anais do xi jogo do livro e i seminÁrio latino-americano: mediaÇÕes de leitura literÁria - parte...

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1 omunicação PARTE 3

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ISBN: 978-85-8007-091-0 JOGO DO LIVRO, 11., 2015. SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO DE LEITURA LITERÁRIA, 1., 2015, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: FaE, 2015. Parte 3

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omunicação

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OFICINAS DE FORMAÇÃO DE MEDIADORES E PROMOTORES DE LEITURA

Dayenne de Souza B. Pereira Graduanda em Pedagogia/FaE/UFMG

Bolsista Proex/UFMG [email protected]

(31) 7526-0572

Anna Carolyna Franco Américo Graduanda em Pedagogia/FaE/UFMG

Bolsista Prograd/ UFM [email protected]

(31) 9422-7767

Coordenadora: Profa. Dra. Celia Abicalil Belimro Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino/FaE/UFMG

[email protected] (31) 8871-1817

Co-coordenadora: Profa. Dra. Mônica Correia Baptista

Departamento de Administração Escolar/FaE/UFMG [email protected]

(31) 7117-1378

Resumo

O Projeto de Extensão Oficinas de Formação de Mediadores e Promotores de Leitura-Prollei -, iniciado em março de 2015, teve como público alvo alunas do PIBID – Educação Infantil e professoras de UMEIs de Belo Horizonte. Mediante a participação efetiva das cursistas nas atividades propostas e os depoimentos concedidos durante o processo de avaliação, constatou-se a importância das oficinas para a formação de mediadores para o trabalho com a literatura na Educação Infantil. Palavras-chave: Literatura infantil; Educação Infantil; Formação de Mediadores.

Abstract

The extension project Mediators Training Workshops and Reading Promoters - Prollei, started in March 2015 had as target audience students of PIBID - early childhood education and teachers of UMEIs of Belo Horizonte. Through the effective participation of the participants in the proposed activities and statements granted during the evaluation process we observed the importance of workshops for the training of mediators to work with literature in early childhood education. Keywords: Children's literature; Early Childhood Education; Training of mediators.

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Introdução

O projeto Oficinas de Formação de Mediadores e Promotores de Leitura integra o Programa Bebeteca da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Este projeto e o Programa Bebeteca fazem parte do grupo de pesquisa Leitura e Escrita na Primeira Infância – LEPI.1 O projeto Oficinas tem como objetivo central formar professores e demais profissionais que atuam com crianças menores de seis anos como mediadores e promotores de leitura literária. Pensando na formação desses profissionais, este projeto se dirige a professores, bibliotecários e outros profissionais que atuam em instituições de Educação Infantil ou bibliotecas públicas e a alunos de graduação e pós-graduação. As oficinas discutem o tema da literatura infantil, enfatizando suas origens e características, critérios de qualidade para seleção de livros, a adequação dos livros às diferentes faixas etárias que integram a primeira infância (zero a seis anos de idade). Em suma, as oficinas tratam de temas que requerem atenção por parte dos professores para que sejam tratados com a necessária delicadeza que exigem e, principalmente, para que esses profissionais, ao se tornarem leitores de literatura infantil, possam formar pequenos leitores.

Considerando a importância das narrativas e, em especial, das narrativas literárias para as crianças desde idades precoces, seria de se esperar que as propostas curriculares contemplassem um trabalho pedagógico capaz de assegurar o direito à literatura, independentemente da classe social, formação ou idade. Para Cândido (1995, p. 186), há uma relação entre a literatura e os direitos humanos, uma vez que a literatura nos liberta e nos humaniza e ―negar a fruição da literatura é mutilar nossa humanidade‖. Pensando no pleno exercício desse direito, não basta assegurar materiais, tempos e espaços destinados à leitura, nem tampouco debates e conversas literárias após as narrativas. Não é suficiente ainda constituir um acervo apropriado à faixa etária, mantendo livros que considerem a pluralidade de ideias, visões e modelos de ser, atuar e refletir. Todos esses são elementos importantes, mas são tributários da função primordial da educação infantil que, como primeira etapa da educação básica, deve ser a de dar início ao trabalho sistemático de formação do leitor literário. De acordo com Paulino (2004, p. 56), a formação de um leitor literário significa:

[...] a formação de um leitor que saiba escolher suas leituras, que aprecie construções e significações estéticas, que faça disso parte de seus fazeres e prazeres. Esse leitor tem de saber usar estratégias de leitura adequadas aos textos literários, aceitando o pacto ficcional proposto, com reconhecimento de marcas linguísticas de subjetividade, intertextualidade, interdiscursividade, recuperando a criação de linguagem realizada, em aspectos fonológicos, sintáticos,

1 O grupo de pesquisa Leitura e Escrita na Primeira Infância – LEPI integra o Centro de

Alfabetização Leitura e Escrita - CEALE - da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e investiga, entre outros temas, o Letramento Literário na primeira infância.

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semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento histórico de produção (2004, p. 56).

Evidentemente, a formação desse leitor não se completa na educação infantil, mas certamente ali se inicia. A realidade atual, entretanto, não tem favorecido o trabalho de formação do leitor literário na educação infantil. Por um lado, os professores não parecem ―convencidos‖ de que o acesso à leitura e à escrita e, em particular, a práticas pedagógicas que desenvolvam a formação do leitor literário seja um direito das crianças menores de seis anos de idade. Por outro lado, as políticas públicas destinadas à educação dessa faixa etária tampouco têm conseguido suprir essa lacuna. Ainda que se observem, nas últimas décadas, avanços significativos nas políticas públicas destinadas à educação infantil, tais como: ampliação da oferta de vagas por meio de programas de construção de prédios (Proinfância); elaboração de diretrizes nacionais para orientar as práticas educativas e determinar parâmetros de qualidade para seu funcionamento (Indicadores da Qualidade na educação infantil; Currículo em Movimento; Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil); a inclusão da educação infantil nos programas suplementares, dentre os quais destacamos o Programa Nacional de Biblioteca da Escola – PNBE, tais avanços não têm sido suficientes para instaurar, nas instituições educativas, uma prática capaz de formar um leitor literário.

Conscientes de que a leitura literária deve integrar o universo da infância, constata-se, ao mesmo tempo, que a temática da formação do leitor, na educação infantil, carece de aprofundamento e discussão nos cursos de formação docente. Sendo assim, ao refletir sobre a adequação do trabalho de promoção da leitura literária desde os primeiros anos de vida e o escasso conhecimento acerca do tema da leitura literária para crianças antes de elas dominarem a capacidade de ler e escrever autonomamente, este Projeto tem o objetivo de organizar oficinas destinadas a alunos do curso de Pedagogia, de Letras, da Biblioteconomia, da Escola de Belas Artes, bem como a profissionais que atuam em instituições de educação infantil, bibliotecas e outros espaços não escolares, para formá-los como leitores mediadores e promotores de leitura junto a crianças de zero a seis anos de idade. Pensando nos objetivos e no público ao qual se destina, o projeto ganhou o nome - Prollei – Oficina de Formação de Mediadores e Promotores de Leitura Literária na Educação Infantil.

Metodologia

Por se desenvolver como curso de ação e de extensão voltado para estudantes de graduação, pós-graduação e para a comunidade externa, professores das Unidades Municipais de Educação Infantil – UMEI, a primeira edição do Projeto Oficinas foi ofertada para alunas de graduação bolsistas do programa PIBID2 – Educação Infantil, para as professoras da UMEI Alaíde

2 PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Iniciativa financiada pela

Capes voltada para o aperfeiçoamento e valorização da formação de professores para a

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Lisboa que supervisionavam as atividades das bolsistas, uma professora da UMEI Santa Amélia parceira do grupo de pesquisa LEPI e demais integrantes do mesmo. Devido a diversidade do grupo, foi preparado um cronograma com carga horária total de trinta horas, divididos em oito encontros semanais com duas horas de duração, totalizando dezesseis horas de curso, dez horas de intervenção em sala com crianças de zero a seis anos e quatro horas de estudos de textos teóricos.

Os encontros obedeceram a uma estrutura que possibilitou uma experiência diversificada com textos literários. Assim, em todos os encontros, o primeiro momento era dedicado à audição de um conto, de um poema, de um pequeno ensaio literário, de forma que a audiência pudesse se concentrar e apreciar um texto literário.

A seguir, apresentamos as temáticas desenvolvidas nos oito encontros realizados. ENCONTRO DATA TEMÁTICA TEXTO

LITERÁRIO ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

1º 08/05/2015 - Abertura do curso - História da Literatura Infantil

Felicidade Clandestina – Clarice Lispector

1. Apresentação da proposta do curso, 2. Apresentação dos participantes 3. Definição do livro para a Tertúlia Literária 4. As crianças de 0-5 anos são as mesmas?

2º 15/05/2015 - Literatura infantil contemporânea

Aquela Água Toda – João Anzanello Carrascoza

1. Continuação da história da Literatura Infantil. 2. Mudanças na literatura infantil durante os anos.

3º 22/05/2015 Temas delicados na literatura para a primeira infância

A Caolha – Júlia Lopes de Almeida

1. Comentário do texto teórico indicado. 2. Análise de livros de literatura infantil.

4º 29/05/2015 Livros de Imagens

1.Fotografias – Luis Umberto 2.A realidade e a imagem – Manuel Bandeira 3.O fotográfico – Manoel de Barros 4.Infância (trecho) – Graciliano

1. Comentário do texto teórico indicado. 2. Análise de livros de literatura infantil.

educação básica. Informação disponível em <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>. Acesso em: 06 out. 2015.

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Ramos

5º 12/06/2015 Livros para Bebes

Peça Infantil – Luís Fernando Veríssimo

1. Comentário do texto teórico indicado. 2.Análise de livros de literatura infantil.

6º 19/06/2015 Poesia O mistério da poesia – Rubem Braga

1. Comentário do texto teórico indicado. 2. Análise de livros de literatura infantil. 3. Leitura de poemas durante a oficina.

7º 26/06/2015 Livros Informativos

Prazer pela leitura – Virginia Woolf

1. Comentário do texto teórico indicado. 2. Análise de livros informativos.

8º 03/07/15 Tertúlia Literária Tertúlia literária Conversa sobre o livro ―Haroun e o mar de histórias‖

A definição dos temas e a sua distribuição no cronograma do curso

foram pensadas de acordo com as capacidades e habilidades que se pretendia desenvolver junto aos participantes, tais como:

- Conhecer a fundamentação teórica e política de fomento à leitura, junto à primeira infância, que norteia o trabalho com a leitura literária junto a crianças de zero a seis anos;

- Realizar escolhas adequadas de livros e textos a serem compartilhados com as crianças, considerando as especificidades da faixa etária que constitui a primeira infância;

- Realizar uma mediação adequada para promover o contato das crianças com os livros. As oficinas foram desenvolvidas na Bebeteca da Faculdade de

Educação, instalada na Biblioteca Alaíde Lisboa e os responsáveis pelas oficinas foram professores e alunos dos cursos de graduação e pós-graduação que participam do Grupo de Pesquisa Leitura e Escrita na Primeira Infância do CEALE/FaE/UFMG.

A experiência

O contato inicial com o grupo de participantes das oficinas teve como objetivo informar sobre o grupo LEPI e suas contribuições para com o desenvolvimento de pesquisas no âmbito do letramento literário na educação infantil. Além disso, foram decididas questões técnicas – criação do perfil no Facebook3 para troca de conhecimentos, exposição de como aconteceriam os encontros, explicações sobre a Tertúlia Literária4 que seria realizada no último

3 Prollei - Grupo criado no Facebook para discussões sobre intervenções feitas com as turmas

de Educação Infantil e demais informações sobre Literatura Infantil. 4 O Projeto Tertúlia Literária,em funcionamento desde 2009, vinculado ao GPELL/ CEALE, da

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, tem como objetivo constituir um espaço de leitura, análise e discussão de obras literárias de maneira a possibilitar a fruição

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encontro e o envio/recebimento de textos teóricos que embasariam as discussões.

Ainda no primeiro encontro, abordou-se a origem da literatura infantil e o seu desenvolvimento durante os séculos. O levantamento de hipóteses para explicar as várias mudanças ocorridas no enredo das produções de obras infantis foi muito relevante para o entendimento de tais transformações. Para exemplificar essas mudanças, foi apresentado o clássico ―Chapeuzinho Vermelho‖, em diferentes versões, em que se buscou discorrer sobre os diversos finais que lhe foram sendo atribuídos. A reação dos participantes ficou evidenciada por meio de olhares perplexos, certa inquietude por parte de alguns e ainda, risos soltos como de crianças que se divertem com o brinquedo novo.

A discussão sobre as possíveis definições de Literatura Infantil está muito presente nas obras de Peter Hunt (2010), autor que foi estudado em algumas das oficinas. Segundo esse teórico, não existe uma única definição de literatura infantil o que poderia resultar em um empobrecimento ou deixar de explorar questões fundamentais desta arte. Sendo assim, o projeto Oficinas, desde o início, preocupou-se em mostrar aos ouvintes as várias possibilidades que esse universo oferece, os auxiliando na mediação.

A disposição de diversos livros, escolhidos de acordo com a temática tratada, sobre as mesas, em todos os encontros e, possibilitando que os participantes entrassem em contato com as obras foi uma proposta do projeto que obteve grande êxito. Antes do início das atividades e, até mesmo, durante a oficina, era comum ver alunas lendo, mexendo nos livros e muitas vezes até anotando os títulos de maior interesse para que pudessem adquirir e formar seus próprios acervos ou indicar sua compra nos ambientes de trabalho. Esta experiência evidenciou o interesse do grupo para a aquisição de conhecimentos e aprimoramento de práticas de leitura literária.

Assim como o grupo de alunos, também os integrantes do LEPI que participaram das oficinas, como apoio técnico ou atuando nas atividades, se mostraram muito empolgados em oferecer encontros de qualidade e que dariam embasamento para as atividades práticas que seriam realizadas na UMEI Alaíde Lisboa como complemento dos trabalhos teóricos. A escolha das referências bibliográficas, os livros de literatura infantil para análise e as apresentações dos slides foram minuciosamente pensados e contaram com a ajuda de grande parte dos integrantes do LEPI. A preparação das oficinas era feita com antecedência para que tudo ocorresse adequadamente. Como sempre, alguns imprevistos ocorreram e, ao término de cada oficina, era feita uma reunião para avaliação dos pontos positivos e correção das inadequações.

Outra proposta muito elogiada pelo grupo foi quanto à escuta de literatura. No início de cada encontro, como mencionado anteriormente, era feita a leitura em voz alta de um texto literário para aguçar ainda mais o desejo de apreciar variados gêneros da literatura. Essa estratégia de aproximação ao

e estimular a leitura de outros textos literários, contribuindo para a formação do professor como leitor da literatura. A partir desse projeto, práticas de ler e discutir textos literários, em disciplinas ou outra atividades acadêmicas do curso de Pedagogia, têm sido cada vez mais presentes e têm recebido esse nome para designar essa prática de compartilhar leituras literárias.

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texto literário tem sido abandonada, principalmente em se tratando de adultos. Nesses momentos em que compartilhamos a leitura em voz alta de poemas, contos, crônicas, foi possível perceber a curiosidade que esta experiência despertava no grupo; os olhos, muitas vezes fechados, para ajudar na concentração, o silêncio, para não perder nenhum momento, e a respiração de relaxamento que escutávamos ao final de muitas leituras, indicavam o êxito da proposta. O conto ―A Caolha‖, de Júlia Lopes de Almeida, em especial, serve para exemplificar a intensidade com que as alunas se renderam à leitura: uma delas até suspirou forte e não se conteve com a exclamação ―Nossa!‖ com ênfase de alívio e surpresa diante de uma obra com enredo curioso e final comovente.

A observação de uma prática de leitura literária também foi uma das atividades que fizeram parte do processo de desenvolvimento de capacitação do grupo. Desta forma, as alunas que trabalhavam com os bebês pediram auxílio quanto aos critérios e escolha de livros que poderiam ser trabalhados e que, ao mesmo tempo, seriam adequados para a faixa etária em questão. Percebeu-se a preocupação em oferecer, desde os primeiros anos de vida, obras que contemplassem a exploração das funções cognitivas; e não somente isso, mas também a importância dos princípios de formação que dão o alicerce para a avaliação de qualquer obra.

Além das integrantes do PIBID e do LEPI, o Projeto ofertou vagas para os professores da UMEI Santa Amélia a fim de apoiá-los em seus ambientes de trabalho. Nos encontros finais, ficou patente a importância do projeto para a formação de pedagogos, uma vez que disciplinas de leitura literária ainda não são obrigatórias no curso de licenciatura em Pedagogia; mais ainda, que tais iniciativas deveriam ser estendidas para todos os profissionais das UMEIs. Tal fato evidenciou a importância dessa esfera de conhecimento posta em debate, além de revelar o anseio para que outros profissionais também compartilhem destes conhecimentos.

Para que se possa vivenciar essas oficinas e levar o que se aprendeu para as salas de Educação Infantil, é necessário que o sujeito internalize os conceitos e conteúdos trabalhados. Benjamim (2009, p. 23)afirma que "Cada uma de nossas experiências possui efetivamente conteúdo. Nós mesmos conferimos-lhes conteúdos a partir do nosso espírito." Para que possamos verdadeiramente ter uma experiência, é necessário internalizar o conteúdo e nos transformarmos; assim, damos-lhe sentido. Ao considerar como Larrosa (2002) que a "experiência é o que nos passa, o que nos acontece e o que nos toca‖, percebemos o caráter revolucionário da literatura que, no instante de leitura, nos faz pensar sobre o que vivenciamos, parar para escutar, para sentir, suspender o juízo e abrir os olhos e os ouvidos.

O compartilhamento das diversas experiências vividas em contextos de práticas de leitura literária enriqueceu as trocas de conhecimentos e possibilitou maior compreensão dos referenciais teóricos. Uma das alunas reviveu, durante a análise de um livro, as redações que escrevia, contando as viagens de férias: uma vez que a família não tinha condições financeiras para viajar, seus passeios ocorriam por meio de situações e lugares que a leitura de poesias lhe proporcionava. A partir desse relato, foi possível retomar algumas concepções sobre a leitura em geral, a escrita escolarizada e as

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consequências desse estreitamento teórico nas perspectivas do ensino da literatura na escola.

A busca por livros com narrativas e ilustrações de qualidade se tornou mais frequente durante os encontros. Como mencionamos acima, as obras criteriosamente selecionadas pela equipe responsável por ministrar as oficinas eram analisadas pelos participantes e estavam sempre expostas às mesas, facilitando assim, o seu manuseio e auxiliando na construção dos seus próprios critérios de qualidade para seleção dos livros de literatura infantil. Sendo assim,em meio às obras expostas e analisadas durante o projeto, as alunas faziam comparações com os exemplares que eram oferecidos nas UMEIs onde trabalhavam e puderam observar que muitos deles não proporcionavam ao leitor experiências visuais e verbais de qualidade. Ao final dos encontros nos solicitaram listas contendo obras premiadas para que pudessem sugerir a compra dos mesmos para compor o acervo da UMEI em que trabalhavam. Diante das críticas e discussões feitas por elas, concluímos que os resultados obtidos vieram ao encontro dos objetivos traçados inicialmente pelo Projeto Oficinas, isto é, contemplar, aperfeiçoar e potencializar a formação de promotores e mediadores de leitura.

Conclusão

O exemplo de uma participante do projeto Oficinas de Leitura Literária na Educação Infantil - Prollei – resume bem o processo de experimentação no sentido benjaminiano por que passaram todos os seus integrantes. A leitura do livro de literatura infantil, Raposa,de autoria de Margaret Wild e ilustrações de Ron Brooksa fez reviver lembranças e emoções de situações vividas e experiências passadas e ela reconheceu que a sutileza com que a temática da obra foi apresentada criou uma densidade interpretativa tão intensa que a fez transbordar em lágrimas. Momentos como os que tivemos oportunidade de experimentar coletivamente sinaliza que o caminho da experiência literária orienta a constituição da nossa humanidade e que os temas não devem ser evitados, mas tratados com a delicadeza que a nossa sensibilidade necessita.

Referências

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Livros de literatura infantil apresentados e discutidos nas oficinas

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ASCH, Frank. Feliz aniversario, lua. 5. ed. São Paulo: Global, 2004.

BAGNO, Marcos; HIRATSUKA, Lúcia. Festa no meu jardim. 2. ed. Curitiba, PR: Nossa Cultura, 2013.

BANDEIRA, Manuel; CALVI, Gian. Trem de ferro. 2. ed. São Paulo: Gaia, 2013.

BANYAI, Istvan. Zoom. Rio de Janeiro: Brinque-Book, 1995.

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PRÁTICA DE LEITURA LITERÁRIA: DIÁLOGOS ENTRE AS CRIANÇAS E A LITERATURA

Denise Mendonça Barbosa Pedagoga pela Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF

Professora da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora [email protected]

(32) 9809-9615

Ana Maria Moraes Scheffer Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF

Doutoranda em Educação Professora da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora

[email protected] (32) 9119-5902

Resumo

Este texto apresenta o relato de uma prática de leitura literária desenvolvida nas turmas de 2º e 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do município de Juiz de Fora, através do projeto intitulado Crianças dialogam com o texto literário. O objetivo foi promover o diálogo entre os alunos e a literatura, a produção de textos e ilustrações a partir dos contos de fadas, com vistas à formação do leitor literário. Palavras-chave: Leitura literária; Literatura; Letramento literário.

Abstract

This text presents the report of a literary reading practice developed in the classrooms of 2ndand 3rd year elementary school, in a public school in the Juiz de Fora county through the project entitled Children dialogue with the literary text. The aim was to promote dialogue between students and literature, the production of texts and illustrations from fairy tales with a view to the formation of the literary reader. Keywords: Literary Reading; Literature; Literary literacy.

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Introdução

O livro na minha estante não me conhece até que eu o abra, e, no entanto, tenho a certeza de que ele se dirige a mim - a mim e a cada leitor – pelo nome; está à espera de nossos comentários e opiniões. (Alberto Manguel).

As palavras trazidas, nessa epígrafe, revelam uma realidade presente em muitas escolas onde os livros que constituem o acervo das bibliotecas escolares e das bibliotecas das salas de aula, mais conhecidas por Cantinhos de Leitura, querem ser explorados pelos professores e alunos para que seja estabelecida uma relação entre texto e leitor. Nesse momento, entra em cena o papel do professor como o mediador que criará condições para que o leitor se coloque em interação com o texto e, assim, sejam produzidos novos sentidos que podem ser expressos através de opiniões e comentários. Dessa forma, podemos considerar que dentre os vários espaços que compõem a escola, a sala de aula e a biblioteca se apresentam como importantes instâncias de divulgação da cultura escrita e da leitura literária. Assim, a tarefa de formar leitores deixa de ficar centrada apenas nos professores que atuam nas salas de aula, mas passa a ser uma ação compartilhada com os educadores que exercem suas atividades nas bibliotecas escolares e em outras funções, para que os alunos possam ampliar seus vínculos com a literatura. O trabalho docente desenvolvido nesses espaços precisa estar integrado para que sejam desenvolvidas propostas pedagógicas que têm em vista a formação do leitor. Nesse sentido, o reconhecimento da importância da biblioteca como espaço de aprendizagem e, portanto, parte do processo de ensino e aprendizagem, tanto por professores e alunos, levará à percepção de que todos podem aprender na e com a biblioteca (CAMPELLO, 2010).

No Brasil, algumas iniciativas vêm acontecendo no sentido de contribuir para que a escola cumpra a sua tarefa de formar leitores. Tomemos como exemplo a política adotada pelo governo federal de distribuição de acervos literários para a constituição de bibliotecas escolares através do Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE). Esse programa tem permitido que os alunos tenham acesso e se aproximem cada vez mais do universo literário, além de ampliar as iniciativas de dinamização do acervo e de promoção da leitura literária nas escolas públicas brasileiras. Todavia, para que isso ocorra não é suficiente apenas a distribuição dos livros. Como menciona Soares (2006), é necessário que o professor realize uma mediação adequada de leitura literária que privilegie o texto no seu suporte original, ou seja, o livro, respeitando a obra na sua totalidade, sem recorrer a fragmentos, e que não transforme o que é literário em pedagógico com o excesso de didatismo. Dessa forma, o aprendizado literário poderá ser construído através do contato e acesso ao livro e, sobretudo pela participação em práticas de leitura literária que promovam uma formação de leitor que torne permanente o seu interesse pela leitura.

Este trabalho vem, portanto, discorrer acerca de uma experiência de prática de leitura literária realizada com o objetivo de proporcionar aos alunos o contato com a literatura, buscando despertar o gosto pela leitura de textos

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literários e contribuir para o desenvolvimento do letramento literário através de mediações escolares de leitura que visam atendê-los no seu processo de formação de leitores. Com esse objetivo, focalizamos o projeto Crianças dialogam com o texto literário que foi desenvolvido nas turmas de 2º e 3º anos do Ensino Fundamental, trazendo algumas possibilidades de efetivação da leitura literária nos espaços da biblioteca e da sala de aula. Nossa intenção é compartilhar essa experiência de leitura literária desenvolvida junto aos alunos como uma entre as muitas outras possibilidades de realização de práticas leitoras que conduzem os alunos a dialogarem com a literatura.

Importa-nos ressaltar que a prática de leitura literária, aqui abordada, está alicerçada em uma compreensão de leitura como prática cultural integrante do processo de formação do indivíduo que traz novas formas de interação. Sendo assim concebida, a leitura literária traz a possibilidade de experimentarmos realidades diferentes e vivermos em culturas diversas, além de nos despertar sentimentos que engendram novas formas de pensar, de estar e de ser no mundo. Por abrir a possibilidade de dar sentido ao que vivemos e de podermos compreender o mundo através das palavras, que consideramos que a literatura precisa ter o seu lugar realçado nas escolas.

Como caminho para partilhar a experiência vivida por nós professoras e pelos alunos das turmas participantes do projeto já citado, buscamos organizar esse texto a partir de um entrecruzamento entre a prática e a teoria, trazendo a experiência de leitura literária realizada e as reflexões teóricas que a fundamenta. No primeiro momento, apresentamos os fundamentos teóricos acerca da leitura literária e do letramento literário que sustenta a nossa prática. No segundo, apresentamos o relato das práticas desenvolvidas na sala de aula e na biblioteca através de um trabalho integrado entre os professores que atuam nesses diferentes espaços de aprendizagem da escola. Para finalizar, tecemos algumas considerações sobre o trabalho desenvolvido.

Literatura e Letramento Literário no espaço escolar

A literatura representa uma prática social de leitura e de escrita presente no interior das escolas, ainda que não esteja reduzida à instituição escolar. Sendo parte constitutiva de um conjunto maior, é necessário que se trabalhe também com um conceito mais amplo –o letramento- entendido como sendo ―o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita‖ (SOARES, 2000, p. 47). Por ser uma prática social, o “letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais‖ (p. 72). Isso evidencia que o texto literário se aproxima dos demais textos estabelecendo relações com os outros usos sociais da leitura e da escrita.

Para ampliar a discussão sobre o letramento, trazemos os trabalhos de Paulino (2004a, 2008) que destacam que em função da heterogeneidade de práticas de leitura com seus variados objetivos, formas, objetos, contextos e suportes temos o emprego do termo letramento no plural: letramentos. Tal fato explicita a complexidade de processos sociais e discursivos envolvidos no processo de ler e escrever. Dentre os vários tipos de letramentos, vamos

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encontrar o letramento literário. Essa nova expressão faz com que haja distinção entre o letramento funcional e o letramento literário. O letramento funcional se relaciona às práticas cotidianas de leitura e escrita de textos informativos e instrucionais, enquanto o letramento literário envolve textos com poemas, contos, romances, entre outros gêneros literários que são apresentados em suportes diferentes. Como o letramento literário está inserido dentro de um contexto mais amplo de letramento e possui, enquanto prática de leitura, um modo específico de se desenvolver na sociedade, torna-se necessário considerar as especificidades da leitura literária. Assim sendo, Soares (2006, p. 43) assinala alguns objetivos específicos da leitura do texto literário, considerando as implicações que lhe são próprias:

Os objetivos de leitura e estudo de um texto literário são específicos a este tipo de texto, devem privilegiar aqueles conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à formação de um bom leitor de literatura: análise do gênero do texto, dos recursos de expressão e de recriação da realidade, das figuras autor-narrador, personagem, ponto de vista (no caso da narrativa), a interpretação de analogias, comparações, metáforas, identificação de recursos estilísticos, poéticos, enfim, o estudo daquilo que é textual e que é literário.

Por estar o letramento literário em interface com as outras formas de letramento, o trabalho com a leitura literária tomará outras dimensões dentro do contexto escolar e fora dele, pois formar um leitor literário significa formar um leitor que saiba escolher suas leituras a partir de seus interesses e desejos, que sabe utilizar estratégias de leitura adequadas aos textos literários, que participe do pacto ficcional, situando o texto ao seu contexto de produção, reconhecendo as marcas de intertextualidade e interdiscursividade (PAULINO, 2004b).

Conhecer a história de leitor dos alunos que está sendo escrita dentro ou fora da escola pode reforçar as motivações para que o desenvolvimento do letramento literário, no âmbito escolar, propicie uma experimentação estética que ultrapasse os usos mais pragmáticos da leitura e da escrita e se configure como um aspecto importante no processo de formação do leitor literário. Além disso, essa experimentação precisa ser vista dentro de uma perspectiva social e cultural mais ampla, ou seja, inicia-se a partir das vivências cotidianas dos alunos, passa pela escola e outras instâncias sociais para, em seguida, retornar à vida cotidiana e assim realizar efetivamente o letramento literário. Dentro dessa abrangência do letramento, por isso letramentos, que o texto literário deverá ser focalizado.

Segundo Cosson (2014), mais que uma forma diferenciada de uso da escrita, o letramento literário é, assim, uma instância fundamental de qualquer processo de letramento porque é por meio dele que construímos o nosso ser na escrita. Se o letramento literário é tão importante para a nossa inserção no mundo da escrita, ele não pode deixar de estar na escola e, uma vez estando, precisa ser escolarizado adequadamente. De acordo com esse autor, o letramento literário não pode deixar de fazer parte do processo de letramento, em geral, empreendido pela escola, mas é necessário manter os seus princípios para que funcione como tal. Princípios, estes, que podem ser

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ameaçados não só pela forma como a escola, hoje, está organizada com seus tempos e currículos como também pela tradição de escolarização da literatura atrelada a essa organização.

Partindo das reflexões que até aqui foram apresentadas, vale perguntar: O que é a literatura? É possível construir uma definição que possa expressar os vários sentidos dessa palavra? Pacheco (2008, p. 211-212) afirma que definir o termo literatura não é tarefa fácil, porque não é algo estático, mas através de suas especificações pode-se dizer que:

Literatura é acima de tudo, arte; pertence à esfera da estética. Arte e estética são termos polissêmicos, não se prestam a definições fechadas e conclusivas. A estética antes de ser uma apologia ao belo, às formas perfeitas, a um estado de pura inspiração para a sua execução, antes de tudo isso, estética está associada aos sentidos, à percepção através dos sentidos. [E conclui:] A arte, então, muito mais que uma atitude contemplativa, provoca fruição estética em que não só o belo e o prazer tranquilo e sereno têm o seu lugar, mas, também, o incômodo e o desconforto oriundos de uma experiência impactante, engendrando processos internos extremamente salutares e catárticos, que possibilitam a elaboração e reelaboração do sujeito, de sua subjetividade e da realidade em que se encontra.

O texto literário por se tratar de um texto artístico não trabalha com o explícito, ao contrário, os personagens, objetos e espaços aparecem de forma inacabada, possibilitando que o leitor os complete, faça inferências, acione os seus conhecimentos prévios, participando, assim, da constituição da história lida/contada. Além disso, a literatura estabelece com as crianças uma interação específica: a possibilidade de inserir sua subjetividade no texto, pois nele encontramos um espaço privilegiado de construção do que somos.

Lajolo (2002, p. 106) a esse respeito completa dizendo:

É à literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania, precisa apropriar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos.

Afinal, é preciso gostar de ler textos literários, seja por fruição, para conhecer e brincar com as histórias, para interagir, para alimentar a imaginação, para desenvolver a criatividade e o posicionamento crítico frente aos acontecimentos da vida. É preciso nos encantar para encantarmos as crianças, a fim de construir uma relação reflexiva e afetiva entre alunos e livros.

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A experiência de Leitura Literária no contexto escolar

A Escola Municipal João Guimarães Rosa localiza-se no bairro Cruzeiro de Santo Antônio, região oeste da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Atende, atualmente, 172 alunos da Educação Infantil ao nono ano do Ensino Fundamental. As crianças envolvidas, neste trabalho, formavam uma turma bisseriada constituída de 13 crianças do 2º ano e 8 do 3º ano. Vale esclarecer que a maior parte dos alunos reside numa área rural do nosso município e é oriunda de classe social menos privilegiada social e culturalmente. O acesso à leitura e à escrita se dá de forma mais efetiva no espaço escolar. Daí a relevância de se desenvolver, nesse contexto, um trabalho que vise ampliar o contato dos alunos com a cultura escrita e que promova a sua formação de leitor.

Na tentativa de aproximar as crianças da literatura, temos procurado transformar os espaços da sala de aula e da biblioteca em espaços de vivências de práticas de leitura literária. Sendo assim, elaboramos o projeto ―Crianças dialogam com o texto literário‖ como um caminho para que o diálogo entre as crianças e a leitura se efetivasse. Neste projeto trabalhamos com livros da biblioteca que foram previamente selecionados a partir da constatação de que os alunos dessa turma demonstravam interesse pelos contos clássicos. Como salienta Aguiar (2001), os contos de fadas por apresentarem uma estrutura com começo, meio e fim bem definidos contribuem para que as crianças componham uma visão sobre a vida. Além disso, ao trazerem o ingrediente da fantasia nas narrativas, esses contos auxiliam as crianças a organizarem suas percepções e a vivenciarem emoções muitas vezes complexas e difíceis de serem compreendidas.

Nas lembranças das crianças em relação à leitura desses contos, estiveram presentes Os três porquinhos, Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho. Embora reconhecendo a necessidade de ampliar o repertório de contos clássicos da turma, iniciamos o projeto apresentando duas versões de uma história conhecida pelas crianças: Chapeuzinho Vermelho. Os alunos foram convidados a comparar duas diferentes versões que foram lidas durante dois momentos da Hora do Conto realizados na biblioteca. A primeira versão era de Perrault recontada por Fernanda Lopes de Almeida e a segunda dos irmãos Grimm com tradução de Tatiana Belinky.1 Por se tratarem, inicialmente, de narrativas orais, essas histórias trazem em cada versão uma recriação como se fossem outras.

Iniciamos o projeto levando os alunos para a biblioteca da escola que possui um espaço agradável para a realização de práticas de leitura. Quando todos já estavam acomodados em círculo, pedimos que falassem para o grupo quais eram os contos de fadas conhecidos por eles. Após as crianças contarem algumas histórias já conhecidas, apresentamos o livro Contos de Perrault explorando aspectos relacionados aos nomes do autor e do ilustrador, título da obra e conversamos um pouco sobre a vida de Charles Perrault. Outro aspecto que destacamos, antes da leitura da história, foi a presença do índice do livro para que os alunos percebessem que nele continham várias histórias. Em

1 ALMEIDA, F. L. Contos de Perrault. São Paulo: Ática, 2012. JAKOB, GRIMM; WILHELM

GRIMM. Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Tatiana Belinky. São Paulo: Paulus, 1995.

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seguida, fizemos a leitura dos títulos dos contos e perguntamos a turma se conheciam algumas daquelas histórias a partir dos títulos lidos. Segundo Paiva (2008), possibilitar ao aluno conhecer os elementos que compõem o objeto livro contribuirá para a sua formação de leitor literário. Tal conhecimento traz a possibilidade de despertar o interesse das crianças em ler o livro. Antes da leitura oralizada, solicitamos à turma que contassem versões que conheciam sobre a história do Chapeuzinho Vermelho. Após a leitura expressiva do conto, propomos aos alunos que o recontassem coletivamente, ou seja, um aluno iniciava a história e os demais davam continuidade até o seu final. Nesse momento, fomos trazendo lembranças de fatos que não foram mencionados por elas. A seguir, pedimos que dissessem quais foram os trechos do conto de que mais gostaram. No final todos manusearam o livro, observaram as ilustrações e fizeram comentários acerca da história.

Para a realização da leitura da segunda versão da história Chapeuzinho Vermelho, os alunos, novamente, foram para a biblioteca onde o espaço havia sido preparado com a colocação de um tapete e almofadas para que pudessem se sentir bem à vontade para a escuta da história. Rememoramos o encontro anterior e a história que havia sido lida com eles. Em seguida, distribuímos o livro intitulado Chapeuzinho Vermelho para cada aluno para que toda a turma acompanhasse a leitura do conto. Os alunos ao receberem o livro, foram manuseando-o e, assim, fomos explorando os aspectos materiais da obra. Indagamos se essa história que seria lida era ou não igual a que fora contada no encontro anterior já que o título era o mesmo. As crianças consideraram que não, pois o livro era diferente. Após a leitura, todos tiveram a oportunidade de folhear novamente o livro, destacar as ilustrações que despertaram os seus interesses, recontar o conto apoiando-se no livro. Na sequência, construímos um quadro comparativo analisando os contextos, os personagens, os fatos semelhantes e divergentes e o desfecho nas duas versões. Todas as colocações dos alunos foram registradas no quadro para que as crianças percebessem que o conto Chapeuzinho Vermelho foi escrito de maneira diferente, abrindo a possibilidade para que novas versões fossem criadas a partir dessas que lhes foram apresentadas. Quando indagadas sobre qual conto que mais apreciaram, a turma, na sua maioria, escolheu a que apresentou um final trágico para as personagens da vovó e de Chapeuzinho Vermelho, ou seja, a primeira versão. De acordo com Paiva (2006), não há como determinar qual a melhor versão, uma vez que serão os leitores que determinarão suas preferências. Desse modo, as apropriações das histórias não acontecem de forma passiva, pois envolve a participação do leitor e é na relação entre texto e leitor que novos sentidos são construídos.

Em outro momento, na sala de aula, propusemos aos alunos a produção de texto escrito da história do Chapeuzinho Vermelho utilizando elementos das duas versões que foram lidas para a turma. Enquanto os alunos foram relembrando as histórias, a professora, como escriba, foi escrevendo e chamando a atenção da turma para a organização do texto através do encadeamento das ideias.

Dando continuidade ao trabalho retomamos o livro Contos de Perrault para apresentar a história As fadas, uma vez que se tratava de um conto desconhecido pela turma. Mais uma vez o encontro entre nós professoras e as

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crianças aconteceu no espaço da biblioteca. Antes da leitura, comentamos com a turma que os contos de fada, inicialmente, eram contados pelas pessoas oralmente e que somente depois de muitos e muitos anos foram escritos. Chamamos a atenção para o fato de que Charles Perrault, o autor desses contos, viveu numa época em que havia muitos castelos onde moravam reis, príncipes e princesas. Logo que apresentamos o livro, foi feita a leitura do título do conto. Em seguida, perguntamos aos alunos se conheciam alguma fada ou histórias em que apareciam fadas. Indagamos também sobre como as fadas são e o que fazem, e como supunham que fossem as fadas da história que seria lida e o que iria acontecer a elas. As hipóteses das crianças foram registradas para depois serem discutidas com a turma. Explicamos que a palavra fada quer dizer aquela que tem o poder mágico. Foi solicitado à turma que observassem quem participava da história e o que faziam. Posteriormente, foi feita a leitura do conto em voz alta, dando ênfase à expressividade, entonação e fluência. Após o término da leitura, propusemos para a turma uma brincadeira de encenação da história para ser realizada num outro momento. Para tanto, a professora da sala leu o conto As fadas, durante as aulas, ao longo da semana, para depois realizar com a turma a brincadeira de encenação que consistiu em a docente ler a história enquanto as crianças foram assumindo os personagens, sugerindo mudanças no conto e ressignificando objetos da sala para servirem como os objetos citados na história. Adotamos a partir dessa atividade uma perspectiva de trabalho com a leitura literária que valorizasse as dimensões afetivas e lúdicas peculiares à leitura literária.

No encontro seguinte realizado na biblioteca com a turma, retomamos a história As fadas e conversamos com os alunos sobre as obras que lhes foram apresentadas por considerarmos que essa atividade desempenha um papel fundamental na sua formação de leitor. Os alunos comentaram livremente as obras lidas, foram estimulados a comparar as histórias e compartilharam no grupo os diferentes sentidos suscitados pelas narrativas. Em sala de aula, a professora da turma estimulou os alunos a produzirem em dupla uma produção escrita a partir do conto As fadas. A esse respeito Ceccantini (2014) ressalta que a proposta de produção escrita de textos a partir de obras literárias deve ser realizada desde que não relegue o texto literário a segundo plano. Assim sendo, tivemos o cuidado de colocar o texto literário lido na centralidade dessa atividade.

Como terceira proposta de leitura de contos de fadas, trouxemos para a turma o conto A Gata Borralheira (Cinderela) do livro Contos de Perrault de Fernanda Lopes, em atendimento a uma solicitação das crianças que queriam ouvir essa história. No desenvolvimento dessa proposta, realizamos a mediação da leitura literária no espaço da biblioteca na nossa roda de leitura semanal. Antes de contar a história usamos como recurso para surpreender as crianças a brincadeira Descobrindo a história, onde a professora apresenta várias dicas sobre o conto que será lido até os alunos descobrirem o seu nome. Através dessa brincadeira, pudemos constatar que a maioria dos alunos a conhecia. Na sequência, foi feita a leitura da história que foi acompanhada de uma escuta atenta e entusiasmada pelos alunos. Depois, em sala, propusemos aos alunos a produção de um final diferente para o conto Cinderela. Por fim,

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todas as produções escritas produzidas pelas crianças foram digitadas e coladas em um cartaz. Os alunos também tiveram a oportunidade de ilustrar as histórias criadas. A partir desse material, preparamos uma apresentação para comunidade escolar onde as crianças fizeram uma leitura expressiva das suas histórias produzidas durante o desenvolvimento desse projeto.

Considerações Finais

Neste texto, buscamos socializar a experiência de prática de leitura literária que desenvolvemos, nos espaços da sala de aula e da biblioteca, a partir do interesse das crianças, com vistas a contribuir para que a literatura faça parte de suas vidas de maneira bem próxima, o que constitui um grande desafio para nós educadores. Para que tal intento se efetivasse, procuramos organizar o ambiente onde as leituras foram realizadas, selecionamos os livros e o gênero trabalhado no seu suporte original, fomos sensíveis ao gosto e às preferências dos alunos. Estivemos atentas ao fato de que no papel de mediadores não devemos impor a nossa a compreensão da história lida, pois é através da compreensão de cada um que novos conhecimentos são construídos. Procuramos respeitar a integralidade da obra, lendo na íntegra todos os contos sem retirar ou saltar partes dos textos por, às vezes, considerarmos inadequadas para os alunos. Desse modo, as crianças puderam

fazer suas interpretações pessoais elaborando seus conhecimentos, seus medos e anseios em relação à realidade e fantasia.

Ao propiciar às crianças o contato com o texto literário e estabelecer conexões com outras versões dos contos trabalhados, foi possível perceber a ampliação do potencial da leitura literária da turma, uma vez que foi lhes proporcionado uma maior compreensão do funcionamento da leitura, maior habilidade no uso e manuseio do livro, o aumento do vocabulário, a vivência da leitura como prazer e o compartilhamento de experiências. Além disso, a prática de leitura oralizada trouxe a possibilidade de tornar o professor um modelo de leitor, contribuindo no despertar do interesse pela leitura da obra, na observação dos seus gestos de leitura, na construção partilhada dos sentidos despertados pelo texto literário (COSSON, 2014).

Reconhecemos que na prática da leitura literária na escola, os alunos lêem mais literatura do que escrevem, mas ao propormos à turma as produções escritas a partir das histórias lidas, demos a todos a oportunidade de escreverem coletivamente e em duplas e, assim, tornarem-se também escritores de literatura. Desse modo, as crianças experimentaram a responsabilidade de serem escritores, de produzirem para a comunidade escolar, a qual valorizou suas produções ao participarem de suas apresentações na escola. Podemos dizer que as crianças, nos momentos de produção escrita e de desenhos baseados nas histórias trabalhadas, demonstraram grande interesse, envolvimento e prazer. É interessante destacar que, hoje, essas mesmas crianças continuam revelando interesse e gosto pelas histórias. Nossa intenção é que isso continue irradiando em suas vidas para além da escola.

O relato de experiência aqui apresentado reflete nossas crenças e concepções de leitura literária e letramento literário que têm pautado nossas

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práticas de leitura. Buscamos aprimorar nosso trabalho através de participação no grupo de pesquisa Linguagem, Infância e Educação –LINFE- da Faculdade de Educação de Juiz de Fora e de realização de estudos que suscitam discussões acerca do trabalho com a literatura no contexto escolar, o que tem propiciado a realização de um processo reflexivo constante e contribuído para repensarmos e avaliarmos nossas práticas pedagógicas. Por conta disso, reconhecemos que propor uma adequada escolarização da literatura não é tarefa fácil. Contudo, sabemos que é papel da escola assumir o compromisso com o aprendizado da leitura literária dos alunos no sentido de fazer com que eles interajam e dialoguem com os textos literários, que se interessem pelos livros, que admirem as histórias e se emocionem com elas. Afinal, no diálogo com a literatura, sempre somos convidados a participar ativamente na construção de sentidos, por isso, nas experiências com a leitura literária não há a última palavra, pois o que importa é dar a ler sem desejar ler para o outro, mas ler com o outro.

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A CONTAGIANTE PAIXÃO DE LER

Edméia da Conceição de Faria Oliveira Escritora, Especialista em Educação Infantil, Folclorista

[email protected]

Resumo

Neste trabalho a autora socializa sua experiência com o livro na infância, em sala de aula e no premiado projeto ―Leitura na Calçada‖, desenvolvido com crianças e adolescentes em Pompéu – MG (Brasil), visando a contribuir para a discussão proposta no XI Jogo do Livro e para a formação de leitores e mediadores. No Projeto, as crianças descobrem o prazer da leitura e aprendem a conviver, comprovando a importância do espaço e mediação. Palavras-chave: Leitura; brincadeira; afeto.

Abstract

In this paper the author sharesher experience with the childhood books, within the classroom and with the award-winning project "Leitura na Calçada" – Reading on the sidewalk – , developed with children and teenagers in Pompéu - MG ( Brazil ), aiming to contribute to the discussion proposed in the XI Jogo do Livro – XI Book Game – and to the formation of readers and mediators. In the Project, the children discover the pleasure of reading and learn about acquaintanceship, proving the importance of space and mediation. Keywords: reading; play; affection.

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1. Introdução

Espaço e mediação são fundamentais na formação de leitores. E não há receita. Importante é que esse espaço seja lúdico e afetivo e que o mediador tenha paixão por livro e prazer em compartilhar a leitura e acompanhar a criança na sua fantasia.

Nesse artigo, socializo a experiência da minha formação leitora e como mediadora da leitura em sala de aula e no premiado projeto ―Leitura na Calçada‖, desenvolvido desde 1992 com crianças e adolescentes em calçadas de ruas de Pompéu, interior de Minas Gerais (Brasil). Este trabalho tem por objetivo contribuir para a discussão proposta no XI Jogo do Livro e para a formação de leitores e mediadores de leitura.

2. Justificativa

O sucesso na formação de leitores depende da sua relação com o livro na infância. O espaço e o perfil do mediador são determinantes. A criança que cresce ouvindo história em ambiente aconchegante e tem contato com o livro como objeto de prazer desde cedo, desperta o gosto pela leitura antes mesmo de saber ler a palavra escrita. Monteiro Lobato, Cecília Meireles e Pablo Neruda, dentre outros, que não cabem neste espaço, são bons exemplos. Cecília conviveu com os livros de forma lúdica e afetiva na infância. Ela conta: "Quando eu ainda não sabia ler, brincava com os livros e os imaginava cheios de vozes, contando o mundo. Sempre me foi muito fácil compor cantigas para os brinquedos; e desde a escola primária fazia versos. Minha paixão pelos livros transformou-se em vocação de magistério." Monteiro Lobato também viveu rodeado de livros e teve uma relação afetiva com eles em sua infância. O autor tinha idéias claras e precisas. E defendia suas verdades com unhas e dentes. Criou personagens-símbolo, através dos quais diz tudo o que pensa. Usou a imaginação e casou a fantasia com a realidade nas histórias infantis, contribuindo para uma educação libertadora. Neruda, ao escrever sobre sua infância no livro Confesso que Vivi, conta: "Conservo outra lembrança daquele baú. A primeira novela de amor que me apaixonou. Eram centenas de cartões postais, enviados por alguém que os assinava não sei se Henrique ou Alberto e todos dirigidos a María Thielman. [...] Durante anos, só me comprazi com as figuras. Porém, à medida que fui crescendo, fui lendo aquelas mensagens de amor escritas com uma perfeita caligrafia. [...] Estavam cheias de frases deslumbrantes, de audácia enamorada. Comecei a enamorar-me também de María Thielman." Comigo não foi diferente: atribuo minha paixão pela leitura e escrita aos mediadores da minha infância e ao espaço em que se deram meus primeiros contatos com o livro: Sô Augusto, um vizinho que tinha o dom de contar e encantar, minha mãe que lia poemas em voz alta e meus irmãos que escreviam nas folhas de pita, na poeira, nas pedras. Aprendi a ler e a escrever antes dos seis anos de idade, antes de ser mandada à escola.

No Projeto ―Leitura na Calçada‖, a história se repete: ouvindo história e brincando com os livros, as crianças descobrem a paixão de ler.

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3. Referencial teórico

Segundo Bruno Betelhein (1988), a criança ainda não pensa racionalmente. Daí a necessidade de nutrir sua fantasia com jogos e brincadeiras espontâneas e boas histórias mágicas. Para o autor, quanto mais oportunidades a criança tiver de desfrutar a riqueza e a liberdade de fantasia e brincadeira em todas as suas formas, mais solidamente seu desenvolvimento se processará. O êxito na escola dependerá da experiência do êxito nas brincadeiras. Assim, ―aprender a ler pode ser bem dominado apenas se a criança inicialmente, e por algum tempo depois, experimentar a leitura como satisfação da fantasia – como na brincadeira – e como uma mágica poderosa.‖

Nesse sentido, afirma o autor, ―a leitura partilhada de histórias que estimulam a fantasia e propiciam satisfações imaginárias, desperta na criança o desejo de saber ler sozinha esses contos, quando ninguém estiver disponível para fazê-lo.‖

Também Daniel Pennac (1998) defende a leitura compartilhada e a gratuidade da leitura como condições fundamentais para despertar o prazer e criar a paixão de ler. Bamberger (1975) afirma: ―Na idade pré-escolar e nos primeiros anos de escola, contar e ler histórias em voz alta e falar sobre livros de gravuras é importantíssimo para o desenvolvimento do vocabulário, e mais importante ainda para a motivação da leitura.‖

Em sua obra para criança, Monteiro Lobato aliou realidade e fantasia. E ao pretender ilustrar a mente dos pequenos, o faz pela contação de histórias e pela leitura partilhada de Dona Benta num espaço lúdico e afetivo. No Sítio do Pica-Pau Amarelo, as crianças aprendem pelo diálogo, em interação com o adulto, em interação com o texto escrito e com a natureza; aprendem brincando, experimentando, descobrindo.

A nossa vivência com o livro na infância, a experiência em sala de aula e no Projeto LC comprova a teoria.

4. Despertar da paixão de ler

O culto do livro passa pela tradição oral. (Daniel Pennac).

Na minha infância não havia ainda essa diversidade de livros destinados a crianças e jovens. E a leitura era privilégio de poucos. O contato com a literatura se dava mais pela oralidade, por meio dos contos populares e das histórias de encantamento, passadas de geração a geração num ambiente lúdico e afetivo. O gosto pela leitura caiu-me na alma como um rocio com Sô Augusto contando história, minha mãe lendo poema em voz alta e Vovó Elisa fritando biscoito nas noites frias de inverno. Como eram gostosas as histórias ao pé do fogão de lenha! No verão, em noites de luar, os serões aconteciam no terreiro com a família sentada na escada e os sapos em afinada orquestração. Mamãe cantava modinhas com papai ao violão e lia os poemas in-confidentes. Eu, do mais alto degrau, declamava quadrinhas infantis aprendidas de cor: “Eu sou pequenininha / do tamanho de um botão / carrego papai no bolso / e mamãe no coração.” Do palco, descia sob os aplausos dos meus irmãos e dos adultos para os braços do meu pai que logo me carregava no colo para a cama. Caladas as vozes, eu adormecia com os versos de Alvarenga Peixoto e

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Tomás Antônio Gonzaga cantando ainda nos meus ouvidos. A poesia foi assim o gênero literário que primeiro me tocou com sua varinha de condão e transformou a menina ouvinte em leitora precoce e apaixonada. Motivada pelo encanto e magia das palavras, pela sonoridade do poema e pela doce voz de mamãe, aprendi a ler por volta dos quatro anos de idade, escutando a sua cantilena na sala improvisada para alfabetizar os filhos mais velhos e os vizinhos agregados: b a ba; b e be; b i bi;b o bo; b u bu: ba, be, bi, bo, bu. E brincando com meus irmãos de escrever na poeira e juntar sílabas: Ca ju: caju. Ahn! Caju! Caju era a fruta gostosa do meu quintal. Podia ser vermelha ou amarela. ―Não deixa pingar na roupa que põe nódia.‖ Agora, trocando as sílabas de lugar: ju ca e falando depressa: juca. Juca!!!! Juca era o meu pai, o homem mais bonito e mais forte do mundo. Pegava boi brabo no laço, não tinha medo da noite nem das tempestades.

Quando foi criada a primeira escola rural na região e mamãe matriculou meus irmãos, eu mal completara seis anos. Assisti como ouvinte até os sete, idade mínima para ingresso na escola. Nessa condição, meu nome não constava no caderno de chamada e a professora nada podia cobrar. Eu ia à escola para passear e brincar, quando quisesse.

No primeiro dia, enquanto a professora organizava a classe – heterogênea – com alunos de ambos os sexos na faixa de oito a quatorze anos, na 1ª, 2ª e 3ª séries, eu vi a Chapeuzinho Vermelho descer da prateleira de um pequeno armário no canto da sala, com as portas escancaradas, derramando livro até o chão. Nesse armário − a casa encantada dos seres encantados − viviam também os Três Porquinhos: Palhaço, Palito e Pedrito, que brincavam na floresta Enquanto Seu Lobo Não Vem; Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela, todas as personagens que moravam no baú de lembranças do Sô Augusto e que este homem-fada levava para brincar com a minha fantasia. Eu não sabia que as histórias do Sô Augusto moram também em livros. Essa descoberta me fascinou. Já não carecia de esperar o contador para entrar nesse universo mágico. Tudo estava ali ao alcance dos dedos. Era só virar a página. Das figuras fortemente coloridas, meus olhos corriam para as palavras. Eu tinha urgência em certificar se as palavras escritas contavam a mesma história que a oralidade de Sô Augusto. E me apaixonei perdidamente pelos livros, pela escola, pela professora.

Desde então, ler e, por conseguinte, estudar é para mim tão simples e prazeroso como beber água na concha das mãos; cavalgar no fim de tarde com o vento da liberdade soprando meu rosto; comer pipoca na peneira, tomar sorvete, comer chocolate, valsar a valsa vienense nos braços do homem amado. E contar história, partilhar leitura é compartilhar afeto; uma dádiva de amor.

Além do encantamento, ou pelo encantamento, essas histórias foram de fundamental importância também na resolução de conflitos no caminho da escola, distante de casa três quilômetros. Ia a pé num bando de meninos maiores. Na encruzilhada, onde o mato era mais fechado, formando um capãozinho, o lobo real era uma ameaça constante. Ali, a turma passava em desabalada correria. Minha irmã tomava a frente e gritava: ―Anda, Déia! Corre, Déia!‖ Os outros a seguiam. Eu ficava para trás. Sozinha no meio da ―floresta‖, eu vestia a capa da Chapeuzinho Vermelho, desviava do caminho principal e

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seguia o atalho que me conduzia à casa da vovozinha. Quando os caçadores − meu irmão mais velho e um colega maior, encarregados de tomar conta dos menores−, chegavam para me salvar, encontravam-me com as mãos cheias de flores, conversando com os passarinhos. Fui, assim, construindo a ponte entre o mundo encantado das histórias e a realidade.

Ouvindo, lendo e vivendo as histórias, descobri desde cedo o fascínio pela palavra escrita e as múltiplas funções da Literatura. Estava definida minha vocação de magistério e de escritora. Eu queria ser como Perrault e os Irmãos Grimm, que dedicaram suas vidas a recolher os mais belos contos e lendas populares e registrar em livro para que as crianças do mundo inteiro pudessem viver esses momentos mágicos que eu acabava de experimentar.

5. Consolidação

Aquilo que lemos de mais belo deve-se, quase sempre a uma pessoa querida. (Daniel Pennac).

No Curso Ginasial (segundo ciclo do Fundamental) minha formação leitora se consolida com o professor de Português, José Xisto de Melo, recitando os clássicos num prelúdio à aula propriamente dita. Sete horas da manhã, o Professor entra na sala como o ator no palco, recitando Camões lírico: “Sete anos de pastor, Jacó servia / Labão, pai de Raquel, serrana bela; / mas não servia ao pai, servia a ela, / que a ela só por prêmio pretendia. De repente, o ator vira professor; coloca os livros sobre a mesa; escreve num canto do quadro o assunto do dia. A aula flui. A poesia continua cantando na minha alma em êxtase. Quero o poema inteiro. Quero a obra completa.

Guiada pelo Professor Xisto, entro no mundo fascinante da literatura brasileira e portuguesa. A orientação segura do mestre ajuda a desvendar os mistérios do texto, a familiarizar com a linguagem literária, a compreender os diversos recursos da língua e a utilizá-los em meus textos. Incita a beber em outras fontes, a conhecer outras obras, outros autores, outros estilos. Ensina a ler o escrito nos livros; ensina a ler a alma nacional; ensina a ler e compreender a história do outro, a história da humanidade, a história de cada um de nós ainda por escrever. Ensina, enfim, a construir e a escrever a própria história, real e fictícia, utilizando os infinitos recursos que a rica língua portuguesa oferece.

Nas reuniões do Grêmio Literário, a oportunidade de expressar ludicamente, de compartilhar leitura, poemas e canções. E de relacionar. Um mundo novo se descortina.

Concluído o curso secundário, inicio a carreira de magistério, lecionando Francês a convite da escola por indicação do professor dessa matéria. Soma-se à paixão pela literatura de língua portuguesa a literatura francesa.

No Curso Normal, dirijo o Jornal ―Dona Joaquina‖, órgão estudantil do Colégio ―Dona Joaquina‖. Aqui publico meus primeiros textos. São dessa fase, os primeiros prêmios literários em concurso de redação para estudantes, seguido do prêmio no concurso nacional de redação para educadores.

Por meio de Exame de Suficiência, conquisto o título de Professor de Francês, antes de concluir o Normal. Publico, em seguida, o primeiro livro ―Juventude Sofrida‖ (1974). Com este livro ganho o Concurso Nacional ―O Livro

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do Ano‖. E me firmo perante os alunos, motivados para e pela leitura de Juventude Sofrida, grande aliado na sala de aula. O assunto, de interesse dos jovens, abordado por uma jovem da mesma geração, os textos curtos e a linguagem poética foi um ímã, ferramenta ímpar na conquista e formação do jovem leitor.

6. Nas pegadas do Professor Xisto

Il ya seulent trois choses valables au Monde: Lire Poésie, écrire Poésie,

Et au dessus de tout, Vivre Poésie. (Daniel Rops).

Seguindo os passos do Professor Xisto, utilizo em minhas aulas a poesia como estímulo à motivação. Inicio a aula com um provérbio da sabedoria popular, um pensamento, um verso escrito no alto do quadro. Com o tempo, são os alunos que, espontaneamente, revezam na seleção e escrita dessas pérolas da Literatura. Esse material reunido vira no fim do ano em caderno de recordação. E instiga a conhecer o texto completo, a obra do autor. Daí para a leitura de livros foi um pulo. Criamos o Grêmio Literário de Francês e o de Português com reunião mensal e apresentação de números artísticos: leitura e declamação de poemas, música, dança folclórica, dramatização dentre outros. As apresentações são feitas, ora em sala de aula, com convidados representantes de outras turmas, ora no auditório para a escola inteira. E tivemos oportunidade de ver nossos alunos declamarem, além dos clássicos da língua portuguesa, Prévert, Verlaine...no original, cantarem sucessos da época e dramatizar pequenos trechos de textos do teatro português, brasileiro e francês.

Motivada ainda pela didática do Professor Xisto, criamos o jornal mural e o jornalzinho ―Roda Viva‖ com periodicidade bimestral e circulação em toda a escola e na comunidade. O órgão publica poemas e pensamentos de autores consagrados e produção dos alunos, incluindo resenha de livros, dentre outros.

Essas atividades, além de estimular a leitura e a escrita, constituem um espaço de convivência e arte-expressão lúdica e criativa e contribuíram para elevação da autoestima, desenvolvimento da afetividade, excelência do relacionamento, melhoria da aprendizagem e disciplina, inclusive em outras matérias; redução dos índices de evasão e repetência escolar, resolução de conflitos e solução de problemas como da fala, por exemplo. Temos comprovados casos de alunos que, até a sétima série, nunca tinham lido na escola, eram tímidos e não apresentavam o rendimento esperado. Com o exercício da leitura em voz alta e pausada e exercícios respiratórios, concomitantes, sanaram, em pouco tempo o problema que os deixava à margem. Perderam a timidez, começaram a participar das atividades do grêmio, lendo pequenos poemas; tomaram gosto pela leitura e pelo estudo, alcançando melhores resultados também em outras disciplinas.

Fizemos da sala de aula palco e auditório onde artistas e platéia se revezam. Nessa experiência, contrariando a regra, constatamos que é possível despertar o gosto pela leitura também na adolescência, geralmente a fase em que o aluno se afasta dos livros. Até mesmo na juventude, como pudemos

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observar nas classes do noturno, de alunos trabalhadores. Tudo depende da história de cada um, do perfil e atuação do mediador. Se foi falta de oportunidade na infância, uma boa mediação e um espaço lúdico podem conseguir resultados surpreendentes.

7. Da prática à teoria

La suprema desgracia es cuando la teoría adelanta la práctica. (Dinello).

Nos cursos de capacitação de professores e formação de mediadores, utilizo a mesma metodologia. Com as alunas do Curso Normal Superior (UNIPAC, 2006-2007) optei por trabalhar de forma interdisciplinar as três matérias: Literatura Infantil e Juvenil, Português e Metodologia. Como a classe fosse heterogênea, formada principalmente por professoras com militância em sala de aula, com didática, princípios e ideias já consolidados, decidi partir da prática para a teoria. O objetivo foi levar as alunas a compreenderem a interdisciplinaridade; a importância de contar e ouvir história, a função do jogo e da literatura infantil e juvenil e sua importância no desenvolvimento integral do aluno, bem como utilizar esses recursos na alfabetização e letramento.

Para sensibilizar, busquei de início e por meio de dinâmica, re-conduzir o (a)s aluno (a)s à infância e à reconstrução da memória da primeira história ouvida – contada ou lida– atentando para o ambiente, o mediador e os companheiros, se houvera. Em seguida, pedi que fizessem o relato oral e depois escrito dessa experiência. Foi fantástico! Além de um momento mágico e memorável, pudemos resgatar muitos contos da literatura oral − origem da Literatura Infantil − e recolher histórias re-vividas nesse contexto que comprovam a teoria.

O mesmo processo, utilizamos para introduzir o estudo da poesia infantil. Nessa brincadeira, resgatamos cantigas de ninar, quadrinhas utilizadas nas cantigas de roda e jogos de linguagem, origem da poesia infantil, bem como os primeiros poemas destinados às crianças no Brasil. Foi um momento de grande emoção que despertou o gosto e interesse pela matéria, além de resgatar poemas e poetas, ―condenados‖ pela modernidade e expulsos da escola durante anos, como Olavo Bilac e outros contemporâneos. Daí surgiu o primeiro trabalho do grupo: uma antologia poética que resultou em rico material para leitura com as crianças em sala de aula.

Nas aulas subsequentes, em vez de livro didático e apostilas, utilizamos livros de Literatura Infantil, cuidadosamente selecionados. Adotamos a prática das diversas formas de leitura e, por fim, a análise dos textos para só então apresentar a teoria, como suporte às nossas ideias.

Pudemos observar nesse trabalho e em cursos de capacitação que as alunas-mestras que ouviram muitas histórias e poemas na infância e experimentaram a leitura de forma prazerosa num ambiente lúdico e afetivo na escola, ou antes, dela, são as mais abertas à nova metodologia. Demonstraram maior interesse pelo curso, se envolveram com as atividades e passaram a utilizar a literatura em suas aulas, além de guardar boas recordações do primeiro mediador, geralmente a professora primária, e do ambiente em que aconteceram as primeiras experiências com o livro. São mais alegres, mais afetivas, mais criativas, mais entusiasmadas e mais disciplinadas.

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Apresentaram maior interesse pela matéria, gosto pelas nossas aulas, melhor rendimento e fascínio pelo livro de LI. E revelaram mais facilidade em suas relações dentro e fora da escola, inclusive na família e no trabalho, e maior capacidade de lidar com as adversidades da vida. As que não tiveram uma experiência lúdica com o livro e a leitura literária nos primeiros anos, em geral, não gostam de ler, não acreditam no poder da fantasia e nas principais funções da Literatura. Pior, as que trazem bloqueio das primeiras experiências, aquelas que na escola adquiriram a aversão antes da paixão. Essas, sequer lembram o nome da professora. Demonstram dificuldade em dialogar e interagir e em aceitar as novas propostas. Não acreditam na gratuidade da leitura e repetem em suas aulas o modelo: ler para provar que leram; ler para fazer exercícios; ler para alcançar resultados predeterminados. Se utilizam recursos para incentivar a leitura, o fazem por meio de prêmio e castigo, incentivando a competição. Há quem utilize palanquinho, colocando em posição superior o melhor aluno em leitura, na concepção do professor ou da escola, para ler para os colegas. Não consideram a leitura pela leitura: ler pelo prazer de ler. E vão repetindo a experiência vivida na infância.

8. Leitura na Calçada, experiência inusitada e inovadora

É preciso fazer ver à criança que o livro é o mais movimentado, o mais variado, o mais engraçado dos brinquedos. (Alceu Amoroso Lima).

Com o livro aprendi a brincar com a vida. Por isso, quando as crianças se acercaram de mim na hora crepuscular, eu ofereci a elas o meu brinquedo predileto. E foi assim, como a experiência lírica de um poema e a magia dos contos de fadas, que surgiu o projeto ―Leitura na Calçada‖, principal objeto deste trabalho.

8.1. Um pouco de história

Faço caminhada à tardinha. Subo a mesma rua comprida que todo mundo sobe. Caminho na mesma avenida nova e plana, aberta no meio de um resto de cerrado, e liga a cidade à Rodovia MG 365, conhecida entre os caminhantes como Duas Pistas. Mas vou só, enquanto outros vão aos pares, aos bandos, rindo, falando, gesticulando, apressados. Vou só. Caminho sem pressa, respirando fundo, brincando de esconde-esconde com o sol se pondo atrás das árvores, atrás das nuvens; escutando as vozes da tarde; escutando o bem-te-vi, atento e denunciador na copa das árvores, nos fios de luz: ―bem-te-vi, ―bem-te-vi, que vi-vi.‖ Vou só porque tenho um encontro marcado comigo mesma. Não posso me perder.

Nesse embevecimento, não percebo que estou sendo observada pelas crianças. De repente, duas meninas entre três e quatro anos vêm a meu encontro de braços abertos. Abaixo para receber o abraço. Muito falantes, as garotas contam suas histórias, fazem mil perguntas. Escuto pacientemente, respondo com ternura. Agora, uma de um lado, outra do outro, caminhamos juntas de mãos dadas até que as convenço a voltar para não se distanciarem muito de casa. Quando retorno, encontro as pequenas esperando na calçada.

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Todos os dias, lá vêm as crianças, trazendo outras crianças para ouvir e contar histórias. Ficando íntimas, começam a pedir brinquedos e guloseimas. Mostro as mãos vazias, os bolsos vazios. Explico que as coisas custam. Mas guardo para elas uma surpresa.

No próximo encontro, a surpreendida sou eu. Cada criança me oferece um presente: uma pedrinha da sua coleção, uma flor, uma bala ganhada no bar, uma manga verde colhida no quintal mais próximo. Um bebê que vem nos braços do irmão tira da boca a chupeta e me oferece: ―Qué?‖ São dois presentes: a chupeta e a primeira palavra. Caminho nessa tarde pensando em algo para retribuir meus companheirinhos. Quero um brinquedo mágico que encante meninos e meninas; que os faça caminhar no fio invisível do destino presos a uma ponta de esperança.

Retorno no dia seguinte com um livro nas mãos. Mostro a capa colorida; faço suspense e sigo caminhando. Na volta, sentados na calçada, temos o primeiro encontro mágico de leitura. As ilustrações fortemente coloridas, a história curta e movimentada atrai a atenção de todos. As peripécias da personagem despertam o riso, gargalhadas. E o clássico pedido: ―Lê outra vez!‖. O encantamento foi tão grande que não pudemos interromper.

As reuniões para leitura na calçada se repetem dia a dia. As crianças esperam brincando de bola, de rodar pneu, de caminhar sobre pernas de pau. De cima de uma árvore, o primeiro que me avista dá o sinal: ―A mulher das historinhas!‖. Todos correm a meu encontro de braços abertos para o abraço. Para não interromper a caminhada, deixo o livro com o grupo. Enquanto caminho, ficam ―namorando‖ o objeto mágico, folheando, familiarizando-se com a história através das ilustrações, preparando-se para o grande momento. Escolhem o meu lugar, geralmente entre as duas primeiras que chegam. As menores pedem colo, as outras vão se ajeitando, formando um semicírculo. Começa o jogo de sedução: mostro a capa, abraço o livro, acaricio. Leio o título, o nome do autor. E vamos entrando na leitura. Cada página, o suspense: O que vai acontecer? Cada cabeça, uma imaginação. Entram na história, se misturam com as personagens. Às vezes, interrompem para contar a própria história. Em seguida, pedem para continuar. Depois de ler, voltam a perguntar. Há uma segunda leitura que escutam em silêncio. Trocam ideias a respeito das atitudes das personagens, debatem, entram com suas experiências de vida. Criam, recriam. Todos querem ver o livro, manusear, ler.

8.2. Cada encontro um desafio

Os livros tinham que ser muitos e variados para que todas as crianças pudessem ter o seu. Abro minha biblioteca para elas. Criamos um sistema de empréstimo de livros do meu acervo pessoal. Além de continuar comprando, começamos a receber doações. Com o tempo, outras atividades foram se incorporando à leitura como desenho, pintura, recorte, colagem, dramatização e teatro espontâneo. O projeto foi-se construindo dia a dia, coletivamente, sem perder as características lúdicas e afetivas de leitura na calçada.

No marco do projeto, não se estabelecem critérios de admissão, nem de formação de grupos. Nesse espaço de liberdade, a rua, o público se encontra em mutação constante e resulta heterogêneo, uma realidade que enriquece as

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relações. As crianças maiores cuidam dos bebês e das crianças pequenas que se incorporam sem a companhia de adulto; ajudam a distribuir e cuidar do material.

8. 3. Metodologia

As propostas de atividades são gratuitas e o material, de uso coletivo, é colocado no centro da roda ao alcance de todos e utilizado ao acaso, dando asas à imaginação, despertando a alegria, estimulando a criatividade, favorecendo a interação, a convivência.

O trabalho desenvolve-se de maneira lúdica e espontânea. Na calçada, o livro é um brinquedo mágico. E ler, contar história, uma brincadeira divertida, que se mistura com as histórias de vida e brincadeiras tradicionais. As regras são criadas pelo próprio grupo e os conflitos resolvidos por meio de jogos tradicionais, como as fórmulas de escolha: par ou ímpar e outros.

Cada dia a reunião se realiza diante da casa de um dos participantes, previamente escolhido. As crianças vizinhas se reúnem em mutirão e limpam o passeio antes e depois das atividades.

O livro é emprestado sem qualquer tipo de registro. Sai da calçada para entrar nas casas e favorecer a participação também da família. Chega à escola, para onde as crianças levam para ler com os colegas no recreio.

A duração de cada sessão depende do interesse do grupo. E geralmente se alonga noite adentro. No final das atividades com o livro, as brincadeiras tradicionais completam a jornada. Tudo termina com a tradicional roda de despedida, todos de mãos dadas, unidos por um desejo comum: ―Amanhã você vem de novo?‖

O programa se desenvolve em vários pontos da cidade. Milhares de pessoas se beneficiam mediante a criança leitora mediadora de leitura que, como tal, convida outros a participar.

8.4 Acervo

Nosso acervo, enriquecido pelo prêmio no concurso ―Os Melhores Programas de Incentivo à Leitura Junto a Crianças e Jovens de Todo o Brasil‖ Constitui-se, prioritariamente, de livros de literatura infantil e juvenil, mas contempla também os adultos.

8.5 Resultados

O livro na liberdade da rua despertou nas crianças o gosto pela leitura; promoveu entre elas a amizade e a solidariedade, a escolha democrática, a redução dos índices de evasão e repetência escolar, além de introduzir o livro na família e em salas de aula, multiplicando o número de leitores, aproximando gerações. Muitas crianças se alfabetizaram naturalmente no Projeto. E se destacam entre os colegas.

Motivados pelo nosso trabalho, muitos professores que, a princípio, não liam para as crianças em sala de aula, alegando falta de tempo, incorporaram a leitura em seus planos, utilizando nossos livros de literatura. Alguns professores criaram o próprio projeto em sala de aula com os alunos.

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Na minha vida também as transformações são marcantes. Naquela tarde, quando interrompi a caminhada para ler com as crianças, eu não imaginava que estaria mudando literalmente os rumos da minha caminhada. Não havia a proposta de um projeto. Fui me envolvendo. E tudo aconteceu e continua acontecendo.

Convites para falar da nossa experiência, ministrar palestras e curso de capacitação para professores chegam a todo instante de municípios vizinhos e distantes, de outros estados e países.

Em 1998 criamos a Associação ―Amigos do Livro e da Criança‖. Por meio dessa instituição, realizamos palestras, cursos e seminários que reúnem escritores, artistas e arte-educadores em torno do tema, com palestras e oficinas para professores, promotores de leitura e educadores em geral. O seminário contempla também crianças e adolescentes com atividades paralelas de leitura e lúdica com os mesmos profissionais convidados. E encerra em praça pública com todos de mãos dadas, crianças, jovens e adultos, brincando e cantando. O evento, pioneiro na região, atrai participantes de municípios vizinhos e de outros estados.

Minha produção literária voltou-se para o público infantil e juvenil e integra a lista oficial dos programas de leitura e o catálogo internacional. Aposentada, retomei os estudos para especializar-me em Educação Infantil. Em seguida, retornei à sala de aula para ministrar Literatura Infantil e Juvenil e Metodologia para o Curso Normal Superior a convite da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC/Martinho Campos.

Brincando e cantando com as crianças na rua comecei a pesquisar a cultura popular tradicional. Mais tarde, fiz curso de Folclore, publiquei os primeiros livros na área e fui admitida como membro efetivo na Comissão Mineira de Folclore, eleita para o Conselho Consultivo (2004-2007 e 2014-2017).

Entre livros e crianças na liberdade da rua, re-conquistei o meu espaço e descobri meu lugar no mundo. Hoje, lendo, contando e escrevendo histórias, refaço os meus próprios caminhos. E busco retribuir a Sô Augusto e aos Irmãos Grimm a dádiva de amor, seguindo seus passos no resgate e construção de um mundo encantado para as crianças. Mundo onde o bem prevalece sobre o mal; onde a justiça, o amor, a paz e a esperança ainda são possíveis.

8.6 Projeção

A semente lançada espalha-se pelo mundo, germina e cresce em outras calçadas, outros espaços e regiões. Temos notícias de projetos motivados pela nossa iniciativa pelo Brasil afora e no Exterior. Com as diversificações e transformações exigidas para acompanhar o ritmo da vida, para se adaptar ao perfil dos que o abraçam e atender a interesses e necessidades do momento, de cada região ou grupo.

Por sua qualidade e originalidade ―Leitura na Calçada‖ conquista prêmios e ganha destaque nacional e internacional.

Nos limites deste trabalho, citamos os principais destaques e premiações.

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8.7 Premiações

1º lugar no Concurso ―Os Melhores Programas de Incentivo à Leitura Junto a Crianças e Jovens de Todo o Brasil‖ / Biblioteca Nacional e FNLIJ - 1998;

Semifinalista do Prêmio Itaú-Unicef - 1999 Premiado pela Funarte - 2012 Selecionado entre os vencedores para apresentação no Seminário de

Literatura Infantil e Juvenil, integrante do Salão do Livro Para Crianças e Jovens, em comemoração aos 20 anos do Concurso - FNLIJ - Rio de Janeiro - 2015.

8.8 Destaques

Apresentado no Congresso Mundial de Educação Infantil da OMEP em Santiago do Chile (2001) e publicado na Revista Novedades Educativas (Argentina e México, 2002) como experiência inovadora em educação infantil na América Latina;

Publicada com destaque em números especiais das revistas AMAE (1998) e Pátio Pedagógica (2004) e Mi Biblioteca, número especial (2008), como referência e distribuída pelo Governo a todas as escolas e bibliotecas da nação espanhola;

Selecionada entre as 17 melhores experiências socioeducativas da Europa e América Latina para publicação na Revista Internacional Magisterio, número especial (2006) para llevar lo mejor en educación al magistério de America Latina e para estudo no Curso Internacional de Especialização em Ludocriatividade, coordenado pelo pesquisador uruguaio Prof. Dr. Raimundo Dinello e ministrado por uma equipe internacional e multidisciplinar com experiência em lúdica, à qual integro como professora convidada;

Selecionado para o vídeo ―Curso de Capacitação para Dinamização e Uso da Biblioteca Pública‖ (2000).

9. Conclusão

A experiência aqui relatada comprova a importância e a diversidade de espaços de mediação, bem como o perfil do mediador na formação de crianças e jovens leitores.

E aponta para a necessidade de projetos inovadores que aproximem esse público do livro de forma espontânea, lúdica e afetiva e que universalizem, de fato, a leitura. Esperamos com esse trabalho ampliar e enriquecer as discussões e servir de referência para aqueles que buscam novas formas e metodologias para o trabalho com a leitura e a literatura infantil e juvenil em salas de aula e além dos muros da escola, contribuindo para uma melhor compreensão e aproveitamento dos múltiplos espaços e da arte literária e suas funções na formação de leitores, desenvolvimento da personalidade e das potencialidades da criança e do adolescente.

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Referências

BADEJO, Maria Lúcia. Uma biblioteca no meio da rua. Pátio Revista Pedagógica, Porto Alegre, n. 29, p. 39-43, 2004.

BAMBERGER, Richard. Como incentivar o Hábito de Leitura. 7. ed. São Paulo: Ática, 1975.

BETELHEIN, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

BETELHEIN, Bruno. Uma vida para seus filhos. Rio de Janeiro: Campus, 1988.

CURSO de Capacitação Para Dinamização e Uso da Biblioteca Pública; TIP 7. Direção: Francisco Magaldi Martorano. Produção de Praxis Comunicações. Apresentação: Tônia Carrero, Global Editora, 2000. 1 videocassete (103 minutos), VHS – NTSC.

DINELLO, Raimundo Ângelo. Carta de referência. 1998.

FARIA, Edméia. Lectura em La Vereda. Revista Novedades Educativas, Buenos Aires. México, Año 14. n.134, p. 11, 2002.

MENDES, Rosa Emília de Araújo Mendes. Carta de referência ao projeto LC, 1998.

MINISTÉRIO, Cristina. Calçada e leitura: parceria possível. Revista AMAE, n. 282, p. 19, 1999.

SANTOS. Ângelo Oswaldo Araújo. Carta de recomendação do Projeto LC, 2001.

PENNAC, Daniel. Como um romance. 4. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 167 p.

VIGIL, Daniel Menéndez. Lectura en la vereda. Revista Mi Biblioteca, Espanha, n. 14, p. 94-97, 2008.

Anexos

Como referência ao nosso trabalho, anexamos trechos de artigos e reportagens publicadas em revistas especializadas, cartas de referência e de recomendação de autoridades, fotos e depoimento das crianças que atestam o êxito da nossa experiência.

Anexo 1

Referência de especialistas e autoridades

1. No interior de Minas Gerais, o projeto Leitura na Calçada aproxima os livros das crianças e adolescentes de maneira espontânea, lúdica e afetiva.

[...] A professora Cornélia de Campos Vasconcelos é uma das que percebe na prática o resultado do trabalho coordenado por Edméia. ―Vejo que até as crianças que tinham pavor da leitura agora pedem para ler‖, afirma a professora, que trabalha com uma turma de 4ª série na Escola Municipal

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Antônio da Palmira. O programa mudou a rotina da classe depois que alguns alunos começaram a participar dele e a levar livros para a sala de aula. Muitos colegas interessaram-se pelas histórias e começaram a pedir para lê-las na aula ou levar os livros para casa. A partir desse interesse surgiu o Momento de Leitura, realizado diariamente na sala de Cornélia [...] ―Eles começaram a frequentar a biblioteca da escola e a levar livros para casa, além dos que são emprestados pela Edméia‖, conta a professora. (BADEJO, 2004).

2. Para a professora e escritora Edméia da Conceição de Faria Oliveira não foi preciso mais do que disposição de caminhar, uma boa dose de ternura, muito amor pela leitura e pelo próximo, alguns livros e a beira de um meio-fio para que ela conseguisse que algumas crianças de Pompéu (MG) fossem ao seu encontro para ouvir histórias, resgatar brincadeiras, socializar conhecimentos.

[...] A leitura, hoje, é mais que um hábito para essas crianças pobres do interior de Minas. É um prazer, uma oportunidade de sonhar, de desenvolver a autoestima, de lidar com a inteligência emocional e, sobretudo, de acreditar em valores como a solidariedade humana. (MINISTÉRIO, 1999).

3. Leitura na Calçada tem demonstrado que crianças que vivem em ambientes pouco estimuladores da alfabetização podem desenvolver o gosto pela leitura, podem gostar de ler.

(Rosa Emília de Araújo Mendes – Presidente da OMEP/ Minas - 1998). 4. Semana tras semana llega Edméia con su biblioteca ambulante a las

calles de la periferia de la ciudad de Pompéu, en Brasil. Allí esta mujer de las historias, como todos la llaman, reparte abrazos, besos, sonrisas, imaginación y, sobre todo, lecturas entre los niños y niñas que la esperan con impaciencia. Se sientan en su alrededor en la vereda (así denominan a la acera en América del Sur) y Edméia comienza la historia. Se trata de un peculiar programa de animación lectora y un verdadero proyecto de vida a favor de la infancia. (VIGIL, 2008).

5. O projeto, a experiência ―Leitura na Calçada‖ criado e assumido pela Edméia, tem a poesia, tem o prazer do encontro num diálogo com as pessoas e com os livros. [...] Assim, a realidade e a poesia se encontram na virtude da espontaneidade educativa no seu contexto de vida. Possivelmente, nesse encontro radica a esperança do futuro. (DINELLO, 1998).

6. Na liberdade da rua, o projeto ―Leitura na Calçada‖ coordenado pela Profa. Edméia Faria, atinge o seu sétimo ano de existência, consolidada pelo mérito dos resultados e pela solidariedade nos propósitos. [...] A Secretaria de Estado da Cultura considera relevante o projeto de Pompéu e o recomenda pela qualidade de suas metas, por sua capacidade de instrumentalizar o menor, carente, de uma visão crítica do mundo que o cerca e de integrá-lo no seu tempo como sujeito. Ângelo Oswaldo de Araújo Santos – Secretário de Estado da Cultura.

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Anexo 2

Referência a nosso trabalho na Escola; mostra de trabalho e depoimento de alunos, fotos e mensagens das crianças do Projeto ―Leitura na Calçada‖

Como o farol que ilumina A rota dos navegantes A Edméia semeia a luz Entre nós os estudantes A Edméia ilumina as almas Ensina orienta e conduz É como se fosse o sol Que as terras transforma em luz. (Dea Melo, 12 anos - 1971).

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Geane Valadares

Professora Edmeia Faria, VC é responsável por eu ter me apaixonado pelos livros. A começar pelos de sua autoria. (Facebook, 2 abr. 2015).

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[...] Hoje, [2012] na função de Fisioterapeuta e Professora de Ciências, procuro passar para meus pacientes e para meus alunos o gosto pela leitura e tudo quanto aprendi no Projeto.

Obrigada por tudo! A leitura sempre fará parte da minha vida. E, com ela, você também.

Um beijo grande da Menina do Leitura na Calçada,

Fabiane.

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LEITURA LITERÁRIA E PROCESSOS INTERATIVOS EM SALA DE AULA

Eliana Guimarães Almeida Professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte/PBH

Doutoranda em Educação/Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG [email protected]

(31) 98944-3016

Resumo

Este texto traz algumas reflexões acerca das possibilidades de interação a partir da leitura literária e de formação do leitor literário no Ensino Fundamental por meio de processos interativos. Intenta-se abordar a importância da interação para a formação do leitor literário, considerando-se a individualidade de cada sujeito envolvido e o potencial do texto literário para a expressão das subjetividades. As reflexões se baseiam em algumas experiências concretas desenvolvidas em uma escola pública da Rede Municipal de Belo Horizonte, tendo como referência a concepção de linguagem como interação (BAKHTIN) e alguns estudiosos do campo do letramento literário, tais como Graça Paulino, Rildo Cosson, Michèle Petit, Mariza Lajolo, Cecília Goulart e Magda Soares. Palavras-chave: leitura literária; interação; letramento literário.

Abstract

This text presents some reflections about the possibilities of interaction from the literary reading and literary reader training in elementary education through interactive processes. It intends to address the importance of interaction for the formation of literary readers, considering the individuality of each subject involved and the literary text potential for the expression of subjectivity. The reflections are based on some concrete experiences in a public school of the Municipal Belo Horizonte, with reference to the conception of language as interaction (BAKHTIN) and some scholars of literary literacy field such as Graça Paulino, Rildo Cosson, Michèle Petit, Marisa Lajolo, Cecilia Goulart and Magda Soares. Keywords: literary reading; interaction; literary literacy.

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Introdução

As reflexões desenvolvidas neste texto têm por base as discussões em torno da formação do leitor literário, considerando-se que o processo de mediação da leitura, tal como todo processo comunicativo travado no interior da sala de aula, é eminentemente interativo (OLIVEIRA, 2014). Assim, busca-se discutir a importância da interação entre mediador de leitura e estudantes a partir da análise e reflexão de algumas experiências concretas realizadas em uma escola pública de Ensino Fundamental.

As discussões propostas aqui estão pautadas no pressuposto de que as experiências de leitura literária podem levar o indivíduo a uma melhor compreensão acerca da realidade que o rodeia e possibilitar seu trânsito em um universo que, em determinadas situações, estaria muito distante de suas expectativas. De acordo com Goulart (2007), a literatura pode ser fonte de formação para leitores críticos, pois possibilita ―interpretar vazios, ambiguidades‖ (p. 64), estabelecer novas relações com a realidade, propiciando novos modos de viver, conhecer, fazer e falar. Por sua vez, Petit (2009) afirma que a leitura literária permite um distanciamento da realidade concreta e por isso pode estimular o senso crítico do sujeito leitor, além de proporcionar um espaço para a reflexão, para a percepção das contradições humanas e para novas possibilidades de ação.

Cosson (2013) destaca que ―uma aula de literatura é, antes de mais nada, um momento em que se promove uma interação com os textos literários‖ (p. 115). Sendo assim, entende-se que a abertura do texto literário a múltiplas interpretações tem o potencial para permitir a recriação dos espaços e dos personagens segundo suas crenças, vivências e experiências anteriores e contemporâneas, de modo que a leitura que se espera de um texto literário ultrapassa o pragmatismo das nomeações e identificações de elementos do texto ou mesmo dos paratextos – dimensões recorrentes em diversas propostas escolares de leitura, pautadas, por exemplo, na realização de provas e no preenchimento de fichas. Diante disso, compreende-se a importância de que sejam promovidas discussões entre pares por meio de diferentes estratégias de leitura (Solé, 1998) e técnicas como a pausa protocolada, que prevê a realização de perguntas inferenciais feitas pelo mediador, as quais fomentam a participação do leitor nesse processo. A potencialidade da literatura na constituição dos processos interativos é apontada por Pinheiro (2008), que afirma:

Se o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem, e a Literatura é, essencialmente, o trabalho artístico que se faz mediante o uso da língua, o texto literário é um espaço privilegiado de interação e dialogicidade. Por isso é que entender esse princípio constitutivo da língua favorece o trabalho com a Literatura em sala de aula, porque se aceitam os sentidos atribuídos pelos alunos a partir da compreensão de que toda palavra é dupla e de que, em se tratando do texto literário, a linguagem torna-se ainda mais transgressora e polissêmica. (p. 44-45).

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Ao propor reflexões em torno de práticas voltadas para a formação de leitores, é preciso problematizar o lugar do professor enquanto mediador desse processo. A proletarização do trabalho docente, associada à maior inserção de professores que são, em grande parte, a primeira geração da família a obter uma escolarização de longa duração – conseguida por força da mobilização deliberada – tem proporcionado uma atuação cada vez mais maciça dos ditos ―professores não-leitores‖ em escolas públicas brasileiras, conforme aponta Batista (1998), autor que discute a representação social da leitura docente. Contudo, a despeito dessa representação, a pesquisa ―Retratos da leitura no Brasil‖1 aponta o professor como a principal referência mencionada pelos sujeitos pesquisados em gráfico que aponta ―Quem mais influenciou os leitores a ler‖. Desse modo, percebe-se a veracidade da afirmação feita por Galvão (2003), segundo a qual: ―a escola, pelo menos nas últimas décadas e para grande parte da população brasileira, tem-se constituído na principal via de acesso à leitura e à escrita‖ (p. 150). Diante disso, discutir como ocorrem os processos de mediação da leitura literária em sala de aula torna-se fundamental.

Alguns conceitos importantes

Para que a discussão seja profícua, é importante que alguns dos conceitos em que estão ancoradas as reflexões propostas neste texto sejam explicitados. Iniciemos, pois, pelo conceito de leitura, que, segundo Soares (2005), deve ser entendido em sua transitividade, ou seja, é preciso dar complemento ao verbo ler, já que há diferentes maneiras de se estabelecer seu sentido, de acordo com o que se pretende dizer. De acordo com a autora, o verbo ler só é intransitivo, sem complemento, quando se refere a habilidades básicas de decodificar palavras e frases, quando, por exemplo, se quer referir a uma pessoa que não é analfabeta e, portanto, sabe ler. Assim, ela expõe alguns exemplos da natureza complexa e multifacetada do verbo ler, enquanto verbo transitivo:

[...] depende da natureza, do tipo, do gênero daquilo que se lê, e depende do objetivo que se tem ao ler. Não se lê um editorial de jornal da mesma maneira e com os mesmos objetivos com que se lê a crônica do Veríssimo no mesmo jornal; não se lê um poema de Drummond da mesma maneira e com os mesmos objetivos com que se lê a entrevista do político; não se lê um manual de instalação de um aparelho de som da mesma forma e com os mesmos objetivos com que se lê o último livro de Saramago. Só para dar alguns poucos exemplos. (SOARES, 2005, p. 30-31).

A leitura pode ser considerada literária ―quando a ação do leitor constitui predominantemente uma prática cultural de natureza artística, estabelecendo com o texto lido uma interação prazerosa‖ (PAULINO, 2014, p. 177). Assim, considera-se a leitura literária não apenas a partir do texto que se lê, mas,

1 A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil é uma pesquisa por amostragem realizada pelo

Instituto Pró-livro (IPL) e teve sua terceira edição realizada em 2011, com resultados divulgados em 2012.

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sobretudo, a partir da relação que se estabelece com o texto lido. Contudo, salienta-se a necessidade de que se defina a identidade da leitura literária relacionada ao emprego da língua em uma arte específica, denominada literatura, entendida não apenas como um conjunto de textos, consagrados ou não, mas também como ―um repertório cultural que proporciona uma forma singular – literária – de construção de sentidos‖. (PAULINO; COSSON, 2009, p. 68).

Paulino e Cosson (2009) entendem letramento literário como processo de ―apropriação da literatura‖ enquanto ―construção literária de sentidos‖, sendo apropriação um ato de tornar próprio, ―de incorporar e com isso transformar aquilo que se recebe‖ (idem). Desse modo, a concepção de letramento literário defendida pelos autores inscreve-se num contexto em que a construção de sentido e de engajamento no mundo é estabelecida por meio desse processo social de capacitação para tal.

Para pensar no processo interativo que envolve a mediação da leitura literária em sala de aula, é fundamental compreender do conceito de Interação verbal proposto por Bakhtin (1979). Para o autor, trata-se de uma dimensão dialógica da linguagem, pois é através da interação verbal que analisamos os mecanismos pelos quais os sujeitos interagem nas situações sociais de comunicação. Segundo o autor, ―Pode-se compreender a palavra ‗diálogo‘ num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal de qualquer tipo que seja‖ (p. 123), inclusive a que se promove entre o livro e o leitor. Bakhtin afirma ainda que toda enunciação é apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta, reafirmando que a comunicação verbal não se isola da comunicação global em perpétua evolução, ou seja, a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não-verbal. Assim, as condições reais da enunciação, isto é, a situação social mais imediata é que determina o modo como se dá a expressão/enunciação. Desse modo, não é possível considerar que um indivíduo se expressa a partir daquilo que formula em seu interior, isoladamente dos fatores externos que o influenciam. Tal compreensão nos permite supor que ao se apropriar de um livro, o leitor parte daquilo que ele conhece para fazer sua leitura, para realizar uma interpretação subjetiva acerca do que foi lido, contudo, a troca de experiências de diversos sujeitos em torno de uma ou de várias obras enriquece o modo de perceber e de interpretar a obra, pois cada sujeito parte de um lugar social, de modo que suas reações diante do texto influenciam e também sofrem a influência dos demais membros do mesmo círculo de interação.

Um aspecto que também se mostra importante para as discussões propostas neste texto é a compreensão das dimensões de poder que se estabelecem a partir das trocas linguísticas. Para Bourdieu (1996), a palavra só existe imersa em situações e não existem palavras ―inocentes‖: cada palavra, cada locução, pode assumir dois sentidos antagônicos conforme a maneira que o emissor e o receptor tiverem de interpretá-la. Para o autor, as trocas linguísticas, relações de comunicação por excelência, são também relações de poder simbólico, onde se atualizam relações de força entre os locutores ou seus respectivos grupos. Diante disso, ao longo de todos os processos de interação aqui apresentados, houve a preocupação em tentar neutralizar, ou ao

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menos minimizar o peso que a palavra do professor detém em relação às falas dos estudantes, de modo que as abordagens buscavam estabelecer uma relação mesma de mediação e não um discurso de autoridade sobre as demais falas.

Sobre as escolhas de obras literárias a serem trabalhadas na escola, Paulino (2004) desenvolve um argumento que revela a existência de um movimento contrário à adoção de determinadas obras literárias a partir de certos padrões estéticos, gerando o que ela chama de ―cânone escolar‖, cuja base está fundada na negação dos ―padrões estéticos estabelecidos há séculos pela crítica literária ocidental e pelos próprios escritores‖ (p. 48). Para a autora, ―nesse processo os cânones estéticos foram negados‖ e ―meros documentos culturais se tornaram todos os textos literários, sendo ignorados os critérios de qualidade, tanto de construção quanto de significação‖ (p. 51). Paulino afirma que ―há ‗gêneros‘ que predominam na composição dos cânones escolares: romance de enigma, englobando aventura, suspense, e o romance-ternura, narrando histórias comoventes, ‗poéticas‘‖ (p. 54). Tais escolhas, segundo ela, demonstram uma limitação no modo de lidar com a literatura, uma vez que raramente se permite a presença de histórias satíricas ou de denúncia social, por exemplo. Outra característica presente no cânone escolar apontado por Paulino diz respeito à linearidade da narrativa, com enredo cronologicamente estabelecido e desfecho ―feliz‖. O que se pode perceber é que os questionamentos propostos pelos estudos multiculturais, embora extremamente importantes, uma vez que favorecem a busca pelo equilíbrio na seleção de textos a serem trabalhados, de modo que haja uma valorização de qualidades estéticas do texto literário, sem que isso ocorra de forma excludente e elitista, ocasionaram interpretações equivocadas que culminaram na curvatura da vara para o extremo oposto: se as seleções anteriores aos estudos multiculturais valorizavam unicamente fatores estéticos, as posteriores a eles não levavam mais em conta esses aspectos, daí a oposição ‗cânones estéticos‘ e ‗cânones literários‘. Conhecer essa historicidade do processo de formação dos cânones favorece a postura mais consciente do professor na seleção de obras a serem trabalhadas na escola.

É importante que o professor tenha em mente também que, embora não esteja a serviço de ensinar o que quer que seja, o texto literário, assim como toda enunciação, não é neutro, sendo, portanto, portador de determinadas crenças e valores, inscritos nas escolhas autorais e no contexto de sua produção. Para Lajolo (1995), ―Literatura não transmite nada. Cria. Dá existência plena ao que, sem ela, ficaria no caos do inomeado e, consequentemente, do não existente para cada um‖. (LAJOLO, 1995, p. 43). Contudo, a partir da Análise Crítica do Discurso, é possível desenvolver uma visão crítica acerca dos discursos que circulam em diferentes obras, de modo a propiciar um alargamento da visão do leitor, a partir do que se lê, da compreensão do contexto de produção e da própria biografia do autor, em alguns casos. Van Djik (2008) salienta que a obra literária, assim como outros portadores de discursos, pode ser um veículo de posições questionáveis, como, por exemplo, o racismo. Diante disso, é fundamental que o processo de mediação se dê de maneira responsiva, conforme aponta Oliveira (2014), que

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propõe ser o diálogo entre professores e alunos um processo fundamental na constituição das subjetividades.

Experiências concretas de interação a partir da literatura em sala de aula

A formação do leitor literário depende de diversos fatores que podem convergir para uma relação – que pode ser positiva ou não – a ser estabelecida entre o leitor e a obra literária. O tratamento utilitarista, muitas vezes predominante em propostas escolares, pode gerar aversão por parte do educando, que, dificilmente se tornará leitor diante de determinadas abordagens. Por outro lado, conforme aponta Cosson (2014), não pode a escola se eximir do seu papel de mediar a leitura e de desenvolver as capacidades necessárias para uma efetiva fruição do texto literário. Sendo

assim, temos dois lados da moeda: por um lado, entende-se que é preciso evitar que a literatura seja apenas tomada como pretexto para a introdução de conceitos, valores, estilos de época, por exemplo; por outro, deve-se também evitar a postura de ―sacralização‖ do texto literário, que impede sua exploração, compreensão, extrapolação.

A interação em sala de aula a partir da leitura literária nem sempre requer discussões minuciosas e precisas em torno do que foi lido, pois ao ater-se a minúcias presentes nos textos com a ilusão de assim melhor compreendê-los, muitas vezes cometem-se equívocos, que, em alguns casos, podem mais afastar o leitor do que aproximá-lo da literatura. Há experiências aparentemente simples, mas que surtem efeitos positivos a longo prazo, no sentido de aproximar os leitores das obras literárias, como, por exemplo, a determinação de um tempo de aula destinado exclusivamente à

leitura. Um tempo relativamente curto de trinta minutos semanais, por exemplo, dedicado à simples leitura, que pode ser realizada em diferentes espaços da sala de aula ou mesmo em outros espaços da escola pode ser fundamental para que a interação ocorra espontaneamente entre os estudantes durante as escolhas ou após a leitura, sem cobranças de atividades escolares ligadas à ―comprovação‖ da leitura, por exemplo.

A própria disposição espacial da sala de aula nos momentos de leitura literária pode ser reveladora de escolhas capazes de favorecer ou inibir a interação do leitor com os pares e até mesmo com a obra literária. Há professores que escolhem manter carteiras enfileiradas para a realização da

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leitura silenciosa e individual, por considerarem que desse modo as crianças ficarão mais ‗disciplinadas‘ e, portanto, estarão mais aptas a compreenderem o que leem. Por outro lado, há experiências que mostram que o fato de não estarem assentados em carteiras enfileiradas, além de não gerar a chamada ‗indisciplina‘, ainda permite maior interação entre os leitores e propicia uma relação mais intensa com a leitura das obras. Obviamente, a disposição dos alunos é apenas uma das dimensões para as quais é importante estar atento quando se deseja levar os estudantes a desenvolverem uma relação positiva frente à obra literária.

Outra possibilidade de fomento contínuo à interação em torno da leitura literária é a realização de discussões e trocas periódicas de obras recebidas em alguns kits literários distribuídos por órgãos do poder público aos estudantes. Essa possibilidade tem potencial para ser bem-sucedida, pois desperta no leitor a vontade de divulgar o livro recebido por ele para que os colegas possam se interessar em fazer a troca por outro livro que ele ainda não conheça.

Interações em torno do conto ―A terceira margem do rio‖, de Guimarães Rosa

Uma experiência que será analisada de forma mais detida neste texto foi realizada com alunos do sexto ano do Ensino Fundamental a partir da leitura do conto ―A terceira margem do rio‖, de Guimarães Rosa. Ela merece destaque neste trabalho, pois permite perceber que práticas mais voltadas para a compreensão oral e para a representação visual acerca do que se entendeu da leitura são fundamentais para o processo de iniciação na leitura de textos considerados mais difíceis, especialmente quando se trata de alunos que nunca tiveram a oportunidade de ler ou ouvir contos literários de maior densidade linguística ou temática.

A experiência foi realizada em uma escola pública municipal situada em uma das regiões com alto índice de vulnerabilidade social2 da cidade de Belo Horizonte e teve como objetivo favorecer o contato de estudantes com a obra de Guimarães Rosa, por meio de ações que intentaram aguçar a subjetividade

2 A noção de vulnerabilidade social adotada neste trabalho está pautada em uma publicação

presente no portal do Ministério da Educação, segundo a qual esse conceito revela uma maior capacidade de apreensão da dinâmica dos fenômenos, que tem sido, na opinião de muitos autores, mais apropriada para descrever as situações observadas em países pobres e em desenvolvimento, como os da América Latina, as quais não podem ser resumidas na dicotomia, pobres e ricos, incluídos e excluídos, já que decorrem da convergência de uma série de fatores que servem de referência para a constituição de indicadores socioeconômicos. (Convênio MTE/SPPE/CODEFAT, p. 13. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BA6D0B28801EE/sumario_2009_TEXTOV1.pdf>.).

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do leitor, explorando os muitos vazios do texto. Cada uma das etapas propostas está em consonância com o que recomenda Cosson (2014): inicialmente foi realizada a motivação para a leitura – foi informado que receberíamos a visita de um grupo que trabalhava com obras do autor Guimarães Rosa e, portanto, seria interessante entrarmos em contato com algum de seus textos. Em seguida, foi apresentado o livro Primeiras estórias3 e realizada uma conversa sobre as diferenças entre aspectos do projeto gráfico de livros com características mais tradicionais, sem ilustrações, com letra pequena e pouco espaçamento entre linhas, as quais se encontram em obras geralmente destinadas ao público adulto, em relação aos livros ilustrados, em geral destinados ao público infanto-juvenil. Para isso, foram disponibilizados diversos livros com diferentes características, de modo que os estudantes puderam observar as semelhanças e diferenças entre diferentes composições gráficas e editoriais. Em seguida, foi proposto que um dos contos da obra Primeiras estórias fosse lido e transformado em um livro à parte, com ilustrações feitas pelos estudantes, de acordo com as características de obras infanto-juvenis, levantadas por eles.

Para contextualizar a obra – etapa de introdução, de acordo com o que propõe Cosson (2014) – foram realizadas as leituras da biografia do autor e de resenha da obra, com breve discussão oral dos textos lidos. Os estudantes se mostraram interessados, fizeram algumas sugestões e ficaram na expectativa da próxima aula, em que passariam para a próxima etapa proposta por Cosson: a leitura do conto.

Na aula seguinte foi feita uma primeira leitura dramatizada do conto pela professora da turma (a autora deste artigo), e acompanhada pelos estudantes, que também receberam uma cópia do texto. A leitura ocupou o tempo de uma aula inteira e, surpreendentemente, os adolescentes ouviram atentamente e até aplaudiram ao final, demonstrando compreender perfeitamente o enredo, por meio de perguntas e comentários pessoais relacionados à leitura, tais como: ―Se fosse eu, ia pra cidade também... o pai dele não quis voltar!‖; ―Coitado, né, professora, ele ficou velho e sozinho e nem encontrou o pai dele‖; ―Será que o pai dele se perdeu no rio e não conseguiu voltar?‖; ―Eu acho que o pai dele já tinha morrido, ele até assombrou ele na beira do rio‖; ―Ele nem casou, só a irmã dele‖, entre outros comentários que indiciavam interpretações, sobretudo por meio da identificação com o personagem. Cosson (2013) afirma que ―discutir em sala de aula implica que os alunos falem uns para os outros, que exponham sua posição sobre o assunto e ouçam a posição do outro, que interajam entre si e com o professor‖ (p. 126). Ainda de acordo com o autor, ―É essa discussão [...] que faz ‗os alunos lembrarem melhor de suas leituras, entendê-las com maior profundidade, responder mais amplamente aos elementos estéticos da literatura‘‖ (NYSTRAND, 2006 apud COSSON, 2013, p. 126).

Após concluída a leitura do conto, foi proposta a ideia de que a cada dia fosse retomada a leitura de um parágrafo para que eles discutissem juntos e pensassem em maneiras de retratar partes de cada trecho com suas ilustrações. Esse trabalho durou em média 18 aulas, sendo duas aulas por

3 Obra em que está inserido o conto ―A terceira margem do rio‖.

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semana dedicadas à leitura e à composição das imagens. Para esta etapa da atividade, o conto foi dividido em um parágrafo por página e, no espaço ―vazio‖ das folhas, as ilustrações eram feitas, sendo que, em alguns casos, os desenhos se sobrepunham às palavras, causando um efeito diferenciado às imagens, conforme será possível perceber nas imagens apresentadas mais adiante.

A interpretação – última etapa da sequência básica de letramento literário proposta por Cosson (2014) ocorreu por meio das discussões realizadas a cada aula, as quais contaram com um crescente envolvimento e interesse dos adolescentes em compreender melhor o enredo para que pudessem compor seus desenhos. Aos poucos eles foram percebendo que era possível haver diferentes modos de entender determinados trechos, já que o

texto não fechava as possibilidades de interpretação e que, portanto, não tinham um compromisso de retratarem as mesmas cenas e, muito menos, de uma única maneira. Vemos, por exemplo, um mesmo parágrafo retratado de diferentes maneiras, como é possível perceber nas imagens destacadas a seguir:

No momento de representar por meio de imagens as cenas narradas,

vários estudantes complementaram com elementos de suas vivências que não são descritos no texto verbal, como, por exemplo, carrinhos de bebê, prédios da cidade, fachadas de loja, entre outros. Mais uma vez, é possível perceber como o leitor interpreta o texto segundo as suas próprias experiências, imprimindo suas subjetividades em seus modos de compor os desenhos. As

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imagens a seguir mostram como elementos das vivências do leitor podem ter influência direta na interpretação que fazem do texto literário:

As soluções visuais encontradas pelos estudantes para representar

cenas e passagens do conto evidencia uma heterogeneidade de entradas e de descobertas, mas também algumas confluências quanto aos sentidos produzidos, certamente decorrentes das interações propiciadas em sala. Outro aspecto interessante observado nas imagens elaboradas pelos estudantes está no desfecho, que tem algumas imagens retratadas a seguir:

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As imagens demonstram que o desfecho do conto foi retratado por

grande parte dos estudantes como uma desistência da busca infinita do narrador pelo pai, saudade representada como um retrato na parede, ou por imagens que mostravam o personagem-narrador deitado em uma cama, prostrado e sem esperanças de encontrá-lo. Alguns estudantes, no entanto, não assumiram o ponto de vista do narrador e preferiram retratar o pai sozinho na canoa em sua permanente solidão. Apenas uma estudante optou por imaginar um reencontro entre pai e filho, numa clara opção pela representação de um final feliz. Na exploração de elementos visuais que externassem relações de sentido entre os leitores e a narrativa literária, houve também casos de alunos que retrataram apenas a paisagem – uma terceira margem? –, preferindo não definir o que imaginavam acerca dos personagens no desfecho do conto, o que leva a crer que entenderam que a proposta da narrativa não era a de apresentar respostas ao leitor.

Ao final do trabalho desenvolvido, houve uma interação bastante significativa dos estudantes que confeccionaram o livro com os grupos de contadores de história4 que visitaram a escola durante o evento literário, de modo que o objetivo da tarefa foi cumprido. Os livros confeccionados pelos estudantes ficaram expostos no evento e, posteriormente em uma gôndola da biblioteca escolar. A imagem a seguir mostra algumas das capas dos livros confeccionados.

4 Grupos "Miguilins" e "Caminhos do Sertão", da cidade de Cordisburgo – cidade natal de

Guimarães Rosa.

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Além da nítida interação em torno da leitura e da breve familiarização dos estudantes com um conto de Guimarães Rosa, foi possível perceber que houve impactos na aprendizagem dos alunos em outros aspectos, o que foi percebido, por exemplo, em episódio ocorrido ao final daquele ano letivo – aproximadamente três meses após a realização do trabalho – quando, ao retomar os gêneros trabalhados na disciplina de Língua Portuguesa, foi indagado para a turma se todos os contos sempre começariam com ―era uma vez‖, conforme havia sugerido um dos estudantes. Ao serem instigados a lembrar do conto roseano que haviam ilustrado, um estudante respondeu citando trecho análogo ao início do referido conto, que ele havia guardado na memória: ―Não, nem todo conto começa com ‗era uma vez‘, aquele começava assim ‗Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e tinha sido desde menino...‘, não era assim, professora?‖.

Considerações finais

As experiências relatadas parcialmente neste texto permitem perceber diferentes facetas do processo de formação do leitor literário por meio da interação: a proposta do ―ler por ler‖, com obras variadas e sem qualquer outra atividade além da interação entre os pares é diferente da proposta de levar a turma a ler um mesmo conto para compreender juntos, por meio das trocas em torno das impressões deixadas pelo texto literário. Ambas são válidas e favorecem diferentes modos de apropriação da literatura dentro da escola. Cosson (2014) reafirma o papel da escola na formação das competências para a leitura do texto literário a partir da interação:

[...] No sentido de que lemos apenas com os olhos, a leitura é, de fato, um ato solitário, mas a interpretação é um ato solidário. O trocadilho tem por objetivo mostrar que no ato da leitura está envolvido bem mais do que o movimento individual dos olhos. Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões de mundo entre os homens no tempo e no espaço (COSSON, 2014, p. 27).

A experiência que foi tratada de forma mais detida neste trabalho – envolvendo a leitura do conto de Guimarães Rosa – demonstra que para se alcançar o objetivo de levar os alunos a gostarem de ler literatura não se pode assumir uma atitude muito zelosa em relação aos textos literários, agindo tal como um guardião de um tesouro no qual não se pode tocar. Dar aos alunos a oportunidade de ler o texto e criar imagens visuais a partir das verbais mostrou-

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se uma atividade mediadora produtiva para o primeiro contato com um texto literário desconhecido e, supostamente, pouco acessível para leitores em formação.

Retomando as ideias propostas por Paulino (2004), verifica-se que a escolha do conto roseano foge às marcas apontadas pela autora como características das escolhas escolares de obras literárias, uma vez que o texto não pertence aos ‗gêneros‘ mais escolhidos para adentrar o ambiente escolar, como aventuras, romances de enigmas ou romance-ternura e tampouco se apresenta de forma linear, previsível ou com desfecho feliz. Ao contrário disso, traz uma narrativa densa, intrigante e com abertura a múltiplas interpretações. Apesar das características consideradas pouco acessíveis ao leitor em formação, foi possível perceber a nítida apropriação da narrativa por parte dos estudantes, reveladas nas imagens criadas por eles a partir da leitura e das interações propiciadas em sala de aula. Desse modo, conclui-se que por meio de uma mediação efetiva, pautada na interação, na abertura às diferentes interpretações dos vazios do texto literário, na presença da subjetividade do leitor na construção de sentidos do texto, é perfeitamente possível trabalhar obras de maior densidade em sala de aula.

Ainda que se tenha consciência de que a proposta de mediação tratada neste texto configura-se apenas como uma iniciação dos estudantes à leitura de textos considerados mais difíceis, parte-se do pressuposto de que os leitores nela envolvidos poderão buscar futuramente outras obras do autor para leitura de fruição no decurso de sua formação. Compreende-se, assim, a importância desse tipo de atividade para possibilitar que, paulatinamente, o leitor possa ser fisgado pela literatura, conforme aponta Aguiar (2006):

[...] Não importa até onde a criança vai, mas a qualidade do percurso de leitura que consegue realizar: levamos em conta aqui, a caminhada que o novo leitor está fazendo, no sentido de interiorizar e refazer, para si, os conteúdos da obra, no processo de singularização que descrevemos. Lidar com a variedade, numa mesma turma, não é fácil, mas também não é impossível. Talvez o segredo para o sucesso da missão esteja na qualidade das tarefas planejadas, em termos de ludismo e versatilidade. (Aguiar, 2006, p. 254).

Sendo a leitura uma prática sempre encarnada em gestos, espaços e hábitos, que supõe um contraste entre as expectativas e os interesses diversos que os diferentes grupos de leitores investem na prática de ler, reitera-se que propostas favorecedoras da interação, assim como as escolhas de leituras que instiguem a subjetividade do leitor no processo de leitura podem ser fatores determinantes para o sucesso na busca pelo letramento literário em sala de aula.

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LEITURAS DE MACHADO DE ASSIS: ENVOLVIMENTO, PRAZER E CRIAÇÃO

Fabiana Bigaton Tonin Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia São Paulo/IFSP/Campus Capivari [email protected]

(19) 99391-6858

Resumo

Este é um breve relato de experiência de um projeto de leitura protagonizado pelos alunos dos 9os anos do Ensino Fundamental, num colégio da rede particular de Campinas/SP. O objetivo do projeto era a leitura de um livro de contos de Machado de Assis (Contos, da editora L&PM), de modo que os alunos, primeiramente, se aproximassem desse autor canônico e fossem sensibilizados a fruir, discutir e, de certo modo, se apropriarem das leituras feitas, por meio de atividades de cunho autoral. Palavras-chave: leitura; literatura; letramento.

Abstract

This is a brief experience report of a reading project whose leading role was played by 9th year elementary school students in a private school in the city of Campinas, state of São Paulo. The project aimed at reading short stories written by Machado de Assis (Contos, da editora L&PM) in such a way that students would firstly approach this canonic author and then would be sensitized to have pleasure in that, discuss it and, to a certain extent, incorporate those readings through activities featuring their own authorship. Keywords: reading; literature; literacy.

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I – Introdução: o célebre projeto dos contos

Durante os anos de 2010 a 2014, atuei como professora do Ensino Fundamental II em um tradicional colégio particular de Campinas. Localizado em uma área nobre da cidade, a escola atende alunos de Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio. Trata-se de crianças e jovens de classe média e alta – ou seja, em geral, alunos os quais têm suporte familiar privilegiado no que concerne a recursos econômicos e referências culturais. No projeto pedagógico da instituição, destaca-se o papel da leitura em todos os segmentos de ensino. Desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, os alunos têm contato sistemático e constante com práticas de leitura diversas – rodas de leitura, leitura fruição, leitura mediada e projetos literários complexos que integram literatura e outras disciplinas do currículo. Nos anos finais do Ensino Fundamental, a situação é similar e intensifica-se o trabalho com leituras literárias (inclusive, as tradicionalmente ditas ―canônicas‖), buscando-se adensar o repertório cultural e também estreitar laços entre os alunos e a apreciação estética das obras.

Como professora de Língua Portuguesa (Gramática, Texto e Leitura) dos 9os anos do Ensino Fundamental, fazia parte de meu plano de trabalho, juntamente com minha colega de área, a professora Ana Cláudia e Silva Fidelis, trabalhar a leitura de contos de Machado de Assis. A escolha pelo autor justifica-se por alguns motivos bastante ―comuns‖ (e até ―clichês‖, podemos dizer): apresentar um autor canônico e considerado por nós, professoras, importante para formação intelectual (literária, sobretudo), ler contos fundamentais de Machado, a fim de introduzir a obra do autor aos alunos – vale lembrar que eram alunos que estavam concluindo o Ensino Fundamental e que ingressariam, em breve, no Ensino Médio. Assim, além de apresentar o ―Bruxo do Cosme Velho‖ aos alunos (o que nos parecia premente), decidi investir em um projeto que tentasse, de alguma forma, aproximar efetivamente o jovem leitor dessa obra tão aclamada – e que, por tal característica, por vezes, parecia inacessível e sacralizada, como se fosse menos possível ao leitor adolescente ler com interesse e com propriedade contos daquele que é considerado um dos maiores autores brasileiros de todos os tempos.

A partir desse contexto, decidimos trabalhar com o volume Contos, da editora L&PM, no qual se encontram: ―A missa do galo‖, ―O espelho‖, ―O caso da vara‖, ―A cartomante‖, ―Um homem célebre‖, ―Pai contra mãe‖ e ―O caso dos chapéus‖. Julgamos que tais histórias eram uma boa ―porta de entrada‖ para a obra de Machado e poderiam fornecer um panorama interessante da produção desse autor para os alunos, nesse momento da escolarização. Em linhas gerais, o processo compreendia os seguintes momentos: primeiramente, a leitura integral dos contos, em sala, acompanhada de contextualização, discussão e problematização da história lida; semanas depois, os alunos, divididos em grupos, ficavam responsável por ―reler‖ e ressignificar um dos contos lidos (havia um sorteio para destinar um conto a cada grupo de alunos). A proposta dessa etapa era retomar a estrutura e os elementos constitutivos dos textos (personagens, enredo, cenário, construção do tempo) e promover uma releitura partindo-se da seguinte questão: como esse conto poderia ser

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―atualizado‖ e como o mesmo enredo, com os mesmos personagens (em sua essência básica) se apresentariam, por exemplo, no contexto do Brasil do começo dos anos 2000?

Instigados a tal releitura, os alunos apresentavam, então, um esboço de suas ideias. Era mister que se preservasse a ―essência‖ do conto: conflito, clímax, personagens envolvidas – sendo que estas, bem como cenários e até fatos do enredo poderiam ser modificados, desde que se mantivessem as linhas gerais e as temáticas mais características do conto. Após leitura e comentários desses esboços por mim, os alunos eram orientados a trabalhar na produção de um roteiro de vídeo, atividade dirigida e mediada por mim e por minha colega de área, na qual destacávamos as especificidades desse gênero textual (estrutura composicional, condições e esfera de circulação, enfim, especificidades do gênero). Durante a produção do roteiro, dadas as características e a intencionalidade de tal texto, os alunos já deveriam pensar em questões como composição do cenário, trilha sonora, figurino, montagem das cenas – trabalho que deveria ser norteado, sobretudo, pela seleção de episódios, construção de diálogos (sendo que não havia obrigatoriedade de se manterem absolutamente fiéis ao texto original de Machado – assim, poderiam alterar o que julgassem necessário, tendo em vista que produziriam um novo gênero, um novo ―produto‖, para circulação numa outra esfera de atividade), enfim, havia a necessidade de se ―transpor‖ o conto lido, compondo-se, na verdade, um novo gênero discursivo/multimodal: o curta-metragem.

Por fim, após a elaboração do roteiro, texto que era corrigido, comentado e ajustado, se necessário, os alunos deveriam produzir o curta-metragem. Desde o início do trabalho de produção do roteiro, objetivando-se, portanto, a produção do curta, os alunos sabiam que o produto final, seu filme, seria exibido na Mostra Cultural do colégio, evento anual que reúne produções dos alunos de todas os segmentos da escola. Desse modo, procurava-se incentivar os jovens, uma vez que seu trabalho não ficaria restrito à sala de aula, mas teria circulação viva, como gêneros textuais e discursivos efetivos, que realmente teriam visibilidade e se concretizariam em usos sociais no espaço escolar, para a comunidade escolar (alunos, professores, funcionários e pais).

Ao longo desses cinco anos em que executei o projeto, percebi o interesse dos alunos e até certa ansiedade para se envolver com os trabalhos propostos – criou-se, então, uma expectativa entre as turmas, de modo que tão logo começavam o 9o ano, os alunos queriam saber quando iriam ―ler Machado‖. Obviamente, como professora e como leitora de Machado de Assis, tal ânsia, alimentada pelo êxito do projeto, confirmado pelas Mostras e pela animação com a qual os alunos se envolviam e executavam o trabalho, encheu-me de alegria e de animação para prosseguir com as leituras. Por outro lado, tem me movido, nos últimos anos, após o ingresso no doutorado e como maturação da ideia de fazer confluir, cada vez mais, as facetas de professora e pesquisadora, a necessidade de refletir sobre esse trabalho, analisando impactos e refletindo sobre como essas ideias se mostraram (ou não) interessantes para a construção do percurso de leitores literários desses alunos.

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II – Da leitura: o caso dos contos

Um dos pilares da educação formal, as práticas de leitura são descritas pelos PCNs como pedra angular do trabalho escolar, base em que devem ser concentrados esforços pedagógicos e cujas atividades e desenvolvimento de habilidades e competências devem receber toda atenção e boa parte (se não a maior) dos esforços do professor. Embora tais pressupostos sejam tão amplamente conhecidos e repetidos, e sabendo-se que as práticas escolares têm experimentado mudanças e alguns importantes avanços, isso não tem garantido o sucesso dos alunos brasileiros no que quesito ―competências leitoras‖ – basta consultar, por exemplo, os resultados do último PISA ou dados de exames nacionais como a Prova Brasil e o ENEM. O aluno brasileiro lê, mas está longe de alcançar índices considerados consistentemente satisfatórios – isso pode ser notado na escola, durante aulas, provas e atividades diversas. Vale destacar ainda que, no caso dos mencionados exames externos, falamos de leituras mais ―pragmáticas‖, em geral – exames como os citados, pretendem avaliar, primordialmente, as competências de entendimento e compreensão de textos do ―cotidiano‖, como notícias, artigos de opinião, anúncios publicitários, cartazes. O texto literário, com certeza, também é contemplado e sua leitura, avaliada; entretanto pertence a uma outra esfera e precisa ser compreendido em sua especificidade.

Todos sabemos que o exercício da leitura ―plena‖ vai muito além da decodificação. É preciso desenvolver o trabalho com alfabetismos diversos e evoluir destes para capacidades complexas que permitam ao leitor ler, analisar, cotejar, (inter) relacionar. Nesse sentido, é fundamental que o leitor competente lance mão de sua ―leitura de mundo‖, como já proclamava Paulo Freire (2009). Vários estudiosos, professores e pesquisadores concordam que ler é ir muito além do decodificar ou reconhecer palavras. Kleiman (2010), por exemplo, insiste que ler significa muito mais que ―passar os olhos pela linha‖: ―[...] leitura implica uma atividade de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos‖ (p. 27). Ler significa buscar coerência, ativar repertório, conhecimento de mundo e buscar construção de sentido – e dialogar, interagir com o outro, seja este outro o autor, seja o interlocutor com quem partilhamos nossa experiência. Simples? Como sabemos, ao contrário. A quase aparente ingenuidade dessas afirmações esconde uma trama complexa de fatores sociais, culturais a serem considerados com cautela por nós, professores.

No caso do desenvolvimento dos projetos de leitura na escola, a situação não é diferente. Sabemos, enquanto professores, o papel fundamental que atividades de leitura devem assumir. Percebemos, não raro, ―reações‖ que se complementam e constroem o que poderia ser chamada de ―tragédia anunciada‖, quando se trata de leitura – ainda mais a literária: a aparente rebeldia dos alunos (os quais não querem ler) soma-se a professores cujas atividades se configuram pouco interessantes. Há, é verdade, ainda a esperança daqueles que sonham conduzir seus alunos às viagens impagáveis dos livros e mesmo os jovens que são leitores apaixonados (sim, eles existem). Devemos também considerar que há séculos a leitura é imposta pela escola como obrigação, dever – e não como ―desejo‖ ou convite. Tal imposição

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agrava-se a partir do peso da avaliação – fichas de leitura, resumos, provas são instrumentos conhecidos e, uma vez ―proclamados‖ sem negociação, parecem anular qualquer fruição que a leitura pudesse proporcionar. Se mesmo assim sobreviver uma centelha de prazer, este estará ―submetido‖ ao terrível fantasma da leitura escolarizada, a qual parece limitar ou até amputar os textos literários de seu potencial humanizador. Por vezes, até o professor, atropelado pelas demandas e pelo premente objetivo de ―ler com autoridade‖, legitimando a qualidade (em geral, inegável e inquestionável) do texto, impondo visões (e não mediando e dialogando), parece se esquecer que a leitura – em especial, a literária - pode ser espaço de diálogo, de exercício crítico apesar e além das provas e, como dissemos há pouco, sensibilização e construção humana. Resgatar esse potencial da literatura era mister para mim e minha colega. Assim, conforme elucida Candido (2011), procuramos, por meio do projeto, rememorar e legitimar o que, para nós, era, de fato o papel da literatura, indo além do enquadramento tradicional dado pela escola: nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso. de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominante. (p. 175).

Embora estivéssemos, como já dito, trabalhando com um autor canônico, uma ―unanimidade‖ na escola e na crítica especializada, nosso interesse, enquanto professoras e leituras, era oportunizar aos alunos essa possibilidade de experienciar valores, confrontar ―versões da realidade‖ e construções literárias, mostrando que os textos se debruçam sobre problemas, valores, ideias ―reais‖, no entanto, revestindo tais dados e fatos da roupagem do estilo, da percepção arguta do autor e do que podemos chamar ―filtros‖: o autor escolhe o que dizer, como dizer, elege palavras e construções, cria mundos – partindo de um mundo que, por vezes, nos é conhecido e que precisa ser revisitado e repensado pelo literário. Queríamos, ainda, que os alunos se sentissem ―tocados‖ pelos textos – o que poderia se traduzir em beleza, surpresa, conforto e, talvez, principalmente, no caso de Machado de Assis, choque.

Tratava-se, portanto, de ir um pouco além da ―obrigação‖ e da mensuração tradicional. Outro desafio era estimular a apropriação dos textos, propondo um contexto de diálogo constante, durante as aulas, com os textos escolhidos. Ora, raramente a escola pretende respeitar as escolhas dos alunos, ouvir-lhes a voz ou até mesmo acatar sugestões, desautorizando a autonomia, tratando ―[...] a leitura [como se fosse] é um processo só, pois as diferentes maneira de ler (para ter uma ideia geral, para procurar um detalhe) são apenas diversos caminhos para alcançar o objetivo pretendido.‖ (p. 35) A escola pretende formar leitores competentes e, ainda, por vezes, ousa desejar leitores que sejam capazes de ver o belo, que estejam abertos a essa sensação, mas

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não lhes dá liberdade ou oferece outros caminhos se não aqueles institucionalizados e legitimados por suas práticas, ainda que extremamente desgastadas e esvaziadas. Por meio desse projeto de leitura, um dos meus objetivos como docente foi repensar e reelaborar como são encaminhadas nossas atividades de leitura e como atingem (ou não) nossos objetivos (os da escola, os da disciplina, os do professor). É Kleiman (2010) que destaca:

Cabe notar que a leitura que não surge de uma necessidade para chegar a um propósito não é propriamente leitura; quando lemos porque outra pessoa nos manda ler, como acontece frequentemente na escola, estamos apenas exercendo atividades mecânicas que pouco têm a ver com significado e sentido. Aliás, essa leitura desmotivada não conduz à aprendizagem; como vimos anteriormente, material irrelevante para um interesse ou propósito passa despercebido e é prontamente esquecido. (2010, p. 35).

Tais observações me auxiliam a traduzir certa angústia: como tornar as leituras obrigatórias escolares em leituras, de fato, significativas? Como motivar os alunos a se aproximar do texto literário e sentir-se instigados a descobrir meandros, a fruir, a discutir obras, por vezes, revestidas de um caráter sacralizadas, vistas como cânones – o que, no ambiente escolar, se confunde com ―conteúdos obrigatórios‖, despindo tais obras de seu valor literário e de sua possibilidade de fruição e humanização? Não se trata de subestimar os projetos pedagógicos, tampouco de desvalorizar a avaliação, mas sim de tentar ―harmonizar‖ dever e prazer. Como ressalta Cosson (2009), o desafio é buscar

[....] uma maneira de ensinar que, rompendo o círculo da reprodução ou da permissividade, permita que a leitura literária seja exercida sem abandono do prazer, mas como o compromisso de conhecimento que todo saber exige. Nesse caso é fundamental que se coloque como centro das práticas literárias na escola a leitura efetiva dos textos, e não as informações das disciplinas que ajudam a constituir essas leituras, tais como a crítica, a teoria ou a história literária. Essa leitura também não pode ser feita de forma assistemática e em nome de um prazer absoluto de ler. Ao contrário, é fundamental que seja organizada segundo os objetivos da formação do aluno, compreendendo que a leitura tem um papel a cumprir no âmbito escolar. (p. 23).

Considerando essa orientação, propusemos, eu e minha colega de área, que a leitura integral dos contos fosse feita em sala, atitude que, pudemos notar, se mostrou frutífera e, de certa forma, ―conquistou‖ não só a atenção, mas também o interesse de muitos alunos. A possibilidade de experimentar o texto com o professor, de estar, a princípio, num patamar de proximidade (embora, obviamente, nós, como professoras, representemos leitores mais experientes e atentos) naquele momento da leitura, fez como que muitos alunos se aproximassem mais dos textos e tivessem posturas de questionamento mais autênticas e ―ousadas‖ do que outras já observadas por nós, em outras situações de leitura. Toda leitura dos contos era feita em voz alta, com pausas para perguntas, comentários – claro que havia um contrato

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prévio, segundo o qual, por exemplo, eu pedia que os alunos sempre aguardassem o final do parágrafo para que fossem feitas considerações ou interrupções. Não havia perguntas proibidas nem censura dos comentários – entretanto, os alunos eram orientados quanto à atenção, à pertinência ou não de suas intervenções, caso fosse necessário. Cabe salientar que a concretização e problematização de tais leituras foi pensada a partir das orientações de Cosson (2009) e da sua sugestão de ―sequência básica‖. Assim, na aula anterior à leitura de cada conto, os alunos eram convidados a fazer uma breve atividade – um reflexão, uma pesquisa, um exercício (em geral, atividades um pouco distintas das comumente propostas na disciplina), de modo a serem envolvidos pelo que Cosson chama de motivação: ―Crianças, adolescentes e adultos embarcam com mais entusiasmo nas propostas de motivação e, consequentemente, na leitura, quando há uma moldura, uma situação que lhes permita interagir de modo criativo com as palavras.‖ (2009, p. 53). Confirmamos que o envolvimento dos alunos por meio de tal ―moldura‖ foi propício e ―quebrou‖ eventuais resistências de vários, de modo que o trabalho de aproximação e envolvimento com o texto literário mostrou-se frutífero. Ao ser convidado a pensar e a agir de modo ―criativo‖, além dos crivos e das amarras tradicionais, minha percepção é que os alunos se sentiram interlocutores efetivos – ou, como disse acima, sentiram-se em um patamar de certa ―igualdade‖, pois foram chamados a construir conosco, professoras, sua entrada no texto, sendo respeitadas e se consideradas suas hipóteses prévias. Ao longo da leitura, poderiam, além de construir suas perspectivas críticas, verificar a validade ou não de suas ideias, o que, contudo, não invalidava esse movimento de aproximação do texto literário.

Outrossim, a leitura em voz alta, em sala, propiciou um ambiente de troca e de amadurecimento do grupo, contribuindo para a identidade da comunidade de leitores que ali se formava e também fortaleceu nosso papel como professoras-leitoras – inclusive proporcionando uma aproximação afetiva dos alunos conosco e com os contos de Machado. Era nossa tentativa de recuperar um pouco do encantamento da leitura em voz alta, gesto simples, quase singelo, mas repleto de significação: ler para o outro e com o outro, em sinal de abertura, de partilha e de construção conjunta de sentidos. Tal prática pretendia também valorizar a ideia de mediação, não apenas como apresentação dos textos, mas, sobretudo, como integração e estabelecimento de diálogos possíveis entre literatura, alunos e professor. Na escola, essa mediação é fundamental e deve se consolidar, penso, como um processo de admiração, confiança, um jogo de espelhos e reverberação produtiva dos textos lidos. Note-se que esse papel de ―modelo‖, desempenhado por nós, naqueles momentos de leitura compartilhada, deve ir muito além da imagem daquele que impõe a leitura como obrigação: o professor deve também ser um leitor apaixonado. Ao presenciar e partilhar o ato da leitura do outro, seja dos pais, em casa, e, posteriormente, do professor, as crianças e jovens são convidados à ―imitação‖, no melhor sentido do termo – fazer aquilo que parece bom, também praticar o que parece tão sedutor. Pennac, ao discorrer sobre o prazer que é seguir esse modelo, nos diz:

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aquilo que uma criança aprende primeiro não é o ato, mas o gesto do ato, e que, se por um lado, ela pode ajudar na aprendizagem, essa ostentação é, acima de tudo, destinada a tranquilizá-lo, nos contentando.‖ (1993, p. 46).

Confirma-se, assim, a importância do gesto de ler para o outro, sendo que essa atitude simples pode resgatar, de certo modo, o prazer da leitura: ―Ler. Em voz alta. Gratuitamente. Suas histórias preferidas.‖ (1993, p. 56). Embora a leitura apresentada pelo projeto não fosse gratuita, pareceu-me possível que apresentasse esse tom simpático de partilha e de convite ao outro para que conexões mais profundas se estabelecessem entre leitores e obra. Portanto, a proposta do projeto de leituras de Machado de Assis partia de algo simples, prática que se confirmou eficiente: ler em voz alta, mostrar a leitura ao outro, ―jeitos de ler‖ e convidar, no caso, o aluno, a partilhar disso e recuperar o encanto descrito por Pennac. ―– O mais importante era o fato de que ele nos lia em voz alta! Essa confiança que ele estabelecia, logo no começo, em nosso desejo de compreender... O homem que lê em voz alta nos eleva à altura do livro. Ele se dá, verdadeiramente, a ler!‖ (1993, p. 91).

―Ganhar‖ os alunos nesse momento crucial – o da vivência da leitura – era fundamental para que as demais etapas do projeto se desenvolvessem de modo tranquilo e, principalmente, significativo para eles, jovens leitores. Logo, quando pensamos em avaliação, era preciso também romper com estruturas pré-definidas e ir além da prova, da ficha, do resumo. Era preciso criar situações de envolvimento em que o leitor se sentisse estimulado a também partilhar sua percepção e seu olhar sobre a obra, de modo a concretizar sua aproximação do texto, dando-lhe vida e sentido, no momento ali experienciado – ou seja, era preciso extrapolar as grades da avaliação tradicional e promover uma integração efetiva e profícua com a obra lida. Nesse sentido, nada melhor do que convidar o aluno a também se tornar autor de seu texto, dando-lhe vez e voz nesse processo de construção de sentidos.

III – Da autoria como possibilidade de avaliação

Ler já foi visto, exclusivamente, como um conjunto de práticas planejáveis ou quantificáveis, as quais poderiam ser completamente validadas e mensuradas segundo escalas e avaliações. Claro que ainda hoje é preciso buscar instrumentos de aferição dos níveis de leitura – daí a importância de exames como a Prova Brasil, ENEM e o PISA – os quais nos dão também patamar para análise e intervenções necessárias. Os alunos, ao final de seu percurso escolar, devem ter desenvolvido habilidades que lhes garantam a leitura bem-sucedida e eficaz de gêneros textuais diversos, em especial, no que tange à leitura aplicada ao exercício da cidadania e de suas funções no mercado de trabalho. No caso das leituras literárias, a situação é um pouco mais delicada, pois assumimos que esse contato com o texto exige cuidados e olhares diferenciados. Autores, épocas, linguagens; estilos, recursos de linguagem: quantos ingredientes compõem um texto literário e precisam ser trabalhados pela leitura escolar.

Então, surge a esfinge da avaliação: como avaliar? Para que avaliar? Por quê? Segundo quais parâmetros? Conforme já sugerimos acima, não se

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trata de nos desfazermos completamente de instrumentos de avaliação consagrados pela escola. Provas, resumos, resenhas e fichas de leitura têm seu lugar e sua validade. Porém, enquanto estratégias de consolidação de leituras efetivas e significativas aos alunos, por vezes, parecem instrumentos limitados e limitadores. Quantas vezes já não ouvimos alguém comentar que, tão longo tenha feito uma prova ou entregado uma resenha, o livro fora ―apagado‖ de sua lembrança? Ou ainda que fazer um resumo seria ―fácil‖ – basta copiar algo já pronto (ainda mais em idos de internet) ou ver o filme (ah, o vilão das mídias audiovisuais...).

Instaura-se, assim, um abismo entre a apreciação e apropriação do texto e a avaliação. Minha intenção era que, a partir do projeto, inclusive das produções elaboradas pelos alunos, fosse possível retomar a ideia de Candido (2011): permitir que as leituras fossem além da pragmática e dos meandros da sala de aula e, de algum modo, atingissem os alunos em seu âmago mais pessoal – que a leitura lhes tocasse e lhes fizesse sentido também no âmbito do humano, pessoal, intransferível. Enfim, mais que leitores pragmáticos e ―usuários‖ da leitura, que fossem apreciadores: que houvesse, além da experiência da prática, a experiência da estesia.

Obviamente, não há como garantir que tal objetivo (um quê pretensioso) tenha sido atendido. Entretanto, ao pensar nas formas de avaliação, procurei encaminhar os alunos a produções que tivessem um fim, uma intencionalidade e uma circulação efetiva enquanto gênero textual (no caso do roteiro) e gênero discursivo (no caso do curta-metragem), enfatizando a importância das discussões e dando visibilidade às produções escolares. Assim, o primeiro passo, em termos de avaliação, foi mostrar à turma que não haveria as cobranças habituais – as análises feitas em sala, bem como as discussões de cada conto, garantiriam a compreensão de questões literárias estruturais e de estilo e, para tanto, houve um contrato inicial, exigindo a boa participação e disposição dos alunos. Discussões sobre foco narrativo, construção dos personagens, do cenário, do enredo e do tempo dos contos foram sistematizadas e ora conduzidas por mim (nos primeiros contos), ora pelos alunos, quando já seguros na apropriação dos conceitos básicos desse gênero narrativo. Desse modo, busquei criar um ambiente propício para discussão e para construção de conceitos e perspectivas críticas desde a primeira aula. Também me propus a uma outra postura avaliativa, pautada pelo diálogo, pela negociação e pela perspectiva de se instaurar marcas autorais dos alunos nos trabalhos feitos.

Durante a composição do roteiro e do curta-metragem, os alunos foram incentivados a expor sua perspectiva crítica, sua apreciação dos contos lidos, tendo que transpor gêneros e também ―adaptando‖ linguagens e alinhavando perspectivas multimodais (afinal, trabalharam com gêneros textuais e discursivos que, embora conversassem entre si, tinha distinções bastante marcadas; além de terem de operar com imagem, texto e som na composição do produto final).

Assim, retomando Cosson (2009), procurei pensar a avaliação como movimento não só de ―balanço‖ das atividades e das leituras feitas, mas especialmente como momentos compartilhados de diálogo e construção coletiva, em que fossem dadas ao aluno a voz e a oportunidade (além,

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obviamente, dos instrumentos conceituais e operacionais necessários) para que avaliasse o percurso e se tornasse autor de uma nova história, ainda que baseada numa outra conhecida – estratégia comum da literatura, embora nem sempre reconhecida como tal. Nesse sentido, foi possível estimular o reconhecimento e a valorização das relações intertextuais por meio de paródia, citação, reelaboração de textos conhecidos – além de acréscimos, supressões, enfim, os mecanismos habituais que ―reescrevem‖ textos e transformam obras conhecidas em novas criações.

A tal contexto, somou-se a preocupação intrínseca ao projeto de que os produtos finais almejados –sobretudo, o curta-metragem – se configurassem como gêneros discursivos efetivos, tendo circulação viva e tendo uma ―razão de ser‖. Modestamente, quis dar vazão a uma ―nova‖ concepção de avaliação, como sinaliza Cosson (2009): ―[...] demanda-se a eliminação das chamadas situações artificiais de interlocução, devendo-se buscar interlocutores efetivos na escritura e a reescritura de textos.‖ (p. 112). A cada etapa do projeto, os alunos foram orientados a discutir, pensar e repensar suas percepções e suas escolhas, bem como delinear os encaminhamentos que pautariam a produção do vídeo. Assim, foi possível que todo o processo tivesse um sentido, uma finalidade efetiva, fazendo com que a avaliação, antes protocolar, se tornasse um caminho de construção e de partilha e possibilidade de aproximação do texto literário, conforme nos lembra, ainda, Cosson (ibidem): ―O professor não deve procurar pelas respostas certas, mas sim pela interpretação a que o aluno chegou, como ele pensou aquilo. O objetivo maior da avaliação é engajar o estudante na leitura literária e dividir esse engajamento com o professor e os colegas – a comunidade de leitores.‖ (p. 113).

A possibilidade de uma releitura proposta pelos alunos, atualizando os contos lidos, reforça, além do engajamento com a obra literária, a possibilidade da construção de uma autoria efetiva, uma vez que foram eles, jovens, que fizeram escolhas, remodelaram, recaracterizaram elementos narrativos, dando-lhes a roupagem da contemporaneidade – isso tudo num intenso percurso de leituras e releituras mediadas por mim e minha colega, processo constante de reflexão sobre contos e ―redesign‖ das narrativas (The New London Group, 1996). A exemplo disso, em 2010, o grupo responsável pelo curta feito a partir de ―Pai contra mãe‖, transformou a escrava fugida em uma imigrante ilegal, trabalhadora de oficinas clandestinas numa grande cidade. A releitura, pertinente e muito afinada ao clima do conto original, mostrou o olhar crítico e atento dos alunos, provando ser possível reler criando e estabelecendo indícios de autoria claros na produção do curta-metragem. Desse modo, a avaliação mostrou-se como percurso de autoria, ressignificação e exercício crítico, aproximando os jovens do textos e convidando-os a também serem autores de suas versões – além, obviamente, de ser momento para reconhecimento de eventuais fragilidades, ajustes e também reflexão crítica sobre o projeto.

Assim, gostaria de reforçar, nessa conclusão desse trabalho, que ainda é análise em curso, o potencial que trabalhos como esse projeto de leitura apresentam. Com estratégias simples – a leitura dialogada, compartilhada, a produção de textos bem orientada e o embasamento conceitual que permita aos alunos exercitar seus conhecimentos e pôr em prática o fazer literário – torna-se palpável a construção de uma comunidade de leitores e também o

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estímulo à produção autoral. Também vale ressaltar que o projeto comprovou ser possível haver jovens leitores apaixonados por Machado de Assis, compreendendo o texto literário como elemento de construção individual do repertório intelectual e também afetivo. Desse modo, a escola pode propor leituras literárias que sejam, além de instrutivas, apaixonantes e significativas para seus alunos.

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LEITURA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES, PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS

Fernanda Cecília Farias de Ávila Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG

Mestranda em Educação e Docência [email protected]

(31) 7515-0019

Priscilla Moura Bastos Moraes Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG

Mestranda em Educação e Docência [email protected]

(31) 7509-6154 Mônica Correia Baptista (orientadora)

Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG Doutora em Educação

[email protected]

Resumo

Nas últimas décadas temos acompanhado a democratização das obras de literatura infantojuvenis por meio de políticas públicas que viabilizam o acesso ao livro de literatura em escolas públicas de todo Brasil. Em 2008 o Programa Nacional de Biblioteca da Escola incluiu, pela primeira vez, as instituições de Educação Infantil entre os seus destinatários. Com o objetivo de compartilhar encontros entre crianças e a literatura infantil, apresentamos neste trabalho algumas experiências de leitura literária. Palavras-chave: Leitura literária; educação infantil; prática pedagógica.

Abstract

In recent decades we have witnessed the democratization of juvenile literary works through public policies that enable the access to the literature book, in public schools throughout Brazil. In 2008, the Programa Nacional de Biblioteca da Escola included, for the first time, the early childhood education institutions among the receivers of the collections that the program sends to schools. In order to share meetings between children and the multimodalities of narratives of children's literature, we present in this paper some literary reading experiences. Keywords: literary reading; early childhood education; pedagogical practices.

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1. Introdução

O conceito de literatura infantil que conhecemos hoje é fruto de uma construção que se iniciou principalmente a partir do século XX, quando no Brasil aconteceu uma acelerada urbanização e a vida social começou a atentar-se para a instrução e para a aprendizagem da língua escrita na escola. Neste período o paradigma do livro como recurso pedagógico, já delineava a estreita relação entre literatura e educação escolar. No campo das políticas públicas o Estado teve papel fundamental na construção dessa relação, uma vez que contribuiu para a expansão das obras literárias nas escolas, através de programas e ações de incentivo à leitura.

No Brasil, a literatura infantil no final do século XIX, teve como base as traduções de obras europeias (CADEMARTORI, 2009). Ainda que não tivéssemos a presença significativa de autores nacionais, o acesso à produção estrangeira representou um avanço num contexto, em que ainda não se valorizava a ideia de uma literatura para crianças. Acompanhando as ideias nacionalistas de um Brasil republicano, escritores da época se dispuseram a compor um espaço de livros nacionais e Monteiro Lobato teve participação decisiva neste novo cenário, sendo um dos precursores da literatura infantil no país.

No final do século XX, a Constituição Federal (1988) preceituava o dever do Estado de garantir a todos o acesso às fontes da cultura nacional. Mais tarde, no ano de 1992 o Ministério da Cultura por meio da Fundação Biblioteca Nacional, criou o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), com o objetivo de oferecer, aos diferentes segmentos da sociedade, materiais de leitura. Em 1997, visando à expansão e democratização das obras de literatura infantojuvenis, foi criado o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que é amparado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e pelo Ministério da Educação. O Programa efetiva a distribuição de produções literárias em escolas de todo o país.

No ano de 2008, o PNBE incluiu, pela primeira vez, as instituições de Educação Infantil entre os destinatários dos acervos que encaminha às escolas, possibilitando às crianças de zero a cinco anos o acesso ao texto literário. Essas ações impulsionaram o mercado editorial do livro infantil, atraindo escritores e ilustradores de alto prestígio na crítica literária para produção de obras destinadas às crianças.

Atualmente, a literatura infantil em geral e a brasileira, em específico, são tomadas pela tecnologia da informação e a escola ainda se esforça para acompanhar a efemeridade dos escritos, num mundo onde as crianças desde cedo lidam com aparelhos tecnológicos e informações instantâneas. Se por um lado o acesso à leitura literária torna-se mais fácil para as crianças, por outro a atenção dada à literatura infantil ainda pauta-se no alcance do mundo letrado que as conduzirá ao futuro promissor. A arte da palavra que se expressa na forma literária nem sempre é considerada no momento da escolha do texto que será oferecido às crianças, sendo o apelo visual muitas vezes o principal critério de seleção de um livro de literatura.

Contudo, nas últimas décadas a literatura infantil tem sido reposicionada no contexto brasileiro, por meio de debates e reflexões que se efetivam na

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sociedade, pelo incentivo das ações no campo político e pelo contínuo processo de formação da identidade cultural da sociedade. Cademartori (2009) afirma que há um progresso na maneira como se vê a literatura infantil na contemporaneidade, reafirmado na democratização e no acesso às obras literárias, porém, para essa autora, o desafio agora se encontra no acompanhamento da maneira como essas obras chegam às crianças, como são selecionadas e como a leitura dos textos literários é mediada, uma vez que a criança depende do outro para ter acesso a bons livros de literatura.

Portanto, neste trabalho apresentamos diálogos conceituais entre os autores Vigotski (1998; 2014), Cademartori (2009; 2010) e Reyes (2010) sobre literatura infantil e práticas de leitura literária com crianças pequenas, que auxiliam no desenvolvimento de experiências que possibilitam a expansão das experiências estéticas das crianças, o acesso à literatura enquanto arte, à linguagem e produção de significados e à expressividade na primeira infância.

Com o objetivo de compartilhar alguns encontros entre crianças pequenas e as multimodalidades das narrativas de literatura infantil, apresentamos neste trabalho algumas experiências de leitura literária com crianças que vivenciam o primeiro ciclo da Educação Infantil, a creche. As práticas aqui descritas foram realizadas em uma instituição de Educação Infantil da rede pública municipal de Belo Horizonte.

2. Concepções e dimensões da Literatura Infantil

A amplitude da arte literária se constitui nas diferentes manifestações culturais de uso poético, ficcional e simbólico da linguagem, desde estruturas mais simples como os ditados populares até as produções mais rebuscadas e eruditas como as de Machado de Assis (CANDIDO, 1995). Em geral, um movimento literário é composto por narrativas orais e escritas em diferentes dimensões. Essa diversidade forma, no seu conjunto, uma pluralidade de vozes e de sentidos que atingem a formação humana. Nesse movimento literário encontra-se a literatura infantil, que devido a sua produção histórica inicial, ainda pendula entre a finalidade de instrução educativa e o reconhecimento de sua natureza estética. Pode-se afirmar que um dos principais objetivos da escola é formar cidadãos participantes ativos de uma cultura fortemente marcada pela escrita. Essa premissa, muitas vezes se confunde com uma prática que concebe o texto literário como um pretexto para a realização de atividades centradas na alfabetização.

Por isso, e principalmente em contextos de Educação Infantil, é frequente entre educadores a noção de que o acesso das crianças aos livros de literatura infantil deve ser assegurado como estratégia para a aprendizagem do sistema de escrita. Por outro lado, a superação de uma visão instrutiva, pedagógica e didática da literatura infantil por uma concepção que reconhece seu estatuto de arte vem sendo pauta de debates e reflexões realizadas pela sociedade no contexto brasileiro. A literatura infantil se constitui, assim, como um gênero literário que fomenta muitos estudos e pesquisas no campo acadêmico.

É inegável a conexão estabelecida entre literatura infantil e educação, porém, é preciso ter clareza de que não cabe ao gênero a função reducionista

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de subsidiar a escolarização. A relação qualitativa entre estruturas, sentidos e conteúdos pode resultar em excelentes produções de literatura infantil, reafirmando assim, a sua natureza literária que ultrapassa os objetivos pedagógicos, os ideais, costumes e crenças que os adultos queiram transmitir às crianças. A literatura infantil deve ampliar os sentidos, propiciar aventura estética e subjetiva, reordenar os próprios conceitos e experiências.

Para Cademartori (2010) a literatura infantil é caracterizada pela forma de endereçamento dos textos ao leitor. A idade das crianças, em suas diferentes faixas etárias, é levada em consideração. Os elementos que constituem uma produção de literatura infantil devem estar de acordo com as habilidades de leitura que o leitor previsto já conquistou. A estrutura e o estilo das narrativas escritas e imagéticas procuram adaptar-se às experiências das crianças. Os temas são selecionados de maneira que corresponda às expectativas dos pequenos, ao mesmo tempo em que a narrativa deve possibilitar a superação delas.

A educadora colombiana Yolanda Reyes (2010), afirma que falar de literatura na primeira infância exige contexto, uma vez que os bebês e as crianças pequenas não leem as palavras no sentido convencional. Concordamos com a concepção da autora quando diz que a literatura tem suas raízes na complexa atividade interpretativa que o ser humano desenvolve desde o seu ingresso no mundo simbólico.

Este ingresso, porém, não acontece no momento que a criança vai para a escola, mas sim desde a vida intrauterina. Nesta fase são muitos os estímulos auditivos que permeiam o bebê, gemidos, trinados e pulsações vindos do corpo da mãe, e ainda, os sons filtrados da linguagem (REYES, 2010). Os bebês agem de forma sincrética, ou seja, desenvolvem-se em todas as esferas mutuamente. Muitas sinapses acontecem a todo o momento e as diferentes descobertas são mediadas pelo adulto. Cabe sim, a este adulto a oferta de material simbólico inicial para que cada criança comece a imaginar e então descobrir o seu lugar no mundo, desde que se inicia a sua formação biológica.

Em conformidade com Vigotski (1998) que afirma que os jogos simbólicos são fundamentais para que a criança chegue a simbolizar os sons através da escrita, Reyes (2010) diz que a apropriação da escrita está vinculada à leitura e assentada em aspectos motrizes, perceptivos, cognitivos, emocionais e sociais. Embora a instituição escolar coloque a criança pequena no lugar de não leitor/escritor, o diálogo permanente com a literatura permite-lhe lançar mão de sua herança cultural, na constituição do ser.

Nos estudos de Vigotski (2014), a linguagem escrita é um simbolismo de segunda ordem que gradualmente torna-se um simbolismo direto, uma vez que representa o som da língua, permeado por significados. Representar significa trazer para o presente o que não está materializado no momento e a primeira forma de representação das crianças são os gestos – signo visual inicial que contém a futura escrita. Frequentemente as crianças pequenas utilizam a dramatização, demonstrando nos gestos o que futuramente demonstrarão nos desenhos, onde os traços são coadjuvantes da representação gestual. A segunda esfera que une os gestos e a linguagem escrita, depois do desenho, é o jogo e a arte literária.

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Cantigas de ninar, cantigas de roda, trava-línguas, quadras, parlendas, adivinhas, poemas, contos, novelas, crônicas, memórias, biografias, histórias em quadrinhos e narrativas imagéticas são alguns dos gêneros que compõem a literatura infantil. A mediação da leitura literária pressupõe a escolha e a apreciação crítica do livro de literatura infantil, para efetuar uma análise dos aspectos literários, temáticos e gráficos que compõem o suporte literário. Selecionar, ler e apreciar um livro de literatura infantil são funções imprescindíveis de um mediador de leitura e devem anteceder o encontro que promove entre as crianças e a literatura.

Ao abrir a porta da sala de aula com livros nas mãos, as recepções das crianças pequenas podem ser diversas, há crianças que aplaudem, pulam e gritam euforicamente lobo mau! – mesmo sendo uma narrativa literária que não tenha esta personagem no seu enredo, outras já se acomodam no grande tapete à espera de mais uma história, algumas afirmam com ênfase eu não quero história, há também as que correm, puxam os livros das mãos da professora e questionam: Que isso? Livro? Conta história? Pouco a pouco as crianças estabelecem laços e aproximações com este objeto cultural, o livro de literatura.

Uma criança manuseando um livro é um ser em potencial na constituição de uma identidade sensível, na reelaboração de novas experiências e é sobre estas que vamos nos debruçar no próximo tópico.

3. Práticas de leitura literária na Educação Infantil

Os acontecimentos literários descritos neste trabalho foram vivenciados com crianças pequenas inseridas no primeiro ciclo da Educação Infantil, a creche, numa Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) em Belo Horizonte.

É muito curioso e ao mesmo tempo incentivador observar as expressões e atitudes de crianças pequenas quando têm acesso ao livro de literatura infantil e quando estão envolvidas em práticas de leitura literária, pois vão delineando as primeiras ações que constituem a formação inicial do leitor.

As solicitações para irem à biblioteca da escola puxando a professora pela mão, o manuseio e a exploração tátil e visual da materialidade do livro, os conflitos para trocar de livro com o colega, a admiração, espanto ou frustração com a ilustração encontrada na página do livro, a concentração e o movimento durante a leitura pela professora, o passar os dedos nas letras e ―ler‖ a história para si mesmo ou para o colega por meio de construções enunciativas primárias: Aí o ratinho subiu; aí o elefante subiu; êpa! São algumas manifestações que revelam o envolvimento das crianças com a arte da literatura e a apropriação inicial de habilidades de leitura.

Nas interações sociais as crianças pequenas mostram as estruturas iniciais de um pensamento livre e associativo, que ainda não segue uma linearidade, uma lógica formal racionalizada e que se externaliza no uso e na inventividade da língua. As crianças inventam palavras para nomear e representar as pessoas, os animais, os objetos e para narrarem suas experiências. São especifidades do pensamento e da linguagem oral que se assemelham à criação poética, pois, em ambos, estão presentes o imaginário

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fecundo e a liberdade de uso das palavras, que não correspondem diretamente à maneira convencional de circulação da palavra.

Trata-se de uma linguagem permeada pela ludicidade e criação, em que as crianças brincam e movimentam as unidades linguísticas. No encontro com a literatura as crianças podem ampliar suas experiências com a linguagem, trazendo novos elementos para formação da própria subjetividade e expandindo os sentidos e as concepções de mundo. Ao ouvir uma narrativa literária as crianças podem experimentar uma das dimensões simbólica da linguagem, assim como a sua conjunção com o imaginário e o com o real (CADEMARTORI, 2010).

O crítico literário Antonio Candido (1995), afirma que a literatura é a imagem e transfiguração da realidade. A expressão literária de um texto poético, por exemplo, pressupõe o movimento rítmico e sonoro das palavras, em que o poeta transforma o informal ou o inexpresso em estrutura organizada, que se põe acima do tempo e serve para cada um representar mentalmente as suas próprias experiências. Este processo é consonante com os jogos verbais, nos quais as crianças deslocam as palavras da relativa transparência de seu uso comunicativo, para a opacidade materializando a palavra, quando é tratada como brinquedo. Assim, prevalece o prazer da autoexpressão e da liberdade de composição (CADEMARTORI, 2010).

3.1 Leitura literária: Livro "Não!" Marta Altés

O livro "Não!" da escritora espanhola Marta Altés (2012) apresenta ao leitor a história de um pequeno cachorro que utiliza uma coleira azul com pingente circular e prata. O cachorro se considera muito amado e querido pela família em que convive, pois, todos sempre fazem referência a ele nos diferentes espaços e ambientes da casa, o chamando pelo nome que acredita ser o seu: Meu nome é Não. Eu sou muito bom garoto. Sou tão bom que a minha família está sempre me chamando!

Quando está comendo as flores do jardim, sempre o ―chamam‖ pelo nome Não! Se estiver desesperadamente correndo e puxando o seu dono que segura a sua coleira, cavando vários buracos no quintal ou espalhando o jornal pelo chão, sempre escuta Não! Porém, a intensidade da pronúncia do seu nome pode mudar e aumentar se o cachorro experimenta o almoço de seus donos, se rola na terra para ficar bem ―bonito‖ para eles, se os ―ajuda‖ a retirar as roupas que estão no varal ou se aquece a cama antes de irem dormir, o cachorro escuta seu nome com tamanha intensidade e ―afeto‖: Nãooooooooo! Por isso, se sente tão querido e está sempre retribuindo esse amor. O cachorro só não consegue entender o porquê de ser outro nome o que está registrado no seu pingente.

Esta narrativa literária mostra o antagonismo criado por Altés (2012) entre o texto escrito e ilustrações, pois produzem sentidos que se opõem e ao mesmo tempo se complementam. A criação do jogo literário entre escrita e imagem se revela na ironia, em que um contradiz ou subverte o que diz o outro. A linguagem escrita e a linguagem visual entram em contradição para configurar uma situação narrativa em que o cachorro pensa uma coisa, mas as ilustrações revelam ao leitor outra coisa.

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Numa turma de crianças com dois anos de idade, os sentidos construídos a partir desse jogo literário eram externalizados por meio de expressões, tais como: Ih, jogou tudo no chão! A lá, espalhou tudo! Que bagunça! É cachorro bagunceiro! Professora, ele derrubou a água! A gente não pode comer a florzinha, ele pode, a gente não. E também, quando acompanhavam a leitura do livro e gritavam com veemência para o cachorro: Nãooooooooo!

Algumas crianças diziam que o cachorro usava uma pulseira no pescoço e relatavam que, assim como o cachorro que retirava a roupa do varal, a mamãe também faz. Estas relações revelam as especificidades de um pensamento livre e associativo, que identifica na literatura experiências semelhante com as que se vivencia, ao mesmo tempo em que ganha certo distanciamento para apreciá-la.

Práticas de leitura literária podem oferecer a criança pequena elementos estéticos, que enriquecem suas experiências enquanto sujeito produtor de cultura e suas potencialidades para atividade criativa.

3.2 Leitura literária: Livro Como nascem os pássaros azuis – Walter Lara

Como nascem os pássaros azuis é um livro de imagens do autor e ilustrador Walter Lara (2010), que apresenta ao leitor a história de um menino, um possível desenhista, que traceja e distribui sobre uma enorme folha em branco, muitos e muitos pássaros. As páginas duplas do livro dão sequência à narrativa imagética, na qual o menino tem, ao pé de sua banqueta, a companhia de um cachorro preto, que cochila sobre a textura de um pequeno tapete amarelo, velho e fino.

Ao finalizar os traços leves e singelos feitos a lápis que formam os vários pássaros sobre o papel, o menino e o cachorro se levantam, se espreguiçam e bocejam, talvez para retomar as energias destinadas naquele instante a ação de desenhar ou mesmo para atender os sinais do sono que permeiam o corpo. O menino sai do ambiente, levando o cachorro preto abraçado ao seu colo e deixando sobre a mesa da sala os pássaros desenhados no papel branco. São ilustrações que enriquecem a qualidade gráfica do livro, pois estimulam o envolvimento do leitor com a narrativa imagética.

A saída do menino ―desenhista‖ da sala oferece às crianças inúmeras possibilidades de questionamentos, significados e sentidos que resultam da interação delas com o texto imagético. Algumas crianças perguntam: Cadê o menino e o cachorro? Sumiu? Outras afirmam: O menino e o cachorro foram dormir; O menino foi brincar com o cachorro. São possibilidades apresentadas pelas crianças para justificar a ausência do menino e do cachorro. Neste caso, as inferências feitas pelas crianças são externalizadas através de suas indagações e afirmações.

Para Castanha (2008), a transgressão é um elemento que compõe a ideia de se fazer um livro de imagens, pois é uma obra aberta que viabiliza diferentes leituras de quem a ―lê‖ e a observa minuciosamente. É transgressor propor uma narrativa somente por meio de elementos visuais. Os livros de literatura infantil que respeitam seu público são aqueles cujos textos têm

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potencial para permitir à criança possibilidade ampla de atribuição de sentidos àquilo que lê (CADEMARTORI, 2010).

Uma vasilha de tinta azul, do lado direito superior da mesa da sala, parece seduzir os pássaros que estavam lá sozinhos, ainda sem cor e somente sobre o efeito do lápis no papel branco. Delicadamente, os pássaros saem da folha pouco a pouco e experimentam a sensação de tingimento de suas penas na tinta azul. Derrubam a tinta sobre o papel, todos os pássaros agora são azuis! Aqui a fruição literária se manifestou quando uma criança de dois anos perguntou: Professora, amanhã você compra asas e traz pra mim? A professora disse que iria tentar e perguntou à criança o que ela iria fazer com as asas, obtendo a seguinte resposta: Ah, eu vou voar daqui, daqui da escola, vou lá para minha casa. A metáfora sinestésica, outro aspecto da qualidade gráfica, é trazida ao leitor quando nas páginas duplas do livro, os pássaros saem do papel e se deixam tingir na tinta azul do vasilhame. Os pássaros aguardam um pouco no parapeito da janela de madeira e, logo, se põem a voar com suas penas azuis, num tom sobre tom no azul do céu. E as crianças? As crianças sempre se perguntam: para onde foram os pássaros azuis?

4. Considerações Finais

O diálogo que buscamos estabelecer neste trabalho entre Vigotski (1998; 2014), Cademartori (2009; 2010) e Reyes (2010), nos leva a conceber a prática de leitura literária como uma experiência que precisa estar presente na vida de todo ser humano desde a mais tenra idade.

Considerando o desenvolvimento da linguagem, os estudos de Vigotski (1998) afirmam que este processo acontece à medida que os sujeitos se apropriam dos signos, dos símbolos e constroem sentidos por meio das experiências coletivas, das interações com os pares e das mediações do adulto. A literatura contém elementos que se aproximam do universo infantil, estimulando a imaginação através da imitação, da repetição e da beleza da arte com as palavras.

As práticas de leitura literária no cotidiano das crianças propiciam vínculos e interações, com o outro e com o mundo simbólico. Assim, constituem-se como sujeito social e cultural, desenvolvendo-se de maneira sincrética. O atendimento em espaços educativos coletivos favorece à criança pequena a participação em várias situações de interação, fora do seu grupo familiar, por meio das quais ela poderá criar e recriar significados sobre si mesma, sobre os outros e sobre as várias dimensões da linguagem, em situações sociais. Percebemos que o Estado teve papel fundamental para a entrada das obras literárias nas escolas, principalmente na Educação Infantil, etapa de ensino em que este trabalho foi realizado. As políticas públicas, a partir do final da década de 90, elevaram o Brasil a outro patamar no que concerne à distribuição e ao acesso democrático às obras literárias nas escolas públicas brasileiras.

Através das experiências descritas percebe-se o quanto as crianças se identificam, se reinventam e se constituem como seres culturais a partir de uma prática de leitura literária emancipatória, que não visa diretamente a apreensão

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da linguagem oral e escrita, mas que permite serem protagonistas do próprio desenvolvimento, de maneira sincrética e significativa. A literatura nos transmuta desde bebês!

Na Educação Infantil, os professores têm um papel fundamental na mediação entre o livro de literatura e o leitor em formação. A eles cabe à escolha de livros cujos temas dialoguem com o universo infantil, ampliando as experiências e os conhecimentos da criança. Os livros precisam ter imagens que possibilitem às crianças a compreensão das narrativas literárias. Além disso, outro aspecto primordial e que deve ser considerado, é a possibilidade de apreciação estética. As habilidades para reconhecer estilos, gêneros, recontar histórias aproximando-se dos elementos que formam as estruturas literárias são relevantes para a aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem e, sobretudo, para formação do sujeito social. Nas palavras de Reyes (2010) é a própria criança, com tais materiais e especificações básicas, quem erguerá a arquitetura dos mundos invisíveis para encontrar seu lugar.

Referências

ALTÉS, Marta. Não. São Paulo: Escarlate, 2012.

CADEMARTORI, Ligia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 2010. (Coleção Primeiros Passos).

CADEMARTORI, Ligia. O professor e a literatura para pequenos, médios e grandes. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

CASTANHA, Marilda. A linguagem visual no livro sem texto. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil. Com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. p. 141-161.

LARA, Walter. Como nascem os pássaros azuis. Belo Horizonte: Abacate, 2013.

REYES, Yolanda. A casa imaginária: leitura e literatura na primeira infância. São Paulo: Global, 2010.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

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NOS VARAIS DA INFÂNCIA: MEDIAÇÕES DE LEITURA E ESCRITA COM A LITERATURA DE CORDEL

Flávia Helena Pontes Carneiro Escola de Educação Básica e Profissional/Centro Pedagógico/UFMG

Mestre em Educação [email protected]

(31) 9809-5987

Resumo

Este texto reflete sobre o trabalho com a Literatura de Cordel realizado por professora e alunos de uma turma de 1° ano de uma escola pública brasileira. Além de objetivos curriculares pertinentes a aspectos linguísticos da alfabetização, esse projeto introduziu a experiência estética, ampliou o repertório literário dos alunos e visou formar o leitor literário. A experiência literária com o cordel mostrou-se fecunda dentro dos limites da ação pedagógica, evidenciando grande envolvimento e participação dos alunos e de suas famílias na criação de cordéis. Palavras-chave: mediação de leitura literária; literatura de cordel; alfabetização e letramento.

Abstract

This text analyses a Cordel Literature classroom project developed by a 1st year class teacher and students from a Brazilian public elementary school. In addition to explore curriculum linguistic objectives, this project aimed to enhance students‘ aesthetic experience, literary repertoire, and engagement as readers of literature. The Cordel Literature classroom project proved fruitful within the limits of pedagogical action, showing great involvement and participation of students and their families in the creative processes of cordel texts. Keywords: literary reading mediation; Cordel Literature; early literacy.

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Introdução

Este trabalho busca refletir sobre as mediações de leitura literária realizadas em uma turma de 1° ano do 1° Ciclo do Centro Pedagógico da UFMG. O projeto intitulado ―O Cordel dos Tiradentes‖,1 sobre o qual busco refletir neste texto, foi desenvolvido dentro do contexto de um projeto institucional mais amplo destinado ao trabalho temático da Festa Junina da escola, que enfocou aspectos da cultura do nordeste como a dança e o cordel.

A ideia de se trabalhar com a Literatura de Cordel foi proposta para toda a Escola pelo Núcleo de Educação Física, com o objetivo de integrar a comunidade escolar ao projeto da Festa Junina intitulado ―O Bailão do Centro Pedagógico: dançando, recitando e desenhando no ritmo do Cordel Nordestino‖. Neste grande projeto previam-se atividades que possibilitassem aos alunos um espaço de conhecimento e vivência das danças, das artes, das músicas e dos costumes que se manifestam no Brasil, em especial, na cultura nordestina. A partir dos objetivos gerais, foram relacionados objetivos específicos a serem desenvolvidos em sala de aula com os alunos de seis anos que resultaram no trabalho ―O Cordel dos Tiradentes‖.

Referencial teórico

A proposta desenvolvida na Turma dos Tiradentes teve como referência os conceitos de alfabetização e letramento propostos por Soares (2003), considerando-se a importância de se desenvolver, de maneira articulada, num só processo, as habilidades de leitura e de escrita referentes tanto ao domínio da tecnologia da escrita como ao do conhecimento e da compreensão da cultura escrita.

Segundo Soares, o significado etimológico da palavra alfabetização ―não ultrapassa o significado de ‗levar à aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever‘‖ (SOARES, 2003, p. 15).

O termo letramento diz respeito ao exercício das práticas sociais de leitura e escrita. Para Soares (2003, p. 90), ―letramento é o desenvolvimento de competências (habilidades, conhecimentos e atitudes) de uso efetivo dessa tecnologia [de alfabetização] em práticas sociais que envolvem a língua escrita‖. Dessa maneira, a palavra letramento permite diferenciar o momento de aquisição da língua escrita do desenvolvimento de habilidades de uso da língua, que vão muito além da mera codificação e decodificação. ―Letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita‖ (SOARES, 1998, p. 17-18).

Para Soares (2003), as práticas sociais de leitura quando são transformadas em objeto de ensino e aprendizagem na escola são modificadas pelo processo de escolarização passando a ser denominadas

1 Este trabalho foi publicado na revista online Práticas de Linguagem e foi ampliado a partir da

perspectiva das mediações em leitura literária para apresentação no XI Jogo do Livro Infantil e Juvenil.

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letramento escolar. Castanheira (2014) aponta que ―ler e escrever na escola são processos que se diferenciam de ler e escrever fora da escola, pois o quê, como, quando para que se lê ou se escreve‖ são definidos pelos pelo processo de ensino e aprendizagem (CASTANHEIRA, 2014, p. 183).

Um universo de possibilidades de trabalho foi sendo construído, inicialmente relacionado aos objetivos e capacidades a serem desenvolvidas no processo de alfabetização e letramento. As capacidades linguísticas trabalhadas no projeto tiveram aporte nas coleções Instrumentos da Alfabetização (BATISTA et. al., 2005) e Alfabetização e Letramento (2005). A oportunidade em se trabalhar com a Literatura de Cordel deu margem a um amplo trabalho, considerando diferentes capacidades a serem desenvolvidas: ouvir com compreensão, falar, ler e escrever em um contexto específico, orientado pelo projeto institucional da Festa Junina. Vale salientar que, ao desenvolver propostas que integram a alfabetização e letramento, não se pode perder de vista, o contexto escolar e a necessidade do ensino sistemático de diferentes capacidades.

A seguir, destaco algumas capacidades trabalhadas neste projeto em distintos eixos. No eixo da Leitura: desenvolver atitudes e disposições favoráveis à leitura; fazer previsões acerca do conteúdo da narrativa; desenvolver o senso estético; desenvolver a capacidade de escuta atenta; levantar e confirmar hipóteses. No eixo da Apropriação do Sistema de Escrita: desenvolver a consciência fonológica; reconhecer e identificar rimas; estabelecer a relação entre grafemas e fonemas. No eixo da Produção de Texto: produzir oralmente textos coletivos para serem escritos; conhecer a organização textual do cordel; vivenciar processos coletivos de criação do cordel; produzir textos informativos para a Festa Junina. No eixo da oralidade: participar de interações cotidianas em sala de aula e planejar a fala em situações formais.

Além das capacidades elencadas, eixo da leitura possibilita um trabalho especial com a Literatura. Importante destacar o papel da literatura como linguagem e como instituição, conforme aponta Lajolo:

É a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso, a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão para exercer plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar sue usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos (LAJOLO, 2000, p. 106).

O texto literário é uma criação artística e como tal possibilita ao leitor uma exploração da ética e da estética e exige um tipo de interação particular. Além da dimensão intelectual possibilita uma abertura para os aspectos emocionais do leitor. Para Paulino (2014) ―a leitura se diz literária quando a ação do leitor constitui predominantemente uma prática cultural de natureza artística, estabelecendo como o texto lido uma interação prazerosa‖ (PAULINO, 2014, p. 177).

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A partir dessa compreensão, o cordel se mostra riquíssimo do ponto de vista da fruição estética, já que a narrativa, ritmicamente construída e trabalhada por meio de rimas, permite aos alunos se adentrar na história e vivenciar emoções com o conteúdo e com a forma, compartilhando experiências literárias.

O entendimento do letramento literário como processo de apropriação da literatura enquanto linguagem foi baseado em Cosson (2006). Para que esse processo aconteça na escola é preciso criar condições para que o leitor possa interagir com obras literárias viabilizando a construção de uma comunidade de leitores, na qual as obras possam ser partilhadas e que os leitores sejam respeitados segundo suas escolhas e capacidades. Além disso, é preciso considerar a importância de ampliar o repertório literário dos alunos abrindo espaços para a diversidade cultural, garantindo que tais ofertas sejam contínuas e sistemáticas de forma a contribuir para o desenvolvimento de competências literárias.

O trabalho realizado com a Literatura de Cordel, com vistas ao letramento literário, não ocorre isolado. Ao contrário, está inserido num conjunto de propostas didáticas e projetos de leitura literária desenvolvidos ao longo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental que busca garantir o contato dos alunos com diversas obras literárias e contribuir positivamente no processo de alfabetização e letramento.

Projetos de leitura e escrita literárias na alfabetização são importantes estratégias para aproximar o livro do leitor e desenvolver o senso estético. Quanto maior for a interação com os textos literários, maiores serão as chances das crianças ampliarem seu repertório, favorecendo, assim, um alargamento da sua visão de mundo e compreensão de suas vivências. Neste contexto, as características cognitivas, afetivas, sociais e culturais das crianças foram consideradas no processo de mediação. Destaco alguns projetos e práticas de letramento literário desenvolvidos na escola em caráter permanente e sistemático: Projeto Sacola de Leitura, Literatura em Família, Arquivo Poético, escuta de histórias em rodas de histórias, todos eles articulados à proposta de ensino em cada ano do ciclo. Tais projetos oportunizam experiências que contribuem significativamente para o desenvolvimento de competências literárias às quais o Projeto ―O Cordel dos Tiradentes‖ vem se somar.

A utilização da biblioteca de forma sistemática é uma prática que visa favorecer o contato permanente do texto e do leitor. É uma de nossas ações para aproximação das crianças à leitura, cumprindo seu papel, segundo Aguiar (1999) sua função ―irradiadora‖ e ―catalisadora‖ dos bens culturais. Assim, a biblioteca se torna um espaço de mediação, pois oportuniza o contato direto das crianças com os livros. A família, importante instituição de intermediação do livro com a criança é capitalizada em nossa proposta pedagógica com o Projeto Literatura em Família. Estimulamos, assim, uma interação criança-literatura-família.

No bojo de diferentes projetos reside a oferta de múltiplas possibilidades de leitura e leitura literária, quer individual ou coletivamente. Entre a criança e a leitura literária se cruzam diferentes mediadores: a escola, a família e as práticas de letramento literário.

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O entendimento de mediação como algo que remete a uma prática está de acordo com Cardoso (2014) e é assumido neste trabalho. No contexto da escola é possível pensar em diferentes mediações, em diferentes práticas. No caso deste trabalho, pensamos nas diversas situações em que houve mediação ao construir pontes para que crianças/alunos e a Literatura de Cordel pudessem se encontrar.

Metodologia e Desenvolvimento

A Turma dos Tiradentes2 era constituída por 25 crianças, dentre as quais havia alunos que já compreendiam o funcionamento do sistema de escrita e apresentavam escrita alfabética e alunos que estavam em processo de compreensão desse sistema e não eram ainda leitores e escritores autônomos.

O trabalho se desenvolveu ao longo de dois meses e foram realizadas atividades diversificadas como: leitura de cordéis entre varais na biblioteca da escola e rodas de leitura em sala; trabalho coletivo de produção de texto de uma sextilha para compor O Cordel dos Tiradentes; vivência do processo da xilogravura em conjunto com o Núcleo de Arte da escola; produção e impressão de um cordel para toda a turma; exposição dos trabalhos na Festa Junina; produção de cordéis pelas famílias dos alunos e apresentação na XI UFMG Jovem e IV FECEB.

Este projeto contou com a colaboração de vários Núcleos da escola e envolveu diversos projetos institucionais, dentre eles, o Mala de Leitura.3 Uma das atividades previstas para dar início ao trabalho com o cordel foi a leitura da história Lampião e Lancelote.4 Ao ouvir a narrativa sobre o encontro de Lampião, grande cangaceiro do sertão nordestino e Lancelote, um dos cavaleiros medievais da Távola Redonda, os alunos puderam apreciar a narrativa em prosa e o cordel. As belas imagens do livro ofereceram aos alunos uma inesquecível experiência plástica, abrindo caminho para o estudo da xilogravura.

Entre varais de cordéis, este momento de contação de história proporcionado pelo Mala de Leitura, na biblioteca da escola, destacou a narrativa e a imagem como elementos sobre os quais passamos a desenvolver em nossa turma o Projeto O Cordel dos Tiradentes. A partir do encantamento dos alunos e considerando os objetivos linguísticos, textuais, artísticos e culturais, propusemos a leitura da Literatura de Cordel em suportes autênticos. Dentre os textos selecionados para serem lidos para os alunos escolhemos o cordel Juvenal e o Dragão,5 de Leandro Gomes de Barros.

O cordel é um folheto pequeno, impresso em papel barato e de baixo custo para os compradores. A Literatura de Cordel recebe este nome em função da forma como são apresentados e vendidos, dependurados em

2 Turma dos Tiradentes é o nome da turma dos alunos do 1º Ano Amarelo de 2010. A turma

recebeu esse nome em função das novidades que contavam para a professora ao chegar à sala: ―Professora, meu dente caiu!!!‖ 3 Mala de Leitura é um projeto de Ensino, Pesquisa e Extensão do Centro Pedagógico da

UFMG. 4 VILELA, Fernando. Lampião e Lancelote. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

5 BARROS, Leandro Gomes de. Juvenal e o Dragão. Ceará: Tupiynanquim Editora, 2005.

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barbantes em lugares públicos como feiras, mercados, praças, lojas. Para os consumidores, produtores poetas e editores é conhecido apenas como folheto. Os versos dos cordéis, compostos em sextilhas são facilitadores da memorização das rimas.

A Literatura de Cordel chegou ao Brasil pelos colonizadores portugueses e se irradiou pelo nordeste brasileiro. Existem, segundo Galvão (2003), registros de formas de literatura semelhantes ao cordel em países como Espanha, França, Inglaterra, Argentina, México e têm sua origem com os trovadores, segréis, menestréis e jograis na Idade Média (PAULINO, 2001, p. 88).

Leandro Gomes de Barros (1865-1918), reconhecido como grande mestre do cordel foi o poeta popular que narrou a vida do Nordeste do Brasil, produzindo folhetos com temáticas diversas: ―valores religiosos e místicos em geral, relatos de acontecimentos cotidianos e políticos mais amplos, descrição de fenômenos naturais e sociais, narração de histórias tradicionais, aventuras de heróis e anti-heróis‖ (GALVÃO, 2003, p. 89).

A história Juvenal e o Dragão narra acontecimentos em torno do jovem Juvenal que sai em busca de aventuras após ficar órfão. No começo da viagem, troca sua herança – três carneiros –por três cachorros encantados, que o possibilitaram lutar e vencer o terrível dragão que devorava pessoas e salvar a princesa de suas garras.

Informações sobre o texto, o autor e seu contexto de publicação, favorecem a compreensão global do texto e contribuem para a ―formação de um leitor cada vez mais bem informado e interessado, mais capaz de tirar proveito do que lê‖ (BATISTA et. al., 2005, p. 69).

Em meio a grande expectativa e interesse por parte dos alunos e também da professora, aconteceu a leitura deste cordel. Ela foi realizada ao longo de uma semana, nas rodas de história da nossa turma. Ao final da leitura, os alunos produziram ilustrações para esse cordel e mostraram, por meio das imagens, quão vívida foi a história.

O desenho é uma atividade muito significativa para as crianças e por seu intermédio, elas revivem as histórias e demonstram os recortes que fizeram, destacando aquilo que foi mais significativo ou o que, durante a leitura, promoveu o interesse e despertou emoções. Ocorre assim uma aproximação entre as artes por meio da ação dos sujeitos envolvidos no processo de letramento literário.

Uma nova proposta de leitura de cordel foi feita para os alunos que a aderiram imediatamente: O Romance do Pavão Misterioso. Dessa maneira, os alunos conheceram outros cordéis apropriados à infância, experiência que favoreceu a ampliação do conhecimento de textos deste gênero.

A apropriação da linguagem literária pelo aluno é um processo que necessita, como outras práticas de letramento, uma imersão e interação com os textos. A familiarização com a linguagem do cordel, motivada inicialmente pela proposta da Festa Junina, alcançou vida própria, já que caiu no gosto dos alunos que puderam ler e ouvir diferentes cordéis. Ao se o familiarizar com o suporte, o gênero, suas características os alunos podem construir competências leitoras, já que, segundo (BATISTA et. al., 2005) o

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reconhecimento das características gerais dos gêneros textuais orienta as expectativas do leitor, favorecendo a compreensão global.

O cordel é composto de estrofes de seis versos (sextilhas) de sete sílabas, com rimas alternadas. A escuta do cordel, ao longo de vários dias, possibilitou aos alunos perceberem o momento em que ocorreria a rima dentro da estrofe. O jogo de adivinha se fundiu com o texto e virou brincadeira, propiciando a experimentação do prazer e da construção de competências estéticas e linguísticas.

O trabalho com o cordel possibilitou desenvolver a consciência fonológica, aspecto importante quando se trata de alunos em processo de alfabetização. As rimas, tão caras às crianças, possibilitaram fazer, muitas vezes, um jogo de adivinhação da palavra que viria a rimar dentro da estrofe a partir do contexto da narrativa. Tal capacidade, o reconhecimento de unidades fonológicas como sílabas, rimas terminações de palavras, é fundamental no aprendizado inicial da leitura e da escrita, já que os alunos, para aprenderem a ler e escrever, precisam operar com os fonemas e estabelecer relações entre a pauta sonora e a escrita.

Com interesse e envolvimento na leitura, a imaginação dos alunos foi fecundada pelo porvir da história, pelos espaços em branco ainda não preenchidos, pela narrativa ainda incompleta e não finalizada. A expectativa do que iria acontecer foi ativada pela emoção e pelo suspense acerca dos acontecimentos. Assim, as capacidades de levantar e confirmar hipóteses relativas à narrativa também foram conscientemente exploradas. Ao fazerem previsões os alunos estabelecem relações lógicas, relações com outros textos, com outras narrativas, interpretando as pistas textuais. Essa estratégia é muito importante e produtiva na construção de sentidos.

No intuito de enriquecer a experiência estética com a Literatura de Cordel e incentivar o processo de criação, apresentei à turma um cordel com 36 sextilhas de minha autoria. Essa escrita consistiu na apresentação de cada um dos alunos e dos professores da turma e na narrativa de aspectos particulares da história desse grupo, vivenciados desde a sua chegada ao Centro Pedagógico no início do ano de 2010.

Interessante registrar que a proposta se mostrou fecunda também para mim, que me senti muito motivada a escrever. Foi desafiador lançar-me nos espaços em branco do papel e criar um texto que refletisse a nossa história. O desejo de provocar mais uma escuta de um cordel – um cordel especial - foi também, considerado um mediador da escrita literária. Guiada pelo desejo, balizada na intuição e ancorada no prazer, pude também, eu, sujeito no processo de ensino-aprendizagem, crescer a vivenciar o prazer estético da criação.

A seguir, recorto alguns trechos do cordel, nos quais elementos da nossa história foram destacados como, por exemplo, a chegada dos alunos na escola por meio do sorteio.

OLHE, OLHE, MENINADA PRESTE MUITA ATENÇÃO QUE AGORA EU VOU FALAR BEM AQUI DO CORAÇÃO UMA COISA VERDADEIRA

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E COM MUITA ANIMAÇÃO. PRA COMEÇO DE CONVERSA, VOU CONTAR O QUE OCORREU: TEVE UM GRANDE SORTEIO TEVE SORTE, MERECEU E NO CENTRO PEDAGÓGICO VOCÊ CHEGOU, É ALUNO MEU.

O Centro Pedagógico é uma escola pública federal, localizada no campus da Universidade Federal de Minas Gerais, que atende cerca de 600 alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental e tem como critério de entrada o sorteio público das vagas. O sorteio, como forma de acesso, caracteriza um processo democrático e é marcado por grande expectativa por parte das famílias e, consequentemente, torna-se um aspecto muito importante na experiência das crianças sorteadas.

Na perspectiva do trabalho com projetos de leitura e escrita literárias, o trabalho com poemas, no Projeto Literatura em Família, conforme mencionado anteriormente, era feito semanalmente oferecendo, assim, aos alunos oportunidades para conhecerem diferentes autores, temáticas e de se envolverem com prazer nesta atividade. Nossas primeiras experiências com leitura e recitação de poesias, no Projeto Arquivo Poético, ganharam versos no cordel. A explicação do nome da nossa turma também foi um aspecto relevante na construção das estrofes:

POESIAS DIVERTIDAS RECITAR NÓS APRENDEMOS. E ASSIM BRINCANDO VAMOS MUITAS COISAS ENTENDENDO. E O QUE É INTERESSANTE: LENDO MUITO E ESCREVENDO.

NESSA TURMA SEM IGUAL, TODO MUNDO É DIFERENTE E O QUE TEM DE ESPECIAL? TODO DIA CAI UM DENTE! É POR ISSO QUE GANHOU BELO NOME: TIRADENTES.

Ao mesmo tempo em que objetivava trabalhar aspectos linguísticos e estéticos, quis também inscrever de maneira afetiva o nome de cada criança em nossa memória. Assim, todos os 25 alunos foram inscritos no texto, acolhidos na turma e permanentemente inseridos em nossa história. Apresentar os nomes em ordem alfabética foi uma brincadeira para desafiá-los no aprendizado deste conhecimento. À medida que ia lendo o cordel para os alunos e ia apresentando o nome de cada um, perguntava a eles qual nome viria em seguida:

E ASSIM LHES APRESENTO DA AMANDA À YASMIN VOU NA ORDEM ALFABÉTICA PORQUE ORGANIZO ASSIM

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NÃO VOU SALTAR NINGUÉM DO INÍCIO ATÉ O FIM. [...] E PROSSIGO APRESENTANDO A CLARISSA E O DANIEL GOSTAM MUITO DE OUVIR A HISTÓRIA E O CORDEL SÃO CRIANÇAS EDUCADAS MUITO DOCES COMO MEL

Apostando no caráter lúdico da aprendizagem, da mesma maneira que brincávamos com as palavras durante a leitura do cordel - destacando seu aspecto sonoro e chamando a atenção para as rimas -, propus uma adivinha relacionada ao título do cordel lido:

[...] E COM A LETRA J TEM A JÚLIA E O JOSÉ GOSTAM DE BRINCAR DE RIMA LÉ COM LÉ E CRÉ COM CRÉ E AGORA É A SUA VEZ DE DESCOBRIR O QUÊ QUE É.

Neste trecho, a referência à obra de José Paulo Paes Lé Com Cré, dialoga com poemas, rimas e com as brincadeiras com palavras. O convite a brincar com a descoberta, com a adivinhação, traz para a cena uma prática de mediação literária muito presente em nossa sala, em especial no projeto Literatura em Família.

UMA HISTÓRIA DE AVENTURA COM HERÓI E UM VILÃO CARRUAGEM E PRINCESA E TEM GRANDE EMOÇÃO. QUEM JÁ SABE, DIGA O TÍTULO. ―JUVENAL E O DRAGÃO‖.

Contamos com o apoio do Núcleo de Arte, com a orientação da professora Eliette e monitores e, assim, a Turma dos Tiradentes teve a possibilidade de vivenciar o processo da xilogravura com algumas adaptações. Para que a experiência da impressão pudesse ser vivida pelos alunos do 1° ano e, considerando que eles não teriam um conjunto de habilidades de manejo com o material necessário para fazer xilogravura, pensamos em substituir a madeira por isopor, já que a madeira seria um material muito duro e resistente. O trabalho foi desenvolvido em várias etapas, desde a reflexão sobre o uso do espaço do papel em branco, no qual os alunos fariam o desenho que seria impresso, a forma de se obter texturas e os efeitos no papel, passando pela gravação no isopor até a impressão propriamente dita. Assim, as crianças fizeram um desenho da Festa Junina no papel, com o trabalho de textura (pontos, linhas curvas, linhas cruzadas, etc.) para que pudessem, posteriormente, gravá-lo no isopor. A gravação no isopor foi feita com um lápis de escrever na própria sala de aula e, por fim, foi feita a impressão das

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imagens na sala de Arte do Centro Pedagógico, com a ajuda de professores e monitores.

ESSE ANO O CP CRIOU MODA NORDESTINA: TROUXE A IDEIA DO CORDEL PRA NOSSA FESTA JUNINA. TEMPO BOM DE BRINCADEIRA, PRA MENINO E PRA MENINA.

É importante destacar aqui a importância da Festa Junina como um acontecimento cultural em nossa sociedade e que assume, particularmente, em nossa escola, uma dimensão de aprendizagem em torno de um projeto visando integrar a comunidade escolar e as famílias. É possível pensar que, em sua proposta institucional, o projeto assumiu um papel mediador entre os leitores, professores, alunos e famílias e o cordel.

E PRA ENFEITAR A FESTA FIZEMOS XILOGRAVURA NO ISOPOR - NÃO NA MADEIRA, MAS COM GRANDE FORMOSURA. O ISOPOR É BEM MACIO E A MADEIRA MUITO DURA.

A inserção dos alunos no contexto da escola implica na aprendizagem da cultura escolar. É parte constituinte desta cultura e, em nossa escola em especial, a experiência com diversos professores em diferentes disciplinas escolares. Com o intuito de destacar a singularidade de cada professor e as aprendizagens decorrentes de seu campo de saber específico, tais como Educação Física, Ciências, Música e Matemática, os professores foram lembrados:

ANTES DE CHEGAR AO FIM VAMOS HOMENAGEAR TODOS NOSSOS PROFESSORES A QUEM NÓS VAMOS CANTAR A NOSSA DOCE PALAVRA UM CORDEL REALIZAR. O TÚLIO PINTA E BORDA ANDA DE PERNA DE PAU FAZ CORRIDA E RODINHA DIVERTIDO SEM IGUAL A HELENA BRINCA MUITO COM O MUNDO ANIMAL CRISTIANE É DA MÚSICA SEU TRABALHO É AFINAR OS OUVIDOS E AS MÃOS AJUDA A SENSIBILIZAR ANDREA NA MATEMÁTICA NOS COLOCA PRA CONTAR.

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Após a leitura do cordel de minha autoria, os alunos aceitaram o desafio de compor, coletivamente, com a ajuda da professora, uma estrofe para O Cordel dos Tiradentes e esta foi, sem dúvida, uma experiência emocionante. Para realizarmos a escrita, primeiramente, partimos de uma caracterização da turma feita pelos próprios alunos, que iam falando sobre si mesmos e sobre um de seus grandes propósitos na escola: aprender a ler e a escrever. À medida que iam falando, eu ia registrando no quadro todas as informações para que elas pudessem servir, no momento seguinte, de elementos para a construção coletiva da estrofe. O trabalho foi conduzido pela professora, com perguntas e respostas, num diálogo interativo, dinâmico e participativo. À medida que os alunos apresentavam as ideias e respondiam às perguntas, eu oferecia a eles ora uma maneira diferente de dizer ora novas perguntas estimulando a reflexão e a observação da forma e do tamanho do verso. A participação comprometida e entusiasmada dos alunos favoreceu a produção coletiva do 1° ano, no gênero cordel, apresentado a seguir:

O PRIMEIRO ANO AMARELO ESTÁ SE ALFABETIZANDO PRA LER DE TUDO UM POUCO IR APRENDENDO E BRINCANDO E JUNTANDO AS LETRINHAS AS PALAVRAS VAI FORMANDO.

Nesta sextilha, o processo de ler e escrever se explicita e a reflexão sobre o próprio saber e sobre o aprender assume o caráter de metacognição. Ao mergulhar na experiência passada percebo como os espaços, tempos e vivências podem ser (re)significados. O processo de criação da sextilha coletiva foi para mim, como estar na água, me soltando na corrente, junto aos alunos na onda da criação. Ao me lançar na produção coletiva, todos nós, na mesma água, nos deixamos levar pela ―onda‖ da criação. Chauí nos fala sobre o aprender a nadar:

O professor de natação não pode ensinar o aluno a nadar na areia fazendo-o imitar seus gestos, mas leva-o a lançar n‘água em sua companhia para que aprenda a nadar, lutando contra as ondas, revelando que o diálogo do aluno não se trava com o seu professor de natação, mas com a água. O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas pela linguagem e pelos gestos do professor (CHAUÍ apud KRAMER, 2003, p. 21).

Finalmente, com o foco no envolvimento das famílias e em sua participação na vida da escola, na Festa Junina e, também, no processo de alfabetização e letramento, os pais foram convidados a ajudar as crianças a produzirem um relato das férias em forma de cordel. Nas duas últimas estrofes que fiz, foi feito um convite àqueles pais e alunos que quisessem se aventurar nesta deliciosa experiência que é escrever.

E ESPERO QUE VOCÊS UM POUCO TENHAM GOSTADO PONHAM LOGO MÃOS À OBRA E FAÇAM OUTRO ENFEITADO

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UM CORDEL DE OUTRO TIPO CRIATIVO E BEM RIMADO.

A volta às aulas após o recesso de julho trouxe além da enorme alegria do reencontro com as crianças, o fruto que pode ser colhido na aventura da leitura e escrita. Várias famílias aceitaram o convite e pudemos nos deleitar com suas viagens e aprendizagens.

Em um dos relatos produzidos em forma de cordel pela família de uma aluna, o momento da despedida das férias ficou eternizado. Neste verso são mencionados os sentimentos de Laura, tais como a alegria e o desejo de voltar para a casa dos avós, na cidade de Guaraciaba, para curtir novamente as férias no aconchego dos avós e repetir a diversão que teve por lá.

TUDO QUE É BOM DURA POUCO NA MEMÓRIA VOU GUARDAR ESPERO NAS PRÓXIMAS FÉRIAS PRA CASA DOS MEUS AVÓS VOLTAR CAMA ELÁSTICA, ESCORREGADOR, SORVETE PRA GUARACIABA QUERO VOLTAR.

Ao final de nosso trabalho em sala de aula e após a culminância dos trabalhos na escola com a Festa Junina, tivemos a oportunidade de contar nossa experiência na XI UFMG Jovem e IV FECEB. Os alunos puderam apresentar o que realizamos e para isso, o planejamento da fala em situações formais foi exigido. Neste caso, a objetividade e a organização da fala foram objetos de nossa atenção. O grande envolvimento dos alunos ao longo de todo o processo, dentro e fora da escola, nos rendeu uma inesperada premiação com o 1º lugar, o que é claro, nos alegrou tanto quanto a realização do trabalho.

Considerações finais

A noção de mediação como ponte, tornou possível o reconhecimento de diferentes mediadores no processo. Desta maneira, considero que a proposta do Núcleo de Educação Física, lançou luzes sobre um tema sobre o qual poderíamos fazer um trabalho em torno da Literatura de Cordel, naquele momento, para se articular às realizações da escola na Festa Junina.

A escola, por sua vez, na perspectiva do letramento escolar, ou seja, das práticas de leitura e escrita que se exercem dentro da escola para fins de aprendizagem da leitura e da escrita, pode ser considerada uma instituição mediadora da leitura de modo geral e, no caso deste projeto, da leitura literária.

A criação de uma comunidade de leitores pequenos, crianças de 6 a 8 anos, é decorrente de um conjunto de práticas realizadas no contexto escolar por meio dos projetos de leitura. Tais projetos podem ser entendidos também como mediadores da leitura literária, já que, em função da consistência e da sistematicidade destas práticas, permitem ao leitor uma familiarização e apreciação das obras literárias. A interação com obras literárias nos projetos Sacola de Leitura, Literatura em Família e Arquivo Poético produzem um contexto no qual se pode ver, tocar, sentir, falar, emocionar-se e compartilhar a

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experiência estética. Pontes de aproximação favorecem o alargamento da experiência de mundo e da experiência literária.

A biblioteca como espaço escolar privilegiado funciona como inquestionável mediador da leitura literária, pois promove e catalisa as experiências de leitura, devendo ser sistematicamente explorada. Entrar na biblioteca e se apropriar de seus rituais: busca de livros, seleção de obras, leitura, indicações posteriores, são aprendizagens importantes na formação do leitor. Dentre o conjunto de ações desenvolvidas sistematicamente e concomitante à realização do projeto O Cordel dos Tiradentes esteve o uso da biblioteca.

A participação da família como importante instituição mediadora de leitura também foi estimulada pelas ações dos projetos de leitura literária e, de forma específica, pelo Projeto O Cordel dos Tiradentes. A semente da criação de cordéis mostrou-se fecunda e extrapolou o ambiente escolar, mostrando que a experiência estética pode ser construída por meio da afetividade e da sensibilidade por diferentes sujeitos.

As estratégias lúdicas de exploração do tema possibilitaram que a palavra se tornasse um brinquedo para professora, alunos e famílias. A leitura e a escrita literária se concretizaram como uma experiência rica e prazerosa. A Literatura de Cordel foi nosso alvo e por meio dela pudemos nos inscrever no jogo e registrar uma pequena parte de nossa história.

Referências

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KRAMER, Sonia. Infância, cultura e educação. In: PAIVA, Aparecida; EVANGELISTA, Aracy; PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia. (Org.). No Fim do Século: a diversidade – o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 9-36.

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MEDIAÇÃO DE LEITURA LITERÁRA: TAREFAS DO COTIDIANO DE UM PROFESSOR DE PORTUGUÊS

Gabriel Alexandre Prado de Oliveira Graduando em Letras/Faculdade de Letras/UFMG

[email protected] (31) 9936-9242 / (31) 3458-9084

Resumo

Este trabalho trata-se de um relato de uma experiência desenvolvida durante o 2º semestre de 2014, com os alunos das duas turmas de 1º ano do ensino médio do PEMJA (Projeto de Ensino Médio de Jovens e Adultos da UFMG). Esta experiência foi realizada no âmbito das atividades propostas pela FALE (Faculdade de Letras) dentro da grade curricular básica para graduandos em Licenciatura, o estágio obrigatório II. O qual deve-se estagiar por 60h em turmas do ensino médio. Disciplina que propõe ao aluno desenvolver habilidades que só a prática lhe fornece. A experiência foi moldada sob uma sequência didática, pensada no papel do professor como mediador de leitura literária, seguindo a realidade do PEMJA, projeto que possibilita jovens e adultos voltarem a estudar, de terminarem os anos de ensino obrigatório. O PEMJA em sua diretriz, tem investido na construção de uma base sólida para a implantação de um currículo interdisciplinar. Nesse contexto, possuiu um eixo EC (Expressão Cultural), em que agrupa além da disciplina de língua portuguesa, o que é comum em escolas regulares, a disciplina Literatura e outras Artes, o que deu mais tempo para apresentar os vários gêneros literários, num momento inicial, para depois aprofundar no estudo do gênero crônica. Para então, contribuir na possibilidade de os alunos desenvolverem a capacidade de criação, tendo foco principal o desenvolvimento da capacidade de leitura e produção de crônicas.

Foi constituído um conjunto de atividades direcionadas para um trabalho específico com o ensino da leitura de crônicas, visando o entendimento do gênero, com suas especificidades e para a construção dos significados do texto e para a formação do leitor literário no primeiro ano do ensino médio de jovens e adultos. Tais atividades selecionadas envolvem um trabalho com a obra literária ―Contos e crônicas para ler na escola‖ do escritor Nei Lopes, que serviram como mote para desenvolver o interesse pela leitura, pois a realidade das personagens se assemelham muito com a realidade descrita pelos alunos no cotidiano. Em sua prosa única, o escritor se aproxima com dos alunos com sua linguagem corriqueira, com seus causos provenientes de uma classe social menos desfavorecida, que tem de ver sempre a possibilidade de ganho em qualquer ação. Com suas personagens, Nei Lopes trouxe um brilho diferente no olhar dos alunos, e despertou-lhes o interesse, a curiosidade de se verem também como escritores. Os resultados apontam que os alunos ultrapassaram o processo de decodificação da leitura, adquiriram leitura mais fluente, com velocidade, ritmo e entonação. Enfim, o trabalho permite concluir que o ensino de leitura e produção literária baseado em certas estratégias associadas a um tratamento adequado da leitura literária na sala de aula, propicia que os alunos tenham mais prazer, autonomia e competência para ler e criar. Palavras-chave: Literatura; Ensino; Mediação de leitura.

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Abstract

This work it is an account of an experience developed during the 2nd half of 2014, with students from two classes of 1st year of high school the PEMJA (Secondary Education Project Youth and Adult UFMG). This experiment was carried out under the proposed activities by SPEAK (Faculty of Arts) within the basic curriculum for students in degree, the mandatory stage II. Who should be interning for 60h in high Ensio classes. Discipline that proposes the student to develop skills that only practice it provides. The experience was molded under a didactic sequence, thought the teacher's role as mediator in literary reading, following the reality of PEMJA, a project that enables young people and adults go back to school, complete the years of compulsory education. The PEMJA in its guideline, has invested in building a solid foundation for the establishment of an interdisciplinary curriculum. In this context, owned an EC shaft (Cultural Expression), which groups together the Portuguese language discipline, which is common in regular schools, literature and other arts discipline, which gave more time to present the various literary genres in a initial moment, then deepen the study of chronic gender. To then contribute to the possibility for students to develop capacity-building, with main focus on the development of reading ability and production chronicles. It was composed a set of activities directed to a specific job with the chronicles of reading instruction, for understanding of the genre, with its specificities and the construction of the text meanings and for the formation of literary readers in the first year of high school youth and adults. Such selected activities involve working with the literary work "Tales and chronic to read in escolade" writer Nei Lopes, which served as a motto to develop interest in reading, because the reality of the characters are very similar to the reality described by students in everyday. In his only prose, the writer approaches with students with their ordinary language, with its stories from a less disadvantaged social class, which must always see the possibility of gain in any action. With their characters, Nei Lopes brought a different brightness in the eyes of students, and aroused their interest, curiosity to also see how writers. The results show that students exceeded the decoding process of reading, acquired more fluent reading with speed, pace and intonation. Finally, the work shows that the teaching of reading and literary production based on certain strategies associated with proper treatment of literary reading in the classroom, allows students to have more pleasure, autonomy and competence to read and create. Keywords: Literature; Education; Reading mediation.

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Introdução

Sempre me interessei pela questão da leitura literária, por acreditar na possibilidade de novos conhecimentos, habilidades, e principalmente no despertar de sentimentos e emoções que promove essa prática. Entendo que uma obra de literatura de qualidade contribui para que o jovem desenvolva seu mundo linguístico e aprenda a melhor compreender a sim mesmo e ao mundo em que vivemos.

Na minha experiência enquanto aluno do curso de LETRAS, da UFMG, na ocasião, cursando a disciplina de estágio obrigatório no Ensino Médio, tive a oportunidade de vivenciar esse misto de ações que a literatura nos propõe.

Depois de ter estagiado no 1º semestre de 2014 em uma escola da rede pública de Belo Horizonte, com alunos dos anos finais do ensino fundamental, procurei no meu estágio de ensino médio, no 2º semestre de 2014, ter uma experiência nova, diferente. Daí o interesse de trabalhar com Jovens e Adultos, uma categoria de alunos extremamente singular, que une pessoas de várias faixas etárias, que por algum motivo não concluíram o ensino obrigatório no período regular.

Encontrei no PEMJA, a possibilidade de poder trabalhar com o ensino de literatura e a produção literária de forma interdisciplinar. O Projeto tem em seu DNA essa proposta, o caráter metodológico de trabalho consubstancia-se nos níveis de Extensão, Ensino e Pesquisa, direcionando para a realização de trabalhos interdisciplinares. Há duas frentes de atuação: a configurada entre coordenador de área e os monitores (alunos da graduação em formação) e a formação dos alunos caracterizados como jovens e adultos (alunos do PEMJA).

No que se refere à primeira atuação, os Coordenadores atuam como orientadores e parceiros nas atividades a serem desenvolvidas pelos monitores e na sua formação. São realizadas quinzenalmente reuniões de estudos com os monitores, enfocando o lado humanístico valorizando mais os princípios da educação do que aqueles relacionados ao ―ensino de‖, esses estudos servem de ferramentas para implementar efetivamente o trabalho interdisciplinar.

Com relação à segunda atuação – a que se refere à relação entre monitores e os alunos do PEMJA – os diferentes ambientes de aprendizagem (oficinas de madeira, mecânica, artes, laboratórios, biblioteca e salas de aula) são utilizados da forma mais interdisciplinar possível. As atividades programadas são discutidas e formuladas em conjunto com os monitores e coordenadores de todas as disciplinas que compõem cada eixo temático. No meu caso o eixo foi ―Expressão cultural‖ – que envolve as disciplinas português, inglês e artes visuais e cênicas.

Pude acompanhar as duas turmas de primeiro ano, e fiquei entusiasmado com a forma que a monitora utilizava a literatura, era admirável. Cheguei no momento em que a monitora trabalhava com os alunos o período artístico Barroco. No ensino desse recorte artístico, a monitora transitou pelas artes cênicas, pela música e também pela literatura. Houve uma excursão com os alunos a cidade histórica de Ouro Preto, para que os alunos vissem o quanto o barroco influenciou nossa sociedade. E também trouxe para a sala de aula imagens das igrejas europeias, para mostrar o que foi feito com o ouro

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extraído em nosso solo. Foi interessante ver a forma como ela transitava entre as artes para ensinar sobre o barraco. Mostrava o movimento de rebuscamento presente na arte e literatura barroca e evidenciava o período como sendo reflexo dos conflitos dualistas entre o terreno e o celestial, o homem (antropocentrismo) e Deus (teocentrismo), o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo presente no período renascentista. Trouxe também os textos de Gregório de Matos, descoberto pelos modernistas, foi o grande nome de nossa literatura nesse período, sendo batizado de Boca do Inferno ou Boca na Brasa. Entre seus textos trabalhados em sala de aula, a monitora destacou o poema "A cada canto um grande conselheiro", no qual o autor critica os governantes da "cidade da Bahia" de sua época. A turma chegou ao entendimento que a crítica é, no entanto, atemporal e universal - os "grandes conselheiros" não são mais que os indivíduos (políticos ou não) que "nos quer(em) governar cabana e vinha, não sabem governar sua cozinha, mas podem governar o mundo inteiro". A figura do "grande conselheiro" é a figura do hipócrita que aponta os pecados dos outros, sem olhar aos seus. Em resumo, turma chegou ao consenso que é aquele que aconselha, mas não segue os seus preceitos.

Fui informado pela monitora que o próximo conteúdo que seria estudado pelos alunos era gêneros literários, e que eu poderia inserir a minha prática focando nesse conteúdo. Tendo em mente o conteúdo a ser passado para os alunos, busquei criar uma proposta de trabalho que abarcaria tanto a leitura literária quanto a produção literária pelas duas turmas. Foi então que decidi que trabalharia com eles a produção de um caderno de crônicas, que seria produzido e organizado por todos os alunos, com a minha ajuda e do próprio PEMJA.

Metodologia

A metodologia utilizada para este trabalho foi a pesquisa qualitativa, pesquisa bibliográfica, observação e atuação de campo. Esta pesquisa realizou-se em duas turmas de 1º ano do PEMJA (Projeto Ensino Médio para Jovens e Adultos), durante o 2º semestre de 2014, em 10 aulas de 50 minutos. O projeto é desenvolvido nas dependências do COLTEC (Colégio Técnico) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). O PEMJA tem por objetivo desenvolver um amplo espaço Pesquisa, Ensino e Extensão, dentro da Universidade Federal de Minas Gerais, respondendo à demanda da comunidade, intra e extramuros, tendo como ponto de partida o princípio da responsabilidade social da comunidade acadêmica, para se consolidar a formação, a integração e a cidadania de Jovens e Adultos num projeto de educação interdisciplinar. Oferecendo aos funcionários da UFMG e da comunidade externa, que não tenham concluído em tempo hábil, sua formação no Ensino Médio, a possibilidade de fazê-lo com qualidade e eficiência, além de possibilitar, de acordo com as suas necessidades e segundo seu interesse, prosseguimento nos estudos formais.

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O despertar da criação

A primeira aula que estive a frente das turmas foi caracterizada pela exposição dos motivos que me levaram até aquele momento, e de meus objetivos de trabalhar com eles. Expus que iria dar continuidade do conteúdo programado pelo PEMJA, que seria o ensino dos gêneros literários, mas que iriamos nos aprofundar em um subgênero específico: Crônica. E que se a turma se interessasse, poderíamos produzir um caderno de crônicas, com os textos desenvolvidos por eles ao longo de minhas aulas.

Na segunda aula, lhes apresentei o cronista brasileiro Nei Lopes, que além de escritor é também compositor, intérprete de música popular e estudioso das culturas africanas, no continente de origem e na Diáspora. Bacharel em Direito e Ciências Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, tem publicada em livro vasta obra toda centrada na temática africana e afro-originada. Os alunos gostaram muito das crônicas de Nei Lopes lidas em sala de aula, e viram que a linguagem utilizada pelo autor era muito próxima da realidade cotidiana de muitos deles. Espaço de diálogo e interação, base importante quando se trabalha com a literatura.

Foi um período de quase três meses acompanhando e construindo com as duas turmas. Vivenciando esta experiência, de práticas e criação consistentes, de cuidado e zelo na formação dos alunos. Práticas essas que me influenciaram e contribuíram em minha formação acadêmica. Percebi o quanto o uso da literatura, deve ser primordial no desenvolvimento do ser humano, a literatura instiga a criatividade, a sensibilidade, a imaginação, a interação e principalmente ouvir as pessoas e suas experiências, me fez crer no meu trabalho com a literatura. No fim do estágio, pude organizar um caderno de crônicas produzido pelos alunos das duas turmas. O caderno de crônicas teve uma tiragem de quarenta exemplares patrocinada pela secretaria do projeto. Todos os alunos ajudaram na produção dos exemplares, trazendo tesouras e tecidos para a amarração das páginas que compõe a obra. Cada aluno ganhou um exemplar, assim como a secretária do projeto e as monitoras das duas turmas.

O aluno, com o desenvolvimento da prática social de leitura, em especial para este trabalho, a literária, vivencia uma gama de oportunidades voltada para o conhecimento intelectual. Podemos citar algumas dentre elas: a reflexão, a compreensão, a criticidade e a sensibilidade estética. A leitura deve proporcionar ao estudante a possibilidade de interagir em diversos mundos, compreendendo a leitura como diálogo entre leitor e texto, sendo importante a recepção ativa do leitor.

Trabalhar o tema da literatura na formação de leitores nos Ensino Médio para Jovens e Adultos me faz refletir sobre como essas pessoas nas escolas têm sido apresentadas a esse tão importante instrumento de inserção social e de descoberta do mundo.

Deste modo, a reflexão sobre o ensino e incentivo da literatura na escola é de suma importância nos dias de hoje. O presente trabalho teve, portanto, por objetivo analisar os espaços de mediação de leitura literária no processo de

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formação de leitores e refletir sobre os fatores que impedem a formação de sujeitos leitores.

Conclusão

A experiência de estágio me levou a refletir sobre a contribuição da literatura na formação de leitores, como também dos espaços de mediação da leitura literária. Estes espaços devem garantir a qualidade de acervos e, principalmente o de mediação. A escola para boa parte de seus alunos é o único espaço de acesso a livros, então é importante favorecer este acesso e, disponibilizar acervos de qualidade com repertório diversificado, de forma a contribuir para o desenvolvimento e formação das crianças.

É reconhecido que o professor deva proporcionar encontros entre os alunos e as obras literárias de qualidade, utilizando-se de uma metodologia adequada e, contribuir para que este espaço utilizado para leituras desperte a atenção deles, aguce a criatividade e entretenimento. O professor é o agente mediador na construção de alunos leitores. Ele faz o elo do leitor iniciante ao mundo da literatura. O professor promove o acesso das obras literárias ao alcance dos jovens e adultos, de forma que o educando faça diferentes interpretações deste material, e se enriqueça culturalmente.

E esta foi uma prática diária da turma observada, a monitora tinha como prática o diálogo, a interação, a troca de experiências, a associação dos textos, elementos que visam contribuir para uma melhor compreensão do que se lê. Quando o assunto não é de conhecimento do leitor, ele não tem como relacionar as informações do texto com conhecimentos anteriores. (BRASIL, 2010, p. 86).

Com relação aos espaços de mediação de leitura entendemos que possuem a responsabilidade em despertar nas crianças e alunos a prática de leitura. São espaços de autonomia e liberdade, que conduz os alunos aos encantamentos da literatura. Estes espaços, portanto, devem primar por qualidade de acervo, com o fim de promover o enriquecimento cultural de seus educandos. Assim, é importante que se ofereça aos alunos múltiplas experiências de leitura, de modo a ampliar o repertório literário, interação com os livros de maneira prazerosa, reconhecendo-o como fonte informação e, sobretudo entretenimento, propiciar momentos de compartilhamento de experiências leitoras e também o confronte de interpretações.

Ressalto, portanto, a necessidade de as escolas abrirem espaço para literatura, promovendo assim o diálogo interativo entre leitor e o texto, distante do caráter do didatismo e da instrumentalização pedagógica, e que não despreze a função lúdica da leitura literária, para que se possa formar leitores plurais e, como resultado cidadãos dotados de autonomia, senso crítico, preparados para a vida social.

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Referências

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COSSON, Rildo. O espaço da literatura na sala de aula. In: PAIVA, Aparecida et al. Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. p. 55-68.

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LAJOLO, Marisa. O que é literatura. São Paulo: Brasiliense, 1982.

ZILBERMAN, Regina. Leitura Literária e outras leituras. In: BATISTA, Antônio Augusto Gomes, GALVÃO, Ana Maria Oliveira (Org.). Leitura: práticas, impressos, letramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 71-87.

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A UTILIZAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA PARA O DESENVOLVIMENTO DA COMPREENSÃO LEITORA DE UMA TURMA DE

2º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Geise Santana da Rocha Maciel Escola Municipal Milton Campos

[email protected] (31) 3456-3906

Resumo

O presente trabalho refere-se a um plano de ação desenvolvido em uma turma de segundo ano do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Municipal de ensino de Belo Horizonte. Esse plano de ação foi realizado no âmbito das atividades propostas no LASEB (Curso de Especialização em Formação de Educadores para Educação Básica) e constituiu-se por um conjunto de atividades direcionadas para um trabalho específico com o ensino da leitura, visando refletir sobre os fatores que contribuem para o desenvolvimento de capacidades de leitura, para a construção dos significados do texto e para a formação do leitor literário nos primeiros anos de escolarização. Tais atividades selecionadas envolvem um trabalho com a obra literária ―Romeu e Julieta‖ da escritora Ruth Rocha e outras versões desta história, que serviram como mote para desenvolver diferentes estratégias de leitura com os alunos, visando, sobretudo, a compreensão textual. Durante o projeto foram contemplados três momentos: antes da leitura, durante da leitura e depois da leitura buscando implantar novas estratégias de leitura que conduzam o aluno a uma visão mais ampla do texto. Os alunos foram levados a ler e discutir as obras, elaborar hipóteses, estabelecer relações articulando os conhecimentos prévios a novos conhecimentos, percebendo, por exemplo, que uma obra pode ter várias versões e que os sentidos do texto não se apresentam como algo pronto e acabado, mas são construídos na interação com o leitor. Para isso, esse trabalho respaldou-se em alguns autores especialistas no campo da Leitura como Ângela Kleiman, Delaine Cafiero, , Isabel Solé, Magda Soares, Ezequiel Silva, entre outros que propõem discussões e esclarecimentos sobre esta temática. Baseado no interesse e entusiasmo da turma durante a realização deste projeto, pode se dizer que o objetivo traçado foi alcançado satisfatoriamente, pois o trabalho realizado com as estratégias de leitura mobilizam o desenvolvimento das capacidades relacionadas à compreensão textual. Os resultados apontam que os alunos ultrapassaram o processo de decodificação da leitura, adquiriram uma leitura mais fluente, com velocidade, ritmo e entonação. Enfim, o trabalho permite concluir que o ensino da leitura baseado em certas estratégias associadas a um tratamento adequado da leitura literária propicia que os alunos tenham mais prazer, autonomia e competência para ler. Palavras-chave: leitura; estratégias; construção de significados e compreensão.

Abstract

This paper refers to an action plan developed in a second year elementary class of at the Municipal neighborhood. This action plan was constituted by a set of activities directed to specific classroom work with reading, aimed at reflecting on the factors that contribute to the development of this skill and the construction of textual meaning. These selected activities involve work with Ruth Rocha‘s "Romeo and Juliet" adaptation and other versions of this story, which served as a guide for the development of different reading strategies with students, directed mainly at textual understanding.Three different moments were analyzed on the project (before, during,

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and after the reading stage) in order to implement new reading strategies that lead students to attain a broader vision of the text. Students were led to read and discuss the literary works, to develop hypotheses, and to establish relations while articulating the previous knowledge to new knowledge, realizing, for example, that a literary work can have multiple versions and that the text is not given data, but one built on interaction with the reader. For this task, this work used the references of experts on reading, Kleiman, Cafiero and Isabel Solé , who propose discussions and clarifications on this issue. Based on the interest and enthusiasm of the group during the course of this project, it can be said that the set objective has been achieved satisfactorily, since the work done with the reading strategies mobilized the development of skills related to reading comprehension. The results show that students went past the decoding process of reading and acquired a more fluent reading with better speed, pace and intonation. It can be concluded that the teaching of reading based on certain strategies helped the students to have more pleasure, autonomy and competence to read. Keywords: Reading; strategies; meaning construction and understanding.

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Introdução

Este trabalho trata do desenvolvimento do plano de ação realizado na Escola Municipal Milton Campos como parte da disciplina de ACCP - Análise e Crítica da Prática pedagógica do curso do Laseb/UFMG - e discursa sobre a temática da leitura. Através do projeto busquei dar resposta para as seguintes questões: por que nos deparamos com tantas dificuldades no processo de aprendizagem dos alunos em relação à leitura e compreensão após a fase da decodificação?; como trabalhar para que os alunos alcancem a compreensão na leitura?; qual o papel do professor nesse processo enquanto mediador do ensino da leitura?

O público alvo desta investigação é uma turma de 2º ano, do 1º ciclo, na qual a maioria das crianças já estava alfabetizada e eram capazes de decodificar pequenos textos, mas demonstraram dificuldades para compreendê-los. Enquanto profissional da Educação, percebi a necessidade de incentivá-los no desenvolvimento de estratégias para ler, ampliando a compreensão leitora.

Durante o processo de alfabetização procuro sempre incentivar o prazer pela leitura por meio de contação de histórias, rodas de leitura deleite, confecção de livros literários, saraus, sacolinha literária, além de passeios envolvendo o ato de ler. Mesmo com todos esses procedimentos sintia a necessidade de um trabalho pedagógico centrado no ensino das estratégias de leitura, envolvendo as habilidades de letramento.

Como professora alfabetizadora, acredito que a leitura é um dos processos importantes que leva o sujeito a exercer sua cidadania na sociedade. A leitura é também uma atividade complexa que implica o uso de várias estratégias e procedimentos que precisam ser ensinados na escola, pois mesmo depois que os alunos já estão alfabetizados é necessário continuar ensinando a ler, para que eles possam ampliar as capacidades envolvidas nesse processo.

Justificativa

A escola onde foi desenvolvido este plano de ação atende uma clientela carente, em sua maioria oriunda de famílias das classes populares, com nível de escolaridade baixo. Para alguns alunos é a primeira experiência escolar a que têm acesso.

Durante minha trajetória enquanto alfabetizadora sempre tive o compromisso com o avanço do conhecimento do aluno em relação à aquisição da leitura e escrita, preocupando-me também em tornar esse processo prazeroso, despertando nos alunos o desejo de aprender.

No decorrer dessa caminhada na Educação venho buscando diferentes estratégias não só para alfabetizar, como também para letrar com o objetivo de formar bons leitores. Entretanto, percebo que a maior parte das crianças desenvolve o aprendizado da leitura com compreensão, mas muitas crianças não conseguem ultrapassar a fase da decodificação. Inclusive há caso de alunos que encerram o 1º ciclo sem alcançar esta competência.

A turma em que este trabalho foi desenvolvido pertence ao 2º ano do ensino fundamental na qual dei continuidade ao trabalho desenvolvido no ano

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anterior, sendo composta por 24 alunos sendo 12 meninas e 11 meninos com a faixa etária de 7 anos. Todos reconhecem e registram as letras do alfabeto, identificam relações entre fonemas e grafemas, além disso, a maioria apresenta linguagem oral satisfatória para a faixa etária em que se encontram. Conseguem transmitir recados e relatar fatos com clareza e organização de ideias.

No processo de aquisição da escrita 20 alunos eram alfabéticos em construção das regras ortográficas e 03 alunos estavam no nível silábico-alfabético. No âmbito da leitura, alguns se encontravam num nível bem inicial, decifravam corretamente, mas tinham dificuldade em entender o que estavam lendo tornando a leitura mecânica e sem sentido. Poucos alunos conseguiam ler pequenos textos estabelecendo relações.

Foi possível perceber também que as crianças demonstravam interesse pela leitura, pois recorriam ao cantinho de leitura com frequência na sala de aula, transitavam pela escola tentando ler cartazes, murais, folheiam livros e revistas buscando informações, liam gibis que traziam de casa ou emprestados pela biblioteca. No entanto, a dificuldade de alguns em realizar uma leitura com compreensão fazia com que eles ficassem desmotivados. Eles não conseguiam entender o que estavam lendo e precisavam de ajuda do outro na interpretação.

Tendo em vista os assuntos expostos acima é possível afirmar a necessidade de um trabalho mais sistematizado e fundamentado, que possa embasar as atividades de leitura articulando teoria e prática. Por isso, a proposta desse trabalho foi propor um plano de ação voltado para o desenvolvimento e avanço da leitura dentro de uma concepção interacionista, na qual o aluno assuma a condição de construtor de sentidos a partir da articulação de seus conhecimentos prévios com o texto.

Objetivo Geral

● analisar o processo de aprendizagem da leitura em uma turma de segundo ano do ensino fundamental.

Objetivos Específicos

● compreender como a literatura infantil pode contribuir na compreensão da leitura através da aplicação de uma sequência de atividades específicas de leitura;

● discutir quais estratégias o professor pode criar para favorecer o ensino da leitura.

Metodologia

Através de uma pesquisa de caráter qualitativo, foi realizada uma prática de intervenção em sala de aula, cujo método adotado é o da observação participante baseada nas aulas e nas interações entre os alunos envolvidos, tendo como alvo as práticas de leitura desenvolvida. Foram explorados também outros instrumentos para coleta de dados como registro das aulas e

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observações no diário de campo, fotografias, conversa com os alunos e pais, filmagens e reflexões.

Tal ação visou atender aos objetivos propostos que consistia, em termos gerais, promover estratégias de ensino da leitura com a mediação do professor buscando ampliar a compreensão leitora dos alunos para além da decodificação. Isso se configura em um desafio, uma vez que se trata de uma dupla ação: uma de observação como pesquisadora e a outra como uma atividade cotidiana de docência. Além disso, foram implantados movimentos de aproximação e distanciamento com o intuito de buscar compreender como minha prática afeta o processo cognitivo dos alunos.

Apesar de treze anos de experiência com a alfabetização e dos vários cursos de formação continuada, ainda não conhecia de forma sistemática as teorias sobre o ensino de leitura, isto é, faltavam-me os saberes necessários para ensinar a leitura de forma mais eficiente para os meus alunos. Durantes as aulas, a professora Delaine apresentou a especificidade deste processo e os autores que discutem esta temática como Ângela Kleiman, Frank Smith, Roxane Rojo, dentre outros. Com essas indicações foi possível buscar articulação entre teoria e prática a fim de ajudar os alunos a desenvolver a leitura com compreensão, pois estes estudos me permitiram perceber que nós, professores, precisamos conhecer a teoria para embasarmos nossas práticas, contribuindo para que nossas aulas possam realmente levar o aluno ao aprendizado eficaz da leitura, Além do mais, devemos atuar como mediadores deste processo.

Considerando estes aspectos, proporcionei aos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental um conjunto de atividades específicas a partir de intervenções antes, durante e depois da leitura literária no qual busquei incentivar o gosto pela leitura. Articulando diferentes áreas de conhecimento e principalmente a literatura, procurei direcionar o aluno ao sucesso na tarefa de leitura, pois, segundo Saraiva

Os textos literários favorecem o processo de alfabetização, o enriquecimento do vocabulário, a capacidade de elaboração de inferências, a possibilidade de estabelecer relações contextuais são outros benefícios que advém da familiarização do alfabetizando com os textos literários. (SARAIVA, 2001, p. 85).

Partindo do pressuposto de que a leitura é imprescindível na construção do sujeito leitor e a literatura pode levá-lo a um mundo novo por meio da imaginação, foi proposto um trabalho com o objetivo de afirmar a importância da leitura literária na construção do sujeito leitor. Conforme afirma a escritora e poetisa Cecília Meireles, "[...] a Literatura não é, como tantos supõem, um passatempo. É nutrição‖, (MEIRELES, 1951, p. 25).

Dessa forma, o livro selecionado para este trabalho foi ―Romeu e Julieta‖, escrito por Ruth Rocha, publicado em 2009 pela editora Moderna, em São Paulo. Uma obra adaptada e baseada no clássico de Shakespeare. Escolheu-se este livro pela qualidade textual, adequação da faixa etária ao público alvo, estética da obra e por ser uma escritora expressiva da literatura infantil.

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O livro narra a história das personagens Romeu e Julieta, duas crianças-borboletas que juntas saem de casa para explorar o mundo. Usando o campo imaginário de um jardim das cores das borboletas e canteiros, a autora aborda enquanto conteúdo temático, a questão da diversidade mostrando que amizade não se abala diante do preconceito e das diferenças. Como citou Ruth Rocha no início da obra Romeu e Julieta, ―há muito tempo, não muito longe daqui, havia um reino engraçado‖. Nesse trecho citado da obra há uma analogia com nossa realidade, trabalhando o preconceito, a discriminação que ainda estão presentes em nosso meio e que, conforme a história, ―só podem ser vencidos com a união e a convivência harmoniosa de todos‖ (ROCHA, 2009, p. 5).

Para o desenvolvimento do projeto solicitamos à direção da escola a compra de um livro para cada criança, a fim de que elas pudessem, de posse do livro, explorá-lo melhor, manuseá-lo, olhar as imagens, imaginar os acontecimentos.

Referencial Teórico

Apesar de ser uma temática bastante discutida no cenário educacional, a leitura ainda se constitui como um grande desafio para a escola. Uma das principais dificuldades e, por que não dizer a maior, é o desenvolvimento da compreensão leitora. Ler e entender aquilo que está sendo lido vão além da decifração do código e muitos alunos não conseguem vencer esta etapa, estacionam numa leitura superficial do texto, localizando com dificuldade as informações explícitas. Muitos não conseguem inferir, comparar, estabelecer relações e a intertextualidade.

Mas o que seria compreender textos? Quais seriam as maiores dificuldades para se compreender um texto? Que conhecimentos os professores precisam saber sobre o processo de leitura para uma ação pedagógica mais eficaz? Quais estratégias o professor pode e deve usar para desenvolver a compreensão leitora?

O domínio da leitura e escrita é hoje um requisito imprescindível para a vida em sociedade. Desde os níveis mais simples como entender uma receita culinária ou pegar um ônibus até as mais complexas como ler o conteúdo de uma questão de vestibular, a leitura permeia as relações humanas. A compreensão de um texto é um ato complexo que envolve diferentes processos cognitivos e sociais, não é simplesmente decifrar o que está escrito, mas é perceber o que está além, estabelecer relações, inferir, acionar conhecimentos de forma que se possa discordar ou concordar com o que está escrito.

Para tanto, serão analisados os estudos de alguns autores que há algum tempo vêm discutindo esta temática, como Ângela Kleiman, Magda Soares, Roxane Rojo, Delaine Cafiero, Ezequiel Silva, dentre outros.

A prática frequente de leitura dos mais variados gêneros textuais que circulam na sociedade é condição fundamental para o aluno constituir-se como leitor crítico, sujeito que, diante do texto, faça constatação, ou seja, desvele o sentido primeiro do texto. Também reaja questionando-o, apreciando-o com criticidade e o transforme, isto é, haja sobre o conhecimento através da leitura.

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Sabemos que a aprendizagem da leitura é um processo que começa antes da criança entrar para a escola. Ela convive com a leitura em seu meio social, seja através de livros, seja por meio da televisão, de computador, de revistas, rótulos de produtos, etc. Enfim, no seu cotidiano ela acaba tendo contato com diferentes tipos de leitura, mesmo não dominando o sistema de ler e escrever. Soares afirma que:

Desde muito cedo a criança convive com práticas de letramento, vê pessoas lendo ou escrevendo, folheia gibis, revistas, livros, identifica a escrita nas ruas, no comércio e assim vai se familiarizando com as práticas de leitura e escrita e também desde muito cedo inicia seu processo de alfabetização. Observa textos escritos à sua volta, e vai descobrindo o sistema da escrita, reconhecendo algumas letras, algumas palavras. (SOARES, 2010, p. 17).

Assim, a criança desde pequena já é capaz de construir seu próprio conhecimento e descobrir o mundo que a rodeia tendo interesse de conhecer e se apropriar da linguagem escrita.

Desde a educação infantil é importante inserir a criança num contexto de práticas de leitura e escrita para, aos poucos, ela perceber que aquilo que está escrito tem um sentido, tem um significado e não sejam apenas códigos.

Embora muitas crianças tenham este contato desde muito cedo, para algumas a escola ainda é o lugar onde este processo é iniciado. Por isso, deve-se garantir que esta atividade seja realizada de forma significativa e prazerosa e não mecanicamente, pois, quando a criança consegue perceber o valor e utilidade da leitura, ela aprende a gostar de ler, se envolve mais, se torna um leitor ativo que não lerá só por obrigação, mas para seu próprio enriquecimento.

Inicialmente, ensinar a ler é alfabetizar, é levar a criança a se apropriar do sistema de escrita alfabética e ortográfica da língua escrita. Porém, o domínio do código escrito não significa que o processo está concluído, uma vez que ler não é somente decodificar, esse é apenas o primeiro passo para a leitura. De acordo com Cafiero

A decodificação é o momento inicial da leitura, no qual executamos basicamente, o reconhecimento de palavras e o processamento sintático. Isto é, juntamos letras para formar sílabas, as sílabas em palavras e as palavras em frases. (CAFIERO, 2005, p.31).

No processo de alfabetização o aluno aprende a decifrar o código da língua, mas depois é necessário que ele amplie essas capacidades, pois ler é mais do que isso. Ler é compreender o texto de maneira mais profunda e complexa. É preciso considerar que o aprendizado da leitura não termina na alfabetização, sendo papel da escola ampliar as capacidades de leitura ao longo dos anos. O desenvolvimento das capacidades linguísticas de ler e escrever com compreensão não acontece espontaneamente, pois são processos que exigem sistematização e envolvem várias habilidades, desde reconhecer as letras do alfabeto, transformá-las em sons, relacionando grafema e fonema até construir o significado de palavras e frases e integrá-las

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ao sentido global do texto realizando inferências baseadas no próprio conhecimento de mundo.

Nesta perspectiva, o trabalho de alfabetização precisa de elementos fundamentais para que o aluno chegue à compreensão para além da decodificação. Então o desafio que se coloca é fazer com que os alunos dominem o princípio alfabético da escrita e ao mesmo tempo avancem na leitura e compreensão dentro de práticas de letramentos.

Para Rojo (2002), o leitor precisa fazer três grandes movimentos para aprender a ler sendo a primeira a decodificação, o segundo a compreensão em que o leitor precisa checar hipóteses, localizar informações, generalizar, comparar, inferir e por último a apreciação e réplica no qual o leitor precisa situar o texto. Também saber sua finalidade, dialogar e relacioná-lo a outros textos, assim como reagir ao texto, elaborar apreciações, discordar e se posicionar frente ao texto.

Essas capacidades precisam ser trabalhadas de forma integrada. Não é preciso trabalhar a decodificação para depois a compreensão. O que se observa é que geralmente a escola fica só na habilidade de localização de informações e não se preocupa em desenvolver a compreensão leitora.

Todavia, é importante ressaltar que se a escola ensina o aluno somente a decodificar, ela não estará preparando o aluno para a vida e é por isso que o alfabetizar e o letrar devem caminhar juntos, pois na medida em que as crianças vão se alfabetizando também vão adquirindo as competências para usar a leitura e a escrita em seu cotidiano.

É papel da escola formar bons leitores, direcionando seu trabalho para práticas que visem o ensino da leitura vinculado a sua utilização social, para que a partir daí o aluno consiga enfrentar os desafios da vida em sociedade.

Assim, ao pensar no trabalho com a leitura no contexto escolar e nas possibilidades de desenvolvimento da compreensão leitora, faz se necessário refletirmos sobre este processo, pois há diferentes formas de compreender o ato de ler.

Kleiman (2013) mostra que existem diferentes abordagens sobre o ensino da leitura e a concepção que predomina atualmente é a de leitura como prática social proporcionando a ampliação da participação do leitor.

Nesse mesmo sentido, Silva (1997) destaca dois tipos de concepções comuns nas escolas: as concepções redutoras de leitura e as concepções .De acordo com esse autor, a utilização dessa concepção pelo coletivo da escola pode produzir leitores ―mancos‖, porque estarão praticando a leitura durante sua formação a partir de teorias simplistas que não contribuem para a formação de um leitor competente.

Já na concepção interacionista, a leitura é prática social que possibilita a produção de sentidos pela qual o leitor age sobre o texto através da articulação de seu conhecimento prévio e se posiciona diante do texto. Ao invés de apenas extrair informações que estão prontas, a compreensão vai acontecendo durante a leitura e não após (SILVA, 1997).

Para que esta concepção seja uma realidade nas escolas, faz-se necessário reestruturar o trabalho com a leitura envolvendo toda comunidade escolar. A formação de leitores não acontece apenas com o trabalho de um ou dois professores, mas deve fazer parte de um projeto global da escola, onde

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todos os professores, de todas as séries, podem juntos buscar os mesmos objetivos, isto é, a formação de bons leitores. A melhora no resultado do ensino requer o esforço, a dedicação e a cooperação de todos os profissionais.

Para que a compreensão seja ativada, é preciso fazer uso de estratégias cognitivas e relacionar vários tipos de conhecimentos. Há uma especificidade nesse processo que exige estratégias e procedimentos adequados para que o aluno compreenda um texto, encontrando sentido ao que lê. De acordo com Solé (1998), a leitura é um processo de interação entre o leitor e o autor. Não mais se concebe a leitura como mera decodificação de um texto, mas como produção de sentidos pelo leitor, com base em relações que este estabelece entre seus conhecimentos prévios e as informações textual.

Quanto mais o leitor interagir com o texto, maior a possibilidade de ele realizar inferências, ter mais fluência e velocidade na leitura. Para isso, pressupõe-se um ensino da leitura voltado para o desenvolvimento de capacidades que sejam trabalhadas de forma associada a práticas de letramento centradas na compreensão de textos, de modo que o leitor reflita sobre o mundo e interaja sobre ele. Rojo ressalta que:

A escolarização brasileira não leva a formação de leitores eficazes, porque as práticas de leitura e letramento não desenvolvem senão uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas exigidas pela sociedade. (ROJO, 2002, p 1).

A leitura, desta forma, é uma atividade que precisa ser ensinada, é importante que o aluno descubra, estabeleça relações, reflita e construa significados. Solé (1998) pontua que é fundamental a criança aprender a utilizar as estratégias de leitura a fim de que se torne um leitor eficiente e autônomo.

Porém, nas aulas de leitura, se perde muito tempo com atividades de cópia, de repetição, de respostas a questionários e, portanto, não sobra tempo para discussão de ideias e exploração adequada dos textos. Ainda hoje, é comum trabalhar a leitura apenas através de interpretações de textos trazidas pelo livro didático e atividades extraclasses, constituídas de resumos dos textos, fichas de leituras em sala de aula, com objetivo maior de recontar a história lida, e, muitas das vezes, é feita somente a leitura individual e silenciosa. As fichas de leitura, muito usadas, geralmente são voltadas para identificação de dados, servindo de simples confirmação da leitura feita.

Assim, o trabalho com a leitura se limita a apresentar diversas perguntas relacionadas ao conteúdo de um texto, preencher fichas relacionadas a ele ou ainda, tomar o texto como pretexto para trabalhar aspectos de sintaxe morfológica, ortografia, vocabulário e, eventualmente, apresentar algumas questões de compreensão. Sabe-se que a utilidade dessas atividades na aprendizagem da leitura e de outros aspectos da linguagem é importante, porém, é preciso que se tenha uma visão mais ampla da leitura, um objetivo mais geral para o seu ensino, que consista em formar bons leitores não só para o ambiente escolar, mas para a vida. Também percebe-se que o trabalho com a compreensão da leitura ainda é utilizado muitas vezes como recurso

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avaliativo apresentando se como uma área de grande dificuldade para os alunos.

A leitura é uma atividade dinâmica que precisa ser sistematizada sendo necessário criar em sala de aula uma rotina de leitura articulada aos momentos de leitura oral, silenciosa, compartilhada de forma significativa para os alunos, ajudando-os a descobrir como ler, oferecendo a eles desafios, deixando claros os objetivos de cada leitura para facilitar a compreensão.

Para que as dificuldades de compreensão sejam superadas é importante que se trabalhe nesta perspectiva desde o início da alfabetização.

É importante que o professor leve em conta que cabe a ele atuar como mediador entre as crianças e o mundo da escrita e que, quanto menor é o grau de autonomia de seus alunos na leitura e na escrita, maior será seu papel como um modelo de leitor, capaz de dar um suporte ao aprendizado dos alunos, lendo e explicando os textos em voz alta, apresentando como se planeja e produz um texto, explicitando o modo de funcionamento dos textos que se leem, seus objetivos, suas condições de produção, seu modo de circular, seus suportes, de modo a modelar o comportamento leitor de seus alunos. (BATISTA, 2010, p. 23).

Neste sentido, o professor exerce um papel de grande importância ao propiciar a aprendizagem em leitura, ele atua como mediador que ensina o aluno a ativar o conhecimento prévio, formular hipóteses a fim de se tornar um leitor autônomo. E para tanto é preciso que ele conheça bem as estratégias de leitura buscando provocar a curiosidade, o interesse e a reflexão dos alunos, através de perguntas interessantes sobre o texto, enfim ensinando como se faz para ler. É Kleiman quem afirma:

Na aula de leitura, em estágios iniciais, o professor serve de mediador entre o aluno e o texto. Nessa mediação, ele pode, dependendo dos objetivos da aula, fornecer modelos de estratégias específicas de leitura, fazendo predições, perguntas, comentários. (KLEIMAN, 2013, p. 40).

Tendo em vista o rol de autores expostos acima é possível concluir que a utilização de estratégias de leitura compreende três momentos: o antes, o durante e o após a leitura. Primeiro é feito uma análise do texto como um todo, isto é, do título, dos tópicos e das ilustrações, predições e também o uso do conhecimento prévio. Durante a leitura é feita uma análise da mensagem global pelo texto, uma seleção das informações relevantes, uma relação entre as informações apresentadas no texto e uma análise das predições feitas antes da leitura, para confirmá-las ou não. Depois da leitura é feita uma análise com o objetivo de rever e refletir sobre o conteúdo lido, ou seja, a importância da leitura, o significado da mensagem, a aplicação para solucionar problemas e a verificação de diferentes hipóteses apresentadas para o tema. Também é realizada uma discussão geral da leitura sobre o conteúdo lido após análise e reflexão.

A utilização dessas estratégias de leitura pelo professor exige preparo, planejamento e adequação a necessidades pedagógicas dos alunos,

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discutindo, antes e depois de ler os textos, os significados, as ideias para ampliar e chegar à compreensão.

Cafiero mostra que ―No âmbito escolar, há pouca ou nenhuma ação no sentido de desenvolver estratégias a serem realizadas antes, durante e depois do processamento de informações, com vistas a promover a compreensão‖ (CAFIERO, 2005, p. 47).

Kleiman também aponta que ―É durante a interação que o leitor mais experiente compreende o texto: não é durante a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre os aspectos relevantes do texto‖ (KLEIMAN, 1993, p. 24).

A conversa sobre os textos funciona como uma estratégia para se ensinar a compreensão. É preciso oportunizar a exploração do texto, criar possibilidades de reflexão, de crítica, de discussão de troca de ideias ao invés de simplesmente cobrar do aluno a cópia, a repetição e respostas a questionários, ou seja, é preciso ensinar a ler para depois avaliar se o aluno sabe ler ou não.

O professor exerce papel fundamental no processo de ampliação da compreensão leitora, na medida em que proporciona condições para facilitar a construção de significados do texto. O professor pode explorar as várias estratégias de leitura, no início e durante a apresentação do texto, formulando perguntas que levem o aluno a levantar hipóteses, fazer predições, perguntando sobre os conteúdos explícitos e implícitos, sobre sua opinião. É importante que estas estratégias sejam estimuladas, no decorrer das atividades e não somente quando os alunos terminam a leitura, como acontece muitas vezes na prática pedagógica.

A mediação do professor através de perguntas bem elaboradas pode auxiliar o aluno a compreender melhor o texto, estabelecendo relações entre o que lê e o que faz parte de seu conhecimento. É preciso aprender a teoria para então refletir, discutir, analisar e adequar sua prática constantemente.

Apresentação e Análise dos Resultados

Ao pensar na elaboração deste plano de ação busquei dar continuidade ao trabalho que já vinha desenvolvendo com a turma desde o primeiro ano, que era o de alfabetizar letrando. A turma já tinha se apropriado do sistema de escrita alfabética, estando em processo de construção das regras ortográficas, logo meu objetivo era promover estratégias de leitura para ampliar a capacidade de compreensão leitora, uma vez que a maioria destes alunos se encontrava no processo de decodificação da leitura. Diante disso, busquei como suporte um livro de literatura para construir estratégias de leitura a partir do mesmo.

Para tanto fiz a opção de trabalhar com uma obra da autora Ruth Rocha porque ela escreve com uma linguagem simples, porém com ideias profundas, cheias de humor e encantamento o que ajuda na interação da criança com a obra. Como a autora cita em sua biografia ―ela acredita na inteligência da criança, que é capaz de ler aquelas coisas que estão escondidas nas entrelinhas do texto‖ (ROCHA, 2009, p. 2). É justamente esse o objetivo deste plano de ação aguçar a inteligência da criança, a imaginação, a criatividade e o

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raciocínio, isto é, ajudar o leitor a compreender o texto através de ações como ―percepção, memorização, análise, síntese, estabelecimento de relações, previsão, levantamento de hipóteses, inferência, generalização e avaliação‖ (CAFIERO, 2005, p. 38).

Todo o desenvolvimento deste plano de ação esteve voltado para o trabalho com a compreensão textual, por isso foram realizadas várias atividades orais, escritas individuais, em duplas e coletivas. Para tanto, busquei priorizar três momentos de leitura: havia momentos em que lia para os alunos, funcionando como modelo de leitor. Em outros momentos fazia a leitura junto com eles na qual lia uma parte e os alunos acompanhavam em seus livros, e às vezes os próprios alunos espontaneamente pediam para ler em voz alta. Também houve momentos em que os alunos tinham a oportunidade de ler silenciosamente um texto, tendo a liberdade de fazer releituras necessárias ao seu próprio entendimento. Em cada momento os alunos eram levados a identificar, analisar e relacionar as imagens com o texto buscando propiciar o desenvolvimento da compreensão.

É importante situar que ao longo do ano o trabalho de leitura com esta turma já vinha acontecendo, através de leituras deleite no início ou final da aula, visita à biblioteca para empréstimo de livros, contação de histórias, reconto de histórias pelos alunos. No entanto, mesmo com todas essas ações ainda faltava um ensino mais sistematizado para melhorar a capacidade de compreensão dos alunos, uma vez que eles já conseguiam decifrar a escrita, por isso elaborou-se uma sequência de atividades específicas a partir do texto literário, visando promover o ensino de estratégias de leitura que foram iniciadas no mês de agosto de 2014 e finalizadas em novembro do mesmo ano.

Embora as outras disciplinas contemplassem também a compreensão textual, não foram registradas para análise desta pesquisa. Ao propor um trabalho com as estratégias de leitura acredita-se estar contribuindo para o desenvolvimento de conhecimentos que são importantes para todas as disciplinas, já que a leitura é um instrumento fundamental não só para a aprendizagem no geral, como para a plena participação do sujeito nas práticas sociais. Kleiman afirma: ―as estratégias do leitor podem ser as mesmas na leitura de textos diferentes, na verdade o leitor as muda, segundo seus objetivos e necessidades, não segundo a matéria que ele está lendo‖ (KLEIMAN, 2013, p. 8).

O plano de ação iniciou-se com a apresentação do livro ―Romeu e Julieta‖ em uma sala preparada especificamente para este fim. A princípio não contei aos alunos o que ocorreria. Mas, ao apresentar o embrulho em que estava o livro, os alunos ficaram alvoroçados e levantaram diversas hipóteses para descobrir o que havia na caixa. Por fim um dos alunos disse ―professora esta caixa está cheia de flores, deve ser algum livro que vamos estudar sobre a primavera que está chegando ‖.

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Figura 1: Apresentação da obra aos alunos.

Créditos: Professora Simone Barbosa.

Figura 2: Primeiro contato dos alunos com a obra de Ruth Rocha

Créditos: Professora Simone Barbosa.

Quando a caixa foi aberta, vi o contentamento daquele aluno ao descobrir que estava no caminho certo, pois o livro realmente lembrava a primavera. Explorei o conteúdo da capa do livro, falei sobre a autora Ruth Rocha e alguns alunos disseram que já conheciam outras histórias dela, citaram, por exemplo, a obra ―Bom dia, todas as cores‖. Quanto à ilustradora Mariana Massarani, eles acharam engraçado o sobrenome, mas não a conheciam. Desta forma, antes de iniciar a leitura da obra em questão estive atenta em mobilizar os conhecimentos das crianças acerca da mesma utilizando como estratégia a valorização do conhecimento prévio do aluno, pois de acordo com Kleiman (2005), há a recomendação de que para favorecer a compreensão é fundamental ativar o conhecimento prévio do leitor sobre o assunto. Assim, antes de o aluno entrar em contato com o texto busquei promover situações que traziam a memória os conhecimentos que eles já tinham sobre o assunto, bem como o suporte, a função, a estrutura funcional do gênero em questão. Cafiero também confirma a utilização desta estratégia afirmando que:

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No início do processamento das informações, é preciso acionar conhecimentos prévios que podem permitir uma leitura melhor, fazendo diversos questionamentos, buscando levantar o que já sabe sobre o assunto, sobre quem escreveu o texto, sobre quando e onde foi produzido (CAFIERO, 2005, p. 37).

De fato, conforme as questões teóricas das autoras, percebeu-se que tais estratégias, antes de introduzir a leitura do livro, como situar o autor, a editora, o gênero textual e sua funcionalidade, a data de publicação, a exploração das imagens da capa do livro, levantando hipóteses sobre o conteúdo da obra, tudo isso forneceu uma base de conhecimentos importantes que ajudaram aos alunos compreender melhor o texto. Cosson reafirma esta questão:

Um cuidado que se deve ter é na apresentação da obra, muitas vezes achamos que aquela obra é tão interessante que basta trazê-las para os alunos. Ela vai falar por si só. De fato ela pode até prescindir da intervenção do professor, mas quando está em processo pedagógico é melhor assegurar a direção para quem caminha com você (COSSON, 2007, p. 60).

Desse modo, ao levar a caixa para sala de aula, a intenção era aguçar a curiosidade dos alunos, que se emocionaram ao ouvir a música e ao mesmo tempo ver diferentes flores no Datashow e ficaram interessados em conhecer a história.

Ao manusear o livro, algumas crianças ficaram surpresas, pois imaginaram que ali havia a história de Romeu e Julieta, dos filmes, mas quando viram aquele reino de crianças-borboletas logo perguntaram se a história seria a mesma. Aproveitei a circunstância para verificar o que eles sabiam sobre a história de Romeu e Julieta.

A intenção ao contar o livro em partes foi despertar no aluno que o livro fosse lido a cada dia, a expectativa sobre toda a história e realizar a leitura junto com os alunos que acompanhavam de posse do livro, no caso da obra de Ruth Rocha. As crianças faziam perguntas, levantavam hipóteses e sugestões de como seria o próximo capitulo. A cada página contada fazia-se suspense e eles mal piscavam. A professora pesquisadora ficava surpresa quando eles pediam ―professora continua, por favor, quero saber se Romeu e Julieta vão ficar juntos, ou se a cor vai separá-los?‖ (nota de diário de campo, 21/08/2014).

De acordo com Cafiero é importante fazer ―atividades nas quais se interrompa a leitura em alguns trechos e se levantam questões para os alunos refletirem sobre o que já foi apresentado‖, pois para realizar este tipo de atividade o aluno terá de fazer previsões, levantar hipóteses e verificá-las, (CAFIERO, 2010, p.100). Também corrobora com esta afirmação a autora Kleiman, que faz a seguinte colocação:

Um aspecto importante que contribui para a compreensão é a formulação de hipóteses, pois o leitor ativo, realmente engajado no processo, elabora hipóteses e a testa, na medida em que vai lendo o texto. (KLEIMAN, 2007, p. 38).

É com base nesses pressupostos teóricos que estas atividades foram realizadas e foi fundamental para envolver os alunos com a leitura da obra,

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mobilizar os conhecimentos na construção de sentidos. Além disso, tais atividades serviram para estimular a leitura da obra pelos alunos que interagiam e ficavam curiosos para saber o desenrolar da história e ansiosos para retomar a atividade de leitura a fim de saberem se suas hipóteses se confirmariam ou não. Percebia-se no ar o sentimento da turma de curiosidade e encantamento com a atividade, como afirmou uma aluna espontaneamente durante a aula: ―Essa parte da aula é a mais legal, é só alegria!‖ (nota de diário de campo 27/08/2014).

Quando terminávamos a leitura das páginas indicadas, retomavam-se os trechos que julgava mais importante e os lia em voz alta, comentando e fazendo perguntas aos alunos. Assim, a interpretação era feita de forma oral e coletiva, os alunos discutiam a narrativa e se ocupavam de tratar do relacionamento impossível entre Romeu e Julieta. A leitura de textos com questionamentos são práticas condizentes com as estratégias de ensino feitas por Cafiero:

Quando o professor trabalha com compreensão na sala de aula, ele precisa também ensinar o aluno a responder as perguntas que lhes são colocadas. Ao respondê-las o aluno estará também tendo a oportunidade de compreender melhor o texto. Elas não podem contemplar apenas a fase da decodificação da leitura, é preciso apresentar questões que levem o aluno a fazer inferências, a perceber marcas que podem ter escapado a uma primeira leitura, a estabelecer relações globais (CAFIERO, 2005, p. 51).

Por isso, as práticas de leitura foram aplicadas seguidas ou entremeadas de discussões, interpretações orais e escritas. A leitura por aluno em voz alta acontecia de forma espontânea, os aluno pediam com frequência ―Deixa eu ler, professora‖. (nota de diário de campo 03/10/14).

Após a leitura foram feitas as seguintes perguntas: ―Vocês acham que Romeu e Julieta realmente vão obedecer a ordem de ficar cada um em seu canteiro?‖, ―Será que sempre será assim: cada borboleta em seu espaço, sem se misturar uma com a outra?‖, ―Ou será que em algum momento elas irão se misturar e conviver juntas?‖, ―O que vocês acham que vai acontecer na história?‖, ― Será que o menino vai conseguir pegar Romeu e Julieta para sua coleção?‖, ― Ou será que eles vão conseguir fugir?‖.

Esses momentos de interações foram essenciais para o progresso da aprendizagem dos alunos. Percebi que com essa prática eles desenvolveram habilidades de ouvir com atenção, esperar a vez de falar, respeitar o ponto de vista do colega e argumentar suas próprias ideias, pois ao abrir espaço e condições para que eles pudessem expressar suas impressões sobre o texto, favorecia-se a socialização, a oralidade e consequentemente um entendimento mais aprofundado do texto. Conforme Cafiero, ―são muitas as capacidades que o leitor precisa desenvolver para compreender um texto e conseguir se posicionar diante dele, criticando-o, refletindo sobre ele‖, (CAFIERO, 2010, p. 98).

Com relação ao vocabulário, quando algumas crianças perguntavam o significado de alguma palavra, a professora colocava a tarefa para toda a turma a fim de fazê-la descobrir o significado pelo próprio contexto ou pelo

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conhecimento prévio de algum aluno. Quando a turma não conseguia fazer este tipo de inferência, recorria-se ao dicionário buscando o significado exato da palavra.

Na última semana, quando a história ia ser finalizada, já havia recebido diversas cartinhas de alunos que diziam ‖estou adorando a história, estou curioso para saber o final‖, recebia também muitos desenhos com casal de borboletas, flores, jardins. No último dia de leitura da história percebeu-se que a receptividade das crianças foi tão boa que a professora pesquisadora caracterizou-se dando asas à imaginação, vestindo uma roupa amarela e colocando asas de borboletas azuis dando a eles uma pista de que as cores se misturariam. Quando ela entrou na sala, eles bateram palmas, assobiaram e depois que se acalmaram a professora continuou a leitura.

Na semana seguinte, para aprofundar ainda mais o conhecimento da obra, deu-se continuidade ao plano de ação com o filme de ―Gnomeu e Julieta‖, mas antes mesmo de terminar de vê-lo, os alunos já estavam comparando com o livro. O contato entre a linguagem literária e a cinematográfica foi fundamental para que os alunos compreendessem melhor a obra.

Seguindo as orientações de Roxane Rojo que propõe atividades antes, durante e depois da leitura, ao terminar o livro sugeri aos alunos que reescrevessem coletivamente a história de forma detalhada. Montaram-se cartazes com as falas dos alunos estruturando as ideias buscando coerência e coesão. Ao terminar a produção coletiva relemos o texto fazendo algumas correções.

Na semana posterior foi proposto aos alunos que separassem o texto produzido coletivamente em partes e de acordo com os trechos cada dupla ilustrou montando um livro da turma.

Depois de apresentar a versão da história de Ruth Rocha iniciei a leitura de outra obra de Shakespeare, adaptada por Renata Pallottini. Essa história, assim como a de Ruth Rocha, foi lida durante vários dias de acordo com os capítulos, desta vez somente pela professora. Durante cada interrupção despertava a curiosidade dos alunos para o que iria acontecer com Romeu e Julieta: ―Eles vão ficar juntos?‖. Depois de concluir a leitura promovia-se rodas de conversa sobre a história, problematizando questões como: ―Por que os pais não aprovavam o namoro? Vocês concordam com a atitude de Julieta de casar escondido?‖.

Segundo Koch e Elias (2007, p. 78), ―para o processo de compreensão e produção de sentido, a intertextualidade é de fundamental importância‖, por isso, considerou-se necessário introduzir a leitura da obra original para contribuir com a construção de sentidos. Assim, ao ler a história os alunos perceberam a intertextualidade, fizeram associações com a obra de Ruth Rocha contrastando semelhanças e diferenças entre elas.

No dia 22/11/2014, fizemos o contraste entre as obras de Ruth Rocha e de Renata Pallottini, registramos a fala dos alunos em um cartaz sendo possível perceber que a compreensão de ambas as histórias foram adquiridas. Eles conseguiram comparar as obras, identificar elementos de uma contrapondo a outra, perceber semelhanças e diferenças como se pode observar na fala de uma aluna:

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No livro de Ruth Rocha os personagens são borboletas e viviam em canteiros, já no de Renata, são pessoas como a gente e morrem no final. (depoimento da aluna Izabella, 04/11/2014).

Outro aluno também comentou:

A família de Romeu e Julieta enfrentam problemas igual na minha família (depoimento do aluno Maicon, 04/11/2014).

Essas falas já mostram a inferência e a extrapolação da história, pois foram capazes de relacioná-la com a sua própria vivência. Os alunos levantaram semelhanças e diferenças e, mesmo com o final trágico de Romeu e Julieta, a obra adaptada de Renata Pallottini foi muito apreciada pelos alunos. A relação com o livro de Ruth Rocha foi feita levando em consideração o tema de ambas as obras – os amores impossíveis – entretanto, foi possível transcender essa temática e construir uma reflexão mais ampla sobre a tolerância e o respeito ao diferente.

Certas falas dos alunos, ditas durante a execução do projeto são exemplos disto:

Professora esta história é tão legal. Amanhã a senhora continua? Aprender a ler é bom demais (depoimento da aluna Camily, 25/08/2014.)

Outras falas que eram constantes:

Deixa eu ler, professora? (aluno Lucas, 28/08/2014)

Professora, na biblioteca tem esse livro? Adoro ir à biblioteca. (aluna Júlia Nataly, 10/09/2014).

Paralelamente a leitura os alunos faziam atividades escritas e orais de compreensão referentes à leitura do livro.

No final da leitura os alunos relataram sobre a obra oralmente e por escrito conforme o quadro 01. Através dos relatos verificou-se uma boa compreensão da história conforme se pode perceber na atividade abaixo, da figura 3.

O interesse da turma pelo projeto foi visível. Todos que chegavam à sala eram abordados por eles a fim de mostrar o que estavam fazendo, ora através de leitura, ora por meio de desenhos ou escrita, inclusive na montagem do livro recontado, conforme o quadro 01. Um dia, o aluno Pedro disse a coordenadora: ―Deixa eu ler para você?‖. Ao ler o aluno demonstrou compreensão conseguiu ilustrar a história fazendo a relação entre a figura e a escrita.

Outro fato surpreendente foi o reconto da história feita pela aluna Laura em sua casa, voluntariamente. Esta aluna muitas vezes não fazia o dever de casa, tinha pouca ajuda da família na vida escolar e, por isso, o fato de ter feito esse reconto foi marcante, uma vez que ela não tinha posse do livro em mãos e o fez através da observação e memória do trabalho sobre o livro em sala de aula. O reconto demonstra grande compreensão da história por ela, conforme pode-se verificar na figura 4, abaixo.

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Figura 3: Trecho do reconto do livro Romeu e Julieta, feito pela aluna Laura.

É importante ressaltar que após esta aluna ter tido essa iniciativa, vários outros alunos começaram a recontar as histórias de forma individual em casa, e pediam que suas produções fossem lidas para toda turma.

Desta forma, percebi que através deste trabalho com a leitura, a produção escrita acabou também sendo alcançada.

Considerações Finais

O plano de ação desenvolvido foi fundamentado na concepção de leitura enquanto interação entre leitor, texto e autor apontada por diversos autores já citados neste trabalho. Este plano teve uma prática de ensino de leitura contemplando três momentos: antes da leitura, durante a leitura e depois da leitura e tais atividades buscavam explorar os diversos aspectos que conduzem o aluno a uma visão ampla dos textos e consequentemente a um nível de compreensão melhor.

Saber ler com competência é fundamental para se viver em uma sociedade letrada, pois é através da leitura que se pode compreender e interagir com o mundo de forma ativa e crítica. Sendo assim, cada vez mais a escola tem um papel importante sobre a formação do leitor, incentivando,

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dando oportunidades de conhecer e interagir com a diversidade de gêneros textuais que circulam socialmente.

Nesta perspectiva ao ensinar a leitura no espaço escolar é preciso que se priorize este trabalho de forma sistemática em sala de aula, pois com o avanço da tecnologia a leitura tem sido deixada em segundo plano. Assim é preciso que o trabalho da leitura, seja algo que desperte o interesse aos alunos, que dê prazer, assim como a tecnologia. É por isso que este plano de ação visou desenvolver um trabalho contextualizado de ensino da leitura, através da literatura explorando o texto para além de sua superficialidade buscando construir significados através de estratégias de compreensão, isto é, da ação do leitor sobre o texto, já que a leitura é uma atividade de construção de sentido, fruto da integração entre leitor e texto, como diz Kleiman.

Pode-se dizer que o objetivo deste plano de ação foi alcançado, pois ao promover o ensino de estratégias de leitura, priorizando práticas de leitura mais dinâmica em que os alunos podiam interagir com o texto lido, tais alunos desenvolveram habilidades necessárias para a compreensão textual.

Em síntese, pode-se perceber que o uso de estratégias de ensino da leitura promovidas por esse plano de ação foi extremamente relevante para o bom desempenho dos alunos no processo de aprendizagem. Os alunos melhoraram o nível de compreensão na leitura tanto no que se refere ao processo de decodificação quanto ao vocabulário, leitura oral, interpretação de motivação para a leitura.

Acredita-se que um trabalho nessa perspectiva de leitura enquanto resultado de interação entre leitor texto e autor não deve ser um trabalho pontual, mas sim fazer parte de uma proposta de trabalho pedagógico da escola.

Referências

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―ENCONTRO COM O ESCRITOR‖: RELATO DE EXPERIÊNCIA DE MEDIAÇÃO DE LEITURA – UM PROJETO DO CARRO-BIBLIOTECA

Gildete Aparecida de Souza Santos Veloso Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa

Bibliotecária / Diretora de Extensão e Ação Regionalizada [email protected]

(31) 3269-1221

Viviane Pereira Pinto Ferreira Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa

Bibliotecária / Coordenadora do Carro-Biblioteca [email protected]

(31) 3269-1253

Resumo

Para se tornar um bom leitor é necessária uma boa iniciação prática. A ponte entre o leitor e a literatura é construída por meio de situações atrativas com visibilidade à obra, seu conteúdo e suas inúmeras possibilidades na formação do leitor. O projeto ―Encontro com o Escritor‖, da Superintendência de Bibliotecas Públicas e Suplemento Literário, iniciado em 2011 pela Diretoria de Extensão e Ação Regionalizada e vinculado à Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, tem como objetivo aproximar da literatura os alunos das escolas assistidas pelo Carro-Biblioteca – CB. Para destacar a importância do projeto supracitado na formação de leitores foram relatadas no presente trabalho as experiências vivenciadas pela equipe do CB e apresentados os processos de incentivo à leitura que alcançam o leitor por meio de atividades culturais e educativas. A equipe do CB atuou em 22 turmas do ensino fundamental em parceria com 06 escolas de diferentes regiões de Belo Horizonte, totalizando 630 alunos. Sob a supervisão da bibliotecária Viviane Ferreira, coordenadora do CB, os mediadores de leitura desenvolveram o planejamento e a intervenção em sala de aula com obras de autores mineiros. A equipe primeiramente apresentou, através de cartazes informativos, a vida e a carreira do escritor em destaque. O livro em foco foi posteriormente apresentado em uma ―Roda de Leitura‖ seguida por um momento de sensibilização literária através da dinâmica de pequenos grupos com o compartilhamento de leituras sobre o autor. Os alunos também produziram novos textos inspirados no texto original. A produção de cada estudante foi apresentada ao grupo para a apreciação e possível discussão. Após este primeiro momento, aconteceu o ―Quiz Literário‖: jogo de perguntas e respostas no qual os assuntos abordados durante a ―Roda de Leitura‖ foram revistos. Os vencedores do ―Quiz‖ foram premiados com uma coleção de literatura. Após estas etapas de sensibilização foi realizado um ciclo de palestras com cada escritor das obras selecionadas, tendo como recorte a mediação e a disseminação da leitura literária e da prática da escrita entre o público adolescente. Os autores apresentaram suas obras e relataram suas experiências, promovendo a aproximação com os jovens leitores. Esta metodologia permitiu o estabelecimento de laços afetivos entre os leitores envolvidos e os escritores, incentivando o interesse pelas obras apresentadas. Desenvolveu-se uma motivação cultural que impulsionou o leitor. O resultado dessa intervenção foi muito positivo, pois os alunos corresponderam às expectativas da equipe do CB: leram as obras selecionadas, elaboraram de forma artística suas produções de texto e por fim, transformaram-se em curiosos leitores. No processo de acompanhamento dos alunos percebemos e confirmamos a importância do papel do mediador de leitura na

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formação do leitor literário. A mediação de leitura mostrou-se essencial na formação desses novos leitores que inicialmente se mostraram desmotivados e indiferentes. Mas ao longo do projeto, com a mediação nos encontros e a colaboração dos professores em sala de aula, despertaram para o prazer e para as possibilidades da leitura. Palavras-chave: Mediação de leitura; Formação de leitores; Carro-Biblioteca.

Abstract

To become an active reader, a good practice initiation is required. The bridge between the reader and literature is built through attractive conditions, giving visibility to the work, its content and its many possibilities in the player's training. The "Meet the Writer" project, has been made possible by the Public Libraries and Literary Supplement Superintendent, since 2011 by the Extension and Regionalized Action Directorship of, and linked to, the Luiz de Bessa State Public Library, and it aims to provide literature access to the students of the schools assisted by the Library Car - LC. To highlight the importance of this project in the formation of readers, the experiences lived by the LC staff and the promotion of reading incentive through certain processes accessing the reader through cultural and educational activities were reported in this study. The LC staff interacted with 630 students of 22 classes from 6 elementary school partners situated in different regions of Belo Horizonte. Under the supervision of Viviane Ferreira, a librarian and LC coordinator, the reading mediators developed planning and classroom intervention with literary works by authors from Minas Gerais. Initially, informative posters about the life and the career of some writers were presented by the LC staff. Then, the selected book was presented in a "Reading Circle" followed by a literary sensitization moment among the small groups‘ dynamics through read sharing on the writer. The students also created new texts, inspired by the original text. The production of each student was presented for the evaluation and discussion of the group. After this first mediation was accomplished, there was the "Literary Quiz": A question and answer game aiming to review the topics discussed during the "Reading Circle". The "Quiz" winners were rewarded with a literature collection. After these sensitization moments, there was a lecture cycle with the presence of every writer of the literary selected works. One of the lecture‘s topics was the mediation and propagation of literary reading and writing practice among teenagers. The writers presented their works and narrated their experiences, approaching young readers. This methodology allowed the establishment of emotional bonds between the readers and writers involved, encouraging the interest by the literary works presented. It developed a cultural motivation that captivated the readers. The results of these interventions were very positive, because the students corresponded to the LC staff expectations: reading the selected literary works, artistically developing one‘s textual productions and finally becoming thinking readers. During the mediation process of the students, the importance of the reading mediator's role in the formation of literary readers was perceived and confirmed. The reading mediation proved to be essential in the formation of these new readers, who, initially, showed little motivation or indifference. However, throughout the ―Meeting the Writer‖ project, with the LC staff mediation works and the teachers‘ collaboration in the classroom, the reading pleasure and possibilities has eventually emerged. Keywords: Reading mediation; Teaching readers; Library Car.

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1. Introdução

O ato de ler é uma constante no dia a dia. Qualquer que seja o campo de atuação do indivíduo, a necessidade da leitura e da escrita é cada vez maior. A todo o momento somos provocados por manchetes de jornais, propagandas de marketing, outdoors nas ruas. Estamos imersos num universo de mensagens escritas onde saber ler e escrever é cada vez mais indispensável para a efetiva inserção do indivíduo na sociedade. Entretanto, mesmo neste contexto, o índice de leitura dos brasileiros é, em média, de menos de dois livros por ano, segundo pesquisa realizada pela Câmara Mineira do Livro em 2013-2014. Em Minas Gerais este índice é um pouco melhor perfazendo uma média de leitura de 2,4 livros por ano, considerando o comportamento dos leitores na capital, Belo Horizonte, e em oito cidades-polo.1 Nesta pesquisa, observou-se também que 56% dos mineiros declararam que não leram nenhum livro durante o período avaliado. Estes resultados indicam a necessidade de incentivos a projetos que estimulem o ato de ler livros, sejam eles romances, poesias, crônicas, contos, cartas, etc. Projetos que promovam o hábito de ler por prazer, despertando a paixão pelos livros, pelas histórias a serem desvendadas, conhecer o pensamento do autor através das palavras escritas por eles grafadas em vários papéis, experiências estas que só a leitura é capaz de proporcionar.

Em consonância com os dados apresentados em pesquisa realizada pela Câmara Mineira do Livro e imbuídos do compromisso de fazer do Brasil um país leitor, a Superintendência de Bibliotecas Públicas e Suplemento Literário deu início ao projeto denominado Encontro com o Escritor, oferecido pela Diretoria de Extensão e Ação Regionalizada e vinculado à Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. No presente trabalho é apresentada e analisada a experiência do projeto Encontro com o Escritor desenvolvido em parceria entre o Carro-Biblioteca – CB e escolas públicas por ele assistidas.

O projeto Encontro com o Escritor surgiu para atender à demanda dos leitores atendidos pelo CB que expressavam a sua curiosidade pelos autores e imaginavam que entrar em contato com eles seria algo muito difícil. Pensou-se então em facilitar o acesso aos escritores e, ao mesmo tempo, incentivar a leitura de seus livros e a escrita dos leitores. Desta forma, o projeto dissemina a leitura e a escrita como práticas culturais por meio de encontros que estimulam a discussão e a reflexão de temas atinentes à formação de leitores, especialmente com o público adolescente.

A primeira experiência com o projeto Encontro com o Escritor foi realizada em 2011, em duas escolas públicas de ensino fundamental de Belo Horizonte, e elaborada pela equipe do Carro-Biblioteca, com objetivo de ampliar sua atuação na área da leitura e na formação de leitores. Além de promover a aproximação dos alunos à literatura, o projeto proporciona as mais variadas possibilidades de leituras e o convívio com as práticas formativas. No

1 Considera-se como cidades-polo os seguintes municípios: Teófilo Otoni, Poços de Caldas,

Juiz de Fora, Uberlândia, Divinópolis, Governador Valadares, Patos de Minas e Montes Claros.

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princípio, seu formato era de seis meses de duração, beneficiando cerca de 150 alunos, mas, a partir de 2015, o formato do projeto se modificou. Aumentou-se o número de atividades de leitura propostas e a duração passa a ser de um ano. Em decorrência do aumento das ações realizadas, ganhou-se a possibilidade de aprofundar conhecimentos teóricos, de ampliar a diversidade de gêneros enfocados e de acompanhar o percurso de apropriação das práticas de trabalho com a leitura e a disseminação do projeto.

As ações do Encontro com o Escritor, foram voltadas para o público adolescente, e formadas em três etapas: Roda de Leitura, Quiz Literário e Palestra com o escritor. Por meio de atividades diversificadas, com alternância de momentos de discussão, reflexão teórica e compartilhamento de experiências, foram trabalhados diferentes gêneros textuais, privilegiando-se aqueles vinculados à literatura. Como forma de estimular o trabalho e de oferecer um instrumental que facilite a implementação das propostas, o projeto promoveu a entrega de livros dos autores em destaque para compor o acervo das escolas beneficiadas pelo projeto. O Encontro com o Escritor ofereceu também como material de apoio cartazes informativos sobre a vida e a carreira do escritor em destaque. O projeto realiza ainda uma premiação em reconhecimento das melhores produções de texto desenvolvidas pelos alunos. Até o presente momento, o projeto já atuou em 22 turmas do ensino fundamental em parceria com 06 escolas de diferentes regiões de Belo Horizonte, totalizando 630 alunos. Pelo trabalho desenvolvido e os resultados alcançados, o projeto recebeu em dezembro de 2014, o Prêmio Boas Práticas e Inovação em Bibliotecas Públicas, uma iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional – FBN, vinculada ao Ministério da Cultura, por intermédio da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas – DLLLB e seu Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas – SNBP.

2. Referencial Teórico

O projeto Encontro com o Escritor se organiza a partir de uma matriz metodológica, moldada com base em análises teóricas e práticas, e legitimada por meio das experiências assimiladas durante a jornada. Os fundamentos constituintes da escolha metodológica estão diretamente ligados ao processo de formação do leitor e ressaltam a importância do mediador de leitura nesta formação. Consequentemente, os suportes estudados foram essenciais na concepção do projeto. Diante do desafio da formação de novos leitores, foram criadas estratégias atraentes ao público: a escolha dos livros, encorajamento de competições literárias entre os alunos, a utilização de mídias distintas para reforçar o poder da literatura, etc. Caio Riter, escritor e educador, experiente formador de leitores, destaca a importância da prática adequada e o reconhecimento de que a formação do leitor acontece em dois níveis: ―Formar leitor é diferente de formar o leitor‖ (RITER, 2009, p. 63).

2.1 Concepções de Leitura

Consideramos, evidentemente, que a leitura não se refere ao simples ato de decifrar o código escrito, nem de apenas saber localizar e repetir

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conteúdos específicos de um texto de forma linear. É importante destacar essa ideia, pois durante muito tempo se acreditou que bastava estar alfabetizado ou ser capaz de repetir o que estava escrito para se compreender qualquer texto. Hoje sabemos que um leitor proficiente é aquele que sabe utilizar procedimentos de leitura, de modo a reconstruir os sentidos do texto, dialogar com ele, concordar, discordar, etc.

Um texto é sempre o resultado das experiências do autor à época de sua produção, isto é, de sua maneira de ver o mundo, de suas expectativas, crenças, valores, dos conhecimentos de que dispunham naquele momento. A leitura desse texto também é fruto das experiências e conhecimentos de que dispõe o leitor, no momento histórico em que ocorre a leitura. Portanto, nem sempre ao sentido pretendido pelo autor correspondem os sentidos atribuídos por seus possíveis leitores, ainda que autor e leitores dominem uma mesma língua e vivam num mesmo tempo. Ler, portanto, não é um processo linear, e um mesmo texto possibilita diferentes leituras, ainda que lido por pessoas que compartilhem um mesmo momento histórico. Por mais modeladas que sejam as várias formas de discurso, a história de leitura de cada um está presente na sua manifestação individual, fazendo parte da história de leitura do mundo. A competência de ler proporciona nas produções dos alunos uma melhor habilidade com textos orais e escritos, que potencializam o aprendizado dos mesmos, uma vez que a linguagem literária exige um maior empenho interpretativo, assim o leitor/produtor também torna mais apto para expor e elucidar qualquer problema que aparecer tornando desta maneira relevante para a sua compreensão. Interagindo verbalmente com o outro, o discurso do locutor se organiza a partir de finalidades e intenções, tendo como referência o seu interlocutor e o tema da interlocução. Isso significa que aquilo que o sujeito pressupõe sobre seu interlocutor – conhecimentos, crenças/valores, opiniões, convicções, simpatias e antipatias, assim como o grau de afinidade e familiaridade que ambos têm e da posição social e hierárquica que ocupam – interfere na interlocução.

Vale assinalar aqui o discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de gêneros orais ou escritos, motivados justamente por esses condicionantes. Segundo Bakhtin (1990, 1992), os textos que produzimos, orais ou escritos, são formas de dizer que se originam das necessidades criadas em diferentes esferas da comunicação humana. Essas formas de dizer (orais ou escritas) não são inventadas a cada vez que nos comunicamos: elas estão à nossa disposição, circulam nos diferentes meios sociais, e talvez tenhamos ou não consciência delas. Quando nos comunicamos, nas mais diversas situações, utilizamos essas formas, que possuem características próprias e relativamente estáveis. Essas características configuram diferentes gêneros discursivos que podem ser definidos por três aspectos básicos coexistentes: seus temas, sua construção composicional e seu estilo. Gêneros são, portanto, formas de enunciados produzidos historicamente, que se encontram disponíveis na cultura. Fazemos uso de gêneros discursivos que nos foram transmitidos histórica e socialmente, o que não quer dizer que não seja possível transformar esses gêneros, ou que outros não sejam criados de acordo com as novas necessidades culturais de interação verbal que surgem historicamente. O contato com os diversos

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gêneros discursivos que circulam socialmente entre nós não somente amplia as capacidades linguísticas e discursivas dos leitores, mas também lhes aponta inúmeras formas de participação social que eles podem ter como cidadãos, usando a linguagem. O gênero discursivo é um instrumento com o qual é possível exercer uma ação linguística sobre a realidade, ampliando as capacidades do usuário e o próprio conhecimento sobre o gênero.

2.2 A importância da mediação na formação de leitores

Quando se fala de mediação, toca-se em um conceito fundamental para a compreensão da concepção a respeito do desenvolvimento humano como um processo sócio-histórico, como defendido por Vygotsky (1991). Segundo ele, a interação entre indivíduos mais experientes e outros, menos experientes, torna possível aos sujeitos constituírem-se como tal e construírem conhecimentos. Em função disso, pode-se entender a importância da atuação dos membros do grupo social na mediação entre cultura e indivíduo e também a relevância da escola, local onde a intervenção pedagógica desencadeia o processo de ensino-aprendizagem que promove o desenvolvimento do aluno. Nesse processo, o professor tem como tarefa ajudar o aluno a alcançar um desenvolvimento que ele ainda não consegue atingir sozinho.

Pensando no caso específico da leitura, para além do professor, o trabalho de mediação pode e deve ser exercido também por leitores mais experientes – familiares, amigos, bibliotecários, ou colegas mais capazes – que possam fazer avançar aquele que ainda não lê ou o faz com dificuldade, para que, gradativamente adquira proficiência e conquiste autonomia. Para formar leitores não basta o contato com materiais escritos, embora essa seja a primeira condição. É preciso incentivar o leitor a fazer descobertas e ajudá-lo a realizar escolhas, a compreender textos mais complexos, a avançar na formação do gosto – tarefas inerentes ao trabalho do mediador de leitura. Enquanto leitor mais experiente, o mediador poderá ajudar os novos leitores a se interessarem pelo imenso patrimônio cultural, acumulado ao longo da história da humanidade, mas que nem todos conseguem usufruir em igualdade de condições. Orientando, apoiando e incentivando os leitores em formação, o mediador poderá levá-los a ampliar seu repertório; a conhecer novos mundos, culturas e civilizações diferentes; poderá gerar condições favoráveis para que consigam articular informações e mostrar que ler e escrever, além de promover socialmente e dar acesso à cultura e ao conhecimento, permitem relacionar a vida de cada um com a realidade na qual se vive.

2.3 A formação do leitor

O processo de formação do leitor é longo e ocorre pela mediação de leitores mais experientes e pela interação com diferentes suportes e gêneros discursivos. Muito antes de ser capaz de compreender o funcionamento do sistema alfabético, o sujeito imerso numa sociedade letrada busca entender o que significam os escritos presentes no mundo em que vive e pode entrar no mundo da escrita pela mão, pelo olhar e pela voz de outras pessoas. Todas as alternativas que ele faz para atribuir sentido a um texto são leituras. Nesse

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sentido, mesmo os não alfabetizados são capazes de ler, apoiados em ilustrações e em outras marcas do texto, bem como em sua memória. Para alguns, essa experiência começa muito antes de entrar na escola, quando presenciam atos de leitura praticados pelas pessoas que os rodeiam ou participam deles. Entretanto, muitos dependem exclusivamente da escola para se tornar leitores. Assim, na escola e em outros espaços de aprendizagem, é preciso criar momentos ou situações para que os leitores iniciantes construam e ampliem experiências de leitura, oferecendo-lhes diferentes suportes e gêneros discursivos, lendo para eles com frequência, colocando-os no papel de leitores. O contato com diferentes suportes e textos e com leitores mais experientes é fundamental para desenvolver o gosto pela leitura e formar leitores competentes. Essa competência – que se forma com o manuseio e a leitura de muitos suportes e textos – inclui saberes diversos.

No que se refere ao livro, por exemplo, saber segurá-lo e manuseá-lo corretamente; saber que a capa apresenta em geral o nome do autor, o título do livro e a editora; perceber que livros com muitas histórias ou poemas comumente trazem um índice; descobrir que no verso da folha de rosto há uma ficha catalográfica com informações sobre a edição da obra; e, principalmente, reconhecer obras de boa qualidade, apontar autores e ilustradores que admira e comentar um texto lido, justificando suas opiniões, sem contar os modos de ―sentir‖ a realidade física do material escrito que vão do olhar ao toque, do olfato ao próprio poder gustativo imaginário ou não, tomando o livro um particular ―fetiche‖.

2.3.1 A importância da literatura na formação de leitores

Quando se fala da formação de leitores, não se deve esquecer a contribuição que a literatura pode trazer a esse processo. Considerando que a literatura é o conjunto de valores expressos e de grande importância para o desempenho do letramento dos alunos, é necessário que o mediador de leitura procure métodos para estimular os discentes à prática da leitura literária. A literatura é matéria privilegiada para motivar e formar leitores, por ser linguagem que se oferece a múltiplas interpretações. Ela funde harmoniosamente realidade e fantasia – sendo um material inestimável na formação do indivíduo em sociedade –, toca primeiro a emoção e depois leva à reflexão, à análise, à interpretação e até mesmo à produção de outros textos. Por essa especificidade, na formação do leitor, o projeto Encontro com o Escritor dá especial destaque aos gêneros vinculados à literatura, tentando aproximar conhecimento e prazer, casamento esse que nem sempre faz parte do cotidiano das escolas e de outros espaços de aprendizagem. O texto literário é matéria criativa e ―reveladora‖, capaz de inquietar prazerosamente os educadores para o gosto da leitura, experiência essa que naturalmente eles podem promover junto aos alunos, acentuando que a leitura de textos literários permeia todas as formas de conhecimento: a literatura está sempre voltada para a condição humana e a serviço da vida. Por isso, um primeiro passo para desenvolver o gosto dos leitores iniciantes é colocá-los em contato com muitos textos de boa qualidade, com um acervo contendo diversidade de gêneros, temas, autores, ilustradores, estilos, tratamento gráfico, para atender às

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expectativas mais variadas. Para isso é crucial a escolha de uma obra literária que chame a atenção dos alunos. Para tanto é preciso uma sondagem a fim de conhecer os gostos literários dos discentes e assim proporcionar uma atividade de leitura que amplie o conhecimento e estimule a prática da leitura.

Por isso, segundo Lois (2010, p. 83), ―quando incentivamos a leitura através da literatura estamos decidindo por investir na arte. Ou seja, optamos por priorizar e acreditar no potencial subjetivo de cada estudante e no texto artístico como um meio eficaz para garantir a formação do leitor‖. Identificar uma obra como sendo de boa qualidade significa também levar em conta os valores estéticos da obra (linguagem criativa, sugestiva, fluente, temas interessantes ou intrigantes, inventividade no jogo das palavras, potencial lúdico e outros), o respaldo da crítica e, sobretudo, a receptividade dos leitores a quem a obra se destina. Livros bons, em geral, tornam-se inesquecíveis, porque a cada releitura têm sempre algo a nos dizer. Permitem a quem os lê viver simbolicamente outras vidas, com experiências diferentes do seu cotidiano. Despertam no leitor o gosto pela exploração da diversidade e pelo conhecimento do outro; possibilitam-lhe reconhecer-se nos personagens e, pelo distanciamento da ficção, compreender melhor as próprias experiências. Quando o mediador oferece bons livros a crianças, jovens e adultos, seu papel de formador de leitores já está parcialmente cumprido, porque as múltiplas experiências de leitura, sobretudo aquelas que são críticas e prazerosas, depuram o gosto.

Apesar do foco sobre os textos literários, a familiaridade com outros gêneros discursivos, que circulam numa sociedade letrada, também é fundamental para a formação do leitor, tendo em vista que a todo o momento ele é solicitado a ler com diferentes finalidades, para fazer frente a todos os desafios que a vida moderna lhe impõe. Por isso é recomendável que, ao trabalhar com a leitura, o mediador aborde, por exemplo, os textos jornalísticos, nos quais o leitor pode encontrar, sobretudo, informação e reflexão sobre os acontecimentos que interferem diretamente em sua vida. A leitura é essencial como um todo. Todos os gêneros literários têm seu valor e qualquer que seja a preferência do leitor iniciante ela deve ser incentivada. Mas é fundamental que sempre lhe sejam apresentados livros de qualidade, pois mesmo que sua preferência seja uma, nada impede que também venha a gostar de outros estilos literários. Contudo, qualquer que seja o gênero abordado, é importante oferecer atividades que tenham como principal finalidade a fruição e a reflexão.

3. Objetivos

3.1 Objetivo Geral

Valendo-se das pesquisas e criação metodológica, o projeto Encontro com o Escritor visa a criação de um ambiente democrático e acessível no qual a leitura, especialmente os textos literários, seja reconhecida pelo público adolescente das comunidades socialmente vulneráveis, que não possuem bibliotecas ou equipamentos culturais, bem como promover encontros que estimularão a discussão e a reflexão de temas atinentes à formação de leitores.

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Contribuir de maneira efetiva para a divulgação e a valorização da leitura literária, patrimônio imaterial da humanidade como bem cultural.

3.2 Objetivos Específicos

A fim de formar leitores sensíveis, conscientes, críticos e apreciadores dos gêneros vinculados à literatura, capazes de interpretar as outras linguagens presentes em seu ambiente social, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos:

Apresentar aos alunos do ensino fundamental das escolas assistidas pelo projeto, diversos gêneros textuais, a saber: cordel, crônica, conto;

Realizar atividades de leitura como, descobrindo o autor, roda de leitura, quiz literário e bate papo com o autor em destaque;

Promover palestras envolvendo a visita do escritor em destaque nas escolas assistidas pelo projeto;

Oferecer aos estudantes a oportunidade de conhecerem pessoalmente escritores mineiros e de haver um debate sobre as características e as experiências do ofício de escritor;

Incentivar a leitura literária;

Incentivar a produção de textos.

4. Metodologia

A equipe do Carro-Biblioteca, executora do projeto, optou por uma metodologia centrada nos pressupostos já abordados e construída a partir de sua experiência na formação de leitores. O projeto de formação desenvolve-se por meio de atividades de leitura presenciais nas quais se mesclam momentos de apresentação e discussão de aspectos teóricos, envolvendo a leitura e os gêneros discursivos trabalhados, a vivência de atividades que buscam colocar esses conhecimentos na prática e a discussão da própria prática, num movimento de ação-reflexão-ação. Logo, é possível observar a importância de que atividades de leitura se realizem com um espaço de tempo entre elas, o que permite a equipe do CB experimentar com seu público o que ele vivenciou, refletir sobre o que ele realizou e como o fizeram, e sobre os resultados de seu trabalho. As múltiplas experiências vividas por cada um e socializadas nesse espaço de trocas, que são as atividades de leitura, contribuem para delinear possíveis soluções, já que as dificuldades – sejam elas inerentes à atuação da equipe do CB em sala de aula/em outros espaços, sejam ligadas a questões externas que afetam a realização do trabalho com leitura (falta de infraestrutura, falta de apoio da coordenação escolar, resistência dos alunos etc.) – nem sempre são individuais. Vale destacar a importância dos formadores no sentido de acolher, orientar e respaldar o trabalho dos alunos. Deve-se creditar à competência e à sólida experiência da equipe do CB parte dos bons resultados que o projeto vem obtendo ao longo de sua trajetória.

A formação presencial permite a criação de vínculos consistentes que, ao longo do tempo, vão se construindo na relação entre o formador e os alunos e entre estes e seus pares. Procura-se valorizar a escuta como estratégia que

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possibilita a aprendizagem, a troca e a construção do conhecimento. Dar voz ao outro, num clima de respeito e acolhimento, gera confiança, aumenta a autoestima e permite a construção de espaços em que todos se sentem à vontade para expor dúvidas, discutir ideias e problemas e buscar, coletivamente, soluções. Para além do espaço físico, o espaço virtual também oferece a possibilidade de dar continuidade às trocas. Os estudantes participantes do projeto dispõem de um espaço de comunicação à distância para divulgação de notícias, textos voltados para a questão da leitura, troca de informações, postagem de fotos e de relatos referentes ao desenvolvimento do projeto. Trata-se do blog desenvolvido para o projeto. O material ali disponibilizado permite conhecer algumas das práticas desenvolvidas a partir da formação continuada oferecida pelo projeto.

Ao longo das ações de leitura em questão, atividades nas quais são explorados diferentes gêneros discursivos – cordel, crônicas, memórias, contos, textos jornalísticos – foram propostas. Em cada uma delas, observaram-se aspectos discursivos (condições de produção) e formais (estrutura textual, recursos linguísticos e expressivos) que foram comentados. Os gêneros discursivos ligados à literatura foram privilegiados, mas também houve a abordagem de textos jornalísticos, voltados para o entretenimento. Nas atividades, o trabalho com a caracterização dos gêneros e informações sobre sua origem e transformações ao longo do tempo – não de forma densa, mas com o intuito de permitir o reconhecimento de outras obras do mesmo gênero, tendo em vista a forma como essas características se realizam em cada texto, a partir da obra e do estilo de cada autor – foram ressaltados. O contexto de produção das obras foi devidamente exposto. Durante o planejamento das ações desenvolvidas, foram selecionados, pela equipe do CB, autores significativos da literatura mineira;2 nas atividades são trabalhados textos de diversos autores, o que permite destacar a riqueza de estilos. Isso traz para o participante das atividades uma ampliação de repertório – conhecimento de maior número de obras e autores. O estímulo ao contato com gêneros, obras e autores com os quais muitas vezes não tinham intimidade, traz como resultado claramente observável, um crescimento pessoal desses participantes como leitores.

5. Desenvolvimento

O percurso tem início com uma visita dos membros da equipe do CB às escolas participantes,3 com o intuito de apresentar as atividades propostas à coordenação das escolas e entregar o material que será utilizado pelas

2 Os livros escolhidos e seus respectivos autores são: Dom Quixote em cordel, de Olegário

Alfredo; Coisa do bicho, de Carlos Herculano Lopes; Uma história, uma lorota... E fiquei de boca torta!, de Pedro Antônio de Oliveira. 3 As escolas participantes foram: Escola Municipal Governador Ozanan Coelho no bairro

Capitão Eduardo, Escola Estadual Cecília Meireles no bairro Teixeira Dias, Escola Estadual Álvaro Salles no bairro Nova Pampulha, Colégio Caminhar no bairro Vale do Jatobá, Escola Municipal Paulo Freire no bairro Ribeiro de Abreu, Escola Estadual Manoel Soares do Couto no bairro Minas Caixa.

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mesmas. Neste momento fica estipulado o prazo de três semanas para o desenvolvimento das ações, sendo que cada atividade será realizada em um único dia de cada uma destas semanas. Destinadas a receber uma etapa diferente do projeto, cada semana se divide da seguinte maneira: a primeira semana é destinada aos desdobramentos da Roda de Leitura, o Quiz Literário é realizado na semana subsequente e o ciclo de palestras com o escritor convidado na última semana. O cronograma com todas as atividades previstas é disponibilizado à coordenação, assim como a entrega de livros dos autores em destaque para compor o acervo das escolas beneficiadas pelo projeto. Cartazes informativos denominados ―Descobrindo o Autor‖, que apresentam de forma esquemática, a vida e a carreira de cada escritor em destaque também são entregues às escolas. Cabe à direção e à coordenação oferecer condições para que as práticas complementares sejam incorporadas à programação rotineiras da escola: estimular e apoiar a realização de atividades relacionadas à leitura, acompanhar as atividades realizadas, e avaliar com todos os envolvidos tanto o processo, como os resultados obtidos com a realização da proposta.

Na Roda de Leitura, primeira etapa do Encontro com o Escritor, foram utilizadas estratégias específicas para a sua elaboração. Sob a supervisão da bibliotecária Viviane Ferreira, coordenadora do Carro-Biblioteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, os mediadores de leitura desenvolveram o planejamento e as intervenções em sala de aula com livros de autores mineiros. A pluralidade estilística das obras selecionadas é uma ferramenta importante na construção das atividades cujo conteúdo também se desdobra pelos gêneros propostos, situando o aluno dentro de um espaço. O livro em foco foi posteriormente apresentado na Roda de Leitura, na qual os leitores entraram em contato com a biografia do autor e a explicação sobre o gênero literário em questão, além de textos dos livros, que são expostos aos participantes de forma atraente e com a utilização de diferentes recursos midiáticos. Por meio da exposição audiovisual, na qual vídeos e sons contribuem para a criação de uma atmosfera propícia à contação de histórias, ou, até mesmo, a criação de um paralelo importante à interpretação do texto do livro ou à importância do ato de ler em si. Como resultado, os alunos tiveram a oportunidade de conversar sobre as suas interpretações a respeito do conteúdo apresentado, formular sua própria opinião e reconsiderar posições. Ao fim da Roda de Leitura, os alunos foram convidados a escrever uma redação, nos mesmos moldes do livro apresentado, com temática livre. Os textos fariam parte de uma competição entre todas as escolas participantes do projeto Encontro com o Escritor, em uma espécie de desafio interescolas. O aluno autor da melhor redação, escolhida pelo próprio escritor convidado dentre uma pré-seleção feita pela equipe do CB, seria contemplado com uma premiação.

Com o intervalo de uma semana após as atividades da Roda de Leitura, aconteceu o ―Quiz Literário‖. Esta segunda etapa do projeto Encontro com o Escritor consiste em um jogo competitivo de perguntas e respostas sobre o conteúdo apresentado durante a Roda de Leitura e as informações presentes nos cartazes do Descobrindo o Autor, no qual os alunos são desafiados. Por eliminação, selecionam-se os três primeiros lugares, e estes são premiados

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com coleções de livros literários de vários estilos. Após estas etapas de contato com os textos e sensibilização literária, foi realizado um Ciclo de Palestras com cada escritor das obras selecionadas. O formato adotado foi o de conversas informais, cujo foco era a mediação e a disseminação da leitura literária e da prática da escrita entre o público adolescente. Os autores falaram sobre as suas obras e relataram suas experiências. A aproximação entre cada autor e os jovens leitores ocorreu espontaneamente. Observou-se o surgimento de um laço afetivo entre os estudantes envolvidos e os autores, incentivando o interesse pelas obras apresentadas e a curiosidade literária em geral. Percebeu-se o desenvolvimento de uma motivação cultural que impulsionou os jovens leitores a participarem ativamente de todo o processo.

Foi possível observar durante o desenvolvimento do projeto Encontro com o Escritor uma parceria útil entre a equipe do Carro-Biblioteca e os professores envolvidos nas atividades. Em determinados momentos, utilizando-se da proposta do projeto Encontro com o Escritor como base, os professores puderam adaptar a ideia de incentivo à leitura para o universo diário da sala de aula. Os alunos foram motivados a aprofundarem-se mais na leitura das obras sugeridas, além de desenvolverem um ponto de vista crítico que seria avaliado pelos professores. Tal estratégia pode ser notada no próprio Carro-Biblioteca, uma vez que este passou a receber novas inscrições dos alunos contemplados com o projeto, e o volume de empréstimos da obra trabalhada nas escolas aumentou consideravelmente. Diferentes títulos do mesmo autor em questão também estavam disponíveis nas estantes do Carro-Biblioteca e também se tornaram alvo da curiosidade dos estudantes e leitores em formação.

6. Conclusão

O resultado do projeto Encontro com o Escritor nas escolas foi extremamente positivo, pois os alunos corresponderam às expectativas da equipe do CB: leram as obras selecionadas, elaboraram de forma artística as suas produções de texto (realmente fizeram arte com a palavra) e por fim, transformaram-se em curiosos leitores. Nesse processo de acompanhamento dos alunos, confirmamos a importância do papel do mediador de leitura na formação do leitor literário. A mediação de leitura mostrou-se essencial na formação desses novos leitores, que ao primeiro contato com a equipe do CB, mostraram-se desmotivados e indiferentes. Mas, ao longo do desenvolvimento projeto, com a mediação durante os encontros e a colaboração dos professores em sala de aula, nos momentos em que a equipe não estava presente, os estudantes despertaram para o prazer e para as possibilidades criativas da leitura. Portanto é notável a relevância de se trabalhar o projeto Encontro com o Escritor nas escolas, pois traz muitos subsídios para o professor desenvolver com os alunos a autoestima, escrita e a leitura.

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Referências

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CORDEL EM SALA DE AULA: ENCONTRO ENTRE ELEMENTOS LITERÁRIOS, POPULARES E PEDAGÓGICOS

Gláucia Maria Bastos Marques Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em

Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará PosLA/UECE

Professora do Colégio Militar de Fortaleza/CMF

Cleudene de Oliveira Aragão Universidade Estadual do Ceará – UECE

Professora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará

PosLA/UECE

Resumo

O presente trabalho tem por finalidade apresentar uma proposta de trabalho para a sala de aula com o texto literário, considerando o gênero cordel. Essa proposta é fruto de uma experiência desencadeada pelos professores de Língua Portuguesa do 9º ano de uma escola pública federal em Fortaleza, no ano de 2008, e advém da necessidade de um trabalho que leve em conta o gênero textual como ponto de partida e ponto de chegada para o processo ensino-aprendizagem da língua, assim como a compreensão da importância de se permitir que a literatura popular adentre o espaço escolar. Considerada, em geral, como literatura menor ou mesmo como um texto que não é concebido enquanto expressão literária, a prática escolar historicamente vem privilegiando o trabalho com autores reconhecidos pelo cânone. Nesse sentido, ancoraremos nossas discussões em teóricos como Bakhtin, Jouve, Bosi e outros para discutirmos questões como os gêneros na escola, a importância da leitura literária e do texto popular no espaço da sala de aula, assim como nos utilizaremos da ideias de Bordini e Aguiar que defendem a necessidade de uma metodologia específica para o ensino do texto literário na escola. Logo, tendo como objetivo permanente a aproximação do aluno com o texto numa perspectiva literária, nosso percurso de exposição guiar-se-á por um movimento de idas e vindas, considerando os objetivos definidos para o trabalho em sala de aula e os encaminhamentos metodológicos utilizados, a fim de realizarmos uma aproximação entre a literatura, a cultura popular e a reflexão pedagógica. Como resultado do trabalho, relatamos a experiência da produção coletiva de um cordel pelas turmas de alunos de 9º ano do Colégio em tela. Palavras-chave: Literatura de cordel; leitura literária; ensino.

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Contextualizando o trabalho

Para iniciarmos nossa conversa, faz-se necessário preliminarmente deixarmos claras duas questões que nos parecem fundamentais: a primeira é que o relato ora apresentado é fruto de um trabalho coletivo, realizado a quatro mãos por docentes de Língua Portuguesa do 9º ano de uma escola pública federal de Fortaleza. A sua natureza coletiva decorre da forma como o planejamento das atividades escolares se desenvolvia: todos os professores envolvidos com o referido ano planejavam conjuntamente as etapas e cada uma das atividades a serem realizadas. O segundo ponto que exige esclarecimentos é que este trabalho não é fruto de um projeto ou de uma atividade exterior à sala de aula, mas se configura como um gênero previsto no currículo, resultado de uma proposta pedagógica que se embasa na produção de leitura e escrita com base nos gêneros textuais.

De acordo com Marcuschi, o estudo dos gêneros não é nenhuma novidade, apenas o que ora ocorre é um modismo do tema enquanto proposta para o ensino da língua materna. Fruto do contato com as teorias de Bakhtin, que passou a ter seus escritos mais divulgados a partir dos anos setenta do século XX, muitos estudiosos e pesquisadores, particularmente os da área da Linguística, propuseram novas formas de se pensar o ensino da língua, incorporando o trabalho com os gêneros.

Segundo esse filósofo da linguagem, os gêneros dos discursos apresentam uma profunda heterogeneidade uma vez que ―[...] cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados...‖ (2003, p. 262, grifo do autor). É em função dessa diversidade e heterogeneidade discursivas que o autor afirma não ser possível um ―plano único‖ para o estudo dos gêneros.

Essas novas concepções de linguagem e de ensino da língua terminaram por se materializar em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais. A despeito de eventuais críticas aos documentos oficiais, consideramos um avanço no ensino da língua materna, uma vez que coloca como centro desse ensino o texto. Talvez parte dessa querela resida, e aqui trazemos a análise de Marcuschi, no fato de os documentos proporem sempre os mesmos gêneros, o que termina, muitas vezes, por levar a que professores tornem-se reféns do currículo oficial ou do material didático que têm em mãos. Tal situação, entretanto, não é nova e sua gênese não reside nas propostas com os gêneros textuais, mas no fato de que é preciso investir na formação do professor para que ele não se torne um mero transmissor de conhecimentos produzidos por outrem.

Logo, é somente um processo de formação fecundo que pode permitir ao professor ―organizar a situação de aprendizagem conforme as aspirações do grupo e as peculiaridades do conteúdo a ser trabalhado, sem forçar nenhum dos dois pólos e sem renunciar à sua função de orientador do processo educativo.‖ (BORDINI; AGUIAR, 1988, p. 42) e lhe possibilitar considerar as necessidades do aluno enquanto principal interessado no processo ensino-aprendizagem. Assim, é por meio de um embasamento teórico-metodológico que o docente poderá adquirir autonomia intelectual se assenhoreando de uma práxis pedagógica diversificada, evitando atitudes rotineiras, repetições de

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atividades letivas e submissão aos ditames do livro didático que, não raras vezes,

[...] acaba de fato por sacralizar e canonizar a obra, uma vez que, enquanto não se vê obrigado a mudar pelas normas oficiais, segue as leis do mercado e reproduz (vender o novo, mas não o original) as mesmas referências literárias, cujos comentários, análises, interpretações são fragmentos colhidos em estudos com autoridade no campo, de modo a consubstanciar a importância emblemática da obra no interior de tal gênero ou período, muitas apresentando como complementares visões distintas e contraditórias. (REZENDE, 2010, p. 3, grifo do autor).

Muito se tem discutido acerca do ensino com o texto literário na Educação Básica e particularmente no Ensino Médio, quando a Literatura se constitui enquanto uma disciplina autônoma no currículo. Dentre as tantas problemáticas levantadas – e algumas buscaremos discutir aqui –, está o fato de que o ensino de literatura tende a privilegiar uma história da literatura em detrimento da leitura literária. Assim como a considerar enquanto conteúdo apenas os autores e obras consagrados pelo cânone, além de reivindicar um caráter humanista ao currículo dessa disciplina. Dussel, em recente artigo traduzido por Rezende, aponta que:

As críticas ao currículo humanista se fundamentam em três fortes exclusões que estavam em sua base: das culturas populares, da cultura contemporânea (sobretudo dos produtos da indústria cultural de massa) e da ―voz‖ das crianças e dos adolescentes. (2009, p. 353).

Portanto, considerando a exclusão das culturas populares dos manuais didáticos, dado o distanciamento da cultura popular por parte dos jovens estudantes cearenses, julgamos ser relevante a presença da literatura de cordel no espaço escolar como objeto de ensino-aprendizagem, optando por incluí-la no planejamento de ensino para o 9º ano do ensino fundamental.

Não por acaso, a modalidade cordelista tem sido escanteada do cotidiano escolar. Nascido da cultura popular sobremodo nordestina, o gênero cordel tem sido asfixiado pela indústria cultural do livro didático, baseada na uniformização do conhecimento, padronização da cultura e vendagem mercantil, posto que não se adequa aos rigores da norma culta e a seus códigos formais de linguagem. O preconceito contra o não-erudito e a homogeneização cultural configuram-se assim em um desperdício de conhecimentos que nos põe uma viseira impelindo-nos a sempre olhar para uma única direção. É como se a cultura popular estivesse ao largo da cultura livresca e o cordel não tivesse nada a nos revelar. Todavia, a prática cordelista mostra-se recheada de riquezas expressivas e de relações discursivas, prenhe de mensagens simbólicas, de conteúdos e valores. Por outro turno, ela nos serve de pano de fundo para o resgate da vivência popular encravada no inconsciente coletivo do povo brasileiro, além de fazer parte da identidade do ser nordestino.

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Corroborando com a ideia de Pinheiro, quando afirma que ―A cultura popular tem vitalidade e riqueza de experiências e privar os alunos de seu conhecimento é empobrecê-los cada vez mais.‖ (2007, p. 72), acreditamos que o resgate da cultura popular e a escolha do gênero cordel como modalidade discursiva, enquanto objeto de estudos de professores e alunos, vão ao encontro de uma opção a qual, em última instância, busca refletir um compromisso social que funde numa mesma práxis educativa: o literário, o popular e o pedagógico.

Importância de objetivos

Quando da ideia de trabalharmos com a literatura de cordel na sala de aula, a primeira questão que nos foi posta foi a necessidade de um planejamento que não se configurasse como letra morta, como que constituído exclusivamente para dar vazão a normas e instrumentos da burocracia educacional, mas que retroalimentasse nossa prática escolar. Tomamos por pressuposto que o planejamento constitui-se em ―uma operação que adquire peculiaridades segundo o objeto ou a atividade a que se aplique.‖ (SACRISTÁN; GÓMEZ, 2000, p. 201). Desse modo, traçamos como objetivo geral compreender o cordel como um gênero literário e ao planejarmos a viagem pelo mundo do cordel, buscamos num primeiro momento definir os objetivos que balizariam as atividades previstas no planejamento.

A fim de darmos conta do nosso objetivo geral, dentro do desenho metodológico coletivamente constituído, pensamos em reservar um momento inicial, destinado a uma ―conversa com um cordelista‖. Como parte do projeto de familiarização com o universo desta modalidade discursiva, seria convidado um autor de cordel para que discorresse sobre o seu ofício de contador. Por meio de um bate-papo com a turma, pretendíamos possibilitar que os alunos entrassem em contato com o gênero, bem como tirassem dúvidas acerca das peculiaridades da literatura de cordel e do fazer literário do poeta popular. Vale ressaltar que devido ao tempo, não foi possível esse encontro, pelo menos no ano em referência, embora essa experiência tenha sido realizada em anos anteriores.

Nossa intenção era que o discente - particularmente o da zona urbana, que tem sido bombardeado pela cultura fastfood dos shopping centers - percebesse que o fazer poético do poeta popular se constitui como elemento de cultura e como manifestação literária. De outro modo, levasse-o a compreender que essa construção literária propicia-lhe a oportunidade de aproximação com todo um saber histórico, político, social e econômico. Nos termos de Paulo Freire:

[...] os educandos são convidados a pensar. Ser consciente não é, nessa hipótese, uma simples fórmula ou um mero ―slogan‖. É a forma radical de ser dos seres humanos enquanto seres que, refazendo o mundo que não fizeram, fazem o seu mundo e neste fazer e re-fazer se refazem.‖ (FREIRE apud GADOTTI, 2008, p. 255).

Essa aproximação não é somente com o saber do homem do Nordeste, onde o gênero cordel sempre foi mais difundido, mas com um saber universal,

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haja vista que as temáticas retratadas no cordel não dizem respeito somente à realidade imediata na qual o poeta está inserido. Prova disso são os inúmeros poemas de Patativa do Assaré, talvez o poeta popular mais conhecido contemporaneamente, que trata na sua poesia não só da temática do nordestino, com todos os seus percalços, mas de temáticas que nos remontam a grandes narrativas épicas e mitológicas. Para efeito de ilustração, vejamos como o poeta cearense narra o episódio histórico da chegada dos astronautas à Lua, em meio à desconfiança da população:

Pros atronata chega Não tem nada que lhe atraze, Pode a lua se incrontá In quarqué uma das fase. A história é bastante isata, Lá na lua os astronata Andaro mais de uma vez, É uma certeza pura, Foi a mais grande avintura Que os home da terra fez. (2004, p. 127).

Como objetivos específicos, elencamos, inicialmente, a leitura e interpretação de cordéis. Para tanto, reservamos dois tempos de aula a fim de que os alunos, reunidos em grupos, livremente escolhessem, dentre os vários cordéis levados para a sala de aula pelo professor, aqueles que lhes interessassem para realizarem suas leituras e interpretações e pudessem, em seguida, compartilhar com o grupo.

Ora, ao pensarmos nesse objetivo e ao designarmos esse momento para a leitura e interpretação, buscamos (re)colocar como objeto de estudo da literatura o texto literário. Essa relação do leitor com o texto é indispensável para que o discente se constitua enquanto sujeito leitor e possa, portanto, imprimir a sua leitura, evidentemente que respaldada pelos elementos do texto, e a sua subjetividade naquele construto. O fato de ser permitido ao estudante-leitor compartilhar suas interpretações com o professor e os colegas lhe possibilita intercambiar experiências, das quais ele participa sem necessariamente ter de vivê-las in loco.

Para Cosson, se ―ler é um ato solitário‖, interpretar ―é um ato solidário‖ (2006, p. 27). Nessa perspectiva, faz-se necessário dar espaço, tempo e voz aos alunos, na medida em que ―ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultados de compartilhamento de visões de mundo entre os homens no tempo e no espaço.‖ (Ibid, 2006, p. 27).

Nesse sentido, reiteramos a riqueza do trabalho com o cordel, enfatizando a variedade de temas e objetos retratados no fazer literário do cordelista, considerando a oportunidade que tem nosso aluno-leitor de partilhar de um universo cultural no qual ele não está diretamente inserido, bem como de compreender a diversidade de nossa cultura nacional. Acerca da pluralidade histórico-social da formação do povo brasileiro e de sua miscelânea cultural, Bosi afirma que:

[...] não existe uma cultura brasileira homogênea, matriz dos nossos comportamentos e dos nossos discursos. Ao contrário:

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a admissão do seu caráter plural é um passo decisivo para compreendê-la como um ―efeito de sentido‖, resultado de um processo de múltiplas interações e oposições no tempo e no espaço. (1987, p. 7, grifo do autor).

Daí a necessidade do contato do nosso aluno com um fazer poético que expresse essa nossa pluralidade cultural. Desse modo, a sala de aula se constitui enquanto um espaço institucional-escolar de discussão e reflexão sobre a própria heterogeneidade de nossa identidade nacional, num momento em que essas questões parecem tão distantes do cotidiano discente em virtude, principalmente, da imposição de uma cultura de massa, homogeneizada, consumível e, portanto, descartável.

O segundo objetivo específico, definido pelo coletivo de professores do 9º ano, foi reconhecer os elementos estruturais e temáticos constitutivos do gênero cordel. Nesse sentido, valemo-nos metodologicamente da leitura compartilhada de um cordel, cujo título ―A didática do cordel‖ já nos indica uma escolarização do literário. O uso desse recurso específico tinha por meta realizar uma aproximação entre o texto literário, o gênero cordel e a prática escolar. Nesse cordel, o poeta apresenta todo o contexto histórico sobre o qual a cultura cordelista foi constituída: a origem do vocábulo ―cordel‖; sua evolução histórica; os elementos estruturais que compunham as primeiras produções e quais as estruturas mais utilizadas na contemporaneidade; quais temas podem ser empregados na produção desse gênero literário; quais os nomes mais representativos do cordel brasileiro etc.

Neste momento, faz-se mister a presença do professor no intuito de se colocar como mediador entre o aluno-leitor e o texto literário. Assim, todos buscam os sentidos presentes no texto, as informações explícitas, assim como as dimensões simbólicas ali representadas. Desse modo, transcende-se a ideia da existência de um único sentido sacralizado, ou pela fala do professor, ou por uma interpretação constituída à base do ―princípio de autoridade‖. Logo, há que se considerar a produção do sentido do texto fundamental na intencionalidade daquele que escreve, na funcionalidade do gênero, nas informações contidas, na estrutura constitutiva e no nível de linguagem utilizado. Todos esses elementos que configuram a especificidade do texto literário.

Jouve, ao tratar do caráter específico da leitura literária, citando Michel Picard, reconhece três funções fundamentais para dar conta da peculiaridade do literário: ―subversão na conformidade‖; ―o sentido na polissemia‖ e ―a modelização por uma experiência de realidade fictícia‖. A primeira função é a:

―subversão na conformidade‖. O texto literário ao mesmo tempo contesta e supõe uma cultura. [...] A leitura literária tem, portanto, um duplo interesse em nos mergulhar numa cultura e fazer explodir-lhe os limites. [...] A segunda função é a ―eleição do sentido na polissemia‖. O texto literário remete sempre a uma pluralidade de significações. [...] A última função apreendida por Picard é ―a modelização por uma experiência de realidade fictícia‖. Trata-se aqui do papel pedagógico da leitura. (2002, p. 137).

Para o escritor francês é, portanto, com base nessas três funções, que a leitura literária torna-se ―uma prática frutuosa da qual o sujeito sai

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transformado. (Ibid, p. 138). Desse modo, compreendemos a proposta do estudo do texto de cordel como um convite para a subversão da cultura de massas produzidas em conformidade com a indústria cultural, para a compreensão polissêmica dos sentidos explícitos e implícitos contidos no texto e para que o discente perceba a riqueza de ideias e valores presentes nos textos poéticos.

Portanto, ao trazermos o cordel para o espaço escolar, possibilitamos que a cultura popular ultrapasse os limites do exótico, de uma cultura circunscrita a determinado grupo, e permita ao aluno ingressar num universo literário e cultural ao qual não está diretamente relacionado.

O terceiro objetivo específico do planejamento coletivo foi o de compreender o nível de linguagem empregado como essencial para a construção do sentido do texto. Sabemos que o ensino da literatura, na sua prática de privilegiar apenas as obras canonicamente reconhecidas, termina por impor, muitas vezes, uma visão do texto literário como exemplo de uso correto da língua. Embora essa discussão, acerca das variedades linguísticas, pareça já superada, observamos, na análise mais profunda dos textos literários, que esse elemento não se constitui como instrumento analítico que leve o aluno a perceber a sua importância na produção dos sentidos do texto. Bordini e Aguiar denunciam essa situação, afirmando que:

Embora a literatura faça parte das instituições culturais que constituem a língua-padrão, deve-se lembrar que é nela que esta mesma variante se modifica com maior rapidez. A escola, entretanto, sempre detém esse curso de modificação, escolhendo obras menos avançadas em seu discurso. (1988, p. 39).

Das palavras das autoras é possível perceber o caráter de vanguarda da literatura. Essa condição se dá em função da peculiaridade do texto literário, que põe em relação realidades sócio-históricas produzidas com o ficcional, com o imaginário e com o lúdico. Livre das amarras ditadas pela norma-padrão, muitas vezes, os autores se lançam na construção de termos, linguagens e metalinguagens que rompem com o formalmente instituído.

Pensando no resultado do trabalho docente proposto, definimos como último objetivo a produção coletiva de um cordel por parte dos alunos. Essa atividade nos permitiria avaliar o nível de aquisição das competências adquiridas, a capacidade de leitura de mundo e a habilidade na confecção da atividade de cordelista.

A temática para a construção textual foi proposta pelos professores e discutida com os alunos, a quem foram entregues alguns textos informativos acerca da temática escolhida para a construção do cordel. Para essa atividade, foram reservadas quatro horas/aula, nas quais os alunos se dividiram em pequenos grupos e cada um deles ficou responsável por construir entre três e quatro estrofes, a fim de compor um cordel da turma. Esse momento revelou-se bastante produtivo e praticamente todos os alunos sentiram-se motivados a se integrar na atividade ou por meio da escrituração do texto ou por meio da confecção da capa, nos moldes da xilogravura.

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À guisa de uma conclusão inacabada

A observação direta do trabalho dos alunos dna confecção dos cordéis e sua posterior apresentação possibilitaram afirmar que houve uma identificação entre os estudantes-cordelistas e o gênero textual, revelando que as funções peculiares do texto literário, apresentadas por Michel Picard (―subversão na conformidade‖; ―polissemia textual‖ e ―modelização por uma experiência de realidade fictícia‖), não se constituem em letra morta podendo servir de guia para a nossa práxis docente enquanto professores de Língua Portuguesa.

Acreditamos que a utilização da literatura de cordel enquanto recurso didático para o ensino da Língua Portuguesa constitui-se em um importante veículo para a formação dos discentes de ensino fundamental. Por intermédio da cultura popular, o aluno poderá adentrar na vida nordestina, além de vislumbrar aspectos outros referentes à nossa cotidianidade, pois o cordel além de retratar a cultura nordestina reflete dimensões outras que caracterizam o hibridismo na formação do povo brasileiro. Pelas vias da cultura cordelista, pode-se refletir sobre qualquer tema, sejam eles relacionados à cultura nordestina (seca, indústria da seca, migração, vida severina etc), ou ligados ao cotidiano da vida moderna (violência, desemprego, crise ambiental, sexualidade, discriminação etc.).

Os resultados a que chegamos permitem afirmar que o estudo da construção literária com base no mundo do cordel propicia a oportunidade de aproximação do aluno com um saber histórico e social constituído em diferentes épocas, ssim como possibilita ao estudante uma aproximação com o universo cultural do homem do Nordeste, bem como com outros temas que nos dias de hoje perfazem o dia a dia do homem contemporâneo. Dessa forma, afirmamos que a instituição escolar não pode abdicar de sua função de formar leitores críticos, leitores do mundo, sujeitos ativos de sua própria ação educativa. As possibilidades quanto a uma intervenção didática com os gêneros discursivos nas aulas de Língua Portuguesa são inúmeras. No que tange ao trabalho com o texto literário, cabe ao docente o papel de mediador entre o texto literário e o aluno-leitor e de articulador entre a literatura e a ação pedagógica no cotidiano da sala de aula.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA: TORNANDO A SALA DE AULA UM ESPAÇO DE MEDIAÇÃO DE LEITURA E DE CONSTRUÇÃO DA RELAÇÃO AFETIVA

COM A LITERATURA, NO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Jamile Rossetti Professora Especialista do Primeiro Ano D

Escola Municipal Professora Maria Francisca da Silva Lemos

Cidade de Boa Vista/RR [email protected]

(95) 98117-7937 / (95) 99147-0506

Resumo

O presente artigo propõe-se a relatar as práticas desenvolvidas com alunos da turma de primeiro ano D da Escola Municipal Maria Francisca da Silva Lemos, da Rede Municipal de Boa Vista – RR, como forma de possibilitar uma vivência afetiva com a Literatura Infantil, pensando na sala de aula de alfabetização como um espaço de mediação de leitura, tendo por base as relações sociais como forma de internalizar o conhecimento acerca da Literatura Infantil, para ampliação do universo vocabular, estruturação do processo de alfabetização e a construção da identidade leitora das crianças. Palavras-chave: Espaço de Mediação; leitura afetiva; alfabetização.

Abstract

This article aims to report the practices developed with students of the first year D class of the Municipal School Maria Francisca da Silva Lemos, the Boa Vista - RR Municipal Network, in order to enable an affective experience with the Children's Literature, thinking literacy classroom as a reading mediation space, based on social relationships as a way to internalize the knowledge of children's Literature, to expand the vocabulary, structure the literacy process and the construction of the children‘s reader identity. Keywords: Mediation Space; affective reading; literacy.

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Introdução

Ao superar as barreiras que propunham o confronto entre alfabetização e letramento, as práticas escolares em classes de alfabetização passaram a desafiar os educadores, questionando padrões e conceitos preestabelecidos, uma vez que as teorias pareciam muitas e as metodologias adotadas se mostravam incoerentes. Os métodos estruturados e focados em resultados quantitativos passaram a ser adotados em larga escala por escolas públicas e privadas, na tentativa de superar os índices de analfabetismo, considerando apenas a decodificação mecânica da escrita, sem práticas consistentes de leitura e produção escrita.

Dessa forma, a escola permanece com o status quo de espaço infértil de construção da relação afetiva com a leitura e com a Literatura Infantil, considerando que os estudantes são levados a internalizar a leitura como obrigação e repetição, sem qualquer ligação com seus aspectos sócioafetivos e culturais. Ainda que as políticas do Ministério da Educação ressaltem a importância da leitura e da formação de leitores desde a Educação Infantil, a Rede Municipal de Boa Vista – RR, sistema em que trabalhamos, optou por se ater aos índices facilmente mensuráveis, escolhendo um método estruturado de alfabetização, com treinamentos e padrões distantes da formação integral de seu público, causando certo estranhamento para educadores e alunos. Propunha-se utilizar um método fônico específico, com metas fixas, horários e um passo a passo rigorosamente estabelecido para ser igualmente trabalhado em todas as escolas do Sistema. Não seria mais necessário selecionar atividades, elaborar projetos, propostas de intervenção, nem mesmo objetivos, uma vez que passaríamos a receber o planejamento preestabelecido, tendo apenas que distribuir as atividades no tempo de oito dias para cada lição de Língua Portuguesa.

Como educadores e com a responsabilidades de alfabetizadores, lidamos com novos desafios a cada início de ano, com novos pontos de partida para os deliciosos caminhos da leitura e da escrita. No entanto, um método fixo de alfabetização, por si só, remete às superadas cartilhas, sem contextos, sem significado para os sujeitos mais interessados nesse processo. O que fazer com essa bagagem das crianças? De que maneira poderíamos dialogar com os conhecimentos e com a concepção de alfabetização que havíamos construído? E a Literatura Infantil?

Em meio a todas estas questões e desequilíbrios, iniciou-se o desafio: como usar o aparato de livros didáticos fornecidos pelo sistema estruturado do Instituto Alfa e Beto, as exigências de tempo e metas, em favor das crianças? De que maneiras poderíamos explorar o universo da literatura infantil em meio às condições ―impostas‖ pelo sistema? O que fazer para não sucumbir diante das desventuras de um método estruturado? Se a concepção de alfabetização, por meio de treinamento e repetições de fonemas, caberia a cada professor corroborar ou não.

O primeiro passo foi, então, estudar e planejar, pois nenhuma prática tem sentido se não for cuidadosamente planejada e coerentemente fundamentada. Consolidar e estruturar concepções e estabelecer uma proposta coerente para o trabalho com a turma, tornou-se fundamental. Para tanto,

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aprofundamos os estudos sobre leitura, formação de leitores e alfabetização, bem como as estratégias necessárias para tornar a sala de aula um espaço de mediação de leitura e de construção das relações afetivas com a Literatura Infantil.

Marco Teórico

Estruturar os caminhos a seguir passou por um cuidadoso aprofundamento das teorias sobre Leitura, Literatura, Linguagem e Medição de Leitura, sobretudo nas relações afetivas possíveis nesses conceitos. Isso porque, o estranhamento com a proposta estruturada do Município gerou o que Kleiman (1999), citando a teoria marxista, chama de trabalho alienado, quando o trabalhador não se reconhece no produto do seu trabalho, quando esse é algo estranho ao trabalhador. Por isso, passamos a buscar uma linha de trabalho concernente com a visão de educação com propósitos de prática social e aprendizagem conceitual, compreendendo a criança sujeito histórico-cultural.

Por isso, as atividades para o trabalho foram sempre relacionais, em grupo e incentivando as mais variadas questões sociais, tornando sala de aula o espaço social fértil para vivenciar práticas cotidianas e culturais, conflitivas ou não, para que cada aluno buscasse sua identidade, mediando suas aprendizagens e contribuindo para as do outro. Nessa perspectiva justifica-se a escolha pelo trabalho em grupos e as eleições para a formação dos mesmos, dando a oportunidade de diálogo crítico e representativo.

Para tanto, corroboramos com Jobim e Souza:

Sendo sujeito, a criança não pode permanecer sem voz, e é no diálogo com o outro que ela mostra a indissociabilidade entre a forma e o conteúdo de sua existência ativa no mundo. [...] Assim, é a criança-sujeito, autora da sua palavra, que nos mostra os espaços sociais a partir dos quais emerge sua voz, seu desejo. Aqui, não é mais o adulto que fala por ela, determinando de fora, a partir de suas próprias necessidades subjetivas, a importância dos diferentes espaços sociais em que a criança está inserida. Mas, ao interagir com a criança, ambos constroem uma compreensão mais abrangente do que significa existir socialmente em um contexto marcado por profundas contradições econômicas, sociais e culturais. (2010, p. 24-25)

No que concerne à Literatura Infantil, desconsiderar a afetividade é boicotar o trabalho, antes mesmo de inicia-lo. Por isso, partimos do que Cramer e Castle (2001), apud Alexander e Filler (1976), chama de ―um sistema de sentimentos relacionados à leitura que faz com que o estudante aproxime-se ou evite uma situação de leitura‖, pois cabe ao educador responsável pela etapa de alfabetização superar possíveis equívocos ou ausências anteriores relacionadas com o livro, as histórias e todo o universo da Literatura Infantil. Embora se tenha superado em muito as premissas que afastavam os livros das crianças na Educação Infantil, parte delas chega ao primeiro ano sem ter manuseado um único exemplar. Ressalta-se, ainda, que as estratégias de

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leitura propostas pelo método estruturado do Instituto Alfa e Beto, previam atividades sistemáticas e repetitivas, afastando possibilidades criativas e, consequentemente, prazerosas.

Dessa forma, seguimos o que Lois (2011) chama de literatura sob um ponto de vista menos pedagogizante, visando investir na literatura como texto estético, e de efeitos subjetivos, favorece o encontro do texto com o leitor e lhe oferece espaços de identificação e projeção através de um diálogo com a sua bagagem de vida . É nesse espaço de abstração permitido pela arte , que o leitor se encontra com o prazer e decola com ele para conquistar outras formas de leitura.

Por fim, seguimos a ideia de Transposição Didática proposta por Lerner (2002), na qual e Leitura e a Escrita como objetos de ensino, estruturando a identidade desse aluno como leitor, não no sentido estrito e técnico, mas na valorização da Literatura Infantil como direito desses sujeitos, portanto, dever da escola. Pois, como traz Baldi (2009), essa, como qualquer forma de arte, é capaz de nos tornar pessoas melhores, não só intelectual, mas emocionalmente, porque desperta o que de melhor existe em nós.

Objetivos

Assim, contrariando o viés da leitura como ferramenta técnica e mecânica, decidimos trabalhar com o objetivo de tornar a sala de aula um espaço de mediação de leitura e de vivências afetivas com a Literatura Infantil, por meio de práticas que apresentassem a função social e relacional da leitura, afastando a ideia de treinamento e repetição, contribuindo efetivamente para a alfabetização. Para isso, foi necessário pensar interdisciplinarmente, incluindo atividades de todas as áreas do conhecimento, bem como contar com o uso efetivo do acervo disponível do Programa Biblioteca na Escola e do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa - PNAIC.

Metodologia

A turma do primeiro ano contava inicialmente com 25 crianças (chegando a 27, atualmente), estágios diferentes no que dizia respeito à escrita e ao conhecimento básico do alfabeto, bem como em suas vivências com Literatura Infantil.

Nesse sentido, implementamos uma rotina literária, com base no que propõe Baldi (2009), contemplando os seguintes momentos: a formação de grupos de trabalho, por meio de eleições mensais; montagem do acervo do baú da leitura, por meio de visitas semanais à sala de leitura, em que os grupos escolhem as obras de acordo com as preferências de cada integrante; momentos diários de leitura livre feitas pelas crianças, sem intervenções na escolha dos livros por parte da professora; leitura mediada, alternando escolhas das crianças e indicações da professora; e, por fim, relatórios escritos, por meio de desenhos, cartazes e textos coletivos registrados no Livro da Turma, bem como relatos orais em vídeos, sobre as leituras, as eleições e as visitas à sala de leitura.

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A avaliação coletiva acontece por meio dos relatórios e do diário de campo da professora, fazendo com que a rotina seja constantemente atualizada, tornando-se mais produtiva e prazerosa. As estratégias de leitura por parte da professora buscam indicar caminhos para que os representantes dos grupos auxiliem os colegas nos momentos de leitura livre, descentralizando a figura do medidor para este contato entre pares.

Desenvolvimento

Partimos dos momentos de leitura por parte do adulto, os quais foram de fundamental importância para a vinculação da turma com a Literatura Infantil. No primeiro mês, utilizamos diferentes narrativas, intensificando o uso do livro e as explorações. As estratégias de leitura foram sendo alternadas de acordo com as demandas da turma, contrapondo-se ao treinamento e à repetição vazia proposta pelos manuais do livro didático adotado pela escola. Na ânsia de ensinar a ler, a decodificar, nos esquecemos de que ler deve ser muito mais do que uma habilidade compulsória e mecânica. Escolher o que e como ler, manusear diferentes mídias, compartilhar ideias, antecipar finais, argumentar, convencer, são algumas das habilidades do verdadeiro leitor e que começam a partir da leitura de alguém.

Como nos traz Abramovich (1997), o primeiro contato de uma criança com um texto é feito oralmente e na leitura de histórias, poder ser um pouco cúmplice desse momento de humor, de brincadeira e de divertimento. Nessa perspectiva, as rodas de leitura foram fundamentais para criar os vínculos necessários para as atividades que se seguiriam, bem como para transformar a sala de aula no ambiente de relação direta com os livros e a Literatura Infantil. A cada gênero proposto pelo livro dos alunos (relativo ao método estruturados) fazíamos a seleção das obras a serem trabalhadas ao longo dos sugeridos oito dias de lição – também proposta do método - dialogando com as práticas de Ciência, Matemática, Geografia e História, compreendendo que nessa etapa de ensino, tudo por ser convertido em leitura e escrita.

Contudo, era preciso aproximar os pares, possibilitar contatos entre as diferentes etapas de leitura, provocar confrontos positivos, no sentido de promover o crescimento. Seguindo experiências anteriores em turmas de alfabetização, foram definidas as práticas permanentes, ou seja, rodas de leitura, seleção de obras literárias para o baú da leitura, visitas periódicas à sala de leitura e, ainda, as eleições para a formação dos grupos. Optou-se por trabalhar com a dinâmica de grupos de trabalho, com eleições mensais de um ―líder‖ (mediador), o qual seria o responsável pela formação e organização do grupo durante o mês. Partindo da elucidação sobre o que é o trabalho em grupos, abordando conceitos como líder, equipe, parceria, diferenças associados à histórias que tratavam das relações e de parcerias, criando o ambiente fértil para que a turma pudesse pensar de que maneira proceder para votar. Nesse sentido, explorou-se também a função do voto, situações em que votamos e para que votamos, por meio de histórias, sem trabalhar a moral das histórias. Eram feitas perguntas sobre brincar junto, combinações, ser e ter amigos, trazendo as opiniões e relatos das crianças, incluindo brincadeiras. A

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cada abordagem, a turma produzia coletivamente pequenos textos, iniciando os registros no Livro da Turma (nome escolhido pelas crianças), que nos acompanharia em vários outros momentos. Também organizamos em um cartaz, as ideias sobre o que é um bom líder em sala e quais as características que ele deve ter na visão do grupo.

Partimos, então para as eleições O critério para votar era responder à pergunta ―com quem eu desejo aprender?‖. Cada aluno e cada aluna escrevia em um papel o nome do colega que escolheu. Nesse momento, àqueles que ainda não estavam alfabetizados tinham como opção o glossário de nomes que foi fixado na parede e trabalhado previamente, contendo a representação do nome dos colegas. A apuração sempre foi feita de maneira coletiva, em um cartaz, onde eram anotados os nomes de quem era votado. Depois são contados os votos, os cinco mais votados tornavam-se líderes dos grupos. Os líderes convidavam um colega que seria o vice-líder. A dupla então escolhe mais um colega. E os que ficam por último escolhem o grupo que querem ficar. Mas para isso, o grupo expõe suas propostas de trabalho, contando que motivos os colegas têm para optar pelo grupo. Escolhidos os grupos, estes escolhem os locais da sala que preferem, bem como a cor e o nome para a equipe.

A partir daí, elaboramos tarefas para cada grupo e para os líderes, por meio de listas coletivas e tabelas. Estes grupos passaram a compartilhar tarefas, organizar o trabalho, auxiliar uns aos outros, jogar, brincar, resolver conflitos, fazer propostas. Ao final de cada mês, realizamos uma plenária sobre o que deu certo, se o líder cumpriu o que estava combinado, bem como quais as aprendizagens do grupo foram mais significativas, sobretudo nos momentos de leitura livre e nas escolhas do acervo.

Com essa prática, os ―líderes‖ foram se transformando em mediadores de aprendizagem e de leitura. Isso porque o suporte em momentos de leitura livre foi apresentado como tarefa de grupo, visando encorajar o uso dos livros independente do estágio de leitura e de escrita em que o líder se encontrava. A criança começa a ler antes mesmo de compreender o código alfabético, por meio de imagens e da referência de um leitor competente. Como traz Martins apud Shott:

[...] aprender a ler significa também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós próprios, o que, mal ou bem, fazemos mesmo sem ser ensinados. A função do educador não seria precisamente a de ensinar a ler, mas a de criar condições para o educando realizar a sua própria aprendizagem, conforme seus próprios interesses, necessidades, fantasias, seguindo as dúvidas e exigências que a realidade lhe apresenta. Assim, criar condições de leitura não implica apenas alfabetizar ou propiciar acesso aos livros. Trata-se antes, de dialogar com o leitor sobre a sua leitura, isto é, sobre o sentido que ele dá, repito a algo escrito, um quadro, uma paisagem, a sons, imagens, coisas, ideias, situações reais ou imaginárias (2012, p. 79).

O uso da sala de leitura foi outro passo fundamental. Essa saída para montar o acervo da sala possibilitou esse momento afetivo de escolher, avaliar,

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debater, argumentar. Visitar bibliotecas e livrarias é um desafio em nosso município, portanto foi uma forma de incluir esta prática social de alguma forma no cotidiano do grupo. Trazer o viés afetivo, que será fundamental para sua construção de identidade leitora.

A implementação de tablets com jogos, parte da metodologia estruturada adotada, parecia ser o fim dos momentos de leitura, uma vez que as crianças deveriam utilizar os equipamentos por 30 (trinta) minutos diários, monitorados quinzenalmente. No entanto, este aparente empecilho converteu-se na consolidação do vínculo afetivo com a Literatura Infantil. Permitimos que crianças escolhessem se queriam jogar ou ler. Nos primeiros dias, apenas os alunos que não tinham os tabletes para jogar (porque estavam descarregados) aproveitavam o tempo para ler. Após uma semana, as crianças voluntariamente optavam pelos livros, sobretudo em dias de troca de acervo. Formavam duplas para socializar e, gradualmente, se desinteressavam pelos jogos. Como os aparelhos sempre apresentavam problemas, os momentos de leitura livre permaneceram cada vez mais ricos. Sentados em círculos ou em duplas, as explorações eram as mais diversas.

A cada troca de acervo, passamos a registrar os livros mais usados, os que não agradaram e porque, quais deveriam permanecer, as diferenças e semelhanças entre livros de mesmo gênero, etc.

Os registros coletivos, em cartazes, listas, Livro da Turma, foram pretextos de escrita fundamentais para o avanço nas questões de escrita. Poder argumentar e propor ideias é um recurso que encoraja a todos, independentemente do estágio de escrita em que se encontre, facilitando o confronto de hipóteses, por meio das interações. Ressaltando, ainda, que estes escritos se tornam referência para outras escritas e fontes riquíssimas de consulta.

O Diário de campo foi um instrumento de registro docente mais significativo, pois possibilitou acompanhar os avanços individuais, os coletivos e as alterações necessárias ao longo do processo. Um dos momentos mais significativos foi observar uma aluna contando a história do ―Curupira, brinca comigo?‖ (Lô Carvalho) para um aluno, reproduzindo a forma como foi contada, incluindo gestos e próprios, mudanças de voz e palavras. Embora a aluna não estivesse decodificando, utilizava todos os demais recursos de uma leitura fluente, incluindo a exploração do nome do livro, a indicação de onde estava lendo e a entonação a cada pergunta, o que mostra que a leitura literária é muito mais do que ler mecanicamente ou repetição. Está, porém, na espera afetiva ao que Kline (2001) se refere como vasta e complexa, afirmando que não são palavras que lemos; são alegria e dor, satisfação e desespero, ódio e amor, sabedoria e estupidez, fatos e ficção, fantasia e fé.

Conclusões

Para além das amarras que percebemos em sistemas fixos de alfabetização e que pouco ou nada dialogam com as concepções atuais, foi possível perceber que necessitamos superar as dicotomias e incoerências que se apresentam na escola.

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Por certo que, a leitura da palavra é fundamental. No entanto, formar leitores é um processo que facilita a leitura da palavra, uma vez que a criança entenderá o sentido de tais signos em sua vida.

Poder opinar, articular argumentos, convencer, respeitar opiniões contrárias, são processos indissociáveis da prática social. Durante o trabalho a turma foi construindo essas relações e percebendo o espaço (e o valor) das diferenças, para avançar e superar desafios.

Compreender, ainda, o valor da escrita e da leitura vai além do os currículos esperam, pois não se pode mais tratar a escola como espaço de ―libertação‖ de um modo de vida, mas sim a comunhão de modos de sentir e viver o universo letrado.

Por fim, é preciso considerar o papel do professor na formação de leitores e na criação de espaços de mediação. Como Aguiar (2001) bem nos lembra, aqueles que se envolvem com a educação das crianças e jovens precisam estar cientes de seu papel na formação de leitores e, principalmente, ser também leitores. Isso porque só construímos um valor quando o introjetamos, quando estamos convencidos de sua importância. Assim, quem não lê não pode incentivar outros a lerem. Isso remete ao compromisso social que temos ao trabalhar na escola e toda a criticidade envolvida em nossas práticas. A leitura e a escrita só farão sentido quando nos entendermos como sociedade leitora, com a real valorização da Literatura Infantil como direito fundamental.

Referências

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo : Scipione, 2009.

AGUIAR, Vera Teixeira de (Coord.). Era uma vez... na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Editora Formato, 2001.

BALDI, Elizabeth. Leitura nas séries iniciais: uma proposta para a formação de leitores de literatura. Porto Alegre: Editora Projeto, 2009.

CHARTIER, Anne-Marie. Práticas de leitura e escrita – história e atualidade. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2007.

CRAMER, Eugene H. Incentivando o amor pela leitura. Porto Alegre: Artmed, 2001.

JOBIM E SOUZA, Solange. Infância e Linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas: Papirus, 1994.

KLEIMAN, Angela B. Moraes, Silvia E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999.

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

LOIS, Lena. Teoria e Prática da Formação do Leitor: Leitura e Literatura na Sala de Aula. Porto Alegre: ArtMed, 2011.

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SHOTT, Rochelle M. S. O adolescente não-leitor: um desafio para a biblioteca escolar. Revista Smed Conhecer, Porto Alegre, n. 4, 2014.

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CHÁ COM ALICE: MEDIAÇÃO ENTRE A LEITURA E O MUNDO DA IMAGINAÇÃO

Jeanne Chaves Rodrigues Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ/IM

Graduanda de Pedagogia [email protected]

(21) 97541-5825

Mariana Quinelato Ferreira Medeiros Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ/IM

Graduanda de Pedagogia [email protected]

(21) 99462-4526

Geisa Turibio da Silva Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ/IM

Graduanda de Pedagogia [email protected]

(21) 97537-7131

Resumo

Este trabalho tem por objetivo apresentar uma experiência de mediação de leitura nos anos iniciais, discutindo a relação dos mediadores de leitura com a experiência leitura, bem como suas múltiplas possibilidades didáticas de envolver os alunos numa leitura de fruição na escola. Usaremos como referencial teórico Lajolo (2001), Zilberman (1981) para discutirmos a literatura infantil e a sua contribuição na ampliação das experiências culturais das crianças. Palavras chaves: leitura; mediação; experiência.

Abstract

This paper aims to present a reading mediation experience in the early years of schooling, discussing the relationship of reading mediators with the reading experience as well as its multiple educational opportunities to engage students in an enjoyment of reading at school. We will use as a referential theoretical Lajolo (2001), Zilbrman (1981) to discuss children's literature and its contribution to the expansion of cultural experiences of children. Keywords: reading; experience; mediation.

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Metodologia

A metodologia utilizada para este trabalho foi a pesquisa qualitativa, pesquisa bibliográfica e observação de campo. Esta pesquisa realizou-se em uma Unidade de Ensino Pública de um município da Baixada Fluminense no Rio de Janeiro e na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A Escola pertence à rede municipal de ensino, com atuação nos segmentos de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, realiza suas atividades em dois turnos, atendendo aproximadamente trezentas (300) crianças.

Introdução

Na fase inicial da escolaridade, muitas crianças enfrentam dificuldades na leitura e na escrita. Podemos relacionar essa dificuldade à falta de uma relação prazerosa com a leitura na infância, a qual proporcionaria conhecer e vivenciar o mundo letrado com mais autoria. Segundo, Freire (1989, p. 9) ―A leitura do mundo precede a leitura da palavra‖, ou seja, as crianças desde muito cedo já estão inseridas no universo letrado, mesmo que ainda não tenham aprendido as sílabas. O contexto em que elas vivem as experiências que as constituem como sujeitos históricos e culturais, contribuem para produzir as múltiplas vivências de letramentos.

Por esse motivo, para que haja uma mediação significativa da leitura na infância é preciso que os professores valorizem as práticas sociais das crianças, o conhecimento prévio que elas já trazem. Além de compreender que a leitura é circunstanciada pelo meio social, nos comunicamos através da fala, mas também pela escrita, que precisa ser entendida a partir da utilização da leitura.

A leitura tem grande importância na formação de um indivíduo, é por meio dela que podemos formar cidadãos críticos, conscientes de seus atos e torná-los capazes de compreender o significado de inúmeras vozes que se manifestam no meio social em que vivem, e de se pronunciar com sua própria voz. A leitura não é só um ato de aprendizagem significativa, mas sim um exercício que deve ser praticado de forma prazerosa, além de ser uma excelente maneira de trabalhar imaginação, vocabulário, criatividade e escrita. Ela possibilita o fortalecimento de ideias e ações construindo novas experiências e adquirindo novos conhecimentos.

Ao ler todo o conhecimento que adquirimos no decorrer da vida vem à tona. Com isso conseguimos atribuir sentido e entender o que é lido – na verdade ler é produzir sentido, sentir o que lemos com o nosso próprio ser. Cada pessoa pode ter sua própria interpretação de um texto, que será única, diferente das leituras realizadas por outras pessoas.

O mundo dos livros não é apenas o ―mundo‖ da comunicação e da linguagem em seu sentido amplo, mas sim um instrumento capaz de trabalhar com a emoção e a capacidade de interação humana. Através da leitura o indivíduo pode resgatar parte da sua cultura por meio de suas lembranças. A prática da leitura se faz presente em nossas vidas desde o momento em que começamos a ―compreender‖ o mundo à nossa volta.

Ela não se limita apenas à decodificação de símbolos, mas significa interpretar e compreender o que se lê. Nesse segmento, os PCN‘s (2001, p.

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54.) relatam: um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de forma a atender a essa necessidade.

A capacidade para aprender está ligada ao contexto pessoal do sujeito. Desta maneira, Lajolo (2002) afirma que cada leitor, por exemplo, entrelaça o significado pessoal de suas leituras de mundo, com os vários significados que ele encontrou ao longo da história de um livro.

Os PCN‘s (2001) pregam ainda que a decodificação é apenas uma das várias etapas de desenvolvimento da leitura. Que presente em nossas vidas de forma intensa, relaciona-se à muitas de nossas atividades, como por exemplo, no trabalho, no lazer e nas compras.

A escola tem por responsabilidade proporcionar aos seus alunos condições para que estes tenham acesso ao conhecimento. É dentro dela, que a mediação do professor e com a ajuda do livro didático que os educandos aprenderão a ler, a escrever e a enxergar sua própria realidade e a realidade do outro. O aluno passará a interagir com seus pares, a produzir um conhecimento partilhado e conseguirá representar oralmente e por escrito, com registros verbais, seu pensamento, sua experiência de vida e seu conhecimento coletivo de mundo.

A prática da leitura traz inúmeros benefícios é uma ação que não pode faltar no contexto escolar, pois contribui para o desenvolvimento cognitivo da criança portanto, é de grande importância que a escola se preocupe em formar o aluno leitor para que o processo ensino aprendizagem caminhe com sucesso. A educação escolar precisa proporcionar momentos prazerosos de leitura que abarcam todo o contexto familiar e social em que o aluno está envolvido. Torna-se indispensável dentro das escolas o uso de textos, frases, palavras, sílabas e letras, tudo que tenha sentido para a criança, isso fará com que o hábito pela leitura se torne estimulante e fascinador.

Fazendo da leitura algo constante no ambiente escolar, levará o aluno a ter contato com diversos gêneros literários, fazendo assim com que se torne um leitor autônomo e criativo. O professor contribui significativamente no interesse pela leitura de seus alunos, cabe a ele proporcionar momentos de prazer com atividades criativas que provoque nos educandos o gosto pela leitura. O docente pode atuar desenvolvendo leituras compartilhadas livres apresentando as crianças a grande variedade de literaturas existentes, como por exemplo, livros, gibis, revistas entre outras. O que acontece em sala de aula referente à leitura é de extrema importância, pois essas experiências são determinantes para que os alunos tornam-se leitores ou não; considerando que ser leitor não é apenas decodificar códigos, mas ler, entender, dialogar e opinar sobre o que foi lido.

O aluno pode receber o estímulo para a leitura até mesmo no momento de escolher um livro que lhe agrade, fazendo com que a leitura se torne algo agradável e não obrigatório e o discente compreenda que ler é algo importante. Os professores precisam estar atentos ao interesse literário dos alunos de forma a orientá-los e apresentá-los outros modelos de leitura, e também que essa leitura seja feita com gosto e não por obrigação. A prática pela leitura deve começar cedo, mesmo quando a criança ainda não consegue ler, pois,

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por meio das histórias, ajudamos a criança a se constituir na vida. Sendo assim, a leitura é algo fundamental para a aprendizagem.

A escola almeja a formação de cidadãos críticos, reflexivos e conscientes de seu papel na sociedade. Diante disse torna-se necessário que os alunos compreendam que a leitura é importante em sua formação enquanto ser humano e que pode ser realizada de forma agradável. Porém a dificuldade no processo de apropriação da escrita e o desinteresse na leitura de textos, livros e histórias é uma grande dificuldade que as escolas enfrentam nos dias de hoje. Infelizmente a escola, vem perdendo seu papel de estimuladora da leitura é difícil encontrarmos educadores que fazem uso de contação de história em suas classe.

Por essa razão nós bolsistas do PIBID INTERDISCIPLINAR/CAPES, do grupo PED Letramentos da UFRRJ-IM e graduandas do curso de Pedagogia, a fim de valorizar a importância da leitura dentro do espaço escolar, possibilitamos aos alunos de uma Escola Municipal da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, um momento de inserção nesse universo literário e também como objetivo de pesquisa o discurso produzido por alunos e professores, tanto no cotidiano escolar quanto nas atividades realizadas a Universidade. A fim de desenvolver com as crianças uma experiência agradável e imaginária, partimos do movimento de contação de história nas turmas do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental, e utilizamos como referência literária a história da ―Alice no país das maravilhas‖, de Levis Carroll. Porteriomente, focalizamos o capítulo intitulado um chá muito maluco, que objetivou a criação de uma oficina que nomeou-se: ―Chá com Alice‖, oferecido para as crianças em nossa Universidade. Com o propósito de levá-las ao mundo da imaginação, vivendo a experiência literária a partir da interação com o ambiente e os personagens da trama. Dentro deste contexto, usaremos como referencial teórico Lajolo (2001), Maciel (2008) para discutirmos a literatura infantil e a sua contribuição na ampliação das experiências culturais das crianças.

Desenvolvimento da oficina: ―Chá com Alice‖

Nós bolsistas do PIBID INTERDISCIPLINAR/CAPES, do grupo PED Letramentos da UFRRJ-IM e graduandas do curso de Pedagogia, estamos há mais de um ano acompanhando e desenvolvendo diversas oficinas em uma Escola Municipal da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, focalizando as práticas sociais, a valorização da cultura, leitura e escrita das crianças. Além de criar espaços de oralidade para que elas possam se expressar e produzir seus discursos.

Sendo assim, com base nesses objetivos, o grupo PED Letramentos, com o propósito de proporcionar as crianças uma experiência com a leitura de maneira lúdica e encantadora, para que fugisse de todo o enredo que a escola já oferece, propiciando a todos os pares da escola uma nova vivência, que saísse da rotina do espaço escolar. Criamos uma oficina que nomeou-se: ―Chá com Alice‖. Ela ocorreu em dois turnos no dia 17 de junho de 2015, atendendo o total de oitenta crianças Além da participação de sete professores, uma coordenadora pedagógica e a diretora da unidade.

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O primeiro momento, partimos do movimento de contação de história nas turmas do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental, e utilizamos como referência literária a história da ―Alice no país das maravilhas‖, de Levis Carroll, que possibilitou aos educandos entrarem nesse universo literário. Posteriormente as crianças assistiram o filme: Alice no país das maravilhas, e em seguida, realizamos um diálogo com a as crianças, buscando informações como: se elas gostam de ler, se lêem quais são os gêneros literários que gostam e qual a frequência que fazem as leituras. A partir das respostas que tivemos, que infelizmente não foi satisfatória foi que a maioria dos alunos não tem o hábito pela leitura e que não conhecem os gêneros literários existentes, que apenas lêem os livros da escola quando solicitado pelo professor.

A partir da vivência da leitura e do diálogo que tivemos com as crianças, focalizamos o capítulo intitulado um chá muito maluco, do livro de Carroll (2010), para constituir a oficina ―Chá com Alice‖. Com o propósito de levar as crianças ao mundo da imaginação, vivendo a experiência literária a partir da interação com o ambiente e personagens da trama.

Já no segundo momento, discorremos com o objetivo de oferecer as crianças uma experiência de se deslocarem do espaço escolar para um novo ambiente, que nesse caso foi a nossa Universidade. Primeiramente, recepcionamos as crianças na entrada do Campus da UFFRJ-IM com um cartaz de: ―Sejam bem vindos!‖. Logo após, dividimos as crianças em dois grupos. O primeiro grupo ficaria conosco e o segundo com as bolsistas que fizeram o "Vamos às compras?" (oficina realizada simultaneamente). Feita as divisões, levamos as crianças para conhecerem a Universidade, toda a sua estruturação, assim como: salas de aula, refeitório, banheiro e etc.

Terminada a visitação pela faculdade, dirigimos as crianças para o local onde aconteceria o chá com Alice. Logo na entrada, uma das bolsistas estava caracterizada convidando-as a adentrarem no mundo do faz de conta. Para tal, era necessário que os alunos comessem uma balinha mágica, dando a ideia de que após comerem a bala ficariam pequenas. Dessa forma, elas entravam engatinhando na portinha que levava ao mundo da Alice.

Ao adentrarem no cenário, depararam-se com alguns personagens da história como: Chapeleiro Maluco, o Coelho, a Marmota e Alice ( representados pelas bolsistas, que estavam caracterizadas pelos mesmos), sentados em uma grande mesa de chá. Conforme as crianças entravam, os personagens que estavam encenando uma das cenas da trama convidavam as crianças a sentarem-se à mesa e reproduzirem a frase que dar destaque ao episódio‖ Um chá muito maluco‖, a fala era essa: Não tem lugar! À medida que as crianças iam sentado, elas diziam uma para a outra que não havia lugar ali. A interação aconteceu entre os personagens e as crianças de maneira natural e espontânea, elas apropriaram-se do mundo imaginário como se fossem pertencentes aquela realidade, além de ocuparem um lugar de discurso e enunciação.

O ambiente estava decorado de modo que as crianças se sentissem dentro da cena que foi escolhida para ser o tema da oficina. Colocamos fotos dos personagens nas paredes, havia árvores de bexigas, reproduzimos a parte do chá muito maluco do filme da Alice, além de produzimos um cantinho da leitura, o qual recontamos a história que havíamos contado na escola. Após

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toda essa dinâmica, as crianças deliciaram-se na mesa do chá, desfrutando de um maravilhoso lanche juntamente com os protagonistas da história.

Tivemos um terceiro momento da oficina, que foi realizado novamente na escola, nesse dia nós bolsistas do PIBID conversamos com os estudantes sobre a oficina realizada na Universidade, fazendo algumas perguntas sobre a história, se eles gostaram, e em seguida realizamos uma atividade. Nessa atividade distribuímos papel para os educandos e solicitamos que os mesmos usassem sua a criatividade e escrevessem na folha tudo o que lembravam sobre a oficina, em grupo produziram um texto contando uma história muito maluca que eles tinham inventado ou vivenciado e outras fizeram desenhos referentes ao que viram na Universidade.

O trabalho com o grande clássico foi ressignificado no sentido de promover a formação de leitores que compreendam o mundo em que vivem de forma crítica e que no ato de ler e de ouvir seus pares, possam obter o conhecimento necessário para se expressar, dar sugestões e transformarem a realidade em que vivem. Utilizamos a literatura como uma fonte de prazer, de alegria, encantamento, mas também como meio de interação entre os educandos e a construção de conhecimento.

Dentro desse contexto, procuramos incentivar os educadores da escola a usarem a literatura como auxílio para formação de leitores, relacionando os contos com a realidade de cada criança e mostrar a relação que a literatura tem com o cotidiano delas e a relação que pode ser feita dentro de cada história com a realidade em que vivem. Ao contar histórias, o professor estabelece com o aluno um clima de cumplicidade, é uma alternativa para que os alunos possam conhecer todos os gêneros literários, tendo uma experiência positiva com a leitura, não uma tarefa rotineira escolar que transforma a leitura e a literatura em simples instrumentos de avaliação, dificultando que o aluno tenha o prazer de ler. Assim, contar histórias em sala de aula beneficia a todos, tanto ao aluno que será instigado a imaginar e criar, quanto ao professor, que ministrará uma aula mais agradável e produtiva e alcançará a aprendizagem significativa. Contar histórias é fonte inesgotável de prazer, conhecimento, imaginação, e emoção, em que o lúdico e o prazer conduzem ao estímulo pela leitura. Entendemos que a leitura deve ser estimulada por meio de materiais diversificados como: exposições de livros, encenações, criar com os alunos e expor as criações, entrevistas e etc. Levando em conta o universo de interesse do aluno e assim tornar a leitura significativa e prazerosa.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a prática de leitura tem como finalidade a formação de leitores competentes e continuamente a formação de escritores, isto é, a produção de textos eficazes com origem na prática de leitura, espaço de construção da intertextualidade (BRASIL, 1997). A leitura é o meio norteador da escrita oferecendo subsídios de como escrever.

Conclusão

Compreendemos, que é de suma importância que as práticas de mediação à leitura aconteçam de forma efetiva e constante, pois muitas crianças só possuem contado com o livros e os diversos gêneros literários

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dentro da escola. Se a mesma não lhe oferecer tal apropriação, elas ficarão a margem de um conhecimento que precisa ser estimulado dentro e fora do espaço escolar.

Dessa forma a escola possui um papel primordial no que diz respeito à leitura. Oferecer apenas o básico, aquilo que para as crianças não faz sentido, não estará contribuindo para que elas venham a praticar a leitura com prazer, e se tornem leitores conscientes, críticos, produtores de seus discursos.

Na verdade, através da realização desta oficina, foi possível uma interação com as crianças num ambiente diferente para elas, que é a Universidade; esse lugar foi palco para uma grande experiência tanto para as crianças quanto para nós bolsistas, que tivemos a oportunidade de vivência a docência mesmo ainda no papel de licenciandas de Pedagogia.

Conduzir as crianças ao instigante mundo da literatura infantil, tornando-se possível desenvolver a imaginação, emoção, e sentimento de forma significativa e agradável, foi um exercício que exigiu de nós bolsistas um tempo para o planejamento e muita coragem para sair de modelo educacional já implantado na escola pesquisada.

Podemos dizer ainda, que a literatura infantil é peça fundamental no processo de alfabetização e letramento. É a principal forma de se construir opiniões próprias, de ter o conhecimento necessário para toda e qualquer atividade ou área. É importante ressaltar que a leitura como lazer é um hábito que dá prazer ao ser humano, contribuindo na construção de um senso crítico que proporciona melhora na condição social do sujeito.

Através da leitura é possível alçar voos imagináveis, ouvir e contar histórias é uma atividade que desenvolve o emocional da criança, ajuda a se organizar, a se socializar e também auxilia na construção de aprendizagem delas. As histórias levam as crianças ao encantamento, divertimento, estimula sua inteligência, enriquece o vocabulário, linguagem, atenção, desenvolve a sensibilidade e aumenta o interesse pela leitura.

Entendemos que a escola é um lugar de construção e reconstrução de conhecimentos, por isso, deve-se dar especial atenção a contação de histórias, pois ela contribui na aprendizagem escolar nos aspectos como: cognitivo, social, imaginário, comunicação, criatividade, aprendizagem e na percepção dos educandos. Enfim, para que tenhamos futuros leitores os educadores precisam entender que além de informar, instruir e ensinar, o livro pode proporcionar prazer ao educando. Mas precisamos que os professores ocupem o lugar de leitores, que as escolas deem a possibilidade para que os alunos levem os livros para sua residência, assim poderão dar passos significativos à estimulação da leitura e proporcionaria para toda a família da criança o contato com as letras, números, realidades diferentes, gêneros literários, valores e principalmente novas formas de perceber o mundo.

De acordo com Zilberman (1981) a leitura deve levar a criança ao conhecimento do mundo e o de ser; nesse sentido, a criança estimulada ao ato de ler sente-se motivada para ―ler o mundo‖, conhecer realidades diferentes, perceber que há diferentes finais para um mesmo fato. No entanto as famílias carecem de tempo para estimular este hábito tão prazeroso, então, cabe ao professor desempenhar esse papel importante: o de ensinar a criança a ler e a gostar de ler.

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Através desse trabalho, podemos observar que as crianças aprendem com mais facilidade quando as atividades proporcionadas são significativas para as mesmas, que envolvam o seu cotidiano social, fazendo com que elas sintam-se integrantes do processo ensino aprendizagem.

Portanto, concluímos que criar caminhos que levem as crianças a terem uma experiência estimuladora e agradável com a leitura é imprescindível para a alfabetização, estimula a curiosidade e instiga a produção de novos conhecimentos. E cabe a nós educadores, em atuação ou em formação, utilizar literaturas infantis, gibis ou revistas, promovendo material para a formação do indivíduo. A leitura quando realizada de maneira frequente ajuda o aluno a se familiarizar com o mundo da escrita, contribuindo para na alfabetização e ajudando nas demais disciplinas, além de contribuir na escrita. Com a leitura descobrimos um mundo novo, e é esse mundo cheio de coisas desconhecidas que faz com que as crianças se tornem dinâmicas e perspicaz sabendo compreender que aquilo que leem pode ajudar em suas vidas.

Trabalhar a temática foi enriquecedor para a nossa formação, pois nos permitiu refletir sobre as contribuições que o trabalho com os gêneros literários possibilita e influencia na valorização literária das crianças. E por isso daremos continuidade a nossa pesquisa, a fim de contribuir na construção de sujeitos leitores dentro da escola.

Enfim, como afirmou Freire (1996), toda prática de alfabetização é uma prática conscientizadora que permite ao sujeito, por meio da leitura do mundo e da palavra, transformar-se em direção a uma postura crítica e autônoma frente ao mundo.

Bibliografia

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. 3. ed. Brasília: A secretaria, 2001.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEE, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ livro02.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015.

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ZILBERMAN, R. A literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 1981.

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O CLUBE DO LIVRO E A FORMAÇÃO DE LEITORES: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Jéssica Patrícia Silva de Sá Auxiliar de biblioteca na Escola Municipal Aurélio Pires/RME/PBH

Graduanda em Biblioteconomia/ ECI/UFMG [email protected]

(31) 8552-7301

Simone Aparecida Pena Professora na Escola Municipal Aurélio Pires/RME/PBH

Pós-Graduada em História e Cultura Afro-Brasileira/PUC-MG Graduada em Letras/FALE/UFMG

[email protected] (31) 9681-9949

Resumo

O relato de experiência apresenta o projeto Clube do Livro, desenvolvido na biblioteca da Escola Municipal Aurélio Pires da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Objetiva incentivar a leitura, formar leitores, possibilitar a construção de sentidos a partir da leitura literária e seu compartilhamento. Os participantes do 6° ao 9° ano, que se inscrevem espontaneamente e participam de encontros bimestrais, apresentam melhoria nas habilidades de leitura, de escrita e de expressão oral. Palavras- chave: Leitura literária; Formação de leitores; Clube do livro.

Abstract

Thos experience report presents the book club project developed in the library of the Escola Municipal Aurélio Pires, part of the Rede Municipal de Educação in Belo Horizonte. It aims at encouraging reading, educating readers, enabling the construction of meaning from literary texts and sharing it. Participants from 6th to 9th year that spontaneously enroll and participate in bimonthly meetings and they show improvement in reading, writing and speaking skills. Keywords: Literary reading; Formation of readers; Book club.

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1. Introdução

É reconhecida a importância da leitura e da escrita na sociedade atual, pois praticamente todas as ações cotidianas do homem passam pela palavra escrita. Para ser um sujeito social nessa sociedade letrada, é necessário decodificar o texto e também compreendê-lo de forma crítica. Ao contrário do que muitos pensam, a leitura não é algo inato. É um processo que requer dedicação dos profissionais envolvidos na construção da aprendizagem dos estudantes.

Muitas vezes, o primeiro contato de crianças, jovens, e até mesmo de adultos, com os livros acontece na escola. A biblioteca é um ambiente propício para o estímulo da leitura. Dessa forma, a biblioteca escolar é considerada espaço de aprendizagem, onde podem ser desenvolvidas práticas educativas.

Abordaremos nesse relato de experiência a mediação da leitura literária e a formação de leitores, as quais consideramos ações importantes no contexto de uma biblioteca escolar. A partir desse pressuposto, criamos na biblioteca da Escola Municipal Aurélio Pires o projeto Clube do Livro, cuja participação é espontânea para os estudantes do 3° ciclo, incentivando a leitura e permitindo o compartilhamento de experiências literárias.

2. Referencial Teórico

Em meio a muitas teorias, destaca-se a função humanizadora da leitura literária, que permite a construção de sentidos a partir da experiência vivida por meio das narrativas e suas associações ao contexto individual. De acordo com Paulino (2014), a leitura literária estabelece um pacto entre o leitor e o texto, que conduz, por meio da linguagem, à uma dimensão imaginária. Tal prática se mistura à vida social, permitindo que o sujeito se torne capaz de questionar o mundo organizado, construindo outras direções e propondo caminhos diferenciados para sua vida e comunidade.

A leitura literária vai além da decodificação do código escrito. Para que ocorra a efetiva interação entre a obra e o leitor, é necessário que haja o letramento literário, processo de apropriação da literatura enquanto linguagem. Trata-se, portanto, da contínua construção de sentidos por meio da linguagem literária.

Cosson (2007) discorre sobre a importância do letramento literário no contexto coletivo, afirmando que ler pode até ser um ato solitário, mas nunca deixa de ser um ato solidário. Para o autor:

Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço. (COSSON, 2007, p. 27).

Compartilhar as experiências sobre obras lidas com pessoas de nosso convívio é forte elemento na formação do hábito de leitura. Por meio dessa troca, é possível abordar a dimensão socializadora da literatura, permitindo usufruir da competência dos outros para auxiliar na construção de sentidos do texto. Esse intercâmbio também possibilita ao estudante pertencer a uma

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comunidade leitora. ―O coletivo diz respeito às nossas raízes como seres humanos, é o compartilhamento de uma herança humana comum.‖ (BRENMAN, 2012, p. 91).

Mesmo em uma sociedade de forte cunho escrito, o caminho para a formação do leitor perpassa pela oralidade. Essa está atrelada à ideia de comunhão, de coletivo e sua força vem desde os primórdios da humanidade. Talvez a palavra tenha surgido quase ao mesmo tempo que o homem.

Por muito tempo se opôs oral e escrita, embora o livro e a voz sejam companheiros, e a biblioteca, em particular, seja o ambiente ―natural‖ para a oralidade: é o lugar de milhares de vozes escondidas nos livros que foram escritos a partir da voz interior de um autor. Quando lê, cada leitor faz reviver essa voz, que provém às vezes de muitos séculos atrás. (PETIT, 2009, p. 59).

Uma vez pressuposto que a biblioteca escolar exerce múltiplos papéis, é relevante seu trabalho no letramento literário, visto que é responsabilidade de seus profissionais atuarem diretamente na mediação da leitura e na formação de leitores:

Tanto é atribuição de uma biblioteca pública, como também de bibliotecas de estabelecimento de ensino básico, a programação de múltiplas atividades que complementem a capacitação do estudante para bem ler e escrever, e ainda para bem vivenciar diversidades culturais e sociais […]. (MACEDO, 2005, p. 180).

Segundo Riter (2009), há mitos que envolvem o processo de formação de leitores literários na escola. Um deles diz respeito à assertiva de que crianças a partir do 5° ano perdem o gosto pela leitura. Tal afirmação encontra eco numa questão: em quais erros metodológicos a escola incorre para que crianças leitoras se tornem adolescentes não leitores? Em resposta a essa pergunta, Riter (2009) acredita que é importante o uso de uma metodologia que mescle prazer estético e reflexão. Percebe-se que na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, as práticas se voltam ao prazer, mesmo porque as crianças estão descobrindo o código escrito. Já nas séries finais, as atividades tornam-se mais de caráter avaliativo. O ideal seria que houvesse a combinação entre a fruição e a reflexão da leitura. Além do mais, é imprescindível o acompanhamento desse processo.

Dessa forma, é essencial que os profissionais de biblioteca escolar desenvolvam projetos que resultem na aquisição de habilidades mentais, de escrita e exercício da linguagem oral dos estudantes. É também fundamental o trabalho com a interpretação e em grupos. Ao propiciar encontros entre os adolescentes, abrem-se ricas possibilidades de crescimento tanto no âmbito cultural como no afetivo.

3. Objetivos

Este relato de experiência pretende descrever o projeto Clube do Livro, criado com o objetivo de incentivar a leitura, formar leitores, possibilitar a

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construção de sentidos a partir da leitura literária e, posteriormente, seu compartilhamento.

4. Metodologia

O universo onde foi realizado o projeto é a Escola Municipal Aurélio Pires de ensino fundamental vinculada à Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME-BH). Localizada no bairro Liberdade, Regional Pampulha, foi instituída no final da década de 60. Desde 1994, ano em que a escola recebeu um novo prédio construído a partir de verbas do orçamento participativo, a escola conta com uma biblioteca. Atende aproximadamente 800 estudantes na faixa etária de 06 a 14 anos e jovens e adultos da EJA, distribuídos entre os 03 turnos.

A escola é considerada referência na região, apresentando boa estrutura física: salas de aula, biblioteca, laboratório de informática, cantina, laboratório de ciências, sala de artes, duas quadras poliesportivas, pátio etc.

Ao turno da manhã, compete às aulas do 6° ao 9° ano (3°ciclo) e EJA, ao turno da tarde do 1° ao 5° ano (1° e 2° ciclos), ao turno da noite são oferecidas turmas de EJA. Além disso, o Programa Escola Integrada atende aos alunos que optam por permanecer na escola em tempo integral, realizando atividades extras no contraturno.

Um dos equipamentos da escola é a biblioteca Maria Idalina Piló Velloso, que é polo – biblioteca referência que conta com um bibliotecário em seu quadro de funcionários, sendo esse responsável por coordenar outras bibliotecas - e pertencente ao Programa de Bibliotecas da RME-BH. A biblioteca escolar é uma instituição responsável pelo acesso ao conhecimento já produzido, sendo um dos eixos norteadores do processo educativo, promovendo a construção de novos conhecimentos por meio de fontes e linguagens múltiplas. Cabe aos profissionais, que nela trabalham, propiciar a democratização da leitura, a formação do leitor e o acesso à cultura, especialmente a letrada. A biblioteca atende não somente aos estudantes da escola, mas também, aos professores, funcionários e à comunidade do entorno, conforme o seu perfil social, cultural e econômico. Sua missão é condizente ao projeto político pedagógico da escola. Seu espaço é referente a duas salas de aula, portanto, suas dimensões são referência para as demais bibliotecas da RME-BH, pois apresenta um espaço de leitura.

Quanto aos funcionários, a biblioteca conta com três auxiliares de biblioteca (um para cada turno) e dois professores em readaptação funcional permanente, que atuam nos turnos da manhã e tarde. Atualmente o cargo de bibliotecário(a) está vago.

O acervo conta com aproximadamente 15 mil exemplares, que se encontram organizados nos seguintes assuntos: literatura brasileira, literatura estrangeira, literatura infantil, literatura infanto-juvenil e livros paradidáticos (filosofia, psicologia, ciências sociais, grupos étnico-raciais, educação, ciências, educação sexual, artes, história, geografia, ciências etc.). Além disso, há uma sessão de periódicos - jornais gerais, revistas gerais e especializadas. O acervo está voltado prioritariamente para os alunos da escola e para os professores.

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A partir do perfil da escola e seus objetivos, o projeto Clube do Livro foi implementado no início do ano de 2014. Sob a supervisão da bibliotecária Eliane Vaz Rodrigues, com a participação das profissionais da biblioteca, Jéssica de Sá e Simone Pena, optou-se por atuar junto aos estudantes do 6° ao 9° ano do ensino fundamental. Constatou-se que esse público realizava menos empréstimos de livros na biblioteca e com menor frequência se comparados aos demais alunos da escola.

A ideia foi criar um espaço onde alunos, profissionais da biblioteca e professores pudessem interagir e compartilhar experiências literárias, ressignificando sua relação com os livros, intensificando seus hábitos de leitura. Outro propósito, seria educar para a literatura independentemente de notas atribuídas pelo professor, contribuindo para a formação do aluno sem excluir sua autonomia e o prazer pela leitura. Nesse sentido, a biblioteca é ambiente qualificado para promover a conjugação entre os elementos que permeiam a prática da linguagem: oralidade, leitura e escrita. Em linhas gerais, as tarefas do Clube do Livro são constituídas pelos seguintes passos fundamentais coordenados pela equipe da biblioteca:

Convite aos alunos do 6° ao 9° ano;

Inscrição envolvendo questionário sobre o perfil do estudante como leitor;

Realização de empréstimos de livros da biblioteca;

Recebimento de comentários escritos das leituras feitas pelos estudantes;

Encontros bimestrais do Clube do Livro para troca de experiências das leituras realizadas.

O projeto é avaliado, gradativa e oralmente, pelas profissionais da biblioteca em aspectos qualitativos. Já os alunos avaliam, anualmente, por meio de preenchimento de uma ficha, na qual podem escrever sugestões e críticas.

5. Clube do Livro

O primeiro passo para implementação do Clube do Livro foi a convocação das turmas do terceiro ciclo. A bibliotecária convidou os professores de língua portuguesa a cooperarem com o projeto e incentivarem os alunos em sala de aula. Os alunos que optaram por participar, preencheram uma ficha de inscrição, informando seu perfil como leitor: gêneros literários preferidos, temas pelos quais se interessam, sua frequência de leitura, livros preferidos, escritores conhecidos, espaços de leitura conhecidos, a frequência com que visitavam a biblioteca etc. Além disso, definiram um desafio de leitura para o ano, que consistiu em apontar a periodicidade (ler um livro por semana, por mês etc.) e a diversidade (ler autores nunca lidos, ler determinado gênero etc.).

Para efetivação dessa proposta, os alunos leram livros emprestados pela biblioteca ou livros que tinham em casa. Houve o acompanhamento das leituras realizadas pelos participantes do Clube. Cada estudante deveria entregar comentários escritos, os quais seriam anexados a sua ficha de inscrição. Essa etapa abrangeu a interação entre leitura e escrita. Ressalta-se

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aqui a escrita como veículo predominante da literatura. Por meio dela é que registramos nossos conhecimentos, gravamos o que na memória se perde, tornamo-nos atemporais. É nessa fase que os alunos tiveram a oportunidade de expressar sua cultura social, aprendendo com o ato de escrever e com a escrita do outro. Nesse caso, escrever é reescrever, é contar sobre sua experiência de leitura, é contar sobre si mesmo.

Os leitores que se mostraram ativos, que leram e escreveram sobre os livros, foram convidados a participar de encontros periódicos, realizados no contraturno com duração de 02 horas. Cada estudante recebeu uma carteirinha de participante e a cada encontro um selo.

A maior parte do tempo foi destinada aos comentários sobre as obras anteriormente lidas de modo solitário. Ocorreu a troca de experiências literárias entre os colegas, consistindo no intercâmbio de informações sobre os temas e ideias apresentados nos livros, relacionando-os com os diversos aspectos da vida. A participação e a fala foram facultativas. À medida que o participante se permitiu falar e ser ouvido, sendo essencial o respeito entre opiniões diferentes ou contrárias, percebeu-se que sua autoestima foi aumentada.

Ademais, ocorreu a participação em atividades diferenciadas: contação de histórias, encontro com autores, dinâmicas de grupo, exibição de vídeos, sorteio de livros, entrega de brindes, votação para a escolha do nome do Clube, que à época foi denominado Sociedade dos leitores vorazes. Também se integrou a essas atividades uma visita à Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte.

6. Resultados

No ano de 2014, foram realizadas 80 inscrições, sendo que cerca de 27 alunos participaram ativamente do Clube e dos encontros. O total de livros lidos foi de 234. O objetivo central não foi fazer um ranking com os alunos que mais leram, não havendo obrigatoriedade do cumprimento do desafio. Entretanto, optamos por valorizar aqueles que se destacaram quanto ao empenho: o primeiro lugar leu 41 livros, o segundo lugar leu 28 e o terceiro lugar leu 16 livros.

Em 2015, já foram realizados três encontros e 109 inscrições, sendo que cerca de 30 alunos têm efetiva participação – a maioria são meninas. O 4° encontro está previsto para o mês de novembro, momento em que encerraremos as atividades desse ano e haverá avaliação do projeto pelos participantes e mediadoras.

No processo de acompanhamento dos alunos é que se percebe a importância da leitura na formação desses estudantes. Citaremos alguns exemplos. Um deles foi o livro A vida na porta da geladeira de Alice Kuipers, cuja leitura foi partilhada por uma adolescente, que se identificou com a história lida. O livro narra de forma original e comovente a relação entre mãe e filha. Ambas, na vida atribulada dos dias atuais, comunicam-se diariamente por meio de bilhetes deixados às pressas na porta da geladeira. Tal qual a adolescente da história, a nossa aluna do Clube do Livro também relatou que as conversas entre ela e a mãe acontecem por aplicativos de celular. O sentimento de empatia da aluna para com a personagem despertou em sua subjetividade uma

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reflexão sobre sua vida. A partir desse relato de experiência, mais outras cinco colegas leram o livro, sensibilizaram-se e socializaram a sua leitura. Outro aspecto interessante, é que a estudante foi uma voraz leitora em sua infância, para logo depois, já na adolescência, deixar de frequentar a biblioteca. No entanto, com sua participação no Clube, ela voltou a dedicar-se à leitura e afirma que hoje não consegue ficar longe de um livro.

Mais um caso de destaque é o da aluna do 9° ano que não interagia com os colegas e era considerada isolada pelos professores. Ao entrar para o Clube, rapidamente, ela se tornou sociável, pois encontrou interesses comuns aos seus no grupo. Podemos inferir que as leituras feitas por ela propiciaram a oportunidade de vivenciar diferentes situações e entrar em contato com várias ―pessoas‖ por meio dos personagens, mantendo também um diálogo com o narrador.

Um terceiro exemplo refere-se ao aprimoramento da escrita: uma menina de 16 anos que, embora sempre tenha lido bastante, apresentava comentários empobrecidos, sem reflexões literárias. Hoje, já no seu segundo ano no projeto, ela desenvolveu competências que dizem respeito à capacidade de criticar e analisar os textos lidos.

A princípio, pretendia-se atingir os alunos não leitores, mas o grupo que se formou apresentou característica diversa. Em sua maioria, eram alunos que já se interessavam por leitura e, por serem introvertidos, ficavam mais isolados. A formação do Clube possibilitou a esse segmento de alunos a construção de uma identidade e sentimento de pertencimento. Além disso, os participantes do Clube apresentaram melhoria nas habilidades de leitura, de escrita e de expressão oral. Embora estejamos centrados na palavra escrita em nosso trabalho, nos encontros do Clube, os alunos comentaram e ouviram sobre os livros lidos, ouviram contações de histórias e participaram de bate-papo com autores. Nesses momentos, eles tiveram a oportunidade de associar a oralidade à leitura e à escrita.

7. Considerações Finais

O Clube do Livro apresenta grandes desafios. No que se refere à efetiva participação dos estudantes, as inscrições correspondem, em média, a um terço dos estudantes matriculados no turno da manhã e há um grande número de desistência dos inscritos. Conquistar meninos para o Clube do Livro é outro compromisso, já que grande parte desses inscritos são meninas, o que nos leva a pensar em questões sociais e de gênero que envolvem a leitura. Observamos que de um modo geral, as garotas leem mais e são mais participativas. É perceptível a existência de um preconceito de que a literatura seria ―algo de meninas‖, ―livro cor-de-rosa é de menina‖, ―lugar de menino é na quadra jogando bola‖. Como desmistificar esse estereótipo? Como conscientizar os meninos e trazê-los para o projeto?

Outro aspecto observado é a predominância dos estudantes do 6° ano. Retomando Riter (2009), talvez seja necessário revisarmos a metodologia usada no projeto. É pertinente pensarmos no procedimento a ser utilizado para atrairmos para a leitura os alunos não leitores. Esse é uma questão para nós mediadores: conhecer o perfil do estudante, seu conhecimento prévio de leitura

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e a sua motivação. Temos muito ainda a aperfeiçoar no sentido de encontrarmos caminhos para a solução do problema e para ampliação do projeto. Seria interessante que o Clube abrisse espaço para a participação de funcionários da escola, mesmo porque, muitos mostraram interesse.

Riter (2009) nos propõe a qualificação do leitor. Cabe à biblioteca garantir não somente a formação de leitores, como a formação do leitor. Nesse sentido, também Solé (1998) aponta para a formação do leitor ativo, que processa e atribui significado ao que está escrito. Um passo relevante é refletirmos sobre algumas questões: Como atuar junto aos participantes do Clube para qualificá-los como leitores? Quais as intervenções necessárias para que isso aconteça? Com que propósitos os adolescentes leem? Qual metodologia a ser usada? Como o contexto social interfere na formação dos leitores? Qual seria a intervenção e até onde iria a responsabilidade da família?

Pretendemos na próxima edição do projeto criar critérios de seleção das obras, que serão do kit literário enviado pela RME-BH. A ideia é fazer um levantamento desses livros, realizando uma pré-seleção considerando a faixa etária, o(s) gênero(s) literário(s) e a demanda. Dentro das opções preestabelecidas, os alunos terão liberdade de escolha. O intuito desse direcionamento das leituras é provocar nos leitores reflexões sobre os reais sentidos do texto e uma postura humanizadora.

Ponto chave para esse processo seria a parceria entre biblioteca e sala de aula, que tem acontecido em um nível de coordenação, ou seja, a participação de professores ainda é restrita e o trabalho é individualizado. O ideal seria um nível de currículo integrado, cuja atividade principal é a criação de um ambiente colaborativo, onde a cooperação entre os profissionais da biblioteca e as professoras é definida por todo o currículo (MONTIEL-OVERALL, 2005; apud MOREIRA; DUARTE, 2013).

Constatamos no decorrer do projeto a emergência de diversas indagações que pressupõem estudos teóricos por parte das profissionais da biblioteca, a fim de que se aperfeiçoe a prática.

Referências

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MOREIRA, Juliana Alves Moreira; DUARTE, Adriana Bogliolo Sirihal. Práticas educativas bibliotecárias de formação de leitores: uma análise inicial de projetos da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte a partir de modelos de trabalho colaborativo entre bibliotecários e professores. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA, DOCUMENTAÇÃO E CIÊNCIA DA

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PETIT, Michèle. A arte de ler ou como resistir à adversidade. São Paulo: Ed. 34, 2009. 304p.

RITER, Caio. A formação do leitor literário em casa e na escola. São Paulo: Biruta, 2009.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

APÊNDICE A – REGISTRO DAS ATIVIDADES

Fotografia: Encontro do Clube do Livro em 2014.

Fonte: Arquivo da biblioteca, 2014.

Fotografia 2: Visita à Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte.

Fonte: Arquivo da biblioteca, 2015.

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Fotografia 3: – Encontro com o escritor Samuel Medina.

Fonte: Arquivo da biblioteca, 2015.

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LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA EXPERIÊNCIA EM GRUPOS DE TRABALHOS COM ALUNOS DO CENTRO

PEDAGÓGICO DA UFMG

Joyce Rodrigues Silva Gonçalves Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa

[email protected] (31) 3409-5498

Resumo

Este estudo pretende apontar possibilidades de trabalho de ensino de literatura na educação básica, especificamente no ensino fundamental, a partir de uma experiência com turmas do sexto ano do Centro Padagógico da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2014. De acordo com Paulino (1999) ―o letramento literário, como outros tipos de letramento, continua sendo uma apropriação pessoal de práticas de leitura/escrita, que não se reduzem à escola, embora passem por ela‖. Essa passagem pela escola é de fundamental importância para a formação do leitor de literatura, e deve, portanto, ser realizada adequadamente para que os estudantes consigam se aproximar do texto literário e nele encontrar um lugar de fruição. O objetivo geral desse trabalho foi promover o letramento literário, que não ocorre e se consolida apenas quando o aluno atinge a habilidade de ler e compreender textos literários, mas quando aprende a gostar de ler literatura, e quando o faz por escolha, pela descoberta de uma experiência única em cada leitura, associando este ato ao prazer estético. Foram avaliados a qualidade do aproveitamento das aulas de literatura e o nível de envolvimento dos estudantes em uma turma regular, com número de aproximadamente 25 alunos, e o mesmo trabalho desenvolvido em uma turma reduzida de aprendizes. Os resultados apontam que quando os leitores em formação se encontram em grupos menores de leitura, o processo se torna mais prazeroso e menos complexo para os alunos. Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram utilizados textos de diversos teóricos da área de letramento e letramento literário, especialmente Magda Soares e Rildo Cosson, que em seus trabalhos direcionam o ensino da literatura, a abordagem do texto literário em sala de aula e a condução desse processo por parte do professor. Palavras-chave: Literatura; Ensino; Grupos de trabalho.

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Introdução e Referencial Teórico

A partir do final do último século, houve uma grande transformação no modo de se pensar a leitura e a escrita, a linguagem passou a ser concebida como um processo dinâmico e o letramento começou a ser um tema bastante discutido na área da educação.

A acepção do termo ―letramento‖ tem despertado muitas reflexões entre os estudiosos de áreas diversas, como da educação, da antropologia, da linguística e, mais recentemente, dos estudos literários. Desse modo, inúmeras concepções surgem à tona, pois um consenso em relação a uma única definição de letramento torna-se praticamente impossível, uma vez que tal conceito envolve aspectos políticos e ideológicos.

Magda Soares considera o letramento ―um contínuo, variando do nível mais elementar ao mais complexo de habilidades de leitura e escrita e de usos sociais‖. (SOARES, 2010. p. 89). Dessa maneira, a inserção social do indivíduo está condicionada à compreensão dos papéis sociais da escrita e da leitura. Ser letrado e ser alfabetizado são condições relacionadas, porém diferentes.

O letramento não ocorre somente na escola, mas nos vários ambientes em que o sujeito possa exercer suas funções sociais, como no trabalho, no ambiente familiar, em comunidades religiosas, clubes, entre outros. Não há, assim, uma única forma de letramento.

Considerando o letramento como o conjunto de práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico, para finalidades e contextos específicos, percebe-se que esta definição pode ser empregada no campo dos estudos literários quando se compreende a leitura e a escrita dentro das especificidades do texto literário.

O letramento literário não ocorre e se consolida apenas quando o aluno atinge a habilidade de ler e compreender textos literários, mas quando aprende a gostar de ler literatura, e quando o faz por escolha, pela descoberta de uma experiência única em cada leitura, associando este ato ao prazer estético.

A relação do leitor com o texto não se efetiva de maneira óbvia e linear, toda interpretação/compreensão depende tanto de um como de outro, e pode se modificar de leitor para leitor, embora existam certas regularidades. A formação de leitores exige condições favoráveis, tanto no que se refere aos recursos materiais, quanto aos usos feitos nas práticas de leitura. Os recursos materiais são o acervo da escola (a biblioteca), as bibliotecas de classe e os momentos regulares de leitura em sala de aula. As práticas de leitura são a leitura em voz alta pelo professor, a leitura colaborativa, a leitura silenciosa, etc. A escola tem o compromisso de apresentar as obras literárias aos alunos através de bibliotecas públicas, feiras, livrarias, jornais, catálogos, revistas, etc., incentivando, desse modo, o interesse do aluno pela leitura. É função do professor a motivação à leitura do texto literário, como sugerido pelos PCNs, em sala de aula, permitindo, primeiramente, a escolha dos livros de acordo com o interesse do aluno, para depois procurar ampliar o acervo deste.

De acordo com Paulino (1999, p. 16) ―o letramento literário, como outros tipos de letramento, continua sendo uma apropriação pessoal de práticas de leitura/escrita, que não se reduzem à escola, embora passem por ela‖. Essa passagem pela escola é de fundamental importância para a formação do leitor

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de literatura, e deve, portanto, ser realizada adequadamente para que os estudantes consigam se aproximar do texto literário e nele encontrar um lugar de fruição.

De acordo com os PCNs para o ensino de Língua Portuguesa ―o texto literário é outra forma/fonte de produção/apreensão de conhecimento‖ (PCN, p. 27). Portanto, devemos tomá-lo como mais uma possibilidade de crescimento intelectual e cognitivo para os alunos. Ainda de acordo com o mesmo documento, o texto constitui-se como unidade básica de ensino, e o texto literário, por suas peculiaridades, como fator imprescindível ao aperfeiçoamento da linguagem e do pensamento crítico. O texto literário é delineado como um modo de representação e estilo, com predomínio da criatividade e da intenção estética. Entretanto, o texto de caráter literário, apresentado na concepção de representação da realidade, não se prende aos critérios de experiências pessoais ou aos modos e padrões da realidade; ele configura-se numa maneira ímpar de dar forma às experiências humanas à medida que transgride valores e conceitos, possibilitando a construção de novos sentidos nas relações entre o sujeito e o mundo. Os PNCs afirmam que:

Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia ante outros modos de apreensão e interpretação do real corresponde a dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo, regido por jogos de aproximação e afastamento, em que as invenções da linguagem, a instauração de pontos de vista particulares, a expressão da subjetividade podem estar misturadas a citações do cotidiano, a referências indiciais, e, mesmo, a procedimentos racionalizantes. (PCN, 1998, p. 26-27).

O documento pontua, ainda, sobre a necessidade de uma abordagem adequada para o texto de cunho literário, pois, frequentemente, alguns professores de língua portuguesa o fazem equivocadamente:

O tratamento do texto literário oral ou escrito envolve o exercício de reconhecimento de singularidades e propriedades que matizam um tipo particular de uso da linguagem. É possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos literários, ou seja, tomá-los como pretexto para o tratamento de questões outras (valores morais, tópicos gramaticais) que não aquelas que contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias. (PCN, 1998, p. 27).

É necessário que a literatura não seja apenas contemplada pela sua beleza, mas que seja reconhecida como um processo de comunicação que utiliza recursos próprios para as situações de interlocução. Segundo os conteúdos básicos comuns (CBC), da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais:

A interlocução literária requer competências específicas de leitura e abordagem que atentem para seu contexto e objetivo específicos de produção e para o pacto de leitura proposto. O poema, a narrativa ficcional, qualquer forma de literatura é

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texto, mas uma forma muito especial de texto, no qual se elabora artisticamente a manifestação verbal de vivências e reflexões; com o qual se propõe ao leitor cumplicidade e envolvimento emocional, e se lhe proporciona prazer intelectual e estético, por meio do qual se provoca o estranhamento do cotidiano e se criam possibilidades de deslocamento pelo humor, pela fantasia, pelo sarcasmo. Assim, a melhor maneira de desenvolver a competência e o gosto pela leitura literária é criar situações em que o aluno tenha a oportunidade de interagir com o objeto que se quer que ele conheça e aprecie: o texto literário. A construção de conceitos e o conhecimento de teorias acerca da literatura e do fazer literário se dão na relação ativa com o objeto de conhecimento. (SEE-MG, CBC, LP, p. 15-16).

Portanto, o professor de língua e literatura deve estimular seus aprendizes a enxergar os textos literários a partir de diversas perspectivas, pois a literatura tem acompanhado o ser humano, provendo-o com a ficção necessária para enfrentar os obstáculos da vida, bem como tentando responder aos seus questionamentos fundamentais. Além disso, como uma modalidade privilegiada de comunicação, possibilita a instauração do diálogo entre textos e leitores de todas as épocas.

Alguns procedimentos podem dinamizar o trabalho com a literatura em sala de aula, tais como: instigar a disposição do estudante para os estudos literários; propor a leitura e análise de textos literários, através de um processo dialógico, envolvendo diferentes possibilidades de leitura em que se entrecruzam os discursos dos aprendizes e do professor; contextualizar as relações entre a situação de produção do texto literário, a realidade histórica, social, cultural e o contexto de recepção; avaliar as atividades realizadas, sistematizando as conclusões e/ou inferências obtidas; possibilitar a reflexão sobre o processo do trabalho desenvolvido, analisando suas repercussões no crescimento individual e coletivo.

A escolarização da literatura deve se consolidar de modo sistemático, planejado e com seus objetivos bem definidos tanto para o professor quanto para o aluno. Como afirma Soares (1999), o problema não está no fato de a escola ―escolarizar a leitura‖, uma vez que é a essa tarefa que ela se propõe. Porém, a escola possui sua própria lógica: currículos, disciplinas, programas, metodologias, critérios para a distribuição do tempo e do espaço, enfim uma série de ações formalizadas. A questão está na maneira como a leitura é escolarizada, a qual pode ser classificada como ―inadequada‖, como afirmado anteriormente, se analisarmos do ponto de vista da formação do leitor e da formação humana. Mais uma vez é importante salientar que o trabalho com grupos reduzidos de estudantes (no caso dos GTDs) pode proporcionar melhores chances de uma eficiência do letramento literário, já que o tempo delimitado para esse projeto constitui-se, na prática, em uma disciplina à parte. Nesse caso rompemos as barreiras citadas acima (tempo, espaço, currículo, disciplina, etc.). A literatura deve, na verdade, permear todo o estudo da língua em situações como as citadas acima, ou seja, com tempo reduzido, com o espaço da sala de aula, dentro da disciplina de português e outras. É importante considerarmos que poucas escolas possuem essa organização de

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tempos escolares que encontramos no Centro Pedagógico da UFMG. Todavia, surge, no caso desta pesquisa, a possibilidade de um trabalho mais enfático e focado na questão do ensino de literatura e no despertar do prazer estético com grupos menores de alunos.

A literatura consolida-se como uma modalidade privilegiada de leitura, em que a liberdade e o prazer se entrelaçam. A leitura é um instrumento essencial para o processo de (re) construção da sociedade, e tal mecanismo é dotado de condições para que o sujeito se aproprie do conhecimento historicamente constituído e se insira nessa construção como produtor de conhecimentos.

Os atos de leitura necessitam ter propósitos claramente definidos na prática: quem lê sabe o quê e para quê está lendo. Assim, deveria ocorrer na escola, onde lastimavelmente os alunos têm o costume de ler para realizar e cumprir tarefas, sem entender o que estão aprendendo, quais estratégias e habilidades de leitura estão desenvolvendo e qual a conveniência de se ler determinado gênero. Evidentemente, não compreendem também as avaliações a que são submetidos sobre desempenho em leitura e mesmo em produção textual, especificamente a produção literária. A escola e o educador precisam seduzir seus alunos ao mundo da leitura literária. Para se conseguir ler eficientemente é preciso saber como fazê-lo. Para gostar de ler, também é preciso ―saber ler‖. Portanto, o primeiro passo da escola consiste em assegurar um correto e adequado processo de iniciação à leitura literária. Essa leitura como prática social e cultural deve estar vinculada ao prazer com a mediação do professor nas discussões e apreciação dos sentidos deduzidos do texto, com diversas interpretações dentro de um leque de possibilidades, já que podemos tomar o texto de viés literário como uma ―obra aberta‖ (ECO, 2005) e com resultados significantes para os leitores e professores.

Educar para transformar, orientar leituras é, de fato, um desafio. Para tanto, o docente deve ser, imprescindivelmente, um bom leitor, ter desenvolvido o gosto e o hábito da leitura e praticá-la constantemente de modo que possa promover em sala de aula uma prática de leitura que leve seus alunos a gostar de ler e a perceber a importância da leitura para a formação individual, bem como para a aquisição de novos conhecimentos, científicos ou não. Para se alcançar este objetivo, o educador deve desenvolver uma metodologia de trabalho pedagógico bem fundamentado, o que demanda tempo, compromisso e dedicação com o desenvolvimento desses leitores em formação. Portanto, pode e deve evitar a leitura mecanizada, frequente em sala de aula ainda nos dias atuais, e levar os alunos a uma compreensão sobre o significado da leitura literária.

De acordo com Cosson, a leitura deve seguir uma direção que privilegie os conhecimentos prévios dos alunos, a leitura deve ser orientada a partir de um:

movimento contínuo de leitura, partindo do conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o objetivo de ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno... É importante ressaltar que tanto a seleção das obras quanto as práticas de sala de aula devem acompanhar esse movimento. (COSSON, 2007).

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O autor pontua, ainda, que uma sequência básica deve ser implementada para o sucesso do letramento literário. Essa sequência, segundo Cosson, divide-se em quatro etapas: motivação, introdução, leitura e interpretação. Seguindo-se esse ―roteiro‖ de trabalho, é possível conduzir o letramento de modo efetivo. Cosson também propõe três perspectivas metodológicas para o desenvolvimento das práticas de leitura na escola, são elas: oficinas, andaime (o professor) e portfólios. A primeira direcionada para o modo e lugar como os textos serão apresentados; a segunda para a troca de conhecimentos entre professor e aluno; e a terceira para o registro das observações e atividades. As três técnicas apresentam-se válidas para a interação entre aluno - texto literário – professor, pois possibilitam o diálogo e a troca de experiências entre os envolvidos. Do ponto de vista deste projeto de pesquisa, é plenamente viável a aplicabilidade da proposta de Cosson nos GTDs de letramento literário.

A metodologia de trabalho será pautada através da seleção de textos de diversos gêneros literários para leitura nos GTDs, desenvolvimento das habilidades de leitura desses textos literários, inclusive, com a realização de seminários, incentivo e produção de textos de caráter literário com os aprendizes sobre as leituras, realização de saraus e eventos literários com os alunos, exposição de textos literários dos estudantes e apresentação de leituras orais, entre outras possibilidades. Partindo do pressuposto de que o letramento literário não ocorre apenas na escola, é interessante e importante possibilitar aos estudantes a imersão em espaços diversos de formação, como visitar exposições de arte, ir a um café livraria, assistir a apresentações de rua são formas possíveis de ampliar a percepção estética dos alunos que se pretendem leitores e produtores de literatura. Apresentações performáticas fora da escola também são interessantes nesse sentido; dependendo do nível de envolvimento das turmas com as atividades propostas, há a possibilidade de se executar, pelo menos, algumas das tarefas sugeridas acima.

Após a consolidação deste trabalho, os resultados dos alunos, enquanto leitores de literatura e quiçá de produtores literários, devem ser avaliados. Todavia, ―a avaliação não pode ser um instrumento de imposição da interpretação do professor, antes deve ser um espaço de negociações de interpretações diferentes.‖ (COSSON, 2007, p. 115).

A literatura nos permite várias leituras possíveis em relação ao ato de interpretação/compreensão textual, o que deve, portanto, ser ―negociado‖ entre o professor e seus aprendizes. É necessário avaliar se o texto oferece margens a essas leituras, se possibilita esta ou aquela interpretação.

Enfim, todo o processo de encontro entre leitor e texto literário, a compreensão dos recursos linguísticos e da literatura utilizados na elaboração textual, o desenvolvimento do hábito de leitura, a produção de textos de caráter literário e a análise das leituras serão efetuados na execução deste projeto de pesquisa com os alunos dos GTDs de literatura do Centro Pedagógico da Universidade Federal de minas Gerais.

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Objetivo Geral

Promover o letramento literário dos alunos que forem alcançados pelas ações do trabalho proposto.

Objetivos Específicos

Verificar como se dá o processo de letramento literário quando o trabalho docente é desenvolvido com um grupo menor de alunos, no caso o GTD.

Detalhar as diferentes etapas do letramento literário, suas potencialidades e dificuldades.

Indicar como o trabalho com o letramento literário favorece a aprendizagem dos alunos em diferentes sentidos.

Analisar o êxito do trabalho realizado em turmas regulares e em turmas reduzidas para concluir a viabilidade e o sucesso de cada um deles.

Metodologia

O trabalho com os alunos será executado a partir das seguintes ações docentes:

Motivar os estudantes à leitura de textos pertencentes a diversos gêneros literários.

Incentivar a frequência de leitura desses textos em todos os âmbitos sociais possíveis (em casa, na escola, em momentos de lazer, etc.).

Facilitar a compreensão e interpretação dos mecanismos de composição literária presentes nos textos selecionados ao longo da execução do trabalho com o texto literário.

Orientar a produção escrita de textos literários dos alunos envolvidos neste trabalho, mostrando aos aprendizes que eles mesmos são capazes de produzir literatura.

Alguns textos literários serão indicados para leitura em sala de aula, primeiramente na turma regular, em seguida com os alunos do GTD.

Serão realizadas leituras, ora silenciosas, ora em voz alta.

Será solicitado que os alunos explicitem suas impressões sobre cada texto, de diferentes gêneros literários.

Serão propostas algumas produções de textos literários a serem elaborados em sala.

Desenvolvimento

Em um primeiro momento as leituras foram propostas na turma regular. Desenvolvemos o trabalho com o gênero conto, por se tratar de um um texto literário mais curto, em relação a outros como romance, por exemplo. Iniciamos com contos de Clarice Lispector. Os alunos receberam a proposta de leitura e as discussões sobre os textos de modo convencional, como apenas mais uma atividade de Língua Portuguesa, de leitura e compreensão textual. Após a

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leitura do primeiro conto, ―Felicidade Clandestina‖, discutimos o texto e realizamos alguns exercícios de interpretação. Os alunos foram orientados a pesquisarem em casa um pouco da biografia e a bibliografia da autora. Na aula seguinte, alguns alunos trouxeram a pesquisa, outros não. Após a socialização das pesquisas em sala, foi exibido um documentário sobre a escritora, que foi bastante útil para que todos os estudantes conhecêssem um pouco melhor a vida e a obra de Clarice Lispector. Na terceira aula, realizamos a leitura de outro conto da autora, ―Uma Galinha‖, em seguida assistimos a uma adaptação em vídeo do mesmo conto. Os aprendizes, de modo geral, gostaram das aulas, entretanto, na turma de sexto ano houve bastante conversa e agitação, o que não colaborou para a concentração e participação efetiva dos alunos.

O mesmo trabalho, com os mesmos procedimentos, foi realizado em uma turma de GTD, com apenas 8 alunos. A recepção da atividade foi bastante positiva, desde o momento que receberam os contos e realizaram a leitura. Obviamente, uma sala com poucos alunos é mais tranquila e silenciosa, o que favoreceu o primeiro passo da atividade. Posteriormente, ao realizarmos as análises do textos e as discussões, a aprticipação dos estudantes foi bastante satisfatória; se envolveram bem com as questões que se levantarm ao longo dos debates e surgiram falas muito coerentes dos alunos em relação às análises dos textos.

Sobre as propostas de produção de texto literário, foi solicitado que escrevessem um conto com uma ideia parecida com o conto original, em que cada um se colocasse diante de algo que desejasse muito, e que houvesse uma dificuldade em se realizar aquele desejo, bem como em Felicidade Clandestina. Os resultados foram os mais diversos, desde textos menos elaborados até textos construídos com muito cuidado estético, para que se assemelhassem à produção de Clarice Lispector. Os textos produzidos na turma regular foram feitos em casa, corrigidos pela professora e finalizados em uma segunda versão, em sala de aula. Já os textos do GTD foram escritos durante a aula de literatura, com mais ‗cuidado estético‘, com algumas intervenções pontuais da professora e uma orientação adequada ao processo. O fato de haver menos alunos no GTD implica mais tempo para se produzir. Como se concentram mais, consequentemente produzem melhor, se engajam com melhor disposição para o trabalho com a literatura. Desse modo, até o tempo gasto em sala regular para se chamar a atenção de alunos em conversas e brincadeiras em momentos inadequados, é diferente da turma de GTD, que, com apenas 8 alunos, foi muito mais viável a orientação e a execução do trabalho.

Conclusão

Ao final da aplicação do trabalho, tanto na turma regular, quanto na turma reduzida de GTD, foi possível concluir que, de fato, um grupo menor de alunos consegue produzir com mais eficiência as propostas de trabalho com o texto literário. Dois alunos desse grupo de trabalho se interessaram tanto pelos textos e pela autora, que procuraram pelo título Felicidade Clandestina ―na íntegra‖ no acervo da escola. Além de empréstimos na biblioteca, houve o relato de uma aluna, também do grupo de leitura, que solicitou aos pais que lhe

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comprassem as obras A Maçã no Escuro e A Mulher que Matou os Peixes, e os trouxe para a escola para compartilhar com a professora e os colegas. Ao ser questionada sobre o porquê das suas escolhas, a justificativa foi que havia gostado ―do jeito da escrita da autora‖, o que podemos concluir que se tratava do gosto pelo estilo da autora.

Enfim, reiteramos que, embora seja muito importante que o processo de Letramento Literário seja conduzido em sala de aula regular, é extremamente positivo que os alunos tenham, além disso, a oportunidade de terem contato com a literatura em um contexto diferente da aula comum. Durante as atividades de leitura e compreensão no GTD, vários espaços escolares foram utilizados para a realização dessas leituras: em sala, na biblioteca, no parquinho da escola, e, até, em dois saraus organizados, quase que em sua totalidade, pelos próprios alunos, que denominaram o ―momento do café literário‖.

Pudemos perceber que o envolvimento dos alunos foi muito mais efetivo no GTD do que na sala de aula, em que o número de estudantes é muito maior, o que tende a dispersar mais a turma.

Referências

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INFÂNCIA, CULTURA E FILOSOFIA: APONTAMENTOS SOBRE UMA EXPERIÊNCIA

Juliana Bernardes Tozzi

I – Um pouco do começo...

Este texto pretende refletir e compartilhar alguns elementos da experiência que construí com crianças, dentro da Pedagogia, por mais ou menos 4 anos, numa escola tradicional da rede particular de ensino da cidade de Campinas.

Recém-mestre, concluíra a experiência como pesquisadora, em que vivi um período de distanciamento do trabalho e da cultura escolares para a dedicação à pós-graduação acadêmica e de suas possibilidades.

Findado este período, havia a forte expectativa de retorno e de reaproximar-me da escola e do trabalho com as crianças. Na trajetória do magistério, reconheci na oportunidade deste contato o espaço privilegiado de reflexão diante da postura de iniciação ao mundo encontrada nas novas gerações. Oportunidade que foi se acumulando e sendo significada, em meu decurso profissional, à luz de impressões poéticas e filosóficas, inscritas estas (por bem ou por mal) quase sempre em minha forma de interpretar e interagir com o mundo.

Observar as breves palavras desta introdução indica, a mim, a tentativa de apresentar-me como professora interessada na criança e na cultura escolar. Elas apontam também para uma perspectiva pessoal em que se inscrevem alguns elementos de inquietude, criatividade e sensibilidade que levava eu em minha bagagem quando fui chamada à entrevista para uma escola particular, em 2011.

Estamos entrevistando profissionais para um projeto que quer colocar aulas de Filosofia, para as crianças.

A proposta de ―filosofia para crianças‖ participava de minhas buscas mais iniciais de fim do magistério e início da Pedagogia.

No período, motivada pelas atividades filosóficas de ler e escrever, soube da existência de um programa americano que propunha o trabalho filosófico com as crianças.1 Então, me inscrevi em um curso básico para saber do que se tratava.

Tomara, desta vivência, para mim, como relevantes: (i) a perspectiva do tratamento na pergunta e na seriedade diante da criança e do que se coloca como conhecimento e (ii) a possibilidade de encaminhamento de um filosofar com as crianças, através do cultivo intencional de posturas que fazem parte desta prática: a escuta, a admiração, a tentativa de definição, a reelaboração, a

1 Refiro-me ao programa americano ―Filosofia para Crianças‖ criado por Matthew Lipman na

década de 70, que estabelece um curso de formação filosófica para crianças da Educação Infantil ao Ensino Médio. Sobre o mesmo, destaco o trabalho de Silveira (2008), que apresenta ponderações relevantes para uma reflexão crítica da proposta.

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expressão e o diálogo de ideias, o esforço de entendimento e a consciência sobre como ele se dá etc.

A entrevista expôs algumas expectativas de trabalho da instituição: orientar os alunos para saberem trabalhar bem entre si, pois isso era ressentido, e a abordagem, na escola, de ―valores‖.

Então, aqui compartilharei algumas reflexões trazidas pelo desenvolvimento da proposta de trabalho que foi apresentada por mim na relação com os princípios que nortearam sua elaboração.

Diante da acolhida que o desenvolvimento do projeto recebeu – que considero levando em conta relatos de vários pontos da comunidade escolar que o acompanhou – pretendo iniciar sua divulgação e reflexão, na forma de ensaio. Farei isso, por hora, com alguns aspectos que dialogam com os temas da mediação de livros e da formação de leitores.

O entendimento do relato e do ensaio como a forma do dizer uma experiência (LARROSA, 2015, p. 112) legitima a tarefa de aqui reunir observações iniciais que, bem sei, trazem com elas certo caráter de provisoriedade, incompletude, fragmentação, inacabamento (SKLIAR, 2014, p. 102). Contudo, ensaiar é justamente o espaço de elaborar o pensamento diante do que se experencia, quer dizer, do que nos acontece, nos toca. Trata-se de uma oportunidade de significar e organizar o vivido; de rever (nossa) uma história:

Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. (LARROSA, 2015, p. 32).

II – De uma compreensão, a concepção de uma proposta de trabalho

A teoria dos processos civilizadores (Elias, 1994) acompanha como a passagem da Idade Média à Moderna trouxe com ela aspirações de ascensão da classe burguesa, que começou a valer-se de meios muito específicos para educar distintivamente seus filhos à participação nos círculos de poder. Daí podemos inferir porquê também se identifica neste período de transição histórica o chamado ―nascimento da infância‖ (Ariès, 2006), uma vez que crianças passaram a ser reconhecidas pelas famílias da burguesia como seres a serem civilizados, educados, preparados – e a atenção de ciências específicas e da própria indústria, que iam florescendo, voltou-se para esta tarefa.

Se trazemos conosco a compreensão de nosso pertencimento a este advir de longa duração, podemos melhor compreender a ideia que ainda se renova entre nós das crianças como seres carentes de um acabamento e, para os quais, por isso, se volta todo um repertório cada vez mais especializado e que constitui a cultura do ―infantil‖.

Em uma dimensão mais ampla da formação humana, deveremos ainda admitir que não há homem sem a cultura que media sua humanidade, isto é, que o orienta para seu devir em determinando tempo e espaço sociais. De certa maneira, a cultura que se volta à infância poderia ser compreendida, em

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uma abordagem restrita, dentro desta tentativa de enfrentar o desafio de formação, de educação.

Os estudos da psicologia soviética do século XIX (VIGOTSKI, 2008) são os que confirmam as bases histórica e cultural na constituição daquilo que nos torna efetivamente humanos, quer dizer: a consciência, o pensamento, a memória, a linguagem, o senso de socialização compartilhado etc. Em tal perspectiva, a escola, instituição típica do processo modernizador, emerge como espaço que, lidando com o conhecimento e a cultura acumulados, traz como possibilidade a atuação decisiva na constituição do gênero humano.

Às contradições que a limitam nesta tarefa, convém aqui chamar a atenção de uma para o desenvolvimento de meu argumento: trata-se daquela que podemos situar no plano da fabricação de uma cultura escolar, em sintonia com uma determinada cultura de compreensão da infância. Ora, através da ciência didática, a Pedagogia vem tradicionalmente colocando-se por esta necessidade de explicar, traduzir, interpelar, revestir, transformar em material de aprendizado os materiais da cultura e os próprios conhecimentos àquele que se apresenta, diante do saber, imaturo e inapto para aprender (ver RANCIÈRE, 2015).

Mas, se pomos em suspensão a certeza da racionalidade didática que vem tentando mediar, na escola moderna, a relação do infante com as coisas do mundo, e, com ela, imprimindo certa oposição sua construção de experiências,2 convém reconstituir a própria compreensão restrita e desfavorável que vem formatando nosso entendimento sobre as crianças.

Nesta direção, algumas vozes vêm se colocando na produção acadêmica e, não por acaso, discutindo o espaço de um filosofar com as crianças, compreendendo, desta vez, a infância como aquela “condição de ser afetado que nos acompanha a vida toda‖ (KOHAN, 2005, p. 239).

Como explica Kohan, a inspiração para esta retomada tem um impacto duplo na forma como tradicionalmente pensamos a infância:

Por um lado, ela deixa de estar necessariamente associada a crianças, e a sua visão concomitante como seres pequenos, frágeis, tímidos. Por outro lado, ela passa a ser condição de rupturas, experiência de transformações e sentido das metamorfoses de qualquer ser humano, sem importar sua idade. (Idem, p. 246).

Ora, é na infância que aprendemos a falar: a nos constituir humanos e herdeiros de uma fala; se já falássemos desde sempre, seríamos a-históricos, como teoriza o filósofo italiano Agamben. É a infância nosso início humano, início em que não falamos, pensamos ou sabemos tudo... Início que, certamente, nos acompanha na tarefa da vida, para sempre, em nosso contato,

2 Este entendimento é reavivado por Larrosa (2015, p. 22) que reflete como a falta de tempo, o

excesso de trabalho, a corrida pela informação e a racionalidade moderna adentram a vida escolar, funcionando ―cada vez mais no sentido de tornar impossível que alguma coisa nos aconteça‖ (Idem). O autor, porém, está dialogando com o trabalho de Agamben (2005) sobre os efeitos da destruição da experiência, tema que este desenvolve à luz dos escritos benjaminianos (Benjamin, 1994).

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em nosso afetar-se em relação ao que existe – através de um caráter espontâneo, ingênuo e livre de certezas absolutas.

Por isso mesmo, Kohan apontará para a oportunidade do filosofar o cultivo emancipador desta experiência, desta relação infantil com o mundo: “Se há algo a se preparar por meio da educação, é a não deixar a infância, a experiência” (Idem, p. 248).

Diante de tal compreensão acima ensaiada sobre infância, cultura e desenvolvimento humano e a tarefa da própria educação, apresento agora os princípios que estabelecemos como fundantes – e inspiradores – e que foram propostos por mim para acompanhar o desenvolvimento do curso de Filosofia no currículo de crianças do Ensino Fundamental I.3

1ª) As aulas de filosofia como uma iniciação à Filosofia

O que poderia significar ensinar filosofia, então? Acaso teria a ver não com formar excelsos filósofos, mas com possibilitar, pela emissão de certos sinais que alguns, não importa sua idade, digam ―eu também sou filósofo‖? Acaso teria a ver não com explicar qualquer coisa, mas com afirmar um exemplo de alguém que está tão preocupado em aprender quanto em ensinar? Acaso exigiria pressupor que ninguém é mais filósofo que ninguém? Apesar do caráter controverso dessa expressão, parece difícil negar a força criativa de uma tal empreitada. (Idem, 2005, p. 203.)

Experiências curriculares que eu conhecia informalmente (com a Filosofia nas séries iniciais) traziam com elas aspectos que eu não julgava produtivos em relação aos pressupostos anteriormente colocados, porque se relacionavam mais ou menos a programas questionáveis do ponto de vista de sua visão restritiva de conhecimento filosófico (por exemplo: conhecimento de lógica; conhecimento de ética; conhecimento de história da filosofia) e de suas práticas e materiais (por exemplo: apostilas; histórias filosóficas) para o trabalho escolar.

Supunha ser possível que a colocação da Filosofia no currículo dos alunos caracterizasse a oportunidade de aulas de iniciação a esta disciplina, em questão de reconhecimento de posturas e de conhecimento da história das grandes questões humanas, dos filósofos e de suas produções. Então, nossas aulas poderiam apresentar-se curricularmente como a garantia de uma reflexão sobre o próprio humano em sua dimensão existencial mais superior, o pensamento; isto faria o próprio pensamento emergir como valor.

Ao mesmo tempo, identificar uma iniciação à filosofia como algo possível e de valor na educação das crianças, exigiu uma revisão de minha parte sobre os termos de sua possibilidade ou limitação, inclusive considerando a condição de minha própria formação não específica na área.

Neste sentido, optei por sustentar-me na compreensão do filosofar como atitude de disposição e afetação diante da vida e de seu entendimento,

3 Esta proposta abrangeu o curso de 2º ao 5º ano para crianças entre 7 e 10 anos. Anualmente,

de 21 a 23 turmas participaram deste curso, com uma aula semanal, configurando uma média de 500 alunos entre manhã e tarde, de 2012 a 2015.

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proposta à própria conscientização e superação de seus limites. Pude, então, reconhecer uma bibliografia que já vem sendo construída no Brasil e que discute o alargamento da concepção sobre o que seja a prática filosófica com crianças, para além do rigor e do especifismo que a reconhece como atividade exclusiva dos que detém o pensamento estruturado, lógico, sistêmico etc (KOHAN, 2005; VALÉRIO LÓPEZ, 2008).

2º) A organização do curso obedeceria, para cada período, uma pergunta unificadora

A meu ver, a proposta do curso deveria estabelecer diálogo com o plano das séries, de modo a contribuir de alguma forma com a superação da fragmentação que ainda conformava, pelo que via, a tradição de planejamento de ensino institucional. (Esta, aliás, não seria uma das mais elementares vocações da Filosofia? Quer dizer, a leitura da realidade de um ponto de vista total?)

Assim, caberia à minha atividade de planejamento uma reflexão sobre o plano de curso anual e disciplinar das várias séries e o vislumbrar de uma grande questão que sugerisse/ favorecesse, na medida do possível, um tipo de unificação dos conhecimentos disciplinares estudados pelos alunos em cada período do ano escolar. E por meio da qual pudéssemos reconhecer reflexões da própria história da filosofia para o trabalho em nossas aulas.4

3º) A organização das aulas: do sensibilizar ao refletir

Era preciso propor um princípio de organização geral para o planejamento das aulas. Estabeleci, então, três momentos norteadores para o planejamento: um introduzir; um desenvolver; um concluir.

Assim, a proposta previa que a introdução de um tema de reflexão se desse como momento de sensibilização ou provocação à uma questão ou temática, causando seu reconhecimento de forma a garantir identificação ou incômodo; em sequência, deveria conduzir à reflexão dialogada sobre aspectos desta temática – isto, de forma mais, ou menos dirigida; mais, ou menos coletiva; mais, ou menos subjetiva; por último ou de forma concomitante aos momentos anteriores, deveria prever, oportunamente, o encaminhamento do registro de pensamento do aluno.

Para tanto, estabelecia como constitutiva da minha tarefa docente o trabalho de seleção do repertório de material de aula, tendo como fonte os bens da cultura em geral (e não apenas a produção voltada à criança ou restrita à filosofia) e sua exploração contextualizada, de forma dialogada, quais fossem: textos e excertos literários, obras literárias, trechos de filmes, animações, imagens (ilustrações, fotos, obras artísticas), canções, objetos, relatos de acontecimentos etc.

4 No Anexo I indico como operava com esta tentativa de organizar o planejamento de Iniciação

à Filosofia em relação a conteúdos planejados periodicamente para as séries do Ensino Fundamental I; minhas escolhas, é claro, também decorriam de interpretação e criatividade pessoais.

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Nossas aulas não teriam por objetivo garantir um extensivo acúmulo de tópicos de reflexão, mas deveriam ganhar reconhecimento justamente enquanto uma parada preparada para a reflexão sobre poucos temas – que abrisse, porém, o espaço do diálogo, uma vez que “a filosofia é ler e escrever, mas também é conversar. Um conversar orientado, talvez, ao pensamento” (LARROSA, 2015, p. 141).

4º) O perguntar-se sobre os rumos da vida coletiva como constitutivo do curso

É verdade que, historicamente, a reflexão filosófica sempre se ocupou – ora mais, ora menos – de reflexões éticas e, em alguns casos, a dimensão do saber bem viver foi colocada como a grande e maior tarefa que os filósofos deveriam percorrer.

Assim, o ―trabalho com valores‖ que se colocara como uma expectativa institucional para a construção do curso era compreensível, mas caberia definir as bases não dogmatizantes em que a dimensão da discussão ética poderia se dar junto de crianças pequenas, educadas tantas vezes a reconhecerem o mundo sob os pilares simplistas do bom ou do mal.5

Diante desta questão, o caminho que escolhi foi o de reconhecer, em planejamento, para cada período de trabalho nas séries – e em relação com as grandes questões temáticas – aquelas ideias desejáveis na comunidade de pertencimento, e que, oportunamente, pudessem despertar o diálogo sobre suas implicações.

Neste trabalho, tais ideias desejáveis não seriam ―ensinadas‖, mas propostas ao conhecimento e ao reconhecimento em uma perspectiva de questionamento do ponto de vista histórico (de sua construção), cultural (em relação a experiências diversificadas de ver o mundo), social (da convivência idealizada nas comunidades que pertencemos e, enfim, das contradições nestas inerentes) e até política (da responsabilidade sobre as consequências do que fazemos nos lugares em que participamos em função do que se estabelece, aí, como bem comum).

5º) A questão do exercício de pensar-se e da interlocução permanente com a criança

Considerando-se a aproximação planejada e em diálogo das crianças em relação às grandes questões da existência humana e às próprias ideias zeladas por sua comunidade de pertencimento, estabeleci ainda que nossas aulas deveriam garantir e, na medida do possível, favorecer, o posicionamento das crianças diante de questionamentos mais subjetivos e que delas exigissem pensar sobre a identificação, teórica e prática, que estabeleciam com certas ideias ou valores.

Isto deveria ser contemplado de modo a observar a clareza intelectual que desenvolviam, mas também a coerência ética que indicavam no diálogo com a cultura (e com suas produções e exigências).

5 A respeito da complexidade que o tema da educação ética suscita à Pedagogia, desde a

Antiguidade a nossos dias, ver Reboul, 1988.

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III – Entre livros e pela leitura, o filosofar com as crianças

Ensinar a filosofar significa então (também) dar um lugar para a leitura e para a escrita, dar a ler, fazer escrever, dar vontade de ler e de escrever, ensinar a ler e a escrever da única maneira possível: lendo e escrevendo. (LARROSA, 2015, p. 140).

Quando me volto para tentar significar e compartilhar aspectos de uma experiência vivida, devo ser consciente das várias possibilidades de abordá-la e enfocá-la. Nesta oportunidade, procuro trazer elementos que contribuam com questões que por hora são privilegiadas e que envolvem a mediação do que é lido com crianças e de como isto parece ser recebido por elas, tendendo a marcar gestos, disposições, expectativas e até modos de ler diante do que é convidado a sua leitura.

Pode ser interessante estabelecer, para o que será colocado, duas ênfases que me parecem pertinentes. A primeira é o reconhecimento mais amplo da leitura como prática aprendida em comunidades de participação que inspiram (mas não esgotam) determinadas disposições e interpretações diante da escrita, quer dizer, determinados modos de ler (CHARTIER, 1999; HÉBRARD, 2009). A segunda, num sentido mais restrito, é a ênfase que compreende a atividade de ler como uma operação inscrita, sobretudo, na ―polissemia” de um texto (conforme destacou GOULEMOT, 2009, p. 108).

a) Uma prática de ler (e de escrever) mais ―filosófica‖

Por isso, não se trata de compreender, de dizer a verdade do texto, e sim de experimentar a potência de sua linguagem e o que essa linguagem nos dá a ver, a sentir, a pensar, a escrever, a conversar. (LARROSA, p. 169.).

(i) Ler palavras novas

Para o desenvolvimento de nossas aulas, podia selecionar textos e contextos que ajudavam a introduzir vocabulários de natureza filosófica. Para isso, fiz uso de coleções que iniciavam a criança nos temas da filosofia; ou, mesmo, de dicionários.6

O que será que significariam palavras como Verdade, Ser, Aparência, Essência, Virtude, Saber, Crença, Riqueza, Liberdade, Razão, Democracia?

Fui percebendo: estas palavras não podiam ser postas apenas no papel; era como se carecessem de verbalização, de uma voz que as tornasse vivas e que exemplificasse como eram ―faladas‖; então, as crianças tentavam falá-las também. Brincavam de falar e repetir a oralidade das palavras que acabavam de conhecer.

6 Ver, no Anexo II, alguns exemplos de obras tomadas para esta finalidade – item C (e item B,

conforme se explicará). Durante o período desta experiência, acompanhei com atenção o aparecimento, no mercado, de variadas coleções destinadas à iniciação à filosofia de crianças, muitas vezes interessantes do ponto de vista da abordagem não linear de conteúdo – mas temática. Muitas vezes recorri às mesmas para o complemento apenas visual (ilustrativo) na discussão de uma ideia – ou, como fonte de situações em que esta ideia se relacionava a situações mais comuns ao cotidiano das crianças.

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Também era importante encenar o sentido da palavra com os próprios corpos: como mostrar a ideia da felicidade? Da amizade? Do irracional? As crianças iam, assim, mostrando a sua leitura sobre determinadas palavras e a leitura que iam reelaborando sobre elas. Aproximavam-se do signo.

Então, por textos compartilhados à leitura, textos que falavam do sentido de palavras, se ampliavam vocabulários; pude também reconhecer tentativas de aquisição e apropriação de ideias: isto não significava sua repetição, mas a transposição que ganhavam em reconhecimentos feitos pelas crianças – nem sempre tão eficientes... Os pequenos reconheciam, assim, a possibilidade de experimentar um uso e com isso adquirir o que se poderia chamar por ―efeito de retórica‖. Talvez assim estivessem aprendendo que as palavras são pensamentos e formas de categorizar o mundo. Construções – de homens e mulheres.

Algo ocorria aqui, e parecia-lhes divertido, como uma cena teatral: exercitavam o que a leitura lhes trazia para pensarem com as palavras de: Heráclito, Aristóteles, Parmênides, Tales, Sócrates, Descartes. E anotavam seus nomes, sem orientação de minha parte...

(ii) Dar a sua leitura de uma palavra

Textos que apresentavam definições motivaram crianças a definir as coisas e a fazer seus dicionários. Por exemplo: sobre os sentimentos, a existência, as virtudes, os seres... Os registros me mostravam algo que parecia ter a ver com certo tipo de (re)aproximação da filosofia à poesia:7

Amizade é um ligamento, um amor e fé em uma pessoa muito querida.

Amor é ser.

Coragem é o que dá esperança de fazer algo perigoso ou missão complicada.

Amizade é o amor que sai de mim e o amor que sai de outra pessoa.

Amizade é como uma aliança da diversão.

De alguma forma, circunstâncias assim aproximavam-se do entendimento do filosofar como experiência do não falar tudo, mas do risco de elaborar um sentido pessoal, novo, para o universo da cultura que se lê. Disto, afirma Valério López (2008):

É preciso advertir o abismo trágico que separa as palavras de seus supostos sentidos. O que quer dizer que escutar e pensar, ler e escrever não se parecem com reconhecer palavras, mas com renovar o sentido delas, perguntando obstinadamente: em que sentido se diz? (p. 89).

7 Seguem algumas definições dadas por aluno(a)s do 3º ano escolar, de 8/9 anos em um

exercício que solicitava a definição de uma virtude para sua tradição de pertencimento. Os autores não são nomeados.

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É verdade que nem sempre esse filosofar, assim, era fácil: ao contrário, as marcas de um ensino mais habituado à cópia e ao acerto indiciavam-me objetivamente efeitos.

(iii) Ler a filosofia nas coisas...

A filosofia acompanhou nossas aulas não apenas com exercícios orais, cênicos e escritos, mas via certa disposição à leitura. Isto porque tornou-se um hábito reconhecer, no que líamos, ideias e questões filosóficas que davam a contextualização para nossos diálogos.8

Assim, líamos junto e concluíamos que em uma história estava o tema da transformação que Parmênides veria de uma forma, mas Heráclito de outra; ou o dos seres, que nunca são só uma coisa, mas que podem ser várias, ao mesmo tempo, pelo ponto de vista de quem fala.

Crianças, inclusive, passaram a estabelecer relações sobre leituras que tinham feito em outros momentos que não em nossa aula e trazer para ela pontos de vista e argumentos (que aprendiam, assim, a citar).

(iv) Ler perguntando!

Fui reconhecendo que o que nossas aulas de filosofia poderiam investir na educação das crianças era uma abertura diante de qualquer material de leitura: abertura que se caracterizasse pela dúvida e pela pergunta sobre o que se lia e que não reconhecesse, no lido, um depósito inabalável de ensinamentos.

Assim entendendo, e se a leitura deve supor nossa problematização e identificação (ou não), muitas vezes as próprias escolhas escolares ou familiares que se colocavam à leitura das crianças eram aproveitadas em nossas aulas para exercitarmos, juntos, uma leitura do “o que você pensa disso?”, “mas quem disse isso?”, “por que será que isto está sendo dito?”, “o que se quis dizer com isso” etc.

De modo que as aulas sugeriram como esta prática de ler, tão crucial, poderia ser deveras mais explorada por nossa tradição escolar: prática da divergência com o autor, com uma ideia, com um ensinamento, com uma definição.9

Uma leitura, realmente, filosófica. De abertura e disposição. Que vê, na palavra, um convite à significação. Portanto, que demanda uma postura de ouvir – mas, também, de perguntar.

Ler perguntando: prática de ler que aprendíamos em nossas aulas.

b) Guerra, violência, morte; o nu, a falta de educação: livros com essas coisas devem ser postos à leitura de crianças?

Penso nos livros. Como entendo agora os ‗estúpidos adultos‘ que não dão a ler às crianças seus livros de adultos. Até bem pouco tempo me indignava sua suficiência: ‗as crianças não o

8 Ver, no Anexo II, alguns exemplos de obras tomadas para esta finalidade – item D.

9 Ver, no Anexo II, alguns exemplos de obras tomadas para esta finalidade – item A.

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entendem‘, ‗é muito cedo para as crianças‘, ‗quando crescerem, descobrirão‘. As crianças não o entendem? As crianças entendem demais. (TSVIETÁIEVA apud SCLIAR, 2008, p. 81).

Quando lemos a opinião de escritores e críticos da literatura infantil sobre como entender a criança e escrever para ela, é recorrente a legitimidade atual de uma compreensão que não mais a preserve de temas existenciais inerentes à sua condição de iniciante no mundo da cultura e da história a que pertence. Ao contrário, vem se ampliando o sentido de infantil para um território que dialoga com o poético-existencial humano.

De fato, disponibilizar às crianças histórias que tematizem assuntos que lhe são tão próximos como a morte, a agressão, a intransigência, o egoísmo, a discriminação, o consumo, a solidão, a saudade, o tempo, o desejo, a vingança, a amizade... mostrou-se uma porta sensibilizadora e de comoção para o compartilhar de experiências, sentimentos, ideias, teorias e expectativas entre elas.10

Nestes momentos de leitura oral e posterior conversação, a turma se ouvia e desenvolvia um sentido de acolhida e empatia, uma vez que a identificação com os temas – pelo vivido, pelo testemunhado e/ ou temido – era recorrente e incitava a participação, o pertencimento.

Dois efeitos, provavelmente advindos da cultura que se autoriza às novas gerações pareciam ter seus ecos no modo de ler que inicialmente notei da parte das crianças, nestas situações. Em primeiro lugar, a contemplação moralista do ato do outro na narrativa apreciada era muitas vezes exercida antes da contemplação mais reflexiva de si mesmo; eu concluía isso pelo que verbalizavam. Em segundo lugar, as crianças funcionavam como ―censoras‖ de certas leituras ao se verem diante de imagens ou parágrafos que beiravam um repertório não dito para elas: tapavam seus olhos ou ouvidos, olhavam entre si e expressavam o sorriso do proibido...

Uma forma menos policialesca de lidar com os assuntos foi algo que, progressivamente, fui querendo imprimir à nossa comunidade filosófica de leitores: sem privações ao que nos fala e constitui, em qualquer idade que tenhamos.

Homero? Bertold Brech? Anne Frank? Shiller? Para crianças?

Ao mesmo tempo, procurava, em alguns momentos, trazer propositalmente ao convívio das crianças nomes de escritores que talvez não reconhecessem ainda ou que não fossem tão explorados pelos materiais didáticos de aluno.

Fazia isto por encontrar na produção deles um valor histórico, uma abordagem perspicaz e filosófica de certos assuntos e um modo de escrever sensível – os quais julgava diferenciais e, assim, provocativos também à mente das crianças. Além disso, movia-me certamente o desejo de investigar como produções de um repertório que costuma-se identificar por ―clássico‖ pode ser

10

Ver, no Anexo II, alguns exemplos de obras que surtiram este efeito maior de comoção – item G.

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recebido (ou reconhecido) pelas novas gerações, sem as costumeiras adaptações que podem ser reconhecidas nos catálogos editoriais de literatura infanto-juvenil.

Tratavam-se de situações de mediação específica: a apresentação de obras assim introduzia-se pelo elemento histórico e incentivava, quando possível, o manuseio das crianças de edições bilíngues, originais, diversificadas de um título, por exemplo.

A leitura era mediada pela minha voz; o sentido, buscado oralmente com as crianças. Nestes momentos, elas não dispunham, geralmente, de folhas xerocadas para lerem: liam escutando e familiarizando-se com uma tradição. E tentavam entender. Líamos, assim.

Deveriam estar a aprender algo sobre como podemos ler e compreender – participando de uma interlocução que se coloca a nós advinda de tempos e espaços diferentes. Talvez, por isso, justamente, leitura sedutora à sensível e irrestrita curiosidade das crianças.11

c) Ler junto coisas que a gente ―não entende‖

Foram vários os momentos em que confirmei, também, a forma mais distante que alguns textos parecem repercutir ao entendimento geral das crianças; porém, aproximarmo-nos de materiais assim, arriscando a significação, também não poderia ser uma importante atividade de nossas aulas? Assim, elas não estariam contribuindo para que as crianças aprendessem a enfrentar o enigma da tradução que envolve a atividade de ler? Do diálogo?

Por um lado, percebi que textos que introduzem e insistem em vocabulários incomuns ao repertório de uso das crianças e/ ou textos que trazem temas mais abstratos e de uma forma mais metafórica, parecem ter, geralmente, um efeito pequeno em interesse a uma leitura de primeira vez. Mas quando minha voz mediava a leitura, a tarefa de interpretação e a própria fruição estética pareciam revigorar-se.12

As reações das crianças eram refletidas em aula e, com isso, eu objetivava trazer uma maior consciência sobre o que fazemos quando lemos, ouvindo delas por quê, às vezes, dizemos que ―não entendemos‖. Parecia-me que esta percepção se ligava a uma outra experiência mais conhecida ao repertório delas, de ter em mãos o que imediatamente se compreende. Por outro lado, a dificuldade que as crianças externalizavam passou a ser encorajada; para isto, comecei a introduzir textos com as características consideradas como “coisas que não se costumava oferecer para crianças”, mas que podiam ser lidas por elas; como materiais que “a gente iria ter que descobrir junto o sentido”. A leitura como um enigma, um jogo de exploração de pistas.

Se ler é um exercício de interlocução em que aprendemos a conversar com a gente mesmo diante de um texto, é necessário, hoje sabemos, aprendermos a fazer isso. Por isso, ler não mais sozinho. Ler buscando o

11

Ver, no Anexo II, alguns exemplos de obras que surtiram este efeito e que foram assim mediadas – item E. 12

Ver, no Anexo II, alguns exemplos de obras tomadas para esta finalidade – item F.

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sentido não ―dentro do texto‖, mas junto com o outro. Ler pensando. Ler vencendo a conclusão imediata do “não entendi nada”, pois somos leitores.

Isso apontava, novamente, a oportunidade de, com filosofia, se explorar e ampliar o sentido do ler na experiência das crianças: afinal, ler seria encontrar no texto uma verdade? Saber tirar da letra o entendimento? Ou: não poderia ser encontrar na escrita insuficiências? Relações não aparentes? Estabelecê-las? Reformá-las?

IV- A reflexão continua

A ―filosofia com crianças‖ é uma forma de intervenção muito especial. Dedicado à prática filosófica na escola, aquele que trabalha em ―filosofia com crianças‖ pode, legitimamente, ser considerado um educador, alguém que ensina, no sentido de oferecer signos. Ele oferece textos e organiza em torno deles uma discussão. (VALÉRIO LOPEZ, 2008, p. 69).

Espero ter proposto, nesta oportunidade, questões que podem ser melhor investigadas, de um ponto de vista mais metódico, para a tradição pedagógica. Mas com isso não quero dizer que só assim um relato ganha legitimidade para uma aplicação, uma vez que, como coloca Larrosa (2015), a experiência é sempre do singular; tece-se sobre os perigos dados pelas condições irrepetíveis da vida...

Do que eu vivi, julgo neste momento válido destacar como a experiência de um espaço para iniciar as crianças em práticas filosóficas aproximou-nos do aprendizado de uma prática de leitura, que se dava com, entre, a partir – do(s) outro(s); também, que cultivava a proposição de questões ao texto, que procurava não fazê-lo vitorioso em relação às tentativas habituadas de obtermos um sentido nas letras dele...

Entre textos, páginas de livros e imagens de pessoas constituintes de nosso passado, palavras complicadas se desfaziam em suas abstrações e distâncias aparentes, trazendo certa especificidade ao momento de filosofar: um momento de ler palavras (mesmas?) novas, de usá-las, significá-las e compreendê-las pelo raciocínio de alguém como nós... Nós que, também aprendíamos, podíamos propor ideias à leitura do outro. Ao flexibilizar fronteiras entre o que é dado como ―leitura de crianças‖ e todo o repertório que resta a sua exploração, acompanhei sinalizações sobre como a escola pode valer-se das marcas outorgadas por um repertório não classificativo para incentivar as crianças ao diálogo, via sociabilidade escolar, com a tradição mais universal do conhecimento – de alguns de seus protagonistas, de algumas de suas obras, de suas questões... Resgatar, no ensino, o elemento biográfico e da contextualização problemática da qual emerge uma questão e da qual decorreu historicamente a organização de um saber parece adquirir, para crianças, um sentido outro do oferecido por livros didáticos que travestem-se em uma linguagem muitas vezes artificial e monótona.

Fica registrado, então, a sugestão de um maior reparo a respeito das consequências específicas que a tradição pedagógica tem legado às novas gerações em relação à forma como se apropriam da cultura de que são

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herdeiras e de como seu repertório, sem adaptações, pode inspirá-las e desafiá-las ao pertencimento a uma herança que se quer decifrar, compreender, assimilar e continuar.

Posso ainda sinalizar que identificar a Filosofia como atividade própria a sujeitos pensantes e ir delineando nossos encontros em uma atmosfera que sugeria, consequentemente, a admiração pela postura de curiosidade, estudo e investigação sobre o mundo, acabou alimentando certa mobilização de crianças em relação aos livros. De fato, estes veículos emergiam em nossas aulas muitas vezes como protagonistas que falavam de assuntos novos e/ou de interesse, que traziam histórias que comoviam (pela compaixão, pelo medo, pelo humor...). Passaram a se tornar material que as crianças queriam revisitar: desejavam manuseá-los, relê-los, mostrá-los. Um valor próprio a uma tradição estava com elas sendo compartilhado, apesar de não imposto.

Assim, uma boa relação estabelecida entre crianças e filosofia confirmou-se em estabilidade, via motivação e interesse delas em relação às atividades de nossas aulas e que não se esgotavam nela – considerando práticas de leitura e diálogo incentivados, o repertório ampliado, as buscas informais das crianças de materiais para continuar suas reflexões etc. Não seria, pois, por que filosofar era a hora de parar para pensar?

Um parar, talvez, de dívida:

O mundo deve às crianças alguns gestos que lhes foram subtraídos. Gestos corporais, gestos de atenção, gestos de ficção e gestos de linguagem... Existe alguma coisa a mais: distender, demorar e alongar o tempo das crianças. Se houvesse que dizê-lo numa única frase: a tarefa de estar entre crianças consiste em fazer durar a infância todo o tempo que for possível. (SKLIAR, 2014, p. 178).

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Infância e História: ensaio sobre a destruição da experiência. In: AGAMBEN, Giorgio. Infância e História – Destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 19-78.

ARIÈS, Phillipe. O sentimento da infância. In: ARIÈS, Phillipe. História Social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 2006. p. 1-105.

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas – Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. p. 197-221. (v.1).

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora UnB, 1999.

GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. p.107-116.

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HÉBRARD, Jean. O autodidatismo exemplar. Como Valentin Jamerey-Duval aprendeu a ler? In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. p. 35-73.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1994. (v.1).

KOHAN, Walter O. Infância. Entre Educação e Filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

REBOUL, Olivier. Filosofia da Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1988.

SILVEIRA, Renê J. T. A Filosofia para crianças de Matthew Lipman: abordagem problematizadora. In: SILVEIRA, Renê J. T.; GOTO, Roberto (Org.). Filosofia na escola: diferentes abordagens. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 57-83.

SKLIAR, Carlos. Desobedecer a linguagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

VALERIO LÓPEZ, Maximiliano. Acontecimento e experiência no trabalho filosófico com crianças. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

ANEXO I

Construção do Planejamento 2º ANO – Alguns temas abordados pelo Planejamento Anual e Proposta de Questão Temática Unificadora para o Curso de Iniciação à Filosofia:

TRIMESTRE Português Ciências História Geografia Iniciação à Filosofia

Receitas/ Listas. Perguntas e respostas curiosas.

Ambiente/ Qualidade de

vida.

Brincadeiras/ Brinquedos.

Crianças: iguais e diferentes.

Direitos e deveres.

Quem sou eu, criança?

Tópicos da reflexão trimestral – 1º Trimestre

1º Trimestre: Quem sou eu, criança? Introdução à História do Pensamento Filosófico: quem são os filósofos? -O que é filosofar? O que fazem os filósofos? Somos filósofos? -Sócrates e a vida filosófica. -Perguntar; observar; escutar; investigar; querer saber a verdade. -O pensamento, as ideias e o nosso cérebro: pensando sobre o pensar. - Introdução a questões de Ética e Política: “Jeitos de ser e de viver”. -Qual a diferença entre nós e os outros seres vivos? E as semelhanças? A escolha de como viver em grupo. -Aristóteles e a pesquisa dos seres vivos.

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-O que é importante para mim e as pessoas que cuidam de mim? Gosto de fazer o quê com as pessoas que gosto? Costumes e tradições.

ANEXO II

Produções utilizadas no curso como exemplos de situações acompanhadas13

Obra Ano

escolar

Tema relacionado

em planejamento

A B C D E F G

A coisa perdida. Shaun Taun. Edições SM.

5º Direitos e Cidadania X X

A fiança. Friedrich Schiller. Editora Berlendis & Vertecchia.

5º Amizade e Amor X X X

A grande questão. Wolf Erlbruch. Editora CosacNaify.

2º O sentido da vida X X

A incrível fuga da cebola. Sara Fanelli. Editora Ática.

Todos Existência X X

A promessa do girino. Jeanne Willis e Tony Ross. Editora Ática.

3º Transformações X X

As 14 pérolas... – Vários títulos. Ilan Brenman e Ionit Zilberman. Editora Brinque-

Book. 4º

Crenças, Tradições e Valores

X

Cara ou Coroa – Vários títulos. Brigitte Labbé, Michel Puech e Jacques Azam. Editora

Scipione. Todos Vários X X X

Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano. Editora WMF Martins Fontes.

Todos Vários X

Declaração universal do moleque invocado. Fernando Bonassi e Azeite. Editora CosacNaify.

5º Direitos e Cidadania X X

Esopo – Fábulas Completas. Tradução de Neide Smolka. Editora Moderna.

4º Crenças e Tradições X X

Estas histórias não deveriam ser verdadeiras. Gang GyeongSu. Editora Melhoramentos.

5º Modernidade e

Progresso X X

Fecha os olhos. Victoria Perez Escriva e Claudia Ranucci. Edições

SM. 2º

Sentidos e Conhecimento

X X

Grunter. Mike Jolley e Deborah Allwright. Editora Brinque-Book.

2º Educação e Diálogo X X

Histórias da Mitologia Grega – Trilogia. Heloísa Prieto e Maria Eugenia. Editora Companhia das

Letrinhas. 4º

Crenças, Tradições e Valores

X X X

Ilíada/ Odisseia. Várias Edições.

4º Mitologia e Filosofia X X X X X

Mania de Explicação. Adriana Falcão. Editora Salamandra.

2º Sentimentos X X X

Nina e... – Vários títulos. Oscar Brenifier e Íris de Moüy. Editora Globinho.

Todos Vários X X

Os Cinco Sentidos. Bartolomeu Campos de Queiróz. Editora Global.

2º Sentidos e

Conhecimento X X X

O diário de Anne Frank. Anne Frank. Editora Record.

5º Realidades e Pontos

de Vista X X X

O inimigo. Davide Cali e Serge Bloch. Editora CosacNaify.

5º Guerra e Paz X X X

O livro dos grandes opostos filosóficos. Oscar Brenifier e Jacques Després. Editora

Autêntica. Todos Vários X X

O que existe antes que tudo exista. Liniers. Editora Girafinha.

5º Sonho e Realidade X X X

Os Estatutos do Homem. Poema – Thiago de Melo

5º Direitos e Cidadania X X X

Perguntas cretinas. Diléa Frate e Eva Furnari. Editora Companhia das

Letrinhas. Todos Vários X X

Precisamos de você. Poema – Bertold Brecht.

5º Política e Filosofia X X X

Tem sempre um diferente. 3º Diversidade dos X X

13

As anotações que assinalo nesta tabela indicam certa ênfase em relação às observações que relato neste trabalho.

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Blandina Franco e José Carlos Lollo. seres

Três contos. Umberto Eco. Editora Berlendis & Vertecchia.

5º Modernidade e

Progresso X X X

Uma mesa é uma mesa. Será? Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso. Editora

Tordesilhinhas. 3º Definição dos seres X X

Um dragão em minha garagem. Texto de divulgação científica – Carl Sagan.

4º Crenças e Filosofia X X X

Wabi Sabi. Mark Reibstein. Editora WMF Martins Fontes.

4º Crenças e

Tradições: o belo X X X X

A Exemplo de produção literária com conteúdo/ narrativa de ensinamentos; obras assim contribuíam para reconhecer a diversidade cultural e histórica de costumes.

B Exemplo de produção literária que incentivava o exercício de criar definições.

C Exemplo de produção informativa utilizado para introduzir as crianças à leitura de vocabulários da tradição filosófica ou para o contato com seus dilemas, estudiosos e/ ou argumentos.

D Exemplo de produção literária que ocasionava sensibilização para o reconhecimento de temáticas ou dilemas filosóficos e existenciais.

E Exemplo de produção literária que favorecia o contato dos alunos com obras/ autores já reconhecidos por uma tradição literária.

F Exemplo de produção poética ou acadêmica compartilhada em leitura de modo intensivo, dialógico.

G Exemplo de produção que mostraram afetar sensivelmente crianças e/ ou foram bastante procurados para aquisição.

e.

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TRIANGULAR É PRECISO E PRECIOSO- O LIVRO, O MEDIADOR E A CRIANÇA COM TEA- TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO

Juliana Cardoso Daher Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais/CEFET-MG

Terapeuta Ocupacional Especialista em Psicodrama Socioeducacional e Organizacional/IMPSI Especialista em Terapia Ocupacional (Desenvolvimento Infantil)/UFMG

Mestranda em Estudos de Linguagens/CEFET-MG [email protected]

(31) 8891-6935

Resumo

Este relato de experiência apresenta uma oficina de mediação de leitura literária para crianças com TEA, realizada em um serviço de saúde mental infanto-juvenil. Para a análise deste trabalho serão utilizados os referenciais teóricos de Rosely M. Guimarães e Yolanda Reyes. Os resultados evidenciaram aquisições qualitativamente significativas nos aspectos sensoriais, no manuseio do objeto livro e na triangulação. Palavras-chave: Literatura Infantil; Primeira Infância; Autismo.

Abstract

This experience report presents a workshop on literary reading mediation for children with ASD that was performed in a child and youth mental health service. The theoretical references of Rosely M. Guimarães and Yolanda Reyes were used. The results have shown significant qualitative acquisitions in sensorial aspects, in the handling of the book object and in the triangulation. Keywords: Children‘s Literature; Early Childhood; Autism.

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1. Introdução

Este estudo consiste em um relato de experiência de uma oficina de mediação de leitura literária para crianças com TEA, realizada no CAPSi- Centro de Referência em Saúde Mental Infanto-Juvenil- da Prefeitura Municipal de Ribeirão das Neves.

O CAPSi é um equipamento da rede de atenção psicossocial (RAPS), inserido no SUS (Sistema Único de Saúde), que oferece atendimento às crianças e adolescentes portadores de sofrimento mental grave (psicoses, neuroses, autismos) e usuários de álcool e outras drogas.

O autismo, por sua vez, é um transtorno neurodesenvolvimental caracterizado por prejuízos nas áreas e habilidades sociais, comportamentais e de comunicação.

Os primeiros relatos sistemáticos sobre o autismo remontam aos estudos de Kanner (1943) e Asperger (1944), os quais descreveram crianças com distúrbios do desenvolvimento e com características singulares de prejuízos, como profunda inabilidade no relacionamento interpessoal, atrasos na aquisição e distúrbios no desenvolvimento da fala, dificuldades motoras e comportamentos repetitivos e estereotipados.

Posteriormente outros achados foram sendo identificados enquanto sinais e sintomas que apontavam classificações diagnósticas definidas e revisadas de tempos em tempos. Em 2009 o termo Transtorno do Espectro do Autismo – TEA passou a ser utilizado como referência a esse conjunto de transtornos que compartilham características do autismo e foi adotado pela quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM (American Psychiatric Association, 2012).

O desdobramento das teorias sobre desenvolvimento infantil e suas contribuições para o campo da educação trouxeram novas formas de compreensão da criança e dos seus processos de aprendizagem e construção de habilidades.

De receptora passiva de cuidados legislados por alguém que supõe o que é melhor para a criança, essa passa a ser reconhecida como sujeito que estabelece interações com o mundo, com a cultura e com a sociedade, desde que nasce. Assim, a criança conhece, investiga, interroga e manifesta sua forma de compreensão do mundo, especialmente através do brincar e de outras experiências lúdicas, conforme afirma Guimarães (2011).

A mesma autora explica que o processo de interação da criança com o outro e com seu entorno é mediado por linguagens, que a constituem como sujeito cultural e simbólico. Simultaneamente, essas mesmas linguagens são construídas, significadas e transformadas pela própria criança. As linguagens, por sua vez, são conjuntos de representações com múltiplas possibilidades de expressão (oral, escrita, pictórica, corporal) e muitas outras que podem vir a ser criadas.

Por fim, no que se refere aos processos de mediação de leitura literária, para uma postura de fato empática do mediador, não há como partir de um ponto de vista adultocêntrico de leitura e exploração do objeto livro. Faz-se necessário uma compreensão mais profunda sobre o universo infantil e sobre

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os processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem dos bebês e crianças pequenas para, assim, reconhecer a importância das ―leituras‖ produzidas por esse público. Antes de um autista,existe uma criança com todas as peculiaridades acima descritas que precisam ser delicadamente consideradas.

2. Referencial Teórico

―Quando começa a história de um leitor?‖- Para responder a esta questão devemos inicialmente ampliar a compreensão do conceito de leitura, que, comumente é vinculado aos processos de letramento.

Não por acaso os paradigmas sobre desenvolvimento infantil estabelecem uma estreita relação com aqueles que concebem o ato de leitura sob a ótica de diversas disciplinas, como a semiótica, a lingüística e a teoria literária, entre outras, como um processo de construção de sentido. (REYES, 2010, p. 22).

Nesta perspectiva inaugura-se uma tríade que permanece em diálogo contínuo: autor, texto (verbal ou não verbal) e leitor (com toda sua experiência, contextos...). Este, por sua vez, compreendido enquanto ―[...] leitor pleno e completo, na qualidade de construtor de significado, desde o início de seus dias‖. (REYES, 2010, p. 23).

2.1. O Mundo de dentro

Esta história começa antes do nascimento- na vida intra-uterina. Neste contexto as experiências predominantes do feto são as sonoras: pulsações, líquidos... Com o desenvolvimento da audição no decorrer de algumas semanas, o feto já percebe novos sons: os da linguagem. O texto verbal emitido pela mãe percorre o líquido amniótico e é ―lido entre as orelhas‖ pelo bebê: são as experiências originárias de leitura. Obviamente que o que se apreende não é o sentido do que se é dito, mas a sensação que o que é dito causa: ritmos, entonações, acentuações, particularidades que geram reações e que se tornam familiares ao bebê.

2.2. O mundo de fora e as primeiras leituras

Quando nasce, este bebê consegue reconhecer a voz materna, a partir da sua experiência de leitura ―entre as orelhas‖ intra-uterina. Por sua vez, as mães inauguram o aprendizado da leitura da voz dos bebês: aprendem a ler o choro. Como mamíferas que são, atendem às necessidades de seus bebês e como sujeitos de linguagem, acrescentam muitas e muitas palavras que passam a dar sentidos aos choros do bebê. Acrescidas às palavras, é freqüente em diferentes culturas o acalento aos bebês ao som de cantigas de ninar de tradição oral. Reyes (2010) afirma que este é um ato de inscrição do bebê em seu contexto cultural, com a transmissão de um legado imaterial e histórico e provavelmente com carga afetiva intensa.

Segundo Reyes (2010), essas experiências constituem os ―primeiros livros sem páginas que escrevemos na pele e na memória do bebê‖ (REYES,

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p. 34). E seus atos de leitura prioritariamente nesse período se dão através da audição e do tato.

Com o desenvolvimento da visão, controle cervical, emissão de sons, balbucios, outros ―textos‖ são escritos e lidos pelo bebê e pela mãe num processo de descoberta mútua. Olhares, vozes, jogos, linguagens verbais e não verbais constituem esse repertório literário, agora com muitas outras possibilidades de atos de leitura.

Esta linguagem própria que a criança inaugura e faz uso, é imposta e desloca o adulto de sua linguagem convencional. Nesta perspectiva, Gouveia (2007) estabelece uma relação de proximidade estética entre o discurso infantil e poético:

Nesse campo, o discurso poético e o infantil se encontram, ao tomar a fala como espaço da polissemia, ao trabalhar o signo lingüístico na sua relação com outros signos, e não como um conceito ao qual seria remetido. A linguagem deixa de ser representação de ―uma coisa‖, de uma idéia ausente, para ser ela mesma coisa, objeto lingüístico com o qual se brinca. (GOUVEA, 2007, p. 117).

2.3. Triângulo amoroso e novos trajetos literários

A partir do trajeto do desenvolvimento do feto e do bebê apresentado nos parágrafos anteriores, Reyes (2010) propõe o que chama de ―triângulo amoroso‖- constituído por adulto, livro e leitor. Neste triângulo, a criança e o adulto olham conjuntamente para um terceiro elemento: o livro.

O adulto, neste triângulo, tem função primordial: viabiliza o encontro da criança com o livro e deve garanti-lo de forma a ampliar as possibilidades da criança em vivenciar esta experiência:

A função dos mediadores é fornecer as condições ideais para que ocorra o encontro entre um livro e um leitor. E as condições são: garantir que haja bons livros, lê-los para as crianças e permitir que elas possam tocá-los e mordê-los. É importante também mostrar para as crianças que, ao lado de um livro, há um adulto. Talvez elas não busquem nem os adultos, nem a história, mas essa voz que, enquanto dura a história, está lá, à disposição delas, através das figuras da mãe ou do pai, que deixaram toda a sua vida em suspenso só para lhes contar uma história. (REYES, 2012, p. 14).

A criança é introduzida a uma ―outra ordem simbólica‖. É mediada pelo adulto que lhe oferta a possibilidade de manusear o objeto livro, apresenta-lhe novas formas de linguagem: as ilustrações, as letras, os paratextos. ―Certamente esse conjunto de manchas e traços não podia significar nada para o bebê sem a voz adulta que oficia o trânsito para a outra ordem simbólica‖ (REYES, p. 47).

Estabelece-se um jogo no qual algumas definições são postas: que as imagens se encadeiam formando histórias, noções temporais (antes e depois) e espaciais (frente e atrás, da esquerda para a direita- movimentação da página conforme o modo de leitura nas culturas ocidentais).

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O jogo não se dá apenas na materialidade que o objeto livro proporciona através do seu manuseio e exploração: ―Todas as características do jogo são perfeitamente aplicáveis à produção e à recepção do texto literário, para as quais se requer um estado de liberdade coletiva e pessoal que adquire as formas do desejo e do empenho‖ (PEREIRA, p. 32).

Naturalmente o jogo torna-se mais elaborado e o tempo e espaço concretos passam a ser convencionados. Eis o jogo simbólico. Contudo, é um processo e as experiências de leitura mais primordiais servem de alicerce para as futuras construções feitas através do ―triângulo amoroso‖, que inaugura uma concepção de leitura mediada permeada pela experiência afetiva.

Concomitante a este processo, o sistema articulatório da criança amadurece e dos balbucios emitidos, sons cada vez mais similares às palavras passam a ser produzidos. Este é um momento fundante na história da criança: quando ela descobre que pode utilizar da linguagem verbal para fazer ―declarações sobre o mundo‖.

Gouvea (2007) destaca que é neste momento que a criança se reconhece enquanto ser social, partilhando experiências através do uso da linguagem e simultaneamente constrói uma subjetividade constituída pelos signos lingüísticos, que são os signos culturais por excelência.

A palavra ganha outro status. Não serve apenas para pedir, mas também para compartilhar uma experiência, como por exemplo, quando euforicamente uma criança aponta para um cachorro e diz: ―au au!‖. As primeiras leituras que a criança faz do mundo ao seu entorno passam a ser verbalizadas por ela. Conforme afirma Reyes (2010), é muito comum neste momento a criança mudar sua preferência em relação aos livros: os de capa dura, de banho, que ilustram imagens do dia a dia, de animais são substituídos pelos que não só nomeiam o que se vê, mas também o que se sente e o que se deseja.

Neste contexto o livro álbum passa a ser um dos mais freqüentemente lidos pelas crianças. Segundo Linden (2011), trata-se de um tipo de linguagem utilizado na literatura infantil cujas imagens e palavras complementam-se mutuamente em um diálogo permanente para a construção de sentido. Exige sofisticada habilidade da criança em conjugar o texto narrado pelo adulto com as imagens e ainda, possibilita múltiplas leituras da criança a partir da sua capacidade interpretativa que já vem sendo desenvolvida ao longo desse processo.

A possibilidade de se fazer uma suspensão de realidade torna-se cada vez mais instaurada através da linguagem e a criança, no ―faz de conta‖, lida com perigos, frustrações, incômodos, que ela lê na voz daquele que para ela lê.

Diante de todo esse complexo processo que se inicia desde a vida intra-uterina, não há como não reconhecer no bebê e na criança pequena, a partir da perspectiva apresentada, um sujeito leitor.

Uma questão que nos surge diante deste leitor é sobre qual a literatura para esta infância. Conforme Parreiras (2009), a produção literária direcionada para a infância comumente apresenta alguns elementos complicadores, como o excessivo uso de rótulos e estereótipos, simplificação, pobreza de estilo,

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moralismo, problemas relacionados à ilustração (falta de diálogo com o texto ou é óbvia demais), dentre outros.

O livro literário infantil é uma obra literária, portanto, uma obra de arte que: ―[...] estabelece uma experiência dialógica, de alteridade, de subjetivação para o leitor‖. (PARREIRAS, p. 56).

Gouvea (2007) também recorre ao conceito de alteridade de forma a melhor delinear uma perspectiva de infância e de uma produção cultural feita por crianças e para crianças (e aí entra também a literatura como uma de muitas das linguagens):

Por outro lado, lançar mão do conceito de alteridade para compreender a criança tem em vista a superação de uma construção etapista, que torna o adulto como ápice dos processos de desenvolvimento, impondo à criança uma infantilização de sua experiência. Nesse sentido, busca-se compreendê-la como sujeito social, com uma produção cultural diferenciada, embora não exclusiva, cujas marcas se fazem presentes na produção cultural mais ampla, em que o infantil não é sinônimo do infantilizado. (GOUVEA, 2007, p. 113-114).

Portanto a criança não deve ser subestimada enquanto leitor e consumidor de bens culturais, visto que opera, no decorrer do seu desenvolvimento, em diferentes modos de leitura, o que não faz dela por isso, um sujeito ―menos leitor‖.

3. Objetivos

3.1. Objetivo geral

Favorecer o acesso das crianças ao livro e às experiências de leitura literária.

3.2. Objetivos específicos

Dentre os objetivos específicos, favorecer a construção de habilidades nos aspectos sensoriais, sociais e na triangulação (criança-livro-mediador).

4. Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo acerca de um relato de experiência de oficinas realizadas semanalmente no CAPSi de Ribeirão das Neves.

No que se refere à sistematização desse processo, previamente é preparada uma proposta de atividade para a semana, é realizada a oficina e posteriormente são feitos os registros no prontuário de cada criança sobre sua participação.

O período de análise foi referente a um semestre de atividades.

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5. Desenvolvimento

As crianças portadoras de TEA- Transtorno do Espectro do Autismo, como apontam alguns trabalhos acadêmicos publicados e relatos de familiares, comumente apresentam seu itinerário social circunscrito aos espaços de tratamento na área da saúde e educacionais. Sua circulação e acesso aos bens culturais e de lazer ficam bastante restritos, especialmente nos contextos familiares cuja condição socioeconômica é mais desfavorável.

Esse foi o ponto de partida para a proposta de mediação literária para as crianças do grupo.

Concomitante a isso, reflexões oriundas da pesquisa de mestrado em relação ao status do objeto livro para a primeira infância na perspectiva do controle que o adulto exerce nos processos de interação das crianças com o objeto livro; considerando ainda as especificidades das crianças com TEA que apresentam em maior ou menor grau, dificuldade na interação social, prejuízo na comunicação e alterações comportamentais; foram fundamentais para a estruturação da oficina.

Foi desenvolvido um trabalho de mediação de leitura literária para crianças portadoras ou com suspeita diagnóstica de TEA, com idade entre 1 ano e 8 meses e 4 anos de idade. As oficinas são realizadas semanalmente, com duração de aproximadamente quarenta minutos, com a presença de quatro crianças.

A abertura das atividades do dia é feita com uma canção de boas vindas e apresentação. Em seguida são realizadas brincadeiras musicais, leitura de uma história, circulação do livro para que cada criança o manuseie e o encerramento da oficina com uma canção de despedida.

Os resultados evidenciaram aquisições qualitativamente significativas, que, foram agrupados do seguinte modo:

1) Aspectos sensoriais: diminuição dos movimentos estereotipados durante a leitura e manuseio do livro; ampliação do limiar de tolerância auditiva em relação à voz da mediadora e aos sons de alguns instrumentos musicais utilizados durante a atividade.

2) Aspectos referentes ao manuseio do objeto livro: interesse gradativo pelo objeto livro; uso inicial das mãos da mediadora para tocar o objeto livro e posteriormente as crianças tocam com as próprias mãos; aprendizagem gradual e qualitativa de modos de exploração e manuseio do objeto livro: morder, rasgar, amassar, jogar, puxar, virar a página, abrir e fechar o livro.

3) Aspectos referentes a triangulação: melhora no contato visual com a mediadora e com o livro durante a leitura, interação com os pares e com a mediadora a partir da partilha do objeto livro.

6. Conclusões

Possibilitar o acesso das crianças (especialmente as que se encontram na chamada ―primeiríssima infância‖) à literatura e aos livros configura-se desafio que paulatinamente tem sido superado através de práticas isoladas, contudo, longe de ser,por exemplo, uma política pública.

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Em se tratando de crianças com TEA esta realidade torna-se ainda mais desfavorável por ser acrescida de um imaginário de que esta criança, devido ao seu isolamento característico do quadro, não se interessará pelo livro ou pelo mediador.

Este relato de experiência demonstra o contrário: crianças, na primeira infância, com diagnóstico de TEA, que, com a ajuda de um mediador, constroem habilidades de exploração e manuseio do objeto livro, se interessam pelas narrativas e ainda, chegam a ensaiar a reprodução das narrativas através de gestos e emissão de sons.

A base desse trabalho, sem dúvida, é a experiência afetiva. A triangulação, conforme afirma REYES, é um processo afetivo e só assim foi possível construir relações e habilidades no contexto relatado.

Portanto, é de fundamental importância para qualquer criança o contato com a literatura e com o objeto livro, pois nesta relação a criança apropria-se e produz cada vez mais signos lingüísticos que a inserem na cultura, que fazem dela, portanto, sujeito cultural.

Referências

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FAVERO-NUNES, Maria Ângela; SANTOS, Manoel Antônio dos. Itinerário terapêutico percorrido por mães de crianças com transtorno autístico.Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 23, n. 2, p. 208-221, 2010.

GUIMARÃES, M. R. Encontros, cantigas, brincadeiras, leituras: Um estudo a cerca da interação de bebês e crianças bem pequenas com o objeto livro numa turma de berçário. Porto Alegre: UFRGS, 2011. 258 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2011. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/40488?locale=pt_BR>. Acesso em 08 jun.2014.

GOUVEA, M.C.S. A criança e a linguagem: entre palavras e coisas. In: PAIVA A; MARTINS A; PAULINO G; CORRÊA H; VERSIANI Z (Org.). Literatura: saberes em movimento. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p 111-136.

LINDEN, S. V. Para ler o livro ilustrado. Tradução de Dorothée de Bruchard. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

PARREIRAS, N. Confusão de línguas da Literatura: o que o adulto escreve, a criança lê. Belo Horizonte: RHJ, 2009.

PEREIRA, M.A. Jogos de linguagem, redes de sentido: leituras literárias. In: PAIVA A; MARTINS A; PAULINO G; CORRÊA H; VERSIANI Z (Org.). Literatura: saberes em movimento. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p 31-46.

REYES, Y. A casa imaginária: leitura e literatura na primeira infância. São Paulo: Global, 2010.

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REYES, Y. Como e por que ler na primeira infância? Revista Letra A: O jornal do alfabetizador, Belo Horizonte, n. 31, p.12-14, ago./set. 2012.

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FÉRIAS NO CELLIJ: O ESPAÇO MEDIANDO A LEITURA LITERÁRIA

Kenia Adriana de Aquino Modesto Silva Doutoranda da FCT/UNESP

Mestre em Educação, Docente na UFG/Jataí [email protected]

(18) 99710-6773

Juliane Francischeti Martins Motoyama Mestre em Educação

FCT/UNESP [email protected]

(18) 98118-6889

Renata Junqueira de Souza Doutora, Docente na FCT/UNESP

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Resumo

Nos séculos XX e XXI, a biblioteca expandiu seus horizontes e adentrou o espaço das escolas de formação básica, deixando de ser um local de acúmulo de informação para atuar como mediadora na formação dos leitores. O objetivo deste estudo consiste em delinear o espaço da biblioteca infantil como mediador na formação do leitor literário, tendo como base as experiências vivenciadas no Centro de Leitura em Literatura Infantil e Juvenil ―Maria Betty Coelho Silva‖ (CELLIJ) da UNESP, campus de Presidente Prudente. A partir da definição vygotskyana de que a mediação se dá através das relações que os sujeitos estabelecem com o mundo, compreende-se que a biblioteca pode atuar como um desses objetos presentes no contexto dos indivíduos que contribui para a sua formação leitora (VYGOTSKY, 1989). Perrotti (1998) explica que na biblioteca escolar ocorrem trocas simbólicas e desenvolve-se um processo pleno de interlocução entre os estudantes e os livros que torna este espaço ideal para (re)construir os conhecimentos e formar-se enquanto leitor. Deste modo, esta pesquisa configura-se como um estudo de caso no qual se avalia os impactos do contato de discentes com espaços de leitura organizados para mediar sua interação com os livros literários através de uma organização pensada para recepcionar, de forma aconchegante, os educandos e atrai-los para o universo da leitura. Os resultados iniciais apontam que para a formação do leitor literário não basta a aquisição de livros com qualidade estética e literária; o importante é a peculiaridade das relações que são estabelecidas com o material através da mediação de espaços organizados que acomodem as crianças e oportunizem a escolha e a seleção de obras que lhe agradem, além de profissionais aptos a planejarem experiências que possibilitem novas explorações do espaço e dos livros. Com esse tipo de ação, o espaço da biblioteca infantil renova sua função social, deixando de ser abrigo de livros para tornar-se local dinâmico, vivo que oferece aos usuários novas oportunidades para dialogar com os suportes. Neste trabalho, apresentamos o relato de experiência do evento realizado em julho de 2015, na Biblioteca Infantil Prudente (BIP), intitulado ―Férias no CELLIJ‖, no qual foram trabalhados inúmeros gêneros literários com técnicas de contar diversificadas como: cordel (com música), contos clássicos da literatura mundial (circuito literário e pintura), contos africanos (com dramatização e caixa de contação) e contos caipiras (simples narrativa). Como resultados do evento,

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houve ampliação no número de usuários externos da BIP; reativação de cadastros antigos; envolvimento da população da cidade com o espaço do CELLIJ; além de oportunizar a interação das famílias com as crianças a partir do texto literário. Palavras-chave: Educação; Espaço mediador de leitura; Literatura infantojuvenil.

Abstract

In the centuries XX and XXI, the library has expanded its horizons and entered the space of basic training schools, no longer an information accumulation place to act as a mediator in the formation of readers. The objective of this study is to delineate the space of the children's library as a mediator in the formation of literary readers, based on the experiences in the Reading Center at Children's and Youth Literature "Maria Betty Coelho Silva" (CELLIJ), UNESP, President campus Prudente. From Vygotsky's definition of that mediation takes place through the relationships that individuals have with the world, it is understood that the library can act as one of these objects in the context of individuals contributes to their training reader (Vygotsky, 1989). Perrotti (1998) explains that occur in the school library symbolic exchanges and develops into a full process of dialogue between students and books that makes this ideal space for (re) build the knowledge and graduating as a reader. Thus, this research appears as a case study that assesses the impacts of the students of contact with reading spaces organized to mediate their interaction with literary books through an organization designed to welcome, cozy way, the students and attract them to the reading of the universe. Initial results show that for the formation of the literary reader not just the purchase of books with aesthetic and literary quality; the important thing is the peculiarity of the relations that are established with the material through the mediation of organized spaces that accommodate children and providing opportunities the choice and selection of works that please him, as well as professionals able to plan experiences that permit new explorations of space and the books. With this type of action, the space of the children's library renews its social function, no longer under books to become dynamic place, live that gives users new opportunities to talk to the media. In this paper, we present a report of event experience held in July 2015 at Children's Prudente Library (BIP), entitled "Holiday in CELLIJ," which were worked numerous literary genres with diversified counting techniques such as string (with music) , classic tales of world literature (literary and painting circuit), African tales (with drama and story-box) and rednecks tales (single story). As a result of the event, there was an increase in the number of external users of the BIP; reactivation of old records; involvement of the city's population with space CELLIJ; as well as create opportunities for interaction of families with children from the literary text. Keywords: Education; Reading mediator space; Children and youth literature.

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Introdução

A instituição social biblioteca não é algo novo para os sujeitos do século XXI, pois é um espaço que circunda a sociedade desde a Antiguidade com famosos antepassados como a Biblioteca de Alexandria, um marco do mundo antigo que ultrapassou a dinastia ptolemaica até os tempos da Idade Média quando foi destruída em um incêndio. A Biblioteca de Nínive, por sua vez, foi a primeira biblioteca indexada e catalogada da história, com livros ainda construídos em argila que podem ser observados até os dias de hoje no Museu Britânico. Isso sem mencionar a concorrente de Alexandria: a biblioteca de Pérgamo, local onde se inventou o pergaminho, material de registro da história da humanidade durante mais de mil anos (SANTOS, 2009).

Diante dessa grandiosidade de tal instituição, é possível observar como ela foi se configurando ao longo da história da humanidade como um espaço necessário para o acúmulo de conhecimentos, mas também para fomentar a construção de novos saberes científicos. E, para além dessas constatações, indagar: O que seria a biblioteca do/no século XXI? É o espaço, que assim como na Antiguidade, deve ser frequentado apenas pelos intelectuais ou é um recinto democratizado? Qual é a função social desse recinto em um século no qual tantos paradigmas foram rompidos e novos conceitos construídos?

Pensando nestas indagações e perpassando a longa história das bibliotecas no mundo e sua função social – de um lugar sagrado a espaço democrático para a formação do leitor – este texto busca refletir sobre novas perspectivas que podem ser vislumbradas no local da nova biblioteca, um ambiente vivo, democrático e disponível para a constituição dos pequenos leitores.

O substantivo biblioteca é antigo e traz em seu cerne um significado que hoje pode ser questionado quando se pensa neste espaço enquanto mediador e formador do leitor infantil. Esta palavra foi formada a partir de dois radicais da língua grega biblio (livro) e theke (coleção) dando origem ao termo bibliotheke que passou para o latim bibliotheca e, posteriormente, se aportuguesou como biblioteca com a definição etimológica de coleção ou depósito de livros (SANTOS, 2009). Desvelando a etimologia do termo, observamos este recinto como algo morto que apenas serve para acumular saberes, mas a biblioteca do século XXI não se enquadra mais nessa acepção por dois motivos: primeiro, ela não acumula saberes e sim os compartilha, e, segundo, não é mais constituída apenas por livros, mas também por uma infinidade de suportes – inclusive eletrônicos – que servem para possibilitar o contato mais direto entre os infantes e os textos.

Diante desse fator de reconstrução de significados do espaço, muitos autores têm se debruçado para estudar métodos e reconstruir a identidade da biblioteca do século XXI. Perrotti (1998) é um dos mais aclamados no campo dos estudos brasileiros com a sua proposta de ―Estações de Leitura‖, bibliotecas que abarcam muito mais que livros para acolher os leitores e formá-los a partir da oferta de diferentes gêneros textuais nos mais variados suportes.

Neste mesmo sentido, pesquisadores do CELLIJ, da Unesp de Presidente Prudente, no interior do estado de São Paulo, vêm há mais de vinte anos trabalhando para formar leitores, com enfoque no uso do texto literário e

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ensino de estratégias de leitura e é sobre um aspecto desse trabalho que iremos discorrer neste artigo.

O CELLIJ é mantido pela coordenação da Professora Doutora Renata Junqueira de Souza e os bolsistas da graduação, mestrado e doutorado. Anualmente, este espaço recebe mais de cinco mil crianças de Presidente Prudente e cidades da região para participarem de ações que fomentam a leitura do texto literário, além de oferecer mais de quatro mil livros de diversos autores para que os visitantes desfrutem e façam empréstimos. Fora as ações sistemáticas como o Projeto Hora do Conto que acontece semanalmente no espaço do CELLIJ e do atendimento na Bebeteca ―Colunas do Saber‖ instalada em uma creche do município, os participantes realizam outras ações que acolhem a comunidade em geral como, por exemplo, as ―Férias no CELLIJ‖, que foram realizadas durante o mês de julho de dois mil e quinze e são objeto de análise neste estudo.

O espaço da biblioteca no mundo: breve histórico

No famoso romance de Umberto Eco (1983) O Nome da Rosa, situado na Idade Média, é possível conhecer uma biblioteca italiana anexa a uma abadia que atendia a diversos rituais circundantes deste espaço social naquele momento histórico – resquícios de um passado que logo será resgatado. Tal biblioteca era dirigida por Monges e frequentada por apenas alguns intelectuais selecionados entre os demais para terem acesso ao material. O acervo era um tesouro, guardo a ―sete chaves‖ e não era compartilhado com a população – quase toda analfabeta – ou mesmo entre os religiosos de ordem menor. No século 6 a.C., era do tirano Pisístratos, os gregos implantaram a ideia da biblioteca aberta de modo que as pessoas da elite poderiam visitar o espaço, ler e retirar obras. Neste templo do saber compilaram-se as obras de Homero, até então espalhadas e conhecidas apenas por fragmentos (BASTOS, 2011).

A tradição acima mencionada de vincular as bibliotecas aos templos sagrados é da antiga Mesopotâmia, como a de Nínive, do século 7 a.C. que abrigava mais de vinte mil placas de barro rígidas com os escritos da humanidade em suas dependências e as mantinham tão bem escondidas, que esta última só foi descoberta em 1845, através de uma excursão de Sir Henry Layard (SANTOS, 2009).

Na Era Helenística, nasceu a mais famosa biblioteca do mundo: Alexandria. Criada para ser o templo do saber e atrelada ao sonho do homem de concentrar todos os conhecimentos até então construídos em apenas um lugar, este espaço contava com mais de 400.000 volumes de papiros e rolos, salas de leitura, oficinas para formar os copistas e espaço para arquivo.

Durante sete séculos, entre os anos de 280 a.C. a 416 d.C., a Biblioteca de Alexandria reuniu o maior acervo de cultura e ciência da Antiguidade. Ela não se contentou em ser apenas um enorme depósito de rolos de papiro, ditos livros, mas por igual tornou-se uma fonte de instigação para que os homens de ciência e de letras desbravassem o mundo do conhecimento e das emoções, deixando, assim, um notável legado para o desenvolvimento geral da humanidade (SANTOS, 2009, p. 4).

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Neste mesmo período, a Biblioteca de Pérgamo já reunia um acervo de duzentos mil volumes e chamava atenção para si por desenvolver uma técnica de criar o pergaminho a partir do couro de cabra. Todavia, o espaço ainda continuava restrito aos sujeitos eruditos e à população não tinha o direito de gozar do acervo. A própria arquitetura da biblioteca não era convidativa, com salas escondidas entre corredores e labirintos, guardas as suas portas e outros mecanismos para coibir a visitação do ambiente.

Com as guerras que assolaram a humanidade por todo esse período anterior a Era Cristã, os romanos adquiriam um grande acervo de materiais como placas de argila e pergaminhos que passaram a compor a primeira biblioteca pública romana, que inclusive permitia retiradas, idealizada por Júlio César e organizada por Assírio Polião.

Na Era Cristã, os mosteiros ficaram responsáveis pela manutenção de grande parte das bibliotecas e novamente o solo tornou-se ―sagrado‖ e os sujeitos foram afastados das obras. A invenção da prensa no século XV auxiliou na democratização dos livros e na reabertura dos espaços de leitura.

Santos (2009) menciona que as universidades foram as grandes responsáveis pela efetiva abertura das bibliotecas ao público. No século XV, com o aumento dos sujeitos nos cursos superiores de medicina e direito, aumentou-se a necessidade por acesso aos livros obrigando as universidades a criarem as suas próprias bibliotecas. Neste instante, cria-se um vínculo que vai perdurar até os dias atuais da biblioteca com a escola.

Neste sentido, é possível observar que, de acordo com cada século e a configuração da sociedade, a biblioteca ocupou um lugar diferente sendo inicialmente um espaço vinculado ao sagrado por guardar os conhecimentos da humanidade até tornar-se um espaço de partilha desses saberes para a formação de novos sujeitos. No tópico a seguir, discorremos sobre essa biblioteca acessível não mais apenas aos estudantes de medicina dos séculos passados, mas também aos pequenos que se iniciam na vida acadêmica.

Do mundo para a escola: a biblioteca escolar e a aprendizagem

Pombo (1997) ao debruçar-se sobre a história da biblioteca de modo profundo, relata que a primeira função desta instituição social era guardar os livros, mas com o passar do tempo, ela vinculou-se a imagem da escola de tal modo que hoje é muito difícil observar a primeira sem pensar na segunda. Essa relação entre as duas instituições, segundo a autora, se dá porque a escola necessita do objeto cultural livro para desenvolver a formação social dos homens, e a biblioteca necessita da escola para formar sujeitos letrados que terão condições de usufruir de seu espaço.

[...] como não reconhecer que no século XX, mais do que nunca a escola está na dependência da biblioteca, horizonte unificador da multiplicidade dos saberes virtuais para que apontam - abrem - os conteúdos cognitivos nela ministrados? E referimo-nos quer à modesta biblioteca escolar, quer de novo à Internet, biblioteca tendencialmente universal que se perfila como limite da totalidade dos saberes transmitidos pela escola (POMBO, 1997, p. 6).

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Leontiev (2001) e Vygotsky (1989) defendem que a função social da escola é transmitir, para as novas gerações, os conhecimentos adquiridos e acumulados ao longo da história da humanidade para que, a partir desses dados, os sujeitos criem novos conhecimentos. Diante dessa afirmativa, fica clara a importância da atuação conjunta dessas duas instituições, pois se considerar-se que a escola tem como principal função a sistematização e oferta do conhecimento científico para os educandos, a prática de uso dos recursos da biblioteca escolar é fundamental para que a instituição atenda seus discentes, conforme destacam Souza e Motoyama (2014, p. 156):

[...] o espaço da biblioteca não pode ser passivo. É preciso que se pense em uma organização dinâmica capaz de mediar o contato dos sujeitos com o material de leitura. Contações de histórias, organização do mobiliário para favorecer a acessibilidade dos visitantes são apenas algumas das ações que podem ser realizadas para tornar a biblioteca um local agradável e convidativo à leitura.

Desse modo, temos como nova configuração da biblioteca um espaço vivo e dinâmico que é capaz de acolher os leitores e ofertar-lhes múltiplas oportunidades de leitura. Pensando nesta necessidade que foi criada a Biblioteca Infantil Prudente (BIP), primeira biblioteca infantil da Unesp e que está anexa ao espaço do CELLIJ no campus de Presidente Prudente – SP.

Esta biblioteca tem por principal função apresentar para o público em geral como deve ser organizado o espaço de uma biblioteca para que os discentes tenham a oportunidade de interagir com os livros e, como defende Pombo (1997), se reconhecerem como ‗anões‘ face aos ‗gigantes‘ que os olham, a eles, das prateleiras em que se reúnem as suas obras‖ (p. 8). Portanto, a função social da biblioteca escolar, no século XXI, extrapola o acúmulo dos saberes universais – algo que na realidade ela nunca deu conta – e adentra um campo real da subversão da ordem escolar, oferecendo condições para que os sujeitos possam ―vencer velhos hábitos e rígidas constrições da instituição escolar‖ (Idem, p. 8).

Pensando nesta nova função social deste espaço, fica claro que ele não mais deve contar com guardas para impedir a passagem dos leitores, mas sim com recursos que atraiam os sujeitos para dentro de suas dependências. Seu interior não deve mais ser sombrio e cheio de labirintos, pois o único lugar que é permitido ao leitor se perder é em sua imaginação. O acervo deve ser bem organizado e acessível para que a criança consiga selecionar o que lhe interessa e fazer uso do material da maneira mais autônoma possível.

A nova biblioteca escolar é bem organizada, além de oferecer elementos para a reflexão da realidade em que os estudantes vivem e atuam, tais como, textos literários, materiais de pesquisa sobre o conhecimento historicamente construído e fontes sobre dados da atualidade, democratiza as relações da escola à medida que retira o foco do saber do professor e suas práticas e transforma-se em fonte de pesquisa dos estudantes, mediando às atividades de estudo dos sujeitos.

E como a nova biblioteca tem função ampla e formativa, ela deve ter sua organização interna pensada para mediar as relações dos visitantes com os materiais de pesquisas e livros literários, pois somente assim os discentes

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poderão desenvolver a capacidade de estudarem sozinhos e trabalharem de maneira autônoma no próprio desenvolvimento cognitivo, ou seja, oportuniza aos sujeitos o desenvolvimento da capacidade de entrar na atividade de estudo (LEONTIEV, 2001). Neste sentido, a BIP é ampla, com prateleiras e mesas adequadas para a altura das crianças, como se pode observar na imagem a seguir, além de contar com diversos títulos que podem ser facilmente manejados para a escolha.

Figura 1: Espaço da BIP. Fonte: Acervo pessoal.

Considerando a realidade das bibliotecas que estão nas escolas atualmente, Silva e Tenório (2014) denunciam que, muitas vezes, a biblioteca escolar fica relegada a segundo plano devido a grande proximidade que existe entre os professores e o livro didático. Segundo os autores, esta situação faz com que o texto literário chegue às salas de aula quase sempre através do material didático como pretexto para atividades de leitura, gramática e escrita, resultando no afastamento dos discentes da literatura e do espaço da biblioteca escolar. O ideal é que a aproximação das crianças com o texto se dê a partir de práticas que ensinem a autonomia, isto é, que preparem os sujeitos ―para escolher suas leituras e rebelar-se contra uma leitura que ele não tem afinidade‖ (idem, p. 200).

É neste sentido que se organizam as ações do CELLIJ com o projeto Hora do Conto que atende as crianças das escolas de Presidente Prudente e região com horário previamente agendado e com as ações na ―Bebeteca Colunas do Saber‖ todas as semanas. Os pesquisadores do Centro de Estudos buscam apresentar novas práticas aos docentes que atuam nas escolas como a contação de histórias e o acesso ao livro literário para que as experiências vivenciadas nas visitas reflitam nas práticas desenvolvidas nas escolas.

Perrotti (1990) denuncia que, quando a escola abstém os discentes da escolha dos livros e de vivências enriquecedoras no espaço da biblioteca que possibilitariam a formação do repertório cultural, está cometendo o ‗confinamento cultural da infância‘, ou seja, usurpando da criança, leitor em formação, o direito de construir por si só seu acervo pessoal de cultura. Essa violação aos direitos da criança leitora ocorre em diversas frentes, tais como o momento em que o adulto vai até a biblioteca e seleciona o que será lido na sala de aula; na oferta constante de textos literários apenas no suporte do livro

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didático, limitando sua experiência estética; no instante em que pais e/ou professores só ofertam aquilo que consideram adequados para a idade das crianças; assim como quando os espaços da biblioteca não estão organizados de modo a favorecer a escolha e autonomia dos discentes (estantes altas, desorganizadas, etc.).

Neste sentido, o projeto do CELLIJ, desenvolvido no espaço da BIP, atua na perspectiva de se repensar nos meios de oferta e acessibilidade das crianças à biblioteca escolar, tornando-a um espaço repleto de recursos informacionais como livros e novas tecnologias, atendendo as necessidades não apenas dos professores em terem materiais didáticos, mas também dos discentes e outros sujeitos que estão inseridos no universo escolar de terem acesso à leitura informativa e literária. Em outras palavras, se a maioria das pessoas que estão no espaço escolar são crianças, a biblioteca deve ser adequada a este público, desde os materiais até a organização de móveis e do acervo, deixando de ser um depósito de livros para ser um espaço vivo e dinâmico na formação do leitor.

Objetivos deste relato

Desse modo, como objetivo geral, esta comunicação tem o de: relatar e analisar os aspectos do evento ―Férias no CELLIJ‖ e quais os impactos do contato de discentes com espaços de leitura organizados para mediar sua interação com os livros literários através de uma organização pensada para recepcionar, de forma aconchegante, os educandos e atrai-los para o universo da leitura.

São suas metas específicas: discutir sobre as novas configurações do espaço da biblioteca no século XXI; apresentar o espaço do CELLIJ e refletir sobre suas singularidades; relatar e analisar a ação ―Férias no CELLIJ‖ a partir da perspectiva vygotskyana de mediação.

Metodologia

Este material é definido, metodologicamente, como um estudo de caso, pois ―se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de casos análogos, por ele significativamente representativos‖ (SEVERINO, 2007, p. 121). Esse formato de pesquisa não pretende definir uma verdade sobre um determinado caso, mas sim fixar elementos teóricos coerentes para possibilitar que o leitor, em um processo reflexivo, se indague ―O que eu posso (ou não posso) aplicar desse caso para minha situação?‖ (ANDRÉ, 1984, p. 52).

Sobre a construção de novas descobertas a partir do uso de estudo de caso, Lüdke e André (1986) defendem que o pesquisador deve possuir pressupostos teóricos que, inicialmente, o conduzirão. No entanto, no decorrer da pesquisa deve sempre manter a atenção voltada para outros elementos que possam ser relevantes para a análise de dados e uma compreensão fidedigna dos fenômenos estudados. Neste sentido, ―[...] o quadro teórico inicial servirá assim de esqueleto, de estrutura básica a partir do qual novos aspectos poderão ser detectados, novos elementos ou dimensões poderão ser

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acrescentados, na medida em que o estudo avance‖ (LUDCKE; ANDRÉ, 1986, p. 18).

Este estudo de caso com abordagem qualitativa teve como principal aporte teórico as obras que discutiam sobre o histórico da instituição social biblioteca e suas variações ao longo dos séculos para que se construísse a identidade do século XXI. Posteriormente, observou-se como a nova configuração deste ambiente atua na formação do leitor, enfocando as ações desenvolvidas durante a intervenção ―Férias no CELLIJ‖ que ocorreu no mês de julho de 2015 no espaço da BIP, sendo, portanto, um relato de experiência.

Experiências e aprendizados de um relato

Como mencionado, o evento ―Férias no CELLIJ‖ foi organizado pela equipe do Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da Unesp, de Presidente Prudente, e aconteceu no espaço da BIP, com duração de três dias do mês de julho de 2015, período em que as crianças da cidade estavam em férias escolares.

A cada manhã e tarde, aconteceram mediações diversificadas, abrangendo diferentes gêneros literários, técnicas de contação e estratégias, nas quais foram contemplados cordéis, contos tanto clássicos da literatura universal, como africanos e caipiras. Também foram utilizadas técnicas com música, circuito literário, dramatização e simples narrativa. Além disso, houve produção de xilogravuras, pinturas, caixa de contação de histórias e brincadeiras nas ações da intervenção.

Antes da realização desta semana, que teve como objetivo entreter as crianças prudentinas em suas férias e aproximá-las da literatura por meio do espaço da Biblioteca Infantil do CELLIJ, houve encontros e reuniões quando foram pensadas opções de decoração do ambiente de acordo com a atividade proposta. De maneira que, a cada dia, novos adornos entravam em cena e encantavam os visitantes do espaço, incluindo aqueles bem pequenos que chegavam a exclamar: ―Nossa, hoje está diferente de novo. Que bonito ficou!‖.

Participaram das apresentações, contações e atividades, crianças com menos de um ano a avós que acompanharam seus netos. Na face de todos eles foi possível perceber a admiração e o regozijo pela participação no evento. A diversidade etária do grupo que visitou o espaço demonstrou o quanto é possível democratizar o espaço das bibliotecas, pois todos os presentes conseguiram interagir com as atividades e encontrar matérias de leitura que dialogassem com seus interesses. Famílias inteiras foram ao espaço da biblioteca para ler, o pai lia com os filhos livros de curiosidades, a mãe apegou-se a um livro de poesia e a avó entreteve-se a ler as receitas do livro Você diz que sabe muito borboleta sabe mais (AZEVEDO, 2007).

No primeiro dia, a decoração contemplou o aspecto árido e quente do sertão, pois seriam explorados cordéis e contos africanos com Duula a Mulher Canibal um Conto Africano (BARBOSA, 2000), como é possível perceber na imagem a seguir.

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Figura 2: Primeiro cenário.

Fonte: Acervo pessoal.

Duula, a mulher canibal: um conto africano, publicado por Rogério

Andrade Barbosa (2000), inaugurou a semana das ―Férias no CELLIJ‖. Na ocasião, três bolsistas do projeto Hora do Conto utilizaram-se da dramatização para narrar a história de uma jovem e bonita mulher que, juntamente com seu povo, passou por uma tremenda miséria devido à seca que assolou o lugar onde viviam, transformando-a em um monstro, a lendária mulher canibal, que era temida por todos naquela região. Pinturas na face, turbantes, faixas, cestos para percussão e outros instrumentos ambientaram o cenário que foi envolvido pelas vozes das contadoras, que tomaram todos os cuidados para que essa caracterização não retirasse a atenção dos ouvintes, mas agisse como um fator a mais para enriquecimento do conhecimento prévio dos visitantes que passaram a ter contato com elementos da cultura africana como, por exemplo, os tambores tribais. Sentadas em um tapete artesanal, as crianças assistiam a encenação que contou com uma plateia reduzida, mas com a presença de filhos e suas famílias.

Após a narrativa de Duula, foi apresentada aos pequenos a caixa de contação de histórias e como ela funciona. Na sequência, cada criança presente pôde confeccionar sua própria caixa com os personagens do conto africano ouvido naquela manhã. Na confecção do material, pais e mães presentes também se envolveram, ajudando as crianças que, posteriormente, orgulhavam-se de suas produções e alegraram-se em poder levar para casa um ―pedaço‖ daquele momento encantado.

Na tarde desse dia, após divulgação em redes sociais e na mídia televisa da região, o número de participantes cresceu consideravelmente, unindo-se àqueles que já haviam participado do período da manhã. Alguns, inclusive, comentaram: ―Como será à tarde? De manhã foi tão legal!‖. Isso prova que a mediação quando bem planejada, pode cativar e convidar para o espaço da biblioteca as crianças que se encontram em formação leitora.

Neste segundo momento, as crianças ouviram cordéis de assombração com o apoio de música ao som de violão. O cordel ―Assombração, não assombra, não‖, de Jesus de Burarama (2006), assustou ao falar de bicho papão, saci, mula sem cabeça e vampiro. Mas também acalmou ao declarar que anjos, pais e mães estão sempre a proteger e cuidar de seus pequenos.

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Nessa ocasião, interessante retratar a presença de um garoto de 2 anos e meio de idade que, a cada palavra recitada, espantava-se demonstrando isso por expressões faciais, movimentos apreensivos de seu corpo e repetição das palavras ditas. Assim, foi possível perceber a aflição em seu cenho e, depois, a suavidade que tomou conta de sua face ao perceber que no final da história tudo ficou bem. A musicalidade do cordel, aliada às condições do espaço da biblioteca foram fundamentais para que este pequeno estabelecesse conexões e criasse estratégias eficientes para significar de modo tão profundo a narrativa.

Quando a narrativa terminou, as crianças foram convidadas a construírem isogravuras com a utilização de isopor, lápis, tinta guache e folha sulfite. Antes, no entanto, foram apresentados alguns cordéis em seus suportes originais, explicando sua origem, como eram comercializados e produzidos. Cada um deliciou-se ao escolher personagens do cordel narrado para representar em suas isogravuras. Outros preferiram criar seus próprios monstros e paisagens. O que importa, entretanto, é que cada imagem reproduzida no papel, carregava um pouco da fantasia que a narrativa proporcionou. No final da atividade, mais uma vez, as produções puderam ser levadas para casa como lembrança daquele momento.

No segundo dia, a decoração contemplou títulos da literatura infantil na forma de cortina literária, pois seriam vivenciadas experiências a partir dos contos caipiras e do clássico ―Alice no país das maravilhas‖. Tendo ficado com a seguinte configuração:

Figura 3: Segundo cenário.

Fonte: Acervo pessoal.

Entre os contos caipiras narrados está ―O velho, o menino e o burro‖ (1996), reescrito por Ruth Rocha. Acomodados confortavelmente entre tapete, almofadas e pequenos sofás, as crianças e seus familiares participaram dos momentos de interação como na concentração com a brincadeira da peneira, na qual além de entoar uma cantiga do repertório cultural brasileiro, declamavam versos rimados.

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Interessante destacar que nesta ocasião, havia um garotinho com aproximadamente um ano que também se envolveu na brincadeira e na narração. Quando foi sua vez de ―declamar‖ o versinho sorria e balbuciava o que uma das integrantes do CELLIJ lhe soprava no ouvido. Além disso, durante a narração da contadora, seu pequeno corpo se aproximava dela lentamente quando, mesmo sentado, movimentava-se em sua direção.

Após a contação feita por simples narrativa, todos foram para o pátio da universidade onde a BIP fica instalada e puderam brincar ao som de músicas e canções do folclore regional.

Também ―saiu‖ da cortina literária, a história de Lewis Carrol, ―Alice no país das maravilhas‖ (CARROL, 2002). A técnica utilizada nessa ocasião foi a intitulada circuito literário, na qual, todo o espaço da Biblioteca Infantil foi tomado por trechos, personagens e ambientes da narrativa: havia no chão e nas paredes, desenhos, recortes e objetos diversos que representavam buracos, tocas, coelhos, cartas de baralho, floresta, personagens como o Chapeleiro Maluco, a lagarta e o gato sorridente; além de situações que eram etapas da história como o julgamento.

Tal movimentação narrada aconteceu no meio da BIP, entre os presentes sentados, que precisavam virar-se, olhar e atentar-se aos detalhes, pois as ações surgiam dos lugares mais inesperados da sala. De forma que a narrativa não ocorreu com um narrador sentado ou em pé diante da plateia, os personagens, representados por integrantes do CELLIJ, movimentavam-se como se estivessem em um jogo de tabuleiro. Se feita em uma sala de aula, esta técnica elaborada pela equipe do CELLIJ, poderia envolver os próprios alunos.

No terceiro e último dia, o painel de fundo refletiu a arte da pintora brasileira, Tarsila do Amaral, com cores fortes e reproduções de suas obras, como se observa a seguir:

Figura 4: Terceiro cenário.

Fonte: Acervo pessoal.

Nesta ocasião, uma integrante do CELLIJ representou a pintora que, em

uma narração dialogada com as crianças, contou os principais acontecimentos

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de sua vida: infância, formação e criação, experiências estéticas fora do Brasil, o desejo de quebrar paradigmas artísticos. Além disso, com o apoio de projetor multimídia, suas principais telas foram apreciadas em conjunto com as crianças que conseguiram definir títulos de algumas delas, observar as formas geométricas e cores fortes, bem como sua pintura social e fantástica.

Além da projeção, algumas das pinturas de Tarsila compunham o cenário da BIP, onde, enquanto pintavam, reproduzindo ou realizando releituras, ouviam a cirandas e cirandinhas de Villa Lobos, contemporâneo da artista. Ao final das pinturas, as telas também puderam ser levadas para decorar com um pedaço da BIP e recordação da pintora, as casas de nossos pequenos leitores em formação que foram capazes de relacionar como arte a pintura e a literatura.

Ao final de todos os períodos das ―Férias no CELLIJ‖, as crianças adentraram o acervo da Biblioteca Infantil Prudente e apreciaram livre e autonomamente os livros. Em todas as oportunidades, a maior procura era pelos títulos que acabavam de ser narrados. Por exemplo, após a apresentação de Tarsila do Amaral e suas pinturas, muitos queriam pegar, folhear e contemplar os títulos que falavam da artista.

Aquelas crianças que os pais já possuíam cadastro na BIP realizaram empréstimos relacionados às narrativas apresentadas e diversos títulos; outras os responsáveis se cadastraram para também emprestarem os livros literários. Fora aquelas que degustavam o acervo por mais de uma hora ali mesmo na Biblioteca, ainda que depois de sessões de contações e demais atividades.

Conclusões

Diante da experiência relatada, foi possível observar e apreender que, durante toda a ação ―Férias no CELLIJ‖, o espaço da Biblioteca atuou como mediador das trocas simbólicas e da interlocução entre as crianças, seus familiares e os livros. Afinal, houve planejamento e cuidado com o ambiente no qual os visitantes seriam recepcionados. Houve preocupação com a confortável e aconchegante acomodação de cada um, por isso foram utilizados, além da decoração e dos cenários temáticos, tapetes, almofadas, pequenos sofás e cadeiras.

Além disso, a seleção de textos literários de variados gêneros, com qualidade estética e que atendiam aos interesses do público ouvinte/leitor e a equipe apta a proporcionar verdadeiras experiências literárias e artísticas possibilitaram a exploração do espaço e do acervo de livros, oportunizando também novas formas de dialogar com o suporte.

Assim, como resultados da ação motivo deste relato, temos que houve a ampliação do número de usuários externos da Biblioteca Infantil Prudente; a reativação de cadastros antigos; o envolvimento da população local com o CELLIJ; a interação das famílias com as crianças a partir dos textos literários, de maneira que a ação, por sua dinamicidade e vivacidade, favoreceu o renovar da função social que a Biblioteca possui: fomentar a leitura literária a partir da mediação e de seu espaço.

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VIAGENS AO EQUADOR: A LITERATURA INFANTIL EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Laís da Silva Reis Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG

Graduanda em Pedagogia [email protected]

(31) 9462-6911

Resumo

Este trabalho apresenta experiências de formação de intercambistas do projeto AULP/CAPES, realizado em São Tomé e Príncipe, Ilha de São Tomé, e destaca um dos aspectos da formação, qual seja, a experiência de mediação de leitura literária com crianças de 6 turmas da 1ª classe (1º ano do Ensino Fundamental-Brasil), de duas escolas públicas, além de crianças do jardim de infância (Educação Infantil), também instituição pública. O referencial teórico se baseia em Cademartori (2009), Jouve (2012), Paulino (2005, 2010) para enfatizar a importância da função do mediador no desenvolvimento da leitura compartilhada. Devido ao tempo de estada no país e nas escolas, 48 dias, foi possível atuar tanto no espaço escolar, quanto na Biblioteca Nacional Francisco Tenreiro, única biblioteca não escolar do país, que tem uma sala de leitura com livros e mobiliário apropriados para crianças. Na primeira intervenção feita em uma das escolas, a leitura foi realizada com uma turma no pátio e em forma de roda. Em outros momentos, o livro literário foi apresentado em sala de aula. Já as atividades na Biblioteca Nacional foram realizadas em sessões diárias. Os alunos iam até a biblioteca com a professora e uma ajudante, dentro do horário escolar, caminhando em torno de 1 km. Os intercambistas desenvolveram atividades de leitura literária, com diversas estratégias de mediação: reconto oral de histórias, leituras de livros, exploração de pausa protocolada etc. Tanto nas escolas, quanto na biblioteca, após as histórias, foram oferecidas atividades para os alunos, de forma que houvesse relação com a narrativa lida. Observou-se que as leituras literárias que aconteceram nas escolas estiveram vinculadas, ou aos conteúdos do programa curricular, por demanda do professor regente, ou não ajustadas adequadamente ao ambiente exterior, como a leitura de um livro literário, realizada no pátio; neste caso, como a roda formada ampliou-se muito, os alunos não puderam ver as imagens contidas no livro e nem acompanhar de forma satisfatória aquilo que era contado. Todavia, foi proposto um jogo com a finalidade de complementar as ações fora de sala. Já na biblioteca, foi possível que eles se sentassem no formato de ninho, perto da professora, podendo enxergar as imagens do livro contado na medida em que o texto era lido. Com essa mudança de estratégias de mediação, podem-se destacar alguns pontos: a proximidade do livro é fator essencial para que as crianças se aproximem também da história; a importância de preparação prévia do mediador quanto à delimitação de seus objetivos da leitura e de estratégias variadas de leitura; a importância de proporcionar ao leitor mirim ambiente adequado de leitura; a interação estabelecida pelo adulto com a criança é fator primordial para que a ação seja exitosa. Um dos aspectos relevantes dessa experiência foi a consciência, por parte dos intercambistas, da necessidade de um conhecimento mais profundo da realidade sociocultural daquele país para que, só então, se formulassem estratégias de ação em relação à leitura literária. A não existência de livrarias no país, por exemplo, é dado de realidade que limita a ampliação de hábitos de leitura.

Palavras-chave: mediação; leitura; literatura.

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Abstract

This paper presents exchange students training experiences in the AULP / CAPES project, held in São Tomé and Príncipe, São Tomé Island, in the western coast of Africa, and features one of the aspects of an elementary teacher´s professional development, which is literary reading mediation. The training was held with 1st grade (1st year of Primary Education-Brazil) students from 7 classes of two public schools and one public Kindergarten (Early Childhood Education). The theoretical framework is

based on Cademartori (2009), Jouve (2012), Paulino (2005, 2010), who emphasize

the importance of the mediator's role in the development of shared reading. Since the stay in the country lasted 48 days, it was possible to act both in the school and in the National Library Francisco Tenreiro, the only library in the country which does not belong to a school. This library has a reading room with books and furniture suitable for children. In the first meeting/activity made in one of the schools, the reading was held with a group sitting down in a circle, inside the courtyard. In other moments, the book was presented inside the classroom. The activities at the National Library, however were held in daily sessions. The children walked approximately 1km along with a teacher and a helper during school hours to reach the library. The university students developed literary reading activities with several mediation strategies: retelling stories, storybook reading, pause use etc. Both in the schools and in the library, activities were offered to the students after the stories in order to relate them to the narrative. It was observed that the reading held in schools was linked to the content program, as demanded by the main teacher, or not properly adjusted to the external environment, as the reading of a book held in the courtyard. In this case, the circle made expanded, and the students could not see the images of the book nor properly follow what was told to them. However, a game was proposed in order to complement actions held outside the classroom. In the library, the students were able to sit surrounding the teacher so that they could see the pictures of the book as the story was read to them. With this mediation strategy change, we can highlight the following points: the book's proximity is essential to draw the children´s attention to the story; the mediator must prepare himself/herself regarding reading goals and strategies; the young reader should have an appropriate reading environment; the interaction between adult and child is essential for the success of this effort. An important aspect of this experience was that exchange students became aware of the need of a deeper understanding of the socio-cultural reality of the country in order to be able to formulate literary reading action strategies. The lack of libraries in the country, for example, limits the expansion of reading habits.

Keywords: mediation; literary reading; literature.

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Introdução

Este trabalho apresenta experiências de formação de intercambistas do projeto CAPES/AULP,1 realizado em São Tomé e Príncipe, Ilha de São Tomé, através do projeto ―Formação de professores brasileiros e santomenses quanto ao aprendizado inicial da língua portuguesa pelas crianças santomenses‖ e destaca um dos aspectos da formação, qual seja, a experiência de mediação de leitura literária com crianças de 6 turmas da 1ª classe (1º ano do Ensino Fundamental-Brasil), de duas escolas públicas, além de crianças do jardim de infância (Educação Infantil), também instituição pública.

Fomos o segundo grupo a participar do projeto, composto por 4 graduandos (3 do curso de Pedagogia e 1 do curso de Ciências Sociais) que cumpriram 48 dias de estada no país, além de duas professoras da UFMG na área da Educação, sendo uma delas coordenadora do projeto que ficou conosco apenas 15 dias, dadas as regras impostas pela CAPES/AULP (promotoras do projeto), e a outra que nos acompanhou durante um mês.

O país São Tomé e Príncipe é composto por duas ilhas na costa Oeste da África. Sendo um país insular africano, composto por 178.739 habitantes,2 situado na linha do Equador, suas características mostram o quanto o isolamento, seja físico, seja subjetivo, conforma um modo de ser da população. Em muitos dos que estudam existe um desejo de sair, de ver o que há no mundo; outros estão confortáveis dentro do seu contexto. A língua oficial é o português, sendo que a língua de contato interno é o crioulo nos seus diferentes tipos, no caso, de São Tomé o mais comum na região em que tivemos era o crioulo forro e o angolar. Isso significa que, como os demais países de colonização portuguesa, as línguas faladas pelos povos habitantes das ex-colônias tendem a se enfraquecer. Todavia, muitos governos vêm propondo repensar essa relação com suas línguas maternas, no sentido de preservar culturalmente suas raízes, pois é notório que essa é uma das funções das línguas falada pelos povos.

Essa perspectiva norteou a proposta de intervenção, procurando respeitar as características e as condições locais de trabalho. Dessa forma, o presente estudo contempla os seguintes objetivos:

1- Descrever propostas de mediação de leitura literária, com crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental em ambiente formais e não formais;

2- Caracterizar as diferentes intervenções realizadas, seja do ponto de vista teórico, seja metodológico;

3- Compreender os processos de mediação de leitura literária, nas escolas e na Biblioteca Nacional, identificando suas singularidades;

4- Proporcionar elementos de discussão a respeito das estratégias de mediação utilizadas pelos intercambistas naquele contexto, com

1 CAPES - Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior. AULP - Associação

das Universidades de Língua Portuguesa. 2 Dado retirado do Instituto Nacional de Estatística da República Democrática de São Tomé e

Príncipe, do censo de 2012. Disponível em: http://www.ine.st/Documentacao/InformacoesEstatisticas/Demograficas/22.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2015.

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vistas ao melhoramento da ações dos graduandos no Projeto CAPES/AULP.

Foram realizadas observações e intervenções em algumas escolas de Educação Básica do país, cursos de formação para docentes, participação em eventos televisionados e em rádio, e atividades na biblioteca infantil. É sobre essa última dimensão, em particular, que concentrará este trabalho situado na intersecção do campo da Educação e da Literatura, buscando compreender como se dá o processo de mediação entre ouvintes e mediador da leitura em São Tomé e Príncipe, na ilha de São Tomé.

A Experiência

Neste trabalho pretendo relatar alguns desafios encontrados durante a trajetória de estada no país e algumas das soluções então sugeridas pela professora pesquisadora da UFMG que nos acompanhou durante esse processo.

Primeiramente, o fato de ser intercambista aponta para um ponto de vista de aprendiz; por outro lado, as ações que foram realizadas me levaram a experimentar um outro lugar, uma vez que deveria agir como mediadora e, portanto, pensar e realizar ações com os alunos. Nesse sentido, essa dupla dimensão leva a compreender a experiência ampliada e, por isso, poder dialogar com Walter Benjamin, pois quando internalizamos a vivência, nos apossamos e nos transformamos, por causa dela, "pois cada uma de nossas experiências possui efetivamente conteúdo" (BENJAMIN, 2009, p. 23).

As experiências vividas durante as leituras compartilhadas com as crianças santomenses me permitiram estar disponível ao que iria acontecer durante aquele período, e estar aberta para críticas e formas diferentes de enfrentamento de desafios naquelas circunstâncias. E foi exatamente o que vivi naquele tempo: como parte de algo que é experimentado, provado, algo que nos acontece, que passamos, que nos sucede (BONDÍA, 2002). O autor ainda afirma que:

[...] o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos [...] sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. (BONDÍA, 2002, p. 24).

A mediação literária, portanto, aqui é entendida como forma de fazer com que as palavras, os textos inseridos em sociedades, os contos, os romances, os poemas, as palavras reunidas de maneira ética e estética numa obra, passem a fazer parte da experiência de vida do aluno e também do mediador. (BARBOSA, 2013).

Para diagnosticar os objetivos supracitados foi adotada a estratégia de filmagem dos sujeitos da ação, tanto dos alunos quanto dos intercambistas responsáveis pela mediação de leitura realizada no país. Os vídeos foram feitos a partir de câmeras e também do uso de um tablet, filmados pelos

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graduandos brasileiros que não participavam de forma direta da leitura realizada naquele dia, justamente com o objetivo de captar todos os detalhes de cada mediação. Foram feitas ao todo 12 gravações, sendo elas realizadas, ora na escola onde estavam ocorrendo as observações do projeto em sala de aula, ora na sala infantil da Biblioteca Nacional Francisco Tenreiro. Os sujeitos que participaram dessas ações são crianças de 6 turmas do ensino fundamental, turmas de aproximadamente 40 alunos, em sua maioria entre 6 e 7 anos. Vale destacar que, em uma das ações mediadas, foram agrupadas duas turmas, o que resultou em uma atividade especial. Os mediadores foram três graduandas do curso de Pedagogia e um graduando do curso de Ciências Sociais, além da professora universitária que fez o acompanhamento durante todo o trabalho.

Refletindo sobre a prática

Pensar e refletir sobre a mediação literária e a contação de histórias se torna algo bem complexo para alguém que nunca se aprofundou nessa temática, ou apenas teve contato com esse universo em algumas situações esporádicas. Porém quando se tem pessoas que propiciam essa reflexão, tudo se torna mais fácil e mais claro durante o percurso. Em São Tomé, tive uma professora ao meu dispor, meio que a ideia de Mestre e discípulo, em que questionava e a instigava a todo tempo, o que proporcionou uma melhora na prática ao longo dos dias no país. Tomar os textos/livros como um monumento a ser explorado, analisado, olhado e até desconstruído em algumas ocasiões para que assim facilitasse a compreensão dos mediados naquele contexto (BARBOSA, 2013).

Comecei as atividades em uma turma de 1ª classe em São Tomé, composta por 40 crianças entre 6 e 7 anos. As observações aconteciam de 7 horas da manhã, horário em que as aulas se iniciavam, e 9horas e 30 minutos, horário em que iniciava o intervalo dos alunos. Durante esse período, ficava na última carteira do local anotando todas as ações realizadas pela professora, além de gravações de vídeos e registro de fotografias. A proposta do projeto não era apenas a realização de observações, mas sim intervenções em sala. Por isso, aproximadamente uma semana após o início das observações propus à professora que eu pudesse realizar uma intervenção na sala de aula.Foi a partir dessa primeira intervenção que se iniciou a minha experiência em torno da Literatura por meio da contação de histórias, na ilha de São Tomé perdurando até o final da estada no país.

Para melhor entendimento quanto às atividades propostas em São Tomé pelos intercambistas e pela professora universitária, proponho uma análise das tabelas abaixo que retratam um panorama geral do trabalho desenvolvido. Elas foram divididas pelos locais em que foram realizadas as mediações, para assim, facilitar a análise.

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Tabela 1: Dados sobre as atividades de realização de leituras compartilhadas em São Tomé em uma Escola de Educação Básica

Fonte: Elaboração própria com dados das gravações dos vídeos feitos pelos estudantes.

A primeira história contada no país foi o livro citado no item um da tabela

acima, realizada como primeira intervenção em sala. Era a primeira vez que tinha a oportunidade de contar histórias a alunos de uma classe escolar! Conversei antes da contação de histórias com as crianças e lhes expliquei o que iríamos realizar naquele momento; deixando claro que seria uma história e sendo preciso o silêncio e atenção de cada um, optei por levá-los para fora da sala para ser um ambiente diferente daqueles em que eles ficam todos os dias. No pátio da escola, fiz uma grande roda debaixo de uma árvore e eles se sentaram no chão. Dentro da roda, comecei a leitura do livro explorando a pausa protocolada, lia uma parte da história e fazia várias perguntas aos alunos para que eles pudessem fazer previsões sobre os próximos acontecimentos, mostrando-lhes as gravuras.

A disposição na qual os alunos estavam dificultou a contação. Durante o vídeo fica clara a movimentação da mediadora e dos alunos: ao mostrar as ilustrações e ficar de frente para algumas crianças, essa posição impossibilitou uma visão mais panorâmica de todo grupo, como também impediu que os alunos que ficaram atrás da mediadora pudessem ver as páginas do livro e, portanto, acompanhar plenamente o enredo: por isso, começam a mexer na terra e nas pedras além de cutucar o colega do lado, não prestando muita atenção na história, justamente por não poderem visualizar o livro e nem terem a minha atenção.

A filmagem é um instrumento importante de análise, pois é possível observar alguns detalhes do evento que passam despercebidos. Segundo Honorato et.al. (2006) fazer a gravação de imagens em vídeo se torna rica

3 Essas atividades foram realizadas logo após a história.

4 Equivalência de nomenclatura São Tomé e Príncipe e Brasil: anos de escolarização= classes;

Jardim = Educação Infantil. Sabendo que 1ª classe representa alunos de 6 e 7 anos. 3ª classe 9 e 10 anos.

História Autor Estratégia utilizada

Atividade realizada3

Tempo

Faixa etária4

Nº de criança

s

1. O pequeno azul e o pequeno amarelo

Leo Lionni

Em roda, fora da sala

de aula, mediador no

centro da roda

Pintura da história em um cartaz

12min 31s

1ª classe

40

2. Minha família amor e carinho dar e

doar

Lisa Bullard

Leitura do livro

Ensino da letra F

5 min 28s

1a

classe 40

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como fonte de elementos, principalmente, se tratando de pesquisas com crianças. Ainda afirma que (p. 6):

[...] Afinal, como registrar tantos meandros, tantos detalhes, tantas relações para depois debruçar-se sobre? Há ditos que não são pronunciados oralmente; ditos que não são captados por um gravador e acabam perdidos sem um registro [...].

Algo a destacar e que chama a atenção no vídeo dessa contação é o fato de um aluno não querer sentar junto aos outros na roda; caminha de um lado para outro e, após alguns minutos de história, alguma informação, algum momento da história lhe chama atenção e: ele se interessa pelo livro e se senta juntamente aos seus colegas. Essa observação indica o quanto o mediador deve estar atento aos acontecimentos, pois pequenos detalhes transformam um aluno aparentemente desinteressado em um leitor atento. Não é uma tarefa fácil, principalmente para principiantes, mas a experiência e a análise posterior transforma nosso olhar e nossa conduta. Resultado disso foi a minha decisão de contar novamente a história de outra forma, com alunos próximos, com todos eles tendo uma visão total do livro, para que pudessem acompanhar juntos a contação. A percepção dos alunos e sobre eles foi totalmente diversa, e a compreensão de que é preciso alterar nosso olhar para que possamos melhor compreender a diversidade deu-me a medida do que seja experiência verdadeira.

Após a contação, realizamos uma atividade em sala, em que os alunos ilustraram a história através de pinturas e, assim, foi possível construirmos o primeiro cartaz colocado na sala.

Fonte: Acervo próprio.

Outra história também contada no período de trabalho dentro da escola

foi o livro citado no item dois da tabela 1. Essa contação ocorreu por iniciativa da professora regente. No período em que estávamos no país, ocorreu um minicurso de formação de leitor literário ministrado pela professora universitária que nos acompanhou durante todo o trabalho na ilha, e a professora santomense, cujas aulas eu observava e com seus alunos havia realizado a primeira intervenção citada acima, durante uma conversa no minicurso, solicitou que eu desse uma aula aos seus alunos. A ideia então era escolher um livro para, através da história, ensinar uma letra do alfabeto aos alunos, a letra F, nesse caso. Essa mediação ocorreu dentro da própria sala: os alunos e eu nos sentamos, todos juntos em forma de um ninho, o que facilitou muito a

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visualização do livro e a mediação; tive a oportunidade de conversar e fazer perguntas a todos os alunos que queriam contribuir com a história naquele momento. Num segundo momento, foi desenvolvida uma estratégia de aprendizagem da letra F. Não cabe aqui aprofundar esse trabalho, pois não se situa dentro da perspectiva da mediação literária.

Tabela 2: Dados sobre as atividades de realização de leituras compartilhadas em São Tomé

na Biblioteca Nacional Francisco Tenreiro

Fonte: Elaboração própria com dados das gravações dos vídeos feitos pelos estudantes.

Todas as histórias citadas na tabela 2 foram contadas em uma sala de

leitura específica para crianças, com mobiliário e livros próprios para elas. Essa sala é um espaço arejado e bem colorido, possui várias estantes, um armário e um grande tapete com almofadas. A fotografia abaixo foi retirada em um dos

História Autor(es

) Estratégia utilizada

Atividade realizada

Tempo

Faixa etária

Nº de crianças

1. Chapeuzinho Vermelho

- Reconto criado pelas crianças

Não Ocorreu 24min 41s

1ª classe

Em torno 40

2. O vestido de Kaká

Vera Lúcia Dias

Leitura do Livro

Não Ocorreu 6min 31s

1ª classe

39

3. Cadê o pintinho?

Márcia Leite

Leitura do Livro

Não Ocorreu 12min 54s

1ª classe

39

4. Cocó, o rio amigo

Almir Mota

Leitura do Livro

Dobradura de um barco para colorir, colado em um rio de nome criado pelos alunos

11min 33s

1ª classe

36

5. Monstros Monstrengos

Almir Correia

Leitura do livro

Criar o seu monstro com uma folha de papel delineada

27min 48s

1ª classe

36

6. Adivinha o quanto eu te amo?

Sam McBratney

Leitura do Livro

Colorir dobradura de coelho

6min 59s

1ª classe

Em torno 50

7. Monstros Monstrengos

Almir Correia

Leitura do livro

Criar o seu monstro com uma folha de papel delineada

11min45s

1ª classe

33

8. E o dente ainda doía

Ana Terra

Leitura do livro com objetos ara complementação da história

Música cantada após a leitura

13min 15s

1ª classe e 3ª classe

74

9. Cadê o pintinho?

Márcia Leite

Leitura do Livro

Não Ocorreu 9min46s

Turmas do Jardim

32

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dias em que houve uma mediação de leitura, ficando mais fácil a visualização dessa sala.

Fonte: Acervo próprio.

O acervo, ainda muito escasso, foi enriquecido através do projeto CAPES/AULP que levou doação de 500 livros literários a biblioteca através do CEALE.5 Esse ambiente faz parte da Biblioteca Nacional Francisco Tenreiro, única biblioteca do país, sendo inaugurada no ano de 2002.

As mediações foram realizadas em três semanas, durante 8 dias por 5 pessoas diferentes. Sendo elas: 3 estudantes de pedagogia da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma professora universitária da mesma instituição, e uma professora do Jardim de Infância nomeada no país para desenvolver as atividades na Biblioteca após nosso trabalho realizado no local.

Caso exemplar foi justamente a primeira história, Chapeuzinho Vermelho, que foi contada por uma das estudantes intercambistas: nesse dia, foi proposto aos alunos que, juntamente com ela, relembrassem esse conto. Após esse momento, e através de objetos, foi proposto que todos construíssem a chapeuzinho de São Tomé. A personagem foi descrita pelos alunos com cesta na cabeça, em que haveria frutas típicas do país, como safú e jaca, além de ela estar vestida com a bata azul, uniforme usado pelas meninas de todas as escolas públicas da ilha. No lugar do lobo, seria um cachorro preto, e a menina andaria na floresta com muitos animais, inclusive o suí-suí (pássaro comum na região). Essa contextualização teve a proposta de trazer para a realidade das crianças uma história canônica, que todos conheciam, mas que poderia ser apropriada pela comunidade, de forma a reconhecer seus valores. Esse exercício se tornou muito excitante e os alunos começaram a entrar numa dimensão de encantamento muito próximo de seu universo. Esse exercício de tornar consciente a representação de mundo pode se tornar tão lúdico quanto é a seriedade da construção das nossas subjetividades.

Os alunos no início da história estavam animados em contribuir com o enredo, mas ao longo da trajetória foram diminuindo nas contribuições. Através do vídeo percebemos que no decorrer do tempo em que a atividade foi desenvolvida, a história foi cansando a criançada. Essa é uma característica 5 O CEALE é o Centro de alfabetização leitura e escrita da Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais.

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dessa faixa etária: a duração da concentração. A discussão posterior com a professora que nos orientava deixou clara a importância de saber que não basta contar a história, mas a necessidade de conhecer muitos outros fatores que envolvem a mediação. A decisão de repetir essa estratégia com outra turma e diminuindo o tempo obteve um resultado muito positivo para as crianças e teve consequências muito positivas para o grupo de intercambistas.

Outra experiência muito interessante no país foi a leitura do livro ―Cocó, o rio amigo‖ (item 4 da tabela) , principalmente para mim que, naquele, dia seria a mediadora. Era a segunda história contada por mim no país, porém já haviam sido feitas análises sobre a primeira ação realizada, o que facilitou a seguinte. Além disso, treinei a leitura do livro no mínimo três vezes, juntamente com a professora universitária. Nessa contação os alunos se assentaram no tapete e ficaram bem próximos do livro, o que possibilitou maior interação comigo. No vídeo fica nítido a curiosidade dos alunos em relação ao que iria acontecer na próxima página do livro, uma menina chega a suspirar ―uaaau‖ quando viro para a próxima página. Após esse trabalho construímos um grande rio coletivamente, em que os próprios alunos deram o nome de Rio Bonito, e colocamos algumas dobraduras de barcos coloridos pelas próprias crianças, em um grande cartaz. Essa atividade foi muito enriquecedora para os alunos, principalmente por se tratar de algo muito comum em São Tomé: a pesca. Por ser uma ilha, uma das principais atividades econômicas é a pesca, sendo muitos os filhos de pescadores.

Nessas experiências retratadas pela tabela 2, convém destacar a releitura do livro ―Monstros Monstrengos‖, considerando o tempo de duração. No primeiro momento, foram contabilizados aproximadamente 28 minutos; já na segunda vez, esse valor diminui para 11 minutos e 45 segundos, uma vez que foram suprimidas algumas folhas de apresentação de monstros. Essa opção foi feita justamente por perceber que os alunos gostaram muito da temática de monstros; porém, devido ao excessivo número de páginas para aquela faixa etária, se tornou algo cansativo. Dessa forma, tornou-se mais adequada para as crianças daquela idade.

Tabela 3: Dados sobre a atividade de leitura compartilhada em São Tomé na Biblioteca

Nacional Francisco Tenreiro durante o minicurso. Fonte: Elaboração própria com dados das gravações dos vídeos feitos pelos estudantes.

A contação retratada pela tabela 3 foi realizada durante um minicurso promovido pelo Centro Cultural Brasil-São Tomé e Príncipe, em parceria com o projeto CAPES/AULP. Esse minicurso, ―Formação de professores em Literatura Infantil‖ com carga horária de 9 horas, divididas em 6 dias, durante o período da noite, foi ministrado pela professora universitária integrante do projeto. A

História Autor Estratégia utilizada

Atividade realizada

Tempo

Faixa etária

Nº de crianças

1. De quem é esse rabo?

Telma Guimarães

Leitura do Livro

Música cantada após a leitura

8min 30s

3 a 13 anos

19

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história contada foi uma proposta dos próprios participantes, que gostariam de aprender na prática como se dava o processo de mediação da leitura literária. A ideia inicial do curso era acontecer em 5 dias da semana, de segunda a sexta, porém os próprios inscritos propuseram um dia a mais para que houvesse essa prática.

Essa história aconteceu na mesma sala em que ocorreram as histórias da tabela 2, e a faixa etária dos ―alunos‖ se diferencia das outras tabelas, pois o horário noturno não possibilitaria trazer uma turma de crianças pequenas. Assim os participantes resolveram levar filhos, sobrinhos e netos para participarem da atividade. A sala foi organizada de forma a proporcionar, tanto as crianças quanto aos adultos presentes, uma boa visualização da organização da sala e das estratégias de mediação.

Uma grande preocupação foi com a escolha da obra a ser lida, pois a diversidade de faixa etária poderia criar aceitação ou rejeição em relação à história a ser contada. As crianças ficaram próximas da contadora, sentadas em um tapete, de costas para os adultos, enquanto eles sentaram de frente para cena, como uma plateia, de forma a ver como transcorreria a atividade. Todavia, devido a uma orientação dada por mim, que estava sendo a responsável pela atividade, pedi às crianças que fechassem os olhos e imaginassem estar sozinhas na sala, respirassem fundo e mergulhassem no mundo da imaginação da literatura. E elas esqueceram os adultos!

Pelo fato de estarem sentadas em forma de ninho, as crianças ficaram mais próximas das ilustrações e a leitura foi feita com muitas perguntas aos mediados, de forma a criar a curiosidade para o que vinha na próxima página. Além disso, as crianças dialogavam com o livro fazendo perguntas sobre a imagem e comentando a história. Após o término da contação, fizemos uma grande roda em que cada aluno recebeu um desenho de um rabo de cachorro: deveriam colorir para, em seguida, realizar uma atividade de corrente da história, cujo objetivo foi o de conhecer as crianças participantes.

Dentre as 12 histórias/ livros contados, ora na Biblioteca Nacional, ora em espaços da escola pública em que estavam sendo desenvolvidas as observações do projeto, cinco histórias foram contadas por mim. O fato de terem sido realizadas uma logo após a outra, e ter havido gravações para análise da ação foi de suma importância para aprimorar e refletir sobre a prática da mediação e o papel do mediador na contação de histórias. Ficou claro que a escolha do livro e o estudo prévio de como a história deveria ser contada foram fundamentais para uma boa prática de leitura literária e que o responsável deve analisar o contexto em que se dará essa atividade, pois assim, ao ler o livro para as crianças, sua a leitura fica natural, podendo brincar com as palavras e com a curiosidade nas crianças.

Considerações finais

Apesar das dificuldades encontradas no campo, como: diferença cultural, alta temperatura, lidar com a docência em outro contexto de ação, a distância e a dificuldade de comunicação com o país de origem, considero a experiência bastante relevante, principalmente no que diz respeito aos trabalhos desenvolvidos na biblioteca. Construímos um bom diálogo com a

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comunidade escolar, autoridades governamentais, com a população santomense no geral e, principalmente, com as crianças no país.

Esse intercâmbio proporcionou troca de saberes e a interlocução de aspectos culturais entre alunos brasileiros e santomenses, o que contribuiu para a minha formação acadêmica. Foi um aprendizado profissional e cultural muito proveitoso para todo o grupo e, principalmente para mim, no âmbito da literatura infantil. Tive o privilégio de participar de um laboratório de iniciação à docência no âmbito da linguagem, principalmente da leitura literária. E ainda em contexto estrangeiro.

Referências

BARBOSA, Juliana Bertucci; BARBOSA, Marinalva Vieira (Org.). Leitura e mediação: reflexões sobre a formação do professor. Campinas, SP : Mercado de Letras, 2013.

BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas cidades; Editora 34, 2009.

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CADEMARTORI, Ligia. Escolhas do vestibular: a questão dos critérios. In: HONORATO, A. et al. A vídeo-gravação como registro, a devolutiva como procedimento: pensando sobre estratégias metodológicas na pesquisa com crianças. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 2006, Caxambu: ANPEd. Anais... 2006.

PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy Alves, PAULINO, Graça; MACHADO, Maria Zélia Versiani (Org.). Escolhas literárias em jogo. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2009. p. 109-117.

JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? Tradução de Marcos Bagno e Marcos Marciolino. São Paulo: Parábola editorial, 2012.

MACHADO, Ana Maria. Sangue nas veias. In: FAILLA, Zoara. (Org.). Retratos da leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012. p. 57- 62.

PAULINO, Graça. Algumas especificidades da leitura literária. In: PAIVA, Aparecida et. al. (Org.). Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005. p. 55-68.

PAULINO, Graça et al. A formação de professores leitores literários: uma ligação entre infância e idade adulta? PAULINO, Graça. Das leituras ao letramento literário. Belo Horizonte: FAE/UFMG; Pelotas: UFPel, 2010.

PETIT, M. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: 34, 2008.

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RECREIO DIRIGIDO: ESPAÇO DE MEDIAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE LEITORES UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO FUNDAMETAL I

Liviane Dias Freitas da Silva Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim

Licenciatura Plena em Pedagogia [email protected]

(28) 99986-2110

Resumo

Este relato de experiência apresenta momentos de mediação de leitura com os alunos do Ensino Fundamental I, deixando o espaço sala de aula e a biblioteca de serem os únicos locais de contato com essa atividade, tendo não só o professor o papel de mediador, mas também os alunos. Nesse contexto a construção do conhecimento e significados da leitura o aluno também é mediador do processo entre seus pares, oportunizando o compartilhamento espontâneo e o estímulo de novos saberes. Atualmente é necessário canalizar todos os recursos disponíveis nas escolas para o estreitamento da relação dos alunos com a leitura. Nas escolas públicas o livro é presença constante, em virtude do programa nacional da biblioteca escolar (PNBE), que nos oferece um vasto acervo literário, e quando bem orientado o trabalho oferece aos alunos esse momento de descontração e descanso no horário do recreio. Durante o horário do recreio, de uma Instituição de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim, aconteciam muitos incidentes, observou-se então, a necessidade de elaborar um projeto de recreio dirigido. A equipe escolar organizou um novo ambiente no horário do recreio, oportunizou os alunos a terem contato com a leitura de forma prazerosa identificando os sentidos e significados nos textos distanciando assim a caracterização equivocada da leitura como um ato obrigatório e mecânico. Por meio da observação, identificamos que os alunos em intervalo de recreio apresentavam muita correria e brigas, foram elaboradas assim ações de intervenção junto aos alunos de forma a propiciar a estes uma nova oportunidade de contato com o livro e um mundo de novas descobertas. A seleção dos livros ocorreu buscando priorizar a diversão e descontração entre os discentes. Ao participarem de leituras, nesse horário, desenvolveram maior concentração nas aulas e as tensões inerentes ao recreio foram diminuindo gradativamente, assim pode-se afirmar que o aluno quando estimulado a ler pelo prazer apresenta melhora de rendimento em todos os aspectos de sua formação. Nossa reflexão se baseia nos princípios de interação social de Vygotsky e nos estudos de SOARES em relação ao letramento, tendo como foco o recreio como espaço destinado antes apenas as brincadeiras descoordenadas, passa a ter caráter de produção de conhecimento pelo ato de brincar, construindo leitores e assim construtores de saberes. Por se tratar de um horário no qual os alunos procuram correr e pular, pode-se orientar para a construção também de conhecimentos, apresentando aos mesmos que a leitura é divertida e prazerosa, tal qual o correr. Palavras-chave: Leitura Literária, Recreio Dirigido, Ensino Fundamental I.

Abstract

This experience report presents reading mediation moments with the students of elementary school, leaving the classroom space and the library are the only contact sites with this activity, and not only the teacher as a mediator, but also the students. In this context the construction of knowledge and reading meaning the student is also process the mediator between peers, providing opportunities for the spontaneous

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sharing and the encouragement of new knowledge. Currently it is necessary to channel all available resources in schools to establish a closer relationship of students with reading. In public schools the book is a constant presence, under national school library program (PNBE), which offers us a vast literary collection, and when the job well oriented offers students this moment of relaxation and rest in recess time. During recess time, a Cachoeiro of Education Institution of Itapemirim, many incidents took place, it was noted then, the need to develop a directed recreational project. School staff organized a new environment in the playground of the time, students provided an opportunity to have contact with reading pleasurable way identifying the meanings in texts thus distancing the mischaracterization of reading as a compulsory mechanical act. Through observation, we found that students in recreational interval had a lot of running around and fighting, so were elaborate intervention actions with the students in order to provide these a new opportunity to connect with the book and a world of new discoveries. The selection of books was seeking to prioritize the fun and relaxation among students. To participate in readings, at that time, they developed greater concentration in class and the inherent pleasure tensions were gradually diminished, so it can be said that the student when stimulated to read for pleasure presents performance improvement in all aspects of their training. Our reflection is based on the principles of social interaction Vygotsky and studies SOARES in relation to literacy, focusing on the playground and space for previously only uncoordinated play is replaced character of knowledge production by the act of playing, building readers and so knowledge builders. Since this is a time in which students try running and jumping, you can be guided to the construction also of knowledge, presenting to them that reading is fun and exciting, like the run. Keywords: Literary Reading, Recreation Directed, Elementary School I.

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Introdução

Este relato vem apresentar uma possibilidade a mais para momentos de leitura nas escolas, descrevendo como no recreio as crianças podem também desfrutar de uma recreação diferenciada, além de se deliciar com leituras de sua preferência e assim descobrirem novos mundos e conhecimentos a partir da literatura.

Sabendo que o recreio é o momento mais esperado pelos alunos, momento de liberarem as energias que ficaram acumuladas, este é organizado de forma que estejam presentes funcionários e parceiros, auxiliando as crianças na organização da leitura. Sendo assim, a utilização deste meio lúdico permite criar um ambiente atraente e gratificante, que vai ao encontro das expectativas de superação da criança, servindo como forma de estímulo para que a criança tenha um desenvolvimento

integral. Garante aos alunos desfrutarem dos momentos de lazer a que têm direito, porém com situações que evitam acidentes e levam a uma melhor condução na resolução de conflitos.

A intencionalidade dessa ação junto aos alunos foi o canalizar dos mecanismos de leitura presentes no espaço escolar, das estratégias, movimentos e adaptações destes com foco aprendizagem integral do aluno.

O recreio dirigido é uma experiência que apresenta grandes resultados. Com orientação, as crianças conseguem uma melhor socialização e desenvolver o gosto pela leitura, pois o recreio também é momento de aprendizagem.

Referencial teórico

Nas escolas encontramos uma realidade onde muitos de nossos alunos só apresentam contato com a leitura neste ambiente necessário é então, criar mecanismos onde essa leitura seja entendida como algo prazeroso e que vem para mostrar novas maneiras de ver o mundo e assim interagir com ele.

O recreio dirigido escolar com atividades de leitura é uma forma de mudança na concepção desse fazer, sem tirar a liberdade do aluno durante a recreação, traz em sua essência momentos de aprendizagem para o seu desenvolvimento, como a criatividade, o cooperativismo, a imaginação e também o raciocínio, respeitando as diferenças do outro e contribuindo para a conservação do ambiente escolar melhorando seu comportamento ao regressar para a sala de aula.

O desafio posto, hoje, para a escola, é atuar com as realidades que se encontram e se fundem durante o processo educativo. É fundamental considerar em todo o processo, a prática social dos sujeitos nele envolvidos, pois não é mais possível pensar o processo de ensino/aprendizagem apenas como uma atividade intelectual. O ensinar não é apenas pelo passar dos conteúdos, mas também pelas vivencias do cotidiano.

A leitura é vista nas escolas como esse passar de conteúdos, muitas vezes é esquecido que este deve ser um ato prazeroso, Picolli (2012) completa nosso pensar ao afirmar que:

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Apesar da diversidade de modalidades e estratégias de leitura, a escola parecer investir quase sempre nas mesmas praticas, ao privilegiar leituras em voz alta e coletivas, seguindo apenas o ritmo da professora, e ao exigir tarefas em que o pareamento de orações e palavras presentes nas perguntas é suficiente para encontrar as respostas no texto. (PICOLLI, 2012, p. 63).

Desse modo, quando a criança lê pelo prazer de lê, muitas coisas acontecem, pois ela mergulha no mundo mágico da imaginação, onde tem o poder de revelar suas visões de mundo, suas descobertas, seus encantamentos, sua alegria, de compartilhar ideias e sentimentos, pelo simples prazer e vontade de experimentar.

Através da leitura, as crianças recriam o mundo, não para mudá-lo, mas sim para compreendê-lo. Descobrem quais são seus limites, suas potencialidades, exercitando a autonomia e a identidade, pois terão que analisar as possibilidades de leitura apresentadas e fazer as escolhas. Em relação a essas escolhas citamos aqui Aguiar (2001) ao falar da visão de literatura infantil de acordo com Cecilia Meireles:

Cecilia Meireles, já em 1951, [...] afirmou que literatura infantil é tudo o que escrevemos para a criança e que ela lê com utilidade e prazer. Logo para Cecilia, o gosto e a preferencia do leitor infantil por esta ou aquela obra serve para delimitar o conceito de literatura infantil e para afirmar a qualidade do texto.(AGUIAR, 2001, p. 17).

Cabe então ao docente, nesse momento, ser mediador de leituras, sendo responsável por criar condições de contato entre o livro e os alunos, apresentando a estes todos os recursos disponíveis para esta escolha literária, não estando portanto restritos as salas de aula e bibliotecas abrindo portas para o recreio dirigido com foco na leitura pelo prazer.

Através da leitura a criança tem mais espaço para a vida afetiva e maior possibilidade de desenvolver sua capacidade de concentrar sua atenção, ao mesmo tempo em que nutre sua imaginação.

Precisamos então estar atentos às formas como estimulamos o ato da leitura, uma vez que esta é determinante frente à visão e relação da criança com a leitura. Cabe então ao professor apresentar as variadas formas de ler, buscando o estimular para a exploração do imaginário e o deleitar do mundo da literatura.

Precisamos dar continuidade a quebra do paradigma da leitura para introdução de valores morais, Aguiar (2001), nos leva a refletir sobre essa atuação ao chamar a atenção para o posicionamento do adulto quando diz que precisamos nos colocar ao lado do leitor, auxiliando este a expandir seu olhar.

Toda essa analise de momentos de leitura e considerações frente a importância desse fazer no horário do recreio, com interação direta do docente e entre os pares nos abre a porta para a definição de letramento posta por SOARES (2005):

[...] letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e da escrita em seu contexto especifico, e com essas habilidades e relacionam com as necessidades, valores e

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praticas sociais. Em outras palavras, letramento não é simplesmente em conjunto de habilidades individuais, é o conjunto de praticas sociais ligadas a leitura e escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social.‖ (SOARES, 2005, p. 72).

Em seus estudos SOARES afirma que o ato de brincar esta ligado ao processo de alfabetização e que a leitura frequente de historias para crianças é a principal atividade de letramento nos anos iniciais. Assim a criança envolvida em uma esfera leitora está mais suscetível ao letramento.

Oportunizar momentos de interação aos alunos com a leitura, em uma perspectiva de brincar, oportuniza a troca de experiências e auxilia na aprendizado uma vez que, de acordo com Vygotsky, cria mecanismos de construção e interação social.

Pode-se afirmar então que os momento de leitura conduzidos pelo brincar, oportunizam ao aluno o verdadeiro letramento, aquele onde o dialogar com o mundo e as diversas realidades são construídas de maneira tranquila, gerando assim um desenvolviemtno integral do aluno.

Objetivos

Apresentar aos alunos a leitura pelo prazer do imaginar, de forma lúdica e descontraída;

Aprimorar as práticas de letramento oferecidas pela escola, utilizando os diversos espaços disponíveis.

Metodologia

O Recreio Dirigido atende os alunos do ensino Fundamental I de uma Escola Municipal de Cachoeiro de Itapemirim – ES, trabalhando de forma lúdica partindo do interesse e vivência dos alunos.

Para iniciar as atividades, houve o sensibilizar da comunidade escolar para que tomasse conhecimento do projeto e suas atividades, buscando assim parceiros para realização do projeto. Realizou-se seleção dos livros para ficarem disponíveis na sala onde o projeto seria desenvolvido, atendendo a faixa etária e especificidades do publico alvo.

No momento do recreio os alunos eram convidados a participarem das leituras, sendo disponibilizado ambiente tranquilo e adaptado esse fazer, sem a formalidade da sala ou biblioteca.

Durante as leituras eram realizadas trocas de livros entre as crianças e também contação de historias por parte dos monitores que ali estavam sempre presentes para auxiliar esta ação.

Conclusões

Ao final dessa experiência o recreio passou a ser visto também como momento de aprendizagens com olhar pedagógico. Espaço antes de brigas e acidentes, passa a sediar interações e construções coletivas, vivencia verdadeira da infância.

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O recreio agora tem foco no formar relações e leitores, oportunizando assim a criança seu pleno desenvolvimento intelectual e social, sem as convenções rígidas de outros ambientes escolares.

Referências

AGUIAR, Vera Teixeira de (Coord.). Era uma vez na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001.

BRANDÃO, Heliana Maria Brina. Modos de ler na infância. Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/modos-de-ler-na-infancia>. Acesso em: 30 jul. 2015.

ESTEBAN, Maria Teresa; HOFFMANN, Jussara; SILVA, Jansen Felipe da. (Org.). Práticas Avaliativas e aprendizagens significativas. Porto Alegre: Mediação, 2003.

LA TAILLE,Yves, OLIVEIRA, Marta K., DANTAS, Heloisa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em educação. São Paulo: Summus, 1992.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

SOARES, Maria Inês Bizzotto; AROEIRA, Maria Luisa; PORTO, Amélia. Alfabetização Linguística: da teoria a prática. Belo Horizonte: Dimensão, 2010.

PICCOLI, Luciana; CAMINI, Patricia. Práticas pedagógicas em alfabetização: espaço, tempo e corporeidade. Ilustrações de Eloar Guazzelli. Erechim: Edelbra, 2012. p.63-69.

REYES, Yolanda. Mediadores de leitura Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/mediadores-de-leitura>. Acesso em: 30 jul. 2015.

WERNECK, Hamilton. Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo. 26 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

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A LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS NA SALA DE AULA: EXPERIÊNCIAS E DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Luciana Maria Bastos Jardim Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho

Mestre em Educação [email protected]

(21) 98861-3183

Jacqueline Martins da Silva Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ

Mestranda em Educação [email protected]

(21) 97579-0552

Resumo

Neste relato, buscamos discutir a importância, o espaço e a presença da leitura literária na sala de aula, tendo o professor como mediador desse processo. (COSSON, 2010; OLIVEIRA, 2010). Além disso, o texto apresenta algumas reflexões sobre o conceito de leitura numa perspectiva dialógica. (BAKHTIN, 2011; 2014; KRAMER, 1996; 2011). Essa articulação leva-nos a repensar o ato de ler e o fazer docente. Nesse sentido, buscamos revisitar autores e estabelecer com eles diálogos que possibilitem compor tessituras enunciativas e ressignificações no sujeito leitor. Compartilharemos, portanto, experiências de ações ligadas ao fomento da leitura literária desenvolvidas por uma professora pesquisadora com alunos do Ensino Fundamental I, em uma escola pública da Rede Municipal de Educação de Niterói – RJ. As situações vivenciadas visavam contribuir para formação de leitores/escritores a partir de contextualizações com diversas linguagens e saberes que se manifestam no mundo. Acontecia, portanto, como atividade permanente as rodas de leitura, a leitura compartilhada, o troca-troca literário e as rodas de apreciação literária. Ler, contar e ouvir histórias fazia parte do contexto de ensino-aprendizagem da sala de aula, compunha a rotina daquele espaço, dando vivacidade à prática pedagógica e para a compreensão do mundo e as múltiplas linguagens que o explicam. Priorizar o acontecimento de tais ações pressupõe um compromisso político para além do cumprimento de uma finalidade ou pretexto para a realização ou introdução de uma proposta/exercício. (FREIRE, 2003). Como opção metodológica, escolhemos a revisão de literatura e a apresentação de narrativas da docente que contam como as atividades se davam e suas impressões. Este texto pretende colocar-se como possibilidade para interlocução de saberes e urdiduras (auto)formativas, já que traz pistas que muitas podem ser as contribuições quando a leitura literária é entendida não como pretexto ou apêndice, mas como atividade em si na construção de conhecimentos. Palavras-chave: Leitura literária; Leitura; Mediação docente.

Abstract

In this report, we discuss the importance, the space and the presence of literary reading in the classroom, and the teacher as mediator in this process. (COSSON, 2010; OLIVEIRA, 2010). In addition, the text presents some thoughts on the concept of reading in a dialogical perspective. (BAKHTIN, 2011; 2014; KRAMER, 1996; 2011). This joint takes us to rethink the Act of reading and doing. In this sense, we revisit

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authors and establish dialogue with them to compose other ways of understanding the subject reader. Share, therefore, shares experiences related to the promotion of literary reading developed by a teacher researcher with elementary I, in a public school of Municipal Education of Niterói-RJ. The situations experienced aimed at contributing to the formation of readers/writers from contexts with various languages and knowledges that are manifested in the world. Happened, therefore, permanent activity is the wheels of reading, shared reading, the bartering literary and literary appreciation wheels. Read, tell and listen to stories was part of the teaching-learning context of the classroom, tied the routine of that space, giving liveliness to the pedagogical practice and understanding of the world and the multiple languages that explain. Prioritize the event of such actions requires a political commitment beyond the fulfillment of purpose or pretext for performing or introducing a proposal/exercise. (FREIRE, 2003). As a methodological option, choose the literature review and the presentation of the narratives tell how activities staff who get along and his impressions. This text intends to put up as a possibility for dialogue of knowledge and warps (auto) formative, as it brings many slopes can be when reading literary contributions is understood not as a pretext or appendix, but as an activity in itself in the construction of knowledge. Keywords: Literary reading; Reading; Teaching mediation.

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1. Introdução

Com a pronúncia de uma primeira palavra podemos começar um diálogo. E este é, modestamente, o intento deste texto. Propomos trazer mais diálogos e com eles possibilidades de apreensões, ressignificações e reflexões.

Assim, discutiremos a leitura pela perspectiva dialógica em que sendo compostas por diversas vozes, provoca-nos a estabelecer relações e orquestrar os sentidos do texto. Em seguida, abordaremos a leitura literária na sala de aula ancorando-nos em autores que tratam do assunto e tecendo articulação com relatos de experiência.

2. Leitura: um ato dialógico/interativo

No tocante às concepções de leitura, muitas estão em disputa tanto no campo teórico quanto na prática. As mudanças sócio-históricas contribuíram para que em todas as áreas do conhecimento acontecessem mudanças conceituais. No que diz respeito à leitura não foi diferente. Dependendo do contexto histórico, de vida, social e cultural há diferentes entendimentos no que tange ao conceito deste tema. Essas diferenciações são pertinentes, pois nos ajudam a entender como os processos formativos vão se constituindo e a construção do conhecimento na dimensão polissêmica.

O poeta Mário Quintana escreveu: ―O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.‖ (QUINTANA, 2003, p. 150). Vemos a admiração que o autor explicita frente ao leitor que viaja nas palavras e permite-se parar a leitura a fim de vivenciar essa viagem no e com o texto. Permitimo-nos, assim como o autor, a admirar o leitor que se deixa levar pelo encantamento das palavras e diante da individualidade do texto e das reações, únicas e intransferíveis, que este pode provocar, permite-se ―vagar‖ em pensamentos buscando entender e interpretar o que se lê.

Então, ficamos a indagar: Como a leitura pode ser compreendida pensando no leitor que a interrompe e deleita-se em pensamentos? Refletindo nas palavras do poeta brasileiro e, simultaneamente, pensando em nossas trajetórias como leitoras, acreditamos que a leitura pode ser entendida pelo viés dialógico, como possibilidade de nos depararmos com o Outro (BAKHTIN, 2014), no sentido bakhtiniano de entender o termo. Nessa perspectiva, a leitura não encontra-se nem no texto, nem fora dele, mas nas possibilidades de relação e interlocução entre aquele que escreve e aquele que lê, mediado pelo texto. Por isso, a nosso ver, o leitor ao ―interromper‖ o que lê, encontra-se mergulhado em meio às palavras e envolveu-se de tal modo com o texto que não é capaz de continuar a leitura sem pausá-la para meditar sobre e com ele.

Em outras palavras, a leitura, para o leitor que se põe a viajar em pensamentos, é construída enquanto se lê. Assim, defendemos a leitura como ato dialógico, interativo, em que esta pode ser sentida, indagada e refletida, com encontro de alteridades (BAKHTIN, 2011). Esse entrelace dialógico, em que os discursos disputam espaço, pois implica valores ideológicos, tensão e diferentes pontos de vista sobre o mundo, pode promover desdobramentos de sentidos, além de desencadear no leitor uma compreensão ativamente responsiva (BAKHTIN, 2011, p. 272).Por esse viés, ao ler, o individuo o faz

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como um participante real daquela situação comunicativa e não como um leitor passivo, por isso traz significações externas para dentro do texto e produz, explicita ou implicitamente, uma resposta, concordância ou objeção ao que lê.

Antes de prosseguir, retomaremos a citação de Quintana, pois ainda nos encontramos ―vagando‖ em pensamentos e refletindo sobre as linhas escritas pelo poeta. Por isso, defendemos que a leitura que move o leitor, no sentido descrito pelo poeta brasileiro, pode ser entendida como aquela que nos causa descobertas, inquietações, identificação e mistério. Desperta a imaginação e descortina horizontes. Então, embevecido com a mistura de sensações que a leitura faz desabrochar, qual o significado conotativo que a expressão ―viagem por conta própria‖ (QUINTANA, 2003, p. 150) pode ter para um leitor que interrompe o que lê para deleitar-se em pensamentos? Ousamos dizer que, viajar por conta própria pode simbolizar a conquista de autonomia para visitar lugares sem sair corporalmente do lugar, também percorrer pensamentos adormecidos ou que ainda não tinham sido pensados. A viagem por conta própria pode possibilitar a nossa reinvenção e também do mundo, da própria vida.

Freire (2003)ajuda-nos a compreender a discussão pautada nesse texto que é a leitura como interação, diálogo. Nesse sentido, o referido autor aponta que, a leitura se constitui como ato crítico e reflexivo, pois há um entrelaçamento entre a leitura e o contexto ao qual o sujeito pertence. Para ele, a palavra pronunciada ou a leitura realizada flui do mundo, portanto, apropriar-se do texto surge indissociável da ideia de ler o mundo. Além disso, exercemos a leitura como ato crítico e reflexivo à medida que a entendemos como um movimento vivo em que apropriando-nos, reflexivamente, do que é lido e mediante uma prática consciente, temos a possibilidade de (trans)formar e reescrever a nós mesmos e o meio no qual estamos inserido.

Entendemos que essa concepção de leitura em Freire reflete um posicionamento político que se preocupa em contribuir para a democratização da sociedade. Há, a nosso ver, frente às reflexões que o leitor se propõe a fazer, compromisso com o coletivo, possibilidade de realizar escolhas conscientes, de pensar sobre as possíveis intervenções sociais que podem nascer e se fortalecer a partir da leitura. Essa leitura baseada na criticidade e reflexão promove a liberdade do leitor em fazer as suas escolhas, desestabiliza, interiormente, o indivíduo; geram-lhe dúvidas e anseios por mudanças visto que o permite articular conhecimentos.

Trazer à cena a concepção freireana de leitura em que o leitor vivencia inquietações, depois relaciona ideias e pensamentos promovendo reflexão sobre o assunto; para, finalmente, ter a prática consciente, que consiste no resultado desse novo sujeito transformado, mas não concluído já muitas leituras de mundo serão feitas e refeitas, implica pensar se, de fato, os leitores têm se debruçado em uma leitura imbricada com a criticidade e reflexão. Também, leva-nos a refletir se aqueles que leem estão realmente preocupados em apropriar-se da leitura, do conhecimento, pensando no compromisso coletivo para promover transformação e reescrita a sua volta.

Entender o ato de ler pelo viés dialógico leva-nos a perceber que não basta adquirir a habilidade de leitura, ou seja, a decodificação de palavras (signos), nem tão pouco ler por hábito ou regularmente. Espera-se que haja um

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envolvimento com o texto, que a leitura faça parte da vida e que a vida encontre espaço na leitura como numa trama. A leitura precisa fazer sentido, provocar inquietação e despertar emoção para que se constitua como prática social, promovendo entendimento sobre o mundo e transformação nas relações interpessoais. Em outras palavras, a leitura quando vivenciada pelo viés do processo interativo pode afetar-nos provocando (trans)formação tanto individual quanto coletivamente.

A leitura, ao ser entendida na perspectiva dialógica, das interações, possibilita ao leitor vivenciar a experiência de desvelar o texto e nesse processo de desvelamento ―novos‖ significados serão construídos, assim como outras possibilidades de existência, fazendo com que aquele que lê se posicione em relação ao texto. Assim, podemos pensar que, a cada leitura sentidos outros poderão ser apreendidos, da mesma forma que, um mesmo texto lido por diferentes pessoas poderá ter diferentes compreensões. Diz Lajolo (1997): ―cada leitor, na individualidade de sua vida, vai entrelaçando o significado pessoal de suas leituras com os vários significados que, ao longo da história de um texto, este foi acumulando.‖ (LAJOLO, 1997, p. 106). Nesse sentido, o leitor imbuído das histórias de suas leituras pode ressignificar, aceitar ou rejeitar as significações que um texto apresenta e estabelecer com ele diálogos.

3. A leitura literária na sala de aula

Ler é diferente de contar histórias, ainda que esta prática seja fundamental na escola. Quando lemos o texto escrito, aprendemos aspectos peculiares da modalidade escrita, como a estrutura sintática, o vocabulário, os elos coesivos. Entretanto, quando contamos com as nossas palavras e não as do autor, deixamos de conviver com a linguagem escrita, embora outras aprendizagens possam ser realizadas.

De acordo com Cosson (2010) o espaço da literatura em sala de aula pode ser visto como o lugar do texto, da leitura do texto literário. Um lugar de encontros com a obra estética, o outro e as infinitas possibilidades de ensino-aprendizagem. Quanto à literatura possuir espaço em sala de aula como texto, diz o autor:

demanda tanto o contato permanente com o texto literário quanto a mediação do professor na formação do leitor. Só assim o exercício do imaginário, que permite à criança viajar sem sair de casa em dia de chuva, terá a mesma base daquele que oferece ao jovem palavras e formas para manifestar seus sonhos e ao adulto a certeza de que todos os mundos são possíveis: o exercício da leitura literária. (COSSON, 2010, p. 61).

Cosson provoca-nos a refletir sobre dois aspectos fulcrais no processo de formação do leitor: o contato permanente com textos, livros e o professor como mediador desse movimento. Nesse sentido, a narrativa de uma professora da Rede Municipal de Educação de Niterói – RJ vai ao encontro da ideia presente acima. Narra a docente:

Entre 2008 e 2012, atuei como professora regente numa escola municipal de Niterói. Durante esse período, acompanhei uma turma do 1º ao 5º ano de escolaridade. Contribuir para a formação desses alunos como leitores e

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na construção dos seus conhecimentos foi uma experiência marcante. E para tal, a leitura literária fazia parte da rotina da sala de aula como atividade em si e de maneira permanente. Então, assim, a presença de textos literários e o desenvolvimento de atividades variadas para apreensão deles se davam para além do cumprimento de uma finalidade ou como pretexto para a realização de uma proposta. (J.M.).

Vemos que a leitura literária, como diria Lajolo, é uma ―modalidade de leitura‖ (LAJOLO, 1997, p. 105) e apossar-se desta alfabetizando-se nela, leva o cidadão ao exercício pleno da cidadania. (LAJOLO, 1997). Então, priorizar a leitura literária, bem como entendê-la como atividade em potencial, prenhe de significados pode oportunizar a reverberação da literatura e, principalmente, da literatura infantil no espaço da sala de aula.

A leitura literária pode ser associada à reflexão e à imaginação, quando estimula nossa percepção a romper com o automatismo da rotina cotidiana. A leitura de poemas, por exemplo, pode permitir brincar com a sonoridade e beleza das palavras, colocando o leitor em contato com mundos inéditos. Entendemos que o texto literário exerce sua função social quando incentiva o leitor a sair da zona de conforto e a buscar outras vivências e situações. Por isso, concordamos quando Lajolo destaca que:

A literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos. (LAJOLO, 1997, p.106).

Na perspectiva de Lajolo, a literatura contribui para a formação de um importante repertório pessoal de referências históricas, culturais e políticas o que propicia a constituição do ser humano como cidadão e o seu posicionamento frente às demandas do cotidiano. Lemos o tempo todo e de variadas formas, por isso a literatura bem como toda experiência de leitura, por mais informal que possa parecer, abre possibilidades outras de perceber-se no mundo e de perceber o mundo. O leitor, ao mergulhar na leitura, entra em outra esfera, mas não perde o sentido do real. Ele vivencia outra realidade, com suas emoções e perigos imaginários, contudo, é capaz de transpor do imaginário para o real e vive-versa possibilitando aprendizados. Promover situações em sala de aula em que o texto literário possa ser lido, ouvido, explorado, discutido torna-se de necessário. Aqui, apresentamos mais uma narrativa, em que a professora J.M. narra as atividades permanentes com leitura que desenvolvia com a turma.

As atividades permanentes que aconteciam em sala de aula eram compostas por leitura compartilhada, roda de leitura, roda de apreciação literária e troca-troca literário. Por serem ações interligadas e cotidianas, penso que provocavam o envolvimento, o prazer com e pela leitura. Além disso, colaboravam para a construção de outros saberes. Enquanto eu me inseria como mediador, buscava ver o aluno como interlocutor, um participante ativo daqueles processos de aprendizagem. (J.M., professora da Rede Municipal de Educação de Niterói – RJ).

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A docente diz que atuava como mediadora nas diversas atividades de leitura que propunha. Partindo dessa perspectiva, fazemos perguntas: Qual é o papel do mediador? De que maneira os professores podem contribuir, como mediadores, para a formação de leitores? As respostas podem ser muitas, concordantes e até antagônicas, todavia pensamos no professor mediador como aquele que colabora com os alunos na elaboração de objetivos e expectativas de leitura, na criação de hipóteses antes e durante o ato de ler e que correlaciona os conhecimentos prévios dos aprendizes com aqueles que se pode reconhecer no texto, sejam implícitos ou explícitos.

De acordo com Oliveira (2010), como mediador da leitura, o professor é o especialista. Aquele que precisa conhecer, selecionar e indicar livros para as crianças, porém é preciso que ele próprio sirva de exemplo, ou seja, aproprie-se da literatura de forma assídua. A esse respeito, Lajolo (1997) é enfática:

[...] os profissionais mais diretamente responsáveis pela iniciação na leitura devem ser bons leitores. Um professor precisa gostar de ler, precisa ler muito, precisa envolver-se com o que lê.‖ (LAJOLO, 1997, p. 108).

Como mediador, o professor exerce função ativa, diferenciada e num movimento de vaivém transpõe os limites do texto, promove linhas de fuga, podendo abrir um horizonte de possibilidades. (BAKHTIN, 2011).

O sujeito que envolve-se com a leitura, transparece essa paixão por meio do olhar, da conduta e da fala. Sente a necessidade de compartilhar o que leu, quer que o outro assim como ele seja, de certo modo, afetado, contagiado pela magia daquelas palavras. Além disso, o processo de leitura, ou seja, o ato de ler envolve o uso de estratégias que o leitor só adquire e automatiza com a experiência da leitura. Em outras palavras, só se aprende a ler, lendo, indo para além do texto. As diversas atividades de leitura podem promover essa compreensão e levar a entendimentos outros. Por isso, trazemos mais um relato da professora J.M. em que ela detalha as atividades citadas em sua narrativa anterior.

As rodas de leitura aconteciam semanalmente e era o momento em que os alunos liam para os colegas da classe ouvirem. Eles aproveitavam para fazer a leitura dos livros que tinham como empréstimo da sala de leitura ou da nossa caixa literária que fica em sala de aula. Alguns optavam por ler histórias trazidas de casa. Considero esses momentos muito significativos, pois os estudantes podem antecipar a leitura, formular hipóteses e criar expectativas. A leitura compartilhada acontecia diariamente antes de iniciarmos as atividades do dia. Eu lia para os alunos textos literário. Às vezes, aproveitava para explorar o texto fazendo indagações ou propondo reflexões, mas no geral, eu somente lia para deleite. Já no troca-troca literário, nós usávamos os acervos da caixa literária. Os alunos podiam semanalmente, à medida que desejassem, escolher um livro e levar para casa a fim de lê-lo. O que considero interesse é que lancei a proposta e eles começaram a fazer as escolhas e anotar no caderno de empréstimo o que estavam levando de forma autônoma e livre,

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sem que fosse necessário lembrá-los ou pedir que o fizessem. Também, tínhamos as rodas de apreciação literária em que frequentemente além de compartilhar as leituras que estavam fazendo, os alunos teciam comentários e análises sobre as obras, por exemplo: a estruturação, identificação de gênero textual, temática, intencionalidade do texto, exploração das ilustrações, do título e do suporte textual. Além das idas à sala de leitura e realização de atividades lúdicas de leitura, compreensão, interpretação e produção com textos. Logicamente com minha mediação e algumas provocações. (J.M., grifo nosso).

Ao compartilhar essas atividades, a professora J.M. nos dá pistas que com elas podemos não só promover acesso, como também a possibilidade da leitura ser vivida e entendida como aquilo que nos toca, nos acontece. (LARROSA, 2002), pois se transforma em experiência. Além disso, abre caminhos para que possamos desenvolver o pensamento crítico-social dos alunos, levando-os a entender a função social dos textos, proporcionando a apropriação cada vez maior e mais abrangente da linguagem que circulam socialmente. Também pensamos na oportunidade que essas propostas de viver a leitura trazem de aperfeiçoar a compreensão leitora e as possibilidades de estabelecimento de relações e construção de sentidos, bem como a fluência e a expressividade na leitura pelos alunos.

Reafirmamos, então, a necessidade de legitimarmos um trabalho contínuo com os gêneros textuais, orais e escritos, que circulam entre os diversos grupos sociais, no dia a dia, a fim de promover participação social efetiva. Destacamos ainda que, a leitura de textos verbais ou não verbais precisa ser incentivada na escola. Ler é um ato interativo, dialogal e estabelece relação histórica entre o leitor e o texto. Essa ação quando bem mediada pode promover estímulo à imaginação criadora, percepção e sensibilidade no olhar. Pela arte, assim como pela leitura e demais expressões estéticas, podemos provocar interlocuções de saberes e urdiduras (auto)formativas.

4. Considerações Finais

Neste texto, apresentamos reflexões e relatos de experiência com a leitura de textos literários em sala de aula. Buscamos compartilhar, como dito no início, diálogos com as palavras alheias (BAKHTIN, 2011) e com os nossos pares, professores, que encontram-se em busca de contribuir, por meio da leitura e da literatura, para o desenvolvimento de sujeitos-leitores críticos, reflexivos e conscientes.

Nesse sentido, os diálogos aqui tecidos não se findam nestas últimas linhas, mas estão potencialmente em aberto para que outras enunciações possam a eles se juntar. Deixamos, então, o convite.

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Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2014.

COSSON, R. O espaço da literatura na sala de aula. In: COSSON, R; PAIVA, A. MACIEL, F. (Coord.). Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010, p. 55-68. (coleção Explorando o Ensino; v.20).

FREIRE, P. A importância do ato de ler. In: FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2003. p. 11-24.

KRAMER, S.; JOBIM E SOUZA, S.(Org.). Histórias de professores: leitura, escrita e pesquisa em educação. São Paulo: Ática, 1996.

KRAMER, S. Formação inicial e continuada: do direito dos professores à escrita e à leitura literária. In: FONTOURA, H.; SILVA, M. (Org.). Formação de Professores, Culturas: desafios à Pós-Graduação em Educação em múltiplas dimensões. Rio de Janeiro: ANPED Nacional, 2011. p. 37-49.

LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1997.

LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. n. 19, p. 20-28, jan./fev./mar./abr. 2002.

OLIVEIRA, A. A. de. O professor como mediador das leituras literárias. In: COSSON, R; PAIVA, A.; MACIEL, F. (Coord.). Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. p. 41-54.

QUINTANA, M. A arte de ler. In: QUINTANA, M. Caderno H. São Paulo: Globo, 2003.

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PROJETO MALETA LITERÁRIA: INCENTIVOS À LEITURA E À PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA

Ludimila Corrêa Bastos Faculdade de Educação/FaE/UFMG

Doutoranda [email protected]

(31) 8803-8930

Eloisa Gonçalves Krull Marques Faculdade de Educação/FaE/UFMG

Graduanda em Pedagogi [email protected]

(31) 9157-7367

Luciana Lopes de Oliveira Prefeitura Municipal de Mário Campos

Professora [email protected]

(31) 9815-1868

Resumo

Esta pesquisa é fruto de uma experiência realizada em 2013, em uma escola do Município de Mário Campos, região metropolitana de Belo Horizonte. Acreditando que o processo de alfabetização e letramento requer, para um maior sucesso, uma parceria entre a escola e a família, foi desenvolvido o Projeto Maleta Literária que teve como objetivo trabalhar a oralidade dos alunos e o incentivo à leitura e trazer a família para dentro da escola, envolvendo-a no processo de alfabetização das crianças.

Palavras-chave: leitura; literatura; alfabetização.

Abstract

This research is the result of an experiment carried out in a school in the Mario Campos city, metropolitan region of Belo Horizonte. Believing that the process of literacy requires for greater success, a partnership between the school and the family, was developed Maleta Literary Project aimed to work the orality of the students and encourage reading and bring the family into school, involving it in the literacy process of children. Keywords: reading; literature; literacy.

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Introdução

Este relato é fruto de uma experiência realizada em uma escola do Município de Mário Campos, região metropolitana de Belo Horizonte, onde acredita-se que o processo de alfabetização, como afirmou Freire (1985), deve garantir o direito a cada educando de afirmar sua própria voz, pois, segundo o autor, a alfabetização não é um jogo de palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos. A alfabetização, portanto, é toda a pedagogia: aprender a ler é aprender a dizer a sua palavra.

Posto isso, Soares (2003), afirma que letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e deescrita. É o estado ou a condição que adquire um grupo social, ou um indivíduo, como consequência da apropriação da escrita e de suas práticas sociais. Pressupõe-se na instituição pesquisada que a participação da família na vida escolar é muito importante. Entretanto, muitos dos pais das crianças em fase de alfabetização, possuem a sua contribuição na vida escolar de seus filhos bem limitada. Nessa linha, Estevão (2008), afirma perceber que fatores socioeconômicos e familiares interferem no rendimento escolar, mas a relação de proximidade da família com os objetivos da escola pode diminuir esses efeitos fazendo com que a criança se torne mais participativa e assim melhorando seu rendimento escolar. Para a autora, é preciso trazer a família para dentro da escola e que ela possa colaborar de forma mais precisa com o processo de educar e compartilhar responsabilidades.

Estevão (2008) aponta que a família, em consonância com a escola, são peças fundamentais para o pleno desenvolvimento da criança e consequentemente são pilares imprescindíveis no desempenho escolar. Entretanto, para conhecer a família é necessário que a escola abra a suas portas e que garanta sua permanência.

Para Caiado (2012), a família e a escola formam uma equipe e é fundamental que ambas sigam os mesmos princípios e critérios, bem como a mesma direção em relação aos objetivos que desejam atingir. A autora ressalta que mesmo tendo objetivos em comum, cada uma deve fazer sua parte para que atinja o caminho do sucesso, que visa conduzir crianças e jovens a um futuro melhor.

O ideal é que família e escola tracem as mesmas metas de forma simultânea, propiciando ao aluno uma segurança na aprendizagem de forma que venha criar cidadãos críticos capazes de enfrentar a complexidade de situações que surgem na sociedade.

De acordo com as contribuições de Caiado (2012), existem diversas contribuições que tanto a família quanto a escola podem oferecer, propiciando o desenvolvimento pleno respectivamente dos seus filhos e dos seus alunos. Alguns critérios devem ser considerados como prioridade para ambas as partes. Por exemplo, a família, deve valorizar o contato com a escola, principalmente nas reuniões e entrega de resultados, podendo se informar das dificuldades apresentadas pelo seu filho, bem como seu desempenho. Por outro lado, a escola deve abrir as portas da escola para os pais, fazendo com

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que eles se sintam à vontade para participar de atividades culturais, esportivas, entre outras que a escola oferecer, aproximando o contato entre família-escola. Além disso, Caiado (2012) afirma que é de extrema importância que a escola mantenha professores e recursos atualizados, propiciando uma boa administração de forma que ofereça um ensino de qualidade para seus alunos.

Partindo-se dessas constatações e acreditando que o processo de alfabetização e letramento requer, para um maior sucesso, uma parceria entre a escola e a família, e buscando refletir sobre estratégias que podem ser criadas para aumentar a participação dos pais e da comunidade na escola, foi desenvolvido, no ano letivo de 2013, o Projeto Maleta Literária. Tal projeto teve como objetivos principais trabalhar a oralidade dos alunos e o incentivo à leitura, como veremos a seguir.

Referencial Teórico

Para desenvolvimento do Projeto Maleta Literária, foco desse artigo, realizou-se um levantamento bibliográfico buscando autores que tratassem da importância da leitura e da Literatura desde a Educação Infantil.

Nessa perspectiva, recorreu-se as contribuições de França, Silva e Silva (2015), que mostraram que através da Literatura Infantil, do contar e ler historias podemos despertar na criança o gosto pela leitura, instigando sua fantasia, imaginação, reflexão, posicionamento, que são pressupostos de suma importância para o desenvolvimento infantil.

Para tais autoras, a Literatura Infantil é um amplo campo de estudos que exige do professor bastante conhecimento para saber adequar os contos de fadas às crianças, gerando um momento propício de encanto e estimulação para a sua imaginação. Para as autoras, é na percepção das situações discursivas que o aluno poderá se constituir como cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua. Para elas, é importante ressaltar que, enquanto a criança não está familiarizada com os códigos da escrita, ela pode ser treinada a se tornar um leitor atuante. Desta forma, acreditam que a responsabilidade de incentivar a leitura desde a Educação Infantil é responsabilidade de todos, mas principalmente da instituição escolar. É preciso que todos os envolvidos no processo educativo repensem a prática pedagógica da formação do leitor na educação infantil. Para isso, as alternativas para motivação podem ser as mais variadas possíveis, desde que se desperte na criança a arte e o gosto pela leitura.

Em concordância com Barbosa (2015), acredita-se que a leitura é muito importante desde o início da Educação Infantil, para que a criança vá se familiarizando com ela. Sobre isso, Meireles (2012), afirma que como a maioria das crianças de creche e pré-escola não é alfabetizada, a leitura deve ser feita pelo professor. Mas é essencial deixar que todos manipulem os exemplares. Incentive-os a folhear as páginas, observar as imagens e os textos e levar as obras para casa.

Posto isso, voltando às contribuições de França, Silva e Silva (2015), ressalta-se que na Educação Infantil, o primeiro contato da criança com a leitura é através da leitura auditiva, os professores leem e despertam o interesse dos alunos pela leitura. Ouvir histórias é uma forma de ler. É possível

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trabalhar os tipos de leitura que alargarão a apreensão e despertarão o interesse e o envolvimento dos alunos de forma prazerosa, onde o aprender significará viver momentos e ter experiências agradáveis na construção desse saber, enriquecendo o espaço de sala de aula. Propiciar a interação e contato com diferentes materiais escritos nas diversas linguagens citadas acima são importantes para aprendizagem da leitura, são quesitos que podem levar a criança a se despertar pela leitura.

Nesta fase, para França, Silva e Silva (2015), as crianças embora ainda não saibam ler, é importante que elas tenham acesso aos livros, manipulem, vejam, ouçam e recontem histórias, que contribuirão para o despertar o gosto pelas novas aprendizagens, desenvolvendo a curiosidade pela leitura, favorecendo o acesso ao rico repertório que a Literatura Infantil oferece. Reforçamos que mesmo que a criança não tenha apreendido os sinais escritos, possui uma rica capacidade de fazer a leitura de tudo que a cerca. Ou seja, para as autoras, a criança é capaz de ler o mundo ao ouvir uma história, ela pode recontá-la fazendo sua leitura individual. A escola deve estar atenta para estas questões, para favorecer o desenvolvimento da criança desde muito cedo.

França, Silva e Silva (2015), mostra que a arte de ouvir e contar história, é uma atividade que dentre outras, deve estar presente no cotidiano escolar, considerando-se que pode desenvolver o emocional da criança, ajudá-la a se organizar e se socializar, além de auxiliá-la no processo de alfabetização.

Compreender a infância, de acordo com as autoras, é entender que cada criança é um ser único, e que possui suas limitações, diferentes dos adultos, mas também tem suas peculiaridades que se exploradas pelo adulto são desenvolvidas com muita facilidade. É o caso das histórias contadas pelo professor. Posto isso, as autoras afirmam que as crianças amam ouvir e contar histórias, pois elas viajam junto aos personagens como se incorporassem no tempo e no ambiente do enredo. Assim os momentos das histórias são considerados um instrumento pedagógico prazeroso e por isto auxiliam no processo de construção do ensino aprendizagem da criança.

Por fim, França, Silva e Silva (2015), apontam que é através da leitura que a criança adquire um caráter crítico reflexivo, extremamente relevante à sua formação cognitiva. Quando a criança ouve ou lê uma história e tendo ela a capacidade de comentar, indagar, duvidar ou discutir sobre ela, realiza-se então um intercâmbio verbal, que neste caso, vem de encontro às noções de linguagem, de confrontar as ideias e de pensamentos difíceis em relação aos textos.

Sendo assim, para as autoras em questão, a Literatura Infantil, para França, Silva e Silva (2015), deve estar inserida na realidade do ensino-aprendizagem, despertando na criança espírito do mundo mágico, criativo hábito de leitura. Além do ensino didático e a construção valores morais, a literatura infantil desperta prazer, sentimento e pensamento crítico. É por meio do convívio com o texto literário no processo de formação que o aluno passa a ter acesso ao conhecimento de si mesmo, do espaço que o circula e da vida sociocultural.

Para Basso (2015), ouvir e ler histórias é entrar em um mundo encantador, cheio ou não de mistérios e surpresas, mas sempre muito

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interessante, curioso, que diverte e ensina. É na relação lúdica e prazerosa da criança com a obra literária que temos uma das possibilidades de formarmos o leitor. É na exploração da fantasia e da imaginação que instiga-se a criatividade e se fortalece a interação entre texto e leitor. Assim, Basso (2015) questiona:

Quem de nós não lembra com saudades das histórias lidas e ouvidas quando crianças? Daquela historinha contada por nossos pais ao pé da cama antes de dormir? Ou daquela contada e interpretada pela professora nas primeiras séries do ensino fundamental?.

Na interação da criança com a obra literária está a riqueza dos aspectos formativos nela apresentados de maneira fantástica, lúdica e simbólica, segundo Basso (2015). A intensificação dessa interação, através de procedimentos pedagógicos adequados, leva a criança a uma maior compreensão do texto e a uma compreensão mais abrangente do contexto. Para a autora, uma obra literária é aquela que mostra a realidade de forma nova e criativa, deixando espaços para que o leitor descubra o que está nas entrelinhas do texto.

Portanto, desta forma, afirma-se, com base nas informações apresentadas por Basso (2015), que a Literatura Infantil, não pode ser utilizada apenas como um "pretexto" para o ensino da leitura e para o incentivo à formação do hábito de ler. Para que a obra literária seja utilizada como um objeto mediador de conhecimento, ela necessita estabelecer relações entre teoria e prática, possibilitando ao professor atingir determinadas finalidades educativas. Para tanto, uma metodologia baseada em um ensino por projetos é uma das possibilidades que tem evidenciado bons resultados no ensino de língua materna.

Com base na afirmação acima e nas contribuições apresentadas pelos diferentes autores citados, é que foi desenvolvido o Projeto Maleta Literária que será descrito a seguir.

O projeto Maleta Literária: objetivos, metodologia e desenvolvimento

O Projeto Maleta Literária teve como objetivo central proporcionar momentos de prazer através da leitura, contada como foi em casa no ambiente da sala de aula e ampliar a participação da família na vida escolar de suas crianças. Além disso, buscava-se, ao mesmo tempo, alfabetizar, letrar e desenvolver o gosto pela leitura.

Nasceu da crença de que a literatura abre as portas para o mundo da imaginação e de que é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas histórias, pois é através dos livros e contos infantis que a criança percebe a importância de ouvir, contar e recontar histórias.

Como docentes, acreditou-se que o ato de estimular leitores na infância tende a maior probabilidade de formar-se adultos apaixonados por livros. Tinha-se como ideia que o simples fato de ler para uma criança é trazer mais cedo a sua vida a prática da leitura e, junto com ela, um mundo novo, onde a ludicidade do faz de conta os levam a um mundo inimaginável de prazeres e não somente acúmulos de informações.

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Acredita-se que a participação da família na vida escolar dos alunos e de extrema importância para o seu desenvolvimento e foi buscando essa participação da família na vida escolar das crianças e sabendo o quanto o gosto pela leitura é importante na vida das crianças, desde a Educação Infantil, sentiu-se a necessidade de montar o projeto Maleta Literária.

Assim, objetivou-se também, levar a comunidade escolar (pais/familiares) para dentro da escola em uma atividade de conto e reconto, que antes era realizada apenas pelos alunos e professores, sem a participação da família.

Antes de iniciarmos o Projeto, a proposta foi analisada junto aos demais colegas de trabalho e a gestão da escola, a fim de receber sugestões e possíveis críticas para crescimento e melhoria da atividade. Logo após, foi realizada uma reunião de pais e foram apresentados os objetivos citados acima.

No início houve um pouco de resistência por parte dos pais, pois os mesmos não se viam dentro de uma sala de aula, conduzindo uma atividade para os colegas de seus filhos. Esse receio foi compreensível pois, para conduzir um momento de leitura para crianças de cinco anos de idade, onde as crianças se sintam envolvidas e motivadas, requer criatividade e dedicação. A situação complica-se quando trata-se de uma comunidade onde grande parte de sua população teve pouco ou nenhum acesso à educação escolar.

Porém, isto não se tornou empecilho, pois houve muito diálogo e parceria, onde foi esclarecido como a participação deles nessa atividade poderia fazer a diferença na vida escolar de seus filhos. A maioria dos pais não só concordou com a participação no Projeto, mas se mostraram especialistas em dedicação e criatividade.

No desenvolvimento do Projeto, uma criança era sorteada a cada semana para escolher e levar um livro para casa. Já em casa, com auxílio dos familiares, a história era contada para a criança.

Assim, a tão esperada maleta ia para a casa da criança, contendo não só um livro, mas também muita alegria pelo ambiente de cumplicidade criado entre ela e seus familiares.

Em seguida a esse processo, o aluno deveria realizar um reconto com a participação da família, que era livre para usar a criatividade em seu momento, desde que criança participasse de todo o processo.

Foi sugerido, para tornar o momento ainda mais marcante, que a família caso fosse possível, levasse, uma lembrancinha cara cada aluno para deixar registrado este momento. Por exemplo, cita-se uma família que após que recontar a história da Branca de Neve, entregou para cada criança uma ―Maçã do amor‖.

Sendo assim, cada família, dentro de suas possibilidades financeiras, utilizou a criatividade. Nos recontos, muitas famílias utilizaram teatros para encenar as histórias, ou simplesmente leram o livro para os colegas do filho. Mas sempre com envolvimento e boa vontade. Além disso, sempre é distribuída uma lembrança relacionada à história pela família da criança, para que os demais colegas levem para casa e seus pais tenham acesso.

O prazo de comparecimento dos familiares era de uma semana, e assim, as outras crianças aguardavam ansiosas o tão esperado dia. Aos

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poucos, foram sendo contadas várias histórias, com muita dedicação, enchendo as aulas de alegria, reproduzindo famosos contos de fadas em versões simples, em um linguajar que para aqueles pequenos era familiar.

Após as apresentações foi possível observar o quanto foi valiosa a participação e contribuição da família na vida escolar da criança, um tempo dedicado ao processo de desenvolvimento do aluno, o que construiu uma experiência muito positiva.

Percebeu-se em alguns momentos a visão critica de alguns alunos, posicionando-se e questionando fatos relacionados a historia do livro e a apresentação.

A adesão ao Projeto, por parte das famílias foi grande, porém houve aquelas que não se envolveram, deixando a criança somente com o auxílio da professora.

Percebeu-se, com esse Projeto, que vendo o envolvimento das demais famílias, os outros pais ou responsáveis pelas crianças se sentiam motivados a auxiliá-las e a se dedicarem a esta atividade. Com isso, conseguiu-se trazer a família para dentro da escola, envolvê-la no processo de alfabetização das crianças, além de trabalhar a leitura, a interpretação e a oralidade com os alunos do 1º ano.

Conclusões

Acredita-se que a responsabilidade de incentivar a leitura desde a Educação Infantil é responsabilidade de todos, o que torna fundamental a parceria entre a família e a escola. As alternativas para formar e motivar leitores pode variar de acordo com a faixa etária das crianças, a realidade social onde a escola está inserida, os recursos disponíveis, desde que busquem despertar na criança a arte e o gosto pela leitura.

Concluiu-se ao fim do primeiro ano do Projeto Maleta Literária, que a escola deve buscar, constantemente, estratégias novas para envolver as famílias dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem, como o Projeto Maleta Literária, desenvolvido pelas educadoras autoras deste artigo, com os objetivos de alfabetizar, letrar, desenvolver o gosto pela leitura e ainda aumentar a participação da família na escola.

Concluiu-se ainda que é muito importante desenvolver projetos que busquem despertar o gosto pela leitura literária e tornar as crianças, desde a Educação Infantil, bem familiarizadas com os livros de literatura, para que em todo o percurso escolar e depois, na vida adulta, a leitura faça parte de suas rotinas de forma prazerosa.

Referências

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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

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A LEITURA LITERÁRIA NO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA

Maria Marismene Gonzaga Universidade Estadual Paulista ―Júlio Mesquita Filho‖/UNESP-FCT

Mestranda em Educação [email protected]

(61) 9878-2092

Resumo

Este relato de experiência surgiu de uma oficina do VII Encontro de Educação e Cultura da AALC, objetivando ressaltar o trabalho com a obra literária na escola, em especial no Projeto Político-Pedagógico, por meio de uma intervenção. Os fundamentos teóricos foram sustentados por Soares (2004), Veiga (1995) e documentos do Ministério da Educação – PNBE (1999). Os resultados demonstraram a relevância da presença do livro na escola e no diálogo entre os participantes. Palavras-chave: Leitura literária; Projeto Político-Pedagógico; Escola.

Abstract

This experience report grew out of a workshop of the VII Meeting of Education and Culture of AALC, aiming to highlight the work with the literary work in school, particularly in the Political-Pedagogical Project, through an intervention. The theoretical foundations were supported by Soares (2004), Veiga (1995) and documents of the Ministry of Education - PNBE (1999). The results demonstrated the relevance of the book's presence at school and in the dialogue between the participants. Keywords: Literary reading; Political-Pedagogical Project; School.

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Introdução

Este relato de experiência se refere à oficina A leitura literária no Projeto Político-Pedagógico da escola uma das oficinas desenvolvidas no VII Encontro de Educação e Cultura da AALC1 – O Direito de Ler e de Brincar, em Martinho Campos/MG, em 2007. O evento teve como objetivos: promover a reflexão sobre a importância da leitura e do brincar na formação da criança, na construção do conhecimento e da cidadania; contribuir para o crescimento dos envolvidos. A finalidade da oficina foi despertar a atenção para a leitura literária, o trabalho com a literatura de ficção na escola, dando ênfase em atividades inseridas no Projeto Político-Pedagógico. Além disso, procurou auxiliar no sentido de buscar soluções para resolver a falta de interesse do aluno pela leitura – inquietação presente no discurso docente, sem haver uma discussão aprofundada sobre o assunto, bem como discutir sobre as ações do Ministério da Educação, no âmbito dos programas do livro – Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca Escolar (PNBE), especialmente, as relativas ao encaminhamento de obras de literatura às escolas públicas e o apoderamento desse material pelos professores.

O público-alvo do evento, bem como da oficina, foram professores da educação básica e alunos do curso de Pedagogia.

O trabalho foi desenvolvido com base em texto referente à leitura literária e Projeto Político Pedagógico e com livros de literatura infantil e juvenil e de teoria referentes ao Projeto Político-Pedagógico, leitura e literatura, disponibilizados para manuseio.

Além dos objetivos já citados, a oficina desenvolvida visou colaborar para o aperfeiçoamento pessoal e profissional dos participantes, visto à observação no cotidiano escolar (enquanto professora da educação básica da rede pública, no período de 1986 a 2004), relativa à preocupação dos educadores com a falta de interesse do aluno pela leitura – inquietação presente no discurso docente, sem haver uma discussão aprofundada sobre o assunto. Posteriormente (enquanto Técnica Pedagógica do Ministério da Educação (MEC) de 2004 a 2013), observando as ações desempenhadas pelo MEC, no âmbito dos programas do livro – Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca Escolar (PNBE).

Pela minha experiência, percebo2 que muitos professores não trabalham com o livro e a leitura em razão de suas histórias de vida e deficiências na formação, o que acaba por comprometer sobremaneira o interesse das crianças pela literatura.

Referencial Teórico

1 A Associação Amigos do Livro e da Criança (AALC) é uma organização não governamental,

fundada em maio de 1988, na cidade de Pompéu/MG, com a finalidade de incentivar e democratizar a leitura. 2 Às vezes, utilizarei em alguns parágrafos a primeira pessoa do singular pela dificuldade em

expressar uma experiência pessoal vivida individualmente de modo coletivo. Outras vezes, utilizarei a primeira pessoa do plural, pois acredito que esses registros permitirão inserir o leitor, os participantes e os colaboradores desta oficina.

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O Projeto Político-Pedagógico apresenta-se como um elemento essencial do planejamento da escola, visto que é um documento em que se estrutura a reflexão no sentido de identificar e sistematizar ―os princípios analisados e ao aprofundamento dos estudos sobre a organização do trabalho pedagógico‖ (VEIGA, 1995, p. 12), organizando a sua compreensão sobre os limites e as possibilidades dessa escola de acordo com os interesses da comunidade que está inserida.

A reflexão definida no Projeto Político-Pedagógico, referente à orientação e à implementação do currículo, garante, não só a intencionalidade da escola, como também discute e estabelecem as prioridades de proposições, as formas de sua consecução e os aspectos necessários para atingir os objetivos propostos.

O Projeto Político-Pedagógico é um documento que não se reduz à dimensão pedagógica, nem muito menos a um conjunto de projetos e planos isolados de cada professor em sua sala de aula. O projeto pedagógico é, portanto, um produto específico que reflete a realidade da escola situada em um contexto mais amplo que a influência e pode ser por ela influenciado (VEIGA; RESENDE, 1998, p. 11).

Garante-se, assim, que as propostas de gestão da escola e do sistema de ensino e, consequentemente, de sua proposta educativa, não resultem do voluntarismo e do personalismo, mas que estabeleçam a definição de objetivos, orientem para a determinação e aprofundamento de uma proposição, advindos da discussão sobre a escola, seu percurso histórico, sua intenção, suas potencialidades e limitações.

Dessa forma, destaca-se que a leitura é uma das atividades educativas a ser desenvolvidas com o apoio da biblioteca escolar. Para tanto, é necessário que ela seja considerada relevante ao elaborar o projeto pedagógico da escola.

A importância da leitura no projeto político-pedagógico da escola traduz-se na previsão de atividades com os acervos que estão na escola, na biblioteca escolar. Professores, bibliotecários, coordenadores e todos os profissionais do ensino precisam trabalhar em conjunto.

Atividades voltadas para auxiliar o ensino e aprendizagem que complementam o conteúdo trabalhado em sala de aula preveem recursos que podem ser oferecidos pela biblioteca. Assim, a equipe pedagógica da escola, sobretudo o professor, precisa trabalhar em conjunto com os profissionais da biblioteca, pois este espaço deve ser entendido e utilizado com um espaço cultural e de formação.

A participação ativa e constante do professor fomenta a dinamização da biblioteca escolar, pois são os professores os responsáveis pelo planejamento do ensino. Se o planejamento pedagógico prevê atividades que, tanto vão enriquecer o conteúdo curricular e promover a leitura, o bibliotecário necessariamente deve fazer parte desse planejamento para organizar os acervos e atividades culturais (BRASIL, 2001, p. 21).

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Nesse sentido, o planejamento conjunto de professores e bibliotecários e a frequência contínua dos alunos na biblioteca escolar, mediada pelos profissionais da biblioteca, contribuirão para aquisição do conhecimento e, consequentemente, da prática social.

Leitura/leituras, história/histórias, histórias de leitura/histórias da leitura. Como história individual, algumas das histórias de leitura começaram nas ruas, outras na escola, outras em casa. Flávia, por exemplo, começou a interessar-se por palavras escritas no terminal de ônibus, quando ia com a mãe, que era faxineira, para o outro lado da cidade. Os ônibus rolavam o nome de seu ponto final e aquelas letrinhas brancas que ficavam escorrendo na tabuleta escura pareciam uma brincadeira. Quando estava de bom humor, para distrair sua filha, Filó ia lendo nomes como Vila Esperança, Jardim Sagarana, Ponte Terceira. Com Paulo foi diferente. Ele só se ligou em livros e leituras na escola: dona Rosa, sua professora, levava livros para a aula e lia histórias para os alunos. Já a história de Francisca tem outro recorte: ela nunca se esqueceu do pai que enxugava suas lágrimas da filha caçula em quem os irmãos mais velhos queriam mandar, com a promessa: ―Não chora, Chica, não chora que eu te leio uma história‖. Francisca, Paulo e Flávia hoje são professores. Entre as paredes das classes onde eles dão aula, entre os livros e os alunos, eles sabem que são figuras fundamentais na história de cada um de seus alunos (BRASIL, 2001, p.15).

O texto citado é um exemplo de vivência diversificada dos usos e práticas da língua escrita. A interação com materiais reais de leitura e escrita, de diferentes gêneros em diferentes suportes, textos para ler e não textos elaborados para aprender a ler, configuram como uma prática efetiva de leitura. Segundo Soares (2004, p. 26), a leitura é uma das condições para a plena democracia cultural, sendo esta entendida como distribuição equitativa de bens simbólicos e é, também, instrumento de democratização do ser humano.

A obra literária é um bem cultural. O acesso a esse bem leva à democratização do humano, pois mostra a complexidade e a diversidade da sociedade e dos indivíduos. Por meio da literatura, trabalha-se a pluralidade cultural e linguística; dialoga-se com o diferente, com o excluído; desperta o senso de igualdade e de justiça social, condição essencial para a democracia; eliminam-se barreiras de tempo e espaço, permitindo conhecer outras culturas, outros povos.

Visto que a leitura, e, particularmente a leitura literária, além de ser democratizada, é também democratizante, necessário se faz que a escola, por meio de seus educadores, comprometidos com a formação da leitura, assuma a formação e o desenvolvimento de habilidades leitoras e atitudes positivas em relação à leitura, sobretudo, como possibilidade de democratização do ser humano (SOARES, 2004).

Programas e ações governamentais, a exemplo do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Ministério da Educação, são valiosas no sentido de proporcionar o acesso à obra de literatura. Além do acesso ao livro, se faz necessário que o professor seja um mediador da leitura.

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Objetivos e Metodologia

A oficina A leitura literária no Projeto Político-Pedagógico da escola foi uma das sete oficinas desenvolvidas no VII Encontro de Educação e Cultura da AALC – O Direito de Ler e de Brincar, realizado na cidade de Martinho Campos/MG que tinha como objetivos: promover a reflexão sobre a importância da leitura e do brincar na formação da criança, na construção do conhecimento e da cidadania; contribuir para o crescimento dos envolvidos.

A oficina teve como finalidade despertar a atenção para a leitura literária, o trabalho com a obra de ficção na escola, em especial, enfatizar ações a serem inseridas no Projeto Político-Pedagógico da escola. O público-alvo da oficina foram professores da educação básica e alunos do curso de Pedagogia, totalizando aproximadamente 60 integrantes em dois momentos de aproximadamente três horas com cada grupo.

Além dos objetivos já citados, a oficina desenvolvida visou colaborar para o aperfeiçoamento pessoal e profissional dos participantes, somado à observação no cotidiano escolar, à preocupação dos educadores com a falta de interesse do aluno pela leitura – inquietação presente no discurso docente, sem haver uma discussão aprofundada sobre o assunto – e, posteriormente, às atividades desempenhadas no Ministério da Educação, no âmbito dos programas do livro – Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca Escolar (PNBE).

Destaco que, entre os participantes havia professores e estudantes de diversas faixas etárias, inclusive profissionais com os quais já havia trabalhado, e outros que foram meus alunos nos anos finais do ensino fundamental e, agora, já professores ou estudantes da graduação.

Para a realização da oficina, além de texto referente ao tema: leitura literária e projeto Político-Pedagógico, havia 50 obras disponíveis para manuseio – obras literárias e teórico-metodológicas referentes aos conceitos trabalhados. A sala foi organizada com assentos em círculo, com uma mesa onde se encontravam os livros.

As falas citadas no relato são fruto das discussões realizadas, resultando em relatos e (ou) pontos de vistas dos participantes, que não foram identificados de modo a evitar posteriores julgamentos e gravadas em áudio. Posteriormente, as gravações foram transcritas e analisadas, sendo que para os objetivos estabelecidos nesse trabalho, não vamos utilizar as estratégias expressivas empregadas nas falas sendo-nos suficiente a reprodução do conteúdo.

A avaliação da oficina e auto-avaliação final por parte dos participantes foi feita oralmente, também registrada em áudio, da forma já disposta.

Nesse sentido, optamos por uma pesquisa de cunho qualitativo, considerando ser um meio de produção de conhecimento que não busca mensurar, medir, mas sim, compreender e buscar explicações a valores e significados num meio social. A preocupação, neste tipo de pesquisa, centra-se em levantar todos os elementos que possam contribuir para a compreensão e explicação do que se está investigando e, neste processo, ―as subjetividades do pesquisador e daqueles que estão sendo estudados são parte do processo de pesquisa‖ Flick (2004, apud GABRE, 2012).

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Dessa forma, a pesquisa-intervenção foi a escolhida para dialogar e suscitar, nos participantes, conhecimento e reflexão de experiências vivenciadas sobre a leitura literária e o livro nas suas histórias de vida e no exercício profissional, na escola de educação básica pública, que viessem a contribuir com a proposição de inclusão da leitura literária no Projeto Político-Pedagógico de forma a tornarem ações coletivas num planejamento discutido e efetivado por todos.

Moreira (2008, apud GABRE, 2012) destaca dois princípios que norteiam a pesquisa intervenção: a) A consideração das realidades sociais e cotidianas; b) O compromisso ético e político da produção de práticas inovadoras. Eis os motivos que justificaram a escolha pela pesquisa de intervenção na oficina.

O trabalho se desenvolveu em três etapas, as quais descrevemos a seguir.

Discussões e Resultados

Na primeira etapa da oficina, o trabalho foi desenvolvido a partir de uma conversa sobre Projeto Político-Pedagógico, leitura, alfabetização, letramento, literatura e distribuição de bens culturais e democratrização da leitura literária e modo como trabalhar esses conceitos no âmbito do Projeto Político-Pedagógico da escola. Nesse sentido, foi apresentada uma bibliografia de base para tal discussão – relação das obras, bem como alguns exemplares.

Na segunda etapa, os participantes tiveram acesso às obras e puderam manuseá-las. O acervo disponibilizado era composto por livros de literatura infantil e juvenil diversificados – alguns títulos pertencentes aos acervos do PNBE –, obras teóricas referentes ao Projeto Político-Pedagógico, à literatura, letramento, alfabetização, o guia do usuário do PNBE/1999 – Histórias e Histórias. Foi sugerido que eles olhassem os livros, folheassem, lessem alguns paratextos e escolhessem uma obra para, posteriormente, ler um trecho para os colegas e (ou) fazer um comentário (o porquê da escolha, as impressões sobre o livro etc.). A cada leitura, quem quisesse fazia comentários sobre o livro do colega. Entre os vários comentários, destaco um, a título de exemplo, sobre a obra O gato malhado e a andorinha Sinhá de Jorge Amado: depois da leitura de um pequeno trecho por uma professora, um colega disse ter gostado muito da história, atribuindo parte desse encantamento fruto da entonação dada à leitura.

Até então, nunca, as obras de Jorge Amado haviam me despertado, mas depois dessa leitura... sua voz me chamou a atenção e gostei bastante do trecho... quero ler, não só esse livro, mas outras obras do autor (Fala de um participante).

Na terceira etapa, houve relatos de histórias de leitura feitos pelos participantes. Cada um contou sua história de leitura. Transcrevo abaixo alguns relatos:

Na minha infância não havia livros... os únicos eram os de religião e, depois que entrávamos para a escola, o livro didático. Meus pais eram muito pobres e não tinham condições para comprar livros.

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Morávamos em carvoeira. Aprendi a ler no rótulo das latas de banha que vinham pra nós. Ganhava dos patrões do meu pai livros quando vinham nos visitar.

Meu tio lia muitas histórias para mim e ganhava livros. Quando fui para a escola, sempre pegava livros emprestados na biblioteca. A professora também levava livros pra sala de aula, nos levava para a biblioteca e nos incentivava a ir à biblioteca pública.

Quando criança, morávamos na fazenda e não tínhamos livros, mas reuníamos no terreiro da fazenda ao entardecer e meu e os trabalhadores contavam histórias, cantavam e faziam brincadeiras.

Um dia aproximou de mim um aluno que estava com muita dificuldade na alfabetização. Já estava relacionado entre os que necessitariam de intervenção e iria para outra classe – o Estado, à época, tinha uma política de ‗reforço‘ para os que não tivessem conseguindo avançar –, e disse: ―Professora, eu já sei ler‖. O aluno leu trechos de um livro de literatura e disse que vinha lendo esses livros sozinho. Eu até chorei de emoção e ao mesmo tempo me senti culpada. Hoje, aqui nessa oficina, vejo que o trabalho com a literatura pode ajudar na alfabetização.

Na minha escola, há um momento de leitura realizado por todos. É determinado o horário de leitura e todos – alunos, professores, servidores, coordenadores – leem um material escolhido.

Finalizamos as atividades com uma avaliação e auto-avaliação oral, quando os participantes destacaram a relevância do trabalho para sua formação pessoal e profissional, apresentando valores e conhecimentos agregados proporcionados pelas atividades e as histórias de leitura vivenciadas.

Portanto, houve momentos de relato de histórias de leitura, contato com as obras, leitura de trechos escolhidos, relato de experiências de trabalho com a leitura e o livro na escola. Aconteceu uma boa interação entre os participantes, provocada pelo contato com as obras, pelas leituras de trechos das obras literárias, e o relato de histórias e experiências. O assunto trabalhado na oficina atingiu sua finalidade. Os participantes envolveram-se nas atividades propostas. O diálogo e a interação entre eles foram além das expectativas. O encantamento com os textos foi perceptível ao fazerem a leitura e (ou) comentários para o grupo.

Houve interesse também pelas obras teóricas, discussão sobre leitura, literatura, alfabetização, letramento, biblioteca e o trabalho com a literatura na escola.

Foi possível observar o resultado positivo da oficina, por meio das histórias de leitura contadas, das leituras de trechos das obras escolhidas, das experiências de trabalho com a leitura, literatura e o livro na escola, na interação e diálogo entre os participantes, e com a avaliação feita pelos participantes.

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As histórias de leitura da maioria, sobretudo de uma determinada faixa etária, são de ausência do livro, de leitura, de literatura. O que alguns tinham eram as histórias contadas pelos pais, ou a música nas tardes da fazenda. Para uma boa parte, o único livro era a bíblia e os livros de orações. Os mais novos já tinham mais contato com os livros de literatura, principalmente na escola.

Conclusão

A oficina cumpriu sua finalidade, pois levou os professores e estudantes, a partir de cada etapa trabalhada, a discutir, tirar dúvidas e trocar ideias referentes ao Projeto Político-Pedagógico, à importância da leitura literária planejada e discutida na escola, de forma coletiva e presente no planejamento diário e no decorrer do ano letivo, no sentido de colaborar com a construção do conhecimento e com a distribuição de bens culturais, contribuindo para o aperfeiçoamento pessoal e profissional dos participantes e de seus educandos.

A experiência vivenciada com a obra literária, escolhendo, lendo e dialogando sobre o texto, suas histórias de leitura, relatos de experiências, somados à avaliação e à auto-avaliação realizada após a finalização da oficina, demonstrou que muitos dos profissionais que atuam nas escolas não tiveram experiências com o livro, com a leitura literária, tampouco na formação acadêmica, por isso, muitas das vezes o fato de as obras estarem na escola não é suficiente para que os professores desenvolvam atividades significativas com tais acervos enviados às escolas.

A discussão suscita por meio da atividade levou à reflexão de que a leitura literária é tema a ser inserido no Projeto Político- Pedagógico das escolas, de modo a ser planejado, discutido e executado, bem como nos Projetos Político-Pedagógicos dos cursos de formação docente.

Aliás, devem ser direcionados esforços para que a leitura literária seja envolvida no planejamento da instituição educacional, devendo, portanto, estar presente no Projeto Político-Pedagógico da escola, de forma que sejam desenvolvidas atividades de apoio ao professor.

É preciso que haja uma articulação permanente da comunidade escolar no sentido de dinamizar o Projeto Político-Pedagógico das instituições para garantir a aproximação e apropriação das concepções relativas à leitura.

Referências

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PRÁTICAS DE LEITURA NO BERÇÁRIO DA CRECHE: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO LEITORA

Maria Rosana do Rêgo e Silva EMEI Helena de Almeida Fernandes

Pedagoga [email protected]

(32) 9102-8204

Ana Rosa Costa Picanço Moreira Universidade Federal de Juiz de Fora /UFJF

Doutora em Educação [email protected]

(32) 3233-3021

Resumo

O artigo apresenta duas experiências de leitura para/com bebês, ocorridas em creches públicas de Juiz de Fora/MG. A discussão se baseia na perspectiva histórico-cultural para a qual a linguagem é a ferramenta que permite ao homem tornar-se humano. A primeira experiência fez parte de um projeto de contação de histórias envolvendo familiares e comunidade, e a segunda aconteceu dentro de um conjunto de ações para ampliar as vivências de leitura dos bebês. Palavras chave: Experiências de leitura; Bebês; Creche.

Abstract

This article presents two reading experiences for/with babies in public day care centers at Juiz de Fora/MG. The argument is based on the historial-cultural perspective to which language is the tool allows man to become human. The first experience was part of a storytelling project stories involving family and community, and the second took place within a set of actions to expand the babies reading experiences.

Keywords: Reading experiences; Babies; Day care center.

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Introdução

No Brasil, o debate sobre leitura para e com bebês1 na creche tem se mostrado quase ausente tanto no meio acadêmico como profissional (GUIMARÃES, 2011). Apesar de as pesquisas sobre a utilização do livro infantil na creche terem iniciado na década de 1970, na Itália, pouco ainda se discute e se propõe acerca de leitura para bebês. Essa lacuna pode ser explicada, em parte, com base na crença de que bebês não são capazes de produzir significações e estabelecer relações ao ouvirem histórias ou manipularem livros junto com adultos ou outras crianças. Assim, raramente, são oportunizadas experiências de contação de histórias a bebês, tendo como suporte material o livro ou não. Também, a crença de que os bebês manipulam aleatoriamente esses objetos e os destroem faz com que os adultos lhes ofereçam limitadas oportunidades de contato com esse objeto, privilegiando os livros de pano ou plástico, sem fins pedagógicos, isto é, como simples entretenimento.

O presente texto discute duas experiências de leitura para/com bebês no contexto de creche procurando contribuir para a discussão sobre a importância de os educadores lerem histórias e disponibilizarem livros de histórias para os bebês com intencionalidade pedagógica. Tais experiências buscaram garantir o direito de acesso e a participação desses sujeitos à cultura letrada antes mesmo de eles serem capazes de decifrar os códigos da língua escrita.

Referencial teórico

Partimos da perspectiva histórico-cultural de Lev Vigotski que compreende a linguagem – expressa oralmente ou de forma escrita - como ferramenta que permite ao homem imergir no universo cultural e tornar-se humano (Vigotski, 1988). Nesse sentido, a leitura, entendida como prática cultural, se constitui num meio de humanização na medida em que propicia ao homem o acesso ao legado cultural da humanidade, construído ao longo do tempo. A leitura é fonte da vida humana, pois, ao significar os sentidos e significados da vida real, o homem está produzindo cultura e, portanto, se humanizando (RIBEIRO et al., 2013).

De acordo com Parra (2013), os bebês têm sensibilidade demasiada à voz humana desde muito cedo, o que lhes permite construir significados sobre suas experiências no e com o mundo. O autor defende a ideia de que os adultos devem possibilitar aos bebês vivências com textos poéticos e literários apostando na sua capacidade de leitores. O modo como os adultos contam histórias (entonação, olhar, gestos) orientam os bebês a construírem significados sobre o que estão escutando. Diz ele: ―Eles se colocam em posição de escuta e podem construir significados à sua maneira: observam o rosto do leitor e a direção do olhar dele e vão aprendendo o que é um livro‖ (PARRA, 2013, p.31). É assim que eles começam a entender a função dos livros e da leitura no mundo.

1 Considera-se bebês as pessoas de zero a dezoito meses de idade, e crianças pequenas, as

pessoas de dezenove a três anos e onze meses de idade, conforme o documento ―Práticas cotidianas na Educação Infantil – bases para a reflexão sobre as orientações curriculares‖ (BRASIL, 2009).

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Por possuírem um pequeno vocabulário empregado no dia a dia, os bebês conseguem identificar palavras familiares nas histórias contadas e produzirem sentidos naquilo que escutam. Estudos realizados nas últimas décadas (GUIMARÃES, 2011; MARTINS FILHO, 2006; MUSATTI, 1998; RICHTER; BARBOSA, 2010; TEBET, 2013; TRISTÃO, 2004) têm demonstrado a potência das ações e interações de bebês com pessoas e objetos, destacando as competências sociais para interagir com o ambiente e produzir significações.

Reyes (2010, p. 22-23) explica que o conceito de leitura, na atualidade, refere-se a:

[...] um ―processo permanente de diálogo e negociação de sentidos, no qual intervêm um autor, um texto – verbal ou não verbal – e um leitor com toda uma bagagem de experiências prévias, de motivações, de atitudes, de perguntas e de vozes de outros, num contexto social e cultural de mudança.

Isso significa dizer que o sujeito, e no caso, o bebê, é protagonista na construção de significados acerca dos textos que ―lê‖. Barbosa (2014, p. VIII) adverte que experiências de bebês e crianças pequenas com a leitura não devem ser vistas com fins para a alfabetização precoce e garantia de sucesso escolar, mas, sobretudo como ―a inserção em uma prática sociocultural constituidora das subjetividades contemporâneas letradas e como possibilidades criativa de vida.‖ Assim, a escuta de textos literários de boa qualidade enriquece as experiências estéticas dos bebês ofertando repertórios para suas vivências e processos de criação.

A autora acrescenta que os contextos de encontro dos bebês com a leitura devem contemplar o acesso a livros de diferentes formas e gêneros, e não apenas aqueles considerados pelos sistemas de classificação apropriados para essa idade. Essa ideia é compartilhada por Guimarães (2011), Parra (2013) e Yazbek (2014), os quais percebem que os livros para bebês geralmente não trazem um contexto narrativo, limitando-se a frases curtas e sem sentido, pouco contribuindo para despertar o interesse e a motivação para a representação simbólica.

Mantovani (2014) destaca a importância de os bebês e crianças pequenas terem experiências sistemáticas com a contação de histórias a partir de livros com ilustrações para a criação do hábito e o interesse pela leitura: ―A leitura do livro para a criança e seu envolvimento nisso é, portanto, um instrumento útil, potente e ‗econômico‘ para motivá-la [a criança] positivamente e ensinar-lhe o sentido da leitura nos primeiros anos‖ (MANTOVANI, 2014, p. 80).

Experiências de leitura na creche

As experiências aqui relatadas ocorreram em berçários de duas creches públicas do município de Juiz de Fora, Minas Gerais. Ambas as instituições atendiam a bebês/ crianças entre 3 meses e 3 anos e 11 meses de idade, oriundas, em sua maioria, de famílias de baixa renda e residentes nos bairros em que as instituições estavam localizadas ou em bairros vizinhos.

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Primeira experiência

A primeira experiência, ocorrida em 2012, fez parte de um projeto de contação de histórias para os bebês dos berçários I e II, com idades entre 6 meses e 1 ano e 5 meses, o qual envolveu familiares e comunidade.

Esse projeto emergiu a partir de observações realizadas pela primeira autora, durante o estágio obrigatório em educação infantil, do curso de Pedagogia que cursava, as quais lhes revelaram que a contação de histórias para os bebês era uma atividade bastante incomum na rotina do berçário. Sabendo que existe um consenso entre os especialistas de diferentes áreas sobre a importância das experiências na primeira infância, período em que geralmente se encontra as maiores possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento, buscou-se proporcionar aos bebês o contato com os livros desde cedo, por meio do projeto Contando Histórias.

No ano seguinte, a primeira autora, tendo a oportunidade de trabalhar no berçário da referida instituição, colocou o projeto em prática. A ideia foi bem acolhida pelas educadoras do berçário I que contribuíram muito para o seu desenvolvimento.

Apostando que esse projeto poderia despertar nos bebês o interesse por histórias, procuramos oferecer-lhes um contexto educativo no qual eles pudessem compartilhar momentos de prazer e afeto oportunizados pela contação de histórias. Trocamos ideias com as outras educadoras sobre livros, histórias e confeccionamos em conjunto alguns suportes que proporcionaram momentos de encantamento aos pequenos.

A primeira ação do projeto foi escolher um local agradável e confortável onde iriam acontecer as rodas de histórias. Sobre o planejamento e a organização dos espaços para ler, Fonseca (2012, p. 99) comenta que ―A forma como são organizados os espaços pode oferecer muitas pistas de como a atividade acontecerá, como a criança deve se comportar e qual será a sua participação.‖

Também resolvemos que essa atividade deveria ocorrer em um horário mais ou menos fixo. Essa decisão foi baseada na compreensão de que os bebês precisam de rotina de recorrência de atividades para se sentirem mais seguras. Um instrumento sonoro para marcar o momento da contação de histórias foi introduzido após alguns dias do início do projeto (no início dois tocos, depois um sininho). Quando os bebês ouviam o sinal logo se dirigiam para se sentarem no tatame (local escolhido para as rodas de história). Em pouco tempo eles já conseguiam antecipar o momento da roda. Antes de o sino tocar eles se sentavam para aguardar a história do dia.

Ao longo do primeiro semestre de 2012, os bebês tiveram a oportunidade de ouvir várias histórias. Algumas foram contadas tanto com o livro como com outros recursos como suporte. As mesmas histórias foram contadas repetidas vezes. Observamos que, de modo geral, os bebês não tinham acesso a livros em suas casas, e que seus familiares também não cultivavam o hábito de contar histórias para eles. Por essas razões, construímos a maleta viajante na qual, a cada final de semana, um bebê levava um livro para casa e os familiares eram convidados a lerem para eles. Além de inserirmos livros nas salas de bebês, outros suportes de leitura foram

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produzidos pelas educadoras, tais como: flanelógrafo, luvas de histórias, cineminha, avental, varal, cartões desenhados e almofada de história.

Quando as histórias eram contadas com o auxílio do livro, ele ficava virado para os pequenos de modo que eles pudessem observar as ilustrações da história que estava sendo narrada. Para tanto, as narrativas eram memorizadas para que não fosse necessário virar o livro para se fazer a leitura. As ilustrações eram usadas como estratégia de sedução, assim como a voz, o olhar, a postura corporal. Percebemos que esse modo de contar histórias despertava mais interesse e atenção dos bebês. O mesmo acontecia com os outros recursos utilizados; eles se mostravam tão atraentes que contribuíram para o envolvimento dos nas leituras.

Ao final da contação de histórias, os bebês disputavam o livro, pois todos queriam apreciá-lo ao mesmo tempo. Era necessário intervir e organizar o grupo para que todos tivessem a oportunidade de manuseá-lo. Os bebês ficavam muito ansiosos para ter o livro em suas mãos, então, passamos a introduzir outros livros para que essaa espera não fosse tão sofrida. Nessa época, ainda tínhamos o receio de deixar livros disponíveis para os bebês o tempo todo. Então, o cantinho da leitura só era ofertado nos momentos em que as educadoras podiam acompanhar de perto a interação dos bebês com os livros.

Os livros usados para contar histórias para eles não ficavam na caixa que compunha esse cantinho, mas permaneciam guardados em uma estante que ficava em outro espaço do berçário. O interesse dos bebês por esses livros era muito maior do que pelos livros disponibilizados no cantinho de leitura. Quando descobriam onde os livros ficavam guardados, eles os pegavam para exploração.

Um episódio interessante, que ilustra a capacidade de escolha dos bebês, foi um menino do berçário que pegou um livro na estante e o mostrou a uma educadora, que o incentivou a contar a história aos colegas. Ele se sentou, e alguns bebês se aproximaram dele. Ele começou a apontar para as imagens e balbuciar algumas palavras para os colegas, ensaiando uma narrativa. De acordo com Goulemot (1996), leitura é produção de sentidos, e não a reconstrução de um sentido. Naquele momento, o bebê estava produzindo significações sobre a história que tinha em suas mãos, a partir de suas experiências anteriores com a história em relação com outras, com afetos, desejos, expectativas, etc.

A segunda ação do projeto foi a confecção da maleta viajante para que os bebês pudessem levar livros para compartilhar com os familiares. Para orientar as famílias sobre a proposta, foi marcada uma reunião com o objetivo de explicar o trabalho que estávamos desenvolvendo no berçário, sobre a importância de contar histórias para os filhos e informar que nos dias consecutivos os bebês começariam a levar para casa uma maleta com um livro para que elas [as famílias] pudessem compartilhar momentos de leitura com os filhos. Além disso, as famílias foram informadas que a creche iria disponibilizar seu acervo para empréstimos com o intuito de ampliar ainda mais a experiência de leitura dos bebês.

Para reforçar o que foi dito na reunião, colocamos na maleta um texto que tratava da importância de contar histórias para as crianças e um caderno

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no qual as famílias poderiam relatar, caso desejassem, a experiência de contar histórias para os filhos.

Embora nem todos os familiares tenham feito o registro da experiência no caderno, o retorno foi bastante satisfatório. Os pais perceberam o encantamento dos filhos pelo livro e a satisfação que eles demonstravam quando levavam a maleta para casa. Isso refletiu no fluxo de livros tomados emprestados pelos pais dos bebês, pois quase todos levavam livros semanalmente para casa.

A ação seguinte foi convidar os pais para contar histórias no berçário. Como esperado, nem todos aceitaram o desafio, mas aqueles que acolheram o convite se empenharam para preparar a história, e demonstraram alegria em poder participar de uma atividade na creche. Um dos pais usou como recurso uma almofada, pintada pela esposa, para contar a história ―A arca de Noé‖. A sugestão da história partiu na própria esposa, que era evangélica. Como ela não se sentia muito segura para contar a história, pediu ao marido que o fizesse. A filha adolescente desse casal tinha ido ao berçário para tocar flauta para as crianças, e nos surpreendeu dizendo que gostaria de contar uma história para os pequenos. Ela e a colega já haviam passado pela estante de livros que ficava próxima à portaria, e escolheram o livro ―Na Fazenda Tem‖ para ler para os bebês. Duas mães utilizaram luvas de histórias para contar ―O Patinho Feio‖. Os pequenos ficaram bastante atentos, e depois quiseram usar as luvas.

As crianças acolheram muito bem os familiares que foram até a creche para contar histórias. Eles interagiram com um pai, que sugeria alguns movimentos ao longo da contação, mas se dispersaram um pouco porque ele se alongou muito na contação. Em todas as situações os filhos ficaram tranquilamente próximos aos pais, demonstrando alegria, satisfação em vê-los contando histórias para o grupo.

Também convidamos educadoras de outros agrupamentos de crianças para contar histórias aos bebês. Uma delas utilizou um varal feito com EVA (recurso confeccionado por toda a equipe da instituição) para contar a história ―Gabriel e a Fraldinha‖ - adaptada para este recurso pelas educadoras do outro berçário da creche. Os bebês acompanharam a narrativa com bastante atenção e depois tiveram a oportunidade de manusear o material, percebendo a textura e o contorno dos personagens. Outra educadora utilizou cartões desenhados para contar história. As crianças também ficaram bastante impactadas com a narrativa, depois elas puderam apreciar de perto o recurso utilizado.

Segunda experiência

A segunda experiência aconteceu dentro de um conjunto de ações planejadas para ampliar as vivências dos bebês do berçário I (idades entre 7 meses e 1ano e 2 meses), durante o segundo semestre de 2014, que foi a contação diária de histórias.

Entendíamos que as histórias, o contato com os livros e a ampliação do repertório literário eram de suma importância na infância. Como ação

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educativa, era preciso que houvesse regularidade da atividade de contação de histórias na creche.

Para potencializar a participação dos pequenos, fizemos uma tenda com filó colorido, e colocamos no seu interior tapetes coloridos emborrachados, almofadas e disponibilizamos para os bebês um cesto com livros de plástico, tecido e de papel com gramatura alta, pontas arredondadas e capa dura. Esse espaço passou a ser o preferido pela maioria dos bebês, uma vez que se constituiu em uma zona circunscrita

2 (LEGENDRE, 1987) que apresentava objetos

atrativos para a exploração. Eles apreciavam os livros, brincavam e cochilavam nesse cantinho. Além do elevado grau de estruturação espacial da tenda, a transparência do filó ofereceu segurança aos bebês na medida em que eles poderiam nos ver e requerer ajuda caso precisassem. Tal configuração espacial também nos permitiu observar os bebês a certa distância e ver como eles interagiam com os livros e com seus pares.

Alguns livros ficaram ―danificados‖ (leia-se desgastados) devido ao uso contínuo pelos bebês, que os agarravam, colocavam-nos na boca, arrastavam-nos contra o chão, enfim, exploravam-nos por meio dos diversos sentidos e movimentos. Isso exigiu que fizéssemos alguns reparos para que esses objetos pudessem continuar sendo manipulados pelos bebês. Entendemos que o desgaste dos livros faz parte do processo de apropriação dos objetos pelos bebês, que usam o corpo para construírem significados sobre o mundo.

Um aspecto importante a ser destacado sobre a importância do planejamento do espaço para a leitura é que poucas vezes os bebês deslocavam os livros dessa área para outros cantos da sala. Em outras experiências realizadas em cantinhos de leitura abertos, com crianças de 2 e 3 anos de idade, os livros e revistas ficavam espalhados pela sala e o interesse das crianças pelos livros que estavam nos cantinhos era bem menor.

Vale dizer que nem todos os livros disponibilizados nesse cantinho eram livros de literatura infantil, boa parte deles eram livros com figuras e informações. Contudo, o modo como os bebês interagiam com esses livros - folheando, mordendo, apontando para as figuras e balbuciando algo inteligível - é possível dizer que esses materiais podem contribuir significativamente para a inserção dos pequenos no mundo da cultura. É claro que as experiências literárias dos bebês não podem se restringir a esse tipo de literatura, os bebês podem e devem ouvir boas histórias e apreciar os livros literários com a mediação dos adultos.

Assim, em meio aos livros literários e não literários, as crianças vivenciaram momentos de encantamento propiciado pela contação de histórias, pelas cantigas, pelos acalantos. Essas atividades ocorriam quase sempre no cantinho de leitura, mas outros espaços do berçário também foram utilizados e, em algumas ocasiões, os fantoches e o violão tocado por outra educadora contribuiram para enriquecer ainda mais esses momentos. Os bebês ficavam com os olhos vidrados nos livros, encantados com as ilustrações, os fantoches

2 São áreas com alto grau de definição espacial, localizadas geralmente em um canto do

ambiente, ou contra uma parede, claramente delimitada por, pelo menos, em três lados por barreiras formadas por elementos do mobiliário, parede, desnível do solo etc. Sua característica principal é o fechamento.

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e a entonação da voz. Às vezes, respondiam com balbucios, risos e gritinhos, e em outras se dispersavam procurando outra coisa para fazer.

Nessa experiência, os livros mais usados para a contação de histórias foram os livros brinquedos do tipo pop-up com enredo envolvendo animais. De acordo com Parreiras (2015), na primeira infância esses livros ―podem aproximar a criança dos livros e da leitura de um modo lúdico e descontraído‖. As crianças gostavam tanto dessas histórias que bastava eu pegar o livro e convidá-las para ouvir história que elas me acompanhavam e se sentavam próximas a mim. Após a contação, era organizado um momento para que elas pudessem manusear o livro utilizado para contar a história. Algumas vezes, elas também interagiam com os livros ao longo da contação. É importante dizer que os bebês não eram obrigados a permanecerem nas rodas de histórias. Nós os convidávamos, e a princípio todos iam, até com a nossa ajuda, mas a decisão de continuar na roda era sempre deles. Também, algumas vezes, contávamos histórias em outros momentos, por exemplo, quando alguma criança nos mostrava um livro, aproveitávamos para lê-lo para ela.

Considerações finais

Este trabalho discutiu duas experiências de leitura para/com crianças pequenas e bebês no contexto de creche procurando contribuir para a discussão sobre a importância de os educadores lerem histórias e disponibilizarem livros de histórias para os bebês com intencionalidade pedagógica.

Nas duas experiências, foi perceptível o protagonismo das crianças e dos bebês, que se mostraram atentos e entusiasmados, sugerindo que os adultos podem e devem oferecer, desde a mais tenra idade, experiências com a leitura, contribuindo com a inserção desses sujeitos no universo cultural.

Esperamos que as experiências que ora relatamos contribuam para ampliar as reflexões sobre a educação de bebês e crianças pequenas em creches que valorizem o contato com livros e leitores. Igualmente, apontamos para a emergência de políticas de formação de leitores que contemple bebês e crianças pequenas não só no contexto da creche, mas em outros ambientes, como as bibliotecas públicas.

Referências

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GOULEMOT, J. M. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, R. Práticas da leitura. São Paulo: Estação da Liberdade, 1996.

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GUIMARÃES, R. Encontros, cantigas, brincadeiras e leituras: um estudo acerca das interações de bebês, das crianças bem pequenas com o objeto livro em uma sala de berçário. Porto Alegre, 2011. 226 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul. 2011.

LEGENDRE, A. Transformation de l‘espace d‘activités et échanges sociaux de jeunes et enfants em creche. Psychologie Française, n. 32, p 31-43, 1987.

MANTOVANI, S. Encorajar a ler na creche. In: FARIA, A. L. G.; VITA, A. de. Ler com bebês: contribuições das pesquisas de Susanna Mantovani. Campinas, SP: Autores Associados, 2014.

MARTINS FILHO, A. J. Crianças e adultos: marcas de uma relação. In: MARTINS FILHO, A. J. (Org.). Infância Plural: crianças do nosso tempo. Porto Alegre: Mediação, 2006.

MUSATTI, T. Modalidades e Problemas do Processo de Socialização entre Crianças na Creche. In: BONDIOLI, A.; MANTOVANI, S. Manual de Educação Infantil: de 0 a 3 anos – uma abordagem reflexiva. 9. ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

PARRA, E. C. Os bons livros para bebês são aqueles que falam com eles, e não sobre eles. Nova Escola. São Paulo p. 30-32. Jan./fev. 2013. Entrevista concedida a Elisa Meirelles.

PARREIRAS, N. Leitura: 5 perguntas sobre livro-brinquedos. Educar para Crescer. [06 de junho, 2015]. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/5-perguntas-livro-brinquedos-733074.shtml>. Acesso em: 10 set. 2015. Entrevista concedida a Bruna Nicolielo.

REYES, Y. A casa imaginária: leitura e literatura na primeira infância. São Paulo: Global, 2010.

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A LEITURA EM PROJETOS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Marisa Dionísia do Carmo Chapinotti Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF

Graduanda em Pedagogia [email protected]

(32) 9127-4315

Wanda Fidelis de Souza Neta Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF

Graduanda em Pedagogia [email protected]

(32) 9150-6938

Resumo

No ano de 2014, o grupo LINFE da Faculdade de Educação da UFJF, iniciou uma pesquisa denominada ―A leitura em projetos da rede pública municipal de Juiz de Fora‖, com o intuito de compreender como a leitura é contemplada nos projetos de escolas municipais de Juiz de Fora. Entendemos que os projetos realizados nas escolas evidenciam as concepções de leitura e de leitor que fundamentam o trabalho nas escolas. Palavras-chave: leitura; pesquisa documental; laboratório de aprendizagem.

Abstract

In 2014, the LINFE group of the College of UFJF Education, started a research called " The reading in projects of municipal public network of Juiz de Fora", in order to understand how reading is contemplated in projects of Juiz de Fora municipal schools. We understand that the projects carried out in schools shows the conceptions of reading and reader that support the work in schools. Keywords: reading; documental research; learning laboratory.

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Introdução

O presente artigo tem por objetivo compreender como a leitura é contemplada nos Laboratórios de Aprendizagem da rede municipal de Juiz de Fora- MG, por meio da análise dos portfólios enviados à Secretaria de Educação do município pelos professores atuantes do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental. Tais portfólios correspondem ao trabalho desenvolvido no ano de 2014 pelos referidos professores.

O material aqui analisado compõe parte dos dados da pesquisa denominada ―A leitura em projetos da rede pública municipal de Juiz de Fora‖ financiada pela PROPESQ/UFJF e desenvolvida no âmbito do grupo de pesquisa Linguagem, Infâncias e Educação – LINFE, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A princípio, apresentamos um panorama da educação no município através de dados que ilustram tal realidade.

Em seguida, apresentaremos o desenvolvimento da pesquisa e a metodologia utilizada, a análise documental, realizando ainda uma análise de conteúdo dos portfólios.

Por fim, relatamos nossas experiências, enquanto estudantes de Licenciatura em Pedagogia, que nos permitiram uma familiarização com a atividade de pesquisa e, ao mesmo tempo, uma maior aproximação à realidade das escolas públicas.

A educação no Município de Juiz de Fora-MG

A rede municipal de Juiz de Fora conta com 16.474 estudantes regularmente matriculados no primeiro segmento do Ensino Fundamental, num conjunto de 127 escolas.

Trazemos alguns resultados da prova Brasil 2013, referente ao primeiro segmento do Ensino Fundamental, com o objetivo de apresentar um panorama geral da educação do município de Juiz de Fora. Tais resultados apontam a proporção de alunos com aprendizado adequado à sua etapa escolar. A proporção foi de 39% dos estudantes do 5º do ensino fundamental que aprenderam o adequado para sua etapa de escolarização na competência de leitura e interpretação, que representa 1.433 alunos dos 3.607 alunos que realizaram a prova.

No quadro geral das escolas municipais do Estado de Minas Gerais, em média 53% estudantes do 5º ano do ensino fundamental aprenderam o esperado para sua etapa de escolarização. Em Juiz de Fora, este percentual, como já dito, é de apenas 39%, o que indica que o município tem 14 pontos percentuais a menos do que a média dos municípios do estado. Entretanto, em relação à média dos municípios brasileiros, que é de 38% de estudantes que ao final do 5º ano do ensino fundamental aprenderam o esperado em leitura, Juiz de Fora apresenta 1 ponto percentual a mais.

Em suma, a média nacional é baixa e a do município de Juiz de Fora também, especialmente se comparada às outras escolas municipais do Estado. Este fato mostra porque os laboratórios de Aprendizagem são uma política para a rede, pois têm como objetivo superar esses dados e possibilitar o

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aprendizado efetivo dos estudantes encaminhados ao projeto, a fim de sanar as demandas apresentadas.

Na rede municipal de Juiz de Fora os professores têm uma carga horária semanal de 13h e 20min de trabalho. Os projetos são atividades propostas pelas escolas à Secretaria de Educação para complementar a carga horária de 20 horas semanais dos alunos nas escolas. Os professores responsáveis por esses projetos em diversas turmas complementam a carga horária do professor regente. Em todas as aulas relacionadas aos projetos, observamos em pesquisas realizadas anteriormente pelo grupo LINFE, a realização de algum tipo de atividade de leitura (em algumas pudemos observar atividades de leitura em todas as aulas) e se pode constatar a pouca articulação entre elas e entre elas e aquelas realizadas pelos professores regentes de turma. Assim muitas vezes a leitura não se caracterizava como uma experiência de cultura, entendendo-se a cultura como ―conjunto das produções humanas, as quais, por definição, são portadoras de significação, ou seja, daquilo que o homem sabe e pode dizer a respeito delas [...]‖ (PINO, 2005, p. 59) por serem muitas e variadas as atividades, nem sempre as crianças conseguem atribuir a elas uma significação, limitando-se a realizá-las de forma mecânica ou a manifestar sua incompreensão diante delas. Assim percebemos a necessidade de melhor compreender como a leitura é contemplada nos projetos encaminhados pelas escolas da rede pública de Juiz de Fora à Secretaria de Educação. Entendemos que esses projetos evidenciam as concepções de leitura e de leitor que têm fundamentado o trabalho com a leitura nas escolas e analisá-los pode ajudar a compreender tais concepções com vistas a um melhor direcionamento das ações de formação.

O que são os Laboratórios de Aprendizagem?

No município de Juiz de Fora não havia, até o ano 2000, na Secretaria de Educação, de acordo com Santiago (2011), uma proposta voltada para o Laboratório de Aprendizagem, e sim projetos com caráter de reforço escolar, por meio do NEACE - Núcleo Especializado de Atendimento à Criança Escolar. Para tanto, a SE/JF apontou que as dificuldades apresentadas pelos alunos encaminhados ao NEACE poderiam ser trabalhadas pela própria escola. Então, por parte da SE/JF, iniciam-se discussões entre o núcleo e os professores envolvidos com o trabalho de reforço escolar.

Decorrente dessas discussões surge um novo olhar ao conceber o trabalho de reforço escolar. A SE/JF adota o termo ―Laboratório de Aprendizagem‖, o mesmo utilizado pela Escola Cidadã de Porto Alegre, para as iniciativas que tinham como objetivo sanar as dificuldades de aprendizagem dos alunos .

Ainda de acordo com Santiago (idem) em 2009, a Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora compreendia um universo de 100 escolas com cerca de 2700 professores e 50.359 estudantes. Existiam 85 Laboratórios de Aprendizagem em 56 escolas da rede (algumas escolas possuíam dois LAs). Em 2010 o número de LAs foi ampliado para 124, distribuídos em 67 escolas com a participação de 5.208 alunos. Esses números indicam, de acordo com Santiago (idem), que no mínimo dez por cento dos estudantes matriculados na

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rede municipal de ensino, participavam dos LAs. Sendo assim, ―dez por cento dos estudantes matriculados nas escolas municipais de Juiz de Fora enfrentam barreiras à aprendizagem e à escolarização, o que justifica a necessidade da Secretaria de Educação oferecer suporte e apoio aos estudantes‖ (SANTIAGO, 2011, p. 45). As conclusões de Santiago são apoiadas pelos dados acerca do aprendizado em leitura dos estudantes da rede apresentados na introdução deste trabalho.

De acordo com a definição da Secretaria de Educação de Juiz de Fora (2006), o Laboratório de Aprendizagem:

É um espaço pedagógico da escola que investiga e contribui no processo de superação de obstáculos à aprendizagem pelos/as alunos/as, na sua interação com os conhecimentos escolares, com os outros (adultos ou não) e com instrumentos culturais de mediação, já existentes ou novos, no desenvolvimento do pensamento, do conhecimento, da socialização e dos processos comunicativos construídos historicamente (JUIZ DE FORA, 2006).

Desse modo, os LAs foram criados com a finalidade de oferecer oportunidade de aprendizagem para todos os estudantes com evidências de enfrentamento de barreiras para aprendizagem. Para Dornelas (2004):

É um espaço de trocas significativas entre sujeitos que têm diferentes ritmos de aprendizagem e contam com a chance de aprender de forma distinta daquela da sala de aula. É um espaço para reconstruir conceitos e significados que não foram construídos em anos anteriores, ou que foram ―esquecidos‖; é um espaço de exposição de dificuldades, de dúvidas, de receios, de certezas que não podem ser expressos em sala de aula. [...] São espaços que privilegiam o ritmo de cada aluno e mobilizam os melhores recursos para aprender. (p. 209)

Segundo Oliveira, no início do ano letivo de 2013, o número de escolas que possuíam Laboratório de Aprendizagem era 68, com atendimento no contra turno de 5.802 alunos. Os números confirmam o crescimento dos LAs, bem como o crescimento do número de alunos atendidos na rede municipal de ensino e atestam as colocações anteriores de Santiago (idem) ao citar a necessidade da SE/JF oferecer suporte e apoio aos estudantes devido ao número considerável de alunos com barreiras à aprendizagem e à escolarização.

Pelo fato de o atendimento acontecer no contra turno, a infrequência dos alunos é um grande desafio a ser superado. Geralmente as crianças moram em bairros distantes das escolas onde estudam e suas famílias não possuem condições financeiras para arcarem com as passagens de ônibus.

Muitas são as questões que fundamentam o projeto e também que dificultam o seu pleno funcionamento. Vimos que o que se espera desse atendimento no projeto vai muito além de uma melhora no aprendizado dos conteúdos escolares, mas sim um desenvolvimento dos estudantes enquanto seres humanos, valorizados pelo que são, com suas individualidades entendidas com potencialidades para seu aprendizado e superação de seus desafios pessoais.

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Metodologia de Análise

A pesquisa foi desenvolvida por meio de análise documental dos portfólios dos Laboratórios de Aprendizagem, produzidos pelos professores que atuam nos LA‘s da Rede Municipal de Juiz de Fora. Estes são encaminhados à Secretaria Municipal de Educação, onde a pesquisa foi desenvolvida, com objetivo de compreender como a leitura é contemplada nos laboratórios de aprendizagem nas turmas das crianças de primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental.

A análise documental busca identificar informações a partir de questões, hipóteses e interesses do pesquisador e tem por objetivo dar outro tratamento às informações contidas nos documentos, apresentando-as de outro modo, por intermédio de procedimentos de transformação dessas informações em conhecimentos. ―Esses documentos são utilizados como fontes de informações, indicações e esclarecimentos que trazem seu conteúdo para elucidar determinadas questões e servir de prova para outras, de acordo com o interesse do pesquisador‖ (SÁ-SILVA; ALMEIDA; QUINTANI, 2009, p. 5 apud FIGUEIREDO, 2007).

Analisamos um total de 38 portfólios, referentes a 25 escolas da rede municipal de ensino. Os documentos analisados são um recorte do material explorado, ou seja, dentre os 38 portfólios analisados, utilizamos 25 por se referirem ao trabalho com os alunos que frequentavam o primeiro segmento do ensino fundamental.

O critério de escolha dos documentos analisados se deu pelos materiais que se encontravam digitalizados e tal medida foi assumida pelo curto prazo que dispúnhamos para a realização da pesquisa. Sendo assim, após a autorização da Secretaria de Educação para termos acesso aos portfólios enviados ao setor, realizamos uma pré-análise desses documentos, não apenas visando uma aproximação com seu conteúdo, como também uma ação de busca, escolhas e expectativas.

Após a pré-análise foi construído um protocolo para coleta de informações dos portfólios. Tal protocolo foi elaborado com o intuito de absorver as informações apresentadas nos documentos, já que esses não foram construídos de forma padronizada. Esse roteiro continha os seguintes itens: a) objetivos do trabalho no L.A.; b) referencial teórico que fundamenta as ações do L.A.; c) diagnóstico das dificuldades percebidas entre os alunos que frequentam o L.A.; d) comentários sobre o trabalho com a literatura; e) referência às obras literárias trabalhadas com os alunos; f) avaliação dos resultados alcançados com os alunos a partir do trabalho com o texto literário; g) avaliação dos resultados alcançados com as turmas do L.A.

Para melhor explicitar como se deu nosso processo de análise vamos aqui discorrer a respeito do caminho percorrido durante a coleta de dados. Nossa ida à Secretaria de Educação se dava em dois dias da semana, onde passávamos quatro horas para analisar os portfólios. Esses dias eram alternados entre nós devido à falta de recursos por parte da secretaria para receber duas pessoas no mesmo horário não pertencente ao seu quadro de funcionários. A nós foi disponibilizado um computador para o processo de coleta de dados que em sua maioria, era cedido cordialmente por um dos

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funcionários do setor, por não haver nenhum outro disponível. O processo teve duração de aproximadamente quatro meses, em função dos imprevistos encontrados, como por exemplo, problemas nos computadores e na rede.

A análise do material coletado na Secretaria estará fundamentada na análise de conteúdo de Bardin, tal como orientada por Franco (2003). O pressuposto que se encontra na origem das análises de conteúdo é o de que as mensagens sejam elas verbais, escritas, gestuais, expressam significados e sentidos. A análise de conteúdo e seus procedimentos permitem ao pesquisador fazer inferências sobre esses sentidos e significados. Assim, em consonância com o proposto por Franco (idem), procederemos à definição das unidades de análise (unidades de registro e unidades de contexto) que nos levarão às categorias de análise. Seguindo para a análise documental, a partir das proposições estabelecidas a respeito dessa metodologia de pesquisa, classificamos e agrupamos nossas categorias de análises em quatro grupos, apresentando-os a seguir.

Vale ressaltar que nas tabelas apresentadas abaixo, a frequência a partir do total de motivos explicitados nas respostas das professoras, quanto à frequência de sua aparição. A etapa da análise de documentos é desenvolvida através da discussão que os temas e os dados suscitam, dialogando com os objetivos e o referencial teórico utilizados na pesquisa. Propõe-se a produzir, reelaborar e socializar os conhecimentos, criando novas formas de compreender os discursos postos em análise.

As categorias estabelecidas para a melhor compreensão do discurso dos professores foram assumidas a partir dos dados do portfólio, que são: 1) objetivos do LA; 2) diagnóstico dos alunos; 3) o trabalho com a literatura no âmbito dos LAs; 4) referências a obras literárias trabalhadas com os estudantes nos LAs.

Agora que as categorias já foram apresentadas, partiremos para a análise dos quadros, dispostos em tópicos.

1. Objetivos do LA

Tabela 1: Distribuição dos objetivos explicitados pelos professores para o projeto de Laboratório de Aprendizagem desenvolvido nas escolas.

CATEGORIA FREQUÊNCIA

Sanar dificuldades apresentadas na apropriação dos conteúdos escolares;

10

Contribuir para uma relação mais positiva do aluno consigo mesmo (autoestima), com o grupo e com a aprendizagem;

6

Permitir a apropriação do código ou a alfabetização: ler e escrever

5

Objetivos relacionados à apropriação da estrutura e função de diferentes gêneros textuais;

2

Concepção de leitura que enfatiza a apropriação do código, a compreensão das estruturas do texto.

3

Não consta nenhum objetivo. 6

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Dividimos essa categoria em quatro sessões, a fim de melhor compreender os dados apresentados nos objetivos do projeto. São elas: sanar dificuldades apresentadas na apropriação dos conteúdos escolares; contribuir para uma relação mais positiva do aluno consigo mesmo (autoestima), com o grupo e com a aprendizagem; permitir a apropriação do código ou a alfabetização: ler e escrever; objetivos relacionados à apropriação da estrutura e função de diferentes gêneros textuais; concepção de leitura que enfatiza a apropriação do código, a compreensão das estruturas do texto.

Dentre as subcategorias definidas, a mais frequente foi ‗sanar as dificuldades apresentadas na apropriação dos conteúdos escolares‘, presente em dez portfólios. Abaixo dessa, encontra-se ‗contribuir para uma relação mais positiva do aluno consigo mesmo (autoestima), com o grupo e com a aprendizagem‘ e ‗não consta nenhum objetivo‘, com frequência seis. Seis escolas não apresentaram os objetivos de seus trabalhos é algo que sinaliza e nos possibilita pensar a respeito da falta de especificidade na formulação desses projetos e tudo o que isso representa.

De acordo com o que pode ser observado na tabela acima, os objetivos explicitados pelas professoras para a realização do projeto de L.A não se referem à formação do leitor, mas do sujeito alfabetizado. A falta de definição dos objetivos específicos, com seis ocorrências, sinaliza um fator de grande relevância, pois como é desenvolver um trabalho eficaz sem estabelecer aquilo se almeja alcançar?

2. Diagnóstico dos Alunos

Tabela 2: Diagnóstico das dificuldades percebidas entre os alunos que frequentam o LA.

Para esta categoria foram identificadas, nos registros das professoras

dos LAs, 6 subcategorias, sendo elas: dificuldade para frequentar o LA, e não a dificuldade que apresentam em relação à aprendizagem 1; falta de motivação, entusiasmo, auto estima; não sabe ler e escrever, dificuldades na alfabetização; dificuldades com a matemática; inespecífico e não consta nenhuma descrição.

O que muito chama atenção ao analisar o quadro acima é a quantidade de vezes em que as dificuldades dos alunos não foram registradas, o que, como pode ser observado no referido quadro, aconteceu 14 vezes. Tal número corresponde a mais de 50% dos portfólios analisados para o presente trabalho

CATEGORIA FREQUÊNCIA

Dificuldade para frequentar o LA, e não a dificuldade que apresentam em relação à aprendizagem.

1

Falta de motivação, entusiasmo, autoestima. 2

Não sabe ler e escrever, dificuldades na alfabetização.

2

Dificuldades com a matemática. 1

Inespecífico. 4

Não consta. 14

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e esse fato muito se relaciona ao quadro 1, em decorrência dos objetivos não serem definidos com frequência, como fora observado anteriormente.

Tais indícios sinalizam uma importante questão, já que estamos tratando de um projeto cujos objetivos são sanar as dificuldades apresentadas pelos estudantes, Observa-se que as referidas dificuldades não vêm sendo registradas, o que indica que talvez as ações dos LAs não estejam contemplando satisfatoriamente essas dificuldades.

3. Trabalho com a Literatura no âmbito dos LAs.

Tabela 3: O trabalho com a Literatura

A partir da leitura da tabela 3, é possível chegar a algumas conclusões

sobre a concepção de leitura presente nos Laboratórios de Aprendizagem analisados. Nota-se que o trabalho com a literatura não é desenvolvido senão para a complementação de atividades de escrita, no que se refere à apropriação do sistemas de escrita, porém, não atentando necessariamente para a formação do leitor de forma mais abrangente. Outro fator que comprova tal impressão é um total de 17 professores não fazerem menção ao trabalho com a literatura e apenas em um portfólio constar o uso da literatura com o intuito de despertar no estudante o gosto pela leitura. Segundo Jean Foucambert, ―A escola precisa de uma reflexão muito mais fundamental, precisa entender o que é a leitura; só então será fácil e frutífero escolher‖(FOUCAMBERT, 1994, p. 5). Ao refletir sobre as relações entre escola e leitura, afirma que esta instituição precisa ir além do debate acerca de qual o melhor método para ensinar a ler.

4. Referências às obras literárias trabalhadas com os estudantes no LA.

CATEGORIA FREQUÊNCIA

Literatura associada à ludicidade 1

Literatura associada a outras linguagens 2

Referência ao gosto pela leitura 1

Leitura associada a atividades de escrita 5

Trabalho com gêneros textuais 1

Não consta. 17

CATEGORIA FREQUÊNCIA

Fábulas 1

Caixa do PACTO, sem citar título ou autor, construindo uma sinopse do texto.

1

Referência ao título da obra, contos modernos. 2

Textos relacionados a datas comemorativas (folclore).

1

Livros de literatura para ensinar a ler. 3

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Para complementar as análises realizadas anteriormente e também a

concepção de leitor presente nos projetos, definimos nesta categoria seis subcategorias que nos permitiram compreender como o uso da leitura literária acontece, partindo das referências a obras literárias utilizadas pelos professores dos LAs.

A definição de tais categorias nos permitiu um debruçar maior sobre suas produções, compreendendo para além dos objetivos definidos anteriormente, nos levando a uma interação maior de como é o acesso à literatura, quanto à finalidade de seu uso e o valor atribuído a esse trabalho.

Fica evidente que o trabalho com a literatura, como já dito anteriormente, não se refere à formação do leitor, mas do sujeito alfabetizado.

É, portanto, a prática de leitura a porta de entrada dos sujeitos a um conjunto de significados historicamente construídos, que perpassam as diferentes áreas do conhecimento. Ensinar a ler constitui-se em tarefa central da escola, para a qual os esforços de seus diferentes atores deveriam convergir. Entretanto esta tarefa não parece ser compreendida em diálogo com a formação de um leitor capaz de apreciar o texto literário.

Vivências e aprendizados

Nesse longo caminho percorrido, desde o processo seletivo para as vagas de bolsistas para o projeto ‗A leitura em projetos da rede pública municipal de Juiz de Fora‘, inúmeras coisas nos tocaram e contribuíram de forma singular em nossa formação enquanto alunas do curso de Licenciatura em Pedagogia e também como pessoas.

Desde a primeira ida até à SME e todo o período de nossa permanência lá, nos foi permitido desbravar um novo caminho em nossa formação acadêmica e assim fizemos. Foi o primeiro contato com uma pesquisa, e de perto pudemos acompanhar e contribuir ativamente em todas as etapas da extração dos dados que atendiam aos interesses estabelecidos pelo projeto. Sempre estivemos surpresas com todas as novidades que nos eram apresentadas, mas, certamente, não imaginávamos o que nos esperava.

O processo de coleta de dados foi árduo, e a cada documento analisado recebíamos uma nova fonte de aprendizado. O encontro entre a prática relatada pelos professores da rede e as teorias que aprendemos durante toda a extensão de nossa graduação nos trouxe válidas reflexões, principalmente no que se refere ao olhar para nossos alunos além de sua condição de alunos, mas como seres humanos, capazes de perceber quando há a necessidade de nossa intervenção.

O trabalho no LA, especificamente, consiste no olhar aguçado do professor e de sua sensibilidade para poder ajudar seu aluno da melhor forma possível e essa concepção só foi possível depois de nosso mergulho na referida pesquisa.

Juntamente com a pesquisa na SME, vieram as ricas contribuições do grupo LINFE – Linguagens, Infância e Educação, da Faculdade de Educação

Não consta. 17

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na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde muito frutos vimos colhendo desde nossa entrada. Esse trabalho é certamente um deles.

Os aprendizados teóricos a respeito de como realizar uma pesquisa exploratória, como o uso dos instrumentos adequados e também da sensibilidade na extração dos dados de interesse na coleta, por exemplo, são vivências de muita importância em nossa formação.

Referências

CELLARD, A. A análise documental. In: SÁ-SILVA, J.R; ALEMIDA, C.D; GUINDANI, J.F. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História e Ciências Sociais. Ano I, n. I, jul. 2009.

FRANCO, M.L.P.B. Análise de Conteúdo. Brasília: Liber Livro, 2007. (Série Pesquisa; v. 6).

JUIZ DE FORA. Secretaria de Educação. Departamento de Ações Pedagógicas. Extrapolando a sala de aula: outros lugares para mediação da aprendizagem. Juiz de Fora: Secretaria de Educação de Juiz de Fora, Departamento de Ações Pedagógicas, 2006 (mimeo).

OLIVEIRA. L.C de. Avaliação do projeto de Laboratório de aprendizagem da Escola Municipal Antônio Carlos Fagundes. Juiz de Fora: UFJF, 2013.

SÁ-SILVA, J.R; ALEMIDA, C.D; GUINDANI, J.F. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História e Ciências Sociais. Ano I, n. I, jul. 2009.

SANTIAGO, M.C. Laboratório de Aprendizagem: das políticas às práticas de inclusão e exclusão em educação. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.

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DESCONSTRUINDO O RACISMO POR MEIO DA LITERATURA: UMA EXPERIÊNCIA DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS ATRAVÉS DO LIVRO: O

MUNDO NO BLACK POWER DE TAYÓ

Melina Sousa da Rocha Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG

Graduanda em Letras/FALE/UFMG Bolsista Pesquisadora do Programa ―Ensinar qual língua, ler qual literatura?‖

Relações Raciais e Interculturalidade em países de língua portuguesa Integrante do Núcleo de Estudos em Relações Raciais e Ações Afirmativas (NERA) e

Programa Ações Afirmativas na UFMG

Resumo

Este trabalho apresenta um relato de experiência sobre uma oficina realizada no centro pedagógico da UFMG com o livro: O mundo no Black Power de Tayó. Utilizando a Contação de histórias como prática pedagógica, busca-se compreender como as crianças desconstroem (ou não), discursos racistas em momentos de leitura literária. Em consonância com as leis 10.639/03, esse trabalho apresenta algumas reflexões acerca de como a literatura, mediada pela contação de histórias, pode estimular discursos positivos sobre os negros. Através dessa experiência, busca-se refletir como a contação pode ser adotada como prática pedagógica capaz de valorizar a expressão oral de tradição africana, bem como mediar o ensino de literatura em turmas de 1º ciclo. Construindo novos olhares sobre as culturas africanas e afro-brasileiras, o estudo visa refletir acerca de novas práticas pedagógicas que versam a efetivação da lei 10.639/03, privilegiando as aulas de literatura e artes. O trabalho apontar algumas reflexões acerca da importância em destacar a literatura afro-brasileira como uma importante ferramenta na superação do racismo, promovendo a efetividade da lei supracitada. As observações apontam que, através da leitura do livro, os alunos têm questionado e problematizado o racismo e a identidade negra, produzindo discursos que combatem e valorizam as tradições africanas e afro-brasileiras. Palavras-chave: Relações étnico-raciais; Contação de histórias; Práticas pedagógicas.

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Introdução

Este artigo pretende apresentar um relato de experiência de uma oficina de Contação de Histórias realizada com alunos do 1º ciclo do Centro Pedagógico da UFMG. A mediação é apoiada no livro O mundo no Black Power de Tayó, de Kiusan de Oliveira. A perspectiva adotada é a de estudos em relações raciais em interação com novas práticas pedagógicas para o ensino de literatura, tendo como objetivo a efetivação da lei 10.639/03.1 Compreendendo a Contação de Histórias como mediadora de leitura literária (SOUZA, 2013), capaz de valorizar a expressão oral de tradição africana recriada na diáspora.

Para abordar as questões relativas a relações raciais e a educação, o trabalho se apóia nos diversos estudos sobre a educação para relações das relações étnico-raciais, ressaltando os trabalhos que versam a superação no racismo e a necessidade de uma educação anti-racista. (MUNANGA, 2005). Ao adotarmos a análise acerca das práticas pedagógicas para o ensino de literatura, a reflexão se apoia sobre os estudos sobre as novas práticas e um novo olhar sobre a África nas aulas de literatura, após a lei 10.639/03 (AMÂNCIO; JORGE; GOMES, 2008), bem como reflexões acerca das práticas pedagógicas adotadas na educação infantil para promover imagens e ressignificações acerca da identidade negra, a partir de projetos que buscam valorizar a diversidade na educação infantil (SILVA; SOUZA, 2013).

Contando a história: Uma proposta para o ensino de literatura

A escola é um local privilegiado de manifestação e reprodução do racismo. Sendo nos materiais didáticos e paradidáticos, seja nas práticas cotidianas a escolares, o racismo atinge e destrói a auto-estima de muitos alunos.

Partindo da tomada de consciência dessa realidade, sabemos que nossos instrumentos de trabalho na escola e na sala de aula, isto é, os livros e outros materiais didáticos visuais e audiovisuais carregam os mesmo conteúdos viciados, depreciativos e preconceituoso em relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental. Os mesmos preconceitos permeiam também o cotidiano das relações sociais de alunos entre si e de alunos com professores no espaço escolar. No entanto, alguns professores, por falta de preparo ou por preconceitos neles introjetados, não sabem lançar mão das situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala como momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional. Na maioria dos casos, praticam a política de avestruz ou sentem pena dos ―coitadinhos‖, em vez de uma atitude responsável que

1 A lei 10.639/03 institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africanas e afro-

brasileiras nas instituições de ensino em todo país. Em 2008, ela é complementada pela lei 11.645/08, que inclui literatura e culturas indígenas.

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consistiria, por um lado, em mostrar que a diversidade não constitui um fator de superioridade e inferioridade entre os grupos humanos, mas sim, ao contrário, um fator de complementaridade e de enriquecimento da humanidade em geral; e por outro lado, em ajudar o aluno discriminado para que ele possa assumir com orgulho e dignidade os atributos de sua diferença, sobretudo quando esta foi negativamente introjetada em detrimento de sua própria natureza humana. (MUNANGA, 2005, p.15).

Ao selecionar uma turma de 1º ciclo em uma escola pública, buscou-se fomentar e problematizar os escassos estudos acerca das relações raciais Em interlocução com a educação infantil. Estudos sobre relações raciais e educação raramente se voltam à Educação Infantil e, por outro lado, os estudos sobre Educação Infantil também poucas vezes focalizam as relações étnico-raciais (SILVA; SOUZA, 2013, p.37).

Sendo assim, são de extrema importância, estudos e experiências que abordem tais temáticas, bem como o desenvolvimento de práticas pedagógicas que promovam, de maneira eficaz, o ensino de histórias e culturas africanas e afro-brasileiras.

Muitas são, portanto, as possibilidades de articulações relativas a implementação da lei 10.639/03. Todavia, não há como aborda-las todas em um único momento e, naturalmente, este não é o propósito dessa reflexão. O que pretendo, na verdade, é destacar, em especial, um dos caminhos possíveis à efetivação da Lei no cotidiano escolar: a leitura dos textos de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Estas, como ferramentas pedagógicas, poderão contribuir para a concretização dos principais deslocamentos discursivos intencionados pela Lei, bem como sinalizar o fato de que ela demarca uma fase de transição no bojo da educação brasileira. (AMÂNCIO; GOMES; JORGE, 2008, p. 44)

Conforme os estudos de (SOUZA , 2012; 2013), a tradição da contação de histórias orais é um traço distintivo das culturas africanas, necessário para construção, significação e ressignificação das mémorias e saberes das sociedades. Sendo assim, adotar a Contação como mediadora nas aulas de literatura promove novas práticas pedagógicas pautadas na visibilização e reconhecimento das práticas culturais e heranças negras, bem como reconhece a literatura oral como uma prática que não pode ser tratado como inferior e, se o é, é devido a o racismo estruturante na sociedade que insiste em categorizar as práticas sociais negras como inferiores e subalternas.

As práticas pedagógicas são eliciadoras de ricas produções pelas crianças, entre as quais a oralidade se constituiu num repertório abundante, onde se pode observar, nas falas transcritas de crianças e professoras, um processo de recriação das histórias com o uso de meios diversos, como a dramatização e a filmagem. Observa-se nos diálogos um debate intenso e a criação e recriação de sentidos sobre a ―estética ariana‖ contraposta a uma estética africana, mobi-lizando sentidos relacionados às formas hierarquizadas entre

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brancos e negros no Brasil, à identificação e à identidade negra entre os alunos e de professoras em relação aos mesmos. (SILVA; SOUZA, 2013, p. 43).

O processo de troca proposto pela oralidade, promove um dinamismo em torno da troca de memória e saberes. Tanto pela possibilidade de narração e representação da história, quanto o conteúdo que recupera os vocábulos da tradição Yorubà e resgata as lutas pelos direitos civis dos negros americanos, o livro O mundo no Black Power de Tayó entrecruza e promove diálogos transculturais que valorizam a tradição e os saberes de heranças afro-brasileiras e africanas. Além do que, a mediação da literatura pela contação estimula a produção de imagens por parte das crianças. A alternância das vozes, o cenários e a própria história, levam as crianças ao retorno em busca do mundo do outro lado do ar, a África.

O centro pedagógico: A experiência em sala

O centro pedagógico da UFMG é uma escola pública de ensino fundamental, que está localizada dentro da Universidade Federal de Minas Gerais. A escola funciona como um colégio de aplicação, onde podem ser desenvolvidas diversas pesquisas sobre práticas pedagógicas, formação de professores, desenvolvimento de currículo, dentre outras inserções com vistas a aprimorar estudos sobre a educação. Dentre os diversos projetos desenvolvidos na escola, funciona o projeto de Extensão Mala de Leitura, coordenado pela professora Maria Elisa Araújo Grossi,2 que busca compartilhar leituras por meio da contação de histórias. No intuito de compartilhar histórias com enfoque na temática étnico-racial, foi proposto aos alunos e a professora, a contação de histórias tendo por base o livro O mundo no Black Power de Tayó.

A turma selecionada faz parte do projeto Mala de Leitura e tinha entre 7 e 10 anos. Na ocasião da contação, haviam 18 alunos, 6 deles eram negros. A turma foi distribuída na sala de aula, formando uma roda para que fosse realizada a intervenção. Enquanto isso, em uma mesa a parte, foram distribuídos tecidos e lenços estampados, para fazer amarrações e turbantes. Para ilustrar e representar a corporeidade negra foi construída uma boneca preta para auxiliar no desenvolvimento da narrativa, resgatando a relação entre corpo e memória presente na identidade negra.

A identidade negra é entendida, aqui,como uma construção social, histórica, cultural e plural. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro.Construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente,ensina ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um desafio enfrentado pelos negros brasileiros. Será que, na escola, estamos atentos a essa questão? Será que

2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós graduada em

psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas (UEMG). Professora Alfabetizadora do Centro Pedagógico (CP/UFMG). Coordena o projeto de extensão Mala de Leitura (UFMG).

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incorporamos essa realidade de maneira séria e responsável quando discutimos, nos processos de formação de professores, sobre a importância da diversidade cultural? (GOMES, 2003, p. 171).

Antes da contação, os presentes se apresentaram e foram realizadas algumas perguntas que direcionavam ao reconhecimento identitário das crianças, bem como acerca do racismo na escola: Como você reconhece fisicamente seu colega? O que o diferencia de outro colega? Como é o cabelo do Colega? Existe cabelo bom e cabelo ruim? O que é Black power? O que é racismo?

Vários alunos responderam as questões e tivemos um diálogo interessante em torno do que eles consideravam como identidade. Um aluno levantou a mão e, antes que todos respondessem, disse: Eu sei o que é Black Power, é poder negro! Diversos alunos se manifestaram e foram categóricos: Racismo é crime!

Ao final da contação, todos os alunos erguiam seus pulsos quando falávamos: Black Power. Gostaram bastante da história e ficaram apreensivos acerca da próxima história a ser contada. Como falávamos do cabelo como identidade, fizemos diversas amarrações no cabelo com vistas a fomentar e valorizar a identidade negra.

Figura 1: Turma do projeto Mala de Leitura após a contação.

Sobre o processo de escolha da obra e a representatividade da personagem

O livro narra a história de uma menina negra que tem orgulho de sua ancestralidade e sua identidade e a manifesta através do seu penteado Black Power. Enfrentando o preconceito e o racismo em sala de aula, Tayó dribla o preconceito e defende constantemente sua identidade, recontando a história de

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resistência do povo negro e a riqueza das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras, utilizando o cabelo como metáfora para ilustrar a riqueza das manifestações negras. Algumas pesquisas abordam a importância de se problematizar a literatura infantil, sobretudo acerca das representações e imagens veiculadas por ela, no intuito de produzir e construir uma identidade a seus leitores (GOUVÊA, 2005).

De maneira característica, a literatura infantil definiu-se historicamente pela formulação e transmissão de visões de mundo, assim como modelos de gostos, ações, comportamentos a serem reproduzidos pelo leitor. Construiu-se a concepção de um texto literário em que o caráter pedagógico fez-se especialmente presente. Ao mesmo tempo, à menoridade da infância associou-se a menoridade da produção literária, no interior desse campo cultural. (GOUVÊA, 2005, p. 81).

Dessa forma, a literatura infantil de tradição européia, reforça e fomenta imagens, discursos e representações negativas às crianças negras, impedindo qualquer reconhecimento identitário positivo, como afima Barreiros;

Literatura Infantil brasileira, calcada em uma perspectiva eurocêntrica em seus primeiros tempos, apresenta na atualidade um descentramento, com produções que se debruçam sobre as representações das questões da realidade contemporânea, dentre elas as da etnia negra. A pós a imple mentação da Lei 10.639/2003, e como forma de (re)conhecimento da cultura negra na construção da sociedade brasileira, muitas obras de literatura infantil antigas foram reeditadas, algumas traduzidas e outras criadas, visando atender uma demanda educacional sobre o referido tema. Essas produções são alvos de várias pesquisas, que, em geral, buscam compreender a representação do negro nelas veiculadas. (BARREIROS, 2010, p. 5).

A literatura historicamente reproduz estigmas e representações negativas dos negros, quando não apresenta a total ausência de personagens negros e mulheres, sobretudo enquanto protagonistas, como aponta as pesquisas de Dalcastàgne;

A literatura contemporânea reflete, nas suas ausências, talvez ainda mais do que naquilo que expressa, algumas das características centrais da sociedade brasileira. É o caso da população negra, que séculos de racismo estrutural afastam dos espaços de poder e de produção de discurso. Na literatura, não é diferente. São poucos os autores negros e poucas, também, as personagens – uma ampla pesquisa com romances das principais editoras do País publicados nos últimos 15 anos identificou quase 80% de personagens brancas, proporção que aumenta quando se isolam protagonistas ou narradores. Isto sugere uma outra ausência, desta vez temática, em nossa literatura: o racismo. Se é possível encontrar, aqui e ali, a reprodução paródica do discurso racista, com intenção crítica, ficam de fora a opressão

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cotidiana das populações ne ras e as barreiras que a discriminação impõe às suas trajetórias de vida. (DALCASTAGNÈ, 2008, p. 87).

Sendo assim, esse estudo privilegiou o livro: O Mundo no Black Power de Tayó, não só pela narrativa, que versa acerca da identidade negra e das memórias das heranças africanas, mas por transgredir todo histórico racista e trazer como protagonista uma menina negra, contada a partir do ponto de vista de uma autora mulher e negra. O livro relata a história de uma criança que defende com orgulho sua identidade, produzindo imagens positivas que promovem a auto-estima de muitas meninas negras que não se vêm representadas na maioria dos livros de literatura disponíveis na escola. Valorizar a estética negra na escola é fundamental para que as crianças desconstruam padrões de beleza que ressaltam a pele branca e o cabelo liso como os belos, enquanto os traços negros sempre são tratados como feios. O livro rompe com estereótipos de uma criança negra triste, que não tem núcleo familiar ou que é representada visualmente de maneira caricata.

Figura 2: Tayó com sua Coroa Real.

O livro também traz diversos vocábulos em Yorùbá. Conforme (NAPOLEÃO, 2010) a língua é falada na Nigéria e em alguns outros países da África Ocidental. A língua só passa a ter forma escrita a partir do sécula XIX, desenvolvida por missionários yorubanos da igreja anglicana e alguns estrangeiros que criam a escrita da língua a partir da escrita européia.

Hoje, o Yorubá é falado em diversas casas que celebram os cultos das religiões de matriz africana no Brasil e é compartilhado oralmente. Ao final da obra, a autora apresenta um pequeno glossário com o significado das palavras em Yorubá, como também conceitua Black Power como um movimento política em luta dos direitos dos negros no Estados Unidos.

Assim, o livro fomenta e cumpre o que foi determinado pela lei 10.639/03, resgatando a memória e história do povo negro e promovendo a valorização da identidade negra na diáspora.

As ilustrações do livro foram feitas por Taisa Borges e buscam traços que valorizam a estética negra, bem como exploram formas geométricas que

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remetem as artes negras. São ilustrações com cores vivas e alegres, que reiteram toda a riqueza das culturas africanas. A personagem também realiza o sonho de muitas meninas negras, a de ser princesas. Assim, Tayó carrega sobre a cabeça sua coroa real, aos moldes africanos, com palha da costa, búzios e ouro.

Figura 3: Boneca construída para a oficina

Algumas conclusões

A experiência de Contação de História como mediadora de literatura afro-brasileira e africanas aponta sua eficácia na efetivação do ensino da culturas e histórias africanas nos ambientes escolares. A partir das observações em sala de aula com o livro O mundo no Black Power de Tayó, é possível perceber que diante do conteúdo das histórias, a promoção e a valorização e resgate das culturas africanas e afro-brasileiras. As crianças em interação com as leituras, desconstroem estereótipos e estigmas atribuídos aos negros e a África e que estão presentes historicamente na sociedade, perpetuados nos ambientes escolares. O livro, em sua capacidade de promover valores aos alunos, pode agora promover discursos que rompam com a subalternização e a invisibilidade imposta pelos livros canônicos. Com narrativas mais próximas da realidades dos alunos, os livros com a temática étnico-racial podem ser trabalhados de diversas maneiras no ambiente escolar, promovendo discussões, exposições, recontos e outras atividades. Esse relato de experiência busca contribuir para que educadores, professores e pesquisadores se debrucem na temática, que ainda exige muita pesquisa. Longe de esgotar o assunto, esse trabalho busca inspirar pesquisas que tenham como enfoque as relações étnico-raciais e a literatura infantil, trazendo

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novas práticas pedagógicas que confluem no desenvolvimento de ferramentas que possam descolonizar o ensino de literatura nas escolas públicas.

O combate ao racismo parte de uma responsabilidade transversal e multidisciplinar e deve abarcar todas as disciplinas nas escolas. Mesmo após 12 anos da criação da lei 10.639/03, não conseguimos que ela seja cumprida. Seja por lacunas na formação de professores ou por vontade das escolas, a lei continua sendo ignorada. O racismo estruturado na sociedade promove ainda hoje a negação do negro enquanto necessário e importante na constituição de nossa sociedade. O reconhecimento perpassa pela educação e a denúncia, a fim de construir uma educação realmente anti-racista.

Referências

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DALCASTAGNÈ, Regina. Entre silêncios e estereótipos: relações raciais na literatura brasileira contemporânea. Estudos de literatura brasileira contemporânea, v. 31, p. 87-110, 2008. Disponível em: <http://seer.bce.unb.br/index.php/estudos/article/viewFile/2021/1594>. Acesso em: 06 abr. 2011.

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GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Imagens do negro na literatura infantil brasileira. Educação e pesquisa, v. 31, n. 1, p. 77-89, 2005.

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NAPOLEÃO, Eduardo. Vocabulário yorùbá. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

OLIVEIRA, Kiusan de. O mundo no Black Power de Tayó. Peirópolis, 2013.

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SOUZA, Josiley Francisco de. Do canto da voz ao batuque da letra: a presença africana em narrativas orais inscritas no Brasil. 2012. 201 f. Tese (Doutorado em Estudos Literários) – Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte. 2012.

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A BIBLIOTECA DO IFG-CAMPUS INHUMAS COMO ESPAÇO DE MEDIAÇÃO DE LEITURA

Milena Bruno Henrique Guimarães Auxiliar de biblioteca/ Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia de Goiás/IFG-Campus Inhumas Bacharel em Biblioteconomia/UFG

Especialista em Gestão de bibliotecas escolares/AVM [email protected]

(62) 8115-3323

Maria Aparecida Rodrigues de Souza Bibliotecária/Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia de Goiás/IFG-Campus Inhumas Bacharel em Biblioteconomia/UFG

Mestra em Educação/PUC Goiás [email protected]

(62) 8452-7389 Maria Aparecida de Castro

Bibliotecária/Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás/IFG-Campus Inhumas

Bacharel em Biblioteconomia/UFG Doutoranda e Mestra em Ciência da Religião/PUC Goiás

[email protected] (62) 8452-8627

Resumo

O texto relata as experiências de mediação da leitura literária realizadas pela biblioteca do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás do Campus Inhumas atuando como biblioteca escolar-universitária. As ações de promoção da leitura estimulam a reflexão de toda a comunidade acadêmica, chegando até aos pais, quanto à necessidade da real formação de leitores para que a prática da leitura não seja apenas uma obrigação da educação básica, mas algo que se leva para toda a vida. Palavras-Chave: Biblioteca escolar-universitária; Leitura literária; Mediação.

Abstract

The paper reports the literary reading mediation experiments performed by the Federal Institute of Education, Science and Technology Library - Campus Goiás Inhumas, acting as school-university library. The reading promotion activities stimulates the reflection of the academic community reaching even parents, on the readers formation requirement to the reading practice do not be considered just to basic education requirement but something that leads to life. Keywords: School - university library; literary reading; Mediation.

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Introdução

A Biblioteca Atena do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás do Campus Inhumas (IFG-Campus Inhumas) atua como biblioteca escolar-universitária por atender estudantes dos cursos técnico-integrado, técnico subsequente (Educação a Distância - EaD), superior, educação de jovens e adultos (PROEJA), além dos servidores (docentes e técnico-administrativos) e comunidade local (SOUZA, 2013). Apesar deste caráter singular de um público tão diversificado, a equipe da biblioteca procura não apenas atender demandas de cunho técnico e tecnológico como também colaborar para a formação integral dos estudantes promovendo a leitura e o desenvolvimento cultural através de projetos e atividades pontuais. Essa recomendação é clara para educação básica em documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997) e nas diretrizes da IFLA/UNESCO (2005) para biblioteca escolar, mas muito sutil para educação superior em documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996).

Assim, ousa-se neste relato de experiência apresentar os referenciais e as políticas que determinaram as práticas mediadoras de leitura de uma biblioteca escolar-universitária.

Referenciais teóricos

A Instituição

Para entender melhor as experiências de mediação na promoção da leitura pela Biblioteca Atena é preciso conhecer um pouco mais sobre o contexto em que ela está inserida.

Segundo a linha do tempo apresentada por Souza (2013) a história do IFG começa com a Escola de Aprendizes e Artífices em 1909 na antiga capital de Goiás, Vila Boa, atual Cidade de Goiás. Em 1942 foi transferida para Goiânia e muda de nome para Escola Técnica de Goiânia (ETG). Em 1965 muda novamente de nome e passa a ser Escola Técnica Federal de Goiás (ETFG). Em 1999 mais uma mudança de nome para Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (Cefet-GO) e finalmente em 2008 transformou-se em Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG). Todas essas mudanças de nomes caracterizam mudanças de objetivos, finalidades e forma de gestão da instituição. De uma formação profissional extremamente básica de mão de obra submissa à uma formação profissional especializada, de espírito crítico e empreendedor (BRASIL, 2008).

A Lei n.11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008) que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em seu artigo 2º estabelece que

os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica

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nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei.

Essas mudanças precisam ser acompanhas pelas bibliotecas da Rede, que acrescentam aos objetivos de ensino e pesquisa à oferta de cursos de extensão e produção gráfica, como ressalta Souza (2013) quanto ao impacto da política expansionista no processo de trabalho do bibliotecário. É por meio do Programa de Expansão da Rede de Educação Profissional e Tecnológica que surge o Campus na cidade de Inhumas, em 2007, como unidade de ensino descentralizada (Uned) do Cefet-GO e em 2008 passa a ser IFG-Campus Inhumas.

Indicações Legais

Na educação básica, ao tratar da escola e constituição da cidadania, os PCN afirmam:

Isso requer que a escola seja um espaço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e universais (1997, p.33).

A literatura é uma forma de acessar essas manifestações culturais nacionais e internacionais e atividades realizadas em parceria com a biblioteca são essenciais para a formação em qualquer nível escolar. As Diretrizes da IFLA/UNESCO (2005, p.4) para a biblioteca escolar diz que: ―A biblioteca escolar habilita os alunos para a aprendizagem ao longo da vida e desenvolve sua imaginação, preparando-os para viver como cidadãos responsáveis‖, o que corroboram com a afirmação dos PCN.

A leitura literária, bem mais que desenvolver a imaginação, proporciona o acesso a outras culturas. O assunto, os personagens, o lugar, a linguagem, tudo isso transmite um pouco da cultura de um povo, mesmo sendo ficção. Estimular o contato com a literatura é função de todo educador (docentes e técnico-administrativos de instituições de ensino).

Quanto ao ensino superior há duas leis que se reforçam neste aspecto cultural. A Lei n.11.892/2008 (BRASIL, 2008), que cria os Institutos Federais, apresenta em seu artigo 6º, como finalidade e característica destas instituições: ―VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico‖. E na LDB (BRASIL, 1996), no artigo 43º apresenta em uma das finalidades da educação superior: ―I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo‖.

Subentende-se com isso que para estimular essa criação/produção cultural é preciso antes oferecer e estimular o acesso à cultura. A criação cultural não surge do nada, ela precisa de inspiração, ela se transforma.

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A legislação fala de cultura de maneira geral. Relacionar cultura à leitura literária é uma interpretação possível, mas não óbvia. Para reforçar essa linha de pensamento é possível se apoiar na Descrição sumária dos cargos e as atividades típicas atribuídas ao cargo, que atribui ao Bibliotecário-Documentalista: ―Realizar difusão cultural: promover ação cultural, atividades de fomento à leitura, eventos culturais e atividades para usuários especiais‖ (IFG, 2014a). Essa atribuição é clara, no entanto, na prática muitas vezes é deixada de lado pelos profissionais que se sobrecarregam pela série de outras atribuições gerenciais e técnicas a que são encarregados.

Entretanto, pelas funções que lhes são atribuídas no IFG, o bibliotecário-documentalista desenvolve atividades promocionais de leitura, conforme relatada no desenvolvimento desse trabalho.

Objetivos

a) Relatar a experiência de mediação de leitura da biblioteca do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás do Campus Inhumas (IFG-Campus Inhumas); b) analisar as políticas educacionais que interferem no trabalho de mediação de profissionais (bibliotecários e auxiliares de biblioteca) atuantes em bibliotecas da rede de educação profissional tecnológica.

Metodologia

A abordagem metodológica adotada neste relato de experiência é de cunho qualitativo e descreve as atividades de mediação de leitura realizadas em bibliotecas da rede de educação profissional tecnológica que se conceituam escolar-universitária pelo público atendido.

Escolheu por amostra do universo a Biblioteca Atena do IFG-Campus Inhumas pela acessibilidade aos dados e pelo qualitativo de trabalhos desenvolvidos na promoção da leitura por esta. Selecionou-se cinco ações de mediação de leitura desenvolvida pela instituição em análise para o relato: Leitores destaque, Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, Projetos de Iniciação Científica, Resenha literária e Dia Mundial do Livro.

A coleta de dados foi por meio de leitura de documentos (relatórios e projetos) publicados no site do IFG. A análise e compreensão dos dados foram baseados nos pressupostos teóricos de relatos de experiência (ABT, 2011).

Relatos de atividades de mediação de leitura na Biblioteca Atena

A Biblioteca Atena possui projetos que já fazem parte do calendário anual como ―Leitores Destaque‖ e a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca e também realiza outras atividades pontuais.

O projeto ―Leitores Destaque‖ (IFG, 2014b) consiste numa ação de motivação da leitura de obras literárias disponíveis no acervo da biblioteca, realizada durante todo o ano letivo. O projeto visa motivar os usuários para leitura literária e produção textual por meio de premiações. Para participar da atividade os interessados (discentes e servidores docentes e técnico-administrativos) recebem uma folha para produção de uma resenha ou um

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pequeno texto argumentando se gostou ou não da obra lida. As folhas preenchidas são entregues no balcão de atendimento da Biblioteca Atena.

Cada participante tem um mediador, dentre os servidores da biblioteca, que acompanha as produções, faz comentários, indicações de outros títulos. Os participantes com o maior número de produções são premiados no final do ano e as melhores produções formam uma coletânea que é publicizada (após revisão e com autorização dos autores).

O projeto tem se aprimorado a cada ano. Em 2015 foi proposto também a oferta de oficinas sobre gêneros literários e resenhas (a oferta das oficinas foi proposta inspirada no curso de extensão ―Circuito do Livro‖ oferecido de 2009 a 2012 pela Biblioteca Atena).

Em 2013 houve a premiação dos discentes com base apenas na análise do histórico de empréstimos do software de gerenciamento da biblioteca. Nessa análise dos hábitos de leitura literária da comunidade acadêmica do IFG-Campus Inhumas em 2013, observou-se uma diferença comportamental significativa entre os segmentos - a maioria dos estudantes dos cursos superiores e PROEJA não pegavam livros literários na biblioteca e quando pegavam eram poucos por ano. Por preocupar-se com estes dados a equipe da biblioteca decidiu intensificar as atividades de mediação de leitura e desenvolveu um projeto de pesquisa-ação intitulado ―Perfil psicológico dos discentes do curso de licenciatura em Química do IFG-Campus Inhumas e a motivação para leitura‖.

A turma de licenciatura em Química por ser maior entre os cursos superiores do Campus e os discentes desse curso serem futuros professores, decidiu-se conhecer melhor este público através da aplicação de questionários. Ao investigar o que os motiva, quais fatores mais afetam a busca pela leitura literária, em que nível; propôs-se mediar a leitura elaborando dicas categorizadas de obras literárias, promovendo palestras e oficinas sobre a presença e importância da literatura no cotidiano.

Foi oferecida a oficina intitulada ―Reações literárias‖, ministrada pela equipe de pesquisadores com apresentação de um conto religioso, um conto de ficção científica e uma competição entre equipes com perguntas sobre trechos de clássicos da literatura mundial. Também ofertou-se uma palestra intitulada ―Filhos do carbono: balanceamento entre a química e a literatura‖ ministrada por uma professora convidada. Após a palestra foram entregues aos discentes kits contendo uma mochila, um marca-página personalizado, uma caderneta literária com indicações de leitura pelo perfil apresentado nos questionários.

A pesquisa está em andamento e tem-se acompanhado o histórico de empréstimos dos discentes pesquisados. Os resultados preliminares não apresentaram o efeito esperado de aumento expressivo no número de empréstimos literários entre os discentes de licenciatura em Química. No entanto, observa-se na fala e no comportamento, tanto de discentes como de docentes do curso, a valorização da obra literária e a preocupação em inserir mais literatura em suas vidas.

Outro projeto anual é a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, que se realiza desde 2009. Um tema é escolhido e a partir dele são desenvolvidas diversas atividades – palestras, oficinas, exposições, mesas-redondas, exibição

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de filmes, encontro com autor, apresentações culturais, sarau. Atualmente, no encerramento da Semana do Livro é feita a premiação do projeto ―Leitores Destaque‖ e apresentação da coletânea produzida pelos discentes.

Já foram trabalhados na Semana temas como meio ambiente, tecnologia e qualidade de vida, água e histórias em quadrinhos. As atividades são ministradas tanto por convidados externos quanto por servidores (docentes e técnico-administrativos), em sua área de atuação formal (relacionada diretamente ao trabalho no campus) e áreas de interesse (como apresentação musical de um servidor administrativo). Busca-se com esse projeto ―valorizar o livro, a leitura, a informação, a cultura, a biblioteca e a aproximação leitor e livro‖ (IFG, 2014c). É um momento importante que envolve os diferentes segmentos da comunidade acadêmica e aproxima a comunidade local (população inhumense) da instituição. Em 2014 outras escolas da cidade participaram das atividades oferecidas e aproveitaram para conhecer as instalações do Instituto. Devido a diversidade do público atendido pela Biblioteca Atena, a equipe procura desenvolver atividades variadas, algumas vezes voltadas para um segmento específico, buscando atender necessidades pontuais. Como acontece com a ―resenha literária‖, voltada para as turmas do PROEJA. Realizada em duas etapas em 2014, a equipe da biblioteca apresentou a coleção enviada pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) do Ministério da Educação (MEC), selecionando alguns títulos de diferentes gêneros literários (conto, crônica, poesia, romance, história em quadrinhos) que foram comentados pelos servidores da biblioteca Atena e professores (IFG, 2014d). Em um momento leve e agradável os discentes foram convidados a escolher um título e apresentarem em um próximo encontro. No semestre seguinte uma nova ―resenha literária‖ foi organizada e alguns discentes apresentaram. Não apenas leram o texto que preparam como comentaram livremente suas impressões e começaram um debate com os presentes.

Outra atividade voltada para um público específico foi em comemoração os Dia mundial do livro e dos direitos autorais na qual um desafio foi proposto aos servidores de ―ler um livro diferente‖ (IFG, 2015). A intenção era promover os livros literários e paradidáticos a esse segmento educador e formador de opinião, que as vezes foca tanto no trabalho, nas pesquisas e nos livros técnicos que deixa de lado a leitura literária.

Todos os servidores receberam um marca-página de origami com um cartãozinho nominal, sugerindo um livro literário do acervo da biblioteca e convidado para participar do projeto ―Leitores Destaque‖. Apesar da procura por livros não ter sido alta, alguns servidores foram até a biblioteca para comentar a ação e pegar o título indicado. Outros não foram a biblioteca, mas comentaram o cuidado e atenção da equipe da biblioteca, elogiaram a iniciativa e perguntaram se havia relação com o projeto voltado aos discentes de Licenciatura em Química.

A biblioteca Atena também tem ganhado espaço e relevância nas reuniões de pais. Com a oportunidade de fala durante a reunião, a coordenação de biblioteca além informar sobre o funcionamento da biblioteca, das atividades e projetos desenvolvidos; incentiva a leitura e convida a utilizar o espaço, que é aberto a todos (restringindo apenas o empréstimo domiciliar). O

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último livro comentado na reunião, ―A árvore generosa‖, foi buscado algumas vezes por discentes a pedido dos pais. Nenhum soube informar o título, mas tinham como referência a indicação da reunião de pais.

Conclusões

O trabalho do bibliotecário-documentalista e do auxiliar de biblioteca da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica é flexível e complexo. Gerir um ambiente informacional, desenvolver e promover ensino, pesquisa, extensão e produção gráfica com uma equipe reduzida, para segmentos variando da educação básica à pós-graduação é desafiador, mas possível. A diversidade de segmentos deve ser vista também como uma oportunidade de troca de conhecimentos, experiências, pontos de vista.

Bem mais que atender demandas legais, a equipe da biblioteca Atena se empenha em proporcionar a toda a comunidade acesso a informação, a leitura e cultura para a formação integral de cidadãos.

Um ambiente com livros, revistas e computadores simplesmente aberto ao público não garante o efetivo acesso. É preciso divulgar o que existe naquele espaço e as possibilidades de uso. Auxiliar o público a entender sua necessidade de informação, buscá-la e utilizá-la com independência e responsabilidade é um objetivo da biblioteca. As atividades desenvolvidas no geral visam isso, mediar esse encontro. Levar o usuário a perceber que não basta saber ler, escrever e calcular. Conhecer outras culturas, imaginar outros mundos inspiram para inovações tecnológicas e ajudam respeitar o outro, evitando conflitos.

A literatura tem um grande potencial humanista e precisa ser aliada ao estudo tecnicista para formar não só trabalhadores competentes, mas também seres humanos e melhores. Unir teoria, prática e imaginação é possível dentro de uma instituição de ensino voltada para tecnologia.

Tanto as ações visando a motivação da leitura literária, quanto as outras ações de intervenção da biblioteca na promoção da leitura tem estimulado a reflexão de toda a comunidade acadêmica, da necessidade de formação de leitores literários para os quais a prática da leitura seja um prazer construtivo e não uma obrigação.

A relação entre os projetos e atividades desenvolvidas pela biblioteca Atena auxiliam na interação entre os segmentos. Mesmo com atividades voltadas para um público específico, não é possível atingir a todos, o que não é motivo para desânimo. O ser humano é complexo, ainda que em um grupo com caraterísticas semelhantes, apresenta uma série de pontos particulares. Isso exige da equipe da biblioteca atenção a essas particularidades, para continuar buscando maneiras de se relacionar com esses usuários e motivá-los a prática da leitura com prazer.

Referências

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS. Projeto da 6. Semana nacional do livro e da biblioteca. Inhumas, 2014. Manuscrito.

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS. Resenha literária apresenta 60 novos títulos no acervo. Biblioteca Atena: notícias. Inhumas, fev. 2014. Disponível em: <http://biblioteca.inhumas.ifg.edu.br/index.php/noticias/60-resenha-literarias-apresenta-60-novos-titulos-no-acervo.html>. Acesso em: 28 set. 2015.

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SOUZA, Maria Aparecida Rodrigues de Souza. A/O bibliotecária/o-documentalista ante as novas tecnologias e a flexibilização do trabalho no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG): 2009-2012. Goiânia, 2013. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Programa Stricto sensu em Educação. 2013.

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ATRELANDO TEORIA E PRÁTICA - TÉCNICAS PEDAGÓGICAS NOS CURSOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

Miriam M. R. Marmol Faculdade de Pará de Minas/FAPAM

Professora Mestre em Educação Curso: Pedagogia

[email protected] (37) 9997-2634

Resumo

O relato faz parte do Projeto ―Inovação Acadêmica‖, da Faculdade de Pará de Minas com objetivo de desenvolver novas metodologias de ensino, as chamadas metodologias ativas propostas por Marcos T. Masetto. O trabalho realizado refere-se a práticas de ensino-aprendizagem da linguagem escrita na EI e nos anos inicias do EF, com discentes do curso de Pedagogia. Para enfatizar os conceitos abordados nas teorias da construção e desenvolvimento da linguagem, foi proposto vídeos aulas de forma lúdica, com intuito de oportunizar às discentes o desenvolvimento de habilidades linguísticas e da oralidade de forma prática.

Palavras-chave: metodologias ativas; leitura e escrita na Educação Infantil.

Abstract

The report is part of the project "Academic Innovation", Faculty of Pará de Minas in order to develop new teaching methodologies, so-called active methods proposed by Mark T. Masetto. The work refers to the teaching and learning of the language practices writing on EI and at the early years of the EF, with students of the Faculty of Education. To emphasize the concepts covered in the theories of the construction and development of language, it was proposed video lessons in a playful way, aiming to create opportunities for students to develop language skills and speaking skills in a practical way. Keywords: active methodologies; reading and writing in kindergarten.

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O Projeto ―Inovação Acadêmica‖, elaborado pela instituição de ensino com objetivo de melhorar a qualidade dos cursos de graduação da Faculdade de Pará de Minas - FAPAM, busca o desenvolvimento de novas metodologias de ensino (ativas), com base no livro ―O Professor na Hora da Verdade‖, de Marcos T. Masetto. Essa obra tece algumas considerações e sugestões para que o professor do ensino superior possa desenvolver seus conteúdos de sua disciplina de forma mais dinâmica, proporcionando o interesse dos alunos. Tal projeto tem um grande significado nas práticas docentes, pois vem aprimorar nossos conhecimentos em relação ao processo de ensino-aprendizagem e mostrar o quanto se faz necessário mudanças pedagógicas para o aprimoramento do aprendizado de nossos alunos. Sabendo do perfil dos discentes que temos hoje e da exigência de formações de qualidade visando adequá-las as necessidades de mercado, tais demandas tem nos exigido mudanças de estratégias de ensino. Partindo desse contexto estamos participando de capacitação e estudo sobre novas técnicas pedagógicas, possibilitando-nos um entendimento maior sobre como organizar o processo de ensino-aprendizado de forma mais interativa, colocando o aluno como ―construtor‖ de seus conhecimentos com o apoio e orientação do docente.

Dessa forma, visando trilhar novos caminhos proponho nesse texto relatar o que tenho experienciado com uma turma de Pedagogia ao lecionar a disciplina ―Metodologia de escrita e letramento na Educação Infantil‖. A escolha por essa turma e essa disciplina se deve por atender ao período de aplicação do projeto em estudo e por ser uma disciplina de metodologia, já que, incide no desafio em atrelar teoria à prática. ―A interação teoria-prática é fundamental para a aprendizagem. Ela precisa acontecer na realidade”, afirma Masetto.

Este autor propõe algumas técnicas para que essa articulação aconteça, tais como: estágio; excursões e visitas a ambientes profissionais; participação em atividades profissionais como empresa júnior, escritório modelo, juizado especial cível ou criminal e outras; aulas práticas (em laboratório); estudo de casos clínicos (reais); ensino por projetos; pesquisas de campo e pesquisas em revistas e jornais.

Concomitante à disciplina de Metodologia da escrita e letramento na educação infantil os discentes também estão realizando o estágio supervisionado nesse mesmo nível de ensino, isso favorece uma reflexão e diálogo entre teoria e prática. Optei nesse projeto focar no que chamo de vídeos aulas, o que o autor nomeia de aulas práticas (em laboratório), ou seja, utilizo a própria sala de aula e a brinquedoteca como espaços para que as (os) alunas (os) possam colocar em prática cada conceito abordado.

Pensando didaticamente na condução de uma aula que deve ter sempre um início, o desenvolvimento e seu fechamento, realizei da seguinte maneira: primeiramente iniciamos com estudos de artigos sobre o tema abordado e aulas expositivas dialogadas. Entendido o conceito partimos para construção das práticas. Citarei duas práticas que vivenciamos uma para abordar o conceito de alfabetizar letrando e outra sobre a importância da literatura infantil para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita das crianças. E, para fechar a discussão após as apresentações retomamos a teoria que embasa os exemplos práticos.

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Articulando o conceito de alfabetizar letrando a partir de sugestões a serem desenvolvidas em sala de aula

De acordo com Soares (2004) as práticas pedagógicas para inserção no mundo da leitura e escrita deve-se pautar a partir da proposta em alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a tecnologia da leitura e escrita (alfabetização) a partir dos diversos textos que usamos socialmente (letramento) para que desde pequenos as crianças possam de fato saber fazer uso social dos vários textos que manipulamos em nosso cotidiano.

A partir de uma aula expositiva dialogada foi introduzido tal proposta e discutido as diferenças entre esses conceitos. Para melhor compreensão dos discentes sobre essa proposta, foi proposto uma oficina de elaboração de materiais para trabalhar na Educação Infantil baseado na proposta de alfabetizar letrando. Solicitei à turma que pensasse sobre a questão específica desse nível de ensino que exige criatividade e ludicidade para o desenvolvimento de habilidades das futuras docentes.

Em grupo as (os) alunas (os) reuniram-se em sala de aula e escolherem uma prática pedagógica, com objetivo de trabalhar a reflexão sobre o nosso sistema de escrita. Para alcançar tal objetivo várias práticas foram realizadas envolvendo jogos e uso de diversos gêneros textuais. As práticas pedagógicas apresentadas abaixo enfatizaram a articulação entre os conceitos de alfabetizar letrando:

I- Caixa de poemas – o grupo elaborou uma caixa de poemas para serem lidos com a turminha visando pensar no gênero poema, nas palavras que o compõem, nos fonemas e rimas de algumas palavras chave com intuito de abordar a tecnologia da escrita – alfabetização e sobre o gênero poema. O grupo apresentou sua proposta pedagógica aos colegas e foi exposto o trabalho no corredor das salas para ser socializado com as outras turmas.

II- Trabalhando com rótulos – o grupo apresentou um trabalho com rótulos. Explicaram que solicitaria que cada criança trouxesse de casa rótulos (embalagens de produtos), assim iriam montar um mural baseado na ordem alfabética com intuito de focar a primeira letra de cada nome do produto apresentando as letras do alfabeto. Também explicaria a finalidade desse gênero textual.

III- Caixa mágica de gêneros textuais – o grupo propôs nesse trabalho uma caixa grande, enfeitada com vários textos dentro, as crianças iriam escolher os textos e mediados pela professora seriam auxiliados a refletir sobre que gênero se refere, sua finalidade e se conhecem ou se já tinham visto ou lido esse texto. Os textos escolhidos fazem parte da esfera infantil e do contexto social como: convite de aniversário, bilhetes, lista de nomes, lista de materiais, contos, poemas, cantigas, planfletos de supermercado, carta, história em quadrinho, dentre outros.

IV- Elaboração de um dicionário a partir de produtos conhecidos pelas crianças – o objetivo desse trabalho é fazer com que as crianças conhecessem o alfabeto e sua ordem, assim o grupo propôs uma confecção de um dicionário por aluno que iriam colar em

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cada letra imagens que associam o primeiro ―som‖ à letra, exemplo, letra A – imagens de algodão, arroz, anel e assim por diante, visando classificar em produtos, alimentos, objetos.

V- Caderno de parlendas – o grupo propôs trabalhar com o uso de parlendas com objetivo de reconhecer as letras, sílabas e palavras, refletindo sobre o nosso sistema de escrita.

VI- Trabalhando com livro de literatura – O carteiro chegou – o grupo realizaria a leitura do livro com a turma e trabalharia os gêneros textuais apresentados na história, convite, lista, panfleto, receita.

Todos esses trabalhos foram construídos pelos alunos e apresentados com intuito de apresentar na prática a proposta em alfabetizar letrando. Sendo assim, percebe-se que os grupos compreenderam os conceitos abordados, pois, trouxeram estratégias didáticas que atrelaram a diversidade de textos e o ensino da tecnologia da alfabetização. Após as apresentações foi retomado com a turma a teoria que estava por detrás das práticas apresentadas fechando o ciclo didático sobre essa temática.

O uso da literatura para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita das crianças

Estudando a temática sobre a importância da literatura infantil para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita das crianças utilizou-se das seguintes metodologias: aula expositiva dialogada, a partir da leitura de textos da bibliografia básica e apresentações de vídeos aulas. Os vídeos foram gravados na brinquedoteca e na sala de aula. Cada grupo escolheu uma obra literária para apresentar aos alunos, pensando num primeiro momento em práticas que motivariam a aprendizagem da leitura e da escrita. Foram apresentadas as seguintes aulas: Dramatização sobre o livro ―A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho‖; Contação de histórias com fantoches – ―A galinha ruiva‖; Dramatização: A bonequinha doce; Dramatização: Dona Baratinha; Contação de história com pausas protocoladas: O Carteiro chegou; Dramatização: Cachinhos de Ouro e Dramatização: conto ―O Pote‖. Após as apresentações das histórias literárias as alunas apresentaram questões para desenvolver a oralidade e reflexão sobre a língua escrita.

Atividades com objetivo de fazer reflexão sobre os sons das letras, sílabas e palavras, como rimas e aliterações, a partir de consciência silábica e fonológica. O desenvolvimento de compreender os espaços em branco entre as palavras, o conceito de palavra, início, meio e fim; algumas convenções da escrita, ou seja, a partir do trabalho com a literatura, é propício o desenvolvimento das técnicas de alfabetização.

Diante do embasamento de textos sobre a importância da literatura para o desenvolvimento da oralidade e de práticas que envolvem o aprendizado da leitura através da literatura buscados nos textos de Zilmerman (2005); Versiani (2004); Paiva (2005), as discentes puderam fundamentar e atrelar teoria à prática, compreendendo a importância de bons livros para o desenvolvimento linguística e social de nossas crianças.

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Entretanto, Versiani (2009, p. 87) aponta que: ―pavimentar bem o caminho do letramento literário antes e no início de alfabetização pode ser a mais importante tarefa à qual os professores deveriam se lançar‖, pois a partir da literatura desenvolve-se vários princípios da inserção ao mundo da escrita.

Buscou-se também uma leitura guiada do Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil – RCNEI, volume 3, que apresenta sugestões didáticas do trabalho que deve ser desenvolvido no contexto da Educação Infantil com a Linguagem oral e escrita com turminhas de 0-3 anos e 4 e 5 anos.

Conforme é apontado no Referencial curricular nacional para a educação infantil que,

Ter acesso à boa literatura é dispor de uma informação cultural que alimenta a imaginação e desperta o prazer pela leitura. A intenção de fazer com que as crianças, desde cedo, apreciem o momento de sentar para ouvir histórias exige que o professor, como leitor, preocupe-se em lê-la com interesse, criando um ambiente agradável e convidativo à escuta atenta, mobilizando a expectativa das crianças, permitindo que elas olhem o texto e as ilustrações enquanto a história é lida. (BRASIL, 1998, p. 132).

Dessa forma, o trabalho com a literatura é fundamental para o desenvolvimento e cada vez mais inserção das crianças em práticas de letramento, e assim propondo aulas práticas as discentes vivenciarem como deve ser realizado o trabalho de ensino da leitura e também desenvolver habilidades imprescindíveis para futuras professoras da Educação Infantil, como criatividade, tonalidade de voz, desinibição e muita ludicidade. Todas as apresentações foram filmadas para em seguida discutir pontos de melhoria nas práticas pedagógicas propostas.

Considerações finais

A participação no Projeto Inovação Acadêmica trouxe-nos desafios, mas também excelentes resultados. O desafio maior foi na elaboração das propostas das aulas, no planejamento bem articulado para que de fato os discentes pudessem compreender a relação da teoria-prática nas práticas propostas. Mas, os resultados positivos sobrepõem os desafios. As (os) alunas (os) fizeram o seu melhor, cada grupo querendo apresentar sua prática mais bem elaborada do que a outra, com objetivos claros e bem fundamentados, e uso de metodologias interativas e lúdicas de acordo com o contexto da Educação Infantil. Além, de fomentar o desenvolvimento de outras habilidades às futuras professoras como desinibição, criatividade, tom de voz, técnica de contação de história que fazem toda a diferença para motivar o aprendizado das crianças. Tais técnicas pedagógicas são fundamentais para discussão do saber-fazer, ou seja, de transpor a teoria e aplica-la na prática, mesmo que em simulações e contextos não reais, permitindo análises e sugestões.

Conclui-se, portanto que tais práticas pedagógicas que integraram a teoria à prática foram essenciais para reflexão sobre a realidade profissional observada também no estágio supervisionado que confirmaram toda ação do

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saber-fazer. E, cada vez mais, a certeza que nos fica, quanto mais atrelarmos os conhecimentos acadêmicos às práticas profissionais, mais estaremos formando profissionais bem qualificados e tornando as aulas mais atrativas e participativas.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998. 3v.: il.

MASETTO, Marcos T. O professor na hora da verdade. A prática docente no ensino superior. São Paulo: Avercamp, 2010.

PAIVA, Aparecida (Org.) Literatura e letramento. Espaços, suportes e interfaces – o jogo do livro. Belo Horizonte: Autêntica; CEALE/FaE/UFMG, 2005.

PAIVA, Aparecida (Org.). Democratizando a leitura: pesquisas e práticas. Belo Horizonte: Autêntica; CEALE/FaE/UFMG, 2004.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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PROJETO ―TODO DIA É DIA DE LEITURA‖

Moacir Fagundes de Freitas Professor do 3º ciclo da Escola Municipal Anne Fank

Graduado em História Graduando em Museologia/UFMG

[email protected] (31) 9656-9388

Resumo

Neste trabalho relata-se a experiência de leitura vivenciada pelos estudantes do 3º ciclo da E. M. "Anne Frank", onde constatou-se baixo índice de leitura. Buscando incentivar a prática da leitura literária, tendo como princípio norteador o prazer de ler, utilizaram-se as aulas de história como momento para esta prática. Nesse projeto, os estudantes protagonizaram a aquisição e divulgação do acervo literário da biblioteca da escola.

Palavras-chave: Ler por prazer; Mediação; Escola.

Abstract

This paper reports the reading experience by the students of the 3rd cycle at "Anne Frank" public school, where we observed limited readership. Seeking to encourage the practice of literary reading, based on the principle guiding the pleasure of reading, we used the history lessons as time for this practice. In this project, students staged the acquisition and dissemination of literary collection of the school library. Keywords: Reading for pleasure; Mediation; School.

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Introdução

Pai, o livro é um brinquedo, né? Um brinquedo que não é brinquedo... é um portal da imaginação, né? (Silas, 09 anos, leitor).

Nunca vou abandonar a literatura na minha vida.

(João Jorge, 14 anos, leitor).

A herança que se partilha

A escola foi quem me iniciou na leitura. Na família, o pai por demais provedor do sustento, enquanto a mãe, abandonara o sonho da escola nas primeiras séries do primário - fato que sempre lastimava. Assim, livro e leitura eram bens inacessíveis em minha casa.

A escola, esta sim, foi quem me apresentou aos livros e à literatura. Lembro de alguns eventos que mesmo acontecendo em diferentes tempos, tinham como locus o universo escolar. Chamo-os de meus rituais iniciáticos.

O primeiro deles, cena ainda vívida no quadro da memória: a professora, na última parte da manhã de um determinado dia, lendo para nós - seus alunos - os mais fascinantes livros. Sentávamos no chão, em volta da professora, numa inconsciente metáfora do sistema solar. Lia-nos Pinóquio. Tinha o cuidado de interromper a leitura no clímax, tornando-nos ávidos pela próxima sessão. Hoje, quando tomo emprestado do meu filho, a edição do Collodi, da editora Dimensão, aquele momento reaparece em lampejo do tempo.

A outra experiência literária que destaco, aconteceu mais tarde, na chamada 5ª série. Naquele momento de passagem e quebra na linha "evolutiva" da escolarização, fomos surpreendidos em sala de aula por uma avalanche de prospectos de uma editora, contendo a "Coleção Vagalume". De repente, encontrava-me, então, na prazerosa tarefa de marcar com um "xis" aqueles livros que pediria fossem adquiridos. Lembro que fracassei na escolha, pois quando vi, havia marcado quase todos. Os da coleção Vagalume, O Conde de Monte Cristo, Robson Crusoé, A Volta ao mundo em ..., Oliver Twist, etc etc, formaram meu primeiro acervo do desejo. Na época guardei aquele prospecto, repleto de marcações, como um troféu. Revisava-o sempre, saboreando os títulos, as capas e as aventuras ali guardadas naquelas mágicas "caixinhas" de celulose e tipos. Mesmo tendo adquirido sequer a décima parte do desejado, estava formada minha primeira biblioteca imaginária, ao lado do Pinóquio, estavam agora "O Escaravelho do Diabo", "O caso da borboleta Atíria", "O Conde de Monte Cristo", hoje, na lembrança, misturado com "Crusoé" - que Drummond, cuidara de fixar eternamente na parede poética da memória.

Hoje, já adulto e professor, ao relatar a experiência do projeto "Todo dia é dia de Leitura", desenvolvido na Escola Municipal Anne Frank, surpreendo-me ao descobrir que, de certa maneira, aqueles rituais, foram reinventados e reconstruídos. Longe de insinuar qualquer determinismo, vislumbro o valor, a riqueza e o caráter duradouro de uma mediação pedagógica que me acompanha por toda a vida... e que, por ser tão valiosa, impele à partilha, como herança que se distribui.

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Referencial Teórico

"Não se deseja outra coisa como reação de leitura, senão que o leitor desfrute intensamente o que lê" (Cademartori, 2009, p. 60). Esta expressão de Lígia, ajusta-se sob medida como eixo de desenvolvimento do projeto que aqui se relata. O que se buscava era propiciar a construção de uma experiência de leitura literária a partir do prazer, da liberdade e da autonomia. Como nos alerta Magda Soares prefaciando Cademartori em "O Professor e a Literatura", na página 13, "[...] já sabemos que não é aplicando regras didáticas que despertaremos a fruição da literatura", nada mais lógico que partir de uma forma alternativa, ou minimamente diferente daquilo que comumente se faz na mediação da leitura na escola, visto que quase nunca funciona.

Lembro-me que ainda quando cursava as séries finais do ensino fundamental - não sei precisar se antes ou depois da Coleção Vagalume - tínhamos nós, a grande maioria dos estudantes, uma enorme rejeição ao velho Graça. Nas séries mais "adultas", víamos a grande quantidade de amigos que traziam consigo, em meio aos seus cadernos, o livro amarelo de "Vidas Secas". E muitos nos diziam: "Vocês terão que ler ano que vem, com a professora X. É muito chato". Durante alguns anos esse era o livro que todos os "alunos" dessa professora tinham que ler. Pobre Graciliano, aliás, pobre de mim! Demorei algum tempo para desconstruir essa rejeição, verdadeiro preconceito, contra a obra desse nosso grande escritor.

Se os dois primeiros ritos abriam a um adolescente as portas de um mundo novo e fabuloso, o último fechava bruscamente janelas cuja riqueza quase desconheci. Entre os dois primeiros ritos - o da professora lendo e o da Coleção Vagalume - e a última e malfadada experiência de "Vidas Secas" existe uma distância abissal. Em um, a leitura por prazer, sedutora, capaz de arrebatar integralmente a mente e o corpo daqueles jovens escolares; noutra, a recusa, o sentimento de rejeição mesmo antes de se conhecer o conteúdo, o conceito formado antes - por isso, preconceito - a partir da impressão negativa difundida por outros leitores. Daquele jeito e naquela situação, ler Graciliano parecia ser uma tortura.

Todo esse recuo às experiências de leitura do passado funciona como pano de fundo de uma análise da concepção de mediação de leitura que se faz na escola. A professora que exigia a leitura de Graciliano, obrigava-nos a uma leitura burocrática, que segundo Cademartori é definida como "... aquela que se faz apenas como meio, parar atingir um fim alheio a ela" (2009, p. 80). A obrigatoriedade nos tirava a autonomia, e os exercícios e avaliações e notas e fichas de resumo extinguiam qualquer possibilidade de fascínio. Sobre essa capacidade da escola em anular a literatura enquanto arte e fruição, vale o breve, mas contundente alerta:

O espaço da leitura de livros é necessariamente individualizado, mas, na escola, a inscrição do sujeito-leitor se faz controlada e dirigida. [...] Além disso, o controle do imaginário se faz continuamente na leitura escolar, em nome do conhecimento sem imaginação e sem investimento pessoal do leitor. (PAULINO, 2010, p. 121-122).

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Ora, como "leitor escaldado tem medo de leitura obrigatória", essa experiência literária, com toda certeza, eu não desejava para os meus estudantes-leitores. Foi a partir dessa "receita ao contrário" que vislumbrei a realização do Projeto "Todo Dia é Dia de Leitura". Ante a percepção da quase inexistência da prática da leitura no 3º ciclo, ante a visível imagem da biblioteca da escola, como um lugar que - ao menos no turno da tarde - mostrava-se insosso, sem vida, posto que sem leitores, sem alegria, sem o alarido próprio da galera, é que arrisquei a implantação do projeto. De antemão, sabia o que não devia fazer. Mas, honestamente, sabia também, que tudo o que eu queria era ver o brilho de páginas, letras e fantasia, refletido nos olhares do jovens estudantes numa relação que consumiria corpo e mente juntos: cotovelos na mesa, livro no colo ou amparado entre as mãos. Que eles lessem com todo o corpo, enfim com prazer, seduzidos pelas mais belas histórias do seu tempo. E é por isso que recorro, novamente a Cademartori quando diz que:

Os livros inesquecíveis, aqueles que nos causaram impacto na juventude e ainda nos reservam prazer e surpresas ao serem relidos muitos anos depois, fizeram parte de nossa formação de conceitos, ordenaram certas vivências, mas, sobretudo, nos fascinaram. Salvaguardar o espaço para que os estudantes vivam essa fascinação deveria fazer parte dos cuidados de um professor. (CADEMARTORI, 2009, p. 84).

Com esse cuidado e esse projeto ambicionei realizar na escola uma mediação de leitura baseada na sedução, no prazer, no fascínio.

Objetivos

De maneira geral, o que se buscou com a realização desse projeto foi a implantação de condições para a construção do hábito e da prática de leitura entre os estudantes. Mas, como fazer isso, ou melhor, a partir de qual premissa? Especificamente, o ponto de partida dessa construção seria a leitura como forma prazerosa, autônoma e, por conseguinte, como fonte de conhecimento do leitor em sua relação com o outro e com o mundo.

Ademais, almejou-se possibilitar aos estudantes condições para a apropriação do espaço da biblioteca como espaço cultural, juvenil, prazeroso e dinâmico, podendo assim, em relação a esse espaço, construir um sentido de pertencimento.

Ainda como objetivo, mas tendo também as características de método, a ideia do protagonismo juvenil colocava-se com um dos eixos desse projeto. Mais ligado à concepção do projeto, o protagonismo era, na verdade, uma condição sine qua non para o bom andamento do projeto, visto que, ao valorizar a autonomia, possibilitava-se aos estudantes a compreensão da responsabilidade por suas ações. Tal autonomia possibilitava a instauração da condição de sujeitos da sua própria leitura, sujeitos também dos mundos da literatura e do mundo no qual estão, realisticamente inseridos. Assim, as portas da/para a leitura prazerosa estavam generosamente abertas.

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Metodologia

Lançando hoje um olhar retrospectivo sobre o projeto "Todo Dia é Dia de Leitura" percebo que extrapolando o que se planejou, ele seguiu como um pequeno riacho, alargando-se ali, minguando aqui, fazendo curvas, seguindo. Tomou a forma de um processo, que hoje, eu mapearia com o seguinte trajeto: 1) O ponto de partida com a leitura do Diário de Anne Frank e o filme "Escritores da Liberdade"; 2) O pacto e escrita dos diários; 3) A criação do Dia da Leitura; 4) Lançando Iscas e Biblioteca com "Nossa Cara"; 5) A chegada dos livros; 6) Propaganda; 7) Invasão da biblioteca e demanda dos menores; 8) Salão do Livro, Botons e Exposição 9) Grupo de leitura; 10) Guimarães nascendo no Confisco e Terceira Margem; 11) S. T. I. e Manoel de Barros.

O projeto que começou em 2009 segue, ainda hoje, em andamento. Em seu trajeto, tomou outras formas e, até outras cores. Começou utilizando o tempo e o espaço de uma das três aulas de história que estavam sob minha responsabilidade. Depois, extrapolou as paredes da sala, ocupou o pátio, as arquibancadas, as outras salas da escola, enfim, seguiu como o riacho, conquistando terras, incorporando aquilo que estava à margem, operando entrecruzamentos.

Assim sendo, entrecruzou Anne Frank e os "Escritores da Liberdade", fez brotar contemporâneos diários; aprendiz de Rosa fez-se pactário. Esse riachinho ainda cismou de invadir a biblioteca da escola, rejuvenescendo-a; visitou salão de livros, percorreu com seu líquido sussurro a exposição das fotos de leitores e livros. Ah, contrariando toda a geografia fez as águas maquinés de Cordisburgo se cruzarem com as da Pampulha, no Bosque da Paz, em frente à escola - ele próprio, Sirimim, essa nascente.

Por fim, com valentia, entrecruzou suas poucas águas transversais no cerne de outros campos necessários de enfrentar - daí sua fusão com S. T. I. . Explico. Ao ver uma de suas estudantes vitimada pelo racismo na escola, emprestou suas águas e trajeto pras o grupo "Somos Todos Iguais". E hoje, vive assim, feito camaleão, fundindo literatura e a luta contra o racismo, sendo ora um, ora outro, e os dois ao mesmo tempo. À procura de outras interseções, segue esse riacho, tentando empoderar nossos estudantes negros, combatendo todo tipo de preconceito, aprendendo "agramática", "carregando água na peneira" até a "terceira margem", cantando MPB e lendo "Mané de Barro".

Desenvolvimento

Ponto de Partida, Pacto e Diários

Foi em 2009, na Escola Municipal ―Anne Frank‖, mais especificamente com os estudantes do 3º ciclo, que partilhei essa riqueza recebida como herança naqueles primeiros rituais de iniciação literária. Trata-se do projeto "Dia de Leitura" (esse foi o primeiro nome), que começou com a leitura do ―Diário de Anne Frank‖1 e com o filme ―Escritores da Liberdade‖.2

1 FRANK, Anne. O Diário de Anne Frank. Tradução de Ivanir Alves Calado. 25 ed. Rio de

Janeiro: Record, 2008.

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Em meados do segundo semestre, durante um dos debates sobre o citado filme, alguns estudantes manifestaram o desejo de também escrever um diário. Após a aquisição dos cadernos/diários, preparei uma ―aula‖ na qual realizei a motivação para a escrita dos diários. A partir de então, os diários começaram a ―sair‖. Foram vários os estudantes que escreveram. Vale salientar que, para a escrita desses diários foi realizado um Pacto,3 entre o professor e os estudantes. Eu me comprometia em manter o sigilo do conteúdo dos diários. Tudo o que escrevessem seria lido apenas por mim, caso eles desejassem. Nenhum outro professor, diretor, coordenador ou familiar teria acesso aos diários. Além disso, eu não poderia tornar público qualquer passagem, a não ser com a devida autorização. Os diários eram escritos em sala, em casa, escondido dos familiares, na cumplicidade dos quartos. Aos poucos, alguns estudantes foram autorizando a minha leitura. Com o fim do ano letivo a maioria levou seus diários para casa. No ano seguinte, poucos diários retornaram. Alguns foram abandonados, outros até descobertos e violados por familiares – alguns chegaram a ser destruídos. Consegui ―salvar‖ apenas alguns deles.

Dia da Leitura e Lançando Iscas

Esta etapa do projeto realizada em 2010 dava continuidade à prática da leitura iniciada com o ―Diário de Anne Frank‖ e incrementada com a escrita dos diários. Foi desenvolvido com as turmas do 2º e 3º ano do terceiro ciclo.

Consistia no combinado de que toda quinta-feira seria o nosso ―Dia da Leitura‖. Neste dia, os alunos ―nada mais‖ fariam do que ler em sala de aula ou em outro ambiente da escola. Comecei, surpreendendo-os, levando uma quantidade considerável de livros para a sala e deixando que escolhessem aqueles que lhes agradassem. O objetivo principal era muito simples: propiciar espaço e tempo para ler. Nesses primeiros encontros aumentava, gradativamente, a quantidade de livros oferecidos. Líamos no pátio da escola, na arquibancada, em sala etc. Foram estabelecidos alguns acordos: Ninguém era obrigado a ler. Quem não gostasse do livro escolhido poderia trocá-lo por outro, não sendo obrigado a permanecer com o mesmo livro. Ninguém teria que, ao fim da leitura (ou da ―aula‖) fazer resumo ou responder quaisquer questões sobre o livro lido. Em alguns encontros cheguei a fazer uma leitura ―teatralizada‖ de trechos de algum livro, preparada previamente – algumas vezes funcionou, noutras não. Em outros encontros colocava alguma música como som ambiente para o exercício da leitura. Tentei, ao máximo, ler também os meus livros, tornando-me também, naquele instante, um leitor, o que entendo daria credibilidade à situação de leitura, além de propiciar minha inserção no grupo. Toda essa estratégia, possibilitou o sentimento de

2 ESCRITORES DA LIBERDADE [Freedom Writers]. Direção: Richard LaGravenese, EUA:

Paramount, 2007, 122 min. 3 Esse pacto, a escrita dos diários, bem como a exploração do filme "Escritores da Liberdade",

devo ressaltar, já havia sido empreendido em outra escola - E. M. Maria de Magalhães - em outra época, outro enfoque, formato e, portanto outro contexto. Nessa ação, trabalhei em parceria com a professora Juliana Leal, que muito me ensinou sobre leitura literária e a quem agradeço.

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curiosidade e de comprometimento com o ato de ler, já que naquele instante lia-se não para conseguir uma nota, ou fazer um trabalho, tentava-se ler por desejo, atendendo não a uma determinação do professor – fator externo – mas sim a uma demanda interna do leitor. Assim, até aqueles estudantes que nos primeiros encontros não liam, em determinada altura do projeto viram-se ―levados pela corrente‖ e acabaram lendo. Além disso, foi perdendo força a estratégia do ―fingir que estou lendo‖, pois ali não havia a quem enganar, a não ser a si próprio.

Com o passar dos primeiros encontros levei os estudantes, algumas vezes (ainda não frequentemente) até a biblioteca para que escolhessem os livros. Em determinado momento, passei a levar para a sala algumas ―malas literárias‖, ou seja, uma caixa-box com cerca de 25 exemplares de um mesmo livro. Como eram livros conhecidos por mim, tratei de criar alguma motivação/provocação sobre os livros. O desejo de leitura, então desencadeou-se, visto que eram livros infanto-juvenis, que tratavam de questões próprias daqueles estudantes. Os comentários, as comparações, a curiosidade sobre a sequência do livro foram ―contaminando‖ a turma. Nesta fase foram lidos livros como ―Ficar ou Namorar‖ de Leonardo Antunes, ―PS Beijei‖, ―Grávida aos 14‖, ―Estrelas Tortas‖ de Walcyr Carrasco. Ainda joguei outra ―isca‖, ou seja, adquiri por minha conta um exemplar de outros livros, como ―Fala sério, professor‖, ―Poderosa‖ e ―Querido Diário Otário‖, livros que correram a sala e renderam algumas disputas, pois tínhamos apenas um exemplar.

Visando conhecer a repercussão do projeto junto aos estudantes foram realizadas duas ―avaliações‖ do projeto, através destas os estudantes se manifestaram sobre a continuidade ou não do ―Dia da Leitura‖, sobre sua periodicidade, além de avaliarem o tipo de literatura oferecida e desejada.

Chegamos ao final do ano com um grande avanço na construção de uma prática de leitura. É claro que alguns estudantes ainda não se entregaram a esse hábito, não foram satisfatoriamente seduzidos pelos livros e pela leitura – alguns ainda resistem – mas a maioria e mesmo os mais reticentes mostraram um grande avanço.

Chegada dos Livros e Biblioteca com "Nossa Cara"

Nesses últimos meses de 2010 recebemos a notícia de que finalmente seria atendida uma antiga demanda: a compra de livros infanto-juvenis para o acervo da biblioteca. Durante o ano, os auxiliares de biblioteca coletaram sugestões de títulos para aquisição junto alguns alunos. Mas, então, onde entra a citada preocupação? Surgiram rumores de que a verba poderia ser utilizada para reforma do piso da biblioteca - o que felizmente não se efetivou. Diante desses rumores, alguns professores e estudantes ficaram em estado de alerta para garantir a compra dos livros.

O processo de aquisição dos livros já se encontrava adiantado: os auxiliares de biblioteca já haviam realizado as coletas de sugestões e de preços. Em uma das visitas de um representante de editora, aconteceu a coincidência de que alguns estudantes do Projeto ―Todo Dia é Dia de Leitura‖ estavam utilizando a biblioteca. Foi surpreendente: ficaram maravilhados com

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os novos títulos e, praticamente, pelo entusiasmo ―deram o aval‖ para a compra dos livros.

Começamos o ano de 2011 com boas perspectivas para nossos estudantes, em relação à leitura: os livros tão desejados por eles foram adquiridos e já se encontravam na biblioteca. Coube-nos então a tarefa de reestruturar o ―Dia de Leitura‖. Estabelecemos então, de forma efetiva, uma parceria com os funcionários da biblioteca da escola. Chegara o momento de valorizar os novos livros que, agora, ―davam uma cara adolescente‖, ―jovem‖ à, até então meio sisuda, biblioteca. Com tantos livros novos e sedutores não poderíamos assistir estáticos a uma simples acomodação dos exemplares ao espaço-frio-metálico das estantes. Tratamos a chegada dos novos livros como uma boa e grande notícia que deveria ser espalhada por toda a escola. Era hora de oxigenar o projeto.

A Propaganda

No reinício das aulas (fevereiro/2011) coloquei para todas as quatro turmas do projeto a seguinte questão: ―Bem, os livros novos chegaram. O que fazer para que todos fiquem sabendo disso?‖. Encaminhei o debate dando aos livros o status de notícia boa, de algo valioso, como um tesouro que descobrimos e que queremos e precisamos repartir com os outros. Várias ideias surgiram, desde as mais tradicionais como fazer cartazes, até aquela de fazer propaganda de sala em sala. Propaganda, aí estava a chave e o caminho!

Coletivamente decidimos: Iremos de sala em sala fazendo propaganda dos livros novos, conclamando os estudantes a visitarem a biblioteca. Mas teríamos que chamar a atenção, teríamos que convencer a todos de que os livros eram bons, teríamos que seduzir os novos leitores. Estratégia: algo que chamasse a atenção. Fantasias. Máscaras, perucas, chapéus diferentes e roupas, parangolés, arlequins e bobo-da-corte.

De novo, planejamos a ação. Primeira etapa: conhecer os livros para então fazer a propaganda. Preparamos a biblioteca. Os novos livros expostos de forma convidativa. Surpresa! ―Queremos ser os primeiros a ler!!!‖ e outras falas preencheram esse encontro na biblioteca. A seguir, cada um escolheu os livros que iria anunciar e defender. Para tanto era preciso conhecer o livro e o seu enredo, então empreenderam leitura. Fizemos vários ensaios, além do horário comum das aulas, com autorização dos pais. Decidimos que durante as aulas de história conheceríamos a história do bobo-da-corte, do arlequim, um pouco de Shakespeare e até das cortes europeias… Salientamos o poder do bobo-da-corte, que ilusoriamente é tido como personagem pouco importante, mas que através da narrativa era talvez, o único capaz de questionar o rei e fazer-lhe o que outros não ousavam fazer, sob risco de perderem a cabeça. Passo seguinte era preparar a apresentação. Distribuir as fantasias, ensaiar a fala em público. Combinamos que ao apresentarmos os livros criaríamos suspense na fala: ―Se vocês quiserem saber como termina essa história procure esse livro amanhã na biblioteca‖. Restava a agora o último passo: o dia da visita às turmas. Frio na barriga, entusiasmo, curiosidade, autoestima lá em cima. Resultado: Sucesso!!! ―Vamos fazer de novo?!‖.

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O dia em que a biblioteca foi invadida e a demanda dos menores

No dia seguinte à propaganda nas salas aconteceu um tumulto na biblioteca. Antes do sinal da primeira aula tocar um número surpreendente de estudantes postou-se à porta da biblioteca. Aconteceu uma disputa por livros. No mês de março a biblioteca bateu o recorde de empréstimos de livros. Ainda hoje é comum ver, durante o recreio, a biblioteca ocupada por estudantes lendo livros, revistas em quadrinhos…

Naquele ano uma boa parte dos estudantes estava devorando livros durante o recreio, em casa, nos fins de semana; outros até, passaram a ler junto com suas mães. Muitos ficaram à espera da chegada da sua vez na lista de reservas. Os funcionários da biblioteca nunca emprestaram tantos livros.

Após as visitas dos estudantes às salas de aula do turno da tarde, passei a ser procurado por alguns estudantes do turno da manhã - do início do ciclo e para os quais não dou aula – pedindo para participar do projeto, na verdade também queriam, como os do final do ciclo, ir de sala em sala fazer a propaganda dos livros. Disse que se formassem uma equipe poderíamos pensar em algo. Logo recebi de uma dessas estudantes uma pequena relação de nomes de estudantes que queriam participar. A partir da autorização dos pais marcamos alguns encontros após o término das aulas. Desta vez trabalhamos com os livros infantis recém-adquiridos. Usamos a mesma metodologia: escolher o livro, conhecê-lo, preparar a fala provocadora da propaganda. Após alguns ensaios realizamos as visitas às salas do turno da manhã no dia 29/03. Também foi um sucesso. Interessante ressaltar que nesta segunda equipe de propaganda dos livros, houve uma interação de estudantes ―experientes‖ do primeiro grupo (do 3º ciclo) com os que ingressavam agora no projeto.

Salão do Livro, Botons e Exposição

Para dar maior visibilidade à atuação dos estudantes no projeto, a Escola financiou a confecção de botons alusivos ao Projeto "Todo Dia é Dia de Leitura" e à prática da leitura em nossa Escola. Esse boton foi distribuído pelos participantes para todos os estudantes, professores e funcionários da Escola, a partir da instalação de uma pequena banca no hall da Escola.

Outra atividade realizada pelo "Projeto Todo Dia é Dia de Leitura" foi a visita ao Salão do Livro realizado na Serraria Souza Pinto. Nessa visita, os estudantes tiveram um contato maior com o mundo dos livros. Ficaram surpresos com a quantidade e diversidade de livros expostos. Nessa visita tinham duas missões a cumprir: "garimparem" títulos que seriam adquiridos pela biblioteca. E o mais importante, "curtirem" prazerosamente aquela visita a mais uma faceta do mundo dos livros e da literatura. Além dessas duas missões, percebemos que alguns estudantes compraram alguns exemplares de preços mais acessíveis, como mangás e outros.

Como um dos últimos eventos realizados pelo projeto em 2011, realizamos uma exposição fotográfica enfocando a participação dos estudantes no projeto. Esse evento foi efetivado por todos os estudantes das turmas com as quais eu trabalhava. Num primeiro momento fizemos uma seleção de fotos, priorizando aquelas que mostravam os estudantes - individualmente ou em

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dupla - lendo ou em pose, segurando livros: o sorriso de uma lado e o livro de outro. Feita a seleção das fotos, os estudantes pintaram com tinta preta várias caixas, de diversos tamanhos, que seriam os suportes das fotos.. Após toda a preparação, montamos a exposição: as caixas, de fundo preto receberam fotos e foram penduradas por fio de nylon, ficando suspensas, ligadas ao solo e ao teto. Vários foram os comentários de que aquelas caixas não iriam durar nenhum dia, de que as fotos seriam "roubadas". Nada disso aconteceu e a exposição foi um sucesso. Montada intencionalmente no local de passagem obrigatória dos estudantes - no hall que dá acesso ao pátio da Escola - a proposta era que as caixas-fotos incomodassem aqueles que por ali passassem, praticamente obrigando e capturando o olhar e outros sentidos dos estudantes. Como estavam penduradas, os móbiles eram vistos e tocados pelos visitantes que passaram a girá-los, descobrindo outra função para os mesmos. Por tudo isso, percebemos que a interação foi altamente satisfatória. E aquele receio de "roubo" e dano, deu lugar à admiração e à satisfação de se reconhecerem ali nas fotografias. Comprovou-se o contra-argumento por nós utilizado quando dos alertas dos mais "pessimistas": tudo seria uma questão de aprendizado e, se arrancassem as fotos, faríamos outra exposição; nesta segunda o dano, certamente seria menor, e assim faríamos até que a aprendizagem se consolidasse. Além do mais a satisfação, a autoestima, o orgulho, proporcionados pela identificação, pela sensação de pertencimento, dariam o tom da construção de sentido daquela exposição. Durante a exposição, os estudantes do Projeto "Todo Dia é Dia de Leitura" sugeriram - olha o protagonismo aí - e efetivaram uma forma de avaliar a exposição. Montaram uma banca com uma urna, em que os visitantes depositariam o círculo com a cor que representava o conceito que tiveram da exposição; ou seja, "gostei muito" = círculo preto; "gostei um pouco" = círculo verde; e "ruim" = círculo amarelo. Interessante notar que quando esses estudantes definiram o código-cor dos conceitos, logo estabeleceram a cor preta para o negativo "não gostei". Foi então, mais uma oportunidade de desmitificar e desconstruir alguns estereótipos e preconceitos. Questionei-lhes porque escolheram aquelas cores e significados. Perguntei-lhes ainda se eles achavam que era apenas coincidência, sempre a cor preta ser relacionada com o ruim, o negativo, o perigoso, como era o caso de "ovelha negra", "nuvem negra", "lista negra"... Porque a lista não poderia ser azul, a nuvem ser verde? Fizemos um bom debate e decidimos que, intencionalmente, colocaríamos a cor preta representando o melhor conceito. Mais interessante ainda, foi que alguns visitantes "mais adultos" estranharam a mudança de cor e do enfoque. Concluindo, a exposição foi um sucesso e, quando desmontada, as fotos foram doadas para os seu protagonistas.

Grupo de Leitura, Guimarães nascendo no Confisco e Terceira Margem

Em decorrência de todas essas ações relatadas criamos um grupo de leitura que se reunia semanalmente após o término das aulas. Reuníamos durante uma hora. Hoje os encontram duram meia hora, geralmente de 17:30 às 18:00 h, devido à insegurança no retorno dos estudantes para suas casas.

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Nesses encontros realizamos leituras e nos preparamos para algumas apresentações e eventos.

Dentre os eventos, merece destaque a participação do grupo na "Semana do Livro Aberto" que é um projeto da escola, no qual durante uma das semanas de setembro, o foco pedagógico volta-se para a literatura. Em 2012, como ponto culminante dessa semana, sugerimos a participação do grupo "Caminhos do Sertão", de Cordisburgo que nos presenteou com a contação de histórias, com um Boi-Bumbá e com uma caminhada ecológica e literária pelo Bosque da Paz. Essa caminhada foi uma adaptação da famosa caminhada que se realiza todos os anos no encerramento da Semana Roseana, em Cordisburgo. A comitiva roseana era composta por contadores das primeiras gerações dos Miguilins, e pela geração atual. A participação do grupo de leitura da escola aconteceu na apresentação de passagens da obra Campo Geral, de "Manuelzão e Miguilim", que eram ofertadas às pessoas como presentes poéticos. A preparação do grupo para essa apresentação, além de possibilitar o contato com obra de Guimarães Rosa, proporcionou aos "nossos poetas" muito mais confiança e auto-estima, ou seja, alguns desses estudantes, que em sala de aula eram invisíveis, ali tornavam-se respeitados artistas.

Como desdobramento desse encontro com os contadores de história de Cordisburgo e do contato com a obra roseana, no ano seguinte, contando com o aporte da professora de literatura da escola, trabalhamos o conto "A Terceira Margem do Rio", lendo, escrevendo, analisando e tateando os enigmas dessa literatura.

Somos Todos Iguais (S. T. I.) e Manoel de Barros

Atualmente, em pleno ano de 2015, esse grupo literário continua se reunindo, a partir do desejo de adesão, após as aulas e muitas vezes conta com a participação de "ex-alunos". O apoio da família também é fundamental para o funcionamento do grupo, pois cabe aos pais, além da autorização para saídas da escola, a busca das filhas e filhos após os encontros.

Hoje, o grupo segue com sua dezena de participantes, lendo, debatendo questões como racismo, fazendo intervenções na escola. Em uma última ação, o grupo postou nas redes, um vídeo em apoio a uma estudante - jovem como elas/eles - da cidade de Uberaba, que fora vítima de racismo. Assim, esse teimoso riachinho segue se alimentando Guimarães, e no momento, principalmente, de Manoel de Barros, continuando a pois o mundo - e a escola - carecem de pessoas capazes de "carregar água na peneira" e aprender "nos desvios..." essa tal de "agramática".

Conclusões

Na conclusão desse relato quero asseverar - e o faço por própria experiência - que "para a maioria, o único lugar onde o encontro com o livro pode acontecer é a escola, e pela intermediação do professor" (Cademartori, 2009, p. 90). Dito isso, é preciso ressaltar que a partir da realização do Projeto "Todo Dia é Dia de Leitura" constatamos algumas mudanças nos estudantes,

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na biblioteca e na leitura que se pratica na Escola Municipal "Anne Frank". Certamente, não são mudanças mirabolantes ou gigantescas. Mudanças essas, que a despeito de todo o esforço, não conseguiram eliminar os equívocos na mediação literária; nem transformaram de forma mágica todos os estudantes em amantes da leitura, sequer conseguiram manter o alto índice de empréstimos da biblioteca escolar. Mas sim, mudanças significativas, e que embora mínimas, parecem ser de um quilate que não conseguimos determinar.

Sabemos, no entanto, de alguns efeitos do projeto: é claro que na época da propaganda da chegada dos livros (a partilha da herança) o número de empréstimos "bombou" - de 50 empréstimos/mês para 300 naquele mês - mas, passado esse boom, a acomodação dessa quantidade manteve-se bem acima da média comumente registrada. Sabemos ainda, sobre o envolvimento de pais na experiência de leitura dos filhos; como também sabemos do aumento de devoluções de livros, que pode ser visto como um índice que aponta para uma significativa valorização do livro e da leitura. Ressalte-se que os próprios estudantes do grupo de leitura se incumbem de cobrar em salas a devolução. Mas, dois indicadores destacam-se nesse processo, a saber, o empréstimo de livros para as férias e a abertura e funcionamento da biblioteca durante o recreio. Sabemos enfim, que se criaram condições favoráveis ao exercício do protagonismo juvenil e da autonomia.

Hoje, o Projeto "Todo Dia é Dia de Leitura" segue ainda como um riacho teimoso - Sirimim - minguando e renascendo. Segue em frente, gritando contra o racismo e bradando livros. Amputado em seu tempo, segue sem espaço no horário comum da escola, que em nome da tradicional hierarquização dos saberes, retira horas-aula da história e aumenta daquelas ciências consideradas as mais importantes. Para o bem da escola e dos índices, tome mais aulas de matemática e português, e diminuam-se as de história, de arte, de sonhar, de imaginar, de escrever, de viajar, enfim de gostar de ler.

Mas, se me perguntarem o que eu queria mesmo com esse projeto, o que eu mais desejava, de verdade, ao instaurar esse projeto... eu responderia que queria mesmo era ser como aquela minha professora, dos meus primeiros anos escolares, que lia pros seus alunos os livros mais fascinantes, e que pela força da literatura convoquei - pelo túnel do tempo - a fazer-se presente aqui. Ou então, ter um pouco da sabedoria da "felicíssima bibliotecária" que "pescou" o escritor Luiz Ruffato para o mundo dos livros, conforme citado por Cademartori (2009, p. 59): "Ela não propôs nem impôs uma tarefa. Apenas partilhou, com alegria, algo que considerava precioso".

Ou talvez, quisesse ainda continuar "saber errar bem o [ meu ] idioma" e ser "professor de agramática" (BARROS, 2010, p. 319-20).

Para finalizar e sendo coerente a um dos princípios do projeto "Todo Dia é Dia de Leitura", em possibilitar aos estudantes e leitores a expressão de sua leitura, eis que encerro com duas falas de "ex-alunos". A primeira é bem recente e foi pronunciada por um jovem que se transformava quando lia e falava poesia. Aliás, se transformava não. Sempre foi ele mesmo, a escola é que nunca o enxergava assim como ele realmente era. Aconteceu que na manhã de um sábado comum - este sim, transformou-se a partir de então em um dia maravilhoso - encontro o tal menino nas redes sociais. Pergunto-lhe como vão os estudos na nova escola e no ensino médio. Ele me responde que

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está indo bem. Arrisco: - E a literatura, abandonou? O menino-antes-invisível responde: - Nunca vou abandonar a literatura na minha vida.

O outro relato veio de uma jovem, que após concluir o ensino fundamental em nossa escola, demonstrou a angústia pela qual passava em sua nova escola de ensino médio. Como ela tinha uma irmã que continuava estudando conosco, mandou-nos o seguinte bilhete:

"Olá, meu nome é [...]. Eu estudava nesta escola no ano passado, infelizmente tive que sair e ir para o "XYZ". Mas eu estou morrendo de saudades desta escola, professores, enfim. Principalmente do Projeto [...], que afinal eu aprendi a gostar de livros através dele, e como não estudo mais nesta escola não posso mais participar. Então eu queria pedir por favor, se eu posso pegar livros aí, se deixarem eu vou pegar os livros na parte da tarde, pois estudo de manhã, eu peço por favor estou morrendo de saudades de ler. Agradeço a oportunidade, se me ajudarem eu agradeço. Ass.: [...]".

Referências

BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.

CADEMARTORI, Ligia. O professor e a literatura: para pequenos, médios e grandes. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. (Conversas com o professor; 1).

COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. Tradução de Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003.

COSSON, Rildo. Letramento Literário: Teoria e Prática. 1ª ed. 3ª reimpressão, São Paulo: Contexto, 2009.

PAULINO, Graça. Das Leituras ao Letramento Literário - 1979-1999. Belo Horizonte: Fae/UFMG; Pelotas: UFPel, 2010.

ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim (Corpo de Baile). 9. ed., 32. Impr. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

SANTOS, Fabiano dos; MARQUES NETO, José Castilho; ROSING, Tânia (Org.) Mediação de Leitura: discussão e alternativas para a formação de leitores. São Paulo: Global, 2009.

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LEITURAS LITERÁRIAS COM CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS DE IDADE NA CRECHE: REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS A PARTIR DAS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Patrícia Gama Temporim Prefeitura Municipal de Cachoeiro de Itapemirim/ES

Especialista em Gestão Escolar/UFES [email protected]

(28) 99962-0983 / (28) 3155-5293

Resumo

Esse relato de experiência objetiva narrar a produção do conhecimento de crianças de 0 a 3 anos de idade da EMEB ―Profª. Cely Santos de Oliveira‖,1 a partir de leituras literárias, considerando fundamentalmente a concepção de criança e a importância da leitura prazerosa no cotidiano escolar, articulando-as com as garantias de experiências sistematizadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil (DCNEI 2009). Entendendo a criança como um sujeito histórico e de direitos,2 suas especificidades etárias, a configuração do currículo da Educação Infantil e o grupo de garantias de experiências relacionadas às linguagens das crianças nas DCNEI (2009), os docentes da EMEB ―Profa. Cely Santos de Oliveira‖ se colocavam no processo literário como mediadores de leitura, oportunizando as crianças uma dimensão imaginária das narrativas. Com o objetivo de oportunizar a leitura pelo prazer no ambiente da creche, favoreceu-se assim inúmeras possibilidades com as crianças no universo lúdico e imaginário da literatura. O entendimento por parte dos professores sobre as especificidades dos bebês e das crianças bem pequenas,3 fez toda a diferença no trabalho, onde considerou-se suas particularidades, o bem estar das crianças na organização espaço destinado à leitura, tempo de concentração, curiosidades, desejos e liberdade. Com referenciais teóricos de Walter Benjamin, o estudo da linguagem de Mikhail Bakhtin e os conceitos de Lev Vygotsky sobre a criança, as práticas de leitura literárias iam se constituindo nas vivências da creche entre adultos e crianças. A metodologia de trabalho se sistematizava nos planejamentos entre professores e pedagoga/gestora, onde se organiza as leituras que seriam realizadas com as crianças. Posteriormente essas leituras eram feitas em momentos diversificados do dia nas turmas, todos dos dias, de maneira dinâmica e flexível. Os resultados dessas mediações de leituras aconteciam de forma progressiva na medida em que as crianças iam se apropriando desses momentos, despertando o prazer pelo universo imaginário e desenvolvimento o gosto pela leitura.

Palavras-chave: Creche; Leitura Literária; Mediadores de Leitura.

Abstract

This report aims experience narrate the production of knowledge of children 0-3 years of age EMEB "Prof. Cely de Oliveira Santos‖, from literary readings, mainly considering the conceptions of childhood and the importance of pleasurable reading in everyday

1 Instituição escolar pública municipal, localizada na cidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES/BR.

2 Conceito atribuído à criança nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil

(2009). 3 Referência o documento do MEC (BRASIL, 2009), o qual compreende bebês como crianças

de 0 a 18 meses; crianças bem pequenas como crianças entre 19 meses e 3 anos e 11 meses; crianças pequenas como crianças entre 4 anos e 6 anos e 11 meses.

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school life, articulating them with guarantees of experiences systematized the National Curriculum Guidelines for Early Childhood Education (DCNEI 2009). Understanding the child as a subject and historical rights, their age specifics, the configuration of the Early Childhood Education curriculum and the group guarantees of experiences related to the languages of children in DCNEI (2009), teachers of EMEB "Prof. Cely Oliveira Santos", were placed in the literary process as reading mediators, providing opportunities for children an imaginary dimension of narrative. In order to create opportunities to read for pleasure in day care environment, was favored so many possibilities with children in playful and imaginary universe of literature. The understanding from teachers about the specifics of very young babies and children, made all the difference at work, where it was considered its particularities, the welfare of children in organizing space for the reading, time of concentration, curiosities, desires and freedom. With theoretical references of Walter Benjamin, the study of language Mikhail Bakhtin and Lev Vygotsky concepts on children, literary reading practices were being constituted in the experiences of the nursery between adults and children. The working methodology is systematized in planning between teachers and educator / manager, which organizes readings that would be carried out with children. Later these readings were made in diverse times of the day in classes, all the days of dynamic and flexible way. The results of these readings mediations took place progressively to the extent that children were appropriating those times, arousing pleasure in the imaginary universe and developing a taste for reading. Keywords: Nursery; Literary Reading; Reading Mediators.

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Introdução

Considerando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacionais (1996, redação dada pela Lei n.12.796, de 2013), que diz:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Entende-se dessa maneira as instituições de ensino como um lugar privilegiado para ampliação e construções de novos conhecimentos para as crianças. Porém muitas dúvidas permeiam os docentes quanto às suas práticas pedagógicas com literatura com os bebês e crianças bem pequenas4 da creche. Destacam-se ainda as garantias de experiências que envolvem a linguagem das crianças descritas nas DCNEI (2009, p. 25 a 27), e que devem ser consideradas no trabalho com leituras literárias com as crianças:

- Favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical;

- Possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos;

- Possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e conhecimento da diversidade;

- Promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura;

O presente artigo sistematizado em relato de experiência objetiva esclarecer e aprimorar conceitos orientados nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (2009) sobre o trabalho docente, especificamente com possibilidades de leituras literárias com as turmas da creche, considerando a criança em sua integralidade e suas especificidades de aprendizagem. Objetivando ainda evidenciar a importância de práticas de mediações de leituras com as crianças.

Referencial Teórico

A exploração de diferentes espaços da escola para ouvir uma leitura, as declamações de alguma frase, as experiências das narrativas, ―[...] onde não há palavras, não há linguagem e [portanto] não pode haver relações dialógicas [...]‖ (BAKHTIN, 2003, p. 323). As produções das receitas, os jornais, os contos e recontos, as produções de cartazes coletivos escritos pelas professoras, os desenhos nas folhas com tintas e os rabiscos com giz pelo chão da escola do

4 Referência o documento do MEC (BRASIL, 2009), o qual compreende bebês como crianças

de 0 a 18 meses; crianças bem pequenas como crianças entre 19 meses e 3 anos e 11 meses; crianças pequenas como crianças entre 4 anos e 6 anos e 11 meses.

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jardim no pátio, as fábulas e os risos. Muitas foram às práticas vividas com as crianças, considerando sempre as múltiplas linguagens permeadas através das inteirações de brincadeiras (DCNEI, 2009). Faz-se necessário respeitar a criança como produtora de cultura, onde ela imagina, cria, fantasia, aprende e narra5 e potencializar aprendizagens no espaço da Educação Infantil, favorecendo o desenvolvimento gradativo da formação de leitores e competentes usuários da linguagem escrita (BAPTISTA, 2010).

Porém, faz-se necessário refletir sobre o assunto com objetivo de apresentar elementos que potencializem as práticas pedagógicas com as crianças, dando sentido o ensino e a aprendizagem da língua, permeada pela interatividade com o outro. Articulando a aprendizagem com as diferentes formas de conhecimento, sem a preocupação com o ensino com o aspecto fonético, isolado e estático. A perspectiva do ensino não parte da fonética e sim do sentido social coletivo, abrindo novas janelas para a imaginação, sem ―aprisionar‖6 as crianças.

Para subsidiar as análises da temática deste artigo buscou-se estudar a perspectiva histórico-cultural, com apoio em autores como Bakhtin (2003; 2004; 2005) e Vigostski (2000; 2001; 2004), por compreender que essa abordagem teórica possibilita avanços no que se refere à concepção de leitura e escrita como processo dialógico de produção de sentidos. A linguagem é vista como um conjunto de atividades e uma forma de ação, dentro de um complexo sistema da esfera social, onde não se podem considerar as diferentes formas de comunicação isoladas do seu meio.

A abordagem Enunciativo-Discursiva no campo da linguagem focalizou conceitos que ajudou a avançar na compreensão do processo de apropriação dos pressupostos teóricos e metodológicos que fundamentam a leitura literária. Assim sendo, nos apoiamos nas reflexões que giram em torno dos conceitos da linguagem, enunciado, compreensão ativa e responsiva, evento, apropriação e significação.

Tomamos como base, a importância da mediação do professor para formulações de possibilidades de leitura literária com as crianças de 0 a 3 anos de idade, na perspectiva histórico-cultural, onde as aprendizagens ocorrem através das inteirações entre criança e criança e criança e adulto. Para Vigotski (2004) o desenvolvimento humano passa necessariamente pelo outro. Conceber a criança em uma abordagem histórico-cultural significa romper com formas cristalizadas de trabalho que perpassam no cotidiano da Educação Infantil.

Práticas pedagógicas construídas através dos interesses das crianças que implica ou pressupõe sempre um interlocutor. Sem o ―outro‖ não há sentido. Nossa linguagem está marcada pelo outro. Trazendo aos estudos sobre possibilidade da linguagem de leitura na Educação Infantil, focamos na qualidade das experiências proporcionadas às crianças. Como fazer, de que maneira produzir para as crianças foram perguntas que não foram retiradas dos planejamentos dos professores.

5 DCNEI (2009).

6 Citação de Cecília Goulart, no II CONBALF – 2015 – Recife/PE.

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Metodologia/Desenvolvimento

A metodologia de trabalho se sistematizava nos planejamentos entre professores e pedagoga/gestora, onde se organiza as leituras que seriam realizadas com as crianças. No processo da escolha do livro eram considerados os principais interesses das crianças, na maior parte das vezes, livros que narravam histórias com animais, som e músicas. Logo em roda de conversa, todos sentavam no chão então se iniciava uma conversa e a professora apresentava o livro, com os detalhes do autor e ilustradores.

As leituras literárias aconteciam de forma regular, diárias e com muita atenção à organização desse momento, não excedendo muito tempo, para não haver desinteresse por parte das crianças.

As leituras literárias, com sua liberdade e alegria, as contações de histórias, as músicas, as cantigas de ninar, as imagens, os livros-brinquedos, as entonações de voz diferenciadas, os fantoches, as dramatizações, as escolhas das personagens (BENJAMIN, 1984). Durante três anos estive como gestora e pedagoga na EMEB ―Profª Cely Santos de Oliveira‖ e sempre incentivei as professoras conduzirem o trabalho com leituras literárias em todas as turmas da escola e todos os dias. Mesmo com a turma dos bebês esse trabalho era incentivado. As professoras se colocavam na posição de mediadores de leitura, oferecendo condições do encontro entre livro e leitores. O desafio da creche é equilibrar o educar e o cuidar, permitindo que essas ações sejam conduzidas com responsabilidade durante todo o dia. As professoras tentavam evidenciar a literatura com o encantamento de novos conhecimentos para as crianças.

As professoras conduziam as leituras com as crianças dando voz às narrativas, aproximando a leitura e escrita às crianças. E sempre com muita sensibilidade era preparado o ambiente para que as leituras fossem realizadas de forma atrativas e ao mesmo tempo com tranqüilidade para as crianças.

A leitura em voz alta e com vários tons de voz pelas professoras fascinavam as crianças, onde muitas vezes as histórias precisavam ser repetidas a pedido das crianças.

O acesso aos livros também eram permitidos às crianças. Mesmo que em algumas vezes no início desse contato o livro fosse rasgado ou sujo, as professoras oportunizavam o contato da criança com o livro.

Mesmo com os bebês, esse trabalho era realizado acreditando que esse trabalho desperta na criança uma capacidade criadora, onde ela escuta, ouve e experimenta. Dentro das leituras literárias as crianças imaginam e fantasiam, favorecendo assim sua criatividade.

Pontuam-se aqui várias possibilidades de práticas pedagógicas envolvendo a leituras literárias na creche como, construção de um ambiente acolhedor para os bebês, para desenvolver práticas a partir de narrativas, músicas e contação de histórias. A organização de um espaço para a roda de conversa é fundamental com os bebês de colo.

A leitura literária diária perpassou por todas as turmas da creche, destacando também a visualização e comentários sobre a fotografia dos autores e ilustradores. A dramatização da história, por parte do adulto, com diferentes tons de voz e músicas relacionadas à temática estimula a ludicidade.

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Mesmo com a linguagem não-verbal dos bebês, é possível avaliá-los através de balbucios, olhares e gestos. Os estímulos sonoros por parte dos adultos potencializam as verbalizações das crianças.

A capacidade leitora e escritora das crianças se desenvolvem significativamente quando é oportunizado um contato sistemático com material impresso de vários gêneros. Ler para as crianças é fundamental no exercício da mediação, a troca de experiência entre os sujeitos enriquece as interações. Como registros desses momentos, os professores, podem junto com as crianças, produzir painéis, cartazes, móbiles, desenhos, textos ampliados para expor o material na sala de aula ou pelos corredores da escola, isto é, pensar em um ambiente significativo, dinâmico, inovador, próprio, real e singular.

Pode-se ainda realizar leitura da história e reconstrução do final da narrativa, escolher personagens preferidos, criar cenário com materiais disponíveis na escola, montar maquetes ou objetos relacionados à história para expor na escola.

Declamar de trechos de poesia. Montar jogral, músicas com coreografias. Expor materiais produzidos com a turma como textos, cartazes, poemas, letras de músicas nos corredores da escola.

Desenvolver ações de leitura e escrita em pequenos grupos na sala de aula e em espaços alternativos da escola. Conto e reconto das histórias; jogos dramáticos com uso de fantoches ou móbiles produzidos pelas crianças; utilizar a linguagem cênica; produzir textos coletivos e criar paródias a partir de histórias com apresentação de produção escrita e oral para a comunidade escolar. Inúmeras foram as possibilidades dos professores criarem práticas literárias considerando as especificidades das crianças.

Para mobilizar os processos da reflexão da língua é necessário construir um ambiente favorável às diversas possibilidades, Monteiro (2014) orienta:

O professor, visto como um mediador das experiências de imersão da criança nessas práticas, tem como estratégia pedagógica principal a organização de um ambiente capaz de estimular e desafiar o aprendiz em seu processo de aprendizagem, selecionando materiais de interesse das crianças, organizando a exposição e o trabalho com esses materiais em sala de aula, lendo e escrevendo para e com as crianças.

Nessa perspectiva, acredita-se que é muito significativo o contato das crianças com as diversas formas de linguagens, não estático, porém, com sentido para sua vivência, desenvolvendo diversas formas de leitura e progressivamente a apropriação da escrita, construindo assim sua cultura. A mediação dessas possibilidades precisa ocorrer através do professor de forma que ele articule problematizações e reconhecimentos da cultura escrita e falada junto com as crianças.

O professor da creche precisa a todo o momento entender sua importância na articulação da produção das mediações de leitura. Considerando que toda essa organização deve acontecer junto com as crianças, para ocorrer a apropriação do sentimento de pertença do espaço por elas.

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Os cartazes devem ser construídos junto com as crianças, para que se entenda que tudo que é falado pode ser escrito, onde elas se apropriando do processo da construção da escrita. Como também os significados dos materiais expostos no ambiente da sala de aula e da escola. A riqueza dos materiais deve ser contemplada nos cartazes, cantinho da leitura com livros, jornais e revistas, onde a manipulação por parte das crianças com esses materiais precisam ocorrer de maneira constante. Mesmo que no começo ocorram algumas situações aonde as próprias crianças venham a rasgar esses materiais, é preciso perseverar e aos poucos conduzindo o trabalho da melhor maneira possível.

Considerações finais

Todas as experiências narradas com as possibilidades de práticas de leituras literárias foram possíveis na creche com bebês e crianças bem pequenas, pois existiu a sensibilidade de considerar contextos significativos para elas com criatividade em um processo contínuo e singular por parte dos docentes envolvidos.

Entender a criança e suas múltiplas linguagens, contar com o entendimento dos professores que toda ação de leitura dele como mediador sendo presenciada pelas crianças. Assim, as crianças vão observando as leituras literárias no cotidiano da escola e tendo prazer, desejo e liberdade em suas escolhas literárias, além de ampliar suas experiências de vida.

Referências

BAPTISTA, Mônica Correia. A linguagem escrita e o direito à educação na primeira infância. Centro de Alfabetização Leitura e Escrita – CEALE. Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. set. 2010. Disponível em: <portal.mec.gov.br>. Acesso em: 09 ago. 2015.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1981.

BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. Tradução de Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: Summus, 1984.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Projeto de cooperação técnica MEC e UFRGS para construção de orientações curriculares para a educação infantil. Práticas cotidianas na educação infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares. Brasília, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB Nº 05 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

FERRAÇO, C. E. (Org.). Currículo e educação básica: por entre redes de conhecimentos, imagens, narrativas, experiências e devires. Rio de Janeiro, Rovelle, 2011.

GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. A escrita infantil. São Paulo: Cortez, 2008.

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MEIRELES, Cecília. Ou Isto ou Aquilo. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

MONTEIRO, Sara Mourão. Ambiente alfabetizador. In: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG). Faculdade de Educação (FaE). Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale). Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Belo Horizonte, 2014.

SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão. Letramento no Brasil: reflexões do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.

VIGOTSKY, Lev. Imaginacion y el arte en la infancia. Tradução de Rita Ribes México, Ediciones Hispânicas, 1987.

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―A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA‖: LEITURA, INDIVIDUAÇÃO, AUTORIA

Patrícia Michele Gomes Colégio Visconde de Porto Seguro- Unidade II

Mestre em Teoria e História Literária [email protected]

(19) 99777-8287

Resumo

Esse trabalho aspira à apresentação de um relato de experiência de um projeto de leitura desenvolvido pelos terceiros anos do Ensino Médio e orientado pela professora de Língua Portuguesa, no Colégio Visconde de Porto Seguro - Unidade II. O projeto objetivava, por intermédio do letramento literário, possibilitar que leitura do conto ―A hora e vez de Augusto Matraga‖ (1946), de Guimarães Rosa, contribuísse para o processo de reflexão e de construção da individuação dos estudantes. Palavras-chave: leitura; letramento literário; autoria.

Abstract

This work aims at presenting an experience report of a reading project developed with third year high school students and supervised by the Portuguese teacher in the School Visconde de Porto Seguro – Unit II. Its goal was to read ―A hora e a vez de Augusto Matraga‖ (1946), a narrative by Guimarães Rosa. The activity intended to contribute to the students‘ individuation process, thereby proposing that they approached Rosa‘s text building discussion and reflection, appropriating the themes. Keywords: reading; literary literacy; authorship.

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Introdução

O presente trabalho aspira à apresentação de um relato de experiência de um projeto de leitura desenvolvido pelos terceiros anos do Ensino Médio e orientado pela professora de Língua Portuguesa, no Colégio Visconde de Porto Seguro - Unidade II, instituição privada de ensino, localizada no interior do Estado de São Paulo.

Adepta a uma proposta de ensino comum em nosso país, a última série da Educação Básica desse colégio, por anteceder os exames vestibulares, contempla, de maneira mais efetiva, a leitura das obras literárias que compõem as listas de leituras obrigatórias dos exames vestibulares. Foi, nesse contexto, que o conto ―A hora e vez de Augusto Matraga‖ (1946), de Guimarães Rosa, integrante da lista de livros do vestibular 2015 da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), fez-se presente.

A leitura desse conto, todavia, não queria se justificar pelas alcunhas ―obrigatória‖ e ―canônica‖, também o projeto almejava afastar-se do ensino de literatura, que preconiza a memorização inócua de datas, de autores, de características de estilos de épocas e de acontecimentos históricos, alheio à leitura do texto literário. Consoante a tal desejo, renegou um ensino literário edificado na simples ―contação do enredo da história‖ e nos famosos ―resumos capítulo a capítulo‖ das obras, práticas tão nefastas quanto comuns em nossas instituições. Por fim, o projeto não pretendia avaliar a leitura por intermédio de uma ―prova‖ que avaliasse os conhecimentos adquiridos pelos alunos.

Dessa forma, o trabalho com o conto rosiano desejava prezar pela leitura efetiva do texto, pelas reflexões e discussões por ele suscitadas, pela apropriação e (re) significação que os estudantes dele fariam. Desejava, enfim, prezar pela contribuição que ―A hora e vez de Augusto Matraga‖ pudesse oferecer ao processo de individuação desses alunos. Negar-lhes todas essas possibilidades implicava furtar dessa obra literária todo o poder humanizador nela contido, afinal, o ―causo‖ do personagem colérico que persegue a sua hora e a sua vez, desejando ir para o céu ―nem que seja a porrete‖, permite-nos, antes de tudo, a vivência de uma experiência humana.

Tais almejos de trabalho, proporcionados e desenvolvidos pelas reflexões e proposições de estudiosos da literatura – Candido (2011), Todorov (2014), Petit (2008) e Cosson (2014), edificaram esse projeto, explanado, nesse texto, na forma de um relato de experiência.

Referencial Teórico

Para valorizar a apropriação e a (re) significação, pelos jovens estudantes do Ensino Médio, das reflexões acerca da natureza humana, tecidas por Guimarães Rosa em ―A hora e vez de Augusto Matraga‖, alçamos o referencial teórico desse trabalho em estudiosos que concebem e preconizam o poder humanizador da literatura. Assim, as postulações de Antonio Candido (CANDIDO, 2011), Tzvetan Todorov (Todorov, 2014), Michèle Petit (Petit, 2008) e Rildo Cosson (Cosson, 2014) perpassam as reflexões e as práticas desenvolvidas nesse trabalho.

Inicialmente, recorremos a Candido, o qual, em seu ontológico ―O direito à literatura‖ (CANDIDO, 2011), afirma que a essa -concebida, então, como

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todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todo tipo de cultura- permite ao homem o contato com alguma espécie de fabulação, necessidade humana universal e cuja satisfação constitui um direito.

Através do fabular, a literatura permite a confirmação, a negação, a denúncia, o combate, oferecendo a possibilidade de uma vivência dialética dos problemas, enriquecendo, assim, a nossa percepção e visão de mundo. Através de tais permissões, a literatura humaniza, visto que possibilita ―o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres‖, traços essencialmente humanos que carecem de estímulo para serem desenvolvidos.

Reivindicando um ensino da literatura que contemple o seu poder humanizador, encontramos Tzvetan Todorov, em ―A literatura em perigo‖ (TODOROV, 2014), obra na qual busca reestabelecer o equilíbrio entre as contribuições do formalismo-estruturalismo e as conexões do texto literário com realidade e com a contemporaneidade. Assim como Candido, o estudioso búlgaro entende que a leitura literária amplia o universo no qual vivemos, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo, possibilita-nos a interação com o outro, sensações que materializam uma realidade e, justamente por ser possibilitara de tantas ações, não pode ser concebida como um simples entreterimento, afinal, é instrumento para o desenvolvimento da humanização, pois possibilita ―que cada um responda à sua vocação de ser humano‖.

Concebida de tal forma, o ensino da literatura não pode ser pautado em análises estruturais descontextualizadas, que privilegiem as abordagens internas (estudo das relações dos elementos da obra em si) e concebem a literatura solipsista, como um fim em si mesmo, objeto ensimesmado e representante da ―arte pela arte‖. Todorov reivindica, então, um ensino de literatura que, por não contemplar os conceitos de um determinado linguísta ou de determinado teórico da literatura, tomando as obras literárias como uma aplicação da língua e do discurso, desdobre o sentido dessas. Para tanto, afirma que ―todos os ‗métodos‘ são bons, desde que continuem a ser meios, em vez de se tornarem fins‖.

Todorov assegura, assim, que devemos essencialmente considerar que a literatura, ao modelar experiências humanas, aproxima-nos de vivências diferentes da nossa e preserva a riqueza e a diversidade do vivido, e que essa concepção deve pautar o ensino literário.

O poder humanizador da obra literária também é a diretriz dos estudos da antropóloga francesa, Michèle Petit. Em ―Os jovens e a leitura‖ (Petit, 2008), ao afirmar que tal atividade não pode ser considerada como anódina, analisa as contribuições que a leitura traz para o desenvolvimento humano, tais como o acesso ao saber, a apropriação da língua e a construção de si próprio, será, todavia, nessa última, que se aterá tenazmente.

Ao analisar entrevistas de jovens, moradores de bairros periférico na França, Petit, explicita o papel que a literatura desempenhou na construção da

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individuação de cada um, muitos deles imigrantes e párias da sociedade francesa.

A antropóloga inicia sua análise, afirmando que, nos bairros periféricos, nos quais a maioria dos entrevistados assistia, não apenas eram precárias as construções e o tecido social, mas assim também eram a capacidade de simbolizar, de imaginar e de pensar acerca de si e da sociedade. À essa falta, a leitura de obras literárias ofereceu- assim como oferece a todos nós, nas mais diferentes idades- um caminho para a construção da individuação, por possibilitar a capacidade de pensar, de dar sentido à própria experiência, à própria vida, dar voz a sofrimentos e forma a desejos.

Petit é cuidadosa ao ressalvar a ingenuidade a qual podemos nos acometer diante de tais atributos humanizadores da leitura, pois essa não terá o poder de reparar as desigualdades ou a violência; não nos tornará mais subitamente virtuosos e preocupados com o outro, todavia contribuirá para o desenvolvimento da capacidade de pensar e essa é pilar para transformações reais ou simbólicas, sejam elas no percurso escolar, profissional, na concepção acerca de si e de outrem, nas formas de sociabilidade e de solidariedade ou na maneira, através da qual, representam-se.

Possibilitadora da reflexão, a leitura literária é um recurso para a construção de sujeitos protagonistas de suas vidas e não apenas objetos de discursos alheios. E pautada em tal concepção, Petit, assim como Todorov, também aponta problemas no ensino de literatura nas instituições francesas, caracterizado, especialmente, pelas técnicas de decifração do texto, abordagens normativas que tornam distante a relação entre obra e alunos.

No Brasil, o ensino da literatura não é menos problemático, Rildo Cosson, em ―Letramento literário‖ (COSSON, 2014) apresenta os discursos equivocados acerca da definição do literário que ecoam nas instituições do país. Concebida como um ―verniz burguês de um tempo passado‖, a literatura e o seu ensino são relegadas ao lugar do desnecessário e do supérfluo e, por serem pouco merecedoras de reflexão, não é raro encontramos o ensino restrito à simples leitura no Ensino Fundamental e a redução da literatura à história literária no Ensino Médio.

Questionador de um ensino de literatura que se resume a uma leitura não mediada ou a uma mecânica descrição de uma sequência de autores, a uma lista de características de estilos de épocas, à memorização de classificações e rótulos cristalizados e de figuras de linguagens descontextualizadas, Cosson propõe um letramento literário que preze pelo poder humanizador da obra literária e pela leitura efetiva dos textos em detrimento do arcabouço conteudístico das histórias ou das teorias literárias.

Preocupado em escolarizar a literatura sem descaracterizá-la ou transformá-la em um simulacro, o letramento literário almeja primordialmente um ensino de literatura que contemple o que a literatura tem de mais valoroso: o seu poder humanizador. E para tanto, faz-se necessário uma prática de leitura organizada segundo os objetivos da formação do aluno.

A organização em Cosson vem proposicionada em duas nas sequências: a básica, mais apropriada para o Ensino Fundamental, e a estendida que contempla o Ensino Médio. Por se tratar de um trabalho de

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leitura que se volta para esse último nível, elegemos s sequência estendida para estruturar nosso trabalho.

Objetivos

O projeto almejou a leitura do conto ―A hora e vez de Augusto Matraga‖ (1946), obra de Guimarães Rosa, integrante da lista de livros do vestibular 2015 da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Essa leitura, não queria, no entanto, justificar-se pelas alcunhas ―obrigatória‖ e ―canônica‖, também não queria integrar um ensino de literatura tão comumente encontrado nas escolas brasileiras, pautado no ensino de uma historiografia alheia ao texto literário.

O projeto de leitura dessa obra buscou, essencialmente, contribuir para o processo de construção da individuação dos jovens (PETIT, 2008) e propôs, assim, que esses se aproximassem do texto rosiano, construíssem a discussão e a reflexão dos temas, nele, figurantes e dele se apropriassem e o resignificassem, através de atividades autorais, que se constituíram na escolha de uma imagem que tematizasse a narrativa ou partes dela e a produção de um texto, através do qual, justificariam a escolha da iconografia.

Metodologia

Para o desenvolvimento do projeto, consoante seus objetivos, uma sequência expandida (Cosson, 2014) foi proposta aos alunos. Prezou-se, nessa, pela discussão dos temas presentes na narrativa, bem como pela problematização de questões estruturais e estilísticas. A leitura do conto foi motivada pela apresentação da música ―Disparada‖, de Geraldo Vandré e Théo de Barros.

Em seguida, a professora fez uma breve apresentação do autor e da obra e a leitura extraclasse foi proposta, com três intervalos. Nesses intervalos, a leitura de trechos bíblicos juntou-se à leitura de alguns excertos do conto. Dando continuidade à sequência, prezou-se, por se tratar de estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, pela contextualização crítica, a qual abordou aspectos da fortuna crítica dessa obra.

Após as leituras, os alunos, como atividade de avaliação, escolheram uma imagem que tematizassem a narrativa ou partes dela e produziram um texto, no qual justificavam a escolha da iconografia.

Desenvolvimento

O trabalho de leitura do conto de Guimarães Rosa principiou com a apresentação da canção ―Disparada‖, de Geraldo Vandré e Théo de Barros. A eleição dessa composição para compor a motivação, primeira sequência do letramento literário que visa preparar o aluno para a leitura da obra, deu-se pela similaridade entre o conteúdo dos dois textos: a canção, tal quão ―A hora e vez de Augusto Matraga‖, traz uma voz, que vinda do sertão, propõe-se a consertar o ―que estava fora do lugar‖, e, em tal empreitada, cita as transformações sofridas pelo mundo e por si, em um cenário sertanejo, composto por boiadas, gados, boiadeiros e vaqueiros.

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Disparada

Geraldo Vandré e Théo de Barros Prepare o seu coração prás coisas que eu vou contar Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo Estava fora do lugar, eu vivo prá consertar. Na boiada já fui boi, mas um dia me montei Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu. Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte Muito gado, muita gente, pela vida segurei Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando As visões se clareando, até que um dia acordei. Então não pude seguir valente em lugar tenente E dono de gado e gente, porque gado a gente marca Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente Se você não concordar não posso me desculpar Não canto prá enganar, vou pegar minha viola Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar. Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei Não por mim nem por ninguém, que junto comigo houvesse Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu Por qualquer coisa de seu querer ir mais longe do que eu. Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo E já que um dia montei agora sou cavaleiro Laço firme e braço forte num reino que não tem rei.

Após ouvirem a canção, a professora e os alunos empenharam-se em um trabalho de interpretação textual, que prezou pela percepção de um eu lírico, vindo do sertão, o qual se preocupa em solicitar a seus ouvintes um coração preparado para as ―coisas‖ que contaria. Faz, após o pedido, uma ressalva de que possa não agradar a seus interlocutores e começa, então, a discorrer sobre suas vivências e características, singularizando-se, por viver para consertar ―tudo que estava fora do lugar‖. Assim, tal eu lírico rememora o narrador do conto rosiano, encarregado de contar o ―causo‖ de Nhô Augusto Estêves.

Revelando, na segunda estrofe, ser boiadeiro por muito tempo, o eu lírico de ―Disparada‖ logo anuncia um mundo acometido por mudanças, bem como revela os seus sonhos, as suas visões e, finalmente, o seu acordar. Impossível nesse excerto não se recordar do sonho, no qual o personagem

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Augusto Estêves explicita a sua representação de Deus, e da manhã mais bonita já vista pelo personagem a qual marca a sua saída da região do Tombador em direção ao arraial do Rala-Coco, local do duelo final com Seu Joãozinho Bem-Bem.

E, à noite, tomou um trago sem ser por regra, o que foi bem bom, porque ele já viajou, de acordado para o sono, montado num sonho bonito, no qual havia um Deus valentão, o mais solerte de todos os valentões, assim parecido com seu Joãozinho Bem-Bem, e que o mandava ir brigar, só para lhe experimentar a força, pois que ficava lá em cima, em descuido, garantindo tudo.‖ (ROSA, 2012).

Mas, afinal, as chuvas cessaram, e deu uma manhã em que Nhô Augusto saiu para o terreiro e desconheceu o mundo: sol, talquazinho a bola de enxofre do fundo do pote, marinhava céu acima, num azul de água sem praias, com luz jogada de um para o outro lado, e um desperdício de verdes cá em baixo- a manhã mais bonita que ele já pudera ver. (ROSA, 2012).

Finalmente, para encerrar os motivos considerados na escolha de ―Disparada‖ para a motivação, explicitamos o paralelo entre as buscas de Nhô Augusto Estêves e o eu lírico da canção: a um Nhô Esteves que persegue a sua hora e a sua vez, encontramos o eu lírico que vive para consertar a morte, o destino, ―tudo‖ que estava fora do lugar. Trajetórias de vidas constituídas na mudança, na transformação.

Para dar continuidade a sequência estendida, a professora, apresentou o autor e a obra. Os dados biográficos de Guimarães Rosa foram apresentados, bem como a obra da qual ―A hora e vez de Augusto Matraga‖ é integrante, o livro de contos Sagarana, publicado em 1946. O sertão de Minas Gerais também foi objeto de estudo, visto que os estudantes parcamente sabiam acerca da configuração dessa região.

A esta apresentação, seguiu-se a leitura extraclasse, proposta em três partes e dois intervalos. Essa tripartição obedeceu a uma segmentação do texto presente na análise tecida por Alcir Pécora (2003) acerca da obra. A primeira parte da leitura contemplou a situação inicial de Nhô Augusto Estevês, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici até a emboscada sofrida pelo personagem a mando de Major Consilva; a segunda parte considerou a penitência de Nhô Augusto- momento no qual a frase que compõe o título da obra faz-se presente, bem como a máxima ―p´ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!‖- a sua viagem ao norte e estada na região do Tombador e a terceira, finalmente, se ateve à chegada do personagem ao arraial do Rala-Coco, o duelo final com Seu Joãozinho Bem-Bem, e a morte de Augusto Matraga- antes Augusto Estevês- agora Matraga.

Por se tratar de um conto de pequena extensão, alguns excertos da obra foram lidos em sala de aula, em especial, aqueles que indicavam o deslocar do personagem pelo sertão mineiro – do sul para o norte e desse novamente para o sul- e aqueles que narravam os duelos.

À leitura do conto dentro da sala de aula e fora dela somaram-se dois intervalos. No primeiro - entre a primeira e a segunda parte - a professora ressalvou, através da leitura de excertos da Bíblia, os elementos desse texto presentes no conto – cruz, samaritano, jaculatórias, presépio; na segunda-

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entre a segunda e a terceira parte- o livro de Mateus, capítulo vinte e um, versículo um a vinte e dois, é trazido para que todos possam lê-lo.

Os versículos um a cinco do livro de Mateus parecem possibilitar reflexões e discussões profícuas acerca do texto de Rosa, surge, então, de maneira contundente, a expectativa quanto ao desfecho da narrativa e os estudantes passam, a partir dessa leitura, a conceberem e a questionarem a história de Nhô Estêves como um exemplo de percurso humano, também percorrido por Jesus Cristo, especialmente pela análoga chegada dos personagens a suas cidades - destinos , ambos montados em jumento. porque nas narrativas, a figura do jumento.

1 Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram a Betfagé, ao monte das Oliveiras, Jesus enviou dois discípulos,

2 dizendo-lhes: Vão ao povoado que está adiante de vocês; logo encontrarão uma jumenta amarrada, com um jumentinho ao lado. Desamarrem-nos e tragam-nos para mim.

3 Se alguém lhes perguntar algo, digam-lhe que o Senhor precisa deles e logo os enviará de volta.

4 Isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta:

5 ―Digam à cidade[104] de Sião: ‗Eis que o seu rei vem a você, humilde e montado num jumento, num jumentinho, cria de jumenta‘‖ (BÍBLIA, 1983).

Dando continuidade à sequência estendida do letramento literário, prezou-se, por se tratar de estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, pela contextualização crítica, a qual abordou aspectos da fortuna crítica dessa obra, em especial as considerações de Candido (2011), em ―Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa‖ e de Galvão (2000), em ―Guimarães Rosa‖.

Das considerações de Candido, ressaltou-se a presença do regionalismo na prosa de Rosa, a representação do cenário sertanejo e da figura do jagunço, bem como do ―jaguncismo literário‖.

Das ponderações tecidas por Galvão, ressaltou-se o trabalho com a língua na obra de Rosa, a importância do ―contar histórias‖ como uma tradição cultural e a capacidade de fabulação da obra rosiana. Finda a leitura do conto e encerrada a contextualização crítica, cabia aos alunos organizar reflexões, discussões, apropriações e significados, suscitados por ―A hora e vez de Augusto Matraga‖, em uma atividade de cunho autoral, edificada na escolha de uma imagem que tematizasse a narrativa ou partes dela e na produção de um texto argumentativo, no qual justificariam a escolha da iconografia.

As imagens escolhidas pelos estudantes e os textos em defesa dessas escolhas revelariam como o conto rosiano fora recebido e (re) significado pelos alunos. Como era de se esperar, variadas iconografias e argumentações foram apresentadas. Analisa-se, neste trabalho, todavia, apenas algumas.

A frase constituinte do título do conto ―cada um tem a sua hora e a sua‖ parece representar, para alguns estudantes, o momento pelos quais muitos passam: o vestibular. A imagem de um estudante feliz pelo ingresso na

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universidade apareceu mais de uma vez e sintetizou a apropriação de muitos acerca da narrativa de Nhô Estêves: tal qual Matraga, que encontra sua hora e a sua vez no duelo com Seu Joãozinho Bem-Bem, esses estudantes encontrá-las-iam nas aprovações dos exames vestibulares por eles realizados.

O personagem constituído do ―bem‖ e do ―mal‖ também foi eleito nas iconografias. A imagem de um homem que tem de um lado o anjo e do outro o diabo como conselheiros, bem como o símbolo do ―yin-yong‖ encerram a reflexão acerca da coexistência do ―bem‖ e do ―mal‖ como característica inerente à condição humana. É na abordagem dessa condição que se justifica, para alguns alunos, a complexidade do conto, visto que, ao apontar a negação de uma concepção maniqueísta, traz, na figura de Matraga, a oportunidade para questionamentos e discussões acerca da humanidade

A imagem de Jesus Cristo entrando em Jerusalém, montado em um jumento, também fora frequente na escolha dos estudantes, a trajetória de Matraga rumo à salvação de sua alma- castigo, penitência e salvação- foi comparada à de Cristo, em especial, quando ambos utilizam para locomoção o mesmo animal. Nas argumentações para a escolha dessa iconografia, era frequente o citar de ―paixão‖, que através do sofrimento conduzia à salvação.

As andanças de Matraga pelo sertão mineiro também foi representada por imagens de cenário sertanejo de Minas Gerais. Todavia, os estudantes esclareciam que embora o enredo daquela história fosse regional, a trajetória do personagem era dotada de universalidade, visto que tematizava o universo das aspirações, angústias, contradições, veleidades e bondades humanas.

Algumas imagens, entretanto, eram cenas do filme homônimo ao conto, do diretor Roberto Santos, de 1965. A essas imagens seguiam justificadas construídas na síntese do enredo do conto e não teciam discussões ou apropriações.

Conclusões

Se considerarmos as imagens escolhidas, as discussões tecidas, as argumentações construídas pelos estudantes, concluiremos que a leitura de ―A hora e vez de Augusto Matraga‖ contribui para o desenvolvimento da capacidade de pensar desses estudantes acerca da condição humana. Não foi pela alcunha de ―obrigatória‖ ou ―canônica‖ que (re) significaram a narrativa de Guimarães Rosa e dela se apropriaram, mas assim o fizeram pelo fato de essa proporcionar um pensar acerca da condição humana.

A leitura de um ―causo‖, advindo da tradição oral e de toda sabedoria nessa contida, contemplador de instâncias humanas como o poder, a raiva, a dor, o castigo, a fé, a penitência, as dúvidas, as desordens, a esperança da salvação e, enfim, a morte não poderia ser inócua.

É essa capacidade de pensar, segundo Petit (2008), o pilar para transformações reais ou simbólicas, que possibilitam a construção de sujeitos protagonistas de suas vidas, ou seja, a leitura de uma obra literária pode contribuir para o processo de individuação de um jovem e é nessa capacidade que também reside o poder humanizador da literatura.

Por intermédio do letramento literário, da leitura da obra como protagonista do ensino da literatura, foi possível estabelecer um diálogo entre

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os jovens estudantes e a obra canônica de Rosa. Ademais, todo o projeto de leitura mobilizou outras formas de letramento e de escrita.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Edição revisada e corrigida. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional. 1983.

CANDIDO, Antonio. Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa. In: CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 5. Ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.

CANDIDO, Antonio. O direito à Literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 5. Ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 1. Ed., 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014.

GALVÃO, Walnice Nogueira. Guimarães Rosa. São Paulo: PubliFolha, 2000.

GALVÃO, Walnice Nogueira. Matraga: sua marca. In: GALVÃO, Walnice Nogueira. Mínima mímica: ensaios sobre Guimarães Rosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

PAIVA, Aparecida; PAULINO, Graça; PASSOS, Marta. Literatura e leitura literária na formação escolar: caderno do professor. Belo Horizonte: Ceale, 2006.

PÉCORA, Alcir. Matraga: o uso das paixões. Campinas: Café Filosófico CPFL Cultura, 2003. (Comunicação oral).

PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Editora 34, 2008.

ROSA, Guimarães. A hora e vez de Augusto Matraga. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. 5. Ed. Rio de Janeiro: Difel, 2014.

VANDRÉ, Geraldo; BARROS, Théo. Disparada. Intérprete: Jair Rodrigues. Philips, 1966.

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NO TEAR DA HISTÓRIA: REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA E CULTURAL POR MEIO DO PROJETO O LIVRO VIAJANTE

Rita de Cassia Moser Alcaraz Universidade Federal do Paraná/UFPR Doutoranda em Políticas Educacionais

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Resumo

O Projeto o Livro Viajante idealizado pela escritora e contadora de história Danielle Andrade foi construído de forma colaborativa com vários agentes, com o objetivo de viajar pelo país e fomentar a contação de histórias, considerando a temática afro-brasileira, africana e dos povos indígenas, ele inaugura uma nova forma de se fazer histórias. Com a proposta de se ter livros gigantes, em torno de 1,70, com bonecos e cenários moventes construídos por diversos agentes, o projeto contou com a participação de uma grande equipe. O livro com as histórias do ―Menino Estripulia e a Língua que fugiu com o Circo‖, da curitibana Danielle Andrade, foi produzido por meio de oficinas-ateliêrs abertas ao público, coordenadas pela artista-ilustradora Elena Landínez e pela autora. A segunda história, da gaúcha Rita de Cássia M. Alcaraz, ―A Princesa do pé de Jabuticaba‖ foi tecida com as oficinas coordenadas pelo Professor Cristiano Piton, pelo artista Fábio Haendel junto com o grupo cultural Bankoma- comunidade negra, de Portão, Lauro de Freitas (BA). Mestres griôs e as crianças participaram desse processo. A terceira história, do paraense Heyder Moura, ―Araguaci: o pássaro bonito‖ ou ―A história de quando Curumin virou Ararapiranga‖ foi bordado pelas mulheres do grupo Bordar Sonhos, de Sussuarana e coordenadas pela ilustradora Flávia Bomfim. Esse relato retrata parcialmente a criação das ilustrações por meio das oficinas-ateliêrs, no qual a literatura se tornou uma das possibilidades para a afirmação identitária de crianças, de jovens e adultos como protagonistas na co-criação dos fantoches confeccionados posteriormente para uso nos livros. A contação de histórias nessa etapa de confecção dos livros gigantes se deu na interação com os grupos por meio dos desenhos e relatos com a possibilidade de autorrepresentação, afirmando no imaginário social a importância da valorização da temática africana, afro-brasileira e dos povos indígenas pela cor da pele e pela representação do cabelo cacheado. Consideramos importantes, para refletir sobre a formação da identidade e apropriação cultural de representações dos vários grupos, os estudos de Nilma Lino Gomes (2002), Fúlvia Rosemberg (1984), Gizele de Souza (2008), Lucimar Dias (2012), Paulo V. Baptista (2012). Os pontos relevantes apontados é que tal ação acaba mostrando, por meio da coleta dos relatos das crianças, adolescentes e adultose também por meio dos desenhos,o trabalho na construção e reconstrução da estima e afirmação identitária por meio das oficina-ateliêrs. Nelas, o direito das crianças e jovens em se representarem e identificarem com histórias que valorizam a cultura com as temáticas afro-brasileiras, africanas e dos povos indígenas os inserem como protagonistas,inaugurando um espaço literário inovador pela criação de livros diferenciados. Palavras-chave: Identidade; Contação de histórias; Valorização da Cultura afro-brasileira africana e dos povos indígenas.

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Abstract

The ―Book Treveler‖ Project is an idealization of the storyteller Danielle Andrade and it was built collaboratively with various agents, in order to travel the country and promote storytelling, considering the African-Brazilian, African and indigenous peoples themes, it inaugurates a new form of stories. With the proposal to have giant books around 1,7m, with puppets and moving scenarios constructed by various agents, the project included the participation of a great team. The book with the stories of "Estripulia Boy and the language that ran away with the circus" of Danielle Andrade was produced through public and open workshops, coordinated by the artist-illustrator Elena Landinez and by the author. The second story, by Rita M. Alcaraz, "The Princess of the Jabuticaba Tree" was woven with the workshops coordinated by the Professor Cristiano Piton, by the artist Fabio Handel along with the cultural group Bankoma- black community, from Portão in Lauro de Freitas (BA). Griôs Masters and children participated in this process. The third story, by Heyder Moura, "Araguaci: beautiful bird" or "The story of when Curumin turned Ararapiranga" was embroidered by the women of the Dreams Sewing group, from Sussuarana, and coordinated by illustrator Flavia Bomfim. This report considers the creation of the illustrations through workshops, atelies, in which literature has become one of the possibilities for the identity affirmation of children, youth and adults as protagonists in the co-creation of the puppets made later in books. The storytelling in this stage of preparation of giant books took place in interaction with the groups through the drawings and reports with the possibility to self-representation, affirming in social imagination the importance of valuing the African, African-Brazilian and indigenous peoples themes by skin color and the representation of curly hair. We consider important to think over identity formation and cultural appropriation of representations from various groups, the studies of Nilma Lino Gomes (2002), FúlviaRosemberg (1984), Gizele de Souza (2008), Lucimar Days (2012), PaulV. Baptista (2012). The relevant points indicated that such action shows, through the collection of accounts of children, adolescents and adults, and through drawings, the work under construction and reconstruction of the esteem and identity affirmation through workshops. In them, the right of children and young people to introduce themselves and identify with stories that value the culture with the African-Brazilian, African and indigenous peoples themes insert them as protagonists, inaugurating a new literary space by creating different books. Keywords: Identity; Storytelling; Appreciation of the African-Brazilian, African and indigenous peoples Culture.

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Introdução

As Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação das Relações Étnico-Raciais (Resolução 01/2004 CNE); as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução 05/2009 CNE) estendem a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira para a Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica. A legislação atual define o trabalho de valorização da diversidade étnico-racial em todas as etapas e modalidades de ensino, especialmente pela Resolução 01/04 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e pelo Parecer 03/04 que fundamenta esta resolução. Também nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil aprovadas pela Resolução 05/2009 do CNE a diversidade étnico-racial toma parte, nos princípios das DCNEI, na construção pessoal e coletiva das identidades das crianças, nas propostas pedagógicas, na organização de ―materiais, espaços e tempos‖ (art. 8o).

A lei posta não garante a sua efetivação, principalmente quando o racismo é estrutural e estruturante na sociedade, ele se concentra nas práticas dos vários grupos sociais e mantêm-se de forma cristalizada no seio da sociedade.

Uma das formas de produção e reprodução de estereótipos raciais nas escolas, segundo pesquisas (SILVA, 2011; ARAÚJO, 2011) e movimentos sociais, são os livros dirigidos às crianças, entre os quais os livros de literatura infantil. Esse relato de experiêncianarra sobre as oficinas de criação de três livros gigantes, realizadas no primeiro semestre do ano de 2015, com o objetivo de serem utilizados na rede municipal de Ensino de Salvador e também em espaços não formais de mediação de leitura por meio da contação de histórias para o público em geral, considerando a diversidade étnico-racial. Dentre os objetivos está o de viajar pelo Brasil, fortalecendo a rede de contadores de histórias.

O projeto idealizado pela Bacharel em teatro Daniele Andrade foi financiado pelo Fundo Cultural do Estado da Bahia (FCBA), por meio do edital destinado a literatura, em sua execução contou-se com uma oficina de criação aberta, para a confecção e idealização dos fantoches. Depois do mês de Julho, quando foram finalizadas, os livros permanecerão um tempo no estado da Bahia em espaços escolares e também em espaços não formais para o fortalecimento de contadores de história da região, por meio da narração dessas histórias,destinadas também a apreciação pública. As etapas de confecção dos livros gigantes, após a idealização do projeto pela autora e artista Danielle, foram as oficinas de criação em três espaços distintos para cada uma das histórias, em um segundo momentos tiveram as oficinas de manuseio para professores e contadores de histórias do Estado da Bahia.

Este trabalho apresenta uma formulação original, pois a confecção dos fantoches-protagonistas se deu de forma coletiva e é essa história que pretendemos narrar, debater e refletir. Pois é a partir dela que observamos afirmações identitárias e de valorização do negro/a, tomando a cor de pele e o cabelo cacheado como importantes, fortalecendo os sujeitos participantes das oficinas com a possibilidade de identificação e autorrepresentação por meio

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das atividades e dos fantoches. Conforme Nilma Lino Gomes, em seu artigo, ―Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ressignificação cultural?‖, (2002), aponta sobre a necessidade de estudos sobre a dimensão simbólica na qual crianças e adultos constroem sua identidade. Os valores, as representações marcadas no ambiente escolar e fora dele ao tratar sobre a educação étnico-racial ainda merecem atenção. Por isso, a escuta das opiniões de alguns dos participantes das oficinas é relatada nessa pesquisa, assim como o processo de construção dos fantoches- protagonistas das histórias.

Tomando como base a valorização da cultura e temática afro-brasileira, africana e indígena no espaço literário. Couberam-nos duas perguntas norteadoras, a primeira:como apreender a dimensão simbólica em relação à valorização das representações dos fantoches negros/as e indígenas nas oficinas?

A escuta e os relatos na confecção dos fantoches-protagonistas tanto pelosadultos quanto pelas crianças, articulado a contação de históriasrealizadas antes das oficinas,auxiliou a responder a primeira e questão e a problematizar a segunda: quais foram os eventos anteriores e práticas discursivas literárias que esses sujeitos haviam participadoe como isso os havia afetado na representação dos fantoches-protagonistas negros/negras e indígenas?

O diálogo nas oficinas permitiu um espaço colaborativo integrado, no qual as experiências dos sujeitos presentes nos deram uma dimensão histórica de trajetórias marcadas por gênero, pela cor da pele e traços físicos com a possibilidade de rememoração na representação de suas trajetórias, como também daquelas construídas sobre as representações de negros/as e indígenas na construção imaginária e simbólica por meio das trocas culturais em espaços escolares e não escolares. Essas representações foram refletidas pelos sujeitos participantes das oficinas na manipulação dos fantoches- protagonistas para a confecção dos livros gigantes. Pois além de transporem parte de suas histórias de letramento sobre o corpo negro/a e indígena na representação imagética dos fantoches-protagonistas, também inseriram essas histórias sob a perspectiva da valorização na literatura do ethos temáticoda cultura afro-brasileira, africana e indígena.

Como afirma Gomes (2002, p. 41): ―Na instituição escolar, assim como na sociedade, nós comunicamos por meio do corpo. Um corpo que é construído biologicamente e simbolicamente na cultura e na história.‖ Essa trajetória individual construída aos pares nas oficinas,apresentou-nos como o estudo das relações raciais em contextos de mediação de leitura, em espaços não escolares é tecida de forma complexa e como tais sujeitos foram representados. Com a hipótese inicial de que o padrão estético rememora aspectos culturais ainda provenientes da hegemonia branca, mas que gradativamente começa a ser interrogada e desconstruída iniciamos a coleta de dados.

Foi a comparação dos sinais do corpo negro (como nariz, a boca, a cor da pele e o tipo de cabelo) com os do branco europeu e colonizador que, naquele contexto, serviu de argumento para a formulação de um padrão de beleza e

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fealdade que nos persegue até os dias atuais. [... ] À medida que o corpo vai sendo tocado alterado, ele é submetido a um processo de humanização e desumanização. A experiência cultural, segundo padrões culturalmente estabelecidos e relacionados à busca de afirmação de uma identidade grupal específica. (GOMES, 2002, p. 42).

Essa representação socialna esfera escolar, seguindo Bell Hooks (1992), ainda são marcadas por uma educação que privilegia a representação de imagens de pessoas brancas em status de poder, marca do racismo estrutural, internalizado de forma massificada na sociedade. Assim propomos por meio desse trabalho, o termo Letramento literário racial e seguimos algumas reflexões para a efetividade dele como: uma reorganização de obras literárias utilizadas em espaços formais e informais em toda a sociedade, que instaurem a temática africana, afro-brasileira e indígena por meio da literatura e pelas ilustrações com maior representatividade, para que desde a cantiga de ninar até o romance consigamos perpetrar um conhecimento discursivo social, uma leitura para a diversidade, com o direito do bebê ao adulto em terem interações literárias que considerem a diversidade.

Esse termo é cunhado com base na teoria de Bell Hooks (1992 ) e Brian V. Street (2013), a primeira pela dimensão racial e o segundo autor por tratar o letramento,considerando práticas discursivas atreladas as dimensões das relações de poder, gênero e classe na concepção identitária do indivíduo. Os estudos de letramento nesse artigo tomam como base a abordagem de Brian V. Street sobre os Novos Estudos de Letramento (2001; 2013), New Literacy Studies –NLS, ao considerar os discursos e as práticas sociais. Dessa forma, a habilidade autônoma de adquirir o código linguístico é questionada pelo autor. A maioria dos discursos escolares referenciam os múltiplos letramentos distinguindo os eventos de letramento e as práticas de letramento, contudo a preocupação escolar ainda é a aquisição do código escrito.

A associação de que o letramento de forma autônoma pode ampliar a capacidade cognitiva e possibilitar acesso aos bens materiais e aos simbólicos por meio da ascensão econômica, sem considerar os vários fatores que mantém socialmente o aluno/aluna ‗iletrada‘1 é uma forma de exclusão.

A escola ao abordar discursivamente o letramento de maneira autônoma como modelo não propõem alterações na forma de aprender. Na verdade, segundo o estudioso, pode apenas manter conjecturas culturais, políticas e ideológicas que tomam o letramento como sendo neutro. A abordagem autônoma insere os discursos sociais em uma ótica hierárquica, onde se reproduzem experiências particulares e de determinadas classes sociais e culturais dominando a esfera escolar sem contemplar outros discursos. No Brasil, durante muitos anos, a escola formou alunos tomando como base apenas a aquisição do código linguístico, em algumas, ainda, esse

1 Mantivemos o termo entre aspas, seguindo as ideias do autor, pois apesar de na sociedade

as pessoas terem acesso a diferentes práticas discursivas como: organizar as compras de casa em um supermercado, pegar ônibus, ir ao banco, entre outras. Entende-se que algumas pessoas participam desses eventos sem dominá-los e quando precisam fazer uso de alguma prática discursiva desconhecida solicitam auxílio a familiares e amigos ou institucionalmente aos servidores.

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modelo é utilizado. Uma aprendizagem autônoma também é carregada de uma postura política e ideológica e pode ser uma orientação social para a formação identitária dos alunos.

Para Street (2013), o modelo ideológico se opõe ao autônomo, pois é socialmente construído e não está relacionado apenas a aquisição da escrita e da leitura de forma neutra, mas deve se ligar a cultura, concepções de conhecimento, identidade e representação social, incorporado em diferentes contextos sociais. Contudo, ela está em um espaço constante de disputa quanto ao seu significado e também na transposição didática das/os professoras/professores sobre as práticas sociais escolhidas para serem apresentadas ao aluno na esfera escolar.

As formas como professores ou facilitadores e seus alunos interagem é já uma prática social que afeta a natureza do letramento em processo e as ideias sobre letramento dos participantes, em especial dos novos educandos e sua posição nas relações de poder. Não é válido sugerir que o ―letramento‖ possa ―ser dado‖ neutramente e que, então, seus efeitos ―sociais‖ sejam vivenciados apenas posteriormente. (STREET, 2013, p. 54).

Torna-se fundante pensar sobre a importância de um letramento literário racial. Fúlvia Rosemberg (1984) já sepreocupava com a qualidade das narrativas literárias destinadas à infância, pois elas acabam por difundir ideologicamente padrões sociais; culturais, fenotípicos e permitem a criança perceber o acesso aos bens simbólicos e aos materiais por intermédio da representação das personagens das histórias.As narrativas não precisam ser destinadas a práticas pedagógicas como quem endereça receitas na solução de problemas, mas, sim, elas são produtoras derepresentações, são polifônicas e dialógicas e expressam práticas de Letramento na formação e atuação do aluno/aluna no mundo letrado.

Rosemberg ampliou o corpus literário para uma educação para diversidade, exigindo novos sentidos nas formas de representação textual e qualidade na valorização das características dos povos indígenas e da população negra nos livros didáticos e literários. Entendemos que o espaço literário é de interação de ampliação do repertório dos alunos/as, um convite ao desenvolvimento das competências literárias em espaços de mediação de leitura na formação de um leitor literário.

Apontamos, também, nessa defesa de um Letramento literário racial a importância da organização dosespaços escolares, a formação de professores, a gestão escolar, os materiais didáticos e literários, apesar de não aprofundarmos tais questões nesse texto, seguimos os estudos de Dias (2012).

Observamos vários estímulos de práticas possíveis para a aquisição da linguagem escrita pela criança, tomando os discursos em diferentes esferas sociais, consideramos a importância da literatura como ferramenta crescente em textos escritos e não escritos em diferentes suportes e meios. Por meio do uso dele na esfera escolar, as professoras/professores mediam algumas competências linguísticas como: o uso da linguagem com base nas regras da língua, interpretação e conhecimento de mundo.

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A literatura é responsável pela interação cultural, permitindo a criança, ao jovem e ao adultocompor e reorganizar imagens por meio das práticas discursivas literárias. Em sala de aula é possível organizar e alcançar os objetivos didáticos, considerando nesse espaço as condições socioeconômicas, culturais, políticas, de gênero e normativas no âmbito curricular, formativo e de gestão educacional dos sujeitos nela envolvidos.

Tomando como base essas considerações, propomos a mediação de leitura como possibilidade para afirmar a cidadania cultural para a diversidade de crianças, jovens e adultos.

As histórias transpostas nos livros gigantes foram desenvolvidas pelos autores textualmente e depois foram contadas nas oficinas para serem alinhavadas em três livros gigantes para o manuseio e contação de história.

O livro com as histórias do ―Menino Estripulia e a Língua que fugiu com o Circo‖ da curitibana Danielle Andrade foi produzido por meio de oficinas-ateliêrs abertas ao público, coordenadas pela artista-ilustradora Elena Landínez e pela autora. A chamada para o ateliê–oficinafoi publicadaem jornais, no facebook, no blogue do livroe realizados na UFBA ( Universidade Federal da Bahia).

A segunda história, da gaúcha Rita de Cássia M. Alcaraz, ―A Princesa do pé de Jabuticaba‖ foi tecida com as oficinas coordenadas pelo Professor Cristiano Piton, pelo artista Fábio Haendel junto com o grupo cultural Bankoma- comunidade negra, de Portão, Lauro de Freitas (BA). Mestres griôs e as crianças participaram desse processo e as oficinas não foram abertas ao público.

A terceira história, do paraense Heyder Moura, ―Araguaci: o pássaro bonito‖ ou ―A história de quando Curumin virou Ararapiranga‖ foi bordado pelas mulheres do grupo Bordar Sonhos, de Sussuarana e coordenadas pela ilustradora Flávia Bomfim. O Bordar Sonhos é um projeto coordenado desde Julho de 2013, pela arte-educadora Flávia Bomfim, que reúne 20 mulheres, no bairro de Sussuarana em Salvador. Elas compartilham suas histórias e seus sonhos e constroem imagens com técnicas livre de bordar, segundo dados retirados do blogue do projeto,

Bordar é um código de comunicação feminina que na contemporaneidade ganha status de arte, pois artistas apropriam-se de técnica para construir suas imagens e narrativas, mas, contraditoriamente, a beleza dessa técnica artesanal esta justamente na sua utilidade. (BOMFIM, 2014, p.1).

Essas bordadeiras foram as responsáveis por bordar a história de Heyder. A seguir vamos apresentar o resumo de cada história seguido de alguns relatos dos grupos, após a leitura e contação das histórias, citando apenas a idade e o gênero por entender que esse recorte é importante para se pensar nas relações de poder e espaço ocupado socialmente.

2. O menino poeta

O livro sobre as histórias do ―Menino Estripulia e a Língua que fugiu com o Circo‖ da curitibana Danielle Andrade é uma das primeiras a ser apresentada nesse relato.

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A história é de um menino que gostava de mostrar a língua, mas a língua não gostava de ser malcriada e queria outra função, queria descobrir seu talento. Até ouvir que ela poderia fugir, juntou-se a esse desejo, a chamada de um circo sobre a realização dos seus sonhos. Enquanto, o menino Estripulia dormia de boca aberta, a língua fugiu para o circo. Como tinha muitos talentos, demorou em descobrir o que desejava fazer. Com o tempo, a língua descobre o encantamento das palavras e torna-se poeta. O menino, durante esse tempo, aprendeu a ouvir e a ver, e vai reencontrar a língua com flor na lapela, ela então volta para a boca do menino que se torna encantador das palavras, um artista, um poeta.

O livro foi confeccionadopor meio de oficinas-ateliêrs abertas ao público. Após as chamadas divulgadas tanto em jornais e internet, no primeiro encontro, realizado na UFBA ( Universidade Federal da Bahia), os participantes eram em torno de 20 pessoas. Após ser apresentado o projeto e contada à história, algumas pessoas afirmaram não serem talentos e foram deixando o espaço. No segundo encontro, tivemos em torno de 15 pessoas, todos adultos, uma maioria de mulheres, em torno de 20 a 40 anos, e ligados de alguma forma a movimentos políticos e sociais, sendo em sua maioria artistas e educadores. Esse grupo permaneceu até o fim da etapa da confecção do livro. As oficinas foram coordenadas pela artista-ilustradora Elena Landínez e pela autora Danielle Andrade.

As representações imagéticas nos contextos anteriores de letramento dos participantes surgiram na descrição dos personagens, todos eles sugeriram que o menino tivesse cabelo cacheado e claro, os olhos, o nariz foram sendo desenhados, o porte físico definido para se pensar na idade ecom base nessas características se definiu o tom da pele como preta.

A maioria dessas participantes se autodeclararam negras/os e a confecção dos personagens, incialmente, por todos, foi concebido com personagens na cor preta. Contudo, no decorrer da história, o grupo buscou outros tons de pele para representar a negritude de personagens secundários, utilizaram tons de pele do bege escuro ao preto, por justamente no processo, conceberem tons de pele variados para o ser negro e assim se sentiram representados também. A negritude aqui é entendida na definição de Kabengeke Munanga (1986) como tudo o que se relaciona a raça negra.

Quadro I:

Relatos

―A construção visual do personagem se deu de forma natural, a ideia de fazer o menino negro se deu porque a maioria das crianças que vemos aqui são negras, seria estranho ele ser branco.‖ Gênero: feminino – 33 anos ―A cor do cabelo do menino é claro porque tem vários meninos assim aqui, com o cabelo mais claro queimado do sol.‖Gênero: feminino – 33 anos

Fonte: Oficinas realizadas.

Nessa confecção observou-se como o contexto identitátio fortalecido pela comunidade idealizou e interferiu na confecção do personagem. A própria experiência dos sujeitos envolvidos naquele espaço e para aquelas pessoas era da negritude como normatizadora. Tal condição é uma variável, e

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dependendo do contexto, ela pode levar a outras escolhas. Esse grupo observou o tom de pele deles, como também os aspectos das crianças conhecidas em suas comunidades em Salvador.

Tal representação nos leva a crer que em contextos de letramento para a diversidade a opção de desenhos e da autorrepresentação passam pela identificação, desde que os sujeitos tenham em um dado momento sido fortalecidos emsua identidade por meio da reflexão e debate.

Os sujeitos desse grupo,em outros momentos,tinham refletido sobre a educação étnico-racial e isso operou de forma referencial e positiva,quando eles buscaram referências para desenhar o personagem e depois na confecção dos fantoches.

3. A princesa tem cor

A segunda história, escrita pela gaúcha Rita de Cássia M. Alcaraz, ―A Princesa do pé de Jabuticaba‖ foi desenhada com as oficinas coordenadas pelo Professor Cristiano Piton, pelo artista Fábio Haendel junto com o grupo cultural Bankoma no terreiro de Candomblé do grupo- comunidade negra, de Portão, Lauro de Freitas (BA).

O Professor Paulo Vinicius Baptista afirma, em seu artigo ―Literatura Oral Afro-Brasileira e Alteridade‖, a importância de se contar histórias ganha destaque em diferentes culturas. Contar histórias é uma forma de ensinamento, entretenimento e de afirmação cultural.

Nessa oficina tivemos o importante papel dos Mestres griôs, segundo Silva (no prelo, p.2) os narradores sempre foram fundamentais na África negra. A oralidade usada como ofício e responsável pela transmissão cultural de geração em geração é responsável por perpassar o conhecimento do povo, a história dos antepassados, e de suas origens devido a isso foram gradativamente adquirindo um status, definido como narradores. ―Em diversos grupos africanos os narradores adquiriram status definido, com determinadas regras, direitos e deveres específicos, chamados por axpalô, kpatita, arokin, ologbo, griotes.‖(CASCUDO In: SILVA, no prelo, p.2) Seguindo a tradição Iorubá, segundo Silva ( no prelo, p.2), os mestres griôs são os que conhecem os Itans, as narrativas dos Orixás e devem transmitir aos mais novos tal conhecimento e sabedoria.

A contadora de história e o contador de história é uma herança de ancestralidade negra, segundo o pesquisador, por muitas vezes, serviu para reforçar estereótipos racistas por não terem nesse emprego a formalidade esperada, caindo no descrédito social. Por isso, gradativamente esse ofício foi desaparecendo, contudo é retomado em algumas esferas associado a formação do educador e mediadores de leitura, mesmo estando fora do currículo docente formal, ele aparece em cursos de extensão e formação posterior. Assim, contar história desse lado ocidental é permitido apenas a alguns grupos e em determinados espaços, por vezes, ainda com ares utilitaristas e pedagogizantes, utilizados como receita para solucionar embates interpessoais. Há necessidade de se regatar historicamente o seu sentido, a sua ancestralidade negra, no qual também existia a preocupação em ensinar, mas como um valor cultural, enriquecido para alguns povospela sabedoria

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mítica. Na tradição Yorubá, por exemplo, o valor da oralidade está na profundidade de ensinar por meio das histórias.

A história da autora gaúcha segue a mitologia Yorubá e traz como protagonista uma das filhas de Ossain. Quando ela planta os frutos destinados a ela, nasce uma árvore, o senhor das ervas não sabe o que fazer e deixa a menina para falar com sua Vó Nanã, dizendo que no reino dele, ela não teria mais lugar. A vó conhece a menina e a acolhe, abençoa a semente e o fruto daárvore, dando o nome dejabuticabeira oferenda destinada a velha Yabã e coroa a pequena como Princesa do pé de jabuticaba.

Ossain acaba por entender a missão da filha e abençoa a árvore que nasce no Brasil em todas as regiões, tendo como fruto a jabuticaba.

Os relatos, da maioria das crianças, após a mediação de leitura foram ditos por crianças entre a idade de 6 a 12 anos, e inserimos dois desenhos dessa oficina, pois eles são a representação das crianças na idealização das personagens e serviram de base para a construção inicial das personagens.

Imagem 1: Representação da Princesa do pé de Jabuticaba.

Fonte: Oficinas realizadas.

Imagem 2: Representação da Princesa do pé de Jabuticaba

Fonte: Oficinas realizadas.

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Quadro II:

Relatos

―É uma das melhores histórias que já ouvi. Ela parece com a gente‖ Gênero: feminino – 11 anos. Eles pesquisaram as ervas e plantas no terreiro com os mestres griôs e uma das meninas de 10 anos afirmou: ―Aprendi coisas que nunca aprenderia na escola, pesquisando sobre as plantas.‖ ― Essa história, ajuda outras pessoas a conhecer o mundo.‖ Gênero: masculino: 12 anos. ― A princesa é de nossa cor, eu gostei muito, sou princesa também‖. Gênero: feminino, 10 anos. ―Essa senhora é igual a minha avó lá de casa.‖ Gênero: feminino, 6 anos.

Fonte: Oficinas realizadas.

Os relatos apresentaram a importância da autoidentificação da maioria das meninas com a princesa, por sentirem-se representadas esteticamente, tanto na valorização dos cabelos cacheados comopela cor da pele, permitindo a criança ampliar o imaginário mítico.

Em alguns relatos fica claro, o espanto e a felicidade de algumas ao observarem uma princesa negra que as representasse, nos levando a afirmar que em espaços anteriores de mediação de leitura, elas ainda não haviam tido contato com princesas negras.

Dessa forma, consideramos fundamental permitir o acesso a histórias voltadas a diversidade cultural para as crianças, com a possibilidade de fortalecimento da estima e para o acesso aos bens simbólico culturais.

Após a finalização do livro, a equipe do projeto fez uma cerimônia com as crianças e coroaram no terreiro a princesa-fantoche como a Princesa do pé de Jabuticaba.

4. O segredo do caroço de tucumã

A terceira história, do paraense Heyder Moura, ―Araguaci: o pássaro bonito‖ ou ―A história de quando Curumin virou Ararapiranga‖ foi bordado pelas mulheres do projeto Bordar Sonhos, do bairro de Sussuarana, coordenadas pela ilustradora Flávia Bomfim. O autor junto com a equipe do projeto leu a história para o grupo de 20 mulheres. A primeira reação delas foi de emoção e afirmaram que os povos indígenas ainda eram muito explorados e deixados de lado.

A história de Heyder remonta a chegada dos colonizadores e a exploração da terra de Tupã, a escravização, subalternização dos povos indígenas e a assimilação dos povos pelos colonizadores. Contudo os recém-chegados aprisionam os Tupinambásdentro de uma semente de Tucumã. Ao aprisioná-los na semente e privá-los do dia, eles sem se dar conta preservavam a esperança, a tradição retomada pela figura de Araguaci que

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consegue a confiança de várias aldeias presas em sementes de Tucumã. O guerreiro-menino fortalece a identidade do povo indígena e aonde reinava a tristeza, começa a reinar a esperança em meio às histórias sabiamente contadas a todos ao redor da fogueira. Contudo, o pequeno e esperto menino é perseguido pelos colonizadores e atingido por uma arma de fogo, em um ato de bravura acaba se atirando do alto da castanheira, e abre uma semente de Tucumã com os dentes. Da semente escapam rios, plantas e animais e aonde só existia a lua e tristeza voltou a existir sol, apesar da morte do bravo guerreiro. Os deuses emocionados honram o corpo de Araguaci e dele nascem penas vermelhas e azuis, da sua boca nasce um bico para espalhar a semente por todo o continente e ele é lembrado: ― E de ti os Deuses se lembrarão por diversos nomes,/ Ara ara ara macao/ pois protegerá/ os corpos, os mortos e as cabeças dos Xamãs.‖ (MOURA, 2014, p. 6).

Quadro III:

Relatos

―É emocionante participar dessa história e se sentir parte dela.‖ Gênero: feminino - não informou a idade. ―A violência contra os povos indígenas ainda é muito grande, essa história representa os dias atuais.‖ Gênero: feminino – não informou a idade.

Fonte: Oficinas realizadas.

Os relatos demonstraram como o grupo de bordadeiras ficou preocupado e sensibilizado por meio da história, com os direitos territoriais do povo indígena. Elas também perguntaram ao autor, quais eram os símbolos mais importantes na narrativa e Heyder destacou o sol, a lua e as cores. Durante o trabalho, elas foram muito cuidadosas em manter tais símbolos como norteadores da história. Ao final da confecção dessa obra, a equipe considerou importante que ele tivesse a forma de uma grande semente.

5. Conclusão

Esse trabalho demonstra que as mediações de leitura precisam possuir um espaço voltado, preocupado, com a diversidade cultural, considerando a importância da educação étnico-racial. Ao se optar por espaços, no qual a temática atua na formação e fortalecimento identitário, novos leitores se tornam protagonistas ao se identificarem com a história lida e com a construção das personagens.

Tal questão é fundante para se pensar na importância do Letramento literário racial trazido por histórias possíveis de serem idealizados e confeccionados, tendo como representação a possibilidade dos sujeitos-leitores sentirem-se protagonistas com as especificidades de cada etapa de ensino no ambiente escolar (SOUZA, 2008).

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Devemos questionar as propostas que ainda inserem a literatura como ideal para manter ostatus da branquidade2 em ambientes escolarizados ou não por meio das representações discursivas e por meio das ilustrações. Os livros em sua maioria desconsiderampersonagensnegros e indígenas, ou quando osconsideram ainda é de forma estereotipada, tirando o direito da maioria da população em serem representadas, como também minimizam a ampliação estética,operando no imaginário cultural,propondo apenas um modelo de beleza. Esse cenário sofreu alterações importantes, contudo esses bolsões agem resistentes, mantendo imagens caricatas e histórias primordialmente sendo naturalizados apenas personagens brancos/as, essa literatura ainda opera e provoca desigualdades representativas no acesso aos bens simbólicos.

A sensibilidade das bordadeiras em relação à causa territorial dos povos indígenas; a emoção das crianças no terreiro e a afirmação dos adultos na oficina nos apresenta um cenário distinto, contudo esclarecedor. Ainda, vivemos em uma sociedade na qual os privilégios dos brancos/as são naturalizadose aparecem como normatizadores para imagens, belezae marcam as histórias na maioria dos contextos de letramento. As representações que invertem essa ordem causam espanto e dependendo da opressão, alegria, pois ainda aparecem minimamente na escolha das obras a serem lidaspara e por adultos, jovens e crianças. Isso interfere no imaginário e na representatividade imagética e memorialística das quais as pessoas participam em suas interações literárias.

Ao relatar algumas das palavras dos participantes das oficinas dos livros apresentados, reitero a preocupação com a infância, tendo como possibilidade a representaçãodas crianças na inserção do importante processo de estima, identidade, fortalecimento por meio da cor de pele preta/o e do cabelo cacheado,construindo o sentido de pertencimento e ancestralidade nas interações literárias. E tal sentido interfereno acesso aos bens simbólicos e nosmateriais desde crianças, ele pode ter continuidade com os jovens,permanecerno futuro para osadultos e como legado a novas gerações. A importância deleé auxiliar na desconstrução de estereótipos e no combate ao preconceito racial, sendo tarefa de toda a sociedade, mas primordialmente de educadores e pesquisadores da área.

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ALCARAZ, Rita de Cássia M. A princesa do pé de Jabuticaba. s/e, 2015.

2 A branquidade segue aqui em um contexto histórico, universal e moral proposto por Giroux,

―Por uma pedagogia e política da branquidade‖, como categoria social, entendida como referência dominante na sociedade.

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DE MARGEM A MARGEM: LEITURA DOS CONTOS DE JOÃO GUIMARÃES ROSA NO VALE DO URUCUIA

Rosa Amélia Pereira da Silva Instituto Federal de Brasília/IFDF

Doutora em Literatura e Práticas Sociais [email protected]

(61) 8159-8833

Resumo

Este relato decorre de uma pesquisa-ação desenvolvida na região do Vale do Urucuia entre os anos 2011 e 2013 a fim de promover a leitura dos contos de João Guimãraes Rosa na Educação Básica. Observou-se que, na região, há muita referência ao escritor. Ele e sua obra adensam os projetos sociais no território urucuiano, contudo a recepção, pela leitura, de seus textos é praticamente nula. Preocupados com essa situação e embasados na dialogia bakhtiniana, na Estética da Recepção de Jauss, na teoria do efeito estético iseriana e no letramento literário, realizou-se um projeto, cuja metodologia demonstra a utilização de estratégias de leitura dos textos rosianos para a Educação Básica, as quais podem ser aplicadas a quaisquer textos literários: as cirandas dialógicas de leitura. Chamamos de ciranda a estratégia de mediação de leitura, porque relacionamos, a partir da cultura popular, a mediação da leitura com a forma pela qual acontece uma ciranda. Tal qual numa ciranda em que o canto e a dança pressupõem a força da coletividade, consideramos, no processo de leitura em sala de aula, que todas vozes são importantes, numa perspectiva colaborativa e dialogada, para a construção dos sentidos do texto. O professor, nesse sentido, é o responsável por elucidar e encaminhar as reflexões, esclarecendo dúvidas e pondo em cheque alguns apontamentos; por conduzir o leitor, por meio de perguntas, à compreensão das ideias do texto, tendo este como limite no processo de interpretação. Demonstramos, dessa forma, que ler literatura e especificamente a obra de João Guimarães Rosa, na Educação Básica, pode ser uma experiência exitosa. Descontruímos a ideia de que os textos do autor são difíceis e herméticos; evidenciamos que os leitores no vale do Urucuia se reconhecem nos textos e reconhecem também a região tão poeticamente explorada na obra rosiana. Durante as ―cirandas de leitura‖, observamos o despertar nos leitores do sentimento de pertencimento e a necessidade de assunção cultural por meio da valorização da identidade urucuiana a partir da leitura da obra de João Guimarães Rosa. Nesse processo, destacamos o papel fundamental do professor, na posição de mediador de estratégias de leitura, sobretudo quando elas constituem eventos dialógicos que devem ser planejados e flexibilizados considerando o público que lê e o texto a ser lido. Essa experiência é que será apresentada, em seus pormenores, neste relato.

Palavras-chaves: Leitura; literatura; cirandas.

Abstract

This report is the result of an action research carried out in the Vale do Urucuia region between 2011 and 2013, which sought to promote the reading of João Guimarães Rosa's tales in basic education. It was observed that in this region there is much reference to the writer. He and his work catalyse social projects in the Urucuia's territory. However, very few people actually read his work. This project emerged out of a concern with this situation. It draws on Bakhtin's dialogism, Jaus's aesthetic of reception, Iser´s aesthetic response theory, and on literary literacy. Its methodology is

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based on the use of a specific reading strategy for working with Rosa´s tales in basic education, which can be applied to any literary text: the "cirandas" of dialogic reading. We call the strategy for mediating reading ―cirandas‖ because, similarly to what happens in "cirandas", where the singing and the dancing presuppose the power of collectivity, during the reading process in the classroom all voices are important for the construction of the text meaning in a collaborative and dialogical perspective. The teacher is responsible for clarifying and conducting the debates, answering questions, questioning ideas, and for conducting the reader, through questions, to the understanding of the text, which, in itself, is the limit for the interpretive process. We show therefore that one can be successful in reading literature and particularly João Guimarães Rosa's work in basic education. We deconstruct the idea that the author´s texts are difficult and hermetic; and we provide evidence that the readers in the Valley of Urucuia recognise themselves and the region – which is poetically explored in Rosa´s work - in the texts. During the "cirandas", we observed the feeling of belonging awakening in the readers and the valorisation of the urucuiana's identity through the reading of João Guimarães Rosa's work. We highlight the key role of the teachers as mediators especially because the ―cirandas‖ are dialogical events that must be planned and made flexible according with the public that reads and the text to be read. Keywords: reading; literature; cirandas.

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Este relato é fruto do trabalho realizado com os professores da região do Vale do Urucuia durante os anos de 2011 e 2012. A partir da constatação de que, na região, se divulga bastante, contudo não se lê, a obra de João Guimarães Rosa, considerou também a possibilidade de que é extremamente válido promover a leitura do referido Autor nas escolas da região. Dessa forma, desenvolveu-se o projeto de leitura, com o apoio da Prefeitura Municipal de Arinos e das escolas municipais Vasco Bernardo de Oliveira, Santos Reis e da Escola Estadual Professor Benevides.

Partiu-se da ideia de que ler não é uma competência aliada somente ao trabalho escolar. A leitura faz parte da vida humana. Lê-se o mundo, leem-se pessoas, leem-se fatos, leem-se textos, leem-se palavras. Tudo é passível de leitura. O processo dinâmico da leitura, seja ela de mundo, seja ela da palavra, forma o humano, fá-lo crescer e o humaniza, uma vez que a leitura está intimamente ligada à linguagem e, para lembrar G. Rosa, o grande inspirador deste trabalho, cita-o a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente.

Dessa forma, propôs um trabalho de leitura a partir da perspectiva interacionista e dialógica, partindo-se da concepção da estética da recepção e da teoria do efeito estético de leitura da literatura, para fundamentar a reflexão, propor a metodologia em forma de ―cirandas‖ e demonstrar que a leitura dos contos de João Guimarães Rosa é perfeitamente factível na Educação Básica, sobretudo num cenário em que o nome do escritor e sua obra são importantes protagonistas na construção de valores da região.

A partir dessas ideias, contribuir para a constante evolução – humanamente linguística - dos participantes do trabalho foi o principal objetivo do caminho construído com a leitura, além, é claro, de mobilizar o leitor para o texto literário, levando-o a viver a experiência de natureza estética. Relata-se a experiência de leitura, em forma de ciranda dialógica‖ do conto ―A Terceira Margem do Rio‖ desenvolvida com alunos de 9º ano da Educação Básica.

Ciranda Leitura aplicada ao conto ―A terceira margem do rio‖, de João Guimarães Rosa

Referencial Teórico

O processo metodológico das cirandas dialógicas caracteriza pela concepção dialógica de leitura. O ato de ler é ―um processo de interação entre o leitor e o texto‖ (SOLÉ, 1998, p. 22). Nessa interação, o leitor decodifica as palavras, relaciona-as umas às outras, liga-as aos seus significados já internalizados, ativa conhecimentos adquiridos acerca do assunto/tema lido, processa estratégias que vão construindo os sentidos do texto. Este apresenta importante atuação sobre o leitor: aciona-lhe os conhecimentos, contribui significativamente para a construção das previsões, modificando-as provocativamente, para que ele – o leitor – permaneça, ou não, na leitura.

Nessa perspectiva, a leitura se constitui a partir do cruzamento de inter-subjetividades. O texto perpassa o leitor, assim como o leitor atua sobre o texto numa dinâmica inseparável e ímpar. Para Iser (1996; 1999), o efeito estético da

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obra literária ocorre a partir da interação entre texto e leitor e o ponto de vista do leitor é construído ao longo da leitura, num processo de ir para frente, elucubrando ―protensões‖ e vir para o momento presente da leitura, a partir das ―retenções‖; nesse processo, associam-se ideias, confirmam-se expectativas e descartam-se outras numa constante construção de ―unidades significativas‖, que se tornam ―prospectivas‖ para novas perspectivas compondo novas significações, produzindo sentido. A leitura é processo, articulação de conhecimento, interação entre a experiência do leitor e o texto; um atua no outro para a criação dos sentidos. Tal processo gera uma abertura na forma de pensar. Inicialmente, a leitura é pontual, mas amplia-se à medida que se compreendem as ideias com as quais se dialoga e se cria o efeito estético num processo dinâmico, contínuo e inacabado, devido à propriedade de poder ampliar o pensamento que desencadeia a mobilização do ponto de vista do leitor de forma dialética: o movimento retrospectivo estabelece relação com o conhecimento passado e o movimento prospectivo estabelece relação com as ideias provocadas, numa dinâmica em que a síntese sempre abre o horizonte para novas perspectivas, a partir dos espaços vazios presentes no texto.

Tal dinâmica, processada durante a leitura, é denominada, por Iser (1996), de ―ponto de vista em movimento‖. O leitor não é o único protagonista no processo da leitura; o texto ativa no leitor seus conhecimentos e suas experiências. Caso o leitor esteja aberto às provocações do texto, à medida que se dedica à leitura, (re)constrói suas projeções a partir dos estranhamentos e das coincidências de expectativas, das lacunas e das pistas deixadas no texto deliberadamente pelo autor, a serem inferidas pelo leitor. O leitor participa com liberdade da (re)criação dos sentidos; preenche, ao reconhecer os vazios do texto, os espaços indeterminados; antecipa prospectivas; reorganiza-as num movimento contínuo de (re)elaboração de sínteses, que se tornam novas expectativas a partir dos limites do texto. Segundo Iser (1999, p. 157), ―o lugar vazio permite que o leitor participe da realização dos acontecimentos do texto‖. Tal participação diz respeito à ação do leitor sobre as posições manifestas no texto.

O processo de leitura parte inicialmente dos espaços vazios. O leitor não conhece ainda o texto, que é uma incógnita. O leitor mergulha na possibilidade interpretativa, entre prospectivas e retrospectivas, movimenta-se cuidadosamente – ou não – entre os espaços vazios, articulando os conhecimentos dentro de sua experiência leitora para preenchê-los e construir sentido para o texto. À medida que avança na leitura, os espaços vazios que limitam e estimulam a leitura não se dissipam, mas vão se restringindo a partir da atuação interpretativa do leitor. Se se mantiver grande quantidade de espaços vazios, entende-se que o leitor não foi cooptado pelo texto, não houve interação entre o texto e os horizontes do leitor. Em resposta à provocação do texto literário, o horizonte que limita o leitor pode abrir-se continuamente.

A qualidade da leitura, quando o leitor é inexperiente, vai depender da atuação de um mediador. Não sendo o leitor capaz de estabelecer relações e criar os atos de imaginação, cabe ao professor, na posição de mediador de leitura, desenvolver estratégias que minimizem a distância entre texto e leitor, que aproximem os horizontes desses dois polos e que deem condições ao leitor de realizar os atos imaginativos: ―o texto postula a cooperação do leitor

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como condição própria da sua actualização‖ (ECO, 1983, p. 57). Tal cooperação se dá a partir do cabedal linguístico e do capital cultural articulados para a sua realização.

Metodologia

A partir dessas concepções de leitura, realizou-se a ―ciranda dialógica‖. Chamamos de ciranda a estratégia de mediação de leitura, porque relacionamos, a partir da cultura popular, a mediação da leitura com a forma pela qual acontece uma ciranda. Tal qual numa ciranda em que o canto e a dança pressupõem a força da coletividade, consideramos, no processo de leitura em sala de aula, que todas vozes são importantes, numa perspectiva colaborativa e dialogada, para a construção dos sentidos do texto. O professor, nesse sentido, é o responsável por encaminhar as reflexões, por elucidar os pontos obscuros, esclarecer dúvidas e pôr em cheque alguns apontamentos; por conduzir o leitor, por meio de perguntas, à compreensão das ideias do texto, tendo este como limite no processo de interpretação.

Dessa forma, para desenvolver a ciranda propusemos cinco momentos consubstanciados pela relação dialógica: a princípio, o planejamento – restrito inicialmente ao professor - e a exposição dos objetivos; seguidos da motivação para a leitura; da realização da leitura e da ciranda dialógica cuja característica é o debate fomentado pela pergunta, momentos dialógicos por excelência que que se fundem num só, e, por último, o momento da produção escrita, em que se revelam os efeitos da leitura.

No primeiro momento, aconteceu a preparação da ciranda. Durante o planejamento, houve a preocupação com o efeito estético que se pode suscitar a partir da leitura: a estesia, a poesia e/ou a catarse. Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que os leitores precisam saber por que motivo lerão, no sentido de compreender a movimentação estratégica pela qual passarão, inclusive para poderem, em outras circunstâncias de leitura, aplicar o mesmo processo. Dessa forma, pensou-se nesses objetivos específicos para poder planejar a aula de leitura do conto, considerando que se pode ler para atender a muitos objetivos, tais como ler pelo prazer de ler; ler para escrever referencialmente a respeito do texto; ler para escrever poeticamente; ler para discutir as ideias do texto; ler para descobrir informações referentes ao mundo ao qual o texto reporta, entre outros (Solé, 1998). De início, já deixamos claro para os participantes que o objetivo da leitura era buscar entender o conflito pelo qual passava o personagem da estória a ser lida e escrever, de forma poética, a partir dele.

Partindo do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade Morin (2000, p. 20), propusemos, para o desenvolvimento das atividades, um momento de motivação. Acredita-se que o professor deve estabelecer uma relação de afetividade entre o leitor e o objeto do conhecimento, no caso, o texto literário. Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção, ―sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade‖ (idem, ibidem: 95). As estratégias para motivação podem ser pensadas de várias formas, a depender do texto, mas destacamos algumas

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que consideramos bastante efetivas, as quais, segundo Solé (1998), determinam o sucesso da leitura: a contextualização, a problematização, o levantamento de conhecimento prévio, a predição, o incentivo para que o leitor assuma responsabilidade diante do texto.

Para o conto de João Guimarães Rosa, iniciou-se a motivação explorando algumas questões da vida do autor do texto, por exemplo, o fato de ele ter posto os urucuianos como personagens de seus textos. Questionou-se aos participantes sobre qual teria sido o propósito de JGR em escrever estórias tendo a região como cenário e o urucuiano como personagem. Nesse momento, observou-se que o participante se sentiu valorizado na sua base cultural. Partindo desse momento, realizou-se uma provocação no sentido de motivar os participantes a lerem o texto sob a perspectiva do comportamento humano. Indagou-se: o comportamento do homem é sempre o mesmo? Ou, à medida que ele cresce, seu comportamento vai tomando novas configurações? O que rege o comportamento do ser humano? Os valores? Que tipo de valor? E quem forma tais valores? É possível definir o comportamento? A partir dessas perguntas, gerou-se uma discussão em torno de valores/ética, respeito etc. Essa conversa aliada à anterior foi capaz de deixar o grupo instigado a ler o texto e a assumir responsabilidade diante do texto.

Assim, partimos para o segundo momento da ciranda, em que desenvolvemos a leitura em grupo, de forma coletiva procurando dar ênfase à leitura oral, pois esta agencia a escuta reflexiva, proporcionando a quem ouve o refinamento de sua condição de ouvinte e o exercício libertário de leitor/ouvinte criativo. Por essas razões, propôs-se, primeiramente, a realização das leituras orais e compartilhadas, pois na prática oral e coletiva, os leitores ―tornam explícito o caráter social da interpretação dos textos e podem se apropriar do repertório e manipular seus elementos com um grau maior de consciência, quer seja para reforçar ou para desafiar conceitos, práticas e tradições‖ (COSSON, 2014, p. 139).

No momento da leitura, ressaltaram-se os aspectos sonoros da composição do texto: as rimas – apesar de o texto ser em prosa, ele é recheado de rimas, aliterações e assonâncias –, os discursos direto, indireto, indireto livre, o ritmo da narrativa – lento, gradual, acelerado. Ao constituir a leitura coletiva, a modulação da voz, as expressões faciais tornaram-se importantes para a construção dos atos imaginativos do leitor. Exploraram-se, também durante a leitura, o vocabulário, as expressões metafóricas, a organização das ideias, a sequência dos fatos, a caracterização do espaço, dos personagens, a determinação do tempo, pois acredita-se, tal qual Bakhtin (2003), que para compreender o conteúdo, não se pode descartar as formas pelas quais as ideias são expostas.

A partir disso, conduziu-se a ciranda dialógica para o seu ápice: a reflexão para que os participantes pudessem reconhecer o que está nas entrelinhas do texto, compreendendo as metáforas, as alusões, realizando um exercício de apreensão das analogias. Quando o leitor teve condições de aplicar o seu conhecimento de mundo e sua experiência na leitura de textos, estabeleceu-se uma relação entre o comportamento dos personagens dentro do conto e as ideias inicialmente discutidas na motivação. Assim, realizou-se atividades, orais e escritas, em forma de perguntas, considerando os

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elementos formais do texto na busca da compreensão, tais como atividades de interpretação, reconhecimento, identificação, apreensão de ideias e relações entre elas. Nesse sentido, contribuiu-se, pelo mergulho na estrutura textual, para que o leitor ativasse o seu conhecimento de mundo acerca do assunto/tema e estabelecesse relação entre ele e o que é lido.

Tal procedimento colaborou para o preenchimento das lacunas que se apresentaram na leitura inicial. Nesse momento, foi de extrema importância a participação ativa do professor na posição de leitor, pois o texto causou estranhamento desde o título até o final por suas ideias e estrutura. Questionamentos acerca da terceira margem do rio, acerca do comportamento do pai e do filho, no sentido de revelar o valor simbólico da terceira margem e conflito que o comportamento do personagem revela. Nesse processo a que denominamos de ciranda dialógica, avançou-se na análise do texto pela pergunta. A participação dos leitores para interrogar o texto e discutir a forma de se compreender, além de dar-lhes voz autônoma, foram processos importantes para que o professor reconhecesse, na perspectiva da teoria do efeito estético, as ―sínteses‖ que os leitores estavam realizando. O processo da pergunta levou-os a (des)construir perspectivas, modificando a relação de estranhamento e movimentando o ponto de vista, construído no momento da

leitura. As cirandas dialógicas, entremeadas de perguntas, ensinam o leitor a se questionar, a indagar ao texto. De acordo com Perissé (2006: 29), ―uma educação verbal precisa, entre suas metas, explorar a importância crucial da pergunta‖, cuja resposta não se deve ater às opiniões. Nas palavras de Cosson (2014), as respostas devem ser comprovadas no texto, ultrapassando a leitura literal e contribuindo para que se aprofunde a

compreensão. Acrescenta-se, também, que, ao realizar a leitura e a compreensão do texto compartilhadas, ficaram claros para os participantes da ciranda quais caminhos o mediador realizou para

construir um percurso interpretativo. Dessa forma, ele colaborou, pelo exemplo,

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para que o leitor aprendesse a pensar o texto. A performance do mediador, no ato de ler e interpretar, na condição de modelo para o aprendiz, é denominada por Cosson (2014) e Solé (1998) de modelagem. Uma primeira condição para aprender é que se possa ver e entender como faz o outro para elaborar uma interpretação do texto: quais as suas expectativas, que perguntas formula, que dúvidas surgem, como chega à conclusão do que é fundamental para os objetivos que o guiam, que elementos toma ou não do texto, que raciocínio articula para realizar inferências, o que aprendeu e o que ainda tem que aprender... em suma, os participantes da ciranda têm de assistir a um processo/modelo de leitura, que lhes permita ver as ―estratégias em ação‖ em uma situação significativa e funcional (SOLÉ, 1998, p. 116). Considerando tal perspectiva, o mediador da ciranda do conto A terceira Margem do Rio, atuou, a partir de sua experiência, como iluminador de leituras e os leitores puderam aprender a pensar o texto pelo exemplo dado.

Assim como a leitura é uma questão de investimento, a escrita também é. Nessa perspectiva, no desenvolvimento da última etapa de um processo de leitura em bases dialógicas no que se refere à produção escrita, foi necessário que todo o processo de leitura conduzisse para a necessidade de escrever, momento revelador da catarse atingida pela leitura do texto. Concordamos com Perissé (2006, p. 29), quando ele diz que, ―ao escrevermos literariamente, relemos a palavra, relemos o mundo e lhes conferimos novos sentidos mediante a sempre séria brincadeira verbal‖. Escrever é revelar-se para o outro na sua

mais íntima relação interpretativa. Assim, para promover a escrita, trabalhou-se com a leitura de hai-kais

tradicionais e com hai-kais escrito por João Guimarães Rosa. Exploraram-se a leitura e a estrutura desse gênero textual e, por fim, foi solicitado aos estudantes que cada um escrevesse um hai-kai, sintetizando as ideias do conto ―A terceira Margem do Rio‖, não esquecendo de abordar um elemento da natureza que sempre se faz presente nesse gênero, destacando a temática compreendida a partir da leitura do texto e ilustrando o texto produzido.

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Essa atividade levou os aprendizes à produção da paráfrase estilizada e de paródias. Cumpre destacar que, para realizar as cirandas, partiu-se do princípio de que a leitura é uma arquicompetência necessária à atuação do leitor em vários estágios discursivos. Sendo a leitura um processo que inclui a decodificação, conclui-se que a escrita seja a codificação; assim, a escrita também se torna importante para a atuação do leitor em todas as esferas sociais.

Assim sendo, o objetivo de todas as etapas da dinâmica das cirandas dialógicas foi o envolvimento do leitor com o texto literário, desde a produção até o consumo em forma de leitura, num processo inverso, da leitura até a produção. As duas imagens apresentadas nessa sessão acompanhadas de hai-kais são produtos dessa atividade escrita desenvolvida por alunos de 9º ano da Escola Municipal Vasco B. de Oliveira em que foi desenvolvido o projeto de leitura da obra de JGR.

Resultado do trabalho, a experiência demonstrou a capacidade leitora dos alunos das escolas participantes e a atuação deles como protagonistas – leitores e escritores – nas comunidades em que experienciam a aprendizagem.

Conclusão

A perspectiva de leitura adotada desencadeou um processo participativo, dialógico. Mesmo que o conto seja considerado ―difícil‖, a metodologia de leitura tornou-o acessível; os leitores se identificaram, em alguns aspectos, com a linguagem explorada, cujos jogos linguísticos revelam as brincadeiras sérias de João Guimarães Rosa com a linguagem literária. O efeito de sentido foi experimentado como se observa nos dois exemplos apresentados em forma de imagem nesse relato. A partir da leitura, JGR, elevado de ícone a símbolo literário significativo, passa a participar, ativamente, da construção da subjetividade de seus leitores. Percebemos que o efeito estético, derivado da leitura do conto ―A Terceira Margem do Rio‖, foi capaz de orquestrar discursos e perspectivas coletivas. Percebeu-se que a compreensão do conto, a partir seus efeitos estéticos, desenvolveu uma ética relacionada ao dever humano na comunidade, verificável a partir das produções de textos realizadas pelos participantes das ―cirandas dialógicas‖.1

Demonstramos, dessa forma, que ler literatura e especificamente a obra de João Guimarães Rosa, na educação básica, pode ser uma experiência exitosa. Evidenciamos que os leitores no vale do Urucuia se reconhecem nos textos e reconhecem também a região tão poeticamente explorada na obra rosiana. Durante as ―cirandas de leitura‖, observamos que se despertaram, nos leitores, o sentimento de pertencimento e a necessidade de assunção cultural por meio da valorização da identidade urucuiana a partir da leitura da obra de JGR. Nesse processo, destacamos o papel fundamental do professor, na posição de mediador de estratégias de leitura, sobretudo quando elas constituem eventos dialógicos que devem ser planejados e flexibilizados considerando o público que lê e o texto a ser lido.

1 Outras propostas de ―cirandas dialógicas‖ desenvolvidas durante a pesquisa para os contos

de João Guimarães Rosa, considerando a perspectiva teórica e a estratégia explanadas nesta reflexão, podem ser acessadas pelo link http://repositorio.unb.br/handle/10482/17304

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Referências

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SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998..

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A ARTE DE CONTAR E ENCANTAR: POSSIBILIDADES VIVENCIADAS COM CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Simone Machado de Athayde Mestre em Políticas Sociais

Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro/UENF Professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário São Camilo/ES

Professora da Educação Básica da Prefeitura Municipal Cachoeiro de Itapemirim/ES [email protected]

(28) 99992-3838

Resumo

O presente relato tem por finalidade apresentar o resultado dos momentos de leitura literária produzidos por professores, pedagogos e gestores que atuam nas Instituições de Educação Infantil da Rede Municipal de Cachoeiro de Itapemirim – ES. Procura apresentar uma discussão que perpassam pela ludicidade, liberdade e que ampliam a imaginação das crianças. A metodologia está aportada na observação participante engajada na produção de situações de aprendizagem. O resultado foi o respeito às singularidades das crianças e suas preferências. Palavras-chave: Leitura literária; Educação Infantil; Crianças.

Abstract

This report aims to present the results of literary reading moments produced by teachers, educators and managers working in Children's Education Institutions of the Municipal Itapemirim - ES. Seeks to present an argument that pass by playfulness, freedom and expand children's imagination. The methodology is aportada on participant observation engaged in the production of learning situations. The result was respect for singularities of children and their preferences. Keywords: Literary Reading; Childhood education; Children.

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Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça: - Não há nada a fazer, Dona Colo. Este menino é caso de poesia‖.

(Carlos Drummond de Andrade).

A história de muitas histórias: a criança como protagonista de seu fazer

As crianças ―fazem história a partir dos restos da história‖, o que as aproxima dos inúteis e dos marginalizados (BENJAMIN apud FARIA, 2005 , p.59). Dessa forma, pode-se dizer que elas reconstroem das ruínas; refazem dos pedaços. Interessadas em brinquedos e bonecas, atraídas por contos de fadas, mitos, lendas, querendo aprender e criar, as crianças estão mais próximas do artista, do colecionador e do mágico, do que de pedagogos bem intencionados.

Jamais são os adultos que executam a correção mais eficaz dos brinquedos – sejam eles pedagogos, fabricantes ou literatos –, mas as crianças mesmas, no próprio brincar. Uma vez extraviada, quebrada e consertada, mesmo a boneca mais principesca transforma-se numa eficiente camarada proletária na comuna lúdica das crianças (BENJAMIN, 2002, p. 87).

A cultura infantil é, pois, produção e criação. As crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que estão inseridas e que lhes é contemporânea.

A criança é colecionadora, dá sentido ao mundo, produz história. Como um colecionador, ela caça, procura. As crianças, em sua tentativa de descobrir e conhecer o mundo, atuam sobre os objetos e os libertam de sua obrigação de ser úteis.

[...] ninguém é mais casto em relação aos materiais do que as crianças: um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha reúnem na solidez, no monolitismo de sua matéria, uma exuberância das mais diferentes figuras. (BENJAMIN, 2002, p. 92).

Na ação infantil, vai-se expressando, assim, uma experiência cultural na qual elas atribuem significados diversos às coisas, fatos e artefatos. Como um colecionador, a criança busca, perde e encontra, separa os objetos de seus contextos, vai juntando figurinhas, pedaços de lápis, borrachas antigas, pedaços de brinquedos, lembranças, presentes, fotografias.

Olhar o mundo a partir do ponto de vista da criança pode revelar contradições e outra maneira de ver a realidade. Nesse processo, o papel do cinema, da imagem, da fotografia, é importante para ajudar o outro a construir esse olhar infantil, crítico e sensível. Ter esse olhar nos momentos de atuação

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com a criança significa agir com a própria condição humana, com a história humana. Conhecer a infância e as crianças favorece que o humano continue sendo sujeito crítico da história que ele produz e que o produz. Sendo humano, esse processo é marcado por contradições: pode-se aprender com as crianças a crítica, a brincadeira, a virar as coisas do mundo pelo avesso. Ao mesmo tempo, é de grande importância considerar o contexto, as condições concretas em que as crianças estão inseridas e onde se dão suas práticas e interações.

Se as crianças devem tornar-se um dia sujeitos completos, então não se pode esconder delas nada que seja humano. A sua inocência já providencia espontaneamente todas as restrições, e mais tarde, quando estas começarem a ampliar-se aos poucos, o elemento novo encontrará personalidades já preparadas. Que os pequeninos riam de tudo, até dos reversos da vida, isso é precisamente a magnífica expansão de uma alegria radiante sobre as coisas, mesmo sobre as zonas mais indignamente sombrias e, por isso, tão tristes (BENJAMIN, 2002,p. 87).

As crianças não formam uma comunidade isolada; elas são parte de um grupo, e suas brincadeiras expressam esse pertencimento. Elas são sujeitos sociais; nascem no interior de uma classe, de uma etnia, de um grupo social. Os hábitos, valores, costumes, as práticas sociais, as experiências interferem em suas ações e nos significados que atribuem às pessoas, às coisas e às relações.

O contexto dessas premissas, articuladas aos eixos que orientam uma outra maneira de ver as crianças, é o terreno onde estão consagradas as contribuições benjaminianas que expressam uma visão peculiar da infância e da cultura infantil, rememorando-as na sociedade contemporânea.

Walter Benjamin, pensador berlinense, nascido em 1892. Sua origem está ligada a uma família judaica, cultivada e abastada. Seu pai era banqueiro, sua mãe era filha de grandes comerciantes. Tal condição burguesa permitiu-lhe ter uma formação intelectual aprimorada, tendo-se destacado como autor de artigos desde os 18 anos. Crítico literário, ensaísta, tradutor, ficcionista e poeta, destacou-se como um dos pilares da Escola de Frankfurt.1

Apesar de não ter sido um pensador específico da educação, mas sim, da cultura, Benjamin tinha a preocupação de buscar a possibilidade de uma experiência sólida do conhecimento e, por isso, fazia uma crítica à educação apontada para um fazer profissional. Não aceitando essa práxis e já desconfiado da imposição do saber, o intelectual alemão encontrava nas crianças e nos artistas formas incentivadoras de entender o mundo.

A crítica contra uma infância enquadrada em parâmetros psicológicos, como se fossem seres tão diferentes dos demais, é revelada por Benjamin na figura da criança como uma pessoa inserida na história e numa cultura, da qual também é criadora e portadora. Assim sendo, a criança, para Benjamin, é sujeito da linguagem e da cultura e que cognição, ética e estética são alicerces

1 Instituto de Pesquisa Social, fundado em 1924. Em 1934, transferiu-se para Nova York e no

ano de 1951, retorna a Frankfurt. O conjunto dos trabalhos da Escola de Frankfurt é uma expressão da crise teórica e política do século XX.

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para a compreensão das interações de crianças e adultos na cultura contemporânea. Sarmento em seus estudos sobre infância ressalta um pensamento de Walter Benjamin que diz:

[...] A criança não ocupa um lugar romântico e idílico na sociedade, mas um lugar envolvido pela luta política e social de sua realidade mais ampla. Dessa forma, torna-se importante tanto compreender as especificidades das construções culturais das crianças quanto relacioná-las com seus contextos sociais e as reflexões políticas de nosso tempo. Identificar particularidades da cultura das crianças, brincadeiras, coleções, construções verbais e não verbais, implica constituir protocolos a respeito das experiências realizadas por elas nas escolas de Educação Infantil e em outros espaços sociais de que participam (SARMENTO, 2008, p. 168).

O cotidiano da Educação Infantil deve ser permeado de práticas pedagógicas que impulsionam as crianças a comungarem de um espaço facilitador de interações e de confrontos das crianças entre elas, produzindo dessa forma a chamada cultura de pares.

Assim, dialogar sobre os saberes da primeira etapa da educação básica é debruçar sob estudos que viabilizam práticas significativas nos ambientes das instituições de educação infantil, especificamente do município de Cachoeiro de Itapemirim – ES.

A arte de contar e encantar: uma abordagem metodológica

Apostando na relevância dos eixos norteadores da educação infantil: interações e brincadeiras, faz-se necessário a efetivação de situações de aprendizagem que garantem o envolvimento do trabalho docente na perspectiva desses eixos.

O Caderno das Experiências é fruto das significativas discussões consagradas com professores, pedagogos e gestores que ousaram compartilhar seus saberes, bem como aperfeiçoá-los no percurso de uma Formação Continuada realizada no ano de 2011, que teve como objetivo, socializar as premissas que envolvem a temática alfabetização contemplada na Proposta Pedagógica de Educação Infantil: Uma Experiência Coletiva em Foco (2008).

Os registros contemplados nesse caderno é resultado de práticas que permeiam os fazeres de uma alfabetização que cultiva a leitura diária de histórias pela professora, o contato sistemático com material impresso de diferentes gêneros e a oportunidade de escrever e ler constantemente, fazendo uma diferença significativa no desenvolvimento da capacidade leitora e escritora das crianças.

Partindo desse contexto é possível perceber que não existe processo de alfabetização, se o trabalho educativo não promove condições satisfatórias para que ele ocorra. Sendo assim, o que chamamos de ―dar acesso à leitura e à escrita‖ vai além da preocupação dos resultados em torno da escrita alfabética. Nesse sentido, cabe sempre questionar: Por que as crianças devem

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escrever? Para quem devem escrever? Quais são os seus interlocutores? (outras crianças, mural da escola, responsáveis, outra turma...) Como são motivadas a escreverem?

Na busca de respostas a essas e outras perguntas desenvolveu-se a Proposta Pedagógica de Educação Infantil: Uma Experiência Coletiva em Foco revelando ―que é necessário que as crianças tenham o que escrever e que apareçam como sujeitos da escrita, deixando suas marcas e suas formas de interpretar o mundo. Não basta, portanto, criar situações em que as crianças, interagindo com a linguagem escrita, possam dela se apropriar, é preciso que, desde o início de sua interação com linguagem escrita na escola, ela perceba que por meio dessa forma de linguagem ela pode expressar-se e expressar seu modo de ver e interagir com o mundo‖(PROPOSTA PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA COLETIVA EM FOCO, 2008, p. 84).

Aprender a analisar a escrita como um pré-requisito para a aprendizagem da escrita e da leitura é semelhante a aprender a nadar fora da água. Em nenhum lugar se ensina a nadar assim. Somente a escola trabalha com atividades e conteúdos escolarizados, isto é, conteúdos que só existem dentro dela. Em que livro, jornal ou revista a criança encontra um ―separe a sílaba‖ ou mesmo um ―ligue e forme palavras‖? Que contribuição efetiva esse tipo de atividade e de conteúdo pode oferecer para ajudá-la na apropriação da linguagem escrita? (GARCIA, 1996, p. 94).

Não são as instituições que alfabetizam, as crianças se alfabetizam mediante as possibilidades que são proporcionadas por intermédio dos eixos norteadores já menciondos anteriormente.Convido o leitor a realizar a leitura de algumas situações propostas no Caderno das Experiências que oportunizam a prática docente com sentido para nossas crianças.

Faixa etária: 4 a 5 anos. Gênero textual: Literatura infantil. Situação de Aprendizagem: Lendo e Interpretando O TRENZINHO DE NICOLAU. Objetivos de Aprendizagem:

Relatar o trajeto de casa à escola;

Comparar o trajeto de Nicolau com o que realiza de casa até à escola, identificando as diferenças e semelhanças;

Ampliar o vocabulário;

Adquirir o hábito da leitura e interpretação. Desenvolvimento:

Ler a história, não esquecendo de divulgar o nome do autor e ilustrador. Interpretação oral da história, instigando as crianças a relatarem o seu

trajeto de casa à escola e realizando comparações com sua realidade. Em grupo, as crianças terão oportunidade de construir um vagão. Logo

após, irão relatar o que observam durante o percurso e desenhar as observações no vagão já construindo. Com a mediação da professora, o grupo irá escolher uma palavra que retrate a essência dessas observações, podendo montá-las com o auxílio do alfabeto móvel.

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Faixa etária: 4 a 5 anos. Gênero textual: Poesia. Situação de Aprendizagem: Construindo a casa de Vinícius de Moraes. Objetivos de Aprendizagem:

Conhecer o poema ―A CASA‖ de Vinícius de Moraes;

Reconhecer o jornal como meio de comunicação;

Vivenciar o trabalho em grupo. Desenvolvimento:

Inicialmente, será comentado na rodinha que haverá uma novidade na aula: ―Vamos trabalhar a poesia A CASA do poeta chamado Vinícius de Moraes!‖ Quem conhece Vinícius de Moraes? Momento de discussão. A seguir, a professora irá escrever a poesia no papel cenário que posteriormente será cantada.

Logo após, será proposto à construção de uma casa utilizando o jornal, que, antes de tal proposta, será apresentado para turma como um importante meio de comunicação. Ao término dessa significativa construção, as crianças poderão brincar com a casa, cantando a letra da poesia com o auxílio do CD.

A CASA ERA UMA CASA MUITO ENGRAÇADA NÃO TINHA TETO NÃO TINHA NADA NINGUÉM PODIA ENTRAR NELA, NÃO PORQUE NA CASA NÃO TINHA CHÃO NINGUÉM PODIA DORMIR NA REDE PORQUE NA CASA NÃO TINHA PAREDE NINGUÉM PODIA FAZER PIPI PORQUE PENICO NÃO TINHA ALI MAS ERA FEITA COM MUITO ESMERO NA RUA DOS BOBOS NÚMERO ZERO (Vinícius de Moraes).

Faixa etária: 4 a 5 anos. Gênero textual: Poesia ―RESPOSTAS‖ de José Paulo Paes. Situação de Aprendizagem: Brincar de rimar, é espetacular!. Objetivos de Aprendizagem:

Desenvolver a leitura de imagem;

Conhecer o poeta chamado José Paulo Paes;

Ampliar o gosto pela leitura;

Envolver com práticas de leitura e escritura.

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Desenvolvimento: Com o apoio do livro Poemas para brincar, de autoria de José Paulo

Paes, a professora com entonação, fará a leitura do poema chamado RESPOSTAS:

__ Vá plantar batata. __ Depois você descasca? __ Vá lamber sabão. __ Pois não. Mas me empresta a sua língua Que a minha já está limpa. __ Vá ver se estou na esquina. __ Fui e nada vi: o bobo estava aqui. __ Vá caçar sapo. __ Cacei, aqui está: mande logo pro papo. (José Paulo Paes).

A seguir, as crianças serão convidadas a declamar. E também terão oportunidade de sinalizar as palavras que rimam. Posteriormente estas palavras serão grafadas no papel cenário pela professora, juntamente com outras do contexto social.

Faixa etária: 4 a 5 anos. Gênero textual: Literatura Infantil. Situação de Aprendizagem: Lendo e encantando com a história UMA JOANINHA DIFERENTE. Objetivos de Aprendizagem:

Interagir através da linguagem;

Adquirir o gosto pela leitura;

Estabelecer contato com as diferentes formas de escritura;

Ler antes de saber ler convencionalmente. Desenvolvimento:

Em um espaço adequado, a professora fará a apresentação do livro de história chamado UMA JOANINHA DIFERENTE, da escritora Regina Célia Melo. A princípio, a professora poderá propor a leitura de imagem da capa, colhendo das crianças as significativas colocações.

Logo após, a professora convidará as crianças para produzirem coletivamente um texto, tendo como base a imagem da capa. Esse texto poderá ser redigido em folha de papel cenário, bem como no quadro do espaço da sala de aula.

Ao término do momento supracitado, a professora fará a leitura da versão original que, posteriormente, será comparada com a versão produzida pelas crianças. O texto, em destaque, poderá ser divulgado no espaço da escola, levado para casa, ficando assim, a critério do professor.

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Faixa etária: 0 a 3 anos. Gênero textual: Literatura Infantil. Situação de Aprendizagem: Contando e encantando com OS TRÊS PORQUINHOS. Objetivos de Aprendizagem:

Desenvolver a oralidade;

Adquirir o gosto de ouvir histórias;

Produzir de forma coletiva o final da história. Desenvolvimento:

A professora iniciará a aula apresentando o livro de história. Em seguida, a professora contará a história OS TRÊS PORQUINHOS utilizando o teatro de dedoches. No decorrer desse momento, as crianças terão oportunidade de interagir, produzindo de forma coletiva o final da história que, posteriormente, será grafado na folha de papel cenário (momento mediado pela professora).

Após a produção coletiva, a professora fará a leitura do texto em destaque juntamente com as crianças, podendo no final, realizar uma significativa dramatização que poderá ser apresentada para as demais turmas, para família etc.

Faixa etária: 0 a 3 anos. Gênero textual: Poesia ―A FOCA‖ Vinícius de Moraes. Situação de Aprendizagem: Conhecimento o corpo. Objetivos de Aprendizagem:

Conhecer o poeta chamado Vinícius de Moraes;

Desenvolver a linguagem não verbal;

Identificar as partes do corpo humano por intermédio da poesia cantada;

Conhecer a poesia ―A FOCA‖. Desenvolvimento:

No momento da rodinha, a professora apresentará o poema ―A FOCA‖, mencionado de forma significativa, um pouco da biografia de Vinícius de Moraes, bem como sua foto. A seguir, as crianças, gesticularão, de acordo com a poesia em forma de música. Também nesse momento, as crianças, poderão ser incentivadas, por intermédio da música, a explorarem as partes do corpo (nariz, barriga etc).

Logo após, cada criança terá oportunidade de participar da construção coletiva relacionada a letra do poema.

A FOCA QUER VER A FOCA FICAR FELIZ? É PÔR UMA BOLA NO SEU NARIZ QUER VER A FOCA BATER PALMINHA? É DAR A ELA UMA SARDINHA QUER VER A FOCA COMPRAR UMA BRIGA? É ESPETAR ELA

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BEM NA BARRIGA LÁ VAI A FOCA SUBINDO A ESCADA DEPOIS DESCENDO DESENGONÇADA QUANTO TRABALHA A COITADINHA

PRA GARANTIR SUA SARDINHA (Vinícius de Moraes).

Faixa etária: 0 a 3 anos. Gênero textual: Literatura infantil – TIXA, A LAGARTIXA. Situação de Aprendizagem: Somos artistas. Objetivos de Aprendizagem:

Desenvolver o gosto pela leitura;

Ampliar o vocabulário;

Vivenciar o processo de interpretação;

Desenvolver a linguagem oral;

Desenvolver a expressão artística. Desenvolvimento:

Na roda de conversa, a professora apresentará a capa do livro de história chamado TIXA A LAGARTIXA, do escritor Ricardo Leite, colhendo das crianças significativas leituras. Nesse momento, a professora deverá explorar o nome do autor.

Logo após, a professora fará a leitura do livro em destaque, levantando questionamentos sobre o contexto da história (artes, tempo físico, emoção, cores). As crianças serão incentivadas a interagir. A seguir, cada criança produzirá, com o auxílio da tinta guache, um desenho numa moldura já confeccionada pela professora. A moldura em destaque poderá ter como título com a seguinte escrita: ―VOCÊ É UM ARTISTA‖. As produções poderão ficar expostas no espaço da escola, para que as demais turmas, funcionários e responsáveis possam apreciá-las.

Para enriquecer ainda mais esse significativo trabalho, as crianças poderão modelar com o apoio da massinha, a lagartixa TIXA.

Faixa etária: 0 a 3 anos. Gênero textual: Literatura Infantil. Situação de Aprendizagem: Leitura da história PELEGRINO & PETRÔNIO. Objetivos de Aprendizagem:

Desenvolver a oralidade;

Adquirir o prazer de ouvir histórias lidas. Desenvolvimento:

A professora apresentará as crianças a história PELEGRINO & PETRÔNIO do escritor chamado ZIRALDO. Nesse momento, as crianças serão motivadas a levantar questionamentos sobre a capa do livro.

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Ao término da leitura, a professora, com o auxílio da tinta guache, fará o rostinho dos personagens PELEGRINO & PETRÔNIO nos pés das crianças, para posteriormente, brincarem.

É válido ressaltar que agregado ao Caderno de Experiência e a Proposta Pedagógica de Educação Infantil: uma experiência coletiva em foco (2008), professores, pedagogos e gestores da Rede Municipal de Cachoeiro de Itapemirim engajados nos grupos de trabalho produziram o Percursos Didáticos (2013), um documento construído no cenário de uma perspectiva de atuação que vem agregar ao trabalho da temática Alfabetização contemplada na Proposta Pedagógica de Educação Infantil: uma experiência coletiva em foco (2008).

De acordo com esse documento, o trabalho educativo com crianças da educação infantil deve ser consolidado de uma prática intencional, organizada e sistemática, cujo objetivo é sempre promover aprendizagens significativas. Assim sendo, suas perspectivas de atuação são:

- Apresentar a função social da escrita, oportunizando a participação nas práticas sociais mediadas pela escrita, pensando e repensando a função da escrita dentro de um contexto dinâmico real, criativo e significativo para as crianças;

- Possibilitar que as crianças interajam com diferentes tipos de linguagens (oral, escrita, corporal, cinematográfica, plástica, tecnológica, musical e imagética);

- Expandir a capacidade da criança interagir com a leitura e com a escrita a partir das brincadeiras nos diferentes tempos e espaços;

- Manipular materiais linguísticos diversificados como textos: enumerativos (listas, horários, nome das crianças, aniversários); prescritivos (receitas culinárias, instruções diversas, jogos); literários (literatura popular, trava-língua, adivinhações, poemas e canções); informativos (notícias, artigos de revistas e jornais, folhetos de informações); não verbais (ilustrações, gravuras, esculturas, pinturas); entre outros;

- Apropriar das diversas formas de escrita existentes (livros, jornais, cartazes, revistas, receitas, parlendas, letras de músicas, poemas, poesias, crônicas, contos, advinhas, cartas, bilhetes, bulas, lendas, rótulos, panfletos, outdoor , histórias charges, gibis, propagandas etc);

- Garantir o acesso a diferentes espaços culturais (teatro, cinema, exposição fotográfica, museu galeria de arte, pontos turísticos, bibliotecas);

- Possibilitar o conhecimento literário (obras, autores e ilustradores); - Estimular a leitura, comentando o que foi lido, compartilhando com

outras crianças, formando hábitos sociais (ouvindo com atenção e esperando sua vez de falar, em situações diferenciadas, respeitando a diversidade nos modos de falar);

- Incentivar, desde a mais tenra idade, as crianças a ouvir histórias, conhecer a escrita de seu nome, de seus colegas, narrar experiências, produzir textos de forma individual ou coletiva, ampliar seu universo cultural através de desenhos, músicas, poemas,

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parlendas, receitas, enfim, compreender a escrita como forma de se comunicar com as pessoas, com o mundo e não apenas entendê-la como processo de codificação e decodificação;

- Planejar e sistematizar o trabalho de apropriação da leitura e escrita com as crianças, tendo como ponto de partida as experiências trazidas pelas crianças em torno da leitura e da escrita (2013, p. 14-15).

Diante das significativas produções, as possibilidades são muitas, o que demonstra um trabalho que cuida da valorização do potencial de nossas crianças, tornando-as mais criativa e protagonista do seu fazer.

Investir em suas potencialidades é uma forma que as instituições de educação infantil têm de construir o conhecimento na vertente do COM as crianças e não do PARA as crianças.

Para não concluir

Faz-se necessário que a criança perceba que por intermédio das diferentes linguagens ela pode expressar-se e expressar seu modo de ver e interagir com o mundo, assim sendo, alfabetizar na educação infantil passa a ter um significado muito diferente. Passa a significar não só ter acesso à informação sobre a escrita dentro de situações de aprendizagem planejadas pela professora para ajudar a criança a avançar em seu processo de alfabetização, mas, ter a oportunidade de participar de alguma forma, de práticas sociais mediadas pela escrita, e isso independe da idade da criança, o que por outro lado, não significa exigir uma capacidade de abstração das crianças para além de suas possibilidades.

O caderno de experiências é um material que vem agregar na atuação docente, possibilitando às crianças a ampliação da leitura de mundo. O resultado foi o respeito às suas singularidades e preferências. Para elas que ainda não sabem ler, os livros muitas das vezes se confundem com brinquedos com convites diversos.

A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem,cem), mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura separam-lhe a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar, de compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho, são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem. A CRIANÇA DIZ: AO CONTRÁRIO, AS CEM EXISTEM‖ (MALAGUZZI, 1999).

É na brincadeira de história que a criança vai ampliando suas linguagens. A escola não tem o direito de roubá-las. O que nos leva a recordar plenamente com o escritor Loris Malaguzzi.

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KRAMER, Sonia; LEITE, Maria Isabel (Org.). Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas, SP: Papirus, 1996.

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SARMENTO, Manuel; GOUVÊA, Maria Cristina S. Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

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VIGOTSKY, Lev. Imaginacion y el arte en la infancia. Tradução de Rita Ribes. México, Ediciones Hispânicas, 1987.

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LITERATURA, ARTE E DIVERSIDADE: PRÁTICAS DOCENTES QUE ABORDAM A CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NOS ANOS

INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Thiago Camargo Barreto Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG

Graduando em Antropologia [email protected]

(31) 7580-7784

Tânia Aretuza Ambrizi Gebara Centro Pedagógico/CP/EBAP/UFMG

Doutora em Educação [email protected]

(31) 9288-8400

Resumo

O presente relato de experiência é fruto das ações de formação docente promovidas pelo projeto de extensão ―Ciclo Permanente de Estudos e Debates sobre Educação Básica‖, que ocorre em parceria com o Programa Ações Afirmativas na UFMG, e busca desenvolver, a partir de um conjunto de dados coletados, projetos educativos e ações promovidas com alunos, reflexões quanto à diversidade étnica e cultural, pautada na perspectiva da Lei Nº. 10.639/03 que estabelece como obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de educação básica. Dentre as ações realizadas pelo projeto de extensão, destacam-se as que ocorrem a partir das trocas de experiências entre a equipe do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG e as escolas públicas – estaduais e municipais – parceiras. Desta forma, com o propósito de compor um rol de oportunidades para confrontar os discursos científicos, as experiências e saberes dos docentes com os desafios de uma educação antirracista, que possam ser compartilhadas com as instituições parceiras, aqui serão descritas e analisadas as ações realizadas com uma turma de primeiro ano do primeiro ciclo de formação humana do Centro Pedagógico. Ao longo deste período letivo, o trabalho pedagógico com esta turma teve como foco a literatura e as artes plásticas, que enquanto linguagens fundamentais têm fornecido consistentes subsídios para formação dos sujeitos – educandos e educadores –. Neste sentido, por meio do reconhecimento da diversidade, tanto a prática da leitura quanto as atividades que promovem as expressões artísticas colaboram para uma autonomia do sujeito, propiciam a possibilidade de o aluno situar a si mesmo e o outro no mundo, promovendo consequentemente a consciência de sua identidade e de sua imagem, e a partir de uma postura crítica, o possibilita identificar diferenças e similitudes entre diferentes pessoas de sua própria comunidade e de outras sociedades. Portanto, por meio de atividades práticas, fundamentadas na exploração de materiais artísticos e literários, que exploram diferentes realidades, a valorização da memória e que evidenciam a temática da cultura africana – como a influência das máscaras africanas na pintura ocidental, especialmente nas obras de Pablo Picasso e Amedeo Modigliani, e a leitura de alguns capítulos do livro ―Crianças como você‖ de Barnabas e Anabel Kindersley – procura-se oferecer aos alunos e educadores suporte para reflexão e crítica relacionadas às questões das diferenças, inerentes ao ser humano, e que são construções sociais, culturais, políticas e identitárias. Por esta razão, e considerando ainda a realidade de conflitos étnicos, faz-se necessário não apenas tratar da cultura

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afro-brasileira e africana nas instituições de ensino, como também vencer outra grande barreira enfrentada no que concerne esta questão: a da ressonância, ou ainda, distância entre o conteúdo real da Lei Nº. 10.639/03 e as práticas efetivas que ocorrem nas escolas do país. Palavras-chave: Relações étnico-raciais; Literatura e artes plásticas; Ensino fundamental.

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Introdução: o projeto ciclo permanente de estudos e debates sobre educação básica

O projeto ―Ciclo Permanente de Estudos e Debates sobre Educação Básica‖ da UFMG, que atua com o apoio do programa Ações Afirmativas na UFMG, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Ações Afirmativas (NERA) e da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), busca firmar parcerias com instituições escolares públicas da região metropolitana de Belo Horizonte – MG, com o propósito de viabilizar o exercício de práticas pedagógicas e formações docentes estabelecidas na troca de experiências e no diálogo de maneira a confrontar os discursos científicos, as experiências e saberes dos docentes e discentes com os desafios de uma educação antirracista, contribuindo para implantação da Lei n. 10.639/03, que alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica n. 9.496/96 estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de educação básica de todo o país.

Desta maneira, o projeto atua com duas frentes de ação, sendo uma voltada para a formação e capacitação continuada dos educadores atuantes nas escolas parceiras, e outro foco, que será abordado neste artigo, no trabalho in loco com os alunos, em atividades programadas e aplicadas em parceria com o professor responsável da sala juntamente com a equipe do projeto. A proposta nesta frente de atuação é possibilitar a vivência e a troca de experiências com relatos em sala, ampliando as discussões teóricas e voltando-as para suas aplicações em contexto real, de forma que as implicações da referida lei, bem como toda uma gama de material produzido para a sua implantação (BRASIL, 2004; 2009; 2010; 2012) não fiquem apenas no campo teórico, mas que se tornem realidade nas salas de aula das escolas que estabeleceram parceiras.

Portanto, para desde o primeiro momento se estabelecer um campo propício a troca de experiências e de atividades já vividas com as instituições, com o apoio dos profissionais do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG, são realizadas com as turmas da instituição, atividades em forma de projeto relacionando a temática das relações étnico-raciais com as demais disciplinas.

Busca-se, a partir disto, contribuir efetivamente não apenas com o referencial teórico ou apenas com a formação docente, mas também, exemplificar a teoria com atividades práticas já elaboradas e aplicadas de maneira a enriquecer a vivência docente, não de forma a engessá-la, mas justamente como mecanismo da prática, do exemplo, da troca e principalmente de possibilitar caminhos para o a implantação da lei 10.639/03.

Nesta perspectiva, encontram-se diversos desafios de percurso, desde a dificuldade de realizar um trabalho efetivo, contínuo e ainda interdisciplinar que aborde a temática da cultura afro-brasileira e africana, de forma que tal prática não se encontre fixada a uma disciplina específica na unidade escolar – História –, ou mesmo a uma data comemorativa única – dia da consciência

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negra – até as questões referentes à linguagem propícia ao se abordar o tema com as crianças do primeiro ciclo de formação humana.

É com base nesta questão específica que se centra o presente trabalho, a partir de uma sequência de atividades desenvolvidas e aplicadas em uma sala de 1º ano do Ensino Fundamental, do Centro Pedagógico da UFMG, cuja faixa etária compreende 6 e 7 anos, tendo como tema foco o continente africano e a cultura que dele herdamos, utilizando as artes plásticas e a literatura como ferramentas para exploração deste tema e realizando um percurso interdisciplinar que abarcou não apenas o campo da História da Arte, mas também da História Geral, da Geografia, da Língua-Portuguesa e da Matemática.

Contexto Histórico: Diversidade e relações étnico-raciais no Brasil

Há muito Boas (2004) já afirmava ser um equívoco e mesmo um erro desumano considerar enquanto superiores ou inferiores determinadas pessoas em função da cor de sua pele, prática que por longo período configurou-se enquanto natural nas sociedades, que passaram, em determinado momento, a considerar algumas pessoas como ―mais humanas‖ do que outras (CUNHA, 1985).

Obviamente que tal percurso histórico deu-se em boa parte do globo, no entanto, a realidade cultural brasileira de grandes misturas étnicas e, por consequência, a heterogeneidade na qual a mesma configura, sendo justamente esta característica uma das grandes marcas da sociedade nacional, acabou por moldar, a partir das influências do pensamento europeu acerca da ideia de raça (SCHWARCZ, 1993), concepções bastante particulares no que se refere às relações étnico-raciais e ao racismo, algo denominado como racismo à brasileira (TELLES, 2003; DAMATTA, 2004).

Tal concepção se refere, como destaca DaMatta (2004) a uma prática racista diluída, ou dissolvida nas relações sociais, sendo pouco evidente e que, por vezes, podem ser consideradas na realidade como não racistas, tomando uma configuração de discurso de igualdade perante as questões que se levantam a partir disto.

Este racismo disfarçado gera ainda outro fator de agravo neste cenário, que é a ideia, bastante difundida e presente em nossa sociedade, de que em nosso país não existe racismo. Neste sentido, embora seja assumido claramente que há preconceito no Brasil, este é vinculado por diversas vezes à classe, mas não à raça (GUIMARÃES, 2008), o que acabou por estimular o mito da democracia racial, a ideia do branqueamento da população nacional (SEYFERTH, 2008) ou ainda a formulação de ideias como de que ―em nosso território todos são biologicamente e socialmente iguais‖, fatores que operam também nas formas como as relações pessoais acontecem no Brasil, que como salienta D‘Adesky (2009) não influenciam apenas um campo único da vida do cidadão negro, mas todas as esferas sociais, incluindo a educação (SANTOS, 2013), a saúde (VILHENA, 1993) e o exercício profissional (SABÓIA; SABÓIA, 2008).

No entanto, ao considerarmos as últimas décadas, embora continue a se negar a maior característica humana, ou seja, a diversidade, e que é de fato

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um fenômeno natural (LÉVI-STRAUSS, 2013), o conceito de raça se desvincula do campo biológico (GOMES, 2012), e passa a ser associado ao aspecto social, sendo visto como uma construção da sociedade e que se estruturou, segundo Osório (2009, p. 51) a partir de:

[...] uma categoria social formulada para designar grandes grupos humanos que partilham uma marca visível, corporal ou não, de sua progênie comum, cuja história é uma mistura de mito e realidade. Grupos aos quais se pode ou não atribuir determinadas características que podem ou não ser usadas para estabelecer hierarquias. Algo que as pessoas sabem o que é, mesmo que não possam definir como reconhecê-la com a clareza e a objetividade da linguagem científica. Que [...], interfere nas relações e atitudes que perfazem o convívio social [...] e que tem consequências bastante concretas sobre a vida dos que pertencem a um ou outro grupo.

Acerca destas relações que se estabelecem através da cor da pele, e que no Brasil se configuram com características de permanência no que se refere às desigualdades (SABÓIA; SABÓIA, 2008), Gomes (2005) aponta para os desafios que enfrentamos. Segundo a autora:

Construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo é um desafio enfrentado pelos negros e pelas negras brasileiros (as) [...] [de maneira que] Para entender a construção da identidade negra no Brasil é importante também considerá-la não somente na sua dimensão subjetiva e simbólica, mas sobretudo no seu sentido político. (p. 43).

Portanto, as relações étnico-raciais se configuram não apenas no campo do social mas também no campo da política e nos tramites legais do Estado. Neste sentido, como assinalou Santos (2013), nas últimas décadas o Brasil vem avançando no que se refere às políticas públicas para promoção da equidade racial, especificamente por ações coordenadas pelo Conselho Nacional de Educação. Para o autor, desde 2003 veem ocorrendo transformações significativas neste sentido, quais corroboram para uma mudança efetiva no campo dos direitos humanos, que ele, parafraseando a si mesmo no que concerne às similitudes e diferenças, resume: ―temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza e temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos trivializa.‖ (SANTOS, 2003, p. 56 apud SANTOS, 2013 p. 79).

Referente a um destes avanços democráticos assinalados por Santos, temos a Lei n. 10.639/03, que:

[...] pode ser considerada um ponto de chegada de uma luta histórica da população negra para se ver retratada com o mesmo valor dos outros povos que para aqui vieram, e um ponto de partida para uma mudança social. Na política educacional, a implementação da Lei n. 10.639/2003 significa ruptura profunda com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as diferenças resultantes do nosso processo de

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formação nacional. Para além do impacto positivo junto à população negra, essa lei deve ser encarada como desafio fundamental do conjunto das políticas que visam a melhoria da qualidade da educação brasileira para todos e todas.‖ (BRASIL, 2008. p. 10).

Obviamente, como destaca Santos (2013), há uma distância grande entre a figura da lei e a prática efetiva das sociedades, o que se traduz no número de instituições escolares que já colocaram a referida lei em exercício, no entanto, a mesma constitui uma conquista não apenas do movimento negro brasileiro, assim como a de educadores e ativistas desta causa, bem como um dispositivo para a promoção da equidade racial em nosso país (BRASIL, 2012). Tal mecanismo jurídico, efetivamente é um auxílio no que se refere aos desafios intrínsecos ao exercício docente, mas a partir dele, são legitimadas as práticas pedagógicas com a temática da cultura afro-brasileira e africana (GOMES; JESUS, 2013), o que possibilita uma educação que:

considere o direito à diversidade étnico-racial como um dos pilares pedagógicos do país, especialmente quando se consideram a proporção significativa de negros na composição

da população brasileira e o discurso social que apela para a

riqueza dessa presença.‖ (BRASIL, 2012. p. 22).

Percurso Metodológico: Literatura e artes como ferramentas para a prática de uma educação antirracista

A partir da sanção da Lei 10.639/03, que altera a Lei 9.394/96 (LDB), introduzindo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas públicas e privadas que compõem a educação básica, nota-se que essa legislação tem sido um desencadeador de produções científicas voltadas para as reflexões teóricas sobre África, diáspora africana e relações étnico-raciais.

Como é de destaque nas “Orientações e ações para educação das relações étnico-raciais” (BRASIL, 2010), a interdisciplinaridade, bem como o trabalho contínuo durante o ano letivo são dois grandes desafios para a consolidação de práticas pedagógicas para uma educação antirracista e para a promoção da diversidade. Como salientam Gomes e Jesus (2013), tais práticas de fato, legitimam o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Desta forma, com base nas atividades desenvolvidas em uma turma de 1º Ciclo de Formação Humana do Centro Pedagógico da UFMG, com um total de 24 estudantes, sendo 13 meninos e 11 meninas, todos bastante ativos e que demonstraram a todo instante que estavam todos ávidos por participarem das atividades propostas.

A rotina escolar dos mesmos é construída diariamente, não sendo engessada a um padrão, sendo que com isso consegue-se estabelecer sempre novos combinados e regras para uma maior segurança e organização de todos. Portanto, trata-se de um coletivo que está a todo instante em processo de apropriação da rotina e, atualmente, conta com uma organização de tempos e espaços mais consolidada.

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No que se refere às percepções dos professores responsáveis pela sala, desde o principio do ano observa-se que uma característica marcante da turma é a autonomia no pensar. São, em grande maioria, crianças que tem um poder de argumentação complexo, dão opiniões coerentes sobre os mais variados assuntos e, ao mesmo tempo, parte do grupo é mais dependente no ‗fazer‘, na organização de seus próprios materiais e dos da sala, no cuidado com brinquedos e lápis de cores, assim como com outros materiais.

Outro aspecto que merece destaque são as rodas de conversa realizadas frequentemente, que possibilitam a exploração de novas temáticas e o levantamento de questões que as crianças queiram discutir, o que notoriamente colaborou e muito para as sequências didáticas propostas neste artigo.

Desta forma, a proposta descrita no presente artigo traz de maneira articulada os campos da Arte, Literatura, Língua Materna, Matemática, Geografia e História. Interessa-nos tratar da temática da Educação para as Relações Raciais objetivando uma identificação positiva das crianças com elementos da identidade negra e da cultura africana, como é o caso e dos livros, imagens e dinâmicas propostos no relato de experiência aqui apresentado.

Literatura e consciência: A prática da leitura enquanto metodologia para as relações étnico-raciais

No tocante às discussões teóricas sobre a literatura infantil, buscamos um diálogo com a autora Coelho que destaca:

a noção de literatura que vem predominando entre os estudiosos das várias áreas de conhecimento, é a de identificá-la como um dinâmico processo de produção/recepção que, conscientemente ou não, se converte em favor da intervenção sociológica, ética ou política. Nessa ―intervenção‖ está implícita a transformação das noções já consagradas de tempo, espaço, personagens, ação, linguagem, estruturas poéticas, valores éticos ou metafísicos, etc., etc. (2000, p. 31).

A autora afirma ainda, que o caminho para literatura infantil no século XX, foi aberto pela psicologia experimental e que a leitura na infância não pode ser compreendida apenas a partir de seu papel de produto de entretenimento, mas necessita ser analisada também para a formação humana aberta às emoções, ao sonho e à imaginação, sendo que os contos, os mitos, as lendas e outras narrativas infantis têm uma grande influencia sobre a psique infantil.

Desse modo, a literatura não é neutra, ao contrário, ela tende a desarticular estruturas estáticas, já cristalizadas no tempo, podendo formar ou deformar a consciência, sendo nesse contexto que o tema da educação para as relações étnico-raciais, sob o prisma da Lei 10.639/03, tem sua importância no trabalho desenvolvido pelo Projeto Ciclo Permanente de Estudos e Debates sobre a Educação Básica.

É importante registrar que a intenção não é transformar a literatura e tratá-la como um veículo de ideias ou padrões de comportamento. Há muitos equívocos quando arriscamos em transformar a compreensão ou a valorização literária do texto em mera denúncia de caráter sócio- político- econômico.

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Entretanto, não se pode ocultar que as imagens/representações dos negros presentes em muitos livros de literatura no Brasil não contribuem para o entendimento real que crianças brancas, negras e pardas têm em relação ao negro, e assim como o maravilhoso é ativado mediante a leitura das fabulas e outros gêneros literários, também, aspectos negativos sobre a figuração do negro também poderão ser construídos no subconsciente infantil.

Muito tem sido feito, no campo da educação para orientar os professores quanto às diversas possibilidades que o trabalho com a literatura apresenta no sentido de promover a valorização da identidade negra e da cultura africana e afro-brasileira, contudo, ainda há a necessidade de intensificar a formação junto aos professores, em função do desconhecimento de muitos sobre a cultura africana e afro-brasileira e a dificuldade de desconstrução do imaginário da democracia racial que atinge muitos profissionais e deixa para poucos a tarefa de lidar com as questões de racismo e preconceito presentes no cotidiano da escola.

Além destes aspectos elencados é importante destacar que, conforme Zilberman (2006), a origem da literatura infantil começou no século XVII com a reorganização do ensino e da fundação do sistema educacional burguês, ou seja, antes disso, não havia uma literatura voltada para crianças.

As crianças eram consideradas seres em miniaturas, participavam de todas as atividades dos adultos tanto que as histórias não eram para o público ―infantil‖. Os primeiros livros para crianças foram produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII, sendo que não se escrevia para elas, porque não existia a ―infância‖.

A concepção de uma faixa etária diferenciada, com interesses próprios e necessitando de uma formação específica, só aconteceu em meio a Idade Moderna. A mudança se deveu a outro acontecimento da época: a emergência de uma nova noção de família, centrada não mais em amplas relações de parentesco, mas num núcleo unicelular, preocupado em manter sua privacidade – impedindo a intervenção dos parentes em seus negócios internos – e em estimular o afeto entre seus membros. (ZILBERMAN, 2006, p.15) Quando a criança passa a deter um novo papel, ou seja, começa a ser compreendida como um ser diferente do adulto, com necessidades, características próprias, com uma identidade pela estrutura social e organização da vida, todo esse processo passa a ter uma atenção especial.

Conforme Zilberman (2006), a literatura infantil é, por sua vez, um dos instrumentos que têm servido a multiplicação da norma em vigor. Transmitindo, em geral, um ensinamento conforme a visão adulta de mundo, ela se compromete com padrões que estão em desacordo com os interesses do jovem e da criança. Contudo, pode substituir o adulto, até com maior eficiência, quando o leitor não está em aula ou mantém-se desatento as ordens dos mais velhos. Ocupa, pois, a lacuna surgida nas ocasiões em que os maiores não estão autorizados a interferir, o que acontece no momento em que os meninos apelam à fantasia e ao lazer.

No que diz respeito à literatura e a língua materna,

[...] não é atribuição do professor apenas ensinar a criança a ler corretamente; se está a seu alcance a concretização e expansão da alfabetização, isto é, o domínio dos códigos que

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permitem a mecânica da leitura, é ainda tarefa sua o emergir do deciframento e compreensão do texto, pelo estímulo á verbalização da leitura procedida, auxiliando o aluno na percepção dos temas e seres humanos que afloram em meio a trama ficcional. (ZILBERMAN, 2006, p. 29).

Dessa forma, pensar sobre a literatura infantil, considerando a formação de leitores pressupõe muitas questões articuladas a esses processos experimentados pelas crianças, dentre eles e inclusive, a questão racial presentes na maioria dos contextos educacionais brasileiros.

Cabe problematizar ainda que não há dúvida de que o texto literário resulta de uma série de elementos em que a sociedade, a cultura e a ideologia se manifestam, e assim sendo, a formação em leitura pode ajudar nessa tarefa partindo do pressuposto de que as questões de formação de leitores não estão desvinculadas do processo econômico, político, social e cultural.

A África na arte: A pintura e o desenho como forma de perceber a si mesmo e o outro no mundo

A arte constitui, enquanto um dos elementos de expressão da diversidade cultural e um componente inerente às sociedades, uma ferramenta relevante para se abordar as relações étnico-raciais, uma vez que o exercício criativo é fundamental para o desenvolvimento social do sujeito, pois propicia uma perspectiva não unívoca de mundo, mas pluralista, além de ser um artifício potencial para a pura criação que não é limitada no realismo instantâneo (DEHEINZELIN, 1998), ou seja, como aponta Coutinho (1994), através dela, o sujeito enquanto artista pode ir além de suas possibilidades reais, e no caso das crianças pequenas, acaba por não desvinculá-las de sua ação primordial, o brincar.

Recebe destaque ainda, o papel central não apenas da atividade lúdica, que estabelece a possibilidade da atividade imaginária (COUTINHO, 1994), mas também do exercício do olhar e da sensibilidade nas práticas educativas. Neste sentido, no que se refere ao sensível, à educação e que possibilita também a identificação de si mesmo no mundo e ainda o reconhecimento do outro, temos que:

A dimensão de educação em muitas culturas e também na africana tem um sentido de constituição da pessoa e, enquanto tal, é um processo que permite aos seres humanos tornar-se pessoas que saibam atuar em sua sociedade e que possam conduzir a própria vida. Compreendendo que esse ‗tornar-se pessoa‘ não tem sentido dissociado da compreensão do que somos, porque não vivemos sozinhos, porque estamos em sociedade. (BRASIL, 2010, p. 39).

Neste âmbito, a arte se torna uma ferramenta para se abordar a temática da cultura afro-brasileira e africana, não apenas de forma a conhecer a produção artística do continente, mas com o objetivo de identificar características hoje presentes em nossas produções artísticas e mesmo nos desenhos realizados em sala de aula. Segundo Martins (1992), tal é o poder da produção artística e da educação pela sensibilidade, que ela possibilita o

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desenvolvimento não apenas do olhar sensível à diversidade, mas também estimula o corpo, a percepção, a emoção e também influencia no aspecto social. Isso se evidencia, segundo a mesma autora, no papel central que a cultura artística desenvolve ao considerar estudantes oriundos de um contexto social pouco favorável de estímulos culturais, o que pode ocorrer sendo este sujeito proveniente de uma família abastada ou não, de maneira que, sem estas práticas interdisciplinares, as crianças menos favorecidas ―jamais sairão do analfabetismo sensorial e do consumismo embotado.‖ (FORQUIM apud MARTINS, 1992, p. 30).

Relato de experiência:Sequência didática com a turma de 1º ano do Centro Pedagógico da UFMG

AULA 1: A criança africana, o desenho e a arte em máscaras

A partir da localização do Brasil e da África no mapa mundial, e de uma breve exploração sobre fotos de crianças africanas em atividades corriqueiras e mesmo frequentando a sala de aula, em países como África do Sul, Marrocos e Egito, foi questionada como seria a vida das crianças do continente africano? Desta forma, todos os estudantes, com a ajuda dos professores envolvidos, leram o capítulo referente à criança africana do livro ―Crianças como você: Uma emocionante celebração da infância no mundo‖ de Barnabas e Anabel Kindersley, ressaltando as similitudes como fator de integração e as diferenças de forma positiva, como algo inerente a todas as pessoas do mundo.

Neste ponto, ao tratar das crianças em seu ambiente escolar, vimos algumas produções de escrita e desenho de jovens africanos, e a partir disto, foram apresentados aos alunos diversas produções artísticas do continente estudado, especialmente pinturas, esculturas e máscaras, de países como África do Sul, Libéria e República Democrática do Congo (imagem 1).

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Imagem 1: Máscara de madeira da cultura ―Toma‖, Libéria. (Royal Museum for Central África)

Após a exploração de cada uma das imagens, ressaltando suas

características principais – como contornos, traços mais marcantes e deformações geométricas – foi proposta a realização de uma releitura destas com desenhos e barbantes, de forma a identificar seus atributos principais (imagem 2; Imagem 3). Imagem 2 (aula 1): Realização da primeira releitura, utilizando barbantes, pedaços de panos e

folhas coloridas. (Acervo: CP/UFMG). Foto: Thiago Camargo Barreto.

Imagem 3 (aula 1): Releitura de um dos alunos. Foto: Thiago Camargo Barreto.

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AULA 2: Pablo Picasso, o “período africano” e a origem do Cubismo

A partir da aula anterior, quando as crianças desenharam a partir de uma máscara africana, foi possível levantar a seguinte questão com a turma: da mesma forma que observamos alguns pontos de destaque nestas composições artísticas para compor nossos desenhos, será que outros artistas já fizeram o mesmo?

A partir disto, partimos, em um primeiro momento, para a exploração da pintura de um dos mais influentes artistas do Século XX, e que como destaca Beckett (1997), realizou uma divisão na arte moderna mundial: o espanhol Pablo Picasso (1881 – 1973), que herdou fortes traços das formas encontradas na arte da África, (imagem 4; imagem 5) e que caracterizou uma de suas fases de pintura, denominado ―período africano‖. Foi através deste forte influência, e das formas geométricas acentuadas encontradas nas artes do continente africano, que se desenvolveu o movimento artístico Cubismo – palavra que oriunda de cubo –, um dos mais influentes movimentos do século passado, e que influenciou diversos outros artísticas internacionais como o francês Georges Braque (1882 – 1963), o espanhol Juan Gris (1887 – 1927), o moldávio radicado no Brasil, Samson Flexor (1907 – 1971) e também artísticas brasileiros, como Cândido Portinari (1903 – 1962) e Tarsila do Amaral (1886 – 1973)

Em momento anterior, foram recortadas pelos professores envolvidos, diversas formas geométricas – quadrados, triângulos, retângulos e círculos – em folhas coloridas, de forma que foi proposto aos estudantes a realização de uma nova releitura, agora a partir da obra de Picasso, utilizando a colagem como técnica, que aliás, foi uma das preferidas do pintor (imagem 6; imagem 7).

Imagem 4: ―As Senhoritas de Avignon‖ (1907), de Pablo Picasso. Óleo sobre tela.

(The Museum of Modern Arts, New York, NY, USA).

Imagem 5: Cabeça de mulher. (1907), de Pablo Picasso. Óleo

sobre tela. (Barnes Foundation, Lincoln

University, Merion, PA, USA).

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Imagem 7 (aula 2): Aluno com sua releitura com colagem. Foto: Thiago Camargo Barreto.

AULAS 3 e 4: Amedeo Modigliani e as esculturas africanas

Nesta aula conhecemos a pintura e particularmente a escultura (imagem 8) do artística italiano Amedeo Modigliani (1884 – 1920), de forma a reconhecer

Imagem 6 (aula 2): Realização da segunda releitura, agora ressaltando as formas geométricas. (Acervo: CP/UFMG). Foto: Thiago Camargo Barreto.

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a variedade e a pluralidade em suas formas esticadas, alongadas, características herdadas das máscaras e esculturas da África. Partimos em seguida para a composição de uma máscara africana – com balão, jornais, cola e tintas –, ressaltando nestas, as propriedades geométricas observadas anteriormente – especialmente nos olhos, boca e nariz –, objetivando sempre evidenciar a ampla influência que recebemos da arte do continente africano, que passou por pintores de renome e chegou a nossas atividades (imagem 9).

Considerações Finais:Desafios e resultados do trabalho com as relações étnico-raciais

Os desafios encontrados durante o percurso são diversos, desde questões que esbarram em culturas religiosas, os conceitos já anteriormente concebidos pelos estudantes, a linguagem propícia para se abordar este tema com as crianças menores e ainda de corroborar para uma prática interdisciplinar, que como destacado nas ―Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais‖ (2010), é fruto de saberes variados e plurais que cada um dos estudantes traz consigo.

Desta maneira, através da literatura e das artes plásticas, é possível encontrar um caminho que não se enquadre unicamente a um campo do saber, mas que possibilite o trabalho com várias das disciplinas escolares e que extrapole a ideia de que, ao tratar da história e da cultura afro-brasileira e africana, a mesma deva ser abordada apenas pelo professor de História, principalmente na semana da consciência negra.

Imagem 9: (aulas 3 e 4): Realização da última atividade, a composição da máscara africana. (Acervo:

CP/UFMG) Foto: Thiago Camargo Barreto.

Imagem 8: Cabeça. 1911 - 1913. Calcário. 63.5 x 15.1 x 21 cm.(Solomon R. Guggenheim Museum, New York, NY, USA.).

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Já no que concerne ao cumprimento da Lei n. 10.639/03 na região metropolitana de Belo Horizonte, que é o foco de atuação do projeto, houve um considerável aumento no número de unidades escolares que buscam parcerias com nosso trabalho, sendo com imensa satisfação que notamos que a temática das relações étnico-raciais tem recebido maior atenção por parte dos gestores destas instituições.

Finalmente, ao executarmos este projeto com crianças pequenas, partindo do pressuposto de que a construção e mesmo validação dos conhecimentos se dá pela apropriação de significados, que ocorrem em última instância no plano pessoal, assim, esperamos que a prática relatada – com todos os seus momentos de reflexão, de práticas que privilegiam o olhar atento ao outro e a si, buscando a identificação das similitudes como forma de reconhecermo-nos enquanto iguais, mas também considerando as diferenças como meio para nos tornar únicos enquanto cidadãos de particularidades diversificadas – possa contribuir para as práticas pedagógicas em outras escolas, viabilizando uma educação antirracista que ampliará conceitos e valores junto aos sujeitos desde a infância.

Referências

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BOAS, Franz. Raça e progresso. In: BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 67-86.

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BRASIL. Ministério da Educação. Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei n.º 10.639/03/ Nilma Lino Gomes (org.). Brasília: MEC; Unesco, 2012.

BRASIL. Ministério da Educação/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2010.

BRASIL. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: SECAD; SEPPIR, jun. 2009.

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COUTINHO, Laura M. Educação da Sensibilidade: Encontro com a professora Maria Amélia Pereira. Brasília: UNB, 1994.

CUNHA, Manuela C. Negros, estrangeiros: Os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985.

D‘ADESKY, Jacques. Pluralismo ético e multiculturalismo: Racismo e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.

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GOMES, Nilma L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: Uma breve discussão. In: GOMES, Nilma L. Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei Federal nº10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

GOMES, Nilma L. Movimento negro e educação: Ressignificando e politizando a raça. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, jul./set. 2012.

GOMES, Nilma L., JESUS, Rodrigo E. As práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva de Lei 10.639/2003: desafios para a política educacional e indagações para a pesquisa. Educar em Revista, Curitiba, n. 47, jan./mar. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602013000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 26 mar. 2015.

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LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e Cultura. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural Dois. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

MARTINS, Mirian C. Aprendiz da Arte: Trilhas do sensível olhar-pensante. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1992.

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SEYFERTH, Giralda. Roquette-Pinte e o Debate sobre Raça e Imigração no Brasil. IN: LIMA, N. T., SÁ, D. M. (Org.). Antropologia Brasiliana: Ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 147-177.

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ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 2006. Disponível em: <www.sesc-pe.com.br>. Acesso em: 22 mar. 2015.

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BIBLIOTECA MÓVEL E A FORMAÇÃO DE CONTADORES DE HISTÓRIAS PROFESSORES E ALUNOS

Valmir dos Santos Dorneles Junior UNIASSELVI

Estudande de Pós-graduação [email protected]

(51) 9145-0285 (27) 99500-0285

Resumo

A leitura nos guia cotidianamente para todas as atividades que desenvolvemos, necessitamos ler para nos comunicarmos com o mundo de forma a poder participar dele globalmente. Mas ler fica além das relações formais e signos sociais, ler e deixar com o sejam aflorados sentidos, e deixar que fluam emoções, e dar uma releitura a realidade. A proposta de criar espaços de formação leitora é um desafio, mesmo dentro de ambientes escolares pouco são pensados nos espaços e nas oportunidades de leitura. Hoje cada vez mais temos evidenciados o distanciamento pela sociedade em geral, a literatura e o contato com os livros em geral cada vez mais perdem espaço para os jogos eletrônicos, internet e redes sociais, muito se compartilha e pouco se lê. A inexistência de espaços leitores e de formação leitora tem suscitado muitas discussões, e poucas práticas são pensada e incluídas, se por um lado tem as avaliações externas sobre leitura: Prova Brasil, ENEM, IDEB têm apontado resultados negativos, a queixa dentro das escolas é recorrente pelos professores, e apontam que seus alunos apresentam sérias dificuldades na compreensão da leitura, e por consequência por pouco escrevem. Ou aspecto importante salientar, é que em muitos momentos o professor não consegue em sua prática a reflexão e discussão de sua prática docente e em suas escolhas metodológicas mais indicadas para realizar e valorizar a formação leitora em todos os seus aspectos constituintes de suas aulas. Este relato de experiência reflete oito momentos em que se expressaram a mudança desse paradigma, dando voz e espaço para que uma Biblioteca Móvel dentro do espaço escolar trouxesse para a realidade de mundo de professores e alunos a possibilidade de pertença à leitura e literatura em geral. Estimulando a formação de Contadores de histórias construindo um habito que ultrapassa os limites territoriais da escola e fazer com que a leitura faça sentido e permaneça no seu mundo. Contadores de histórias desse contexto, que são todos dentro da escola, fazendo esse papel de co-autor traduzindo sua expressão para a contação de histórias e o espaço literário. Palavras-chave: Formação Leitor; Medicação Leitora; Biblioteca Móvel.

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Objetivos

Criar o hábito leitor, não só nos discentes, mas nos docentes também, valorizando os espaços da estrutura escolar, mas possibilitando a reflexão nos hábitos cotidianos e que cercam a vida leitora, que são espaços que não a escola, para a permanência, continuidade e inserção da leitura em suas relações sociais.

Referencial Teórico

A leitura é a interação entre um sujeito, que é o leitor e os diversos tipos textuais. O sujeito busca na leitura uma busca por significados. Ler exige muitas habilidades e conhecimentos. A prática da leitura é social, quando esse sujeito leitor lê coisas do seu cotidiano, desde a placas indicativas que o localizam em os diversos locais em que ele transita as diversos códigos sociais que constituem suas relações pessoais ou profissionais. Ao retomarmos a história da leitura, sob a ótica de Carvalho e Chartier (1998), percebe-se que desde a antiguidade a leitura esteve ligada a uma função. A leitura oral predominava na antiguidade, segundo Carvalho e Chartier (1998, p. 11):

Uma questão diz respeito á modalidade da leitura em voz alta, a mais difundida em toda a Antiguidade. Divulgou-se que ela repousa na necessidade de tornar compreensível ao sentido de um ―scriptio contínua‖ (escrita sem o espaço das palavras) que seria inatingível e inerte sem a enunciação em voz alta.

Com a invenção da imprensa por Gutemberg, no século XV, permitiu a produção de um grande número de exemplares de textos, possibilitando o acesso e o crescimento de livros e textos no mundo. Ainda segundo Carvalho e Chartier (1998, p. 29):

a multiplicação rápida dos jornais, o triunfo dos pequenos formatos, a diminuição do preço do livro graças ás reproduções clandestinas, á multiplicação das instituições que permitem ler e comprar, atestam a revolução nas práticas de leitura na modernidade.

As tecnologias também contribuíram para que se expandissem as possibilidades de leitura, basta apenas que se possa ter em seu cotidiano o prazer e possibilidades desse uso. A distância que separava os autores/leitores é quebrada pela internet. Bibliotecas digitais estão disponíveis para todos que tem curiosidade e dispõem dos instrumentos tecnológicos, é possível ler em computadores, tables, smartfones, ect. As intervenções do leitor ultrapassam o livro impresso. E esse recurso tecnológico é influencia as práticas escolares. Para Ferreiro (2002, p. 19):

Bem-vinda a tecnologia que elimina destros de canhotos: agora deve-se escrever com as duas mãos, sobre um teclado: bem-vinda a tecnologia que permite juntar ou separar os caracteres de acordo com a decisão do produtor; bem-vinda a tecnologia que confronta o aprendiz com textos completos desde o início.

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As possibilidades de acesso e a disponibilidade do habito leitor fazem passam pela produção de sentido das vidas. O uso de estratégias que possibilitem as práticas de leitura são um exercício de liberdade que fazem parte do contato dos indivíduos com a escola, Ferrereiro (2002) diz que a alfabetização não é um luxo nem uma obrigação, ´um direito de todas as crianças que serão homens e mulheres livres. Esse relato de experiência se fundamenta basicamente pelos seguintes autores: Vera Teixeira de Aguiar, Ane Campos, Mempo Giardeinelli, Ana Maria Machado, Michèle Petit, Paulo Freire. Os conceitos que perpassam e fundamentaram o Relato de Experiência entendem que o processo de leitura começa com ouvir histórias e pela reflexão que elas foram escritas pois alguém pensou que elas seriam lidas e ouvidas. A leitura em voz alta é uma partilha prazerosa, um alimento para a alma.

O mediador, no caso do relato o Contador de Histórias, é um sujeito generoso que empresta a sua subjetividade e criatividade em se fazer a voz do livro. A leitura desenvolve uma função muito importante no desenvolvimento humano, pois através dela são desenvolvidos vários conhecimentos, segundo Jolibert (1998) tem como objetivo informar, promover a comunicação, nutrir e estimular o imaginário. Nenhum sujeito pode se educar sem leitura (GIARDINELLI), e nesse sentido é impossível dizer que possa existir educação sem livros.

Se queremos realmente que os alunos sejam leitores e se permitam construir significados, e construir opiniões e autonomia e necessário a experiência e o contato com os diversos portadores textuais. Função que é da escola, pela proximidade de duas práticas estarem ligadas as experiências de formação que envolvem a interpretação do mundo, ler não é trabalhoso é prazer, e as possibilidades de leitura sempre podem levar a outras, constituindo a cada experiência os sujeitos que são transformados pelos livros.

Metodologia

O presente Relato de Experiência se ampara nos princípios da pesquisa qualitativa, como diretriz metodológica a pesquisa-ação, que é uma pesquisa eminentemente pedagógica, a partir dos princípios éticos que que visualizam a continua formação e emancipação dos sujeitos envolvidos na prática. Segundo Thiollent (2003) a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e nos qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Muitos partidários restringem a concepção e o uso da pesquisa-ação a uma orientação de ação emancipatória e a grupos sociais que pertencem ás classes populares dominadas.

Resultado

O relato de Experiência representou a mudança nas práticas que envolvem a formação leitora na escola, através da inclusão de atividades que puderam fazer parte do planejamento e da promoção de espaços leitores e a discussão e a reflexão da formação dos professores. O desafio proposto na

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experiência de uma melhor utilização da biblioteca, a inclusão da formação leitora e de formar alunos leitores trouxe à tona as possibilidades de a leitura e suas dimensões sociais ser reflexo de um maior interesse, pelos alunos em participar das aulas como sujeitos ativos, autônomos e possíveis de exercitar seu senso críticos frente aos conflitos cotidianos. Essa mudança comportamental e social dos alunos levou aos professores a reflexão das possibilidades desses alunos que melhoram seus rendimentos, levando a reflexão de a leitura está relacionada a interpretação e a construção de outros significados.

Reforçando que é impossível a construção de conhecimento sem a possibilidade de contato com as diversas tipologias textuais. A medicação leitora empodera e prepara para as relações desses educandos em seu futuro favorecendo um acesso mais pleno nas relações sociais, para atuação de uma forma consciente e crítica no mundo do trabalho e na vida em sociedade.

Referências

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FERREIRO, Emilia. Os filhos do Analfabetismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

FERREIRO, Emilia. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever. São Paulo: Cortez 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários á prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler (em três artigos que se completam). Prefácio de Antonio Joaquim Severino. São Paulo: Cortez; Autores Associados.

GIARDINELLI, Mempo, 1947- Voltar a Ler: proposta para construir uma nação de leitores. Tradução deVictor Barrionuevo. São Paulo: Ed. Nacional, 2010.

JOLIBERT, J. Formando Crianças Leitoras. Porto Alegre: Artmed, 1999.

MACHADO, Ana Maria. Silenciosa Algazarra: reflexões sobre livros e práticas de leitura. – São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

PETIT, Michèle. A arte de ler ou como resistir á adversidade. Tradução de Arthur Bueno e Camila Boldrini. São Paulo: Ed. 34, 2009.

ZABALZA, Miguel A. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Tradução de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artemd, 2004.

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LETRAMENTO LITERÁRIO E A FORMAÇÃO DE LEITORES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: MEDIAÇÕES ―PIBIDIANAS‖ E A

PROMOÇÃO DE AGENTES LETRADORES

Virna Mac-Cord Catão UNIABEU/UFRRJ/UERJ

Doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana [email protected]

(21) 99959-0236

Bruna Jakson Lima Silva UNIABEU

Graduanda em Pedagogia [email protected]

(21) 99621-6621

Resumo

Este relato objetiva explanar as experiências desenvolvidas no projeto de iniciação à docência intitulado por "Competências Experienciais na produção de sentido na/da escrita no início da Alfabetização", que atende turmas dos anos iniciais do Ensino fundamental de duas escolas públicas, uma do Município de Mesquita, outra de Nilópolis, focando os letramentos literário e multissemiótico na constituição da alfabetização escolar. Aborda a ampliação do letramento aos ―novos letramentos‖, os questionamentos aos doutrinarismos da literatura na escola e seus excessos de didatização e algumas experiências realizadas nas oficinas promovidas pelos discentes da Licenciatura em Pedagogia do Centro Universitário – UNIABEU, instituição situada na Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. Tem como fundamentação teórica os estudos de Todorov (2009) defendendo que o ensino de literatura não é um fim em si mesmo, de Moura e Rojo (2012) e Rojo (2009), nos fundamentos dos multiletramentos, de Bortoni-Ricardo, Machado e Castanheira (2010) sobre os estudos da promoção da leitura pelos professores, enquanto agentes letradores, e, de Cosson (2006; 2014) no que diz respeito às etapas de promoção do letramento literário. A partir dos encontros institucionais, a coordenação organizou, por meio dos ―novos letramentos‖, uma sequência didática, que, na defesa de uma alfabetização sem cartilha, vê na literatura infantil um ponto de partida e, nos estudos do letramento literário, condições para a formação do sujeito-leitor. Neste caminho, segue-se o entrelaçamento semiótico, ou melhor, os múltiplos letramentos, caracterizando a ideia que o letramento tradicional anuncia a necessidade de articulação com outras linguagens. Trata-se de uma abordagem prática e participativa, que fomenta a iniciação à docência combinada com os estudos teóricos promovidos pelos encontros do grupo Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência)/UNIABEU, trazendo, ao final deste trabalho, as experiências desenvolvidas no projeto acerca da temática em pauta, estabelecendo processos de ação-reflexão-ação, oriundos das oficinas realizadas nas escolas, que objetivam a formação de ―leitores‖ como caminho para a aquisição da escrita. Palavras-chave: Letramento Literário; Formação de Leitores; Pibid.

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Leitura, Literatura e Letramento: o Pibid na formação de leitores – questões metodológicas

Introdução

Este trabalho é um recorte do subprojeto Pibid desenvolvido no Centro Universitário – UNIABEU, campus Nilópolis, desde 2014. O objetivo maior do Pibid é inserir alunos que cursam as licenciaturas na docência. O Pibid não é estágio. A ideia central é que o aluno-bolsista conduza a turma na promoção das ações designadas no projeto.

O subprojeto ―Competências Experienciais na produção de sentido na/da Escrita no Início da Alfabetização: Do Letramento Literário ao Letramento Multissemiótico‖ articula-se com a promoção de experiências multissemióticas das crianças no primeiro ano do Ensino Fundamental na aquisição da escrita por intermédio da literatura infantil das escolas públicas dos Municípios de Mesquita e Nilópolis.

Os objetivos do subprojeto são: Identificar, revelar e problematizar as práticas de letramento que circulam na escola; Conhecer as experiências das crianças no ano inicial do Ensino Fundamental na aquisição da escrita por intermédio da literatura infantil; Analisar a relação dos múltiplos letramentos com o processo de aquisição da escrita; Colecionar e analisar os registros orais, imagéticos e/ou escritos, enfim, nas diferentes manifestações, produzidos pelas crianças a partir de suas experiências com a escrita; Oferecer, observar e analisar as práticas alfabetizadoras associadas a múltiplos letramentos; Caracterizar o letramento, discutindo as categorias ―multimodalidade‖ e ―semiótica‖.

Desenvolve-se por meio de oficinas. Nossas oficinas nas escolas acontecem uma vez por semana. Por mês, temos uma temática-geradora que engloba, aproximadamente quatro encontros-oficinas. Essa temática geradora parte de uma literatura infantil que, promove as articulações com o primeiro movimento ―letrador‖, o letramento literário, em que nos debruçamos em Cosson (2006) para sustentar a materialidade prática da literatura, pois o objetivo é ―[...] tornar o mundo compreensível transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas‖ (p. 17).

Na primeira parte deste relato trazemos o referencial teórico, perpassando, prioritariamente, por Cosson (2006; 2014) e o letramento literário, Todorov (2009) e a didatização da literatura, Bortoni-Ricardo, Machado, Castanheira (2010) e a promoção de agentes letradores. Já no segundo momento temos a metodologia do subprojeto Pibid e seu desenvolvimento. Na terceira parte trazemos um evento de letramento oriundo das práticas pibidianas. Por fim, concluímos que o letramento literário é uma das condições para a formação de leitores e a formação de leitores é um dos compromissos políticos da formação de professores, enquanto agentes letradores.

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Referencial Teórico

1. Letramento Literário e a Formação de Leitores

No contexto educacional brasileiro muito se tem investigado acerca do letramento, que por sua vez tem ganhado espaço no âmbito escolar. As discussões sobre o assunto têm permitido a ampliação nas ações pedagógicas que são desenvolvidas com objetivo de trazer para a vida escolar as práticas sociais que fazem parte da vida do alunado em relação à escrita.

Segundo Soares (2012), alfabetização e letramento são ações distintas, porém, inseparáveis. Isto significa que à medida que se alfabetiza, deve-se letrar, e, conforme letramos, abrimos possibilidades para a alfabetização.

O ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado. (p. 47).

Nesse sentido, afirmamos que as práticas alfabetizadoras devem promover atividades contextualizadas e interligadas às realidades do educando, ou melhor, às diversas realidades que circulam nos espaços escolares, mostrando que não há uma única forma de letrar, tampouco que letramento está exclusivamente direcionado aos textos verbais, ou melhor, somente aos gêneros textuais.

Para mesma autora, letramento é o ―estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas também cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita‖ (p.47), sendo assim, podemos considerar um indivíduo letrado aquele que consegue fazer uso dessas práticas sociais para a construção da escrita de forma crítica.

Na atualidade, ampliando a discussão do letramento, temos o letramento literário, que está relacionado ao uso da literatura na escola. O letramento literário é um processo contínuo da leitura, podendo ser explorado diferentes formas de textos e contextos a partir da literatura que estar sendo utilizada.

Devemos compreender que o letramento literário e uma prática social e, como tal responsabilidade da escola . A questão a ser enfrentada não e se a escola deve ou não escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer essa escolarização sem descaracteriza -la, sem transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder de humanização. (COSSON, 2014, p. 23).

A literatura infantil é um misto de artes, que combinadas, provocam experiências no público infantil, que, por sua vez, incorporam suas ideias e tomam para si o enredo e transformam em suas próprias narrativas.1 Para que esse movimento aconteça é necessário que o livro esteja aberto e não fechado na moralização imposta pela sociedade. Essa abertura permite a reinterpretação e recolocação de si no mundo e não uma mera reprodução. Temos que lembrar que, geralmente, o texto literário é produzido por adultos, 1 Tomamos narrativas aqui na concepção de Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt.

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que julgam os valores necessários para a inserção das crianças na sociedade, como nos afirma Meirelles (1984):

De modo que, em suma o ―o livro infantil‖, se bem que dirigido à criança, é de invenção e intenção do adulto. Transmite os pontos de vista que este considera mais úteis à formação de seus leitores. E transmite-os na linguagem e no estilo que adulto igualmente crê adequados à compreensão e ao gosto do seu público. (p. 29).

A primeira questão que colocamos diz respeito ao acesso ao acervo e produção literária. São muitos os fatores do cotidiano que limitam as condições de aproximação entre o leitor e a obra, que vai desde a quantidade de obras disponíveis à disponibilidade de um espaço para que ocorra a leitura literária. Um outro ponto que merece a atenção diz respeito ao ato de ler, quase sempre solitário. Ler é essencial e isto implica em tocar no livro, entender os gestos de leitura, e, principalmente, criar um elo de pertencimento com a obra, tem relação com a experiência estética.

A leitura escolar deve contemplar o aspecto formativo de educando, estimulando-lhe a sensibilidade estética, a emoção, o sentimento [...] o texto literário tem muito a contribuir para o aprimoramento pessoal, para o autoconhecimento, sem falar do constante desvelamento do mundo e da grande possibilidade que a leitura de determinada obra oferece para o descortínio de novos horizontes para o homem, no sentido da formação e do refinamento da personalidade. (SILVEIRA, 2005, p. 16).

Acreditamos que o letramento literário aproxima o indivíduo do mundo, neste tempo e em outros tempos. É preciso estar atento aos diferentes contextos, culturas e histórias dos alunos para que se produza significados e sentidos em relação à obra literária.

O letramento literário trabalhará sempre com o atual, seja ele contemporâneo ou não. É essa atualidade que gera a facilidade e o interesse de leitura dos estudos. (COSSON. 2014, p, 34)

Sequencialmente às práticas de letramento literário, trabalhamos as multissemioses, explorando os vários sentidos (audição, visão, tato, olfato e paladar) na formação dos alunos.

O indivíduo deve ter condições de fazer leitura de mundo expressando com clareza suas ideias, interpretando também ações, imagens, expressões, isto posto com o letramento literário e, por meio dos sentidos, vem ampliar as possibilidades de contextualização e exploração de meios não convencionais para o enriquecimento de uma pratica pedagógica com êxito. (CATÃO, 2014, p. 3364).

Segundo a autora, para termos êxito em nossas práticas pedagógicas é necessário ampliar os conhecimentos do aluno, partindo do letramento literário para o multissemiótico saindo do tradicional, visando de fato como esse aluno

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irá aprender o que lhe estar sendo ensinado. São outras linguagens associadas à leitura literária possibilitando o potencial funcional na formação do leitor.

2. Reflexões sobre a Didatização da Literatura na Escola

O livro ―A Literatura em Perigo‖ é uma publicação que retrata a realidade francesa, a partir dos anos 60, que, além de descrever a experiência literária do próprio autor, enquanto docente e pesquisador, apresenta, principalmente questionamentos ao paradoxo criado neste campo de conhecimento, que aloca em pólos distintos a técnica literária e a produção autêntica, ideológica e subjetiva da literatura. Assim, defende a ideia de que ―... o conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das vias régias que conduzem à realização de cada um‖ (Todorov, 2009, p. 32). O título já antecipa a temática do livro, a literatura, na situação de risco, que sugere uma discussão sobre o significado da mesma, num sentido mais híbrido, enquanto arte, cultura e ideologia.

Ao longo dos capítulos, Todorov pondera críticas às correntes estruturalistas e formalistas na literatura, uma vez que estas, por via de regras, priorizam a instrumentalização literária, visão esta um tanto reducionista da literatura, por ser considerada, exclusivamente, como uma ―matéria escolar‖ (p. 10). Daí apresenta também reflexões acerca do ensino da literatura nas universidades e sobre a formação especializada e estruturalista dos professores, que incide no ensino secundário francês.

Tal perspectiva também é muito presente na realidade educacional brasileira, que, com a culminância da Pedagogia Tecnicista, aproximou a educação, contudo a literatura, da produtividade, consequentemente, de uma abordagem técnica, instrucional, condicionante, fragmentada e especializada, embevecida de preceitos empíricos. Tal abordagem, quando vista como única e universal, impede que a constituição do sujeito se edifique num ―conjunto de discursos vivos‖ (p. 22), constituinte e produtor de significados.

Como a filosofia e as ciências humanas, a literatura é pensamento e conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos. A realidade que a literatura aspira compreender é, simplesmente (mas, ao mesmo tempo, nada é assim tão complexo), a experiência humana (p. 77).

A partir desses estudos, a literatura escolar, em qualquer nível, ainda é uma produção artificial, pois predominam certos didatismos, proselitismos e doutrinarismos. Não que a estrutura deva ser totalmente ignorada ou ―invalidada‖ (p. 10), ela só não pode ser o único objeto constituinte na produção literária, pois, a literatura ultrapassa estas barreiras, nos mostra ―outros mundos e outras vidas‖ (p. 12), a nossa ―vocação de ser humano‖ (p. 24).

3. Os Agentes Letradores

A atuação do Pibid em oficinas de letramento buscam também a promoção de formação de agentes letradores, que compreendam que a leitura é sempre uma atividade interdisciplinar, que existem habilidades para a leitura de determinados textos específicos (decodificação, reconhecimento do

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vocabulário, utilização de conhecimentos prévios, capacidade de usar o texto para gerar novas aprendizagens), colocando-a como centro da atividade pedagógica, ou seja, todo professor deve ser professor de leitura, independente da área de conhecimento.

Nesta perspectiva, a mediação pedagógica na leitura se torna essencial para a compreensão e interpretação. Essa mediação tem como um dos fundamentos a leitura tutorial.

Entende-se como leitura tutorial aquela em que o professor exerce papel de mediador durante o processo de leitura e compreensão; nessa proposta, o professor deve atuar fazendo intervenções didáticas, por meio das quais interage com os alunos, a fim de conduzi-los à compreensão do texto... A leitura tutorial é, pois, uma leitura compartilhada. (BORTONI-RICARDO; MACHADO; CASTANHEIRA, 2010, p. 51).

Três etapas são importantes para essa mediação pedagógica ocorrer: 1. Preparação para a leitura do texto (Qual a finalidade desta leitura? O que o aluno sabe, previamente, sobre o assunto? O que deve conter este texto que trata de tal temática?; 2. O momento de leitura (Diferentes formas de se ler na escola: leitura compartilhada, leitura silenciosa, leitura simultânea, leitura literal etc); 3. Após a leitura do texto (desde a compreensão e interpretação à outras representações verbais ou não-verbais).

Associadas às etapas supracitadas, temos as pistas de contextualização, como estratégia dos agentes letradores.

[...] Pistas de contextualização são quaisquer sinais verbais ou não verbais que, processados juntamente com elementos simbólicos gramaticais ou lexicais, servem para construir a base contextual para a interpretação localizada, afetando assim a forma como as mensagens são compreendidas. [...]. As pistas de contextualização transmitem-se por traços prosódicos (altura, tom, intensidade e ritmo na produção verbal); cinésicos (decoração facial, direção do olhar, sorrisos e franzir de cenho) e proxêmicos. (Ibidem, p. 27).

Sendo a formação de professores um desafio, formar leitores é mais que um desafio, é um compromisso político que a formação de professores deve assumir, pois, todo professor é um agente letrador e promotor de eventos de letramento.

4. Metodologia

As atividades do projeto resumem-se em: 1. Diagnóstico: A realização de uma ação avaliativa da estrutura e do

funcionamento de cada escola no início do projeto e de cada ano visou obter informações sobre aspectos físicos, políticos, pedagógicos, curriculares acerca do ensino da leitura e escrita. Foram dados que colaboraram com a organização de um ―plano de mediação‖. O plano de mediação referiu-se à previsão das ações, à sequência de operações a serem realizadas pelo coletivo da escola em prol das finalidades;

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2. Reuniões Periódicas: A interação dialógica entre os participantes, em suas experiências distintas, permitiu, o entendimento dos progressos e limitações de nossas escolhas pedagógicas;

3. Curso de Formação: A participação no curso de formação possibilitou a discussão teórica acerca do letramento e suas diferentes possibilidades semióticas, ou seja, por meio de estudos promovemos discussões bibliográficas e aprofundamento teórico, ao mesmo tempo que, por meio das oficinas, articulamos com a prática. Na realização dos estudos, destacamos alguns temas, tais como: Letramento – Letramento Literário – Múltiplos Letramentos – Contação de Histórias – Gêneros Textuais – Consciência Fonológica – Agente Letrador – Letramento Digital;

4. Acompanhamento dos supervisores: Foram selecionados dois docentes, um em cada escola, para atuarem como supervisores dos bolsistas. Os supervisores planejaram as ações delineadas pelo ―plano de mediação‖, juntamente com os bolsistas, assim como dão suporte e acompanham as ações realizadas;

5. Oficinas com ―múltiplos letramentos‖: As oficinas, enquanto recurso, constituíram um instrumento que responde, de forma prática, objetiva e pontual, algumas das demandas docentes, especialmente aquelas voltadas para os procedimentos de sala de aula e dos instrumentos, materiais e encaminhamentos internos e implicados ao desenvolvimento de uma aula produtiva e significativa;

6. Diários reflexivos: Os diários reflexivos são produzidos individualmente, ou seja, cada licenciando/a registra em seu diário, suas experiências pedagógicas, bem como reflexões sobre os avanços, limitações, avaliações, retomadas e investimentos no seu projeto educacional ao longo da realização da observação e atividades propostas;

7. Blog: O blog objetivou a divulgação das etapas desenvolvidas. Cada participante do projeto produziu um blog, em que puderam expor suas reflexões, fotos, vídeos para o compartilhamento de ideias. As reflexões dos diários de campos são importantes instrumentos na articulação teoria e prática

5. Desenvolvimento

Do letramento literário, criamos atividades que desenvolvem as funções dos diversos gêneros textuais, como cartas, bilhetes, convites, poesias etc, caracterizando assim, a manifestação do letramento em sua forma convencional, pois, a circulação desses gêneros proporciona a real função da escrita, num contexto (real, experimentado), indicando que a escrita tem uso e promove o registro, expressão e comunicação.

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Imagem 1: Criança escrevendo um convite.

Na sequência, a semiose ocupa o lugar não apenas de contextualização,

mas um lugar de como a mesma ideia pode ser experimentada (ou transmitida) por outras vias, ou seja, a linguagem verbal ou não verbal como geradora de significado e sentido da linguagem escrita é mola propulsora das experiências compartilhadas.

Imagem 2: Bolsista Discente mediando a aula com um vídeo.

Porém, o letramento não dá conta da totalidade do processo, pois, o

mecanismo da escrita também é necessário, ou seja, alfabetizar e letrar.

Alfabetizar e letrar são processos distintos, porém interligados. Como disse Magda Soares (2003), é possível alfabetizar letrando, isto é, podemos ensinar crianças e adultos a ler, a conhecer os sons que as letras representam e, ao mesmo tempo, com a mesma ênfase, convidá-los a se tornarem leitores, a participarem da aventura do conhecimento implícita no ato de ler (CARVALHO, 2007, p. 9).

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Neste sentido, passamos a organizar atividades que desenvolvessem a consciência fonológica. Não significa uma retomada do método fônico, com treinos exaustivos, e, sim, tomar ciência dos sons da língua, que constituem as palavras. É a construção do entendimento que a escrita é uma das representações do mundo, assim como o desenho, a fala etc. Para Carvalho (ibdem), a consciência fonológica diz respeito à habilidade de reflexão sobre as subunidades da língua oral, os fonemas, as sílabas e as palavras e sobre a manipulação destas subunidades. Em nossa metodologia buscamos o alcance dessas várias percepções fonológicas, por meio de jogos e brincadeiras.

Já a sistematização da escrita é uma tarefa que inclui motivação, percepção, decodificação, organização e transposição. Entender o que é o texto,2 em suas diversas manifestações, que cada uma dessas tem uma função social, é a nossa meta a ser alcançada na proposta, por isto, acompanhamos as turmas nos três anos iniciais do Ensino Fundamental (estamos no segundo ano do projeto) e, gradativamente, incluindo essas turmas. Sistematizamos lacunando textos (recontagem de histórias), com enigmas, com atividades de organização das ideias. Geralmente, após todas as condições, eles perdem o medo e se arriscam nas escritas.

Imagem 3: Exemplo de texto enigmático.

2 Carvalho (2007), em seu livro ―Alfabetizar e Letrar‖ menciona a etimologia da palavra texto,

significa ―tecer‖, ou seja, os ―fios‖ não estão soltos, estão entrelaçados, as ideias, portanto, devem fazer sentido. Na língua portuguesa chamamos de coesão e coerência.

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Continuamos estudando para afinar a orquestra e aparar arestas de nossa metodologia. Hoje, discutimos a ideia do professor como agente letrador, independente da área do conhecimento, pois letramento compete a todo circuito escolar, na esfera das diversas disciplinas. Para Bortoni-Ricardo, Machado e Castanheira (2010) ―[...] todo professor é por definição um agente de letramento; todo professor precisa familiarizar-se com metodologias voltadas para as estratégias facilitadoras da compreensão leitora‖ (p. 17). Estamos refletindo que os textos, em suas diversas modalidades de apresentação, têm suas formas de uso nas diferentes áreas de conhecimento e que algumas técnicas poderiam ser incorporadas, como a leitura tutorial.

A princípio tínhamos um preconceito em trabalhar com um ―método‖. Na verdade, criamos sequências didáticas que se relacionam com o cotidiano dos alunos, buscando a articulação entre significados e sentidos, reconhecendo os sujeitos escolares e suas necessidades em determinada realidade. Assim sendo, o problema principal não é ter um método, o problema é quais são os fundamentos deste método e que tipo de educação está por trás dele.

Evento de Letramento com o ―Menino Maluquinho‖: Do Letramento Literário ao Letramento Multissemiótico

O planejamento inicial foi organizado pela coordenação do projeto. Neste planejamento havia uma agenda, que mesclava as formações e os encontros, a referência bibliográfica da formação, assim como um ―layout‖ metodológico e temas geradores para as oficinas. Alguns temas/literatura infantil foram sugeridos, mas, a proposta inicial ficou com a história do ―Menino Maluquinho‖.

O principal objetivo era, por meio do livro ―O menino que tinha uma panela na cabeça‖, atribuir um contato com o letramento literário, provocar outras semioses, indo além da palavra escrita, e, ampliar com a funcionalidade de outros gêneros textuais, já que no enredo da história, o menino maluquinho escreve a sua ―auto-biografia‖.

O conhecimento e as capacidades relativas a outros meios semióticos estão ficando cada vez mais necessários no uso da linguagem, tendo em vista os avanços tecnológicos: as cores, as imagens, os sons, o design etc., que estão disponíveis na tela do computador e em muitos materiais impressos que têm transformado o letramento tradicional (da letra/livro) em um tipo de letramento insuficiente para dar conta dos letramentos necessários para agir na vida contemporânea (ROJO, 2009, p. 107).

Houve a necessidade de um grupo apresentar a história-base do personagem, já que na sondagem, perceberam que as crianças desconheciam a história central. A leitura literária foi realizada a partir do original do livro. Separaram imagens principais que descreviam o personagem, como, por exemplo, ―um olho maior que a barriga‖. A sondagem também foi realizada por meio de um desenho: ―Quem é o menino maluquinho?‖ /// ―Desenho o SEU menino maluquinho‖.

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Tivemos como ponto de partida da proposta de alfabetização sem

cartilhas, o letramento literário. O Letramento Literário é um estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência estética (colhe e rouba). Todavia, a trajetória de formação do leitor de literatura na escola sempre privilegiou o fragmento literário, o recorte feito por alguém, não o livro. Os fragmentos literários, a maioria presente em livros didáticos, tiram da escola o livro, que congrega autor e obra, sociedade, cultura e mundo representado. Daí a importância de dar ―vida‖ ao livro. Cosson (2009, p. 65) destaca os seguintes procedimentos para a amplitude do letramento literário:

A motivação: consiste na preparação do aluno para que ele ―entre‖ no texto. Normalmente, essa etapa se dá de forma lúdica, com uma temática relacionada ao texto literário que será lido e tem como objetivo principal incitar a leitura proposta.

A introdução: apresentação do autor e da obra. A leitura do texto em si: deve ter um acompanhamento do

professor. Cosson chama esse acompanhamento de ―intervalos‖ no qual há a possibilidade de aferição da leitura, assim como solução de algumas dificuldades relacionadas à compreensão de vocabulário ou mesmo de partes do texto. Tal sugestão é de fundamental importância para que o aluno não perca o interesse ao longo da leitura. A interpretação: se dá em dois momentos, um interior e outro exterior. O

momento interior compreende a decifração, é chamado de ―encontro do leitor com a obra‖ e não pode ser substituído por algum tipo de intermediação como resumo do livro, filmes, minisséries. Já o momento exterior é a ―materialização da interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade‖ (COSSON, 2009, p. 65).

As formas de contato com a história foram diversas, tivemos teatro com fantasias, teatro com fantoches, imagens, cinema (filme), porém, o contato o original da obra foi condição sine qua non para o desenvolvimento das oficinas.

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Buscou-se discutir com as crianças o conceito de ―identidade‖, olhar-se no espelho e reconhecer-se, por meio de suas características foi fundamental, para a descrição da auto-biografia. Uma bandinha rítmica foi formada e uma música da trilha sonora do filme foi utilizada por um dos grupos. Praticamente todos os grupos propuseram que os alunos criassem o seu ―menino maluquinho‖. A semiose se deu também pelo paladar, pipoca e refrigerante para a sessão de cinema. Por fim, escrever sobre si ou desenhar-se oportunizou a escrita de ―auto-biografias‖.

Conclusão

A aquisição do conhecimento quanto à prática da leitura e da escrita apenas no papel, não é suficiente. O indivíduo deve ter condições de fazer leitura de mundo expressando com clareza suas ideias, interpretando também ações, imagens, expressões, isso posto com o letramento literário e, por meio dos sentidos, vem ampliar as possibilidades de contextualização e exploração de meios não convencionais para o enriquecimento de uma prática pedagógica com êxito.

O ato pedagógico, neste sub-projeto do Pibid/UNIABEU é compreendido como práxis, em que teoria e prática se unem na ação ativa, contextualizada,

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significativa e libertadora, sustentada pela dialogicidade e horizontalidade na relação professor-aluno. Uma prática pedagógica que vê na literatura e nos múltiplos letramentos a possibilidade de superação do analfabetismo funcional, desvinculando-se das formas engessadas de alfabetização contidas nas cartilhas e livros escolares.

Por fim, entendemos que as experiências nessas diversas formas de letramento devem dialogar com a formação de professores, ou seja, formando também agentes letradores em suas mais diversas dimensões para a promoção de uma formação mais humana dos sujeitos escolares.

Referências

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CATÃO, V. M. Tecendo relações entre letramento e semiose: Uma leitura sem margens - A palavra fora da palavra. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL/COLE, 19 , 2014, Campinas. Edição Especial Campinas: Revista Linha Mestra, v. 24. p. 3362-3366, 2014.

COSSON, Rildo. Círculos de leitura e letramento literário. São Paulo: Contexto, 2013.

COSSON, Rildo. Letramento Literário: Teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

MEIRELES, Cecília, (1984). Problemas da literatura infantil – 3ª ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

MOURA, Eduardo; ROJO, Roxane (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

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SCHMITZ, Egídio. Fundamentos da Didatica. 7a Ed. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2000. (p. 101 a 110)

SILVEIRA, Maria Inez Matoso. Modelos Teóricos e estratégias de leitura de leitura: suas implicações no ensino. Maceió: EDUFAL, 2005.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autentica 2012.

TODOROV, Tzvetan. A Literatura em Perigo. Tradução de Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003.

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