amplificadores de Áudio valvulados e …

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Rev. Bras. de Iniciação Científica (RBIC), Itapetininga, v. 6, n.5, p. 3-22, 2019. Edição Especial Universidade Federal do ABC (UFABC) 3 AMPLIFICADORES DE ÁUDIO VALVULADOS E TRANSISTORIZADOS TUBE VALVE AND SOLID STATE AUDIO AMPLIFIERS AMPLIFICADORES DE AUDIO VALVULARES Y TRANSISTORIZADOS Dimitri Leandro de Oliveira Silva 1 Ricardo Suyama 2 Resumo: No presente trabalho foram estudadas técnicas de análise e desenvolvimento de circuitos amplificadores de áudio, avaliando características de projetos baseados em válvulas e semicondutores. O estudo examinou as especificidades dos componentes mencionados e discutiu algumas classes de operação de amplificadores, realizando simulações computacionais para que, enfim, fossem confeccionados um amplificador transistorizado e um valvulado. Como critério objetivo de avaliação desses amplificadores, utilizaram-se as métricas de distorção harmônica total e resposta em frequência. Os resultados indicam que o amplificador transistorizado apresenta uma resposta em frequência mais plana, mas uma distorção harmônica total cerca de 60% maior do que o amplificador valvulado. Palavras-chave: Amplificador de Áudio. Eletrônica. Processamento de Sinais. Abstract: In this work methods for electronic circuit analysis and design were used to investigate audio amplifiers, based on valves and semiconductors. Some particular features of these components were investigated and a discussion about amplifiers classes is also presented. Preliminar simulations were performed and two different circuits were assembled: one with transistors and the other with valves. The total harmonic distortion and frequency response were used as objective criteria to evaluate the amplifiers. The results indicate that the transistor-based amplifier presents a flat frequency response, but with a total harmonic distortion approximately 60% larger than that observed for the valve amplifier. Keywords: Audio amplifiers. Electronics. Signal Processing. Resumen: Este trabajo se centra en el estudio de técnicas de análisis y desarrollo de circuitos amplificadores de audio, basados en válvulas y semiconductores. El estudio examinó las especificidades de los componentes, verificando su funcionamiento y las ecuaciones que los describen. A continuación, se presentan algunas clases de amplificadores, realizando simulaciones computacionales para confeccionar un amplificador transistorizado y un valvulado. Como criterio objetivo de evaluación se utilizaron la distorsión armónica total y respuesta en frecuencia. Los resultados indican que el amplificador transistorizado presenta una respuesta en frecuencia más plana, pero una distorsión armónica total aproximadamente 60% mayor que el amplificador valvulado. Palabras-clave: Amplificadores de audio. Electronica. Processamiento de Señales. Envio: 25/02/2019 Revisão: 25/02/2019 Aceite: 07/06/2019 1 Graduando em Ciência e Tecnologia. Universidade Federal do ABC. [email protected]. 2 Doutor em Engenharia Elétrica. Universidade Federal do ABC. [email protected].

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AMPLIFICADORES DE ÁUDIO VALVULADOS E TRANSISTORIZADOS TUBE VALVE AND SOLID STATE AUDIO AMPLIFIERS AMPLIFICADORES DE AUDIO VALVULARES Y TRANSISTORIZADOS Dimitri Leandro de Oliveira Silva1

Ricardo Suyama2

Resumo: No presente trabalho foram estudadas técnicas de análise e desenvolvimento de circuitos amplificadores de áudio, avaliando características de projetos baseados em válvulas e semicondutores. O estudo examinou as especificidades dos componentes mencionados e discutiu algumas classes de operação de amplificadores, realizando simulações computacionais para que, enfim, fossem confeccionados um amplificador transistorizado e um valvulado. Como critério objetivo de avaliação desses amplificadores, utilizaram-se as métricas de distorção harmônica total e resposta em frequência. Os resultados indicam que o amplificador transistorizado apresenta uma resposta em frequência mais plana, mas uma distorção harmônica total cerca de 60% maior do que o amplificador valvulado. Palavras-chave: Amplificador de Áudio. Eletrônica. Processamento de Sinais.

Abstract: In this work methods for electronic circuit analysis and design were used to investigate audio amplifiers, based on valves and semiconductors. Some particular features of these components were investigated and a discussion about amplifiers classes is also presented. Preliminar simulations were performed and two different circuits were assembled: one with transistors and the other with valves. The total harmonic distortion and frequency response were used as objective criteria to evaluate the amplifiers. The results indicate that the transistor-based amplifier presents a flat frequency response, but with a total harmonic distortion approximately 60% larger than that observed for the valve amplifier. Keywords: Audio amplifiers. Electronics. Signal Processing.

Resumen: Este trabajo se centra en el estudio de técnicas de análisis y desarrollo de circuitos amplificadores de audio, basados en válvulas y semiconductores. El estudio examinó las especificidades de los componentes, verificando su funcionamiento y las ecuaciones que los describen. A continuación, se presentan algunas clases de amplificadores, realizando simulaciones computacionales para confeccionar un amplificador transistorizado y un valvulado. Como criterio objetivo de evaluación se utilizaron la distorsión armónica total y respuesta en frecuencia. Los resultados indican que el amplificador transistorizado presenta una respuesta en frecuencia más plana, pero una distorsión armónica total aproximadamente 60% mayor que el amplificador valvulado. Palabras-clave: Amplificadores de audio. Electronica. Processamiento de Señales.

Envio: 25/02/2019 Revisão: 25/02/2019 Aceite: 07/06/2019

1 Graduando em Ciência e Tecnologia. Universidade Federal do ABC. [email protected]. 2 Doutor em Engenharia Elétrica. Universidade Federal do ABC. [email protected].

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Introdução

O amplificador é um elemento essencial em diversos circuitos eletrônicos onde é

necessário aumentar a amplitude de um determinado sinal de entrada, seja em tensão, corrente

ou ambos. Uma das primeiras aplicações de destaque para os amplificadores está relacionada à

gravação e reprodução do som. O advento da amplificação de sinais de áudio possibilitou

transmitir informações sonoras ao maior número possível de pessoas, visto que antes do

surgimento da eletrônica, a amplificação dessas informações era feita exclusivamente por meios

acústicos, como é o caso de instrumentos musicais como o violão, por exemplo (Pires, 2010).

Idealmente, o amplificador de áudio deve operar simplesmente como um ganho,

produzindo um sinal �(�) de saída que corresponde a �(�) = � �(�), onde � é o ganho

produzido pelo circuito do amplificador, para sinais �(�) que apresentam componentes em

frequência entre aproximadamente 10Hz a 20kHz (Hood, 1997).

A evolução da qualidade dos amplificadores de áudio ao longo do tempo está

diretamente relacionada aos avanços observados na área da eletrônica, principalmente os

relacionadas a duas tecnologias: as válvulas termiônicas e os transistores. As válvulas

representaram um enorme avanço tecnológico, possibilitando o desenvolvimento dos primeiros

televisores, rádios, equipamentos de som e, posteriormente, a eletrônica digital. Mais tarde, os

transistores ocasionaram uma enorme revolução na eletrônica, e em muitas aplicações

praticamente extinguiram a utilização das válvulas. Mesmo dando lugar aos semicondutores e

perdendo espaço no mercado tecnológico das últimas décadas, as válvulas ainda são um dos

componentes mais utilizados na fabricação de amplificadores de instrumentos musicais e outros

equipamentos utilizados em estúdios (Jones, 2012).

O presente trabalho teve como objetivo geral comparar duas configurações de

amplificadores de áudio, uma baseada em válvulas e outra em transistores, buscando avaliar a

qualidade sonora obtida com ambos circuitos. Dessa forma, o artigo trata inicialmente dos

componentes e da classificação dos circuitos amplificadores. Em seguida, apresentam-se as

seções referentes às montagens e mensurações acerca dos amplificadores confeccionados. Por

fim, exibem-se os resultados e considerações finais.

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Válvulas Termiônicas - Um marco para os amplificadores de áudio

As válvulas, cuja origem está associada aos trabalhos de John Ambrose Fleming (1904)

e Lee De Forest (1906), são componentes que permitem controlar o fluxo de corrente elétrica.

Fabricadas com vidro, elas trabalham com tensões muito elevadas e possuem baixíssima

eficiência energética (Jones, 2014). Seu desenvolvimento baseou-se no conhecimento prévio

sobre o efeito termiônico, descoberto por Thomas Edson em 1883 ao observar que um metal,

quando aquecido, tem a propriedade de criar uma nuvem de íons ao seu redor.

Ao colocar um filamento metálico no interior de um bulbo de vidro selado a vácuo e

aplicando uma tensão nesse componente para que ele aqueça, pode-se atrair os íons com

assistência de uma placa metálica positivamente carregada, que recebeu o nome de anodo.

Posteriormente, foi adicionada outra placa metálica à frente do filamento, denominada catodo,

criando assim a chamada Válvula Diodo (Jones, 2012).

Figura 1: Representação esquemática das válvulas diodo, triodo, tetrodo e pentodo.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Nessa configuração, o filamento fica responsável por aquecer o catodo, que

consequentemente, emite os íons para o anodo, nunca ao contrário. Essa propriedade

retificadora serviu para nomear o dispositivo semicondutor conhecido hoje como diodo, já que

esse componente apresenta exatamente a mesma característica (Sedra, 2007). A relação entre a

corrente Ia que flui do catodo para o anodo e o valor da tensão Va aplicada ao anodo da válvula

pode ser expressa por:

�� = � ��� �⁄ (1)

onde k é denominada “constante de perveance” com valores que variam de acordo com o

modelo e fabricante de cada válvula.

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Embora a válvula diodo permita controlar o fluxo da corrente em um circuito, ainda não

era possível utilizá-la como elemento amplificador. Essa possibilidade surgiu com um

aprimoramento posterior, adicionando-se outro elemento em seu interior: a grade de controle

(Lee De Forest, 1906). O intuito dessa modificação foi controlar o fluxo da corrente entre o

catodo e o anodo variando-se a tensão aplicada à grade. Esse mecanismo recebeu o nome de

Válvula Triodo, já que apresenta três eletrodos em sua concepção. Nesse caso, a corrente que

flui pela válvula triodo depende também da tensão Vg aplicada à grade, e é expressa por:

�� = � ��� + � ���� �⁄

(2)

onde a constante � representa o chamado fator de amplificação (ganho). A partir desse

momento, as válvulas passaram a exibir um mecanismo muito semelhante ao dos transistores

atuais, cuja propriedade mais significativa é justamente a de controlar o fluxo de corrente

elétrica entre dois terminais.

Outras melhorias foram propostas posteriormente, dando origem a válvulas mais

sofisticadas. Por exemplo, em algumas aplicações, a presença de uma capacitância entre os

eletrodos pode constituir um filtro, eliminando altas frequências e prejudicando a fidelidade do

sinal de saída (Jones, 2014). Assim, foi desenvolvida a Válvula Tetrodo, que apresenta outra

grade em seu interior, que quando corretamente polarizada, anula as capacitâncias desse

componente. Apesar de solucionar o problema da capacitância, a válvula tetrodo adiciona outra

adversidade: por ser positiva, a tensão na grade de blindagem acelera os elétrons em direção ao

anodo, causando um efeito de emissão secundária dos elétrons. Para minimizar os efeitos de

distorção indesejáveis da válvula tetrodo, um quinto eletrodo foi adicionado à válvula depois

da grade de blindagem, chamado de grade de supressão, levando assim à criação da válvula

pentodo. Essa grade extra previne a emissão secundária de elétrons causada pela grade de

blindagem, prevenindo correntes indesejáveis e dissipação de potência desnecessária (Jones,

2012).

A revolução dos semicondutores

Na década de 1940, a invenção dos dispositivos semicondutores permitiu a substituição

gradativa das válvulas. Esses dispositivos eram menores, energeticamente eficientes, mais

baratos e mais duráveis (Sedra, 2007). A possibilidade de operação como elemento de

amplificação de sinais - além da possibilidade de implementação em circuitos integrados (como

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os amplificadores operacionais) - permitiu o desenvolvimento de novas configurações para

amplificadores, em muitos aspectos mais eficientes do que os amplificadores valvulados,

tornando o transistor uma escolha natural na maioria das aplicações envolvendo circuitos

eletrônicos (Duncan, 1996).

Os materiais semicondutores são, em geral, construídos com silício, um elemento

químico que apresenta 4 elétrons em sua camada de valência, capaz de formar estruturas

cristalinas por meio de ligações covalentes entre os átomos. Usualmente, através de um

processo denominado de dopagem, utilizam-se átomos de outros elementos químicos para gerar

elétrons e lacunas livres no semicondutor, como o fósforo, capaz de “doar” um elétron para a

rede (material tipo N), e o boro, que “aceita” um elétron da rede e disponibiliza uma lacuna

(material tipo P). Isoladamente, cada material semicondutor possui pouca utilidade, mas

diferentes estruturas podem ser obtidas ao considerar a junção de semicondutores materiais tipo

N e tipo P. Por exemplo, considere a junção ilustrada na Figura 2. Nessa condição, há um fluxo

de elétrons livres do material tipo N em direção ao material tipo P, bem como de lacunas livres

do material do tipo P em direção ao material do tipo N. Nesse processo, ocorre então a

recombinação de pares elétrons lacunas, de maneira que próximo à interface da junção surge

uma região onde não existem cargas livres (nem elétrons nem lacunas livres), denominada de

camada de depleção (Horowitz, 2015; Sedra, 2007).

Figura 2: Estrutura e polarização direta de um diodo (Materiais tipo P e tipo N).

Fonte: Elaborado pelos autores.

O efeito prático da formação dessa camada pode ser analisado considerando que é

acoplada uma fonte, conforme ilustrado na Figura 2. Quando a polaridade da fonte segue o

diagrama da figura, denominado de polarização direta, a camada de depleção diminui, uma vez

que a fonte externa fornece elétrons ao material N e lacunas ao material P, neutralizando, assim,

algumas das cargas fixas presentes na camada de depleção e, consequentemente, aumentando a

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corrente que flui pela junção (Sedra, 2007). Entretanto, quando a polaridade é invertida, elétrons

livres do material N e lacunas livres do material P serão removidos, aumentando a camada de

depleção e diminuindo a corrente que flui na interface. Assim, de maneira similar ao que foi

descrito para a válvula diodo, a junção PN opera como um dispositivo no qual a corrente flui

apenas em um sentido - razão pela qual o componente também recebe o nome de diodo

(Horowitz, 2015).

Ao se considerar uma estrutura com mais uma junção, obtém-se a configuração básica

do transistor bipolar, ilustrada na Figura 3. O transistor bipolar possui sua gênese no Bell

Telephone Labs no final da década de 1940, decorrente dos trabalhos desenvolvidos pelos

pesquisadores John Bardeen, Walter Brattain e William Shockley.

Figura 3: Estrutura e polarização de um transistor bipolar NPN.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Na configuração ilustrada na Figura 3, a tensão positiva aplicada entre o coletor e o

emissor, e entre a base e o emissor do transistor fornecem condições para que fluam três

correntes no circuito: a corrente de base ��, corrente de coletor �� e corrente de emissor ��, de

maneira que �� = �� + ��. Nessas condições, o transistor opera na chamada região ativa, e a

corrente de coletor Ic é determinada pela tensão entre a base e emissor���, de acordo com (3).

�� = �� ������ (3)

onde �� é a corrente de saturação do componente (constante) e �� é a tensão térmica do

componente, próxima de 25mV em temperatura ambiente (Horowitz, 2015; Sedra, 2007). Note,

portanto, que variações na tensão ��� se refletem em variações no valor da corrente de coletor

(e, consequentemente, na corrente de emissor), comportamento semelhante ao descrito para as

válvulas triodo, e é justamente essa relação entre tensão Vbe e corrente de coletor que é

explorada para construção de circuitos amplificadores.

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Outro tipo de transistor, amplamente empregado nos circuitos eletrônicos, explora uma

estrutura diferente para realizar o controle da corrente por meio da variação de tensão,

denominados de transistores de efeito de campo de óxido de metal semicondutor (Metal-Oxide-

Semiconductor Field Effect Transistor, MOSFET). De maneira similar aos demais dispositivos

descritos anteriormente, a corrente entre dois de seus terminais - nesse caso, a Fonte e o Dreno

- é controlada pela tensão aplicada a um terceiro terminal, que nesse caso é denominado Porta.

Entretanto, há duas diferenças importantes em relação aos BJTs: no caso do MOSFET, a

condução da corrente elétrica é feita por apenas um tipo de portador - elétrons ou lacunas; e

como há uma camada isolante entre a Porta e o corpo do transistor, há um fluxo desprezível de

corrente na Porta (Sedra, 2007).

Circuitos Amplificadores

Em termos de projeto, considera-se que o circuito do amplificador de áudio foi bem

projetado se alguns requisitos são respeitados, como: i) A largura de banda do circuito, i.e., a

faixa de frequências nas quais o ganho do amplificador varia o mínimo possível, deve englobar,

pelo menos, a faixa entre 20Hz-20kHz; ii) A amplitude e potência do sinal de saída deve ser

suficientemente grande para que o sinal seja audível pelo usuário e o ruído deve ser inaudível

em todas as condições de uso do amplificador; iii) Distorções harmônicas presentes no sinal de

saída quando a entrada consiste apenas de tons senoidais puros não deve exceder valores em

torno de 0.05% no caso da segunda harmônica); iv) O circuito deve ser estável, o que significa

dizer que mesmo em condições fora de operação normal, o circuito não deve oscilar e deve

retornar ao seu funcionamento normal assim que a entrada que produziu tal perturbação seja

desconectada (Cordell, 2010; Hood, 1997).

Para esse fim, diferentes configurações de circuitos foram propostas na literatura, que

usualmente são agrupados em classes de amplificadores conforme se configura a corrente no

estágio de saída do circuito. A partir desse ponto, torna-se possível inferir características do

dispositivo em relação à linearidade e eficiência energética (Pires, 2010). No presente trabalho

foram abordados amplificadores de dois estágios, em uma configuração bastante usual

envolvendo circuitos da Classe A e Classe AB.

A Classe A, além de ser a pioneira, é lembrada por ser a que possui a maior qualidade

de áudio possível devido ao seu circuito altamente linear, evitando diversos problemas sofridos

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por amplificadores de outras classes no quesito distorção (Duncan, 1996). A principal

característica dos amplificadores da Classe A, ilustrado na Figura 4, é a polarização do

dispositivo amplificador. Nesse tipo de circuito, a polarização é feita de maneira que sempre

haja uma corrente contínua passando pelo componente amplificador (transistor ou válvula). Por

ser contínua, essa corrente não influencia na vibração do alto-falante, ou seja, não provoca

nenhuma distorção indesejada. Além disso, a amplificação ocorre tanto no semiciclo positivo

quanto no semiciclo negativo do sinal de entrada. Dessa forma, pode-se afirmar que o

amplificador funciona no ciclo completo de 360º (Self, 2002). Por outro lado, apesar de parecer

uma boa opção, a corrente contínua presente no circuito dessa classe - mesmo quando não há

sinal de entrada - é responsável por consumir e desperdiçar muita energia, implicando em um

rendimento energético em torno de 20% (Pires, 2010).

Figura 4: Circuito padrão de um amplificador Classe A.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Os amplificadores de áudio da Classe B, por sua vez, foram elaborados para solucionar

o problema do rendimento da Classe A. Nessa classe, a polarização do transistor é feita de modo

que não haja corrente circulando pelo componente, evitando que o circuito opere quando não

haja sinal de entrada. Porém, ao elaborar o circuito dessa maneira, outro problema aparece: o

circuito deixa de conduzir os 360º e passa a conduzir somente o semiciclo positivo do sinal de

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entrada, causando uma distorção muito prejudicial para a qualidade do som (Duncan, 1996).

Assim, uma configuração com dois transistores pode ser utilizada na Classe B, em uma

configuração denominada de push-pull. Entretanto, como os transistores permanecem na região

de corte até que o sinal de entrada seja suficiente para que o componente opere na região linear,

ocorre uma distorção do sinal amplificado, fazendo com que, por um breve período, não haja

sinal no estágio de saída. Essa distorção recebe o nome de “distorção crossover”. Com isso,

amplificadores da classe B costumam atingir no máximo 78,5% de eficiência energética

(Duncan, 1996; Pires, 2010). Mas, mesmo que alguns circuitos não consigam atingir esse valor,

essa classe já representa um grande avanço nos termos de rendimento quando comparada com

a Classe A. Pode-se inferir, portanto, que a Classe B atinge o objetivo de conseguir uma maior

eficiência, mas reproduz um áudio com qualidade muito inferior ao de sua classe antecessora.

Nesse sentido, os circuitos da Classe AB são amplamente utilizados e se encontram na

maioria dos amplificadores de áudio comercializados atualmente (Pires, 2010). Essa classe

almeja conciliar as melhores características dos amplificadores da Classe A e da Classe B. Esse

tipo de circuito conduz o ciclo completo do sinal de entrada e opera os dois transistores fora da

região de corte, ou seja, possui a linearidade peculiar da Classe A e é configurado com dois

transistores, como na Classe B (Self, 2002). Para remover a distorção cross-over, é necessário

manter uma tensão mínima na base dos dois transistores que fará com que eles saiam da região

de corte e passem a amplificar o sinal de entrada qualquer que seja sua amplitude, como na

Classe A. Além disso, os transistores operam alternadamente, como mostrado no arranjo push-

pull da Classe B (Duncan, 1996).

Procedimento Teórico Para Análise de um Circuito Classe A

Para fazer a análise teórica do circuito de um amplificador Classe A, pode-se separar as

análises quando o circuito opera em corrente contínua e quando opera em corrente alternada.

Na análise do circuito em corrente contínua, os capacitores comportam-se como uma chave

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aberta. Sendo assim, convém iniciar a análise calculando a tensão e corrente na base do

transistor utilizando o Teorema de Thevenin.

A tensão de Thevenin pode ser calculada como a queda de tensão em R2:

��� =��

�������� (4)

Já a resistência de Thevenin deve ser calculada curto-circuitando a fonte DC. Ou seja,

R1 em paralelo com R2.

��� =�� ��

����� (5)

Depois de calcular a tensão de Thevenin, a tensão em R1 será calculada pela expressão

��� ��� .

Com a tensão e resistência de Thevenin é possível achar a tensão de R4. É válido lembrar

que, do ponto de vista da base, R4 é � + 1 vezes maior, pois esse resistor está na malha do

emissor. Além disso, pode ser considerada uma queda de tensão de aproximadamente 0,7V no

diodo da junção base-emissor do transistor. A tensão em R4 será a queda de tensão nesse resistor

considerando a malha composta por ��� , ��� , junção base-emissor e R4 em série:

��� =�� (�����,�) (���)

������ (���) (6)

Tendo o valor da tensão em R4, basta calcular a corrente da base facilmente com a Lei

de Ohm no resistor de Thevenin �� =����

���=

�����,�����

���. As correntes de coletor e emissor

podem ser calculadas com o valor do ganho do transistor �� = �� � e �� = �� + �� e a tensão em

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R3, bem como a corrente nos demais resistores, pode ser facilmente calculada usando a Lei de

Ohm.

ara fazer a análise do circuito em corrente alternada, pressupôs-se que os capacitores

comportariam-se como um circuito fechado, bem como a fonte de tensão contínua3. Além disso,

é pertinente utilizar o modelo � do transistor, como mostra a figura 5:

Figura 5: Circuito classe A no modelo � do transistor bipolar.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Essa análise pode começar com o valor da resistência interna do transistor entre a base

e o emissor, ��. Sua fórmula é dada a seguir, sendo �� a corrente da base calculada na análise

em corrente contínua:

�� =����

�� (7)

Em seguida, o parâmetro de transcondutância do transistor também pode ser calculado

com esse mesmo valor de corrente de base e com o valor do ganho do transistor:

�� =�� �

���� (8)

A impedância de entrada do circuito se dá pela associação em paralelo dos resistores

R1, R2 e ��. Com esse valor, é possível calcular a queda de tensão nesses resistores, que é igual

3 O comportamento dos capacitores será avaliado de forma mais precisa quando for analisada a

resposta em frequência do circuito, onde será ponderada a reatância capacitiva de cada um deles. Por

ora, cabe ignorar esse valor para uma análise mais generalista.

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à tensão ���. Tendo essa tensão e a transcondutância em mãos, é possível calcular o ganho de

corrente do transistor:

�� = �� ��� (9)

O ganho de tensão na carga pode ser calculado com a Lei de Ohm, considerando a

impedância de saída como a resistência em paralelo entre R3 e RL. Terminada a análise geral

em corrente alternada, é fundamental calcular o ganho em Db do circuito, dado pela equação:

� = 20 ��� �����

�� (10)

Para calcular a resposta em frequência, foi proposta a mesma análise em corrente

alternada abordada na subseção anterior, porém, dessa vez, considerando que os capacitores

apresentariam um caráter resistivo para o circuito. Nessa nova abordagem, deve-se calcular o

ganho do amplificador para cada valor de frequência desejado, calculando as devidas reatâncias

capacitivas e, após obter uma quantidade significativa de valores de ganho em diferentes

frequências de entrada, montar o gráfico correspondente.

Para demonstrar a execução dos cálculos descritos anteriormente, mostrou-se pertinente

para a pesquisa a elaboração de um software capaz de receber os valores de entrada dos

componentes do circuito e projetar os resultados da análise em corrente contínua e alternada,

além de designar valores de ganho do amplificador para determinadas frequências de operação4.

A Figura 6 mostra algumas das telas do software implementado.

Figura 6: Janelas do software desenvolvido: a) janela principal, com os campos para entrada dos valores dos componentes do circuito; b) Resposta em frequência do circuitos, disponibilizado na forma de um arquivo CSV;

c) Resultado da análise AC do circuito; d) Resultado da análise DC.

(a)

4 Todo o código fonte do software pode ser encontrado para visualização e download em https://github.com/DimitriLeandro/PDPD.

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(b)

(c)

(d)

Fonte: Elaborado pelos autores.

Montagem de Circuitos Amplificadores

Como parte do desenvolvimento deste projeto, foi proposta a montagem de dois tipos

de amplificadores de áudio, um valvulado e outro transistorizado, cujos esquemas elétricos são

mostrados nas Figuras 7 e 8 (Braga, s.d; Paula, s.d). O circuito valvulado pertencente à Classe

A e o transistorizado possui os estágios de pré-amplificação e potência relativos às classes A e

AB, respectivamente.

Figura 7: Circuito do amplificador com transistores, composto por dois estágios de amplificação - Classe A e Classe AB.

Fonte: Elaborado pelos autores.

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Figura 8: Circuito do amplificador com transistores, composto por dois estágios de amplificação - Classe A e Classe AB.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Originalmente projetado para guitarras elétricas, o circuito valvulado adotado usa duas

válvulas pentodo em sua composição: uma para o estágio de pré amplificação (EF184) e outra

para o estágio de potência (25L6-GT). Depois de adquirir os componentes para a confecção do

circuito, o amplificador foi devidamente montado e acoplado a uma caixa de alumínio de cerca

de 19x12x4 cm. Apesar do esquema elétrico apresentar apenas 8 ohms no estágio de saída, o

transformador usado para casar as impedâncias também continha saída para 4 ohms, mostrando-

se conveniente projetar as duas saídas durante a elaboração do projeto. Além disso, um LED

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foi conectado ao circuito para indicar quando o mesmo estivesse ligado. A figura 9 mostra

algumas fotos da montagem final do amplificador valvulado.

Figura 9: Montagem dos amplificadores (a) valvulado e (b) transistorizado.

(a)

(b)

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para o amplificador transistorizado, considerou-se que o circuito em questão apresenta

um esquema elétrico demasiadamente mais simples do que o apresentado no circuito valvulado.

Portanto, sugeriu-se que a montagem fosse elaborada em uma protoboard. A figura 9 mostra o

aspecto final desse amplificador no momento em que foram realizadas algumas medições que

serão apresentadas em sequência.

Avaliação Objetiva dos Amplificadores

Para medir a resposta em frequência do amplificador valvulado, foi utilizado um

osciloscópio digital e um gerador de sinais. Nessa medição, aplicou-se um sinal de entrada de

100 mVpp a ambos circuitos e empregou-se um alto-falante de 8 ohms à saída de ambos os

amplificadores. Gradativamente, aumentou-se a frequência do sinal de entrada e mediu-se a

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tensão do alto-falante. Os resultados foram gravados para que, posteriormente, o gráfico

pudesse ser reproduzido.

Para o circuito transistorizado, sugeriu-se simular computacionalmente o circuito a fim

de verificar as semelhanças entre a simulação e as medições. Ainda é válido ressaltar que,

devido à presença de duas classes de amplificação no esquema elétrico, o ganho deste

amplificador se dá tanto em tensão quanto em corrente. A Classe A, na pré-amplificação, é

responsável por elevar a tensão para que a Classe AB, no estágio de potência, trabalhe. Outra

análise importante a ser ponderada é a distorção harmônica total do circuito. Para calcular esse

parâmetro, foi preciso examinar o espectro de frequências presentes na saída do amplificador

quando injetada uma única frequência fundamental na entrada do sistema. Para fazer isso, usou-

se a ferramenta FFT do osciloscópio digital (Fast Fourier Transform), capaz de inquirir o sinal

de saída como uma soma de diversas outras frequências para, depois, separá-las. No momento

da medição foi injetada uma frequência fundamental de 1 kHz.

A distorção harmônica total é representada como uma porcentagem e pode ser calculada

selecionando algumas das frequências que apresentam as maiores amplitudes na saída do

amplificador. Depois disso, é calculada a raiz da soma dos valores de amplitude em Volts

elevados ao quadrado, como mostra a equação a seguir (Dyer, 2011):

��� =�∑��

�� (11)

A figura 10 mostra o resultado obtido da análise de resposta em frequência dos

amplificadores montados. Há uma evidente diferença no valor do ganho de tensão entre os dois

amplificadores, o que se reflete na intensidade sonora obtida no alto falante, mas não

necessariamente na qualidade do som.

Como é possível perceber, o ganho na saída do amplificador valvulado sofreu uma leve

ressonância na faixa dos 200 Hz. Na prática, isso implica que frequências próximas a 200 Hz

sejam acentuadas neste circuito. Apesar disso, isso não implica dizer que o amplificador em

questão seja de qualidade insatisfatória, uma vez que existem outros fatores objetivos e

subjetivos a serem analisados para realizar tal afirmação.

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Figura 10: Medição experimental da resposta em frequência dos amplificadores valvulado e transistorizado.

Fonte:

Elaborado pelos autores.

A figura 11 mostra o resultado da simulação da resposta em frequência do circuito

transistorizado. Como é possível perceber, a resposta apresentada na figura 11 assemelha-se

bastante à curva experimental obtida na figura 10. Ambos os gráficos aumentam

gradativamente o ganho de tensão nas frequências iniciais e estabilizam-se entre 100 Hz e 20

kHz. A única diferença perceptível, foi o ganho dos amplificadores.

Figura 11: Simulação da resposta em frequência do amplificador transistorizado (tensão).

Fonte: Elaborado pelos autores.

A distorção harmônica total foi avaliada a partir do sinal medido quando um tom

senoidal puro de 1kHz era aplicado na entrada do circuito. O espectro do sinal de saída para os

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dois circuitos considerados é mostrado na figura 12. Nota-se claramente que há um pico

proeminente na frequência de 1kHz, como esperado, e alguns picos secundários, indicando a

presença de harmônicas no sinal de saída. Selecionando as 20 maiores amplitudes do espectro

para realizar o cálculo, obtiveram-se os valores de 1,12% de distorção harmônica total no

circuito valvulado e 2,81% no transistorizado, indicando que, embora o amplificador valvulado

não possua uma resposta em frequência plana, apresenta uma distorção harmônica pelo menos

60% menor do que o amplificador transistorizado.

Figura 12: Espectro de frequências na saída dos amplificadores quando injetada uma frequência de 1 kHz.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Considerações Finais

Durante o desenvolvimento do presente projeto, diversos tópicos referentes ao estudo

de amplificadores de áudio foram abordados, havendo em consideração tanto o aprendizado

teórico como os conhecimentos técnicos e práticos empregados na elaboração destes aparelhos.

As montagens possibilitaram agregar todo o conhecimento teórico adquirido durante a redação

do projeto para aplicá-lo em uma atividade prática que pudesse complementar e aprofundar a

pesquisa efetuada.

Depois de estarem devidamente montados, realizaram-se medições acerca da resposta

em frequência e espectro de frequências na saída dos amplificadores. Com esse espectro, foi

possível calcular a distorção harmônica total presente nos circuitos, parâmetro esse que serviu

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de comparação objetiva entre os amplificadores montados, tal qual era um dos propósitos desse

projeto.

Como visto anteriormente, o amplificador valvulado sofreu uma leve ressonância em

frequências ao redor de 200 Hz. Acredita-se que essa ocorrência tenha se dado por diferentes

fatores, como a própria montagem e o auto-falante utilizados no teste, e não necessariamente

ao circuito em si. Também ficou perceptível que o ganho na saída do amplificador valvulado

foi menor que o do transistorizado, mesmo que o circuito valvulado tenha recebido uma tensão

de entrada dez vezes maior no momento da medição (100 e 10 mVpp, respectivamente). Apesar

disso, é válido lembrar que a qualidade sonora de um amplificador deve ser avaliada

considerando fatores referentes à distorção e não à potência de saída, como é o caso da distorção

harmônica total. Quando essa última métrica foi avaliada, descobriu-se que o amplificador

valvulado obteve um resultado melhor: 1,12% contra 2,81% de THD.

O que ocorreu com os dois circuitos amplificadores nas métricas de resposta em

frequência e THD pode ser amparado por uma ideia consensual de que os circuitos

transistorizados tendem a ser extremamente lineares durante sua operação até um limite em que

cortam o sinal abruptamente. Já os valvulados apresentam um comportamento que atenua

paulatinamente esse sinal pŕoximo às extremidades da curva de resposta em frequência

(SIMONTON, J. 1994). De fato, esse comportamento pode ser observado na figura 10. Ainda

segundo o mesmo autor, ambas as condutas produzem distorção harmônica indesejável, mas,

apesar disso, a atuação gradativa das válvulas produz muito menos esse tipo de distorção,

ocasionando menos dissonância e sendo musicalmente benéfico.

Os desfrutadores da tecnologia valvulada costumam afirmar frequentemente que esse

componente possui um som mais “quente” e “macio” (Lisle, L. 1995; Simonton, J. 1994).

Mesmo até os dias atuais, muitos artistas e engenheiros musicais optem por gravar em

equipamentos analógicos valvulados antes de transferirem a composição para o formato digital.

Não obstante, também é possível defender a ideia de que a preferência pelo som valvulado se

deva à herança trazida dos vinis e fitas analógicas de antigamente: afinal, esses aparelhos

continham as mesmas imperfeições de não-linearidade apresentadas pelas válvulas (Simonton,

J. 1994).

De qualquer forma, a discussão acerca da qualidade sonora de amplificadores

valvulados e transistorizados ainda deve persistir por bastante tempo, uma vez que a tecnologia

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dos semicondutores está evoluindo constantemente e a preferência por esse tipo de equipamento

seja cada vez mais comum.

Referências

FLEMING, J. A. On the Conversion of Electric Oscillations into Continuous Currents by Means

of a Vacuum Valve. Proceedings of the Royal Society of London (1854-1905), v. 74, p. 476–487. 1904.

FOREST, L. The Audion; A New Receiver for Wireless Telegraphy. Transactions of the American Institute of Electrical Engineers, v. XXV, p. 735–763. 1906. JONES, M. Valve Amplifiers. 4a ed. Newnes. 2012. PIRES, F. J. A. Amplificador de Áudio Classe D. Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. 2010. HOOD, J. L. Valve and Transistor Audio Amplifiers. Oxford: Newnes, p. ix–xi. 1997. SEDRA, A. S.; SMITH, K. C. Microeletrônica. Prentice Hall Brasil. 2007. CORDELL, B. Designing Audio Power Amplifiers. McGraw-Hill Education. 2010. DUNCAN, B. High Performance Audio Power Amplifiers. Newnes. 1996. JONES, M. Building Valve Amplifiers. 2a ed. Newnes. 2014. HOROWITZ, P.; HILL, W. The Art of Electronics. Cambridge University Press. 2015. SELF, D. Audio Power Amplifier Design Handbook. Elsevier Science. 2002. MEADE, R. L. Foundations of Electronics. Delmar Pub. 1994. PAULA, R. J. Carmine HB-1 Tube Amplifier. Altana Tubes, p. 1-28. s.d. Disponível em: <https://goo.gl/aWNL58>. Acesso em 7 de março de 2019. BRAGA, N. C. Amplificador Transistorizado de 3W (ART1642). Instituto NCB, p. 1-5. s.d. Disponível em: <https://goo.gl/ykXRVZ>. Acesso em 7 de março de 2019. DYER, S. A.; DYER, J. S. Distortion: Total Harmonic Distortion in an Asymmetrically Clipped Sinewave. IEEE Instrumentation & Measurement Magazine. 2011. HALLIDAY, D.; RESNICK, R.; WALKER, J. Fundamentos de Física. vol. 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica. LTC. 2008. SIMONTON, J. Build the Tubehead. Electronics Now. 1994. ISSN 1067-9294. LISLE, L. Build a Vacuum-Tube Audio Amplifier. Popular Electronics. 1995. ISSN 1042-170x 1042-170X