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Discussão sobre os gêneros do discurso a partir da perspectiva bakhtiniana e de outras.

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    CAMPOS-TOSCANO, ALF. O percurso dos gneros do discurso publicitrio: uma anlise das propagandas da Coca-Cola [online]. So Paulo: Editora UNESP; So Paulo: Cultura Acadmica, 2009. 257 p. ISBN 978-85-7983-011-2. Available from SciELO Books .

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    Reflexes sobre gneros do discurso

    Ana Lcia Furquim Campos-Toscano

  • 1Reflexes

    sobre gneros do discurso

    A lngua penetra na vida atravs de enunciados concretos que a realizam, e tambm atravs dos enunciados concretos que a vida penetra na lngua.

    Bakhtin, 2000, p.282

    Origem e histria dos gneros literrios

    A palavra gnero, da base indoeuropeia gen, carrega em seu sentido inicial a ideia de gerar, produzir. Na origem latina, encontramos o substantivo genus, eris, que tem como significado linhagem, descendncia, estirpe, raa (Cunha, 1986). Ainda no campo etimolgico, Cunha (1986, p.383) considera gneros como espcies com caracteres comuns, espcie, ordem, classe.

    Ao buscarmos o sentido de gnero, no dicionrio, encontramos em Houaiss & Villar (2001) inscrita a ideia de classificao e de estilo, em particular nas artes plsticas e na literatura:

    4. art. plst. Cada uma das categorias em que so classificadas as obras artsticas, segundo o estilo e a tcnica usada. (g. surrealista). 5.

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    Lit. em teoria literria, cada uma das divises que englobam obras literrias de caractersticas similares (inicialmente tripartite e j objeto de estudo de Plato e Aristteles, com o Romantismo que os estudos sobre os gneros alcanam maior divulgao, sendo tambm divididos em trs: lrico, pico e dramtico; no entanto, o problema de classificao dos gneros permanece com o aparecimento, por exemplo, da narrativa, atualmente considerada como um gnero proveniente, segundo alguns, do desenvolvimento do gnero pico. 6. estilo prprio de um artista ou escritor (sua pintura lembra o gnero de Matisse).

    [...]12. Ret. Diviso e classificao dos discursos segundo os fins que

    se tem em vista e os meios empregados.

    Embora, no campo da retrica, a definio apresentese mais abrangente por se tratar da diviso e classificao dos discursos de acordo com a finalidade comunicativa e pelos meios empregados em sua constituio, aproximandose da ideia de gnero como vnculo entre linguagem e atividades humanas, h ainda a prevalncia da concepo de gnero como classificao.

    A reiterao de termos como categoria, classificao, diviso, caractersticas, estilo, denota que o conceito de gnero no ultrapassa a noo de espcie, ficando, portanto, inscrito como uma categoria de classificao em que traos comuns, ou seja, caractersticas so agrupadas em uma obra artstica.

    Em Ferreira (1986, p.844) tambm encontramos uma definio que confirma o exposto acima:

    5. Nas obras de um artista, de uma escola, cada uma das caractersticas que, por tradio, se definem e se classificam segundo o estilo, a natureza ou a tcnica: os gneros literrios, musicais, pictricos. 6. Classe ou natureza do assunto abordado por um artista: gnero dramtico; gnero romntico.

    O conceito de gnero, concebido dessa maneira, traz em seu bojo questes como a tradio, a forma e a estabilidade. Da Antiguidade grecolatina, nos estudos de Plato e de Aristteles,

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    advm tambm a ideia de classificao com base em aspectos formais.

    O mais antigo conceito de gnero advm de Plato, no livro III de A repblica, em que apresenta trs divises dentro da poesia, a saber: uma inteiramente imitativa como a tragdia e a comdia; a segunda, considerada no mimtica, encontrada principalmente nos ditirambos1 e que podemos aproximadamente chamar, hoje, de lrica; e, por ltimo, a pica, composta pela mistura das duas primeiras. Nessa diviso, evidenciase a concepo do gnero como imitao e representao, visto que, para Plato, pode ser constitudo pela imitao do discurso de outra pessoa, aproximandose o mximo possvel do estilo imitado ou da narrao do prprio poeta.

    importante observar tambm que essa diviso em trs abolida no livro X da referida obra, quando Plato passa a considerar toda a poesia como mimtica. As razes dessa mudana no so esclarecidas pelo filsofo, mas acreditase que, da redao do livro III para o X, tenha transcorrido um perodo de tempo durante o qual ele modificou suas concepes a respeito do gnero.

    Com Aristteles, h tambm uma tentativa de sistematizao das formas literrias, mas sua Potica ficou incompleta. Desse modo, temos uma ideia aproximada do que seriam os gneros. Aristteles tratou da epopeia, da tragdia, da comdia e do ditirambo, mas ocupouse principalmente da tragdia, seguida da epopeia e da comdia.

    Aristteles estudou os gneros de acordo com as seguintes modalidades: os meios, os objetos e os modos. A mimese realizase de acordo com meios diversos, pois, para o filsofo, a imitao o fundamento de todas as artes e sua diversificao ocorre segundo os

    1 De acordo com Moiss (1999), ditirambo, por volta do sculo VII a.C., era um canto em louvor a Baco. Nos sculos VII e VI a.C., o poeta Arion, de Corinto, introduziu o coro de cinquenta participantes, destacando o lder do coro (corifeu) e implantando, assim, o dilogo, que contribuiu para a constituio da tragdia. No sculo V a.C., ao ser introduzido em Atenas pelo poeta Laso, sofreu alteraes em sua forma e passou a focalizar, alm de Dioniso, outros deuses e mitos at tornarse completamente profano.

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    meios utilizados. Por exemplo, na poesia ditirmbica so utilizados ao mesmo tempo o ritmo, a melodia e o verso, ao passo que na tragdia e na comdia os meios so utilizados separadamente.

    Quanto aos objetos diversos da mimese, possvel imitar pessoas nobres ou ignbeis, virtuosas ou no virtuosas, de ndoles elevadas ou inferiores, distinguindo, desse modo, a tragdia da comdia, pois a primeira tende a representar uma ao elevada de homens superiores, enquanto a segunda a imitao de homens inferiores. Podemos dizer que, ao associar o gnero com as pessoas imitadas como de carter superior ou inferior, transparecem, mesmo que de maneira tmida, valores sociais que refletem algumas concepes ideolgicas da poca. Todavia, os valores sociais so apresentados como forma de sistematizar um gnero, darlhe uma estrutura fixa.

    Por ltimo, os gneros podem ser constitudos segundo os diversos modos de mimese, ou seja, o poeta pode, pelos mesmos meios, imitar os mesmos objetos, seja narrandoos quer assumindo a personalidade de outro personagem, como fez Homero, quer na primeira pessoa, sem mudla , seja permitindo que as personagens ajam elas mesmas (Aristteles, 1999, p.39). Assim, Aristteles considera dois modos fundamentais de mimese potica um modo narrativo e um dramtico.

    A diviso apresentada por Aristteles est fundamentada ora em elementos relativos ao contedo, como a distino entre os objetos imitados na tragdia e na comdia, ora em elementos referentes forma, como quando separa o processo narrativo usado, por exemplo, no poema pico e o processo dramtico empregado na tragdia. Em outros momentos, tambm se preocupa com o emprego do que considera adornos, como ritmo, versos, melodia. Entretanto, muitas vezes, verificamos uma preocupao maior com a forma.

    Entre os romanos, a questo dos gneros aparece na Epistola ad Pisones, de Horcio,2 que concebe o gnero literrio como uma tradio formal, na qual prevalece o metro, por uma determinada te

    2 Epistula ad Pisones uma carta dirigida pelo poeta a seus amigos, os Pises.

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    mtica e pela relao entre os receptores, mediada por esses aspectos formais e temticos. Segundo ele, os gneros deveriam ter estrutura e funo estabelecidas por uma lei, ou seja, cada assunto em diferentes gneros deveria ocupar seu respectivo lugar. Assim, no se deve utilizar um metro prprio da tragdia em um contedo cmico, o que evidencia a separao absoluta entre os gneros, negando qualquer possibilidade de hibridismo e fixando a regra da unidade de tom que prescreve a separao rgida entre os gneros, como podemos observar nesse trecho:

    Se no posso nem sei respeitar o domnio e o tom de cada gnero literrio, por que saudar em mim um poeta? Por que a falsa modstia de preferir a ignorncia ao estudo? A um tema cmico repugna ser desenvolvido em versos trgicos; doutro lado, o Jantar dos Tiestes3 indignase de ser contado em composies caseiras, dignas, por assim dizer, do soco.4 Guarde cada gnero o lugar que lhe coube e lhe assenta. (Horcio, 2005, p.57)

    Vale ressaltar que, em Horcio, assim como em Aristteles, no h classificao ternria dos gneros literrios, como Plato havia formulado.

    Segundo Silva (1983), foi na Idade Mdia que a diviso tridica dos gneros literrios, elaborada por Diomedes no sculo IV, difundiuse, e, apesar de algumas modificaes, uma cpia da classificao platnica. Desse modo, segundo Diomedes, os gneros literrios podem ser divididos em: genus actiuum uel imitatiuum, como a tragdia e a comdia, por apresentarem apenas aspectos enunciativos dos personagens, sem interveno enunciativa do poeta; os genus enarratiuum, no qual apenas o poeta fala, representado, por exemplo, pelos livros IIII das Gergicas, de Virglio; genus commune uel mixtum, caracterizado pela mistura dos dois gneros precedentes (os atos enunciativos do poeta e dos personagens), como a Odisseia, de Homero, e a Eneida, de Virglio.

    3 Tema de tragdias gregas e latinas.4 Soco um calado utilizado na comdia e o coturno, na tragdia.

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    Como havia o princpio de que toda a poesia estava fundada na mimese, no se concebia a lrica como gnero literrio. Porm, do Renascimento at o barroco, essa classificao tripartida dos gneros, considerada uma verdade inquestionvel, foi, progressivamente, sendo modificada pela incluso da lrica, que, ao lado da tragdia e da epopeia, compe a acepo moderna de gneros literrios.

    No Renascimento, houve um revigoramento dos gneros advindos da Antiguidade Clssica. Nessa poca, entendiamse os gneros como formas fixas, mantidas por regras inflexveis s quais os escritores deveriam obedecer. Assim, cada gnero (dramtico, pico e lrico) se subdividia em gneros menores, mas que se distinguiam uns dos outros pelo rigor de regras que incidiam nos aspectos formais, estilsticos e temticos. Essas regras seguiam os paradigmas das grandes obras da Antiguidade grecoromana ou as orientaes de preceptistas autorizados como Aristteles e Horcio.

    Alm da classificao dos gneros, tambm havia a hierarquizao de valores, colocando, por vezes, a epopeia como gnero maior, ora, seguindo as ideias aristotlicas, a tragdia. Assim, a tragdia, como expresso do estado emocional do homem, suas inquietudes e dores diante do mundo, e a epopeia, exposio do herosmo de homens nobres, fortes e corajosos, traduzem interesses elevados. Nesse perodo, a tragicomdia entrou em declnio em virtude de a comdia ser considerada gnero menor, assim como pelo fato de a regra da unidade de tom impedir a mistura dos gneros.

    Entretanto, foi no perodo do barroco que a polmica dos problemas do gnero e das regras intensificouse. Nessa poca, admitiase a possibilidade de criao de novos gneros ou o desenvolvimento dos j existentes, assim como a valorizao dos gneros mistos, fazendo com que a tragicomdia tornasse uma importante manifestao literria barroca.

    Somente no perodo do romantismo, a noo de gnero sofreu modificaes, principalmente com o advento do romance (Moiss, 1999). Da imposio de um modelo, de uma lei clssica, surgiu a liberdade; em lugar do absolutismo, prevaleceu o relativismo; da exigncia da norma, emergiu o indivduo. Nesse momento, aceitou

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    se a ideia de que os gneros tradicionais pudessem misturarse e produzir novos gneros, como a tragicomdia. Victor Hugo, por exemplo, em Prefcio de Cromwell, condenou a regra da unidade de tom e a pureza dos gneros em prol do princpio dos contrrios presentes na vida, ou seja, o entrelaamento do belo e do feio, do sublime e do grotesco:

    um verso livre, franco, leal, que ousasse tudo dizer sem hipocrisia, tudo exprimir sem rebuscamento e passasse com um movimento natural da comdia tragdia, do sublime ao grotesco; alternadamente positivo e potico, ao mesmo tempo artstico e inspirado, profundo e repentino, amplo e verdadeiro; que soubesse quebrar o propsito e deslocar a cesura para disfarar sua monotonia de alexandrino [...]. (Hugo, 1988, p.68)

    Nas ltimas dcadas do sculo XIX, Brunetire, crtico e professor universitrio francs, influenciado pelas ideias evolucionistas de Darwin, defendeu o propsito de que o gnero literrio um organismo que nasce, se desenvolve, envelhece, morre ou se transforma devido ao domnio de outros gneros mais fortes. Assim, como no processo evolutivo, os gneros novos poderiam surgir a partir de transformaes de gneros antigos (Lima, 2002 ).

    A concepo evolucionista e positivista de gnero foi combatida por Benedetto Croce, que defendia a ideia de que cada obra de arte deve ser vista isoladamente, porque cada obra nica, expressa um estado de esprito individual. importante ressaltar que Croce denunciou o imperativo das leis clssicas do gnero, os preceitos rgidos da diviso tripartite e, em particular, a ideia de o estudo dos gneros estar aliado a mtodos das cincias naturais.

    Ainda no mbito literrio, podemos verificar que o problema dos gneros continua indefinido, embora no modernismo encontremos maior aceitao do hibridismo dos gneros. Essa concepo est focada na ideia dos traos estilsticos recorrentes de cada gnero. Assim, em uma obra podemos verificar quais so os que se interrelacionam por meio de traos que caracterizam a forma.

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    Novamente deparamonos com a concepo de gnero como categoria, classificao, ou seja, a ideia de famlia, estirpe que est presente na origem da palavra. O homem, acostumado a classificar e a ordenar, seleciona por meio de caractersticas comuns e constantes nas obras literrias o que convencionalmente chamamos de gnero. Criamse, assim, modelos, estruturas repetidas e repetveis que se perpetuam ao longo dos tempos. Porm, sabemos que o enunciador tambm pode modificar essas estruturas, pode movimentarse e construir enunciados, ora estveis, ora moventes, mutveis, modificados, hbridos.

    Para a literatura, a tradio ainda um pano de fundo pelo qual o autor se expressa, mesmo que seja possvel imprimir seu estilo obra criada. Nessa concepo, Moiss (1999, p.248) considera que os gneros,

    ao contrrio de espartilhos sufocantes, so estruturas que a experincia histrica ensina serem bsicas para a expresso do pensamento e de certas formas de encarar a realidade circundante. Desempenham, assim, funo orientadora e simplificadora: cada escritor encontra sua disposio um arsenal de recursos expressivos que lhe facilitam enormemente a tarefa da comunicao.

    A comunicao, nesse contexto, vista como a relao entre o escritor e seu leitor e, desse modo, o gnero concebido como uma maneira de unir os dois sujeitos da comunicao, tendo em vista que so formas relativamente estabilizadas, ou seja, funcionam como um cdigo. Ao seguir uma forma tradicional, o escritor pode ser original e criar sua obra artstica.

    Nesse levantamento da origem, dos questionamentos e do desenvolvimento dos estudos sobre gneros, podemos observar que, de Plato e Aristteles teoria literria, a concepo de classificao permaneceu quase inalterada, no fosse a emergncia do entendimento do discurso como prtica social, como relao intersubjetiva em que os sujeitos da comunicao apresentam diferentes valores sociais, em momentos e espaos diversos. Segundo Bakhtin

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    (2000, p.280), os gneros literrios foram estudados pelo ngulo artsticoliterrio de sua especificidade, das distines diferenciais intergenricas (nos limites da literatura) e no pelo contexto sciohistricocultural e, muito menos, relacionase com os diferentes fazeres do homem.

    com esse novo olhar sobre o gnero que Bakhtin (1997, p.106) discute a possibilidade de permanncia e de renovao dos gneros, inclusive os literrios:

    Por sua natureza mesma, o gnero literrio reflete as tendncias mais estveis, perenes da evoluo da literatura. O gnero sempre conserva os elementos imorredouros da archaica. verdade que nele essa archaica s se conserva graas sua permanente renovao, vale dizer, graas atualizao. O gnero sempre e no o mesmo, sempre novo e velho ao mesmo tempo. O gnero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em cada obra individual de um dado gnero. Nisto consiste a vida do gnero. Por isso, no morta nem uma archaica com capacidade de renovarse. O gnero vive do presente mas sempre recorda o seu passado, o seu comeo. o representante da memria criativa no processo de desenvolvimento literrio. precisamente por isto que tem a capacidade de assegurar a unidade e a continuidade desse desenvolvimento.

    Ainda em relao literatura, o crculo de Bakhtin discute, no texto Discurso na vida e discurso na arte, a correlao entre enunciado artstico e enunciado do cotidiano. Os estudos bakhtinianos referentes literatura concebem as palavras carregadas de valores sociais, comprovando a ideia de que uma obra literria, assim como o discurso da vida diria, est orientado para os valores axiolgicos de uma dada sociedade.

    Segundo o filsofo russo, a forma determinada por avaliaes sociais feitas por meio de selees de palavras que levam em conta a relao intersubjetiva de toda comunicao, ou seja,

    julgamentos de valor, antes de tudo, determinam a seleo de palavras do autor e a recepo desta seleo (a cosseleo) pelo ouvinte. O poe

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    ta, afinal, seleciona palavras no do dicionrio, mas do contexto da vida onde as palavras foram embebidas e se impregnaram de julgamentos de valor. (Voloshinov & Bakhtin, [s.d.], p.12)

    Por essa perspectiva, o estudo da obra de arte deve levar em conta os sujeitos da enunciao (o poeta e seu ouvinte) e o objeto do enunciado, o heri. Numa crtica aos estudos formalistas, nesse texto considerase que a forma da obra de arte privilegiada, sendo considerada a forma do material. Assim, o contedo no levado em conta e o enunciatrio, por esse prisma, passivamente, sente o prazer apenas pela esttica da arte. Afirmase, desse modo, a necessidade de entender a literatura como uma forma de comunicao.

    Bakhtin defende a ideia de que ambos os discursos artstico e da vida so produtos da interao verbal, sendo impossvel dissociar os trs elementos que os compem: o autor/enunciador, o heri e o ouvinte/enunciatrio.

    Na proposio de um estudo da forma, Bakhtin apresenta dois aspectos relevantes: em primeiro lugar, a forma no deve ser dissociada do contedo sob a iminncia de se tornar uma experincia esvaziada, e, em segundo lugar, em relao ao material, como a realizao tcnica dessa avaliao.

    Tambm demonstra que os estudos da forma clssica so hierarquizados, considerando o estilo alto ou baixo, pois, como afirma Bakhtin (Voloshinov & Bakhtin, [s.d.], p.14), os componentes estilsticos mais importantes do heri pico, da tragdia, da ode, e assim por diante, so determinados precisamente pelo status hierrquico do objeto do enunciado, com relao ao falante.

    No entanto, no se deve levar somente em considerao o valor hierrquico do material para a determinao da forma artstica, mas tambm a relao entre autor e heri, assim como o fato de o ouvinte exercer influncia sobre os outros dois, ou seja, a forma um produto da vida social. Para Bakhtin, o estilo no o homem, mas pelo menos dois homens, isto , o autor e seu grupo social representado na pessoa do ouvinte. Verificamos, assim, que, ao contrrio dos estudos literrios sobre os gneros artsticos, Bakhtin no dis

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    socia vida e arte, comunicao e literatura, embora haja diferenas entre os discursos da vida e os da arte.

    Para nosso trabalho, uma questo relevante para o estudo dos gneros diz respeito ao desenvolvimento de novos meios de comunicao, como os de massa, quando surgiram novas formas de interao e, consequentemente, foram criados novos gneros, como os jornalsticos, os publicitrios e, ainda, os gneros oriundos do rdio, da televiso e da internet. Tambm ocorreram modificaes, havendo, muitas vezes, um processo de hibridizao, provocando instabilidades e novos olhares sobre a concepo de gnero discursivo.

    Os gneros do discurso: uso social da lngua

    Na esteira dos estudos de Mikhail Bakhtin a respeito dos gneros do discurso e sua relao com a produo humana e a comunicao, a concepo de gnero j no est mais centrada na forma esttica e rgida dos gneros literrios, mas na dinamicidade advinda das diversas possibilidades de atividade do homem.

    Assim, o gnero, inserido em um contexto espaotemporal, concebido como produo em constante movimento, como dilogo no s entre os sujeitos da comunicao, mas tambm entre textos, entre discursos.

    Bakhtin, ao problematizar a questo dos gneros do discurso, evidencia justamente a oposio entre a concepo de lngua como abstrao gramatical e como meio de comunicao. Desse modo, entende que as diversas esferas da atividade humana esto relacionadas com a linguagem, ou seja, o enunciado na esfera do discurso uma unidade da comunicao humana e no somente uma sentena inscrita na gramtica.

    Nas palavras de Bakhtin (2000, p.279),

    A utilizao da lngua efetuase em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e nicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condies

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    especficas e as finalidades de cada uma dessas esferas, no s por seu contedo (temtico) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleo operada nos recursos da lngua recursos lexicais, fraseolgicos e gramaticais , mas tambm, e sobretudo, por sua construo composicional.

    Ao conceber o enunciado como concreto e nico, Bakhtin acentua a noo de acontecimento, de evento, ou seja, cada enunciado s pode ocorrer uma nica vez, pois sempre h um novo enunciado emitido em outra situao espaotemporal, com outros valores sociais, o que caracteriza a linguagem como social.

    O enunciado, ao refletir as condies do agir do homem, evidencia a especificidade de cada esfera da atividade humana e a elaborao desses enunciados relativamente estveis, o que Bakhtin denomina gneros do discurso.

    Por essa concepo, h uma heterogeneidade das prticas da linguagem e, consequentemente, das atividades humanas, da a dificuldade em traar limites para os gneros, visto que, muitas vezes, tambm h uma hibridizao, uma mistura entre diferentes gneros.

    Os gneros, assim, tm que estar abertos para a mudana, para a remodelao, pois a forma, na concepo bakhtiniana, passa a ser entendida, ao mesmo tempo, como estabilidade e instabilidade, como reiterao e abertura para o novo, pois um gnero novo traz recorrncias de gneros antigos, equilibrandose entre o esttico e o dinmico.

    Nesse processo contnuo de mudana, possvel reconhecer similaridades e recorrncias da forma, entendendo, portanto, que os enunciados so relativamente estveis, mas auxiliam na organizao das mais diversas atividades humanas, orientando nosso agir e permitindo que nos adaptemos a novas circunstncias que, porventura, possamos viver. H, desse modo, estreito vnculo entre lngua e vida, pois a lngua penetra na vida atravs dos enunciados concretos que a realizam, e tambm atravs dos enunciados concretos que a vida penetra na lngua (Bakhtin, 2000, p.282).

    Entendemos, desse modo, que o gnero no deve ser abstrado da esfera que o cria e o usa, sendo importante conhecer o tipo de

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    atividade, o contexto espaotemporal e as relaes intersubjetivas. Como o tempo histrico e o espao social, os gneros representam e refratam a realidade de acordo com as manifestaes dos sujeitos da comunicao. Novamente, deparamonos com as es/instabilidades, pois a forma pode ser entendida como representao esttica de uma determinada cultura contextualizada no tempoespao e como produto do processo dialgico entre os sujeitos da enunciao.

    De acordo com Bakhtin (2000), devese considerar tambm a viso excedente ou exotpica, ou seja, um sujeito contemplado e completado pelo olhar do outro. Por essa concepo, vemos e sabemos sempre algo que o outro no sabe, devido a sua posio espacial, pois, quando estamos nos olhando, dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos. Graas a posies apropriadas, possvel reduzir ao mnimo essa diferena dos horizontes, mas, para eliminla totalmente, seria preciso fundirse em um, tornarse um nico homem. Esse excedente constante de minha viso e de meu conhecimento a respeito do outro condicionado pelo lugar que sou o nico a ocupar no mundo: neste lugar, neste instante preciso, num conjunto de dadas circunstncias todos os outros se situam fora de mim (Bakhtin, 2000, p.43).

    Desse modo, compreender os mais diversos gneros tambm colocarmonos no lugar do outro, identificarmonos com o outro a partir de seus valores sociais, de seu tempo, de sua posio no espao e depois voltarmos para nosso lugar a fim de complementar seu horizonte de acordo com o excedente de nossa viso, de nosso conhecimento, de nosso lugar, de nossos desejos. Pela viso excedente, surge um espao dialgico entre os sujeitos da comunicao e, como um elo de uma corrente, h atitudes responsivas ativas.

    O enunciatrio, ao compreender determinado enunciado, concorda, discorda, complementa, confronta, executa atividades ou ordens, deseja certo objeto, orienta sua vida, saindo de sua condio de ouvinte e entrando na condio de falante. Assim, na comunicao verbal, o enunciado uma unidade real que se interrelaciona com outros enunciados, em outros momentos, em outros lugares,

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    ou seja, apenas atravs da enunciao que a lngua toma contato com a comunicao, imbuise do seu poder vital e tornase uma realidade (Bakhtin, 1999, p.154).

    Pela perspectiva bakhtiniana do dialogismo como processo constante da comunicao, os gneros podem ser caracterizados como heterogneos, construdos pelos mais diferentes integrantes das atividades sociais e com as mais diversas finalidades.

    devido extrema heterogeneidade dos gneros discursivos que Bakhtin sugere a diviso entre gneros primrios e secundrios, isto , os primeiros so simples, do cotidiano, e os segundos so mais complexos, prprios da atividade escrita mais elaborada, como os gneros artsticoliterrios, cientficos e polticos.

    Os gneros primrios, constituintes do dilogo oral, do cotidiano e da linguagem familiar, podem estar inseridos nos gneros secundrios como o romance, no mbito literrio, ou nos discursos publicitrios e jornalsticos, no contexto da produo miditica atual. Essa absoro dos gneros primrios pelos secundrios possibilita a aproximao destes ltimos da comunicao verbal cotidiana. Mais uma vez, deparamonos com a possibilidade de mudanas, de transformaes, de heterogeneidade dos gneros.

    Os gneros do discurso: enunciados relativamente estveis?

    Os gneros discursivos so constitudos por enunciados relativamente estveis, cujo objetivo atender s necessidades da interao verbal. Em vista disso, os elementos componentes do enunciado contedo temtico, estilo e construo composicional esto intrinsecamente ligados aos valores e funes sociais do processo de comunicao.

    O estilo, por exemplo, constituise pela escolha dos recursos da lngua, como as categorias lexicais, morfolgicas e sintticas, de acordo com as finalidades de comunicao e, portanto, com a relao intersubjetiva entre o querer dizer do enunciador e a imagem que ele concebe do enunciatrio.

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    Conforme o gnero, h a possibilidade de maior ou menor individualizao do estilo, ou seja, quando a forma mais padronizada, pode limitarse a escolha dos recursos lingusticos, e quando menos padronizada, como os gneros literrios, favorece a individualizao do gnero.

    Tambm vale ressaltar que o estilo est indissoluvelmente ligado ao contedo temtico e, consequentemente, aos objetivos de uma dada interao verbal. Nessa ambincia, estilo, intuito discursivo, contexto sciohistricoeconmicocultural e a ambientao espaotemporal no podem ser isolados. Devem, sim, ser considerados elementos importantes para a caracterizao de um determinado gnero.

    Cada esfera das atividades humanas exige uma construo composicional, a saber, o tipo de relao entre os parceiros da comunicao e, por conseguinte, o tipo de estruturao e de concluso do todo do enunciado. Assim, ao associar esses elementos como constituintes da interao verbal, no possvel isollos, pelo contrrio, necessrio pensar nas mudanas do gnero como mudanas no estilo, na estruturao do enunciado e nos temas constituintes dos sentidos dos enunciados.

    A alterao do estilo tambm se relaciona a mudanas sociais e histricas, como o aparecimento de novos meios de comunicao e do desenvolvimento tecnolgico que, ao empregar a lngua em novas situaes comunicativas e com a complementao de recursos audiovisuais e at virtuais, que extrapolam a capacidade humana de se comunicar face a face, renovam e reestruturam o gnero, que passa, assim, tambm por isso, a ser concebido como um produto mutvel do contnuo processo de comunicao humana.

    Desse modo, o estilo no pode ser confundido com meros recursos gramaticais, ao contrrio, deve ser concebido como possibilidades criativas, dinmicas, inerentes ao processo de interao verbal de acordo com as finalidades de cada prxis humana.

    Tambm entendemos que, ao empregar um determinado estilo, constrise o todo do enunciado, que s ocorre por meio da possibilidade de resposta do enunciatrio, ou seja, quando h efetivamente

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    uma comunicao e no uma simples construo gramatical, caracterstica da orao isolada, destituda da enunciao.

    Cada esfera da comunicao humana tem uma finalidade comunicativa, por isso, h um intuito discursivo ou o quererdizer (Bakhtin, 2000) que acaba determinando o todo do enunciado, limitando ou abrindo os caminhos da enunciao. Na relao dialgica entre os sujeitos da comunicao so feitas escolhas lingusticas e, nesse trabalho, consideraremos tambm as escolhas audiovisuais quando se tratar da linguagem sincrtica. A comunicao passa, ento, a se constituir como um processo vivo, dinmico, em constantes mudanas e transformaes de acordo com a sociedade em que est inserida. Do mesmo modo, os gneros tambm so mutveis, flexveis, em contraposio s formas abstratas da lngua em estado gramatical ou dicionarizado.

    A estabilidade relativa dos gneros evidencia a dificuldade de delimitar formalmente os gneros do discurso. Em contrapartida, a mesma relativa estabilidade que possibilita nossa participao nos mais diferentes campos de atividades humanas, pois podemos nos comunicar para a concretizao de nosso fazer. Assim, ao dominarmos um determinado gnero por exemplo, um documento oficial , conseguimos participar de certos grupos sociais, em atividades como solicitao, deferimento, indeferimento, comunicados, entre outras.

    Caso no haja domnio dessa forma do gnero, no h participao, no h comunicao, no h o fazer humano. Portanto, no h como desvincular a prxis humana do ato comunicativo, no h como existir e se interrelacionar com o outro sem o conhecimento dos gneros e dos enunciados concretos que o constituem.

    Para Bakhtin (2000), a compreenso ativa est indissoluvelmente ligada a trs fatores, a saber: o tratamento exaustivo do tema, o intuito do enunciador e as formas tpicas de estruturao do acabamento do gnero.

    O tratamento exaustivo do tema depende do tipo de gnero caracterizado, como mencionado anteriormente, em primrio ou secundrio. A maleabilidade vai depender do contexto espaotempo

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    ral, da criatividade do enunciador e das possibilidades ou impos sibilidades de alterao do enunciado devido a coeres de ordem social. Da vem a concepo de que o domnio da lngua no pode estar estreitamente vinculado forma esttica gramatical, mas ao fluxo dinmico e vivo da comunicao diria, como tambm do conhecimento dos gneros, sem o qual impossvel modificlos.

    J os enunciados que compem os gneros secundrios exigem maior criatividade e elaborao da linguagem, mesmo porque tambm esto vinculados ao quererdizer do enunciador. Um romance, uma carta, uma propaganda, por exemplo, no tm como objetivo nico manter uma interao verbal, mas, muitas vezes, tm como princpio convencer, seduzir o outro, ou, at mesmo, proporcionar contemplao da esttica, visto que h a possibilidade, nas artes literrias, de manipular as palavras para a criao do belo.

    Assim, o intuito discursivo vinculase forma do gnero escolhido, ou seja, ao todo do enunciado, sua estruturao. H a necessidade da relativa forma padro para que possamos nos orientar quanto nossa participao social. O enunciado reflete tambm a expresso de emoes, de valores axiolgicos e de ideologias, pois, para Bakhtin (1999, p.41), o signo reflete e refrata a realidade em transformao.

    Como mencionado anteriormente, a comunicao s se efetiva quando adquire significao interindividual, isto , quando h o dilogo intersubjetivo, a resposta ativa do enunciatrio. Para isso, importante a experincia individual associada ao processo constante de interao verbal, pois, dessa maneira, incorporamos a palavra do outro, modificandoa ou assimilandoa.

    Ainda em relao ao intuito discursivo, h que se levar em considerao que o estilo e a composio esto ligados ao valor atribudo pelo enunciador a um determinado enunciado, ou seja, expressividade, s entoaes dadas, enfim, ao carter emotivo, valorativo e expressivo desse enunciador que, preocupado com o destinatrio e com sua reaoresposta, acaba por empregar ou no determinados recursos lingusticos. De acordo com Bakhtin (2000, p.321),

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    enquanto elaboro meu enunciado, tendo a determinar essa resposta de modo ativo; por outro lado, tendo a presumila, e essa resposta presumida, por sua vez, influi no meu enunciado (precavenhome das objees que estou prevendo, assinalo restries, etc). Enquanto falo, sempre levo em conta o fundo aperceptivo sobre o qual minha fala ser recebida pelo destinatrio: o grau de informao que ele tem da situao, seus conhecimentos especializados na rea de determinada comunicao cultural, suas opinies e suas convices, seus preconceitos (de meu ponto de vista), suas simpatias e antipatias, etc.; pois isso que condicionar sua compreenso responsiva de meu enunciado.

    O enunciador, sob influncia do enunciatrio, seleciona os recursos lingusticos de que necessita para a constituio do todo do enunciado concreto. O estilo, nessa perspectiva, no somente um recurso lingustico, gramatical, preso forma, mas contribui para a construo dos mais diversos gneros. Desse modo, de acordo com Bakhtin, a estilstica tradicional ignora esses aspectos do enunciado, da a exigncia de um estudo do enunciado dentro de uma cadeia comunicacional.

    O estilo: individual ou coletivo?

    Como foi dito anteriormente, Bakhtin critica a estilstica tradicional, que considera o estilo como uma atividade individual, centrada na pessoa do enunciador, ignorando, desse modo, a relao intersubjetiva, o coletivo, enfim, o dialogismo que configura um dos pontos centrais da teoria do Crculo de Bakhtin. Por essa razo, consideramos conveniente rever alguns estudos sobre estilo a fim de repensarmos sua concepo e importncia na constituio do enunciado concreto.

    Na Arte retrica, de Aristteles, verificamos no captulo II, Das qualidades do estilo, que uma das qualidades sugeridas pelo autor, alm da clareza e da resistncia em utilizar nomes rasteiros ou empolados, dar ao discurso um ar estrangeiro, uma vez que os homens admiram o que vem de longe e que a admirao causa prazer (Aristteles, 1964, p.189).

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    Por essa perspectiva, compreendese estilo como desvio do que comum para a construo de um discurso individual, pessoal, devido s escolhas lingusticas realizadas. Tambm no se pode deixar de mencionar o carter normativo presente nos estudos aristotlicos, visto que ele apresenta algumas condies para que o discurso tenha qualidades e consiga convencer seu ouvinte. Assim, h captulos em que o filsofo grego trata da beleza, da frieza, da convenincia do estilo, alm do estilo prprio de cada gnero. H tambm o estudo sobre as figuras de retrica, consideradas expresses capazes de separar o bom estilo do mau. As metforas, por exemplo, pela concepo aristotlica, podem ser um meio para dar clareza, agrado e o ar estrangeiro ao discurso e, assim, fugir do modo comum de se comunicar.

    J no contexto da retrica como crtica literria, partindo da etimologia, Tringali (1988, p.114) lembra que

    estilo se origina da palavra latina stilus que significa estilete, uma espcie de ponteiro que servia para escrever em tabuinhas enceradas, equivalentes a um caderno de notas. A parte posterior do estilete era achatada para apagar alisando a cera. Do sentido de instrumento para escrever, caneta, passa a significar modo individual de cada um escrever, modo peculiar como cada um usa a lngua.

    O estilo aparece novamente como modo individual de escrever e, nessa concepo, Tringali entende que o estilo se realiza no plano da expresso, da atividade lingustica, tendo em vista as escolhas feitas e as combinaes lingusticas. Opese gramtica, pois enquanto o estilo supe essas escolhas e combinaes, a gramtica dita o que deve ser ou no ser enunciado, ou seja, as regras que compem a norma padro.

    Ainda numa viso tradicional, podemos citar Mattoso Cmara Jr., que critica Saussure por privilegiar a langue e deixar de lado a parole, a funo expressiva e a de apelo. A lngua, nesse contexto, entendida como um sistema organizado comum a todos, em oposio fala, que um conglomerado de fatos assistemticos (C

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    mara Jr., 1977, p.9). Assim, Mattoso Cmara Jr. (1977, p.13) considera o estilo como a definio de uma personalidade em termos lingusticos, ou seja, estilo a exteriorizao afetiva de um enunciador e o impulso de fazer com que o enunciatrio partilhe da emoo, o que caracteriza a funo de apelo.5

    Desse modo, Mattoso Cmara Jr. concebe a estilstica como um complemento da gramtica, pois o falante utilizase de um sistema lingustico de representao e, ao mesmo tempo, empregao para seus impulsos expressivos e de acordo com ele. Em vista disso, Mattoso expe trs tarefas da estilstica, a saber: a caracterizao de uma personalidade a partir dos estudos da linguagem, isolamento dos traos lingusticos individuais e interpretao dos dados expressivos que constroem o estilo individual.

    A primeira tarefa apresentada por Mattoso caracteriza os estudos de Vossler e Leo Spitzer;6 na segunda h a presena das ideias de estilstica de Marouzeau, que considera o estilo proveniente das escolhas dos usurios da lngua de acordo com as possibilidades lingusticas colocadas disposio de suas necessidades. Por fim, na terceira h a concepo de Charles Bally, que Mattoso considera cheia de sugestes fecundas, visto que Bally voltase para os aspectos afetivos da lngua, ou seja, funo da estilstica estudar os fatos de expresso da linguagem organizada do ponto de vista da afetividade.

    Ainda, de acordo com Mattoso,

    A personalidade lingustica caracterizase pelos traos no coletivos do seu sistema e pela manifestao psquica que funciona em sua linguagem. Por outro lado, os traos nocoletivos do sistema so f

    5 Mattoso Cmara Jr. utiliza as trs funes de linguagem de Karl Buhler: representativa, expressiva e de apelo. A representao corresponde linguagem intelectiva, a expressiva a manifestao psquica e o apelo a funo centrada no enunciatrio.

    6 Os estudos estilsticos de Leo Spitzer partem da reflexo, de cunho psicologista, sobre os desvios da linguagem em relao ao uso comum. Segundo sua concepo, uma emoo, por exemplo, provoca um desvio da linguagem usual.

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    ceis ou antes, inelutavelmente transpostos para o plano da emoo e da vontade expressiva. A liberdade que a lngua faculta num ou noutro ponto permitenos ser originais continuando, pelo menos, inteligveis; e essa oportunidade o nosso esprito logo aproveita para o fim de suas exigncias expressivas. (Cmara Jr., 1977, p.16)

    Ao levantar essas questes entre o individual e o coletivo, Mattoso concebe a ideia de que o individual est ligado ao mundo dos sentimentos, da expresso, mas o coletivo, que est na langue saussuriana, deixa marcas em nossa expressividade, pois estamos por demais impregnados na atmosfera social por apresentar a esse respeito uma originalidade a cem por cento (Cmara Jr., 1977, p.16). Ainda citando Mattoso Cmara Jr. (ibidem), o estilo individual se esbate, assim, no estilo de uma poca, de uma classe, de uma cidade, de um pas.

    Brando (2005), ao discutir estilstica e gneros do discurso, aponta algumas ambiguidades presentes nas concepes de Mattoso, entre elas a posio assumida por ele de que o estilo est em qualquer tipo de manifestao de linguagem, mas seu corpus a anlise do texto literrio (estudos machadianos) e no a linguagem comum. Tambm menciona a ideia de que o estilo, para Mattoso, um desvio e que o texto literrio o mais propcio anlise desses desvios. Mais uma vez, esse estudioso descarta o estudo do estilo em diferentes manifestaes comunicativas. Desse modo, Brando (2005, p.14) afirma que Mattoso, embora tenha colocado a tenso entre o coletivo e o individual que a noo de estilo suscita, no aparece em suas preocupaes a problemtica do gnero [...], uma questo importante para os estudos do discurso e a relao gnero/estilo.

    Possenti, em seus estudos sobre o estilo na lingustica, levanta um ponto importante: tanto os gramticos como os linguistas tm como ponto de referncia a dicotomia lngua/fala ou os estudos das funes da linguagem, ou seja, so colocados como elementos opostos a gramtica e o estilo. Possenti tambm menciona o fato de que alguns linguistas, entre eles Bally e Mattoso Cmara Jr., entendem

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    o estilo como um fato da lngua, mas acabam seguindo o mesmo raciocnio, pois, mesmo que estudem somente a langue ou a parole, utilizam as funes da linguagem para os estudos estilsticos.

    Dessa maneira, para Possenti, a concepo de estilo de Mattoso no adequada, visto que compreendida como desvio da norma e concorre para a individualizao de uma personalidade,7 sendo, portanto, concebida como complemento da gramtica. justamente do conceito de estilo como desvio e sua colocao fora da gramtica que Possenti discorda. Para ele, os estudos sobre estilo devem partir da ideia da variabilidade dos recursos da lngua para a constituio de efeitos de sentidos de acordo com as necessidades e intenes do enunciador, pois

    o falante tem um papel, no s o contexto ou a classe a que pertence. Se no verdade que ele no est livre das regras lingusticas nem das sociais, tambm verdade que as regras lingusticas lhe permitem espaos e as regras sociais lhe permitem pelo menos aspiraes, representaes e, mesmo, rupturas de regras [...]. (Possenti, 1993, p.198)

    Tambm no podemos deixar de mencionar os estudos sobre estilo dos formalistas russos, que exerceram grande influncia nos anos 1920, como Chklvski, Boris Eikhenbaum, Tinianov e Roman Jakobson. Este ltimo, um grande propagador das ideias dos formalistas russos no Ocidente, desenvolveu um estudo sobre as funes da linguagem.

    Para os formalistas, importa o binmio produtorproduo, com nfase neste ltimo elemento, ou seja, o importante o processo da organizao de uma obra literria, sua forma, em detrimento de qualquer anlise extralingustica, contextual. Assim, a literariedade o objeto de estudo dos formalistas, isto , aquilo que transforma uma obra em literatura. justamente nesse ponto, a rejeio de fatores externos obra literria, que Bakhtin discorda dos

    7 Apesar da concepo de individuao, Mattoso relata que impossvel conceituar uma lngua como individual.

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    formalistas. Enquanto, para Bakhtin, a linguagem est carregada de valores sociais e o enunciado, no acabado, depende de relaes intersubjetivas, para os formalistas, o texto a forma, relaes entre elementos do texto.

    Para o levantamento dos estudos sobre estilo, vale ressaltar os estudos de Roman Jakobson a respeito das funes da linguagem no texto Lingustica e potica, publicado originalmente em Style in Language, organizado por Thomas A. Sebeok.

    Jakobson prefere potica e funo potica a estilstica e estilo, por julgar estes ltimos termos imprecisos e prejudicados pelo uso excessivo e indiscriminado. Inicia sua discusso associando Potica e Lingustica e explicando que a Potica trata dos problemas da estrutura verbal [...] e, como a Lingustica a cincia global da estrutura verbal, a Potica pode ser encarada como parte integrante da Lingustica (Jakobson, 2003, p.119).

    Para esse estudioso, a linguagem deve ser estudada em todas as suas funes e, para isso, apresenta o sistema de comunicao e seus seis fatores (remetente, destinatrio, contexto, mensagem, contato e cdigo). Cada fator representa uma funo da linguagem.8 As funes podem ocorrer simultaneamente, com prevalncia de determinada funo em relao a outras de acordo com cada enunciado.

    Ao apresentar as seis funes da linguagem, Jakobson centrase no estudo da funo potica e sua relao com a Lingustica, afirmando que

    qualquer tentativa de reduzir a esfera da funo potica poesia ou de confinar a poesia funo potica seria uma simplificao excessiva e enganadora. A funo potica no a nica funo da arte verbal, mas to somente a funo dominante, determinante, ao passo que, em todas as outras atividades verbais ela funciona como um constituinte acessrio, subsidirio. (Jakobson, 2003, p.128).

    8 As seis funes da linguagem apresentadas por Jakobson so: referencial, relativa ao contexto; emotiva, centrada no remetente; conativa, relacionada ao destinatrio; ftica, que testa o contato; metalingustica, que remete ao cdigo; e, finalmente, a potica, referente mensagem.

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    Ao questionar o critrio lingustico emprico da funo potica, Jakobson diz que necessrio recordar os dois modos bsicos de arranjos usados no comportamento verbal, a seleo e a combinao, ou seja, a funo potica projeta o princpio de equivalncia do eixo de seleo sobre o eixo de combinao (2003, p.130). Em outras palavras, os dois eixos de organizao da linguagem, o paradigmtico e o sintagmtico, so definidos pela seleo e pela combinao. Assim, a funo potica se realiza como um desvio da normalidade, como um estranhamento, como uma novidade. justamente essa concepo de que a funo potica efeito de sentidos diferentes da normalidade que pode ser relacionada com o estilo. Estilo, nessa perspectiva, escolha, mas tambm combinao, possibilidade de desvio da linguagem.

    Sem a pretenso de apresentar todos os possveis estudos sobre estilo, podemos, nesse momento, dizer que o estilo, nos estudos tradicionais, ora concebido como subjetivao, visto ser entendido como escolha individual do enunciador, ora como desvio do sistema de uma lngua. Tambm traz, na maioria das vezes, embutida a concepo da dicotomia saussuriana lngua/fala e de que a estilstica complemento da gramtica. Alm do mais, o objeto dos estudos da estilstica o texto literrio, embora, algumas vezes, estudiosos sobre o assunto admitam a existncia de estilo em outros gneros.

    Antes de tratarmos da concepo de estilo de Bakhtin, apresentamos os estudos de Norma Discini, que, pela perspectiva da Semitica de base greimasiana e utilizando o percurso gerativo de sentido, busca reconstruir o efeito de individuao de uma totalidade para nveis de reconstruo de sentido fundamental, narrativo, discursivo. Diferentemente dos estudos tradicionais, Discini no se pauta por princpios norteadores da estilstica clssica, como a manifestao textual em si mesma (preconizada pelos formalistas), amostras de sintagmas expressivos ou a psicologia de um escritor, nem somente na anlise do discurso literrio. Pelo contrrio, busca depreender o estilo das imprensas ditas sria e sensacionalista.

    Embora entenda que o estilo um fenmeno da relao entre plano de expresso e plano de contedo, no pode se restringir so

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    mente a aspectos de textualizao. Pelo contrrio, a pesquisadora prope desfazer a dicotomia estilstica lingustica vs. estilstica literria (Discini, 2003, p.27), utilizando, como j mencionamos, os instrumentos da Semitica greimasiana. Inicialmente, faz parte de sua proposta encontrar o resultado da individuao por meio da anlise das recorrncias formais das relaes na construo do significado, depois refletir sobre o estilo como a construo de um sujeito para uma totalidade de discursos.

    Ao validar a importncia do sujeito na construo de um estilo como efeito de sentido produzido no e pelo discurso, emerge da tanto o sujeito da enunciao, concebido como ator da enunciao, quanto o enunciatrio com seu fazer interpretativo. Desse modo, valores sociais so colocados em discurso, assim como se delineia a imagem do ator da enunciao construda de simesmo e tambm do outro, isto , h um simulacro reflexivo (a imagem construda do ator sobre simesmo) e um simulacro construdo (suposio da viso que se tem do outro, assim como o que se pensa que o outro tem de mim).

    Para Discini (2003, p.30), estilo ethos, corpo, voz, carter que, depreendido de uma totalidade enunciada, acaba por remeter ao corpo do ator da enunciao, criando um efeito de identidade, ou seja, construir um estilo na enunciao [...] dar um corpo a uma totalidade e tomar o corpo dessa totalidade; assumir, enfim, o ethos de uma totalidade (Discini, 2003, p.58).

    Para descrever o estilo como efeito de individuao dado por uma totalidade de discursos enunciados, Discini emprega as grandezas unus, totus, nemo, propostas por Brndal e concebidas como homologaes dos universais quantitativos. Assim, parte do unus, unidade integral de uma totalidade, que, recortada pela leitura, evidencia a relao intersubjetiva entre enunciador e enunciatrio e, consequentemente, criase o efeito de individuao. Por meio desses procedimentos, Discini verifica que, no estilo, o todo est nas partes o unus pressupe o nemo, unidade partitiva, e ambos relacionamse com o totus, totalidade integral, ou seja, ao tratar de estilo, recorrese unidade, ao efeito de individuao, mas tambm

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    totalidade, visto que h um conjunto de discursos, pressupostos unidade. Como afirma Discini (2003, p.35):

    O totus, onde as partes so indistintas ou dominadas, unificado, em estilo, por uma recorrncia de um modo de dizer, que emerge da recorrncia de um dito. Desse eixo totus/unus desponta o efeito de individuao, base do estilo. Desse eixo desponta o ethos constituinte do efeito de sujeito de uma totalidade.

    Com o objetivo de verificar a recorrncia de procedimentos na construo de um estilo como efeito de sentido, ou seja, de que modo as relaes sintticas e semnticas do plano de expresso, em conjunto com o plano de contedo, determinam o sentido de cada texto e, por extenso, o sentido de vrios textos, tornase necessria a presena de uma norma, no como prescrio, como obrigatoriedade, mas como uma abstrao dada pela recorrncia de um modo nico de fazer e de ser, inerente a uma totalidade (Discini, 2003, p.37).

    Interessa, assim, a norma, nos estudos estilsticos, como abstrao tirada do uso (Discini, 2003), o que evidencia o fazer de um sujeito, assim como seu modo de ser. So instalados, em um enunciado, valores e crenas dos dois sujeitos da enunciao enunciador e enunciatrio ou, ainda, um corpo que, colocado implicitamente num enunciado, apresenta a relao intersubjetiva. Instauramse, ento, narrador e narratrio, concebidos como subjacentes ao ator e definidos pela totalidade de seus discursos. O ator da enunciao no um eu, pois s se concretiza na relao enunciador/narrador vs. narratrio/enunciatrio, todos implcitos no discurso.

    Por essa perspectiva, a individuao do estilo se realiza na interao com o outro, o que se aproxima da concepo bakhtiniana, que, alm de conceber a ideia de que o estilo est nos mais diferentes gneros, de acordo com cada esfera da atividade humana, tambm entende que ele est fundado na relao intersubjetiva.9

    9 Embora haja essa aproximao entre as concepes estilsticas de Bakhtin e Discini, neste trabalho, optamos por utilizar como referencial terico os estudos

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    Para o filsofo russo, estudar o estilo no mera busca de traos estilsticos presentes em discursos literrios. Pelo contrrio, o estilo entendido como a possibilidade de escolhas para a construo de enunciados que, inseridos no fluxo da comunicao verbal, respondem a outros enunciados, so inacabados, carregam as mais diversas axiologias e vozes sociais.

    O enunciador no somente escolhe as palavras que, na concepo aristotlica, do um ar estrangeiro ao discurso, ou, como Mattoso e Jakobson assinalam, so uma possibilidade de desvio da lngua, mas escolheas e constri seus discursos em relao direta com a vida. Nas palavras de Bakhtin (2000, p.2089), o estilo, na perspectiva da arte,

    no trabalha com as palavras, mas com os componentes do mundo, com os valores do mundo e da vida; podemos definilo como o conjunto dos procedimentos de formao e de acabamento do homem e do seu mundo, e esse estilo determina tambm a relao com o material, com a palavra, cuja natureza deve, naturalmente, ser conhecida para se compreender essa prpria relao.

    Podemos transpor essa concepo de estilo artstico para outras esferas da atividade humana, ou seja, para outros gneros. Assim, um estilo pode marcar uma determinada posio do enunciador diante do mundo e de seus acontecimentos. O enunciador faz, portanto, escolhas lingusticas que constroem um efeito de sentido caracterizador de valores sociais e ideologias. Nesse contexto, no podemos descartar as relaes intersubjetivas, visto que, por meio de constantes e repetidas interaes, o homem marca sua relao com o mundo e com o outro, ou seja, a ideologia se constitui. Miotello (in Brait, 2005, p.175), a respeito das reflexes bakhtinianas sobre ideologia, afirma:

    bakhtinianos, tendo em vista que no trabalhamos com a teoria semitica de base greimasiana utilizada por Discini.

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    o meio social envolve, ento, por completo o indivduo. O sujeito uma funo das foras sociais. O eu individualizado e biogrfico quebrado pela funo do outro social. Os ndices de valor, adequados a cada nova situao social, negociados nas relaes interpessoais, preenchem por completo as relaes Homem Mundo e as relaes Eu Outro.

    A partir da concepo de que h os mais diversos gneros discursivos, de acordo com as diferentes esferas das atividades humanas, o estilo est presente nesses diferentes gneros. Assim, o objeto da estilstica no podem ser somente os gneros do discurso literrio, mas qualquer outro gnero, desde que se conceba a ideia de que estilo no apresenta somente a relao do enunciador com a lngua, mas tambm sua relao dialgica com o mundo, com o outro, ou seja, com os valores sociais.

    De acordo com Brait (2005, p.96), a perspectiva do estudo do estilo nos mais diferentes gneros se justifica porque:

    justamente pelo seu alcance discursivo, pode ser trabalhada em textos produzidos nas mais variadas esferas, nas diferentes atividades englobadas por essas esferas, como condio para compreender tanto a atividade em suas invariveis quanto os sujeitos que nela atuam e que, apesar de todas as coeres, interferem, atuam estilisticamente na movimentao dessa esfera, de suas atividades, de seus gneros.

    Dessa maneira, adotamos a perspectiva bakhtiniana de estilo por considerarmos ser possvel estudar os gneros publicitrios, nosso objeto de estudo, para alm de seus recursos lingusticos, ou seja, podemos analisar a linguagem sincrtica que configura esse discurso, como as imagens, os movimentos da cmera, os sons, etc. e, ainda, responder, entre outras, s seguintes questes: Como so articuladas as diferentes linguagens que compem os gneros publicitrios? At que ponto a imagem interfere na linguagem verbal? Quais so os sentidos construdos, por meio de diferentes linguagens (verbais e no verbais), dos gneros publicitrios, em especial as propagandas da CocaCola?

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    Entendemos que esse estudo possvel somente porque o estilo no est fundado na individualidade, mas no coletivo, nas relaes intersubjetivas, enfim, no dilogo. O dilogo que nos faz responder a outros enunciados, que nos faz enxergar o outro, que nos auxilia no acabamento dos enunciados, que nos contextualiza no tempo e no espao.

    Os gneros do discurso publicitrio

    Como vimos anteriormente, a concepo de Mikhail Bakhtin sobre gneros do discurso est centrada na ideia da comunicao, da relao intersubjetiva, ou seja, todo discurso dialgico porque pressupe a presena do outro que pode ser a figura do enunciatrio para quem o enunciador ajusta seu enunciado ou, ainda, outro discurso. Dessa perspectiva, o discurso social e est sempre associado a um contexto e a categorias espaotemporais.

    Assim, as mais diversas atividades humanas esto sempre relacionadas com a utilizao da linguagem, da a necessidade de enunciados relativamente estveis, que compem os gneros do discurso, para a concretizao do agir humano. Desse modo, os gneros do discurso e as atividades humanas so mutuamente constitutivos, j que, por essa concepo, impossvel conceber qualquer atividade desvinculada da linguagem, do fluxo ininterrupto da comunicao.

    Por essa perspectiva, podemos pensar nos gneros do discurso publicitrio, embora Bakhtin no os tenha estudado. Alm do mais, devido s ideias de heteroglossia10 e heterogeneidade, possvel considerar, como objeto de anlise, no somente a linguagem verbal, mas tambm a no verbal, assim como os mais diversos meios existentes nos ltimos tempos, como a televiso, o rdio, a internet.

    Os gneros do discurso publicitrio fazem parte do que hoje chamamos de comunicao de massa e esto constantemente pre

    10 Bakhtin concebe a heteroglossia como sendo o dilogo entre linguagens, visto que uma linguagem sempre uma criao a partir de outra linguagem.

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    sentes em nosso cotidiano: ao folhearmos uma revista, ao lermos um jornal, no momento em que passamos por ruas e avenidas e nos deparamos com outdoors anunciando os mais diversos produtos ou, ainda, quando ligamos a televiso e os comerciais televisivos invadem nossas casas.

    Na maioria dos casos, os anncios publicitrios que compem esse universo so comerciais, ou seja, tm como objetivo comum vender um produto, promover uma marca com a finalidade de aumentar o faturamento de determinada empresa ou de criar um clima de fidelidade do consumidor com esse produto. H outros tipos de propagandas, as chamadas propagandas no comerciais ou de ideias, como as propagandas institucionais ou governamentais.

    Segundo Brown (1971, p.12), a palavra propaganda originase do latim propagare, que significa a tcnica do jardineiro de cravar no solo os rebentos novos das plantas a fim de reproduzir novas plantas que depois passaro a ter vida prpria. Depois, o termo foi utilizado pela Igreja Catlica no sentido de propagao da f catlica a povos pagos, pois, em 1633, o papa Urbano VIII instituiu uma comisso de cardeais, chamada Congregatio de Propaganda Fide, conhecida tambm como Congregao da Propaganda.

    Briggs e Burke (2004) entendem que a propaganda pode ser concebida como a mobilizao consciente da mdia cujo objetivo mudar atitudes. Tambm relatam que, no fim do sculo XVIII, o termo propaganda ganhou um sentido pejorativo, pois, na poca da ContraReforma, os protestantes o empregavam para descrever as formas de propagao da f catlica.

    Na concepo de propagar ideias e informaes para a venda de determinado produto, h tambm a prerrogativa de criar necessidades no consumidor. Assim como existem as necessidades materiais, caracterizadas pela urgncia em nos alimentar, protegernos ou vestirmonos, h tambm as sociais, ou seja, aquelas que envolvem o desejo de felicidade, de amor, de bemestar, etc.

    Dessa maneira, consumir determinado produto no s satisfazer as necessidades materiais, mas tambm satisfazer nossas von

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    tades sociais, ter a certeza de que estamos inseridos num grupo social, de que somos aceitos ou admirados por esse grupo.

    Para Baudrillard (2002, p.174), a publicidade tem como tarefa divulgar as caractersticas desse ou daquele produto e promoverlhe a venda. Essa funo objetiva permanece em princpio sua funo primordial. Entretanto, e por causa dessa funo, a publicidade tambm promete, cria desejos, aproxima o enunciatrio do meio social no qual deseja estar inserido.

    Podemos dizer que os enunciados que compem os gneros do discurso publicitrio esto intrinsecamente ligados a seu(s) enunciatrio(s) e, assim, as escolhas lingusticas ou audiovisuais so importantes para a construo do estilo. O estilo, desse modo, contribui para que determinado produto apresente alguns valores sociais considerados positivos. Ainda nos estudos sociolgicos, Baudrillard diz que h a lgica do Papai Noel, ou seja, a lgica da fbula e da adeso, pois no mais acreditamos nela, mas ainda mantemos tal fbula. a concepo de que a sociedade maternal para com todos os indivduos, visto que aparenta adaptarse a nossos desejos, a nossos sonhos, a nossas aspiraes.

    Assim sendo, os gneros do discurso publicitrio buscam declarar o produto como parte integral de grandes processos e objetivos sociais (McLuhan, 1969, p.255), aproximandose do consumidor e esperando dele uma resposta. E, ainda nas palavras de McLuhan (idem, p.260), a propaganda, em lugar de apresentar um argumento ou uma viso particular, [...] oferece um modo de vida que para todos ou para ningum.

    Os gneros do discurso publicitrio, nessa perspectiva, podem ser considerados democrticos, pois, como menciona Baudrillard, podem ser ofertados a todos, mesmo sabendo que o produto anunciado para ser vendido. Assim, a publicidade, por meio de imagens, busca satisfazer os anseios de grande nmero de pessoas ou, em relao a determinados produtos, de um grupo social especfico.

    A imagem um elemento importante na constituio da construo composicional de um enunciado dos gneros publicitrios, pois, por meio dessa linguagem no verbal, possvel evocar o va

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    zio provocado pelos anseios das necessidades sociais. Para Baudrillard (2002, p.186):

    O olhar a presuno do contato, a imagem e sua leitura so presuno de posse. A publicidade assim no oferece nem uma satisfao alucinatria, nem uma mediao prtica para o mundo: a atitude que suscita a de veleidade enganada empresa inacabada, ressurreio contnua, defeco contnua, auroras de objetos, auroras de desejos. Todo um rpido psicodrama se desenrola na leitura da imagem. Ela, em princpio, permite ao leitor assumir sua passividade e transformarse em consumidor. De fato, a profuso de imagens sempre usada para, ao mesmo tempo, elidir a converso para o real, para alimentar sutilmente a culpabilidade por uma frustrao contnua, para bloquear a conscincia mediante uma satisfao de sonho.

    Desse modo, a imagem, uma linguagem no verbal, prpria da comunicao mediada, sendo elemento importante para a construo de sentido de uma propaganda, auxilia na interao entre os sujeitos da enunciao. Mais do que ilustrar determinada cena enunciativa, ela provoca desejos que levam associao da realizao dos sonhos com o produto anunciado. importante ressaltar que a evocao do vazio advinda das necessidades sociais no exclusiva da imagem, como aborda Baudrillard, mas tambm da linguagem verbal, que, por meio de uma construo discursiva, leva aos sonhos e provoca desejos.

    Mas se a propaganda impressa, por meio de imagens estticas, j provoca atitudes responsivas do enunciatrio, seja por meio da compra do produto, seja pela constante lembrana da marca, ou ainda pela polmica que certo enunciado publicitrio pode provocar, como o dilogo da propaganda televisiva, em seu jogo sinestsico acentuado, com o interlocutor?

    O anncio televisivo diferenciase da propaganda impressa11 pelas diversas linguagens sincrticas que o compem, a saber: a

    11 Na propaganda impressa tambm h linguagem sincrtica, como as fotografias e desenhos, que constituem a linguagem no verbal, e a linguagem verbal presente nos slogans e textos explicativos.

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    imagem em movimento, as cores, os sons, a fala, as msicas. Essa pluralidade de linguagens transforma os gneros do discurso, alterando tambm as relaes intersubjetivas. Todos os jogos de imagens em movimento aliados aos recursos sonoros seduzem o enunciatrio por meio dos sentidos, das sensaes provocadas.

    McLuhan considera a televiso como um meio frio12 que envolve o enunciatrio, pois, como bombardeia impulsos luminosos, apresenta baixo teor de informao, da a necessidade da participao do telespectador. uma trama em mosaico, por isso,

    a imagem da TV exige que, a cada instante, fechemos os espaos da trama por meio de uma participao convulsiva e sensorial, que profundamente cintica e ttil, porque a tatilidade a interrelao dos sentidos, mais do que o contato isolado da pele e do objeto. (McLuhan, 1969, p.352)

    Essa relao da imagem televisiva com os sentidos est embasada na concepo de McLuhan de que o meio a mensagem, ou seja, no a mensagem a produtora dos efeitos sobre o homem, mas, sim, o meio tcnico que a fonte bsica dos efeitos e uma extenso dos sentidos do ser humano.

    No podemos deixar de mencionar que essa concepo de que o meio a mensagem revela a preocupao de McLuhan a respeito do avano tecnolgico e de como esses novos meios, como extenses de um de nossos sentidos, provocam mudanas em nossas aes e em nossa forma de interagir com a sociedade. Vivendo na poca do aparecimento da televiso e de vrias mudanas tecnolgicas, a questo da linguagem verbal no desaparece na perspectiva

    12 Como sabemos, McLuhan (1969) divide os meios em quentes e frios. Os quentes so aqueles que, por terem alta definio de dados, permitem uma menor participao do enunciatrio, ao passo que os meios frios so de baixa definio e exigem uma participao maior do enunciatrio. No entanto, no podemos deixar de mencionar que essa concepo da televiso como meio frio no pertinente para os dias atuais, tendo em vista que a TV de LCD ou de plasma de alta resoluo, sobretudo quando a transmisso tambm digital.

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    de McLuhan. Pelo contrrio, o autor compara o meio impresso com outros meios, como a fotografia, o cinema e a televiso.

    Sem deslocar nosso foco do estudo da linguagem verbal nesta pesquisa, importa conceber que um meio pode modificar nossas relaes sociais, alm de criar novas formas de interao entre os homens, visto que a tecnologia auxilia na construo de enunciados, como o caso da televiso e, mais recentemente, da internet.

    As interaes humanas saram do mbito direto, do dilogo face a face, para um dilogo que pode ocorrer distncia, entretanto continua a ideia de que qualquer enunciado prenhe de resposta (Bakhtin, 2000), pois a interao, e por extenso a compreenso, s ocorre a partir da intersubjetividade, da resposta do outro.

    O importante observar que nenhum meio ser capaz de substituir outro, mas possvel haver transformaes. Segundo Santaella (2003, p.135),

    a histria no tem cessado de nos mostrar que qualquer novo meio de produo de linguagem e de processos comunicativos tambm produz novas formas de contedos de linguagem, produzindo simultaneamente novas estruturas de pensamento, outras modalidades de apreenso e inteleco do mundo, ao mesmo tempo que tende a provocar fundas modificaes nos modos de ver e viver e nas interaes sociais.

    O que observamos que essa concepo de que um novo meio produz outras formas de linguagem e, consequentemente, novos modos de vida e de interaes sociais, pode ser associada reflexo de Mikhail Bakhtin a respeito da heterogeneidade dos gneros do discurso e de suas alteraes ao longo dos tempos.

    Para Bakhtin, h alterao dos gneros de acordo com a poca em que est inserido, acarretando tambm mudanas no dilogo intersubjetivo. Desse modo, Bakhtin considera que

    A ampliao popular acarreta em todos os gneros (literrios, cientficos, ideolgicos, familiares, etc.) a ampliao de um novo procedimento na organizao e na concluso do todo verbal e uma modi

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    ficao do lugar que ser reservado ao ouvinte e ao parceiro, etc., o que leva a uma maior ou menor reestruturao e renovao dos gneros do discurso. (Bakhtin, 2000, p.286)

    Assim, podemos afirmar que as alteraes ocorridas na organizao do todo enunciativo de um gnero do discurso miditico, em particular os gneros publicitrios, esto intrinsecamente relacionadas aos novos meios. Sabemos que cada meio estabelece uma relao diferente com o pblico; por exemplo, jornais e revistas, por exigirem uma leitura com maior concentrao e isolamento, provocam uma relao mais individual, ao contrrio da televiso, que pode ser vista por vrias pessoas ao mesmo tempo. Ao folhear uma revista ou um jornal, o leitor pode evitar a leitura, como pode parar para analisar determinada propaganda, enquanto o anncio televisivo, mais incisivo e invasivo, ocupa a tela da TV com sua profuso de imagens e sons. No entanto, o desafio dos comerciais televisivos manter a ateno do enunciatrio, pois podemos nos distrair e, sobretudo hoje, com a facilidade e a comodidade do controle remoto, possvel zapear para outro canal e assistir fragmentariamente programao da TV.

    Alm do mais, a televiso tem um alcance muito maior do que o meio impresso, pois, no s atinge mais pessoas ao mesmo tempo, como tambm lana suas imagens em qualquer parte do mundo a qualquer momento.

    Thompson (1999) apresenta outra caracterstica da televiso em relao ao campo de viso, ao contrapor esse meio com o que ele chama de tradicional publicidade de copresena.13 Como j mencionamos, alm de o campo televisivo ser mais extenso em alcance, atingindo espaos muito maiores, e da facilidade do controle remoto, Thompson alega que o espectador no tem domnio sobre ele,

    13 Thompson (1999, p.114) explica que, na Europa medieval, antes do desenvolvimento da mdia, a publicidade dos indivduos e dos acontecimentos era ligada ao compartilhamento de um lugar comum. Um evento se tornava pblico quando representado diante de uma pluralidade de indivduos fisicamente presentes sua ocorrncia, como uma execuo em praa pblica.

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    pois no est livre para escolher o ngulo de viso, e tem relativamente pouco controle sobre a seleo do material visvel.

    Assim, nas mais remotas partes do mundo, h propagandas dos mais diversos produtos, desde materiais de limpeza, comidas e bebidas at servios e produtos que no fazem parte do rol das necessidades bsicas. Apoiada em recursos audiovisuais, a TV acaba por introduzir um padro de vida, levando o espectador a viver em profundidade as imagens que so veiculadas nos comerciais. Desse modo, somos invadidos por imagens em que marcas de carros e seus acessrios auxiliam a construo da personalidade das pessoas, bebidas so importantes elos de ligao na vida social, a cozinha internacional est ao alcance de todos, roupas individualizam os seres humanos. So imagens produzidas pela velocidade eltrica, que nos tateiam e incitam compra.

    Embora as propagandas possam ser dirigidas para determinados grupos sociais, o anncio televisivo pode atingir a todos, letrados e no letrados. Assim, os produtos passam a configurar necessidades que antes eram de determinado grupo social, mas que, ofertados a grande nmero de pessoas, caracterizam um consumo de massa.

    Como atesta Baudrillard (2002, p.199), o objeto de consumo o amlgama espetacular das necessidades, das satisfaes, a profuso da escolha, toda esta feira da oferta e da procura cuja efervescncia pode dar a iluso de uma cultura. Entretanto, afirma que no devemos nos iludir porque, por meio da publicidade de um produto, toda uma ordem social materializada de forma coerente e arbitrria. Cada marca veiculada no s indica um determinado produto, como mobiliza conotaes afetivas (Baudrillard, 2002), pois, numa sociedade capitalista e competitiva, associar marca uma individualidade, um fator diferenciador, uma forma de manter o produto no mercado, assim como mantlo vivo na memria das pessoas.

    Quanto linguagem verbal nos anncios televisivos, esta pode aparecer na fala dos atores e dos narradores, assim como nos jingles. Desse modo, a linguagem verbal associase a outras linguagens compondo o todo do enunciado que se insere num contexto scio

  • histricoeconmico e configura uma realidade social. Realidade que apresenta modos de vida, prticas humanas referentes s atividades voltadas para o comrcio, para o consumo; enfim, para o marketing de produtos. Os gneros publicitrios esto envolvidos com os modos sociais do fazer, mas tambm com os modos de dizer.

    Um modo de dizer que envolve vozes sociais e temticas diversas, muitas vezes relacionadas com o tempo e o espao em que est inserida a propaganda, com uma construo composicional que, numa mescla de linguagens e com um texto mais gil, seduz o enunciatrio, com apelo emocional mais evidenciado.

    Em relao inteno do enunciador, a escolha dos recursos lingusticos, assim como dos recursos inerentes linguagem no verbal, constitui uma forma de comunicao com o enunciatrio. Comunicar, nesse contexto, representa no s apresentar certo produto, mas convencer seu ouvinte de que a aquisio desse produto relevante, pois pode se tornar uma necessidade material ou social, ou, ainda, modificar suas interaes com os mais diversos sujeitos inseridos na sociedade.

    Os gneros do discurso, constitudos por enunciados relativamente estveis, esto intimamente ligados aos processos interativos que tambm no so imutveis. Portanto, h uma relativa liberdade nas escolhas dos recursos audiovisuais e linguageiros, o que configura uma postura ativa do usurio de determinada linguagem em detrimento da ideia de que o gnero uma forma esttica, um modelo a ser seguido. Dependendo das necessidades culturais, um gnero modificase e transpe suas fronteiras. Assim, observamos que, nos gneros publicitrios, outros textos ou gneros podem estar entrelaados, como uma narrativa, um conto, um desenho animado, etc. Os deslocamentos, seja no tempo ou no espao, seja no dilogo entre linguagens diversas, apontam para novas possibilidades de construo dos gneros miditicos.

    A partir das consideraes de Bakhtin de que a linguagem dialgica e de que os gneros do discurso no so formas estveis e atendem s mais diversas esferas da atividade humana, entendemos ser possvel atender nosso objetivo principal: estudar o percur

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  • so dos gneros publicitrios, que so constitudos no s pelo dilogo verbal, mas tambm por recursos tecnolgicos que constituem as diversas linguagens da comunicao mediada. Comunicao que, por ser mvel, dinmica, modifica padres culturais e sociais, e tambm modificada por esses padres, expandindo, portanto, as possibilidades de interao humana.

    Desse modo, o discurso, que caracteriza a grande capacidade do homem em expor opinies, sentimentos, ideias e, acima de tudo, em possibilitar as formas de agir, hoje alterado por esses novos meios, frutos de uma sociedade industrial, cientfica e tecnolgica.

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