anais do cat in rio 2017 31 de março e 1 de abril de 2017 · 1 anais do cat in rio 2017 hotel...
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ANAIS DO CAT IN RIO 2017
HOTEL AMERICAS – 31 de Março e 1 de Abril de 2017
1- Aplicação de Microcirurgia em Exérese de Cálculo Ureteral em Gata...................... 2
2- Cisto de íris em gato ...................................................................................................... 6
3- Cornos cutâneos em felino jovem – Relato de caso ..................................................11
4- Uso da quimioterapia metronômica para o carcinoma de células escamosas cutâneo
felino ...............................................................................................................................16
5- Achados clínicos e histopatológicos relacionados à neoplasia laringeana em
paciente felino geriátrico ..............................................................................................20
6- Alterações hematológicas em gatos infectados com o vírus da leucemia viral felina
..........................................................................................................................................24
7- Tratamento de pênfigo foliáceo e diabetes melito secundária em um gato: relato de
caso..................................................................................................................................31
8- Síndrome da Displasia fiseal capital felina – relato de três casos ............................36
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Aplicação de Microcirurgia em Exérese de Cálculo Ureteral em Gata
Application of Microsurgery in Exeresis of Ureteral Calculus in Cat
FELIX, A.O.1; SCHEFFER, J.P.2; ANTUNES, F.³; OLIVEIRA, A.L.A.4
1 Graduanda em Medicina Veterinária, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
- UENF
2Médica Veterinária, Mestre, doutoranda em Ciência Animal, Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
3 Professor Associado, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
4 Professor Associado, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
Introdução
Os cálculos ureterais estão sendo diagnosticados com crescente frequência na clínica de
felinos, sendo esta a causa mais comum de obstrução ureteral em gatos (Hardie e Kyles, 2004).
Em um estudo realizado na Universidade da Califórnia em Davis, relatou-se que o primeiro gato
com cálculo ureteral foi diagnosticado em 1990, e que após este, houve um aumento constante
do número de casos (Kyles et al, 2005a). Em outra pesquisa (Kyles et al, 2005b) relataram que
a presença de cálculo ureteral em gatos é uma condição relativamente nova, com o primeiro
trabalho sobre um grupo de gatos com ureterolitíase publicado em 1998.
A remoção cirúrgica para cálculos ureterais tem sido descrita. Com base em
experiências anteriores, a remoção cirúrgica de cálculos ureterais se justifica se houver evidência
de obstrução parcial ou completa do ureter, como por exemplo, hidronefrose e dilatação do ureter
proximal ao cálculo, ou ainda se os cálculos se apresentarem imóveis em repetidos exames
(Kyles et al, 2005b).
Objetivos
O presente trabalho tem por objetivo relatar a remoção de cálculo ureteral em uma gata
através de microcirurgia.
Metodologia
Um gato, fêmea, sem raça definida, de aproximadamente 8 anos de idade, foi encaminhado
ao setor de cirurgia da Unidade de Experimentação Animal (UEA) da Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF com histórico de retenção urinária e disúria. Ao exame
ultrassonográfico abdominal observou-se rim esquerdo com contornos irregulares com perda da
definição córtico-medular, sugerindo nefropatia e rim direito com dimensões diminuídas, medindo
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2,2 x 1,5 cm com perda da arquitetura interna e relação córtico-medular indefinida. Acentuada
dilatação da pelve renal com consequente adelgaçamento da cortical restando apenas uma fina
camada da cortical pressionado contra a cápsula renal, sugerindo nefropatia crônica e
hidronefrose.
O diagnóstico de cálculo ureteral foi obtido através de exames radiográficos abdominais,
nas projeções latero-lateral direita e ventrodorsal que revelaram presença de imagem de maior
opacidade (densidade mineral), arredondada, medindo em torno de 0,3 cm em região de ureter
direito, sugestivo de litíase, além de topografia de silhueta renal direita com diminuição de suas
dimensões (nefropatia). Não houve presença de alterações aos exames de hemograma e
bioquímica, apresentando creatinina sérica 1,0 mg/dL (0,8 – 1,8 mg/dL) e uréia 49,8 mg/dL (30,0
– 60,0 mg/dL).
O animal foi submetido à ureterotomia por microcirurgia para remoção do cálculo. Após a
incisão na linha média ventral do abdome, a localização do cálculo ureteral foi identificada por
inspeção do ureter. Posteriormente, a região do ureter onde o cálculo estava localizado foi
dissecada delicadamente e foi realizada a abertura do ureter através de uma pequena incisão
longitudinal sobre o cálculo. Este foi removido utilizando uma pinça fina especial para
microcirurgia e as extremidades ureterais foram lavadas com soro fisiológico aquecido. Em
seguida foi realizada sutura com náilon 8-0, em padrão simples interrompido. A amostra de
cálculo foi enviada para análise no Minnesota Urolith Center, na faculdade de Minessota, EUA,
não sendo recebido ainda seu resultado. Os exames de hemograma e bioquímica pós-cirúrgico
não mostraram nenhuma alteração, bem como a ultrassonografia.
Resultados e Discussão
O exame radiográfico se mostrou mais específico para o diagnóstico de ureterolitíase em
comparação ao exame ultrassonográfico, conseguindo identificar a presença de cálculo ureteral,
o que não foi possível identificar pela ultrassonografia.
O diagnóstico por imagem representa a ferramenta de exame mais precisa para detecção
de urólitos. A radiografia abdominal é a primeira modalidade de diagnóstico por imagem para
detectar a presença de cálculos radiopacos (BARTGES; CALLENS, 2015). Segundo Hardie e
Kyles (2004), cálculos radiopacos são visíveis no plano radiográfico se forem grandes o suficiente
e se a presença de hidroureter for grave (HARDIE; KYLES, 2004).
Em um estudo retrospectivo realizado por Adin e Scansen (2011) em gatos com suspeita
de obstrução ureteral, a radiografia obteve uma especificidade de 100% na identificação de
cálculos radiopacos, porém com uma sensibilidade de apenas 60%, mostrando que a radiografia
é um método diagnóstico limitado nos casos em que a obstrução é causada por cálculos não-
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radiopacos, ou mesmo quando os cálculos são demasiadamente pequenos para serem
detectados.
Em contraste, verificou-se que a ultrassonografia apresentava uma sensibilidade de 100%
na detecção de obstrução ureteral, devido ao início precoce de hidronefrose e dilatação pélvica
renal na maioria dos animais. No entanto, observaram que a dilatação pélvica pode ocorrer
secundária à pielonefrite e outras condições não-obstrutivas, reduzindo a especificidade desta
técnica para 33% na detecção correta de obstrução ureteral em gatos. Desta forma, ambas as
técnicas devem ser empregadas para que haja maior sensibilidade no diagnóstico de
ureterolitíase em gatos (Adin e Scansen, 2011).
Após o procedimento cirúrgico a paciente foi encaminhada para internação, sendo feito o
acompanhamento através da realização de hemograma, bioquímica e ultrassonografia pós-
cirúrgicos, apresentando-se nos padrões de normalidade para a espécie.
Durante o pós-cirúrgico não foram observadas complicações como deiscências de sutura
e/ou estenose ureteral, tendo a paciente um pós-operatório adequado, bem como uma
recuperação e evolução esperadas, por possibilitar um procedimento com maior precisão em
comparação a ureterotomia convencional.
A técnica de remoção de cálculo ureteral por microcirurgia se mostra muito precisa e
necessária devido a pequena dimensão do ureter de felinos, facilitando o procedimento cirúrgico
(Hardie e Kyles, 2004). A recidiva de obstrução ureteral devido a anastomose que comumente
pode ocorrer posteriormente ao procedimento cirúrgico convencional tem suas chances
reduzidas com a microcirurgia por ser uma técnica mais delicada que proporciona melhor
visualização das camadas do ureter.
Figura 1. Exérese de cálculo ureteral com auxílio de pinças especiais de microcirurgia.
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Conclusão
A presença de cálculos ureterais em felinos tem sido constantemente relatada na rotina
clínica, e para seu correto diagnóstico é necessário à utilização complementar de exames de
imagem ultrassonográficos e radiográficos. A exérese cirúrgica através de microcirurgia mostra-
se vantajosa por maximizar as estruturas ureterais e proporcionar a realização de um
procedimento mais preciso.
Referências
1. Hardie, E., M.; Kyles, A. E. (2004). Management of ureteral obstruction. Veterinary
Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 34, n. 4, p. 989-1010.
2. Kyles, A. E. et al. (2005a). Clinical, clinicopathologic, radiographic, and ultrasonographic
abnormalities in cats with ureteral calculi: 163 cases (1984-2002). Journal of the
American Veterinary Medical Association, v. 226, n. 6, p. 932-936.
3. Kyles, A E. et al. (2005b). Management and outcome of cats with ureteral calculi: 153
cases (1984-2002). Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 226,
n. 6, p. 937-944.
4. Bartges, J. W.; Callens, A. J. (2015). Urolithiasis. Veterinary Clinics of North America:
Small Animal Practice, v. 45, n. 4, p. 747-768.
5. Adin, C. A.; Scansen, B. A. (2011). Complications of upper urinary tract surgery in
companion animals. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 41,
n. 5, p. 869-888.
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Cisto de íris em gato
Iris cat cyst
Souza, MAR1; Sá FB2,
1- Doutoranda do programa de Biociência Animal, Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE), 52171-900, Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected], 2 -Professor
Adjunto da UFRPE.
Introdução
Os cistos podem ser referenciados na literatura como cisto uveal (HERRERA, 2008) ou
de íris (TEIXEIRA et al, 2009; SLATTER, 2005) é uma condição de rara aparição em felinos
(HERRERA, 2008), é relativamente comum em cães (SLATTER, 2005), principalmente nos cães
da raça Golden retriever (TOWNSEND, 2014), assim como relata-se também a ocorrência em
humanos (CRONEMBERGER, 2006) .
São estruturas de origem congênita (SLATTER, 2005; TEIXEIRA et al. 2009), em cães
tem caráter recessivo. Podem ser adquiridos (TEIXEIRA et al. 2009) provenientes de
desprendimentos de pigmento ou ainda decorrentes de uveítes (HERRERA, 2008).
Tem o formato de vesícula, são preenchidos por fluido e circundados por epitélio
pigmentado (SLATTER, 2005), de maneira geral apresentam formato esférico (HERRERA, 2008;
TEIXEIRA et al. 2009) mas podem ser ovais ou alongados (TEIXEIRA et al. 2009) com coloração
parda-escura ou preta (HERRERA, 2008).
Durante o exame clínico podem se vistos tanto unilateralmente quanto bilaterais, únicos
ou múltiplos, flutuando livremente na câmara anterior ou aderidos na íris ou ao epitélio corneano
(SLATTER, 2005; TEIXEIRA et al, 2009).
Em geral são achados de exame clinico, sem comprometimento ocular. Em casos muito
raros observa-se obstruções parciais da visão e opacidade da córnea ou da lente (TEIXEIRA et
al, 2009), ou ainda, quando o número de cistos é muito grande, pode provocar obstrução pupilar,
pressão intraocular elevada. Outra condição clinica que pode ocorrer é o glaucoma, que por sua
vez terá dois mecanismos de formação, sendo o primeiro decorrente do grande número de cistos
que empurram a base da íris causando glaucoma secundário por estreitamento do ângulo. O
segundo mecanismo advém do colapso dos cistos que causam uveíte, esta por sua vez, vai
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promover a existência de debris celulares que podem obstruir a malha trabecular (SLATTER,
2005).
O diagnóstico é estabelecido pela observação dos cistos, ou ainda por meio de
ultrassonografia (USG), entretanto a literatura recomenda o uso de biomicroscopia ultrasônica
(UBM) visto que ela, recentemente se mostrou mais eficiente que a USG para detecção de cistos
uveais (TAYLOR et al. 2015).
Os diagnósticos diferenciais são realizados por transiluminação, que permite distinguir os
cistos de neoplasias pigmentadas e de nervos de íris (SLATTER, 2005), é importante também
diferenciar de melanoma uveal (que são massas sólidas) (TEIXEIRA et al, 2009).
Quanto ao tratamento a literatura recomenda não tratar em casos de poucos cistos
(HERRERA, 2008; TEIXEIRA et al, 2009) e a remoção em casos que o número de cisto seja
muito grande, devendo esta ser realizada por fotocoagulação a laser e aspiração (SLATTER,
2005)
Objetivo
Relatar o caso clínico de um felino macho, srd, com presença de cistos de iris em câmara anterior
e posterior.
Metodologia
Foi atendido no setor de oftalmologia veterinária do hospital Universitário da UFRPE um felino
macho, de cerca de 2 anos de idade, cuja a queixa do proprietário era a presença de estruturas
circulares enegrecidas no olho do animal. O animal foi submetido à semiotecnica oftálmica
rotineira, que permitiu constatar que o olho estava calmo, todos os reflexos pupilares estavam
presentes, pressão intraocular normal, teste lacrimal de schirmer sem alterações e negativo no
teste de fluoresceína. Durante o exame foram observadas estruturas circulares flutuando na
câmara anterior (FIGURA 1) do olho esquerdo, as quais foram melhor examinadas através do
exame com lâmpada de fenda. Instilou-se midriatico (tropicamida) e foi possível verificar também
a presença das mesmas estruturas na câmara posterior, próximas à fenda pupilar, estas por sua
vez apresentavam um diâmetro menor, se comparadas às encontradas na câmara anterior.
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FIGURA 1: Imagem evidenciando a presença dos cistos.
Seta preta: presença dos cistos, aglomerados na
câmara anterior. Seta amarela: Cistos menores na
câmara posterior, próximos a fenda pupilar.
Fonte: Souza, MAR (2016)
Resultados
Durante a observação do olho esquerdo foram encontrados cistos flutuantes em câmara
anterior, e na câmara posterior somente após a aplicação da tropicamida. Frente ao quadro
clinico e ao aspecto macroscópico das estruturas, associado à localização conclui-se que se
tratava de cistos de íris ou cistos iridicos, ou ainda cistos uveais.
Discussão
Mediante a ausência de alterações encontradas no exame clinico, a saber, estruturas
enegrecida flutuando na câmara posterior e anterior concluímos que se tratavam de cistos de íris
(SLATTER, 2005; TEIXEIRA et al, 2009; HERRERA, 2008) associadas ao uso de métodos
auxiliares de diagnóstico como lâmpada de fenda e USG ocular padrão, que por sua vez se
mostraram eficientes para a conclusão do diagnóstico.
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O uso da tropicamida, foi muito fortuito para o diagnóstico, visto que permitiu evidenciar
a presença de cistos câmara posterior (DEEHR e DUBIELZIG, 1998).
Quanto a localização dos cistos, a literatura humana relata que os cistos iridociliares são
mais prevalentes nos quadrantes inferior e temporal (CRONEMBERGER, 2006), entretanto, em
medicina veterinária, baseado neste caso pôde-se verificar que os cistos estavam mais alojados
no eixo central próximo a fenda pupilar.
O paciente atendido não apresentava alterações oculares e nem um grande número de
cistos, assim obedecendo a recomendação da literatura optamos por não instituir o tratamento
cirúrgico (SLATTER, 2005; HERRERA, 2008; TEIXEIRA et al. 2009), apenas acompanhar a
evolução do caso, visto que, Pumphrey et al. (2012) reforçam em seu relato a relação dos cistos
com o glaucoma, uma vez que descrevem que três bulldogs americanos desenvolveram
glaucoma refratário a tratamento medicamentoso que suscitaram em enucleação, os bulbos dos
olhos removidos foram encaminhados para a realização de exame histopatológico que revelou a
presença de cistos na úvea como a principal causa do glaucoma nestes pacientes.
Conclusão
Frente ao exposto, podemos concluir que o cisto de íris, apesar de ser uma condição rara,
ocorre nos animais brasileiros e que os médicos veterinários devem estar aptos a diagnosticar e
terem discernimento para estabelecer a melhor conduta terapêutica para cada caso, levando
em consideração as alterações oftálmicas e o número de cistos presentes.
Referências bibliográficas
Cronemberger, S. et al . (2006) Prevalência de cistos iridociliares em exames de biomicroscopia
ultra-sônica. Arquivo Brasileiro de Oftalmologia.V 69, 471-475, Available from
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27492006000400003&lng=en&nrm=iso>. access
on 21 Dec. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27492006000400003.
Deehr, A.J. and Dubielzig, R.R. (1998). A histopathological study of iridociliary cysts and
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10
Pumphrey et al (2012). Glaucoma associated with uveal cysts and goniodysgenesis in American
Bulldogs: a case series. Veterinary Ophthalmology. V 5. 1–9 DOI:10.1111/vop.12000, acesso
em: 21 de Dezembro de 2016.
Slatter, D. Úvea. In: Slatter, D.(2005). Fundamentos de Oftalmologia Veterinária. 3ed. São Paulo.
Ed.Roca Ltda, 339-376.
Taylor et al. (2015) Comparison of ultrasound biomicroscopy and standard ocular
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540-546 doi: 10.2460/ajvr.76.6.540. Acesso em: 21 de Dezembro de 2016.
Teixeira A.L. Barros L.F.M., Barros P.S.M. Afecções da túnica vascular. In: Laus, J.L. (2009).
Oftalmologia clinica e cirúrgica em cães e em gatos. 1.ed. São Paulo, Ed Roca Ltda, p.97-115.
Townsend WM, Gornik KR (2013) Prevalence of uveal cysts and pigmentary uveitis in Golden
Retrievers in three Midwestern states. Journal of the American Veterinary Medical Association.
Vol. 243. 1298-1301. Doi: 10.2460/javma.243.9.1298. Acesso em 21 de Dezembro de 2016.
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CORNOS CUTÂNEOS EM FELINO JOVEM – RELATO DE CASO
CUTANEOUS HORNS ON A YOUNG CAT – A CASE REPORT
MENEZES, M.S.¹, COSTA, T.C.¹, MAROCHI, J.C¹, VALÊNCIO, C.A.J.², KOJO, P.S.³
¹Médica Veterinária Autônoma, Laboratório Veterinário São Camilo, Maringá, PR, Brasil
email: [email protected]
²Médica Veterinário Responsável Técnico, Laboratório Veterinário São Camilo, Maringá, PR,
Brasil
email: rt.veteriná[email protected]
³Médico Veterinário, Clínica veterinária PSKvet, Maringá, PR, Brasil
email: [email protected]
Introdução
Os cornos cutâneos são crescimentos córneos compostos de queratina formando projeções
pedunculadas, firmes e circunscritas semelhantes a cornos ou unhas dos animais. Podem
apresentar variações de tamanho (de milímetros até acima de 2 centímetros), formato
(cilíndricas, cônicas, angulares, retas e helicoidais) e de coloração (amarela, marrom ou cinza).
A superfície da lesão varia desde macia e polida a enrugada e áspera. Afeta diversas espécies
domésticas e segundo Mantese et al (2010) existem poucas pesquisas sobre o tema afetando
humanos. As regiões de cabeça, escroto, glândula mamária e membros são os locais de maior
incidência, podendo haver mais de um local acometido (Gross et al, 2005; Souza et al, 2010;
Hnilica, 2011). Segundo Gross et al (2005), não há predisposição conhecida por sexo ou idade.
A etiologia da doença ainda não foi completamente elucidada, contudo, acredita-se que são
oriundos de papilomas, carcinomas de células escamosas ou outras disqueratoses (Gross et al,
2005; Hnilica, 2011).
Em gatos, os cornos cutâneos são pouco frequentes e quando presentes, geralmente estão
associados à infecção pelo vírus da leucemia felina (FeLV). O diagnóstico baseia-se no aspecto,
curso clínico das lesões e na avaliação histopatológica caracterizada por áreas bem demarcadas
de hiperplasia da epiderme formando colunas compactas de queratina, denominada como
hiperqueratose. As lesões associadas ao vírus da Leucemia Felina geralmente apresentam
células apoptóticas, eosinofílicas, multinucleadas e queratinócitos vacuolizados e quando não
associadas ao vírus, estas características microscópicas não são observadas. Clinicamente e
histopatologicamente, os cornos cutâneos nos coxins de felinos são bem distintos e os
diagnósticos diferenciais são muito limitados, sendo que histologicamente podem ser similares a
papilomas (Gross et al, 2005; Hnilica, 2011).
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O tratamento definitivo consiste na excisão cirúrgica, podendo ocorrer recidivas. O prognóstico
tende a ser favorável, entretanto se houver associação a neoplasias, o mesmo torna-se
reservado ou desfavorável (Souza, 2005).
Objetivo
O presente trabalho visa relatar um caso clínico de corno cutâneo em felino jovem a fim de
documentar e trazer a discussão à comunidade científica, os aspectos clínicos, histopatológicos
e do tratamento de uma dermatopatologia incomum na literatura veterinária.
Metodologia
Um felino, macho, da raça persa, idade aproximada de 2 anos, pesando 2,7 kg, foi atendido na
clínica veterinária PSK, com histórico de marcha dificultada, relutância em caminhar e presença
de calos nas quatro patas. Ao exame clínico, notou-se mucosas oculares e oral normocoradas,
temperatura retal de 38,2° C. Em membros torácicos e pélvicos, foram visualizadas estruturas
cuneiformes medindo entre 1 e 3 cm aproximadamente, nos quatro membros, além de
hiperqueratose, evidenciando-se sensibilidade dolorosa a palpação. As suspeitas levantadas
foram cornos cutâneos e papilomatose, podendo estar associada a causas virais, incluindo o
vírus da leucemia felina (FeLV).
Foi realizada biópsia excisional da lesão e enviado o material fixado em formol 10% para exame
histopatológico além do teste imunoenzimático ELISA para detectar o vírus da leucemia felina.
Resultados
A avaliação histopatológica confirmou o diagnóstico presuntivo e constatou a hiperqueratose com
formações densas e colunares de queratina. O teste imunoenzimático ELISA para detectar o
vírus da leucemia felina apresentou resultado negativo.
Utilizou-se como tratamento amoxicilina com clavulanato 50 mg, via oral, por 5 dias, cetoprofeno
2,5 mg, via oral, por 3 dias e excisão cirúrgica das protuberâncias dos coxins plantares e
palmares. Houve retorno com 30 dias e notou-se baixa incidência de crescimento. Por sua vez,
com o retorno de 60 dias, foi observado que algumas lesões tiveram remissão completa e outras
apresentaram baixo desenvolvimento.
Discussão
Os cornos cutâneos não são frequentes em gatos, principalmente gatos jovens, semelhante ao
caso observado em um felino jovem por Souza et al (2010). Lesões em superfícies palmares e
plantares, como nesse caso podem causar desconforto ao caminhar e alterar a marcha do gato,
e dessa forma, o tutor pode perceber mais facilmente a presença da lesão (Souza et al, 2010).
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Cornos cutâneos podem ser associados à infecção pelo vírus da leucemia felina (FELV),
sarcoma felino, papilomas, tricoblastomas, carcinoma de células escamosas, cistos foliculares,
acantomas queratinizantes infundibulares ou queratoses actínicas (Gross et al, 2005). O teste
realizado para detectar o vírus da leucemia felina foi negativo e juntamente a avaliação
histopatológica descartaram tais associações com a lesão, como observado neste caso.
A exérese cirúrgica seguida de avaliação histopatológica para confirmação do diagnóstico é
indicada como tratamento de eleição, pois esse procedimento proporciona margem suficiente de
segurança, devido a possibilidades de recidivas (Mantese,2010; Hnilica,2011).
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Neste caso, associou-se que onde a remoção do tecido foi mais profunda o crescimento foi baixo
ou ausente. Dessa maneira, acredita-se que a remoção profunda deva contribuir para um baixo
crescimento e melhor resposta ao tratamento, muito embora deva-se levar em consideração a
intensidade das lesões assim como o bem-estar do animal.
Figura 1 e 2. Felino, SRD, 2 anos de idade, apresentando projeções cuneiformes em região distal
de membro medindo aproximadamente 1 a 3 cm.
Figura 3 e 4. Felino, SRD, 2 anos apresentando hiperqueratose nos coxins.
Conclusão
A investigação minuciosa da etiologia da patologia é necessária, pois mesmo que
predominantemente esteja associado a lesões benignas, ainda há a possibilidade de termos
lesões pré-malignas e malignas com tendência evolutiva.
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Neste caso, não houve associação com nenhuma causa mencionada na literatura, sugerindo
que uma causa congênita seja plausível e favorecendo o prognóstico ao paciente.
Referências bibliográficas
Mantese et al (2010), Corno cutâneo: estudo histopatológico retrospectivo de 222 casos. In:
Anais Brasileiros de Dermatologia, Uberlândia, 85(2): 157-163.
Gross,T.L.et al (2005), Skin Diseases of the Dog and Cat: Clinical and Histopathologic Diagnosis,
Blackwell Science Ltd, 2°edição, 562.
Souza, H.J.M., et al (2010), Múltiplos cornos cutâneos em coxins palmares e plantares de um
gato persa. Ciência Rural, v. 40, n.3, Disponível em: www.scielo.br/pdf/cr/v40n3/a500cr2615.pdf.
Acesso em: 01fevereiro 2017
Hnilica, K. (2011), Small Animal Dermatology: a color atlas and therapeutic guide,
St.Louis,Missouri, Elsevier Saunders, 3°edição, 486-487.
Souza, T.M. (2005) Estudo retrospectivo de 761 tumores cutâneos em cães. Tese de
mestrado. Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria, Santa
Maria, 252 p.
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Uso da quimioterapia metronômica para o carcinoma de células escamosas cutâneo
felino
Use of metronomic chemotherapy for feline cutaneous squamous cell carcinoma
FILGUEIRA, K.D.1, BEZERRA, J.A.B.1, RODRIGUES, R.T.G.A.1, MEDEIROS, V. B.1,
FERNANDES, K.S.B.R.1, XIMENES, P.A.1
1Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) – Mossoró, RN
E-mail: [email protected]
Introdução
O carcinoma de células escamosas (CCE) tegumentar é uma neoplasia com gênese no epitélio
cutâneo, recebendo também as denominações de carcinoma espinocelular, carcinoma
escamocelular ou carcinoma epidermoide1. Corresponde à neoplasia cutânea maligna mais
comum em gatos, representando de 9 – 25% de todos os tumores cutâneos desses animais1. O
tratamento cirúrgico, com excisão completa e margens livres da lesão, parece conduzir a um
melhor prognóstico dentre as opções terapêuticas disponíveis2. Em situações com exibição de
lesões extensas, onde o tratamento cirúrgico torna-se impossibilitado, sugere-se a utilização de
quimioterapia parenteral, eletroquimioterapia, quimioterapia intralesional, radioterapia,
criocirurgia e/ou terapia fotodinâmica2,3. Porém existem situações que essas diversas opções de
tratamento tornam-se impossibilitadas, sejam por questões anatômicas (relacionadas à
localização, dimensões e prolongamento do CCE), técnicas, operacionais e/ou financeiras ou
ainda demonstração de resposta terapêutica insatisfatória, associada à ausência de regressão
tumoral e ocorrência de recidivas4. As falhas na obtenção de cura relacionadas às metodologias
descritas tem provocado o aumento no número de pesquisas em busca de alternativas
terapêuticas5. O câncer é uma doença crônica e por essa razão deve ser tratado como tal. A
partir dessa observação, protocolos contínuos utilizando baixas doses de agentes citotóxicos,
administrados a intervalos curtos e regulares passaram a ser utilizados como uma possibilidade
de terapia, recebendo a denominação de quimioterapia contínua em baixa dose ou quimioterapia
metronômica5.
Objetivo
O presente trabalho objetivou relatar o emprego de fármacos antineoplásicos, de modo
metronômico, para o controle terapêutico do CCE cutâneo em um exemplar da espécie felina.
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Metodologia
Um felino, fêmea, sem raça definida, 10 anos de idade, castrada, foi encaminhada para avaliação
médica veterinária devido à proliferação na face. Relatava-se o histórico pregresso de CCE
cutâneo, devidamente diagnosticado por histopatologia. Há três anos surgiu a lesão inicial
relacionada com o CCE, em região de espelho e plano nasal. Houve realização de terapia
criocirúrgica e remissão completa do processo neoplásico. Após esse período ocorreu
recorrência da neoplasia tegumentar (porém em área anatômica distinta). Submeteu-se a
paciente ao exame físico. Em seguida foram solicitados hemograma completo, bioquímica
sanguínea (renal e hepática), teste imunoenzimático para retroviroses, além de radiografias de
crânio e tórax. A topografia e extensão da neoformação não possibilitaram a execução de excisão
cirúrgica ou sessões de criocirurgia. Assim, optou-se por estabelecer quimioterapia intralesional,
com uso da carboplatina (1,5 mg do fármaco para cada cm3 da neoplasia). As aplicações eram
realizadas em intervalos de sete dias, totalizando quatro sessões. Para a realização de cada
procedimento, os animais eram devidamente submetidos a protocolos anestésicos. A
manipulação e administração do antineoplásico seguiram todas as normas de segurança
previamente reconhecidas. Ao final das quatro sessões, foi executada novamente avaliação
histopatológica da proliferação cutânea. Optou-se em submeter o animal à quimioterapia
metronômica (via oral), constituída por clorambucil (4 mg/m2, a cada 24 horas) e piroxicam (0,3
mg/kg, a cada 48 horas). Foram recomendados todos os métodos para o correto manuseio do
clorambucil. Realizou-se o seguimento mensal da paciente, composto por exame clínico,
hemograma e bioquímica sérica (renal e hepática). Transcorridos alguns meses necessitou-se
em proceder à eutanásia do animal, colhendo-se em seguida material cutâneo para análise
histopatológica.
Resultados
Clinicamente, ocorria normalidade dos parâmetros vitais. Contudo, havia a presença de um
nódulo cutâneo (1,9 x 1,9 x 0,6 cm), em região maxilar esquerda. O mesmo exibia consistência
firme, abrangência epidermodermal, forma lisa, base de inserção séssil, superfície
ulcerada/necrosada e adesão a planos profundos (Figura 1a). Não existiam neoformações
aparentes em outas zonas corpóreas. A hematologia, bioquímica sérica, pesquisa viral e os
exames de imagem não revelaram alterações. Com a finalização das infiltrações do
quimioterápico intralesional não ocorreu regressão macroscópica da lesão. A histopatologia
revelou a persistência de padrão morfológico característico de CCE. O felino demonstrou uma
adequada tolerância a próxima alternativa terapêutica (quimioterapia metronômica), não exibindo
efeitos adversos durante o seguimento clinico e laboratorial. Não houve a ocorrência de
18
regressão neoplásica, mas constatou-se estabilização nas dimensões da neoformação, com
inexistência de disseminação local. Percebeu-se manutenção de um adequado estado de
sanidade, com qualidade de vida e bem estar animal. Todavia, após quatro meses do inicio do
protocolo quimioterápico de modo metronômico, detectou-se necrose completa da neoplasia,
resultando em fragmentos pendulares de pele, friáveis, com crostas hemorrágicas e
comprometimento tecidual circunjacente (Figura 1b). Nesse momento a gata exibia-se caquética,
apática e com anorexia e vômitos. Em virtude do aspecto geral da paciente, justificou-se a
eutanásia (mediante solicitação e autorização da tutora). Na histopatologia cutânea, manteve-se
o diagnóstico de CCE.
Figura 1. a: apresentação macroscópica no momento da avaliação da
paciente, imediatamente antes do inicio da quimioterapia metronômica. b:
características da lesão após quatro meses do principio do protocolo
metronômico.
Discussão
A quimioterapia metronômica visa à redução dos efeitos colaterais causados em terapias
convencionais e a estabilização da velocidade de crescimento de tumores progressivos,
proporcionando o controle de neoplasias recidivantes, irresecáveis ou metastáticas5,6. Acredita-
se que esse tipo de tratamento atua em células endoteliais dos neovasos formados no tecido
neoplásico, inibindo a angiogênese tumoral6. Nesse sentido, para a paciente em questão,
legitimou-se o emprego da quimioterapia metronômica, em virtude da ausência de resposta
satisfatória das terapias pregressas. Embora não tenha ocorrido a deleção do tecido neoplásico,
tal modalidade terapêutica foi fundamental na estabilização temporária do CEE e no
prolongamento do período de sobrevida da fêmea felina descrita. O clorambucil, um agente
antineoplásico alquilante, tem revelado uma ação promissora nos protocolos de quimioterapia
19
metronômica6. O envolvimento da cicloxigenase 2 (COX-2) apresenta um importante papel na
oncogênese, tendo em vista que atua no desenvolvimento tumoral e angiogênese. Os anti-
inflamatórios não esteroidais (AINES), como o firocoxibe, piroxicam e outros, inibem as
cicloxigenases por alteração enzimática ou competição no sítio de atuação7. Nos felinos, o uso
isolado dos AINES não é satisfatório na terapia do CCE tegumentar, porém o emprego adjuvante
pode ser eficaz na tentativa de reduzir a progressão da neoplasia e aumentar o tempo de
sobrevida em animais que não obtiveram resposta favorável em tratamentos anteriores7. As
bibliografias supracitadas encorajaram a escolha do clorambucil e piroxicam, para uso de forma
metronômica, na gata em discussão, na tentativa de conferir qualidade de vida ao animal
(embora por um tempo limitado) e minimizar a evolução da doença oncológica, evidentemente
portadora de quimiorresistência adquirida.
Conclusão
A quimioterapia metronômica desponta como uma possibilidade de opção terapêutica para o
CCE cutâneo felino refratário a tratamentos anteriores.
Referências Bibliográficas
1. Daleck CR, De Nardi AB (2016). Oncologia em Cães e Gatos. Rio de Janeiro: Ed. Roca
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avançado por meio de quimioterapia intralesional e radioterapia. Clínica Veterinária, 18:
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Ciência Rural, 36: 1207-1033.
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carcinoma espinocelular em uma gata – relato de caso. Clínica Veterinária, 17: 64-70.
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oncologia de pequenos animais. Veterinária e Zootecnia, 17: 461-468.
20
Achados clínicos e histopatológicos relacionados à neoplasia laringeana em paciente
felino geriátrico
Clinical and histopathological findings related to laryngeal neoplasia in a feline geriatric
patient
FILGUEIRA, K.D.1, BEZERRA, J.A.B.1, RODRIGUES, R.T.G.A.1, FERREIRA, M.B.1, XIMENES,
P.A.1
1Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) – Mossoró, RN
E-mail: [email protected]
Introdução
Atualmente, na clínica de felinos, tem-se verificado um aumento da longevidade dos pacientes,
podendo este fato ser explicado por melhorias na qualidade de vida dos gatos1. Assim, o
acompanhamento do paciente geriátrico felino (o qual se enquadra na faixa etária acima de
quinze anos) deveria ser um ato de medicina preventiva para manter um correto estado de saúde,
com tratamento preventivo de enfermidades ou a obtenção de diagnósticos precoces2.
Inevitavelmente, o aumento da expectativa de vida está associado ao aparecimento de doenças
crônicas, como os processos neoplásicos2. Dentre esses, os mais comuns na espécie felina,
equivalem aqueles com origem cutânea, hematopoiética gastrintestinal e mamária3. Em outras
regiões, como a laringe, a evidência de neoplasias é rara4. Porém quando ocorrem,
habitualmente são de caráter maligno, tendo o linfoma, adenocarcinoma e carcinoma de células
escamosas como os tipos histológicos mais usuais5. Os sinais clínicos são insidiosos e por vezes
mimetizam distúrbios de outras naturezas que também acometem o trato respiratório superior
felino4. Em geral, os gatos com tumores laringeanos, ao chegarem ao atendimento clínico ou
quando são diagnosticados, estão em estágio avançado da neoplasia, tendo um prognóstico
desfavorável4.
Objetivo
Em virtude de corresponder a uma patologia relativamente insólita na espécie felina e que
acarreta a sinais clínicos que dificultam uma detecção precisa e prematura, o presente trabalho
objetivou relatar um caso de neoplasia em laringe, com ênfase a sintomatologia e os aspectos
histopatológicos, no sentido de alertar aos profissionais que militam na área de medicina interna
felina para a possibilidade da ocorrência de tal formação neoplásica.
21
Metodologia
Um felino, fêmea, sem raça definida, 17 anos de idade, castrada, foi encaminhada para avaliação
médica veterinária devido a alterações respiratórias. Relatava-se tempo de evolução de uma
semana. Ocorreu tratamento pregresso, com corticoide, mas sem resultados satisfatórios.
Submeteu-se a paciente ao exame físico. Em seguida foram solicitados hemograma completo,
bioquímica sanguínea (renal e hepática), teste imunoenzimático para retroviroses, além de
radiografias cranianas, cervicais e torácicas. Necessitou-se executar uma minuciosa inspeção
da laringe, adotando-se a técnica de laringoscopia, com adequada contenção química do animal.
Após o procedimento, efetuou-se eutanásia na paciente. Logo após, foram obtidas amostras da
região laringeana, sendo as mesmas fixadas em solução de formol a 10% e enviadas para
análise histopatológica.
Resultados
Clinicamente, ocorria normalidade dos parâmetros vitais. Contudo, havia a presença notória de
tosse, disfonia, disfagia, dispneia inspiratória e estridores respiratórios. A inspeção das narinas
e cavidade oral não detectou alterações, assim como a auscultação pulmonar (onde inexistiam
ruídos respiratórios patológicos). A hematologia, bioquímica sérica, pesquisa viral e os exames
de imagem não revelaram anormalidades. Na observação da laringe, constatou-se um nódulo
ocasionando obliteração, quase que completamente, do lúmen da região (Figura 1). A
consistência era macia, forma irregular e superfície íntegra. O mesmo apresentava-se com
aderência a estruturas adjacentes. Em virtude de tal fato, justificou-se a eutanásia do animal,
mediante a prévia informação da situação ao tutor (e com a devida autorização do mesmo). Vale
salientar que não se encontraram proliferações aparentes em outras áreas anatômicas
averiguadas na avaliação física. Na histopatologia do tecido laringeano observou-se proliferação
neoplásica cujas células revelavam-se poliédricas e morfologicamente semelhantes àquelas da
camada espinhosa da epiderme. A propagação era de maneira irregular e desorganizada
formando trabéculas e blocos celulares compactos interligados por entre fibras de colágeno.
Observava-se disqueratose multifocal e formação de pérolas córneas pelas células neoplásicas.
As mesmas exibiam anisocariose, anisocitose, atipia nuclear intensa e nucléolos evidentes. O
quadro morfológico foi compatível com carcinoma de células escamosas, moderadamente
diferenciado.
22
Figura 1: Neoformação obliterando
praticamente por completo o lúmen
laringeano (seta), em gata doméstica.
Discussão
As neoplasias laringeanas primárias em gatos são infrequentes e parece haver uma maior
tendência para apresentação em indivíduos do sexo masculino, com idade entre 12 a 14 anos5,6.
Os dados epidemiológicos relacionados ao gênero e idade do animal em questão divergiram da
literatura consultada. Os sinais clínicos demonstrados em geral correspondem à severa e
persistente dispneia (porém por vezes aguda), intolerância progressiva ao exercício, disfonia,
estridores respiratórios, disfagia, tosse, halitose, hemoptise, hemorragia oral e/ou ptialismo4. A
manifestação clínica exibida pela gata em discussão revelou similaridade parcial com o relato de
outros autores. Talvez a não detecção de toda a sintomatologia usualmente envolvida com a
neoplasia de laringe, no individuo descrito, poderia ser relacionada com um provável tempo de
evolução agudo da lesão. No tecido laringeano de gatos, as massas neoplásicas são incomuns,
mas quando surguem, o linfoma é o padrão microscópico mais verificado (33,3%), seguido do
carcinoma de células escamosas (29,6%), sendo ainda registradas outras formas histológicas6.
Tal citação conferiu um caráter insólito para a neoplasia de laringe, e respectivo tipo
histopatológico, para a paciente em evidência. O carcinoma de células escamosas na laringe
dos gatos caracteriza-se por uma constrição anular do lúmen, com dimensões que variam de 2
mm a 1 cm e rápida invasão para os tecidos profundos5. Em geral são inoperáveis7. Tal
apresentação foi compatível com o caso relatado, tanto em relação aos aspectos macroscópicos
quanto para a impossibilidade de terapia convencional. A laringoscopia é um procedimento viável
para o diagnóstico das afecções do trato respiratório anterior, permitindo a visualização de
maneira minimamente invasiva de proliferações na região da laringe e adjacências7. Contudo, o
diagnóstico definitivo deverá ser feito pela histopatologia e não apenas pela aparência
macroscópica da lesão7. Torna-se necessário distinguir com moléstias traumáticas, inflamatórias
23
(asma) ou infecciosas (relacionadas ao herpervírus tipo 1 ou bactérias), abscessos, hiperplasia
linfoide, paralisia de laringe, cistos, pólipos e neoplasias benignas (adenoma), uma vez que tais
processos apresentam sinais clínicos similares com as doenças neoplásicas malignas da
laringe3,4,5,6. Na fêmea felina em questão, a laringoscopia permitiu uma triagem diagnóstica, mas
a histopatologia foi essencial para o diagnóstico definitivo do carcinoma de células escamosas
em laringe e a exclusão das outras possibilidades diagnósticas. O prognóstico de gatos com
neoplasia laríngea é ruim, com tempo de vida de apenas cinco dias após a detecção6. Embora
alguns indivíduos possam apresentar um intervalo de sobrevida mais longo, acabam sendo
encaminhados para eutanásia em decorrência de complicaçoes da oncopatia6. Essas
informações corroboraram com a gata analisada. Em seres humanos, a origem do carcinoma de
células escamosas laríngeo relaciona-se com o tabagismo e o consumo de bebidas alcólicas8.
Entranto em gatos são necessárias pesquisas adicionais para demonstrar os fatores de risco
associados à carcinogênese em laringe6. Para o animal explicito não foi possível determinar a
causa que conduziu ao surguimento da neoplasia primária de laringe.
Conclusão
Em felinos geriátricos, com sintomatologia variada e relacionada ao trato respiratório superior,
deve-se considerar a presença de neoplasias em laringe, sendo o exame histopatológico
fundamental para a obtenção do diagnóstico definitivo.
Referências Bibliográficas
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doméstico: relato de um caso. Ciência Animal, 16: 95-99.
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Elsevier Ltda., 750p.
24
ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS EM GATOS INFECTADOS COM O VÍRUS DA
LEUCEMIA VIRAL FELINA
HEMATOLOGICAL ABNORMALITIES IN CATS INFECTED WITH THE FELINE VIRAL
LEUKEMIA VIRUS
MAFFEZZOLLI, G.¹, MONTANO, P.Y.², SILVA, B.R.³, LOCATELLI-DITTRICH, R.4
1 – Residente do Programa Multiprofissional de Residência em Medicina Veterinária –
Universidade Federal do Paraná (UFPR) – [email protected]
2 – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias - UFPR
3 – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias - UFPR
4 – Professora do Programa de Pós-Graduação de Medicina Veterinária –- UFPR
RESUMO
A leucemia viral felina (FeLV) tem distribuição mundial e pode causar diferentes tipos de
alterações no organismo, sejam elas neoplásicas (linfoma, fibrossarcoma e doença
mieloproliferativa) ou não neoplásicas (anemia e imunossupressão). A transmissão da FeLV
ocorre principalmente pela saliva contaminada. Na cidade de Curitiba, PR, foram coletadas
amostras de sangue de 143 gatos domésticos para realização de hemograma, exames
sorológicos e moleculares para detecção de hemoparasitas e retrovírus. Foram positivos para
pelo menos um hemoparasita 31 gatos, representando 21,7%. O vírus da FeLV foi encontrado
em 41 animais. Entre os gatos positivos sem coinfecção, 55,5% tinham anemia. As alterações
mais prevalentes em gatos com o vírus da FeLV foram anemia, anisocitose, neutrofilia e
linfopenia e o Candidatus Mycoplasma haemominutum foi o hemoparasita mais encontrado.
Palavras-chave: FeLV; hemograma; anemia; hemoparasitas; gato.
ABSTRACT
Feline viral leukemia (FeLV) has a worldwide distribution and can cause different types of
abnormalities in the body, whether they are neoplastic (lymphoma, fibrosarcoma and
myeloproliferative disease) or non-neoplastic (anemia and immunosuppression). The
transmission of FeLV occurs mainly by contaminated saliva. In the city of Curitiba, PR, blood
samples were collected from 143 domestic cats for blood counts, serological and molecular tests
25
for hemoparasites and retroviruses. At least one hemoparasite was positive for 31 cats,
representing 21.7%. FeLV virus was found in 41 animals. Among the positive cats without
coinfection, 55.5% had anemia. The most prevalent changes in cats with the FeLV virus were
anemia, anisocytosis, neutrophilia and lymphopenia, and Candidatus Mycoplasma
haemominutum was the most commonly found hemoparasite.
Keywords: FeLV; CBC; anemia; haemoparasites; cat.
INTRODUÇÃO
A leucemia viral felina (FeLV) é causada por um retrovírus que induz alta taxa de
mortalidade em gatos domésticos (SYKES & HARTMANN, 2014). É transmitida de forma
horizontal principalmente pela saliva e, de forma vertical, in utero ou no momento em que a mãe
lambe seu filhote (HARTMANN, 2006).
A doença pode manifestar-se de diversas formas, sendo algumas de caráter neoplásico
(linfoma, fibrossarcoma e doença mieloproliferativa) e outras não neoplásicas, como anemia e
doenças relacionadas ao sistema imune (MURPHY, 2009).
Gatos infectados pelo vírus da FeLV apresentam várias alterações inespecíficas nos
exames laboratoriais (LAPPIN, 2010). Usualmente, os animais doentes apresentam hemácias
nucleadas observadas no esfregaço sanguíneo, mesmo em casos em que a anemia é
classificada como não regenerativa pela contagem de reticulócitos (SOUZA & TEIXEIRA, 2003).
Esse tipo de anemia pode ser encontrada de forma isolada ou com linfopenia, neutropenia e
trombocitopenia (LAPPIN, 2010).
OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho foi avaliar a prevalência do vírus da FeLV e de hemoparasitas em
gatos domésticos da cidade de Curitiba e região metropolitana, e concomitantemente
estabelecer as principais alterações hematológicas causadas por este vírus.
METODOLOGIA
Entre outubro de 2012 e novembro de 2013, na cidade de Curitiba, Paraná, foram
coletadas amostras de sangue de 143 gatos domésticos de abrigos e da rotina clínica de
26
atendimentos particulares. O protocolo de número 047/2012 referente a este estudo foi aprovado
pela Comissão de Ética no Uso de Animais do Setor de Ciências Agrárias, em Curitiba, Paraná,
Brasil.
Após exame clínico, foram coletados 3mL de sangue e acondicionados em tubos com e
sem anticoagulante (EDTA). O hemograma foi realizado no Laboratório de Patologia Clínica
Veterinária da Universidade Federal do Paraná utilizando o contador hematológico Mindray®,
modelo BC 2800 VET; o hematócrito foi realizado pela centrifugação de capilar de
microhematócrito e a proteína plasmática total por refratometria. No esfregaço sanguíneo corado
(corante do tipo Romanowsky) foi realizada a contagem diferencial de leucócitos em microscopia
óptica.
Uma alíquota do plasma foi encaminhada sob refrigeração para o laboratório da IDEXX
Laboratories, Inc., em Sacramento/CA, Estados Unidos, para realização dos exames sorológicos
e moleculares. O PCR em tempo real foi realizado para verificar a existência de infecção por
hemoparasitas (Anaplasma spp., Bartonella spp., Cytauxzoon felis, Ehrlichia spp., Mycoplasmas
hemotrópicos felinos (Mycoplasma haemofelis, Candidatus Mycoplasma haemominutum e
Candidatus Mycoplasma turicensis) e por retrovírus (FIV e FeLV). O teste sorológico de ELISA
(Enzyme-Linked Immunoabsorbent Assay) foi realizado para detecção de anticorpos contra FIV
e antígenos da FeLV.
Gatos com hematócrito menor ou igual a 24% foram considerados anêmicos e, para
classificar o tipo de anemia, foi realizada a contagem de reticulócitos. Para isso, volumes iguais
de sangue e de corante azul de cresil brilhante foram incubados por 15 minutos em banho maria
a 37ºC, seguido da confecção de esfregaço sanguíneo. A anemia foi classificada como
regenerativa quando a contagem de reticulócitos era superior a 60.000 células/µL.
RESULTADOS
Dos 143 animais, 41 (28,7%) foram positivos para o vírus da FeLV, sendo que, destes,
quatro (9,7%) estavam coinfectados com o vírus da FIV e 11 (26,8%) apresentaram coinfecção
por pelo menos um hemoparasita e 27 (65,8%) não apresentaram nenhuma coinfecção. Os
hemoparasitas foram encontrados em 31 gatos (21,7%), sendo eles: Candidatus Mycoplasma
haemominutum (20 - 14%), Candidatus Mycoplasma turicensis (oito – 5,6%), Mycoplasma
haemofelis (sete – 4,9%), Bartonella spp. (três – 2,1%) e Ehrlichia spp. (dois – 1,4%).
Os animais foram divididos em três grupos: grupo 1 sendo os gatos positivos somente para
FeLV (27), grupo 2 sendo os gatos com algum hemoparasita e/ou coinfecção (15) e o grupo 3
sendo os animais negativos para todos os testes (101). Anemia foi observada em 37 dos 143
27
animais, sendo 23 destes gatos anêmicos positivos para FeLV (56% entre os positivos para o
vírus). Do grupo 1, 15 gatos (55,5%) foram considerados anêmicos pelo hematócrito, sendo que
seis (40%) apresentaram anemia do tipo regenerativa e nove (60%) tiveram a anemia
classificada como arregenerativa. Do grupo 2, oito (53,3%) estavam anêmicos. Destes, somente
foi possível a realização da contagem de reticulócitos em quatro lâminas, sendo estas
classificadas como anemia não regenerativa. O grupo 3 apresentou 14 animais anêmicos
(13,8%), sendo dois com classificação de anemia regenerativas (14,3%) e 12 (85,7%) como
arregenerativas.
Na leitura do esfregaço sanguíneo dos animais do grupo 1, foram encontradas as seguintes
alterações: anisocitose (42,3%), neutrófilos tóxicos (30,7%), Corpúsculo de Howell-Jolly
(26,9,%), policromatófilos (15,4%), rubrócitos e/ou metarrubrócitos (19,2%), hipocromia (7,7%) e
células blásticas (3,8%). Na série branca, as alterações foram: neutrofilia (37%), linfopenia
(37%), leucocitose (33,3%), desvio nuclear dos neutrófilos à esquerda (29,6%), neutropenia
(16,2%), monocitose (16,2%), leucopenia (11,1%), e linfocitose (3,7%).
Os animais do grupo 2 tiveram as seguintes alterações laboratoriais: anisocitose (40%),
rubrócitos e/ou metarrubrócitos (26,6%), neutrófilos tóxicos (26,6%), policromatófilos (13,3%),
corpúsculos de Howell-Jolly (6,6%) e hipocromia (6,6%). Na série branca: neutrofilia (16,6%),
neutropenia (20%), linfopenia (20%), leucopenia (20%), leucocitose (20%), desvio nuclear dos
neutrófilos à esquerda (13,3%) e monocitose (6,6%).
O grupo 3 apresentou: anisocitose (24,7%), neutrófilos tóxicos (8,9%), policromatófilos
(4,9%), hipocromia (3,9%), metarrubrócitos e/ou rubrócitos (2,9%) e corpúsculos de Howell-Jolly
(2,9%). As alterações leucocitárias foram: linfopenia (25,7%), neutrofilia (15,8%), leucocitose
(15,8%), leucopenia (9,9%), desvio nuclear dos neutrófilos à esquerda (7,9%), linfocitose (6,9%),
neutropenia (6,9%) e monocitose (2,9%).
DISCUSSÃO
A frequência do vírus da leucemia felina no Brasil e no mundo varia muito de acordo com
cada região. A prevalência da FeLV encontrada em Curitiba foi de 28,8%. Em estudos realizados
no Rio de Janeiro (MACIEIRA et al., 2008), no Distrito Federal (AQUINO, 2012), e em Belo
Horizonte (COELHO et al., 2011), as prevalências encontradas foram, respectivamente, 26,1%,
19,85% e 47,5%. As diferenças encontradas entre regiões podem ser consequência de diversos
fatores, como as diferenças de densidade populacional na qual os gatos estudados vivem, sexo
e diferença de idade entre os grupos (SPADA, 2012). As variações encontradas também podem
28
ser consequência da heterogeneidade dos grupos de animais estudados (domésticos ou de rua),
influenciando na probabilidade de infecção, e nas diferentes técnicas de diagnóstico empregadas
(FIGUEIREDO & JUNIOR, 2011).
De acordo com WARDINI (2009), a anemia é a sequela mais comum encontrada na
infecção pelo vírus da FeLV, sendo causada principalmente por hemólise, displasia medular ou
aplasia eritróide. Neste trabalho, 56% dos gatos infectados foram considerados anêmicos. Esta
porcentagem de gatos anêmicos foi maior do que a encontrada no Distrito Federal (AQUINO,
2012) e na Alemanha (GLEICH & HARTMANN, 2009) e menor que a encontrada no Rio de
Janeiro (WARDINI, 2009) e na Itália (SPADA, 2012). Segundo HARTMANN (2011), a maioria
das anemias associadas à Leucemia Viral Felina é do tipo arregenerativa. Neste trabalho, 60%
dos gatos anêmicos infectados tiveram anemia classificada como arregenerativa. No Rio de
Janeiro, WARDINI (2009) encontrou anemia arregenerativa em 30% dos gatos infectados.
Segundo GLEICH & HARTMANN (2009), a linfopenia é uma anormalidade hematológica
frequentemente observada em gatos infectados por retrovírus. Esta alteração foi encontrada em
37% dos gatos do grupo 1 e em 20% dos animais do grupo 2. No Rio de Janeiro, WARDINI
(2009) observou linfopenia em 61,1% dos gatos com FeLV, enquanto que no Distrito Federal,
essa alteração esteve presente em 24,4% dos animais positivos (AQUINO, 2012).
CONCLUSÃO
De acordo com os resultados obtidos, as retroviroses e hemoparasitoses analisadas são
doenças de prevalência considerável entre os gatos domésticos na cidade de Curitiba e região
metropolitana, sendo necessário atentar para os sinais clínicos, histórico e exames laboratoriais
para o correto diagnóstico e controle destas enfermidades. As alterações hematológicas mais
relevantes observadas em gatos com FeLV foram anemia arregenerativa, anisocitose, neutrofilia
e linfopenia.
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30
Curso de Pós-graduação em Microbiologia Veterinária, Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro.
31
TRATAMENTO DE PÊNFIGO FOLIÁCEO E DIABETES MELITO SECUNDÁRIA EM UM
GATO: RELATO DE CASO
TREATMENT OF PENPHIGUS FOLIACEUS AND SECONDARY DIABETES MELLITUS IN A
CAT: CASE REPORT
MONTANO, P.Y.1, ZIMMERMANN, I.B.2, FERREIRA, R.F.², ELER, R.M.P.²
¹ Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) [email protected]
² Graduanda em Medicina Veterinária. Universidade Federal do Paraná (UFPR)
RESUMO
O pênfigo foliáceo (PF) é uma dermatopatia imunomediada vesículo-bolhosa considerada de
ocorrência rara na espécie felina. A patogênese da doença é caracterizada pela produção de
anticorpos contra os desmossomos, que são as estruturas responsáveis pela manutenção da
adesão intercelular. As lesões possuem prurido variável, sendo caracterizadas como pústulas,
que resultam em formação de crosta excessiva, alopecia, placas, colarinho epidérmico e
erosões. A principal forma de tratamento é por meio do uso de doses imunossupressivas de
glicocorticóides. A diabetes melito é caracterizada por quadro de hiperglicemia, poliúria,
polidipsia e polifagia, e pode ocorrer secundariamente ao tratamento com glicocorticoides. O
presente relato tem como objetivo descrever o relato de um felino diagnosticado com pênfigo
foliáceo, que desenvolveu diabetes melito ao decorrer do tratamento com glicocorticóides. O
sucesso do tratamento foi variável ao longo dos meses, havendo melhoria representativa das
feridas e remissão do quadro de diabetes melito, com o tratamento com prednisolona e controle
da diabetes melito com insulinoterapia e ração terapêutica própria para gatos diabéticos. O
presente estudo ressalta a dificuldade da conciliação da corticoterapia para tratamento do PF e
controle da diabetes iatrogênica.
Palavras-chave: felino; glicocorticóide; dermatopatia imunomediada, diabetes secundária
ABSTRACT
Pemphigus foliaceus (PF) is an immune-mediated vesicular-bullous dermatopathy with rare
occurrence in feline species. The pathogenesis of the disease is characterized by the production
32
of antibodies against the dismantled, which are like structures maintaining intercellular adhesion.
The lesions have variable pruritus, characterized as pustules, resulting in excessive formation,
alopecia, plaques, epidermal collar and erosions. The main form of treatment is through the use
of immunosuppressive doses of glucocorticoids. Diabetes mellitus is characterized by
hyperglycemia, polyuria, polydipsia and polyphagia, and may occur secondary to glucocorticoid
treatments. The present report aims to describe the report of a feline diagnosed with pemphigus
foliaceus, who developed diabetes mellitus for the treatment of glucocorticoid treatment. The
success of the treatment has been variable over the months, with a representative improvement
of the wounds and remission of the diabetes mellitus, with treatment with prednisolone and control
of diabetes mellitus with insulin therapy and therapeutic food for diabetic cats. The present study
highlights the difficulty of the conciliation of corticotherapy for the treatment of PF and the control
of iatrogenic diabetes.
Keywords: feline; Glucocorticoid; Immune-mediated dermatopathy, secondary diabetes
INTRODUÇÃO
O pênfigo foliáceo (PF) é a dermatopatia imunomediada mais comum na espécie felina,
mas ainda é considerada de ocorrência rara (GROSS et al., 2009). O PF é uma doença
autoimune que resulta na formação de auto-anticorpos contra moléculas de adesão nos
ceratinócitos, que resulta na perda da coesão da epiderme. As lesões de pele primárias
associadas ao pênfigo são pústulas, que resultam em uma formação de crosta excessiva. Outras
lesões de pele incluem alopecia, placas, colarinho epidérmico e erosões. As lesões têm prurido
variável, e podem aumentar e diminuir intermitentemente. Os locais mais comuns para lesões de
PF incluem a região periocular, nariz, ouvidos, focinho e coxins plantares. Locais incomuns de
lesões de PF são boca, unhas, patas e mamas. Sinais sistêmicos associados ao PF incluem
linfoadenopatia, febre, anorexia e depressão (REES, 2010).
A diabetes melito é caracterizada por quadro de hiperglicemia, poliúria, polidipsia e
polifagia (NELSON & COUTO, 2015). A diabetes tipo I é a forma observada em pouco mais de
50% dos gatos diabéticos. A diferenciação entre os tipos I e II pode ser difícil, sendo baseada na
gravidade dos sinais clínicos, anormalidades bioquímicas e resposta ao tratamento (SHAW &
IHLE, 1999). A diabetes melito secundária também pode ocorrer em felinos, tendo a etiologia
relacionada ao tratamento prolongado com glicocorticóides (NICHOLS, 1992).
33
DESCRIÇÃO DO CASO
Uma gata, da raça Persa Chinchila, 3 anos de idade e 2,32 kg de peso corporal, foi
atendida com queixa de prurido intenso, perda de peso, apatia e eventuais episódios de febre.
Ao exame clínico foram observadas lesões crostosas circulares e algumas lesões purulentas em
abdômen, dorso e cabeça. A paciente já havia sido previamente diagnosticada 4 meses antes
com pênfigo foliáceo, por meio de biópsia de pele, cuja avaliação histopatológica apresentou
acantólise e desprendimento da camada córnea. Já havia sido instituído tratamento com
prednisolona e clorambucil por outro veterinário, havendo melhora moderada, porém tentou-se
passar para uso de metilprednisolona para facilitar o tratamento e a paciente voltou a piorar. Com
um segundo médico veterinário, foi instituída terapia única com prednisolona 2 mg/kg VO BID,
não havendo melhora clínica do paciente e surgimento de novas lesões. Sendo assim, a dose
foi aumentada até chegar a 4 mg/kg BID, e só então foi possível obter melhora no quadro do PF.
Após um mês, houve reconsulta, com queixa de poliúria, polidipsia, polifagia e prurido, sendo
realizado o diagnóstico de diabetes pela análise da glicemia, frutosamina e urinálise. O
tratamento para a diabetes foi instituído com alteração da dieta para ração específica, e
administração de insulina glargina 100 UI/mL. O tratamento para pênfigo foi mantido com
prednisolona 4 mg/kg SID, com eficácia no controle de ambas doenças.
DISCUSSÃO
As lesões de PF incluem presença de crostas, descamação, alopecia e erosões nos locais
acometidos, com lesões geralmente simétricas, bilaterais e com prurido variável (PETERSON &
MCKAY, 2010). Os locais mais comuns para estas lesões incluem região periocular, nariz,
ouvidos, focinho e coxins plantares (REES, 2010). Tais achados são compatíveis com as lesões
encontradas no paciente deste estudo.
A principal forma de tratamento do pênfigo foleáceo é por meio do uso de doses
imunossupressivas de corticoesteroides, sendo os medicamentos mais comuns no tratamento
de PF felino a prednisolona, triancinolona e dexametasona (REES, 2010). O uso de doses
imunossupressivas de ciclosporina e clorambucil também é relatado na literatura (REES, 2010;
IRWIN et al., 2012), no entanto, tais drogas não apresentaram eficácia na paciente do presente
relato. A prednisolona foi demonstrada eficaz como terapia única para PF felino, sendo a dose
de 2 mg/kg SID descrita como eficaz, mas há tratamentos em que a dose utilizada pode chegar
a 8 mg/kg SID (SIMPSON & BURTON, 2013). A paciente não obteve melhora clínica em dose
34
mais baixas, sendo necessário aumento da dose para remissão da doença e sendo o controle
do PF atualmente mantido com prednisolona 4 mg/kg SID. A biodisponibilidade da prednisolona
via oral é de 100%, enquanto a metilprednisolona é de 93% em gatos, sendo que a última
permanece mais tempo no organismo (LOWE et al., 2008, SPINOSA et al., 2002).
Os gatos possuem menos receptores celulares para glicocorticóides em fígado e pele,
com afinidade destes receptores menor do que em cães, sendo necessário o uso de doses mais
altas em felinos (BROEK & STAFFORD, 1992; FELDMAN & NELSON, 2004; LOWE et al., 2008).
Como nesta paciente foi necessário o uso de altas doses desta droga, infelizmente foi possível
observar a ocorrência de diabetes melito secundária a qual exigirá tratamento com
insulinoterapia enquanto for necessário o uso da predinosolona para o PF (RAND, 1999; LOWE
et al., 2008; NICHOLS, 1992).
O prognóstico dos gatos com pênfigo foliáceo depende da precocidade no diagnóstico,
resposta inicial à terapia e tolerância à terapia de manutenção. Os pacientes necessitam de
tratamentos de longa duração ou por toda a vida do paciente (PETERSON & MCKAY, 2010). A
conciliação do tratamento com imunossupresores e o controle da diabetes pode ser uma
dificuldade enfrentada na adequação do tratamento, tal como foi constatado no relato, sobretudo
pela falta de resposta do paciente a demais terapias e necessidade de elevadas doses.
CONCLUSÃO
O presente estudo ressalta a dificuldade da conciliação da corticoterapia para tratamento
do PF e controle da diabetes iatrogênica. A prednisolona associada a insulinoterapia e ração
terapêutica própria para gatos diabéticos pode ser usada para tratamento de gato com PF e
diabetes melito.
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36
Síndrome da Displasia fiseal capital felina – relato de três casos
Feline physeal capital dysplasia syndrome – case report
Gois, VM¹ ²; Bagetti Filho, HJS¹; Carneiro, ALF².
¹ CHC Imagem Serviços Veterinários – Rua dos Jacarandás da Península, 300 – Rio de
Janeiro
² SUIPA – Sociedade União Internacional de Proteção Animal – Av Dom Helder Câmara, 1801
– Rio de Janeiro
Introdução
A síndrome da displasia fiseal capital felina, também conhecida como displasia fiseal felina,
osteopatia metafiseal dos colos femorais, é uma afecção uni ou bilateral que culmina com o
deslocamento da epífise da cabeça femoral da metáfise proximal sobre a placa de crescimento
envolvida, geralmente sem histórico prévio de trauma (McNicholas et al, 2002; Queen et al.,
1998; Borak et al., 2017, Craig 2001; Burke 2003; Schwartz 2013; Grayton, Allen & Biller. 2014).
As fraturas fiseais proximais de fêmur podem ser de origem traumática ou atraumática. As fratura
de colo femorais são relativamente frequentes em gatos e sugere-se, geralmente, serem
secundárias à trauma, apesar de raramente ser presenciado (Queen et al., 1998), e deve ser
diferenciada da displasia coxofemoral que, apesar de ser relativamente comum em felinos
domésticos, não é tão bem reconhecida, com grande variação entre os estudos (Perry, 2016;
Clarke et al., 2005; Keller et al., 1999; Langenbach et al., 1998; Peiffer, Young & Blevins, 1974).
O diagnóstico presuntivo é geralmente realizado através de exame radiográfico, associado ao
histórico e exame clínico (Borak et al, 2017; Rahal et al, 2016), e confirmado através de exame
histopatológico (Borak et al., 2017; Newton & Craig, 2006; Craig, 2001).
As características radiográficas desse tipo de fratura são incongruência da fise capital, com
vários graus de reabsorção de colo femoral (necrose e osteólise). Com o progresso da doença
pode haver deslocamento do colo e separação da fise, além de remodelamento metafisário e
esclerose de metáfise e epífise proximais (Forrest, O’Brien & Manley, 1999; McNicholas et al.,
2002; Craig, 2001).
Ao exame histopatológico nota-se alargamento da cartilagem fisária e irregularidade dos
condrócitos com abundante matriz extracelular adjacente à fise (Craig, 2001).
Relato dos casos
Um felino macho, sem raça definida, com cerca de 2 anos de idade, castrado aos 7 meses, deu
entrada no atendimento ortopédico de uma clínica veterinária particular do rio de janeiro, com
37
queixa de claudicação de membro pélvico esquerdo há 3 semanas. Já tinha sido atendido em
outro local, com prescrição de um anti-inflamatório não-esteroidal, sem melhora. Paciente
apresentando hiporexia, perda de peso, prostração, sem outras alterações clínicas em demais
sistemas. Ao exame clínico-ortopédico, notou-se instabilidade articular, com crepitação óssea e
intenso processo álgico do paciente à manipulação junto à articulação coxofemoral esquerda.
Foi solicitada radiografia de pelve, na projeção ventrodorsal, onde visualizou-se fratura fisária
com deslizamento do colo em relação à cabeça femoral (fig 1). Os responsáveis optaram pelo
tratamento conservador, monitorando o grau de dor, e procedendo à cirurgia caso o quadro
clínico piorasse. Foi então prescrito novo anti-inflamatório e repouso, sendo recomendado
retorno para revisão em 7 dias.
No dia da revisão ortopédica, houve piora no quadro do paciente, com redução do apetite e do
nível de atividade. À palpação houve exacerbação do processo álgico, com indicação de
tratamento cirúrgico através de excisão cirúrgica de cabeça e colo femorais.
Outros dois casos semelhantes foram atendidos em centro de diagnóstico, com 1 e 2 anos de
idade, ambos sem acesso à rua, sendo o primeiro com dificuldade de subir e descer escadas,
dor em exame clínico das articulações coxofemorais, sem histórico de trauma; e o segundo com
claudicação sem apoio, de início agudo e também sem histórico de trauma (Figura 2).
Figura 1 incidência ventrodorsal flexionada. Fratura em fise capitular de fêmur esquerdo (seta).
Observar presença de vértebra transicional (processo transverso direito de L7 articulando-se à
asa do ílio mimetizando a asa do sacro - sacralização de L7)
Discussão
As fraturas fisárias capitais tendem à cronicidade e sem histórico claro de trauma, podendo ser
uni ou bilateral, com compromentimento concomitante ou tardio do membro contralateral ao
afetado. O diagnóstico diferencial para fraturas traumáticas se dá, principalmente, através do
histórico e anamnese, onde é relatado acidente automobilístico, queda ou outros tipos de
traumas, e geralmente cursando com claudicação aguda e unilateral. (Schwartz, 2013; Lafuente
P., 2011)
38
O deslizamento das fises proximais é causado em parte pela displasia fiseal, geralmente
associada com a castração precoce, especialmente em gatos machos (a maioria dos animais
afetados foram castrados antes do fechamento completo das fises) (Queen et al., 1998,
McNicholas et al. 2002). A gonadectomia precoce é um fator de risco associado à displasia fiseal
devido à interação dos esteroides testiculares com o fechamento das placas de crescimento
(Schwartz, 2013; Borak et al., 2017; Root et al. 1997). Porém nem todos os quadros podem ser
relacionados à castração precoce, haja visto a publicação de relatos de displasia fisária em gatos
machos e fêmeas inteiros, além do sobrepeso. (Craig 2001; Burke 2003, Forrest, O’Brien &
Manley, 1999).
Figura 1 Radiografia demonstrando fratura de fises capitais já com área de reabsorção óssea de
colos femorais
Conclusão
A síndrome da displasia fiseal capital felina deve ser considerada um dos principais diagnósticos
diferenciais em animais jovens (até cerca de dois a dois anos e meio) com claudicação de
membros pélvicos uni ou bilateral, ainda que sem histórico de trauma; principalmente se tratando
de felinos, machos, orquiectomizados precocemente, com sobrepeso e redução da atividade.
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