, relatórios de estágio, entre outros. Diante do enorme desconhecimento das

convenções acerca do gênero solicitado, tivemos que explicar resumidamente a estrutura e

característica dele, para obtermos textos que se enquadrassem no gênero artigo científico.

A proposta de análise consistiu em verificar a organização retórica entre resumos e

introduções de artigos científicos. Para a análise dos dados, foi utilizado, nas introduções, o

Modelo CARS (create a reserach space), proposto por Swales (1990; 2004). O autor

formulou sua definição para gênero textual através de estudos no campo da Literatura,

Discurso, Folclore e Retórica. Seu modelo já é considerado pioneiro no campo dos estudos

sociorretóricos e foi revisitado por Biasi-Rodrigues, Hemais e Araújo (2005) e Motta-Roth e

Hendges (2010), cujas contribuições também auxiliaram esta pesquisa.

Quanto aos resumos, nos baseamos em Oliveira (2017), que formulou um modelo

retórico a partir de padrões propostos por Bhatia (1993) e Swales e Feak (2010). Esse

modelo, de acordo com as palavras do próprio autor

Enquadra as ocorrências das estratégias retóricas mais enfáticas e utilizadas

por uma grande maioria de estudantes, professores e pesquisadores da área

de Letras/Linguística. Para isso, observamos uma possibilidade mais viável,

uma melhor comodidade na aplicação desse modelo em estudos futuros

(OLIVEIRA, 2017, p. 119).

Todos os 10 (dez) artigos analisados se encontram na categoria de experimentais e

empíricos, que tem por objetivo “apresentar e discutir dados sobre determinado problema

dentro de uma área de conhecimento específica e fazer interpretações na forma de resultados

de pesquisa” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 67). Os mecanismos retóricos

utilizados na análise dos dados nesta pesquisa são ferramentas que nos auxiliaram a

compreender como os discentes reconhecem um gênero como tal.

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Uma vez selecionados os artigos a serem analisados, os seguintes procedimentos

foram adotados para cada modalidade de texto/gênero:

1) Análise dos movimentos retóricos dos resumos/abstracts e das introduções de

pesquisa, aplicando-se o modelo CARS e o modelo proposto por Oliveira (2017);

2) Comparação das organizações retóricas de ambos os textos (resumos/abstracts e

introduções) em termos de sua coerência global;

3) Discussão dos resultados.

No quadro 1, detalhamos o corpus do estudo com informações sobre o título do

artigo.

Artigo Título

1 A importância da leitura nas aulas do ensino médio

2 A formação discursiva da personagem feminina no cinema: desafios e

estereótipos

3 Aspectos prosódicos suprassegmentais no autismo

4 Literatura de cordel: um apoio pedagógico para os professores

5 A interferência da linguagem das redes sociais na aprendizagem do português

padrão: uma interpretação sociolinguística

6 Letramento digital e Recursos Educacionais Abertos (REA): uma proposta ao

ensino da produção de textos escritos online

7 A perda da identidade: aspectos intertextuais nas obras literárias “Prova de

amor” de Marina Colasanti e “O leão apaixonado pela filha do lavrador” de

Esopo

8 A representatividade indígena no âmbito educacional

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288

Quadro 1: constituição do corpus para a análise

3 ANÁLISE TEÓRICO-METODOLÓGICA DOS DADOS

3.1 OCORRÊNCIAS DE ESTRATÉGIAS RETÓRICAS EM RESUMOS (ABSTRCTS)

Em geral, o abstract tem duas formas bastante comuns de publicação. A primeira diz

respeito ao texto produzido com intuito de convencer a comissão avaliadora a aceitar seu

trabalho em congressos e conferências. Esse resumo, então, antecipa o conteúdo da pesquisa

a ser apresentada no evento e é intitulado por Oliveira (2017) como Resumo de

comunicação. Já a segunda forma de publicação é aquela em que o resumo acompanha um

outro texto acadêmico, e a sua função é sintetizar o texto fonte, indicando ou não ao leitor se

o ele lhe será útil. Segundo Motta-Roth e Hendges:

Especificamente no caso de artigo acadêmico, o abstract tem o objetivo de

sumarizar, indicar e predizer, em um parágrafo curto, o conteúdo e a

estrutura do texto integral que segue. Funcionando como uma fonte de

informação precisa e completa, abstracts ajudam os pesquisadores a ter

acesso rápido e eficiente ao crescente volume de publicações científicas

(2010, p. 152, apud GRAETZ, 1985, p. 123; SALAGER-MEYER, 1990, p.

366).

No Corpus desta pesquisa, todos os resumos foram retirados de artigos científicos,

devendo, portanto, refletir a estrutura e convenções que regem esse gênero na comunidade

acadêmica. O modelo formulado por Oliveira (2017) e que utilizamos em nossas análises,

tecnicamente, nos permite investigar os movimentos retóricos presente em ambos os

resumos. Essa duplicidade se deu porque o autor mesclou em seu modelo protótipos de

9 Uma análise do discurso: O esquadrão da moda e o assujeitamento ideológico

10 Impossibilidade de objeto único na semântica: heterogeneidade de sentido

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289

Bhatia (1993), que atendiam aos resumos de comunicação, e protótipos de Swales e Feak

(2010), que atendiam aos resumos de artigos científicos. O modelo em questão é composto

por cinco unidades retóricas (Moves) que são preenchidas por treze subunidades (ERs). Para

que as ocorrências de cada Move sejam efetuadas, é necessário que o autor empregue pelo

menos uma das subunidades (ERs), de forma que ele faça sua escolha “de acordo com a

proeminência que quer dar a certos aspectos das informações nas respectivas unidades”

(BIASI-RODRIGUES, 2009, p. 60). Trazemos abaixo a transcrição completa do modelo de

Oliveira (2017) e as ocorrências de todos os passos.

Figura 1: modelo de resumo

Fonte: Oliveira (2017)

3.2 OCORRÊNCIAS DE ESTRATÉGIAS RETÓRICAS EM SEÇÕES DE INTRODUÇÃO

Uma vez analisados os resumos, partimos para as seções de introdução. O Modelo

CARS (SWALES; 2004), que adotamos para investigar as estratégias que os Graduandos em

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290

Letras usam para distribuir as informações nas seções de introdução de artigos científicos,

teve como alvo, a princípio, introduções de artigos acadêmicos das áreas de psicologia,

física e educação, sendo adaptado posteriormente à análise de outros gêneros textuais de

outras diversas áreas disciplinares. A saber, esse modelo construiu, “além de um trabalho

investigativo, também um trabalho de caráter pedagógico” (BEZERRA, 2013, p. 169). Ele é

composto por três partes argumentativas funcionais denominadas “Movimentos retóricos”

(Moves), subdivididas em passos (steps) que alternam entre opcionais e obrigatórios.

Conforme ressalta Motta-Roth e Hendges (2010, p. 83), “cada uma dessas etapas do texto é

interpretada como um movimento em um jogo de xadrez, cujo objetivo último é convencer

o leitor da importância do artigo e, assim, persuadi-lo a seguir lendo o artigo até o fim”. No

Quadro 2, detalhamos o Modelo CARS e as ocorrências de casa passo nas introduções.

Quadro 2: Modelo CARS

Fonte: Swales (1990;2004)

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291

3.3 O QUE MOSTRAM AS ANÁLISES ENTRE AMBAS AS PARTES DO ARTIGO

O resumo e a introdução de artigos científicos diferem quanto à organização retórica e

características estruturais, uma vez que ambos têm propósitos distintos e são produzidos sob

circunstâncias distintas. Entretanto, sabendo que eles refletem o texto-fonte em termos de

sua organização global e são de caráter introdutório e apelativo, quanto ao que diz respeito a

chamar atenção para a relevância do estudo, certamente há, em sua estrutura retórica,

informações que se assemelham quanto sua funcionalidade. São essas informações, que, de

acordo com os modelos adotados para a análise, mapeamos a fim de saber em quais partes

do texto (resumo ou introdução) elas são mais inseridas e se há uma continuidade e clareza

quanto a sua distribuição.

Ao analisarmos o total de ocorrências das estruturas mencionadas, os resultados obtidos

mostram que os autores fazem generalizações acerca da pesquisa e do objeto de estudo em

ambas as partes do artigo. Dentre os 10 (dez) textos coletados, 9 (nove) autores recorreram

às estratégias retóricas no resumo ao Contextualizar a pesquisa (ER1), Apresentar o objeto

de estudo (ER2), Apresentar o problema a ser solucionado (ER3) e Levantar hipóteses

(ER4). Foi possível observar que a estratégia mais utilizada foi a ER2-Apresentando o

objeto de estudo, do Move 1 (Estabelecer o contexto), estando presente em 6 (seis) resumos

(abstracts). Em contrapartida, a ER3: Apresentando um problema a ser solucionado foi

realizada por apenar 1 (um) autor. Seria essa uma forma de estabelecer uma subárea para o

estudo, a partir de lacunas em pesquisas anteriores e que serão fechadas no estudo. A falta

dessa estratégia pode ser facilmente compreendida como um receio por parte dos estudantes

em questionar uma teoria fortemente já estabelecida. E mesmo quando tal estratégia foi

empregada, o autor não deixou evidente a que teórico sua pesquisa se contrapôs, delegando

essa responsabilidade a uma área disciplinar. Tal como podemos observar em:

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Excerto 1: Resumo:

A partir dessa análise histórica, entendeu-se que o conceito de significado é

problemático e ainda continua em aberto, levando a Semântica a uma

condição de marginalização entre as ciências linguísticas, porém, isso (...)

Excerto 2: Introdução:

Dentro dessas pesquisas, mais especificamente as que se tratam da

linguagem de uma pessoa no espectro, tem se preservado uma ideia de

diagnose, esquecendo-se, portanto, de entender os entrelaços peculiares

que uma pessoa com esse transtorno cria com a linguagem. Essa ideia

constrói certas dicotomias que são prejudiciais a uma análise (...)

Não foi surpreendente, então, que a maioria dos estudantes se deteve a inserir seu

estudo dentro de uma linha de pesquisa já estabelecida, recorrendo ao Passo P1D-

Continuando uma tradição, do Movimento 2-Estabelecendo um nicho, fato que,

aparentemente, dá uma sensação de segurança aos estudantes. Logo, a finalidade dessa

estratégia retórica foi de apresentar um quadro teórico em consonância com as ideias do

autor. Como observado em:

Excerto 3: Introdução:

Seguindo essa linha de pensamento, esta pesquisa busca realizar a análise

do discurso de um programa televisivo, partindo da ideia de Kock (1997, p.

9), [...]

Especificamente na parte que cabe à introdução, os autores empregaram estratégias

retóricas ao fazerem uso frequente do passo P1C-Levantando questionamentos, do

Movimento 2 (Estabelecendo um Nicho) na tentativa menos chamativa de enfatizar que

existem problemáticas em pesquisas anteriores sem que necessariamente eles precisem

apontar quais são tais pesquisas e a quais teóricos elas estão relacionadas. Esse passo foi

empregado em 3 (três) artigos, através de sentenças interrogativas bem videntes, como

podemos observar abaixo:

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Excerto 4: Introdução

Percebe-se que dentro das instituições de ensino muitos alunos não sentem

a ausência do índio, bem como não aceitam as políticas de cotas, isso se dá

devido a uma estrutura social, ou a uma romantização acerca desses

primeiros nativos que precisa ser desconstruída? (...)

Ainda ao que diz respeito ao Nicho de pesquisa, foi observado que, na introdução,

em 1 (um) artigo, não foi aberto um espaço para estabelecer a área em que a pesquisa se

inseriu. Havendo assim, a ausência total do Movimento 2-Estabelecendo um nicho. No

entanto, percebemos que o autor buscou, no resumo, apresentar lacunas em pesquisas já

estabelecidas, através da ER3: Apresentando o problema a ser solucionado do Movimento 1-

Estabelecer o contexto. Fomentando assim, de maneira bastante sucinta, o nicho de pesquisa.

Notou-se ainda que o mesmo autor, entretanto, delineou claramente os propósitos do seu

estudo na introdução, numa tentativa confusa de preencher um espaço que não foi, por ele,

claramente delimitado.

Ainda quanto à parte que cabe à introdução, os estudantes também recorreram

frequentemente às estratégias retóricas ao realizarem o passo S2-Fazendo generalizações

sobre o tópico, estando ele presente em 8 (oito) artigos analisados. A forte ocorrência dessa

subunidade, e consequentemente da unidade 1- Estabelecendo um território, em que ela está

inserida, “explica-se pela importância estratégica de se procurar argumentar e convencer o

leitor sobre a relevância do trabalho” (RITTI-DIAS; BEZERRA, 2013, p. 174). Quanto aos

resumos, recorrer à importância do estudo foi uma foi uma estratégia pouco recorrente, a

partir da ER3- Apresentando o problema a ser solucionado do Movimento 1-Estabelecer o

contexto.

Quanto à distribuição acerca dos objetivos da pesquisa, foi observado que os

estudantes/autores recorreram às estratégias retóricas quase que igualmente em ambas as

partes do texto. Em 7 (sete) introduções, os autores realizaram o Passo P1A-Esboçando

propósitos do Movimento 3- Ocupando o Nicho. Já nos resumos, foram encontradas 9

(nove) ocorrências da ER2-Apontando os objetivos do Movimento 2- Introduzindo o

propósito. Em 2 (dois) artigos, as informações acerca dos objetivos foram inseridas de

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maneira alternada entre o resumo e a introdução. E em 1 (um) artigo, não houve qualquer

menção aos objetivos da pesquisa, havendo assim uma situação atípica, uma vez que os

objetivos são sempre requeridos, como por exemplo, quando o autor deve enviar seu resumo

a uma banca avaliadora ou produzir o resumo do trabalho completo, sob um protótipo

geralmente muito bem delineado- IMRC (introdução, métodos, resultados e conclusões. A

falta dos objetivos, por assim dizer, afetou bastante o caráter informativo do estudo,

deixando também muito imprecisa a área em que a pesquisa pretende se inserir (Nicho).

Observamos, em nosso corpus, que, quando delimitados, os objetivos eram inseridos de

forma bastante sucinta nos resumos, sendo mais ampliado nas seções de introdução. De fato,

devido ao caráter restrito dos resumos, que geralmente são um texto com, no máximo, 500

palavras, é quase que impossível explanar amplamente certos aspectos sem desmerecer

outros.

Excerto 5: Resumo:

O objetivo deste trabalho é analisar as publicações científicas nas bases de dados

Lilacs, Bireme e Scielo (...)

Excerto 6: Introdução:

Este artigo, portanto, tem como objetivo fazer uma análise de como as bases de

dados Lilacs; Bireme e Scielo são permeadas de características prosódicas

peculiares,(...)

Ainda em nossas análises, foi observado que os autores também recorreram às

estratégias retóricas quando explanavam os procedimentos metodológicos da pesquisa

através, principalmente, da ER4-Descrevendo os procedimentos ou métodos do Movimento

3-Descrever a metodologia, no resumo. Também foram empregadas as Er-1- Apresentado

um quadro teórico-metodológico e ER2-Descrição dos fundamentos teóricos em 4 (quatro)

artigos ambos. Na introdução, entretanto, os autores também fizeram menção ao quadro

teórico em que a pesquisa se baseou, porém, com o a finalidade de construir um lugar de

destaque para a pesquisa, e afirmar que o estudo se seguirá sob o viés de determinado autor,

continuando assim uma tradição. Ainda na introdução, quando mencionados os

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procedimentos teóricos, os autores se detiveram a explanar de forma mais detalhada, o que

foi citado previamente citado no resumo.

Em outro aspecto deste estudo, foi observado que os autores também recorreram às

estratégias retóricas ao relatar os resultados e conclusões da pesquisa. Na introdução, o

Passo P2- Relatar os resultados ou achados também é uma forma de realizar o Movimento 3-

Ocupar o nicho de pesquisa do protótipo do pioneiro Swales. No corpus analisado, apenas

uma introdução contou com esse Passo. Em uma relação comparativa quanto à similaridade

e caráter de informações, descrever os resultados é a estratégia única do Move 4 - sintetizar

os resultados. Verificamos também que apenas um autor delineou os resultados no resumo.

Sabendo que os resumos acadêmicos “refletem uma sucinta descrição que compõe a maioria

dos textos científicos: Introdução, métodos, Resultado e Conclusões – IMRC” (OLIVEIRA,

2017, p. 156), podemos enxergar a falta da sintetização dos resultados nesse artigo

especificamente como um fato atípico e que compromete o caráter informativo do gênero

resumo. As conclusões, igualmente, também são previstas apenas no resumo, através da

Estratégia única ER5- Apresentando as conclusões, do Movimento 5- Apresentando as

conclusões. Dessa forma, em um dos artigos, percebe-se a ocorrência de um fato bastante

atípico, quando o autor expõe uma breve conclusão na introdução, com marcadores

linguísticos bem evidentes. Uma vez que as conclusões foram omitidas no resumo,

possivelmente, podemos entender que o autor achou ajustado inseri-las na introdução.

Consideremos, então o exemplo a seguir.

Excerto 7: Introdução

Concluiu-se que, de fato, é extremamente necessário que as escolas conduzam o

alunado para o mundo da leitura e ainda incorpore o próprio ato de ler ao dia a dia

(...)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo nos possibilitou investigar, a partir de Swales (2004) e Oliveira (2017), as

estratégias retóricas que os graduandos utilizam para distribuir as informações entre

abstracts e introduções de artigos acadêmicos e a eficácia em que os seus textos atingem ao

propósito acadêmico do texto, uma vez que escrever na universidade implica lidar com

gêneros textuais com propósitos bem específicos, e, muitas vezes, esses objetivos não são

atingidos devido à baixa familiarização com as convenções que determinam um gênero

como tal. Em nossas análises, constatamos que a maioria dos alunos seguiu os padrões

retóricos esperados para o artigo científico, ainda que um autor não tenha realizado o Move 2

da introdução (Estabelecendo um Nicho), o que configura um desconhecimento das

convenções que regem o gênero analisado nessa pesquisa.

Quanto à relação de distribuição entre as informações presentes no resumo e na

introdução, pudemos constatar que a maioria dos discentes optaram por descrever a

metodologia na seção de introdução. O passo 3 (Resenhando pesquisas anteriores) do Move

1 esperado na introdução tem um valor funcional semelhante à ER3 (Apresentando o

problema a ser solucionado) do Move 1 esperado no Resumo. Nossa análise demonstrou,

entretanto, que cinco autores preferiram comentar acerca de falhas que envolvem pesquisas

anteriores na seção de introdução, e três autores se referiram às respectivas falhas,

formulando, também na introdução, perguntas acerca da temática, realizando, portanto, o

Passo P1C (Levantando questionamentos) do move 2 da introdução. Os objetivos da

pesquisa foram mais equivalentes distribuídos nas duas partes do artigo, sendo o Passo P1A

(Esboçando os propósitos) do move 3 e a ER2 (Apontando os objetivos) do move 2

realizados ambos por sete autores. Quatro discentes preferiram incluir esclarecimentos a

respeito dos fundamentos teóricos no abstract, efetuando assim as ERs 1 (Apresentando o

quadro teórico-metodológico) e 2 (Descrição dos fundamentos teóricos). Oito autores

resolveram também continuar uma tradição de pesquisa já estabelecido (P1D, Move 2) na

introdução. Em geral, quando houve a possibilidade de expor uma informação de natureza

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parecida em ambas as partes do artigo, notamos que os autores tiveram uma preferência

maior pela introdução. Talvez isso possa ser compreendido devido ao caráter objetivo do

resumo e à sua estrutura curta, com limite definido de palavras.

Dessa forma, os autores, frequentemente, fazem generalização acerca da temática da

pesquisa, relatam os objetivos, indicam os procedimentos metodológicos e resenham

pesquisas anteriores. Em contrapartida, eles raramente indicam a estrutura do artigo,

levantam hipóteses, apresentam a justificativa da pesquisa, entre outros. Mas isso não

configura propriamente uma falha porque as subunidades retóricas tanto da introdução

quando do resumo podem variar entre opcionais e obrigatórias, dependendo do critério de

importância para o autor confere às informações e pretende salientar. As informações foram

melhor distribuídas nos resumos e elas foram relativamente coerentes com o artigo na

integra.

Por fim, concluímos que os graduandos mantêm um certo padrão de coerência e

continuidade entre o resumo e a introdução, mas aparentam desconhecer as convenções que

regem a estrutura de ambos, tornando-os pouco informativos. Em relação aos modelos

retóricos propostos por Swales e Feak e Oliveira, os resumos apresentaram maior

concordância, com exceção de um artigo que não realizou o Movimento 2 (introduzindo um

propósito). A introdução, entretanto, foi mais priorizada no sentido de construir um lugar de

destaque para a pesquisa a partir dos passos P1C (levantando questionamentos) e P1D

(continuando uma tradição). Dessa forma, entende-se que os graduandos ainda buscam

maneiras de melhor produzir Artigos científicos. No entanto, a elaboração de gêneros

acadêmicos no geral ainda parece ser uma tarefa complexa.

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ALGUMAS TESES SOBRE GÊNERO NA RELAÇÃO COM TEXTO E DISCURSO

Benedito Gomes Bezerra* (UNICAP/UPE)

RESUMO: Após pelo menos duas décadas de intensas reflexões sobre gêneros no contexto brasileiro, diversas

questões conceituais ainda permanecem como desafio para pesquisadores, estudantes de pós-graduação e, na

ponta, professores da educação básica, que em última análise constituem o público mais diretamente

demandado no que diz respeito a lidar com a noção de gênero de modo prático e efetivo para a vida dos

estudantes. Neste ensaio, discuto oito teses sobre gêneros que, de uma forma ou de outra, levantam a pergunta

da relação entre esse conceito e as noções inter-relacionadas de texto e de discurso. Ao fazer isso, questiono

certas crenças acadêmicas costumeiramente aceitas tanto no campo da linguística textual como das análises do

discurso e também no da educação. Como é próprio do discurso acadêmico, as minhas “teses” não constituem

verdades absolutas, mas chamadas ao debate e à reflexão contínua sobre esse conceito que tão grande impacto

causou sobre a pesquisa e o ensino de línguas no Brasil e no mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero. Texto. Discurso.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Muito se tem discutido sobre os gêneros, tanto do ponto de vista teórico como de

uma perspectiva aplicada. Como era de se esperar, há convergências e divergências entre os

postulados das várias teorias, assim como as aplicações ao ensino ou a outros campos da

atividade humana são as mais diferentes e guiadas por diferentes pressupostos. Não se pode

esperar um consenso absoluto quando se trata de um conceito tão complexo e multifacetado,

cujo interesse não se limita aos estudiosos da linguagem.

Neste trabalho, apresento um conjunto de teses que considero defensáveis à luz do

que já sabemos acerca dos gêneros. De toda forma, trata-se sempre, à maneira das famosas

95 teses afixadas por Martinho Lutero na porta da igreja do castelo de Wittenberg em 1517,

de convites ao debate e à reflexão. Porém, ao contrário do ocorrido com Lutero, que fez

precipitar-se a Reforma Protestante, não espero desencadear nenhuma revolução ou reforma

com esses postulados relativamente despretensiosos.

Relativamente, ademais, porque de um modo ou de outro, minhas teses se dirigem a

mitos ou crenças que vão se formando e de alguma forma resistindo aos avanços das

* Professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e da Universidade de Pernambuco (UPE).

Doutor em Letras/Linguística (UFPE). E-mail: [email protected].

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301

pesquisas sobre gêneros, e sempre há a esperança de contribuir para sua desconstrução. Cada

tese pressupõe um mito69 ou crença subjacente e por isso na maioria dos casos as teses são

formuladas como uma negação.

TESE 1: GÊNEROS NÃO SÃO OU DISCURSIVOS OU TEXTUAIS

Como defendo em meu livro Gêneros no contexto brasileiro (BEZERRA, 2017),

gêneros não são ou discursivos ou textuais, de modo que tenhamos que decidir por uma ou

por outra terminologia, como se vê em muitos trabalhos de pesquisa, materiais didáticos ou

mesmo em textos de especialistas. Os gêneros, pelo contrário, são tanto discursivos como

textuais, já que se colocam em uma relação de mediação entre o texto e o discurso. Portanto,

não faz sentido tentar delimitar estudos que se dedicam aos gêneros “textuais” de outros que

se voltam para os gêneros “discursivos”. Ou o gênero é tudo isso simultaneamente, ou não é

gênero. A ideia é que estudar gênero apenas como texto ou apenas como discurso é criar um

simulacro do gênero, numa atitude reducionista e insuficiente para explicar a complexidade

do fenômeno.

Entretanto, o fato é que a terminologia dúplice se estabeleceu firmemente nos

estudos de gênero no Brasil, para o bem ou para o mal. Assim, a distinção entre gêneros

textuais e gêneros discursivos se presta, por exemplo, à marcação de posicionamentos

teóricos, indicando o alinhamento com esta ou aquela teoria, com este ou aquele teórico.

Bakhtinianos fazem questão de afirmar os gêneros como “discursivos”, linguistas textuais e

interacionistas sociodiscursivos preferem gêneros “textuais”. Parece claro, entretanto, para

uns e para outros, que os gêneros não se reduzem nem ao discurso nem ao texto. O problema

é quando a questão terminológica leva a equívocos muito perigosos, como quando algum

material didático trata do “gênero textual” e em seguida do “gênero discursivo” como se

69 Mitos, no sentido em que uso o termo aqui, são crenças infundadas que persistem ao lado dos postulados

científicos apresentados pelas pesquisas em teoria e análise de gêneros, particularmente. Referindo-se a outros

aspectos do fenômeno linguístico, o conceito de mito foi utilizado anteriormente por Bagno ([1999] 2015) e

por Othero (2017).

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302

fossem tópicos muito diferentes um do outro. Nesse caso, as diferenças teóricas são

reificadas de tal forma que acabam gerando um grave problema conceitual. O gênero não é

uma espécie de departamento do texto ou do discurso, mas uma categoria específica da

linguagem, de estatuto próprio, ainda que intimamente relacionado com aqueles conceitos.

Gênero, texto e discurso são noções inter-relacionadas, mas de modo algum idênticas ou

subsumidas uma pela outra.

TESE 2: “GÊNEROS NÃO SÃO APENAS FORMAS”

Creio que podemos afirmar que este é um consenso em qualquer abordagem teórica.

Gêneros não são redutíveis a uma forma ou estrutura textual. No entanto, não é infrequente

se reduzir gênero à tríade bakhtiniana de “forma composicional, conteúdo temático e estilo”.

O problema dessa definição é que ela vai muito pouco além do texto, se é que vai. Tudo aí é

muito imanente para fazer justiça à complexidade do gênero.

A análise de gêneros necessariamente precisa incluir vários outros aspectos além dos

que se manifestam na superfície textual. Forma composicional, conteúdo temático e estilo

não vão muito além do produto textual. No dizer de Bhatia (1999), também é necessário

considerar os participantes (ou as comunidades discursivas), os processos (ou as situações

sociais, aspectos contextuais), os propósitos comunicativos (o que é possível fazer por meio

de um determinado gênero) e as intenções particulares subjacentes ao discurso de indivíduos

e instituições manifestos pelo gênero.

A propósito desta tese, recordemos a passagem lapidar de Charles Bazerman,

incansavelmente citada em trabalhos sobre gêneros:

Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser. São

frames para a ação social. São ambientes para a aprendizagem. São os lugares

onde o sentido é construído. Os gêneros moldam os pensamentos que formamos e

as comunicações através das quais interagimos. Gêneros são os lugares familiares

para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os

outros e são os modelos que utilizamos para explorar o não-familiar.

(BAZERMAN, 2006, p. 23)

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303

Gêneros, portanto, não podem e não devem ser reduzidos a um conjunto de

características relativas a seus componentes formais, conteudísticos ou estilísticos, pois eles

são bem mais que isso. Os gêneros são fundamentalmente recursos socialmente

desenvolvidos para orientar as ações e as atividades humanas no mundo. Só em um aspecto

secundário e talvez instrumental é que eles são também formas ou estruturas.

TESE 3: GÊNEROS NÃO SE “MATERIALIZAM” EM TEXTOS

Frequentemente encontramos referências aos gêneros “materializados em textos” ou

aos textos que “materializam gêneros”. Penso que o conceito de gênero é sempre

simplificado ou reduzido quando se fala se sua “materialização”. Estritamente falando,

gêneros não são entidades que se “materializam”, pois isso equivaleria a confundi-lo com o

texto. A rigor, “material” é sempre e necessariamente o texto. O gênero é uma noção que diz

respeito ao funcionamento da linguagem em um plano supralinguístico, sociocognitivo e

discursivo, captável na materialidade do texto.

Assim, conforme Bazerman (2005, p. 31), gêneros são “fenômenos de

reconhecimento psicossocial” e, como tais, se dão a conhecer visível ou audivelmente pela

performance efetiva de um texto. Assim como o discurso, o gênero não se dá a conhecer

verbalmente a não ser por meio de textos.

TESE 4: O GÊNERO NÃO ESTÁ “NO TEXTO” E O TEXTO NÃO ESTÁ “NO

GÊNERO”

Outra crença muito comum, mais uma vez concernente à relação entre gênero e

texto, é aquela de que um texto “pertence” a determinado gênero. Ao contrário disso, penso

como Derrida (1980) que o texto não pertence, mas “toma parte no gênero sem ser parte

dele”. Conforme Derrida, “todo texto participa de um ou de vários gêneros, não há texto sem

gênero; sempre há um gênero e gêneros, contudo, essa participação nunca resulta em

pertença” (1980, p. 65).

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Nessa perspectiva, Adam e Heidmann adotam a categoria de “regimes de

genericidade” para defender a tese de que “todo texto participa (grifo meu) de um ou mais

gêneros” (2011, p. 18). Em outras palavras, a relação entre texto e gênero é mais

apropriadamente definida como de participação e não como de pertença. Os textos não

pertencem a gêneros, mas “participam” ou, eu diria, remetem a eles em vista das convenções

retóricas e até formais que os gêneros lhes impõem. Para Miller (2017, p. 19), é possível

“que um gênero se refira a exemplares textuais bons e ruins” assim como é possível “que

esses exemplares evoquem ou ‘participem’ do gênero em maior ou menor medida”.

Dessa forma, é importante ressaltar, por outro lado, que não há uma relação

biunívoca entre gênero e texto. O texto não é “de” um determinado gênero, uma vez que

admitamos que todo texto participa de um ou mais gêneros, e o gênero jamais pode ser

apontado como “sendo” ou “estando” em um determinado texto. De acordo com Frow

(2015), o texto é um ato ou performance que atua sobre ou a partir de convenções de gênero.

Um sermão, entendido como um texto específico, relativo a uma realização específica do

sermão, não é tout court e exclusivamente equivalente ao gênero sermão.

Essas considerações, ademais, têm consequências para a noção de intergenericidade

ou de hibridização de gêneros. Nesse sentido, talvez seja mais adequado afirmar que o que

rotineiramente se hibridiza são os textos e não os gêneros. Assim, do ponto de vista de sua

relação com o gênero, todo texto é híbrido. Temos aqui uma afirmação potencialmente mais

radical do que aquela defendida por Adam e Heidmann (2011). Enquanto estes afirmam que

todo texto participa de um ou mais de um gênero, o que estou defendendo é que, se todo

texto é híbrido, então é possível afirmar que todo texto participa de mais de um gênero.

TESE 5: GÊNEROS SÃO TANTO CONVENÇÃO QUANTO INOVAÇÃO

Por um lado, gêneros sempre se fixam em torno e em consequência de convenções

sociais. Bhatia (2009) aponta com muita pertinência que as principais teorias de gênero

concordam em afirmar que os gêneros são fruto de “conhecimento convencionado”.

Reportando-se especificamente às teorias majoritárias em língua inglesa, o autor lembra

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como esse conhecimento convencionado é enfatizado em termos de regularidades da

organização estrutural no caso da abordagem da Linguística Sistêmico-Funcional, de

propósitos comunicativos compartilhados no caso da abordagem do Inglês para Fins

Específicos ou da recorrência de situações retóricas no caso da abordagem dos Estudos

Retóricos de Gênero.

No entanto, ainda que sejam entidades amplamente convencionadas, os gêneros

também estão abertos a inovação em maior ou menor grau, de acordo com variáveis que

abrangem desde o contexto institucional em que são produzidos ou em que circulam até o

grau de inserção e reconhecimento do escritor ou falante na respectiva comunidade

discursiva, passando ainda pelo possível impacto que mudanças tecnológicas costumam ter

sobre eles. Em outras palavras, embora nem todos os gêneros estejam igualmente abertos à

inovação e nem todas as pessoas tenham permissão ou legitimidade para inovar, o fato é que

os gêneros são simultaneamente produtos de convenção e entidades sujeitas à inovação.

É fácil verificar, por outro lado, que alguns gêneros estão mais fortemente atrelados

às respectivas convenções, enquanto outros se mostram mais propensos à inovação.

Podemos afirmar que, quanto mais institucionalizados forem os gêneros, e quanto mais

poderosas ou tradicionais forem as respectivas instituições, menos espaço haverá para a

inovação e para se desafiar as convenções. Gêneros como o artigo científico e outros

gêneros acadêmicos, por exemplo, são fortemente regulados pela autoridade da tradição

acadêmica, havendo pouco espaço para a criatividade autoral. Por outro lado, é provável que

a inovação seja até esperada no domínio dos gêneros literários e francamente requerida nos

gêneros publicitários. No contexto das mídias sociais, os gêneros se mostram altamente

dinâmicos, sujeitos tanto às transformações tecnológicas como ao gênio inventivo dos

usuários. Entretanto, em diferentes medidas e com diferentes possibilidades, todos os

gêneros se movem entre os polos da convenção e da inovação.

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TESE 6: GÊNEROS NÃO SÃO ENTIDADES ISOLADAS OU ISOLÁVEIS

Gêneros não existem como entidades isoladas no “mundo real” (BHATIA, 2004) e,

portanto, não podem ou não deveriam ser vistos como isoláveis, quer para fins de análise

acadêmica, quer para fins de aplicação pedagógica. O isolamento do gênero para qualquer

fim, mas especialmente para fins de ensino, é visto por Bhatia (2004) como uma conveniente

ilusão. O que está sendo ensinado, em tais situações, é novamente um simulacro do gênero e

não o gênero em toda a sua complexidade.

Afirmar que gêneros não são entidades isoladas significa dizer que eles são

indissociáveis de suas complexas relações com outros gêneros no mundo real da língua em

funcionamento. Pesquisadores em perspectivas como os Estudos Retóricos de Gênero e o

Inglês para Fins Específicos têm sido cada vez mais sensíveis às relações que os gêneros

mantêm entre si enquanto medeiam e regulam as atividades humanas no meio social.

Essas relações entre os gêneros têm sido descritas de variadas formas, dependendo

do aspecto que se deseja captar ou dos propósitos em nome dos quais se pretende analisá-

los. Entre os conceitos mais disseminados, destacam-se as noções de conjuntos, sistemas,

colônias, ecologias, redes e cadeias de gêneros, entre outros, cada uma com suas próprias

implicações.

A premissa da inter-relação entre os gêneros é pertinente não só para sua descrição e

investigação, mas abrange desde a compreensão de sua emergência como tal até a tomada de

decisões sobre a pedagogia de gêneros. Pensar, por exemplo, em gêneros antecedentes ou

ancestrais (JAMIESON, 1973, 1975) pode ajudar a entender sua influência no surgimento de

um novo gênero ou seu papel no aprendizado desse novo gênero em sala de aula.

TESE 7: GÊNEROS SÃO MAIS RESPOSTAS DO QUE ESCOLHAS EM SITUAÇÕES

RETÓRICAS

No contexto de ensino baseado em gêneros, às vezes se tem a impressão de que o uso

dos gêneros numa dada situação é pura e simplesmente uma questão de escolha do falante,

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razão por que caberia à escola preparar seus alunos para escolher dentre a diversidade de

gêneros encontrados no dia a dia, nas diversas situações em que se usa a fala ou a escrita.

Entretanto, ao contrário do que diz certo jargão pedagógico, os gêneros não são escolhas que

se fazem livremente dentre um repertório disponível.

Os gêneros são mais bem entendidos como respostas a situações sociais

retoricamente recorrentes, no dizer de Miller (2009). Ou seja, as práticas comunicativas de

cada sociedade se orientam por respostas típicas e tipificadas em situações nas quais

costumam ser requeridas, não sendo esperado que o falante ou escritor invente uma resposta

a cada situação, tampouco que a escolha se dê a partir de um pretenso leque de opções. Em

situações específicas como a conclusão de um curso de graduação, a única resposta aceita,

em termos de gênero, é a produção de um Trabalho de Conclusão de Curso; para a obtenção

de um título de mestre, a única resposta legítima e legitimada é a produção de uma

dissertação, seguida de sua defesa pública. Em várias situações burocráticas, diante da

necessidade de que um documento seja emitido por uma instituição, não há escolha a não ser

oficializar essa necessidade por meio de um requerimento. Não há o que escolher, nesses

exemplos, em termos de gêneros. Os gêneros são produzidos como respostas a uma dada

situação retórica.

Talvez a prática pedagógica de selecionar os gêneros a serem trabalhados em sala de

aula a cada ano escolar dê aos professores a impressão de que na vida real as coisas também

acontecem assim, razão por que se dedicam ao ideal de prover os alunos de uma

“diversidade de gêneros textuais/discursivos” para que possam pretensamente selecionar a

melhor opção de uso em cada situação comunicativa. No entanto, se é verdade que as

escolhas eventualmente têm o seu lugar em algumas situações, talvez na maioria delas isso

não aconteça, pois as situações comunicativas costumam ser tipificadas de tal forma a

exigirem respostas igualmente tipificadas e recorrentes. Longe de se tratar de uma ameaça à

liberdade do falante ou escritor, tal condição efetivamente racionaliza a vida em sociedade,

de modo a se evitar a sobrecarga cognitiva de uma decisão sobre o gênero a cada situação

comunicativa.

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TESE 8: GÊNEROS NÃO SÃO O FOCO PRINCIPAL DO ENSINO DE LÍNGUA

Por mais estranho que possa parecer, os gêneros não são a finalidade última do

ensino de língua, como parece sugerir a expressão frequentemente encontrada em materiais

didáticos e nos lábios de professores da educação básica especialmente: “ensinar uma

diversidade de gêneros”. Como alerta Devitt (2009), é uma tarefa inglória pretender ensinar

os gêneros como “partículas”, isto é, focar o empreendimento de ensino na seleção de

gêneros específicos cuja aprendizagem se caracterize como a finalidade maior do curso em

questão. O problema dessa abordagem é que, por maior que seja o esforço pedagógico, não

será possível ensinar, um a um, todos os gêneros relevantes em um dado domínio discursivo.

Inevitavelmente, alguns gêneros serão privilegiados e outros serão esquecidos ou deixados

de lado, e o tempo escolar é um fator determinante para que isso ocorra.

Se, pelo contrário, não são os gêneros o foco central e exclusivo do ensino, este pode

se concentrar no desenvolvimento de habilidades relativas à leitura e à escuta, à escrita e à

fala, mobilizando os gêneros como estratégias para alcançar esse fim. Por esse caminho, o

foco do ensino deixa de ser este ou aquele gênero em específico e passa a ser o processo

dinâmico pelo qual, diante de uma tarefa envolvendo um novo gênero, o estudante lança

mão de seus conhecimentos prévios e de suas experiências anteriores com outros gêneros, de

modo que esses conhecimentos e experiências possam ajudá-lo no enfrentamento da tarefa

atual. Essa perspectiva corresponde, na proposta pedagógica de Devitt (2009), a ensinar com

base nos gêneros como “onda” ou processo e não como “partícula” (gêneros específicos).

Centralmente, a ideia é evitar o equívoco de conceber o ensino de língua como o

ensino de uma determinada quantidade selecionada de gêneros. O papel do gênero no ensino

de língua não é constituir um fim em si mesmo, embora haja, sem dúvida, situações em que

o ensino de determinados gêneros será estratégico. Globalmente, no entanto, o foco do

ensino de língua é o desenvolvimento de habilidades relativas à fala e à escrita, e o gênero

entra como uma estratégia para facilitar esse desenvolvimento, e não para substituí-lo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Gostaria de concluir essa breve e sempre provisória reflexão sobre os gêneros

fazendo uma referência a Kelly (2017), que chama a atenção para o gênero como uma “ideia

audaciosa”, uma “grande ideia”, um conceito “gigante” dotado de “charme e utilidade” que

nos ajuda a compreender a linguagem humana, não de um ponto de vista abstrato, mas em

situações concretas do dia a dia. A autora nos lembra que, por meio do gênero, “podemos

entender como a recorrência e a variação moldam nossa interpretação de um texto, como a

estabilidade e a mudança impulsionam as comunidades discursivas e como os aspectos

textuais e extratextuais operam na produção de sentido” (p. 291).

No entanto, o caminho para essa compreensão não é necessariamente pacífico ou

garantido. Tão importante, mas muitas vezes mal compreendido, o gênero tende a ser

concebido numa perspectiva “textualista”, podendo ser confundido com uma coleção de

textos ou com um conjunto de características ou componentes dos textos, o que equivale a

tratar o gênero como uma “entidade ontológica”, na expressão de Miller (2017, p. 16). Essa

má compreensão do gênero implica a desconsideração dos seus aspectos contextuais e

discursivos. É necessário sempre lembrar que os gêneros não emergem ex nihilo, mas de

circunstâncias sociais diversas, tais como novas tecnologias, injunções históricas e

institucionais e até por iniciativa de indivíduos influentes, como argumenta Miller (2017).

O que se percebe em toda a discussão realizada ao longo deste trabalho é, por um

lado, a necessidade de evitar o reducionismo da premissa textualista, que encara os gêneros

como meras “generalizações sobre textos”, e abraçar as consequências teóricas e aplicadas

de concebê-los como “categorias culturais holísticas”, profundamente imbricadas na vida

social e, portanto, sensíveis à complexidade, à variedade e à dinamicidade da atividade

comunicativa e interacional levada a cabo pelas pessoas situações as mais diversas.

Por outro lado, considero igualmente relevante evitar os excessos de uma perspectiva

discursivista exacerbada, cuja tendência é minimizar e desconsiderar o texto, como se a

“materialidade” deste diminuísse a sua importância e seu papel na efetiva construção dos

sentidos. Texto, gênero e discurso são os pilares incontestes e inter-relacionados da

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manifestação da linguagem, e uma compreensão adequada da linguagem em funcionamento

não prescinde da consideração cuidadosa do lugar e do papel de cada um deles em

possibilitar e até racionalizar esse funcionamento.

REFERÊNCIAS

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interdisciplinar. São Paulo: Cortez, 2011.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Parábola

Editorial, 2015.

BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais: tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005.

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conceituais. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.

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professional writing. In: CANDLIN, Christopher.; HYLAND, Ken (Ed.) Writing: texts,

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RODRIGUES, Bernardete; CAVALCANTE, Mônica Magalhães (Orgs.). Gêneros e

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FROW, John. Genre. 2. ed. New York, NY: Routledge, 2015.

JAMIESON, Kathleen. Generic constraints and the rhetorical situation. Philosophy and

Rhetoric, v. 6, n. 3, p. 162-170, 1973.

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