ana paula de barcellos - violência urbana, condições prisões e dignidade

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    VIOLNCIA URBANA, CONDIES DAS PRISES E DIGNIDADE HUMANA1

    URBAN VIOLENCE, PRISON CONDITIONS AND HUMAN DIGNITY

    Ana Paula de Barcellos2

    ResumoEste trabalho pretende examinar como a qual a sociedade brasileira lida com suapopulao carcerria e discutir algumas explicaes para essa situao. Em primeirolugar, o artigo apresenta dados que descrevem um cenrio de gravssimas,generalizadas, duradouras e institucionalizadas violaes aos direitos fundamentais maiselementares dos presos. Na sequncia so examinadas algumas explicaes de que sepoderia cogitar para o fenmeno e se procura demonstrar que elas no so reais e nodo conta do problema. O trabalho sugere uma hiptese explicativa para o problemarelacionada com a fragilidade na formao moral e social da sociedade brasileira que

    no teria incorporado a noo de dignidade como um atributo inerente ao ser humano,mas como um atributo que pode ou no lhe ser reconhecido dependendo do que oindivduo faz ou deixa de fazer. Nesse contexto cultural, a sociedade brasileira noreconheceria os presos como seres humanos titulares de dignidade e de direitos: adiscusso sobre a melhoria de suas condies se travaria no campo da benevolncia. Porfim, e tendo em conta a hiptese explicativa sugerida, o artigo sugere que a investigaosobre as relaes causais existentes entre o tratamento desumano destinado aos presos eo incremento da violncia urbana pode ser um caminho para suscitar o debate sobre asituao dos encarcerados no pas.

    Palavras-Chave: Violncia urbana. Direitos dos presos. Condies dos presdios.

    AbstractThis paper attempts to investigate how Brazilian society deals with its prison populationand expose a plausible explanation for this situation. Throughout the development ofthis analysis, the consensus contemporaneous western societies claim they shareregarding equality and human dignity are brought up to discussion. For this purpose,this paper essays to outline the scenario of systematic violations of Brazilian prisonershuman rights. Then, the paper analyses a number of common alleged explanations forthis situation, demonstrating that each one of them is inadequate to Brazilian reality.

    Finally, the paper strives to achieve a sound explanation to the matter relating moral andsocial formation of Brazilian society, the current level of urban violence in Brazil andthe Brazilian prisoners dehumanization process, in the perspective of a vicious circle.

    1 O presente trabalho se beneficiou: (i) do trabalho desenvolvido por diversos alunos daFaculdade de Direito da UERJ no contexto de grupos de pesquisa coordenados pela autora; (ii)da primorosa ajuda de Felipe Terra e Mariana Cunha e Melo; e (iii) das discusses no mbitodo SELA 2010, realizado no ms de junho de 2010 em Santiago, Chile, onde uma primeiraverso foi apresentada para debates.2 Professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UERJ. Mestre e Doutora em

    Direito Pblico.

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    Keywords: Urban violence. Prisoners rights. Prison conditions.

    O presente trabalho se ocupa de uma situao que talvez seja das que

    desafia de forma mais radical e profunda a realidade dos supostos consensos que as

    sociedades ocidentais contemporneas e a brasileira em particular afirmam

    compartilhar acerca da igualdade e da dignidade essencial ou ontolgica de cada ser

    humano. O que se quer aqui investigar como a sociedade brasileira, imersa em um

    contexto de medo resultante da violncia urbana, trata sua populao carcerria

    3

    . Oexame ser feito em trs partes principais. Em primeiro lugar, pretende-se demonstrar

    uma situao de fato: o gravssimo, antigo, contnuo, generalizado e praticamente

    institucionalizado quadro de violao a direitos fundamentais dos presos no Brasil. Essa

    conjuntura leva facilmente concluso de que os presos no Brasil no so tratados

    como seres humanos (e provavelmente sequer so considerados como tais).

    Na segunda parte, o texto busca examinar algumas possveis explicaes

    para a realidade descrita na parte anterior. As concluses, a essa altura da anlise, no

    so animadoras. As explicaes simples no se adequam ao mundo real. Como se ver,

    o modo como a sociedade brasileira trata seus presos no pode ser prpria ou

    plenamente explicado por razes circunstanciais ou por algum tipo de questo que o

    Direito tenha condies de resolver facilmente por meio de seus mecanismos tpicos

    (jurisdio, induo, etc.). Ao que parece, a situao das prises brasileiras guarda

    relao com uma realidade j consolidada e muito mais complexa, que envolve a

    formao social do povo brasileiro.

    Na terceira parte, o trabalho busca pr o problema em evidncia ao

    sugerir que h uma conexo entre a forma como os presos so tratados e os nveis atuais

    de violncia urbana no Brasil. O que se sugere que o tratamento conferido aos presos

    3 Como tem sido repetido h muitas dcadas, parece que um dos testes mais reveladoresacerca do nvel de civilidade de uma sociedade , realmente, a forma como ela trata os

    desamparados: presos, idosos e portadores de necessidades especiais, dentre outros.

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    contribui para o incremento da prpria violncia. Tendo em conta que nem o recurso

    ideia de dignidade humana nem as leis ou a jurisdio foram capazes de modificar a

    situao carcerria at o momento, talvez haja interesse pelo tema uma vez que se

    perceba que o tratamento desumano conferido aos presos no um problema apenas dos

    presos: a sociedade livre recebe os reflexos dessa poltica sob a forma de mais violncia.

    I. As terrveis condies carcerrias no Brasil

    O sistema prisional brasileiro conta com vrios e gravssimos problemas,

    a ponto de o Presidente do Supremo Tribunal Federal declarar no 12 Congresso da

    ONU sobre Preveno ao Crime e Justia Criminal, sediado em Salvador, em Abril de2010 que o sistema penitencirio brasileiro est beira da falncia total4. No cabe,

    aqui, descrever todos esses problemas, valendo apenas destacar um que, embora

    elementar, acaba por dar ensejo a vrios outros: a ausncia de vagas nas penitencirias

    brasileiras. Considerando dados oficiais de 2009, h um excesso de mais de 139 mil

    pessoas, no mnimo, efetivamente presas no Brasil, sem que o sistema prisional

    disponha de vagas para elas5. Em consequncia, os presos so mantidos, literalmente,

    amontoados nas penitencirias ou nas delegacias. Em vrios lugares do pas, h presosalojados em p, nos corredores das delegacias, ou, ainda, confinados em containers. A

    hiperlotao acaba por contribuir para que sejam raros os estabelecimentos prisionais

    em que h separao dos presos por idade ou por gravidade do delito. O pas tem

    convivido, inclusive, com denncias de mulheres mantidas presas em celas junto com

    homens6. Seguem alguns dados que proporcionam uma melhor ideia da realidade.

    4 Deficincia do sistema carcerrio beira falncia. Revista Consultor Jurdico, 15 abr. 2010.Disponvel em: . Acesso em: 18 abr. 2010. Interessante, no entanto, que o comentrio feito pelodiretor do Departamento Penitencirio Nacional sobre a crtica do Presidente do SupremoTribunal Federal foi o de que o problema existe h dcadas.5 Trata-se da informao oficial (referente ao ano de 2009) que consta do site do DepartamentoPenitencirio Nacional do Ministrio da Justia. Disponvel em:. Acesso em: 16 abr. 2010.6 No ano de 2007 foram denunciados ao menos 5 casos de mulheres presas em celas juntocom homens. Ao menos uma delas relatou ter sido vitima de abuso sexual. V. PA: divulgado 5caso de mulher presa com homens, Notcias Terra, 24 nov. 2007. Disponvel em:

    . Acesso em: 16 abr. 2010.

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    De meados de 2007 at a metade do ano de 2008, uma Comisso

    Parlamentar de Inqurito (CPI) organizada pela Cmara dos Deputados investigou o

    sistema prisional brasileiro chegando a concluses alarmantes, amplamente divulgadas7.

    Segundo os dados de dezembro de 2007, a populao carcerria brasileira era estimada

    em 422.590 presos. O nmero de vagas do sistema penitencirio brasileiro, porm,

    totalizava apenas 275.194vagas. O relatrio da CPI concluiu que nenhum dos presdios

    existentes cumpria o que a legislao brasileira, em vigor desde 1984, prev, a saber:

    que cada condenado deve ser alojado em cela individual, que por sua vez conter

    dormitrio, aparelho sanitrio e lavatrio, com rea mnima de 6m. A CPI reporta que a

    superlotao no um problema novo: ele existe ao menos desde o incio do sculo

    XIX. A historiografia especializada confirma que, de fato, os problemas de superlotaodo sistema prisional no so recentes8.

    O relatrio da CPI reporta tambm, ao lado da hiperlotao, e guardando

    certa relao com ela, outros problemas gravssimos, ainda que rotineiros e observados

    em vrios estados da Federao. frequente que os presos no tenham acesso a gua

    em quantidades minimamente razoveis seja para higiene, seja para consumo.

    igualmente frequente que as celas sejam contaminadas por esgoto corrente e que nelashaja lixo em carter permanente, inclusive fezes e urina mantidos em garrafas de

    refrigerantes nos cantos das celas, j que no h instalaes sanitrias suficientes. A CPI

    reportou vrios casos em que vasos sanitrios, sem descarga, servem, cada um, a mais

    de 70 presos em uma mesma cela, e nos quais gua para limpeza jogada apenas uma

    vez dia. O resultado, bvio, a mais grosseira falta de condies de higiene e um odor

    insuportvel, alm de insetos variados. frequente que no haja divisrias isolando o

    vaso do resto da cela, de modo que o preso tem que us-lo na frente de dezenas deoutros presos, havendo mesmo exemplos em que o vaso sanitrio no passa de um

    buraco no cho. O acesso gua para lavagem das mos aps o uso do aparelho

    sanitrio rarssimo.

    7 A ntegra do relatrio final da CPI est disponvel em:. Acesso em: 11 abr. 2010.8 MAIA, Clarisssa Nunes; S NETO, Flvio de; COSTA, Marcos; BRETAS, Marcos Luiz (orgs.),

    Histria das prises no Brasil, vol. I e II, 2009.

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    O relatrio da CPI descreve que, como regra, no h colches ou, quando

    eles existem, so em quantidade insuficiente. A comida, em geral, pouca e de pssima

    qualidade, quando no servida estragada. Em muitos presdios ela servida em sacos

    plsticos e os detentos tm que comer com as mos, j que no h talheres. Roupas

    tambm no so fornecidas. A carncia desses elementos (colches, roupas, comida,

    etc.) fomenta um amplo mercado negro no interior desses estabelecimentos. Acrescente-

    se a isso o fato de no haver controle trmico das celas, que podem chegar a

    temperaturas prximas a 50 graus no vero.

    Documento datado de setembro de 2007 e elaborado pelo Ministrio da

    Justia, denominado de Plano Nacional de Poltica Penitenciria, j previa como aprimeira das diretrizes prioritrias para os agentes responsveis pela conduo e

    execuo da poltica penitenciria no Brasil a necessidade de liberao de recursos para

    construo e reforma dos estabelecimentos prisionais9. Em junho de 2008, o

    Departamento Penitencirio Nacional, tambm no mbito do Ministrio da Justia,

    divulgou publicao identificada como Dados Consolidados, trazendo informaes

    sobre o perfil e a evoluo da populao carcerria brasileira de 2003 a 2007, na qual a

    superlotao restou evidente10

    .

    A despeito do trabalho e concluses da CPI e dos documentos referidos

    acima, produzidos no mbito do Poder Executivo Federal, a realidade prisional

    brasileira no parece ter sofrido alterao significativa nos ltimos anos. Apenas alguns

    exemplos mais recentes. A Defensoria Pblica de So Paulo o Estado mais rico do

    pas, vale lembrar informa que 59 das 64 cadeias pblicas femininas operavam, em

    2008, muito acima de sua capacidade. Segundo os dados, havia 4.057 mulheres presas,mas o sistema s contava com 1.687 vagas. Em setembro de 2008, a Corregedoria-Geral

    de Justia do Estado de So Paulo atendeu pedido da Defensoria para interditar uma

    delas a Cadeia Pblica Feminina localizada no municpio de So Bernardo do

    9 V.: BRASIL. Ministrio da Justia. Plano Nacional de Poltica Penitenciria. Disponvel em:. Acesso em: 21 maio 2010.10 Dados disponveis em:. Acesso em: 18 abr. 2010.

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    Campo11. O estabelecimento, que tinha capacidade para 32 detentas, mantinha 193.

    Faltavam colches, material de higiene e mdicos para as presas. Na Cadeia Pblica

    Feminina de Indaiatuba, tambm em So Paulo, cada colcho de solteiro era dividido

    por trs detentas, enquanto outras eram obrigadas a dormir no banheiro por falta de

    espao. Sem material de higiene pessoal, as presas usavam miolo de po como

    absorvente12.

    Em fevereiro de 2009, o nvel de superlotao no presdio central em

    Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, produzia uma estatstica de, em mdia,

    1,71m2 por preso, sendo que em muitas celas essa relao chegava a 0,45m2 por preso.

    O dfict de vagas no presdio era de quase 4.00013. No Estado do Esprito Santo, umacela com capacidade para 36 presos comportava 256, que dividiam todos um nico

    banheiro (dados de maio de 2009). O mesmo Estado mantm, ainda, presos inclusive

    menores de idade dentro de containers14. Um registro d conta de 34 pessoas dentro

    de um container sem grades ou janelas e sem direito a banho de sol. Os Estados de

    Santa Catarina e Par tambm mantm presos em containers como forma de esvaziar as

    delegacias superlotadas15. No Estado da Paraba (dados de maio de 2009), todas as

    11 SELICANI, Vanessa. Justia interdita Cadeia Feminina de So Bernardo. Jornal ABCD Maior01 set. 2008. Disponvel em: .Acesso em: 18 ago. 2010.12 TOMAZ, Kleber; CARAMANTE, Andr; SANIELE, Bruna. Cadeia tem 162 presas onde scabem 24. Folha de So Paulo, 05 nov. 2008. Disponvel em:. Acesso em: 11 abr. 2010. Aps diversas rebelies, a cadeia de Indaiatuba foioficialmente desativada em junho de 2009, com as detentas transferidas para outros presdiosdo estado.13

    Juza manda estado criar vagas em presdios. Revista Consultor Jurdico, 09 fev. 2009.Disponvel em: . Acesso em: 18 abr. 2010. Diante desse quadro, deciso judicial determinou acriao progressiva de quase 4 mil vagas no Estado. A sentena foi objeto de apelao porparte do Estado do Rio Grande do Sul, mas restou confirmada pelo Tribunal de Justia. Veja-se: BRASIL. TJRS, j. 10 mar. 2010, Apelao Cvel 70033355090, Rel. Des. Luiz Felipe SilveiraDifini.14 CNJ pede socorro mdico a presos em cela hiperlotada no ES. ltima Instncia, 22 maio2009. Disponvel em: .Acesso em: 11 abr. 2010.15 DOLME, Daniella. Superlotao carcerria faz com que Estados mantenham presos em

    contineres. ltima Instncia, 22 dez. 2009. Disponvel em:

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    unidades penitencirias se encontravam em situao crtica. Apenas para fins

    ilustrativos, um presdio com capacidade para 400 presos abrigava 1.100. Os banheiros

    disponveis no tinham portas, os vasos sanitrios estavam quebrados e o cho era

    alagado com refluxo de esgoto16.

    A notcia acerca da situao degradante da populao carcerria no Brasil j

    tem repercutido no exterior e mobilizado, inclusive, a interveno de organizaes

    internacionais para a defesa de direitos humanos. Em 2002, o Brasil foi condenado pela

    Corte Interamericana de Direitos Humanos a implementar uma srie de medidas para

    garantir a vida e a integridade fsica dos presos em um dos maiores presdios da regio

    Norte do pas (presdio de Urso Branco em Rondnia). Pouco foi feito desde ento. Asdeterminaes do Tribunal da OEA no foram cumpridas e, em outubro de 2009, o pas

    teve de comparecer perante a Corte novamente para prestar explicaes acerca da

    situao do mesmo presdio17. A situao dos presdios no Estado do Esprito Santo

    tambm levou o Brasil a ter que dar explicaes, dessa vez no mbito da ONU, j em

    2010. Em sesso paralela 13 Reunio do Conselho de Direitos Humanos da ONU,

    ocorrida em Maro de 2010, representantes do Brasil tiveram, mais uma vez, de prestar

    esclarecimentos diante das denuncias apresentadas18

    .

    No h necessidade de prosseguir com esse espetculo de horrores, mas

    algumas concluses podem ser extradas neste ponto. A primeira concluso que se quer

    enunciar aqui, embora se trate de um certo trusmo, a de que o tratamento conferido

    aos presos no Brasil, e descrito acima, viola de forma grosseira os direitos humanos. O

    SUPERLOTACAO+CARCERARIA+FAZ+COM+QUE+ESTADOS+MANTENHAM+PRESOS+EM+CONTEINERES_67177.shtml>. Acesso em: 11 abr. 2010.16 Situao de presdio na Paraba "no poderia ser pior", diz procurador. ltima Instncia, 22maio 2009. Disponvel em: . Acesso em: 11 abr. 2010.17 CAMBAVA, Daniella. Brasil se explica Corte da OEA por caos em presdio de Rondnia.ltima Instncia, 01 out. 2009. Disponvel em:. Acesso em: 18 abr. 2010.18 ONU questiona Brasil sobre presdios do Esprito Santo. Dirio de So Paulo, 15 mar. 2010.Disponvel em: . Acesso em: 18 abr. 2010.

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    ponto ser aprofundado adiante. A segunda concluso a apurar a de que a violao dos

    direitos humanos dos presos no Brasil constitui o tratamento normal (do ponto de vista

    estatstico) conferido a tal parcela da populao: a rotina e no um desvio eventual.

    Parece certo afirmar que em qualquer sistema prisional de que se cogite, em qualquer

    lugar do mundo, sempre ser possvel observar violaes eventuais aos direitos dos

    presos. A diferena que em algumas partes do mundo essas violaes sero uma

    exceo, uma anomalia a ser punida pelo Direito. Como em qualquer outra rea na qual

    os indivduos possam exercer liberdade, sempre haver um percentual de condutas

    desviantes em relao ao padro, da a necessidade da prpria existncia do Direito. No

    Brasil, porm, a violao no a exceo: a regra geral. No se trata de um desvio

    episdico ou localizado, mas do padro geral observado no pas como um todo. Otratamento adequado eventualmente conferido a um preso que constitui a exceo. A

    terceira concluso a de que esse tratamento desumano conferido aos presos no

    constitui um evento novo na histria do Brasil.

    II. Por qu?

    Quais seriam as explicaes para o quadro que se acaba de descrever?Por quais razes o Brasil trata de forma to desumana e cruel os presos h tanto tempo?

    Por que esse quadro no mudou aps, por exemplo, a redemocratizao do pas na

    dcada de 80 e, particularmente, aps a edio da Constituio de 1988? preciso

    reconhecer que o esforo terico de identificar essas explicaes exigiria uma

    investigao interdisciplinar abrangente que est fora do escopo deste trabalho. Nada

    obstante, embora no seja vivel demonstrar fundamentadamente que razes de forma

    direta conduzem ao quadro descrito acima, possvel identificar algumas no-explicaes, isto : algumas razes de que at se poderia cogitar para explicar o

    problema, mas que, na realidade, no so relevantes ou tm relevncia bastante

    reduzida. A utilidade de identificar as no-explicaes exclu-las desde logo do debate

    (ou ao menos demonstrar a sua pouca pertinncia para o mesmo) e, assim, facilitar a

    aproximao das razes que, de fato, so relevantes. Algumas no-explicaes sero

    enunciadas e examinadas abaixo e, ao fim do tpico, se cogitar tambm de uma

    hiptese explicativa positiva para o fenmeno.

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    Uma primeira explicao possvel para a situao do sistema prisional

    a rigor, uma no-explicao, como se ver seria a seguinte. O Brasil, por razes

    culturais particulares, talvez no compartilhe dos consensos internacionais acerca dos

    direitos humanos em geral e dos direitos humanos dos presos em particular, da o

    quadro descrito acima envolvendo o sistema prisional brasileiro. Ocorre que a afirmao

    claramente no corresponde realidade das manifestaes brasileiras sobre o assunto. O

    Brasil, alm de ser signatrio dos principais documentos internacionais de proteo aos

    direitos humanos e.g., Declarao Universal dos Direitos Humanos19, Conveno

    Interamericana de Direitos Humanos20-21 e o Pacto Internacional de Direitos Civis e

    Polticos22-23 , que j trazem algumas previses sobre os direitos dos presos, tambmsignatrio de documentos internacionais que tratam de forma especfica dos direitos dos

    investigados, condenados e presos. Alguns exemplos so a Conveno das Naes

    Unidas Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou

    Degradantes24 (e Protocolo Adicional25), a Conveno Interamericana para Prevenir e

    19 Declarao Universal dos Direitos Humanos, art. V: Ningum ser submetido tortura nema tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.20

    Decreto n 678/92.21 Conveno Interamericana de Direitos Humanos, art. 7: Direito liberdade pessoal: (...) 5.Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, presena de um juiz ou outraautoridade autorizada pela lei a exercer funes judiciais e tem direito a ser julgada dentro deum prazo razovel ou a ser posta em liberdade, sem prejuzo de que prossiga o processo. Sualiberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juzo.6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, afim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua priso ou deteno e ordenesua soltura se a priso ou a deteno forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis prevemque toda pessoa que se vir ameaada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer aum juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaa, talrecurso no pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela prpriapessoa ou por outra pessoa. 7. Ningum deve ser detido por dvidas. Este princpio no limitaos mandados de autoridade judiciria competente expedidos em virtude de inadimplemento deobrigao alimentar.22 Decreto n 592/92.23 Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos, art. 7 e 10, 3: Art. 7o - Ningum poder sersubmetido tortura, nem a penas ou tratamentos cruis, desumanos ou de-gradantes. Serproibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experinciasmdicas ou cientficas. (...) Art. 10 (...) - 3. O regime penitencirio consistir em um tratamentocujo objetivo principal seja a reforma e reabilitao moral dos prisioneiros. Os delinqentesjuvenis devero ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade econdio jurdica.24 Decreto n 40/91.25 Decreto n 6.085/07.

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    Punir a Tortura26, a Conveno Relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra27, as

    Regras Mnimas para o Tratamento de Prisioneiros28 e as Regras de Tquio Regras

    Mnimas das Naes Unidas para a Elaborao de Medidas no Privativas de

    Liberdade29. Assim, imputar a degradao do sistema prisional brasileiro a uma suposta

    particularidade cultural do pas, que teria uma viso diversa acerca dos direitos

    humanos, simplesmente no uma explicao real para o problema.

    Uma segunda explicao possvel e igualmente uma no-explicao, na

    realidade envolveria a fragilidade do Direito interno brasileiro sobre o tema. No

    incomum, como se sabe, que pases se comprometam com determinadas polticas no

    plano internacional sem qualquer inteno, no entanto, de implement-las internamente.

    Assim, seria possvel cogitar da seguinte explicao para o quadro do sistema prisional

    brasileiro: apesar dos compromissos internacionais do Brasil com os direitos humanos

    em geral, e com os direitos dos presos em particular, a legislao interna brasileira no

    refletiria essa preocupao. Essa explicao tambm no corresponde realidade do

    direito interno brasileiro.

    A Constituio de 1988 garante uma srie de direitos especficos para os

    presos, afora os tradicionais direitos ao devido processo legal processual. A

    Constituio prev, como se sabe, e de forma expressa, o direito integridade fsica e

    moral dos presos, o direito ao cumprimento da pena em estabelecimentos distintos de

    acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado e o direito das presas de

    permanecerem com seus filhos durante o perodo de amamentao. A Constituio

    26 Decreto n 98.386/89.27 Decreto n 22.435/33.28 Incorporadas no Brasil pela Resoluo n 14/94 do Conselho Nacional de Poltica Criminal ePenitenciria (CNPCP), que fixa as regras mnimas para tratamentos de presos no Brasil. Ostextos no so idnticos.29 As sucessivas reformas do Cdigo Penal e a Lei das Penas Alternativas (Lei n 9.714, de 25de novembro de 1998, que tambm alterou o Cdigo Penal) incorporaram algumas orientaes

    das Regras.

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    veda, ainda, as penas cruis e estabelece como princpio geral da Repblica a dignidade

    da pessoa humana30.

    Mesmo antes da Constituio de 1988, j havia sido editada a Lei n

    7.210, de 11 de julho de 1984 a Lei de Execuo Penal que descreve de forma

    especialmente detalhada os direitos dos presos no contexto do seu encarceramento. Em

    1994, dez anos depois, foi editada a Lei Complementar n 79, que cria o Fundo

    Penitencirio Nacional FUNPEN e lista os recursos que devem ser a ele

    direcionados. Os recursos do FUNPEN deveriam, e devem, ser empregados para a

    construo, reforma, ampliao e aprimoramento de estabelecimentos penais, dentre

    outras atividades necessrias a modernizar a aprimorar o sistema penitenciriobrasileiro31.

    Dentre os direitos dos presos previstos na Lei n 7.210/84 esto o direito

    de ser alojado em cela individual com rea mnima de 6m2 (que deve conter dormitrio,

    aparelho sanitrio e lavatrio e ser dotada de condies de aerao e controle trmico) o

    direito a alimentao, vesturio e instalaes higinicas, o direito de atendimento

    sade (que deve compreender atendimento medico, odontolgico e farmacutico), odireito a instruo educacional e o direito assistncia jurdica (caso no tenha

    condies de contratar um advogado), dentre outros32. Quanto assistncia jurdica, e

    30 Constituio do Brasil de 1988, arts. 1, III e 5, XLVII, XLVIII, XLIX e L: Art. 1 A RepblicaFederativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do DistritoFederal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: (...) III - adignidade da pessoa humana; (...) Art. 5(...)XLVII - no haver penas: (a) de morte, salvo emcaso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; (b) de carter perptuo; (c) de trabalhosforados; (d) de banimento; (e) cruis; XLVIII - a pena ser cumprida em estabelecimentos

    distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX - assegurado aos presos o respeito integridade fsica e moral; L - s presidirias seroasseguradas condies para que possam permanecer com seus filhos durante o perodo deamamentao.31 Lei Complementar n 79/94, art. 1 e 3, I: Art. 1 Fica institudo, no mbito do Ministrio daJustia, o Fundo Penitencirio Nacional - FUNPEN, a ser gerido pelo Departamento deAssuntos Penitencirios da Secretaria dos Direitos da Cidadania e Justia, com a finalidade deproporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas demodernizao e aprimoramento do Sistema Penitencirio Brasileiro. () Art. 3 Os recursos doFUNPEN sero aplicados em: I - construo, reforma, ampliao e aprimoramento deestabelecimentos penais.32 Lei n 7.210/84, arts. 10, 11, 12, 14, 15, 17, 22 e 88: Art. 10. A assistncia ao preso e ao

    internado dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno convivncia emsociedade. Pargrafo nico. A assistncia estende-se ao egresso. Art. 11. A assistncia ser: I

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    com o objetivo de ampliar o acesso a ela para aqueles que no tm recursos, lembre-se

    que a Constituio de 1988 determinou a criao de Defensorias Pblicas para

    atendimento jurdico dos necessitados, que igualmente esto dispensados do pagamento

    de custas para propor aes judiciais (art. 5, LXXIV e art. 134). A Constituio

    atribuiu, ainda, ao Ministrio Pblico a defesa de interesses coletivos e difusos (art.

    129).

    A concluso, tambm aqui, a de que no possvel explicar o quadro

    de desrespeito aos direitos dos presos sob o argumento de uma suposta fragilidade ou

    omisso do Direito brasileiro sobre o tema. Ao contrrio, embora os presos constituam,

    provavelmente, a minoria com menores condies de participar do debate pblico nopas, a legislao brasileira sobre seus direitos considerada uma das mais avanadas do

    mundo. No possvel culpar o Direito.

    Uma terceira explicao de que se poderia cogitar para explicar a

    superlotao do sistema prisional brasileiro seria a de que esse seria um problema muito

    recente e imprevisto que, por isso mesmo, teria surpreendido as autoridades pblicas.

    Tudo viria bem at que, de repente, algo inesperado teria desencadeado um nmeroenorme de prises, que teriam gerado a superlotao do sistema: ainda no teria havido

    tempo hbil para que as polticas pblicas adotadas produzissem os efeitos desejados no

    sentido de minimizar o problema. A explicao no real, mas merece ateno

    especfica. verdade que a populao carcerria cresceu cerca de 37% de 2003 a 2007,

    ao passo que a populao brasileira, no mesmo perodo, cresceu pouco mais que 5%, de

    modo que houve um incremento real relevante da populao carcerria nos ltimos

    - material; II - sade; III - jurdica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa. Art. 12. Aassistncia material ao preso e ao internado consistir no fornecimento de alimentao,vesturio e instalaes higinicas. () Art. 14. A assistncia sade do preso e do internadode carter preventivo e curativo, compreender atendimento mdico, farmacutico eodontolgico. Art. 15. A assistncia jurdica destinada aos presos e aos internados semrecursos financeiros para constituir advogado. () Art. 17. A assistncia educacionalcompreender a instruo escolar e a formao profissional do preso e do internado. () Art.22. A assistncia social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepar-los para oretorno liberdade. () Art. 88. O condenado ser alojado em cela individual que conterdormitrio, aparelho sanitrio e lavatrio. Pargrafo nico. So requisitos bsicos da unidadecelular: a) salubridade do ambiente pela concorrncia dos fatores de aerao, insolao econdicionamento trmico adequado existncia humana; b) rea mnima de 6,00m2 (seis

    metros quadrados).

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    anos. Tambm verdade que h um grande nmero de prises provisrias decretadas no

    Brasil, o que contribui para a superlotao do sistema33.

    Nada obstante, embora no se possa ignorar o impacto do aumento

    recente do nmero de presos sobre o problema da superlotao dos presdios, no seria

    correto concluir que esse fenmeno, observado, sobretudo, de 2003 a 2007, seria a

    explicao para o caos do sistema prisional brasileiro. Em primeiro lugar, o problema da

    superlotao no teve incio, subitamente, em 2003. O problema remonta ao sculo XIX

    e ao longo do sculo XX se agravou continuamente. As prprias autoridades brasileiras

    responsveis pela poltica penitenciria reconhecem que a situao de superlotao

    gravssima h, no mnimo, 40 anos34, sendo que h mais de 25 anos vige legislaoespecfica sobre as condies que os presdios devem ter e, at o momento,

    praticamente nenhum deles apresenta essas condies.

    Por outro lado, no h nada de imprevisto, a rigor, no aumento

    progressivo e relevante da populao carcerria brasileira. Embora no haja estatsticas

    precisas no pas, estima-se que o nmero de mandados de priso no cumpridos pode

    chegar a 300 mil35

    . Dados coletados no Estado do Rio de Janeiro do conta de que, em

    33 Uma das iniciativas recentes do Conselho Nacional de Justia na tentativa de minimizar asuperlotao so justamente mutires para examinar a situao dos presos provisrios, demodo a soltar aqueles indivduos presos irregularmente (V.: . Acesso em: 23maio 2010).34 Deficincia do sistema carcerrio beira falncia. Revista Consultor Jurdico, 15 abr. 2010.Disponvel em: . Acesso em: 18 abr. 2010.35 SCHIAVON, Fabiana. Dados sobre mandados de priso so imprecisos. Revista ConsultorJurdico, 27 fev. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 20 abr. 2010. No mesmosentido, v. Relatrio do Instituto de Direitos Humanos da International Bar Association (Um emcada cinco: a crise nas prises e no sistema de justia criminal brasileiro), de fevereiro de2010, p. 18: O Ministrio da Justia estimou que em 1994 havia 275.000 mandados nocumpridos, significativamente mais do que o nmero de indivduos encarcerados. Apenas emBraslia, o Ministrio Pblico anunciou neste que dos 15.077 mandados de priso expedidosem sua jurisdio ao longo dos ltimos trs anos, apenas um tero deles foram efetivamentecumpridos; os rus, no restante dos casos, esto foragidos. (...) difcil obter nmerosatualizados e precisos sobre esta questo, no entanto, o nmero mais comumente citado demandados no cumpridos de 300.000. Baseando-se no mesmo clculo de que cada cincocasos representa apenas uma pessoa, isto significa que existem cerca de 60.000 pessoascondenadas a penas de priso que no foram cumpridas. Disponvel em:. Acesso em: 22 abr. 2010.

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    2002, houve somente 2% de condenaes em relao a todos os homicdios registrados

    e, considerando o perodo de 2002 a 2004, esse nmero no passou de 10%36. Ou seja:

    independentemente do crescimento da populao carcerria observado desde 2003, os

    nveis de superlotao s no so ainda piores porque o sistema de investigao e de

    justia criminal brasileiro funciona, para dizer o mnimo, de forma precria. E,

    considerando que a melhoria do sistema de investigao e de justia criminal haver de

    ser uma meta permanente das autoridades pblicas, certo que qualquer nvel de

    melhoria agravar ainda mais o problema da superlotao do sistema prisional. Em

    suma: imputar o problema da superlotao do sistema prisional ao crescimento do

    nmero de prises verificado no perodo de 2003 a 2007 seria um equvoco.

    Uma quarta explicao que se poderia imaginar para a no soluo do

    problema da superlotao do sistema prisional brasileiro seria a seguinte: o Brasil um

    pas pauprrimo ou passou por alguma grande catstrofe recente e no dispe de

    recursos para investir no setor, seja porque simplesmente no h recursos, seja porque

    h outras prioridades absolutamente emergenciais. Felizmente, nenhum desses

    pressupostos de fato real. O Brasil no um pas pauprrimo e no passou por

    qualquer catstrofe recente. Em outras reas, polticas pblicas importantes e custosas tm sido implementadas sem que o argumento de que no h recursos as tenha

    inviabilizado, como, e.g., o fornecimento gratuito de medicamentos37 e o programa de

    acesso de alunos a educao superior em instituies de ensino superior privadas,

    custeado pelo Estado38. O debate envolvendo a fixao de prioridades para a alocao

    36 Apenas para fins de comparao, a mdia de esclarecimento de homicdios das Naes

    Unidas para pases norte-americanos e europeus de 49%. Os dados so do ConcursoNacional de Pesquisas Aplicadas em Justia Criminal e Segurana Pblica, apoiado peloMinistrio da Justia. Disponvel em:. Acessoem: 22 abr. 2010.37 Veja-se, v.g., a determinao legal que incumbe o Sistema nico de Sade de distribuirgratuitamente medicamentos para portadores de HIV Lei n 9.313/96, art. 1: Os portadoresdo HIV (vrus da imunodeficincia humana) e doentes de AIDS (Sndrome da ImunodeficinciaAdquirida) recebero, gratuitamente, do Sistema nico de Sade, toda a medicaonecessria a seu tratamento.38 O Programa Universidade para Todos (PROUNI), do governo federal, foi criado pela Lei n11.096/95 e tem a finalidade de conceder bolsas integrais e parciais de estudo em instituies

    particulares de ensino superior, para estudantes que demonstrarem carncia de recursos paracustearem o estudo por si prprios e que no tenham outro diploma de ensino superior.

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    causa para a perpetuao dos problemas do sistema prisional brasileiro. No h

    necessidade de prosseguir na argumentao quanto a esse ponto.

    J possvel extrair uma concluso a partir do que se exps acima. A

    pergunta formulada inicialmente por quais razes o Brasil trata de forma to

    desumana e cruel os presos h tanto tempo? no respondida de forma consistente por

    qualquer das explicaes de que se cogitou at aqui. A rigor, as preocupaes com

    direitos humanos esto presentes no Brasil (do ponto de vista terico ao menos), h

    ampla e detalhada legislao interna sobre os direitos dos presos, h informao sobre o

    quadro de desrespeito a essa legislao, o problema da superlotao dos presdios no

    recente e h at recursos, mas o quadro persiste sem mudanas significativas e sem quese verifique uma aproximao relevante entre a realidade e o que o discurso e o Direito

    sugerem.

    Se essas respostas no so relevantes para a compreenso do problema,

    ou sua relevncia limitada, o que o explicaria? Por que h dcadas a sociedade

    convive, passivamente, com o desrespeito grosseiro aos direitos fundamentais dos

    presos e com a violao reiterada da legislao pertinente? Por que a legislaoespecfica, referida acima no pegou? Por que h uma relativa indiferena da

    sociedade e tambm das autoridades, j que o mesmo Congresso Nacional que aprovou

    a legislao referida acima tambm a autoridade que tem competncia para fiscalizar

    as aes do Poder Executivo e o investimento dos recursos pblicos? Por que a

    populao se mobiliza com relativa facilidade para ajudar vtimas de calamidades, tanto

    no Brasil quanto no exterior, mas convive com a situao prisional, mesmo sabendo do

    quadro deplorvel que envolve os presos? Como j referido, a construo de respostasconsistentes a essas perguntas exige investigaes interdisciplinares complexas, de

    modo que tudo que se pretende ao fim deste tpico sugerir uma hiptese explicativa

    para reflexo.

    J se descreveu acima, sumariamente, como o Brasil tem explicitado seu

    compromisso com os direitos humanos em geral, e com os direitos dos presos em

    particular, por meio da subscrio de atos internacionais tratando do tema e da edio de

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    normas internas. Entretanto, apesar do belo discurso e do que dispe o Direito, parece

    que a formao da cultura brasileira ainda no foi capaz de incorporar as noes de

    igualdade essencial dos indivduos e da dignidade de cada ser humano. Assim, os

    compromissos formais com os direitos humanos acabam sendo construdos sobre uma

    base moral e filosfica que no realmente compartilhada pela maior parte da

    sociedade e que, por isso mesmo, diante de quaisquer ameaas como, por exemplo, a

    ameaa da violncia urbana revela sua fragilidade.

    A hiptese que se suscita aqui a de que a concepo de dignidade da

    maior parte da sociedade brasileira est muito mais vinculada ao que o indivduo tem ou

    faz do que simples circunstncia de se tratar de um ser humano. A dignidade, portanto,no seria algo inerente a todo ser humano, mas circunstancial e vinculada ao

    comportamento do indivduo. Isso explicaria, de certo modo, a permanncia do caos no

    sistema prisional brasileiro, a despeito de toda a estrutura jurdico-formal descrita

    acima. O funcionamento dessa concepo de dignidade no ontolgica poderia ser

    descrito nos seguintes termos: o preso cometeu crimes (ou est sendo acusado por

    crimes) logo, por conta de seu comportamento reprovvel, ele j no seria titular da

    dignidade e, portanto, no teria direito realmente a ser tratado de forma digna.

    De acordo com a lgica dessa concepo, a sociedade poderia at vir a

    melhorar as condies do sistema prisional, e alguns esforos nesse sentido at

    poderiam ser louvveis, depois, claro, que outras necessidades sociais essas sim

    ligadas a indivduos dotados de dignidade se encontrem atendidas. Ou seja: os direitos

    dos presos no seriam propriamente direitos e o debate acerca deles estaria confinado ao

    espao da benevolncia. Em um ambiente de medo generalizado por conta de nveisalarmantes de violncia urbana, a benevolncia simplesmente no encontra

    oportunidade adequada para florescer40. Pior que isso, o medo faz vir a tona toda a

    40 Segundo pesquisa realizada em mbito global, em 2003, pelo Instituto Vera de Justia, oBrasil o pas onde as pessoas dizem que mais tm medo de andar na rua noite (seguidopela frica do Sul, Bolvia, Botsuana, Zimbbue e Colmbia). Informaes colhidas noRelatrio do Instituto de Direitos Humanos da International Bar Association (Um em cada cinco:a crise nas prises e no sistema de justia criminal brasileiro), de fevereiro de 2010, p. 37.Disponvel em: . Acesso em: 22 abr. 2010.

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    fragilidade das convices morais e filosficas da formao social brasileira acerca da

    igualdade dos indivduos e de sua dignidade. As aes concretas, ou omisses, das

    autoridades pblicas, sobretudo daquelas eleitas, parecem se amoldar a essa concepo

    majoritria na sociedade. Trs observaes finais parecem importantes e merecem

    registro.

    A maior parte da populao carcerria composta de indivduos de

    pouca escolaridade e nvel de renda baixo, alm de haver uma predominncia de negros

    e pardos41. Esse mesmo conjunto de caractersticas identifica uma grande parcela da

    populao brasileira tomada em seu conjunto42. Assim, do ponto de vista estatstico,

    uma parte relevante da populao poderia se considerar uma espcie de alvo

    41 Os Dados Consolidados do Departamento Penitencirio Nacional demonstram que, em2009, cerca de 60% dos presos no tinham o ensino fundamental completo (26.091analfabetos, 49.521 alfabetizados e 178.540 com ensino fundamental incompleto),aproximadamente 35% possuam pelo menos ensino fundamental completo (67.381 apenascom ensino fundamental completo, 44.104 com ensino mdio incompleto, 31.017 com ensinofundamental completo, 2.942 com ensino superior incompleto, 1.715 com ensino superiorcompleto e 60 acima de ensino superior) e cerca de 4% no informaram. curioso perceber,ainda, que, ao comparar os dados de 2008 com os de 2009, percebe-se que, enquanto onmero de presos com ensino fundamental incompleto aumentou em alguns milhares de umano para o outro, o nmero dos que tm ensino superior incompleto, ao contrrio, diminuiu.

    Dados disponveis em: . Acesso em: 18 abr. 2010.

    Segundo dados do Ministrio da Justia, 42% da populao carcerria composta por pardos,38%, por brancos, 17%, negros e cerca de 3%, outras etnias. Dados disponveis em:. Acesso em: 17 ago. 2010.42 Dados do IBGE afirmam que a taxa de analfabetismo no Brasil de 13,3% e que a mdia deanos de estudo das pessoas com 10 anos ou mais de 5,7 anos. Dados disponveis em:. Acesso em: 16 ago. 2010.

    Ainda segundo o IBGE, os que se declaram brancos configuram maioria percentual,

    compreendendo 53,7% da populao brasileira. Os pardos representam 38,5%, e os negros,6,2% dos brasileiros. Outras etnias integram cerca de 1% da populao brasileira. de se terem conta que a metodologia adotada nesse tipo de pesquisa estatstica a auto-declarao.Dados disponveis em:. Acesso em: 16 ago. 2010.

    Por fim, dados do Banco Mundial do conta de que, em 2003, 21,5% da populao brasileiravivia abaixo da linha da pobreza. Dados disponveis em:. Acesso em: 17 ago. 2010. O Relatrio deDesenvolvimento Humano de 2009 organizado pelo Programa das Naes Unidas para oDesenvolvimento PNUD , por sua vez, indica que, no Brasil, os 10% mais pobrescorrespondem a apenas 1,1% do total do rendimento ou consumo nacionais, enquanto os 10%mais ricos representam 43%. Dados disponveis em:

    . Acesso em: 17 ago. 2010.

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    preferencial do sistema prisional. Em um regime democrtico, seria racional imaginar

    que essa parcela da populao teria interesse em reivindicar, junto a seus representantes

    e aos agentes polticos em geral, melhorias nas condies prisionais, tendo em conta o

    risco de ela mesma vir a ser vtima dessas condies. Nada obstante, como notrio,

    no isso o que ocorre: a melhoria das condies das prises est longe de figurar no

    topo das preocupaes da maior parte da populao brasileira e menos ainda dos grupos

    de menor escolaridade43.

    Por quais razes a populao relativamente indiferente para com o

    tema? Note-se que no se trata apenas das classes mais favorecidas, cujo desinteresse

    poderia ser explicado pela circunstncia de que, provavelmente, elas jamais correro orisco de ingressar em uma priso. A surpresa decorre do desinteresse tambm da parcela

    da populao que, potencialmente, poderia vir a ser vtima do sistema prisional. Uma

    das explicaes de que se pode cogitar exatamente a de que a concepo no

    ontolgica da dignidade humana referida acima compartilhada de forma geral pela

    sociedade, assim como o medo. Se assim isto : se mesmo os grupos sociais que, em

    tese, teriam mais interesse em reivindicar o cumprimento da legislao no que diz

    respeito aos direitos dos presos, no consideram o tema uma prioridade , osmecanismos ordinrios do regime democrtico parecem ter pouca capacidade de alterar

    o quadro do sistema prisional no Brasil. A concluso no chega a ser surpreendente. Em

    um ambiente de medo, se as concepes filosficas e morais das pessoas no so

    capazes de visualizar os presos como titulares de dignidade e de direitos, parece natural

    que os mecanismos majoritrios repercutam essa mesma orientao.

    A segunda observao se relaciona de certo modo com a primeira. Ademocracia no se esgota na aplicao de tcnicas majoritrias no mbito do Executivo

    e do Legislativo. A proteo das minorias demanda, e o ponto j no envolve

    43 Em 2009/2010, o Ibope levou a efeito pesquisa que revelou a preocupao dos eleitores. Osresultados revelam que os brasileiros direcionam suas atenes, sobretudo, sade (45% dosentrevistados). A segurana pblica ficou em segundo lugar na preocupao dos eleitores(43%), seguida pela educao. Dados disponveis em:. Acesso em: 16 ago. 2010.

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    controvrsia, outros mecanismos institucionais que se aglutinam, sobretudo, em torno

    do Poder Judicirio. No direito brasileiro, ademais, existem instituies pblicas - o

    Ministrio Pblico e a Defensoria Pblica, em particular que, diante da grosseira

    violao dos direitos dos presos e da legislao pertinente, teriam o poder-dever44 de

    submeter a questo ao Judicirio. Ainda que possam ser descritos como

    contramajoritrios, tais mecanismos no so antidemocrticos, muito ao contrrio. No

    caso aqui em exame, o termo contramajoritrio sequer seria adequado para descrever

    eventuais iniciativas no oriundas do Executivo ou do Legislativo destinadas a

    garantir os direitos dos presos. Como se viu, independentemente de outras discusses,

    tais direitos j constam de textos normativos que foram objeto de deliberao das

    maiorias, a saber: a Constituio e a legislao.

    Seria impreciso e injusto afirmar que Judicirio, Ministrio Pblico e

    Defensoria Pblica so totalmente indiferentes ao tema do sistema prisional: existem

    decises judiciais sobre o tema, mencionadas inclusive neste estudo, e que foram

    provocadas por iniciativas do Ministrio Pblico ou da Defensoria Pblica. A verdade,

    porm, que, diante do quadro generalizado de violao, e que est longe de ser

    recente, tais decises judiciais se aproximam de uma parcela muito pequena doproblema, permitindo concluir que esses mecanismos de proteo das minorias esto

    longe de funcionar de forma adequada. E por quais razes eles no funcionam bem? H,

    sem dvida, inmeras causas que contribuem para esse quadro. Uma delas, porm, no

    seria a de que tambm os integrantes dessas instituies Judicirio, Ministrio Pblico

    e Defensoria Pblica acabam sendo influenciados por essa mesma concepo no

    ontolgica da dignidade humana, o que repercute, como no poderia deixar de ser, na

    formao de seus convencimentos e na eleio de prioridades?44 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 16. ed. So Paulo:Malheiros, 2003. p. 62: Quem exerce funo administrativa est adscrito a satisfazerinteresses pblicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso dasprerrogativas da Administrao legtimo se, quando e na medida indispensvel aoatendimento dos interesses pblicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democrticoso poder emana do povo e em seu proveito ter de ser exercido. Tendo em vista este carter deassujeitamento do poder a uma finalidade instituda no interesse de todos e no da pessoaexercente do poder , as prerrogativas da Administrao no devem ser vistas oudenominadas como poderes ou como poderes-deveres. Antes se qualificam e melhor sedesignam como deveres-poderes, pois nisto se ressalva sua ndole prpria e se atrai atenopara o aspecto subordinado do poder em relao ao dever, sobressaindo, ento, o aspecto

    finalstico que as informa, do que decorrero suas inerentes limitaes.

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    Por fim, e em terceiro lugar, interessante observar que a lgica da

    hiptese explicativa apresentada acima aproxima-se muito das razes subjacentes ao

    debate que se instaurou em vrias partes do mundo, sobretudo aps os ataques

    terroristas de 11 de setembro de 2001, acerca da flexibilizao dos direitos dos

    indivduos acusados de terrorismo. Com efeito, a discusso, e.g., sobre o direito penal

    do inimigo, pressupe justamente que as condies de titular de direitos humanos (em

    toda sua extenso), de titular de dignidade e at mesmo a condio de pessoa no esto

    irremediavelmente associadas aos seres humanos pelo simples fato de serem seres

    humanos. O indivduo no seria portador de direitos, mas estes lhe seriam atribudos

    pela comunidade: a prtica de determinados crimes poderia levar excluso doindivduo da comunidade de direitos e gerar a perda da condio de pessoa e da

    titularidade da dignidade e desses direitos. Tambm aqui, portanto, a dignidade no

    seria inerente ao ser humano, mas circunstancial e varivel, tendo em conta a forma

    como ele se comporta na sociedade45.

    No deixa de ser impressionante, do ponto de vista filosfico, que, mais

    uma vez na histria humana, um debate considere que os indivduos no so titulares deuma dignidade inerente, cogite da flexibilizao de direitos para determinada categoria

    de criminosos e trabalhe com a manipulao do conceito de pessoa. O risco que essa

    espcie de construo terica representa para a proteo dos direitos humanos no mundo

    bastante bvio e dispensa maiores consideraes. A especial gravidade da situao no

    Brasil, porm, decorre de algumas particularidades que devem ser registradas. No caso

    brasileiro, no h um debate terico que pretende flexibilizar um modelo de garantias de

    direitos humanos j existente e razoavelmente consolidado, como seria o caso, e.g., dodebate sobre o direito penal do inimigo na Alemanha. A realidade brasileira sequer

    45 Para algum material sobre essa discusso, v.: JAKOBS, Gnther e CANCIO MELI, Manuel,Direito Penal do Inimigo Noes e Crticas, 2 ed. Trad. Andr Lus Callegari e Nereu JosGiacomolli. Porto Alegre:Livraria do Advogado 2007; ZAFFARONI, Eugenio Ral, O Inimigo noDireito Penal, Traduo de Srgio Lamaro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan 2007; PREGER,Guilherme. Homo Sacer da Baixada. Disponvel em: http://www.novae.inf.br/pensadores/homo_sacer_baixada.htm. Acesso em 08 de setembro de 2010; CARVALHO, Thiago Fabresde, O direito penal do inimigo e o direito penal do homo sacer da baixada: excluso evitimizao no campo penal brasileiro, Revista da Procuradoria Geral do Esprito Santo. Vitria,

    v.5, n. 5. 1/2 sem. 2006

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    chegou a construir ou consolidar ainda um modelo de garantias de direitos humanos.

    Ademais, no Brasil, a lgica que identifica no criminoso um inimigo, um no titularde

    direitos e at mesmo uma no pessoa embora no de forma explcita e no no plano

    terico acaba sendo aplicada no contexto de qualquer atividade criminosa, e no,

    como pretendem os defensores tericos do direito penal do inimigo, aos indivduos

    envolvidos em crimes de especfica gravidade.

    Em resumo, as explicaes identificadas no incio deste tpico no

    esclarecem de forma adequada ou consistente a forma como a sociedade brasileira trata

    a populao carcerria. A hiptese explicativa de que se cogita para o fenmeno

    envolve a formao moral e social da sociedade brasileira, que no teria incorporado adespeito do discurso e do que dispe a legislao as noes de igualdade e dignidade

    essenciais dos indivduos, trabalhando, diversamente, com uma concepo de dignidade

    que se vincula no ao ser humano em si, mas quilo que ele faz ou deixa de fazer.

    III. Violao aos direitos dos presos: mais violncia. Uma tentativa de recolocar a

    discusso sob outra perspectiva

    Caso a hiptese explicativa que se props no tpico anterior possa de fato

    ser confirmada, o Direito brasileiro enfrentar (ou continuar a enfrentar) um problema

    estrutural da maior gravidade, j que a capacidade do Direito de modificar as

    concepes morais e filosficas das pessoas bastante limitada; mais ainda em um

    ambiente de medo no qual as pessoas se sentem permanentemente ameaadas pela

    violncia, que assume rosto e corpo na figura dos presos. Assim, sem prejuzo dospapis que o Direito pode desempenhar nesse contexto, parece relevante trazer tona,

    at para fomentar algum debate sobre o assunto, o equvoco de a sociedade imaginar

    que o tratamento conferido aos presos no repercutir negativamente sobre ela mesma,

    como se fosse possvel segregar de forma rgida esses dois mundos: o mundo fora das

    prises e o mundo dentro das prises.

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    A violncia urbana um fenmeno complexo e multicausal. No o caso

    de discorrer sobre essas causas e nem sobre a importncia de cada uma delas. O que se

    pretende registrar apenas que h indcios consistentes de que o tratamento desumano

    conferido aos presos pelo sistema prisional brasileiro acaba por contribuir para o

    incremento da criminalidade e da violncia urbana. Essa relao pode ser observada em

    ao menos duas circunstncias diversas: no grande nmero de crimes graves adicionais

    cometidos por suspeitos, na tentativa de evitarem a priso, e nos nveis altssimos de

    reincidncia verificados no Brasil.

    Com efeito, frequente no Brasil que os suspeitos procurem a todo custo

    evitar a priso praticando novos crimes muitas vezes mais graves e violentos queaqueles que motivaram sua priso inicialmente. Assim, comum que suspeitos reajam

    ordem de priso, ou mesmo simples aproximao da polcia, atirando nos policiais,

    roubando veculos para a fuga e fazendo refns. Infelizmente, bastante comum que

    perseguies policiais resultem na morte dos prprios suspeitos, de policiais e,

    sobretudo, de terceiros que, por falta de sorte, se encontravam na regio do confronto e

    acabaram sendo atingidos por disparos no fogo cruzado46

    Uma das explicaes mais plausveis para essa espcie de

    comportamento bastante generalizado no Brasil justamente o pavor que os suspeitos

    46 Infelizmente, os casos de mortes ocorridas no contexto de perseguies policiais so muitose se repetem continuamente. Alguns exemplos seguem abaixo. Perseguio policial faz 4mortos e 2 feridos em Bonsucesso. PMs trocaram tiros com criminosos na Avenida dosDemocrticos. Ainda no h informaes sobre o estado de sade dos feridos. G1 RJ, 22 abr.2010. Disponvel em: . Acesso em: 23 abr. 2010. Perseguio acaba em

    trs mortos. Tribuna do Norte, 22 jan. 2010. Disponvel em:. Acesso em:23 abr. 2010. Dois homens so mortos durante perseguio no Recreio dos Bandeirantes,zona oeste do Rio. Na ao, criminosos renderam motoristas; shopping e loja foram alvejados,R7 Notcias, 11 jan. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 23 abr. 2010. Trs so mortos em perseguio aps assalto abanco no RS. Notcias Terra, 17 fev. 2010. Disponvel em:. Acesso em: 23 abr. 2010. Perseguiotermina com dois bandidos mortos em Curitiba, Marcelo Velinho. Paran Online, 31 mar. 2010.Disponvel em: . Acesso em: 23 abr. 2010.

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    tm das condies a que sero submetidos nos estabelecimentos prisionais:

    superlotao, fome, maus tratos, violncia, tortura e abusos sexuais variados47. A

    perspectiva desse quadro faz parecer mais vantajoso, para o suspeito, tentar evitar a

    priso a qualquer custo, ainda que por meio de mais violncia e da prtica de novos

    crimes. At porque, embora as penas por esses novos crimes caso aplicadas possam

    ser ainda maiores que as associadas aos crimes originais que motivavam a priso, j se

    registrou acima que o percentual de condenaes muito pequeno em face da

    quantidade de crimes cometidos. A ameaa de condenao futura acaba por ter um peso

    muitssimo menor que a ameaa presente da priso e das condies do sistema prisional.

    Um segundo ambiente no qual se observa uma relao causal bastanteconsistente entre as condies prisionais e o incremento da violncia o da

    reincidncia. Estima-se que cerca de 70% dos presos no Brasil, uma vez em liberdade,

    voltam a ser presos pela prtica de novos crimes48. Mesmo no Brasil49, esses percentuais

    47 A superlotao no o nico problema do sistema prisional brasileiro e nem existeisoladamente. Veja-se, sobre o tema da violncia dentro dos presdios, os comentrios noRelatrio Especial da ONU sobre Execues Extrajudiciais, Sumrias ou Arbitrrias. Disponvelem: . Acesso em:

    22 abr. 2010: Os atrasos no processamento de transferncias, a violncia dos agentespenitencirios e as ms condies gerais propiciam o crescimento das faces dentro dasprises, que conseguem justificar sua existncia populao carcerria como um todo ao dizerque agem em prol dos internos para obter benefcios e evitar a violncia. A m administrao econdio carcerria facilitam no apenas as rebelies, mas contribuem diretamente para ocrescimento das faces de criminosos.

    Na maioria das unidades, o Estado no exerce controle suficiente sobre os internos, e deixa asfaces (ou outros presos nas unidades neutras) resolver entre si as questes de seguranainterna das unidades. s vezes, internos selecionados recebem mais poder sobre os outrospresos do que os prprios agentes. Eles assumem o controle (s vezes brutal) da disciplinainterna e da distribuio de comida, medicamentos e kits de higiene. Essas prticas muitasvezes resulta em lderes de faces controlando as prises. V. ainda, Relatrio do Instituto de

    Direitos Humanos da International Bar Association (Um em cada cinco: a crise nas prises e nosistema de justia criminal brasileiro), de fevereiro de 2010 , p. 13: A efetiva dominao demuitas prises brasileiras por grupos criminosos destaca um dramtico fracasso daadministrao da justia criminal e do sistema penal. Disponvel em:. Acesso em: 22 abr. 2010).48 BRASIL. Ministrio da Justia. Penas Alternativas: evoluo. Disponvel em:. Acesso em: 26 abr. 2010.49 No simples fazer uma comparao adequada entre os dados de diferentes pases, noapenas pelo critrio utilizado variar, mas tambm porque os sistemas de justia criminalfuncionam de forma diversa e em ritmos variados. Seja como for, algumas informaes sobre a

    realidade de outros pases podem ser uteis. Na ndia, de acordo com o National Crime RecordsBureau, 8,7% dos presos voltam priso por novos crimes (disponvel em:

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    so relativamente menores nas hipteses em que a legislao admite e so, de fato,

    aplicadas penas alternativas, que no envolvam encarceramento50. As razes que

    estabelecem esse nexo de causalidade podem ser variadas e apresentar naturezas

    diversas: detentos de menor potencial ofensivo acabam sendo integrados a faces

    criminosas dentro dos prprios presdios para conseguir sobreviver realidade prisional

    e nela prosseguem quando em liberdade; o tratamento desumano acaba por brutalizar

    completamente o indivduo e retirar-lhe toda a perspectiva de uma vida fora da

    criminalidade; o preso no recebe qualquer treinamento ou orientao profissional para,

    uma vez livre, ser capaz de sustentar-se por meio do trabalho, etc51. Seja como for, o

    que se observa que a probabilidade de o indivduo cometer novos crimes aps ter

    passado algum tempo no sistema prisional brasileiro bastante alta.

    IV. Concluses

    As principais ideias expostas ao longo deste trabalho podem ser

    resumidas nos seguintes termos. H vrias dcadas o tratamento conferido aos presos no

    Brasil , como regra geral e no como exceo , degradante e desumano. E issoapesar de o Brasil manter uma tradio, no plano internacional, de discurso a favor dos

    direitos humanos, e dos direitos dos presos em particular, de haver ampla e detalhada

    . Acesso em: 26 abr. 2010). Statistics Norwayinforma que, de 2001 a 2005, 47,1% dos que saem das prises cometeram novos crimes nopas (disponvel em: . Acesso em: 26 abr. 2010). As informaes fornecidas pela Swedish NationalCouncil for Crime Prevention so que, de 1991 a 2003, o nmero de reincidentes variou de23% a 36%, dependendo do critrio adotado (disponvel em:

    . Acesso em: 26abr. 2010).50 GOMES, Luiz Flvio. Presdios brasileiros geram "baixa produtividade". "S" 70% dereincidncia. Jus Navegandi, 2008. Disponvel em:. Acesso em: 23 maio 2010; e Estudomostra que condenados a penas alternativas tm baixa reincidncia. ltima Instncia, 22 mar.2010. Disponvel em:. Acesso em: 23 abr. 2010.51 possvel cogitar ainda de outras razes que no se ligam diretamente s condies darealidade prisional mas esto relacionadas a mesma hiptese explicativa que, segundoproposto acima, explica a perpetuao dessas condies. Uma vez em liberdade, o ex-preso

    sofre ampla rejeio da sociedade e isso dificulta sua integrao.

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    legislao interna sobre os direitos dos presos e de existirem at recursos financeiros

    reservados para polticas penitencirias. A explicao de que se cogita para essa

    circunstncia de fato diz respeito formao da sociedade brasileira, que no teria

    incorporado a despeito do discurso e do que dispe a legislao as noes de

    igualdade e dignidade essenciais dos indivduos, trabalhando, diversamente, com uma

    concepo de dignidade que se vincula no ao ser humano, mas quilo que ele faz ou

    deixa de fazer. Os presos, portanto, no seriam considerados titulares de dignidade ou

    de direitos.

    Por fim, e j que o recurso ao argumento da dignidade no tem produzido

    efeito na realidade brasileira e nem mesmo o Direito j editado sobre o assunto tem sidocapaz de transformar a situao prisional nas ltimas dcadas, talvez seja til, para

    suscitar algum debate sobre o tema, a percepo de que aquilo que a sociedade mais

    teme a violncia pode acabar por ser incrementada pela forma como os presos so

    tratados pelo sistema prisional. Dois exemplos dessa relao entre as condies do

    sistema prisional e o incremento da violncia so os nveis de reincidncia e a frequente

    prtica de novos crimes pelos suspeitos na tentativa de evitarem a priso.

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