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ZFM: projeto ou modelo?
É instigante a persistência do pensamento único, especialmente do chão institucional, em adotar no seu discurso o
conceito de modelo para categorizar a ZFM, padrão cognitivo que se estende, sobretudo, para as elites de governo
e de políticos. Em minha opinião, representa, subliminarmente, o medo de perder o combustível do processo de
industrialização de Manaus, lastreado por vantagens competitivas estáticas. Talvez venha à memória coletiva a
perda do fausto vivido na época em que fornecíamos borracha natural para a nascente indústria global, que evoluiu
para a borracha sintética. Tudo evolui se enfrentarmos os desafios.
Se percorrermos o marco regulatório, não encontraremos nenhuma alusão ao conceito que representa a palavra
modelo, nem mesmo a identificamos explicitamente. E o que ela significa? Do dicionário eletrônico Miniaurélio,
extraímos os seguintes significados:
Substantivo masculino.
1. Representação de algo a ser reproduzido.
2. Representação, em pequena escala, de algo que se pretende reproduzir em grande.
3. Protótipo de um objeto.
4. Pessoa que posa para artista plástico ou fotógrafo.
5. Pessoa ou coisa que serve de exemplo ou norma.
6. Protótipo de peça de vestuário, ou de outros produtos de consumo (como carro, televisão, etc.), a ser(em)
fabricado(s) em série.
Substantivo de dois gêneros.
7. Manequim (3).
De plano, podemos excluir, considerando o que observamos ao longo dos 48 anos de existência da ZFM, e muito
especialmente, a observação direta ao longo dos 31 anos de serviço na Suframa, a instituição que a administra, as
explicações associadas aos itens 3, 4, 5, e 7. Os dois primeiros itens vertidos à verbalização “representar” ficam de
fora, primeiro porque nunca se pretendeu e não se pretende reproduzir a ZFM em qualquer outro lugar; segundo
porque, embora o faturamento do PIM seja sempre crescente ao longo da história, as firmas já nascem grandes e
fortes, tanto industrial quanto tecnologicamente falando, portanto, não há o que reproduzir. Ao contrário, a briga é
por manter sua excepcionalidade em Manaus, evitando concorrência com qualquer outro local pátrio a todo custo.
Já o item 6 aponta marginalmente para a possibilidade industrial da atração de investimentos, ou seja, aprova-se
projetos para a produção em escala de TVs, por exemplo. Mas são aberrações esquizofrênicas, pois todas as
possibilidades sugerem dependência e limitações do ponto de vista do auto-desenvolvimento. Eu sei, eu sei. Atrair
para substituir importações, reproduzindo processos e produtos. Mas só isso escraviza, enquanto que a perspectiva
desafiadora do Projeto liberta. Temos que seguir em frente! Vejamos por quê e como.
Por outro lado, frente à perspectiva de modelo, o marco regulatório, mesmo não citando a palavra “projeto” para
categorizar a ZFM, de forma inequívoca, o representa. De forma clara, inicialmente com a expressão do artigo
primeiro do seu Decreto fundador, abaixo transcrito:
Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de
incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um
centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu
desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram os centros
consumidores de seus produtos.
Ou seja, há um objetivo a ser alcançado, o que pressupõe o conceito de projeto. Vejam o que diz o mesmo
dicionário sobre a palavra projeto:
Substantivo masculino.
1. Plano, intento.
2. Empreendimento.
3. Redação preliminar de lei, de relatório, etc.
4. Plano geral de edificação.
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Não há dúvidas, que a ZFM aponta para um empreendimento, cuja intenção é a criação de uma dinâmica
econômica no interior da Amazônia. Explicitamente há um plano de Estado com início, meio e fim. O prazo inicial
de 30 anos, estabelecido com o artigo 42 do Decreto fundador, após sucessivas prorrogações, foi estendido até
2073 com a Emenda Constitucional 83/2014:
Art 42. As isenções previstas neste decreto-lei vigorarão pelo prazo de trinta anos, podendo ser
prorrogadas por decreto do Poder Executivo, mediante aprovação prévia do Conselho de
Segurança Nacional.
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte
art. 92-A:
"Art. 92-A. São acrescidos 50 (cinqüenta) anos ao prazo fixado pelo art. 92 deste Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.”
Os recursos financeiros vertidos ao empreendimento ZFM que, por sua vez, se associa ao desafio vinculado ao
autodesenvolvimento, pode ser, essencialmente, representado pela autonomia administrativa e financeira da
Suframa e seus respectivos Planos Estratégicos, expressos por políticas e diretrizes, programas e ações. O artigo 10
do Decreto fundador assegura a perspectiva autárquica. As antigas Portarias institucionais que regulamentavam o
preço público cobrado pela prestação de serviços e agora a Lei n.º 9.660/2000,1 que institui a TSA, em especial os
seus artigos quinto e sexto, que pontam para a perspectiva da gestão independente:
Art 10. A administração das instalações e serviços da Zona Franca será exercida pela
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) entidade autárquica, com
personalidade jurídica e patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, com sede e
foro na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas.
Art. 5º. Os recursos provenientes da arrecadação da TSA serão creditados diretamente à Suframa,
na forma definida pelo Poder Executivo.
Art. 6º. Os recursos provenientes da TSA serão destinados exclusivamente ao custeio e às
atividades fins da SUFRAMA, obedecidas as prioridades por ela estabelecidas.
Ora, e o que significa autarquia? De novo recorremos ao Miniaurélio para buscar esclarecimentos:
Substantivo feminino.
1. Poder absoluto.
2. Governo dum Estado por seus concidadãos.
3. Entidade autônoma, auxiliar da administração pública.
§ au.tár.qui.co adj.
Portanto, a Suframa enquanto órgão federal possui condição jurídica absoluta e autônoma, enquanto entidade
auxiliar do poder central, para a realização do empreendimento vinculado à ZFM. A liga, que une os recursos
financeiros ao ideário de autodesenvolvimento, é, como já dito, os Planos Estratégicos elaborados ao longo da
existência da Suframa, hoje expresso pelo aprovado junto ao CAS em 2010, que consolida toda a experiência
visionária para além da ZFM. Considera-se para fins da atuação da SUFRAMA, as seguintes áreas estratégicas: 2
I. Desenvolvimento Organizacional;
II. Gestão de Incentivos Fiscais
III. Logística;
IV. Tecnologia e Inovação;
V. Atração de Investimentos;
VI. Inserção Internacional;
VII. Capital Intelectual e Empreendedorismo; e
VIII. Desenvolvimento Produtivo.
1 Necessariamente reformulada junto a sua natureza tributária e excepcionada junto à lógica da Conta Única da União.
2 Veja o documento integral no link:
http://www.suframa.gov.br/download/documentos/plano_estrategico_suframa_res43CAS_07042010.pdf .
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Ou seja, como meio tem-se o desenvolvimento organizacional, como sarrafo e meta operacional, a gestão de
incentivos fiscais, como instrumentos complementares a logística, a atração de investimentos e a inserção
internacional, que impulsionam o ideário do autodesenvolvimento nas dimensões da tecnologia e inovação, do
capital intelectual e empreendedorismo e do desenvolvimento produtivo. Essas áreas estratégicas se desdobram
num conjunto de pencas de ações, que se executadas, expressariam a contribuição da Suframa/ZFM para a
consecução do ideário do autodesenvolvimento. No entanto, escudados na tese do modelo, do medo frente ao
desafio civilizatório, continuamos justificando os sucessivos prazos de prorrogação da ZFM com a carência de
infra-estrutura e a dependência industrial e, sobretudo, tecnológica associada ao PIM, na esteira da atração de
investimentos. Registre-se que as metas associadas ao centro comercial e agropecuário, por motivos diferentes, não
acompanham as evidências do centro industrial, consignados como meta do Decreto fundador.
É evidente que esse esforço não está restrito ao chão institucional, mas deveria se espraiar por todas as missões dos
agentes do governo, da academia e do próprio setor produtivo, consolidando uma visão de futuro desejado por
parte da sociedade, por parte do capital social de Manaus, do Amazonas e da própria área de atuação da Suframa.
No Anexo, apontamos uma iniciativa individual, mas o desafio é coletivo. O ideário deve ser coletivo.
Festejamos o produto do PIM/ZFM, mas não nos damos conta de sua natureza dependente. Se olharmos para todas
as histórias centrais de desenvolvimento industrial e tecnológico identificar-se-á nos pertinentes planos e
estratégias nacionais a preocupação com a dimensão patrimonial das firmas. Claro, a atração de indústrias e a
transferência de tecnologias são ferramentas e instrumentos importantes de política industrial e tecnológica. Mas
devem ter prioridades nessas políticas a emergência e a consolidação de uma estrutura empresarial e de inovações
própria, local, endógena. Não basta que a firmas estrangeiras sejam abertas sob as leis nacionais.
Ao longo da nossa reflexão sobre o Projeto ZFM, ao passo em que ganhávamos experiência profissional e
acumulávamos conhecimento intelectual no chão institucional, fomos progredindo do entendimento da
necessidade de consolidar o PIM, via provimento de competitividade sistêmica, para a convicção do desafio do
autodesenvolvimento, igualmente via provimento de competitividade sistêmica, mas com foco genuíno, único,
ímpar. Nesse processo, idealizamos conceitos e propomos estratégias associadas. Destaco o principal intitulado de
growing up em contraponto ao que os especialistas chamam de cathing up, isto é, ao invés de apenas nos
associarmos à trajetória tecnológica forjada pela fronteira tecnológica associada ao sistema global de inovação,
deveríamos buscar utilizá-la, complementando-a com uma trajetória alternativa lastreada por amazonidades,
entendida como a realização de insumos e saberes da floresta na forma de produtos e serviços no mercado local,
regional, nacional e global. Essa visão, essa trilha, essa vereda, esse ideário amalgamado pela ética da
autossustentabilidade. Como conseqüência desse conceito principal, identificamos o empreendedorismo científico-
tecnológico, ou inovador como preferem os especialistas, como a principal estratégia para alavancar a correlata
experiência civilizatória, adotando o chão amazônico como laboratório. O empreendedorismo científico-
tecnológico, consolidado o Sistema Manaus de Inovação, a serem potencializados nos próximos 100 anos,
enquanto ferramenta de superação do Projeto ZFM, a partir da cultura do capital de risco, entendido o capitalismo
como processo organizador da sociedade mundial, é a chave-mestra do autodesenvolvimento. A partir daí
acumular-se-ia mais e mais lucros e apropriar-se-ia de mais e mais conhecimento, a serem transformados em mais
e mais negócios. A idéia não é negar a ZFM, mas superá-la, mediante construção de um capitalismo amazônico
estruturado com vantagens competitivas dinâmicas.
Entendemos, portanto, que a adoção da ZFM pela categoria de um Projeto de Estado representa uma atitude
guerreira, que desafia a condição intrínseca de impermanência das coisas no processo histórico evolutivo.
Sobretudo, representa a perspectiva do caminhar com as próprias pernas, sem descuidar da interdependência local-
global. Fazendo um paralelo com o autoconhecimento, poderíamos dizer que a adoção da ZFM pela categoria de
um modelo representa viver somente sob a perspectiva do complexo mente-ego, com os objetos dos sentidos
alimentando e nutrindo nossa existência, sem associá-lo com a busca da autorrealização desde a consciência.
Malbaratando esse paralelismo, persistir no tratamento da ZFM sob a lógica de modelo significa viver sob o
espectro do irreal; assumir sua perspectiva de Projeto seria viver na dimensão do real. O desafio do
autodesenvolvimento representa a ponte que nos conduziria do irreal para o real.
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Anexo:
Uma amazonidade, dentre centenas ou até mesmo milhares de oportunidades de negócios
O professor Antônio Mesquita, da Universidade Estadual do Amazonas, investigou como tese de doutorado em
Engenharia de Recursos Naturais, a transformação do açaí em painéis sustentáveis, que denominou de ecopainel.
O ecopainel é produzido a partir da fibra de açaí, com a utilização de uma resina de óleo de mamão. O processo de
fabricação do ecopainel consiste na retirada das fibras dos caroços para secagem em uma estufa. Elas são moídas
e depois misturadas com resina. Após a mistura, é realizada uma pré-moldagem e prensagem. Um colchão de
fibras da resina do açaí é obtido, para ser processado numa prensa hidráulica, permitindo a fabricação do painel.
Portanto, há aplicações tecnológicas de química e de engenharia de materiais para a inovação tecnológica.
Portanto, há uma combinação virtuosa entre a ciência estabelecida, na forma de tecnologia disponível para a
produção de madeira compensada, com a busca do progresso sociotécnico pela inovação, na forma de utilização de
recursos naturais alternativos e sustentáveis. No caso, cathing up associado com growing up. A ideia fundamental
é o aproveitamento de recursos naturais como materiais para a produção de uma amazonidade, isto é, a
transformação de insumos e saberes da floresta em produtos e serviços a serem realizados no mercado. Trata-se,
portanto, de uma alternativa real vertida ao autodesenvolvimento, inserida num processo sustentável à montante e
à jusante, pois poderá beneficiar comunidade do chão amazônico na forma de associações e cooperativas, poderá
mitigar impactos ambientais com o resgate do caroço de açaí que iria para o lixo, bem como representa uma boa
perspectiva para fabricação de móveis sustentáveis. O ecopainel já tem carta-patente. E está em estudo a
elaboração de um Plano de Negócios, com o objetivo de sua realização econômica. É nessa hora que o governo
deveria se aproximar e facilitar essa realização econômica, financiando, incentivando e protegendo uma firma
nascente. No curto e médio prazo, promovendo a emancipação econômica de negócios sustentáveis. No longo
prazo, promovendo a construção de um capitalismo amazônico, vale dizer uma estrutura empresarial local inserida
num ambiente de inovações permanentes, como fruto e resultado de uma política industrial e tecnológica
heterodoxa, que privilegiaria a dimensão patrimonial da firma local. A tese foi defendida em dezembro de 2013.
Iniciativas como essa, devida e efetivamente realizadas no mercado, deveriam ser exponenciadas!
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