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Aços Inoxidáveis Duplex Visão geral: da história à metalurgia física
Daniel João Generoso1
Keli Vanessa Salvador Damin 2,3
1Instituto Federal de Santa Catarina 2Programa de Pós graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal de Santa Catarina 3Metalúrgca Spillere Ltda
RESUMO
Uma das principais buscas no setor metalúrgico é o controle da corrosão. O desenvolvimento
dos aços inoxidáveis significou um grande avanço na fabricação de materiais resistentes à
corrosão. Dentre os aços inoxidáveis desenvolvidos, estão os aços inoxidáveis duplex (AID).
O AIDs são aços de baixo teor de carbono, ligados principalmente ao cromo, níquel e
molibdênio, que possuem composição balanceada de modo a se obter uma microestrutura
mista com frações volumétricas aproximadamente iguais de ferrita e austenita. Esta
microestrutura faz com que este aço apresente uma combinação favorável das propriedades
dos aços inoxidáveis ferríticos e austeníticos, conferindo-lhes uma elevada resistência à
corrosão sob tensão se comparados com os aços inoxidáveis austeníticos e uma maior
ductilidade do que os aços inoxidáveis ferríticos. O presente trabalho apresenta uma visão
geral sobre os aços inoxidáveis duplex, desde o contexto histórico, processos de fabricação,
classificação, passando pelas características físicas, mecânicas e metalúrgicas e finalizando
com as aplicações no qual este material é submetido.
Palavras-chaves: aços inoxidáveis duplex, metalurgia, resistência à corrosão, contexto
histórico.
1 INTRODUÇÃO
A constante necessidade do ser humano de buscar soluções aos mais diversos
inconvenientes gerados na aplicação dos materiais o fez evoluir. O reflexo desta evolução é
facilmente identificado nos materiais e tecnologias que nos cercam.
Dentro do setor metalúrgico, uma das principais buscas é o controle da corrosão. A
aplicação de revestimentos protetores, como tintas e revestimentos metálicos, é uma
alternativa bastante difundida, entretanto, para algumas situações, a aplicação de desses
revestimentos não é economicamente viável e, além disso, não oferecem a proteção suficiente.
O desenvolvimento dos aços inoxidáveis significou um grande avanço na fabricação
de materiais resistentes à corrosão. Os aços inoxidáveis são aços de alta liga, cujas bases são
os sistemas Fe-Cr, Fe-Cr-C e Fe-Cr-Ni, contendo no mínimo 10,5% de cromo em solução
sólida de modo que quando expostos a atmosfera contendo oxigênio formam uma camada
passiva de óxidos que impede o contato do metal base com a atmosfera agressiva [1,2].
Figura 1: Representação de camada passivada
2
Fonte: [21]
Há uma ampla variedade de aços inoxidáveis com níveis progressivos de resistência à
corrosão, resistência ao calor e resistência mecânica. Estas propriedades são resultado da
adição controlada de elementos de liga, que originam atributos específicos com relação à
resistência mecânica e a possibilidade de resistir a diferentes ambientes [1].
Diferentemente de outros materiais, cuja classificação é feita com base na composição
química, nos aços inoxidáveis a classificação é feita de acordo com a microestrutura presente
[3]. Desta forma os aços inoxidáveis podem ser classificados em cinco famílias: ferríticos,
martensíticos, austeníticos, endurecíveis por precipitação e duplex.
Nos aços inoxidáveis ferríticos o principal elemento de liga é o cromo, com teores
típicos entre 12 e 17%, teor de carbono baixo e estrutura cristalina cúbica de corpo centrado.
Os aços inoxidáveis austeníticos são os maiores, em termos de número de ligas e de
utilização [1]. São ligas não-magnéticas de ferro-cromo-níquel, com baixo teor de carbono.
Os martensíticos são ligas de ferro-cromo, contendo de 12 a 14% de cromo, e com
uma concentração de carbono que permite a transformação de ferrita em austenita e da
austenita em martensita durante o tratamento térmico de têmpera. Estes aços são resistentes à
corrosão somente na condição de temperados [2].
Os aços inoxidáveis endurecíveis por precipitação são ligas de ferro, cromo (12 a
17%), níquel (4 a 8%) e molibdênio (0 a 2%) contendo adições de Al, Cu, Ti e /ou Nb. Estas
ligas primeiramente são solubilizadas e depois sofrem o tratamento de envelhecimento que
permite a precipitação de compostos intermetálicos que endurecem o material [4].
Os aços inoxidáveis duplex (AID) são aços de baixo teor de carbono, ligados
principalmente ao cromo (18 a 27%), níquel (4 a 7%) e molibdênio (0 a 4%), que possuem
composição balanceada de modo a se obter uma microestrutura mista com frações
volumétricas aproximadamente iguais de ferrita e austenita [4, 5, 6,7]. Esta microestrutura
mista faz com que este aço apresente uma combinação favorável das propriedades dos aços
inoxidáveis ferríticos e austeníticos, conferindo-lhes uma elevada resistência à corrosão sob
tensão se comparados com os aços inoxidáveis austeníticos e uma maior ductilidade do que os
aços inoxidáveis ferríticos. A sua tenacidade situa-se entre a dos aços inoxidáveis austeníticos
e ferríticos, além de apresentarem uma elevada tensão de escoamento que permite a
fabricação de componentes de paredes finas com alta resistência mecânica, possibilitando
uma redução da quantidade de material e de tempos de soldagem [4, 8, 9].
Neste trabalho, serão abordadas as características, aplicações e processamento dos
aços inoxidáveis duplex.
2 HISTÓRIA
A primeira referência sobre aço inoxidável duplex surgiu em 1927 quando Bain e
Griffith relataram seus resultados em um sistema Fe-Cr-Ni e mencionaram a existência de um
campo compreendendo duas fases: austenita e ferrita [20]. Na década de 30, na companhia
3
francesa Jacob Holtzer, um erro na adição de materiais de liga no processo de fabricação de
aço inox do tipo 18% Cr – 9% Ni – 2,5% Mo resultou numa composição química contendo
20% Cr – 8% Ni – 2,5% Mo, que promoveu uma alta fração volumétrica de ferrita numa
matriz austenítica [20]. O material foi patenteado em 1935.
A Suécia realizava pesquisas e produções industriais de aços duplex paralelamente
(período entre 1930 – 1940). Registros datando esta mesma época foram encontrados nos
Estados Unidos descrevendo aços inoxidáveis austeníticos contendo grandes frações
volumétricas de ferrita. Isto indica que essa nova família de aços inoxidáveis foi estudada,
patenteada e comercializada simultaneamente na França, Suécia e Estados Unidos [17].
Em 1937, na França, foram patenteados os aços inoxidáveis duplex, sob a
denominação de "Novas Ligas Inoxidáveis" contendo cobre como elemento de liga. A adição
de cobre melhoraria a resistência à corrosão em muitos meios agressivos [17].
Já em 1940, os aços inoxidáveis duplex contendo cobre como elemento de liga
receberam também molibdênio a sua composição, descrevendo um novo processo que
envolvia tratamento térmico na faixa de 400 a 500oC e possibilitava o endurecimento do
material sem afetar sua resistência à corrosão ou causar fragilidade [17].
A “Compagnie des Ateliers et Forges de La Loire” desenvolveu o aço denominado
UR50 com uma estrutura bifásica, em que o alto valor para o limite de escoamento (maior que
400MPa) e excelente resistência à corrosão fez dele o principal candidato para aplicações em
campos tais como produção de sal, refinamento de petróleo, indústrias alimentícia, indústrias
de papel e celulose, indústrias farmacêuticas, entre outras [17].
Em 1947 a marinha francesa adotou como padrão para fabricação de seus navios uma
liga de inox duplex denominada de UR50 que trazia na composição 21% de Cr, 7% de Ni,
2,5% de Mo, 1,5% de Cu e 0,07% de N [17, 20]. Nessa mesma época, foi desenvolvido
também um aço inoxidável duplex, de nome comercial URANUS CH, com um teor de
nitrogênio em torno de 0,2% em peso e com um limite de escoamento da ordem de 530MPa
na condição solubilizada, devido ao efeito de endurecimento causado pelo nitrogênio e
carbono. Como não era possível manter controle preciso sobre teores de oxigênio, enxofre e
carbono, o produto final, principalmente produtos planos apresentavam quantidades elevadas
de trincas [17, 20].
De 1950 a 1970, foram realizados extensivos estudos sobre trabalhabilidade a quente,
soldabilidade e resistência à corrosão dos aços inoxidáveis duplex, e sobre a resposta
estrutural à tratamentos térmicos e termomecânicos [17].
A introdução dos processos de refinamento VOD (Vacuum Oxygen Decarburisation) e
AOD (Argon Oxygen Decarburisation) nos anos 70 possibilitou o controle dos níveis de
elementos residuais tais como oxigênio, enxofre, carbono e outros e com isso permitiu
assegurar faixas composicionais estreitas e dessa forma ter controle sobre as frações de ferrita
e austenita [17, 20].
Desde então e até década de 80, o desenvolvimento dos duplex deu-se muito
rapidamente. Os melhoramentos aplicados aos duplex devem-se, essencialmente, à
necessidade de melhorar a sua resistência à corrosão, a sua vazabilidade e mesmo a sua
soldabilidade.
3 ASPECTOS GERAIS
3.1 PROCESSOS DE FABRICAÇÃO
O aço inoxidável duplex é basicamente produzido pela fusão da matéria-prima em
forno elétrico a arco (FEA). Devido ao fato do FEA ser inapropriado para diminuir o teor de
carbono do banho até o nível exigido pelo aço inoxidável, após a fusão o aço líquido é vazado
4
para uma cuba de refino. Este refino pode ser obtido por meio dos processos AOD e VOD.
Ambos os processos tem como objetivo promover a oxidação seletiva do carbono através de
uma injeção de uma mistura dos gases argônio e oxigênio (processo AOD), ou somente de
oxigênio (processo VOD) [11, 12].
Esta é a etapa mais crítica no processo de fabricação, isto porque a descarburação
ocorre por meio da injeção de oxigênio no banho metálico que reage com o carbono formando
CO (C + O = CO) e sai do líquido reduzindo o teor de carbono do banho, porém o oxigênio
também pode reagir com o Cr para formar um óxido estável através da reação 2Cr + 3O =
Cr2O3, provocando a perda de cromo para a escória [12].
3.2 CLASSIFICAÇÃO
A classificação dos aços inoxidáveis duplex (AID) pode ser feita de acordo com a sua
composição química:
1) Aços inoxidáveis dúplex de baixa liga: é a classe mais econômica dos duplex
por não possuir molibdênio e menores teores de liga. Exemplo: SAF 2304 [10].
2) Aços inoxidáveis dúplex de média liga: apresentam resistência à corrosão
superior aos aços inoxidáveis austeníticos comuns. É a classe mais utilizada
dentre os duplex estando entre eles o SAF 2205 [10].
3) Aços inoxidáveis dúplex de alta liga: também são conhecidos como aços
inoxidáveis superduplex, dentre eles o mais comum é o SAF 2507. Apresentam
resistência à corrosão similar aos superausteníticos que possuem entre 5 e 6% de
molibdênio [10].
A Tabela 1 apresenta a composição química dos AID mais comuns.
Tabela 1 - Composições típicas (%) dos aços inoxidáveis duplex mais comuns
Nome
comum UNS
W. Nr.
(EM) C máx. Cr Ni Mo N Outros
AISI329 S32900 1.4460 0,08 23-28 2,5-5,0 1-2
Não
esp. -
3RE60 S31500 1.4417 0,03 18-19 4,3-5,2 2,5-3 0,05-0,1 -
2304 S32304 1.4362 0,03
21,5-
24,5 3-5,5 0,05-0,6 0,05-0,2 -
2205 S31803 1.4462 0,03 21-23 4,5-6,5 2,5-3,5 0,1-0,22 -
F55 S32760 1.4501 0,03 24-26 6-8 3-4 0,2-0,3 Cu=0,7
W=0,7
2507 S32750 1.4410 0,03 24-26 6-8 3-5 0,2-0,3 Cu=0,5
Fonte: [4].
4 METALURGIA DOS AÇOS INOXIDÁVEIS DUPLEX
Os aços inoxidáveis duplex são baseados no sistema Fe-Ni-Cr. As composições
químicas destes aços são ajustadas de tal modo que a microestrutura final do metal consiste
em frações volumétricas praticamente iguais de ferrita e austenita [11]. A microestrutura
duplex pode ser obtida através do balanceamento dos elementos de liga e de tratamento
térmico ou termomecânico. O balanceamento dos elementos de liga, nos aços inoxidáveis
5
dúplex tem, por objetivo, controlar os teores de elementos estabilizadores de austenita
(gamagênicos), tais como níquel, carbono, nitrogênio e de elementos estabilizadores da ferrita
(alfagênicos), cromo, molibdênio e silício. Esses elementos constituem a composição química
dos duplex.
A figura 2 apresenta uma secção isotérmica (650ºC) do diagrama ternário que poderá
revelar as fases presentes neste sistema quando considerados apenas os três elementos puros
Fe-Cr-Ni [9]. Basicamente, são encontradas quatro fases no sistema; austenita (γ) com
estrutura CFC, ferrita α e α` (ricas em Cr) ambas com estrutura CCC e fase sigma (σ), fase
intermetálica não magnética com estrutura tetragonal [9].
Figura 2: Isoterma do diagrama Fe-Cr-Ni à 650oC
Fonte: [13]
O ajuste da composição química para obter uma microestrutura bifásica pode ser feita
a partir dos conceitos de cromo e níquel equivalentes, inicialmente propostos por Schaeffler e
aprimorados por De Long [6]. Na década de 50, Schaeffler desenvolveu um diagrama, figura
3, que relaciona a composição química do aço inoxidável com a microestrutura obtida. Desta
forma, aplicando os critérios de cromo e níquel equivalente obtém-se as estruturas presentes
nos aços à temperatura ambiente [6]. Define-se cromo equivalente como o conjunto de
elementos que estabilizam a fase ferrita e, de forma análoga, o níquel equivalente como o
conjunto de elementos que estabilizam a fase austenítica [6, 9].
Creq = %Cr + %Mo + 1,5 x %Si + 0,5 x Nb
Nieq = %Ni + 30 x (%C + %N) + 0,5 x Mn
Figura 3: Diagrama de Schaeffler
6
Fonte: [11]
4.1 EFEITO DOS ELEMENTOS DE LIGA
A seguir serão descritas as principais funções dos elementos presentes num aço
inoxidável duplex:
Cromo: é o principal elemento responsável pela a resistência à oxidação devido à
formação de um filme passivante quando em contato com a atmosfera. A velocidade no qual é
formado o filme depende do teor em cromo [9]. Para se formar um filme passivante estável o
cromo deve estar presente em um percentual mínimo de 10,5% [6]. A figura 4 ilustra a
influência do cromo na resistência a corrosão.
Figura 4: Efeito do teor crescente de Cr na resistência à corrosão atmosférica de ligas Fe-Cr
Fonte: [6].
O cromo aumenta ainda a resistência mecânica e à fluência. No entanto, é um forte
promotor da fase sigma (σ) [9], um composto de estrutura tetragonal, duro e frágil. A fase
sigma forma-se no contorno de grão, removendo cromo dessa região, diminuindo resistência à
corrosão intergranular. A sua transformação, no equilíbrio, ocorre na faixa de temperatura
entre 820 e 475oC, figura 5. Uma das formas de evitar a formação da fase sigma seria o
resfriamento rápido pela faixa de temperatura de transformação [3].
Figura 5: Diagrama de equilíbrio Fe-Cr
7
Fonte: [11].
Níquel: favorece a formação da austenita. Em associação ao cromo melhora a
resistência à corrosão do aço inoxidável. Além disso, o níquel exerce uma importante ação
nas ligas com elevados teores de cromo, sobre a zona de estabilidade da fase sigma,
provocando seu deslocamento até regiões com menores quantidades de cromo [6].
Molibdênio: age como estabilizador da ferrita aumenta a passividade e a resistência
química dos aços inoxidáveis, sobretudo na presença de cloretos, à qual a passividade do
cromo é pouco estável [6]. Similar ao cromo, também é um forte formador da fase sigma [9].
Melhora a resistência à corrosão por pites [11].
Nitrogênio: geralmente adicionado como um elemento de liga a fim de acelerar a
formação da austenita e estabilizá-la a altas temperaturas, aumenta a resistência à corrosão por
pites, a resistência mecânica, a tenacidade e retarda a cinética de precipitação da fase sigma
[6, 11]. Contudo deve-se tomar cuidado para não ultrapassar a solubilidade do nitrogênio em
ligas Fe-Cr-Ni (Figura 6), pois pode causar porosidades no material.
Figura 6: Solubilidade do N em ligas Fe-Cr-Ni no estado líquido a 1600°C
Fonte: [14].
8
Carbono: é um elemento estabilizador da fase austenita da mesma forma que o
nitrogênio. A figura 7 mostra o efeito austenitizante de ambos os elementos num diagrama Fe-
Cr-Ni.
Figura 7: O efeito austenitizante do N e do C através dos diagramas isotérmicos a 1200 oC
Fonte: [14].
4.2 MICROESTRUTURA
Como já dito anteriormente, os AID apresentam uma microestrutura bifásica,
composta de ferrita e austenita, mas para os AID, obtidos pelo processo de fundição em
moldes de areia, torna-se praticamente impossível evitar a precipitação da fase sigma durante
a solidificação, devido à baixa velocidade de resfriamento. Contudo é possível minimizar a
sua fração volumétrica na microestrutura através de conceitos metalúrgicos e do
conhecimento sobre os efeitos de cada elemento químico na cinética de precipitação desses
intermetálicos [17]. A figura 8 mostra a uma estrutura típica dos aços inoxidáveis duplex.
Figura 8: Microestrutura típica de um aço inoxidável duplex SAF2205, aumento de 400X
Fonte: [10].
O tratamento térmico de solubilização, seguido por resfriamento em água, promove a
dissolução da fase sigma e de outros intermetálicos desde que seja executado adequadamente,
9
pois se trata de difusão atômica, sendo em função de duas variáveis: tempo e temperatura
[17]. A temperatura de solubilização para a maior parte dos AID está dentro da faixa de 1000
a 1150ºC [15].
A maioria dos AID solidifica na forma ferrítica e dependem da transformação de
estado sólido para se transformarem parcialmente em austenita. Esta transformação está
intimamente ligada à composição química e ao tempo e temperatura de difusão [9,18]. A
figura 9 evidencia isto num diagrama psedo-binário para uma liga Fe-Cr-Ni, com teores fixos
de Fe, onde observa-se que o primeiro sólido formado é a ferrita delta. [11].
Figura 9: Secção psedo-binária do diagrama ternário Fe-Cr-Ni, com (a) 70% de Fe e (b) 60%
de Fe
Fonte: [11].
Em temperaturas abaixo de 1000ºC os aços inoxidáveis duplex não são estáveis e
vários compostos podem se formar [15]. Como pode-se observar na figura 10, as regiões de
precipitação estão claramente relacionadas às adições de molibdênio, cromo e tungstênio.
Estes elementos tornam os aços mais propensos a transformar a ferrita em fases intermetálicas
(sigma-σ e chi-χ), nitretos, carbonetos e entre outros [18].
10
Figura 10: Precipitações de fases típicas que podem ocorrer em aços duplex
Fonte: [18]
Uma das transformações mais populares é a decomposição espinoidal da ferrita em α´.
Esta decomposição consiste na separação da ferrita em teores baixo e alto de cromo em uma
escala muito pequena. Esta transformação acontece principalmente entre 475 e 280°C.
Observa-se também um endurecimento subsequente e a fragilização da ferrita [18].
A fase sigma apresenta elevada dureza (chegando a 940HV ou 68HRC) e se forma
principalmente devido a exposições em temperaturas de 700ºC a 900ºC [16]. A fase sigma
precipita nas interfaces ferrita/austenita e cresce em direção à ferrita, que fornece elementos
de liga (cromo e molibdênio) para sua formação. A presença dessa fase deteriora a tenacidade
ao impacto e por ser rica em cromo (30% em peso) e molibdênio (8% em peso) diminui a
resistência à corrosão nas adjacências desde precipitado [17]. A figura 11 mostra um AID
com tratamento térmico de precipitação de fase σ a 700ºC durante aproximadamente 4 horas
[9].
Figura 11: AID com precipitação de fase sigma na interface austenita-ferrita
Fonte: [9].
Outra fase intermetálica é a Chi. Ela é rica em cromo e molibdênio, sendo uma fase
indesejável por ser frágil e apresentar efeitos nocivos sobre as propriedades mecânicas e de
resistência à corrosão [19].
4.3 PROPRIEDADES MECÂNICAS
11
Os AIDs apresentam comportamento superplástico, indicado pelas grandes e
uniformes deformações às quais podem ser sujeitos sem a formação de estricção em
temperaturas próximas à metade da temperatura de fusão dos mesmos. A superplasticidade
estrutural é causada pela presença de uma estrutura muito refinada, obtida durante a
transformação de parte da fase ferrítica para a combinação de estrutura austenítica/ferrítica
[23]. A microestrutura de um aço inoxidável duplex está representada na figura 8.
A combinação entre os elevados valores de alongamento da austenita com o elevado
limite de escoamento da ferrita nos AIDs forma um conjunto de notáveis propriedades
mecânicas. Os aços inoxidáveis duplex apresentam elevado limite de escoamento, na ordem
de duas vezes o valor dos aços austeníticos. Além disso, apresenta um alongamento mínimo
em torno de 25%. O comportamento mecânico dos aços inoxidáveis duplex está intimamente
relacionado com a característica de cada fase, por isso o balanceamento entre as frações
volumétricas de austenita e ferrita deve estar próximo de 50% para cada uma das fases, a fim
de se maximizar as propriedades mecânicas [10]. A Tabela 2 compara as propriedades
mecânicas dos aços inoxidáveis de microestrutura duplex com os aços inoxidáveis
austeníticos [10].
Tabela 2: Comparação entre as propriedades mecânicas dos aços inoxidáveis de
microestrutura duplex com as ligas austeníticas
Fonte: [10]
4.4 PROPRIEDADES FÍSICAS
Os AID apresentam menores coeficientes de expansão térmica, similares ao dos aços
inoxidáveis ferríticos, o que os tornam aconselháveis para uso em condições de ciclos
térmicos, em temperaturas de aplicação menores do que 300°. A condutividade térmica é
maior do que nos aços inoxidáveis austeníticos, a qual, em conjunto com a baixa expansão
térmica, os torna bons candidatos à utilização em trocadores de calor. São fortemente
magnéticos devido à presença de ferrita [21].
4.5 SOLDABILIDADE
Nos aços inoxidáveis duplex a presença de duas fases pode dificultar que estas fases
sejam mantidas pelo efeito dos ciclos térmicos de soldagem. Nos ciclos térmicos, a
temperatura varia desde a zona de fusão onde ocorrem fenômenos durante a solidificação até
o metal adjacente à solda na zona afetada pelo calor onde ocorrem transformações no estado
sólido. As propriedades da solda dependem da composição química, do procedimento e
processo de soldagem e do balanço entre a austenita e a ferrita na microestrutura. Este balanço
pode ser ajustado pela alteração da composição química do metal de adição e pelo controle da
temperatura durante a soldagem. O principal objetivo quando aços inoxidáveis são unidos por
12
soldagem é manter sua resistência à corrosão na zona fundida (ZF) e na zona termicamente
afetada [22].
Os AIDs apresentam boa soldabilidade, desde que parâmetros de soldagem e
especificação de materiais de adição sejam obedecidos. Em particular, um resfriamento muito
rápido potencializa um teor muito elevado de ferrita e a precipitação de nitretos de cromo na
ZTA e ZF, o que prejudica a tenacidade e a resistência a corrosão da solda. Por outro lado, um
resfriamento muito lento e a manutenção por tempos longos a temperaturas entre cerca de
1000 e 600°C pode levar a precipitação de compostos intermetálicos que também prejudicam
as propriedades mecânicas e químicas da região soldada [22].
4.6 RESISTÊNCIA À CORROSÃO
A resistência à corrosão dos AIDs é promovida pela existência de uma película
passivante muito aderente que protege a superfície do aço no ambiente a que estiver exposto
[9,10]. Essa propriedade está relacionada, principalmente, aos elementos de liga, embora
fatores como tamanho de grão, distribuição e morfologia de inclusões, precipitação de fases e
qualidade da superfície também exerçam influência [10].
Dentre os mecanismos de corrosão mais comuns está a corrosão por pites. Nos aços
inoxidáveis a susceptibilidade à corrosão por pites pode ser relacionada com o índice PRE
(pitting resistance equivalent) baseando-se unicamente na composição química do material de
acordo com a equação [9,10]:
PRE = %Cr + 3.3 x (%Mo) + 16 x (%N)
Outros autores ainda propõem mudanças no cálculo do índice PRE, levando em
consideração o efeito de outros elementos sobre a resistência à corrosão. A figura 12 compara
os valores típicos de PRE dos AID e dos demais aços inoxidáveis.
Figura 12: Valores de PRE para diversos aços inoxidáveis
Fonte: [18].
Devido ao fato dos AID serem formados por duas fases com composições diferentes, o
PRE global destes aços não tem grande significado, devendo-se então procurar o PRE de cada
fase. A fase que apresentar o menor PRE será a que determinará o comportamento do material
[9,10].
13
A corrosão intergranular também pode ocorrer num AID devido a precipitação da fase
sigma que, por ser rica em cromo, empobrece de cromo a região onde o precipitado se formou
(contorno de grão).
5 APLICAÇÕES
Os aços inoxidáveis duplex foram desenvolvidos para atender às necessidades da
indústria química e petroquímica, que necessitam de materiais mais resistentes que os aços
inoxidáveis comuns, tanto aos meios corrosivos, quanto às altas temperaturas e pressões [21].
Os aços inoxidáveis duplex surgiram da necessidade de uso em situações onde exige-se, além
de resistência à corrosão, uma boa resistência mecânica, alta tenacidade e ductilidade,
combinando assim as qualidades dos aços ferríticos e austeníticos.
Tem aplicação na indústria:
Química: vasos de pressão, trocadores de calor, reatores, bombas, tanques de produtos
químicos.
De óleo e gás: resfriadores, blocos de pressão, bloco de válvulas.
Petroquímica: reatores tubulares com revestimento de aço carbono, unidades de
dessanilização e destilação, carcaças de bombas de dessulfuração, tubulação para meios
contendo Cl e Hcl.
Papel e celulose: Digestores, pré-aquecedores, evaporadores, equipamentos de
branqueamento contendo cloretos.
Nuclear: Sistemas de recirculação e refrigeração.
Outra importante área de aplicação dos duplex é a da indústria naval, em que uma
grande parte dos navios cisterna é construída para o transporte de produtos químicos variados.
Estes produtos são frequentemente corrosivos o que exige uma enorme preocupação na
escolha do material de construção a ser empregado [9].
6 CONCLUSÃO
Os AIDs são basicamente produzidos pela fusão da matéria- prima em forno elétrico a
arco (FEA). Devido ao fato do FEA ser inapropriado para diminuir o teor de carbono do
banho até o nível exigido pelo aço inoxidável, após a fusão o aço líquido é vazado para uma
cuba de refino. Este refino pode ser obtido por meio dos processos AOD e VOD.
Os aços inoxidáveis duplex combinam elevada resistência mecânica e resistência à
corrosão. Esta característica é obtida em uma microestrutura bifásica, composta de ferrita e
austenita e combina as melhores propriedades de ambas as fases como imunidade à corrosão
sob tensão e boa soldabilidade.
Figura 13: Encaixe de tubulações usados na indústria offshore e tubulações
Fonte: [20]
14
Foram desenvolvidos como alternativa aos aços inoxidáveis austeníticos para
aplicações onde estes não obtêm desempenhos satisfatórios como, por exemplo, em meios
contendo cloretos ou em situações que se requerem elevadas propriedades de resistência
mecânica e de resistência à corrosão por pites, como na indústria petroquímica.
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