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Anais do XXX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte Arte > Obra > Fluxos Local: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Museu Imperial, Petrópolis, RJ Data: 19 a 23 de outubro de 2010 Organização: Roberto Conduru Vera Beatriz Siqueira texto extraído de A transferência da tradição Clássica entre Europa e América Latina

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Anais do XXXColóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte

Arte > Obra > Fluxos

Local: Museu Nacional de Belas Artes,

Rio de Janeiro,

Museu Imperial, Petrópolis, RJ

Data: 19 a 23 de outubro de 2010

Organização:

Roberto Conduru

Vera Beatriz Siqueira

texto extraído de

A transferência da

tradição Clássica

entre Europa e

América Latina

XXX Colóquio CBHA 2010

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Eliseu Visconti: os caminhos de uma visualidade nova

Mirian Nogueira Seraphim

IFMT

Resumo

Visconti participou com sucesso de mostras internacionais e suas obras circularam também reproduzidas em diversos periódicos es-trangeiros. Inúmeros foram os críticos que apontaram analogias e convergências entre ele e os mais variados artistas estrangeiros. Vis-conti apropriou-se de certos modelos de produção e significação combinando-os em diversos momentos de sua carreira a uma lin-guagem muito particular, de forma a conseguir os efeitos desejados à expressão de sua personalidade e visão de mundo.

Palavra Chave

Eliseu Visconti; Pintura brasileira; Influências e re-significações.

Abstract

Visconti has successfully participated in international exhibitions and his works also circulated reproduced in several international journals. Numerous critics have pointed out that analogies and similarities between him and the most diverse foreign artists. Visconti appropriated certain models of production and mean-ing combining them in several moments of his career to a very particular language in order to achieve the desired effects on the expression of his personality and worldview.

Key-words

Eliseu Visconti; Brazilian painting; Influences and re-signification.

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Provavelmente uma das primeiras cartas que Eliseu Visconti recebeu de seus antigos professores da ENBA, quando já em Paris para o gozo de seu prêmio de Viagem à Europa, conquistado no final de 1892, através do primeiro concurso organizado por esta instituição, foi a enviada por Rodolpho Amoedo e datada de 10 de agosto de 1893:

Recebi com grande prazer a sua ultima contendo o certificado em regra da sua admissão à Es-cola de Paris. [...] Cabe-nos um pouco da gloria que tão bem soube conquistar no seu concurso e creia que muito se orgulha a Escola de têr coroado os seus esforços concedendo-lhe a pensão qui actualmente goza. O meu mais ardente desejo é que não deixe dormir a sua actividade sobre esses louros e continue para honra sua e da Escola a trabalhar ainda para completar o pouco que lhe falta. É necessario não só conquistar a sua admissão no Salão de Paris, como e sobretudo, algum premio; com estes elementos, a sua carreira aqui estará garantida e só de si dependerão a sua gloria e o seu futuro.

Admissão à École des Beaux-Arts e ao Salon de Paris, e algum prêmio obtido na Europa eram as condições julgadas necessárias para garantir o sucesso de uma carreira artística no Brasil. Visconti, em julho de 1893 havia alcançado a primeira e em maio do ano seguinte a segunda, tendo duas obras suas admitidas no Salon de la Société des artistes français: A leitura e No verão. Seguiu expondo ainda neste salão, em 1895: o Retrato de Alberto Nepomuceno e As comungantes, esta última pintura reproduzida no catálogo oficial; e em 1896: A convalescente e Nu deitado. No ano seguinte, passou a expor no Salon de la Société nationale des beaux-arts, com as pinturas: Sonho místico e Fatigada, esta última reproduzida em Le nu au Salon, acompanhada de duas poesias nela inspiradas, mas com o título trocado. Em 1898, expôs no mesmo salão A Recompensa de São Sebastião; e em 1899: O beijo e Gioventù, esta última também reproduzida no catálogo oficial do Salão.

Visconti morou e trabalhou em Paris ainda por outros dois períodos. Em 1905, lá estava ele, desde o ano anterior, quando recebeu a encomenda das primeiras decorações do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o que lhe possibili-tou estender sua permanência na Europa até 1907. Assim, expôs ainda no Salon de la Société nationale des beaux-arts: em 1905, os retratos de Nicolina Vaz de Assis e de Mlle B. Lindheimer, este último, reproduzido no catálogo oficial do sa-lão; em 1906, Maternidade e Jardim de Luxemburgo; e em 1907, A carta e outro Jardim de Luxemburgo, não identificado.

Mas Visconti participou ainda, com sucesso, desde o primeiro ano de seu estágio na Europa, de mostras internacionais, como em Chicago, de maio a outubro de 1893, recebendo uma medalha por oito paisagens a óleo, realizadas no Brasil, antes de sua viagem, entre elas, pelo menos uma das várias Lavadeiras que ele realizou em 1891. São paisagens de cunho bem brasileiro, realizadas sob o impacto das discussões que precederam a reforma da Academia, e as orientações dos jovens professores, tanto na experiência do Atelier Livre, em 1890, quanto depois, na recém-criada ENBA, Entre elas possivelmente, Mamoneiras, Dia de sol (Andaraí Grande) e com certeza, Uma rua da favela.

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Outras mostras internacionais das quais Visconti participou com desta-que foram: A Universal de Paris, em 1900, com Gioventù e Oréadas, conquistan-do por elas uma Medalha de prata, além de uma Menção honrosa na Seção de Arte Decorativa e Artes Aplicadas. Em 1904, em Saint Louis, obteve ainda maior sucesso: uma Medalha de ouro em Pintura por Recompensa de São Sebastião; uma de bronze por trabalhos em aquarela; e foi o único latino-americano a conquistar uma Medalha na categoria especial de “Objetos originais de artesanato”, apresen-tando, provavelmente, as peças expostas primeiramente na Individual de Viscon-ti em São Paulo, e depois na 10ª EGBA, ambas em 1903, com o título “Cerâmica Artística Nacional”. Ainda em Santiago do Chile, participou da Exposição In-ternacional que inaugurava o novo edifício do Museo Nacional de Bellas Artes, em setembro de 1910, com Maternidade, Sonho místico e Retrato de Nicolina Vaz de Assis, além de 14 trabalhos na categoria Arte Decorativa. Uma lista das obras compradas pelo governo do Chile, para o museu que se inaugurava, mostra que o quadro Sonho místico foi o único brasileiro adquirido, na ocasião, pela quantia de 4.500 francos.

Suas obras circularam também, reproduzidas em periódicos estrangei-ros. Além dos citados catálogos parisienses, ainda na Revue du Brésil nº 1, de 1896, que estampou a cópia que Visconti fez de Velásquez, como obrigação de pensionista, e cuja capa teve desenho seu. A L’Illustration de novembro de 1904 publicou em Paris um artigo sobre os projetos de selos com os quais Visconti venceu o concurso dos Correios, e estampou doze deles. A The Studio, de Lon-dres, reproduziu em junho de 1902 Gioventù e Recompensa de São Sebastião; e em março de 1906 o Retrato de Nicolina Vaz de Assis. Na coleção Louisiana and the fair, sobre a exposição de Saint Louis de 1904, publicada no ano seguinte, o volume VII foi totalmente dedicado à arte, e nele aparece a reprodução de A convalescente. Visconti fazia-se conhecer assim, ainda que modestamente, não só no contexto americano, mas também na Europa.

Esse sucesso, observado principalmente no início de sua carreira, foi grandemente devido a certa “filiação” de Visconti a movimentos artísticos euro-peus da passagem do século XIX para o XX. Foram, inclusive, notadas em suas obras ressonâncias das teorias de John Ruskin, Jean Delville e Hippolyte Taine. O primeiro foi citado em críticas sobre obras de Visconti escritas por Gonzaga Duque e Morales de los Rios, em 1901 e 1902, respectivamente, e o segundo por Araujo Vianna, em 1901.

Mas o autor que mais se demorou nessas observações foi um paulista anônimo, com relação à exposição individual que Visconti apresentou em São Paulo, em março de 1903. Ele inicia sua crônica com uma longa explanação so-bre as teorias de Taine e coloca que, dentre a atual geração de artistas brasileiros não havia nenhum cultor de mérito para a chamada Arte Nova, mas que agora surgia Visconti que “parece querer firmar a sua individualidade, alistando-se na nova escola”.

Desde o nú, feito no estylo antigo, copiado simplesmente do modelo, sem idealisações, até a figura mystica da Fé, estylisada e feita com a gamma da palheta da escola nova, desde as pai-zagens frescas, tocadas umas com delicadezas de Ruysdael, outras com a robustez de Turner,

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até ás manchas vaporosas, procurando a poesia do effeito de preferencia ao desenho, e por fim, os seus trabalhos de arte decorativa, que denotam o enthusiasmo de um temperamento de artista, procurando dar á sua arte um intuito de acção social, ou moral, emfim, todos os trabalhos expostos mostram, para quem saiba dignamente examinal-os, a historia de uma alma de artista rica de sentimento, em busca do seu ideal, o progressivo desenvolvimento de um requintado temperamento artistico. [...]Sem lançar mão das extravagancias que caracterisam a preoccupação morbida do fazer novo, das contorções angustiadas do desenho, o exagero e a furia da movimentação das figuras, a orquestração violenta do colorido, imprimindo, em vez disso, em quasi todos os seus trabalhos, aquella serenidade, aquella calma que, no dizer de Ruskin, é o attributo da mais alta especie de artes, elle soube tirar effeitos maravilhosos, evocando em quem contempla as suas télas essa impressão que nos leva a pensar mais na alma da creatura e na sua physionomia, do que no seu corpo^F.

Alguns comentaristas chegaram a sugerir que esta seria sua adoção definitiva. No entanto, Visconti não parou aí. Inúmeros foram os críticos que apontaram, não só influências, como também analogias e convergências, entre Visconti e os mais variados artistas estrangeiros: Botticelli; El Greco; Velásquez; Rembrandt; Puvis de Chavannes; Rossetti; Burne-Jones; Millet; Whistler; Gras-set; Mucha; Segantini; Manet; Monet; Renoir; Degas; Pissarro; Seurat; Signac; Henri Martin; Redon; Klimt; Chagall, entre outros. Em algumas obras específi-cas, sua palheta foi comparada até mesmo à de Delacroix, Van Gogh ou Picasso. Porém, as opiniões de vários desses críticos são diversas e por vezes contraditórias. Comparando-se os comentários dos principais autores e confrontando-os à aná-lise de algumas pinturas de Visconti, é possível constatar o grau de originalidade deste mestre.

Fléxa Ribeiro, em 1935, propõe uma divisão da carreira de Visconti em períodos, diferente daquela mais conhecida, proposta por Lygia Martins Costa no catálogo da Exposição Retrospectiva de 1949, no MNBA. Ele destacou as influências recebidas e a criação de uma linguagem particular:

Por mais de um titulo Elyseu Visconti tem destacado lugar na arte brasileira. E talvez a ca-racteristica mais empolgante seja da technica. [...] Não seria difficil encontrar os altos de sua evolução, nesse particular, em cinco estagios que poderiam ser assim classificados: a) periodo inicial: caracterisa-se por influencias disciplinares que se reunem na expressão italo-francesa, até 1890; b) periodo preraphaelita, mas de manifestação francesa, lado Rosa-Cruz, theoria de Sar Péladan e pratica de Odilon Redon, até quase os ultimos annos do seculo; c) perio-do divisionista (predominio decorativo) tendencia Seurat, Signac e particularmente Henri Martin, a partir dos primeiros annos deste seculo, d) periodo impressionista (propriamente dito), e que se divide ainda em duas phases: 1ª) ramo Manet, de feitio hespanhol, no sabor da pasta por obscura interferencia de Velasquez; 2ª) ar livrismo, feição Claude Monet, e que em diversas alternativas tem vindo até hoje, com applicação ora do divisionismo ora do impres-sionismo, conforme a natureza da pintura.Mas por todos estes paises da technica, Visconti tem tido, em diversas linguas, a mesma ex-pressão, ha mantido um cunho de evidente e inconfundivel individualidade. Taes variantes constituem pesquisas, buscas ansiosas para encontrar a realidade profunda da vida. De tal

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sorte não se trata de um ecletismo de sentimento, como succede com os multifarios imitadores que apenas procuram ludibriar o observador recompondo com certa habilidade o que os ou-tros já viram, sentiram e exprimiram... [...]Elyseu Visconti é um pintor optico, quero dizer que para elle primeiro se manifesta a côr e só depois a linha. As formas são manchas coloridas, antes de serem estructuras desenhadas. [...]1

Carlos da Silva Araujo, em seu discurso de homenagem póstuma a Vis-conti, proferido na Academia Carioca de Letras, em 1945, contou que as decora-ções do mestre no Teatro Municipal marcaram sua adolescência, e assim ressalta suas analogias:

Nos intervalos [...], quedava-me a mirar, a sentir, a formar o próprio sentimento estético, nas figuras deliciosas do plafond ou do frontal do Teatro, a passarem, de leves contornos, como as de um sonho maravilhoso, sôbre o esplendor paisagístico da Serra dos Órgãos. [...]E porque atribuo às emoções iniciais trazidas à minha estesia pelo pincel de Visconti os sen-timentos que viria a experimentar mais tarde diante dos pintores impressionistas ou daqueles que precederam ao seu movimento (Chabas, Degas, etc.) ou dos que sofreram a influência mais direta de sua ânsia de criação, de suas pesquisas, filiei, inversamente, a êsses artistas renovadores a criação magnífica de Visconti, particularmente da que êle mesmo chamou sua segunda fase e que, sem menor estima pelo resto de sua obra, eu direi: a gloriosa^F.

A grande Retrospectiva de Visconti, inaugurada em novembro de 1949, no MNBA, produziu vários excelentes textos críticos, porém, o mais denso e longo talvez seja o de Mário Pedrosa, publicado em janeiro do ano seguinte. Ele analisa detalhadamente as influências que Visconti recebeu, ao longo de sua carreira, já esquematizadas por Fléxa Ribeiro quinze anos antes, e demonstra claramente sua predileção pelo período final:

Êste se caracteriza pela luminosidade crescente das paisagens, palpitantes nas cinzas brumosas da atmosfera. Se os retratos, entretanto, não se harmonizam com as preocupações do paisa-gista de Teresópolis, todo entregue à captação do ar vaporizado da serra, os auto-retratos em compensação se ajustam com as mesmas preocupações luminísticas. [...] Nos auto-retratos [...] e em alguns retratos da espôsa, a veia lírica colorística prossegue desimpedida. Parece que em se tratando de si próprio, de sua própria efígie, não se acanha em tratá-la com a mesma matéria pictórica dos fundos. E assim êle introduz na carnação do rosto os elementos multi-colores não encontrados na natureza física nem na tradição do gênero. [...] O que importa é obter o máximo de intensidade cromática. Empresta, assim, às carnes de certos auto-retratos a riqueza dos tons contrastados, sobretudo os verdes e rosas. Delacroix já empregara processo semelhante nas decorações para o Senado e a Câmara francesa. Portinari também se utilizou dêsses toques contrastados e das mesmas harmonias em verdes e rosas para algumas das cabeças mais belas da sua Missa (Edifício do Banco da Boa Vista). Verificamos agora que, já muito antes, Visconti lançara mão do mesmo recurso com muito mais refinamento e individualida-de. Êle alcança aqui a sincronização entre o sêr humano e a natureza ambiente.2

1 Fléxa RIBEIRO. Os Mestres da Arte Brasileira: Elyseu Visconti e sua technica. Illustração Brasileira, Anno XII, nº 7. Rio de Janeiro, nov 1935, p. 19, 20.

2 Mario PEDROSA. Visconti diante das modernas gerações. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1º jan

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Vale ressaltar ainda que os mesmos efeitos foram empregados também em alguns retratos de sua família. Em outro trecho, Pedrosa chega a afirmar: “Visconti não é um plástico, é um sensualista da côr. Seu desenho é insignifican-te”. Porém esta última assertiva não se pode verificar em toda a sua obra. Carlos Cavalcanti, que escreveu sob o impacto da exposição de Visconti no MNBA em 1967, aborda a questão de maneira mais ampla. Comentando as diversas corren-tes que influenciaram a obra de Visconti, coloca que os pré-rafaelitas ingleses pecaram pelo excesso de erudição histórica e espírito literário. E acrescenta:

O brasileiro, ao contrário, primou pela sensibilidade e imaginação. Criou corpos virginais em movimentos gráceis que se desenvolvem em envolventes arabescos, certamente dançantes, mas, sobretudo, musicais. Poucos souberam captar e expressar, sob formas modernas, num linearismo floral “art-nouveau”, o espírito do pré-renascentismo florentino [...].3

Em seguida, ao falar da fase impressionista de Visconti, compara-o tam-bém aos expoentes do movimento: “Mostra-se tão seguro na técnica e autêntico na expressão que pode ser pôsto no mesmo plano dos mestres dessa pintura de adoradores do Sol, que começa no lírico Monet e acabará no científico Seurat”. Narra então o depoimento do fotógrafo que registrou as pinturas para a repro-dução junto ao texto: “Tudo flui [...], tudo sem contornos definidos, parecendo fotografias fora de foco”. E ao ressaltar que este seria o melhor elogio ao impres-sionismo viscontiano, conclui:

Pois veja o leitor que a modernidade de Visconti está também nessa versatilidade, tão carac-terística do pintor contemporâneo. Ainda ontem morria de amores pela linha na sua paixão botticelliana. Agora, embriagado de luz, está destruindo a linha.

E para terminar, ao justificar o título do seu artigo, o autor compara Visconti a outro mestre francês:

Não se acha um vinco de tristeza ou de preocupação no seu mais de meio século de olhar a vida. A humanidade e a natureza que nos deixou são alegres e felizes. Nesse ponto é um Re-noir, outro que soube pintar as alegrias da vida e, sem cessar, a família, durante outro tanto meio século.4

Porém, o desembargador Hugo Auler, crítico de arte que na juventude fora também jornalista, foi quem se dedicou mais a explicar a linguagem pessoal de Visconti. Um tanto exagerado e enfático, provavelmente influenciado pelos discursos jurídicos, compara Visconti aos mais importantes artistas europeus de todos os tempos. Provavelmente, Auler foi o primeiro a declarar: “A tela ‘Gio-ventù’ de Elyseu Visconti equipara-se à ‘Gioconda’ de Da Vinci, pelo que tem de

1950, p. 10.

3 Carlos CAVALCANTI. Visconti, o pintor da alegria. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 23 set 1967, p. 30.

4 Idem, p. 31.

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sensibilidade e de composição”5 – analogia que será repetida por outros autores. Na segunda parte do seu artigo, Auler começa por expor as teorias impressionis-tas e a intenção de Cézanne de restabelecer a forma, diluída naquela estética pela luz e pela cor, e prossegue com o cotejo:

Participando ativamente da vida artística e cultural da França, o mestre Elyseu Visconti alargou a teoria cezaniana, por isso que, para não prejudicar a forma e o relêvo, resolveu conjugar o linearismo de Botticelli e de Delacroix com o divisionismo das côres e dos tons [...]Elyseu Visconti concebeu e executou o plafond do Teatro Municipal, no qual a superposição dos planos faz lembrar El Greco; a movimentação dos nús femininos envoltos em panejamen-tos translúcidos com cintilações de prata e ouro, esvoaçando, suspensos, no ar, dá-nos a poética de Chagall com a vantagem de apresentar um inédito requinte de acabamento; as bailarinas com suas roupagens transparentes têm mais leveza e movimento do que as de Degas, e o redemoinho das linhas concêntricas sob o fundo de tons pastel, rosa e azul, a relembrar um Van Gogh dotado de serenidade e de equilíbrio espirituais, permitindo a percepção de mais colorido, luminosidade, vibração e ritmo vital^F.

Descontando-se alguns excessos, Auler traz uma contribuição relevante, ao esboçar uma descrição das adaptações feitas por Visconti para chegar a um “impressionismo próprio”.

E quando afirmamos que criou o seu impressionismo é que temos para nós que o mestre imortal soube, como ninguém, conjugar a perfeição da forma à plenitude da côr em tôdas as suas decomposições para que os valores plásticos de suas obras tivessem a maior organização sensorial. Concebeu as formas e a sua diluição como algo que surge do instinto e da emotivi-dade através do desenho, mas fez com que a estrutura linear, o linearismo botticeliano que êle submeteu a uma revisão substancial, fôsse absorvida pela riqueza da côr.^F

É a constatação de que Visconti se utilizou da técnica impressionista para atender a uma necessidade de expressão muito própria, para conseguir os efeitos de luminosidade, transparência, leveza e iridescência, mas sem chegar à dissolução da forma, preservando o desenho, que sempre lhe foi muito caro. Alcançou assim a uma linguagem pessoal com a qual se identificam suas obras.

Para Mário Barata, Visconti, “Artista em grande parte europeu – e dis-so acusado algumas vêzes – passou cêrca de 20 anos na França. Mas os longos períodos brasileiros também contribuiram para forjar a sua visualidade”̂ F. Ao se apropriar de certos modelos de produção e significação, experimentando-os livre-mente em diversos momentos de sua carreira e combinando-os a uma linguagem muito particular, de forma a conseguir com eles os efeitos desejados à expressão de sua personalidade e visão de mundo, Visconti os transformou em uma coisa nova. Ele produziu soluções formais peculiares, cujo emprego em sua produção alternava constantemente com técnicas tradicionais, de acordo com seu objetivo específico, o que confundiu diversos de seus comentadores, que pretenderam, em vão, determinar uma evolução linear em sua carreira.

5 Hugo Auler. Eliseu Visconti, precursor do modernismo no Brasil (I). Correio Braziliense (Caderno Cul-tural). Brasília, 14 out 1967.

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Lavadeiras (1891) Eliseu ViscontiOst.; 70 x 100 cm; coleção particular, RJ.

Foto: Mirian N Seraphim.

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Detalhe de A passagem do Dia (1908)Eliseu ViscontiOst.; teto da platéia do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Foto: Mirian N. Seraphim.

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Retrato de Yvonne (c.1930) Eliseu ViscontiOsm.; 35 x 26,5 cm; coleção particular, CE

Foto: Mirian N. Seraphim.