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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN
CENTRO DE CIEcircNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO - PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL
NATAL
2013
HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Direito - PPGD da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Direito
(Aacuterea de Concentraccedilatildeo Constituiccedilatildeo e Garantia
de Direitos)
Orientadora Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios
Fontes Silva
NATAL
2013
HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL
Dissertaccedilatildeo aprovada em 17122013 pela banca examinadora formada por
Presidente ________________________________________________
Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva
(Orientadora ndash UFRN)
Membro ________________________________________________
Prof Doutor Artur Cortez Bonifaacutecio
Membro ________________________________________________
Prof Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta
Dedico este trabalho a minha amada matildee e meu
eterno pai
ldquoEm geral nove deacutecimos da nossa felicidade
baseiam-se exclusivamente na sauacutede Com ela
tudo se transforma em fonte de prazerrdquo
Arthur Schopenhauer
AGRADECIMENTOS
A Deus por toda proteccedilatildeo e por presentear a mim e a minha famiacutelia com uma vida
saudaacutevel
Ao meu eterno pai e meu maior orgulho por todo amor educaccedilatildeo e valores
transmitidos
A minha matildee Mariacutegia minha irmatilde Beth e especialmente minha noiva Steacutephanie as
mulheres da minha vida e pilares que formam meu porto seguro por toda paciecircncia
compreensatildeo carinho ajuda incentivo e muito amor
A todos os colegas da minha turma no Mestrado em particular ao amigo Rochester
Arauacutejo Garanto-lhe que suas sugestotildees e criacuteticas durante nossos ldquoaccedilaiacutes juriacutedicosrdquo e conversas
na biblioteca foram essenciais para a finalizaccedilatildeo deste trabalho
Aos meus amigos do peito que durante todo este periacuteodo compreenderam as minhas
ausecircncias nas diversas reuniotildees que natildeo pude comparecer e me transmitiram palavras de
incentivo essenciais para que eu seguisse firme nessa jornada
A Professora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva minha orientadora pelo apoio
singular prestatividade incentivo e liberdade intelectual proporcionados durante toda a
pesquisa
A todos os professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito que direta ou
indiretamente contribuiacuteram para a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo Sem duacutevidas a dedicaccedilatildeo de
cada um de vocecircs eacute o que torna o Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte um dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de destaque no Nordeste
Aos colegas de trabalho do Nuacutecleo Estadual do Ministeacuterio da Sauacutede no Rio Grande do
Norte sobretudo pelo auxiacutelio na obtenccedilatildeo de dados relacionados agrave conjectura da sauacutede
puacuteblica no paiacutes que muito contribuiu para a presente pesquisa
RESUMO
Se por um lado apenas com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede veio a receber
tratamento de autecircntico direito fundamental social por outro eacute certo que desde entatildeo o niacutevel
de concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a tal direito retrata um descompasso entre a vontade
constitucional e a vontade dos governantes Isso porque em que pese a inerente gradualidade
do processo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a realidade brasileira marcada
por um quadro de verdadeiro caos na sauacutede puacuteblica noticiado rotineiramente nos telejornais
desnatura o status prioritaacuterio desenhando constitucionalmente para o direito agrave sauacutede
demonstrando desta maneira que haacute um claro deacuteficit neste processo o qual precisa ser
corrigido Essa preocupaccedilatildeo quanto agrave problemaacutetica da efetivaccedilatildeo dos direitos sociais por sua
vez eacute reforccedilada quando se fala em direito agrave sauacutede pois tal direito frente sua iacutentima ligaccedilatildeo
com o direito agrave vida e agrave dignidade da pessoa humana acaba assumindo uma posiccedilatildeo de
primazia dentre os direitos sociais apresentando-se como um direito impreteriacutevel visto que
sua perfeita fruiccedilatildeo torna-se condiccedilatildeo preciacutepua para o potencial gozo dos demais direitos
sociais Partindo dessas premissas o presente trabalho tem o intuito de fornecer uma proposta
para a correccedilatildeo desta problemaacutetica sobretudo a partir da defesa de um papel ativo do
Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos e
soacutelidos que venham a corrigir com seguranccedila juriacutedica o deacuteficit apontado e a evitar os efeitos
colaterais e distorccedilotildees que satildeo hodiernamente vislumbrados quando o Judiciaacuterio se propotildee a
intervir no tema Para tanto desponta como aspecto principal desta medida a proposiccedilatildeo de
um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave sauacutede que levando em consideraccedilatildeo tanto
os pontos constitucionalmente prioritaacuterios referentes a este relevante direito quanto agrave proacutepria
loacutegica da estruturaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS inserta no seio das poliacuteticas puacuteblicas
em sauacutede desenvolvidas no paiacutes venha a contribuir para uma judicializaccedilatildeo do tema mais
consentacircnea com os ideais traccedilados na Constituiccedilatildeo de 1988 No igual intuito de se buscar
uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede harmocircnica com a prioridade constitucional iacutensita a este
relevante bem a pesquisa alerta tambeacutem para a necessidade de se empreender uma
reestruturaccedilatildeo na forma de organizaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede de modo a se fazer valer a
diretriz constitucional do SUS da participaccedilatildeo da comunidade bem como para a importacircncia
da instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no paiacutes que tendo a Constituiccedilatildeo como
buacutessola passe a retratar fielmente a especial priorizaccedilatildeo constitucional direcionada aos
direitos sociais especialmente o direito agrave sauacutede
Palavras-chave Direito agrave sauacutede Concretizaccedilatildeo Poder Judiciaacuterio
ABSTRACT
If on one hand only with the 1988 Federal Constitution the right to health began to receive
the treatment of authentic fundamental social right on the other it is certain since then the
level of concretization reached as to such right depicts a mismatch between the constitutional
will and the will of the rulers That is because despite the inherent gradualness of the process
of concretization of the fundamental social rights the Brazilian reality marked by a picture of
true chaos on public health routinely reported on the evening news denatures the priority
status constitutionally drew for the right to health demonstrating thus that there is a clear
deficit in this process which must be corrected This concern regarding the problem of the
concretization of the social rights in turn is underlined when one speaks of the right to
health since such right due to its intimate connection with the right to life and human
dignity ends up assuming a position of primacy among the social rights presenting itself as
an imperative right since its perfect fruition becomes an essential condition for the potential
enjoyment of the remaining social rights From such premises this paper aims to provide a
proposal for the correction of this problem based upon the defense of an active role of the
Judiciary in the concretization of the right to health as long as grounded to objective and solid
parameters that come to correct with legal certainty the named deficit and to avoid the side
effects and distortions that are currently beheld when the Judiciary intends to intervene in the
matter For that effect emerges as flagship of this measure a proposition of an existential
minimum specific to the right to health that taking into account both the constitutionally
priority points relating to this relevant right as well as the very logic of the structuring of the
Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS inserted within the core of the public health policies developed
in the country comes to contribute to a judicialization of the subject more in alignment with
the ideals outlined in the 1988 Constitution Furthermore in the same intent to seek a
concretization of the right to health in harmony with the constitutional priority inherent to this
material right the research alerts to the need to undertake a restructuring in the form of
organization of the Boards of Health in order to enforce the constitutional guideline of SUS
community participation as well as the importance of establishing a new culture budget in the
country with the Constitution as a compass pass accurately portray a special prioritization
directed constitutional social rights especially the right to health
Keywords Right to health Concretization Judiciary Branch
LISTA DE SIGLAS
ACP ndash Accedilatildeo Civil Puacuteblica
ADCT ndash Atos das disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias
ANVISA ndash Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria
CAPS ndash Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo
CF ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988
CIT ndash Comissatildeo Intergestores Tripartite
CLT ndash Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas
CNJ ndash Conselho Nacional de Justiccedila
CPMF ndash Contribuiccedilatildeo Provisoacuteria sobre a Movimentaccedilatildeo Financeira
DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos
EC ndash Emenda Constitucional
EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica
FNS ndash Fundo Nacional de Sauacutede
FTN ndash Formulaacuterio Terapecircutico Nacional
IAP ndash Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo
INESC ndash Instituto de estudos socioeconocircmicos
INPS ndash Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INAMPS ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
IPEA ndash Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
LC ndash Lei Complementar
LDO ndash Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias
LOA ndash Lei Orccedilamentaacuteria Anual
LRF ndash Lei de Responsabilidade Fiscal
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
MS ndash Ministeacuterio da Sauacutede
NOAS ndash Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede
NOB ndash Normas Operacionais Baacutesicas
OAB ndash Ordem dos Advogados do Brasil
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
PIB ndash Produto Interno Bruto
PIDCP ndash Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos
PIDESC ndash Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais
PNPS ndash Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede
PPA ndash Plano Plurianual
PPI ndash Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede
PRD ndash Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo
PSF ndash Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RENAME- Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais
RENASES ndash Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede
STF ndash Supremo Tribunal Federal
STJ ndash Superior Tribunal de Justiccedila
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
TAC ndash Termo de Ajustamento de Conduta
TCG ndash Termo de Compromisso de Gestatildeo
TJ ndash Tribunal de Justiccedila
UBS ndash Unidades baacutesicas de sauacutede
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 14
2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL19
21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES
DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 198819
22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA
CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 24
23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAacuteUDE ndash SUS 26
231 Princiacutepios informadores do SUS 27
232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS 29
233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do
SUS29
234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem
aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede 30
24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E OS DESAFIOS ATUAIS DO
SUS33
25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO
ORDENAMENTO PAacuteTRIO 35
3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL44
31 A EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 44
32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO
DIREITO Agrave SAUacuteDE 53
321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de
prestaccedilatildeo 54
322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla
fundamentalidade (formal e material) 56
323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e
princiacutepios59
324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio 61
4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE 67
41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS70
42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO
POSSIacuteVEL 73
43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O
DIREITO Agrave SAUacuteDE 81
44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 86
45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA 89
451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio 93
452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana96
5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE102
51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA
ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtilde DO DIREITO Agrave SAUacuteDE103
511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes106
512 Os efeitos colaterais de uma desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede114
52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE119
53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS
PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO RELATIVO A
ESSE DIREITO131
531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 75082011 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees
miacutenimas em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico135
532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a
delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede141
54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NO BRASIL148
6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO
DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL159
61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE
NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO159
611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica160
612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil163
613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de
sauacutede172
62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE
UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES
CONSTITUCIONAIS176
621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico178
622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede181
623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede193
7 CONCLUSAtildeO200
REFEREcircNCIAS207
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Ainda que ultrapassadas mais de duas deacutecadas desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 pode-se afirmar que a busca pela efetividade dos direitos fundamentais
sociais especialmente o direito agrave sauacutede em sua acepccedilatildeo prestacional ainda eacute mateacuteria que
caminha a passos cadenciados representando um dos grandes desafios para o Estado e para a
sociedade
O estabelecimento por parte do constituinte de 1988 de um lugar de destaque para a
sauacutede ndash encarada natildeo somente como a ausecircncia de doenccedilas mas como o completo bem estar
fiacutesico mental e espiritual do homem conforme conceitua a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
(OMS) ndash em que pese ter significado um glorioso avanccedilo no sentido de proporcionar uma
ampliaccedilatildeo formal e material da forccedila normativa de tal direito consistiu apenas no primeiro
passo da luta pela sua materializaccedilatildeo em efetivos benefiacutecios agrave sociedade
Desta maneira notadamente quanto ao direito agrave sauacutede se haacute no plano teoacuterico uma
evidente dificuldade de se conferir tal efetividade por meio da perfeita implementaccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas a problemaacutetica no campo praacutetico eacute bem mais complexa sendo
hodiernamente refletida na tormentosa realidade de milhotildees de brasileiros que dependem do
sistema puacuteblico de sauacutede e vivenciam situaccedilotildees calamitosas frequentemente noticiadas nos
telejornais como algo jaacute natural e trivial no paiacutes
Se a vivecircncia diaacuteria de episoacutedios no caoacutetico cenaacuterio da sauacutede puacuteblica conduz por um
lado a um sentimento de necessidade de mudanccedila e indignaccedilatildeo por outro pelo menos um
aspecto positivo tal divulgaccedilatildeo acaba gerando a constataccedilatildeo de que o debate acerca dos
direitos fundamentais ganha a cada dia mais espaccedilo nas rodas de conversa da populaccedilatildeo e
isso acarreta uma maior tomada de consciecircncia por parte dos cidadatildeos do alcance dos seus
direitos e da forma com que estes poderatildeo ser buscados
Nesse contexto a judicializaccedilatildeo cada vez mais crescente das mais diversas demandas
ligadas agrave concretizaccedilatildeo do direito fundamental social agrave sauacutede abastece a discussatildeo acerca da
legitimidade da intervenccedilatildeo judicial nesta seara cujo cenaacuterio atual frente agrave inevitabilidade
dessa atuaccedilatildeo eacute mercado pela penosa tentativa de se estabelecer criteacuterios objetivos e
adequados para a construccedilatildeo de um processo decisoacuterio legiacutetimo justo e consentacircneo com os
ideais dirigentes do sistema constitucional brasileiro
Quem haacute 20 anos imaginava o Estado como fornecedor de medicamentos muitos
deles de alto custo ou compelido a realizar um exame ou um procedimento ciruacutergico para um
cidadatildeo A verdade poucos Avanccedilou-se na concretizaccedilatildeo de tal direito principalmente pelos
15
esforccedilos da provocaccedilatildeo e atuaccedilatildeo do judiciaacuterio e hoje o miacutenimo que o Estado deve ou pelo
menos deveria proporcionar em mateacuteria de direito agrave sauacutede no Brasil acoplou novos
benefiacutecios
Eacute importante ter-se em mente por sua vez que a problemaacutetica em tela apresenta uma
abrangecircncia de difiacutecil delimitaccedilatildeo pois engloba diversas facetas do direito agrave sauacutede que
encarado de maneira macro compreende variadas nuances tanto sob o prisma individual
quanto sob o coletivo Melhor explicando o trabalho de aferir se certo pleito estaria ou natildeo
enquadrado no campo protetivo do direito agrave sauacutede passa por uma anaacutelise que envolve
diferentes aspectos como os de cunho social poliacutetico econocircmico cultural ou geograacutefico de
determinada coletividade ndash por exemplo a prioridade de tratamento preventivo na regiatildeo
norte eacute totalmente diferente da de outra regiatildeo do paiacutes ndash sendo portanto a determinaccedilatildeo de
quais seriam as prestaccedilotildees miacutenimas em sauacutede um aacuterduo trabalho para o inteacuterprete
Posto o problema o presente estudo partiraacute das premissas de que na discussatildeo acerca
da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede eacute essencial se observar primeiro que tal direito
social assume um papel de extrema relevacircncia frente agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida
e agrave dignidade da pessoa humana segundo que o quadro atual da sauacutede puacuteblica nacional
evidencia um desequiliacutebrio entre o niacutevel de gradual concretizaccedilatildeo esperado apoacutes os mais de
vinte anos da Constituiccedilatildeo de 1988 e o que foi realmente alcanccedilado mediante poliacuteticas
puacuteblicas quanto a esse importante direito
Com relaccedilatildeo agrave primeira premissa seraacute defendido o destacamento do direito agrave sauacutede
para uma posiccedilatildeo de primazia quando comparado com os demais direitos fundamentais
sociais O desenvolvimento de tal raciociacutenio aproxima-se de certo modo da doutrina
americana dos ldquopreferred freedomsrdquo que estabelece uma ideia de posiccedilotildees preferenciais entre
os direitos fundamentais sem implicar entretanto necessariamente em uma mecacircnica
hierarquizaccedilatildeo das normas constitucionais que venha a ser lesiva agrave sua unidade
Desta maneira natildeo se buscaraacute refutar a noccedilatildeo consagrada na doutrina paacutetria de que
todos direitos fundamentais possuem a mesma hierarquia mas sim consistiraacute na defesa de
que o direito agrave sauacutede possui um niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica mais elevada que
os demais direitos fundamentais sociais por apresentar uma ascendecircncia axioloacutegica mais
dilatada devido ao seu forte laccedilo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e agrave dignidade da
pessoa humana e isto termina por ser refletido no proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a
Constituiccedilatildeo confere a tal direito conforme seraacute visto
16
Quanto agrave segunda premissa esta seria a constataccedilatildeo de que ocorre em mateacuteria de
direito agrave sauacutede no Brasil um certo descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos
governantes
Apesar de tal pensamento soar de certo modo um pouco pretensioso ele eacute fruto de
uma construccedilatildeo de raciociacutenio simples e de duas etapas a primeira abrange a conscientizaccedilatildeo
de que o direito agrave sauacutede como direito social que eacute tem seu processo de concretizaccedilatildeo
marcado por uma ideia de gradualidade no sentido de que frente as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias
de sua implementaccedilatildeo o Estado deve contar com uma certa paciecircncia da sociedade em
entender que a efetividade do mesmo seraacute alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a
passo conforme a capacidade financeira do Estado e a segunda de ordem faacutetica arremata a
conclusatildeo de que esse passo gradual encontra-se hoje deficitaacuterio ou atrasado se comparado
com a evoluccedilatildeo aguardada pela sociedade a qual jaacute chegou no seu limite de paciecircncia
Em termos mais diretos a realidade paacutetria marcada por exemplo pela falta de leitos
meacutedicos e equipamentos de infraestrutura no quadro geral da sauacutede puacuteblica nacional natildeo eacute o
que a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica planejou para sua fase adulta sendo necessaacuteria portanto
uma aceleraccedilatildeo nesse processo gradual
Feitas tais observaccedilotildees eacute relevante mencionar que corrigir esta distorccedilatildeo gerada
sobretudo pela ineficiecircncia dos Poderes Executivo e Legislativo (seja pela maacute formulaccedilatildeo e
execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas seja pela deficiecircncia do amparo legal do tema) natildeo eacute mateacuteria
faacutecil pois o balanceamento entre o caraacuteter essencial do direito fundamental agrave sauacutede e sua
natureza de direito prestacional passa antes de tudo pela questatildeo financeira de anaacutelise dos
custos envolvidos exigindo uma estruturaccedilatildeo focada em um modelo de gestatildeo organizada e
isento de maacuteculas por parte do Estado
Eacute nesse contexto que o presente estudo tem por intuito principal traccedilar alguns
delineamentos sobre a primazia do direito social em anaacutelise buscando apontar sugestotildees para
os problemas correlatos agrave sua clara falta de efetividade as quais vatildeo desde a perquiriccedilatildeo de
criteacuterios objetivos legitimadores da atuaccedilatildeo judicial no seu resguardo contribuindo para a
consequente construccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial em direito agrave sauacutede ateacute o
aprimoramento das medidas de controle dos gastos puacuteblicas em sauacutede
Para melhor compreensatildeo do que este trabalho se propotildee optar-se-aacute por uma
estruturaccedilatildeo didaacutetica cuja preocupaccedilatildeo primordial eacute deixar claro ao leitor desde as linhas
iniciais a raiz doutrinaacuteria que o norteia Nesse ponto filiando-se agraves vigas da nova
interpretaccedilatildeo constitucional que prestigia a forccedila normativa da constituiccedilatildeo mas sem que isso
signifique um menosprezo aos elementos claacutessicos hermenecircuticos seratildeo examinados temas
17
essenciais que circundam a temaacutetica da construccedilatildeo e aprimoramento de um miacutenimo
existencial especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede
Dessa maneira tendo como fio condutor o reconhecimento de que a atuaccedilatildeo
jurisdicional em mateacuteria de sauacutede respeitados certos limites e criteacuterios objetivos consiste em
praacutetica natildeo soacute legiacutetima mas tambeacutem primordial para a efetividade desse direito seratildeo
examinados temais centrais como o Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e sua correta (re)
leitura no estaacutegio atual do constitucionalismo a primazia da Dignidade da Pessoa Humana
como fonte irradiante de todo o ordenamento constitucional paacutetrio a necessidade da Teoria
do Miacutenimo Existencial encontrar-se em constante adaptaccedilatildeo com os avanccedilos da sociedade e o
possiacutevel embate desta questatildeo com o Postulado da Reserva do Possiacutevel
Para tanto incialmente seraacute traccedilado um esboccedilo do regime juriacutedico-constitucional do
direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio partindo da evoluccedilatildeo histoacuterica da proteccedilatildeo da sauacutede
puacuteblica ao longo das constituiccedilotildees nacionais passando pelo exame das implicaccedilotildees da
proteccedilatildeo internacional nessa seara e desembocando no estudo das caracteriacutesticas gerais desse
direito fundamental sob o enfoque das previsotildees constitucionais e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria
sobre tema (com ecircnfase nos dispositivos que tratam do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS)
Na sequecircncia seraacute discutida a temaacutetica da efetividade e eficaacutecia dos direitos
fundamentais sociais momento no qual seraacute examinado sob um vieacutes orccedilamentaacuterio o embate
entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ganhando evidecircncia o exame dos custos dos
direitos Nesse ponto ainda abordar-se-aacute a questatildeo do deacuteficit evolutivo do direito agrave sauacutede no
que se refere agrave sua gradual concretizaccedilatildeo almejada pela atual Constituiccedilatildeo apontando-se o
relevante papel que a Dignidade da Pessoa Humana somada agrave umbilical ligaccedilatildeo do
impreteriacutevel direito agrave sauacutede com o direito agrave vida assume no enfrentamento dessa mateacuteria
Posteriormente seraacute tratado o tema da judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede cujo debate
alertaraacute para a necessidade de se privilegiar as tutelas coletivas como forma de se conferir
isonomia e o maacuteximo alcance das conquistas judiciais nessa seara sem deixar de lado
contudo o exame do aacuterido campo das tutelas individuais Nesse ponto a noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo
constitucional no contexto poacutes-positivista seraacute primordial para se compreender a latente
necessidade da busca pelo estabelecimento de paracircmetros e criteacuterios objetivos que visem a
uma sindicabilidade do direito em xeque natildeo soacute consentacircnea com a ordem constitucional
vigente mas tambeacutem compromissada com a seguranccedila juriacutedica e a igualdade entre os
cidadatildeos
Ao final seraacute empreendido um debate complementar mas natildeo menos interligado agrave
judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que ressaltar-se-aacute a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede
18
na construccedilatildeo de uma democracia participativa apta a auxiliar a realizaccedilatildeo de tal direito bem
como seraacute proposta uma reestruturaccedilatildeo na forma que se desenvolve o ciclo orccedilamentaacuterio no
paiacutes de modo a que os campos de atenccedilatildeo direcionados no corpo da peccedila do orccedilamento
puacuteblico terminem espelhando o mais fiel possiacutevel as prioridades constitucionais
Dito isto eacute relevante deixar claro que a presente pesquisa natildeo intenta exaurir toda a
problemaacutetica envolvendo a efetividade do direito agrave sauacutede apresentando uma foacutermula maacutegica e
solucionadora o que seria impossiacutevel frente agrave dinamicidade das relaccedilotildees sociais e a
consequente multiplicidade de casuiacutesticas nesse campo Ao contraacuterio o que se pretende aqui eacute
investigar o assunto visando agrave sistematizaccedilatildeo de uma loacutegica de pensamento ndash calcada em uma
engrenagem arraigada no papel protagonista do Poder Judiciaacuterio auxiliado pelas funccedilotildees
essenciais agrave justiccedila e pela sociedade ndash que venha a contribuir para a ampliaccedilatildeo de alternativas
postas ao aplicador do direito no momento de concretizar o direito agrave sauacutede corrigindo-se em
uacuteltima anaacutelise a desarmonia entre o dever ser normativo e o ser da realidade social marcante
no tema
19
2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL
Falar em sauacutede como direito fundamental dos cidadatildeos brasileiros eacute algo recente na
histoacuteria do paiacutes visto que somente com a atual Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica esse bem juriacutedico
veio a ser alccedilado a tal categoria Desta maneira para o estudo do direito agrave sauacutede e os aspectos
quanto agrave sua eficaacutecia faz-se imprescindiacutevel antes de tudo compreender natildeo soacute a evoluccedilatildeo do
arcabouccedilo protetivo da mateacuteria ao longo das constituiccedilotildees nacionais como tambeacutem a
conjuntura histoacuterico-social que contribuiu para a feiccedilatildeo desse direito fundamental no
ordenamento contemporacircneo destacando-se tambeacutem a especial influecircncia da proteccedilatildeo
internacional na temaacutetica
21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES
DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988
De iniacutecio eacute importante se ter em mente a premissa de que a evoluccedilatildeo histoacuterica das
poliacuteticas de sauacutede no paiacutes caminha lado a lado com o progresso poliacutetico-social e econocircmico
da sociedade brasileira em um contexto em que a loacutegica desse processo evolutivo obedeceu agrave
oacutetica do avanccedilo do capitalismo na sociedade paacutetria
Por tal motivo o cenaacuterio preacute 1988 revela que a sauacutede natildeo ocupava lugar central dentro
da poliacutetica nacional1 jaacute que somente nos momentos em que determinadas endemias ou
epidemias tinham repercussatildeo na esfera econocircmica ou social do modelo capitalista eacute que o
governo atuava com mais ecircnfase no setor razatildeo pela qual eacute apontado na doutrina que devido a
falta de clareza e definiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede a histoacuteria desta confunde-se em
determinados momentos com a histoacuteria da previdecircncia social no paiacutes2
Dito isto tem-se que os passos embrionaacuterios de uma miacutenima preocupaccedilatildeo com a sauacutede
puacuteblica no Brasil podem ser identificados a partir das primeiras accedilotildees de combate agrave lepra e de
um miacutenimo controle sanitaacuterio existente sobre os portos e ruas ainda durante a eacutepoca da Corte
Portuguesa jaacute que a vinda da famiacutelia real gerou a necessidade da organizaccedilatildeo de uma miacutenima
estrutura sanitaacuteria panorama que perdurou ateacute meados de 1850
Com o passar dos tempos o quadro de organizaccedilatildeo poliacutetica marcadamente unitaacuterio e
centralizado foi dando lugar a um conjunto de accedilotildees um pouco mais efetivas no periacuteodo entre
1 Dispotildee Suelli Gandolfi Dallari que ldquonenhum texto constitucional se refere explicitamente agrave sauacutede como
integrante do interesse puacuteblico fundante do pacto social ateacute a promulgaccedilatildeo da Carta de 1988rdquo DALLARI Suelli
Gandolfi Os Estados Brasileiros e o Direito agrave Sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1995 p 133 2 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p2 Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 21122012
20
1870 e 1930 merecendo destaque o modelo ldquocampanhistardquo marcado pelo uso de forccedila policial
que apesar das arbitrariedades e abusos cometidos alcanccedilou importantes vitoacuterias no controle
de doenccedilas epidecircmicas como a febre amarela sob o comando de Oswaldo Cruz entatildeo Diretor
do Departamento Federal de Sauacutede Puacuteblica3
Em 1923 por sua vez nascia o marco inicial da previdecircncia social no Brasil (a
chamada ldquoLei Eloy Chavesrdquo4) mediante a instituiccedilatildeo de Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo
(CAPS) que abarcavam socorros meacutedicos em caso de doenccedila bem como a obtenccedilatildeo de
medicamentos obtidos com preccedilos especiais para as categorias profissionais a eles vinculadas
Paralelo a isso a partir de 1930 as accedilotildees curativas ateacute entatildeo esquecidas pelo modelo antes
mencionado passaram a ser realizadas timidamente com a estruturaccedilatildeo baacutesica de um sistema
puacuteblico de sauacutede a partir da criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede Puacuteblica5 restando
evidenciado portanto um cenaacuterio de natildeo universalizaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica vez que imperava
uma sistemaacutetica excludente em favor apenas das profissotildees reconhecidas pela lei
A previdecircncia social evoluiu e as CAPacuteS foram substituiacutedas pelos Institutos de
Aposentadoria e Pensatildeo (IAPacuteS) visando a estender a todas as categorias do operariado
urbano organizado os benefiacutecios da previdecircncia desembocando esse processo de unificaccedilatildeo
na promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (Lei 380760) a qual estabeleceu um
regime geral da previdecircncia destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da
Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT)6
Tal panorama apresentou seu aacutepice durante o regime ditatorial com a implantaccedilatildeo do
Instituto Nacional de Previdecircncia Social (INPS) em 1967 e a consequente unificaccedilatildeo do
sistema previdenciaacuterio em um contexto em que todos trabalhadores com carteira assinada
contribuiacuteam e se beneficiavam da assistecircncia meacutedica existente no plano de benefiacutecios Isso
gerou um aumento substancial da demanda do sistema meacutedico previdenciaacuterio o qual
impossibilitado em atender a todos direcionou agrave iniciativa privada a execuccedilatildeo dos benefiacutecios
por meio de convecircnios com meacutedicos e hospitais mediante pagamento de uma espeacutecie de pro-
labore acarretando na formaccedilatildeo de um complexo sistema meacutedico-industrial que gerou a
3 PICADO Fernanda de Siqueira A dignidade da pessoa humana e a efetividade do direito social agrave sauacutede
sob a oacuteptica jurisprudencial Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito PUC-SP 2010 p 101 4 Decreto ndeg 4682 1923 que ldquo Crea em cada uma das emprezas de estradas de ferro existente no paiz uma caixa
de aposentadoria e pensotildees para os respectivos empregadosrdquo 5 O Ministeacuterio da Sauacutede foi criado em 1953 contudo tal fato significou um mero desmembramento do antigo
Ministeacuterio da Sauacutede e Educaccedilatildeo sem que significasse uma nova postura do governo com efetiva preocupaccedilatildeo em
atender os problemas da sauacutede puacuteblica de sua competecircncia 6 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p 12 Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 11012013
21
necessidade da criaccedilatildeo de uma estrutura proacutepria administrativa em 1978 o Instituto Nacional
de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS)
Instituiu-se assim uma divisatildeo de responsabilidades em que ao Estado eram
reservadas as medidas coletivas sobretudo o controle das endemias enquanto a assistecircncia
meacutedica individual ficou a cargo do seguro social financiado pelo sistema contributivo
modelagem esta que contribuiu para a concepccedilatildeo arraigada no paiacutes de se enxergar o direito a
sauacutede natildeo como um direito do cidadatildeo e dever do Estado mas como uma assistecircncia ligada agrave
esfera privada restrita a quem contribuiacutea cenaacuterio acentuado com a instituiccedilatildeo do Sistema
Nacional de Sauacutede em 1975 o qual reconhecia essa dicotomia7
Esse modelo de gestatildeo centralizada marcado pela multiplicidade e descoordenaccedilatildeo
entre as instituiccedilotildees atuantes no setor e pela desorganizaccedilatildeo dos recursos empregados nas
accedilotildees de sauacutede curativa e preventiva8 caiu no descreacutedito social ao natildeo resolver a agenda da
sauacutede e frente agrave escassez de recursos para sua manutenccedilatildeo somada ao aumento dos custos
operacionais veio a entrar em crise
Por sua vez o contraste dos dados a respeito da sauacutede mortalidade infantil e
infraestrutura urbana com os iacutendices favoraacuteveis do Produto Interno Bruto (PIB) que
aumentou em meacutedia 10 entre 1968 e 1973 contribuiu para a constataccedilatildeo de que a
desigualdade social e concentraccedilatildeo de riqueza se acentuavam cada vez mais no paiacutes e que era
necessaacuteria uma mudanccedila desse quadro9
Esse modelo restritivo na prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede passou a ser entatildeo
questionado frente a grande quantidade de brasileiros agrave margem do mercado de trabalho
formal intensificando-se o debate acerca da universalizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento de Reforma Sanitaacuteria no processo
de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e o consequente fim do regime militar
Desta forma o marco do processo de formulaccedilatildeo de um novo modelo de sauacutede puacuteblica
universal foi a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede cujo lema era ldquoSauacutede Direito de Todos
Dever do Estadordquo realizada em marccedilo de 1986 pelo Ministeacuterio da Sauacutede que contou pela
primeira vez com a participaccedilatildeo de entidades da sociedade civil organizada de todo paiacutes
ligadas agrave temaacutetica sendo debatida a necessidade de reorganizaccedilatildeo do sistema em voga com a
instituiccedilatildeo da sauacutede como direito de cidadania e dever do Estado concluindo-se que uma
7 CORREcircA Darciacutesio MASSAFRA Cristiane Quadrado O Direito agrave Sauacutede e o papel do Judiciaacuterio para sua
efetividade no Brasil In Revista Desenvolvimento em questatildeo v2 nordm 3 2004 p 57 8 CRUZ Marly Marques da Histoacuterico do sistema de sauacutede proteccedilatildeo social e direito agrave sauacutede Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2164 Acessado em 20012013 9 LUCA Tacircnia Regina de Direitos sociais no Brasil In PINSKY Carla Bassanezi (Org) Histoacuteria da
Cidadania Satildeo Paulo Contexto 2003 p 484
22
simples reforma administrativa e financeira natildeo seria suficiente mas sim seria necessaacuteria
uma verdadeira mudanccedila em todo o arcabouccedilo juriacutedico tendente agrave unificaccedilatildeo democratizaccedilatildeo
e descentralizaccedilatildeo do sistema de sauacutede
Delimitado sucintamente o contexto histoacuterico-social da proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede ateacute
a Constituiccedilatildeo de 1988 seratildeo apontados a seguir os principais dispositivos constantes nas
constituiccedilotildees preteacuteritas que amparavam o direito agrave sauacutede de modo a facilitar a compreensatildeo
do tema
A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio pouco tratou do tema do direito agrave sauacutede vez que fora o fato
de abarcar a garantia de ldquosocorros puacuteblicosrdquo a uacutenica menccedilatildeo a tal direito em seu texto deixa
claro que a preocupaccedilatildeo do constituinte agrave eacutepoca ainda era tiacutemida e relacionada agrave atividade
mercantil como se depreende da redaccedilatildeo do dispositivo a seguir
Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadatildeos
Brazileiros que tem por base a liberdade a seguranccedila individual e a
propriedade eacute garantida pela Constituiccedilatildeo do Imperio pela maneira
seguinte
()
XXIV Nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio
poacutede ser prohibido uma vez que natildeo se opponha aos costumes publicos aacute
seguranccedila e saude dos Cidadatildeos
Aleacutem disso eacute importante enfatizar que os direitos acima elencados eram restritos a
uma elite aristocraacutetica visto que os ideais da revoluccedilatildeo liberal conquanto visassem a alterar a
estrutura e reorganizar a sociedade apresentavam o anseio maior de tatildeo somente romper
com os laccedilos do colonialismo sendo mantidos os interesses e os favores das classes
privilegiadas enquanto grande parte da populaccedilatildeo ainda continuava submetida a tratamentos
desumanos
A Constituiccedilatildeo de 1891 por sua vez conseguiu ser ainda mais acanhada e natildeo faz
qualquer referecircncia expressa ao direito agrave sauacutede Contudo merece atenccedilatildeo o fato de que havia
uma abstrata menccedilatildeo em seu artigo 78 agrave proteccedilatildeo das garantias e direitos nela natildeo
enumerados que resultassem da forma de governo e dos princiacutepios que a mesma consignasse
o que poderia ser utilizado para defesa da sauacutede em uacuteltima anaacutelise jaacute que funcionava como
uma tiacutemida claacuteusula de abertura10
10
OLIVEIRA Maacutercio dias de Sauacutede possiacutevel e judicializaccedilatildeo excepcional a efetivaccedilatildeo do direito
fundamental agrave sauacutede e a necessaacuteria racionalizaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito Instituto Toledo de
Ensino Bauro 2008 p 35
23
Impulsionada pelas revoluccedilotildees de 1930 e 1932 a Constituiccedilatildeo de 1934 que buscou
inspiraccedilatildeo formal na Constituiccedilatildeo de Weimar (grande marco do Constitucionalismo social) e
na Constituiccedilatildeo Espanhola de 1931 pretendeu implantar no sistema juriacutedico paacutetrio um
arcabouccedilo protetivo dos chamados direitos sociais sendo a primeira constituiccedilatildeo brasileira a
fazer referecircncia ao direito agrave sauacutede prevendo em seu art 10 inciso II ser o cuidado com a
sauacutede competecircncia concorrente da Uniatildeo e dos Estados denotando assim uma preocupaccedilatildeo
de cunho organizacional distanciada de uma feiccedilatildeo de direito subjetivo
Em que pese os esforccedilos da Carta de 34 no sentido de proteger os direitos sociais a
Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada por Getuacutelio Vargas tratou de tolher a efetividade dos direitos
fundamentais cuidando sobretudo de concentrar o poder no acircmbito do Executivo Na linha
dessa concentraccedilatildeo o inciso XXVII do art 16 previu ser competecircncia privativa da Uniatildeo
legislar sobre normas fundamentais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede especialmente a sauacutede da
crianccedila merecendo destaque ainda a previsatildeo do art 18 no sentido de poderem os estados
legislar para suprir as deficiecircncias da Lei Federal ou atenderem agraves peculiaridades locais sobre
a assistecircncia puacuteblica obras de higiene popular casas de sauacutede cliacutenicas estaccedilotildees de clima e
fontes medicinais11
A Constituiccedilatildeo de 1946 por sua vez por ter sido moldada no periacuteodo de 1937 a 1945
buscou restringir a forccedila do Poder Executivo e reforccedilar o Poder Legislativo retomando a
estrutura da Constituiccedilatildeo de 1891 e reintroduzindo os direitos econocircmicos sociais e culturais
da Carta de 1934 em um cenaacuterio em que o direito agrave sauacutede apesar de natildeo elencado de forma
expressa recebia menccedilatildeo no inciso XV do art 5deg da referida Carta ao ser repetida a previsatildeo
de ser competecircncia da Uniatildeo legislar sobre normais gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede
Apoacutes o golpe militar de 1964 foi outorgada a Carta Constitucional de 1967 que
alterou o regime de liberalidade buscado pela Constituiccedilatildeo de 1946 instalando-se o regime
totalitaacuterio conclamado pela doutrina da seguranccedila nacional A nova Constituiccedilatildeo apresentava
um rol de direitos e garantias fundamentais com valor meramente formal e sem nenhuma
efetividade Quanto ao direito agrave sauacutede repetiu-se a norma de cunho organizatoacuterio das
constituiccedilotildees anteriores no sentido de conferir agrave Uniatildeo a competecircncia para legislar sobre
normas gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede acrescentando-se todavia a competecircncia para
estabelecer planos nacionais de sauacutede e educaccedilatildeo
Em 1969 na tentativa de preservar o regime totalitaacuterio vigente foi outorgada a EC ndeg
0169 que embora repetisse as disposiccedilotildees da Carta de 67 trouxe uma inovaccedilatildeo no sect 4deg do
11
JULIO Renata Siqueira Wesllay Carlos Ribeiro Direito e sistemas puacuteblicos de sauacutede nas constituiccedilotildees
brasileiras In Novos Estudos Juriacutedicos v15 n3 2010 p 450
24
art 25 ao determinar que os municiacutepios aplicassem seis por cento do repasse da Uniatildeo a tiacutetulo
de fundo de participaccedilatildeo dos municiacutepios na Sauacutede
22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA
CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 resultado final de todo um
processo de luta incessante do povo brasileiro para a conquista da democracia consiste em
um documento alicerccedilado na proteccedilatildeo de direitos fundamentais e na dignidade da pessoa
humana de modelagem jamais vista no ordenamento paacutetrio Essa nova feiccedilatildeo sem duacutevida
contribuiu para a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede com contornos proacuteprios
visto que uma ordem constitucional que protege o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e o meio
ambiente sadio e equilibrado inevitavelmente deve salvaguardar a sauacutede sob pena de
esvaziar substancialmente tais direitos12
Desta forma o modelo centralizado do sistema de sauacutede vigente antes de 1988 bem
como as tiacutemidas previsotildees nas constituiccedilotildees anteriores ligadas agrave sauacutede que se preocupavam
em fixar competecircncias legislativas e administrativas para a mateacuteria denotando uma
preocupaccedilatildeo meramente organizatoacuteria deram lugar a um arcabouccedilo protetivo diametralmente
oposto com a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede amplamente tratado13
sobretudo nos artigos 6deg e 196 da Constituiccedilatildeo de 1988
Pode-se afirmar portanto que a Constituiccedilatildeo Cidadatilde atual ao alccedilar a sauacutede a direito
fundamental e sintonizar sua proteccedilatildeo com as principais declaraccedilotildees de direitos humanos foi
a primeira constituiccedilatildeo a levar a sauacutede realmente a seacuterio14
Com efeito observa-se a existecircncia
de diversos dispositivos que fazem menccedilatildeo expressa a este direito consistindo tais previsotildees
12
SARLET Ingo Wolfgang amp FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p5 13
FALEIROS Ialecirc amp LIMA Juacutelio Ceacutesar Franccedila Sauacutede como direito de todos e dever do Estado p 9
Disponiacutevel em httpepsjvfiocruzbruploaddcap_8pdf Acessado em 12012013 14
Sobre essa questatildeo Joseacute Afonso da Silva considera ser ldquoespantoso como um bem extraordinariamente
relevante agrave vida humana soacute agora eacute elevado agrave condiccedilatildeo de direito fundamental do homem E haacute de informar-se
pelo princiacutepio de que igual agrave vida de todos os seres humanos significa tambeacutem que nos casos de doenccedila cada
um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciecircncia meacutedica
independentemente de sua situaccedilatildeo econocircmica sob pena de natildeo ter muito valor sua consignaccedilatildeo em normas
constitucionaisrdquo SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros
1999 p 871
25
em frutos diretos da reforma sanitaacuteria brasileira a qual foi conduzida pela sociedade civil e
por profissionais de sauacutede e natildeo por accedilotildees especiacuteficas do governo15
Em que pese o risco de cansar a leitura do presente estudo com observaccedilotildees
notadamente descritivas eacute inevitaacutevel destacar pontualmente os dispositivos constitucionais
que informam a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede proporcionando uma ideia do alcance dessa
mudanccedila radical do tratamento constitucional da sauacutede no Brasil
Nesse sentido o artigo 6deg elenca expressamente a sauacutede como um direito fundamental
social o que acarreta implicaccedilotildees praacuteticas quanto agrave eficaacutecia e efetividade de tal direito cuja
abordagem seraacute feita no capiacutetulo seguinte Ainda o artigo 7deg ligado a regulamentaccedilatildeo dos
direitos trabalhistas trata da temaacutetica tanto em seu inciso IV ao mencionar a sauacutede como
necessidade vital baacutesica a ser abarcada pelo salaacuterio-miacutenimo bem como no inciso XXII ao
impor a reduccedilatildeo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sauacutede higiene e
seguranccedila
Os artigos 23 (inc II) 24 (inc XII) e 30 (inc I e inc VII) tratam de mateacuterias de
competecircncias dos entes federativos informando que os mesmos possuem competecircncia
comum para cuidar da sauacutede bem como concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da
sauacutede em um cenaacuterio em que aos Municiacutepios cabem a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atendimento agrave
sauacutede da populaccedilatildeo com a cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira da Uniatildeo e do Estado
Os artigos 34 (inc VII aliacutenea bdquoe‟) e 35 (inc III) por forccedila da EC 292000
possibilitam por sua vez a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e no Distrito Federal bem como
dos Estados nos respectivos Municiacutepios em caso de natildeo aplicaccedilatildeo do miacutenimo exigido da
receita resultante de impostos na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino e das accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede o que como seraacute visto no capiacutetulo seguinte ressalta a preocupaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo com tais direitos de modo a estes assumirem um grau de fundamentalidade mais
aquilatada no ordenamento paacutetrio
Jaacute no art 196 a sauacutede eacute encarada como direito de todos e dever do Estado garantido
mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo denotando uma preocupaccedilatildeo macro para os problemas de sauacutede nas diversas
etapas de tratamento para todos os cidadatildeos
O art 197 trouxe o reconhecimento de que as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede satildeo de
relevacircncia puacuteblica cabendo ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre sua
15
PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p2 Disponiacutevel em
httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 12012013
26
regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle consolidando os anseios de superaccedilatildeo do modelo
desestatizante curante e centralizador vigente na ordem constitucional anterior Tal
reconhecimento possui uma importacircncia central na busca pela efetividade do direito agrave sauacutede
pois garante extensivamente a proteccedilatildeo da sauacutede pelo Ministeacuterio Puacuteblico ao passo que o art
129 II da CF atribui ao mesmo a funccedilatildeo de zelar pelo efetivo respeito aos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica
No art 198 encontra-se a estrutura geral do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) definindo-
o a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada organizada a partir de diretrizes que
primam pela descentralizaccedilatildeo atendimento integral com prioridade para atividades
preventivas e participaccedilatildeo da comunidade mediante financiamento de recursos da seguridade
social e outras fontes
O art 200 enumera atribuiccedilotildees exemplificativas desse sistema as quais englobam
dentre outras o controle e fiscalizaccedilatildeo dos procedimentos produtos e substacircncias de interesse
para a sauacutede a execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica a formaccedilatildeo de
recursos humanos na aacuterea de sauacutede a fiscalizaccedilatildeo e inspeccedilatildeo dos alimentos etc
Aleacutem disso constam dispositivos especiacuteficos que relacionam a sauacutede com o meio
ambiente com a educaccedilatildeo e com os direitos da crianccedila os quais enfatizam a preocupaccedilatildeo
ineacutedita da CF de 1988 em dar plena efetividade agraves accedilotildees e programas na aacuterea
23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE ndash SUS
Conforme jaacute explicitado o SUS eacute fruto das reivindicaccedilotildees feitas pela sociedade civil
organizada no cenaacuterio poliacutetico preacute 1988 e sua previsatildeo constitucional especialmente pela
estipulaccedilatildeo dos seus princiacutepios e objetivos o fez assumir a condiccedilatildeo de verdadeira garantia
institucional fundamental do direito agrave sauacutede superando-se as sucessivas tentativas frustradas
anteriores Significando em uacuteltima instacircncia que a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede deve
conformar-se com seus princiacutepios e diretrizes instituidoras em um cenaacuterio em que natildeo soacute o
direito agrave sauacutede resta protegido mas tambeacutem o proacuteprio SUS na condiccedilatildeo de instituiccedilatildeo
puacuteblica16
A conceituaccedilatildeo do SUS apresentada no jaacute mencionado artigo 198 da CF demonstra
que a visatildeo central desse sistema foi calcada na consagraccedilatildeo de um modelo de sauacutede voltado
16
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 12
27
para as necessidades da populaccedilatildeo no intuito de resgatar o compromisso do Estado para com o
bem-estar social especialmente com relaccedilatildeo agrave sauacutede coletiva Contudo apesar da previsatildeo
constitucional o SUS soacute veio a ser regulamentado em 19 de setembro de 1990 por meio da
Lei Federal 808090 a qual definiu seu modelo operacional e a forma de organizaccedilatildeo e de
funcionamento a partir de uma definiccedilatildeo abrangente de sauacutede que leva em consideraccedilatildeo
especiacuteficos fatores determinantes e condicionantes ganhando destaque a previsatildeo dos
princiacutepios e objetivos do sistema
231 Princiacutepios informadores do SUS
O estudo dos princiacutepios informadores do SUS eacute de suma importacircncia visto que frente
ao caraacuteter de autecircntica garantia institucional fundamental17
na proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede sua
matriz principioloacutegica e diretiva serve de base para se interpretar o alcance da eficaacutecia e
efetividade de tal direito Nesse sentido podem ser destacados os princiacutepios da
universalidade equidade unidade descentralizaccedilatildeo regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo
integralidade e participaccedilatildeo da comunidade
Universalidade18
e equidade podem ser lidos conjuntamente no sentido de que o
acesso agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede devem ser indistintamente garantidos a todo e qualquer
cidadatildeo buscando-se sempre a diminuiccedilatildeo das desigualdades a partir da consagraccedilatildeo e defesa
da garantia da igualdade material investindo-se onde a carecircncia seja maior jaacute que apesar de
todos terem direito agrave sauacutede as necessidades de cada um e de cada regiatildeo satildeo diferentes
Consoante jaacute visto o modelo de proteccedilatildeo agrave sauacutede anterior a 1988 era marcado por
distorccedilotildees limitativas visto que a assistecircncia agrave sauacutede somente era conferida aos trabalhadores
com viacutenculo formal e respectivos dependentes por meio do INPS Para a superaccedilatildeo eficiente
dessa estrutura o novel sistema precisou ser desenvolvido a partir da ideia de unidade
significando que os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede devem ser desenvolvidos a partir de poliacuteticas e
17
Consoante aponta Pieroth e Schlink ldquoalguns direitos fundamentais garantem natildeo soacute direitos subjetivos mas
tambeacutem objetivamente instituiccedilotildees Enquanto garantias de instituto (Institutsgarantien) na terminologia
geralmente aceita de C Schmitt garantem instituiccedilotildees de direito privado e enquanto garantias institucionais
(institutionelle Garantien) garantem instituiccedilotildees de direito puacuteblico retirando-as assim do poder dispositivo do
legisladorrdquo PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de
Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 54 18
Reforccedilando tal conceito Carlos Botazzo defende que a universalidade ldquosignifica que todo cidadatildeo
independente de sua inserccedilatildeo social no processo produtivo niacutevel de ingresso financeiro filiaccedilatildeo poliacutetico-
partidaacuteria crenccedila religiosa sexo idade ou etnia teraacute seu direito agrave sauacutede garantido e preservado pelo Estado
BOTAZZO Carlos Democracia participaccedilatildeo popular e programas comunitaacuterios In FLEURY Sonia
AMARANTE Paulo BAHIA Ligia (orgs) Sauacutede em debate fundamentos da reforma sanitaacuteria Rio de
Janeiro Cebes 2008 p 144
28
diretrizes uniformes englobando um soacute sistema abrangido e sujeito a uma direccedilatildeo uacutenica e um
soacute planejamento em que pese a estratificaccedilatildeo em niacuteveis federativos
Apesar de unificado19
a necessidade de se quebrar com a ordem centralizada anterior
que engessava a engrenagem do sistema de sauacutede fez surgir um SUS arquitetado a partir de
uma rede regionalizada e hierarquizada que preservada a direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de
governo atua segundo o raciociacutenio de descentralizaccedilatildeo permitindo desta maneira a
adaptaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede ao perfil epidemioloacutegico local o que se alinha as orientaccedilotildees da
OMS
Essa descentralizaccedilatildeo nasce pois do raciociacutenio de que cada esfera de governo eacute
autocircnoma e soberana nas suas decisotildees e devem respeitar os princiacutepios gerais e a participaccedilatildeo
da sociedade havendo gestores do SUS desde o Ministeacuterio da Sauacutede ateacute as Secretarias de
Sauacutede municipais Contudo eacute inegaacutevel que a decisatildeo daquele que estaacute mais perto do
problema tem mais chance de ser eficiente e por isso a modelagem descentralizada do SUS
que quebrou com o passado marcado por uma Uniatildeo centralizadora pressupotildee que os
municiacutepios sejam dotados de condiccedilotildees gerenciais teacutecnicas administrativas e financeiras
suficientes para execuccedilatildeo de suas poliacuteticas e serviccedilos
A hierarquizaccedilatildeo liga-se agrave ideia de execuccedilatildeo da assistecircncia a sauacutede com niacuteveis
crescentes de complexidade assinalando que o acesso aos serviccedilos deve ocorrer a partir dos
niacuteveis mais simples em direccedilatildeo aos mais altos de complexidade o que se coaduna com ideais
de eficiecircncia e subsidiariedade em um contexto em que as accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica satildeo
comuns a todos municiacutepios a assistecircncia de meacutedia e alta complexidade centraliza-se em
municiacutepios de maior porte e os serviccedilos de grande especializaccedilatildeo satildeo disponibilizados apenas
em alguns grandes centros do paiacutes
O princiacutepio da integralidade do atendimento determina que a cobertura proporcionada
pelo SUS deva ser a mais ampla possiacutevel refletindo tambeacutem a ideia de que as accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede devem ser tomados como um todo harmocircnico e contiacutenuo de modo que
19
Quanto ao fato de ser o SUS unificado o STF analisando demanda em que era questionada a instituiccedilatildeo de
programa de sauacutede especiacutefico para atender somente servidores de empresas puacuteblicas de Satildeo Paulo ponderou
ldquo() se a Constituiccedilatildeo preconiza um sistema unificado de sauacutede eacute justificaacutevel ao menos do ponto de vista
constitucional que se criem programas puacuteblicos de sauacutede restritos a servidores Salvo casos de demonstrada
adequaccedilatildeo isso natildeo ofenderia tambeacutem a isonomia constitucional e a proacutepria concepccedilatildeo de serviccedilo de sauacutede
puacuteblica na Constituiccedilatildeo de 1988 De qualquer sorte nem eacute preciso responder a essas duacutevidas para a soluccedilatildeo do
casordquo (Grifos acrescidos) (ADI 3403 voto do Rel Min Joaquim Barbosa julgamento em 18-6-2007
Plenaacuterio DJ de 24-8-2007)
29
sejam ao mesmo tempo articulados e integrados em todos os aspectos e niacuteveis de
complexidade do sistema20
Ainda o SUS tem a importante caracteriacutestica da participaccedilatildeo direta e indireta da
comunidade tanto relacionada agrave definiccedilatildeo quanto ao controle social das accedilotildees e poliacuteticas de
sauacutede participaccedilatildeo realizada seja por meio dos representantes da sociedade civil junto agraves
Conferecircncias de Sauacutede as quais possuem competecircncia para fazer proposiccedilotildees na formulaccedilatildeo
das poliacuteticas de sauacutede nos diferentes niacuteveis da federaccedilatildeo ou seja atraveacutes dos Conselhos de
Sauacutede que atuam diretamente no planejamento e controle do SUS
232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS
Como visto o amparo constitucional do tema alicerccedilado sob a premissa de que a
sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado natildeo tem o condatildeo por si soacute de suficientemente
abranger as condicionantes econocircmico-sociais da sauacutede tampouco envolver de forma ampla
e irrestrita todas as possiacuteveis accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ateacute mesmo porque haveraacute sempre um
limite orccedilamentaacuterio variaacutevel contrastado com o surgimentos de novas necessidades a cada
periacuteodo Desta forma a Lei do SUS assume o relevante papel de tentar traccedilar um pontapeacute de
partida ao apresentar de modo geral os objetivos e atribuiccedilotildees inerentes ao SUS os quais
buscam concretizar os princiacutepios que regem tal sistema bem como delinear na medida do
possiacutevel as prioridades abarcadas pelo mesmo
Nesse contexto destaque-se que cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores
condicionantes e determinantes da sauacutede formular as poliacuteticas de sauacutede o fornecimento de
assistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede
executar accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica bem como accedilotildees visando agrave sauacutede do
trabalhador formular poliacuteticas referentes a medicamentos equipamentos imunobioloacutegicos e
outros insumos de interesse para a sauacutede dentre outras atribuiccedilotildees que denotam a abrangecircncia
e complexidade na implementaccedilatildeo completa do mesmo
233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS
20
Sobre o tema dispotildee Ione Maria Domingues de Castro que ldquoa integralidade eacute essencial para a eficiecircncia do
sistema e para dar ao cidadatildeo o miacutenimo de condiccedilotildees dignas () Nessa perspectiva o cuidado com a sauacutede eacute
entendido natildeo apenas como um dos niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede ou um simples procedimento mas eacute visto como
uma accedilatildeo integrada que significa o direito de ter uma existecircncia digna com respeito agraves diferenccedilas individuaisrdquo
CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao miacutenimo existencial
garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 248
30
Consoante exposto um dos princiacutepios que regem o SUS eacute a participaccedilatildeo da
comunidade Nesse contexto a Lei ndeg 814290 merece destaque pois estabelece que o SUS
contaraacute em cada esfera de governo com as Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede oacutergatildeos de
instacircncia colegiada que cuidam da avaliaccedilatildeo proposiccedilatildeo de diretrizes e formulaccedilatildeo de
estrateacutegias para as poliacuteticas de sauacutede Aleacutem disso contam com a participaccedilatildeo de
representantes de vaacuterios segmentos sociais englobando natildeo soacute representantes do governo
como tambeacutem profissionais de sauacutede e usuaacuterios
Por outro lado aleacutem de viabilizarem a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS
tais conselhos representativos funcionam como verdadeiros espaccedilos de negociaccedilatildeo que
terminam por reduzir a possibilidade de o Ministeacuterio da Sauacutede estabelecer de maneira
unilateral as regras de funcionamento do SUS contrabalanceando dessa maneira a
concentraccedilatildeo de autoridade conferida ao Executivo Federal
A referida lei ainda trata da alocaccedilatildeo dos recursos do Fundo Nacional de Sauacutede
(FNS) ganhando relevo o destaque dado agraves obrigaccedilotildees a serem cumpridas pelos Municiacutepios
Estados e Distrito Federal como a elaboraccedilatildeo de relatoacuterios de gestatildeo que permitam o controle
dos recursos para o recebimento do repasse automaacutetico dos valores ligados agrave cobertura das
accedilotildees e serviccedilos de sauacutede a serem implementados pelos mesmos
Nessa temaacutetica com supedacircneo no art 5deg da lei em comento destacaram-se as
chamadas Normas Operacionais Baacutesicas (NOB) e Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede (NOAS)
editadas por meio de portarias do Ministeacuterio da Sauacutede as quais tentaram estabelecer criteacuterios
para a transferecircncia de recursos aos demais entes federados desembocando no conhecido
Pacto pela Sauacutede (PortariaGMMS ndeg 6982006) Tal pacto alterou a forma de financiamento
do SUS reduzindo as mais de cem diversas modalidades entatildeo existentes para apenas cinco
blocos (atenccedilatildeo baacutesica atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade hospitalar e ambulatorial
vigilacircncia em sauacutede assistecircncia farmacecircutica e gestatildeo do SUS)
234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem
aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
Por forccedila da Emenda Constitucional ndeg 292000 foi estabelecida a participaccedilatildeo miacutenima
de recursos financeiros para cada ente federado no financiamento das accedilotildees e serviccedilos
puacuteblicos de sauacutede para o periacuteodo entre 2000 e 2004 mediante regramento constante no artigo
77 do ADCT Foi prevista tambeacutem a ediccedilatildeo de uma Lei Complementar consoante dispotildee osect
31
3deg do art 198 da CF de 1988 com a missatildeo de revisar os percentuais estabelecer criteacuterios de
rateio e fiscalizar e controlar os recursos referidos
Ocorre que a despeito da autoaplicabilidade inerente aos dispositivos da EC ndeg
292000 ficou evidenciada a necessidade de ser esclarecido conceitual e operacionalmente o
alcance dessas previsotildees constitucionais sobretudo o que estaria abrangido materialmente
como accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede de modo a garantir eficaacutecia e perfeita aplicaccedilatildeo das
mesmas pelos agentes puacuteblicos Nesse sentido surgiram diversas iniciativas buscando
harmonizar as interpretaccedilotildees quanto agraves regras impostas pela EC ndeg 292000 ateacute que a
recalcitracircncia na elaboraccedilatildeo da Lei Complementar referida fosse suprida
Destacaram-se nesse cenaacuterio tanto a Resoluccedilatildeo ndeg 322200321
elaborada pelo
Conselho Nacional de Sauacutede que buscou uniformizar em todo territoacuterio nacional a aplicaccedilatildeo
dos ditames trazidos pela EC ndeg 292000 fixando diretrizes sobre a base de caacutelculo para a
definiccedilatildeo dos recursos miacutenimos a serem aplicados em sauacutede a definiccedilatildeo das regras para a
apuraccedilatildeo de tais recursos bem como a definiccedilatildeo do que exatamente seria considerado accedilotildees e
serviccedilos puacuteblicos de sauacutede como tambeacutem as Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias surgidas apoacutes a
EC 292000 que trataram de definir o que compreenderia em acircmbito federal o conjunto das
accedilotildees e serviccedilos de sauacutede desempenhando o papel da almejada Lei Complementar
A definiccedilatildeo trazida pelas Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias se calcou na ideia de que a
totalidade da dotaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede deduzidos os encargos previdenciaacuterios da
Uniatildeo os serviccedilos da diacutevida e a parcela das despesas do Ministeacuterio financiada com recursos
do Fundo de Combate e Erradicaccedilatildeo da Pobreza compreenderia os recursos para as accedilotildees e
serviccedilos puacuteblicos de sauacutede na esfera federal obedecendo assim a uma loacutegica meramente
institucional levando em conta apenas o oacutergatildeo executor da accedilatildeo bastando que a despesa
estivesse na programaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede para que em tese integrasse o referido piso
de aplicaccedilatildeo
Tal precariedade levou a subjetivismos e duacutevidas na realizaccedilatildeo dos gastos em sauacutede jaacute
tendo sido alocado por exemplo parte dos recursos destinados ao Bolsa Famiacutelia (programa
marcadamente assistencialista) como constantes do orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede bem
como computado no piso da sauacutede os gastos com a regulaccedilatildeo das operadoras de planos
21
De se destacar que tal Resoluccedilatildeo foi alvo de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2999RJ) entendendo
o Supremo Tribunal Federal pelo natildeo conhecimento da referida accedilatildeo sob o argumento de que a Resoluccedilatildeo foi
expedida com fundamento em regras de competecircncias previstas em um complexo normativo infraconstitucional
abarcado pelas jaacute mencionadas Lei 808090 e 814290
32
privados de sauacutede e suas relaccedilotildees com prestadores e consumidores accedilotildees tipicamente
fiscalizatoacuterias e ligadas a sauacutede suplementar que natildeo atende a universalidade e equidade22
Em acircmbito estadual o quadro tambeacutem foi de grande divergecircncia quanto agrave aplicaccedilatildeo da
Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 do Conselho Nacional de Sauacutede instaurando-se um cenaacuterio de
inseguranccedila juriacutedica em que alguns Estados por exemplo incluiacuteram absurdamente como
constantes do orccedilamento da sauacutede despesas com pagamento de planos meacutedicos privados para
servidores puacuteblicos saneamento alimentaccedilatildeo e assistecircncia social desvirtuando as diretrizes
da mencionada Resoluccedilatildeo
Tais situaccedilotildees em que pese denotarem a proacutepria dificuldade que haacute em se delimitar
um conceito fechado de sauacutede puacuteblica a qual ora liga-se a ideia de uma realidade
epidemioloacutegica (o estado geral de sauacutede de um dado povo) ora vincula-se a noccedilatildeo de
atividade estatal para a administraccedilatildeo da sauacutede e ora serve para designar uma aacuterea da
atividade humana caracterizada pela especializaccedilatildeo profissional e institucional (um campo do
conhecimento humano organizado em uma disciplina)23
terminam por transparecer um
desvirtuamento das verbas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede que sacrifica a concretizaccedilatildeo de tal
direito
Natildeo resta duacutevida desta maneira que a omissatildeo legislativa em se criar a Lei
Complementar prevista pela EC ndeg 292000 contribuiu para a difiacutecil tarefa de se aferir o que
exatamente seria obrigaccedilatildeo do Estado na realizaccedilatildeo do direito fundamental a sauacutede tema que
assume importantiacutessima relevacircncia quando do estudo da efetividade de tal direito bem como
sua proteccedilatildeo judicial conforme se veraacute nos capiacutetulos seguintes
Pois bem em 13 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei Complementar ndeg 141 que
sanando uma omissatildeo que jaacute durava cerca de doze anos veio a instituir nos termos do sect 3deg do
art 198 da Constituiccedilatildeo Federal
i o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante miacutenimo a ser aplicado anualmente
pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede
ii percentuais miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados
anualmente pelos Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede
22
Nota Teacutecnica ndeg 10 de 2011 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos
Deputados - CONOFCD A Sauacutede no Brasil Histoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede arcabouccedilo legal
organizaccedilatildeo funcionamento financiamento do SUS e as principais propostas de regulamentaccedilatildeo da
Emenda Constitucional ndeg29 de 2000 p 23 23
AITH Fernando Curso de direito sanitaacuterio a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Satildeo Paulo Quartier
Latin 2007 p 50-51
33
iii criteacuterios de rateio dos recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados
ao Distrito Federal e aos Municiacutepios bem como dos Estados para os seus respectivos
Municiacutepios visando agrave progressiva reduccedilatildeo das disparidades regionais
iv normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferase
v definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em accedilotildees e serviccedilos
puacuteblicos de sauacutede
A tiacutetulo de exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o pagamento de
aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros
programas de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS passaram a
expressamente natildeo constituir despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de
apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos de que trata a referida LC 1412012 representando um
passo significativo para uma uniformizaccedilatildeo miacutenima dos gastos em sauacutede no paiacutes corrigindo
distorccedilotildees e contribuindo para a otimizaccedilatildeo do planejamento do SUS por meio da canalizaccedilatildeo
de investimentos para accedilotildees efetivamente pertinentes ao campo da sauacutede
Desta maneira a LC ndeg 1412012 aleacutem de trazer mais seguranccedila juriacutedica e
uniformidade na correta aplicaccedilatildeo de recursos na aacuterea de sauacutede assume papel chave na
temaacutetica da efetividade do direito agrave sauacutede visto que suas disposiccedilotildees terminam por contribuir
consideravelmente tanto para a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para tal
direito jaacute que satildeo arroladas as accedilotildees e serviccedilos que os recursos estatais devem minimamente
abranger como tambeacutem auxiliam na construccedilatildeo de paracircmetros relevantes agrave proteccedilatildeo judicial
do mesmo consoante seraacute analisado mais a frente em toacutepico oportuno
24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E ALGUNS DESAFIOS
ATUAIS DO SUS
A implantaccedilatildeo do SUS no iniacutecio da deacutecada de noventa ocorreu em um periacuteodo
desfavoraacutevel notadamente influenciado pela ideologia neoliberal no cenaacuterio econocircmico
brasileiro tendo tal fato contribuiacutedo para a alocaccedilatildeo da reforma sanitaacuteria a um niacutevel de
prioridade secundaacuteria na agenda poliacutetica do paiacutes visto que a conjuntura inicial era marcada
pelo apoio estatal ao setor privado e pela concentraccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede nas regiotildees mais
desenvolvidas do paiacutes
Apesar disso eacute inegaacutevel que nos uacuteltimos vinte anos o SUS avanccedilou a partir de
inovaccedilotildees institucionais calcadas sobretudo em um intenso processo de descentralizaccedilatildeo que
outorgou maior responsabilidade aos municiacutepios na gestatildeo e serviccedilo de sauacutede aleacutem de
34
possibilitar meios para promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social na criaccedilatildeo de sauacutede e controle do
desempenho do sistema destacando-se os esforccedilos na fabricaccedilatildeo de produtos farmacecircuticos e
a cobertura da vacinaccedilatildeo24
Ocorre que o SUS em que pese jaacute possuir bases legais estabelecidas e amadurecidas a
partir de uma consideraacutevel experiecircncia operacional ainda precisa ser melhor desenvolvido na
busca pela garantia da cobertura universal e equitativa abraccedilada por nosso ordenamento
Nesse ponto faz-se imprescindiacutevel uma reestruturaccedilatildeo financeira e uma revisatildeo profunda das
relaccedilotildees puacuteblico-privadas atinentes ao sistema de modo a diminuir as desigualdades
persistentes e garantir uma sustentabilidade poliacutetica econocircmica e teacutecnica do SUS
Para se ter uma ideia seja na atenccedilatildeo baacutesica secundaacuteria ou terciaacuteria as diversas
estrateacutegias de repasse de recursos bem como a implantaccedilatildeo de programas como o Programa
de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) apesar de diminuir o problema estrutural natildeo foram
suficientemente satisfatoacuterios sobretudo pela baixa integraccedilatildeo e deficiecircncia dos prestadores
em niacuteveis municipal e estadual
Nesse raciociacutenio notadamente para os procedimentos de meacutedio e alto custo haacute um
inegaacutevel quadro de deficitaacuterio controle dos custos e da eficiecircncia das accedilotildees envolvidas visto
que quem os realiza predominantemente satildeo os atores privados contratados e hospitais
puacuteblicos de ensino pagos com recursos puacuteblicos a preccedilos proacuteximos do valor de mercado
contribuindo para a potencializaccedilatildeo dos obstaacuteculos estruturais procedimentais e poliacuteticos do
SUS25
De se destacar ainda que aleacutem de claros problemas estruturais como eacute o caso do jaacute
citado desequiliacutebrio de poder entre integrantes da rede de sauacutede da falta de responsabilizaccedilatildeo
dos atores envolvidos aliada agraves descontinuidades administrativas e da alta rotatividade dos
gestores por motivos poliacuteticos a carecircncia em infraestrutura eacute um grave fator que compromete
a efetividade das iniciativas puacuteblicas para o setor
Em que pese natildeo ser objeto do presente trabalho o exame apurado dos problemas do
SUS agrave tiacutetulo de ilustraccedilatildeo faz-se imperioso destacar que da leitura de dados da OMS
extraiacutedos em 2011 depreende-se que26
24
PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p 28 Disponiacutevel em
httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 11022013 25
SOLLA J Chioro A Atenccedilatildeo ambulatorial especializada In GIOVANELLA Liacutevia (Org) Poliacuteticas e
sistema de sauacutede no Brasil Rio de Janeiro FioCruz 2008 p 672 e 673 26
Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201304130402_saude_gastos_publicos_lgdsht
Acesso em 04032013
35
a) no Brasil os gastos privados com sauacutede correspondem a 54 das despesas totais do
setor enquanto que os gastos puacuteblicos financiam os 46 restantes (para se ter um
ideia na Colocircmbia o financiamento puacuteblico na aacuterea eacute de 74 e no Chile 68)
b) a parcela do orccedilamento federal destinada agrave sauacutede gira em torno de 87 enquanto a
meacutedia dos paiacuteses africanos eacute 106 e a meacutedia mundial 117
c) o gasto anual do governo com a sauacutede de cada habitante corresponde a cerca de
US$ 477 doacutelares bem abaixo da meacutedia mundial (US$ 716 doacutelares) e dos nuacutemeros de
paiacuteses vizinhos como Argentina (US$ 866 doacutelares) e Chile (US$ 607 doacutelares)
Ainda conforme dados do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) haacute um
claro descompasso na execuccedilatildeo do orccedilamento em relaccedilatildeo ao crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) vez que no periacuteodo de 1995 a 2010 a meacutedia de investimento em sauacutede foi de
168 do PIB enquanto a OMS recomenda a aplicaccedilatildeo de pelo menos 5 do PIB para a
obtenccedilatildeo de padrotildees eficientes de atendimento27
Contudo se por um lado os dados acima levam a crer que ainda falta investimento em
recursos para a sauacutede eacute inegaacutevel que esta natildeo eacute a uacutenica dificuldade da sauacutede puacuteblica no
Brasil visto que haacute uma verdadeira multicausalidade no tema que engloba tambeacutem a crise de
gestatildeo pela qual passa o SUS os problemas relacionados agrave corrupccedilatildeo somados agrave impunidade
quanto aos desvios de verbas da sauacutede e a necessidade de uma delimitaccedilatildeo mais clara dos
investimentos em sauacutede com a melhoria da fiscalizaccedilatildeo dos mesmos
Vislumbra-se portanto que o maior desafio enfrentado pelo SUS eacute poliacutetico sendo
necessaacuteria uma uniatildeo de esforccedilos tanto dos governantes como da sociedade aliada aos oacutergatildeos
de fiscalizaccedilatildeo da gestatildeo puacuteblica para se alcanccedilar uma melhoria estrutural em seu
funcionamento capaz de fazer valer na praacutetica as disposiccedilotildees normativas previstas
contribuindo assim para uma maior concretizaccedilatildeo do direito fundamental agrave sauacutede a partir do
agir comunicativo da sociedade28
25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO
ORDENAMENTO PAacuteTRIO
27
CASTRO Jorge Abrahatildeo Gasto Social Federal uma anaacutelise da prioridade macroeconocircmica no periacuteodo
1995-2010 Nota Teacutecnica do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) disponiacutevel em
httpwwwipeagovbragenciaimagesstoriesPDFsnota_tecnica120904_notatecnicadisoc09_apresentacaopdf
Acessado em 06032013 28
PAIM Jairnilson Silva Bases conceituais da reforma sanitaacuteria brasileira In FLEURY Socircnia (Org) Sauacutede e
democracia a luta do CEBES Satildeo Paulo Lemos 1997 p 20-22
36
Para o exame da sauacutede como direito humano e a exata noccedilatildeo de sua abrangecircncia
protetiva em acircmbito internacional faz-se necessaacuterio analisar os principais documentos que
tratam dos direitos humanos tanto em niacutevel universal como regional (especialmente no
continente americano) de modo a se extrair dos mesmos as disposiccedilotildees correlatas com a
temaacutetica da sauacutede
No que se refere ao sistema universal tem-se que a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos (DUDH) adotada pela III Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas sob a forma de
resoluccedilatildeo em 10 de dezembro de 1948 consolidou a afirmaccedilatildeo de uma eacutetica universal ao
consagrar um consenso de caraacuteter vinculante sobre valores a serem seguidos pelos Estados a
partir da conjugaccedilatildeo do valor liberdade com o da igualdade impondo-se como um coacutedigo de
conduta voltado ao reconhecimento universal dos direitos humanos29
Nesse contexto apesar de indiretamente diversos dispositivos deste diploma se
correlacionarem com o direito humano a sauacutede (por exemplo art 3deg trata do direito agrave vida
art 5deg da proibiccedilatildeo da tortura art 22 direitos sociais indispensaacuteveis agrave dignidade e garantidos
pela cooperaccedilatildeo internacional) a menccedilatildeo expressa a tal direito social encontra-se no art 25 o
qual faz alusatildeo ao acesso agraves condiccedilotildees miacutenimas de sauacutede e bem-estar inclusive a cuidados
meacutedicos e serviccedilos sociais indispensaacutevel abrangendo desta maneira uma percepccedilatildeo da sauacutede
de maneira ampla e aproximada da concepccedilatildeo propagada pela OMS30
Dispotildee o art 25 da
Declaraccedilatildeo que
Todo homem tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua
famiacutelia sauacutede e bem-estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo
cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila
em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos
de perda dos meios de subsistecircncia em circunstacircncias fora de seu controle
2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais
Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma
proteccedilatildeo social (Grifos acrescidos)
Aleacutem da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos31
um importante avanccedilo foi dado
em 1966 com o intuito de explicitar melhor os direitos jaacute consagrados na DUDH bem como
29
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva
2006 p 133 30
TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo
por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 83 31
Conforme as liccedilotildees de Maria Helena Rodriguez a DUDH consolidou-se como um verdadeiro coacutedigo de
princiacutepios e valores universais ocasionando uma chamada globalizaccedilatildeo dos direitos humanos ldquopor baixordquo (ao
contraacuterio da globalizaccedilatildeo por cima tiacutepica das estruturas de comunicaccedilatildeo comeacutercio e poliacutetica) calcada no
desenvolvimento e emancipaccedilatildeo do ser humano mediante a conquista concreta de um rol de direitos por todas as
37
de fortalecer os mecanismos de controle da efetivaccedilatildeo desses direitos pela comunidade
internacional Tal fato consistiu na celebraccedilatildeo do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Poliacuteticos (PIDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais
(PIDESC) os quais reforccedilaram a positivaccedilatildeo dos direitos humanos em acircmbito internacional e
trouxeram aspectos relevantes quanto ao direito agrave sauacutede
O PIDCP apresenta diversos dispositivos com ligaccedilatildeo indireta com o direito humano agrave
sauacutede ora por externarem um reforccedilo do direito agrave vida e agrave integridade humana (como eacute o caso
da proibiccedilatildeo da tortura e da vedaccedilatildeo do uso da pessoa em experimentos meacutedicos ou
cientiacuteficos sem livre e legiacutetimo consentimento) ora como uma limitaccedilatildeo de ordem puacuteblica
ao exerciacutecio de outros direitos humanos como o direito de entrar e sair do paiacutes e a nele
circular livremente o qual pode ser restringido em defesa da sauacutede puacuteblica
Jaacute no PIDESC haacute uma proteccedilatildeo mais enfaacutetica quanto ao direito agrave sauacutede especialmente
nos artigos 11 e 12 os quais refletem a noccedilatildeo construiacuteda de que a dignidade eacute inerente agrave
pessoa humana por meio tanto da previsatildeo de aspectos materiais promovedores da sauacutede (art
11) como do proacuteprio direito a sauacutede em sentido estrito (art 12)
Artigo 11
1 Os Estados Signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa a um niacutevel de vida adequado para si e sua famiacutelia inclusive
alimentaccedilatildeo vestimenta e moradia adequadas e ao melhoramento contiacutenuo
das condiccedilotildees de existecircncia ()
Artigo 12
1 Os Estados signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa de desfrutar o mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede fiacutesica e mental
2 Entre as medidas que deveratildeo ser adotadas pelos Estados Signataacuterios do
Pacto a fim de assegurar a plena efetividade deste direito figuraratildeo as
necessaacuterias para
a) A reduccedilatildeo da mortalidade infantil e do iacutendice de natimortos bem
como o desenvolvimento sadio das crianccedilas
b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e
do meio ambiente
c) A prevenccedilatildeo e o tratamento das doenccedilas epidecircmicas endecircmicas
profissionais e de outro tipo e a luta contra elas
d) A criaccedilatildeo de condiccedilotildees que garantam a todos assistecircncia meacutedica e
serviccedilos meacutedicos em caso de doenccedila
A abertura de um dispositivo especiacutefico sobre sauacutede significou antes de tudo um
importante avanccedilo na proteccedilatildeo desse direito jaacute que ateacute entatildeo a grande maioria das referecircncias
ao mesmo era feita de forma indireta Contudo a principal contribuiccedilatildeo do mencionado
pessoas RODRIGUEZ Maria Helena Os direitos econocircmico sociais e culturais uma realidade inadiaacutevel In
Revista Trimestral de Debate FASE v31 ndeg 92 p 18-38 marmaio 2002 p 19
38
artigo 12 foi a listagem de accedilotildees estatais essenciais para a garantia da plena efetividade do
direito agrave sauacutede com a apresentaccedilatildeo das balizas centrais ou frentes prioritaacuterias as quais os
Estados Membros devem se preocupar quando tratam da temaacutetica da sauacutede puacuteblica
consistindo tal contributo assim em importante paracircmetro para a construccedilatildeo de um miacutenimo
existencial quanto a este direito fundamental
Antes de avanccedilar impende destacar um aspecto concernente aos citados Pactos que
seraacute relevante no estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais (em especial o direito agrave
sauacutede) tratado mais a frente Tal aspecto diz respeito agrave complementaridade iacutensita aos dois
pactos no sentido de que o fato de o PIDCP asseverar que os direitos civis e poliacuteticos satildeo
autoaplicaacuteveis (art 2deg) e o PIDESC por sua vez estabelecer uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo
progressiva nos limites dos recursos disponiacuteveis visando agrave mais completa realizaccedilatildeo dos
direitos elencados (art 2deg) natildeo significa que exista uma dualidade excludente entre as duas
categorias de direitos previstas Havendo em verdade uma autecircntica pluralidade combinada e
formadora de um conjunto indivisiacutevel perfeitamente imbricado no qual a ausecircncia de
medidas concretizadoras de um direito inevitavelmente repercute na fruiccedilatildeo plena do conjunto
restante32
Para monitorar o cumprimento pelos Estados Membros das prioridades elencadas
acima haacute um intercacircmbio de informaccedilotildees dos mesmos com o Comitecirc de Direitos Econocircmicos
Sociais e Culturais instituiacutedo pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU cuja principal
funccedilatildeo eacute exatamente a de monitorar a implementaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e
culturais por meio do exame dos relatoacuterios perioacutedicos apresentados pelos Estados Nessa
conjuntura a Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 do referido comitecirc eacute de suma importacircncia pois
esclarece quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas dos Estados as quais o cumprimento deve ser
imediato
O documento mencionado acima eacute calcado em quatro elementos essenciais e
interligados disponibilidade acessibilidade fiacutesica e econocircmica sem discriminaccedilatildeo
aceitabilidade e qualidade Nesse sentido cada Estado-Parte deve contar com um nuacutemero
suficiente de estabelecimentos bens e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os quais sejam acessiacuteveis a
todos sem qualquer discriminaccedilatildeo respeitem a eacutetica meacutedica sendo culturalmente apropriados
32
Realccedila essa visatildeo o fato de o art 5deg de ambos os Pactos criarem uma regra de inteligecircncia proacutepria dos direitos
humanos que se sobrepotildee aos demais criteacuterios hermenecircuticos tradicionais no sentido de que a interpretaccedilatildeo nos
Pactos deve ser a mais ampliativa possiacutevel voltada agrave maacutexima eficaacutecia dos preceitos que contecircm em um cenaacuterio
de busca pela maximizaccedilatildeo dos direitos humanos FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave
Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 29
39
e finalmente sejam providos de um miacutenimo de qualidade com profissionais qualificados e
condiccedilotildees sanitaacuterias adequadas33
Pode-se observar desta forma que a Observaccedilatildeo Geral ndeg 1434
funciona como um
verdadeiro instrumento de regulamentaccedilatildeo do artigo 12 do PIDESC e consequentemente de
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede visto que busca esclarecer quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas
dos Estados cujo cumprimento deve ser imediato35
e fora do espectro de discussatildeo da
disponibilidade de recursos como as seguintes a garantia de acesso a uma alimentaccedilatildeo
essencial miacutenima agrave moradia e abastecimento de aacutegua a adoccedilatildeo de estrateacutegias e accedilotildees
nacionais de sauacutede puacuteblica relacionadas com as preocupaccedilotildees mais claras da populaccedilatildeo a
facilitaccedilatildeo ao acesso de medicamentos36
essenciais etc
A Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 demonstra-se pois primordial para a compreensatildeo das
distintas dimensotildees normativas do direito a sauacutede pois busca oferecer respostas concretas e
ateacute certo ponto praacuteticas ao questionamento acerca do que deve ser cumprido pelos Estado
Membros do PIDESC na mateacuteria do direito agrave sauacutede apontando tanto obrigaccedilotildees gerais como
especiacuteficas de cunho positivo ou negativo37
Tambeacutem no acircmbito universal de proteccedilatildeo pode ser destacada a Declaraccedilatildeo de Viena38
de 1993 que ao legitimar a universalidade dos direitos humanos propagada desde 1948
33
MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a
concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN
Natal 2007 p 41 34
A Observaccedilatildeo Geral ndeg14 foi expedida durante o 22deg periacuteodo de sessotildees do Comitecirc de Direitos Econocircmicos
Sociais e Culturais celebrado no ano 2000 e seu texto pode ser consultado por exemplo em CARBONELL
Miguel MOGUEL Sandra amp PORTILLA Karla Peacuterez (compiladores) Derecho Internacional de los
Derechos Humanos Textos Baacutesicos 2deg Ediccedilatildeo Meacutexico Porruacutea 2003 pp 594- 621 35
No que refere-se agrave supervisatildeo do cumprimento das obrigaccedilotildees referidas tem-se que os Estados ndash partes devem
apresentar informaccedilotildees sobre as medidas que estejam sendo tomadas e os progressos alcanccedilados submetendo tais
dados ao Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Eacute nesse cenaacuterio que com o fito de avaliar o grau
de eficiecircncia dos serviccedilos de sauacutede em acircmbito internacional foi criada em 7 de abril de 1948 a Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede cujo objetivo eacute decidir as principais questotildees relativas agraves poliacuteticas de sauacutede com o fim de que
todos os povos possam gozar do grau maacuteximo de sauacutede possiacutevel 36
Medida salutar para se alcanccedilar tal facilitaccedilatildeo eacute a questatildeo que envolve a possibilidade da quebra de patentes
Sobre o tema conferir BARRETO Ana Cristina Costa Direito agrave sauacutede e patentes farmacecircuticas ndash O acesso a
medicamentos como preocupaccedilatildeo global para o desenvolvimento In Revista Aurora v 5 n7 jan 2011 37
Nesse sentido dispotildee Miguel Carbonell ao destacar os paraacutegrafos 35 e 36 do documento em exame que
ldquo()sobre la obligacioacuten de proteger el Comiteacute apunta que los Estados deberaacuten adoptar leyes u otras medidas para
velar por el acceso igual a la atencioacuten de la salud y los servicios relacionados con la salud proporcionados por
terceros velar por que la privatizacioacuten del sector de la salud no represente una amenaza para la disponibilidad
accesibilidad aceptabilidad y calidad de los servicios de atencioacuten de la salud controlar la comercializacioacuten de
equipo meacutedico y medicamentos por terceros y asegurar que los facultativos y otros profesionales de la salud
reuacutenan las condiciones necesarias de educacioacuten experiencia y deontologiacutea Los Estados tambieacuten tienen la
obligacioacuten de velar por que las praacutecticas sociales o tradicionales nocivas no afecten al acceso a la atencioacuten
anterior y posterior al parto ni a la planificacioacuten de la famiacutelia()rdquo CARBONELL Miguel El derecho a la salud
em el derecho internacional de los derechos humanos las observaciones generales de la ONU In Revista da
Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 pp 80-83 38
A Conferecircncia de Viena consolidou o aacutepice de um processo de consagraccedilatildeo dos direitos humanos como tema
da comunidade internacional que teve por carro-chefe a prevalecircncia de uma concepccedilatildeo universalizante a exceder
40
ponderou com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que os Estados devem promover a maternidade
segura e a assistecircncia de sauacutede consideradas elementos importantes para a diminuiccedilatildeo das
desigualdades de gecircnero reconheceu a importacircncia do usufruto de elevados padrotildees de sauacutede
fiacutesica e mental por parte da mulher durante todo o seu ciclo de vida sendo seu direito a
assistecircncia de sauacutede acessiacutevel e adequada estabeleceu ser dever dos estados natildeo impedir a
plena realizaccedilatildeo dos direitos humanos como eacute o caso do direito das pessoas a um niacutevel de
vida adequado agrave sauacutede e bem-estar e asseverou que os estados tecircm a obrigaccedilatildeo de prover
sauacutede agraves pessoas pertencentes a grupos vulneraacuteveis
A Declaraccedilatildeo de Viena desta feita natildeo soacute consolidou os direitos humanos como um
tema global a partir da afirmaccedilatildeo de sua universalidade interdependecircncia e
complementariedade solidaacuteria pregando pelo direito agrave diferenccedila e o dever de respeitar as
particularidades nacionais e regionais como tambeacutem significou um importante reforccedilo agrave
International Bill of Rights39
apresentando importantes disposiccedilotildees concernentes agrave temaacutetica
do direito agrave sauacutede40
Aleacutem dos textos jaacute citados existem alguns documentos mais especiacuteficos na esfera de
proteccedilatildeo universal dos quais podem ser extraiacutedos aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede
como a Convenccedilatildeo contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Crueacuteis Desumanos ou
Degradantes que embora natildeo aborde diretamente o direito em exame defende a natureza
absoluta da vedaccedilatildeo da praacutetica de tortura o que em uacuteltima anaacutelise consubstancia-se em
praacutetica protetiva da sauacutede e integridade fiacutesica a Convenccedilatildeo Internacional sobre a Eliminaccedilatildeo
de todas as formas de Discriminaccedilatildeo Racial que expressamente elenca em seu artigo 5deg o
dever de garantia pelo Estado do direito agrave sauacutede a cuidados meacutedicos e agrave previdecircncia social a
Convenccedilatildeo sobre todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher que reconhece
especialmente em seu artigo 12 o direito da mulher agrave sauacutede e agrave assistecircncia apropriada em
relaccedilatildeo agrave gravidez bem como a Convenccedilatildeo sobre os Direitos da Crianccedila que menciona o
direito humano agrave sauacutede para todas as crianccedilas (arts 24 e 25) bem como para as crianccedilas
deficientes (art 23) extraindo-se de todo este arcabouccedilo protetivo que a sauacutede se situa como
relativismos e etnocentrismos culturais FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 31 39
Conforme aduz Piovesan o conjunto formado da soma entre os Pactos de 1966 e a Declaraccedilatildeo de 1948
formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o
Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 152 40
Nesse sentido se a DUDH veio a consolidar o pensamento de que natildeo haacute liberdade sem igualdade nem
igualdade sem liberdade preenchendo a lacuna que distanciava a visatildeo liberal e social a Declaraccedilatildeo de Viena foi
relevante pois solidificou a consagraccedilatildeo da indivisibilidade interdependecircncia e inter-relaccedilatildeo entre os direitos
humanos PIOVESAN Flaacutevia Proteccedilatildeo internacional dos direitos econocircmicos sociais e culturais In SARLET
Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e
comparado Rio de Janeiro Renovar 2003 p 247
41
um tema transversal41
no processo de especificaccedilatildeo dos direitos humanos devido a sua
essencialidade e estreita relaccedilatildeo com o proacuteprio direito agrave vida
Em niacutevel regional42
podem ser mencionados os sistemas europeu africano e o
interamericano43
merecendo maior destaque este uacuteltimo para os anseios do presente trabalho
Nesse contexto na temaacutetica da proteccedilatildeo do direito humano agrave sauacutede no sistema
interamericano ganham relevo a Declaraccedilatildeo Americana dos Direitos e Deveres do Homem
de 1948 o subsistema da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash Pacto de Satildeo Joseacute
da Costa Rica de 1969 e o Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos
Humanos em mateacuteria de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais denominado de Protocolo
de Satildeo Salvador de 1988
A Declaraccedilatildeo Americana de maneira expressa aborda o direito agrave preservaccedilatildeo da
sauacutede e ao bem-estar em seu artigo 11 ao afirmar que toda pessoa tem direito a que sua sauacutede
seja resguardada por medidas sanitaacuterias e sociais relativas agrave alimentaccedilatildeo roupas habitaccedilatildeo e
cuidados meacutedicos correspondentes ao niacutevel permitido pelos recursos puacuteblicos e os da
coletividade deixando clara a importacircncia da efetivaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais do direito agrave
sauacutede em si mas tambeacutem dos seus fatores condicionantes mais relevantes alimentaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos de 1969 por sua vez tratou de
prestigiar os direitos humanos de dimensatildeo individual e por tal razatildeo o direito agrave sauacutede eacute
tratado de maneira indireta ou subentendida visto que em seu artigo 5deg sect 1deg a aludida
Convenccedilatildeo afirma que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral Noutro poacutertico sob um vieacutes de direito de defesa diversos dispositivos ao
tratarem de determinados direitos individuais (como a liberdade de religiatildeo de pensamento
de reuniatildeo por exemplo) fazem alusatildeo a possibilidade de limitaccedilatildeo excepcional dos mesmos
justificada em razatildeo da defesa da sauacutede puacuteblica revelando o caraacuteter prioritaacuterio desse direito
social
41
TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo
por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 95 42
Assevera Flaacutevia Piovesan que ldquoos sistemas global e regional natildeo satildeo dicotocircmicos mas complementares ()
O propoacutesito da coexistecircncia de distintos instrumentos juriacutedicos ndash garantindo os mesmos direitos ndash eacute pois no
sentido de ampliar e fortalecer a proteccedilatildeo dos direitos humanos O que importa eacute o grau de eficaacutecia da proteccedilatildeo
e por isso deve ser aplicada a norma que no caso concreto melhor proteja a viacutetimardquo PIOVESAN Flaacutevia
Desenvolvimento histoacuterico dos direitos humanos e a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 In Retrospectiva dos 20
anos da Constituiccedilatildeo Federal Walber de Moura Agra (coord) Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 24 43
Para um aprofundamento no exame desses trecircs sistemas PIOVESAN Flaacutevia Direito Humanos e Justiccedila
Internacional um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu interamericano e africano Satildeo
Paulo Saraiva 2006
42
Como explicado a proteccedilatildeo em 1969 limitou-se aos direitos de primeira dimensatildeo
contudo em 1988 foi assinado em San Salvador um Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo o
qual tratou de contemplar os direitos econocircmicos sociais e culturais Desta forma o artigo 10
do mencionado Protocolo trata de maneira expressa e enfaacutetica do tema do direito agrave sauacutede
reconhecendo algumas premissas baacutesicas e relevantes que devem ser levadas em consideraccedilatildeo
pelos Estados quais sejam
1 Toda pessoa tem direito agrave sauacutede entendida como o gozo do mais alto
niacutevel de bem-estar fiacutesico mental e social
()
3 A fim de tornar efetivo o direito agrave sauacutede os Estados Partes
comprometem-se a reconhecer a sauacutede como bem puacuteblico e
especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito
a Atendimento primaacuterio de sauacutede entendendo-se como tal a
assistecircncia meacutedica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas
e famiacutelias da comunidade
b Extensatildeo dos benefiacutecios dos serviccedilos de sauacutede a todas as pessoas
sujeitas agrave jurisdiccedilatildeo do Estado
c Total imunizaccedilatildeo contra as principais doenccedilas infecciosas
d Prevenccedilatildeo e tratamento das doenccedilas endecircmicas profissionais e de
outra natureza
e Educaccedilatildeo da populaccedilatildeo sob prevenccedilatildeo e tratamento dos problemas
de sauacutede e
f Satisfaccedilatildeo das necessidades de sauacutede dos grupos de mais alto risco e
que por sua situaccedilatildeo de pobreza sejam mais vulneraacuteveis
Eacute relevante notar que as disposiccedilotildees acima arroladas se coadunam e se somam com as
jaacute vistas previsotildees no direito paacutetrio quanto ao direito agrave sauacutede notadamente com os princiacutepios
informadores do SUS e terminam por compor o vasto arcabouccedilo juriacutedico de proteccedilatildeo do
direito agrave sauacutede constante no direito paacutetrio que poderaacute ser invocado pela sociedade para se ter
garantido respeitado e concretizado tal direito social
Merece destaque ainda a Declaraccedilatildeo de Alma-Ata de 1978 resultado da Conferecircncia
Internacional sobre Cuidados Primaacuterios de Sauacutede que em seu item I dispotildee que a realizaccedilatildeo
do mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede depende da atuaccedilatildeo de diversos setores sociais e
econocircmicos para aleacutem do setor da sauacutede propriamente dito o que termina por reforccedilar a
noccedilatildeo (seguida tanto pela ldquoLei do SUSrdquo) de ldquointersetorialidaderdquo desse direito Explicando
melhor na medida em que tal direito eacute compreendido como garantia de qualidade miacutenima de
vida sua efetivaccedilatildeo natildeo incumbe de modo exclusivo ao ldquosetor sauacutederdquo mas sim depende da
consecuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mais amplas direcionadas agrave superaccedilatildeo das desigualdades
43
sociais e ao pleno desenvolvimento da personalidade inclusive pelo compromisso com as
futuras geraccedilotildees44
Finalmente na temaacutetica da proteccedilatildeo internacional do direito agrave sauacutede eacute digna de
referecircncia a Carta de Intenccedilotildees formulada na 1deg Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo
da Sauacutede ocorrida em Otawa no Canadaacute no ano de 1986 Tal Carta aleacutem de fixar novas
diretrizes e princiacutepios voltados agrave organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede em diversos paiacuteses
influenciando na criaccedilatildeo do SUS no Brasil procurou empreender uma leitura da promoccedilatildeo da
sauacutede centrada na procura da equidade e na busca pela reduccedilatildeo das desigualdades existentes
estabelecendo que a sauacutede seria um recurso da maior importacircncia para o desenvolvimento
social econocircmico e pessoal consistindo em uma dimensatildeo importante da qualidade de vida
de cada um45
44
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 4
45
MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a
concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN
Natal 2007 p 42
44
3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL
Em que pese ter se apresentado marcadamente descritivo devido a apresentaccedilatildeo de
disposiccedilotildees legislativas bem como de nuacutemeros percentuais que refletem o atual quadro da
sauacutede puacuteblica no Brasil o capiacutetulo anterior teve sua importacircncia pois contribuiu com uma
visatildeo geral acerca de como a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute esmiuccedilada e estruturada no
ordenamento paacutetrio O conhecimento do exato alcance deste complexo normativo eacute ponto de
suma relevacircncia para o estudo do presente toacutepico bem como da temaacutetica da proteccedilatildeo judicial
do direito agrave sauacutede tratado no capiacutetulo quarto
Dito isto seraacute examinado a seguir o tratamento que eacute dado no ordenamento paacutetrio agrave
questatildeo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais notadamente do direito agrave sauacutede e para a
exata compreensatildeo do tema faz-se primordial estudar como se deu a evoluccedilatildeo dos direitos
fundamentais e a influecircncia desse processo histoacuterico na construccedilatildeo do conteuacutedo baacutesico do
direito a sauacutede calcado em sua dupla fundamentalidade (formal e material)
31 A EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana como valor essencial do ser humano (o valor
do homem como um fim em si mesmo) forma a matriz embrionaacuteria dos direitos fundamentais
e sempre esteve presente nas sociedades ainda que mais primitivas sendo apontada como um
dos poucos consensos teoacutericos do mundo contemporacircneo verdadeiro axioma da civilizaccedilatildeo
ocidental e talvez a uacutenica ideologia remanescente46
Posta tal premissa eacute certo que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais sua estratificaccedilatildeo
em geraccedilotildees e a abrangecircncia conceitual do que viria a ser direitos humanos encontra-se
perfeitamente atrelada agrave identificaccedilatildeo do percurso histoacuterico da noccedilatildeo de dignidade da pessoa
humana que como afirmado no tiacutetulo do presente toacutepico funciona como verdadeira buacutessola e
ponto de partida para a compreensatildeo desse processo47
46
MELLO Celso D de Albuquerque Direitos Humanos e Conflitos Armados Rio de Janeiro Renovar 1997
p 3 47
Nesse contexto importante as liccedilotildees Pieroth e Schlink de no sentido de que ldquoos direitos fundamentais satildeo
enquanto parte do direito puacuteblico e do direito constitucional direitos poliacuteticos e estatildeo sujeitos agrave mudanccedila das
ordens poliacutetica Mas os direitos fundamentais satildeo tambeacutem simultaneamente uma resposto agrave questatildeo
fundamental invariaacutevel da relaccedilatildeo entre liberdade individual e a ordem poliacuteticardquo PIEROTH Bodo SCHLINK
Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo
Saraiva 2012 p 33
45
Nesse contexto desvencilhando-se do propoacutesito de percorrer detalhadamente o
caminho histoacuterico do tema quatro momentos fundamentais podem ser apontados
cronologicamente como fases constitutivas da noccedilatildeo de dignidade humana o Cristianismo o
Iluminismo- Humanista a obra de Immanuel Kant e as barbaacuteries ocorridas na Segunda Guerra
Mundial48
Os valores pregados por Jesus Cristo e seus seguidores representaram a primeira
contribuiccedilatildeo na valorizaccedilatildeo individual do homem ao passo que a salvaccedilatildeo anunciada era
individual e dependente de uma decisatildeo pessoal sendo enfatizado tambeacutem o respeito ao
proacuteximo o que despertou para um sentimento de solidariedade iacutensito agrave noccedilatildeo de condiccedilotildees
miacutenimas de existecircncia que eacute tiacutepica da construccedilatildeo dos direitos sociais
Nesse contexto merece atenccedilatildeo os ensinamentos de Jorge Miranda ao afirmar que49
Eacute com o cristianismo que todos os seres humanos soacute por o serem e sem
acepccedilatildeo de condiccedilotildees satildeo considerados pessoas dotadas de um eminente
valor Criados a imagem e semelhanccedila de Deus todos os homens e mulheres
satildeo chamados agrave salvaccedilatildeo atraveacutes de Jesus que por eles verteu o seu sangue
Criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus todos tecircm uma liberdade
irrenunciaacutevel que nenhuma sujeiccedilatildeo poliacutetica ou social pode destruir
Posteriormente o Iluminismo contribuiu para o desenvolvimento da ideia de
dignidade humana a partir de sua crenccedila na razatildeo humana e a busca pela substituiccedilatildeo da
religiosidade pelo proacuteprio homem no centro do sistema de pensamento mediante o
desenvolvimento teoacuterico do humanismo que por sua vez se preocupava com os direitos
individuais do homem e o exerciacutecio democraacutetico do poder
Na sequecircncia ganhou destaque a formulaccedilatildeo do pensamento de Kant acerca da
natureza do homem e de suas relaccedilotildees consigo proacuteprio com o proacuteximo e com as suas criaccedilotildees
da natureza cuja premissa central era a de que o homem consiste em um fim em si mesmo e
natildeo em funccedilatildeo do Estado da sociedade ou da naccedilatildeo possuindo uma dignidade ontoloacutegica
Finalmente as chocantes agressotildees aos direitos humanos ocorridas na Segunda Guerra
Mundial pelo regime nazista realizadas sobre o manto da legalidade levaram agrave reflexatildeo no
cenaacuterio poacutes-guerra acerca da necessidade de superaccedilatildeo do modelo positivista com a
reaproximaccedilatildeo do direito da moral e o carro-chefe dessa virada Kantiana50
foi exatamente a
48
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 126 49
MIRANDA Jorge Manual de Direito Constitucional Tomo IV 3deg ed Coimbra Coimbra Editora 2000 p
17 50
ldquoDe uns trinta anos para caacute assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superaccedilatildeo dos positivismos
A partir do que se convencionou chamar de bdquovirada kantiana‟(kantische Wende) isto eacute a volta agrave influecircncia da
46
consagraccedilatildeo da dignidade da pessoa humana no plano internacional e a propagaccedilatildeo da mesma
nos direitos internos nacionais como valor maacuteximo e vetor de atuaccedilatildeo
Diante desses apontamentos nota-se que as contribuiccedilotildees para a construccedilatildeo da ideia
de dignidade da pessoa humana51
acima descritas foram cruciais para a evoluccedilatildeo dos direitos
fundamentais e a noccedilatildeo de direitos humanos difundida apoacutes a Segunda Guerra podendo-se
afirmar que o conteuacutedo juriacutedico da dignidade da pessoa humana se interliga harmonicamente
com os direitos fundamentais ou humanos52
ao passo que o respeito agrave dignidade de um
indiviacuteduo pressupotildee a observaccedilatildeo e realizaccedilatildeo dos seus direitos fundamentais53
Firmada essa importante observaccedilatildeo (referente a correlaccedilatildeo entre dignidade e direitos
fundamentais) seraacute feita a seguir uma anaacutelise da evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais natildeo
preocupada somente com uma abordagem descritivamente histoacuterico-enumerativa mas sim
com a perquiriccedilatildeo da razatildeo de serem necessaacuterias declaraccedilotildees de direitos fundamentais ao
longo da histoacuteria e a exato alcance dos direitos inclusos nas diferentes geraccedilotildees54
Eacute inegaacutevel que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais guarda pontos de similitude com
as etapas de formaccedilatildeo do Estado bem como a necessidade de limitaccedilatildeo do mesmo por meio
da garantia de direitos Nesse contexto o raciociacutenio de contraposiccedilatildeo ao Absolutismo por
filosofia de Kant deu-se a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos
e com a busca da justiccedila fundada no imperativo categoacuterico O livro A Theory of Justice de John Rawls publicado
em 1971 constitui a certidatildeo do renascimento dessas ideiasrdquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de Direito
Constitucional Financeiro e Tributaacuterio Valores e Princiacutepios Constitucionais Tributaacuterios v 2 Rio de
Janeiro Renovar 2005 p 41 51
Nesse presente momento a preocupaccedilatildeo foi somente a de deixar clara a interligaccedilatildeo entre a evoluccedilatildeo
construtiva da ideia de dignidade humana e a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Em momento oportuno seraacute
trabalhado o conceito dessa dignidade e seus aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede 52
Alguns autores apontam significaccedilatildeo diversa entre direitos fundamentais e direitos humanos no sentido destes
serem expressatildeo direcionada ao conjunto de direitos ideais metafiacutesicos derivados da natureza do homem
enquanto aqueles seriam apenas aqueles reconhecidos por uma ordem puacuteblica positiva Jaacute outros partindo de um
criteacuterio temporal e espacial apontam que direitos humanos seria uma expressatildeo utilizada para designar a
proteccedilatildeo juriacutedica outorgada a direitos no acircmbito do Direito Internacional ou seja sem limitaccedilatildeo de tempo e
espaccedilo e com pretensotildees de validade universal enquanto direitos fundamentais seria a dimensatildeo interna e
nacional desses direitos contemplados formal e materialmente pelo direito interno de algum ordenamento Nesse
sentido consultar FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave sauacutede paracircmetros para sua
eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 19 53
Realccedilando a ligaccedilatildeo loacutegica entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais o doutrinador
Canccedilado Trindade assevera que a ideia de direitos humanos e sua manifestaccedilatildeo satildeo tatildeo antigas quanto as
civilizaccedilotildees e a luta pela garantia dos mesmos surgiu em diferentes culturas e em movimentos histoacutericos
sucessivos na busca pela afirmaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana bem como na luta contra as formas de
dominaccedilatildeo despotismo e arbitrariedade TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Tratado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos Porto Alegre Safe 1997 p 485 54
Desde jaacute esclarece-se que o presente trabalho trataraacute indistintamente como sinocircnimos os termos dimensotildees e
geraccedilotildees sem entrar na discussatildeo de pouca razatildeo praacutetica sobre a melhor terminologia a ser utilizada para
identificar a divisatildeo compartimentada da evoluccedilatildeo dos direito fundamentais Alguns respeitados autores
sustentam que a ideia de geraccedilotildees de direitos poderia ser equivocadamente compreendida mediante o raciociacutenio
de que uma geraccedilatildeo supera a anterior jaacute outros natildeo vislumbram tal problema apontando que as geraccedilotildees a
despeito de potenciais colisotildees satildeo complementares Nesse sentido confira-se SILVA Virgiacutelio Afonso da A
evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais ndeg6 2005 p
546
47
meio da limitaccedilatildeo do poder do Estado atraveacutes da garantia de direitos alicerccedilada na separaccedilatildeo
dos poderes55
empreendido pelo que se denominou de Constitucionalismo a partir das
revoluccedilotildees liberais do final do Seacuteculo XVII pode ser identificado como o autecircntico
nascedouro da formaccedilatildeo dos direitos fundamentais contudo ao longo da histoacuteria desde os
tempos mais antigos se vislumbrou embriotildees desse processo56
ganhando contornos mais
relevantes a experiecircncia inglesa com as precursoras declaraccedilotildees de direitos (Magna Carta de
1215 o Petition of Rights de 1629 o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689)
Ocorre que os documentos ingleses acima elencados natildeo possuiacuteam a essecircncia de
declaraccedilotildees de direitos no sentido atual do termo (sentido este que pressupotildee a vinculaccedilatildeo de
todos os poderes estatais aos direitos por elas estabelecidos) visto que consistiam em
declaraccedilotildees destinadas a garantir privileacutegios e prerrogativas a uma classe especiacutefica somado a
uma eventual presenccedila de direitos um pouco mais amplos (como o direito de peticcedilatildeo) Devido
a tal caracteriacutestica a doutrina aponta que as primeiras grandes e autecircnticas declaraccedilotildees de
direitos surgiram somente com os movimentos revolucionaacuterios nos Estados Unidos em 1776 e
na Franccedila em 1789 na conjuntura do surgimento do Estado Liberal57
Importante deixar claro nesse ponto que natildeo haacute uma perfeita equivalecircncia de
justificaccedilatildeo entre os dois movimentos citados Enquanto nos EUA a promulgaccedilatildeo de
declaraccedilotildees como a da Virgiacutenia ou a proacutepria declaraccedilatildeo de independecircncia dos Estados Unidos
apresentavam o escopo principal de verdadeiramente declarar os direitos que todos os seres
humanos congenitamente possuiriam e que jaacute era em grande parte realidade em uma
sociedade natildeo-estamental no contexto de formaccedilatildeo de uma naccedilatildeo proacutepria na Franccedila anos
mais tarde o objetivo principal era o de superaccedilatildeo da ordem absolutista anterior cujo embate
central pairava sobre a luta pelos direitos de liberdade e propriedade do povo e da burguesia
55
Como a doutrina liberal nascente tinha por intuito a limitaccedilatildeo do poder estatal em prol da liberdade de
comercializaccedilatildeo por parte da classe burguesa ascendente tambeacutem foi necessaacuteria a adoccedilatildeo de um mecanismo de
controle desse poder estatal Daiacute a importacircncia da Teoria da Separaccedilatildeo dos Poderes cujo maior expoente foi
Montesquieu que pregava uma seacuterie de contrapesos entre os poderes estatais de modo a garantir a liberdade
individual BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p
45 56
Para a anaacutelise proposta adotar-se-aacute como ponto de partida para o estudo dos direitos fundamentais os
documentos provenientes da Revoluccedilatildeo Americana e Francesa contudo eacute de bom alvitre ponderar que ainda na
antiguidade bem como na idade meacutedia surgiram textos escritos que formavam alguns conjuntos de regras e
cenaacuterios poliacuteticos de defesa da liberdade do homem ganhando destaque a Lei das XII Taacutebuas o Coacutedigo de
Hamurabi as disposiccedilotildees do Estado Teocraacutetico Hebreu as experiecircncias de participaccedilatildeo popular na Greacutecia
Antiga o Coacutedigo de Manu dentre outros Ocorre todavia que tais conjuntos de regras estabeleciam em sua
essecircncia mais obrigaccedilotildees aos indiviacuteduos e natildeo direitos jaacute que a figura deocircntica originaacuteria dos mesmos era o
dever e natildeo o direito 57
SILVA Virgiacutelio Afonso da A evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de
Estudos Constitucionais Ndeg 6 2005 p 544
48
ascendente58
e eacute nesse cenaacuterio que surge a primeira geraccedilatildeo59
(ou dimensatildeo) dos direitos
fundamentais
Como visto a primeira declaraccedilatildeo de direitos da modernidade que veio a estruturar o
regime democraacutetico e a limitaccedilatildeo do poder estatal foi a Declaraccedilatildeo de Direitos da Virgiacutenia60
nos EUA em 1776 Em seguida decorrente da Revoluccedilatildeo Francesa nasceu a Declaraccedilatildeo dos
Direitos do Homem e do Cidadatildeo em 1789 propagando os ideais de liberdade igualdade e
fraternidade61
O momento histoacuterico era o de formaccedilatildeo do Estado Liberal cujo anseio
maacuteximo era o de assegurar as liberdades dos indiviacuteduos contra os atos do Estado o qual
estaria obrigado a adotar um comportamento omissivo tanto no vieacutes poliacutetico quanto no
econocircmico62
Surgiram pois os chamados ldquodireitos de primeira dimensatildeordquo os quais englobam os
chamados direitos civis e poliacuteticos ligados ao valor liberdade consistindo em direitos
assegurados em face do Estado (ou seja oponiacuteveis ao Estado em uma relaccedilatildeo tipicamente
vertical Estado ndash indiviacuteduo) e portanto de caraacuteter eminentemente negativo jaacute que exigiam
uma abstenccedilatildeo por parte do Estado e em princiacutepio independiam de accedilotildees concretizadoras ou
densificadoras estatais sendo considerados self executing63
58
De se esclarecer que no contexto norte-americano a busca por limitaccedilatildeo se dirigia principalmente contra a
atuaccedilatildeo do legislativo prevenidos que estavam os founding fathers com a praacutetica do parlamento britacircnico nos
anos que precederam a independecircncia enquanto que nos paiacuteses europeus o limite se dirigiu basicamente agrave
atuaccedilatildeo dos monarcas absolutos BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 26 59
Terminologia propugnada por Karel Vazak e difundida por Bobbio ALVES Joseacute Augusto Lindgren Os
direitos humanos como tema global 2deg ed Satildeo Paulo Perspectiva 2003 p 42 60
Bobbio ao comentar tal declaraccedilatildeo afirma que ldquo() nasceu naquele momento uma nova e quero dizer aqui
literalmente sem precedentes forma de regime poliacutetico que natildeo eacute mais apenas o governo das leis contraposto ao
dos homens jaacute louvado por Aristoacuteteles mas o governo que eacute ao mesmo tempo dos homens e das leis dos
homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indiviacuteduos que as
proacuteprias leis natildeo podem ultrapassar ()rdquo BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Elsevier
2004 p 224 61
Relevante a observaccedilatildeo feita por Barroso no sentido de que existiu uma verdadeira retroalimentaccedilatildeo entre as
revoluccedilotildees francesas e americanas visto que os ideais franceses expoentes agrave eacutepoca influenciaram os EUA em seu
processo de independecircncia e posteriormente foram reincorporados quando da Revoluccedilatildeo Francesa que terminou
por seguir os moldes normativos construiacutedos pelos americanos BARROSO Luiacutes Roberto
Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) In
Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 62
Importante esclarecer que ao longo do tempo apoacutes a concretizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo a burguesia francesa natildeo
buscou manter a universalidade das liberdades individuais entatildeo propostas as quais apenas por generalizaccedilatildeo
nominal estendiam-se agraves outras classes Nesse contexto instaurou-se um cenaacuterio em que a burguesia possuiacutea a
legitimidade para agir em nome da sociedade francesa contudo as liberdades individuais natildeo eram de fato
usufruiacutedas por todos o que refletia em um quadro de clara falta de igualdade material entre todos os cidadatildeos
aumentando-se as desigualdades entre os indiviacuteduos Logo na praacutetica os direitos fundamentais correspondiam
aos direitos da burguesia jaacute que para as classes inferiores eram direitos somente sob o aspecto formal Nesse
sentido BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 42 63
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 376
49
Aqui merece destaque uma advertecircncia que seraacute retomada quando do estudo da
eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais Tal questatildeo diz respeito exatamente ao
esclarecimento de que ao contraacuterio do que muitos propotildeem o fato de os direitos de primeira
dimensatildeo terem por sua essecircncia a busca por uma liberdade do indiviacuteduo em face do Estado
natildeo significa necessariamente que sempre o Estado teraacute que se abster para a garantia de tais
direitos Explicando melhor quando o Estado atua visando a garantir certos direitos de
primeira geraccedilatildeo como o direito a seguranccedila bem como os direitos poliacuteticos tal atuaccedilatildeo
tambeacutem demanda accedilotildees do Estado accedilotildees essas que exigem um aporte financeiro do mesmo
para sua perfeita execuccedilatildeo bastando lembrar os custos relacionados ao recrutamento e
formaccedilatildeo de policiais bem como os ligados ao processo eleitoral64
Feita essa ressalva pode- se afirmar que os direitos individuais englobam um conjunto
de direitos cuja missatildeo fundamental eacute assegurar agrave pessoa uma esfera livre de intervenccedilatildeo da
autoridade poliacutetica ou do Estado65
e nessa linha foram gradualmente conquistados os direitos
agrave liberdade religiosa agrave liberdade civil e profissional agrave liberdade de expressatildeo reuniatildeo dentre
outros
Os direitos poliacuteticos por sua vez apresentam o escopo de instrumentalizar a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos na deliberaccedilatildeo puacuteblica e hodiernamente satildeo identificados como
corolaacuterio da igualdade de todo ser humano e da consequente necessidade de que as decisotildees
poliacuteticas sejam tomadas mediante uma estruturaccedilatildeo majoritaacuteria66
Tais direitos desta maneira
a despeito de terem uma configuraccedilatildeo distinta das liberdades puacuteblicas se amoldam agrave ideia de
direitos de liberdade em sua concepccedilatildeo positiva ou republicana jaacute que ligam-se agrave defesa da
participaccedilatildeo popular na tomada de decisotildees o que em uacuteltima instacircncia ao menos
indiretamente proporcionam liberdade
Portanto pode-se afirmar que os direitos protegidos nessa primeira etapa possuiacuteam
uma acepccedilatildeo eminentemente individualista baseada na doutrina do laissez-faire laissez-
passer cuja funccedilatildeo estatal primordial residia em permitir que as relaccedilotildees sociais e
econocircmicas (grande trunfo da burguesia) se desenvolvessem livremente livre de
64
HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights New York ndash LondonWW Norton amp
Company 1999 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O
princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 134 65
FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 1999
p 280 66
Nesse sentido Canotilho assevera que ldquoas raiacutezes do princiacutepio majoritaacuterio reconduzem-se aos princiacutepios da
igualdade democraacutetica da liberdade e da autodeterminaccedilatildeo Se a liberdade de participaccedilatildeo democraacutetica eacute igual e
vale para todos os cidadatildeos entatildeo o estabelecimento vinculativo e uma determinada ordenaccedilatildeo juriacutedica
pressupotildee pelo menos a concordacircncia da maioriardquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito
Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 311
50
interferecircncia cabendo ao Estado apenas proteger a propriedade e a seguranccedila dos
indiviacuteduos67
Com o passar dos tempos o quadro de liberdade apenas formal propagado pela
doutrina do Liberalismo somou-se agrave piora das condiccedilotildees de vida da classe operaacuteria durante a
Revoluccedilatildeo Industrial em um cenaacuterio que privilegiava um capitalismo (jaacute em crise) sem eacutetica e
alheio agraves desigualdades sociais Tal conjuntura passou a ser atacada68
pela classe operaacuteria que
jaacute se organizava em grupos fortemente politizados culminando no colapso do Estado Liberal
que frente a insustentabilidade da situaccedilatildeo viu-se obrigado a dar espaccedilo para o Estado Social
passando o Estado a comportar-se como um provedor e prestador de serviccedilos para a
populaccedilatildeo
Viu-se pois que natildeo era suficiente somente garantir a liberdade formal dos
indiviacuteduos havendo a necessidade de se reconhecer certos direitos sociais culturais e
econocircmicos derivados das reivindicaccedilotildees sociais relacionadas com os graves problemas da
eacutepoca Foi entatildeo que em meados de 1917 ganhou corpo a necessidade de intervenccedilatildeo do
Estado de modo a se conferir igualdade surgindo um novo cataacutelogo de direitos ligados agraves
prestaccedilotildees materiais por parte do Estado os chamados direitos fundamentais de segunda
dimensatildeo
Conforme jaacute adiantado frente a crise instaurada tais direitos passaram a exigir do
Estado natildeo mais uma abstenccedilatildeo mas sim um fazer uma postura positiva de atuaccedilatildeo se
transformando o mesmo em um verdadeiro prestador de serviccedilos de feiccedilatildeo intervencionista
nos acircmbitos econocircmicos sociais e laborais
Tais novos direitos surgiram pois natildeo somente como consequecircncia da necessidade de
maior participaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees poliacuteticas mas tambeacutem devido agrave pressatildeo dos
movimentos sociais (e socialistas69
) que defendiam de maneira geral que as liberdades
puacuteblicas alcanccediladas na primeira geraccedilatildeo estavam obstadas de ser exercidas por aqueles que
67
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p7 68
Pertinente aqui a observaccedilatildeo de Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho no sentido de que foi com o exerciacutecio cada
vez mais intenso dos direitos poliacuteticos que se iniciou tambeacutem a pressatildeo por outros direitos que superassem a
ideia das meras liberdades negativas da primeira dimensatildeo FERREIRA FILHO Manuel Gonccedilalves Direitos
humanos fundamentais 2deg ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 p 43 69
Aqui eacute importante esclarecer que os direitos sociais natildeo podem ser considerados como direitos socialistas
visto que na verdade satildeo formas de garantir a estabilidade e manutenccedilatildeo do capitalismo se natildeo liberal pelo
menos daquele de cunho social Nesse sentido tem-se que o Estado social natildeo se confunde com o Socialista O
primeiro pode ser caracterizado como um meio termo entre o modelo liberal e o socialista Para ficar mais claro
quando o estado estende sua influecircncia para a seara que antes era de atuaccedilatildeo exclusiva da atividade privada
tem-se ai o social por sua vez quando o estado faz mais que isso quando passa a concorrer imediatamente com
a esfera privada tem-se a socializaccedilatildeo BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo
Paulo Malheiros 2004 p 186
51
natildeo tinham condiccedilotildees materiais para tanto havendo a necessidade de se buscar uma igualdade
material para corrigir tal distorccedilatildeo
Vecirc-se assim que a pretensatildeo ao reconhecimento de direitos sociais pode ser
identificada como uma consequecircncia da luta iniciada pela generalizaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos
para a classe operaacuteria em um contexto em que assegurada a igualdade poliacutetica o objetivo
passou a ser a concretizaccedilatildeo da igualdade real que viesse a garantir as condiccedilotildees de vida
necessaacuterias e as possibilidades de realizaccedilatildeo de cada indiviacuteduo
Passou o Estado assim a assumir uma seacuterie de encargos ateacute entatildeo natildeo vistos como
tipicamente de sua atividade prestando serviccedilos na aacuterea de sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia social
bem como intervindo diretamente na regulaccedilatildeo dos mercados Surge o contexto do Welfare
State ganhando destaque as primeiras previsotildees de direitos socais presentes nas constituiccedilotildees
Mexicana70
e de Weimar71
de 1917 e 1919 respectivamente72
A loacutegica liberal de que a liberdade era suficiente para assegurar uma vida digna jaacute natildeo
mais reinava sendo necessaacuterio conferir ao cidadatildeo direitos que garantissem condiccedilotildees
materiais miacutenimas de desenvolvimento deixando claro que as dimensotildees natildeo se opotildeem mas
sim se complementam ao passo que os direitos sociais viabilizam o exerciacutecio real e
consciente dos direitos individuais e poliacuteticos73
Tais direitos passaram portanto a ser percebidos como uma dimensatildeo especiacutefica dos
direitos fundamentais na medida em que procuraram fornecer os recursos faacuteticos para uma
eficaz fruiccedilatildeo das liberdades inerentes agrave primeira dimensatildeo a partir da garantia de uma
igualdade (liberdade real) que somente poderia ser obtida pela compensaccedilatildeo das latentes
desigualdades sociais
Antes de examinar a proacutexima geraccedilatildeo de direitos eacute importante esclarecer que os
direitos sociais natildeo contemplam apenas posturas positivas do Estado comportando o cidadatildeo
70
Fruto de um movimento revolucionaacuterio iniciado em meados de 1910 contraacuterio ao governo ditatorial de
Porfiacuterio Dias o qual intentava dentre outros anseios a proibiccedilatildeo da reeleiccedilatildeo do presidente a devoluccedilatildeo de
terras aos povos indiacutegenas a nacionalizaccedilatildeo de empresas a consolidaccedilatildeo de direitos trabalhistas e a reforma
agraacuteria tal constituiccedilatildeo natildeo representou o fim da revoluccedilatildeo que perdurou por mais vinte e trecircs anos
COMPARATO Fabio Konder A afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 5deg ed Satildeo Paulo Saraiva
2007 p 177 71
Tal Constituiccedilatildeo possuiacutea um rol de direitos fundamentais mais bem estrutura que a Constituiccedilatildeo Mexicana a
partir de foacutermulas mais universais (por exemplo previsatildeo da funccedilatildeo social da propriedade de um sistema de
previdecircncia social de uma estruturaccedilatildeo quanto ao direito agrave educaccedilatildeo) daiacute sua maior influecircncia sendo seus
dispositivos aplicaacuteveis aos demais paiacuteses que seguiram sua modelagem agrave eacutepoca PINHEIRO Maria Claacuteudia
Bucchianeri A Constituiccedilatildeo de Weimar e os Direitos Fundamentais Sociais In Revista de Informaccedilatildeo
Legislativa v 43 ndeg 169 p 101-126 janmar 2006 p 121 72
SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In
SAMPAIO Joseacute Aeacutercio Leite (Org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo Horizonte
Del Rey 2003 p 252 73
SILVA Joseacute Afonso da Poder Constituinte e poder popular Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 189
52
em uma posiccedilatildeo de creacutedito perante o mesmo Conforme seraacute melhor analisado no toacutepico
referente ao estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais em que pese a conjuntura do
surgimento dos direitos sociais ter brotado a partir da necessidade concretizaccedilatildeo de prestaccedilotildees
materiais ao cidadatildeo pelo Estado eacute certo que essa segunda dimensatildeo apresenta diferentes
dimensotildees dentre elas uma dimensatildeo de cunho meramente defensivo a qual abriga as
chamadas liberdades sociais marcantes especificamente no acircmbito dos direitos dos
trabalhadores como o direito de greve e de liberdade sindical
Feita tal ressalva e voltando para a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais o cenaacuterio
agora eacute o contexto mundial poacutes Segunda Guerra em que a quase dizimaccedilatildeo do povo judeu e as
crueldades realizadas pelos nazistas fascistas e demais regimes totalitaacuterios levaram o mundo
a refletir que o Estado de Direito necessitava urgentemente de uma remodelagem visto que
com base no impeacuterio positivista da lei o nazismo amparado por um fundo de legalidade
cometeu diversos atos de clara afronta a direitos fundamentais dos homens
Fala-se pois em periacuteodo poacutes-positivista uma vez que o contexto no campo filosoacutefico
era o de superaccedilatildeo do positivismo juriacutedico com a reaproximaccedilatildeo do direito agrave moral e a busca
por um equiliacutebrio entre o direito natural e positivo voltando o ideaacuterio de justiccedila para a cena a
partir de uma virada copernicana no Direito principalmente devido a consagraccedilatildeo de forccedila
normativa aos princiacutepios74
Surgem assim os direitos de 3deg dimensatildeo associados agrave noccedilatildeo de solidariedade ou
fraternidade os quais satildeo dotados de um altiacutessimo teor de humanismo e universalidade ao
passo que visam natildeo agrave proteccedilatildeo de interesses particulares de um uacutenico indiviacuteduo ou de apenas
um grupo isolado mas de todo o gecircnero humano
Podem ser citados como inclusos no rol dessa terceira dimensatildeo o direito ao
desenvolvimento75
agrave paz76
ao meio ambiente agrave propriedade sobre o patrimocircnio comum da
humanidade ao progresso direito de comunicaccedilatildeo agrave autodeterminaccedilatildeo dos povos os quais
foram proclamados e difundidos universalmente pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
Humanos de 1948 e depois gradativamente incorporados nas constituiccedilotildees de diversos
paiacuteses
74
PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito
com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 30 75
Sobre a temaacutetica do direito em desenvolvimento destaca-se a obra ldquodesenvolvimento com liberdaderdquo de
Amartya Sen SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade traduccedilatildeo de Laura Teixeira Motta Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2010 76
Importante esclarecer que o direito a paz na original classificaccedilatildeo de Karel Vazak foi incluiacuteda como direito de
terceira dimensatildeo contudo para Bonavides tal direito seria de quinta geraccedilatildeo pois consistia no objetivo a ser
buscado por todos os povos e que ainda natildeo foi alcanccedilado
53
Pela simples anaacutelise do rol de direitos que tal dimensatildeo abrange natildeo eacute muito difiacutecil
constatar que a definiccedilatildeo dos mesmos eacute tatildeo difusa quanto eles proacuteprios Melhor explicando
haacute uma dificuldade em se apontar claramente os contornos dogmaacuteticos que levam um direito a
ser enquadrado como de terceira dimensatildeo visto que a caracteriacutestica comum que une essa
gama de direitos tatildeo diversos eacute o fato de que todos eles aleacutem de natildeo terem titularidade
definiacuteveis destinam-se a realizar o terceiro pilar da Revoluccedilatildeo Francesa a fraternidade
Dessa criacutetica decorre uma certa falta de seguranccedila juriacutedica e ateacute mesmo de consenso
doutrinaacuterio sobre quais direitos estariam inseridos nessa categoria havendo tambeacutem quem
sinalize para a existecircncia de uma quarta geraccedilatildeo de direito e ateacute mesmo uma quinta Nesse
contexto para alguns a quarta geraccedilatildeo dos direitos fundamentais incluiria os direitos de
democracia informaccedilatildeo e pluralismo77
nascentes e aprimorados com a globalizaccedilatildeo poliacutetica
para outros incluiria os direitos contra os abusos da biotecnologia78
Quanto a esses direitos eacute
importante destacar os ensinamentos de Habermas79
que enxerga a democracia natildeo mais
como restrita a seu aspecto formal (vontade da maioria) mas em sua acepccedilatildeo material
Esclarecendo melhor o raciociacutenio eacute o de que o exerciacutecio dos direitos poliacuteticos
deveriam assegurar as liberdades de reuniatildeo de associaccedilatildeo e de expressatildeo do pensamento
para se alcanccedilar uma liberdade real de escolha e soacute assim serem assegurados os direitos
fundamentais baacutesicos A democracia passa assim a ser entendida materialmente ao passo em
que natildeo significaria apenas a vontade da maioria mas tambeacutem e principalmente a justa
fruiccedilatildeo de direitos baacutesicos por todos inclusive as minorias a partir do papel contra majoritaacuterio
efetuado pelo Poder Judiciaacuterio Desta forma no raciociacutenio exposto soacute se poderia falar em
democracia material em uma sociedade que proporcionasse a fruiccedilatildeo por todos de direitos
miacutenimos e a partir do desenvolvimento de tais direitos eacute que seria alcanccedilada uma efetiva
democracia
32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO DIREITO Agrave
SAUacuteDE
77
BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 572 78
Bonavides propotildee que os direitos contra os abusos da biotecnologia satildeo espeacutecies de novas aplicaccedilotildees dos
direitos de defesa SARLET Ingo Wolfgang Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre
Livraria do Advogado 2005 p 57 79
SOUZA NETO Claacuteudio Pereira de Teoria da Constituiccedilatildeo Democracia e Igualdade p 17 Disponiacutevel em
httpwwwmundojuridicoadvbrcgi-binuploadtexto1129(3)pdf Acessado em 01022013
54
Nessa parte do presente estudo seratildeo abordadas certas premissas consolidadas na
teoria dos direitos fundamentais cujo conhecimento faz-se relevante para se compreender a
problemaacutetica existente na concretizaccedilatildeo dos direitos sociais em especial do direito agrave sauacutede
Para tanto a seguir seratildeo abordados dentre outros aspectos referentes agrave exata noccedilatildeo das
dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais agrave dupla fundamentalidade (formal e
material) dos direitos sociais e a importacircncia da distinccedilatildeo entre princiacutepios e regras para o tema
da eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais
321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de
prestaccedilatildeo
Algumas das criacuteticas tecidas quando do exame das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos
fundamentais seratildeo aqui retomadas e serviratildeo de base para a compreensatildeo da problemaacutetica
existente no atual cenaacuterio de crise na efetividade dos direitos sociais80
prestigiando-se o
afastamento de certas construccedilotildees doutrinaacuterias em prol da prevalecircncia de uma visatildeo mais
alinhada com os paradigmas do direito constitucional moderno
Nesse sentido importantes premissas devem ser postas primeiro a noccedilatildeo de
universalidade e interdependecircncia entre os direitos fundamentais conduz a insuficiecircncia da
tradicional distinccedilatildeo entre direitos positivos e negativos segundo eacute equivocada a afirmaccedilatildeo
de que somente direitos de segunda geraccedilatildeo importam em uma accedilatildeo do Estado que demanda
custos financeiros terceiro o criteacuterio funcional de classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais que
melhor se adeacutequa agrave nova ordem juriacutedica eacute o que divide os direitos em direitos de defesa e
direitos a prestaccedilotildees e finalmente a compreensatildeo de que todas as normas constitucionais ateacute
mesmo as ditas programaacuteticas81
satildeo aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de
integraccedilatildeo normativa
Esmiuccedilando cada um dos pontos acima alinhavados de iniacutecio tem-se que frente aos
pressupostos de universalidade indivisibilidade e interdependecircncia dos direitos fundamentais
eacute vulneraacutevel a classificaccedilatildeo entre direitos negativos e positivos visto que na praacutetica a
80
STRECK Lenio Luiz A crise da hermenecircutica e a hermenecircutica da crise a necessidade de uma nova criacutetica
do direito In SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo
Horizonte Del Rey 2003 p 108 81
Nesse sentido Artur Cortez Bonifaacutecio expotildee que ldquode fato ateacute mesmo as normas de caraacuteter institutivo ou de
natureza programaacutetica desprovidas de eficaacutecia positiva portam eficaacutecia negativa destinando as suas inferecircncias
para obstar o desenvolvimento de accedilotildees dos poderes constituiacutedos em contrariedade ao seu ambiente material
BONIFAacuteCIO Artur Cortez Normatividade e Concretizaccedilatildeo a Legalidade Constitucional In MOURA Lenice
S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo
Paulo Saraiva 2009 p 219
55
positividade ou negatividade natildeo reside no direito em si mas no dever consequentemente
imposto pelo direito correlato
Desta maneira torna-se imprecisa a pura correspondecircncia entre direitos de primeira
dimensatildeo como sendo negativos e de segunda dimensatildeo como sendo positivos visto que natildeo
soacute os direitos sociais econocircmicos e culturais demandam para serem assegurados uma intensa
atividade estatal mas tambeacutem os direitos civis e poliacuteticos pelo menos no que se refere agrave
proteccedilatildeo contra interferecircncia de terceiro bastando lembrar os encargos oriundos da atividade
de poliacutecia seguranccedila defesa justiccedila etc Noutro poacutertico os direitos de segunda dimensatildeo
tambeacutem possuem um vieacutes de natildeo interferecircncia tiacutepico dos direitos de primeira dimensatildeo pois
tanto o Estado quanto a comunidade devem respeitar a fruiccedilatildeo desses direitos pelos
respectivos titulares Ressalte-se ainda que existem direitos sociais de efeitos genuinamente
negativos constituindo as chamadas liberdades sociais (direito de greve e liberdade sindical)
Interligada a essa primeira premissa e reforccedilando a interdependecircncia entre os direitos
de primeira e segunda dimensatildeo estaacute a noccedilatildeo de que todos os direitos reivindicam custos ao
eraacuterio para serem efetivados independente de sua classificaccedilatildeo Assim se natildeo de forma direta
como ocorre com na disponibilizaccedilatildeo do Estado de parcela dos direitos de segunda dimensatildeo
pelo menos indiretamente a garantia da livre fruiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos exigem um
alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial como satildeo os gastos com seguranccedila
puacuteblica e com as eleiccedilotildees por exemplo demonstrando-se impreciso e ingecircnuo82
portanto o
argumento de que certas naccedilotildees soacute poderiam assegurar os direitos de primeira e natildeo os de
segunda dimensatildeo
Avanccedilando aduz-se que a classificaccedilatildeo que melhor demonstra a natureza dos direitos
fundamentais no contexto do ordenamento paacutetrio eacute a que divide os direitos em de defesa e a
prestaccedilotildees O raciociacutenio eacute simples os direitos de defesa tutelam a esfera de liberdade dos
indiviacuteduos funcionando como limites ao poder estatal jaacute que satildeo outorgados direitos
subjetivos aos respectivos titulares para que esses possam atuar contra a ingerecircncia indevida
do Estado e dos demais particulares enquanto os direitos a prestaccedilotildees atrelam-se a ideia de
direito do cidadatildeo a uma accedilatildeo dos poderes puacuteblicos objetivando assim natildeo somente proteger
o acircmbito individual de liberdade e autonomia do indiviacuteduo frente ao Estado mas tambeacutem
assegurar a liberdade por intermeacutedio do Estado83
82
HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights why liberty depends on taxes New York
WW Norton 2000 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para
sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 35 83
Ressalta Mariana Filchtiner que tal classificaccedilatildeo se reporta agraves liccedilotildees de Alexy depois desenvolvidas por
Canotilho e adaptada ao ordenamento paacutetrio por Ingo Sarlet FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito
56
Eacute importante ressaltar que essa faceta prestacional natildeo engloba somente atos que
importem prestaccedilotildees faacuteticas84
(como eacute a disponibilizaccedilatildeo do serviccedilo de sauacutede puacuteblica) ao
indiviacuteduo mas abrange tambeacutem os atos que atribuem ao indiviacuteduo uma posiccedilatildeo relevante
para a defesa de outros direitos aproximando-se dos direito de participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e
no procedimento bem como atos de proteccedilatildeo perante outros cidadatildeos como por exemplo por
meio das normas penais
Fechando o raciociacutenio proposto relevante trazer agrave baila a visatildeo de que todas as normas
constitucionais incluiacutedas portanto as que dispotildeem sobre os direitos sociais satildeo
perfeitamente aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de integraccedilatildeo normativa
Isso ocorre porque pelo simples fato de existirem tais normas (i) revogam os atos
normativos contraacuterios ao seu comando independentemente de controle bem como serve de
paracircmetro para o controle dos atos posteriores que porventura com ela venham a colidir (ii)
vinculam o legislador agrave obrigaccedilatildeo de concretizar os fins previstos em seu texto sob pena de
flagrante omissatildeo inconstitucional (iii) funcionam como paracircmetro para interpretaccedilatildeo
integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e embora natildeo gerem direitos subjetivos
propriamente ditos (iv) datildeo origem a um direito subjetivo de cunho negativo de exigir que o
Estado se abstenha de atuar em sentido contraacuterio ao seu disposto
Desta maneira desmistificando certos posicionamentos jaacute ultrapassados pode-se
afirmar que todos os direitos fundamentais sejam de garantia ou prestacionais apresentam
um custo financeiro ao Estado e os enunciados normativos que os preveem satildeo aptos a
produzir certos efeitos juriacutedicos formando-se assim um sistema unitaacuterio e aberto dentro da
ordem constitucional paacutetria
322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla
fundamentalidade (formal e material)
A dimensatildeo subjetiva dos direitos fundamentais apresenta sua origem na concepccedilatildeo
claacutessica desenvolvida no periacuteodo das primeiras declaraccedilotildees de direitos no seacuteculo XVIII jaacute
vistas acima e comporta a noccedilatildeo de que os direitos fundamentais datildeo origem a uma seacuterie de
posiccedilotildees juriacutedicas diversas outorgando ao titular do direito pretensotildees de defesa proteccedilatildeo e
Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado
2007 p 40 84
Fala-se aqui em direito a prestaccedilatildeo em sentido estrito
57
prestaccedilatildeo quer perante o Estado ou a particulares85
se relacionando assim com o poder que o
titular de um direito possuir de exigir judicialmente a efetivaccedilatildeo do mesmo86
As primeiras fissuras dessa dimensatildeo subjetivista marcadamente de cunho
individualista surgiram com o Estado Social e se solidificaram ainda mais com o Estado
Democraacutetico de Direito a partir da noccedilatildeo bastante difundida por Rudold Smend de que a
funccedilatildeo primordial da Constituiccedilatildeo estaria em promover a integraccedilatildeo da comunidade o que soacute
seria possiacutevel pela tutela dos valores vividos e socialmente compartilhados O elemento
principal de uma Constituiccedilatildeo seria entatildeo os valores em que esta se apoia sendo a fonte
basilar desses valores exatamente os direitos fundamentais87
Desta forma a partir dessa concepccedilatildeo axioloacutegica difundiu-se a teoria da Constituiccedilatildeo
como funccedilatildeo integradora o que permitiu que os direitos fundamentais passassem a
desempenhar novos papeacuteis na ordem juriacutedica visto que natildeo seriam mais somente direitos de
cunho subjetivo mas sim autecircnticos proclamadores e tradutores do sistema de valores sobre
o qual repousaria a ordem vigente Surge a noccedilatildeo portanto de dimensatildeo objetiva dos direitos
fundamentais que veio a autorizar a extraccedilatildeo de deveres a serem impostos ao Estado e
particulares em decorrecircncia da simples irradiaccedilatildeo do conjunto dos direitos fundamentais e dos
valores por eles priorizados88
Haacute uma guinada na estrutura claacutessica da teoria dos direitos fundamentais89
os quais
passam de simples limitadores do poder estatal a acumular as funccedilotildees de fixadores de
diretivas basilares na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e vetores a serem respeitados nas
85
Importante destacar a contribuiccedilatildeo da teoria dos status de Georg Jellinek que calcada nos pressupostos de
subjetivismo e individualismo da eacutepoca assevera que os indiviacuteduos podem assumir quatro posiccedilotildees diferentes
perante o estado i passivo o indiviacuteduo estaria subordinado aos poderes estatais ii negativo ligada ao ideal de
liberdade jaacute que o indiviacuteduo teria sua esfera individual de liberdade imune agrave intervenccedilatildeo estatal iii positivo
seria a prerrogativa do Estado prestaccedilotildees positivas e iv ativo frente a possibilidade do indiviacuteduo participar
ativamente da formaccedilatildeo da vontade poliacutetica atraveacutes do voto por exemplo 86
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins apontam que a dimensatildeo subjetiva ldquotrata-se da dimensatildeo ou da funccedilatildeo
claacutessica uma vez que o seu conteuacutedo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir agrave intervenccedilatildeo estatal
em sua esfera de liberdade individual Essa dimensatildeo tem um correspondente filosoacutefico-teoacuterico que eacute a teoria
liberal dos direitos fundamentais a qual concebe os direitos fundamentais do indiviacuteduo de resistir agrave intervenccedilatildeo
estatal em seus direitos ()rdquo DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos
fundamentais 3deged Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 117 87
SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In
SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e direitos fundamentais Belo Horizonte Del
Rey 2003 p 270 88
FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 45 89
Nesse ponto Hesse destaca que os direitos fundamentais natildeo apenas constituem direitos subjetivos dos
indiviacuteduos mas tambeacutem princiacutepios objetivos baacutesicos para o ordenamento constitucional democraacutetico
abrangendo este duplo caraacuteter diferentes niacuteveis de significaccedilatildeo podendo atuar como legitimador criador e
fomentador do consenso apresentando-se assim relevante para processos democraacuteticos HESSE Conrado
Significado de los derechos fundamentales In Manual de Derecho Constitucional Madrid Marcial Pons
Ediciones Juriacutedicas y Sociales SA 1996 p 83-115
58
relaccedilotildees entre particulares norteando o Estado na consecuccedilatildeo dos seus fins Eacute do
reconhecimento dessa dimensatildeo objetiva90
que surgem portanto tanto a noccedilatildeo de eficaacutecia
horizontal dos direitos fundamentais os quais transcendem seu domiacutenio aleacutem da mera relaccedilatildeo
cidadatildeo e Estado atingindo a relaccedilatildeo direta entre os particulares como tambeacutem a importante
noccedilatildeo de garantias institucionais91
Este uacuteltimo efeito (a noccedilatildeo de garantias institucionais) corresponde a ideia de que o
acircmbito de proteccedilatildeo de um direito fundamental vai aleacutem da sua mera esfera subjetiva
alcanccedilando o complexo juriacutedico-normativo na sua essecircncia de modo a vincular o espaccedilo de
conformaccedilatildeo do legislador o qual deveraacute exercer sua funccedilatildeo norteado pelo dever de alargar o
espectro protetivo imediato do direito subjetivo em questatildeo visando agrave sua concretizaccedilatildeo por
meio de garantias institucionais92
Melhor esclarecendo as disposiccedilotildees legislativas a respeito do SUS que regulamentam
o art 196 da CF por exemplo atuam como verdadeiras garantias institucionais jaacute que
densificam o direito agrave sauacutede indo aleacutem do esboccedilo da proteccedilatildeo primitiva conferido na CF para
esse direito fundamental social Desta maneira frente agrave dimensatildeo objetiva do direito
fundamental agrave sauacutede natildeo poderia o legislador ao regulamentar a CF restringir o contorno
baacutesico que nela eacute dado a tal direito nem alterar a regulamentaccedilatildeo jaacute existente com o mesmo
propoacutesito (restriccedilatildeo do direito agrave sauacutede jaacute previsto na CF) sob pena de incorrer em
inconstitucionalidade
Feitas tais observaccedilotildees outro ponto de destaque eacute a noccedilatildeo de fundamentalidade formal
e material iacutensita aos direitos fundamentais A fundamentalidade formal liga-se ao direito
constitucional positivo desdobrando em um trifaacutesico raciociacutenio a) como parte integrante do
corpo constitucional os direitos fundamentais situam-se no aacutepice de todo o ordenamento
90
Podem ser identificados alguns desdobramento dessa dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais i os
direitos fundamentais apresentam objetivamente o caraacuteter de normas de competecircncia negativa no sentido de
que aquilo que estaacute sendo outorgado ao indiviacuteduo em termos de liberdade para accedilatildeo estaacute sendo objetivamente
retirado do Estado portanto independentemente do particular exigir em juiacutezo o respeito de seu direito ii os
direitos fundamentais funcionam como criteacuterio de interpretaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do direito infraconstitucional a
partir de seu efeito de irradiaccedilatildeo iii os direitos fundamentais podem ser limitados por esta dimensatildeo objetiva
quando isso estiver no interesse de seus titulares ou seja a partir do raciociacutenio de que o titular estaria mais bem
protegido se natildeo exercesse o direito em certas circunstacircncias e iv haveria um dever estatal de tutela dos direitos
fundamentais no sentido de protegecirc-los ativamente contra ameaccedilas de violecircncia provenientes sobretudo de
particulares DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais 3deged Satildeo
Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 118-120 91
ANDRADE Joseacute Carlos Vieira de Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976 2 ed
Coimbra Almedina 2001 p 110 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 46 92
Haacute uma remodelagem da noccedilatildeo de conformaccedilatildeo legislativa visto que o legislador passa a ser encarado natildeo
mais como unicamente interessado em restringir os direitos fundamentais mas sim como um concretizador um
harmonizador do sistema a partir de sua atividade de otimizaccedilatildeo dos direitos em atenccedilatildeo agrave maacutexima efetividade
possiacutevel
59
juriacutedico constituindo-se pois em uma norma de superior hierarquia b) na qualidade de
normas fundamentais insculpidas na Constituiccedilatildeo escrita encontram-se submetidos aos
limites formais (procedimento mais dificultoso de modificaccedilatildeo) e materiais (as denominadas
ldquoclaacuteusulas peacutetreasrdquo) de reforma constitucional e c) com base no disposto no art 5deg paraacutegrafo
primeiro da CF as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais satildeo diretamente
aplicaacuteveis e vinculam diretamente o Estado e os particulares93
Quanto ao vieacutes material consoante se demonstraraacute melhor mais adiante este se refere
agrave relevacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional em si o que no caso do
direito fundamental social agrave sauacutede aqui trabalhado consiste em aspecto facilmente
identificaacutevel frente a evidente importacircncia da sauacutede como pressuposto agrave manutenccedilatildeo da vida
digna94
323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios
A partir dos estudos desenvolvidos por Ronald Dworkin e na sequecircncia por Robert
Alexy95
desenvolveu-se a chamada Teoria dos Princiacutepios a qual foi difundida no Brasil ao
final da deacutecada de oitenta e ao longo dos anos noventa do seacuteculo passado Essa Teoria eacute fruto
do pensamento juriacutedico contemporacircneo que reconhecendo o sistema juriacutedico como um
sistema aberto a partir de uma rede axioloacutegica e hierarquizada de normas prima pela
atribuiccedilatildeo de normatividade aos princiacutepios e reconhece uma distinccedilatildeo de grau e qualidade
entre regras e princiacutepios
A compreensatildeo de que os princiacutepios natildeo seriam mais meras linhas gerais de conduta
destituiacutedas de eficaacutecia mas sim autecircnticas espeacutecies do gecircnero ldquonormas juriacutedicasrdquo partiu da
constataccedilatildeo feita por Dworkin de que assim como as regras os princiacutepios tambeacutem possuiriam
um caraacuteter deontoloacutegico jaacute que a soluccedilatildeo dos chamados hard cases na maioria dos casos
somente seria alcanccedilada por meio da ponderaccedilatildeo96
de princiacutepios no caso concreto denotando
93
SARLET Ingo Wolfgang A Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 pp 78 e ss 94
SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave
sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 95
Sobre a noccedilatildeo de princiacutepios de ambos autores conferir DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional
no Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 70 96
Sobre a relaccedilatildeo entre ponderaccedilatildeo e o princiacutepio da proporcionalidade Daniel Sarmento aponta que ldquona
ponderaccedilatildeo de bens assume importacircncia iacutempar o princiacutepio da proporcionalidade sob a eacutegide do qual devem ser
efetivadas todas as restriccedilotildees reciacuteprocas entre os princiacutepios constitucionais () Conforme a doutrina mais
autorizada o princiacutepio da proporcionalidade eacute passiacutevel de divisatildeo em trecircs subprinciacutepios (a) da adequaccedilatildeo que
exige que as medidas adotadas tenham aptidatildeo para conduzir aos resultados almejados pelo legislador (b) da
necessidade que impotildee ao legislador que entre vaacuterios meios aptos ao atingimento de determinados fins opte
60
portanto o caraacuteter normativo dos mesmos97
Desta maneira admitida tal normatividade
passou-se a ser relevante a delimitaccedilatildeo dos traccedilos distintivos entre regras e princiacutepios
Nesse contexto tal distinccedilatildeo tem como ponto de partida a anaacutelise do modo de
aplicaccedilatildeo dos enunciados normativos Condensando as ideias dos doutrinadores acima
citados pode-se afirmar que os enunciados normativos podem se apresentar como regras ou
princiacutepios98
Os com caraacuteter de regras satildeo aplicados conforme a chamada maacutexima do ldquotudo ou
nadardquo mediante subsunccedilatildeo funcionando como ldquomandados ou comandos definitivos ou de
definiccedilatildeordquo jaacute que funcionam de maneira objetiva sem abertura de margem para valoraccedilatildeo por
parte do inteacuterprete ao qual caberaacute apenas aplicar a regra em ocorrendo sua hipoacutetese de
incidecircncia ou natildeo em caso negativo concluindo-se desta maneira que uma regra somente
deixaraacute de ser aplicada quando outra regra a excepcionar ou for invaacutelida99
Por outro lado os enunciado normativos que emanam princiacutepios abrigam um valor
um fim a ser atingido e em uma ordem juriacutedica pluralista como a vigente haacute a possibilidade
de eventuais colisotildees Desta maneira como de iguais hierarquia impossiacutevel a aplicaccedilatildeo na
modalidade ldquotudo ou nadardquo devendo vigorar a ideia de ldquomais ou menosrdquo a partir do emprego
da teacutecnica do sopesamento ou ponderaccedilatildeo a qual avalia a dimensatildeo de peso de cada princiacutepio
na situaccedilatildeo concreta especiacutefica optando pela proeminecircncia de um mas sem eliminar
completamente o outro princiacutepio Nesse panorama os dispositivos que emanam princiacutepios
funcionam como ldquomandados de otimizaccedilatildeordquo visto que devem ser realizados na maior
intensidade possiacutevel Daiacute dizer que os direitos neles fundados satildeo direitos100
prima facie jaacute
que poderatildeo ser exercidos em princiacutepio e na medida do possiacutevel
sempre pelo menos gravoso (c) da proporcionalidade em sentido estrito que preconiza a ponderaccedilatildeo entre os
efeitos positivos da norma e os ocircnus que ela acarreta aos seus destinataacuterios SARMENTO Daniel Os Princiacutepios
Constitucionais e a Ponderaccedilatildeo de Bens In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos Direitos Fundamentais 2deg
Ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 57-58 97
Nessa linha citando Alexy Mariana Filchtiner assevera que tanto princiacutepios como regras dizem o que deve
ser podendo ser formulados a partir da ajuda das expressotildees deocircnticas baacutesicas do mandado da permissatildeo e da
proibiccedilatildeo configurando razotildees para juiacutezos concretos de dever ser ALEXY Robert Teoria de los derechos
fundamentales Traducioacuten Ernesto Garzoacuten Valdeacutes Madrid Centro de Estuacutedios Constitucionales 1997 p83
apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 107 98
Assevera Robert Alexy que ldquotanto regras quanto princiacutepios satildeo normas por que ambos dizem o que deve ser
Ambos podem ser formulados por meio das expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo e da proibiccedilatildeo
Princiacutepios satildeo tanto quanto as regras razotildees para juiacutezos concretos de dever-ser ainda que de espeacutecie muito
diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas
ALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo
Malheiros 2011 p 87 99 BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento
gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15
Uberaba-MG 2008 p 13- 38 100
SILVA Virgiacutelio Afonso da O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas
constitucionais In Revista de Direito do Estado 4 p 23-51 2006 p 27
61
Saindo um pouco do paracircmetro do modo de aplicaccedilatildeo da norma outros traccedilos
distintivos entre regras e princiacutepios podem ser apontados a) os princiacutepios tecircm um grau de
abstraccedilatildeo mais elevado que as regras b) os princiacutepios apresentam um grau de
determinabilidade menor101
que as regras visto que necessitam de mediaccedilotildees concretizadoras
e as regras satildeo aplicaacuteveis diretamente c) somente os princiacutepios possuem um caraacuteter
estruturante na sistemaacutetica das fontes do direito d) os princiacutepios funcionam como
fundamentos das regras juriacutedicas frente a sua natureza normogeneacutetica e) ao passo que as
regras congregam conteuacutedo meramente funcional os princiacutepios se aproximam mais da ideia
de direito ao se estruturarem como standards vinculantes e radicados nas exigecircncias de
justiccedila e f) para o conflito entre regras a hermenecircutica conta com os conhecidos cacircnones da
anterioridade especialidade e hierarquia enquanto aos princiacutepios eacute permitida a colisatildeo que se
resolve pela preponderacircncia de um sobre outro agrave cada caso102
Ultrapassados os toacutepicos anteriores faz-se necessaacuterio fechar o raciociacutenio desenvolvido
sob agrave oacutetica especiacutefica das diferentes facetas que o direito agrave sauacutede pode assumir para soacute entatildeo
analisar a problemaacutetica concernente a eficaacutecia do cunho prestacional dos direitos sociais e
suas implicaccedilotildees no que refere-se ao direito agrave sauacutede
324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio
A partir das bases construiacutedas nos toacutepicos anteriores pode-se afirmar que o direito agrave
sauacutede por consistir em um direito fundamental social apresenta uma dimensatildeo objetiva e
subjetiva bem como uma dupla fundamentalidade (formal e material) enquadrando-se
predominantemente103
na categoria de direito agrave prestaccedilatildeo
A descriccedilatildeo dessas caracteriacutesticas jaacute foi trabalhada acima fazendo-se necessaacuterio
contudo um maior detalhamento com relaccedilatildeo a fundamentalidade material do direito agrave sauacutede
antes de adentrar em alguns aspectos especiacuteficos do direito agrave sauacutede
Pois bem foi dito que o sentido material da fundamentalidade dos direitos
fundamentais liga-se agrave importacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional e nesse
contexto o direito agrave sauacutede pela sua niacutetida interdependecircncia e muacutetua conformaccedilatildeo com o
101
O traccedilo da indeterminabilidade dos princiacutepios eacute uma das grandes marcas distintivas dos mesmos frente agraves
regras na visatildeo de Manuel Atienza e Ruiz Manero DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional no
Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 77 102
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 1160 103
Conforme seraacute analisado mais a frente o direito agrave sauacutede abarca diferentes posiccedilotildees juriacutedico-subjetivas quanto
ao particular e tambeacutem pode ser encarado como um dever fundamental
62
direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana apresenta relevacircncia iacutempar no ordenamento
constitucional brasileiro visto que funciona como autecircntico pressuposto agrave fruiccedilatildeo dos demais
direitos
A calhar portanto o seguinte questionamento como falar em vida humana digna se
em diversas situaccedilotildees a ausecircncia de sauacutede acarreta inevitavelmente a morte do indiviacuteduo
Nesse sentido natildeo foi agrave toa que a Constituiccedilatildeo paacutetria cuidou de dar um tratamento especial104
ao direito agrave sauacutede chegando ao ponto de delimitar sob um vieacutes orccedilamentaacuterio que devem ser
disponibilizados e respeitados pelos entes estatais na realizaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos
de sauacutede certos valores miacutenimos sob pena de severas restriccedilotildees ao ente recalcitrante podendo
ensejar ateacute mesmo a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e desses em seus Municiacutepios105
Feito esse reforccedilo eacute importante destacar alguns aspectos referentes ao conteuacutedo do
direito agrave sauacutede em si passando pela anaacutelise de seus titulares e destinataacuterios bem como as
diferentes facetas que esse pode assumir tanto sob o prisma de direito subjetivo como dever
fundamental
Jaacute foi visto no capiacutetulo 2 do presente trabalho que a CF de 1988 alinhou-se agrave
concepccedilatildeo mais abrangente do direito agrave sauacutede (propostas pela OMS) abarcando em seu
conteuacutedo tanto seu caraacuteter eminentemente curativo quanto as dimensotildees preventiva e
promocional106
Noutro poacutertico defende-se que o nuacutecleo central do conceito de sauacutede reside na exata
noccedilatildeo de qualidade de vida que para aleacutem de uma percepccedilatildeo holiacutestica congloba conteuacutedos
proacuteprios agraves teorias poliacutetica e juriacutedica contemporacircneas de modo a vislumbrar a sauacutede como um
verdadeiro direito de cidadania que projeta a pretensatildeo difusa de natildeo apenas curar e evitar
doenccedilas mas de ter uma vida saudaacutevel Isto expressa um anseio de toda a sociedade como
direito a um conjunto de benefiacutecios que fazem parte da vida urbana107
o que em uacuteltima
anaacutelise alinha-se agrave ideia jaacute exposta de ldquointersetorialidaderdquo do direito agrave sauacutede e sua
interdependecircncia com diversos direitos como a vida a moradia a alimentaccedilatildeo e o trabalho
104
De se reiterar que conforme explicita a CF os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede satildeo de relevacircncia puacuteblica fato que
acentua natildeo soacute o caraacuteter indisponiacutevel do direito agrave sauacutede com a possibilidade de sua tutela ser realizada em
termos de direito subjetivo na via individual e coletiva como tambeacutem seu vieacutes objetivo na condiccedilatildeo de
garantia institucional consubstanciado em si mesmo no SUS 105
Tal reforccedilo de fundamentalidade tambeacutem eacute feito com o direito agrave educaccedilatildeo ao passo que tambeacutem deve ser
observado pelos entes estatais um miacutenimo a ser aplicado na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino 106
Nesse sentido facilmente perceptiacutevel que quando a CF em seu artigo 196 usou o termo ldquorecuperaccedilatildeordquo estava
tratando da sauacutede curativa quando utilizou os termos ldquoreduccedilatildeo do risco de doenccedilardquo e ldquoproteccedilatildeordquo reportou-se agrave
sauacutede preventiva e finalmente ao mencionar ldquopromoccedilatildeordquo e ldquomais alto niacutevel possiacutevel de sauacutederdquo atrelou-se agrave
dimensatildeo promocional do direito agrave sauacutede e o dever de progressividade na sua efetivaccedilatildeo 107
MORAIS Joseacute Luis Bolzan de O direito da sauacutede In SCHWARTZ Germano (Org) A sauacutede sob os
cuidados do direito Passo Fundo UPF 2003b p 23
63
Quanto agrave titularidade do direito fundamental agrave sauacutede depreende-se frente ao seu
caraacuteter universal delineado tanto na CF quanto na legislaccedilatildeo que trata do SUS que o mesmo eacute
reconhecido a todos pelo simples fato de serem pessoas afastando-se ultrapassadas teses que
o restringia aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiacutes prevalecendo nas poliacuteticas
puacuteblicas do paiacutes assim o caraacuteter inclusivo de tal direito Noutro poacutertico relevante destacar
que a caracterizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede como direito coletivo ou em certas hipoacuteteses difuso
natildeo afasta a titularidade individual do mesmo em um contexto em que apesar de mais
beneacutefica a priorizaccedilatildeo de sua tutela processual pela via coletiva natildeo pode ser abandonada a
condiccedilatildeo da sauacutede como direito individual interligado agrave vida integridade fiacutesica e dignidade de
cada um108
Delimitado o conteuacutedo do direito agrave sauacutede pelo menos de maneira geneacuterica109
e a
abrangecircncia de seus titulares e destinataacuterios faz-se relevante analisar as diferentes facetas que
este pode assumir no ordenamento paacutetrio Nessa questatildeo o ponto de partida estaacute no iniacutecio do
caput do art 196 da CF o qual afirma que ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado ()rdquo
revelando que a tutela da sauacutede efetiva-se tambeacutem como dever fundamental por tratar-se de
tiacutepica hipoacutetese de direito-dever
Nesse contexto resta evidenciado que aleacutem de apresentar diferentes dimensotildees
juriacutedico-subjetivas a sauacutede tambeacutem eacute encarada antes de tudo como dever110
natildeo somente
cogente no campo das relaccedilotildees individuais (dever geral de respeitar a sauacutede dos demais e ateacute
mesmo a proacutepria) mas tambeacutem e principalmente no acircmbito das relaccedilotildees para com o Estado
dando origem a uma seacuterie de deveres de cunho poliacutetico (como o dever de implementar as
poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea de sauacutede e alocar recursos orccedilamentaacuterios conforme os patamares
miacutenimos estabelecidos na CF) bem como de cunho econocircmico social cultural e ambiental
como a intervenccedilatildeo do Estado na esfera dos planos de sauacutede privados a implementaccedilatildeo de
programas sociais de sauacutede e o controle da poluiccedilatildeo111
108
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 10 109
A tentativa de esmiuccedilar quais prestaccedilotildees miacutenimas abrangeriam o direito agrave sauacutede (o que vai aleacutem da simples
constataccedilatildeo de que o mesmo abarca as dimensotildees preventiva curativa e promocional) seraacute objeto de anaacutelise mais
a frente no capiacutetulo que trata da tentativa de construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave
sauacutede 110
Natildeo eacute demais relembrar que norteado pelo princiacutepio da solidariedade a Lei do SUS reforccedila que o dever
fundamental de proteccedilatildeo da sauacutede pelo Estado natildeo exclui o das pessoas da famiacutelia das empresas e da sociedade
podendo-se falar em uma responsabilidade compartilhada cujos efeitos se protejam no presente e sobre as
geraccedilotildees futuras 111
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 06
64
Ponto de suma relevacircncia para a compreensatildeo da problemaacutetica da efetividade do
direito agrave sauacutede eacute a compreensatildeo das diferentes dimensotildees juriacutedico-subjetivas que tal direito
pode assumir Nesse sentido e retomando a classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em
direitos de defesa e prestaccedilatildeo tem-se que o direito agrave sauacutede apresenta ao mesmo tempo traccedilos
de ambas dimensotildees ora ganhando funcionalidade de tiacutepico direito de defesa ora de direito
prestacional seja sob o prisma de direitos a organizaccedilatildeo e procedimento ou a prestaccedilotildees
materiais
A faceta defensiva liga-se ao dever de proteccedilatildeo e respeito agrave sauacutede de algueacutem em um
sentido eminentemente negativo de natildeo agressatildeo e sim preservaccedilatildeo que se revela por
exemplo pela construccedilatildeo normativa penal de proteccedilatildeo agrave vida agrave integridade fiacutesica ao meio
ambiente e agrave sauacutede puacuteblica bem como pelas diversas disposiccedilotildees sobre vigilacircncia e controle
sanitaacuterio marcadamente de cunho administrativo
No vieacutes prestacional por sua vez haacute tanto um dever lato sensu de se garantir a
organizaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos procedimentos o qual eacute concretizado por exemplo pela
elaboraccedilatildeo de normas e poliacuteticas puacuteblicas de organizaccedilatildeo do SUS com suas disposiccedilotildees
atinentes agrave participaccedilatildeo da sociedade nas tomadas de decisotildees como tambeacutem um dever de o
Estado executar medidas reais e concretas no sentido de fomentar a sauacutede da populaccedilatildeo por
meio de especiacuteficas prestaccedilotildees materiais (direito agrave prestaccedilatildeo em sentido estrito)
Merece destaque aqui a analogia entre as dimensotildees mencionadas e as obrigaccedilotildees
delas derivadas no sentido de o direito agrave sauacutede compreender as obrigaccedilotildees de respeitar
proteger e implementar Desta maneira na obrigaccedilatildeo de respeitar o Estado teria por dever o
de natildeo intervir na vida do indiviacuteduo de nenhum modo a reduzir sua sauacutede aproximando-se do
aspecto defensivo na obrigaccedilatildeo de proteger caberia ao Estado o dever de resguardar a sauacutede
do indiviacuteduo contra violaccedilotildees de terceiros por meio da estruturaccedilatildeo de procedimentos de
proteccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo da legislaccedilatildeo pertinente ligando-se agrave prestaccedilatildeo em sentido amplo
e finalmente na obrigaccedilatildeo de implementar o Estado estaria incumbido de fornecer
diretamente bens e serviccedilos para suprir as necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo na aacuterea de
sauacutede consubstanciando o aspecto estrito da dimensatildeo prestacional112
112
MILANEZ Daniela O direito agrave sauacutede uma anaacutelise comparativa da intervenccedilatildeo judicial Revista de Direito
Administrativo Rio de Janeiro v 237 p 197-221 julset 2004 p 198 apud Mariana Filchtiner Direito
Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado
2007 p 89
65
Feitas tais observaccedilotildees conforme aduz Sarlet113
constata-se que no quadro
predominante na doutrina e na jurisprudecircncia nacionais natildeo se vislumbra maiores problemas
quanto ao reconhecimento da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede como direito de defesa
nem quanto a sua dimensatildeo de dever de proteccedilatildeo (essa uacuteltima abrangendo tanto a cominaccedilatildeo
de um dever geral de respeito agrave sauacutede por parte do Estado e particulares quanto a imposiccedilatildeo
de um dever de aplicaccedilatildeo minimamente razoaacutevel dos recursos orccedilamentaacuterios com base na
prescriccedilatildeo constitucional) enquanto que com relaccedilatildeo a efetivaccedilatildeo da dimensatildeo prestacional
lato sensu do direito agrave sauacutede haveria certa discussatildeo sobre a inexistecircncia ou insuficiecircncia de
medidas concretizadoras do direito agrave sauacutede (debate iacutensito ao campo do controle das omissotildees
constitucionais)
O grande problema contudo estaria no vieacutes prestacional em sentido estrito jaacute que natildeo
haacute de maneira segura no ordenamento paacutetrio uma definiccedilatildeo precisa do exato conteuacutedo das
prestaccedilotildees materiais que os particulares teriam direito tendo em vista as referecircncias constantes
na CF (cura prevenccedilatildeo promoccedilatildeo) e ateacute certo ponto no campo infralegal (integralidade do
atendimento) satildeo por demais geneacutericas
Desta forma consoante se veraacute no capiacutetulo quinto do presente estudo as dificuldades
em se delimitar quais prestaccedilotildees materiais estariam abrangidas pelo direito agrave sauacutede no
ordenamento paacutetrio acarretam em uma busca desenfreada por soluccedilotildees judiciais o que frente
agraves dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito gera inevitavelmente tensotildees e
efeitos colaterais dos mais variados trazendo-se agrave pauta discussotildees sobre legitimidade
democraacutetica do Poder Judiciaacuterio Separaccedilatildeo dos Poderes e Igualdade
Tal fato termina por acentuar a importacircncia de uma concretizaccedilatildeo da dimensatildeo
organizatoacuteria e procedimental (aspecto prestacional lato sensu) do direito agrave sauacutede buscando-se
soluccedilotildees para as dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito de modo a que pelo
menos as ldquodicasrdquo acerca de quais prestaccedilotildees materiais minimamente todo e qualquer
indiviacuteduo poderia exigir do Estado como legiacutetimo direito seu na temaacutetica da sauacutede sejam
seguramente reveladas
Eacute nesse contexto que podem ser enxergadas trecircs fases distintas na mateacuteria da
efetivaccedilatildeo dos direitos sociais e especialmente do direito agrave sauacutede (i) se primeiro falou-se em
ausecircncia de normatividade com as mudanccedilas encampadas no direito constitucional
contemporacircneo sobretudo a partir da propagaccedilatildeo dos ideais de maacutexima efetividade o
113
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 20
66
panorama modificou-se para um quadro de judicializaccedilatildeo excessiva (ii) atingindo-se
hodiernamente a fase de busca por paracircmetros e criteacuterios que sejam aptos a guiar os trecircs
poderes (com maior relevo para o Judiciaacuterio) no processo de concretizaccedilatildeo desses direitos
(iii) e nessa etapa ganha forccedila a delimitaccedilatildeo de um miacutenimo existencial na aacuterea de sauacutede
67
4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
Jaacute restou esclarecido que o direito agrave sauacutede consiste primordialmente em um direito
fundamental social que poderaacute assumir diferentes facetas quando posto frente ao Estado agraves
vezes posicionando-se como direito de defesa em outros momentos como direito a prestaccedilatildeo
residindo nessa uacuteltima hipoacutetese a grande celeuma quanto agrave sua efetividade especialmente no
que se refere agrave busca por prestaccedilotildees materiais em sauacutede puacuteblica
Mas o que vem a ser efetividade A resposta para tal questionamento estaacute inserida no
contexto do constitucionalismo contemporacircneo e o consequente reconhecimento da forccedila
normativa agraves normas constitucionais a qual fez nascer no Brasil o movimento juriacutedico-
acadecircmico da doutrina brasileira da efetividade O maior objetivo desta doutrina foi o de
superar o quadro de insinceridade normativa que insistia em natildeo dar cumprimento agrave
Constituiccedilatildeo mediante a elaboraccedilatildeo de categorias dogmaacuteticas da normatividade
constitucional no intuito de tornar as normas constitucionais aplicaacuteveis direta e
imediatamente respeitando a maacutexima extensatildeo de sua densidade normativa114
A essecircncia da ideia de efetividade portanto reside no raciociacutenio de que se tal norma
encontra-se inserida na Constituiccedilatildeo estaacute por algum motivo e por isso deve ter seu comando
cumprido Desta maneira o atributo da imperatividade ao respaldar a noccedilatildeo de que natildeo eacute
tiacutepico de uma norma juriacutedica simplesmente sugerir ou recomendar algo alinha-se agrave defesa
pela maacutexima efetividade das normas constitucionais marcante no cenaacuterio neoconstitucional
vigente
A ideia de maacutexima efetividade contribuiu por sua vez para derrubar no cenaacuterio paacutetrio
certos pensamentos arcaicos ainda atrelados ao contexto positivista Nessa toada no plano
juriacutedico alcanccedilou-se a defesa por uma normatividade plena da Constituiccedilatildeo que passou a ter
aplicabilidade direta e imediata tornando-se autecircntica fonte direta de direitos e obrigaccedilotildees o
que terminou por contribuir para o desenvolvimento da eficaacutecia horizontal dos direitos
fundamentais bem como para a eliminaccedilatildeo da noccedilatildeo de normas programaacuteticas como meros
conselhos ou recomendaccedilotildees a serem seguidas conforme os limites estatais
Ainda no plano dogmaacutetico a maacutexima efetividade colaborou para ao reconhecimento
de maior autonomia ao direito constitucional por melhor esclarecer e reforccedilar seu objeto
proacuteprio afastando-se do vieacutes puramente poliacutetico ou socioloacutegico que enfraquecia as bases de
114
BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento
gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15
Uberaba-MG 2008 p5
68
tal direito E finalmente no plano institucional a doutrina em anaacutelise cooperou para a
ascensatildeo do Judiciaacuterio no paiacutes que terminou ganhando um papel de maior destaque na
concretizaccedilatildeo dos direitos constitucionais ponto que seraacute melhor abordado no capiacutetulo
seguinte do presente estudo
Por tais motivos que Barroso115
destaca a efetividade como o mecanismo que
viabilizou a passagem do velho para o novo direito constitucional e que contribuiu para que a
Constituiccedilatildeo deixasse de ser vista como uma miragem com as honras de uma falsa
supremacia natildeo tradutora de proveito para a cidadania
Feitas tais observaccedilotildees antes de avanccedilar na problemaacutetica faz-se necessaacuterio tambeacutem
alguns esclarecimentos sobre a noccedilatildeo de eficaacutecia juriacutedica dos enunciados normativos
constitucionais e a identificaccedilatildeo das modalidades de eficaacutecia que seratildeo mais pertinentes na
temaacutetica da concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Nesse ponto tem-se que eficaacutecia juriacutedica pode ser considerado um atributo pertinente
aos enunciados normativos consistindo naquilo que se pode exigir (judicialmente caso
necessaacuterio) com fundamento em cada um desses proacuteprios enunciados o que conforme se
veraacute dependendo da situaccedilatildeo em questatildeo natildeo seraacute tarefa faacutecil
Infere-se da noccedilatildeo acima exposta que o exame do grau de eficaacutecia de determinada
norma pressupotildee portanto um trabalho hermenecircutico de identificaccedilatildeo do exato efeito e
alcance que o comando normativo pretende produzir e quais condutas satildeo imperiosas para
tornar real determinado enunciado normativo ou seja quais comportamentos acarretaratildeo
efeitos praacuteticos no mundo dos fatos
Pois bem quanto agraves possiacuteveis modalidades de eficaacutecia juriacutedica o presente trabalho se
filia agraves liccedilotildees de Ana Paula Barcellos que identifica em ordem decrescente de consistecircncia
(ou seja de aptidatildeo a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo no acircmbito da realidade) as
seguintes modalidades i simeacutetrica ou positiva ii nulidade iii ineficaacutecia iv anulabilidade
v negativa vi vedativa do retrocesso vi Penalidade vii interpretativa e viii outras116
Na temaacutetica da eficaacutecia do direito agrave sauacutede merece especial atenccedilatildeo as modalidades
simeacutetrica ou positiva negativa vedativa do retrocesso e interpretativa A modalidade
simeacutetrica eacute a mais apta a produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo visto
que utiliza a forma baacutesica em mateacuteria de eficaacutecia juriacutedica calcada no conferimento de um
115
BARROSO Luiacutes Roberto A doutrina brasileira da efetividade In Temas de direito constitucional Rio de
Janeiro Renovar 2005 v 3 p 76 116
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 77
69
direito subjetivo para aquele que seria beneficiado pela realizaccedilatildeo dos efeitos da norma e natildeo
o foi respaldando a exigecircncia judicial pelo mesmo dos referidos efeitos117
Por sua vez as modalidades negativa vedativa do retrocesso e interpretativa
consistem em mecanismos desenvolvidos pela doutrina para garantir uma maior capacidade
normativa para os princiacutepios Nesse passo a negativa refere-se agrave possibilidade de declaraccedilatildeo
da invalidade de normas ou atos que contrariem os efeitos pretendidos por determinado
enunciado normativo o que respaldaria por exemplo que determinada lei viesse a ser
declarada inconstitucional caso suas disposiccedilotildees se apresentassem conflitantes com o acesso
universal agrave sauacutede genericamente citado no art 196 da CF118
De maneira sucinta a modalidade vedativa do retrocesso pressupotildee a ideia de que os
direitos fundamentais devem ser regulamentados infra constitucionalmente sempre se
buscando sua ampliaccedilatildeo progressiva e nesse contexto caso haja uma regulamentaccedilatildeo que
proporcione a aplicaccedilatildeo direta da constituiccedilatildeo no mundo dos fatos uma posterior revogaccedilatildeo
dessa regulamentaccedilatildeo seria considerado um verdadeiro passo pra traacutes significando um
retrocesso do legislador infraconstitucional que colidiria com a proacutepria norma
constitucional119
Jaacute a modalidade interpretativa abrange a possibilidade de se exigir do Judiciaacuterio que os
comandos infraconstitucionais sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a
que estatildeo vinculados no intuito de verificar qual forma de interpretaccedilatildeo dentre as possiacuteveis
melhor realiza a norma de maior hierarquia120
Depreende-se portanto que a eficaacutecia positiva deveraacute ser a modalidade associada em
regra aos enunciados normativos em geral salvo quando haja razotildees consistentes em
contraacuterio Nesse ponto quando diante de normas que exprimam uma essecircncia principioloacutegica
seratildeo relevantes sobretudo as modalidades negativa vedativa de retrocesso e interpretativa
visto que representam um siacutembolo do consideraacutevel avanccedilo no esforccedilo pela construccedilatildeo da
normatividade dos princiacutepios constitucionais
Feitas tais observaccedilotildees que seratildeo relevantes quando for estudada a intervenccedilatildeo
judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute imperioso deixar claro que os conceitos acima
tratados natildeo se confundem Enquanto a eficaacutecia juriacutedica diz respeito agravequilo que se pode exigir
judicialmente com fundamento na norma ligando-se agrave noccedilatildeo de exigibilidade a efetividade
117
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 78 118
Idem p84 119
Idem p 88 120
Idem p 97
70
pode ser encarada como a eficaacutecia social da norma jaacute que significa a realizaccedilatildeo ou
materializaccedilatildeo no mundo dos fatos dos preceitos legais simbolizando o niacutevel de
aproximaccedilatildeo entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social121
Assentadas as noccedilotildees de eficaacutecia e efetividade faz-se necessaacuterio deixar esclarecidos
alguns aspectos acerca da eficaacutecia e aplicabilidade dos direitos fundamentais especialmente
os sociais
41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Jaacute foi detalhado no presente estudo que a melhor classificaccedilatildeo para os direitos
fundamentais eacute a que divide os mesmos em direitos de defesa e direitos a prestaccedilatildeo vigorando
o entendimento calcado nos ideais de maacutexima efetividade da Constituiccedilatildeo de que toda e
qualquer norma constitucional eacute dotada de certo grau de eficaacutecia juriacutedica e aplicabilidade
concluindo-se nesse passo que em que pese natildeo haver dispositivo constitucional
completamente destituiacutedo de eficaacutecia eacute certo que haacute uma diferente gradaccedilatildeo na carga
eficacial de cada norma a depender da funccedilatildeo que a mesma cumpra no sistema constitucional
e da forma que foram positivadas
Nesse contexto baseando-se na Teoria dos Princiacutepios (jaacute tambeacutem antes detalhada) de
que a Constituiccedilatildeo consiste em um sistema aberto de regras e princiacutepios (como espeacutecies de
norma) pode-se afirmar que haacute na Constituiccedilatildeo um autecircntico complexo heterogecircneo de
normas e dentre elas normas definidoras de direitos fundamentais umas com maior
densidade normativa e maior carga de eficaacutecia outros com menos completude normativa
configurando planos de eficaacutecia imediata mais limitados
Dito isto faz-se primordial para a compreensatildeo do raciociacutenio que aqui estaacute sendo
desenvolvido a exata noccedilatildeo do sentido e alcance da norma contida no sect 1deg do artigo 5deg da
CF de 1988 o qual afirma que ldquoas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tecircm
aplicaccedilatildeo imediatardquo 122
Quanto a essa questatildeo antes de tudo deve ser afastada a ideia de que
tal dispositivo teria sua aplicaccedilatildeo adstrita apenas ao rol de direitos do artigo quinto
defendendo-se a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que o mesmo abrange
indistintamente todos os direitos fundamentais constantes na CF de 1988 abarcando os
121
BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro
Renovar 2006 p 23
71
direitos poliacuteticos de nacionalidade sociais bem como os individuais espalhados pelo seu
texto
Assentada tal premissa que se coaduna com o caraacuteter materialmente aberto do texto
constitucional brasileiro pode ser defendido que a melhor exegese do dispositivo em anaacutelise eacute
a que o entende como uma norma de cunho principioloacutegico configurando-se desta feita
como um mandado de maximizaccedilatildeo visto que estabelece para os oacutergatildeos estatais o dever de
reconhecerem e implementarem maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais sendo
certo que o grau de aplicabilidade e eficaacutecia (ou seja seu alcance) dependeraacute do exame da
hipoacutetese em concreto ou seja da norma de direito fundamental em pauta123
Daiacute falar-se em presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena das
normas de direitos fundamentais o que outorga agraves mesmas efeitos reforccedilados relativamente agraves
demais normas constitucionais ao passo que tal presunccedilatildeo decorre da jaacute estudada
fundamentalidade formal dos direitos fundamentais no acircmbito da Constituiccedilatildeo Isto induz agrave
premissa de que os direitos e princiacutepios fundamentais norteados pela pedra angular do
ordenamento a dignidade da pessoa humana regem a proacutepria ordem constitucional
Resumindo a construccedilatildeo do entendimento do exposto jaacute foi visto que
i toda norma constitucional possui um miacutenimo de eficaacutecia
ii o sect 1deg do artigo 5degda CF de 1988 aplica-se a todos os direitos fundamentais e
possui natureza marcadamente principioloacutegica significando que cabe ao Estado
reconhecer maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais
iii a depender da norma em pauta haveraacute um escalonamento da carga eficacial de
cada direito em anaacutelise
Aplicando esse raciociacutenio agrave classificaccedilatildeo de direitos fundamentais de defesa e
prestacionais tem-se que para os direitos de defesa a tarefa dada ao Estado de garantir a
maior eficaacutecia possiacutevel eacute de certo modo mais simples jaacute que tais direitos apresentam em
regra funccedilatildeo tipicamente defensiva cuja estrutura normativa reclama uma abstenccedilatildeo sem
necessitar a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo legislativa integradora ostentando suficiente
normatividade para respaldar sua exigibilidade em juiacutezo
Aqui eacute pertinente a ressalva jaacute feita anteriormente de que em que pese a viabilizaccedilatildeo
dos direitos de defesa ser uma tarefa mais faacutecil para o Estado isso natildeo significa que natildeo
importaratildeo em custos ao mesmo jaacute que a maacutexima de que somente os direitos prestacionais
necessitam de aporte financeiro do Estado eacute uma inverdade pois a perfeita fruiccedilatildeo dos
123
SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 p 246
72
direitos de defesa carece de uma ampla estruturaccedilatildeo estatal que requer altos custos bastando
como exemplo os gastos com seguranccedila puacuteblica e sistema eleitoral
Quanto aos direitos prestacionais jaacute foi visto que estes se subdividem em direitos a
prestaccedilotildees em sentido amplo (que abarca a proteccedilatildeo e participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e
procedimento voltadas agrave garantia da liberdade e igualdade do Estado) e em sentido estrito
(que abrange os direitos a prestaccedilotildees sociais materiais tiacutepicas do Estado Social ou
Democraacutetico de Direito) sendo inegaacutevel que a mencionada tarefa estatal em conferir a
maacutexima eficaacutecia e aplicabilidade possiacutevel aos direitos fundamentais resta mais dificultada
quanto aos mesmos pelo fato de requererem uma atuaccedilatildeo integradora uma conduta positiva
por parte do Estado
Nessa uacuteltima classificaccedilatildeo encontram-se os direitos sociais cuja problemaacutetica dos
custos envolvidos eacute bem mais severa e incrusta-se na celeuma acerca de sua eficaacutecia sendo
certo que ainda que precisem em princiacutepio de integraccedilatildeo normativa e accedilotildees estatais para
serem concretizados tais direitos apresentam cargas eficaciais no sentido de i revogar os
atos normativos anteriores contraacuterios ao seu conteuacutedo ii vincular o legislador a concretizar
os seus fins nos exatos termos constitucionais iii constituir paracircmetros para interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas iv originar direito subjetivo de cunho negativo no sentido de
exigir que o Estado se abstenha de atuar em contrariamente a norma de direito social e v
impedir que o legislador venha a abolir posiccedilotildees juriacutedicas por ele mesmo jaacute conferidas em um
contexto de aplicaccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso social124
Feitas tais observaccedilotildees jaacute foi esclarecido que o direito agrave sauacutede aleacutem de dever
fundamental apresenta facetas tanto de direito de defesa quanto de prestacional e nesse
ponto a depender da forma que esteja sendo o mesmo analisado concretamente poderaacute
incidir tanto o raciociacutenio acima desenvolvido quanto a eficaacutecia dos direitos de defesa quanto
aos de prestaccedilatildeo
Contudo a grande problemaacutetica com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede reside no seu aspecto
de direito prestacional em sentido estrito e a consequente possibilidade de serem reconhecidos
direitos subjetivos originaacuterios a prestaccedilotildees O ponto nevraacutelgico dessa celeuma estaacute
exatamente na dificuldade de se delimitar o que seria exatamente abrangido pelo direito agrave
sauacutede com base na CF de 1988 tarefa que se desenvolve em meio a condicionamentos
econocircmico-financeiros (como eacute o caso da reserva do possiacutevel) e juriacutedico-poliacuteticos (como eacute a
124
Tais conclusotildees por sua vez coadunam-se com a construccedilatildeo de pensamento de Ana Paula Barcellos quanto
aos niacuteveis de eficaacutecia tiacutepicos das normas de matriz principioloacutegica que abrangem o niacutevel interpretativo vedativo
de retrocesso e negativo
73
questatildeo da legitimidade poliacutetica separaccedilatildeo dos poderes e iniciativa em mateacuteria orccedilamentaacuteria)
que dificultam o consenso na mateacuteria
Da simples leitura dos dispositivos constitucionais que tratam do direito agrave sauacutede natildeo
haacute como afirmar com perfeita clareza quais situaccedilotildees estariam seguramente abarcadas por tal
direito sendo certo poreacutem que uma interpretaccedilatildeo que venha a concluir pela inclusatildeo de toda e
qualquer prestaccedilatildeo material ligada agrave sauacutede com inerente a tal direito acarretaraacute em graves
efeitos colaterais tanto para as demais prioridades do Estado como tambeacutem para a proacutepria
sauacutede dos demais cidadatildeos daiacute porque falar-se na necessidade de delimitaccedilatildeo de um miacutenimo
existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede igualitaacuterio e exigiacutevel por todos
Eacute nesse contexto pois que ganha destaque a discussatildeo sobre o possiacutevel embate entre a
noccedilatildeo de miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel
42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO
POSSIacuteVEL
Na tarefa de se interpretar o direito constitucional eacute preciso ir aleacutem dos elementos
meramente juriacutedicos para se apurar dados da realidade e nessa empreitada a perquiriccedilatildeo
acerca da existecircncia efetiva de condiccedilotildees materiais e financeiras para a realizaccedilatildeo dos
comandos normativos eacute de suma relevacircncia para a constataccedilatildeo do grau de realizaccedilatildeo que cada
um deles poderaacute assumir visto que a inexistecircncia de tais condiccedilotildees ocasiona um quadro de
insinceridade normativa125
que deve ser combatido atraveacutes dos instrumentos de combate agrave
siacutendrome da omissatildeo estatal
Nesse trabalho de apuraccedilatildeo sobre a existecircncia ou natildeo de condiccedilotildees materiais e
financeiras para garantir a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute certa e inevitaacutevel a
loacutegica de que as necessidades seratildeo sempre ilimitadas ao passo que os recursos seratildeo
limitados e por isso em algum momento deveraacute ser enfrentada a circunstacircncia de haver ou
natildeo disponibilidade de recursos para atender as prestaccedilotildees pleiteadas Eacute esse o contexto que
circunda a ideia do instituto popularizado por reserva do possiacutevel
A teoria da reserva do possiacutevel exprime no ordenamento paacutetrio a ideia de que aleacutem
das discussotildees juriacutedicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Poder Puacuteblico os direitos
a prestaccedilotildees materiais estariam sob a reserva da capacidade financeira do Estado dependendo
portanto da efetiva disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado sintetizados
125
BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro
Renovar 2006 p 56
74
no campo do orccedilamento puacuteblico126
Tal teoria abrange duas dimensotildees baacutesicas uma faacutetica
ligada propriamente agrave noccedilatildeo de limitaccedilatildeo dos recursos materiais aproximado da exaustatildeo
orccedilamentaacuteria e uma juriacutedica atrelada ao poder de disposiccedilatildeo e competecircncia para decidir e
determinar sobre a alocaccedilatildeo dos recursos existentes para determinada mateacuteria127
Antes de avanccedilar eacute importante esclarecer que a noccedilatildeo de reserva do possiacutevel teve sua
origem em um julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional alematildeo em que
analisando demanda proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos em escolas de
medicina de Hamburgo e Munique frente a limitaccedilatildeo de vagas e pleiteavam o aumento do
nuacutemero destas decidiu que o direito agrave prestaccedilatildeo positiva do Estado encontra-se sujeito agrave
reserva do possiacutevel no sentido daquilo que o indiviacuteduo pode razoavelmente esperar de
maneira racional da sociedade atrelando-se a argumentaccedilatildeo portanto agrave razoabilidade da
pretensatildeo128
A teoria da reserva do possiacutevel assim tal qual sua origem diferentemente da
interpretaccedilatildeo transposta para o Brasil129
natildeo se refere unicamente agrave anaacutelise acerca da
existecircncia ou natildeo de recursos suficientes para a concretizaccedilatildeo do direito social em exame
(aliada a previsatildeo orccedilamentaacuteria da respectiva despesa) mas agrave razoabilidade da pretensatildeo
deduzida com vistas a sua efetivaccedilatildeo
126
KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha os (des)caminhos de um
direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Fabris 2002 p 52 127
Explicando tal distinccedilatildeo Marcos Masseli Gouvecirca assevera que ldquoDiversamente das omissotildees estatais as
prestaccedilotildees positivas demandam um dispecircndio ostensivo de recursos puacuteblicos Ao passo em que estes recursos
satildeo finitos o espectro de interesses que procuram suprir eacute ilimitado razatildeo pela qual nem todos estes interesses
poderatildeo ser erigidos agrave condiccedilatildeo de direitos exigiacuteveis A doutrina denomina reserva do possiacutevel faacutetica a este
contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais Muitas vezes os recursos
financeiros ateacute existem poreacutem natildeo haacute previsatildeo orccedilamentaacuteria que os destine agrave consecuccedilatildeo daquele interesse ou
licitaccedilatildeo que legitime a aquisiccedilatildeo de determinado insumo eacute o que se denomina reserva do possiacutevel juriacutedicardquo In
GOUVEcircA Marcos Masseli O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos Disponiacutevel em
httpwwwnagibnettextovaried_16doc Acessado em 09052013 128
MAcircNICA Fernando Borges Teoria da reserva do possiacutevel direitos fundamentais a prestaccedilotildees e a
intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas In Revista Eletrocircnica sobre a
Reforma do Estado (RERE) ndeg 21 2010 Salvador p 11 129
Sobre a problemaacutetica da importaccedilatildeo descompromissada de institutos do direito comparado Canotilho pondera
que ldquoo cerne do problema estaacute na abertura de uma nova frente de ativismo judicial desencadeada pela utilizaccedilatildeo
de fontes estrangeiras inseridas nos dicta das sentenccedilas como standards de direito comparado ou de direito
internacional A anaacutelise comparada ndash afirma o juiz Scalia o mais veemente e caustico opositor da ldquoimportaccedilatildeo
de normasrdquo pode ser relevante quando se procede agrave redaccedilatildeo do texto de uma constituiccedilatildeo como foi demonstrado
pelos autores de The Federalist amplamente familiarizados com literatura estrangeira mas essa anaacutelise revela-se
desadequada e indesejada quando se trata de interpretar e aplicar a lei nos casos concretos CANOTILHO Joseacute
Joaquim Gomes O ativismo judiciaacuterio entre nacionalismo a globalizaccedilatildeo e a pobreza In MOURA Lenice S
Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo
Paulo Saraiva 2009 p 48
75
Assentada a maneira que ocorre a leitura da teoria da reserva do possiacutevel em solo
paacutetrio130
tem-se que quanto agrave delimitaccedilatildeo conceitual do que vem a ser reserva do possiacutevel
natildeo existe um posicionamento uniacutessono na doutrina ao passo que alguns consagram o
instituto como princiacutepio outros como claacuteusula ou postulado e outros como condiccedilatildeo de
realidade Sem entrar detidamente na discussatildeo apoiando-se no posicionamento defendido
dentre outros por Ana Carolina Lopes Olsen o presente estudo compreende o instituto como
um elemento extra juriacutedico de condiccedilatildeo de realidade que influencia na aplicaccedilatildeo dos direitos
fundamentais131
Esclarecendo melhor tal posicionamento parte da conclusatildeo pela inadequaccedilatildeo de
classificar a reserva do possiacutevel como espeacutecie normativa (princiacutepio) ou postulado (autecircntica
meta-norma) frente a ausecircncia tanto de passividade de otimizaccedilatildeo quanto de natureza
normogeneacutetica132
excluindo-se tambeacutem o raciociacutenio de que poderia ser encarado como uma
regra jaacute que natildeo se apresenta como um norma de efeitos gerais especificada no ordenamento
paacutetrio nem funciona sobre a loacutegica do ldquotudo ou nadardquo
A partir dessa compreensatildeo deve se ter em mente que a advertecircncia propugnada por
essa teoria tem por objetivo primordial natildeo a limitaccedilatildeo de direitos em si mas em verdade a
plena conformaccedilatildeo da realizaccedilatildeo dos mesmos ao que eacute possiacutevel faticamente a partir das
possibilidades econocircmicas do Estado levando-se em consideraccedilatildeo o contexto da gradualidade
de realizaccedilatildeo associada ao natildeo retrocesso social A ideia de um processo gradualiacutestico-
concretizador portanto se coaduna com a questatildeo das disponibilidades orccedilamentaacuterias do
Estado mas ao mesmo tempo dita o passo de como esta disponibilidade deve
progressivamente ser utilizada facilitando o controle acerca da efetiva concretizaccedilatildeo do texto
constitucional
Nesse contexto a reserva do possiacutevel apesar de se inserir na conjuntura macro em que
estatildeo englobados os direitos sociais a prestaccedilotildees materiais (marcada pela gradualidade de
realizaccedilatildeo dependecircncia financeira em relaccedilatildeo ao Estado e tendencial liberdade de
conformaccedilatildeo do legislador quanto agraves poliacuteticas para realizaacute-los) aleacutem de natildeo implicar em grau
130
Nesse ponto eacute relevante defender a necessidade aleacutem do aspecto puramente financeiro de perquiriccedilatildeo da
razoabilidade da reivindicaccedilatildeo levando-se em consideraccedilatildeo elementos como o grau de essencialidade do direito
fundamental em questatildeo as condiccedilotildees pessoais e financeiras dos envolvidos e a eficaacutecia da providecircncia judicial
almejada 131
OLSEN Ana Carolina Lopes A eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais frente agrave reserva do possiacutevel
Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito UFPR Curitiba 2006 p 37 132
Reforccedila-se a ideia de que a reserva do possiacutevel propriamente natildeo eacute ponderada mas sim a situaccedilatildeo de
escassez de recursos apresentada por ela com o comando normativo do direito fundamental social em exame
76
nulo de vinculatividade juriacutedica do direito em questatildeo133
natildeo se limita somente aos direitos
sociais jaacute que estes natildeo satildeo os uacutenicos a custar dinheiro
Mais uma vez retomam-se os ensinamentos referentes aos custos dos direitos no
sentido de desmistificar a maacutexima de que a teoria da reserva do possiacutevel soacute seria aplicada em
casos de sindicabilidade dos direitos sociais sustentando que os direitos individuais e poliacuteticos
tambeacutem demandam gastos por parte do poder puacuteblico bastando imaginar os gastos com
poliacutecia e bombeiros que garantem o direito agrave vida e propriedade bem como os custos com o
aparato judicial que se destina a proteger diversos direitos individuais
Desta maneira por existir um custo inerente a qualquer espeacutecie de direito ainda que
em grau diferenciado deve ser afastada a utilizaccedilatildeo da maacutexima de que por demandarem
accedilotildees estatais que custam dinheiro os direitos sociais devem ser imaginados sempre sobre o
manto de uma ideia de limitaccedilatildeo como se tal afirmaccedilatildeo bastasse como um argumento
maacutegico Como visto a proteccedilatildeo dos direitos individuais e poliacuteticos tambeacutem demandam
recursos poreacutem a distinccedilatildeo eacute que os efeitos da ausecircncia de tais recursos para esses direitos
natildeo satildeo tatildeo sentidos na praacutetica como ocorre nos casos de falta com relaccedilatildeo aos direitos
sociais especialmente o direito agrave sauacutede
Nesse raciociacutenio eacute certo que o exame sobre a vaacutelida utilizaccedilatildeo134
do argumento da
reserva do financeiramente possiacutevel passa pela necessidade de ocorrecircncia da perfeita
comprovaccedilatildeo de efetiva ausecircncia de recursos orccedilamentaacuterios configuradora do quadro de
exaustatildeo orccedilamentaacuteria natildeo sendo suficiente a mera e automaacutetica alegaccedilatildeo de inexistecircncia
destes135
133
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual
dos direitos econocircmicos sociais e culturaisrdquo In Estudos sobre Direitos Fundamentais Coimbra Ed
Coimbra 2004 p 108 134
Corroborando Artur Cortez Bonifaacutecio assevera que ldquoA motivaccedilatildeo requer adequaccedilatildeo agrave legalidade
constitucional ou seja a lei embasadora da escolha administrativa deve-se encontrar respaldada pela
Constituiccedilatildeo Por isso se afasta o acolhimento de alegaccedilatildeo pelo Executivo de natildeo efetivaccedilatildeo dos direitos
subjetivos fundamentais de matiz social pela falta de recursos orccedilamentaacuterios quando natildeo devidamente motivada
a denegaccedilatildeo do administrador BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional internacional e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 115-116 135
Nesse sentido Celso de Mello aponta que ldquo() os condicionamentos impostos pela claacuteusula da bdquoreserva do
possiacutevel‟ ao processo de concretizaccedilatildeo dos direitos de segunda geraccedilatildeo ndash de implantaccedilatildeo sempre onerosa -
traduzem-se em um binocircmio que compreende de um lado (1) a razoabilidade da pretensatildeo individualsocial
deduzida em face do Poder Puacuteblico e de outro (2) a existecircncia de disponibilidade financeira do Estado para
tornar efetivas as prestaccedilotildees dele reclamadas Desnecessaacuterio acentuar-se considerado o encargo governamental
de tornar efetiva a aplicaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais que os elementos componentes do
mencionado binocircmio (razoabilidade da pretensatildeo + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se
de modo afirmativo e em situaccedilatildeo de cumulativa ocorrecircncia pois ausente qualquer desses elementos
descaracterizar-se-aacute a possibilidade estatal de realizaccedilatildeo praacutetica de tais direitos (ADPF 45 MC DF Rel Min
Celso de Mello Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12)
77
Merece destaque tambeacutem o fato de que a limitaccedilatildeo de recursos gera fatalmente uma
inevitaacutevel priorizaccedilatildeo de escolhas visto que se o contingente orccedilamentaacuterio eacute escasso frente a
gama de direitos existentes eacute certo que um ou outro direito ganharaacute maior proeminecircncia na
proteccedilatildeo e garantia de direitos empreendidas pelo Poder Puacuteblico
Mas o que guiaraacute essa priorizaccedilatildeo Sem sombra de duacutevidas o estabelecimento de
metas preferenciais e objetivos fundamentais encartados na Constituiccedilatildeo Federal devendo os
recursos disponiacuteveis serem aplicados no atendimento dos fins tidos por ela como essenciais136
e nesse ponto o direito agrave sauacutede eacute inegavelmente estruturado de maneira prioritaacuteria no
ordenamento paacutetrio sendo apresentados inclusive regramentos especiacuteficos quanto a
vinculaccedilatildeo das receitas dos entes puacuteblicos a um miacutenimo a ser gasto em sauacutede puacuteblica com
graves consequecircncias para o caso de seu descumprimento
Depreende-se portanto que a limitaccedilatildeo de recursos eacute um fato que natildeo pode ser
ignorado contudo a utilizaccedilatildeo desenfreada do argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode ser
enxergada como um dado absoluto que sempre que levantado afastaraacute a possibilidade de se
forccedilar o Estado a gastar com determinado direito137
Nesse sentido natildeo se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos
para depois utilizaacute-los sob as mais diversas formas (obras serviccedilos ou qualquer outra poliacutetica
puacuteblica) eacute exatamente realizar138
os objetivos fundamentais da Constituiccedilatildeo139
136
Nessa questatildeo merece destaque a influecircncia dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil os quais
reforccedilam a obrigaccedilatildeo de se investir o maacuteximo dos recursos disponiacuteveis na promoccedilatildeo dos direitos previstos em
seus textos como eacute o caso dos jaacute tratados PIDESC e Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica Assevera o primeiro
ldquoArt 2 1 Cada Estado Parte do Presente Pacto compromete-se a adotar medidas () ateacute o maacuteximo de seus
recursos disponiacuteveis que visem a assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno
exerciacutecio dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoccedilatildeo de medidas
legislativasrdquo (Grifos acrescidos) Dispotildee o segundo ldquoArt 26 Desenvolvimento progressivo Os Estados-Partes
comprometem-se a adotar providecircncias () a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos
que decorrem das normas econocircmicas sociais ()rdquo 137
Nesse ponto assevera George Marmelstein que ldquoas alegaccedilotildees de negativa de efetivaccedilatildeo de um direito social
com base no argumento da reserva do possiacutevel deve ser sempre analisada com desconfianccedila Natildeo basta
simplesmente alegar que natildeo haacute possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial eacute preciso demonstraacute-
la O que natildeo se pode eacute deixar que a evocaccedilatildeo da reserva do possiacutevel converta-se em verdadeira razatildeo de Estado
econocircmica em um AI-5 econocircmico que opera na verdade como uma anti-Constituiccedilatildeo contra tudo o que a
Carta consagra em mateacuteria de direitos sociaisrdquo In LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito
Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio
para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura Federal UnB 2003 p50 138
Reforccedila esse argumento a posiccedilatildeo de Ingo Sarlet ao afirmar que ldquo() os recursos puacuteblicos deveratildeo ser
distribuiacutedos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais baacutesicos () se tendo em conta que a
nossa ordem constitucional veda expressamente a pena de morte a tortura e a imposiccedilatildeo de penas desumanas e
degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo razatildeo pela qual natildeo se poderaacute sustentar ndash sob pena de
ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do proacuteprio sendo de justiccedila ndash que com base em uma
alegada (e mesmo comprovada) insuficiecircncia de recursos ndash se acabe virtualmente condenando agrave morte a pessoa
cujo uacutenico crime foi o de ser viacutetima de um dano agrave sauacutede e natildeo ter condiccedilotildees de arcar com o custo do tratamento
SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave
sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 p 13
78
Chega-se ao ponto central da discussatildeo posta A delimitaccedilatildeo de um conjunto de
condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia que refletem os elementos basilares da ideia de
dignidade humana e transparecem aquele miacutenimo sobre o qual abaixo dele qualquer um
repousaria em uma situaccedilatildeo de indignidade guarda similitude exatamente ao estabelecimento
dos alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos140
A conclusatildeo disto eacute que a associaccedilatildeo do miacutenimo existencial141
ao estabelecimento de
prioridades orccedilamentaacuterias acarreta no conviacutevio produtivo de tal miacutenimo com a reserva do
possiacutevel ao passo que se a prioridade constitucional deve necessariamente refletir a
canalizaccedilatildeo de condiccedilotildees materiais essenciais agrave dignidade humana a discussatildeo sobre reserva
do possiacutevel consistiraacute em uma etapa a posteriori que natildeo deveria ser seque substancialmente
relevante para aquele primeiro momento jaacute que se estaria cuidando de uma prioridade
Isso ocorre porque o miacutenimo existencial142
enquanto direito preacute-constitucional
impliacutecito no art 3deg III da CF de 1988 tem sua garantia e proteccedilatildeo atrelada agrave noccedilatildeo de que o
Estado se comprometeu em assegurar agraves pessoas um padratildeo miacutenimo na esfera dos direitos
sociais tarefa essa plasmada no relacionamento nato existente entre a vinculaccedilatildeo dos direitos
sociais com o direito agrave vida e com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana ambientado no
cenaacuterio de busca pelo reconhecimento de maacutexima eficaacutecia juriacutedica aos direitos fundamentais
Melhor explicando a defesa aqui eacute no sentido de que o nuacutecleo que forma a ideia de
um miacutenimo existencial jaacute levou em consideraccedilatildeo quando da sua formulaccedilatildeo o argumento da
limitaccedilatildeo financeira do Estado presumindo-se que o Poder Puacuteblico dispotildee de recursos para
atender ao menos as necessidades que compotildeem esse miacutenimo e que satildeo tidas
139
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 287 140
Nesse sentido Arcecircnio Brauner dispotildee que ldquoo Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana () natildeo reclama
apenas a garantia da liberdade mas tambeacutem um miacutenimo de seguranccedila social jaacute que sem os recursos materiais
para uma existecircncia digna a proacutepria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada Por esta razatildeo o direito agrave
vida e a integridade corporal natildeo podem ser concebidos meramente como proibiccedilatildeo de destruiccedilatildeo de existecircncia
isto eacute como direito de defesa impondo ao reveacutes tambeacutem uma postura ativa no sentido de garantir a vidardquo
(Grifos acrescidos) BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In
FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces
do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 603-604 141
Sobre a noccedilatildeo de miacutenimo existencial e a contribuiccedilatildeo teoacuterica de inuacutemeros autores (dentre eles John Rawls
Friedrich Hayek Michael Walzer e Carlos Santiago Nino) sobre o tema conferir HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 142
Atribui-se a Otto Bachof a primazia do reconhecimento de um direito subjetivo a recursos miacutenimos para
existecircncia digna a partir do entendimento de que o direito agrave vida e integridade corporal natildeo envolve apenas
postura defensiva mas tambeacutem prestaccedilotildees Tal formulaccedilatildeo foi entatildeo seguida em paradigmaacutetica decisatildeo do
Tribunal Federal Administrativo da Alemanha em 1954 ao ser reconhecido a um indiviacuteduo o direito subjetivo a
auxiacutelio material por parte do Estado com base na dignidade da pessoa humana Jaacute em 1975 o Tribunal
Constitucional Federal alematildeo reconheceu a partir do princiacutepio da dignidade da pessoa humana do direito agrave
vida e agrave integridade fiacutesica e mediante uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica junto ao princiacutepio do Estado Social um
direito fundamental agrave garantia das condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 45-47
79
constitucionalmente como prioridades Se assim natildeo fosse caso houvesse a possibilidade de
opor a reserva do possiacutevel em face de tal miacutenimo se estaria diante de uma confessada conduta
inconstitucional anterior por parte da autoridade puacuteblica143
visto que restaria evidenciado que
os recursos existentes foram alocados em desacordo com as prioridades estabelecidas
constitucionalmente144
Aplicando o pensamento desenvolvido acima para a realidade do direito agrave sauacutede
conclui-se ser inegaacutevel o fato de tal direito exigir um aporte financeiro do Estado para ser
protegido e garantido Da mesma maneira depreende-se que a previsatildeo constante na proacutepria
CF de 1988 de que os entes federados devem alocar um miacutenimo de suas arrecadaccedilotildees para os
gastos com sauacutede puacuteblica reforccedila o fato de tal direito ser um alvo de acentuada prioridade no
ordenamento paacutetrio qualificando-se como condiccedilatildeo e consequecircncia constitucional
indissociaacutevel do direito agrave vida
Ora essa sistemaacutetica tem uma razatildeo de ser natildeo faria sentido essa preocupaccedilatildeo iacutempar
e relevante da Constituiccedilatildeo se o seu intuito natildeo fosse que pelo menos um miacutenimo de accedilotildees
em sauacutede fosse posta a disponibilidade da populaccedilatildeo como forma de garantir um grau baacutesico
de concretizaccedilatildeo de tal direito Desta maneira a defesa de um miacutenimo existencial em espeacutecie
com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede abrange um rol de prestaccedilotildees materiais sobre os quais o
argumento da reserva do possiacutevel natildeo poderaacute ser utilizado Saindo-se desse espectro aiacute sim
para as accedilotildees externas a esse miacutenimo eacute que se poderaacute cogitar o enfrentamento do tema da
reserva do possiacutevel
Outro aspecto a ser avaliado eacute que sendo um tiacutepico direito de segunda geraccedilatildeo que
exige do Estado uma prestaccedilatildeo positiva nascente do conceito de igualdade substancial o
amparo agrave sauacutede tem por fundamento comando constitucional que natildeo possibilita um raio de
discricionariedade capaz de conferir maior grau de liberdade de conformaccedilatildeo ao direito do
143
A loacutegica de uma gestatildeo de recursos eacute simples e baseada na obtenccedilatildeo (arrecadaccedilatildeo) e no dispecircndio (despesa)
devendo claramente haver uma congruecircncia entre tais extremos para a sustentaccedilatildeo do sistema Nesse sentido
buscando-se sempre a noccedilatildeo de que as disposiccedilotildees constitucionais formam um todo harmocircnico eacute certo que o
arrecadado deve ser equivalente ao miacutenimo que se exige e nesse contexto o volume crescente de arrecadaccedilatildeo
tributaacuteria dos uacuteltimos anos no paiacutes denota que a sinalizaccedilatildeo do quantum a ser arrecadado natildeo pode fugir da
preacutevia necessidade que estaacute sendo priorizada daiacute concluir-se que ldquoo miacutenimo existencial jaacute estaacute na contardquo da CF e
a aplicaccedilatildeo da ideia de reserva do possiacutevel deve ser utilizada quando diante de prestaccedilotildees que extrapolam esse
miacutenimo 144
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 290
80
qual o exerciacutecio possa ter como consequecircncia como base em simples alegaccedilatildeo de mera
conveniecircncia eou oportunidade a nulificaccedilatildeo da prerrogativa essencial145
Coadunando-se com tal pensamento Ingo Sarlet pontua que se na situaccedilatildeo concreta as
objeccedilotildees habituais ao conferimento de direito subjetivo agraves prestaccedilotildees iacutensitas ao direito social
em exame significarem uma grave agressatildeo agrave vida e a dignidade humana a saiacuteda seraacute a
prevalecircncia do direito social prestacional a partir da construccedilatildeo de um padratildeo de miacutenimo
existencial do mesmo havendo como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestaccedilotildees
admitindo-se onde tal miacutenimo for ultrapassado apenas um direito subjetivo prima facie146
O embate entre reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial se demonstra pois como
algo meramente aparente visto que a perfeita delimitaccedilatildeo das accedilotildees inseridas nesse miacutenimo
com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede terminaratildeo por formar um escudo protetivo intransponiacutevel
pelo argumento da reserva do possiacutevel o qual soacute poderaacute ser arguido quando diante de uma
situaccedilatildeo que extrapole tal nuacutecleo baacutesico
Desta maneira o miacutenimo existencial desponta como um limite agrave aplicaccedilatildeo da reserva
do possiacutevel na medida em que garante um conjunto de necessidades baacutesicas do indiviacuteduo a ser
respeitado e obrigatoriamente fornecido pelo Estado e nesse ponto o princiacutepio da dignidade
da pessoa humana termina assumindo uma importante funccedilatildeo demarcatoacuteria ao estabelecer a
fronteira para o que convenciona denominar de padratildeo miacutenimo da esfera dos direitos
sociais147
Assentado o pensamento acima antes de passar para o exame das premissas que
sustentam a problemaacutetica do presente estudo (o deacuteficit evolutivo da concretizaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede nos mais de vinte anos da CF de 1988 bem como a alocaccedilatildeo do direito agrave sauacutede para um
primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais) faz-se necessaacuteria uma breve
explanaccedilatildeo acerca da aplicaccedilatildeo da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso agrave questatildeo da efetividade do
direito agrave sauacutede nuacutecleo do debate ora travado
145
ODON Daniel Ivo amp RODRIGUES Sulien Barbosa O direito agrave sauacutede e a claacuteusula da reserva do
financeiramente possiacutevel In Revista Jurisplan Editora Iesplan v1 n1 Brasiacutelia 2012 105-125 p 123 146
SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 p 324 147
BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009
ndash UNIMAR p 314
81
43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O
DIREITO Agrave SAUacuteDE
Foi esclarecido que a reserva do possiacutevel antes de ser vista como oacutebice insuperaacutevel agrave
efetivaccedilatildeo dos direitos sociais deve viger de certa maneira como um mandado de otimizaccedilatildeo
dos direitos fundamentais impondo ao Estado o dever fundamental de tanto quanto possiacutevel
promover as condiccedilotildees oacutetimas de efetivaccedilatildeo da prestaccedilatildeo estatal em causa buscando
preservar aleacutem disso os niacuteveis de realizaccedilatildeo jaacute atingidos Tal observaccedilatildeo aponta por sua vez
para a necessidade do reconhecimento de uma proibiccedilatildeo do retrocesso ainda mais naquilo
que se estaacute a preservar o miacutenimo existencial148
Nesse sentido faz-se relevante analisar brevemente de que maneira o presente estudo
encara a ideia de vedaccedilatildeo do retrocesso social e a partir de tal entendimento qual a sua
repercussatildeo no que tange ao direito agrave sauacutede
Pois bem o princiacutepio149
da proibiccedilatildeo ou vedaccedilatildeo do retrocesso eacute uma construccedilatildeo
doutrinaacuteria que diz respeito agrave possibilidade ou natildeo de se diminuir o campo protetivo de um
direito fundamental jaacute protegido infraconstitucionalmente
Tal anaacutelise parte da premissa de que os direitos fundamentais devem ser concretizados
por meio de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional em um cenaacuterio de progressiva ampliaccedilatildeo e
tendo isto em mente enfrenta o questionamento de ser ou natildeo possiacutevel se discutir a validade
de uma eventual revogaccedilatildeo de enunciado (sem posterior substituiccedilatildeo e portanto gerando um
vazio legislativo) que regulamentando o direito fundamental em questatildeo tenha propiciado a
melhor fruiccedilatildeo e ampliaccedilatildeo do direito em questatildeo150
Ou seja o objetivo da vedaccedilatildeo do retrocesso eacute exatamente o de evitar supressotildees
legislativas que venham a regredir o acircmbito de proteccedilatildeo jaacute garantido para o direito
fundamental em exame Contudo o raciociacutenio natildeo eacute tatildeo simplista assim nem pode ser
148
SARLET Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Reserva do Possiacutevel miacutenimo existencial e
direito a sauacutede algumas aproximaccedilotildees In Doutrina Nacional Direitos Fundamentais e Justiccedila nordm 1 out-dez
2007 p 171-213 149
Natildeo eacute alvo do presente estudo a averiguaccedilatildeo acerca da natureza juriacutedica da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso
adotando-se a designaccedilatildeo de princiacutepio apenas de modo a seguir a maioria doutrinaacuteria sobre o tema 150
Alguns autores como Felipe Derbli defendem que eacute possiacutevel reconhecer a existecircncia do princiacutepio da
proibiccedilatildeo do retrocesso social na proacutepria CF de 1988 uma vez que ldquo(i) a Carta Magna vigente determina a
ampliaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais (art 5deg sect2deg e art 7deg caput) com vistas agrave progressiva reduccedilatildeo das
desigualdades regional e sociais e agrave construccedilatildeo de uma sociedade livre e solidaacuteria onde haja justiccedila social (art
3deg incisos I e III e art 170 caput e incisos VII e VIII) (ii) em sendo uma Constituiccedilatildeo dirigente impotildee o
desenvolvimento permanente do grau de concretizaccedilatildeo dos direitos sociais nela previstos com vistas agrave sua
maacutexima efetividade (art 5deg sect 1deg) sendo consequecircncia loacutegica a existecircncia do comando dirigido ao legislador de
natildeo retroceder na densificaccedilatildeo das normas constitucionais que definem tais direitos sociaisrdquo DERBLI Felipe
Proibiccedilatildeo de Retrocesso Social Uma Proposta de Sistematizaccedilatildeo agrave Luz da Constituiccedilatildeo de 1988 In BARROSO
Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007
p 494
82
encarado como uma maacutexima vinculante vez que se insere na discussatildeo acerca da autonomia
da funccedilatildeo legislativa e dos limites agrave liberdade de conformaccedilatildeo do legislador podendo a
utilizaccedilatildeo excessivamente abrangente da vedaccedilatildeo do retrocesso que natildeo leve em
consideraccedilatildeo a conjuntura poliacutetico-econocircmica do momento analisado implicar em distorccedilotildees
natildeo almejadas pelo ordenamento constitucional
De modo a esclarecer melhor o acima afirmado faz-se relevante destacar alguns
pontos que auxiliaratildeo na exata compreensatildeo acerca do posicionamento deste trabalho quanto
ao instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso e sua repercussatildeo quanto ao direito agrave sauacutede O primeiro
ponto eacute que o esvaziamento total de um direito jaacute incorporado e regulamentado no
ordenamento sem uma poliacutetica substitutiva ou uma justificaccedilatildeo de ordem loacutegica que leve em
consideraccedilatildeo um possiacutevel conflito com outro direito antes de ser uma accedilatildeo que colida com a
ideia propugnada pela vedaccedilatildeo do retrocesso consiste em uma autecircntica violaccedilatildeo agrave
Constituiccedilatildeo
Nesse contexto admita-se hipoteticamente que seja revogado integralmente o
Coacutedigo de Defesa do Consumidor esvaziando-se completamente o campo protetivo que tal
diploma confere aos direitos nele abarcados sem se empreender uma substituiccedilatildeo por nova
legislaccedilatildeo sobre o tema Tal situaccedilatildeo seria injustificaacutevel e sem duacutevida significaria um
retrocesso que antes de ser proibido pelo princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso por si soacute jaacute
seria eivado de clara inconstitucionalidade
O segundo ponto para aleacutem da situaccedilatildeo acima de revogaccedilatildeo integral na
regulamentaccedilatildeo de determinado direito fundamental consiste na premissa de que a anaacutelise
sobre um possiacutevel retrocesso na regulamentaccedilatildeo de um direito natildeo deve levar em
consideraccedilatildeo puramente o aspecto textual da norma alterada mas sim o panorama macro no
qual a norma em exame estaacute envolvida e consequentemente as condicionantes de ordem
poliacutetica econocircmica histoacuterica cultural visto que restriccedilotildees a direitos podem em determinados
casos significar razoavelmente a promoccedilatildeo de outros tidos como mais prioritaacuterios pelo
legislador para o contexto do momento em questatildeo151
151
Corroborando com esse pensamento Ana Paula Barcellos pontua que ldquoConsiderando a dignidade da pessoa
humana de forma integral e coletiva ndash isto eacute os vaacuterios aspectos da dignidade de cada indiviacuteduo e de todos eles
em determinada sociedade ndash eacute equivocado imaginar que a proteccedilatildeo ampliada de um especiacutefico direito
fundamental seraacute sempre o meio adequado de promover e proteger a dignidade humana das pessoas Eacute provaacutevel
que em sociedades nas quais haacute mais matildeo de obra que empregos o incremento progressivo dos direitos
trabalhistas tenha como efeito a ampliaccedilatildeo do mercado informal de trabalho (no qual direito algum eacute assegurado)
()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 91
83
Imagine-se entatildeo que em um cenaacuterio de progresso e tranquilidade econocircmica sejam
conferidas certas benesses com relaccedilatildeo a um direito especiacutefico as quais venham a garantir
uma ampliaccedilatildeo do mesmo Vislumbre-se agora um cenaacuterio de grave crise econocircmica em que
algumas dessas benesses sejam suprimidas temporariamente visando a que outros direitos
tidos por mais prioritaacuterios sejam melhor garantidos frente ao quadro de recessatildeo
Caso admitida a vedaccedilatildeo do retrocesso como uma maacutexima capaz de impedir qualquer
tipo de restriccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo vigente ao direito em questatildeo a situaccedilatildeo acima descrita
seria impossiacutevel de ser alcanccedilada o que poderia ocasionar um prejuiacutezo e retrocesso ateacute
mesmo maior para a sociedade e para a concretizaccedilatildeo152
dos direitos fundamentais como um
todo (considerando uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do ordenamento)
Desta forma quando comparados contextos histoacutericos totalmente diferentes a melhor
saiacuteda consiste em natildeo analisar a supressatildeo meramente pontual de cada direito mas sim se o
balanceamento empreendido pelo legislador para ldquosobreviverrdquo ao cenaacuterio de crise entre aacutereas
constitucionalmente prioritaacuterias e natildeo prioritaacuterias significa um avanccedilo ou um retrocesso do
sistema constitucional como um todo
Reforccedila essa visatildeo o posicionamento assentado no paraacutegrafo 9 da Observaccedilatildeo Geral
ndeg3 do Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais da ONU que ao comentar o
dispositivo 21 do PIDESC (aqui jaacute visto e que prevecirc o dever dos Estados considerando o
maacuteximo de recursos de que disponham de adotar medidas para produzir de forma progressiva
a efetividade dos direitos reconhecidos no pacto) pondera que pode ser admitida a adoccedilatildeo de
medidas restritivas dos direitos previstos no pacto desde que justificadas e levando-se em
consideraccedilatildeo a totalidade de tais direitos no contexto do pleno aproveitamento dos recursos
disponiacuteveis
Some-se a isso o aspecto relacionado agrave deliberaccedilatildeo democraacutetica no sentido de que o
raciociacutenio o qual considera que a regulamentaccedilatildeo de um direito formaria com sua previsatildeo
constitucional uma espeacutecie de bloco de constitucionalidade153
funcionando como uma
152
De se destacar as liccedilotildees de Pieroth e Schlink no sentido de que a concretizaccedilatildeo de um direito fundamental eacute
verificada sempre que o seu acircmbito de proteccedilatildeo permanece intacto natildeo limitado e neste caso o Estado natildeo
pretende de modo nenhum impedir uma conduta que esteja abrangida pelo acircmbito de proteccedilatildeo Ao contraacuterio
pretende precisamente abrir possibilidades de conduta para que o particular possa fazer uso do direito
fundamental sendo necessaacuterias conformaccedilotildees nos chamados acircmbitos de proteccedilatildeo marcados pelo direito ou pelas
normas PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de
Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 93-94 153
Sobre a expressatildeo Pablo Luis Manili aponta que ldquoem 1970 el profesor Claude Emeri comentoacute em la Revue
de Droit Public (Revista de Derecho Puacuteblico) una decisioacuten de este Consejo adoptada em 1969 y referida a la
reforma del Reglamento de la Asamblea Nacional En este artiacuteculo el autor advierte que la constitucionalidad de
esse reglamento fue juzgada no soloamente em relacioacuten com la Constitucioacuten sino tambieacuten com referencia a uma
Ordenanza (ndeg 58-1100 del 171158) que regula el funcionamiento de las Asambleas parlamentarias y para
84
claacuteusula peacutetrea ampliada pode significar um engessamento inconstitucional da autonomia da
funccedilatildeo legislativa que ficaria obstada de empreender o balanceamento acima mencionado em
contexto de crises podendo incidir em um maior prejuiacutezo a certos direitos154
Assentados os dois pontos acima uma saiacuteda para a natildeo banalizaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo
desenfreada do instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso que venha a enfraquececirc-lo eacute o
estabelecimento de um limite para as possiacuteveis restriccedilotildees a algum direito de modo que soacute seraacute
considerado um retrocesso de fato as situaccedilotildees em que tal limite fosse ultrapassado e a
decretaccedilatildeo desse limite encontra-se exatamente no texto constitucional e na demarcaccedilatildeo do
nuacutecleo essencial do direito em exame
Dessa maneira o princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso social pode ser enxergado a
partir da seguinte foacutermula o nuacutecleo essencial dos direitos sociais jaacute realizado e efetivado
atraveacutes de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo
inconstitucionais medidas que sem criar esquemas alternativos ou compensatoacuterios se
traduzam na praacutetica em uma anulaccedilatildeo ou aniquilaccedilatildeo pura e simples desse nuacutecleo essencial
que funcionaria como limite para a liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e a inerente
autorreversibilidade155
Conclui-se portanto que i as supressotildees totais de regulamentaccedilotildees bem como
aquelas que ainda que natildeo totais impliquem na aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial do direito
examinado satildeo antes de afronta ao princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso medidas
inconstitucionais ii as supressotildees pontuaisparciais externas ao espectro do nuacutecleo essencial
do direito fundamental em anaacutelise devem ser encaradas levando em conta o momento
histoacuterico em questatildeo e a totalidade dos direitos fundamentais amparados pelo sistema
constitucional como um todo visto que uma accedilatildeo que a princiacutepio possa aparentar ser
describir esse conjunto de normas que eran tenidas em cuenta por el Consejo Constitucional ndash ademaacutes de la
proacutepria constitucioacuten ndash para ejercer su competencia utilizo por primera vez la expresioacuten MANILI Pablo Luis El
Bloque de Constitucionalidad La recepcioacuten del Derecho Internacional de loacutes Derechos Humanos en el
Derecho Constitucional Argentino Buenos Aires La Ley 2003 p 284 154
Sobre a questatildeo da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador na temaacutetica da vedaccedilatildeo do retrocesso social Joseacute
Carlos Vieira de Andrade leciona que ldquoO princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso enquanto determinante
heteroacutenoma vinculativa para o legislador implicaria bem vistas as coisas a eleveccedilatildeo das medidas legais
concretizadoras dos direitos sociais a direito constitucional () Contudo isso natildeo implica a aceitaccedilatildeo de um
princiacutepio geral de proibiccedilatildeo do retrocesso nem uma bdquoeficaacutecia irradiante‟ dos preceitos relativos aos direitos
sociais encarados como um bdquobloco constitucional dirigente‟ A proibiccedilatildeo do retrocesso natildeo pode constituir um
princiacutepio geral nesta mateacuteria sob pena de se destruir a autonomia da funccedilatildeo legislativa()rdquo (grifos no original)
VIEIRA Joseacute Carlos Vieira de Os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976Coimbra
Almedina 1998 p309 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais
O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 86 155
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 327
85
restritiva de um direito pode significar em verdade um avanccedilo de outro mais prioritaacuterio (e
caso natildeo signifique seraacute eivada de inconstitucionalidade)
Como se vecirc a questatildeo eacute complexa e buscando sua melhor soluccedilatildeo o presente estudo
se filia ao mecanismo proposto por Ana Paula de Barcellos para se identificar em que
circunstacircncias a vedaccedilatildeo do retrocesso seraacute aplicaacutevel para aleacutem da hipoacutetese de revogaccedilatildeo total
de uma disciplina existente em mateacuteria de direitos fundamentais Tal mecanismo
aproximando-se do pensamento acima mencionado com relaccedilatildeo agrave limitaccedilatildeo da restriccedilatildeo pelo
nuacutecleo essencial do direito constitucional em anaacutelise parte da ideia baacutesica de confrontar (natildeo
apenas quanto ao aspecto linguiacutestico mas tambeacutem considerando o contexto histoacuterico e
cultural) a nova regulamentaccedilatildeo aparentemente restritiva com a garantia miacutenima que decorre
da Constituiccedilatildeo e natildeo propriamente com a disciplina jaacute adotada pelo legislador
constitucional156
Nota-se assim que o paracircmetro de aferibilidade sai do substrato normativo
infraconstitucional e atrela-se unicamente agrave constituiccedilatildeo jaacute que tal investigaccedilatildeo se norteia
pela indagaccedilatildeo se a nova disciplina pretendida compatibiliza-se com a garantia constitucional
do direito em questatildeo ao ponto de realizar de forma minimamente adequada o bem juriacutedico
tutelado garantindo assim a aplicabilidade real e efetiva da fruiccedilatildeo do mesmo por seus
destinataacuterios Em caso afirmativo a nova regulamentaccedilatildeo natildeo afrontaria a vedaccedilatildeo do
retrocesso em caso negativo tal inovaccedilatildeo deveraacute ser encarada como uma supressatildeo
inconstitucional do direito em anaacutelise
Finalmente aplicando tudo que foi dito acima agrave situaccedilatildeo especiacutefica do direito agrave sauacutede
tem-se que frente agrave maior fundamentalidade do direito agrave sauacutede devido a sua iacutentima ligaccedilatildeo
com o direito agrave vida e agrave dignidade humana supressotildees totais quanto a regulamentaccedilatildeo de tal
direito bem como agravequelas que importem em afronta ao seu nuacutecleo essencial157
seratildeo tidas
como inconstitucionais aleacutem de colidirem com a vedaccedilatildeo do retrocesso
Com relaccedilatildeo a supressotildees pontuais sobretudo em momentos de crises econocircmicas
essas somente seratildeo admitidas como uacuteltima alternativa desde que sejam comprovadamente
essenciais para a ldquosobrevivecircnciardquo do paiacutes tenham caraacuteter temporaacuterio natildeo subvertam o niacutevel
de proteccedilatildeo constitucional conferido a esse direito e principalmente sejam realizadas apenas
ao posterior esgotamento de restriccedilotildees em aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias
156
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 92 157
Sem entrar em polecircmica doutrinaacuteria o presente estudo considera a visatildeo de nuacutecleo essencial nesse ponto
abordada consentacircnea com a ideia de miacutenimo existencial em espeacutecie para cada direito fundamental em si
86
constitucionalmente158
Nesse sentido conclui-se ser rara a ocorrecircncia de tal hipoacutetese a qual
demandaria uma conjuntura de extrema instabilidade institucional tanto sob o vieacutes poliacutetico
quanto econocircmico
44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988
Nas primeiras linhas desse trabalho foi asseverado que o mesmo partiria de duas
premissas sendo uma delas exatamente a constataccedilatildeo de que com o tempo percorrido pela
CF de 1988 o niacutevel atingido no processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute deficiente e
natildeo condiz perfeitamente com os anseios constantes nos pactos internacionais assinados pelo
Brasil nem nos dispositivos delineados tanto na Constituiccedilatildeo Federal159
quanto no arcabouccedilo
legislativo infraconstitucional sobre o tema
Para tal conclusatildeo basta acompanhar os casos alarmantes de verdadeiro caos na
realidade da sauacutede puacuteblica vivida no paiacutes retratada diariamente nos telejornais160
para se
chegar a conclusatildeo de que algo estaacute errado ou utilizando-se de um jargatildeo popular de que ldquoa
conta natildeo baterdquo
Eacute nessa conjuntura portanto que surge a indagaccedilatildeo como um paiacutes que se
compromete na ordem internacional a promover a sauacutede na maior medida do possiacutevel que
arquiteta tal bem juriacutedico de maneira iacutempar em seu ordenamento prevendo ateacute mesmo a
vinculaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de um miacutenimo a ser gasto com tal direito frente sua relevacircncia pode
ainda assim apresentar problemas estruturais baacutesicos tatildeo gritantes Natildeo resta duacutevida
158
Seria inconstitucional e colidiria com a proibiccedilatildeo do retrocesso portanto a ocorrecircncia em um cenaacuterio de
crise econocircmica de restriccedilatildeo pontual com relaccedilatildeo agrave abrangecircncia do atendimento em sauacutede previsto na legislaccedilatildeo
do SUS sem que antes tenha sido restringida a regulamentaccedilatildeo de todas as aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias pela
Constituiccedilatildeo (propaganda construccedilatildeo de estaacutedios para eventos esportivos participaccedilatildeo de dinheiro puacuteblico por
exemplo) ou ateacute mesmo aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias quanto o direito agrave sauacutede 159
Enfatiza esse ponto o fato da Constituiccedilatildeo de 1988 ser tipicamente dirigente visto que aleacutem da tradicional
funccedilatildeo de estruturar o Estado incorporou-se em seus textos definiccedilotildees valorativas e ideoloacutegicas reconhecendo-
se assim o seu poder de tomar decisotildees poliacuteticas fundamentais e estabelecer prioridades materiais e objetivos
puacuteblicos que terminam por guiar o comportamento futuro do Estado Sobre o tema da Constituiccedilatildeo dirigente
conferir COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda (Org) Canotilho e a Constituiccedilatildeo dirigente 2deg ed Rio de
Janeiro Renovar 2005 160
Agrave tiacutetulo ilustrativo seguem algumas mateacuterias que retratam as peacutessimas condiccedilotildees da sauacutede puacuteblica no Estado
do Rio Grande do Norte as quais tiveram repercussatildeo nacional nos uacuteltimos anos httpglobotvglobocominter-
tv-rnrn-tv-2a-edicaovcaos-toma-conta-da-saude-em-mossoro-rn2494580 Acessado em 02042013
httpg1globocomrnrio-grande-do-nortenoticia201301marcha-do-fio-de-aco-reune-medicos-em-protesto-
ao-caos-na-saude-do-rnhtml Acessado em 02042013 httpgovernadoremfocoblogspotcombr201301caos-
na-saude-do-rn-e-destaque-nohtml Acessado em 02042013
httpbandnewstvbanduolcombrnoticiasconteudoaspID=657505 Acessado em 08042013
87
portanto que haacute um claro descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos
governantes que precisa ser combatido e corrigido
Natildeo obstante para a melhor compreensatildeo do referido descompasso eacute primordial
abstrair um pouco a anaacutelise do plano meramente faacutetico (que eacute o ponto de chegada do
problema) e tentar entender melhor o fundamento juriacutedico que aponta para uma maximizaccedilatildeo
do dever estatal em realizar o direito agrave sauacutede (o ponto de partida) e para isso eacute importante se
ter em mente a noccedilatildeo de gradualidade bem como de dever de progressividade inerente ao
processo de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais
Nesse ponto consoante o jaacute analisado PIDESC tem-se para o Estado o
estabelecimento de uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais a significar o
dever de serem tomadas todas as providecircncias possiacuteveis nos limites dos recursos disponiacuteveis
com o escopo de alcanccedilar gradativamente a mais completa realizaccedilatildeo desses direitos e da
forma mais ampliativa possiacutevel o que revela uma ideia de avanccedilo e otimizaccedilatildeo
Nesse sentido o dever de progressividade implica na alocaccedilatildeo dos recursos existentes
sejam direcionados agrave consecuccedilatildeo dos direitos especificados no PIDESC da melhor forma
possiacutevel significando especialmente quanto ao direito agrave sauacutede que o Brasil possui a
obrigaccedilatildeo concreta e constante de desenvolver o mais eficientemente possiacutevel agrave plena
realizaccedilatildeo do direito ao mais alto niacutevel de sauacutede em respeito ao artigo 12 do referido diploma
anteriormente jaacute estudado161
Alinha-se a essa visatildeo ainda a noccedilatildeo de gradualidade162
de realizaccedilatildeo dos direitos
sociais a prestaccedilotildees materiais no sentido de que como tais direitos demandam direta e
efetivamente do aporte financeiro do Estado e este eacute finito a efetivaccedilatildeo progressiva dos
mesmos deveraacute ser alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a passo conforme a
capacidade financeira do Estado
Desta forma uma poliacutetica de sauacutede eficaz e consentacircnea com a proteccedilatildeo que eacute dada
ldquono papelrdquo a tal direito pressupotildee uma estruturaccedilatildeo tendente a uma crescente e contiacutenua
melhoria163
das condiccedilotildees de sauacutede realizada a passos graduais de acordo com a
161
GIALDINO Rolando E El derecho al disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones
Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 517 162
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual
dos direitos econoacutemicos sociais e culturaisrdquo in Estudos sobre Direitos Fundamentais Ed Coimbra 2004 p
108 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 132 163
Eacute muito importante a exata compreensatildeo desses ponto natildeo basta simplesmente afirmar que a realizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede deve ser gradual e progressiva frente a limitaccedilatildeo dos recursos como se isso fosse um argumento
automaacutetico e apto a justificar qualquer falha ou omissatildeo estatal Na realidade deve ser acoplado a esse raciociacutenio
(progressividade gradual) a ideia de que tal progressatildeo deve ser movida por um anseio contiacutenuo e crescente de
melhoria de avanccedilo
88
disponibilidade financeira possiacutevel mas sempre guiada para o avanccedilo e nunca para o
retrocesso
A conclusatildeo do acima afirmado (que apesar de simploacuteria eacute bastante relevante) eacute a de
que se o quadro da sauacutede puacuteblica de uma determinada regiatildeo se agrava no plano faacutetico seja
por ausecircncia de meacutedicos pela natildeo disponibilizaccedilatildeo de insumos hospitalares ou pela
insuficiecircncia de vacinas por exemplo e inexiste uma justificativa plausiacutevel para isso164
o que
estaraacute ocorrendo na praacutetica eacute um verdadeiro retrocesso na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o
argumento de que tal situaccedilatildeo eacute justificaacutevel pelo atrelamento da disponibilizaccedilatildeo de
prestaccedilotildees materiais aos limites orccedilamentaacuterio natildeo poderaacute prosperar
Em termos mais diretos a gradualidade relaciona-se sim com a disponibilidade de
recursos mas nunca poderaacute ser utilizada para justificar um retrocesso pois ela funciona como
um motor da progressividade ora acelerando ora diminuindo tal aceleraccedilatildeo mas sempre
avanccedilando nunca retroagindo165
Assentadas as exatas noccedilotildees de gradualidade e progressividade as quais se conectam agrave
temaacutetica jaacute tratada da reserva do possiacutevel e da vedaccedilatildeo do retrocesso social defende-se que o
aparato legislativo (abrangendo tanto os Pactos Internacionais como a CF e a legislaccedilatildeo
ordinaacuteria) construiacutedo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede significa um compromisso firmado pelo
Estado com a sociedade e o atual estaacutegio do quadro da sauacutede puacuteblica no paiacutes demonstra a
ocorrecircncia de um autecircntico ldquocaloterdquo por parte do Estado o qual se encontra recalcitrante em
cumprir exata e perfeitamente o que se comprometeu terminando por frustrar os cidadatildeos
Frente a este desacerto com o intuito de corrigir tal deacuteficit evolutivo a soluccedilatildeo aqui
proposta eacute exatamente a de acelerar esse processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e nessa
jornada assumem papel de destaque a intervenccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do desse direito
a proteccedilatildeo coletiva do mesmo empreendida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pela Defensoria
Puacuteblica e a participaccedilatildeo e controle social sobretudo na seara orccedilamentaacuteria
164
Apenas uma situaccedilatildeo de excepcionalidade (um surto epidemioloacutegico por exemplo) poderia justificar uma
possiacutevel ldquofaltardquo do Estado para com seu dever de realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Se a verba para tal direito jaacute se
encontra ldquoamarradardquo natildeo faz sentido em um mecircs natildeo se constatar problemas e no seguinte sem nenhuma
mudanccedila no cenaacuterio anterior ocorrer por exemplo uma diminuiccedilatildeo radical no nuacutemero de meacutedicos em
determinado hospital puacuteblico A falta de planejamento (ou ateacute mesmo de vontade) do Poder Puacuteblico bem como a
maacute gestatildeo dos recursos disponiacuteveis satildeo situaccedilotildees totalmente diferentes da comprovada insuficiecircncia de recursos
e natildeo podem ser considerados argumentos vaacutelidos e justificaacuteveis quando utilizados pelo Estado para justificar
suas falhas 165
Expotildeem Abramovich e Courtis que a noccedilatildeo de progressividade apresenta dois sentidos complementares
abarca ao mesmo tempo o reconhecimento de que a satisfaccedilatildeo plena dos direitos sociais supotildee uma certa
gradualidade e a noccedilatildeo de que progresso liga-se agrave obrigaccedilatildeo estatal de melhorar as condiccedilotildees de gozo e
exerciacutecio de tais direitos ABRAMOVICH Viacutectos Ernesto COURTIS Christian Los derechos sociales como
derechos exigibles Madrid Trotta 2002 p 93 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental
agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 138
89
Contudo antes de entender como os citados atores podem efetuar suas contribuiccedilotildees
faz-se relevante examinar a segunda premissa exposta no iniacutecio desse estudo qual seja a
estruturaccedilatildeo prioritaacuteria que eacute dada ao direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio e sua ligaccedilatildeo com
a dignidade da pessoa humana
45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Em um cenaacuterio hipoteacutetico imagine-se que toda populaccedilatildeo brasileira fosse entrevistada
sobre qual direito social dentre os elencados no artigo sexto da CF de 1988 apresentaria maior
importacircncia Sem sombra de duacutevidas sauacutede e educaccedilatildeo despontariam como os direitos mais
votados e muitos arriscariam dizer que juntamente com o direito agrave seguranccedila (sob um vieacutes de
seguranccedila puacuteblica) tais direitos formariam uma triacuteade essencial a ser prestada eficientemente
pelo Estado
Ocorre que como jaacute visto a apuraccedilatildeo acerca do grau de eficaacutecia de algum direito leva
em consideraccedilatildeo natildeo soacute o sistema normativo que o abraccedila mas tambeacutem a fundamentalidade
social e juriacutedica da circunstacircncia regulada pela norma e partindo disto eacute inegaacutevel que o
direito agrave sauacutede assume um papel de destaque dentre os direitos que necessitam de um ldquofazerrdquo
estatal jaacute que apresenta uma iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida posicionando-se a sauacutede
como um componente primordial e embrionaacuterio agrave fruiccedilatildeo dos demais direitos
Melhor explicando eacute facilmente identificaacutevel uma engrenagem entre os direitos
fundamentais sociais em um contexto em que todos possuem sua importacircncia e ao mesmo
tempo se interdependem Contudo a sauacutede estaria ocupando uma posiccedilatildeo basilar nessa
sistemaacutetica inter-relacional por possuir um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica e social mais
apurada devido a sua maior aproximaccedilatildeo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e a
dignidade da pessoa humana
Entendendo esse ciclo eacute indiscutiacutevel que o direito agrave educaccedilatildeo se mostra fundamental
para a melhoria da qualidade de vida de toda sociedade consistindo em importante passo para
a formaccedilatildeo do intelecto e participaccedilatildeo mais ativa nas decisotildees estatais Partindo dessa noccedilatildeo
eacute tambeacutem irrefutaacutevel que o pleno gozo de tal direito acarreta na fruiccedilatildeo de outros como por
exemplo o direito ao trabalho que por sua vez seraacute essencial para a subsistecircncia de cada um
proporcionando as condiccedilotildees necessaacuterias para a obtenccedilatildeo de alimentaccedilatildeo moradia e lazer
90
entretanto indubitavelmente tudo isso pressupotildee a perfeita condiccedilatildeo de sauacutede do indiviacuteduo e
o seu cuidado constante durante toda vida
Eacute nessa conjuntura portanto que se pode falar tambeacutem em impreteribilidade do
direito agrave sauacutede com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais De que maneira Imagine-se um
cidadatildeo que esteja sem usufruir nenhum dos direitos sociais a ele garantidos
constitucionalmente (por exemplo um sem-teto analfabeto em estado grave de sauacutede) e que
o Estado resolva proporcionar a fruiccedilatildeo mas apenas um de cada vez dos direitos entatildeo
afrontados
Solucionar somente a problemaacutetica do direito agrave educaccedilatildeo ou da mesma forma apenas
o direito agrave moradia166
acabaraacute resolvendo exclusivamente cada um desses problemas em
especiacutefico mas natildeo teraacute o condatildeo de necessariamente implicar na potencial fruiccedilatildeo dos
demais direitos
Por outro lado ao resolver a grave situaccedilatildeo de sauacutede desse cidadatildeo que se encontra
seriamente aviltado em sua dignidade o Estado ao mesmo tempo em que corrige esse
problema invariavelmente estaraacute proporcionando ao cidadatildeo a aptidatildeo elementar ao pleno
usufruto dos demais direitos o que termina por reservar ao elemento sauacutede uma posiccedilatildeo de
direito impreteriacutevel quando posto comparativamente em xeque diante dos demais direitos
sociais
Fechando esse pensamento tem-se que caso seja negada a atenccedilatildeo prioritaacuteria ao
direito agrave sauacutede aleacutem de por oacutebvio natildeo ser solucionado o problema do cidadatildeo no que diz
respeito a este determinante elemento de sua vida estaraacute tambeacutem prejudicada qualquer
possibilidade de soluccedilatildeo aos demais direitos em questatildeo Nesse caso a desatenccedilatildeo ao direito agrave
sauacutede mais do que uma violaccedilatildeo a um direito social objetivamente significaraacute uma
obstacularizaccedilatildeo agrave reparaccedilatildeo dos demais direitos sociais lesados os quais restaratildeo inoacutecuos
Frente ao exposto eacute inevitaacutevel reconhecer que o direito agrave sauacutede deve ser alocado para
uma posiccedilatildeo de primazia quando confrontado com os demais direitos fundamentais sociais
ateacute mesmo pelo fato de que a garantia de diversos outros direitos (vida digna integridade
fiacutesica alimentaccedilatildeo moradia seguranccedila assistecircncia agrave maternidade etc) traduzem ao menos
reflexamente uma densificaccedilatildeo do mesmo Corroborando com tal raciociacutenio a doutrina
aponta que o direito agrave sauacutede ainda que natildeo tivesse sido positivado no PIDESC poderia ser
166
Exemplificando a pontual matricula do cidadatildeo no ensino puacuteblico natildeo facilitaraacute diretamente a soluccedilatildeo do
problema relativo agrave sua moradia muito menos quanto agrave sua sauacutede (da mesma forma a disponibilizaccedilatildeo de uma
casa popular natildeo seraacute pressuposto pra resolver o problema quanto agrave educaccedilatildeo e nem da sauacutede)
91
tutelado na oacuterbita internacional tranquilamente como um direito impliacutecito agrave vida167
(e tambeacutem
agrave integridade fiacutesica)
Reforccedilando mais ainda o caraacuteter prioritaacuterio que foi dado ao direito agrave sauacutede no
ordenamento paacutetrio conforme jaacute foi analisado nos capiacutetulos anteriores eacute consenso168
que a
CF de 1988 aleacutem de conferir um capiacutetulo proacuteprio para tal direito atribuiu ao mesmo por toda
a extensatildeo de seu corpo (atraveacutes de cinquenta e cinco menccedilotildees ao elemento sauacutede) um
tratamento notadamente especial chegando ao ponto de por exemplo
(i) exigir o direcionamento de parte da receita resultante da arrecadaccedilatildeo de
impostos estaduais para as accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede169
considerando
a aplicaccedilatildeo desse miacutenimo um autecircntico princiacutepio constitucional sensiacutevel170
cuja
natildeo observacircncia autoriza a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados (e destes em seus
municiacutepios quando natildeo tiver sido aplicado o miacutenimo exigido da receita
municipal) e no Distrito Federal171
(ii) excepcionar a proibiccedilatildeo de acumulaccedilatildeo de cargos puacuteblicos permitindo172
a
possibilidade de acuacutemulo de dois cargos de profissionais de sauacutede com
profissotildees regulamentadas desde que haja compatibilidade de horaacuterio173
167
Nesse sentido Joseacute Bengoa interpretando o artigo 6deg do PIDCP defende que o direito agrave vida estaria
decomposto em quatro elementos essenciais direito agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave disponibilizaccedilatildeo de aacutegua
potaacutevel e agrave moradia BENGOA Joseacute Pobreza y derechos humanos programa de trabajo Del Grupo ad hoc
para la realizacioacuten tendiente a contribuir a las bases de uma declaracioacuten internacional sobre los derechos
humanos y la extrema pobreza ECN4 Sub2200225-6-2002 p3 apud GIALDINORolando E El derecho al
disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 498 168
Ao justificar a importacircncia da dignidade da pessoa humana no ordenamento paacutetrio Ana Paula de Barcellos
reforccedila a possibilidade de existirem diferenccedilas entre os conteuacutedos dos enunciados constitucionais afirmando que
ldquo () sem que isso produza uma ruptura do princiacutepio da unidade eacute apenas natural que o conteuacutedo material dos
enunciados - e a fortiori das normas ndash funcione como um elemento relevante para a hermenecircutica juriacutedica ()
Ignorar as diferenccedilas que existem entre os enunciados constitucionais no que diz respeito ao seu conteuacutedo natildeo
faria sentido algum diante das escolhas do proacuteprio constituinte originaacuteriordquo BARCELLOS Ana Paula de A
eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio
de Janeiro Renovar 2011 p 164-165 169
Reconhece-se que o tratamento especial dispensado agrave sauacutede sob o vieacutes de vinculaccedilatildeo a receita de impostos eacute
conjugado com a preocupaccedilatildeo relacionada ao desenvolvimento e manutenccedilatildeo do ensino contudo tal fato natildeo
chega a afastar a primazia do direito agrave sauacutede aqui defendida tanto por existir uma maior preocupaccedilatildeo sob o vieacutes
orccedilamentaacuterio com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede na proacutepria Constituiccedilatildeo (como eacute o caso das contribuiccedilotildees para a
seguridade social que engloba a sauacutede) mas principalmente pela maior proximidade com o direito agrave vida e a
dignidade da pessoa humana inerente ao mesmo 170Princiacutepios constitucionais sensiacuteveis (elencados no art 34 VII CF de 1988) satildeo aqueles que caso infringidos
ensejam a mais grave sanccedilatildeo que se pode impor a um Estado Membro da Federaccedilatildeo a intervenccedilatildeo retirando-lhe
a autonomia organizacional que caracteriza a estrutura federativa 171
Art 34 IV e art 35 III da CF de 1988 172
Aqui tambeacutem haacute regramento semelhante com relaccedilatildeo ao direito agrave educaccedilatildeo 173
Art 37 XVI c da CF de 1988
92
(iii) estabelecer contribuiccedilotildees sociais visando ao financiamento da seguridade
social que se destina a assegurar o direito agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia
social174
e
(iv) definir como sendo de relevacircncia puacuteblica175
as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede bem
como que poderatildeo ser adotados requisitos e criteacuterios diferenciados para a
concessatildeo de aposentadoria aos beneficiaacuterios do regime geral de previdecircncia
social nos casos de atividades exercidas sob condiccedilotildees especiais que
prejudiquem a sauacutede ou a integridade fiacutesica176
Conclui-se assim que natildeo somente haacute uma clara maior proximidade do direito agrave
sauacutede com o direito a vida digna como tambeacutem que o proacuteprio ordenamento paacutetrio
vislumbrando tal relevacircncia tratou de conferir um tratamento mais especial ao direito em
exame (tanto na esfera constitucional como infraconstitucional) quando comparado
especificamente com os demais direitos sociais o que eacute reforccedilado pela conclusatildeo de que
funcionando como um requisito de uma vida digna a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede acaba sendo
tambeacutem uma autecircntica questatildeo de cidadania ou seja de conferir aos cidadatildeos a possibilidade
democraacutetica de uma provaacutevel realizaccedilatildeo desse direito177
De se esclarecer que o aqui defendido natildeo significa um abandono da noccedilatildeo consagrada
na doutrina paacutetria de que os direitos fundamentais satildeo indivisiacuteveis e possuem a mesma
hierarquia mas sim consiste na defesa de que o direito agrave sauacutede apresenta em princiacutepio um
niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica178
mais elevada que os demais direitos
fundamentais sociais visto que apresenta uma ascendecircncia axioloacutegica e funcional mais
aproximada ao direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana sendo tal fato refletido no
proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a Constituiccedilatildeo confere a tal direito
De se destacar que o pensamento acima de certa maneira aproxima-se um pouco da
ideia propugnada pela doutrina americana dos ldquopreferred freedomsrdquo ou ldquopreferred positionsrdquo
que sucintamente preza pela possibilidade de ocorrecircncia de posiccedilotildees preferenciais entre os
direitos fundamentais de acordo com o grau de relevacircncia intriacutenseca para o ser humano ou
174
Art 194 e art 195 da CF de 1988 175
Art 197 da CF de 1988 176
Art 201 sect1deg da CF de 1988 177
BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009
ndash UNIMAR p 314 178
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 139-143
93
para a sustentaccedilatildeo das bases democraacuteticas que o mesmo possua desde que tal conferimento
de primazia seja justificado por criteacuterios razoaacuteveis179
Fala-se entatildeo em uma doutrina da posiccedilatildeo preferencial que com fundamento na via
substantiva do devido processo legal defende a inserccedilatildeo de alguns direitos fundamentais em
posiccedilatildeo privilegiada em relaccedilatildeo aos outros sem que isso poreacutem traduza um escalonamento a
priori dos direitos fundamentais lesivo agrave unidade da Constituiccedilatildeo
Outro fator que corrobora com a primazia do direito agrave sauacutede reforccedilando sua iacutentima
ligaccedilatildeo com o direito agrave vida eacute o fato de que a ideia de qualidade de vida inerente ao conceito
de direito agrave sauacutede pregado pela OMS aproxima-se dos ideais de dignidade da pessoa humana
equiparando-se as noccedilotildees de vida digna a de vida saudaacutevel jaacute que o completo bem-estar fiacutesico
mental e social concretiza o princiacutepio da dignidade humana pois natildeo se concebe que
condiccedilotildees insalubres e precaacuterias de vida sejam aceitas como conteuacutedo de uma vida com
dignidade podendo ser identificada portanto uma proteccedilatildeo da dimensatildeo de dignidade
humana integrante do conteuacutedo do direito agrave sauacutede180
Frente a essa relaccedilatildeo embora jaacute tenha sido feitos alguns apontamentos acerca da
contribuiccedilatildeo que a construccedilatildeo conceitual de dignidade da pessoa humana prestou para a
evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais faz-se necessaacuterio neste momento compreender a
abrangecircncia dos aspectos materiais dessa dignidade de modo a estabelecer quais seus efeitos
sobre o direito agrave sauacutede especialmente quanto ao seu vieacutes prestacional
451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio
A dignidade da pessoa humana pode ser conceituada como o atributo inerente e
distintivo de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por
parte do Estado mediante a consagraccedilatildeo de um complexo de direitos e deveres fundamentais
que venham a lhe proteger de atos degradantes bem como a lhe garantir as condiccedilotildees miacutenimas
179
Sobre a doutrina do ldquoPreffered freedomsrdquo conferir MARTEL Letiacutecia de Campos Velho Hierarquizaccedilatildeo de
direitos fundamentais a doutrina da posiccedilatildeo preferencial na jurisprudecircncia da Suprema Corte Norte-Americana
Is there a hierarchy between Fundamental Rights The preferred position constitucional doctrine in the light of
Supreme Court line decision In Revista Sequecircncia ndeg 48 p 91-117 jul 2004 180
Ao comentar a garantia do direito agrave sauacutede na Espanha Guilhermo Escobar explica que existem dois
acircmbitos protetivos distintos a proteccedilatildeo da sauacutede individual que abarca um conjunto de accedilotildees dirigidas a tutelar
a sauacutede como o direito de se conservar vivo e consequente eliminaccedilatildeo de enfermidades e sofrimento a partir da
assistecircncia no caso concreto e o direito a medicamentos e a proteccedilatildeo agrave sauacutede de maneira coletiva a qual abarca
um conjunto de accedilotildees em sua maioria preventivas dirigidas igualmente a tutelar difusamente a sauacutede de todos a
partir de poliacuteticas que indiquem as prioridades na aacuterea ESCOBAR Guilhermo Las garantias del derecho a la
salud en Espantildea In Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 p
14
94
de existecircncia para uma vida saudaacutevel que termine por propiciar sua participaccedilatildeo ativa nos
destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo com os demais seres humanos181
Desta maneira pode-se afirmar que a dignidade natildeo encerra uma criaccedilatildeo
constitucional jaacute que consiste em um dado preexistente a toda experiecircncia especulativa182
havendo em verdade um reconhecimento pela norma da existecircncia de tal qualidade que
acaba gerando um direito ao respeito e promoccedilatildeo dessa relevante qualidade inerente a todo ser
humano
Esclarecendo sob um vieacutes filosoacutefico a dignidade da pessoa humana por ser preacute-
juriacutedica natildeo consiste em um direito ou especificamente em uma pretensatildeo mas sim em um
valor espiritual e moral intriacutenseco agrave pessoa cujo dever geral de respeito e proteccedilatildeo acarreta no
surgimento de pretensotildees juriacutedicas a direitos subjetivos decorrentes desse valor
Nesse contexto a proteccedilatildeo normativa da dignidade da pessoa humana aleacutem de
permitir o reconhecimento do outro no que se refere agraves suas peculiaridades como indiviacuteduos
assume uma feiccedilatildeo tanto defensiva (jaacute que o dever de respeito agrave dignidade atua como limite
aos poderes estatais) quanto protetiva (uma vez que impotildee uma tarefa promocional de caraacuteter
prestacional ao Estado) que aloca o ser humano definitivamente para o papel de finalidade
uacuteltima do Estado funcionando portanto como um pressuposto da igualdade real183
de todos
os homens e da proacutepria democracia
Na conjuntura paacutetria tem-se que a CF de 1988 ao alccedilar agrave dignidade humana ao status
de fundamento184
do Estado Democraacutetico de Direito Brasileiro optou por posicionaacute-la como
um valor central que se impotildee como nuacutecleo baacutesico informador do sistema juriacutedico paacutetrio e
assume uma especial prioridade no sistema normativo jaacute que o unifica e o centraliza
funcionando como um super princiacutepio a orientaacute-lo185
Logo a dignidade apresenta um aspecto
dual visto que atua como elemento que simultaneamente confere unidade de sentido e
legitimidade a ordem constitucional paacutetria186
181
SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 73 182
SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular 2000 Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 146 183
GAVARA DE CARA Juan Carlos Derechos Fundamentales e Desarrollo Legislativondash La Garantiacutea Del
Contenido Esencial de los Derechos Fundamentales em la Ley Fundamental de Bonn Madrid Centro de
Estudios Constitucionales 1994 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 244 184
Art 1deg III da CF de 1988 185
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o princiacutepio da dignidade da pessoa humana In LEITE George
Salomatildeo (org) Dos princiacutepios constitucionais Consideraccedilotildees em torno das normas principioloacutegicas da
Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2003 p 194 186
SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 91
95
Assim no cenaacuterio do constitucionalismo tupiniquim a dignidade da pessoa humana
apresenta-se como um princiacutepio e valor fundamental servindo como buacutessola de toda ordem
juriacutedica apta a conferir unidade de sentido e legitimidade agrave ordem constitucional operando
natildeo soacute como elemento de integraccedilatildeo e criteacuterio hermenecircutico mas tambeacutem (e principalmente)
como um portal que garante a abertura material do sistema juriacutedico dos direitos fundamentais
Pode-se dizer assim que a dignidade enquanto valor fundamental se apresenta como
um componente fundante e informador de todos os direitos fundamentais configurando-se
como fonte eacutetica dos mesmos187
visto que pressupotildee o reconhecimento e proteccedilatildeo de todas as
dimensotildees desses direitos significando a ausecircncia deles uma autecircntica negaccedilatildeo aviltante agrave
proacutepria dignidade
Com efeito por constituiacuterem os direitos fundamentais verdadeiras explicitaccedilotildees da
dignidade da pessoa humana pode-se concluir que a pretensatildeo de eficaacutecia e inviolabilidade
dessa dignidade encontra-se na dependecircncia da sua capacidade de se integrar no contexto da
dogmaacutetica dos direitos fundamentais de todas as dimensotildees em uma perspectiva para aleacutem do
cataacutelogo do Tiacutetulo II da Carta Magna de 1988 jaacute que a dignidade funciona como criteacuterio para
a construccedilatildeo de um conceito materialmente aberto de direito fundamentais no ordenamento
paacutetrio
Logo para aleacutem dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo
constituinte existem direitos fundamentais alocados em outras passagens da Constituiccedilatildeo de
1988 bem como nos tratados internacionais em mateacuteria de Direitos Humanos aleacutem de
direitos decorrentes implicitamente do regime e dos princiacutepios consagrados pela CF188
e esse
alargamento da consagraccedilatildeo de direitos fundamentais tem como carro-chefe o aspecto
transcendental da dignidade da pessoa humana
Nesse ponto antes de prosseguir faz-se necessaacuterio alertar que a natureza aberta
marcada por certo grau de indeterminaccedilatildeo da noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana nesse
contexto enfrentado de abertura do cataacutelogo de direitos fundamentais deve ser interpretada
com muito cuidado de modo a natildeo enfraquecer o instituto devido a uma expansatildeo exagerada
do leque de possibilidades materiais a serem enquadrados nessa abertura
Melhor explicando para a preservaccedilatildeo da forccedila normativa e eficaacutecia da dignidade da
pessoa humana o reconhecimento de direitos fundamentais para aleacutem dos jaacute expressos
constitucionalmente deve ser encarado de modo a natildeo se banalizar esse valor fundamental da
dignidade da pessoa humana o qual natildeo deve ser tratado como um espelho no qual todos
187
MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2deg ed Coimbra Coimbra 1998 v 4 p 167 188
Por forccedila do sect 2deg do art 5deg da CF de 1988
96
veem o que desejam ver189
mas sim interpretado a partir de criteacuterios hermenecircuticos seguros e
respaldados na sistemaacutetica iacutensita ao ordenamento paacutetrio evitando desta forma o seu
esvaziamento
Conclui-se portanto que ao passo que os direitos fundamentais funcionam como
exigecircncia e concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana esse atua como
elemento ampliativo de tais direitos e serve de limite agrave restriccedilatildeo dos mesmos Nesse contexto
especialmente quanto agrave feiccedilatildeo promocional da dignidade da pessoa humana de impor uma
tarefa de cunho prestacional ao Estado haacute uma clara relevacircncia do instituto para os direitos
sociais (especialmente o direito agrave sauacutede) jaacute que a dignidade impotildee a satisfaccedilatildeo das condiccedilotildees
para uma vida saudaacutevel exigindo portanto um conjunto de direito a prestaccedilotildees por parte do
Estado e da comunidade
452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana
Atrelando o raciociacutenio desenvolvido quanto agrave primazia do direito agrave sauacutede dentre os
demais direitos sociais no ordenamento paacutetrio com o pensamento desenvolvido acima quanto
agrave relevacircncia do princiacutepio dignidade da pessoa humana especialmente quanto ao seu vieacutes
promocional tem-se que o direito agrave sauacutede pode ser enxergado como um dos elementos
centrais de uma vida digna e portanto um Estado Democraacutetico que elenca a dignidade como
seu fundamento deve ter uma atenccedilatildeo especial com o mesmo190
Entendido isto eacute certo que se o efeito pretendido pelo princiacutepio da dignidade da
pessoa humana consiste em uacuteltima anaacutelise em que as pessoas tenham uma vida digna podem
ser identificados alguns aspectos materiais dessa dignidade e nesse ponto eacute mais acertada
ainda a defesa de que a disponibilizaccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais que protejam e promovam o
direito agrave sauacutede eacute o primeiro e elementar aspecto a ser traccedilado191
Mas qual seria entatildeo o conteuacutedo material baacutesico da dignidade da pessoa humana O
exame de tal conteuacutedo parte da noccedilatildeo de miacutenimo existencial que consiste exatamente no
189
TRIBE Laurence H DORF Michael C On Reading the Constitucion Cambridge Massachussets Harvard
University Press 1991 p 7 apud SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 121 190
Aleacutem disso o papel a contribuiccedilatildeo da dignidade da pessoa humana para a eficaz abertura do cataacutelogo
constitucional dos direitos fundamentais assume funccedilatildeo relevante para o direito agrave sauacutede visto que solidifica a
imposiccedilatildeo dos tratados e pactos internacionais nos quais o Brasil se compromete a promoccedilatildeo de tal direito 191
Reforccedilando esse entendimento defende-se que natildeo haacute como desconsiderar ou mesmo negar a conexatildeo entre a
fundamentalidade dos direitos sociais e a dignidade da pessoa humana conexatildeo essa que se torna mais intensa
quanto maior for a importacircncia do direito social em exame para a efetiva fruiccedilatildeo de uma vida com dignidade
BITENCOURT NETO Eurico O Direito ao Miacutenimo para uma Existecircncia Digna Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 117
97
conjunto de prestaccedilotildees materiais miacutenimas sem as quais se pode asseverar que o indiviacuteduo
posiciona-se em situaccedilatildeo de indignidade A compreensatildeo exata do que estaria incluiacutedo no
miacutenimo existencial por sua vez passa pelo ponto jaacute defendido de que os enunciados
normativos podem ganhar a roupagem de regras ou de princiacutepios e nesse contexto tem-se
que o miacutenimo existencial seria o elemento interno do princiacutepio da dignidade da pessoa
humana sem o qual se pode afirmar que tal princiacutepio foi violado assumindo esse elemento
portanto um caraacuteter de regra e natildeo mais de princiacutepio
Desta maneira esse estudo filia-se agrave defesa de que haacute um conteuacutedo miacutenimo que pode
ser identificado no princiacutepio da dignidade da pessoa humana a respeito do qual ningueacutem
tergiversaraacute e que compotildee um nuacutecleo de condiccedilotildees materiais tatildeo fundamental que sua
existecircncia impotildee-se como uma regra e natildeo como um princiacutepio visto que caso tais condiccedilotildees
natildeo existissem natildeo haveria a possibilidade (clara nos princiacutepios) de se graduar ou otimizar
logo a violaccedilatildeo da dignidade quando direcionada a esse nuacutecleo funciona da mesma forma
como nas regras Por outro lado para aleacutem desse nuacutecleo haveria a manutenccedilatildeo da natureza
principioloacutegica da dignidade jaacute que nesse ponto residiriam fins relativamente indeterminados
que poderiam ser atingidos a depender das opccedilotildees do Legislativo e Executivo em cada
momento histoacuterico192
Explicando melhor o raciociacutenio desenvolvido o miacutenimo existencial consistiria no
nuacutecleo material do princiacutepio da dignidade da pessoa humana o qual engloba um conjunto de
situaccedilotildees materiais indispensaacuteveis agrave existecircncia humana digna cuja violaccedilatildeo importa
necessariamente em desrespeito a dignidade sob o aspecto material tornando-se o conteuacutedo
de tal miacutenimo um espectro indisputaacutevel que solidifica consensualmente o baacutesico de condiccedilotildees
que cada indiviacuteduo necessita para viver dignamente193
Tem-se pois que o miacutenimo existencial corresponde a uma fraccedilatildeo nuclear da
dignidade da pessoa humana eivada de um caraacuteter de regra em um contexto em que a natildeo
realizaccedilatildeo dos efeitos abrangidos por esse miacutenimo apontaraacute para uma automaacutetica violaccedilatildeo do
192
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 243 193
Corroborando para a conexatildeo entre dignidade da pessoa humana e miacutenimo existencial Caacutermen Luacutecia
Antunes Rocha pontua que ldquopelo acolhimento do conceito de miacutenimo existencial a ser garantido como direito
para a efetivaccedilatildeo desse princiacutepio [dignidade da pessoa humana] tem-se por estabelecido um espaccedilo
juridicamente assegurado e posto a cumprimento obrigatoacuterio de tal modo que o seu natildeo acatamento pode ser
objeto de responsabilizaccedilatildeo do Estado () o conceito de miacutenimo existencial dotou de conteuacutedo objetivo o
quanto compete aos Estado e agrave sociedade garantir a todos o cumprimento do princiacutepio da dignidade humanardquo
ROCHA Caacutermen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel In Revista latino-
americana de estudos constitucionais n5 janjun Belo Horizonte 2005 p 445
98
mencionado princiacutepio constitucional194
Por outro lado eacute certo que a parcela remanescente do
conteuacutedo da dignidade da pessoa humana a qual natildeo faz parte desse consenso miacutenimo e
apresenta o vieacutes de princiacutepio pode vir a ser incorporada a esse nuacutecleo essencial a depender da
conjuntura histoacuterica e poliacutetica195
Nesse contexto se por um lado natildeo existe consenso sobre a possibilidade de uma
delimitaccedilatildeo pontual196
de tudo que realmente viria a abranger esse miacutenimo existencial197
por
outro natildeo pode ser negado o fato de que o direito agrave sauacutede natildeo soacute estaria incluiacutedo em seu
conteuacutedo como em verdade seria o seu componente elementar jaacute que (repisando a noccedilatildeo de
direito agrave sauacutede como um direito social impreteriacutevel) natildeo se cogita uma vida digna que natildeo
abranja uma vida saudaacutevel198
De toda forma uma pergunta jaacute desponta o que finalmente estaria incluiacutedo de
maneira concreta no miacutenimo existencial e qual seria portanto esse conjunto de situaccedilotildees
materiais imprescindiacuteveis agrave existecircncia humana digna Antes de responder tal questionamento
faz-se imperioso o alerta de que qualquer proposta que tente especificar as prestaccedilotildees
materiais incluiacutedas na noccedilatildeo de miacutenimo existencial deve ter em mente que esse nuacutecleo natildeo
consiste em um elemento hermeacutetico e cerrado mas sim configura-se de modo expansiacutevel
194
Conforme preceitua Mariana Filchtiner podem ser identificadas duas dimensotildees distintas do miacutenimo
existencial de um lado o direito de natildeo ser privado do que se considera essencial agrave conservaccedilatildeo de um
rendimento indispensaacutevel a uma existecircncia minimamente dina e de outro o direito a exigir do Estado as
prestaccedilotildees que traduzem esse miacutenimo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 194 195
Com perfeiccedilatildeo Ana Paula de Barcellos tenta elucidar a temaacutetica em exame da seguinte maneira ldquoRecorra-se
aqui a uma imagem capaz de ilustrar o que se afirma a de dois ciacuterculos concecircntricos O ciacuterculo interior cuida
afinal do miacutenimo de dignidade decisatildeo fundamental do poder constituinte originaacuterio que qualquer maioria teraacute
de respeitar e que afinal representa o efeito concreto miacutenimo pretendido pela norma e exigiacutevel O espaccedilo entre o
ciacuterculo interno e o externo seraacute ocupado pela deliberaccedilatildeo poliacutetica a quem caberaacute para aleacutem do miacutenimo
existencial desenvolver a concepccedilatildeo de dignidade prevalente ()rdquoBARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia
juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de
Janeiro Renovar 2011 p 296 196
Para Ricardo Locircbo Torres por exemplo o miacutenimo existencial seria ldquoindefiniacutevel aparecendo sob a forma de
claacuteusulas gerais e tipos indeterminadosrdquo TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos
direitos In TORRES Ricardo Locircbo (Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999
p 151 197
Merece nota o posicionamento reforccedilador da unidade dos direitos fundamentais de Ingo Sarlet no sentido de
ser o miacutenimo existencial propriamente uma espeacutecie de direito fundamental composto por um conjunto de direitos
fundamentais a prestaccedilotildees os quais por sua essencialidade agrave garantia de condiccedilotildees miacutenimas (e aiacute o autor cita a
sauacutede a educaccedilatildeo a alimentaccedilatildeo e a informaccedilatildeo) possibilitam o real exerciacutecio dos direitos individuais e
poliacuteticos SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 198
Aqui faz-se relevante a distinccedilatildeo entre miacutenimo vital e miacutenimo existencial e a inter-relaccedilatildeo que a sauacutede
apresenta com ambos os conceitos Miacutenimo vital refere-se agraves prestaccedilotildees materiais imperiosas agrave subsistecircncia do
indiviacuteduo enquanto miacutenimo existencial abarcaria todas prestaccedilotildees necessaacuterias ao gozo de uma vida digna indo
aleacutem da mera sobrevivecircncia Nota-se assim que o direito agrave sauacutede tanto por sua primazia atrelada ao seu caraacuteter
elementar quanto pelo fato de sua salvaguarda acompanhar o indiviacuteduo por toda sua existecircncia termina por
figurar como carro-chefe de ambos os conceitos
99
podendo (e devendo199
) serem acoplados novos elementos ao mesmo conforme a evoluccedilatildeo de
cada ordenamento importando sua supressatildeo200
em grave violaccedilatildeo agrave dignidade
Dito isto tem-se que o presente estudo se filia agrave ambiciosa201
proposta de
concretizaccedilatildeo juriacutedica da ideia de miacutenimo existencial formulada por Ana Paula Barcellos de
que o Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humanardquo a qual identifica quatro elementos (trecircs
materiais e um de caraacuteter instrumental) na composiccedilatildeo do miacutenimo existencial e portanto
concretizadores do nuacutecleo da dignidade da pessoa humana a sauacutede baacutesica a educaccedilatildeo baacutesica
a assistecircncia aos desamparados e o acesso agrave justiccedila202
Sem partir de uma escolha aleatoacuteria tais elementos integram uma estrutura loacutegica que
aloca a educaccedilatildeo e a sauacutede como formadores de um primeiro momento da dignidade humana
jaacute que satildeo as peccedilas responsaacuteveis por assegurar as condiccedilotildees iniciais para que o indiviacuteduo
construa sua proacutepria dignidade de modo autocircnomo Ainda tal estrutura posiciona a assistecircncia
aos desamparados como uma espeacutecie de pilar uacuteltimo na base que evita a situaccedilatildeo de
indignidade em termos absolutos abrangendo aspectos inerentes agrave alimentaccedilatildeo vestuaacuterio e
abrigo e finalmente o acesso agrave justiccedila desponta como o elemento instrumental apto e
indispensaacutevel ao reconhecimento de eficaacutecia dos elementos materiais expostos
Avanccedilando nesse raciociacutenio defende-se aqui amparado por tudo que jaacute foi exposto
nesse capiacutetulo que dentre os trecircs elementos materiais apontados ainda que o direito agrave sauacutede
conforme a visatildeo da autora apresente-se conjugada com o direito agrave educaccedilatildeo em um primeiro
plano da dignidade humana por sua umbilical ligaccedilatildeo com o direito agrave vida seu caraacuteter de
direito impreteriacutevel e finalmente sua necessidade de perene garantia203
ao longo de toda a
vida do indiviacuteduo deve ser posicionado na base deste primeiro plano consistindo em preacute-
199
Para Ricardo Locircbo Torres novamente o miacutenimo existencial estende-se para aleacutem dos direitos elencados no
art 5deg da CF sendo dotados de historicidade comportando elasticidade suficiente para adaptar-se ao contexto
social TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos direitos In TORRES Ricardo Locircbo
(Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999 p 262 200
Nesse ponto dos ensinamentos de Canotilho depreende-se que com base no princiacutepio da vedaccedilatildeo do
retrocesso social ou da evoluccedilatildeo reacionaacuteria uma vez obtido certo grau de realizaccedilatildeo de um direito social por
meio de uma nova prestaccedilatildeo material especiacutefica tal acreacutescimo passa a compor a esfera dimensional do direito
agraciado passando a ser exigiacutevel pelos cidadatildeos CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional
e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 339 201
Adjetivaccedilatildeo empreendida pela proacutepria autora BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos
Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar
2011 p 247 202
Em que pese a referida autora se preocupar em sua obra em delimitar o que na visatildeo da mesma estaria
abrangido por cada um desses elementos tal especificaccedilatildeo natildeo seraacute objeto do presente estudo sendo apenas em
momento oportuno apresentada o posicionamento particular do que seria um miacutenimo existencial em espeacutecie
para o direito agrave sauacutede 203
Enquanto a educaccedilatildeo poderaacute vir a ser prestada em qualquer fase da vida a preocupaccedilatildeo com a sauacutede
acompanha a pessoa humana desde antes sua concepccedilatildeo percorrendo por toda sua existecircncia
100
requisito baacutesico a fruiccedilatildeo dos demais direitos fundamentais para aleacutem do proacuteprio miacutenimo
existencial
Quanto a esse ponto (fundamentalidade da sauacutede e educaccedilatildeo) sem querer travar um
embate entre tais bens mas apenas constatar uma situaccedilatildeo faacutetica faz-se imperioso admitir
que embora a obrigaccedilatildeo estatal para com a educaccedilatildeo do cidadatildeo necessite de uma estrutura
perene uma vez usufruiacutedo tal direito seja em qual fase da vida for pode-se dizer que o
Estado quitou sua ldquodiacutevidardquo com a formaccedilatildeo educacional daquele indiviacuteduo em especiacutefico que
estaria apto a trilhar seu proacuteprio caminho Noutro vieacutes a obrigaccedilatildeo estatal com relaccedilatildeo a
sauacutede atravessa toda a vida do indiviacuteduo natildeo importando sua idade nem grau de instruccedilatildeo
educacional
Em outras palavras enquanto que com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo o Estado pode em algum
momento se posicionar como fiel cumpridor do que se comprometeu livrando-se para cada
indiviacuteduo especificamente de sua obrigaccedilatildeo quanto agrave sauacutede o Estado continuamente estaraacute
ldquopagando sua diacutevida com o cidadatildeordquo sempre que o indiviacuteduo necessitar dos serviccedilos de sauacutede
puacuteblica
Corroborando com o raciociacutenio acima construiacutedo tem-se que a CF de 1988
vislumbrou ser possiacutevel estratificar (sem comprometer) o direito agrave educaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis a partir de criteacuterios etaacuterios importando em distintos graus de obrigatoriedade do Estado
quanto agrave concretizaccedilatildeo de tal direito204
enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede tal teacutecnica natildeo
pocircde ser aplicada pois enxergou-se que como o direito agrave sauacutede pode ser lesado de maneira
atemporal e inesgotaacutevel e o Estado chamado a reparar tal violaccedilatildeo uma proteccedilatildeo a tal direito
soacute estaria consentacircnea com a dignidade da pessoa humana caso abrangesse o acesso universal
e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede o que
acabou sendo previsto pela CF
Feitas tais digressotildees transborda aos interesses desse estudo a exata noccedilatildeo do que
cada elemento citado como integrante do miacutenimo existencial estaria abrangendo contudo
merece ser esboccedilada ainda que sucintamente a noccedilatildeo particular trazida pela referida autora
de qual seria o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede integrantes desse elemento do miacutenimo
existencial para posterior contraste com a visatildeo empreendida por esse estudo no capiacutetulo
seguinte Nesse contexto a concretizaccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial com
relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede205
deve necessariamente abranger a prestaccedilatildeo de serviccedilo de
204
Conforme art 208 da CF de 1988 205
Sob um vieacutes dialoacutegico pode-se afirmar que se de um lado a sauacutede consubstancia-se como elemento do
miacutenimo existencial (que seria o nuacutecleo essencial da dignidade humana) natildeo se pode esquecer que no acircmbito
101
saneamento o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo
epidemioloacutegicas206
Chega-se finalmente a um dos pontos centrais do presente estudo que eacute o alerta para
o fato de que natildeo se faz suficiente somente afirmar o que estaria englobado no miacutenimo
existencial Eacute essencial compreender qual o alcance em termos de exigibilidade e eficaacutecia de
se afirmar que prestaccedilatildeo ldquoardquo ou ldquobrdquo insere-se no conteuacutedo do miacutenimo existencial e quais as
consequecircncias em caso de afronta ao mesmo
Mergulha-se entatildeo na relevante temaacutetica da sindicabilidade dos direitos sociais
especialmente do direito agrave sauacutede perante o Poder Judiciaacuterio e a premissa que antes mesmo de
adentrar no toacutepico especiacutefico do tema jaacute deve ser assentada eacute a de que (a partir do resgate do
pensamento jaacute esposado de que o miacutenimo existencial ganha roupagem de regra e portanto sua
natildeo garantia importaraacute em violaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana) quando o Judiciaacuterio
emprega o conceito de miacutenimo existencial ele estaacute automaticamente dispensando o exame da
reserve do possiacutevel
Isto porque a possiacutevel utilizaccedilatildeo do argumento econocircmico-orccedilamentaacuterio do Estado soacute
pode ser invocada quando estiver sendo discutido um aspecto que transborde o conteuacutedo
desse miacutenimo
Portanto a celeuma envolvendo a judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede reside exatamente
na tentativa de se construir criteacuterios objetivos e razoaacuteveis que respaldem um controle judicial
consentacircneo com o ordenamento constitucional paacutetrio de modo a evitar abusos e efeitos
colaterais que ao inveacutes de fortalecer venha a enfraquecer a relaccedilatildeo entre os Poderes e as
bases constitucionais de tal direito E nesse ponto a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial
especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede por contribuir para uma maior seguranccedila juriacutedica dessa
intervenccedilatildeo judicial no tema assume papel de suma relevacircncia conforme se veraacute a seguir
desse proacuteprio direito agrave sauacutede existe um espectro de situaccedilotildees materiais cuja garantia iraacute importar na
concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial formando um consenso miacutenimo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que
retroalimenta essa sistemaacutetica dialoacutegica Pode-se falar portanto em miacutenimos existenciais em espeacutecie para cada
um dos elementos (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) do nuacutecleo da dignidade da
pessoa humana consistindo a tentativa doutrinaacuteria e jurisprudencial de elucidaccedilatildeo da abrangecircncia de cada um
desses miacutenimos em espeacutecie uma importante tarefa apta a proporcionar seguranccedila juriacutedica no terreno da
problemaacutetica da efetividade dos direitos fundamentais sociais 206
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 321
102
5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
De modo a facilitar a organizaccedilatildeo do raciociacutenio ateacute aqui desenvolvido e situar o leitor
na busca pela compreensatildeo do presente capiacutetulo faz-se pertinente rememorar que o estudo
ora proposto tem como ponto de partida as constataccedilotildees de que o niacutevel de concretizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede alcanccedilado no panorama constitucional paacutetrio natildeo corresponde ao patamar de
gradual e progressiva realizaccedilatildeo imaginado e reconstruiacutedo pela Constituiccedilatildeo de 1988 bem
como que o direito agrave sauacutede frente sua maior proximidade com o direito agrave vida e seu caraacuteter de
direito impreteriacutevel apresenta um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica mais acentuado que os
demais direitos sociais alocando-se assim para uma posiccedilatildeo de primazia dentre estes
Admitidas tais premissas concluiu-se que no exame acerca da problemaacutetica da
eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede em que pese o fato de sua realizaccedilatildeo demandar um
aporte de recursos do Estado existem certas prestaccedilotildees materiais que podem ser pleiteadas
judicialmente sem que o argumento da reserva do possiacutevel possa prosperar jaacute que seriam
prestaccedilotildees incluiacutedas em uma espeacutecie de nuacutecleo do direito a sauacutede compondo um miacutenimo
existencial em espeacutecie para tal direito Da mesma forma assentou-se que a depender das
previsotildees legais e poliacuteticas puacuteblicas na temaacutetica outras prestaccedilotildees poderiam ser exigidas
judicialmente jaacute que os compromissos firmados devem ser cumpridos sob pena de se frustrar
a concretizaccedilatildeo do direito ora examinado
Eacute nessa conjuntura que surge a problemaacutetica discussatildeo acerca dos limites da atuaccedilatildeo
do Poder Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tema que envolve de forma complexa
aleacutem de aspectos de natureza primordialmente constitucional como a correta leitura da
Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e o alcance do Princiacutepio da Igualdade nuances
relacionadas agrave seara orccedilamentaacuteria ao controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas e agrave hermenecircutica
juriacutedica sobretudo quando da aplicaccedilatildeo do Princiacutepio da Proporcionalidade
O presente capiacutetulo se propotildee a analisar exatamente as questotildees acima mencionadas
com o fito de defender fique claro desde jaacute que o papel do Poder Judiciaacuterio no
enfrentamento de casos que envolvam a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que vinculado
a criteacuterios razoaacuteveis e objetivos que natildeo desvirtuem a organizaccedilatildeo dos poderes estruturada
constitucionalmente consiste em um importante instrumento de aceleraccedilatildeo do jaacute
mencionado deacuteficit evolutivo pelo qual passa o processo de gradual realizaccedilatildeo de tal direito
no Brasil
Partindo do exposto e levando em consideraccedilatildeo a interpretaccedilatildeo da legislaccedilatildeo
infraconstitucional paacutetria regulamentadora do direito agrave sauacutede o mote principal deste capiacutetulo
103
seraacute o seguinte tentar delimitar quais prestaccedilotildees materiais incluem-se no miacutenimo existencial
do direito agrave sauacutede aleacutem de propor razoaacuteveis criteacuterios a serem empregados pelo Judiciaacuterio ao
julgar demandas que envolvam o tema
Feito essa espeacutecie de resumo elucidativo seraacute examinado a seguir o ponto inicial da
discussatildeo proposta a contribuiccedilatildeo da noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional207
no contexto do
constitucionalismo contemporacircneo para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais
51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA
ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
A hodierna visatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional estaacute inserida no contexto das
transformaccedilotildees contemporacircneas do chamado neoconstitucionalismo208
fenocircmeno que apesar
da dificuldade de se chegar a um conceito uniforme209
pode ser caracterizado pela
identificaccedilatildeo de trecircs marcos (um histoacuterico um filosoacutefico e outro teoacuterico) condensadores das
mudanccedilas de paradigma que mobilizaram a criaccedilatildeo de uma nova percepccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
O marco histoacuterico no contexto mundial pode ser identificado pelo constitucionalismo
do poacutes 2deg Guerra Mundial marcado pela tentativa de se redefinir o lugar da Constituiccedilatildeo e sua
influecircncia sobre as instituiccedilotildees contemporacircneas a partir da aproximaccedilatildeo das ideias de
constitucionalismo e democracia com o surgimento do Estado Democraacutetico de Direito No
Brasil tal renascimento se deu tardiamente mediante a atual Carta de 1988 a qual vem
propiciando o mais longo periacuteodo de estabilidade institucional da histoacuteria republicana
paacutetria210
207
Sobre a temaacutetica conferir dentre outros NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira Jurisdiccedilatildeo Constitucional ndash
Aspectos controvertidos Curitiba Juruaacute 2011 254 p 208
Natildeo eacute objeto do presente estudo o enfrentamento da discussatildeo acerca da conceituaccedilatildeo de
neoconstitucionalismo sendo certo contudo que natildeo haacute uma completa uniformidade doutrinaacuteria acerca do tema
Sobre o assunto v dentre outros Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das
poliacuteticas puacutebicas Revista de Direito Administrativo ndeg 240 2005 COMANDUCCI Paolo Formas de (neo)
constitucionalismo um anaacutelisis metateoacuterica Isonomiacutea n 16 p 89 abr2002 CARBONELL Miguel
Neoconstitucionalismo(s) Madrid Trotta 2003 209
Nesse sentido adverte Humberto Aacutevila que natildeo haacute apenas um conceito de ldquoneoconstitucionalismordquo sendo a
diversidade de autores concepccedilotildees elementos e perspectivas tatildeo marcante que torna-se inviaacutevel o esboccedilo de
uma teoria uacutenica Contudo na visatildeo do autor podem ser identificados quatro fundamentos inseparaacuteveis do
instituto ldquoo normativo (da regra ao princiacutepio) o metodoloacutegico (da subsunccedilatildeo agrave ponderaccedilatildeo) o axioloacutegico (da
justiccedila geral agrave justiccedila particular) e o organizacional (do Poder Legislativo ao Poder Judiciaacuterio)rdquo AacuteVILA
Humberto ldquoNeoconstitucionaismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo In Revista Eletrocircnica
de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico ndeg 17 janeirofevereiromarccedilo
2009 210
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02
104
No campo filosoacutefico o debate travado pelas correntes de pensamento jusnaturalista
(desenvolvido a partir do seacuteculo XVI e marcado pela aproximaccedilatildeo da lei e razatildeo) e positivista
(ascendente no final do seacuteculo XIX em lugar do jusnaturalismo e caracterizado pelo
afastamento do direito da filosofia) eacute superado com a adoccedilatildeo da prevalecircncia de um conjunto
difuso e abrangente de ideias agrupadas sob o roacutetulo de poacutes-positivismo que sem desprezar o
direito posto busca empreender uma leitura moral do direito perquirindo sua funccedilatildeo social e
desenvolvendo instrumentos para sua interpretaccedilatildeo211
Daiacute ser consistente a criacutetica212
de que a adesatildeo ao neoconstitucionalismo natildeo significa
a automaacutetica aceitaccedilatildeo das famosas premissas (mais princiacutepios que regras mais ponderaccedilatildeo
que subsunccedilatildeo) pregadas por Luiacutes Pietro Sanchiacutes213
como caracterizadoras de tal movimento
mas sim a adoccedilatildeo de uma teoria constitucional que sem descartar a relevacircncia das regras e da
subsunccedilatildeo abraccedila os princiacutepios e a ponderaccedilatildeo tentando racionalizar seu uso
Tal cenaacuterio mergulhado na reaproximaccedilatildeo entre o direito e a filosofia eacute marcado por
um conjunto de novas ideias que tentam justificar esse novel posicionamento da Constituiccedilatildeo
no ordenamento214
destacando-se o desenvolvimento de uma teoria dos direitos
fundamentais calcada na dignidade humana o conferimento de normatividade aos princiacutepios e
a reabilitaccedilatildeo da razatildeo praacutetica e da argumentaccedilatildeo juriacutedica na formaccedilatildeo de uma nova
hermenecircutica constitucional baseada na maior amplitude do espaccedilo de atuaccedilatildeo do
inteacuterprete215
Eacute no campo teoacuterico contudo que estaacute inserida a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional
que juntamente com o reconhecimento de forccedila normativa agrave Constituiccedilatildeo e o
desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional formam as trecircs
grandes transformaccedilotildees do neoconstitucionalismo essenciais para a superaccedilatildeo da arcaica
noccedilatildeo de Constituiccedilatildeo como um mero documento poliacutetico cuja concretizaccedilatildeo das propostas
211
Tal movimento ficou conhecido como virada kantiana e buscou sepultar a ideia de uma separaccedilatildeo riacutegida
entre a descriccedilatildeo e prescriccedilatildeo na ciecircncia juriacutedica associando o debate moral ao direito TORRES Ricardo Lobo
A jurisprudecircncia dos valores In SARMENTO Daniel (Coord) Filosofia e teoria constitucional
contemporacircnea Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 509 212
SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 81 213
SANCHIS Luis Pietro Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales Madrid Trotta 2000 p 132 214
Reforce-se que a superaccedilatildeo do positivismo natildeo deve ser compreendida nem como o completo abandono do
instrumental teoacuterico desenvolvido pela doutrina positivista nem como o regresso automaacutetico ao jusnaturalismo
mas sim como uma mescla e agrupamento de tais modelos resultante na combinaccedilatildeo dos acertos de ambos
BUSTAMANTE Thomas da Rosa de Em busca de uma filosofia do Direito natildeo-positivista revisitando o
debate com o professor Alfonso Garciacutea Figueroa In Teoria do direito e decisatildeo racional temas de teoria da
argumentaccedilatildeo juriacutedica Rio de JANEIRO Renovar 2008 p 232 215
PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito
com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 34
105
nela inseridas dependia completamente da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e da
discricionariedade do administrador216
Desta maneira o modelo de supremacia da lei entatildeo reinante foi cedendo espaccedilo para
um novo padratildeo inspirado pela experiecircncia americana de supremacia da constituiccedilatildeo217
marcado pela constitucionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais cuja proteccedilatildeo passou a caber ao
Judiciaacuterio Essa conjuntura por sua vez foi marcada pelo desenvolvimento do controle de
constitucionalidade das leis que no Brasil acoplou reflexos significativos da referida
expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional com o advento da Carta de 1988 sobretudo com a
criaccedilatildeo de novos mecanismos de controle concentrado e ampliaccedilatildeo dos legitimados agrave
propositura das accedilotildees de controle
Eacute nesse panorama de constitucionalizaccedilatildeo do direito em que a Constituiccedilatildeo aliou agrave
sua supremacia formal uma supremacia axioloacutegica alimentada pela abertura do sistema
juriacutedico e pela normatividade dos princiacutepios que surge o polecircmico debate doutrinaacuterio acerca
da legitimidade e dos limites da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo dos valores substantivos
basilares na Constituiccedilatildeo e na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sobretudo os sociais
de cunho prestacional em sentido estrito218
A polecircmica reside no fato de que se por um lado eacute paciacutefico existir um consenso com
relaccedilatildeo ao fato da Constituiccedilatildeo posicionar-se no centro do sistema juriacutedico irradiando sua
forccedila normativa e funcionando tanto como paracircmetro de validade para a ordem
infraconstitucional quanto vetor primordial de interpretaccedilatildeo do sistema juriacutedico por outro
estaacute longe de ser paciacutefica a delimitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio em demandas que envolvem
216
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 05 217
Sobre o tema Artur Cortez Bonifaacutecio aponta a importacircncia da supremacia da Constituiccedilatildeo realccedilando os
seguintes aspectos ldquoi) o princiacutepio disciplina a existecircncia e o funcionamento dos oacutergatildeos e agentes que compotildeem
a estrutura do Estado suas accedilotildees ou omissotildees e a sua atuaccedilatildeo de conformidade com a Constituiccedilatildeo ii) eacute tambeacutem
modelador das relaccedilotildees juriacutedicas do direito iii) dele se defere uma conformaccedilatildeo dos demais ramos do direito iv)
eacute um princiacutepio que direciona a interpretaccedilatildeo do direito e possibilita a defesa da Constituiccedilatildeo por meio do
exerciacutecio do controle de constitucionalidaderdquo BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional
internacional e a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 31 218
Eduardo Garciacutea de Enterriacutea aponta que ldquo la supremaciacutea de la Constitucioacuten sobre todas las hormas y su
caraacutecter central en la construccioacuten y em la validez del ordenamiento em su conjunto obligan a interpretar eacuteste
em cualquier momento de su aplicacioacuten ndash por operadores puacuteblicos o por operadores privados por Tribunales o
por oacuterganos legislativos o administrativos ndash em el sentido que resulta de los princiacutepios y reglas constitucionales
tanto los generales como los especiacuteficos referentes a la mateacuteria de que se trate ENTERRIacuteA Eduardo Garciacutea
Hermeneutica e Supremacia Constitucional In CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs)
Direito Constitucional teoria geral da constituiccedilatildeo Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 1 Satildeo Paulo Editora
Revista dos Tribunais 2011 829
106
direitos fundamentais sob o argumento de que estaria aplicando e fazendo valer a Constituiccedilatildeo
ao realizar tais direitos219
Aleacutem dessa justificativa juriacutedico-sistecircmica de que o judiciaacuterio quando julga tais
questotildees estaacute simplesmente cumprindo seu papel de defesa da Constituiccedilatildeo alguns aspectos
de caraacuteter social e poliacutetico podem ser apontados para a acentuaccedilatildeo do debate primeiro o fato
de que aumentou significativamente a demanda por justiccedila no Brasil tanto pela proacutepria
inserccedilatildeo de novos direitos e accedilotildees na tutela de interesses coletivos quanto pela redescoberta
da cidadania marcada pela conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto aos seus direitos220
e
segundo a constataccedilatildeo de que o quadro poliacutetico nacional reflete claramente uma carecircncia
tanto do Legislativo quanto do Executivo221
em cumprir com eficiecircncia suas respectivas
funccedilotildees222
Surge portanto nesse cenaacuterio de tensatildeo entre os poderes a necessidade de se
examinar o que se entende por ativismo judicial e qual seria a correta leitura do Princiacutepio da
Separaccedilatildeo dos Poderes especialmente no que se refere ao enfrentamento da temaacutetica da
atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos poderes
O aludido modelo poacutes-positivista ao fazer reverecircncia agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos
fundamentais terminou por contribuir para o fortalecimento daquela e a consequente elevaccedilatildeo
219
Nesta linha de raciociacutenio Daniel Giotti de Paula assevera que ldquoNatildeo se pode esperar que apenas a
Administraccedilatildeo Puacuteblica e os oacutergatildeos legislativos concretizem os direitos fundamentais Pode ser que na defesa de
um chamado interesse puacuteblico bdquosecundaacuterio‟ ou de interesses meramente pessoais e egoiacutesticos deixem eles de
cumprir deveres constitucionais de concretizaccedilatildeo de direitos da coletividade surgindo o Judiciaacuterio como a
instacircncia concretizadora de direitos fundamentais em situaccedilatildeo de niacutetida persecuccedilatildeo do interesse puacuteblico DE
PAULA Daniel Giotti Uma leitura criacutetica sobre o ativismo e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 22 220 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02 221
Importante esclarecer que em que pese a ineficiecircncia do Legislativo e Executivo em cumprir as promessas do
Estado de Bem-Estar Social eacute certo que o recurso aos canais judiciais para solucionar esse problema se deu em
um contexto de enfraquecimento do Legislativo e agigantamento do papel do Executivo ocasionado sobretudo
pela adoccedilatildeo de um presidencialismo de coalizatildeo em que a sustentaccedilatildeo parlamentar do Presidente natildeo se forma
com base somente no eixo partidaacuterio-eleitoral mas tambeacutem regional constatando-se que a agenda legislativa
passou a ser controlada pelo Executivo LIMONGI Fernando A democracia no Brasil presidencialismo
coalizaccedilatildeo partidaacuteria e processo decisoacuterio In Revista Novos Estudos ndeg 76 Nov 2006 p 19 222
Apesar de transbordar o objeto da presente pesquisa eacute inegaacutevel e natildeo pode ser desconsiderado o fato de que
o cenaacuterio poliacutetico brasileiro reflete uma constante e crescente desconfianccedila da sociedade com o Legislativo e
Executivo quadro recentemente reforccedilado pelos graves casos de corrupccedilatildeo ocorridos dentro do diaacutelogo entre
Executivo e Legislativo cunhado popularmente de ldquoescacircndalo do mensalatildeordquo
107
destes ao topo do ordenamento juriacutedico223
A pulsante expansatildeo da Jurisdiccedilatildeo Constitucional
e consequente ascensatildeo institucional do Judiciaacuterio224
acarretaram por sua vez em uma
expressiva judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais as quais passaram a ter nos tribunais
a sua instacircncia decisoacuteria final o que resgatou a discussatildeo sobre os limites da
comunicabilidade entre o sistema poliacutetico e juriacutedico
Desse modo somente para ilustrar seja no campo das poliacuteticas puacuteblicas da relaccedilatildeo
entre os poderes dos direitos fundamentais ou ateacute mesmo em questotildees cotidianas o
Judiciaacuterio especialmente o STF foi chamado a se pronunciar por exemplo sobre poder
investigativo do Ministeacuterio Puacuteblico possibilidade de greve do funcionalismo puacuteblico
legitimidade da interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo em casos de inviabilidade fetal aspectos centrais da
reforma da previdecircncia e do judiciaacuterio limites de atuaccedilatildeo das Comissotildees Parlamentares de
Inqueacuterito legalidade de cobranccedila de assinaturas telefocircnicas majoraccedilatildeo de valor das passagens
de transporte coletivo dentre inuacutemeros outros casos em que restou assentado o caraacuteter proacute-
ativo de tal poder225
Essa nova postura tem se estruturado de maneira bastante complexa no ordenamento
paacutetrio vez que a tentativa de se alcanccedilar um saudaacutevel meio termo entre a visatildeo que enxerga
essa atuaccedilatildeo com maus olhos (fala-se por exemplo em judiocracia e ldquooba-oba
constitucionalrdquo 226
) e a que defende a possibilidade do papel ativista do Judiciaacuterio como canal
seguro e legiacutetimo para solucionar os conflitos poliacutetico-juriacutedicos vem consistindo em uma
tarefa difiacutecil de ser alcanccedilada
223
MAIA Christianny Dioacutegenes Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro In SALES Gabrielle
Bezerra JUCAacute Roberta Laena Costa (Orgs) Constituiccedilatildeo em foco 20 anos de um novo Brasil Fortaleza
LCR 2008 p 52 224
Lenio Streck destaca o deslocamento do centro das decisotildees do Legislativo e Executivo para o plano da
Justiccedila Constitucional como um fato consequente e indissociaacutevel do proacuteprio Estado Democraacutetico de Direito ao
afirmar que ldquono Estado Democraacutetico de Direito o foco de tensatildeo se volta para o Judiciaacuterio Ineacutercias do
Executivo e a falta de atuaccedilatildeo do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciaacuterio justamente mediante a
utilizaccedilatildeo dos mecanismos juriacutedicos previstos na Constituiccedilatildeo que estabeleceu o Estado Democraacutetico de Direito
A Constituiccedilatildeo natildeo estaacute sendo cumprida As normas-programas da Lei Maior natildeo estatildeo sendo implementadas
Por isso na falta de poliacuteticas puacuteblicas cumpridoras dos ditames do Estado Democraacutetico de Direito surge o
Judiciaacuterio como instrumento para o resgate dos direitos natildeo realizadosrdquo STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica
juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 7deg ed Porto Alegre Livraria
do Advogado 2007 p 54-55 225 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 08 226
Tais termos foram cunhados por Daniel Sarmento no intuito de embasar em estudo desconstrutivo do
neoconstitucionalismo encarado como movimento de inspiraccedilatildeo italiana e espanhola ausente nos debates
americano e alematildeo sua preocupaccedilatildeo com a existecircncia de mais decisotildees e menos espaccedilo para o povo se
autogovernarem por meio das instacircncias democraacuteticas por ele escolhidas Sobre o assunto v SARMENTO
Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE
PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador
Juspodivm 2011 p 73
108
No seio desse embate eacute que nasce o fenocircmeno denominado pela doutrina de ativismo
judicial cuja ideia associa-se a uma participaccedilatildeo mais ampla e intensa do Judiciaacuterio na
concretizaccedilatildeo dos valores e fins constitucionais com interferecircncia no espaccedilo de atuaccedilatildeo dos
outros poderes a partir dentre outras medidas da aplicaccedilatildeo direta da Constituiccedilatildeo a situaccedilotildees
natildeo expressamente abarcadas em seu texto e independente de apoio do legislador ordinaacuterio
do aperfeiccediloamento do controle de constitucionalidade das leis com base em criteacuterios menos
riacutegidos que os de patente violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo bem como da imposiccedilatildeo de condutas e
abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicas227
Ocorre que a identificaccedilatildeo das accedilotildees que materializam a ideia do ativismo judicial por
si soacute natildeo reflete especificamente um consenso absoluto sobre o seu conceito e dependendo
da maneira que tal fenocircmeno eacute enxergado podem ser sustentadas defesas de pensamentos
totalmente antagocircnicos tanto a favor como contra o tema
Explica-se haacute quem vislumbre o ativismo como uma espeacutecie de mau comportamento
ou maacute consciecircncia do Judiciaacuterio acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no
sistema de separaccedilatildeo dos poderes228
e ao reveacutes haacute quem dissocie o termo da ideia de
desrespeito agrave separaccedilatildeo dos poderes defendendo que podem existir decisotildees enquadradas
como ativistas por envolverem opccedilotildees valorativas mas que materialmente estariam
consentacircneas com a noccedilatildeo de freios e contrapesos229
Constata-se portanto que o exame sobre ser ou natildeo determinada postura intriacutenseca a
uma visatildeo ativista vai variar de como cada inteacuterprete encara o instituto230
levando-se em
consideraccedilatildeo que o conceito de ativismo se mostra fugidio e soacute tem razatildeo de ser quando
pensado com base na realidade constitucional de cada ordenamento juriacutedico abstraiacutedo de
paracircmetros universais231
227
BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista
Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 08 228
COELHO Inocecircncio Maacutertires Ativismo judicial ou criaccedilatildeo judicial do direito In FERNANDES FELLET
Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial
Salvador Juspodivm 2011 p 475 229
SAMPAIO JUacuteNIOR Joseacute Herval Ativismo judicial autoritarismo ou cumprimento dos deveres
constitucionais In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 403 230
O mais recente Ministro do STF Luiacutes Roberto Barroso ao ser questionado em entrevista sobre o ativismo
judicial (tema que por sinal deu o tom de sua sabatina) realccedilou a questatildeo da divergecircncia conceitual do instituto
ao opinar que ldquoNatildeo acho que o Brasil viva um problema que se possa denominar de ativismo judicial se a essa
expressatildeo se quer emprestar um conteuacutedo negativordquo (Grifos acrescidos) Disponiacutevel em
httpwwwconjurcombr2013-jun-07entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo-tribunal-federal
Acessado em 07062013 231
BRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 387
109
Desta maneira caso admitido o raciociacutenio de que na ideia de ativismo judicial jaacute se
insere a peculiaridade pejorativa de accedilatildeo transbordativa dos limites impostos
constitucionalmente por razotildees oacutebvias seraacute afastada a possibilidade de classificar como
ativista determinado posicionamento judicial que respeite a loacutegica da separaccedilatildeo dos poderes e
se alinhe ao sistema constitucional
Por outro lado se o instituto for compreendido sob um vieacutes etimoloacutegico e neutro232
no
sentido de significar puramente uma accedilatildeo ativa ou seja de iniacutecio ou intensificaccedilatildeo de uma
operacionalidade jaacute vigorante poderatildeo ser identificados tanto um ativismo judicial beneacutefico e
legiacutetimo quanto um ativismo maleacutefico e ilegiacutetimo sendo a anaacutelise sobre a extrapolaccedilatildeo ou natildeo
dos limites preacutevia e constitucionalmente programados exatamente a tecircnue linha que demarca
o limite entre esses dois extremos
A partir desse segundo pensamento pode ser proposta uma defesa por um ativismo
judicial beneacutefico cuja legitimidade e congruecircncia com o sistema constitucional estaratildeo
atreladas ao fato de ser a atitude judicial empreendida limitada fundamentada e justificada na
proacutepria Constituiccedilatildeo Pode-se concluir assim que certas decisotildees do Judiciaacuterio em que pese
passarem a impressatildeo a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo desbordante do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos
Poderes ou das exigecircncias de democracia representativa natildeo podem ser enquadradas como
ilegiacutetimas jaacute que no fundo prestigiam soluccedilotildees impostas pelos direitos fundamentais
justificadas no Estado Democraacutetico de Direito
Ocorre que se por um lado emprestar automaacutetica e descompromissadamente a uma
decisatildeo um roacutetulo pejorativo de ativista eacute algo repreensiacutevel por outro tambeacutem eacute digno de
criacuteticas a utilizaccedilatildeo do argumento de que sempre que o Judiciaacuterio julga uma demanda
concretizando um direito fundamental ele o faz em prol da Constituiccedilatildeo como uma regra
geral e aprioriacutestica Tal argumento empregado isoladamente eacute simploacuterio e fatalmente
conduziria a um esvaziamento da noccedilatildeo de Separaccedilatildeo dos Poderes
Nesse sentido eacute que o presente trabalho propotildee a defesa por uma postura do Judiciaacuterio
atuante na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que e somente quando respeitados limites
soacutelidos e objetivos previamente estabelecidos postura essa que pode ser tranquilamente
enquadrada como um ativismo beneacutefico e constitucionalmente legiacutetimo
232
Stephen Smith alerta jaacute ser intuitiva a percepccedilatildeo de que o ativismo ganhou um contorno simplista atrelado a
indicaccedilatildeo de exerciacutecio ilegiacutetimo da revisatildeo judicial e defende a necessidade de se superar tal visatildeo de puro vieacutes
ideoloacutegico a partir do esboccedilo de uma visatildeo neutra de ativismo SMITH Stephen F Takin Lessons from the Left
Judicial activismo on the right The Georgetown Journal of Law $ Public Policy Vol 57 2002 apud DE
PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do
ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel
Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 285
110
Contudo o debate eacute complexo jaacute que caminha por discussotildees que envolvem pontos
constitucionais relevantes como o Princiacutepio da Igualdade Princiacutepio Democraacutetico e Seguranccedila
Juriacutedica sendo primordial portanto especificar melhor como essa postura ativista beneacutefica se
apresenta no quadro da Separaccedilatildeo dos Poderes no ordenamento paacutetrio para soacute a partir daiacute
avanccedilar para a proposiccedilatildeo de quais seriam os limites com relaccedilatildeo agrave concretizaccedilatildeo judicial do
direito agrave sauacutede e de que forma os mesmos poderatildeo contribuir para a aniquilaccedilatildeo ou ao menos
diminuiccedilatildeo dos efeitos colaterais de decisotildees desenfreadas na temaacutetica
Dito isto eacute certo que o cenaacuterio estaacute arquitetado da seguinte maneira de um lado
critica-se a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais basicamente
com dois argumentos centrais233
ndash a afronta agrave separaccedilatildeo dos poderes e a ausecircncia de
legitimidade democraacutetica de outro defende-se tal atuaccedilatildeo quando realizada de modo a
resguardar o processo democraacutetico promover os valores constitucionais e assegurar a
estabilidade institucional
Com relaccedilatildeo agrave primeira ideia contraacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais pelo
Judiciaacuterio deve ser esclarecido que o modelo claacutessico de separaccedilatildeo dos poderes calcado nas
propostas de Montesquieu234
e Madison235
foi alicerccedilado em outro contexto em que reinava o
paradigma liberal do direito no qual cabia ao Judiciaacuterio o papel de mero revelador e que por
isso com a virada neoconstitucional (marcada como jaacute visto pela valorizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais nas modernas Constituiccedilotildees associados agrave noccedilatildeo de maacutexima aplicaccedilatildeo dos
mesmos) faz-se necessaacuteria uma nova concepccedilatildeo de separaccedilatildeo dos poderes236
233
O rompimento desse equiliacutebrio entre os poderes centra-se no argumento da falta de legitimidade democraacutetica
do Judiciaacuterio bem como da afronta a separaccedilatildeo dos poderes contudo outros argumentos (em verdade
desdobramentos desses maiores) tambeacutem satildeo apontados como a ideia de que o Judiciaacuterio natildeo tem condiccedilotildees de
avaliar o impacto de suas decisotildees sobre a estrutura do Estado como um todo bem como que a decisatildeo sobre por
exemplo onde investir ou que bem priorizar eacute eminentemente poliacutetica e o espaccedilo do Judiciaacuterio deve ser juriacutedico 234
De se destacar que a preocupaccedilatildeo inicial se contenta em analisar as relaccedilotildees entre os poderes sob o princiacutepio
da incompatibilidade buscando impedir que uma mesma pessoa ou grupo ocupasse mais de um poder e natildeo
propriamente a pretensatildeo contemporacircnea de separaccedilatildeo entre as diversas funccedilotildees estatais MAUS Ingeborg
Separaccedilatildeo dos poderes e funccedilatildeo judiciaacuteria uma perspectiva teoacuterico democraacutetica In BIGONA Antocircnio Carlos
Alpino MOREIRA Luiz (orgs) Legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris
2010 p 27 235
Madison aperfeiccediloou a teoria de Montesquieu ao sugerir o sistema de freis e contrapesos calcado no
estabelecimento de funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas aos poderes visando o controle muacutetuo sem que qualquer um deles
pudesse chegar a uma posiccedilatildeo de hegemonia dentro do Estado DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe
separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da
poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As
novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 275 236
Corroborando com a noccedilatildeo de aperfeiccediloamento da separaccedilatildeo dos poderes Bruce Ackerman afirma que ldquoa
separaccedilatildeo de poderes eacute uma ideia mas natildeo haacute nenhuma razatildeo para supor que os escritores claacutessicos esgotaram a
sua excelecircnciardquo ACKERMAN Bruce A nova separaccedilatildeo de poderes Trad por Isabelli Maria Campos
Vasconcelos e Eliana Valadares Santos Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 113
111
A construccedilatildeo dessa nova concepccedilatildeo que no contexto hodierno eacute alimentada pela crise
da representaccedilatildeo parlamentar e a percepccedilatildeo da justiccedila como um canal aberto ao debate
poliacutetico eacute acompanhada de perto pela tentativa de se reconhecer ateacute que ponto estatildeo
legitimados os tribunais para resolver questotildees morais e poliacuteticas na sociedade avaliando-se a
profundidade que a tensatildeo entre constitucionalismo e democracia atinge no cenaacuterio atual de
abrandamento da rigorosa separaccedilatildeo entre os espaccedilos do direito e da justiccedila cada vez menos
demarcados237
Tentando-se construir um raciociacutenio loacutegico de faacutecil assimilaccedilatildeo pode ser defendido
que se a noccedilatildeo de freios e contrapesos pressupotildee que os oacutergatildeos estatais sejam representativos
da sociedade eacute apropriado se admitir que o descreacutedito com o sistema representativo termina
por colocar em xeque o proacuteprio funcionamento do sistema poliacutetico238
sendo inevitaacutevel a
convocaccedilatildeo do Judiciaacuterio para tentar corrigir esse problema desde que tal correccedilatildeo seja
realizada no limite dos ditames constitucionais239
Desta maneira no contexto de crise da representaccedilatildeo popular agravado pelo caraacuteter
altamente compromissoacuterio da prolixa Carta de 1988 a saiacuteda para a celeuma sobre como
seguramente limitar a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio estaacute exatamente na compreensatildeo de que o real
papel do mesmo eacute o de se portar respeitador agraves escolhas das instacircncias representativas mas
prioritariamente intolerante agrave posturas majoritaacuterias que transbordem os limites
constitucionais240
Noutro poacutertico pode ser defendido que o concerto sistemaacutetico da soma vetorial das
disposiccedilotildees constitucionais natildeo implica que o vetor final desse arranjo aponte
necessariamente para uma total preponderacircncia da separaccedilatildeo dos poderes e das prerrogativas
do Legislativo e Executivo com o consequente afastamento da possibilidade do Judiciaacuterio
237
BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista
Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 10 238
Sobre a crise do sistema de freios e contrapesos Daniel Giotti de Paula defende o fato de que tal sistema natildeo
reforccedila por si soacute a democracia jaacute que partiria de uma visatildeo homogecircnea da sociedade que transportada para os
dias atuais esbarraria na complexidade da sociedade hodierna e natildeo atingiria agrave representaccedilatildeo total almejada
sendo destacada a necessidade de se abandonar a ideia de separaccedilatildeo dos poderes como um modelo puro de
foacutermula universal aprioriacutestica e completa DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A
invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 281 239
RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 p 116 240
Corroborando Andreacute Ramos Tavares pontua que ldquoa crise da democracia parlamentar eacute apresentada como
uma das principais problemaacuteticas contemporacircneas Para resolver essa dificuldade eacute preciso registrar
preliminarmente que natildeo existe um modelo final de democracia que se possa utilizar como paracircmetro absoluto
Ademais o modelo inicial de Estado Legislativo (legalista) estava alicerccedilardo na ideia de democracia tendo
sido contudo possiacutevel verificar sua incapacidade democraacutetica Sua substituiccedilatildeo por um Estado Constitucional
de Direito implicou a consideraccedilatildeo de uma democracia constitucionalrdquo TAVARES Andreacute Ramos Teoria da
Justiccedila Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 494
112
sindicar algum efeito de um direito fundamental em seu aspecto material241
o que corrobora
com o fato de que o momento eacute de crise do modelo tradicional de separaccedilatildeo dos poderes cujas
concepccedilotildees consagradas natildeo acompanharam a construccedilatildeo das novas necessidades do direito
A incompatibilidade acima apontada e a necessidade de releitura da separaccedilatildeo dos
poderes satildeo reforccediladas pela proacutepria incapacidade reconhecida do Legislativo e Executivo em
solucionarem questotildees polecircmicas surgidas no contexto contemporacircneo (como as discussotildees
sobre uniatildeo homoafetiva e bebecircs aneceacutefalos) acarretando em um estado de socorro ao
Judiciaacuterio como saiacuteda mais segura e cocircmoda para o problema natildeo se discutindo sobre as
criacuteticas apontadas
Coadunando com o pensamento de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais se faz legiacutetima quando consentacircnea com os ideais do Estado Democraacutetico de
Direito Ana Paula de Barcellos242
pondera que
Em um Estado democraacutetico natildeo se pode pretender que a Constituiccedilatildeo
invada o espaccedilo da poliacutetica em uma versatildeo de substancialismo radical e
elitista em que as decisotildees poliacuteticas satildeo transferidas do povo e seus
representantes apara os reis filoacutesofos da atualidade os juristas e operadores
do direito em geral () Se contudo a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas
quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas
juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema
natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa
ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata de absorccedilatildeo do poliacutetico pelo
juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (Grifos
acrescidos)
No que se refere ao segundo fator contraacuterio agrave possibilidade de atuaccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais eacute importante se ter em mente que a ideia de
democracia natildeo se resume simplesmente ao princiacutepio majoritaacuterio243
que cidadatildeo eacute diferente
de eleitor que governo do povo distingue-se de governo do eleitorado244
e portanto possiacuteveis
241
BARCELLOS Ana Paula de Ponderaccedilatildeo racionalidade e atividade jurisdicional Rio de Janeiro
Renovar 2005 p 133 242
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico Nordm 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 243
Na defesa do argumento de que o deacuteficit democraacutetico do Judiciaacuterio natildeo eacute necessariamente maior que o do
Legislativo jaacute que a composiccedilatildeo deste pode ser afetado por diferentes disfunccedilotildees como o abuso econocircmico e a
manipulaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo Vital Moreira pondera que ldquo Na foacutermula constitucional primordial
bdquotodo poder reside no povo‟ Mas a verdade eacute que na reformulaccedilatildeo de Sternberger bdquonem todo o poder vem do
povo‟ Haacute o poder econocircmico o poder mediaacutetico o poder das corporaccedilotildees sectoriais E por vezes estes poderes
sobrepotildee-se ao poder do povordquo MOREIRA Vital O futuro da Constituiccedilatildeo In GRAU Eros Roberto
GUERRA FILHO Willis Santiago Direito Constitucional ndash Estudos em homenagem a Paulo Bonavides
Satildeo Paulo Malheiros 2001 p 323 244
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 27
113
ineacutercias ou accedilotildees realizadas pelo Legislativo e Executivo que dissonantes agrave loacutegica
constitucional vulnerem os direitos fundamentais da minoria ou aviltem o proacuteprio
procedimento democraacutetico em si natildeo soacute podem como devem ser combatidas pelo Judiciaacuterio
Desta maneira democracia natildeo deve ser compreendida somente em sua acepccedilatildeo
formal (simples possibilidade de escolher os representantes) mas tambeacutem deve ser encarada
sob o vieacutes material representando um processo de concretizaccedilatildeo de direitos e garantias
fundamentais pelos poderes constituiacutedos que antes de ser rotulado de autoritaacuterio consiste em
autecircntico cumprimento de deveres constitucionais245
Assim sendo fica claro que democracia natildeo eacute simples sinocircnimo de regra majoritaacuteria e
exige muito mais que a simples aplicaccedilatildeo desta jaacute que pressupotildee antes de tudo e
primordialmente o respeito aos direitos fundamentais de todos os indiviacuteduos para o perfeito
funcionamento de qualquer processo deliberativo tido como democraacutetico
De se afirmar assim que o cenaacuterio constitucional atual jaacute natildeo mais comporta a ideia
de que a implementaccedilatildeo de direitos fundamentais esteja restrita somente ao Executivo e
Legislativo prevalecendo ao contraacuterio a defesa de que tal tarefa jaacute se encontra arraigada
como uma funccedilatildeo do Estado como um todo devendo ser buscada tambeacutem a partir da
performance de outros atores destacando-se o Judiciaacuterio as funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e a
proacutepria sociedade
Pelo exposto pode-se concluir que apesar dos argumentos centrais contraacuterios ao
enfrentamento pelo Judiciaacuterio de questotildees envolvendo a sindicabilidade dos direitos
fundamentais poderem ser superados pela releitura da separaccedilatildeo dos poderes e pelo vieacutes
material do princiacutepio democraacutetico o ponto chave desse debate estaacute exatamente na construccedilatildeo
segura de paracircmetros objetivos que respaldem e limitem246
essa atuaccedilatildeo dizendo ateacute onde o
Judiciaacuterio pode atuar sem ferir o ordenamento constitucional Nesse iacutenterim no que refere-se
aos direitos sociais a construccedilatildeo de miacutenimos existenciais em espeacutecies para os mesmos
desponta como verdadeiro carro-chefe dessa empreitada
245
Realccedilando o papel central da jurisdiccedilatildeo constitucional no desenvolvimento democraacutetico eacute pertinente a
observaccedilatildeo de Paulo Gonet ao afirmar que ldquo() a histoacuteria prova que quando a luz da democracia se apaga eacute para
a jurisdiccedilatildeo que o povo normalmente recorrerdquoBRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito
fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO
Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 399 246
No mesmo sentido Canotilho aponta que ldquo()sempre se coloca o problema de saber se haveraacute um nuacutecleo
essencial caracterizador do princiacutepio da separaccedilatildeo e absolutamente protegido pela Constituiccedilatildeo Em geral
afirma-se que a nenhum oacutergatildeo podem ser atribuiacutedas funccedilotildees das quais resulte o esvaziamento das funccedilotildees
materiais especialmente atribuiacutedas a outros () Todavia permanece aberto o problema de saber onde comeccedila e
onde acaba o nuacutecleo essencial de determinada funccedilatildeordquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito
Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 502
114
Corroborando com essa visatildeo Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Nascimento247
observa
que
Quando se diz que os poderes constituiacutedos formam o espaccedilo institucional
(conjunto de oacutergatildeos funccedilotildees e agentes) de traduccedilatildeo do processo poliacutetico que
tem origem no poder popular isto inclui o judiciaacuterio A vontade sintetizada
no compromisso constitucional e a capacidade integradora da constituiccedilatildeo
estariam anuladas se a sua concretizaccedilatildeo ficasse reduzida e dependente das
decisotildees do executivo Como defender a constituiccedilatildeo quando as poliacuteticas
preventivas ou as diretrizes satildeo negligenciadas pela urgecircncia de gerir a rotina
de governo quando a gestatildeo for mais teacutecnica do que eacutetica e as poliacuteticas
forem dispersas e meramente reativas Cabe ao judiciaacuterio trazer para a arena
puacuteblica a loacutegica juriacutedica dos valores e da busca do entendimento em
confronto com a loacutegica utilitarista e competitiva do mercado econocircmico e da
burocracia administrativa Natildeo se pode eacute aceitar que a judicializaccedilatildeo da
demanda por sauacutede assuma contornos de irracionalidade A teoria da
constituiccedilatildeo serve de auxiacutelio na racionalizaccedilatildeo da tarefa de assegurar em
juiacutezo o direito agrave sauacutede
Apesar de tudo que foi dito ateacute aqui possa ser suficiente para justificar a legitimidade
do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do especial direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio
tornam-se imperiosas algumas ponderaccedilotildees sobre possiacuteveis efeitos colaterais de uma ilimitada
intervenccedilatildeo judicial no tema antes de se analisar que parcela do miacutenimo existencial estaria
abrangida por tal direito
512 Os efeitos colaterais de um desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Jaacute foi apontado que o direito agrave sauacutede apesar de tipicamente enquadrado como direito
de segunda dimensatildeo apresenta um desenho constitucional peculiar uma vez que parte de sua
essecircncia tanto se desloca para a primeira dimensatildeo (aproximando-se de uma ideia de
manutenccedilatildeo da vida248
) como para a terceira dimensatildeo (sob o prisma de uma sauacutede
transindividualmente considerada) Daiacute a importante conclusatildeo de que o direito agrave sauacutede eacute
antes de tudo um elemento de cidadania o que respalda sua qualificaccedilatildeo como um direito
247
NASCIMENTO Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Concretizando a Utopia Problemas na Efetivaccedilatildeo do Direito
a uma Vida Saudaacutevel In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel (coords) Direitos sociais
Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 920 248
Reforccedilando essa visatildeo conforme entendimento esposado em diversas decisotildees do TJES (dentre outros o
Mandado de Seguranccedila nordm 100070014129 julgado em 110908 pelo Pleno do TJES Relator Des Alemer
Ferraz Moulin) o direito a sauacutede tambeacutem pode ser encarado como um ldquodireito social que se transmuda em
direito fundamental de primeira geraccedilatildeo pela condiccedilatildeo do miacutenimo existencialrdquo HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 216
115
humano essencial polifaceacutetico (eacute direito social eacute alicerccedilador da vida e de fruiccedilatildeo
transidividual)249
Decorre dessa qualidade a ideia de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo desse
direito assume um niacutevel de complexidade maior do que com relaccedilatildeo aos demais direitos
sociais especialmente quando discutido o acesso agrave prestaccedilotildees materiais decorrentes do direito
agrave sauacutede e nesse ponto natildeo se pode fugir de algumas observaccedilotildees que circundam o princiacutepio da
igualdade e sua relaccedilatildeo com os direitos sociais
Se com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais as demandas sejam individuais ou
coletivas possuem um raio de abrangecircncia mais limitado no que se refere ao direito agrave sauacutede a
situaccedilatildeo eacute diametralmente oposta podendo ser encontradas demandas que tratam de
diferentes submateacuterias como por exemplo fornecimento de medicamentos cirurgias de
urgecircncia tratamentos de doenccedilas raras transplantes concessotildees de aparelhos auditivos
tratamentos odontoloacutegicos realizaccedilatildeo de exames dentre outros
O enfrentamento judicial de tais situaccedilotildees eacute portanto inegavelmente complexo Desta
maneira eacute certo que ao decidir o magistrado natildeo consegue fugir completamente de suas
impressotildees particulares e em determinados casos em que o natildeo acatamento do pedido pode
significar a morte de um indiviacuteduo a tarefa de vislumbrar a situaccedilatildeo como um todo levando
em consideraccedilatildeo aspectos orccedilamentaacuterios e o restante da populaccedilatildeo resta dificultada250
Da mesma forma ao se filiar a um posicionamento garantista despreocupado com os
limites e consequecircncias das decisotildees e afastado dessa percepccedilatildeo macro que leva em conta o
resto da populaccedilatildeo o Judiciaacuterio contribui para a formaccedilatildeo e um ciacuterculo vicioso alarmante e
cada vez mais recorrente as autoridades puacuteblicas acabam se eximindo de executar as opccedilotildees
constitucionais iacutensitas ao direito agrave sauacutede sob o argumento de que tal valor jaacute estaacute reservado
para as possiacuteveis decisotildees judiciais no assunto ou ateacute mesmo apontando para um estado de
ineacutercia no sentido de soacute cumprir as medidas planejadas em suas poliacuteticas puacuteblicas depois de
demandadas judicialmente
Tal situaccedilatildeo consiste em efeito colateral grave e inconstitucional que aliado a questatildeo
do custo envolvendo certas demandas concretas estatildeo inseridas na discussatildeo sobre igualdade
249
BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In FERNANDES FELLET
Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial
Salvador Juspodivm 2011 p 600 250
Nesse sentido pondera Ana Paula de Barcellos que ldquoUm doente com rosto identidade presenccedila fiacutesica e
histoacuteria pessoal solicitando ao Juiacutezo uma prestaccedilatildeo de sauacutede eacute percebido de forma inteiramente diversa da
abstraccedilatildeo eteacuterea do orccedilamento e das necessidades do restante da populaccedilatildeo que natildeo satildeo visiacuteveis naquele
momento e tecircm sua percepccedilatildeo distorcida ()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 322
116
jaacute que em princiacutepio a concessatildeo pleiteada deve ser concedida da mesma maneira a todas as
pessoas que se encontrem na mesma situaccedilatildeo
Mas seraacute que tais pessoas possuem ciecircncia disso Seraacute que tais pessoas apresentam
condiccedilotildees de contratar um advogado ou possuem ciecircncia que eacute plausiacutevel buscar o auxiacutelio da
defensoria puacuteblica para isso251
Vecirc-se que a situaccedilatildeo eacute complexa e caminha para o reforccedilo da
necessidade de que apesar de legiacutetima a sindicabilidade judicial do direito agrave sauacutede deve ser
programada a partir de criteacuterios objetivos sob pena de ferir a proacutepria sauacutede dos demais
indiviacuteduos e o princiacutepio da igualdade distorcendo a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo deu a esse
importante direito
Nesse contexto se todos contribuem para os cofres puacuteblicos eacute difiacutecil admitir que seja
equitativa a situaccedilatildeo de alguns indiviacuteduos por terem acesso agrave justiccedila alcanccedilarem um direito
relevante e outros que ou nem sabem que podem se socorrer ao Judiciaacuterio ou natildeo possuem
meios para o tal em igual situaccedilatildeo natildeo sejam abrangidos
Contudo a complexidade para o Judiciaacuterio ao enfrentar tais situaccedilotildees eacute imensa e seus
representantes ficam presos ao problemaacutetico dilema de que se acatado o pedido contribui-se
para que algueacutem que possui advogado bdquofure uma fila‟ e outros milhares na mesma situaccedilatildeo
fiquem a mercecirc do SUS por outro lado jaacute se natildeo acatado o pedido estar-se-aacute chancelando
uma conivecircncia com a omissatildeo estatal especiacutefica pleiteada e isso poderaacute acarretar na morte ou
prejuiacutezo irreparaacutevel para o indiviacuteduo natildeo evitados quando o Judiciaacuterio poderia
Eacute preciso deixar claro entretanto que a utilizaccedilatildeo de exemplos extremos natildeo pode
servir para esconder problemas claros da sauacutede baacutesica da populaccedilatildeo Por isso deve ser
assentado desde jaacute que existem duas situaccedilotildees uma ligada agrave escolhas extremas em que o
limite entre vida e sauacutede eacute miacutenimo e ateacute mesmo confundiacutevel como os casos em que um
indiviacuteduo ou grupo necessita de algo (medicamento oacutergatildeo procedimento) com urgecircncia que
em princiacutepio pode ou natildeo ser obrigaccedilatildeo do Estado a depender de suas poliacuteticas puacuteblicas
outra referente agrave situaccedilotildees que o Estado se comprometeu a deveria realizar e natildeo o fez como
eacute o caso por exemplo da sauacutede baacutesica sua estruturaccedilatildeo e o rol de prestaccedilotildees nela disponiacuteveis
bem como o fornecimento de medicamentos previamente listados pelo SUS
251
Corroborando com o raciociacutenio Andreacute Luiz Fellet aponta que ldquoao evitar a perda da vida de um paciente com
foto nuacutemero de identidade e atestado meacutedico nos autos o julgador em sua dificiacutelima missatildeo pode contribuir
para o decesso de um paciente anocircnimo E seraacute justo quanto agrave virtual ineacutercia do uacuteltimo em buscar a tutela
jurisdicional invocar o brocardo latino dormientibus non sucurrit jus (o direito natildeo socorre os que dormem)rdquo
FELLET Andreacute Luiz Fernandes As normas de direitos fundamentais sociais e a implementaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio In Revista da Procuradoria Geral do Municiacutepio de Juiz de Fora v2 jandez
Belo Horizonte 2012 p 110
117
O foco do presente estudo eacute exatamente esse segundo grupo de situaccedilotildees sendo certo
que as circunstacircncias extremas natildeo podem ser abandonadas mas frente agrave complexidade e
peculiaridade dos inuacutemeros eventos possiacuteveis devem ser analisadas caso a caso sob o prisma
da proporcionalidade balanceando-se os elementos que estatildeo em jogo niacutevel de agressatildeo a
igualdade considerando o conflito entre o direito agrave sauacutede individual do demandante e o
direito agrave sauacutede da coletividade bem como o elemento da reserva do possiacutevel e a proximidade
do pleito ao nuacutecleo do miacutenimo existencial em sauacutede
Isso ocorre porque eacute praticamente impossiacutevel se chegar a um comando aprioriacutestico de
como lidar com tais problemas extremos sendo certo que caso seja adotado o criteacuterio da
necessidade de evitar a morte dor ou sofrimento fiacutesico na definiccedilatildeo do que pode ser exigiacutevel
do Estado com relaccedilatildeo ao direito em xeque praticamente toda e qualquer prestaccedilatildeo de sauacutede
estaria enquadrada nesse criteacuterio o que acarretaria aleacutem de possiacuteveis situaccedilotildees de afronta agrave
igualdade em um caoacutetico quadro de inseguranccedila juriacutedica e total desvirtuamento da essecircncia
do direito agrave sauacutede
Em que pese a situaccedilatildeo ser complexa do ponto de vista humano jaacute que eacute
extremamente delicado para um magistrado negar um pleito cujo objeto envolve o
restabelecimento ou manutenccedilatildeo da vida do demandante (como no caso de um transplante ou
medicamento de alto valor a ser comprado no exterior) o enxergar do problema deve
necessariamente passar pelo exame da igualdade252
e principalmente da possiacutevel afronta agrave
sauacutede do resto da populaccedilatildeo que se enquadre no mesmo problema daquele que estaacute em uma
fila de espera por oacutergatildeos haacute anos ou ateacute mesmo daquele cidadatildeo que depende de prestaccedilotildees
252
Com relaccedilatildeo a problemaacutetica da igualdade Mariana Filchtiner Figueiredo posiciona-se no sentido de a
concepccedilatildeo de igualdade ser diferente de universalidade e que esta uacuteltima natildeo apresenta como corolaacuterio
indispensaacutevel a gratuidade das prestaccedilotildees materiais e partindo dessa ideia defende a adoccedilatildeo no Brasil de um
sistema ldquotendencialmente gratuitordquo com a cobranccedila dos serviccedilos de sauacutede de quem possua recursos e na justa
medida da sua condiccedilatildeo econocircmica como possiacutevel alternativa agrave escassez de recursos financeiros e meacutedicos Para
sustentar esse raciociacutenio pondera a autora que ldquoa fraternidade oriunda da triacuteade francesa implica uma nova
concepccedilatildeo dos direitos sociais em que natildeo se atribuam a todos os cidadatildeos indistintamente mas sim agravequeles
todos que deles necessitem e na medida dessa necessidade uma vez que a abstraccedilatildeo e a universalidade natildeo se
adaptam agraves distinccedilotildees faacuteticas existentes dentro do proacuteprio grupo de beneficiaacuterios dos direitos sociais () Natildeo
corresponde agrave noccedilatildeo de paternalismo porquanto as prestaccedilotildees materiais de auxiacutelio devem ser conferidas somente
aos necessitados e na medida dessas carecircnciasrdquo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave
Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 172 A
proposta em questatildeo apesar de ter uma preocupaccedilatildeo justa (emprestar mais igualdade no acesso ao direito agrave
sauacutede e driblar a escassez de recursos) esbarra em uma questatildeo loacutegica a sauacutede como se sabe eacute aberta ao setor
privado e portanto quem tem condiccedilotildees financeiras muito provavelmente frente ao quadro estrutural
deficitaacuterio do SUS buscaraacute socorrer-se em planos de sauacutede privados sendo difiacutecil imaginar que algueacutem que
possua condiccedilotildees financeiras venha a optar por um tratamento no SUS pago do que no setor privado Some-se a
isso o fato de que tal situaccedilatildeo poderia gerar distorccedilotildees ainda maiores e mais desiguais frente a possibilidade de
concretamente ser dada preferecircncia a quem desembolsou alguma importacircncia financeira do que quem natildeo
118
materiais inseridas em um miacutenimo existencial de sauacutede que o Estado natildeo prestou ou que jaacute
faleceu no triste aguardo destas
Conclui-se portanto que a melhor forma de analisar o problema percorre a seguinte
linha de raciociacutenio i o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas
envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a
accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais gerem afronta ao
direito em questatildeo ii essa atuaccedilatildeo contudo se realizada de forma ilimitada pode gerar
anacrocircnicos efeitos colaterais que devem ser combatidos por potencialmente poderem afrontar
o princiacutepio da igualdade da reserva do possiacutevel da separaccedilatildeo dos poderes e da seguranccedila
juriacutedica iii a melhor maneira de se evitar ou pelo menos diminuir tais efeitos indesejados
passa por algumas medidas chaves como iii1 a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial para o
direito em questatildeo que natildeo soacute legitima a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio como tambeacutem empresta maior
seguranccedila ao magistrado ao decidir253
iii2 a consagraccedilatildeo de paracircmetros objetivos que
guardem harmonia com as poliacuteticas puacuteblicas em andamento para a fundamentaccedilatildeo das
decisotildees e iii3 a preferecircncia por demandas coletivas cujo raio de abrangecircncia dos seus
efeitos teraacute o condatildeo de suprimir ou diminuir situaccedilotildees de desigualdade254
253
Interessante notar que a exata e segura noccedilatildeo dos limites de sua atuaccedilatildeo propicia ao magistrado natildeo soacute mais
seguranccedila ao julgar mas tambeacutem uma tranquilidade apta a retirar a carga de responsabilidade inevitavelmente
existente quando da anaacutelise dos citados casos extremos Explica-se sem paracircmetros o juiz ao ser provocado a
decidir muitas vezes no seu iacutentimo entende que a concessatildeo do pleito eacute transbordante agrave sua esfera de
atribuiccedilotildees contudo o concede pela pressatildeo psicoloacutegica e humanista do caso a qual incute na mente do
magistrado o receio de por exemplo estar sentenciando a morte do demandante quando o podia evitar (ainda
que admitisse extrapolar suas funccedilotildees) Em existindo um paracircmetro aprioriacutestico que jaacute elimine de pronto ou
sustente objetivamente o natildeo acolhimento do pleito o magistrado se sentiraacute menos responsaacutevel pelas possiacuteveis
consequecircncias da negativa do pedido 254
Sobre a questatildeo da preferecircncia da defesa do direito agrave sauacutede pela via coletiva Ingo Sarlet faz uma importante
ressalva ao perfilhar que ldquose eacute possiacutevel afirmar a correccedilatildeo do entendimento de que a tutela coletiva
(especialmente em niacutevel preventivo) deva assumir caraacuteter preferencial jaacute que possui a incensuraacutevel virtude de
minimizar uma seacuterie de efeitos colaterais mais problemaacuteticos da tutela jurisdicional individual na esfera dos
direitos a prestaccedilotildees sociais tambeacutem eacute certo que a eliminaccedilatildeo da possibilidade de demandas individuais poderaacute
por si soacute representar uma violaccedilatildeo de direitos fundamentais notadamente quando em causa o direito a uma vida
digna e quando natildeo assegurado o patamar suficiente de proteccedilatildeo social () Da mesma forma se as objeccedilotildees em
relaccedilatildeo agrave tutela judicial individual natildeo podem ter o condatildeo de afastar tal via de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais
tabeacutem eacute certo que eacute preciso empreender ajustes e minimizar os efeitos negativos da litigacircncia individual seja
mediante um controle mais rigoroso no que diz com a necessidade da prestaccedilatildeo pleiteada seja no respeitante a
outros aspectos parte dos quais referidos como possibilidades aptas a propiciar maior racionalidade e eficaacutecia no
plano das estrateacutegias de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais em geral e o direito agrave sauacutede em particularrdquo SARLET
Ingo Wolfgang A titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos Direitos Sociais Analisada agrave
Luz do Exemplo do Direito agrave Proteccedilatildeo e Promoccedilatildeo da Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de Brito SILVA
Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p
143-144
119
52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE
Quando estudado o embate entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ficou
assentado que o miacutenimo existencial englobaria um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado
natildeo poderia se furtar de disponibilizar aos cidadatildeos sob pena de afronta aos valores
constitucionais ligados agrave dignidade da pessoa humana concluindo-se assim que o argumento
da reserva do possiacutevel nesses casos natildeo poderia ser sequer trazido agrave discussatildeo jaacute que o
nuacutecleo de condiccedilotildees materiais formadoras desse miacutenimo existencial se impotildee como regra
mantendo-se a natureza de princiacutepio apenas para aleacutem desse nuacutecleo
Na mesma linha abraccedilou-se a tese encampada por Ana Paula de Barcellos de que esse
miacutenimo existencial cujo substrato adviria diretamente da Constituiccedilatildeo seria formado pelo
acesso agrave justiccedila como elemento instrumental e de trecircs elementos materiais a sauacutede baacutesica a
educaccedilatildeo baacutesica e a assistecircncia aos desamparados
A presente pesquisa contudo busca avanccedilar no tema de modo a incluir mais um
elemento dentre os que estariam incluiacutedos no miacutenimo255
em sauacutede arrolados pela referida
autora (que relembrando satildeo prestaccedilatildeo de serviccedilo de saneamento o atendimento materno-
infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas) e tendo em vista a
ideia de que os mesmos natildeo foram escolhidos de maneira aleatoacuteria antes de compreender a
abrangecircncia de cada um deles faz-se relevante explicar as razotildees apontadas para a seleccedilatildeo
dos mesmos
Desta maneira o raciociacutenio eacute o de que inicialmente o efeito isolado das normas
atinentes ao direito em exame (especialmente o constante nos arts 196 e 198 da CF) eacute o de
que todas as pessoas devem ter acesso agrave totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis aptas a
promover proteger ou recuperar as condiccedilotildees de sauacutede Contudo para aleacutem desse efeito
isolado teoacuterico e ideal outra questatildeo eacute a anaacutelise sobre se tal efeito pode ser na praacutetica
integralmente exigido do Poder Puacuteblico de modo que este positivamente atue na
concretizaccedilatildeo da sauacutede256
Nesse ponto quando o mencionado efeito ideal sai de um exame isolado e eacute
confrontado com os demais subsistemas constitucionais (sobretudo os campos ligados a
255
Aqui uma observaccedilatildeo se faz relevante no intuito de evitar uma confusatildeo terminoloacutegica a sauacutede baacutesica como
visto eacute um elemento do miacutenimo existencial e haacute dentro desse elemento um nuacutecleo de eficaacutecia positiva que
representa o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede exigiacuteveis do Judiciaacuterio A esse nuacutecleo parcela do direito agrave sauacutede
incluiacuteda no conceito de miacutenimo existencial eacute dado na presente pesquisa o tratamento de miacutenimo existencial em
espeacutecie relativo ao direito agrave sauacutede De maneira mais direta eacute como se a soma dos miacutenimos em espeacutecie (da sauacutede
educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) formasse o miacutenimo existencial geral 256
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 223
120
separaccedilatildeo dos poderes a deliberaccedilatildeo majoritaacuteria e a reserva orccedilamentaacuteria) por razotildees
juriacutedicas e ateacute mesmo faacuteticas torna-se forccediloso concluir que o atual panorama histoacuterico da
ordem constitucional paacutetria natildeo eacute suficiente para assegurar eficaacutecia juriacutedica positiva a toda
extensatildeo desse efeito ideal mas somente dos marcos constitucionalmente priorizados para a
partir dos mesmos alargar de maneira progressiva o efeito final mais abrangente de todas as
prestaccedilotildees de sauacutede257
A seguinte passagem resume bem o pensamento de Ana Paula de Barcellos acima
descrito258
O efeito isolado portanto pretendido pelos comandos em questatildeo eacute em
primeiro lugar que as pessoas tenham acesso a todas as prestaccedilotildees de sauacutede
possiacuteveis e prioritariamente que esses quatro objetivos sejam realizados a
saber que todas as localidades onde haja habitaccedilotildees disponham de serviccedilos
de saneamento baacutesico que todas as gestantes matildees e crianccedilas tenham
atendimento de sauacutede especiacutefico preacute e poacutes-natal que todas as pessoas
possam dispor de um acompanhamento meacutedico preventivo e por fim que o
Poder Puacuteblico implemente accedilotildees gerais destinadas a evitar epidemias (Grifos
acrescidos)
Em suma a proposta do miacutenimo existencial que aqui se pretende ampliar tem o
processo de especificaccedilatildeo de seus elementos calcado primeiro na ideia de priorizaccedilatildeo
aplicando-se a loacutegica de que se a atual conjuntura do constitucionalismo paacutetrio natildeo permite a
maacutexima extensatildeo do efeito ideal das normas que dispotildeem sobre a sauacutede que pelo menos
onde a Constituiccedilatildeo sinalizou com uma priorizaccedilatildeo seja dada eficaacutecia suficiente para
respaldar uma cobranccedila de prestaccedilotildees em sauacutede diretamente do Poder Puacuteblico
Segundo tal proposta jaacute admite em sua essecircncia que essa priorizaccedilatildeo consubstancia-se
no passo inicial do processo de construccedilatildeo do miacutenimo existencial o qual poderaacute e deveraacute ser
ampliado progressiva e tendencialmente ao efeito ideal de que todas as pessoas tenham acesso
a totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis
A conclusatildeo eacute a seguinte partindo do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)
podem ser extraiacutedas diretamente do texto constitucional certas prestaccedilotildees relacionadas ao
direito agrave sauacutede de que todos necessitam as quais trabalham como autecircnticas regras e cuja natildeo
realizaccedilatildeo importaraacute em violaccedilatildeo ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana no esquema
ldquotudo ou nadardquo respaldando a exigecircncia judicial da prestaccedilatildeo equivalente
257
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 224 258
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 225
121
Desta maneira concretizando um pouco mais tais prioridades a autora aponta que259
o
atendimento materno-infantil engloba o acompanhamento preacute e poacutes natal da gestante e da
crianccedila e tem por escopo a prevenccedilatildeo ou tratamento de doenccedilas que possam afetar a sauacutede
materna ou da crianccedila abrangendo tambeacutem um parto saudaacutevel as accedilotildees de medicina
preventiva abrangem um conjunto amplo de accedilotildees que incluindo a prevenccedilatildeo epidemioloacutegica
envolvem natildeo soacute o tratamento de epidemias mas tambeacutem formas especiacuteficas de prevenccedilatildeo
como a aplicaccedilatildeo de vacinas pulverizaccedilatildeo de substacircncias para o combate de transmissores de
moleacutestias (como a dengue) dentre outras260
e o saneamento consiste em uma das medidas de
sauacutede baacutesica mais relevantes atualmente e eacute considerado pela OMS como a medida prioritaacuteria
em termos de sauacutede puacuteblica mundial jaacute que cerca de 80 das doenccedilas decorrem da maacute
qualidade da aacutegua utilizada ou falta de esgotamento adequado
A partir das balizas postas o presente trabalho busca aperfeiccediloar a noccedilatildeo de miacutenimo
existencial construiacuteda pela autora de modo a incluir dentre os elementos que o compotildeem
mais um componente o qual funcionaraacute concomitantemente tanto como um elemento basilar
desse miacutenimo existencial quanto como interface de abertura que garantiraacute sua almejada
ampliaccedilatildeo progressiva
Sendo mais claro e indo direto ao ponto defende-se a inserccedilatildeo do respeito agrave previsatildeo
de infraestrutura miacutenima a ser disponibilizada para as accedilotildees e serviccedilos compromissados pelo
Poder Puacuteblico (que engloba a construccedilatildeo de hospitais minimamente estruturados a formaccedilatildeo
de pessoal qualificado e a disponibilizaccedilatildeo suficiente de material e equipamentos para a
realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer) no rol jaacute referenciado dos
componentes do miacutenimo existencial em sauacutede como um elemento instrumental desse
miacutenimo
O raciociacutenio eacute o de que sem tal elemento instrumental tanto as referidas prestaccedilotildees
inclusas no miacutenimo quanto as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede constantes das poliacuteticas puacuteblicas em
andamento natildeo se materializam jaacute que tal elemento instrumental consiste em verdadeiro
pressuposto faacutetico e loacutegico para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede que compotildeem o referido
miacutenimo
259
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 329-335 260
Nesse ponto especiacutefico a autora denotando a dificuldade de se delimitar a abrangecircncia de tais accedilotildees sugere a
utilizaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio do elenco das condiccedilotildees miacutenimas obrigatoacuterias para os planos de sauacutede privados (art
12 da Lei ndeg 965398) como paracircmetro apto a auxiliar a decisatildeo sobre estar determinado pleito incluso dentro
desse conjunto de accedilotildees preventivas BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 330-
331
122
Se o raciociacutenio para a construccedilatildeo do miacutenimo existencial em sauacutede proposto pela
referida autora partiu da prevalecircncia do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)
propotildee-se o acreacutescimo do paracircmetro da coerecircncia loacutegica para defender que a estruturaccedilatildeo
miacutenima do SUS essencial para a consecuccedilatildeo dos seus fins e consequente execuccedilatildeo das accedilotildees
e serviccedilos de sauacutede compromissados pelo Poder Puacuteblico eacute parte integrante basilar do miacutenimo
existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse ponto
baacutesico
O fundamento para tal inclusatildeo nasce da ideia de que se a proacutepria CF de 1988
claramente delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se materializa a partir de poliacuteticas que
visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) accedilotildees e serviccedilos estes qualificados como de relevacircncia puacuteblica e
cuja execuccedilatildeo eacute responsabilidade estatal (art 197 da CF) seria iloacutegico e incoerente imaginar a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e especialmente do seu miacutenimo existencial sem uma miacutenima
estruturaccedilatildeo necessaacuteria
A partir da noccedilatildeo acima portanto deve ser incluiacutedo como elemento fundamental do
miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede a existecircncia eficiente e regular de
infraestrutura minimamente suficiente no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas do SUS de modo a se
respeitar a coerecircncia dos artigos 196 197 e 198 da CF e o compromisso constitucional com
esse importante direito fundamental
A omissatildeo estatal em disponibilizar a miacutenima infraestrutura necessaacuteria para a
execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede que se propotildee a realizar seja pelas priorizaccedilotildees
constitucionais ou pelas poliacuteticas puacuteblicas idealizadas e em andamento apresenta-se portanto
como o ponto nevraacutelgico da celeuma com relaccedilatildeo a falta de efetividade do direito agrave sauacutede
visto que o oferecimento desse miacutenimo aparato eacute o ponto de partida imprescindiacutevel para a
fruiccedilatildeo desse direito social pelos cidadatildeos
Explicando melhor imagine-se por exemplo o direito agrave educaccedilatildeo cujo miacutenimo
existencial eacute mais facilmente delimitado na Constituiccedilatildeo261
Natildeo faz sentido especificar quais
prestaccedilotildees estatildeo incluiacutedas em tal miacutenimo sem observar que alguns instrumentos satildeo condiccedilotildees
imprescindiacuteveis para a proacutepria existecircncia das respectivas prestaccedilotildees Nesse contexto
questiona-se do que adianta a Constituiccedilatildeo (art 208 sect1deg) dispor que o acesso ao ensino
obrigatoacuterio e gratuito eacute direito puacuteblico subjetivo se natildeo forem construiacutedas escolas Se natildeo
261
Enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute somente na legislaccedilatildeo infraconstitucional (art 2deg sect1deg da Lei do SUS) que
seraacute encontrado o comando normativo que especifica ainda que de maneira geral qual o dever estatal quanto a
esse direito no que se refere agrave educaccedilatildeo o proacuteprio texto constitucional delimita tal dever no art 208 facilitando
a construccedilatildeo do miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave educaccedilatildeo
123
forem contratados professores capacitados Se natildeo for disponibilizado o aporte necessaacuterio
para a fruiccedilatildeo desse direito (quadro giz computadores material didaacutetico transporte por
exemplo)
A resposta em que pese parecer oacutebvia circunda sobre uma das grandes problemaacuteticas
do direito em questatildeo que eacute a falta de uma primaacuteria estruturaccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo Os
instrumentos citados satildeo desta maneira elementares para a construccedilatildeo e maximizaccedilatildeo do
miacutenimo para a educaccedilatildeo
Aplicando o raciociacutenio acima para o direito agrave sauacutede a situaccedilatildeo natildeo eacute muito diferente
Do que adianta interpretar a Constituiccedilatildeo de modo a incluir o atendimento materno-infantil
que engloba o acompanhamento preacute e poacutes-natal da gestante e da crianccedila como prestaccedilatildeo
iacutensita ao miacutenimo existencial em sauacutede se natildeo existirem maternidades puacuteblicas minimamente
estruturadas com profissionais especializados bem como equipamentos e medicamentos
imprescindiacuteveis para tal262
A outra conclusatildeo natildeo se pode chegar eacute inoacutecuo se falar em miacutenimo existencial se o
primeiro passo nem sequer foi dado de maneira eficiente Desta maneira pode-se afirmar ser
verdadeira conditio sine qua non e elemento fundamental de um miacutenimo existencial do direito
agrave sauacutede a preacutevia existecircncia de infraestrutura baacutesica apta a disponibilizar de maneira eficiente
para uma determinada localidade tanto as prestaccedilotildees fundamentais incluiacutedas em tal miacutenimo
como as objetivamente previstas e compromissadas nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento
tudo isso de maneira igualitaacuteria e eficaz263
Assim a mora do Poder Puacuteblico em disponibilizar o aparato faacutetico suficiente para a
fruiccedilatildeo do miacutenimo relativo ao direito agrave sauacutede mais do que qualquer outra forma de agressatildeo a
tal direito consiste em flagrante aviltamento a dignidade da pessoa humana vez que a
omissatildeo em questatildeo tem o condatildeo de cortar a raiz do nuacutecleo que foi compromissado
constitucionalmente
262
Veja-se por exemplo o teor das seguintes mateacuterias jornalistas as quais demonstram clara afronta ao miacutenimo
existencial do direito agrave sauacutede afronta esta cristalizada em grave omissatildeo do Poder Puacuteblico que natildeo pode ser
tolerada devendo ser corrigida pelo Poder judiciaacuterio httpwwwriograndedonortenet20120914unico-
hospital-municipal-de-natal-fecha-portas-e-nao-admite-pacientes e
httptvuoluolcombrassistirhtmvideo=falta-de-maternidades-gera-caos-na-saude-publica-no-rn-
04024D193272E4A10326 Acessado em 14062013 263
Eacute importante deixar clara a abrangecircncia desse elemento instrumental do miacutenimo existencial especiacutefico para a
sauacutede Veja soacute o raciociacutenio natildeo eacute o de que o Estado deve ter sempre a infraestrutura necessaacuteria para
invariavelmente atender toda a populaccedilatildeo de determinada regiatildeo Na verdade a ideia eacute a de que quando as
poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de afericcedilatildeo de sua eficiecircncia que se
baseiam em estimativas acerca do que minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente
apta a atingir seus objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de
leitos a cada tantos bdquoy‟ habitantes) que inclui-se no miacutenimo instrumental
124
Contudo alguns esclarecimentos satildeo importantes para se entender melhor a
abrangecircncia dessa proposta de inclusatildeo de uma eficiente miacutenima estruturaccedilatildeo como integrante
do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede Como foi dito anteriormente tal componente
funciona natildeo soacute como item basilar desse miacutenimo existencial mas tambeacutem como interface de
abertura apta a possibilitar a progressiva ampliaccedilatildeo desse miacutenimo e a percepccedilatildeo desse caraacuteter
dual exige a compreensatildeo de algumas premissas
Como visto a ideia de miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede propugnada por Ana
Paula de Barcellos (que aqui se tenta aperfeiccediloar) fundamentou-se na identificaccedilatildeo dos pontos
prioritaacuterios constitucionalmente traccedilados para esse direito para daiacute concluir que os serviccedilo de
saneamento atendimento materno-infantil accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo
epidemioloacutegicas formariam um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado natildeo pode se negar a
prestar e que o argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode sequer ser levantado jaacute que tal
miacutenimo funciona como regra e natildeo pode ser ponderado com outros aspectos (especialmente
os de cunho orccedilamentaacuterio)
Pois bem da mesma maneira o efeito principal da inclusatildeo desse elemento
instrumental aqui defendida eacute exatamente a impossibilidade de poder ser levada em
consideraccedilatildeo a alegaccedilatildeo estatal da reserva do possiacutevel jaacute que como incluso no miacutenimo
existencial tal elemento funciona como regra que deve ser cumprida pelo Estado Contudo
existe um aspecto primordial na investigaccedilatildeo desse elemento que eacute a necessidade de se dividir
o mesmo em dois grupos i infraestrutura necessaacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos demais elementos
materiais do miacutenimo existencial e ii infraestrutura necessaacuteria para a concretizaccedilatildeo de accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede natildeo ligados diretamente agraves prioridades constitucionais mas iacutensitas agraves
poliacuteticas puacuteblicas compromissadas no acircmbito do SUS
Nesse ponto a atenccedilatildeo precisa ser redobrada e a utilizaccedilatildeo de exemplos facilita a
elucidaccedilatildeo da proposiccedilatildeo Imagine-se que uma mulher graacutevida procure um posto de sauacutede
para fazer seu acompanhamento preacute-natal e chegando ao local natildeo lhe seja oportunizado
atendimento sendo informado que natildeo existe nem mesmo previsatildeo para a mesma ser atendida
jaacute que faltam meacutedicos pessoal de apoio e equipamentos baacutesicos para a realizaccedilatildeo dos
procedimentos necessaacuterios
Se vislumbra em tal situaccedilatildeo que a garantia deste elemento material (atendimento
materno-infantil) do miacutenimo existencial em sauacutede natildeo se concretizou primordialmente pela
inexistecircncia de um dever baacutesico do Estado que eacute exatamente a disponibilizaccedilatildeo do elemento
instrumental do miacutenimo existencial Nesse caso o Judiciaacuterio constatando tal omissatildeo deve
condenar o Poder Puacuteblico a realizar os procedimentos necessaacuterios nem que para isso o
125
mesmo tenha que utilizar aos seus custos instituiccedilotildees privadas equivalentes na regiatildeo ateacute que
o problema seja solucionado com a devida disponibilizaccedilatildeo na referida aacuterea da miacutenima
estrutura projetada pelo Estado para abranger a populaccedilatildeo da localidade em questatildeo
Noutro poacutertico caso seja alcanccedilada empiricamente a comprovaccedilatildeo da recalcitracircncia do
Poder Puacuteblico em cumprir o elemento instrumental do miacutenimo em sauacutede264
poderaacute o
Ministeacuterio Puacuteblico pela via coletiva pleitear judicialmente que essa falha seja suprida a partir
da seguinte alternativa a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a
cumprir esse miacutenimo instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal
omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental
da maneira que o mesmo encontrar como por exemplo a partir da formaccedilatildeo de convecircnios265
com hospitais privados equivalentes que pagos pelo Poder Puacuteblico disponibilizaratildeo o aparato
suficiente para se alcanccedilar o miacutenimo em infraestrutura previamente estimado
Ocorre que pelo fato de a situaccedilatildeo acima explicitada envolver uma prestaccedilatildeo
prioritaacuteria e inclusa materialmente no miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede o
raciociacutenio para a soluccedilatildeo deste problema deve ser estratificado da seguinte maneira as
prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial (material) do direito agrave sauacutede satildeo prioridades
constitucionais que devem ser prestadas sempre pelo Estado como autecircnticos direitos dos
cidadatildeos e portanto o cumprimento do elemento instrumental (disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura miacutenima para a realizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos tanto incluiacutedas nas poliacuteticas
puacuteblicas como no miacutenimo existencial material em sauacutede) por si soacute natildeo seria suficiente para
afastar a obrigaccedilatildeo estatal de prestar tal accedilatildeo ou serviccedilo da maneira que fosse possiacutevel
Desta forma ainda que no exemplo apontado o Estado estivesse quite com a miacutenima
infraestrutura compromissada para a prestaccedilatildeo em questatildeo ou seja que existissem meacutedicos
leitos e equipamentos em nuacutemero que respeite o miacutenimo pactuado para o atendimento
materno-infantil e ainda assim tal atendimento natildeo fosse prestado (pelo motivo que seja
superlotaccedilatildeo imprevista desiacutedia dos profissionais contratados equipamentos danificados e
ainda natildeo repostos por exemplo) em que pese o elemento instrumental ter sido cumprido a
natildeo garantia praacutetica do elemento material em questatildeo por si soacute eacute suficiente para respaldar a
determinaccedilatildeo da obrigaccedilatildeo estatal em cumprir com o atendimento
264
Seja pela proacutepria fiscalizaccedilatildeo do cumprimento dos paracircmetros e metas preacute-estabelecidas nas poliacuteticas que
norteiam as accedilotildees e serviccedilos a serem prestados seja pela constataccedilatildeo de grande nuacutemero de condenaccedilotildees
individuais que atestem tal omissatildeo estatal 265
A Lei do SUS dispotildee que ldquoquando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura
assistencial agrave populaccedilatildeo de uma determinada aacuterea o Sistema uacutenico de Sauacutede (SUS) poderaacute recorrer aos serviccedilos
ofertados pela iniciativa privadardquo (art 24 caput) e que ldquoa participaccedilatildeo complementar dos serviccedilos privados seraacute
formalizada mediante contrato ou convecircnio observadas a respeito as normas de direito puacuteblicordquo (art 24
paraacutegrafo uacutenico)
126
Diferente contudo eacute a situaccedilatildeo de um cidadatildeo se dirigir a um posto de sauacutede visando
ao tratamento de doenccedilas ou cuidados com atenccedilatildeo baacutesica em princiacutepio externos ao miacutenimo
existencial em sauacutede mas inclusos nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento ndash autecircnticos
compromissos firmados pelo Poder Puacuteblico em fazer cumprir o direito agrave sauacutede previsto na CF
e no arcabouccedilo legislativo infraconstitucional
Nessas situaccedilotildees em caso de ser impossibilitado o referido atendimento no
enfrentamento judicial da questatildeo o magistrado deve inicialmente investigar se o miacutenimo em
infraestrutura previsto para a realizaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em andamento estaacute sendo
efetivamente cumprido de maneira eficiente e regular e a partir da conclusatildeo dessa
perquiriccedilatildeo dois caminhos podem ser trilhados
Caso identificado o desrespeito a esse miacutenimo estrutural haveraacute uma consequente
afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede e nesse caso o Estado natildeo poderaacute alegar o postulado
da reserva do possiacutevel Isso acontece pois como visto por um criteacuterio de coerecircncia loacutegica
em que pese o Estado natildeo ser um garantidor universal de sauacutede puacuteblica quando o mesmo se
propotildee a cumprir determinada poliacutetica puacuteblica em sauacutede tal poliacutetica nasce a partir de uma
instrumentalizaccedilatildeo que elenca obrigaccedilotildees estruturais miacutenimas para o cumprimento eficiente
do que o Estado estaacute se comprometendo a disponibilizar para o cidadatildeo
Daiacute ser coerente concluir que a omissatildeo estatal em propiciar sequer esse miacutenimo aleacutem
de comprometer a proacutepria concretude da poliacutetica puacuteblica em si e evidenciar o desvirtuamento
das verbas previstas para a consecuccedilatildeo dos seus fins termina por gerar falsas expectativas
para os cidadatildeos instaurando um quadro de frustraccedilatildeo apto a ser enquadrado como autecircntica
afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede pela falha em seu elemento instrumental
Nesse caso defende-se que o Judiciaacuterio diante de uma demanda individual poderaacute i
reconhecer a afronta ao aspecto instrumental do miacutenimo existencial alertando para o fato de
que natildeo eacute cabiacutevel a alegaccedilatildeo da reserva do possiacutevel quanto a essa grave falha jaacute que quando
se idealizou a poliacutetica em questatildeo previu-se orccedilamento para o aparelhamento miacutenimo
suficiente para sua concretizaccedilatildeo ii assentar que frente a esta grave falha surge uma espeacutecie
de presunccedilatildeo em favor do demandante o qual deveraacute ter seu pleito concedido e iii alertar
que eacute dever do Estado corrigir tal omissatildeo quanto a essa estruturaccedilatildeo miacutenima advertindo que
enquanto natildeo for feita tal correccedilatildeo o direito da sauacutede da coletividade da regiatildeo em questatildeo
estaraacute sendo afrontado
Por outro lado caso constatado que o Estado encontra-se quite com os padrotildees
miacutenimos estruturais previstos para a execuccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica que se propocircs o magistrado
deveraacute considerar os possiacuteveis argumentos levantados em juiacutezo e aplicando a teacutecnica da
127
ponderaccedilatildeo iraacute analisar os aspectos inerentes sobretudo agrave isonomia razoabilidade do pedido
e reserva do possiacutevel para emitir sua decisatildeo
Ainda no mesmo exemplo (pleito de uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial da
sauacutede mas inserido em uma poliacutetica puacuteblica do governo em andamento) faz-se relevante
analisar os desdobramentos no caso das demandas coletivas
Nesse ponto defende-se que sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e as respectivas
associaccedilotildees devem fiscalizar se os serviccedilos disponibilizados para a populaccedilatildeo de determinada
localidade estatildeo sendo oferecidos de forma perene e na quantidade e qualidade consentacircneas
com o previsto nas poliacuteticas puacuteblicas que o os projetaram fiscalizaccedilatildeo esta portanto que
passa inevitavelmente pela perquiriccedilatildeo acerca da proporcionalidade entre a demanda estimada
da populaccedilatildeo por sauacutede e a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para a execuccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas compromissadas
Sendo constatada qualquer disparidade entre a realidade faacutetica e os pilares miacutenimos
firmados em tais poliacuteticas poderaacute ser pleiteada coletivamente a correccedilatildeo de tal distorccedilatildeo a
partir da soluccedilatildeo apresentada anteriormente266
como forma de ser garantido o elemento
instrumental do miacutenimo existencial da sauacutede
Finalmente uma uacuteltima hipoacutetese seria o caso de um cidadatildeo pleitear uma prestaccedilatildeo de
sauacutede natildeo inclusa no miacutenimo existencial nem mesmo constante nas poliacuteticas puacuteblicas em
vigor no paiacutes como satildeo por exemplo os casos extremos de doenccedilas raras em que se pleiteia a
concessatildeo de medicamentos de alto custo importados e ainda natildeo constantes nas listas do
SUS
Em tais casos defende-se que em princiacutepio deve ser afastada a possibilidade de
intervenccedilatildeo judicial sendo certo contudo que a depender das circunstacircncias do caso
concreto aplicando-se a ponderaccedilatildeo entre os bens em conflito possa ser alcanccedilada
excepcionalmente uma soluccedilatildeo harmocircnica que garanta a sauacutede do indiviacuteduo e ao mesmo
tempo natildeo comprometa as poliacuteticas puacuteblicas em andamento que visam resguardar a sauacutede do
resto da populaccedilatildeo267
266
Relembrando a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a cumprir esse miacutenimo
instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do
dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental a partir da formaccedilatildeo de convecircnios com hospitais privados
equivalentes e pagos pelo Poder Puacuteblico 267
Na mesma linha de pensamento no julgamento da Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 408480 realizado pela 8deg Turma
Especializada do TRF 2deg Regiatildeo relatoria do Des Marcelo Pereira (DJU de 110808 p 176) assentou-se que
ldquoa melhor doutrina orienta que em se tratando de direito agrave sauacutede apenas as prestaccedilotildees que compotildeem o assim
denominado bdquomiacutenimo existencial‟ e aquelas que configurem opccedilotildees poliacuteticas juridicizadas dos poderes
constituiacutedos poderiam ser objeto de condenaccedilatildeo dos entes puacuteblicos a implementaacute-las em prazo determinadordquo
128
Nessas situaccedilotildees extremas em que pese a dificuldade do magistrado ndash jaacute abordada ndash
em lidar com a carga de responsabilidade humanitaacuteria que sua decisatildeo pode representar eacute
certo que o exame de proporcionalidade a ser empregado natildeo deve ser calcado na
interpretaccedilatildeo automaacutetica de sauacutede como sinocircnimo de direito agrave vida visto que tal estrateacutegia
natildeo soacute tem o condatildeo de comprometer o proacuteprio funcionamento da rede do SUS como tambeacutem
acaba tendendo para o posicionamento do Estado como um garantidor universal e esvaziando
a problemaacutetica
Desta forma deve o magistrado empreender a difiacutecil tarefa de levantar os olhos para a
sauacutede como um todo considerando os reflexos que essa decisatildeo poderaacute acarretar para a sauacutede
e dignidade do resto da populaccedilatildeo O enfretamento da situaccedilatildeo deve portanto se preocupar
com a macro-justiccedila levando em consideraccedilatildeo a possibilidade de o Estado poder
eventualmente incluir tal demanda em suas poliacuteticas puacuteblicas e poder proporcionaacute-la
igualmente a todos que se encontrem naquela situaccedilatildeo sem que reste comprometida a garantia
de proteccedilatildeo da sauacutede das demais pessoas ndash isso tudo visando a afastar os efeitos colaterais
possiacuteveis jaacute anteriormente tratados268
A partir das situaccedilotildees assentadas vislumbra-se que a inclusatildeo do denominado
elemento instrumental (respeito agrave previsatildeo de aparato de infraestrutura miacutenimo a ser
disponibilizado para as accedilotildees e serviccedilos compromissados) no miacutenimo existencial do direito agrave
sauacutede se por um lado natildeo soluciona definitivamente a problemaacutetica da efetividade do direito
agrave sauacutede por outro consiste em importante mecanismo para o avanccedilo da concretizaccedilatildeo desse
direito visto que atua diretamente na raiz do principal problema da sauacutede puacuteblica no paiacutes que
eacute exatamente as peacutessimas condiccedilotildees de infraestrutura baacutesica condiccedilotildees estas que conforme
se veraacute adiante na maioria das vezes refletem uma realidade totalmente dissonante da
projetada e compromissada nas poliacuteticas puacuteblicas
Eacute exatamente na noccedilatildeo acima aclarada que reside a outra faceta desse elemento
instrumental como espeacutecie de portal de abertura que proporcionaraacute a almejada ampliaccedilatildeo
progressiva desse miacutenimo Isso porque o cumprimento desse elemento instrumental eacute calcado
268
Corroborando com esse raciociacutenio nas decisotildees mais recentes sobre direito agrave sauacutede no STF (SL 228 STA
238 268 e 277) todas de lavra do Ministro Gilmar Mendes caminhou-se no sentido de que a garantia judicial da
prestaccedilatildeo individual de sauacutede prima facie estaria condicionada ao natildeo comprometimento do funcionamento do
SUS natildeo havendo interferecircncia indevida quando a ordem judicial termina por deferir prestaccedilatildeo de sauacutede jaacute
prevista no SUS Por outro lado quando o pedido estivesse fora das poliacuteticas puacuteblicas seria possiacutevel ponderar o
objeto do pedido com a capacidade do SUS de arcar com as despesas da parte mas tambeacutem com as despesas de
todos os outros cidadatildeo que se encontrem em situaccedilatildeo idecircntica WANG Daniel Wei Liang Escassez de
recursos custos dos direitos e reserva do possiacutevel na jurisprudecircncia do STF In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 358
129
por um dinamismo que garante a elasticidade do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede jaacute que
pontualmente novas prestaccedilotildees em sauacutede podem acabar se revestindo da proteccedilatildeo dada agraves
prestaccedilotildees materiais prioritaacuterias incluiacutedas no miacutenimo em sauacutede antes elencados
Explicando melhor jaacute foi visto que toda vez que o Judiciaacuterio enfrentando uma
situaccedilatildeo em que se exige uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial em sauacutede poreacutem inclusa
em uma poliacutetica puacuteblica acabar constatando o descumprimento do miacutenimo de infraestrutura
previsto para a realizaccedilatildeo da referida poliacutetica nasceraacute uma presunccedilatildeo em favor cidadatildeo no
sentido de ter a prestaccedilatildeo daquela poliacutetica realizada natildeo sendo possiacutevel o Estado alegar
reserva do possiacutevel nesses casos
Pois bem infere-se desse raciociacutenio que a partir da necessidade de se respeitar esse
elemento instrumental diversas prestaccedilotildees materiais poderatildeo ser alcanccediladas judicialmente
sem que se discuta reserva do possiacutevel frente agrave presunccedilatildeo que nasce em favor do cidadatildeo de
ter direito agrave prestaccedilatildeo pleiteada jaacute que o Estado natildeo cumpre nem o que minimamente foi
planejado e projetado quando da elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em questatildeo
Desta maneira em que pese natildeo significar o automaacutetico acoplamento dessas novas e
indefinidas prestaccedilotildees (variaacuteveis conforme o caso concreto) ao grupo dos elementos materiais
do miacutenimo existencial em sauacutede o dever de corrigir o descumprimento do elemento
instrumental tem o condatildeo de conferir um tratamento de miacutenimo existencial a novas
prestaccedilotildees pelo menos de forma indireta jaacute que na praacutetica a falha estatal nesse ponto
funciona como uma espeacutecie de confissatildeo de sua ineficiecircncia daiacute se falar em dinamismo desse
elemento instrumental apto a contribuir para uma ampliaccedilatildeo progressiva do miacutenimo
existencial material
Nesse sentido aleacutem de elasticamente permitir uma ampliaccedilatildeo indireta das prestaccedilotildees
materiais tratadas como miacutenimo existencial em sauacutede a sistemaacutetica acima funciona como
importante ferramenta para a identificaccedilatildeo das prioridades em sauacutede da populaccedilatildeo jaacute que o
exame das diversas demandas judiciais na temaacutetica do direito agrave sauacutede poderaacute identificar onde
exatamente o Estado mais falha com a populaccedilatildeo podendo-se conferir assim uma roupagem
de prioridade em sauacutede a novas prestaccedilotildees natildeo advinda diretamente da Constituiccedilatildeo mas da
realidade faacutetica
Do afirmado acima jaacute se pode alcanccedilar uma importante constataccedilatildeo qual seja a noccedilatildeo
de que o manto da discricionariedade na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas natildeo pode ser
tido como uma maacutexima absoluta jaacute que quando tais poliacuteticas satildeo elaboradas o proacuteprio Poder
Puacuteblico estratifica documentalmente o que minimamente deve ser disponibilizado e quais
metas se incluem naquela poliacutetica sendo assim de suma importacircncia o controle fiscalizaccedilatildeo
130
e acompanhamento do fiel cumprimento dos compromissos sinalizados em tais poliacuteticas como
forma de averiguar a eficiecircncia das mesmas e o respeito agrave concretizaccedilatildeo praacutetica do direito agrave
sauacutede
Dito isto eacute relevante se ter em mente que satildeo situaccedilotildees completamente distintas a
hipoacutetese de intromissatildeo judicial em poliacuteticas puacuteblicas a partir da invasatildeo do campo de
discricionariedade que eacute iacutensito ao Executivo com a imposiccedilatildeo de modificaccedilotildees em tais
poliacuteticas ndash ou ateacute mesmo a ocorrecircncia de implementaccedilatildeo de poliacuteticas pelo proacuteprio Judiciaacuterio ndash
da hipoacutetese de o Judiciaacuterio poder aferir se os compromissos miacutenimos firmados estatildeo sendo
cumpridos especialmente relacionados agrave infraestrutura miacutenima pactuada e
consequentemente se os valores direcionados para tais fins estatildeo sendo corretamente
aplicados
Conclui-se que o escopo chave da inclusatildeo desse elemento instrumental no miacutenimo
existencial do direito agrave sauacutede eacute o de sugerir uma linha de orientaccedilatildeo concreta que
funcionando como um criteacuterio valioso para o Judiciaacuterio facilite o enfrentamento da
problemaacutetica da falta de efetividade desse relevante direito social amenizando assim os
possiacuteveis efeitos colaterais (jaacute tratados) marcantes em decisotildees que preocupadas apenas com
a micro-justiccedila do caso concreto terminam por comprometer o direito agrave sauacutede quando
pensado de maneira coletiva
Nesse sentido em que pese agrave proposta acima delineada parecer complexa eacute certo que
sua viabilidade poderaacute ser alcanccedilada a partir da consolidaccedilatildeo de uma cultura calcada no
conhecimento preacutevio das metas que satildeo estimadas no acircmbito da legislaccedilatildeo do SUS e nesse
contexto conforme se veraacute melhor a seguir eacute inequiacutevoco que existem previsotildees que
especificam a obrigaccedilatildeo de se disponibilizar infraestrutura miacutenima a partir de paracircmetros
objetivos como por exemplo a quantidade miacutenima de meacutedicos leitos em hospitais
equipamentos etc
Importante reforccedilar ainda que as determinaccedilotildees judiciais que comprovadamente
apontarem para a ineficiecircncia e aplicaccedilatildeo inconstitucional da verba destinada para a sauacutede
puacuteblica devem ser acompanhadas da consequente apuraccedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo das
autoridades e gestores envolvidos em tais atos de negligecircncia e afronta ao direito agrave sauacutede269
Concluindo se por um lado admite-se que a concretizaccedilatildeo praacutetica de tal medida eacute
algo complexo por outro natildeo haacute duacutevida de que a mesma aleacutem de funcionar como importante
269
Corroborando com esse pensamento o art 52 da Lei do SUS leciona que ldquosem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees
cabiacuteveis constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas puacuteblicas (Coacutedigo Penal art 315) a utilizaccedilatildeo
de recursos financeiros do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta leirdquo
131
instrumento no combate da ineficiecircncia do direito agrave sauacutede carrega em sua essecircncia um
importante efeito moralizador dirigido aos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de que
os mesmos corrijam as distorccedilotildees geradas por suas accedilotildees (ou inaccedilotildees) evitando-se que os
seguidos erros se tornem recorrentes
Para fechar a contribuiccedilatildeo da presente pesquisa na construccedilatildeo do miacutenimo existencial
em espeacutecie para o direito agrave sauacutede natildeo se pode avanccedilar sem abordar o ponto central da
argumentaccedilatildeo levantada que eacute exatamente a existecircncia de paracircmetros para se aferir a
eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede especialmente o respeito ao miacutenimo estimado para
a viabilizaccedilatildeo das mesmas A identificaccedilatildeo dos documentos que veiculam tais paracircmetros eacute
portanto o objeto do toacutepico que se segue
53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS
PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO A ESSE DIREITO
Conforme jaacute adiantado no capiacutetulo segundo a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil
estaacute assentada em diversos dispositivos da CF de 1988 bem como na regulamentaccedilatildeo trazida
tanto pela Lei Federal nordm 808090 quanto pela Lei Federal 814290 destacando-se tambeacutem
a recente Lei Complementar Federal nordm 1412012
Todavia tais normas por serem gerais e abstratas natildeo constituem instrumentos haacutebeis
a especificar tatildeo detalhadamente como seraacute estruturada a garantia do direito agrave sauacutede uma vez
que diversos fatores podem influenciar a forma com que essa garantia se procederaacute e
portanto pela dinamicidade inerente a esse processo satildeo algumas normas de menor
hierarquia que melhor apresentam as minuacutecias das poliacuteticas que buscaratildeo efetivar tanto a
legislaccedilatildeo acima apontada como a proacutepria Constituiccedilatildeo
Desta maneira haacute um caminho loacutegico a ser seguido e respeitado o qual engloba
diferentes niacuteveis do raio de abrangecircncia da proteccedilatildeo e garantia do direito agrave sauacutede Veja-se
i em primeiro lugar a Carta Maior prevecirc
i1 que o direito agrave sauacutede deveraacute ser garantido mediante poliacuteticas sociais e
econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedilas e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo
132
i2 que cabe ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre a
regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede as quais
integram uma rede regionalizada e hierarquizada constituindo um sistema
uacutenico
ii em segundo lugar a Lei Federal nordm 808090 dispotildee de maneira geral sobre
as condiccedilotildees para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo
e o funcionamento dos serviccedilos correspondentes trazendo diretrizes e
principais objetivos a serem seguidos pelo SUS e
ii em terceiro lugar a Lei Federal nordm 814290 e a Lei Complementar Federal nordm
1412012 apresentam respectivamente disposiccedilotildees de suma relevacircncia sobre
a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS e as transferecircncias
intergovernamentais de recursos na aacuterea de sauacutede bem como sobre os criteacuterios
de rateio dos recursos para a sauacutede e normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e
controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferas de governo
Esse terceiro momento trata de situaccedilotildees especiacuteficas (e natildeo menos relevantes) cuja
anaacutelise se daraacute mais a frente Contudo no que se refere aos dois primeiros eacute certo que nasce
do exame dos mesmos a difiacutecil missatildeo de se extrair de maneira segura os paracircmetros que
delimitam quais as prestaccedilotildees em sauacutede que se cristalizam efetivamente como dever do
Poder Puacuteblico
A complexidade inerente a esse processo reside em dois aspectos jaacute pincelados ao
longo da presente pesquisa a dificuldade praacutetica de uma norma geral e abstrata apresentar
nuances de uma situaccedilatildeo que envolve inuacutemeras condicionantes e que necessita de alteraccedilotildees e
adaptaccedilotildees com grande frequecircncia bem como o fato de que a teacutecnica legislativa utilizada na
elaboraccedilatildeo dos dispositivos ligados agrave sauacutede constantes nesses dois niacuteveis (CF de 1988 e ldquoLei
do SUSrdquo) privilegia uma linha mais programaacutetica abraccedilando-se em diretrizes e princiacutepios
sem comprometer o Poder Puacuteblico de maneira muito especiacutefica Em suma prestigiam-se fins
a serem alcanccedilados mas natildeo satildeo dadas muitas pistas de como se chegar eficientemente aos
mesmos
Partindo das premissas postas defende-se o aprofundamento e maior divulgaccedilatildeo do
por assim dizer quarto niacutevel de normas protetivas do direito agrave sauacutede niacutevel este que se inicia
pelo conhecimento do quadro geral das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede abarcadas no acircmbito do
SUS e dos instrumentos legislativos sobretudo decretos e portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
que as norteiam
133
Nesse contexto a exata compreensatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do SUS eacute
primordial para a delimitaccedilatildeo desse niacutevel o que exige primeiro um maior detalhamento
quanto algumas especificidades da denominada ldquoLei do SUSrdquo
Segundo a Lei Federal nordm 808090 o dever do Estado de garantir a sauacutede se
materializa pela formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e pelo estabelecimento de
condiccedilotildees que assegurem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos constantes em
tais poliacuteticas constituindo o que se chama de SUS exatamente o conjunto dessas accedilotildees e
serviccedilos
Mais adiante satildeo elencados os objetivos e atribuiccedilotildees do SUS e nesse momento as
ldquodicasrdquo sobre o que pode ser exigido em sauacutede apesar de ainda natildeo tatildeo claras satildeo mais
palpaacuteveis jaacute que haacute previsatildeo no sentido de encontrar-se no campo de atuaccedilatildeo do SUS a
execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica de sauacutede do trabalhador e de
assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica
Quanto a este uacuteltimo elemento algumas observaccedilotildees natildeo podem deixar de serem
feitas Nesse contexto eacute imperioso ressaltar que recente e importante alteraccedilatildeo na Lei do
SUS instituiacuteda pela Lei Federal nordm 124012011 veio a incluir o capiacutetulo VIII (Da assistecircncia
terapecircutica e da incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede) que especifica a abrangecircncia do termo
assistecircncia terapecircutica e arrola paracircmetros para os casos de concessatildeo de medicamentos270
Nesse ponto resta esclarecido pela proacutepria ldquoLei do SUSrdquo (art 19-M) que a assistecircncia
terapecircutica integral abrange a disponibilizaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para
a sauacutede e a oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar ambulatorial e
hospitalar mas tudo isso conforme as diretrizes previamente definidas em protocolos cliacutenicos
e tabelas elaboradas no acircmbito do SUS271
270
Sobre a questatildeo da disponibilizaccedilatildeo de medicamentos por parte do Estado merece destaque a pesquisa
desenvolvida por Paul Hunt e Rajat Khosla que encara o acesso a medicamentos como um autecircntico direito
humano ao passo que ldquoos estados devem fazer todo o possiacutevel para assegurar que os medicamentos existentes
sejam disponibilizados em quantidade suficientes dentro do acircmbito de suas jurisdiccedilotildees Por exemplo eles
provavelmente teratildeo que utilizar alguns dos mecanismos de flexibilidaccedilatildeo da propriedade intelectual previstos
no Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comeacutercio (conhecido como
TRIPS) promulgando e aplicando leis internas que permitam a licenccedila compulsoacuteria Dessa maneira os Estados
assegurariam a disponibilidade de medicamentos em quantidade adequadas dentro de suas jurisdiccedilotildeesrdquo HUNT
Paul KHOSLA Rajat Acesso a medicamentos como um direito humano (trad Thiago Amparo) In Revista
Internacional de Direitos Humanos v5 n8 Satildeo Pulo jun 2008 p 104 271
Neste ponto depreende-se da leitura dos arts 19-N 19-O e 19-P que os protocolos cliacutenicos (documento que
estabelece criteacuterios para o diagnoacutestico de doenccedilas o tratamento medicamento posologia e mecanismo de
controle cliacutenico) e as diretrizes terapecircuticas devem estabelecer os medicamentos necessaacuterios nas diferentes fases
evolutivas da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede e na falta dos mesmos a dispensaccedilatildeo de medicamentos deve ser
realizada com base nas relaccedilotildees de medicamentos instituiacutedas pelo gestor federal do SUS observada a
responsabilidade pelo fornecimento pactuada na Comissatildeo Intergestores Tripartite
134
Avanccedilou-se ainda na soluccedilatildeo referente agrave celeuma quanto a dificuldade de se
estabelecer a responsabilidade financeira do fornecimento de tais medicamentos produtos
para a sauacutede ou procedimentos ao passo que no art 19-U esclareceu-se que tal
responsabilidade seraacute pactuada no acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite que envolve os
gestores dos trecircs niacuteveis federativos o que denota a importacircncia da ampla publicidade e
conhecimento dos atos dessa comissatildeo
Desta maneira constata-se que a recente alteraccedilatildeo legislativa significou um importante
passo para a soluccedilatildeo da problemaacutetica enfrentada nas demandas judiciais em que se pleiteia
medicamentos jaacute que haacute um maior esclarecimento em lei de paracircmetros a serem seguidos
pelo magistrado na busca pela soluccedilatildeo dos referidos casos tanto com relaccedilatildeo a
responsabilidade de cada ente quanto aos medicamentos que especificamente podem ser
pleiteados judicialmente
Fechando este parecircntese quanto aos medicamentos e seguindo na perquiriccedilatildeo dos
destaques da Lei do SUS que auxiliam na delimitaccedilatildeo das obrigaccedilotildees estatais em sauacutede tem-
se que no capiacutetulo referente aos princiacutepios do SUS elencados no art 7deg surgem as
importantes noccedilotildees de universalidade de acesso aos serviccedilos em todos os niacuteveis de assistecircncia
e de integralidade compreendida como conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos
preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de
complexidade do sistema noccedilotildees estas que funcionam como norte na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas
especiacuteficas em sauacutede puacuteblica
Mais a frente no rol das competecircncias da direccedilatildeo nacional e estadual do SUS (art 16
XI e art 17 IX) identifica-se a importante atribuiccedilatildeo de serem especificados os serviccedilos
estaduais e municipais de referecircncia nacional para o estabelecimento de padrotildees teacutecnicos de
assistecircncia agrave sauacutede aleacutem do dever da direccedilatildeo municipal de dar execuccedilatildeo agrave poliacutetica de insumos
e equipamentos para a sauacutede deixando claro o teor de tais disposiccedilotildees que ao proacuteprio SUS
cabe a tarefa de especificar certos padrotildees e metas a serem atingidas as quais serviratildeo para
atestar a viabilidade e eficiecircncia das poliacuteticas que vierem a ser executadas
Finalmente no capiacutetulo referente ao planejamento e orccedilamento do SUS eacute destacado
(arts 36 e 37) que os planos de sauacutede constituem os instrumentos-base das atividades e
programaccedilotildees de cada niacutevel de direccedilatildeo do SUS com financiamento previsto na respectiva
proposta orccedilamentaacuteria devendo as accedilotildees neles previstas passar necessariamente pelo crivo
oacutergatildeos deliberativos compatibilizando-se as necessidades da poliacutetica de sauacutede com a
disponibilidade de recursos
135
Da anaacutelise da Lei do SUS portanto se conclui que em que pese a referida lei ser clara
em apresentar um dever estatal para com a sauacutede este natildeo se encontra perfeitamente
delimitado jaacute que as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico em sua
maioria iratildeo depender de documentos que especifiquem o planejamento da sauacutede que estaacute em
andamento e quais accedilotildees e serviccedilos estatildeo abrangidas em tal plano
Nesse ponto importantiacutessimo passo foi dado com a promulgaccedilatildeo do Decreto nordm
750811 que regulamentando a Lei do SUS trouxe contribuiccedilotildees chaves sobre a organizaccedilatildeo
do SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa na
mateacuteria Eacute exatamente a anaacutelise desse importante instrumento que se faraacute a seguir
531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 750811 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees miacutenimas
em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico
Com vistas a fazer valer a necessidade de regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo da rede de
serviccedilos de sauacutede previstos na Lei do SUS o decreto em exame apresenta importantes
disposiccedilotildees que devem ser familiares ao dia a dia da sociedade (especialmente dos
representantes dos usuaacuterios nos Conselhos de Sauacutede) do Poder Judiciaacuterio e dos entes de
fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e os Tribunais de Contas)
Da anaacutelise dos diversos conceitos encontrados no aludido decreto depreende-se que a
loacutegica estrutural do SUS incentiva a formaccedilatildeo de regiotildees de sauacutede (espaccedilos geograacuteficos
contiacutenuos constituiacutedos por agrupamentos de municiacutepios limiacutetrofes272
) como forma de melhor
organizar o planejamento das accedilotildees e serviccedilos disponibilizados
Nesse contexto surgem dois instrumentos que satildeo de essencial valia o Contrato
Organizativo da Accedilatildeo Puacuteblica da Sauacutede e o Mapa de Sauacutede273
O primeiro consiste no acordo de colaboraccedilatildeo firmado entre os entes federativos com
a finalidade de organizar e integrar as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede na rede regionalizada e
hierarquizada apresentando importantes paracircmetros aos quais deve ser dada ampla
publicidade e que poderatildeo ser analisados pelo Judiciaacuterio no enfretamento de pleitos ligados ao
direito agrave sauacutede quais sejam a definiccedilatildeo de responsabilidades indicadores e metas de sauacutede
criteacuterios de avaliaccedilatildeo de desempenho recursos financeiros que seratildeo disponibilizados forma
272
Art 2deg I do Decreto nordm 750811 273
Art 2deg II e V do Decreto nordm 750811
136
de controle e fiscalizaccedilatildeo de sua execuccedilatildeo bem como outros elementos necessaacuterios agrave
implementaccedilatildeo do acordado
Ou seja sempre que existir accedilotildees integradas entre esferas de governo caracteriacutestica
que eacute a proacutepria tocircnica da estruturaccedilatildeo do SUS existiraacute um instrumento que estabeleceraacute
relevantes paracircmetros aptos a aferir a eficiecircncia do cumprimento do acordado sendo
imprescindiacutevel desta maneira a disponibilizaccedilatildeo de tal documento nas anaacutelises judiciais que
envolvam pleitos relativos a accedilotildees e serviccedilos de sauacutede
O Mapa de Sauacutede por sua vez consiste na descriccedilatildeo geograacutefica da distribuiccedilatildeo de
recursos humanos e de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ofertados pelo SUS que considera a
capacidade instalada existente os investimentos e o desempenho aferido a partir dos
indicadores de sauacutede do sistema consolidando-se tambeacutem como outro importante
instrumento a ser considerado no exame da eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em andamento jaacute
que contribuem para o estabelecimento de metas de sauacutede274
Assentados tais conceitos de se destacar novamente o relevante papel da Comissatildeo
Intergestores Tripartite (CIT) que dispotildee sobre as diretrizes gerais das regiotildees de sauacutede as
quais compreendem as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede (conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede
articulados em niacuteveis de complexidade crescente) e servem de referecircncia para as
transferecircncias de recursos entre os entes federativos
Sobre as regiotildees de sauacutede o referido decreto assevera que as mesmas deveratildeo conter
no miacutenimo accedilotildees e serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria urgecircncia e emergecircncia atenccedilatildeo
psicossocial atenccedilatildeo ambulatorial especializada e hospitalar e vigilacircncia em sauacutede275
Ainda
fica asseverado que as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede que estatildeo compreendidas nestas regiotildees
deveratildeo ter definidas em seu acircmbito pelos entes federativos que a englobam paracircmetros
importantes como os limites geograacuteficos a populaccedilatildeo usuaacuteria das accedilotildees e serviccedilos o rol das
accedilotildees que seratildeo ofertadas e as respectivas responsabilidades criteacuterios de acessibilidade e
escala para a conformaccedilatildeo dos serviccedilos
Pode-se observar que tais indicadores satildeo de suma relevacircncia para a afericcedilatildeo judicial
do enquadramento de determinada accedilatildeo ou serviccedilo como constante em determinada poliacutetica
puacuteblica visto que munido dos documentos que formalizam as regiotildees de sauacutede e as
respectivas redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede o magistrado poderaacute identificar se os requisitos miacutenimos
a serem instituiacutedos estatildeo sendo cumpridos bem como se o rol de accedilotildees estaacute sendo
274
Art 17 do Decreto nordm 750811 275
Art 5deg do Decreto nordm 750811
137
disponibilizados respeitando os criteacuterios de acessibilidade e escala da projeccedilatildeo de tais
serviccedilos
Mais adiante eacute ressaltada a importacircncia de ser assegurado aos usuaacuterios um acesso que
seja universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos do SUS impondo-se aos entes
federativos o dever de garantir a transparecircncia integralidade e equidade no acesso o qual
deveraacute ser monitorado bem como de orientar e ordenar os fluxos das accedilotildees e dos serviccedilos
que regionalmente ofertados satildeo guiados pelo garantia da continuidade do cuidado em sauacutede
em todas as modalidades276
Importantes diretrizes tambeacutem satildeo fixadas nos capiacutetulos referentes ao planejamento e
agrave assistecircncia em sauacutede Nesse ponto tem-se que o processo de planejamento da sauacutede
caracterizado por ser ascendente e integrado do niacutevel local ateacute o federal deveraacute
necessariamente passar pelos Conselhos de Sauacutede e buscaraacute a harmonia entre as necessidades
das poliacuteticas de sauacutede e a disponibilidade dos recursos financeiros devendo esta
compatibilizaccedilatildeo ser efetuada no acircmbito dos planos de sauacutede que satildeo exatamente o
resultado do planejamento integrado dos entes planejamento este que deveraacute conter metas a
serem atingidas277
Jaacute quanto agrave assistecircncia em sauacutede esta tem sua integralidade iniciada e completada na
rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede mediante referenciamento do usuaacuterio na rede regional e interestadual
conforme o pactuado nas Comissotildees Intergestores278
e a delimitaccedilatildeo de sua abrangecircncia se
baseia em dois importantiacutessimos paracircmetros a Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de
Sauacutede (RENASES) e a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
A RENASES279
compreende todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio
para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede cabendo ao Ministeacuterio da Sauacutede
observadas as diretrizes pactuadas pela CIT dispor sobre essa relaccedilatildeo e atualizaacute-la a cada dois
anos Para efeito de responsabilizaccedilatildeo deveratildeo os entes pactuar nas respectivas Comissotildees
Intergestores as suas responsabilidades em relaccedilatildeo ao rol de accedilotildees e serviccedilos constantes da
RENASES sem prejuiacutezo de os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios poderem adotar
relaccedilotildees especiacuteficas e complementares280
276
Arts 12 e 13 do Decreto nordm 750811 277
Art 15 do Decreto nordm 750811 278
Art 20 do Decreto nordm 750811 279
A mais recente atualizaccedilatildeo da RENASES foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 841 de 2
de maio de 2012 disponiacutevel em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesrelacao_nacional_acoes_saudepdf
Acesso em 15062013 280
Arts 21 a 24 do Decreto nordm 750811
138
A RENAME281
por sua vez engloba a seleccedilatildeo e padronizaccedilatildeo de medicamentos
indicados para o atendimento de doenccedilas ou agravos no acircmbito do SUS282
e seraacute
acompanhada do Formulaacuterio Terapecircutico Nacional (FTN) o qual subsidiaraacute a prescriccedilatildeo
dispensaccedilatildeo e o uso dos seus medicamentos cabendo tambeacutem ao Ministeacuterio da Sauacutede
dispor sobre a mesma e atualizaacute-la a cada dois anos283
De igual maneira poderatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios adotar
relaccedilotildees especiacuteficas e complementares de medicamentos as quais sintonizadas com a loacutegica
da RENAME devem respeitar as responsabilidades dos entes pelo financiamento de
medicamentos de acordo com o pactuado nas Comissotildees Intergestores sendo certo que tanto
a RENAME quanto tais relaccedilotildees complementares somente poderatildeo conter produtos com
registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA284
)
Outra questatildeo relevante e que deve ser levada em consideraccedilatildeo pelo magistrado ao
enfrentar uma demanda envolvendo a disponibilizaccedilatildeo de um medicamento eacute a contribuiccedilatildeo
do decreto em exame no que se refere agrave especificaccedilatildeo dos requisitos imprescindiacuteveis para que
seja garantido o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica com base no
RENAME
Nesse contexto cumulativamente devem estar o usuaacuterio assistido por accedilotildees e
serviccedilos abrangidos pelo SUS ter o medicamento sido prescrito por profissional de sauacutede no
exerciacutecio regular de suas funccedilotildees no SUS estar a prescriccedilatildeo em conformidade com a
RENAME e os Protocolos Cliacutenicos e Diretrizes Terapecircuticas e ter a dispensaccedilatildeo ocorrido
necessariamente em unidades indicadas pela direccedilatildeo do SUS285
Tais requisitos reforccedilam a necessidade de que o elemento instrumental do miacutenimo
existencial em sauacutede proposto deve necessariamente abranger natildeo somente a infraestrutura
fiacutesica suficiente (hospitais equipados com leitos suficientes e equipamentos) para atender as
demandas da regiatildeo em questatildeo mas tambeacutem a disponibilidade miacutenima de meacutedicos e
remeacutedios estimados
281
A mais recente atualizaccedilatildeo da RENAME foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 533 de 28
de marccedilo de 2012 disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfCONITECPORTARIAMS5332012pdf Acesso em 15062013 282
A RENAME nasce da identificaccedilatildeo com base na situaccedilatildeo epidemioloacutegica dos maiores problemas de sauacutede e
os medicamentos baacutesicos indispensaacuteveis para seu tratamento os quais devem estar continuamente disponiacuteveis
para a populaccedilatildeo que deles necessita DALLARI Sueli Gandolfi Poliacuteticas de Estado e poliacuteticas de governo o
caso da sauacutede puacuteblica In Poliacuteticas Puacuteblicas Reflexotildees sobre o conceito juriacutedico Maria Paula Dallari Bucci
(org) Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 259 283
Arts 25 e 26 do Decreto nordm 750811 284
Art 27 e 29 do Decreto nordm 750811 285
Art 28 do Decreto nordm 750811
139
Finalmente importantes contribuiccedilotildees referentes agrave articulaccedilatildeo entre os entes federados
satildeo apresentadas pelo decreto em anaacutelise sobretudo no que diz respeito agraves atribuiccedilotildees das
comissotildees intergestores e a elaboraccedilatildeo do jaacute mencionado contrato organizativo de accedilatildeo
puacuteblica da sauacutede
Nesse sentido essas comissotildees exercem um papel de suma importacircncia na
funcionalidade geral do SUS jaacute que a partir delas satildeo pactuados os aspectos operacionais
financeiros e administrativos da gestatildeo compartilhada do sistema de acordo com a definiccedilatildeo
da poliacutetica de sauacutede dos entes federativos balizada nos planos de sauacutede e aprovadas pelos
respectivos conselhos de sauacutede286
Cabe a tais comissotildees dessa forma a elaboraccedilatildeo das diretrizes gerais sobre as regiotildees
de sauacutede e sobre a organizaccedilatildeo das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede com o correspondente
estabelecimento das responsabilidades dos entes federativos287
a partir do contrato
organizativo instrumento que consubstancia o acordo de colaboraccedilatildeo entre os entes sobre a
organizaccedilatildeo da rede interfederativa de atenccedilatildeo agrave sauacutede
O referido instrumento eacute bastante relevante para o exame judicial dos pleitos na
temaacutetica do direito agrave sauacutede sendo indispensaacutevel sua apresentaccedilatildeo em juiacutezo jaacute que o mesmo
funciona como um elemento delimitativo das diversas circunstacircncias que envolvem as
poliacuteticas puacuteblicas principalmente quanto agrave parcela de responsabilizaccedilatildeo de cada esfera
federativa e quanto agrave fiscalizaccedilatildeo da execuccedilatildeo das mesmas aleacutem de apresentar enorme valia
tanto para a delimitaccedilatildeo do elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede quanto
para perquiriccedilatildeo acerca do enquadramento de determinado pleito em alguma poliacutetica em
andamento
Desta feita prevecirc o Decreto nordm 750811 que eacute no mencionado contrato organizativo
que deveratildeo constar as responsabilidades individuais e solidaacuterias dos entes federativos com
relaccedilatildeo agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede os indicadores e as metas de sauacutede os criteacuterios de
avaliaccedilatildeo de desempenho a discriminaccedilatildeo dos recursos financeiros que estatildeo sendo
disponibilizados por cada um dos partiacutecipes bem como a forma de controle e fiscalizaccedilatildeo da
sua execuccedilatildeo e demais elementos necessaacuterios agrave implementaccedilatildeo integrada das accedilotildees e serviccedilos
de sauacutede288
Quanto agrave importacircncia do preacutevio conhecimento do Judiciaacuterio acerca das
responsabilidades de cada ente bem como da contribuiccedilatildeo financeira que cada um
286
Art 32 I do Decreto nordm 750811 287
Art 32 II III e IV do Decreto nordm 750811 288
Art 35 do Decreto nordm 750811
140
disponibiliza para as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede serem implementados algumas observaccedilotildees
merecem maior ecircnfase sobretudo no que se refere ao elemento instrumental jaacute defendido
anteriormente
Quando uma decisatildeo judicial natildeo se preocupa em averiguar o que foi pactuado
previamente entre os entes e simplesmente reconhece uma responsabilidade solidaacuteria ou
meramente responsabiliza um dos entes a partir de um criteacuterio aleatoacuterio que natildeo se coaduna
com o que foi previamente pactuado conforme as disposiccedilotildees da Lei do SUS e do decreto que
a regulamenta isso acaba gerando uma grave desorganizaccedilatildeo do proacuteprio sistema gerando
severos efeitos colaterais
Isso porque como jaacute eacute definido previamente qual prestaccedilatildeo material caberaacute a cada
ente ou quais seratildeo solidaacuterias haveraacute tambeacutem de maneira preacutevia uma estipulaccedilatildeo acerca dos
dispecircndios de cada ente (seja que seratildeo repassados ou diretamente utilizados) bem como uma
imprescindiacutevel organizaccedilatildeo estrutural antecedente para que cada um realize suas
responsabilidades
Desta maneira quando uma decisatildeo judicial decide contrariamente a tal conteuacutedo jaacute
pactuado a loacutegica do sistema se desorganiza levando primeiro a ocorrecircncia de dispecircndios
em duplicidade uma vez que em muitos casos um ente jaacute repassou os valores legais para o
ente responsaacutevel pela execuccedilatildeo da accedilatildeo ou serviccedilo e termina sendo condenado a pagar de
novo e segundo ao relaxamento dos gestores em sauacutede jaacute que alguns ficam inertes agrave espera
de decisotildees judiciais para agir gerando um ciacuterculo vicioso
Por sua vez quando o Judiciaacuterio se preocupa em fazer valer o previamente definido
haacute uma contribuiccedilatildeo para o proacuteprio SUS jaacute que natildeo soacute restam evitados os efeitos colaterais
acima mencionados como tambeacutem se coopera para a formaccedilatildeo de dados estatiacutesticos sobre as
possiacuteveis falhas na prestaccedilatildeo o que termina por forccedilar uma melhor programaccedilatildeo do gestor
condenado visando agrave correccedilatildeo dos problemas mais recorrentes
Conclui-se assim que ao inveacutes de contribuir com a concretizaccedilatildeo do direito em
exame o Judiciaacuterio quando decide sem esse compromisso investigativo de buscar condenar
quem eacute o responsaacutevel com base nas previsotildees da poliacutetica puacuteblica em vigor acaba
prejudicando a macrojusticcedila circundante ao direito agrave sauacutede jaacute que a proacutepria organizaccedilatildeo do
SUS restaraacute prejudicada289
289
Corroborando com o posicionamento acima a Advogada da Uniatildeo Gabriela Moreira Castro assevera que ldquoEacute
preciso estudar racionalmente como se organiza o SUS nessa mateacuteria a fim de se impor a obrigaccedilatildeo a quem eacute
diretamente responsaacutevel pelo seu atendimento e dessa forma possibilitar o tratamento da melhor maneira a
quem dele necessita () Em geral os juiacutezes se satisfazem ao fundamentar suas decisotildees com base nas garantias
constitucionais agrave sauacutede e agrave vida ou com base na solidariedade entre as pessoas poliacuteticas em mateacuteria sanitaacuteria
141
Nesse contexto defende-se que sempre tais contratos organizativos firmados entre os
entes sejam previamente consultados e respeitados somente se decretando a
responsabilizaccedilatildeo solidaacuteria como uacuteltimo artifiacutecio necessaacuterio a se evitar a lesatildeo do direito
Feitas tais digressotildees destaca-se finalmente na sequecircncia da anaacutelise dos principais
pontos do Decreto nordm 750811 que partindo da ideia de humanizaccedilatildeo do atendimento do
usuaacuterio como fator determinante para o estabelecimento das metas de sauacutede deve o jaacute antes
referido contrato organizativo observar algumas diretrizes para fins de garantia da gestatildeo
participativa destacando-se a incorporaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do usuaacuterio das accedilotildees e serviccedilos como
ferramenta de melhoria das estrateacutegias em sauacutede a permanente apuraccedilatildeo das necessidades e
interesses do usuaacuterio e a necessidade de ser dada publicidade aos direitos e deveres dos
usuaacuterios em todas as unidades de sauacutede do SUS inclusive nas unidades privadas que dele
participem complementarmente290
532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a
delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede
Em meados de marccedilo de 2006 atraveacutes da Portaria nordm 687 do Ministeacuterio da Sauacutede foi
aprovada a Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (PNPS) considerada a matildee291
de todas as
poliacuteticas de sauacutede do paiacutes A partir desse momento intensificou-se a busca por uma maior
articulaccedilatildeo entre as trecircs esferas federativas com vistas a possibilitar uma maior eficiecircncia e
qualidade nas accedilotildees e serviccedilos disponibilizadas pelo SUS
Foi nesse contexto que em 2006 nasceu o Pacto pela Sauacutede por forccedila da Portaria nordm
399 do Ministeacuterio da Sauacutede o qual aprovado no Conselho Nacional de Sauacutede e pactuado no
acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite jaacute mencionada teve o propoacutesito de facilitar
muitas vezes meramente citando o artigo 196 da Constituiccedilatildeo para alegar que a sauacutede eacute dever do Estado No
entanto os magistrados comumente falham em analisar a fundo a diretriz constitucional da descentralizaccedilatildeo do
Sistema que faz parte da poliacutetica puacuteblica do SUS Esquecem-se de que o artigo 196estatui que a sauacutede eacute
realmente dever do Estado poreacutem bdquogarantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas‟ dentre as quais se
encontra a poliacutetica da descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo () Os julgadores carecem tambeacutem em considerar a
legislaccedilatildeo ordinaacuteria e as diversas normas que regulam especificamente o bloco de financiamento do SUSrdquo
CASTRO Gabriela Moreira Consideraccedilotildees sobre as decisotildees judiciais que tratam de atos referentes ao
bloco de financiamento do Sistema Uacutenico de Sauacutede chamado de Atenccedilatildeo de Meacutedia e Alta Complexidade
Ambulatorial e Hospitalar
Disponiacutevel em httpportalsaudesaudegovbrportalsaudearquivospdf2012Jan18decisoesjudiciaispdf
Acessado em 18062013 290
Arts 37 e 38 do Decreto nordm 750811 291
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 56 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013
142
acordos entre as esferas de governo mediante a redefiniccedilatildeo de responsabilidades coletivas e a
promoccedilatildeo de novos processos e instrumentos de gestatildeo do SUS
O mencionado pacto surge assim atraveacutes de um compromisso puacuteblico assumido pelos
gestores do SUS apresentando trecircs componentes o Pacto Pela Vida o Pacto em Defesa do
SUS e o Pacto de Gestatildeo devendo a formalizaccedilatildeo do mesmo ocorrer com a assinatura do
Termo de Compromisso de Gestatildeo (TCG) entre os entes federativos momento em que satildeo
firmados os objetivos metas atribuiccedilotildees e responsabilidades dos gestores
O Pacto pela Vida292
engloba um conjunto de compromissos sanitaacuterios elencados com
base em anaacutelises da situaccedilatildeo da sauacutede do Paiacutes e das prioridades definidas pelos governos das
trecircs esferas federativas significando uma accedilatildeo prioritaacuteria no campo de sauacutede que deveraacute ser
executada com foco em resultados e com a explicitaccedilatildeo inequiacutevoca dos compromissos
orccedilamentaacuterios e financeiros para o alcance desses resultados293
Dentre as prioridades do Pacto pela Vida estaacute a consolidaccedilatildeo da estrateacutegia Sauacutede da
Famiacutelia como modelo de atenccedilatildeo baacutesica e centro ordenador das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede no
SUS bem como o fortalecimento da atenccedilatildeo baacutesica que engloba dentre outros objetivos a
necessidade de se garantir a infraestrutura necessaacuteria ao funcionamento das Unidades Baacutesicas
de Sauacutede dotando-as de recursos materiais equipamentos e insumos suficientes para se
realizar o conjunto de accedilotildees e serviccedilos propostos ponto que se harmoniza com o elemento
instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede defendido294
Partindo disso a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica295
se estrutura por meio de um
processo que leva em consideraccedilatildeo certos indicadores da atenccedilatildeo baacutesica estabelecendo-se
metas anuais a serem alcanccediladas a partir de tais indicadores visando a garantir a
resolutividade desse setor
Nesse sentido haacute previsatildeo especiacutefica (ldquoda infraestrutura e dos recursos necessaacuteriosrdquo)
no instrumento legal que estrutura a poliacutetica em questatildeo sobre os itens que satildeo elementares
para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica destacando-se que a existecircncia de unidades
baacutesicas de sauacutede (UBS) que disponibilizem equipe multiprofissional consultoacuterio meacutedico
odontoloacutegico e de enfermagem aacuterea de recepccedilatildeo sala de vacina sala de cuidados baacutesicos
292
Cabe agrave Portaria MS nordm 6992006 do Ministeacuterio da Sauacutede a regulamentaccedilatildeo das diretrizes operacionais dos
Pactos pela Vida e de Gestatildeo 293
Anexo I inciso I da Portaria MS nordm 3992006 294
Anexo II inciso I F da Portaria MS nordm 3992006 295
Aprovada pela Portaria MS nordm 6482006
143
equipamentos e materiais adequados ao elenco das accedilotildees propostas manutenccedilatildeo regular de
estoque dos insumos necessaacuterios296
No mesmo dispositivo eacute ressaltado um importantiacutessimo paracircmetro para a atenccedilatildeo
baacutesica que eacute a quantidade de UBS que devem existir nos grandes centros urbanos sendo
apontado que UBS sem o programa Sauacutede da Famiacutelia devem englobar ateacute 30 (trinta) mil
habitantes e as que possuem tal programa devem abranger apenas 12 (doze) mil habitantes
Seguindo tem-se que o Pacto em Defesa do SUS297
por sua vez busca reforccedilar o SUS
como poliacutetica de Estado mais do que uma poliacutetica de governo visando a defender seus
princiacutepios constitucionais basilares a partir de uma repolitizaccedilatildeo da sauacutede que passa a ser
encarada como um direito de cidadania e apresenta dentre suas prioridades por exemplo o
incremento a longo prazo dos recursos orccedilamentaacuterios e financeiros para a sauacutede e a
elaboraccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Carta dos Direitos dos Usuaacuterios do SUS298
Antes de avanccedilar para o proacuteximo componente do Pacto pela Sauacutede faz-se relevante
destacar alguns aspectos da referida carta jaacute que seu conteuacutedo eacute rico em disposiccedilotildees que
podem figurar como paracircmetros para a apreciaccedilatildeo judicial das demandas em sauacutede
Nesse contexto a cartilha se estrutura a partir de seis princiacutepios baacutesicos dos quais
decorrem disposiccedilotildees especiacuteficas quais sejam i todo cidadatildeo tem direito ao acesso ordenado
e organizado aos sistemas de sauacutede ii todo cidadatildeo tem direito a tratamento adequado e
efetivo para seu problema iii todo cidadatildeo tem direito ao atendimento humanizado
acolhedor e livre de qualquer discriminaccedilatildeo iv todo cidadatildeo tem direito a atendimento que
respeite a sua pessoa seus valores e seus direitos v todo cidadatildeo tambeacutem tem
responsabilidades para que seu tratamento aconteccedila de forma adequada e vi todo cidadatildeo
tem direito ao comprometimento dos gestores da sauacutede para que os princiacutepios anteriores
sejam cumpridos
Em que pese tais balizas natildeo exprimirem por si soacute obrigaccedilotildees diretas ao Poder
Puacuteblico quando satildeo elencados os desdobramentos de cada uma dessas diretrizes vislumbram-
se importantes disposiccedilotildees que contribuem profundamente para o enfretamento de pleitos
judiciais em mateacuteria de direito agrave sauacutede jaacute que como o Poder Puacuteblico por meio de ato oficial
encara certas situaccedilotildees como autecircnticos direitos do usuaacuterio nada mais correto que seja
cobrado o respeito pelos gestores puacuteblicos de tais disposiccedilotildees
296
Anexo capiacutetulo I 3 (Da infraestrutura e dos Recursos Necessaacuterios) da Portaria MS ndeg 6482006 297
Anexo I inciso II da Portaria MS nordm 3992006 298
Aprovada pela Portaria MS nordm 6752006 Disponiacutevel em
httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoescarta_direito_usuarios_2ed2007pdf Acesso em 17062013
144
Quanto agraves disposiccedilotildees do primeiro princiacutepio pode ser destacado o tratamento dado agraves
situaccedilotildees de emergecircncia cujo atendimento deveraacute ser prestado de maneira incondicional e em
qualquer unidade devendo-se em caso de risco de vida ser garantida a remoccedilatildeo segura do
usuaacuterio para um estabelecimento em condiccedilotildees de recebecirc-lo Ainda eacute imposta como
responsabilidade do gestor local em caso de limitaccedilatildeo circunstancial na capacidade de
atendimento do serviccedilo de sauacutede a pronta soluccedilatildeo das condiccedilotildees para o acolhimento do
usuaacuterio admitindo-se priorizaccedilotildees apenas com base em criteacuterios de vulnerabilidade cliacutenica e
social299
No que se refere ao segundo princiacutepio desdobram-se importantes responsabilidades ao
Poder Puacuteblico jaacute que eacute conferido aos usuaacuterios do SUS o direito de ter atendimento resolutivo
com qualidade com garantia de continuidade de atenccedilatildeo mediante tecnologia apropriada e
condiccedilotildees de trabalho adequadas para os profissionais da sauacutede300
Da mesma forma eacute
expressamente previsto o direito ao acesso agrave anestesia em todas as situaccedilotildees em que for
indicada bem como medicaccedilotildees e procedimentos que possam aliviar a dor e o sofrimento301
Com relaccedilatildeo ao terceiro princiacutepio pode-se destacar o direito do usuaacuterio de nas
consultas internaccedilotildees e procedimentos ter assegurados sua integridade fiacutesica seu bem-estar
fiacutesico e mental e notadamente sua privacidade e conforto o que corrobora com a necessidade
de ser disponibilizada a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para tais direitos serem
garantidos302
No que tange ao quarto princiacutepio as disposiccedilotildees satildeo mais voltadas agrave possibilidade do
usuaacuterio ter sua opiniatildeo valorizada no acircmbito do SUS merecendo atenccedilatildeo a garantia de
comunicabilidade com os gestores de sauacutede para apresentaccedilatildeo de sugestotildees e denuacutencias
atraveacutes dos serviccedilos de ouvidoria bem como o direito dos usuaacuterios participarem do processo
de eleiccedilatildeo de seus representantes nas conferecircncias de sauacutede realizadas pelos conselhos303
Jaacute o foco do paraacutegrafo quinto como jaacute afirmado eacute apontar as responsabilidades que
cabem ao proacuteprio usuaacuterio compreendendo dentre outras atribuiccedilotildees o dever de informar de
maneira apropriada os indicadores de sua condiccedilatildeo de sauacutede bem como de seguir o plano de
tratamento recomendado pelo profissional304
299
Princiacutepio 1 II III e V da Portaria MS nordm 6752006 300
Tal direito aproxima-se da ideia de elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede o qual
como defendido engloba a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos previstas nas
poliacuteticas puacuteblicas 301
Princiacutepio 2 caput I IV e V da Portaria MS nordm 6752006 302
Princiacutepio 3 III da Portaria MS nordm 6752006 303
Princiacutepio 4 XII e XIII da Portaria MS nordm 6752006 304
Princiacutepio 5 I e III da Portaria MS nordm 6752006
145
O paraacutegrafo sexto por sua vez arrola os deveres que competem a cada esfera
federativa no acircmbito da gestatildeo do SUS cabendo especialmente i aos Municiacutepios a
celebraccedilatildeo de contratos e convecircnios com entidades prestadoras de serviccedilos privados de sauacutede
e a garantia do fornecimento de medicamentos ii aos Estados a coordenaccedilatildeo da rede
estadual de laboratoacuterios de sauacutede puacuteblica e hemocentros e iii agrave Uniatildeo a prestaccedilatildeo de
cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira aos Estados e Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo das
coordenadas dos sistemas de rede integradas de alta complexidade305
Finalmente o Pacto de Gestatildeo do SUS visa a estabelecer as responsabilidades de cada
ente federado de forma a diminuir as competecircncias concorrentes e a tornar mais claro as
atribuiccedilotildees de cada um aleacutem de buscar explicitar as diretrizes para o sistema de financiamento
puacuteblico tripartite e reiterar a importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social como o
compromisso de apoio agrave sua qualificaccedilatildeo o que em uacuteltima anaacutelise termina fortalecendo a
gestatildeo compartilhada e solidaacuteria do SUS306
No acircmbito do Pacto de Gestatildeo satildeo ressaltadas as diretrizes constitucionais de
descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo do SUS ganhando relevo dois importantes instrumentos de
planejamento da regionalizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede o Plano Diretor de
Regionalizaccedilatildeo (PDR) e a Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede (PPI)
O PDR exprime o desenho final do processo de identificaccedilatildeo e reconhecimento das
regiotildees de sauacutede em suas diferentes formas com o intuito de garantir sobretudo a
integralidade da atenccedilatildeo aliada agrave racionalizaccedilatildeo de gastos e otimizaccedilatildeo de recursos O PDI
por sua vez deve expressar os recursos de investimentos para acolher as necessidades
acordadas no processo de planejamento regional e estadual devendo tal instrumento refletir
no acircmbito regional especialmente as carecircncias a serem corrigidas visando a suficiecircncia na
atenccedilatildeo baacutesica307
Quanto ao aspecto orccedilamentaacuterio eacute certo que o Pacto pela Sauacutede representou um
significativo avanccedilo para a organizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursos jaacute que antes dele existiam
mais de cem formas de repasses e agora os estados e municiacutepios passaram a receber os
recursos federais concentrados em cinco blocos de financiamento i atenccedilatildeo baacutesica ii
atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade iii vigilacircncia em sauacutede iv assistecircncia farmacecircutica e
v gestatildeo do SUS308
305
Princiacutepio 6 II da Portaria MS nordm 6752006 306
Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 307
Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 308
Ministeacuterio da Sauacutede Entendendo o SUS p 6 2006 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfcartilha_entendendo_o_sus_2007pdf Acesso em 14062013
146
No que tange agrave atenccedilatildeo baacutesica por exemplo haacute importante previsatildeo no sentido de que
conforme os creacuteditos constantes no piso de atenccedilatildeo baacutesica sejam transferidos ldquofundo a fundordquo
o aviso de tais lanccedilamentos deveraacute ser enviado ao Secretaacuterio de Sauacutede ao Fundo de Sauacutede ao
Conselho de Sauacutede ao Poder Legislativo e ao Ministeacuterio Puacuteblico dos respectivos niacuteveis de
governo mecanismo que contribui bastante para a fiscalizaccedilatildeo do emprego dos recursos
repassados309
Outro ponto relevante do Pacto Pela Sauacutede no que tange ao elemento instrumental jaacute
mencionado eacute que consta no pacto um campo referente agraves responsabilidades gerais da gestatildeo
do SUS havendo previsatildeo expressa no sentido de os Municiacutepios serem responsaacuteveis pela
garantia da estrutura fiacutesica necessaacuteria para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica de acordo
com as normas teacutecnicas vigentes contando com apoio teacutecnico e financeiro dos Estados e da
Uniatildeo310
Aleacutem das regras que dispotildeem sobre o Plano pela Sauacutede e seus desdobramentos outras
portarias exaradas pelo Ministeacuterio da Sauacutede se afiguram como instrumentos essenciais para a
investigaccedilatildeo judicial acerca do cumprimento pelo Poder Puacuteblico do defendido elemento
instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede
Nesse sentido por exemplo a Portaria MS nordm 42792010 estabelece as diretrizes para
a organizaccedilatildeo das Redes de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede (arranjos organizativos de accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede no intuito de garantir a integralidade do cuidado) apresentando os fundamentos
conceituais e operativos essenciais ao processo de organizaccedilatildeo de tais redes a partir do
arcabouccedilo normativo do SUS destacando-se por exemplo a noccedilatildeo de suficiecircncia como vetor
para as accedilotildees e serviccedilos disponiacuteveis significando que estas devem ser prestadas em
quantidade e qualidade necessaacuterias para atender as demandas de sauacutede incluindo cuidados
primaacuterios secundaacuterios terciaacuterios reabilitaccedilatildeo preventivos e paliativos todos realizados com
qualidade311
Na mesma linha a Portaria MS nordm 23952011 organiza o componente hospitalar da
rede de atenccedilatildeo agraves urgecircncias no acircmbito do SUS e dentre os objetivos de tal componente estaacute a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agraves urgecircncias nos hospitais de modo a atender tanto demandas
309
Da mesma maneira de acordo com o artigo 6deg do Decreto ndeg 165195 a comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos
recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede para os fundos estaduais e municipais deve ser apresentada
ao Ministeacuterio da Sauacutede e ao Estado por meio de relatoacuterio de gestatildeo aprovado pelo respectivo Conselho de
Sauacutede 310
Anexo II 91 b da Portaria MS nordm 3992006 311
Item 31 da Portaria em questatildeo
147
espontacircneas como as referenciadas proporcionando o funcionamento de retaguardas para
outros pontos de atenccedilatildeo agraves urgecircncias de menor complexidade312
Contudo eacute a Portaria MS nordm 11012002 que mais eficientemente contribui para a
identificaccedilatildeo do cumprimento do elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave
sauacutede vez que nela satildeo estabelecidos os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do
SUS os quais representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias
aptas a orientar os gestores do SUS dos trecircs niacuteveis de governo
A partir dos paracircmetros estabelecidos na Portaria em comento satildeo oferecidos subsiacutedios
para a anaacutelise do grau de necessidade da oferta de serviccedilos assistenciais agrave populaccedilatildeo o que
termina auxiliando tanto na elaboraccedilatildeo do planejamento e da Programaccedilatildeo Pactuada e
Integrada da assistecircncia agrave sauacutede (PPI) quanto no acompanhamento e controle de tais serviccedilos
Tais paracircmetros que se dividem em dois grupos (paracircmetros de cobertura e de
produtividade) natildeo foram elaborados de maneira aleatoacuteria e baseiam-se nas estatiacutesticas gerais
de atendimento prestado aos usuaacuterios dos SUS bem como em criteacuterios internacionalmente
difundidos para a cobertura e produtividade assistencial nos paiacuteses em desenvolvimento
No primeiro grupo encontram-se aqueles voltados a estimar as necessidades de
atendimento de uma populaccedilatildeo para um determinado periacuteodo previamente estabelecido sendo
apresentados meacutetodos de caacutelculos baseados na populaccedilatildeo bem como em estimativas pontuais
(como eacute o caso do nuacutemero de exames e terapias por exemplo que se basearaacute na estimativa do
total de consultas) Jaacute no segundo grupo podem ser identificados criteacuterios destinados a
estipular a capacidade de produccedilatildeo de recursos equipamentos e serviccedilos de sauacutede humanos
materiais ou fiacutesicos calculados sobretudo com base na expectativa esperada de internaccedilotildees
habitanteano
Somente para se ter uma ideia da importacircncia deste instrumento na tarefa de afericcedilatildeo do
que minimamente deve ser prestado pelo Poder Puacuteblico na implementaccedilatildeo de suas poliacuteticas de
sauacutede dentre os diversos campos que explicitam foacutermulas de caacutelculo dos aludidos
paracircmetros podem ser destacados os seguintes a) paracircmetros para o caacutelculo das consultas
meacutedicas com a correspondente foacutermula da necessidade consultas por ano b) paracircmetros para
o caacutelculo da necessidade produtividade ou cobertura de alguns equipamentos de diagnose e
terapia c) paracircmetros para o caacutelculo da cobertura de internaccedilatildeo hospitalar com a respectiva
foacutermula do caacutelculo do nuacutemero de internaccedilotildees por especialidade para determinada populaccedilatildeo
no periacuteodo anual d) nuacutemero de internaccedilotildeesleitosano por especialidade variando por taxa de
312
Capiacutetulo I art 3deg da referida Portaria
148
ocupaccedilatildeo hospitalar e foacutermula para o caacutelculo da necessidade leitos em determinada regiatildeo
para determinada populaccedilatildeo313
e e) nuacutemero de bolsas de sangue necessaacuterias para terapia
transfusional em unidades hospitalares anualmente dentre outros paracircmetros especialmente
razotildees de alguns recursos humanos por habitantes como meacutedicos e enfermeiros
Constata-se a partir das premissas postas que o preacutevio conhecimento pelo cidadatildeo
pelos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico) e principalmente pelo
Judiciaacuterio acerca das diretrizes gerais a serem seguidas nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede
especialmente as coordenadas do Pacto pela Sauacutede e das portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
destacadas consiste em elemento primordial agrave garantia de uma maior seguranccedila juriacutedica das
decisotildees judiciais nessa seara alcanccedilando-se assim uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
mais eficiente
Desta maneira ao se discutir judicialmente a possibilidade de internaccedilatildeo em uma UTI
de realizaccedilatildeo de um exame especiacutefico ou de um procedimento ciruacutergico os magistrados
devem se preocupar inicialmente com a comprovaccedilatildeo de que a estruturaccedilatildeo fiacutesica e os
recursos humanos minimamente projetados estatildeo sendo cumpridos e efetivados de acordo
com os paracircmetros exarados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede especialmente a Portaria
nordm 1101 2002 de modo a identificar o respeito ao elemento instrumental do miacutenimo
existencial em sauacutede
54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NO BRASIL
Conforme delineado acima o Judiciaacuterio poderaacute ser provocado na temaacutetica da
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em diversas situaccedilotildees destacando-se os i casos em torno de
prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial cujo fundamento seraacute extraiacutedo diretamente da
Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente da dignidade da pessoa humana ii casos em que
a legislaccedilatildeo infraconstitucional bem como as poliacuteticas puacuteblicas em vigor garantem o acesso a
certas prestaccedilotildees materiais e iii casos em que a prestaccedilatildeo pleiteada natildeo se encontra abrangida
por poliacuteticas puacuteblicas em andamento
313
Conforme a referida Portaria em linhas gerais a estimativa da necessidade de leitos hospitalares se baseia
nos seguintes dados a) leitos hospitalares totais 25 a 3 leitos para cada 1000 (mil) habitantes b) leitos de UTI
calcula-se em meacutedia a necessidade de 4 a 10 do total de leitos hospitalares c) leitos em Unidades de
Recuperaccedilatildeo (poacutes-ciruacutergico) calcula-se em meacutedia de 2 a 3 leitos por sala ciruacutergica d) leitos para preacute parto
calcula-se no miacutenimo 2 leitos por sala de parto
149
Ocorre que as situaccedilotildees acima estatildeo inseridas especificamente na discussatildeo sobre a
obtenccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais em sauacutede ou seja a realizaccedilatildeo efetiva de algo em prol do
indiviacuteduo como o acesso a um medicamento uma vacina a realizaccedilatildeo de um procedimento
dentre outros jaacute vistos em passant
Aleacutem dessas ocorrecircncias que satildeo de fato as mais problemaacuteticas existem outras nas
quais o direito agrave sauacutede pode ser discutido judicialmente como casos em que a conduta estatal
eacute diretamente lesiva agrave sauacutede a ediccedilatildeo de normas dificulta o exerciacutecio do direito em xeque a
ediccedilatildeo de normas protege de maneira insuficiente agrave sauacutede o Estado eacute omisso quanto a
elaboraccedilatildeo de leis na temaacutetica da proteccedilatildeo agrave sauacutede bem como quanto a disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo dos serviccedilos correlatos a tal direito situaccedilatildeo esta que
como visto fere o elemento instrumental do miacutenimo existencial proposto para o direito agrave
sauacutede
Entrando em uma parte mais exemplificativa da presente pesquisa seratildeo abordados a
seguir alguns julgados envolvendo algumas das situaccedilotildees acima atendo-se contudo a uma
anaacutelise mais detida com relaccedilatildeo aos que envolvem a busca por prestaccedilotildees materiais bem
como a omissatildeo quanto agrave infraestrutura necessaacuteria para o direito agrave sauacutede
Pois bem a situaccedilatildeo em que a proacutepria conduta estatal agride diretamente o direito agrave
sauacutede eacute a mais faacutecil de ser lidada judicialmente e eacute combatida sobretudo pelo Ministeacuterio
Puacuteblico na busca pelo respeito agrave sauacutede sobre seu vieacutes transindividual Faacutecil pois aleacutem da
loacutegica conclusatildeo de que o Estado mais do que ningueacutem natildeo pode lesar um direito de
tamanha essencialidade o qual se propocircs a proteger eacute sabido que a mais elementar
consequecircncia da eficaacutecia das normas constitucionais eacute a de impedir a praacutetica de atos estatais
que violem tal direito seja por accedilotildees materiais propriamente ditas ou pela elaboraccedilatildeo de leis
que tenham tal condatildeo (modalidade de eficaacutecia negativa)
Podem ser citados por exemplo314
casos em que o Poder Puacuteblico por accedilatildeo de seus
agentes contaminam determinados produtos consumiacuteveis315
localidades316
ou pessoas317
314
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio
Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da
Magistratura Federal UnB 2003 p 55 315
Nesse sentido o TJMG determinou na AC 000229455-100 publicada no DJ em 06022002 a interdiccedilatildeo de
abatedouro puacuteblico municipal por natildeo reunir condiccedilotildees miacutenimas de funcionamento e por em risco agrave sauacutede das
pessoas que consomem seus produtos 316
No Municiacutepio de Serra (ES) por exemplo foi utilizado um inseticida em um Posto de Sauacutede que contaminou
inuacutemeras pessoas que trabalhavam no local resultando em ACP proposta pelo MPF
150
devendo ser buscada a imediata cessaccedilatildeo da atividade nociva bem como a devida reparaccedilatildeo
dos danos causados agraves viacutetimas
Existem casos por sua vez em que a ediccedilatildeo de determinada norma venha a dificultar
o exerciacutecio do direito agrave sauacutede sendo tambeacutem indiscutiacutevel a possibilidade de atuaccedilatildeo do
Judiciaacuterio em tais casos Foi o que ocorreu por exemplo com o bloqueio das contas de
caderneta de poupanccedila durante o governo Collor em que muitos se socorreram no Judiciaacuterio
buscando a liberaccedilatildeo de tais contas para custear tratamento de sauacutede tese que foi acolhida nos
tribunais exatamente pela aplicaccedilatildeo da modalidade de eficaacutecia negativa do direito
fundamental agrave sauacutede e agrave vida318
No mesmo sentido pode ser citado o caso da Resoluccedilatildeo nordm 2831998 do extinto
INAMPS que proibia a complementaccedilatildeo com dinheiro do SUS das despesas decorrentes da
internaccedilatildeo conhecida como ldquodiferenccedila de classerdquo e o STF enfrentando o tema entendeu que
tal limitaccedilatildeo seria injustificaacutevel319
juridicamente
Entrando nos casos que suscitam mais polecircmicas tem-se a situaccedilatildeo em que o Estado eacute
omisso a qual abrange a omissatildeo quanto ao dever de editar normas de proteccedilatildeo agrave sauacutede
quanto ao dever de satisfazer o direito agrave sauacutede mediante prestaccedilotildees materiais e quanto agrave
disponibilizaccedilatildeo de infraestrutura necessaacuteria agrave prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
Nesse ponto eacute emblemaacutetica a decisatildeo de lavra do Ministro do STF Celso de Mello na
ADPF nordm 45 (jaacute citada anteriormente) verdadeiro divisor de aacuteguas no tema da intervenccedilatildeo do
Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas Tal accedilatildeo constitucional em que pese a
prejudicalidade de seu objeto320
apresentou em seu julgamento uma detida anaacutelise acerca da
317
Eacute o que ocorre por exemplo em caso de contaminaccedilatildeo por alguma doenccedila em transfusatildeo sanguiacutenea realizada
em hospital puacuteblico Situaccedilatildeo que geraraacute a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados agrave viacutetima
Vide por exemplo o Resp 140158SC 1deg Turma rel Milton Luis Pereira DJU de 17111997 p 59458 STJ 318
Nesse sentido pode ser citado o MS 9005066091AL TRF 5deg Rel Hugo de Brito Machado DJU de
1241991 319
Destaca-se o seguinte trecho ldquoO art 196 da CF estabelece como dever do Estado a prestaccedilatildeo de assistecircncia agrave
sauacutede e garante o acesso universal e igualitaacuterio do cidadatildeo aos serviccedilos e accedilotildees para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo O direito agrave sauacutede como estaacute assegurado na Carta natildeo deve sofrer embaraccedilos impostos por
autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele O acoacuterdatildeo recorrido ao
afastar a limitaccedilatildeo da citada Resoluccedilatildeo 2831991 do Inamps que veda a complementariedade a qualquer tiacutetulo
atentou para o objetivo maior do proacuteprio Estado ou seja o de assistecircncia agrave sauacutederdquo (RE 226835 Rel Min Ilmar
Galvatildeo julgamento em 14-12-1999 Primeira Turma DJ de 10-3-2000) 320
Explica-se A ADPF em questatildeo foi promovida contra um veto parcial emanado pelo Presidente da Repuacuteblica
ao sect 2deg do art 55 da LDO (107072003) dispositivo este que tratava de paracircmetro acerca da totalidade da
dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Ministeacuterio da Sauacutede a ser considerado na elaboraccedilatildeo da LOA de 2004 e almejava a
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de tal medida presidencial Ocorre que o Presidente da Repuacuteblica antes do
enfrentamento da ADPF remeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei constando o exato termo do
dispositivo vetado o qual convertido em lei restaurou integralmente o mesmo o que prejudicou o objeto
perseguido mas natildeo evitou que a temaacutetica da intervenccedilatildeo judicial nas poliacuteticas puacuteblicas fosse enfrentada
151
possibilidade de a viabilizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas serem alcanccediladas judicialmente nos
casos em que previsto seu norte no texto constitucional essas venham a ser descumpridas ou
sequer implementadas pelas instacircncias governamentais destinataacuterias do comando inscrito na
Constituiccedilatildeo
Nesse contexto alguns pontos referentes agrave situaccedilatildeo de o Estado ser omisso em seu
dever constitucional merecem ser destacados
ARGUumlICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL A
QUESTAtildeO DALEGITIMIDADE CONTITUCIONAL DO CONTROLE E
DAINTERVENCcedilAtildeO DO PODERJUDICIAacuteRIO EM TEMA DE
IMPLEMENTACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS QUANDOCONFIGURADA
HIPOacuteTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL DIMENSAtildeO POLIacuteTICA
DAJURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL ATRIBUIacuteDA AO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL INOPONIBILIDADE DO ARBIacuteTRIO ESTATAL Agrave EFETIVACcedilAtildeO
DOS DIREITOS SOCIAIS ECONOcircMICOS E CULTURAIS CARAacuteTER
RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMACcedilAtildeO DOLEGISLADOR
CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DA CLAacuteUSULA DA ldquoRESERVA
DOPOSSIacuteVELrdquo NECESSIDADE DE PRESERVACcedilAtildeO EM FAVOR DOS
INDIVIacuteDUOS DAINTEGRIDADE E DAINTANGIBILIDADE DO NUacuteCLEO
CONSUBSTANCIADOR DO ldquoMIacuteNIMO EXISTENCIALrdquo VIABILIDADE
INSTRUMENTAL DA ARGUumlICcedilAtildeO DEDESCUMPRIMENTONO PROCESSO
DE CONCRETIZACcedilAtildeO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS
CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERACcedilAtildeO)
()
- A omissatildeo do Estado - que deixa de cumprir em maior ou em menor extensatildeo a
imposiccedilatildeo ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento
revestido da maior gravidade poliacutetico-juriacutedica eis que mediante ineacutercia o Poder
Puacuteblico tambeacutem desrespeita a Constituiccedilatildeo tambeacutem ofende direitos que nela se
fundam e tambeacutem impede por ausecircncia de medidas concretizadoras a proacutepria
aplicabilidade dos postulados e princiacutepios da Lei Fundamental(RTJ 185794-796
Rel Min CELSO DE MELLO Pleno)
Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do
Poder Judiciaacuterio - e nas desta Suprema Corte em especial - a atribuiccedilatildeo de formular
e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio o encargo reside
primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Tal incumbecircncia no entanto
embora em bases excepcionais poderaacute atribuir-se ao Poder Judiciaacuterio se e quando
os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos
que sobre eles incidem vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e
a integridade de direitos individuais eou coletivos impregnados de estatura
constitucional ainda que derivados de claacuteusulas revestidas de conteuacutedo
programaacutetico (Grifos acrescidos) (ADPF 45 MC DF Rel Min Celso de Mello
Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12) (Destaques apostos)
Tal julgado reflete a preocupaccedilatildeo do STF em fazer valer a maacutexima efetividade dos
dispositivos constitucionais sobretudo nos casos em que a recalcitracircncia tanto do Executivo
quanto do Legislativo em realizar seu compromisso constitucionalmente pactuado resta
configurada concretamente
Com relaccedilatildeo especificamente a omissatildeo em editar normas pode ser citado o grave
caso da jaacute mencionada LC ndeg 1412012 que somente foi promulgada dez anos depois da
previsatildeo de sua necessidade por forccedila da EC ndeg 292000 Durante esse periacuteodo de mora
152
legislativa em que pese natildeo ter havido accedilotildees constitucionais visando ao suprimento dessa
omissatildeo existiram accedilotildees contra outras espeacutecies normativas nascidas com o intuito de
suprindo a omissatildeo mencionada uniformizar a aplicaccedilatildeo da referida emenda em territoacuterio
nacional321
No que se refere agrave omissatildeo quanto a prestaccedilotildees materiais e agrave construccedilatildeo de
infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede o leque de situaccedilotildees enfrentadas
judicialmente eacute mais variado sendo certo que nem todos os casos recebem paracircmetros
seguros e uniformes o que acentua o quadro de inseguranccedila juriacutedica na mateacuteria
Agrave tiacutetulo exemplificativo o STF jaacute se manifestou acerca da possibilidade de
fornecimento gratuito de remeacutedios a portadores de HIV reconhecendo a validade de tais
programas e considerando-os legiacutetimos gestos de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede concretizadores dos
deveres constitucionais extraiacutedos do art 196 da Constituiccedilatildeo Federal322
O problema eacute que partindo do mesmo fundamento diversas decisotildees323
jaacute obrigaram
o Estado a custear tratamentos e exames especiacuteficos como ressonacircncia magneacutetica
fornecimento de aparelhos auditivos implante de proacutetese internaccedilatildeo em UTI neo-natal em
hospital particular internaccedilatildeo meacutedica em hospital particular diante da ausecircncia de vaga em
hospital conveniado do SUS dentre outros casos A qualificaccedilatildeo dessa conjuntura como um
problema se deve ao fato de que como visto nos toacutepicos anteriores nem sempre tais decisotildees
enfrentam detidamente o exame das diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede em vigor e natildeo
se preocupam com a repercussatildeo macro de seu dispositivo abrindo margem para que os jaacute
mencionados efeitos colaterais se proliferam nessas situaccedilotildees
Tais efeitos colaterais comprometem principalmente o princiacutepio da seguranccedila
juriacutedica pois satildeo constatados casos em que o enfrentamento da mesma mateacuteria apresenta
posicionamentos diferentes324
entre tribunais diversos Isso contribui para a afronta agrave
321
Foi o caso por exemplo da ADI ndeg 2999-RJ que atacou a Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 baixada pelo Conselho
Nacional de Sauacutede 322
No referido julgado ponderou-se que ldquo() o reconhecimento judicial da validade juriacutedica de programas de
distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS daacute
efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica (arts 5deg caput e 196) e representa na
concreccedilatildeo do seu alcance um gesto reverente e solidaacuterio de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente
daqueles que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial
dignidaderdquo (STF RE 271286-AgR rel min Celso de Mello Segunda Turma DJE de 24112000 p 101)
Nesse mesmo sentido AI 550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda
Turma DJE de 16-8-2012 323
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p 67-68 324
Veja-se o caso do fornecimento de aparelhos auditivos Ao reveacutes do julgado citado o TJRJ ao considerar em
sua decisatildeo que a prestaccedilatildeo deve ser indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo da sauacutede excluiu os aparelhos auditivos do rol
de prestaccedilotildees exigiacuteveis judicialmente Afirmou-se que ldquoEmbora o aparelho auditivo possa assegurar agrave agravada
153
igualdade em tais demandas tendo em vista que se a sauacutede eacute direito de todos a totalidade de
cidadatildeos enquadrados em determinada situaccedilatildeo deveraacute ter o mesmo tratamento na
concretizaccedilatildeo de seu direito325
Quanto agrave omissatildeo referente agrave infraestrutura baacutesica a situaccedilatildeo eacute ainda mais complexa e
passa pela problemaacutetica jaacute enfrentada acerca da necessidade de se cotejar concretamente se a
ausecircncia de infraestrutura compromete o espectro de prestaccedilotildees que o Estado se obriga a
adimplir seja em decorrecircncia do miacutenimo existencial ou da legislaccedilatildeo e poliacuteticas puacuteblicas em
vigor
De toda maneira em que pese o posicionamento tradicional326
ser o de que a
construccedilatildeo de infraestrutura estaria no campo da conveniecircncia e oportunidade
administrativa327
jaacute existem julgados328
que tecircm obrigado o Poder Puacuteblico a construir
infraestrutura baacutesica necessaacuteria agrave proteccedilatildeo da sauacutede da coletividade sobretudo em accedilotildees que
tomam por base os paracircmetros miacutenimos pactuados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede que
datildeo as diretrizes para as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede accedilotildees essas que contribuem para a
concretizaccedilatildeo do vieacutes instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede
Merece ecircnfase nesse sentido a ementa do julgado a seguir que trata exatamente
acerca da condenaccedilatildeo do Poder Puacuteblico em disponibilizar leitos na rede privada para garantir
o direito agrave sauacutede e cumprir os paracircmetros miacutenimos pactuados nas poliacuteticas puacuteblicas
melhoria na sua qualidade de vida inexiste prova inequiacutevoca de que o mesmo eacute indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo de
sua sauacutede ou que esta se encontre em riscordquo (TJRJ AI 200600227573 Rel Des Caacutessia Medeiros DJ de
13022007) 325
Nesse sentido pondera Ricardo Perlingeiro que ldquoo Judiciaacuterio deve ser destinataacuterio do princiacutepio da isonomia
buscando tratar igualmente os jurisdicionados que se encontrarem na mesma situaccedilatildeo faacutetica Com base nessa
orientaccedilatildeo justificam-se determinados instrumentos processuais tais como as accedilotildees coletivas as suacutemulas
vinculantes e o processo exemplar que tambeacutem servem agrave ideia de um amplo acesso agrave justiccedila e agrave reduccedilatildeo dos
processos judiciais repetitivos ou das causas de massa PERLINGEIRO Ricardo O Princiacutepio da Isonomia na
Tutela Judicial Individual e Coletiva e em Outros Meios de Soluccedilotildees de Conflitos Junto ao SUS e aos Planos
Privados de Sauacutede In BRITO Milton Augusto de SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da
efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 431-432 326
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p 76 327
Nesse sentido destaca-se o seguinte trecho constante no Resp 2520083 RJ DJU de 23 03 2002 ldquo() o juiz
natildeo pode substituir a Administraccedilatildeo Puacuteblica no exerciacutecio do poder discricionaacuterio Assim fica a cargo do
Executivo a verificaccedilatildeo da conveniecircncia e da oportunidade de serem realizados os atos de administraccedilatildeo tais
como a compra de ambulacircncias e de obras de reforma de hospital puacuteblicordquo 328
Por exemplo o TJRS no AI 70004224770 (DJ de 26062002) confirmou liminar em accedilatildeo civil puacuteblica no
sentido de obrigar o Municiacutepio de Passo Fundo a adquirir autoclaves para esterilizaccedilatildeo de instrumentos meacutedicos
No mesmo sentido o STJ no Resp 177883PE (Dje de 01072002) determinou a reintegraccedilatildeo de agentes
sanitaacuterios responsaacuteveis por campanhas de prevenccedilatildeo e combate a epidemias sob o argumento de que a demissatildeo
em massa decretada pelo Poder Puacuteblico poderia gerar danos irreparaacuteveis agrave sauacutede da coletividade
154
EMENTA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DIREITO Agrave SAUacuteDE
DISPONIBILIZACcedilAtildeO DE LEITOS DE UTI AUSEcircNCIA DE VAGAS NO
SUS FORMACcedilAtildeO DE FILA DE ESPERA DISPONIBILIZACcedilAtildeO
DE LEITOS NA REDE PRIVADA GARANTIA CONSTITUCIONAL
CONDENACcedilAtildeO GENEacuteRICA
()
- O Poder Judiciaacuterio ao determinar que o Estado adquira leitos de UTI junto
agrave rede privada para pacientes internados em pronto socorro com risco de
morte ou dano irreparaacutevel agrave sauacutede no caso de esgotamento dos leitos na rede
conveniada do SUS natildeo estaacute criando uma nova obrigaccedilatildeo para o Ente mas
tatildeo somente exigindo que ele cumpra a legislaccedilatildeo pertinente
- Natildeo se deve permitir que as normas orccedilamentaacuterias apesar de seu
relevante papel na Administraccedilatildeo Puacuteblica seja um entrave para a
efetivaccedilatildeo de um direito fundamental considerado prioritaacuterio pela
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988
(TJMG Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 0060157-2920118130223 rel des Daacutercio
Lopardi Mendes Dj de 29-11-2012)
A Accedilatildeo Civil Puacuteblica que iniciou o processo acima por sua vez seguiu as diretrizes
apontadas anteriormente nas Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede com relaccedilatildeo agrave identificaccedilatildeo do
sugerido elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede destacando-se os seguintes
trechos da mesma
()
De acordo com a Portaria GM 1101 de 12062002 o nuacutemero de leitos
para cada 1000 habitantes deve ser de 25 a 3 leitos sendo que para leitos
UTI a necessidade eacute de 4 a 10 do total de leitos hospitalares
()
Analisando a situaccedilatildeo do Municiacutepio de Divinoacutepolis que possui 206867
habitantes (de acordo com o censo IBGE de 2010) haveria necessidade de
acordo com a Portaria GM 1101 de um miacutenimo de 540 leitos sendo 22 de
UTI No entanto o total de leitos SUS no Hospital Satildeo Joatildeo de Deus (uacutenico
credenciado ao SUS no Municiacutepio) eacute de 193 bem inferior ao preconizado
pelo Ministeacuterio da Sauacutede (doc 11)
()
Com tudo isto diante do desrespeito aos direitos mais comezinhos dessa
coletividade que necessita de uma vaga em leito de UTI e atendimento de
urgecircnciaemergecircncia em ambiente hospitalar e que se veem a cada minuto
sem a devida assistecircncia suas chances de vida se reduzem drasticamente eacute
que se pleiteia a tutela jurisdicional no sentido de determinar ao Poder
Puacuteblico a obediecircncia agraves portarias nordm 11012002 e 343298 no que concerne
agrave disponibilizaccedilatildeo de nuacutemero suficiente de leitos UTI para atender agrave
demanda populacional impedindo mais mortes na mencionada ldquofila de
esperardquo em respeito aos direitos fundamentais do cidadatildeo encartados na
Carta Federal
() (Grifos acrescidos)
A saiacuteda para ambos os casos (omissatildeo de prestaccedilotildees materiais e disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura) encontra-se como antes defendido na consolidaccedilatildeo de um procedimento
155
decisoacuterio preacute-definido que leve em consideraccedilatildeo natildeo soacute os efeitos particulares da decisatildeo a ser
proferida mas tambeacutem os efeitos gerais para a sauacutede de todos e que na linha do jaacute exposto
caminhe trilhado ordenadamente pelos seguintes questionamentos i o pleito se enquadra
dentro do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede ii existe ato normativo ou poliacutetica puacuteblica
em vigor que garanta a disponibilizaccedilatildeo do pleito e iii ainda que natildeo apresente amparo legal
direto o pleito aplicado o juiacutezo de proporcionalidade pode ser atendido natildeo soacute para o
demandante mas para todos que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Finalmente antes de passar para o proacuteximo capiacutetulo a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo e reforccedilando
a vasta gama de situaccedilotildees judiciais que podem envolver o direito agrave sauacutede podem ser citados
alguns julgamentos relevantes do STF em que o referido direito foi tratado ainda que de
forma indireta e cuja discussatildeo acerca da invasatildeo do Judiciaacuterio em temas iacutensitos ao campo
poliacutetico veio agrave tona como por exemplo o do debate acerca da proibiccedilatildeo de importaccedilatildeo de
pneus usados329
da comercializaccedilatildeo de amianto330
e da interrupccedilatildeo da gravidez no caso dos
anenceacutefalos331
Feitas tais ponderaccedilotildees pode-se concluir a partir da anaacutelise conjuntural do
enfretamento judicial da mateacuteria que a despeito de o Poder Judiciaacuterio (incluindo o STF) ter
329
ldquoConstitucionalidade de atos normativos proibitivos da importaccedilatildeo de pneus usados Reciclagem de pneus
usados ausecircncia de eliminaccedilatildeo total dos seus efeitos nocivos agrave sauacutede e ao meio ambiente equilibrado Afrontas
aos princiacutepios constitucionais da sauacutede e do meio ambiente ecologicamente equilibrado () Direito agrave sauacutede o
depoacutesito de pneus ao ar livre inexoraacutevel com a falta de utilizaccedilatildeo dos pneus inserviacuteveis fomentado pela
importaccedilatildeo eacute fator de disseminaccedilatildeo de doenccedilas tropicais Legitimidade e razoabilidade da atuaccedilatildeo estatal
preventiva prudente e precavida na adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que evitem causas do aumento de doenccedilas
graves ou contagiosas Direito agrave sauacutede bem natildeo patrimonial cuja tutela se impotildee de forma inibitoacuteria preventiva
impedindo-se atos de importaccedilatildeo de pneus usados idecircntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos
que deles se livram () Ponderaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais demonstraccedilatildeo de que a importaccedilatildeo de pneus
usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de sauacutede e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado (arts 170 I e VI e seu paraacutegrafo uacutenico 196 e 225 da CB) ()rdquo (ADPF 101 Rel Min Caacutermen
Luacutecia julgamento em 24-6-2009 Plenaacuterio DJE de 4-6-2012) 330
ldquo() De maneira que retomando o discurso do Min Joaquim Barbosa a norma estadual no caso cumpre
muito mais a CF nesse plano da proteccedilatildeo agrave sauacutede ou de evitar riscos agrave sauacutede humana agrave sauacutede da populaccedilatildeo em
geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente A legislaccedilatildeo estadual estaacute muito mais proacutexima dos
desiacutegnios constitucionais e portanto realiza melhor esse sumo princiacutepio da eficacidade maacutexima da Constituiccedilatildeo
em mateacuteria de direitos fundamentais e muito mais proacutexima da OIT tambeacutem do que a legislaccedilatildeo federal ()rdquo
(Grifos acrescidos) (ADI 3937-MC Rel Min Marco Aureacutelio voto do Min Ayres Britto julgamento em 4-6-
2008 Plenaacuterio DJE de 10-10-2008) 331
ldquoArguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental ndash Adequaccedilatildeo ndash Interrupccedilatildeo da gravidez ndash Feto
anenceacutefalo ndash Poliacutetica judiciaacuteria ndash Macroprocesso Tanto quanto possiacutevel haacute de ser dada sequecircncia a processo
objetivo chegando-se de imediato a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal Em jogo valores
consagrados na Lei Fundamental ndash como o satildeo os da dignidade da pessoa humana da sauacutede da liberdade e
autonomia da manifestaccedilatildeo da vontade e da legalidade ndash considerados a interrupccedilatildeo da gravidez de feto
anenceacutefalo e os enfoques diversificados sobre a configuraccedilatildeo do crime de aborto adequada surge a arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental () Na dicccedilatildeo da ilustrada maioria entendimento em relaccedilatildeo ao qual
guardo reserva natildeo prevalece em arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental liminar no sentido de
afastar a glosa penal relativamente agravequeles que venham a participar da interrupccedilatildeo da gravidez no caso de
anencefaliardquo (Grifos acrescidos) (ADPF 54-QO Rel Min Marco Aureacutelio julgamento em 27-4-05
Plenaacuterio DJ de 31-8-2007)
156
se demonstrado preocupado com a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e na maioria das vezes
ter se posicionado de maneira favoraacutevel agrave sua interferecircncia no tema332
natildeo existe uma
uniformidade no trato do assunto especialmente pela ausecircncia de uma linha de raciociacutenio
procedimental soacutelida que sem tolher a liberdade de atuaccedilatildeo dos magistrados contribua para
que seja incutida na mente dos mesmos uma conscientizaccedilatildeo preacutevia de como estes devem
proceder para que suas decisotildees sejam eivadas da maacutexima razoabilidade possiacutevel e portanto
consentacircneas com os comandos constitucionais333
Com efeito conforme defendido na presente pesquisa o passo inicial desse caminho a
ser trilhado estaacute na consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede compreendidas no acircmbito da regulamentaccedilatildeo do SUS diretrizes essas que
devem ser mais difundidas e melhor simplificadas para a clara compreensatildeo tanto do
Judiciaacuterio como da sociedade e sobretudo dos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo no acompanhamento
do cumprimento das metas estabelecidas em tais poliacuteticas334
Nesse sentido uma importante medida na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute a
formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar compostas tanto por profissionais de
sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS encarregadas de prestar assistecircncia
332
ldquoConsolidou-se a jurisprudecircncia desta Corte no sentido de que embora o art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988
traga norma de caraacuteter programaacutetico o Municiacutepio natildeo pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessaacuterios
ao gozo do direito agrave sauacutede por todos os cidadatildeos Se uma pessoa necessita para garantir o seu direito agrave sauacutede de
tratamento meacutedico adequado eacute dever solidaacuterio da Uniatildeo do Estado e do Municiacutepio providenciaacute-lordquo (AI
550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda Turma DJE de 16-8-2012) No
mesmo sentido ldquoO recebimento de medicamentos pelo Estado eacute direito fundamental podendo o requerente
pleiteaacute-los de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de
custeaacute-los com recursos proacuteprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se
pautar no espiacuterito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituiccedilatildeo e natildeo criar
entraves juriacutedicos para postergar a devida prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo (RE 607381-AgR Rel Min Luiz Fux
julgamento em 31-5-2011 Primeira Turma DJE de 17-6-2011) 333
Sobre essa questatildeo Gustavo Amaral em estudo sobre o direito agrave sauacutede no Brasil destaca a importacircncia dos
institutos da repercussatildeo geral e dos recursos repetitivos asseverando que ldquoparece adequado esperar que o
Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiccedila busquem proferir decisotildees que transcendam a
adjudicaccedilatildeo para aleacutem dos casos entre as partes diretamente envolvidas Haacute instrumentos para isto
nomeadamente a repercussatildeo geral e os recursos repetitivosrdquo AMARAL Gustavo Sauacutede Direito de Todos
Sauacutede Direito de Cada Um Reflexotildees para a Transiccedilatildeo da Praacutexis Judiciaacuteria In NOBRE Milton Augusto de
Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte
Foacuterum 2011 p 111 334
No mesmo sentido Milton Augusto de Brito Nobre ao comentar o papel do CNJ na busca pela eficiecircncia das
demandas que envolvem o direito a sauacutede aponta entre as carecircncias e disfunccedilotildees constatadas iacutensitas a tais
demandas ldquoa necessidade de maior difusatildeo de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questotildees
teacutecnicas que se originam ou satildeo refletidas nas demandas por prestaccedilotildees de sauacutederdquo NOBRE Milton Augusto de
Brito Da Denominada ldquoJudicializaccedilatildeo da Sauacutederdquo Pontos e Contrapontos In NOBRE Milton Augusto de Brito
SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum
2011 p 354
157
aos magistrados sobretudo com relaccedilatildeo agraves demandas coletivas que exigem a correccedilatildeo de
omissotildees estatais como o deacuteficit de leitos hospitalares remeacutedios meacutedicos etc335
Quanto a esta medida destacam-se as disposiccedilotildees da Recomendaccedilatildeo ndeg 31 do
Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)336
que visa a adoccedilatildeo de medidas que melhor subsidiem os
magistrados e demais operadores do direito para assegurar maior eficiecircncia na soluccedilatildeo das
demandas judiciais envolvendo a assistecircncia agrave sauacutede337
Dentre as recomendaccedilotildees pode ser ressaltada a incorporaccedilatildeo do estudo sobre direito
sanitaacuterio nos programas de formaccedilatildeo vitaliciamento e aperfeiccediloamento de magistrados bem
como a celebraccedilatildeo de convecircnios que objetivem disponibilizar equipes de apoio teacutecnico
compostas por meacutedicos e farmacecircuticos para auxiliar os magistrados na formaccedilatildeo de um juiacutezo
de valor quanto agrave apreciaccedilatildeo das questotildees cliacutenicas apresentadas pelas partes nas accedilotildees
relativas agrave sauacutede observadas as peculiaridades regionais338
Outra medida interessante eacute a possibilidade de se criar varas especializadas em
processar e julgar accedilotildees judiciais que tenham como tema pleitos envolvendo sauacutede puacuteblica de
modo a proporcionar uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito
fundamental pelo Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a isonomia
entre os usuaacuterios do SUS
Quanto a este ponto eacute relevante destacar que atualmente tramita no acircmbito do CNJ
um pedido de providecircncias339
o qual conta com o apoio do Conselho Federal da OAB340
no
335
No Tribunal de Justiccedila da Paraiacuteba por exemplo jaacute foram emitidos diversos pareceres pela equipe teacutecnica
formada para subsidiar decisotildees envolvendo o direito agrave sauacutede Disponiacutevel em httpwwwtjpbjusbrcamara-
tecnica-de-saude-emite-162-pareceres-para-subsidiar-decisoes-judiciais-na-paraiba Acesso em 14062013 336
Publicado no DJe nordm 612010 em 07042010 p 4-6 Disponiacutevel em httpwwwcnjjusbratos-
administrativosatos-da-presidencia322-recomendacoes-do-conselho12113-recomendacao-no-31-de-30-de-
marco-de-2010 Acesso em 14062013 337
A recomendaccedilatildeo em exame veio a ser complementada pela Recomendaccedilatildeo nordm 36 de 12 de julho de 2011que
dentre outras medidas alertou para a necessidade de os magistrados oficiarem quando cabiacutevel e possiacutevel oacutergatildeos
como a ANVISA e ANS para se manifestarem acerca da mateacuteria debatida em sauacutede 338
Corroborando Bruno Espintildeeira Lemos assevera que ldquoo Judiciaacuterio como insistentemente tem se sustentado
na esfera dos profissionais da sauacutede puacuteblica brasileira necessita com urgecircncia criar assessorias teacutecnicas que lhe
deem suporte nas decisotildees que envolvam o direito agrave sauacutede LEMOS Bruno Espintildeeira Sobre o direito puacuteblico agrave
sauacutede simboacutelica anaacutelise criacutetica de precedente com potencial irradiador em busca do ldquocaminho do meiordquo
(afastamento das absolutizaccedilotildees natildeo razoaacuteveis) In GABURRI Fernando DUARTE Bento Herculano (coords)
A Fazenda Puacuteblica agrave luz da atual jurisprudecircncia dos Tribunais brasileiros Curitiba Juruaacute 2011 p 61 339
O conteuacutedo na iacutentegra de tal pedido encontra-se no siacutetio eletrocircnico a seguir httpsconjurcombrdlflavio-
dino-propoe-criacao-varas-julgarpdf 340
Nesse contexto o Secretaacuterio Geral da OAB Sr Claudio Souza Neto ressaltou ser ldquofundamental que os
magistrados conheccedilam o sistema de sauacutede em profundidade possam dialogar com os administradores que atuam
nesse sistema com meacutedicos usuaacuterios e com os secretaacuterios de sauacutede para que se perpetue esse aspecto virtuoso
de garantia do direito agrave sauacutede e as disfunccedilotildees possam ser superadas a partir da especializaccedilatildeordquo Disponiacutevel em
httpwwwoaborgbrnoticia25689oab-apoia-criacao-de-varas-especializadas-em-direito-a-saude Acesso em
24062013
158
sentido de que seja editada uma resoluccedilatildeo determinando aos tribunais brasileiros a criaccedilatildeo de
varas especializadas no processamento e julgamento de accedilotildees ciacuteveis e criminais que tenham
por objeto o direito agrave sauacutede
Tal pedido de providecircncia fundamenta-se em diversas frentes argumentativas
destacando-se a apresentaccedilatildeo de exemplos de especializaccedilotildees que tiveram sucesso no paiacutes
(como as varas da infacircncia e juventude violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher idosos
etc) a exposiccedilatildeo de dados sobre accedilotildees judiciais no tema (apontando-se que tramitam cerca de
240 mil accedilotildees na aacuterea de sauacutede a maioria delas envolvendo requerimento de medicamentos e
procedimentos no acircmbito do SUS) bem como a demonstraccedilatildeo de importantes avanccedilos
alcanccedilados graccedilas agrave atuaccedilatildeo judicial (como foi o caso dos coqueteacuteis do viacuterus HIV)
Pois bem tudo que foi dito no presente capiacutetulo voltou-se agrave defesa da possibilidade da
atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que norteada por criteacuterios objetivos
que garantam maior seguranccedila aos julgados e uniformidade na mateacuteria destacando-se dentre
as proposiccedilotildees defendidas a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede e da
importacircncia de seu elemento instrumental na delimitaccedilatildeo da objetividade almejada
No capiacutetulo a seguir seratildeo analisados341
alguns temas especiacuteficos que apesar de (ateacute
certo ponto) externos agrave discussatildeo sobre o enfrentamento judicial na mateacuteria se apresentam
como relevantes reforccedilos para a correccedilatildeo do deacuteficit de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no
paiacutes
341
O capiacutetulo que se segue natildeo tem pretensotildees de exaustivamente exaurir as temaacuteticas que seratildeo nele tratadas
Ao contraacuterio busca examinar de maneira concisa temas pontuais e relevantes para a problemaacutetica da
efetividade do direito agrave sauacutede os quais poderatildeo ser mais bem debatidos em uma pesquisa posterior mais
aprofundada
159
6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO
DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
No capiacutetulo terceiro da presente pesquisa esclareceu-se que apesar de o processo de
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede ser atrelado a ideia de gradualidade a conjuntura atual do
quadro sanitaacuterio do paiacutes denota um verdadeiro deacuteficit desse processo jaacute que a realizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede encontra-se bem longe de ser harmocircnica com a estruturaccedilatildeo prevista ldquono
papelrdquo para o SUS sendo vivenciadas dia a dia autecircnticas situaccedilotildees de desrespeito a esse
relevante direito do cidadatildeo
Defendeu-se nessa linha de raciociacutenio que frente a ineficiecircncia do Executivo e do
Legislativo natildeo soacute era possiacutevel como tambeacutem necessaacuterio para a correccedilatildeo do deacuteficit de
gradualidade apontado um papel ativo do Judiciaacuterio na questatildeo da efetividade do direito agrave
sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos que trouxessem seguranccedila juriacutedica e nesse
contexto buscou-se delimitar tais paracircmetros sobretudo a partir da construccedilatildeo de um miacutenimo
existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede calcado na importacircncia do conhecimento acerca
das especificidades estruturais do SUS
Contudo aleacutem da contribuiccedilatildeo de um Judiciaacuterio atuante a partir de criteacuterios preacute-
definidos e objetivos fator que pode ser enquadrado como o carro-chefe da tarefa de se
empreender uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consentacircnea com os ditames
constitucionais outras iniciativas podem se enquadrar como mecanismos que contribuem para
essa empreitada Ganha destaque nesse contexto a necessidade de se reestruturar os
Conselhos de Sauacutede com vistas a intensificar a participaccedilatildeo popular na gestatildeo do SUS bem
como de se empreender uma harmonizaccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio com a prioridade
constitucional direcionada agrave sauacutede puacuteblica
61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE
NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO
A atual crise da democracia representativa brasileira marcada pela adoccedilatildeo cada vez
mais recorrente de medidas em niacutetido descompasso com os desiacutegnios do povo342
(e ateacute
342
Corroborando com esse pensamento Friedrich Muumlller aponta que o direito de voto apesar de standard
miacutenimo inarredaacutevel da democracia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para esta jaacute que o povo se
encontra antes e apoacutes as eleiccedilotildees apenas relativamente livre frente ao aumento alarmante da possibilidade de
manipulaccedilatildeo sobretudo pela miacutedia dos menos esclarecidos MUumlLLER Friedrich O novo paradigma do
direito introduccedilatildeo agrave teoria e metoacutedica estruturantes 3deg ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 257
160
mesmo com os proacuteprios princiacutepios constitucionais) tem distanciado os governantes dos
governados e alertado para a necessidade de se consolidar instrumentos que garantam a
implementaccedilatildeo de uma verdadeira democracia participativa cuja estruturaccedilatildeo se funda
primordialmente no princiacutepio da soberania popular343
Vislumbra-se pois a necessidade de se dinamizar a democracia344
por meio de
instrumentos de controle e participaccedilatildeo popular que oportunizem o exerciacutecio direto da
vontade geral sendo o elemento ldquoparticipaccedilatildeordquo exatamente a faceta dinacircmica da democracia
que conduz o processo poliacutetico e permite concretizar de maneira legiacutetima uma poliacutetica de
superaccedilatildeo dos eventuais conflitos345
Antes de adentrar no exame da funcionalidade dos Conselhos de Sauacutede como um
desses instrumentos acima referidos (mesma situaccedilatildeo da figura do orccedilamento participativo a
ser analisada no toacutepico seguinte) faz-se relevante um breve esboccedilo acerca das noccedilotildees baacutesicas
da teorizaccedilatildeo de uma democracia participativa e suas implicaccedilotildees na realidade constitucional
brasileira346
611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica
A noccedilatildeo de uma democracia participativa liga-se ao proacuteprio processo evolutivo da
democracia ao longo da histoacuteria o qual eacute marcado pela passagem de uma soberania popular
meramente formal calcada na busca pela sustentabilidade e justificaccedilatildeo dos governos para
uma visatildeo material em que se verifica a real preservaccedilatildeo do exerciacutecio do poder poliacutetico
343
BONAVIDES Paulo Teoria Constitucional da Democracia Participativa 3deg ed Satildeo Paulo Malheiros
2008 p 51 344
Sobre a questatildeo democraacutetica Dworkin aponta que atualmente existe um debate acerca do tema que natildeo se
traduz num conceito uacutenico mas em profunda controveacutersia sobre a melhor versatildeo possiacutevel da democracia Na
visatildeo do referido autor o debate circunda em torno da premissa majoritaacuteria como um ponto central no sentido
de que esta premissa indica que os procedimentos poliacuteticos devem se conduzir de tal forma que a decisatildeo
alcanccedilada seja a resoluccedilatildeo que favorece a uma maioria ou pluralidade de cidadatildeos ou favoreceria se tivesse
informaccedilotildees adequadas e tempo suficiente para esta reflexatildeo ao menos que esta direccedilatildeo valha para questotildees
importantes DWORKIN Ronald La lectura moral de la constituicioacuten y la premisa mayoritaria Instituto de
Investigaciones Juriacutedicas Universidade Nacional Autoacutenoma de Meacutexico 2002 pp 03-29 345
BONAVIDES Paulo Poliacutetica e Constituiccedilatildeo os caminhos da democracia Rio de Janeiro Forense 1985
p 509 apud CARNEIRO Rommel Madeiro de Macedo Teoria da Democracia Participativa anaacutelise agrave luz do
princiacutepio da soberania popular In Revista Juriacutedica da Presidecircncia da Repuacuteblica v 9 ndeg 87 outnov 2007
p 29 346
A pretensatildeo deste toacutepico eacute apenas alertar para a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede como instrumentos de
aperfeiccediloamento de uma democracia participativa natildeo se pretendendo assim desenvolver um exame a fundo
das diferentes teorias acerca da democracia Contudo para o aprofundamento da questatildeo sobretudo acerca das
diferenciaccedilotildees entre as correntes democraacuteticas do liberalismo e comunitarismo e o consequente desenvolvimento
de democracias procedimentais ou substantivas conferir BIELSCHOWSKY Raoni Macedo Democracia
Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2013
161
voltado aos fins coletivos em um quadro de maior participaccedilatildeo e responsabilidade dos
governados
Corrobora com esta visatildeo o raciociacutenio desenvolvido por Paulo Bonavides no sentido
de que no processo de releitura da democracia esta deixa de ser simplesmente uma espeacutecie
de regime poliacutetico e passa a ser encarada como um autecircntico direito (de quarta geraccedilatildeo) que
juntamente com o direito agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo formam a triacuteade necessaacuteria para a
concretizaccedilatildeo da sociedade aberta compreendendo o futuro da cidadania e o porvir da
liberdade dos povos347
Nesse contexto as concepccedilotildees democraacuteticas contemporacircneas tidas como contra-
hegemocircnicas acabam rompendo com a ideologia claacutessica de que o regime democraacutetico seria
uma elaboraccedilatildeo teoacuterica empregada pelos governantes para legitimar o poder e passam a
defender uma leitura da democracia como uma gramaacutetica de organizaccedilatildeo social e da relaccedilatildeo
entre estado e sociedade348
Dentre essas concepccedilotildees destaca-se as construccedilotildees teoacutericas de
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo como elemento de uma sociedade aberta (Peter Haumlberle) e de
democracia deliberativa (Juumlrgen Habermas)
De maneira sucinta a concepccedilatildeo procedimental de democracia desenvolvida por
Habermas buscou abrir espaccedilo para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como
praacutetica da sociedade e natildeo apenas como meacutetodo de constituiccedilatildeo de governos e a partir da
noccedilatildeo de esfera puacuteblica (tido como o local em que os indiviacuteduos pudessem discutir os
problemas em busca de consensos) o referido autor propocircs uma sistemaacutetica de superaccedilatildeo dos
limites da democracia representativa baseada na capacidade da sociedade influenciar o
processo poliacutetico de tomada de decisatildeo a partir de uma aberta discussatildeo349
A ideia de democracia deliberativa eacute desta maneira o ponto de partida para a
compreensatildeo dos arranjos participativos que buscam viabilizar formas diretas de participaccedilatildeo
poliacutetica como eacute o caso dos canais de participaccedilatildeo que satildeo abertos a partir dos Conselhos de
Sauacutede e suas relevantes funccedilotildees350
347
BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 571 348
SANTOS Boaventura de Sousa amp AVRITZER Leonardo Democratizar a democracia os caminhos da
democracia participativa Porto Ediccedilotildees Afrontamento 2002 p 15 Disponiacutevel em
httpptscribdcomdoc52853920Boaventura-de-Sousa-Santos-Democratizar-a-democracia-Os-caminhos-da-
democracia-participativa Acesso em 14062013 349
SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia
deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica
Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 146 350
Sobre a noccedilatildeo de democracia deliberativa Claacuteudio Pereira de Souza Neto aponta que ldquoa democracia
deliberativa surge nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX como alternativa agraves teorias da democracia entatildeo
predominantes as quais a reduziam a um processo de agregaccedilatildeo de interesses particulares cujo objetivo seria a
escolha de elites governantes () A democracia deve envolver aleacutem da escolha de representantes tambeacutem a
162
Conforme se veraacute mais adiante uma das grandes problemaacuteticas com relaccedilatildeo aos
Conselhos de Sauacutede eacute exatamente a dificuldade em se fazer valer os consensos construiacutedos a
partir dos debates realizados e quanto a esta questatildeo eacute pertinente o pensamento de Joshua
Cohen com relaccedilatildeo a potencialidade de os membros da sociedade efetivamente participarem
das decisotildees poliacuteticas
O referido autor tambeacutem tem seu eixo de pensamento desenvolvido a partir da ideia de
democracia deliberativa contudo a preocupaccedilatildeo do seu raciociacutenio eacute a operacionalizaccedilatildeo
dessa deliberaccedilatildeo a partir da institucionalizaccedilatildeo de arranjos de modo a efetivar natildeo somente a
participaccedilatildeo mas tambeacutem as decisotildees dos cidadatildeos Pugna portanto pela ampliaccedilatildeo do
pensamento habermasiano ao defender que os debates travados na esfera puacuteblica natildeo devem
soacute meramente influenciar as decisotildees poliacuteticas uma vez que a legitimidade da democracia
encontra-se exatamente na possibilidade das decisotildees serem tomadas conjuntamente entre
Estado e membros da sociedade351
Noutro poacutertico tambeacutem merece atenccedilatildeo as liccedilotildees de Haumlberle cuja construccedilatildeo teoacuterica
tem suas balizas nos ideais de democracia participativa e se desdobra no alargamento do
ciacuterculo de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo e na noccedilatildeo de interpretaccedilatildeo como um processo aberto e
puacuteblico iacutensito a sociedade plural352
Desta maneira ao trazer para a ciecircncia hermenecircutica a importacircncia de uma
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo a partir de uma sociedade plural elevando o povo agrave condiccedilatildeo de
inteacuterprete e democratizando o processo de interpretaccedilatildeo das normas constitucionais referido
autor defende ser na realidade social o local onde se encontram os criteacuterios determinantes do
processo interpretativo e por isso o papel do povo nesse processo deve ser valorizado353
Para tanto faz-se necessaacuterio de modo a se alcanccedilar a viabilidade praacutetica da aludida
teoria a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo aberta que garanta o pluralismo e instrumentos de
democracia participativa podendo-se defender nesse contexto que a atual Constituiccedilatildeo de
1988 se enquadra nessa moldura e a previsatildeo da participaccedilatildeo da comunidade no acircmbito do
SUS eacute um dos vaacuterios exemplos que respaldam esse enquadramento
possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questotildees a serem decididas () mas para que essa
funccedilatildeo se realize a deliberaccedilatildeo deve se dar em um contexto aberto livre e igualitaacuterio SOUZA NETO Claacuteudio
Pereira de Deliberaccedilatildeo Puacuteblica Constitucionalismo e Cooperaccedilatildeo Democraacutetica In BARROSO Luiacutes Roberto
(org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 43-44 351
SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia
deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica
Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 152 352
BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 465-466 353
HAumlBERLE Peter Hermenecircutica Constitucional a sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Fabris 1997 p 13
163
Pois bem feitas tais consideraccedilotildees tem-se que jaacute foi visto na presente pesquisa que o
reconhecimento do direito agrave sauacutede como questatildeo intriacutenseca agrave democracia e agrave participaccedilatildeo
social decorre diretamente de diretriz do SUS encampada na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal
(fruto dos esforccedilos da base poliacutetico-ideoloacutegica da Reforma Sanitaacuteria Brasileira) ganhando
vida a partir dos Conselhos e Conferecircncias de Sauacutede institucionalizadas como autecircnticos
espaccedilos de participaccedilatildeo e controle social na sauacutede354
Tal caracteriacutestica iacutempar entre os direitos sociais aleacutem de corroborar com a ideia jaacute
defendida de estar o direito agrave sauacutede posicionado em uma espeacutecie de primeiro plano dentre os
direitos fundamentais sociais frente a sua natureza de direito impreteriacutevel e polifaceacutetico
significa a adoccedilatildeo no ordenamento brasileiro da ideia de que as bases das poliacuteticas puacuteblicas
em sauacutede devem ser ditadas e priorizadas a partir das necessidades mais latentes do povo
reforccedilando a importacircncia da democracia participativa na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Desta maneira satildeo os Conselhos de Sauacutede e as Conferecircncias as instacircncias colegiadas
que materializam a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS funcionando como
relevantes instrumentos para a correccedilatildeo das problemaacuteticas encontradas na efetividade do
direito agrave sauacutede no cenaacuterio hodierno paacutetrio jaacute que possuem responsabilidades tanto na
elaboraccedilatildeo das diretrizes das poliacuteticas em sauacutede como tambeacutem no controle e fiscalizaccedilatildeo do
atingimento das metas pactuadas
Daiacute se dizer que tais Conselhos constituem instacircncias de cogestatildeo puacuteblica integrantes
de um novo tecido social descentralizado e participativo o qual possibilita o reconhecimento
da subjetividade e da diversidade como parte da cidadania e aproxima o direito agrave sauacutede dos
ideais democraacuteticos355
devendo-se portanto serem buscadas medidas que garantam o
eficiente funcionamento dos mesmos
612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil
354
Antes da instituiccedilatildeo do SUS e dos conselhos de sauacutede jaacute existia o embriatildeo da participaccedilatildeo popular no
controle dos recursos descentralizados para estados e municiacutepios Com o Plano Nacional de Reorientaccedilatildeo da
Assistecircncia agrave Sauacutede pela Previdecircncia Social (1981) foi instituiacutedo o programa de Accedilotildees Integradas de Sauacutede ndash
AIS (1983) que era a grosso modo a transferecircncia de recursos para o custeio de serviccedilos Na esteira da criaccedilatildeo
das AIS surgiram nos estados as Comissotildees Interinstitucionais de Sauacutede ndashCIS e nos municiacutepios as Comissotildees
Interinstitucionais Municipais de Sauacutede ndashCIMS Essas comissotildees foram precursoras dos atuais conselhos de
sauacutede pois jaacute contavam com representantes da sociedade civil organizada ZELENOVSKY Maria Antonia
Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees
de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso
em 14062013 355
FLEURY Sonia A questatildeo democraacutetica na sauacutede In FLEURY Sonia (org) Sauacutede e democracia a luta
do CEBES Satildeo Paulo Lemos Editorial 1997 p 40
164
Como visto os Conselhos de Sauacutede foram institucionalizados pela Lei 814290 e as
diretrizes para sua criaccedilatildeo e funcionamento estatildeo reguladas pela Resoluccedilatildeo nordm 33303 do
Ministeacuterio da Sauacutede Tais foacuteruns colegiados atuam em caraacuteter permanente e deliberativo e satildeo
compostos por representantes do governo prestadores de serviccedilo profissionais e usuaacuterios
(cuja representaccedilatildeo eacute paritaacuteria com relaccedilatildeo ao conjunto dos demais segmentos356
) atuando na
formulaccedilatildeo de estrateacutegias e no controle da execuccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede inclusive nos
aspectos econocircmicos e financeiros
As Conferecircncias de Sauacutede por sua vez satildeo instacircncias temporaacuterias que se reuacutenem a
cada quatro anos e possuem a importante funccedilatildeo de avaliar a situaccedilatildeo de sauacutede do paiacutes aleacutem
de propor as diretrizes para a formulaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede nos niacuteveis correspondentes
podendo ser convocada pelo Poder Executivo ou extraordinariamente pelo proacuteprio Conselho
de Sauacutede
A partir da VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede de 1986 tida como marco histoacuterico da
luta democraacutetica no campo da sauacutede tem sido constatada uma crescente participaccedilatildeo da
sociedade nas conferecircncias subsequentes as quais continuamente aprovam inuacutemeras
resoluccedilotildees sobre variados subtemas em sauacutede o que se por um lado demonstra uma maior
preocupaccedilatildeo social em contribuir para a mudanccedila da situaccedilatildeo da sauacutede no paiacutes tambeacutem
denota que a diversidade e complexidade dos problemas enfrentados tendem a uma
pulverizaccedilatildeo das deliberaccedilotildees o que acaba dificultando a identificaccedilatildeo das prioridades de
cada localidade357
Assim em que pese praticamente todos os municiacutepios brasileiros358
possuiacuterem
Conselhos de Sauacutede e realizarem as respectivas Conferecircncias nem sempre tais oacutergatildeos
conseguem contribuir de maneira eficaz para o planejamento da sauacutede puacuteblica jaacute que alguns
fatores impossibilitam a perfeita realizaccedilatildeo de todas as funccedilotildees inerentes aos mesmos
Nesse sentido a Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa do Ministeacuterio da
Sauacutede vem promovendo avaliaccedilotildees sobre a inserccedilatildeo das deliberaccedilotildees de tais foacuteruns nos
processos decisoacuterios e nos modos de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas locais de
sauacutede no intuito de aferir o niacutevel de eficaacutecia democraacutetica dos mesmos e propor inovaccedilotildees
356
A representaccedilatildeo paritaacuteria (25 de trabalhadores de sauacutede 25 de prestadores de serviccedilos (puacuteblicos e
privados) 50 de usuaacuterios) foi estabelecida como forma da comunidade ter efetiva participaccedilatildeo 357
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 12 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013 358
Como jaacute visto a normatizaccedilatildeo do SUS estipulou a criaccedilatildeo de Conselhos como exigecircncia para o repasse de
verbas fundo a fundo assim a maior parte dos municiacutepios e todos os estados da federaccedilatildeo o fizeram
165
metodoloacutegicas visando agrave ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo social sobretudo a partir da alocaccedilatildeo de
recursos para a capacitaccedilatildeo no campo da educaccedilatildeo em sauacutede359
Contudo antes de partir para uma anaacutelise dos principais problemas enfrentados no
acircmbito dos Conselhos e apresentar hipoacuteteses de soluccedilatildeo para os mesmos faz-se imperioso
reforccedilar as funccedilotildees mais relevantes de tais foacuteruns deliberativos espalhadas nos principais
instrumentos legislativos relacionados agrave sauacutede puacuteblica
A Constituiccedilatildeo Federal no art 77 III sect 3deg do ADCT jaacute deixa claro que os recursos
das dos Estados do DF e dos Municiacutepios destinados agrave sauacutede e os transferidos pela Uniatildeo para
a mesma finalidade seratildeo aplicados por meio do Fundo de Sauacutede cuja fiscalizaccedilatildeo e
acompanhamento cabem aos respectivos Conselhos de Sauacutede Tal incumbecircncia eacute reforccedilada no
art 33 da Lei do SUS a qual tambeacutem deixa clara a necessidade de serem tais oacutergatildeos
deliberativos ouvidos no processo de planejamento e orccedilamento do SUS (art 36) cabendo ao
Conselho Nacional de Sauacutede estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboraccedilatildeo dos
planos de sauacutede (art 37)
Na jaacute mencionada Lei nordm 814290 aleacutem das disposiccedilotildees jaacute informadas eacute de se
destacar a regra constante no inciso II do art 4deg o qual inclui entre os requisitos para que os
Estados e Municiacutepios recebam os repasses de verbas automaacuteticos fundo a fundo a preacutevia
existecircncia de Conselho de Sauacutede que respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios o que
reforccedila a importante funccedilatildeo fiscalizatoacuteria de tais conselhos
Em acircmbito infralegal a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 3992006 que divulga o
Pacto pela Sauacutede ao tratar da importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social enumera
dentre outras accedilotildees relevantes como a necessidade de serem apoiados os conselhos de sauacutede
as conferecircncias e os movimentos sociais que atuam no campo de sauacutede o processo de
formaccedilatildeo dos conselheiros a participaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos cidadatildeos nos serviccedilos de sauacutede o
processo de educaccedilatildeo popular em sauacutede visando agrave qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo
social no SUS
Aleacutem disso o mesmo instrumento ao tratar da responsabilidade dos Municiacutepios no
planejamento e programaccedilatildeo do plano de sauacutede termina reforccedilando a necessidade de ser tal
plano submetido ao crivo do Conselho de Sauacutede correspondente para aprovaccedilatildeo bem como
dispotildee que as decisotildees pactuadas a partir das negociaccedilotildees das Comissotildees Intergestores que
versarem sobre mateacuteria da esfera de competecircncia dos conselhos deveratildeo ser tambeacutem
submetidas agrave apreciaccedilatildeo destes
359
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 18 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013
166
Na Portaria nordm 6482006 que aprova a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica por sua
vez ao tratar do financiamento da atenccedilatildeo baacutesica eacute estabelecido que os repasses referentes
aos pisos de atenccedilatildeo baacutesico aos municiacutepios devem ser efetuados em conta aberta
especificamente para essa finalidade objetivando facilitar o acompanhamento dos respectivos
Conselhos os quais juntamente com o Poder Legislativo e o Ministeacuterio Puacuteblico deveratildeo ser
notificados quanto aos avisos de creacutedito lanccedilados juntamente medida de suma relevacircncia para
a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos em sauacutede
Aleacutem disso tal Portaria reforccedila a necessidade da comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos
recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede ser apresentada ao Ministeacuterio da Sauacutede e
ao Estado atraveacutes de relatoacuterio de gestatildeo o qual tambeacutem deveraacute ser aprovado pelo respectivo
Conselho
Finalmente a aludida Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede eacute o instrumento
mais especiacutefico quanto ao tema e apresenta importantes regras relacionadas agrave estruturaccedilatildeo e
funcionamento dos Conselhos destacando-se o seguinte
i o dever360
de o Executivo respeitar os princiacutepios democraacuteticos a partir do
consequente acolhimento das demandas da populaccedilatildeo consubstanciadas nas
Conferecircncias de Sauacutede
ii a natureza de funccedilatildeo de relevacircncia puacuteblica361
dos respectivos conselheiros
os quais ficam dispensados do seu trabalho durante as accedilotildees especiacuteficas no
respectivo Conselho
iii o dever de o governo362
garantir autonomia para o pleno funcionamento dos
Conselhos dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria (com gerenciamento do orccedilamento pelo
proacuteprio Conselho) Secretaria Executiva e estrutura administrativa
iv a necessidade de a cada trecircs meses363
o gestor de sauacutede local se pronunciar
perante o Conselho acerca do andamento da agenda de sauacutede pactuada
apresentando o relatoacuterio de gestatildeo com a respectiva prestaccedilatildeo de contas
sobre o montante e a forma de aplicaccedilatildeo dos recursos repassados bem como
a descriccedilatildeo da produccedilatildeo e ofertas de serviccedilos na rede assistencial proacutepria ou
contratada com a respectiva comprovaccedilatildeo de congruecircncia com os princiacutepios
e diretrizes do SUS
360
Paraacutegrafo uacutenico da segunda diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 361
Inciso X da terceira diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 362
Caput da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 363
Inciso X da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede
167
v oitiva do Ministeacuterio Puacuteblico em caso de necessidade de auditorias externas e
independentes feitas pelos Conselhos sobre as contas e atividades do gestor
do SUS bem como recurso para o Parquet em caso de natildeo homologaccedilatildeo dos
atos deliberativos dos Conselhos pelo chefe do poder constituiacutedo em cada
esfera de governo no prazo de trinta dias364
e
vi a competecircncia dos Conselhos para especialmente365
vi1 definir as
diretrizes para elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e sobre eles deliberar
conforme as diversas situaccedilotildees epidemioloacutegicas e a capacidade
organizacional dos serviccedilos vi2 aprovar a proposta orccedilamentaacuteria anual da
sauacutede tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de
Diretrizes Orccedilamentaacuterias observado o princiacutepio do processo de
planejamento e orccedilamentaccedilatildeo ascendentes vi3 propor criteacuterios para a
programaccedilatildeo e execuccedilatildeo financeira e orccedilamentaacuteria dos Fundos de Sauacutede
acompanhando a movimentaccedilatildeo e destinaccedilatildeo dos recursos fiscalizando e
controlando os gastos e finalmente deliberando sobre os criteacuterios de
movimentaccedilatildeo de tais recursos fundo a fundo
Do exame das atribuiccedilotildees acima citadas depreende-se que os Conselhos e as
respectivas Conferecircncias de Sauacutede se apresentam como os instrumentos basilares para a
concretizaccedilatildeo da diretriz constitucional do SUS referente agrave participaccedilatildeo da comunidade
funcionando como um catalizador do processo de construccedilatildeo de uma democracia participativa
em mateacuteria de sauacutede no ordenamento paacutetrio jaacute que tais foacuteruns representativos possuem
funccedilotildees tanto relacionadas com a fiscalizaccedilatildeo e acompanhamento da aplicaccedilatildeo dos recursos
como tambeacutem com a proacutepria elaboraccedilatildeo e participaccedilatildeo das diretrizes que embasaratildeo o
planejamento em sauacutede
De se destacar desde jaacute outro importante aspecto dos Conselhos que seraacute pertinente
para o exame do toacutepico seguinte que eacute o fato de tais foacuteruns funcionarem como mitigadores da
proacutepria discricionariedade do administrador no processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas em sauacutede jaacute que as escolhas e prioridades a serem empreendidas devem estar
amoldadas agraves diretrizes expostas pelos Conselhos na elaboraccedilatildeo do plano de sauacutede e por estes
aprovadas366
364
Incisos XI e XII da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 365
Incisos X XII XIII e XIV da quinta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 366
No mesmo sentido aponta Faacutetima Vieira Henriques que ldquose uma poliacutetica sanitaacuteria tiver sido objeto de lei ou
de resoluccedilatildeo emanada dos Conselhos de Sauacutede bem como se tiver o proacuteprio administrador a elaborado e
168
Nesse sentido tais Conselhos consubstanciam um importante canal de abertura para
um controle popular na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o papel dos mesmos termina se
estendendo por toda a cadeia da poliacutetica puacuteblica de sauacutede jaacute que atuam tanto na fase anterior
(elaboraccedilatildeo) quanto na concomitante (acompanhamento) e na posterior (aprovaccedilatildeo das
prestaccedilotildees de conta quanto agraves metas pactuadas) o que soacute sobreleva a necessidade de tais
foacuteruns serem melhor estruturados eficientemente capacitados e principalmente cobrados
quanto ao pleno exerciacutecio de suas atribuiccedilotildees Ou seja a realizaccedilatildeo praacutetica e de maneira
eficaz das atribuiccedilotildees previstas para tais oacutergatildeos deliberativos eacute um objetivo que deve ser
buscado e cada vez mais aperfeiccediloado significando sua concretizaccedilatildeo um importante
mecanismo para a efetividade do direito agrave sauacutede
Ocorre que infelizmente a realidade de tais Conselhos eacute bastante diferente da
previsatildeo arquitetada no papel e diversos problemas organizacionais dificultam a perfeita
estruturaccedilatildeo praacutetica dos mesmos conforme se veraacute adiante
Em primeiro lugar pode ser destacada a falta de infraestrutura minimamente
organizada aleacutem de apoio administrativo operacional econocircmico e financeiro para o seu
pleno e regular funcionamento o que acaba dificultando a anaacutelise dos assuntos colocados em
pauta e desestimulando a atuaccedilatildeo dos conselheiros
Nesse sentido frente agrave natureza de relevacircncia puacuteblica dos conselheiros e a importacircncia
das atribuiccedilotildees dos respectivos Conselhos de Sauacutede a estruturaccedilatildeo miacutenima que garanta a
potencialidade de eficiecircncia dos mesmos deve ser mais levada a seacuterio pelo Poder Puacuteblico
como verdadeira prioridade devendo o cumprimento das disposiccedilotildees acima referenciadas
serem fiscalizadas tanto pela populaccedilatildeo como pelo Ministeacuterio Puacuteblico sendo quando
necessaacuterio pleiteado judicialmente o respeito a tais determinaccedilotildees
A soluccedilatildeo para este problema eacute simples Por forccedila da Lei nordm 814290 como jaacute
mencionado dentre os requisitos para que os Estados e Municiacutepios possam receber os repasse
fundo a fundo encontra-se a necessidade de preacutevia existecircncia de Conselho de Sauacutede que
respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios
Defende-se que a leitura dessa previsatildeo deve ser no sentido de que ldquopreacutevia existecircnciardquo
natildeo diz respeito unicamente a existecircncia de uma estrutura fiacutesica em si (meramente um preacutedio
implementado passa a ser dever praticar os atos concretos necessaacuterios agrave sua execuccedilatildeo inclusive fazer constar do
orccedilamento creacutedito correspondente dotaacute-lo de recursos bastantes e liberaacute-los oportunamente Igualmente caso o
administrador tenha decidido colocar em funcionamento determinado serviccedilo de sauacutede teraacute se comprometido
logicamente a prestaacute-lo com eficiecircncia ateacute porque adstrito que estaacute pela Constituiccedilatildeo natildeo lhe eacute dado agir
diferentemente Tambeacutem aqui por oacutebvio natildeo haacute discricionariedade possiacutevelrdquo HENRIQUES Faacutetima Vieira
Direito Prestacional agrave sauacutede e Atuaccedilatildeo Jurisdicional In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel
(coords) Direitos sociais Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro
Lumen Juris 2010 p 858
169
do Conselho ou uma sala) mas mais do que isso o respeito agrave todas as disposiccedilotildees quanto ao
funcionamento e estruturaccedilatildeo dos Conselhos previstas na jaacute referida Resoluccedilatildeo nordm 3332003
do Ministeacuterio da Sauacutede podendo e devendo desta maneira o Judiciaacuterio ao ser provocado
(especialmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico) determinar a suspensatildeo dos repasses de valores dos
fundos de sauacutede ateacute que sejam respeitadas e cumpridas as determinaccedilotildees quanto ao
funcionamento regular e eficiente de tais Conselhos por parte do Poder Puacuteblico
Outro relevante problema estrutural que claramente compromete a proacutepria essecircncia
democraacutetica de tais Conselhos eacute o fato de em alguns casos a presidecircncia dos mesmos acabar
sendo exercida pelos proacuteprios gestores dos recursos do SUS o que termina subvertendo
completamente a loacutegica de funcionamento de tais Conselhos jaacute que os gestores acabam se
tornando fiscais de si proacuteprio prejudicando assim a ideia de participaccedilatildeo paritaacuteria dos
usuaacuterios aleacutem de ofender os nortes constitucionais da democracia participativa moralidade
administrativa e participaccedilatildeo da comunidade no SUS
Desta maneira os regimentos internos dos Conselhos de Sauacutede pelo Brasil afora que
estabelecem gestores de sauacutede como seus presidentes natos ofendem os artigos 1deg II e
paraacutegrafo uacutenico art 37 caput e art 198 III da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildee
respectivamente sobre democracia participativa princiacutepio da moralidade e participaccedilatildeo da
comunidade como diretriz do SUS367
jaacute que em tais circunstacircncias resta confundida a figura
de controlador com a de controlado o que em uacuteltima instacircncia fulmina o relevante papel
fiscalizador e controlador de tais Conselhos Daiacute por que ser medida mais aconselhaacutevel agrave
resoluccedilatildeo deste problema a alteraccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede no
sentido de acrescentar a proibiccedilatildeo do gestor ocupar a respectiva presidecircncia dos Conselhos
Seguindo outro entrave ao pleno funcionamento dos Conselhos eacute o recorrente retardo
prolongado ou ateacute mesmo a proacutepria falta de homologaccedilatildeo por parte do gestor das
deliberaccedilotildees do Conselho o que leva ao risco de tornar sem efeito tais decisotildees e termina
prejudicando a realizaccedilatildeo dos anseios acordados no acircmbito desses oacutergatildeos deliberativos jaacute que
a implementaccedilatildeo efetiva das decisotildees empreendidas nas reuniotildees depende de homologaccedilatildeo
parar surtir efeitos praacuteticos368
Como natildeo haacute institutos juriacutedicos que obriguem diretamente o Executivo a acatar as
decisotildees dos conselhos (decisotildees essas que muitas vezes contrariam os interesses
367
GAVRONSKI Alexandre Amaral Conselhos de Sauacutede Democracia Participativa e a inconstitucionalidade
da Presidecircncia Nata In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 4 nordm 2 Satildeo Paulo 2003 p 87 368
ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede
possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013
170
dominantes) a saiacuteda para os mesmos como jaacute visto anteriormente (inciso XII da quarta
diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede) eacute recorrer ao Ministeacuterio Puacuteblico
nos casos em que natildeo haacute homologaccedilatildeo dos seus atos deliberativos pelo Poder Puacuteblico no
prazo de trinta dias devendo o Parquet diligenciar de modo a serem cumpridas as
determinaccedilotildees pactuadas nas deliberaccedilotildees dos Conselhos fazendo valer assim tanto a
referida Resoluccedilatildeo quanto a Lei nordm 814290 podendo se utilizar para isso do importante
mecanismo extrajudicial do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
De se destacar tambeacutem a dificuldade em se manter os Conselhos como espaccedilos
voltados para os interesses da populaccedilatildeo visto que eacute recorrente no paiacutes o risco de
desvirtuamento da representaccedilatildeo popular dos integrantes dos Conselhos os quais na maioria
das vezes por natildeo passarem por capacitaccedilatildeo alguma natildeo possuem o conhecimento necessaacuterio
quanto agraves possibilidades de sua atuaccedilatildeo e os instrumentos legais a eles disponiacuteveis cenaacuterio
este que contribui para a caracterizaccedilatildeo dos Conselhos como espaccedilos paralelos ao dos oacutergatildeos
estatais aproximando-o dos interesses locais dominantes em detrimento do interesse
coletivo369
Por isso que na maioria dos Conselhos eacute normal se identificar um verdadeiro (e de
certo modo inerente) quadro de desigualdade de informaccedilotildees entre seus membros os quais
representando segmentos diversos acabam natildeo se entendendo da melhor maneira nos assuntos
a serem debatidos o que enfraquece o papel desses oacutergatildeos deliberativos e em especial a
influecircncia do papel da participaccedilatildeo dos usuaacuterios
Nesse contexto eacute medida salutar agrave concretizaccedilatildeo do poder conferido aos usuaacuterios
reforccedilando agrave previsatildeo da representaccedilatildeo paritaacuteria dos mesmos uma capacitaccedilatildeo progressiva
dos conselheiros representantes dos anseios do povo de modo que a falta de informaccedilatildeo destes
com relaccedilatildeo a assuntos especiacuteficos dos prestadores e profissionais de sauacutede bem como dos
gestores natildeo termine esvaziando a importante funccedilatildeo dos mesmos perante os Conselhos nem
acabe os desestimulando pela precaacuteria contribuiccedilatildeo por eles proporcionada
A escolha por uma representaccedilatildeo paritaacuteria (50 de conselheiros usuaacuterios 25
gestores e 25 profissionais de sauacutede) que privilegie a participaccedilatildeo do povo portanto deve
ser acompanhada de uma sistematizada capacitaccedilatildeo de modo que os anseios da populaccedilatildeo
sejam compreendidos e acatados nos importantes debates travados nas reuniotildees dos
369
LOPES Joseacute Reinaldo de Lima Os Conselhos de Participaccedilatildeo Popular ndash Validade Juriacutedica de suas Decisotildees
In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 1 nordm 1 Satildeo Paulo 2000 p 24
171
Conselhos e nas Conferecircncias de Sauacutede o que vem a corroborar com a realizaccedilatildeo da
democracia participativa iacutensita a tais oacutergatildeos370
Desta forma em que pese essa paridade significar um importante mecanismo
democraacutetico na estruturaccedilatildeo dos conselhos a mesma natildeo se reduz simplesmente a uma
questatildeo numeacuterica de metade-metade mas sim a uma estruturaccedilatildeo que implique em uma
correlaccedilatildeo de forccedilas tendente a garantir a equidade nas condiccedilotildees de participaccedilatildeo e tomada de
decisatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as assimetrias existentes entre as representaccedilotildees
governamentais e natildeo governamentais371
Reforccedilando este raciociacutenio tem-se que a estruturaccedilatildeo arquitetada para tais oacutergatildeos
deliberativos eacute guiada pela diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da comunidade e
desta maneira o papel dos conselheiros que representam os profissionais de sauacutede e os
gestores deve ser interpretado agrave luz de tal diretriz com vistas a priorizar as necessidades
apontadas pelos usuaacuterios
Desta maneira as funccedilotildees inerentes aos conselheiros representantes dos profissionais
de sauacutede devem se aproximar muito mais de uma tarefa informativa e esclarecedora quanto
aos problemas apontados pelos usuaacuterios do que um desempenho voltado a fazer valer
interesses privados das classes ali representadas Da mesma forma o papel da parcela de
conselheiros representantes dos gestores deve ser voltado a uma atuaccedilatildeo comunicadora como
um canal de abertura que repasse os anseios apontados pelos usuaacuterios para o Poder Puacuteblico e
natildeo como um meio de se impor as determinaccedilotildees preacute-definidas do Poder Puacuteblico com relaccedilatildeo
as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede
Outro ponto problemaacutetico eacute a falta de transparecircncia e de divulgaccedilatildeo tanto da existecircncia
quanto das proacuteprias atividades de tais Conselhos sendo constatado que a populaccedilatildeo raramente
eacute informada pelos principais canais (televisatildeo raacutedio internet por exemplo) acerca de dados
relativos agrave proacutepria sede dos mesmos (endereccedilo telefone de contato horaacuterio de funcionamento
e atendimento agrave populaccedilatildeo) bem como quanto agrave realizaccedilatildeo das eleiccedilotildees dos conselheiros das
370
Questionando o real acesso da populaccedilatildeo a esses espaccedilos de construccedilatildeo de uma democracia participativa
frente agrave tecnicidade imposta pelo Estado no trato dos desafios da vida cotidiana o psicoacutelogo social Dario
Schezzi aponta para a importacircncia de se instituir Conselhos Territoriais de Cidadania como espeacutecies de ldquobraccedilosrdquo
dos Conselhos de Sauacutede onde a comunidade possa participar mais facilmente e retratar as principais
dificuldades vivenciadas sendo tais dados repassados nas respectivas reuniotildees SCHEZZI Dario Henrique
Teoacutefilo Implantaccedilatildeo de Conselhos Locais de Sauacutede desafios agrave efetivaccedilatildeo da democracia participativa In
Sauacutede e transformaccedilatildeo socialv3 nordm 2 UFSC Florianoacutepolis 2012 p 03 371
RAICHELIS Raquel Os Conselhos de gestatildeo no contexto internacional In Conselhos Gestores de Poliacuteticas
Puacuteblicas Revista Poacutelis nordm 37 Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2000 p 44
172
reuniotildees os resultados das deliberaccedilotildees os contatos dos conselheiros representantes dos
usuaacuterios etc372
613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de
sauacutede no paiacutes
As dificuldades conjunturais delineadas (especialmente a assimetria existente entre os
diversos segmentos da sociedade civil e os agentes governamentais com relaccedilatildeo agraves
informaccedilotildees e conhecimentos necessaacuterios a uma efetiva participaccedilatildeo nas deliberaccedilotildees)
interferem diretamente na qualidade do processo decisoacuterio empreendido no acircmbito dos
Conselhos sendo primordial a busca por mecanismos que proporcionem condiccedilotildees
equitativas entre os atores envolvidos visando a um melhor diaacutelogo e a um aperfeiccediloamento
do grau de legitimidade dos processos de deliberaccedilatildeo373
Para tanto eacute fundamental se examinar as variaacuteveis inerentes agrave qualidade desse
processo decisoacuterio as quais envolve dentre outros pontos relevantes para se aferir o niacutevel de
efetividade do controle social sobre as poliacuteticas de sauacutede como a existecircncia ou natildeo de debates
preacutevios agraves decisotildees a pluralidade dos interesses envolvidos o niacutevel de autonomia dos sujeitos
para sustentar suas posiccedilotildees e o maior ou menor poder de cada membro ou segmento na
construccedilatildeo da agenda dos assuntos a serem enfrentados374
Quanto a essas nuances identifica-se ser rotineiro o engessamento do poder dos
Conselhos nas tomadas de decisatildeo especialmente da parcela de conselheiros representante
372
Considerado conselho-referecircncia no ano de 2009 por apresentar um alto niacutevel de amadurecimento e realizar
um bom trabalho no controle da sauacutede municipal o Conselho Municipal de Sauacutede de Paraacute de MinasMG por
exemplo divulga na imprensa local todas as suas accedilotildees sendo seu trabalho reconhecido por grande parte da
comunidade da regiatildeo Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo ndash Brasiacutelia TCU
4ordf Secretaria de Controle Externo 2010 p54 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF Acessado em 15062013 373
Pertinente agrave celeuma do deacuteficit democraacutetico dos Conselhos de Sauacutede eacute a criacutetica de Diego Valadeacutes
perfeitamente tambeacutem adequada a estes espaccedilos democraacuteticos acerca da crise de qualidade representativa dos
partidos poliacuteticos e o consequente enfraquecimento da participaccedilatildeo popular no acircmbito dos mesmos Na visatildeo do
referido autor sob um prisma de democracia constitucional eacute necessaacuteria uma regulaccedilatildeo juriacutedica mais eficaz dos
partidos que ao exercerem um quase monopoacutelio das vias de participaccedilatildeo precisam ter internamente garantidos
um miacutenimo de qualidade democraacutetica evitando que se convertam em uma casta profissional privilegiada e
dedicada a defesa de interesses diversos dos desejos do eleitor Neste vieacutes aponta o mesmo que a participaccedilatildeo
popular e soberania do povo natildeo eacute contraacuteria a governabilidade ou contra a legitimidade dos partidos e eleiccedilotildees
como instrumentos baacutesicos de divisatildeo do poder Contudo na democracia constitucional se exige algo a mais que
a mera adesatildeo as propostas programaacuteticas e listas eleitorais se tratando de uma cumulaccedilatildeo de direitos com a
possibilidade de se exigir contas avaliar rendimentos e outras formas de se sentir cidadatildeo propostas que se
enquadram perfeitamente as necessidades da participaccedilatildeo nos Conselho de Sauacutede VALADEacuteS Diego Cinco
grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia constitucional em el siglo XXI In Revista Latino-
Americana de Estudos Constitucionais Fortaleza Ediccedilotildees Demoacutecrito Rocha 2010 p 598-612 374
TATAGIBA Luciana amp TEXEIRA Ana Claudia Chaves O papel do CMS na Poliacutetica de Sauacutede em Satildeo
Paulo In Caderno ndeg 29 do Observatoacuterio dos Direitos do Cidadatildeo Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2007 p 10
173
dos usuaacuterios visto que quando o governo propotildee a inclusatildeo de determinado tema na pauta
dos mesmos os programas e poliacuteticas quanto a esta temaacutetica jaacute satildeo quase sempre preacute-
definidas ocasionando certo esvaziamento do papel preacutevio dos Conselhos os quais ficam
com suas atividades restritas agrave questotildees meramente formais acerca da execuccedilatildeo e
implementaccedilatildeo da poliacutetica jaacute previamente elaborada sendo raro a oportunizaccedilatildeo de se discutir
no acircmbito dos Conselhos os aspectos referentes agrave etapa de elaboraccedilatildeo375
Vislumbra-se desta forma que o governo na maioria das vezes apenas cumpre o rito
de apresentaccedilatildeo e informaccedilatildeo acerca da implementaccedilatildeo de uma poliacutetica elaborada havendo
uma clara dissociaccedilatildeo entre a agenda das poliacuteticas e a dos Conselhos praacutetica que atenta contra
a proacutepria natureza de tais oacutergatildeos de deliberaccedilatildeo e enfraquece sua essecircncia democraacutetica uma
vez que quando satildeo convocados para a discussatildeo do que jaacute foi previamente elaborado aos
mesmos acaba sendo afastada a possibilidade de interferirem no espectro de incidecircncia sobre
o nuacutecleo duro das poliacuteticas de sauacutede376
Desta maneira vecirc-se que a configuraccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como efetivos
espaccedilos de deliberaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede depende diretamente do comprometimento do
Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos um niacutevel simeacutetrico de capacidade tanto de
elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo a agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem
seguidas
Nesse sentido a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si soacute natildeo significa
garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual somente poderaacute
ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados na organizaccedilatildeo
dos Conselhos e o consequente respeito e cumprimento das previsotildees constantes na Resoluccedilatildeo
nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 jaacute examinadas377
375
Nesse sentido os conselheiros representantes dos usuaacuterios muitas vezes natildeo possuem papel relevante na
discussatildeo a qual acaba se convertendo em mero ritual para aprovaccedilatildeo dos anseios dos gestores ESCOREL
Sarah amp MOREIRA Marcelo Rasga Desafios da participaccedilatildeo social em sauacutede na nova agenda da reforma
sanitaacuteria democracia deliberativa e efetividade In Participaccedilatildeo Democracia e Sauacutede Rio de Janeiro
CEBES 2009 p 240 Disponiacutevel em httpwwwcebesorgbrmediaFilelivro_particioacaopdf Acesso em
15062013 376
PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa no Brasil a praacutetica dos conselhos
de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 11 Disponiacutevel em httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso
em 16062013 377
Reforccedilando esse raciociacutenio Pedro Pontual pondera que ldquoapesar do avanccedilo que representaram os conselhos
em muitos aspectos no sentido da democratizaccedilatildeo e maior controle social das poliacuteticas puacuteblicas tal experiecircncia
natildeo teve ainda a forccedila e as qualidades necessaacuterias para produzir os impactos poliacuteticos necessaacuterios para alterar a
loacutegica clientelista que marcou historicamente a relaccedilatildeo do Estado com o sistema poliacutetico-partidaacuterio que daacute
sustentaccedilatildeo aacute eleiccedilatildeo dos representantes pelo voto universal Tal loacutegica eacute a matriz de velhos e conhecidos
mecanismos de corrupccedilatildeo fisiologismo e apropriaccedilotildees privadas de recursos puacuteblicos que de haacute muito satildeo
praticadas em relaccedilatildeo ao Estado e aos recursos puacuteblicos Esta loacutegica adquiriu tal forccedila que ateacute mesmo as forccedilas
sociais e poliacuteticas que lutam pela sua alteraccedilatildeo radical natildeo estatildeo imunes a mesma e em alguns casos tornaram-se
presas do clientelismo tatildeo combatido PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa
174
Corroborando com a visatildeo acima diversos estudos e pesquisas pelo Brasil378
comprovam a ineficiecircncia dos Conselhos de Sauacutede e retratam os problemas conjunturais supra
mencionados o que faz ligar o sinal de alerta para a necessidade de uma imediata
reestruturaccedilatildeo de tais instrumentos379
sobretudo a partir da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na
fiscalizaccedilatildeo do implemento das obrigaccedilotildees legais dos mesmos vislumbrando-se possiacutevel a
atuaccedilatildeo judicial no sentido de que a legislaccedilatildeo mencionada do tema seja respeitada e
eficientemente cumprida na praacutetica
Aleacutem do apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo quanto ao respeito das diretrizes
funcionais de tais Conselhos eacute certo que outros atores podem ajudar na tarefa de se garantir
uma melhor abertura desses espaccedilos democraacuteticos como eacute o caso das Organizaccedilotildees Natildeo
Governamentais ligadas agrave aacuterea de sauacutede e as comissotildees de sauacutede tanto da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) quanto das defensorias puacuteblicas que podem mediante accedilotildees
especiacuteficas incentivar (sobretudo pelas redes sociais na internet) a maior participaccedilatildeo da
sociedade380
a partir da divulgaccedilatildeo de detalhes quanto as reuniotildees eleiccedilotildees e estruturaccedilatildeo dos
Conselhos
Os Tribunais de Conta por sua vez tambeacutem exercem papel relevante nessa jornada Jaacute
foi visto que devido agraves previsotildees constantes no art 77 III sect 3deg do ADCT e no art 33 da Lei
do SUS foi conferido aos Conselhos de Sauacutede o importante poder de fiscalizar os recursos
destinados agraves accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede ldquosem prejuiacutezo do disposto no art 74rdquo da CF
ficando impliacutecito com tal ressalva que esse controle deve ocorrer de forma paralela ao
no Brasil a praacutetica dos conselhos de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 17 Disponiacutevel em
httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso em 16062013 378
Variadas pesquisas realizadas demonstram que a intensidade da democracia nos conselhos eacute baixa e na
maioria das vezes suas atividades satildeo focadas em procedimentos burocraacuteticos constataccedilotildees refletidas na falta e
capacitaccedilatildeo dos conselheiros os quais na maioria das vezes natildeo foram instruiacutedos de modo a ter a exata noccedilatildeo
acerca de suas relevantes atribuiccedilotildees Nesse sentido confiram-se dentre outras
httpwwwunbcienciaunbbrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=165conselhos-de-saude-sao-
ineficientes-e-nao-representam-a-populacaoampcatid=34ciencias-da-saude
httpwwwsociologiaufscbrnpmsines_pelizzaro_raquellen_milbratzpdf
httpwwwscielobrpdfrapv43n607pdf Acessadas em 15062013 379
Muitas vezes a proacutepria autonomia que eacute concedida aos Conselhos gera um efeito colateral indesejaacutevel que eacute o
fato de as disposiccedilotildees constantes nos respectivos regimentos internos dos mesmos nem sempre terminar
seguindo fielmente as diretrizes da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 ou ateacute mesmo subvertendo-as quadro que termina
engessando a atuaccedilatildeo desses oacutergatildeos deliberativos e enfraquecendo a proacutepria efetividade democraacutetica dos
mesmos 380
Dados do relatoacuterio final da 14deg Conferecircncia Nacional de Sauacutede ocorrida em 2012 respaldam a importacircncia da
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo nesses foacuteruns deliberativos sendo destacado que para a realizaccedilatildeo da mesma
ocorreram previamente 4374 conferecircncias municipais e estaduais nos 27 estados brasileiros o que significa cerca
de 78 do total das conferecircncias esperadas marca que pode ser considerada como histoacuterica no quadro de lutas
pela sauacutede puacuteblica no paiacutes Relatoacuterio final da 14ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede Todos usam o SUS SUS na
seguridade social Poliacutetica puacuteblica patrimocircnio do povo brasileiro Ministeacuterio da Sauacutede Conselho Nacional de
Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012 p 9
Disponiacutevel em httpconselhosaudegovbrbibliotecaRelatoriosimg14_cns20relatorio_finalpdf Acessado
em 17062013
175
controle interno do proacuteprio Executivo o qual por sua vez tem a finalidade de apoiar o
controle externo no exerciacutecio de sua missatildeo institucional sendo este exercido com o apoio
dos Tribunais de Contas
Depreende-se desse raciociacutenio que os Conselhos de Sauacutede podem atuar em parceria
com os Tribunais de Contas e essa relaccedilatildeo torna-se beneacutefica para uma maior eficiecircncia no
desenvolvimento das funccedilotildees de ambos381
o que contribui para a ampliaccedilatildeo na sociedade
civil da possibilidade de uma cultura participativa no controle da efetividade das poliacuteticas
puacuteblicas382
Nesse raciociacutenio os Tribunais de Contas ganham jaacute que suas accedilotildees satildeo
reforccediladas pela cooperaccedilatildeo das comunidades diretamente envolvidas os Conselhos de Sauacutede
tambeacutem uma vez que passa a existir um incremento na qualidade do controle do gasto
puacuteblico e na identificaccedilatildeo dos recursos transferidos e finalmente a populaccedilatildeo que fica
respaldada por uma fiscalizaccedilatildeo mais incisiva contra a maacute utilizaccedilatildeo dos recursos e corrupccedilatildeo
A ideia defendida nesse toacutepico portanto eacute a de que os Conselhos de Sauacutede autecircnticos
canais para que a sociedade participe e dite o ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em
sauacutede satildeo importantes mecanismos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no ordenamento
paacutetrio e como natildeo eacute dada a atenccedilatildeo necessaacuteria aos mesmos (uma vez que a configuraccedilatildeo legal
prevista para o mesmo eacute subvertida na praacutetica por inuacutemeros viacutecios383
) o apoio de outros
atores (incluindo-se o papel do Judiciaacuterio ao primar pelo cumprimento do arcabouccedilo
legislativo que rege tais Conselhos) eacute medida salutar para a melhoria da eficiecircncia
democraacutetica desses espaccedilos384
Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a ser estudado a seguir diz
respeito aos gastos em sauacutede e a consequente necessidade de que o caraacuteter prioritaacuterio desse
381
O Tribunal de Contas da Uniatildeo jaacute realizou inuacutemeros projetos ligados ao estiacutemulo do controle social
sobretudo com relaccedilatildeo aos Conselhos de Sauacutede destacando-se por exemplo a elaboraccedilatildeo do documento
Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo elaborado pela 4ordf Secretaria de Controle
Externo do TCU no ano de 2010 o qual pode ser consultado no siacutetio eletrocircnico a seguir
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF 382
ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede
possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 15 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013 383
Alguns viacutecios jaacute apontados como a burocratizaccedilatildeo dos conselhos o corporativismo a partidarizaccedilatildeo a falta
de representatividade satildeo indicativos claros para essa reflexatildeo e eventuais mudanccedilas de enfoque ou mesmo
adoccedilatildeo de novas iniciativas BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa A
construccedilatildeo do SUS histoacuterias da Reforma Sanitaacuteria e do Processo Participativo Ministeacuterio da Sauacutede
Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2006 p 237 384
Corroborando com esse posicionamento Eduardo Ribeiro Moreira pondera que essa posiccedilatildeo renovada de
controle com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute marcada natildeo soacute pela criaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como tambeacutem pelo
fortalecimento das accedilotildees do Poder Legislativo atraveacutes das Comissotildees de Sauacutede das Assembleias Legislativas e
das Cacircmaras Municipais pela maior participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico e pela nova posiccedilatildeo do Judiciaacuterio agindo
energicamente no combate aos maus gestores MOREIRA Eduardo Ribeiro Direito Constitucional atual Rio
de Janeiro Elsevier 2012 p 345
176
direito seja garantido desde a fase orccedilamentaacuteria destacando-se nesse ponto temas
importantes como a possibilidade de se criar em todas as esferas de governo mecanismos de
participaccedilatildeo e controle social do ciclo orccedilamentaacuterio
62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE
UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES
CONSTITUCIONAIS
Um dos grandes entraves agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil eacute a problemaacutetica
que envolve a questatildeo dos gastos puacuteblicos nesse setor A dificuldade natildeo estaacute restrita agrave
simples constataccedilatildeo de ser preciso ou natildeo disponibilizar mais recursos financeiros para a
sauacutede na verdade engloba diversos aspectos que vatildeo desde a necessidade de um ciclo
orccedilamentaacuterio que respeite as prioridades constitucionais ateacute o exame da correta aplicaccedilatildeo dos
recursos existentes
O objetivo desse capiacutetulo por conseguinte natildeo eacute aprofundar em questotildees
orccedilamentaacuterias e financeiras especiacuteficas mas sim alertar para a necessidade de o instrumento
do orccedilamento puacuteblico refletir tanto na sua fase de elaboraccedilatildeo quanto em sua execuccedilatildeo as
prioridades assentadas na Constituiccedilatildeo de modo a evitar situaccedilotildees praacuteticas desvirtuadoras da
loacutegica pensada para a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mormente do direito agrave sauacutede
Eacute pertinente portanto a noccedilatildeo de se buscar o esgotamento de prioridades mais
relevantes em detrimento de alvos menos essenciais raciociacutenio este intriacutenseco por exemplo
ao seguinte questionamento eacute possiacutevel suscitar a falta de recursos para a sauacutede quando
existem no mesmo orccedilamento recursos com propaganda de governo
Nessa temaacutetica em que pese ter sido proferida em sede de liminar merece destaque o
teor da decisatildeo empreendida pelo Juiz de Direito da Comarca de Currais NovosRN Dr
Marcus Viniacutecius Pereira Juacutenior que frente agrave recalcitracircncia do Estado do Rio Grande do Norte
em realizar certas accedilotildees e serviccedilos de sauacutede determinou que a Governadora daquele estado a
Sra Rosalba Ciarlini suspendesse todas as propagandas pagas pelo Estado sob pena de
multa ateacute a correccedilatildeo do problema Destaca-se o seguinte trecho385
385
A presente decisatildeo liminar foi emitida em 30072013 no processo ndeg 0101509-7020138200103 que
tramita na vara ciacutevel da Comarca de Currais NovosRN e pode ser conferida no seguinte endereccedilo eletrocircnico
httpesajtjrnjusbrcpopgsearchdojsessionid=27196AEB9C77D224D12F6B3C4CC76113appsWeb1pagin
aConsulta=1amplocalPesquisacdLocal=103ampcbPesquisa=NUMPROCamptipoNuProcesso=UNIFICADOampnumeroD
igitoAnoUnificado=0101509-702013ampforoNumeroUnificado=0103ampdePesquisaNuUnificado=0101509-
7020138200103ampdePesquisa= Acessado em 01082013
177
() No mesmo mandado deve ser determinado que a referida gestora
SUSPENDA todas as propagandas pagas pelo ESTADO DO RIO GRANDE
DO NORTE nos termos dos itens 17 e 18 ateacute que sejam garantidos os
direitos agrave sauacutede por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em
relaccedilatildeo aos processos referidos agraves fls 5154 FIXO nos termos do art 461
sect5ordm CPC multa pessoal por descumprimento em R$ 100000000 (um
milhatildeo de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede
ou seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede
caso haja descumprimento da presente decisatildeo por parte da Governadora do
Estado do RN b) expeccedilam-se tambeacutem MANDADOS agrave InterTV Cabugi
TV Ponta Negra TV Bandeirantes Natal TV Tropical TV Uniatildeo TV
Universitaacuteria Sidys TV a Cabo Jornal Tribuna do Norte Raacutedios (96 98
1047 e Cabugi) determinando a SUSPENSAtildeO IMEDIATA de todos os
serviccedilos de propagandapublicidade pagos pelo ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE Caso sejam descumpridas as determinaccedilotildees da
presente decisatildeo por parte das empresas intimadas FIXO nos termos do art
461 sect5ordm CPC multa por descumprimento em R$ 100000000 (um milhatildeo
de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede ou
seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede
caso haja descumprimento da presente decisatildeo
() (Grifos acrescidos)
Ademais de se destacar que a decisatildeo em questatildeo considerou em sua fundamentaccedilatildeo o
fato de que (conforme relatoacuterio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte que
aprovou com ressalvas as contas do governo do RN) no ano de 2011 o referido estado gastou
mais com diaacuterias e publicidade governamental do que com sauacutede puacuteblica386
o que soacute acentua
o quadro de calamidade da sauacutede no RN387
e na linha dos argumentos que se seguem
configura-se completamente inconstitucional por afronta ao desenho constitucional prioritaacuterio
que eacute delineado para o direito agrave sauacutede na CF de 1988
Pelo exposto a defesa aqui proposta eacute no sentido de que a alegaccedilatildeo da jaacute estudada
reserva do possiacutevel deve passar por uma releitura de modo a priorizar o raciociacutenio de que
antes de os finitos recursos do Estado acabarem para os direitos fundamentais precisam os
mesmos necessariamente estar esgotados para aacutereas natildeo prioritaacuterias do ponto de vista
constitucional e natildeo do detentor do poder jaacute que a negativa de realizaccedilatildeo de um direito
386ldquo
Quanto agrave sauacutede puacuteblica destaca-se o baixo niacutevel de investimentos realizados nessa aacuterea com aplicaccedilatildeo de
recursos da ordem de R$ 1107683492 valor este inferior agravequele aplicado no exerciacutecio financeiro de 2010 (R$
1738652839) configurando um decreacutescimo de 3629 Ainda tal montante situou-se em patamar inferior
agravequeles relativos a despesas menos prioritaacuterias como diaacuterias (R$ 2367871614) e publicidade governamental
(R$ 1685159051)rdquo In Relatoacuterio e Projeto de Parecer Preacutevio do TCE RN Agosto 2012 p 126-127
Disponiacutevel em httpwwwtcerngovbr2009downloadREL_GOV2011pdf Acessado em 01082013 387
Merece aqui ser ressaltado o importante trabalho do TCE-RN que por meio do Relatoacuterio Preliminar sobre a
Rede Hospitalar da SESAPRN de maio de 2013 tratou de esmiuccedilar a situaccedilatildeo da rede de hospital puacuteblico do
RN emitindo ao seu final cerca de noventa e nove recomendaccedilotildees a serem seguidas pelo Governo daquele
Estado Disponiacutevel em httpwwwcorenrngovbrdownloadrelatoriotcepdf Acessado em 01082013
178
fundamental enquanto ainda existe verba disponiacutevel para uma aacuterea natildeo prioritaacuteria termina
por afrontar a priorizaccedilatildeo dada aos direitos fundamentais pela Constituiccedilatildeo388
Explicando melhor sugere-se o fim da cultura instaurada e aceita na realidade
brasileira de que basta se atingir o respeito aos valores e percentuais miacutenimos a serem
empregados em sauacutede puacuteblica para os gestores puacuteblicos estarem de certo modo quites com
os anseios da populaccedilatildeo e isso passa por dois pontos chaves a necessidade de reestruturaccedilatildeo
da forma como se desenvolve a proacutepria execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico no paiacutes389
e o
incremento da fiscalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos atrelado a padrotildees miacutenimos de eficiecircncia390
Ilustrada a problemaacutetica o presente toacutepico inicialmente examinaraacute a questatildeo dos
gastos puacuteblicos em sauacutede ressaltando a importante contribuiccedilatildeo da recente e jaacute brevemente
pincelada Lei Complementar nordm 1412012 para posteriormente tratar da questatildeo
orccedilamentaacuteria em si alertando para a necessidade de medidas que assegurem a priorizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede tanto no momento da elaboraccedilatildeo quanto na execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria
621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico
Conforme jaacute analisado por forccedila da Lei Complementar nordm 1412012 foram instituiacutedos
nos termos do sect 3deg do art 198 da Constituiccedilatildeo Federal alguns aspectos relevantes agrave
problemaacutetica dos gastos puacuteblicos como o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante a ser
aplicado anualmente pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede os percentuais
miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados anualmente pelos Estados
Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os criteacuterios de rateio dos
recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados ao Distrito Federal e aos
388
FREIRE JUacuteNIOR Ameacuterico Bedecirc Controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2005 p 74 apud GUERRA Gustavo Rabay A concretizaccedilatildeo judicial dos direitos sociais seus abismos
gnoseoloacutegicos e a reserva do possiacutevel por uma dinacircmica teoacuterico-dogmaacutetica do constitucionalismo social
Disponiacutevel em httpwwwmpgogovbrportalwebhp2docsconcretizacaodosdireitossociaispdf Acessado
em 12052013 389
De se destacar as liccedilotildees de Celso Ribeiro Bastos no sentido de que a inspiraccedilatildeo uacuteltima do orccedilamento eacute ldquode se
tornar um instrumento de exerciacutecio da democracia pelo qual os particulares exercem o direito por intermeacutedio de
seus mandataacuterios de soacute verem efetivadas as despesas e permitidas as arrecadaccedilotildees tributaacuterias que estiverem
autorizadas na lei orccedilamentaacuteriardquo BASTOS Celso Ribeiro Curso de Direito Financeiro e Tributaacuterio Satildeo
Paulo Celso Bastos Editor 2002 p 127-128 390
Corroborando com essa visatildeo Louisianne Paskalle pondera que ldquode fato o orccedilamento natildeo eacute abundante e
posto isto eacute que se deve trabalhar com mais eficiecircncia na administraccedilatildeo puacuteblica O que se constata eacute que aleacutem
da escassez orccedilamentaacuteria haacute um mau uso dos recursos puacuteblicos que satildeo registrados pelos escacircndalos sucessivos
de corrupccedilatildeo desvio de dinheiro fraude em licitaccedilotildees e compra de votosrdquo MAIA Louisianne Paskalle Solano
Direitos fundamentais efetividade e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias uma perspectiva poacutes-positivista In MOURA
Lenice S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo
Bonavides Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 423
179
Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em
accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
Nesse contexto restou confirmado que os Municiacutepios devem destinar no miacutenimo
15 de seus recursos proacuteprios para a sauacutede os Estados no miacutenimo 12 e que a Uniatildeo deve
aplicar desde 2000 em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os recursos miacutenimos
correspondentes ao valor apurado no ano anterior aplicada a variaccedilatildeo nominal do PIB tudo
isso respeitando-se as disposiccedilotildees da referida Lei Complementar no sentido de soacute serem
direcionados recursos para accedilotildees e serviccedilos que legitimamente estejam inseridas como
despesas em sauacutede391
Tais disposiccedilotildees legais satildeo salutares agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede pois
funcionam como paracircmetros objetivos aptos a corrigirem certas disparidades iacutensitas ao
descaso das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede no Brasil durante os 12 anos agrave espera da referida Lei
Complementar392
periacuteodo marcado por inuacutemeras distorccedilotildees frente a falta de clareza sobre o
caacutelculo do aporte de recursos federais para a sauacutede e os tipos de situaccedilotildees que poderiam ser
computadas como despesas nesta seara
Para se ter uma ideia em 2007 16 estados natildeo atingiram o percentual miacutenimo
necessaacuterio e deixaram de investir cerca de R$ 36 bilhotildees no setor a Uniatildeo por sua vez entre
2001 e 2008 deixou de aplicar cerca de R$ 548 bilhotildees para a sauacutede ao incluir em seu
orccedilamento como verba da sauacutede os gastos com o Programa Bolsa Famiacutelia e a incorporaccedilatildeo de
valores do Fundo para Erradicaccedilatildeo da pobreza393
Antes do norte dado pela LC 141 2012 tambeacutem foram contabilizados na ldquocontardquo do
dinheiro da sauacutede tanto por gestores estaduais como municipais diversas accedilotildees que natildeo
possuiacuteam ligaccedilatildeo direta com a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede nem com a estruturaccedilatildeo do SUS
como eacute o caso por exemplo de gastos com saneamento aposentadoria dos servidores
391
Conforme o art 4deg da referida LC 1412012 por exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o
pagamento de aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros programas
de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS satildeo situaccedilotildees que natildeo podem ser enquadradas como
despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos 392
Frente agrave omissatildeo legislativa em criar a lei complementar ora analisada alguns instrumentos foram utilizados
para tentar delimitar o campo de aplicaccedilatildeo dos recursos para a sauacutede (como foi o caso da jaacute mencionada
Resoluccedilatildeo nordm 32203 do Conselho Nacional de Sauacutede) contudo natildeo obtiveram sucesso pela falta de clareza e
coercibilidade dos mesmos o que acabou gerando diversas distorccedilotildees na aplicaccedilatildeo das verbas com sauacutede 393
KASEKER Camila Para onde estaacute sendo desviado o dinheiro da sauacutede Revista da APM nordm 605 Satildeo Paulo
2009 p 14-15 apud CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao
miacutenimo existencial garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 157
180
bombeiros merenda escolar alimentaccedilatildeo de presidiaacuterios cestas baacutesicas manutenccedilatildeo de
restaurantes populares etc394
Constata-se desta maneira que a Lei Complementar em questatildeo importou em
consideraacutevel avanccedilo tanto para a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos miacutenimos a serem expendidos
pelas esferas de governo quanto indiretamente para a construccedilatildeo do miacutenimo em sauacutede uma
vez que quando satildeo arroladas as accedilotildees que podem e que natildeo podem se enquadrar como
despesas em sauacutede se contribui para focalizar os gastos nas prioridades e afastar desperdiacutecios
gerando maior eficiecircncia na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas sanitaacuterias
Defende-se nesse contexto que o Poder Judiciaacuterio tem legitimidade tanto para
assegurar o fiel cumprimento da Lei Complementar em exame nas demandas que tenham tal
pleito como objeto principal como para considerar os paracircmetros objetivos por ela fornecidos
ao enfrentar demandas que envolvam a anaacutelise dos custos e a questatildeo da reserva do possiacutevel
Explicando melhor diante de um pleito ligado ao direito agrave sauacutede o magistrado natildeo
pode aceitar passivamente a alegaccedilatildeo de que faltam recursos mas sim deve averiguar antes
de tudo se quem alega tal falta estaacute gerindo o sistema de maneira consentacircnea com a
legislaccedilatildeo pertinente levando-se em conta por exemplo se o ente estaacute cumprindo os
percentuais miacutenimos para o orccedilamento da sauacutede bem como se haacute indiacutecios de tentativa de
ldquomaquiarrdquo os gastos com sauacutede atraveacutes da inclusatildeo de itens alheios a aacuterea sanitaacuteria
constatando desta maneira se a falta de verbas alegada eacute de fato real ou decorre do
descumprimento da LC nordm 1412012
Todavia em que pese tais avanccedilos trazidos pela LC nordm 1412012 existem muitas
criacuteticas com relaccedilatildeo ao valor que eacute gasto pela Uniatildeo com sauacutede anualmente e ao consequente
deacuteficit de aportes financeiros para o setor o que termina evidenciando a necessidade de mais
recursos para a sauacutede Para se ter uma ideia com relaccedilatildeo a Uniatildeo o percentual do total de
sua receita destinado agrave sauacutede vem caindo desde 1995 (em 1995 tal percentual foi de 1172 e
em 2011 foi de 73) e jaacute no que se refere agrave necessidade de mais recursos para a sauacutede a
porcentagem do PIB anual que eacute direcionada para a sauacutede no Brasil eacute aqueacutem da meacutedia
mundial segundo dados da OMS (em 2010 por exemplo o Brasil direcionou apenas 38 do
seu PIB para a sauacutede enquanto o percentual meacutedio no mundo foi de 55395
)
394
Nota Teacutecnica ndeg 14 de 2012 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos
Deputados - CONOFCD Anaacutelise das principais inovaccedilotildees trazidas pela Lei Complementar nordm 141 de 13 de
janeiro de 2012 que regulamentou a Emenda Constitucional nordm 29 de 2000 p 07 Disponiacutevel em
httpbdcamaragovbrbdbitstreamhandlebdcamara12536regulamentacao_emendapdfsequence=1Acessado
em 14062013 395
Tais dados podem ser encontrados no siacutetio eletrocircnico do Movimento Nacional em Defesa da Sauacutede Puacuteblica
SAUacuteDE + 10 o qual tem o objetivo de coletar assinaturas visando agrave formaccedilatildeo de um Projeto de Lei de iniciativa
181
Contudo o intuito do presente capiacutetulo natildeo eacute enfrentar a discussatildeo acerca da falta de
recursos para a sauacutede (este deacuteficit assim como diversos problemas estruturais no acircmbito do
SUS eacute evidente) mas sim defender a correta aplicaccedilatildeo dos recursos existentes a partir do
eficiente cumprimento da LC 1412012 bem como a necessidade de se buscar a vinculaccedilatildeo
das prioridades constitucionais sobretudo com sauacutede durante todo o ciclo orccedilamentaacuterio e
quanto a este segundo ponto algumas observaccedilotildees importantes merecem destaque
622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Partindo para a questatildeo orccedilamentaacuteria em si como eacute sabido na loacutegica orccedilamentaacuteria
paacutetria natildeo existe despesa que natildeo esteja autorizada na lei orccedilamentaacuteria nem eacute permitido ao
Poder Puacuteblico buscar receitas de maneira indefinida sem o devido atrelamento agraves
necessidades de financiamento O orccedilamento puacuteblico portanto eacute exatamente o instrumento
que espelha a organizaccedilatildeo em prol da justa equaccedilatildeo entre receitas e despesas e informa o
tracejo dos planos de atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico
Desta maneira assim como cada cidadatildeo organiza e projeta suas accedilotildees na vida
cotidiana a partir de sua disponibilidade financeira o Estado arquiteta seu plano de accedilotildees com
base no contraste entre suas arrecadaccedilotildees e as despesas projetando para um determinado
periacuteodo o que poderaacute ou natildeo ser realizado396
sendo essa projeccedilatildeo retratada exatamente
atraveacutes do instrumento do orccedilamento puacuteblico com o consequente estabelecimento do Plano
Plurianual da Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias e da Lei Orccedilamentaacuteria Anual (art 165 I II
III da CF de 1988)
O orccedilamento puacuteblico pode ser visto desta forma como o resultado de um processo
decisoacuterio fundamental que consolida a alocaccedilatildeo de recursos a eleiccedilatildeo das prioridades de accedilatildeo
estatal e se estruturam as poliacuteticas puacuteblicas em busca da efetivaccedilatildeo de direitos397
e o seu
almejado equiliacutebrio no contexto hodierno deve ser encarado natildeo apenas como uma harmonia
popular que buscando alterar a recente LC 1412012 estipula a destinaccedilatildeo de no miacutenimo 10 da Receita
Corrente Bruta da Uniatildeo para a sauacutede de modo a recuperar os recursos federais decrescentes nos uacuteltimos anos
para a sauacutede Disponiacutevel em httpwwwsaudemaisdezorgbr Acesso em 19062013 396
Nesse sentido Antocircnio de Oliveira Leite pontua que ldquoo orccedilamento na eacutepoca atual tem caraacuteter dinacircmico e
natildeo estaacutetico por isso mesmo os tradicionais princiacutepios (unidade equiliacutebrio contaacutebil financeiro etc) longe de
facultarem o seu aperfeiccediloamento impotildeem-lhe garrote dificultando a nobre e jaacute oportuna tarefa de avanccedilo no
sentido de obediecircncia agraves mais modernas ideias desde que coerentes com a finalidade a que visa o orccedilamento
()rdquo LEITE Antocircnio de Oliveira Orccedilamento Puacuteblico em sua feiccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica In CLEacuteVE Cleacutemerson
Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs) Direito Constitucional constituiccedilatildeo financeira econocircmica e social
Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 6 Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 81 397
VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In
Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326
182
entre receita e despesa mas sim como uma equivalecircncia qualitativa entre a receita e despesa
puacuteblica de um lado e a realidade econocircmico-social de outro398
Da mesma maneira jaacute que a medida de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute
assegurada em grande parte pelo montante de recursos orccedilamentaacuterios investidos em sua
promoccedilatildeo e garantia o orccedilamento puacuteblico acaba assumindo uma funccedilatildeo de suma relevacircncia
para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais daiacute ser o mesmo compreendido para alguns
autores como um siacutembolo da cidadania e expressatildeo maacutexima dos direitos e deveres gerados na
relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo399
Frente a estas colocaccedilotildees pode-se concluir um ponto chave para os argumentos que se
seguiratildeo o instrumento do orccedilamento puacuteblico deve ser levado a seacuterio400
de modo a natildeo soacute
respeitar mas tambeacutem efetivar a priorizaccedilatildeo e expansatildeo dos direitos fundamentais delineada
na CF de 1988 tanto em sua elaboraccedilatildeo quanto durante sua execuccedilatildeo sob pena de restar
subvertida a proacutepria loacutegica do papel do Estado401
Contudo a maacutexima acima defendida distancia-se da realidade brasileira por uma seacuterie
de fatores como por exemplo
i o fato de o orccedilamento ser considerado assunto de poucos e para poucos frente
agrave tradiccedilatildeo excludente da cena poliacutetica paacutetria que marcada pelo
patrimonialismo e clientelismo acaba restringindo as deliberaccedilotildees referentes agrave
poliacutetica orccedilamentaacuteria a determinados grupos com maior poderio econocircmico e
proximidade dos negoacutecios do Estado402
ii a grande dificuldade ndash em que pese os esforccedilos traccedilados sobretudo na LRF e
na recente Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo ndash do cidadatildeo leigo tanto em obter
398
BECKER Alfredo Augusto Teoria Geral do Direito Tributaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 1963 p 217 apud
SOUZA Luciane Moessa Reserva do possiacutevel x miacutenimo existencial o controle de constitucionalidade em
mateacuteria financeira e orccedilamentaacuteria como instrumento de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais p 10
Disponiacutevel em httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhluciane_moessa_de_souza2pdf Acesso
em 17062013 399
AMARAL Gustavo amp MELO Danielle Haacute direito acima do orccedilamento In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 p 108 400
Corroborando com esse raciociacutenio Luciano Benetti Timm pontua que ldquoa realidade orccedilamentaacuteria natildeo pode ser
compreendida como peccedila de ficccedilatildeo O desperdiacutecio de recursos puacuteblicos em um universo de escassez gera
injusticcedila com aqueles potenciais destinataacuterios a que deles deveriam atenderrdquo TIMM Luciano Benetti Qual a
maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais uma perspectiva de direito e economia In SARLET
Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo
Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 60 401
A razatildeo da proacutepria existecircncia do Estado eacute empreender sua mais elementar missatildeo constitucionalmente
estabelecida de efetivamente universalizar os direitos fundamentais portanto nada mais correto que o
instrumento que expotildee o planejamento dessa missatildeo seja concatenado com as diretrizes da proacutepria Carta Maior 402
VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In
Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326
183
informaccedilotildees quanto em compreender os dados orccedilamentaacuterios disponiacuteveis os
quais se mostram complexos frente a marcada fragmentaccedilatildeo caracteriacutestica do
ciclo orccedilamentaacuterio o que acaba de certa maneira desestimulando o controle
da poliacutetica orccedilamentaacuteria pela populaccedilatildeo403
iii o marcante desequiliacutebrio de poderes entre Executivo e Legislativo no curso da
execuccedilatildeo do orccedilamento sendo a realidade marcada por uma hipertrofia do
Executivo que frente a alta discricionariedade natildeo controlada acaba gerando
alguns efeitos colaterais graves agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Tudo isso reforccedila a necessidade de mudanccedilas pontuais na cultura de se proceder a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria no intuito de trazer benefiacutecios para a efetividade do
prioritaacuterio e impreteriacutevel direito fundamental agrave sauacutede
Explicando melhor primeiramente no que se refere agrave elaboraccedilatildeo do orccedilamento eacute
certo que as escolhas em mateacuteria de gastos puacuteblicos natildeo constituem um tema totalmente
reservado agrave deliberaccedilatildeo poliacutetica pois nesse momento haacute uma importante incidecircncia de
normas constitucionais que norteiam as prioridades a serem seguidas e o produto conjugado
dos gastos do Estado reflete exatamente o momento e a medida no qual a realizaccedilatildeo dos fins
constitucionais deveraacute ocorrer404
Assim natildeo soacute as regras constantes no capiacutetulo especiacutefico sobre orccedilamento puacuteblico
nem os percentuais miacutenimos especificados para determinados direitos devem nortear a
elaboraccedilatildeo do orccedilamento mas tambeacutem o proacuteprio esqueleto valorativo da Carta de 1988
calcado na Dignidade da Pessoa Humana irradiada pelos direitos fundamentais e nos
objetivos fundamentais expostos no art 3deg
Propotildee-se assim que seja repensada a maneira de se trilhar o orccedilamento puacuteblico no
paiacutes no intuito de as prioridades nele assentadas sejam reflexos harmocircnicos da proacutepria
priorizaccedilatildeo delineada na Constituiccedilatildeo e isso exige uma mudanccedila de cultura que considere
inadmissiacuteveis diversas situaccedilotildees que hoje satildeo vistas como comuns e ateacute mesmo legalmente
corretas405
403
MENDONCcedilA Eduardo Bastos Furtado de A constitucionalizaccedilatildeo das Financcedilas Puacuteblicas no Brasil ndash Devido
Processo Orccedilamentaacuterio e Democracia Rio de Janeiro Renovar 2010 p 92 404
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 405
Na linha do defendido por Luntildeo a escolha do elenco dos direitos fundamentais reflete uma decisatildeo baacutesica do
constituinte no sentido de apontar as metas sociais a serem atingidas pela sociedade e esta caracteriacutestica reflete
no processo interpretativo dos proacuteprios direitos de modo a se evitar contradiccedilotildees e antiacuteteses aleacutem de conferir aos
mesmos a funccedilatildeo de unidade e integraccedilatildeo do ordenamento aos fins e valores que estes informam Desta maneira
eacute certo que o tracejo constitucional arquitetado para o direito agrave sauacutede denota um caraacuteter prioritaacuterio do mesmo
entre os direitos sociais o que deve ser seguido desde a proacutepria elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico sob pena de se
184
Nesse sentido Andreas J Krell alerta para a gravidade desses casos ao retratar406
que
Ateacute hoje existem municiacutepios onde se gasta ndash legalmente ndash mais dinheiro em
divertimentos populares (contrataccedilatildeo de bdquotrios eleacutetricos‟) ou na manutenccedilatildeo
da Cacircmara do que em toda aacuterea de sauacutede puacuteblica () Um orccedilamento
puacuteblico quando natildeo atende aos preceitos da Constituiccedilatildeo pode e deve ser
corrigido mediante alteraccedilatildeo do orccedilamento consecutivo logicamente com a
devida cautela Em casos individuais pode ocorrer a condenaccedilatildeo do Poder
Puacuteblico para a prestaccedilatildeo de determinado serviccedilo puacuteblico baacutesico ou o
pagamento de serviccedilo privado (exemplo reembolso de despesas de
atendimento em hospital particular) (Grifos acrescidos)
Partindo deste raciociacutenio todos os argumentos jaacute apontados referentes agrave alocaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede para um primeiro plano dentre os direitos sociais agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o
direito agrave vida digna e sua feiccedilatildeo de direito impreteriacutevel satildeo aqui retomados para sustentar que
a priorizaccedilatildeo encontrada na CF de 1988 com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede deve ser
necessariamente refletida na fase de elaboraccedilatildeo (e durante a execuccedilatildeo) do orccedilamento puacuteblico
e isso natildeo significa simplesmente que os percentuais miacutenimos407
apontados
constitucionalmente devem ser respeitados mas sim que o aparato principioloacutegico que irradia
a proteccedilatildeo da sauacutede na Constituiccedilatildeo tenha reflexos equivalentes no proacuteprio orccedilamento
Daiacute ser risiacutevel a ocorrecircncia de situaccedilotildees como as antes exemplificadas bem como o
niacutevel de atenccedilatildeo que anualmente eacute dada a sauacutede puacuteblica em termos de percentuais de valores
do PIB408
(como jaacute visto em 2010 por exemplo somente 38 do PIB foi destinado para a
sauacutede) o que inevitavelmente eacute refletido na realidade precaacuteria da maioria dos hospitais
puacuteblicos do paiacutes409
vislumbrar contradiccedilotildees no mundo concreto a partir da priorizaccedilatildeo de bens juriacutedicos de expressatildeo constitucional
bem menos acentuada ou ateacute mesmo nula como eacute o caso da propaganda institucional PEREZ LUNtildeO Antonio
Enrique Derechos Humanos Estado de Derecho y Constitucioacuten Octava Edicioacuten Madrid Tecnos 2003 p
227 406
KRELL Andreas J Controle judicial dos serviccedilos puacuteblicos baacutesicos na base dos direitos fundamentais sociais
In SARLET Ingo Wolfgang (org) A constituiccedilatildeo concretizada ndash Construindo pontes com o puacuteblico e o
privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 57 407
O cumprimento de tais percentuais natildeo deve ser encarado como uma ldquocarta de alforriardquo pelo Poder Puacuteblico
como uma meta que uma vez atingida gera a sensaccedilatildeo de quitaccedilatildeo com o direito agrave sauacutede como se aquilo fosse
suficiente para a efetivaccedilatildeo desse direito Tais percentuais devem ser enxergados em verdade como um limite
miacutenimo sobre o qual o Estado deve trilhar suas accedilotildees sempre para aleacutem do mesmo e cujo descumprimento revela
uma das grandes ofensas ao Estado Democraacutetico de Direito desenhado na CF de 1988 408
Sobre a noccedilatildeo de quanto uma naccedilatildeo deve gastar com sauacutede puacuteblica e as implicaccedilotildees de justiccedila e igualdade
frente ao alto custo da sauacutede na realidade norte-americana conferir DWORKIN Ronald A virtude soberana a
teoria e a praacutetica da igualdade Jussara Simotildees (trad) Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p 431 409
Nesse sentido Joseacute Renato Nalini pondera que ldquoembora a proclamaccedilatildeo de intenccedilotildees seja provida de saudaacutevel
pretensatildeo a realidade eacute bem diferente Entre o sistema uacutenico propiciador de sauacutede integral para todos e a
situaccedilatildeo verificada nos hospitais prontos-socorros e centros de atendimento agrave sauacutede em todo o Brasil haacute um
fosso intransponiacutevelrdquo NALINI Joseacute Renato O Judiciaacuterio e a Eacutetica na Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de
185
Essa necessaacuteria mudanccedila na realizaccedilatildeo do orccedilamento por sua vez passa tambeacutem pela
necessidade de a proacutepria Constituiccedilatildeo empreender mais atenccedilatildeo ao controle das decisotildees
envolvendo as despesas puacuteblicas uma vez que apesar de ser constatado um acurado cuidado
com a imposiccedilatildeo de limites ao poder de tributar natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao
passo posterior que eacute disciplina da despesa puacuteblica e seus desdobramentos
Eacute que hodiernamente ainda impera a ideia de que a influecircncia da Constituiccedilatildeo com
relaccedilatildeo aos gastos puacuteblicos estaria limitada ao aspecto formal de sua previsatildeo orccedilamentaacuteria
deixando de lado os fins materiais por ela estabelecidos Ana Paula de Barcellos reforccedila essa
ideia ao afirmar que410
Mas o que deveraacute constar no orccedilamento Em que se deveraacute investir Em que
os recursos puacuteblicos devem ser aplicados Com muita maior razatildeo tambeacutem
o conteuacutedo das despesas haveraacute de estar vinculado juridicamente agraves
prioridades eleitas pelo constituinte originaacuterio () A Constituiccedilatildeo
estabelece metas prioritaacuterias objetivos fundamentais dentre os quais
sobreleva a promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e aos
quais estatildeo obrigadas as autoridades puacuteblicas A despesa puacuteblica eacute o meio
haacutebil para atingir essas metas Logo por bastante natural as prioridades
em mateacuteria de gastos puacuteblicos satildeo aquelas fixadas pela Constituiccedilatildeo de
modo que tambeacutem a ponta da despesa que encerra o ciclo da atividade
financeira esteja submetida agrave norma constitucionalrdquo (Grifos acrescidos)
Robustecendo a disparidade entre a preocupaccedilatildeo com a limitaccedilatildeo do poder de tributar
e os limites quanto agraves despesas puacuteblicas tem-se que a atenccedilatildeo tanto dos juristas como dos
contribuintes em geral se concentra mais na tributaccedilatildeo (o dinheiro que entra) enquanto que a
disciplina legal da despesa puacuteblica termina ficando em segundo plano como se as pessoas
apoacutes reclamarem de pagar os altos tributos acabassem esquecendo que o que foi arrecadado
ainda seria delas e desta forma deveria ser alocado para o benefiacutecio da coletividade Fala-se
entatildeo em fortalecimento da cultura orccedilamentaacuteria no sentido de que a cidadania fiscal natildeo
termina no dever de pagar tributos mas se estende tambeacutem pelo ciclo orccedilamentaacuterio411
A defesa do raciociacutenio acima explicitado acarreta em repercussotildees praacuteticas relevantes
para o cumprimento dos objetivos fundamentais expostos na CF de 1988 Nesse sentido a
Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte
Foacuterum 2011 p 172 410
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 283 411
Aponta Ricardo Lobo Torres que ldquoa cidadania fiscal em seu sentido amplo abrange aleacutem das problemaacutetica
da receita os aspectos mais largos da cidadania financeira que compreendendo a vertente da despesa puacuteblica
envolve as prestaccedilotildees positivas de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais e aos direitos sociais e as escolhas
orccedilamentaacuterias questotildees que apresentam o maior deacuteficit de reflexatildeo teoacuterica no campo da cidadania Cidadania
fiscal eacute sobretudo cidadania orccedilamentaacuteriardquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de direito constitucional
financeiro e tributaacuterio ndash O orccedilamento na Constituiccedilatildeo v 5 Rio de Janeiro Renovar 2000 p 148
186
defesa pela vinculaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico agraves prioridades constitucionais como um norte
em sua elaboraccedilatildeo acarreta consequecircncias inevitaacuteveis para certos componentes do orccedilamento
que passariam a ldquoir para o fim da fila412
rdquo e teriam sua realizaccedilatildeo condicionada ao
cumprimento das prioridades constitucionais413
A Constituiccedilatildeo por exemplo natildeo ldquofalardquo em propaganda414
como algo tatildeo relevante ao
ponto de merecer lugar cativo nas rubricas orccedilamentaacuterias da mesma forma ldquosussurrardquo sobre
a questatildeo do lazer e os divertimentos populares a serem proporcionados pelo Estado contudo
ldquogritardquo com relaccedilatildeo agrave sauacutede e educaccedilatildeo ao longo do seu corpo com mais de sessenta menccedilotildees
a cada um desses direitos sociais logo natildeo faz sentido algum que a canalizaccedilatildeo de recursos na
elaboraccedilatildeo do orccedilamento inverta essa loacutegica natildeo refletindo as prioridades constitucionais
Reforccedilando tal visatildeo Edilson Pereira Nobre Juacutenior ao analisar a possibilidade de o
Executivo no curso da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria suspender a liberaccedilatildeo de recursos inerentes
aos direitos fundamentais sociais para custear outros fins pondera que415
() nessa aacuterea natildeo incide manifestaccedilatildeo discricionaacuteria nenhuma Isso porque
haveraacute de reconhecer-se uma priorizaccedilatildeo no manuseio dos recursos
disponiacuteveis aos dispecircndios com direitos fundamentais sociais tendo em
vista o expresso desejo do Constituinte de 1988 em erigir a dignidade da
pessoa humana a fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm
III) bem como serem objetivos fundamentais desta a construccedilatildeo duma
sociedade livre justa e solidaacuteria a erradicaccedilatildeo da pobreza e a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais e regionais (art 3ordm I e III) Dessas normas insertas
no Tiacutetulo I (Dos Princiacutepios Fundamentais) decorre a primazia dos direitos
sociais
()A concretizaccedilatildeo dos novos direitos fundamentais eacute de ser reputada sem
sombra de duacutevida obrigaccedilatildeo constitucional dos entes poliacuteticos
No particular merece realce pelo seu elevado caraacuteter meritoacuterio e de
vanguarda decisatildeo lavrada pelo Des Federal Francisco Wildo Lacerda
412
Nesse sentido confira-se o seguinte entendimento do STJ ldquo() o escudo da reserva do possiacutevel natildeo imuniza
o administrador de adimplir promessas que tais vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais quanto mais
considerando a notoacuteria destinaccedilatildeo de preciosos recursos puacuteblicos para aacutereas que embora tambeacutem inseridas na
zona de accedilatildeo puacuteblica satildeo menos prioritaacuterias e de relevacircncia muito inferior aos valores baacutesicos da sociedade
representados pelos direitos fundamentaisrdquo (Grifos acrescidos) (Resp ndeg 811698RS julgado em 150507 pela
1deg Turma do STJ Rel Min Luiz Fux DJU de 040607 p 314) 413
Novamente Ana Paula de Barcellos corrobora com essa visatildeo ao ponderar que ldquo() se os meios financeiros
natildeo satildeo ilimitados os recursos disponiacuteveis deveratildeo ser aplicados prioritariamente no atendimento dos fins
considerados essenciais pela Constituiccedilatildeo ateacute que eles sejam realizados Os recursos remanescentes haveratildeo de
ser destinados de acordo com as opccedilotildees poliacuteticas que a deliberaccedilatildeo democraacutetica apurar em cada momento
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade
da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284 414
O art 37 sect 1deg somente ressalva que a publicidade dos atos programas obras serviccedilos e campanhas dos
oacutergatildeos puacuteblicos deveraacute ter caraacuteter educativo informativo ou de orientaccedilatildeo social dela natildeo podendo constar
nomes siacutembolos ou imagens que caracterizem promoccedilatildeo pessoal de autoridades ou servidores puacuteblicos 415
NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira O controle de poliacuteticas puacuteblica um desafio agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In
Revista de Doutrina do TRF 4deg 19deg ed 2007 Disponiacutevel em
httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtmhttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedicao019Edilso
n_Juniorhtm Acessado em 19062013
187
Dantas do E Tribunal Regional Federal da 5ordf Regiatildeo nos autos do Agravo
de Instrumento 67336 ndash PB manejado pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal
contra o Estado da Paraiacuteba
S Exa na oportunidade determinara sob pena de multa pecuniaacuteria que
referido ente poliacutetico remanejasse 1760 da verba destinada agrave publicidade
institucional com vistas a normalizar o fornecimento de remeacutedios
destinados ao tratamento de pacientes portadores de mal de Parkinson
Restou ponderado que o deferimento da medida far-se-ia pelo fato do Estado
haver-se mantido recalcitrante em cumprir anterior decisatildeo judicial a qual
determinava que regularizasse a distribuiccedilatildeo dos medicamentos necessaacuterios
ao atendimento de mencionada enfermidade bem como porque se destinava
atender bem juriacutedico mais importante qual seja a vida dos cidadatildeos
paraibanos devendo assim preponderar sobre outra atividade puacuteblica
reputada de menor relevacircncia como eacute o caso da publicidade
governamental() (Grifos acrescidos)
Desta maneira defende-se a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido
de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a
destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade sob pena de
clara afronta agrave vontade da Constituiccedilatildeo416
Aplicando o pensamento acima para a realidade atual brasileira considera-se
inadmissiacutevel que no atual estaacutegio do Estado Democraacutetico de Direito conquistado no paiacutes seja
enxergado com naturalidade o fato de serem destinados bilhotildees para a construccedilatildeo de estaacutedios
de futebol (para realizaccedilatildeo da copa do mundo) por meio de parcerias puacuteblico-privadas417
enquanto a sauacutede puacuteblica atravessa um quadro de caos por falta de meacutedicos e ateacute mesmo
utensiacutelios baacutesicos nos hospitais puacuteblicos o que corrobora para a necessidade de mudanccedila
apontada
Contudo a problemaacutetica com relaccedilatildeo ao orccedilamento natildeo ocorre somente na sua fase de
elaboraccedilatildeo Satildeo rotineiras durante o processo de execuccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio algumas
situaccedilotildees que comprometem fortemente a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
(especialmente agrave sauacutede) mas antes de analisaacute-las eacute preciso compreender algumas
caracteriacutesticas dessa fase
416
Ana Paula de Barcellos sustentando ser plausiacutevel a defesa de que os gastos com publicidade governamental
devam ser necessariamente menores que os investimentos com sauacutede ou educaccedilatildeo exemplifica um caso no Rio
de Janeiro em que o MP ajuizou uma accedilatildeo de improbidade administrativa (Processo ndeg 2003014016724-4 4deg
Vara Ciacutevel da Comarca de Campos dos Goytacazes) em face de autoridades municipais do Municiacutepio de
Campos dos Goytacazes devido ao excesso de gastos com eventos culturais em que alegou-se sobretudo que os
gastos milionaacuterios nessas aacutereas natildeo eram repetidos em aacutereas mais relevantes e de atuaccedilatildeo obrigatoacuteria e prioritaacuteria
do poder puacuteblico o que feria a razoabilidade BARCELLOS Ana Paula de Constitucionalizaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas em mateacuteria de direitos fundamentais o controle poliacutetico-social e o controle juriacutedico no espaccedilo
democraacutetico In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 119 417
Acerca da aplicaccedilatildeo do instituto na aacuterea de sauacutede conferir GOMES Ana Maria Viccedilosa As parcerias
puacuteblico-privadas na gestatildeo hospitalar no Brasil In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 269-293 2009
ndash UNIMAR
188
Em que pese existir certa controveacutersia sobre a natureza juriacutedica do orccedilamento (satildeo
vaacuterias posiccedilotildees uns defendem a natureza de ato administrativo outros de lei conjunccedilatildeo entre
lei e ato administrativo ato-condiccedilatildeo etc) consolidou-se no Brasil o entendimento de que tal
instrumento se trata de lei em sentido meramente formal natildeo criando portanto direitos e
obrigaccedilotildees mas apenas orientando pautas para a legitimaccedilatildeo financeira da atividade
puacuteblica418
O objetivo dessa visatildeo eacute retirar da lei orccedilamentaacuteria sua conotaccedilatildeo substantiva de gerar
uma vinculaccedilatildeo imediata419
jaacute que se assim fosse haveria um inevitaacutevel engessamento do
ciclo orccedilamentaacuterio ao passo que nada poderia ser feito quanto agraves eventuais externalidades
ocorridas no transcorrer de sua execuccedilatildeo o que traria imensa inseguranccedila juriacutedica para a
realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Desta maneira o orccedilamento inegavelmente precisa de uma natural flexibilidade e
discricionariedade em sua execuccedilatildeo para que os fins nele previamente projetados possam ser
atingidos em conformidade com o cenaacuterio externo encontraacutevel isso tudo corre por uma
questatildeo proacutepria de racionalidade administrativa uma vez que seria impossiacutevel prever
normativa e previamente todas as hipoacuteteses de revisatildeo do orccedilamento como o satildeo a anulaccedilatildeo
de rubricas a natildeo realizaccedilatildeo de certas despesas e o contingenciamento de empenhos iacutensitos agrave
dinamicidade orccedilamentaacuteria420
Contudo essa inerente flexibilidade caracteriacutestica do caraacuteter autorizativo da peccedila
orccedilamentaacuteria se justifica exatamente pela necessidade de melhor atender aos fins puacuteblicos
priorizados na Constituiccedilatildeo e por isso natildeo pode ser transformada em arbitrariedade421
por
parte do Poder Puacuteblico sob pena dos desvirtuamentos ocasionados gerarem impactos sobre os
direitos fundamentais como eacute o prioritaacuterio direito agrave sauacutede
Ocorre que a realidade brasileira estaacute enquadrada nesse temeroso cenaacuterio de
arbitrariedade Atraveacutes de praacuteticas que recorrentemente frustram a agenda orccedilamentaacuteria e
418
OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 p
309 419
OLIVEIRA Fernando Froacutees Financcedilas puacuteblicas economia e legitimaccedilatildeo alguns argumentos em defesa do
orccedilamento autorizativo In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO
Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 692 420
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 4 421
Quanto a este ponto Germaacuten J Bidart Campos pondera que ldquo() Es verdad que no se puede marcar
riacutegidamente com uma cifra inamovible el maacuteximo de recursos disponibles Lo que si se puede y se debe ES
resuponer que el maacuteximo bdquodisponible‟ ES el maacuteximo que razonablemente surge de uma evaluacioacuten objetiva com
la que al distribuir los ingresos y los gastos de la hacienda puacuteblica se prioriza lo maacutes valioso y se escalona a
partir de alliacute lo mesno valiosordquo BIDART CAMPOS Germaacuten J El Orden Socioeconomico em la Constitucioacuten
Buenos Aires EDIAR 1999 p 343 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284
189
prejudicam a realizaccedilatildeo das metas pactuadas quando da elaboraccedilatildeo do orccedilamento a equaccedilatildeo
receita-despesa acaba passando longe das prioridades definidas legalmente
No contexto da arbitrariedade um dos mecanismos utilizado (e fortemente criticado) eacute
contingenciamento de empenhos procedimento formal de limitaccedilatildeo tanto das despesas
autorizadas na lei orccedilamentaacuteria anual quanto da movimentaccedilatildeo financeira a elas interligada
que tem o intuito de vedar que os ordenadores de despesa emanem atos de assunccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de pagamento para o Estado422
Essa hipoacutetese de limitaccedilatildeo de despesa eacute uma espeacutecie de contenccedilatildeo de gasto puacuteblico
pela possibilidade de natildeo existir garantia de receita que lhe promova o custeio e tem
supedacircneo no art 9deg da LRF que afirma ser possiacutevel se restringir a geraccedilatildeo de despesas
quando restar averiguado mediante relatoacuterio resumido de execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria que haacute
risco de frustraccedilatildeo das metas de resultado primaacuterio ou nominal previstas na LDO pelo fato de
a geraccedilatildeo receitas natildeo seguirem o planejado inicialmente
Ou seja a utilizaccedilatildeo do contingenciamento soacute seraacute legiacutetima quando comprovado
motivadamente que haacute uma reduccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave despesa antes estimada na
fixaccedilatildeo das metas fiscais da LDO e na proacutepria LOA O uso desta teacutecnica de modo a
transbordar esse limite ou seja a praacutetica da simples inexecuccedilatildeo das despesas previstas sem
qualquer motivaccedilatildeo ligada ao cumprimento das metas fiscais desnatura a proacutepria finalidade
programatoacuteria das peccedilas orccedilamentaacuteria e subverte as prioridades alocadas quando da
elaboraccedilatildeo do plano para o exerciacutecio financeiro
Nessa conjuntura eacute de se constatar que haacute no Brasil um quadro de contracionismo
orccedilamentaacuterio caracterizado pelo manejo abusivo e arbitraacuterio da figura do contingenciamento
de empenhos que contribui para a inefetividade dos direitos sociais visto que as poliacuteticas
puacuteblicas que foram idealizadas acabam sendo parcial ou integralmente inexecutadas e
consequentemente as prioridades definidas no processo deliberativo do orccedilamento acabam
sendo redesenhadas por ato unilateral do Poder Puacuteblico423
Frente a ampla discricionariedade conferida ao Poder Executivo eacute recorrente a
seguinte situaccedilatildeo que caracteriza uma espeacutecie de contingenciamento preventivo poucos dias
apoacutes o orccedilamento ser aprovado edita-se um decreto limitando a liberaccedilatildeo de certos recursos
422
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 9 423
MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 380
190
de dotaccedilotildees inicialmente previstas sem qualquer motivaccedilatildeo ficando essa parcela da receita
em uma espeacutecie de limbo ofendendo-se assim a previsatildeo jaacute visto no art 9deg da LRF424
Para se ter uma ideia dentre os Programas de Trabalho da Uniatildeo previstos na LOA de
2005 cerca de trinta e seis programas ou natildeo foram sequer executados ou tiveram dotaccedilatildeo
inicialmente autorizada inferior a 10 do inicialmente (dentre eles programa de saneamento
ambiental urbano425
e de atenccedilatildeo integral agrave sauacutede da mulher) configurando o que Eacutelida
Graziane Pinto denomina de ldquofrustraccedilatildeo reiterada de agendas orccedilamentaacuterias discutidas
aprovadas em lei mas apenas minimamente executadasrdquo426
A grande parte desses recursos contingenciados satildeo utilizados para assegurar as metas
de superaacutevit primaacuterio e acordos firmados para pagamento da diacutevida puacuteblica vislumbrando-se
desta maneira que o governo federal acaba adotando o contingenciamento como um
mecanismo de poliacutetica econocircmica a partir da priorizaccedilatildeo do pagamento de juros e
amortizaccedilotildees de diacutevidas em detrimento do cumprimento de programas que garantem a
realizaccedilatildeo de inuacutemeros direitos fundamentais
Corroborando com essa visatildeo o Instituto de estudos soacutecio-econocircmicos (INESC)427
em
estudo sobre o tema posicionou-se no sentido de que
() essa necessidade de geraccedilatildeo de superaacutevits primaacuterios maiores ateacute do que
os especificados na LDO e a priorizaccedilatildeo de pagamento de juros da diacutevida em
detrimento da execuccedilatildeo das poliacuteticas sociais tecircm levado o governo a adotar o
contingenciamento preventivo
() as consequecircncias desse contingenciamento preventivo foram observadas
no ano de 2003 quando foram executados R$ 1202 bilhotildees em 19 dias e
em 2004 quando foram executados R$ 900 bilhotildees em apenas 15 dias
sempre no final do exerciacutecio fiscal Todo comeccedilo de ano haacute interrupccedilatildeo na
execuccedilatildeo das poliacuteticas para nos uacuteltimos dias do mecircs de dezembro haver
liberaccedilotildees exorbitantes de recursos
424
MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 381 425
Sobre essa situaccedilatildeo Eduardo Mendonccedila pontua que ldquo o saneamento baacutesico eacute uma necessidade primaacuteria de
sauacutede puacuteblica mas ainda natildeo eacute fornecido agrave parte consideraacutevel das residecircncias brasileiras Nada obstante o
programa correspondente do Ministeacuterio da Sauacutede foi reduzido em cerca de 21 (corte superior a 882 milhotildees de
reais) MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 383 426
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 7 427
Nota Teacutecnica nordm 98 do INESC ndash Contingenciamento necessidade tributaacuteria ou instrumento da poliacutetica
econocircmica 2011 Disponiacutevel em httpwwwinescorgbrbibliotecapublicacoesnotas-tecnicasnts-
anterioresnts-2005NT209820-2020OR_AMENTO20-20CONTIGENCIAMENTOpdfview
Acessado em 12062013
191
A praacutetica do contingenciamento preventivo acaba negando o que faticamente foi
projetado para o orccedilamento como finalidade prioritaacuteria a ser concretizada redesenhando o
orccedilamento puacuteblico jaacute que inexiste motivaccedilatildeo quanto agrave frustraccedilatildeo de receitas e o risco de
afetaccedilatildeo das metas de resultado nominal e primaacuterio conforme o art 9deg da LRF Como
consequecircncias negativas dessa praacutetica podem ser destacadas o prejuiacutezo para a continuidade
das poliacuteticas puacuteblicas a reduccedilatildeo da transparecircncia e a dificuldade se realizar o controle social
desses gastos428
Em suma defende-se que a praacutetica do contingenciamento preventivo eacute
inconstitucional uma vez que acaba possibilitando que a programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria prevista
na LOA seja reprojetada desvirtuando as prioridades delineadas na CF seguidas na
elaboraccedilatildeo do orccedilamento Faz-se necessaacuterio portanto mecanismos eficientes de controle do
desenvolvimento do ciclo orccedilamentaacuterio429
especialmente quanto a possibilidade encampada
no art 9deg LRF de modo a garantir que a discricionariedade necessaacuteria do Poder Puacuteblico no
desenrolar orccedilamentaacuterio natildeo se transforme em arbitrariedade e abusos subversivos da loacutegica
do ciclo orccedilamentaacuterio430
Dito isto entra-se na discussatildeo acerca do controle de constitucionalidade da lei
orccedilamentaacuteria bem como na possibilidade de o Judiciaacuterio controlar e garantir o fiel
cumprimento do orccedilamento e sua adequaccedilatildeo agraves prioridades constitucionais Quanto a
possibilidade de controle de constitucionalidade o STF durante muito tempo encampou a
428
Corroborando Eduardo Mendonccedila expotildee que ldquonatildeo por acaso todos os anos eacute noticiado que o Poder
Executivo decide rever as metas para maior agrave custa do corte nos investimentos previstos Tambeacutem aqui se
verifica a superaccedilatildeo da decisatildeo orccedilamentaacuteria inicial e de forma ainda mais grave (uma autecircntica decisatildeo de natildeo
gastar) As prioridades definidas no processo deliberativo orccedilamentaacuterio ndash que jaacute levara em conta a questatildeo das
metas fiscais ndash satildeo redesenhadas por ato unilateral da Administraccedilatildeo MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de
gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 p 377-378 429
Nessa questatildeo Ricardo Lobo Torres sugere a importaccedilatildeo de certos institutos do direito estrangeiro ao afirmar
por exemplo que ldquoainda falta no direito positivo brasileiro instrumento semelhante ao do mandado de injunccedilatildeo
americano que permita ao Judiciaacuterio vincular o Legislativo na feitura do orccedilamento do ano seguinte em
homenagem a direitos fundamentais sociais (miacutenimo existencial) que necessitam do controle jurisdicional
contramajoritaacuterio tiacutepico dos direito essencialmente constitucionaisrdquo TORRES Ricardo Lobo O miacutenimo
existencial os direitos sociais e os desafios de natureza orccedilamentaacuteria In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM
Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 76 430
Nesse sentido Eduardo Mendonccedila pondera que ldquoum orccedilamento realista e efetivo seraacute antes de tudo um
instrumento de concretizaccedilatildeo e harmonizaccedilatildeo das escolhas poliacuteticas aleacutem de constituir foacuterum privilegiado para a
fiscalizaccedilatildeo social do Estado () Natildeo eacute preciso subordinar a poliacutetica ao direito para reconhecer que a liberdade
de conformaccedilatildeo dos agentes eleitos natildeo se estende ao ponto de lhes conceder a prerrogativa de tomar decisotildees
absolutamente irrealizaacuteveis incoerentes entre si ou mesmo de ocultar as decisotildees reais por meio de um sistema
orccedilamentaacuterio incompreensiacutevel e iloacutegicordquo MENDONCcedilA Eduardo Alguns Pressupostos para um Orccedilamento
Puacuteblico Conforme a Constituiccedilatildeo In BARROSO Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito
puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 640-641
192
orientaccedilatildeo de que como as leis orccedilamentaacuterias seriam lei apenas em sentido formal natildeo seria
possiacutevel o controle abstrato de suas constitucionalidades431
Contudo desde 2003432
foram dados alguns passos em sentido inverso vindo a mudar
a orientaccedilatildeo da Corte em 2008433
quando o STF concluiu pelo cabimento do controle abstrato
de constitucionalidade em relaccedilatildeo agraves leis orccedilamentaacuterias em que pese seu aspecto meramente
formal principalmente quanto a questatildeo da abertura de creacuteditos extraordinaacuterios por medidas
provisoacuterias que deveriam ficar restritos somente agraves hipoacuteteses autorizadas no sect 3deg do art 167
da CF434
A defesa aqui proposta eacute pela inevitabilidade do controle de constitucionalidade da
legislaccedilatildeo orccedilamentaacuteria em decorrecircncia da proacutepria forccedila imperativa da Constituiccedilatildeo visando a
que natildeo somente suas determinaccedilotildees referentes agraves diretrizes orccedilamentaacuterias mas tambeacutem ao
princiacutepio da eficiecircncia agrave dignidade da pessoa humana e agrave priorizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais sejam fielmente seguidas e que a estruturaccedilatildeo tanto da elaboraccedilatildeo quanto da
execuccedilatildeo do orccedilamento fique livre das mazelas (como eacute o caso do corte de verbas em aacutereas
prioritaacuterias frente ao contingenciamento preventivo) que acabam subvertendo os valores
acima dificultando a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais especialmente o direito agrave
sauacutede435
Reforccedilando essa necessidade de controle Ana Paula de Barcellos alerta para o
interessante fato de que enquanto haacute uma acentuada preocupaccedilatildeo em limitar o iacutempeto
arrecadatoacuterio do Estado natildeo existe uma atenccedilatildeo equivalente com o que o Estado faraacute com os
recursos arrecadados destacando-se a seguinte passagem436
431
ADI 2057MC - AP 1999 Rel Min Mauriacutecio Correcirca Publicado em 31032000 p 50 432
ADI 2925- DF 2003 Rel Min Ellen Gracie Publicado em 04032005 p 10 433
ADI 4048 MC - DF 2008 Rel Min Gilmar Mendes Publicado em 21082008 p 55 434
Conforme se extrai do Informativo ndeg 502 do STF ao mencionar a ADI 4048 MCndashDF pode ser destacada a
seguinte passagem ldquo() Aduziu-se ademais natildeo haver razotildees de iacutendole loacutegica ou juriacutedica contra a afericcedilatildeo da
legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas e que estudos e anaacutelises no plano da teoria do
direito apontariam a possibilidade tanto de se formular uma lei de efeito concreto de forma geneacuterica e abstrata
quanto de se apresentar como lei de efeito concreto regulaccedilatildeo abrangente de um complexo mais ou menos amplo
de situaccedilotildees Concluiu-se que em razatildeo disso o Supremo natildeo teria andado bem ao reputar as leis de efeito
concreto como inidocircneas para o controle abstrato de normas ()rdquo (Grifos acrescidos) 435
No que se refere agrave possibilidade de controle concentrado do orccedilamento de se destacar as liccedilotildees de Harrison
Leite no sentido de que ldquoindependente da feiccedilatildeo que queira dar ao orccedilamento o certo eacute que a Constituiccedilatildeo
reconheceu o seu caraacuteter legal dotando-lhe de um ciclo legislativo especial E mais submeteu a sua mateacuteria a
controle jurisdicional na medida em que claramente previu regras de alocaccedilatildeo de recursos vinculantes aos
fautores da lei que natildeo tecircm argumentos para se desobrigarem do mandamento constitucionalrdquo LEITE Harrison
Ferreira O orccedilamento e a possibilidade de controle de Constitucionalidade Revista Tributaacuteria e de Financcedilas
Puacuteblicas v 70 p 162-185 2006 p 172 436
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 16
193
A realidade das despesas puacuteblicas entretanto deveria despertar interesse
semelhante desperdiacutecio e ineficiecircncia prioridades incompatiacuteveis com a
Constituiccedilatildeo precariedade de serviccedilos indispensaacuteveis agrave promoccedilatildeo de
direitos fundamentais baacutesicos como educaccedilatildeo e sauacutede e sua convivecircncia
com vultosos gastos em rubricas como publicidade governamental e
comunicaccedilatildeo social natildeo satildeo propriamente fenocircmenos pontuais e isolados na
Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira (Grifos acrescidos)
O raciociacutenio desta maneira eacute no sentido de que a ideia de legalidade orccedilamentaacuteria natildeo
deve ser encarada como um fim em si mesmo como se fosse um dogma absoluto jaacute que sofre
limitaccedilotildees constitucionais e cede agrave efetividade da Constituiccedilatildeo devendo o orccedilamento assim
natildeo soacute respeitar as regras constitucionais e legais quanto a sua elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo como
tambeacutem guardar similitude com o compromisso do Poder Puacuteblico na concretizaccedilatildeo dos
direitos fundamentais
Nesse sentido haacute uma premente necessidade de se repensar a teoria juriacutedica que
prevalece ateacute hoje no paiacutes acerca do orccedilamento de modo a ser mais recorrente e enfaacutetico o seu
controle com vistas a que sejam cumpridas as metas prioritaacuterias inseridas na Constituiccedilatildeo em
detrimento a situaccedilotildees menos relevantes Sobre este ponto merece destaque a liccedilatildeo de Tecircmis
Limberger437
Passaram-se quase 20 anos para que comeccedilasse a se amadurecer no sentido
de que os direitos sociais fossem relacionados com os dispositivos
orccedilamentaacuterios Eacute o que Canotilho e Moreira denominam de ldquoConstituiccedilatildeo
orccedilamentalrdquo As medidas de gestatildeo orccedilamentaacuteria satildeo importantes quando se
pretende a realizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos Questotildees vitais como sauacutede
educaccedilatildeo seguranccedila e moradia reclamam para sua implementaccedilatildeo
dispecircndios por parte do poder puacuteblico que precisa contar com disposiccedilotildees
orccedilamentaacuterias
623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Quanto agrave questatildeo do controle orccedilamentaacuterio Ana Paula de Barcellos contribui para a
temaacutetica com a apresentaccedilatildeo de alguns paracircmetros relevantes438
O primeiro paracircmetro baacutesico
no controle judicial dos orccedilamentos eacute a fiscalizaccedilatildeo acerca do respeito aos percentuais
miacutenimos de gastos que a CF estabelece para aacutereas prioritaacuterias como eacute o caso da sauacutede sendo
essencial o amplo acesso a informaccedilotildees do ciclo orccedilamentaacuterio o exemplar rigor na aplicaccedilatildeo
437
LIMBERGER Tecircmis Direito agrave sauacutede e poliacuteticas puacuteblicas a necessidade de criteacuterios judiciais a partir dos
preceitos constitucionais In Revista de Direito Administrativo v 251 FGV Rio de Janeiro maiago 2009
p 182 438
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 19-25
194
das consequecircncias quanto o eventual descumprimento dos mesmos bem como a efetivaccedilatildeo do
respeito desses percentuais a partir da realocaccedilatildeo de valores direcionados para aacutereas menos
prioritaacuterias
Em segundo lugar destaca-se a necessidade de se consolidar a partir do texto da CF
um esqueleto do resultado final esperado da atuaccedilatildeo estatal a partir da extraccedilatildeo de efeitos
especiacuteficos que funcionariam como metas concretas a serem atingidas em caraacuteter prioritaacuterio
pelo Pode Puacuteblico ficando outros gastos menos importantes ou natildeo importantes agrave espera do
cumprimento das prioridades
Finalmente aponta para a necessidade de existir um controle da proacutepria definiccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas a serem realizadas ou seja dos meios e instrumentos usados para se
concretizar as metas constitucionais e nesse ponto o princiacutepio da eficiecircncia439
assume papel
relevante como paracircmetro chave de tal controle de modo a respaldar o afastamento de
praacuteticas comprovadamente ineficientes as quais atrapalham a fruiccedilatildeo dos direitos
fundamentais pela sociedade
Importante ressaltar tambeacutem a utilizaccedilatildeo de accedilotildees coletivas com a finalidade de
concretamente acabar empreendendo o controle de constitucionalidade da execuccedilatildeo
orccedilamentaacuteria exigindo o cumprimento da mesma conforme as regras constitucionais Nesse
sentido Cleacutemerson Merlin Cleacuteve aponta que440
Desse modo tratar-se-ia de compelir o Poder Puacuteblico a cumprir a lei
orccedilamentaacuteria que contenha as dotaccedilotildees necessaacuterias (evitando assim os
remanejamentos de recursos para outras finalidades) assim como de obrigar
o Estado a prever na lei orccedilamentaacuteria os recursos necessaacuterios para de forma
progressiva realizar os direitos sociais E aqui eacute preciso desmistificar a ideia
de que o orccedilamento eacute meramente autorizativo Se o orccedilamento eacute programa
sendo programa natildeo pode ser autorizativo O orccedilamento eacute lei que precisa ser
cumprida pelo Executivo
A possibilidade supracitada se concretiza sobretudo mediante o importante papel
desempenhado pelo Ministeacuterio Puacuteblico que atento agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em todos os
seus niacuteveis deve buscar judicialmente tambeacutem o controle concreto do ciclo orccedilamentaacuterio
atraveacutes do importante instrumento da accedilatildeo civil puacuteblica
439
Sobre a importacircncia do princiacutepio da eficiecircncia e o controle da discricionariedade na Administraccedilatildeo Puacuteblica
conferir MORAES Alexandre Princiacutepio da eficiecircncia e a evoluccedilatildeo do controle jurisdicional dos atos
administrativos discricionaacuterios In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Direitos Fundamentais
e Estado Constitucional Estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho Satildeo Paulo Editora Revista dos
Tribunais Coimbra Coimbra Editora 2009 p 417 440
CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais In Revista da
Academia Brasileira de Direito Constitucional v 3 Curitiba 2003 p 299
195
Exemplo interessante dessa atuaccedilatildeo aconteceu no Rio Grande do Norte quando o
Ministeacuterio Puacuteblico daquele Estado ao constatar ausecircncia do repasse de valores para o Fundo
Estadual da Sauacutede previstos no orccedilamento da sauacutede do ano de 2008 bem como
contingenciamento de valores da sauacutede para reserva teacutecnica pleiteou por meio de ACP que
tal situaccedilatildeo fosse revertida com o consequente repasse e o descontingenciamento dos valores
da sauacutede
Ao empreender o exame da referida ACP o Judiciaacuterio levou em conta a jurisprudecircncia
do STF e chamou atenccedilatildeo quanto ao caos da sauacutede puacuteblica no referido estado para apesar de
reconhecer a perda do objeto da accedilatildeo determinar cautelarmente que o Poder Puacuteblico a partir
daquele momento natildeo realizasse qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias
direcionadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem a preacutevia aprovaccedilatildeo do Conselho Estadual de
Sauacutede o que reforccedila o papel desses oacutergatildeos jaacute trabalhado anteriormente estipulando multa em
caso de descumprimento
Alguns trechos relevantes da presente decisatildeo441
merecem ser transcritos
Natildeo obstante a formulaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas dependam de
opccedilotildees poliacuteticas a cargo daqueles que por delegaccedilatildeo popular receberam
investidura em mandato eletivo cumpre reconhecer que natildeo se revela
absoluta nesse domiacutenio a liberdade de liberdade de conformaccedilatildeo do
legislador nem a de atuaccedilatildeo do Poder Executivo A par das consideraccedilotildees
acima considerando o poder geral de cautela deferido ao juiz pelo art 798
do Coacutedigo de Processo Civil e A) agrave evidecircncia da ampla documentaccedilatildeo
acostada a qual demonstra que natildeo soacute em 2008 mas tambeacutem em 2009 e
2010 ocorreram contingenciamentos de verbas do orccedilamento da sauacutede
bem como os repasses a conta-gotas das verbas orccedilamentaacuterias da Sauacutede as
quais ultima ratio tolheram (e tolhem) a efetiva aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
orccedilamentaacuteria dos recursos vinculados a accedilotildees e serviccedilo de sauacutede B) que
com tal conduta a Administraccedilatildeo tem descumprido os preceitos do art 198
I e II da Constituiccedilatildeo art 77 da ADCT com redaccedilatildeo dada pela Emenda
292000 e ainda escamoteia a interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos art 33 e
34 da Lei 808090 C) que aleacutem de notoacuterio conforme diuturnamente
veiculado na imprensa o caos na sauacutede puacuteblica estadual resta evidenciada
pela prova documental a situaccedilatildeo emergencial de desabastecimento dos
hospitais da rede estadual Por tudo isto entendo ser hipoacutetese de
intervenccedilatildeo excepcional do Judiciaacuterio no trato e execuccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede () CAUTELARMENTE determino ao Estado do RN
em especial ao Sr Secretaacuterio Estadual de Planejamento que doravante 1deg)
NAtildeO PROCEDA qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias
destinadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem preacutevia anuecircncia escrita do
Conselho Estadual de Sauacutede deliberada pelo respectivo colegiado sob pena
de multa no valor de R$ 5000000 (cinquenta mil reais) aplicada
pessoalmente contra o Secretaacuterio de Planejamento por cada
contingenciamento que ocorra em desobediecircncia a presente decisatildeo 2)
441
ACP ndeg 0035742-762008200001 Juiz de Direito Airton Pinheiro 5deg Vara da Fazenda Puacuteblica de Natal-RN
Publicado em 07022011
196
que o Sr Secretaacuterio de Planejamento ateacute o 20 dia do mecircs subsequente a
cada mecircs vencido PROCEDA em favor do Fundo Estadual da Sauacutede o
repasse integral das verbas orccedilamentaacuterias vinculadas agraves accedilotildees e serviccedilos de
Sauacutede em valor natildeo inferior ao equivalente a 112 (um doze avos) do
orccedilamento previsto para a pasta da Sauacuted ()rdquo (Grifos acrescidos)
Corroborando com a demonstraccedilatildeo da repercussatildeo negativa que os analisados
problemas orccedilamentaacuterios acarretam ao direito agrave sauacutede tem-se que no contexto brasileiro natildeo
satildeo raros os casos em que cortes no orccedilamento puacuteblico terminam prejudicando diretamente o
andamento de poliacuteticas puacuteblicas ligadas a esse prioritaacuterio direito fundamental Reforccedilando o
ponto de vista jaacute afirmado natildeo se pode admitir que o respeito aos percentuais miacutenimos
estabelecidos na CF seja por si soacute suficiente para que o Estado se desvincule do seu perene
dever de garantir a sauacutede sendo inafastaacutevel a conclusatildeo de que a praacutetica de cortes de gastos
direcionados agrave sauacutede ainda que se continue respeitando o miacutenimo de aporte financeiro
estabelecido constitucionalmente eacute flagrantemente inconstitucional ainda mais quando os
valores satildeo direcionados para aacutereas natildeo prioritaacuterias
No ano de 2012 por exemplo houve um corte de R$ 55 bilhotildees no orccedilamento geral da
Uniatildeo que acarretou no contingenciamento de recursos do Ministeacuterio da Sauacutede (na casa de R$
54 bilhotildees) Tal situaccedilatildeo gerou indignaccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede que teceu fortes
criacuteticas ao governo em carta aberta agrave presidenta Dilma Roussef destacando-se os seguintes
trechos442
A equipe econocircmica do governo federal propotildee agora um
contingenciamento da ordem de R$ 54 bilhotildees no jaacute restrito orccedilamento do
Ministeacuterio da Sauacutede O mais curioso eacute o argumento de que o
contingenciamento visa a favorecer o crescimento econocircmico do paiacutes Ora a
sauacutede eacute um importante setor econocircmico representando cerca de 9 do PIB
[Produto Interno Bruto] e muito tem contribuiacutedo para o desenvolvimento
nacional ao movimentar um potente mercado de bens e serviccedilos e a
assegurar milhotildees de empregos
() O que mais provoca indignaccedilatildeo na proposiccedilatildeo do contingenciamento
dos recursos da sauacutede eacute a verificaccedilatildeo de que a LOA 2012 [Lei
Orccedilamentaacuteria Anual] prevecirc destinar R$ 655 bilhotildees ou 30 do Orccedilamento
federal de 2012 ao refinanciamento e ao pagamento de juros e amortizaccedilotildees
da diacutevida puacuteblica mais de nove vezes o valor previsto para a sauacutede (Grifos
acrescidos)
Frente a todo o exposto conclui-se que a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio e a partir da
provocaccedilatildeo sobretudo do Ministeacuterio Puacuteblico eacute muito importante em todas as fases das accedilotildees
estatais trilhadas para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e estaacute calcada na busca pelo
442
O referido documento pode ser conferido na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico
httpconselhosaudegovbrultimas_noticias2012docs17_fev_ASSEGURAR_RECURSOS_LOA_20PARA
_SAUDEpdf
197
respeito agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e aos valores por ela norteados o que termina superando
qualquer argumento contraacuterio ligado agrave separaccedilatildeo dos poderes ou ao respeito da estrita
legalidade orccedilamentaacuteria443
Ocorre que o Judiciaacuterio natildeo deve ser sobrecarregado como a uacutenica esperanccedila possiacutevel
para o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede devendo ser criadas condiccedilotildees para um
efetivo controle social e nesse ponto complementando o jaacute relevante papel dos Conselhos de
Sauacutede podem ser destacadas medidas como o orccedilamento participativo e a atuaccedilatildeo direta da
populaccedilatildeo por meio de manifestaccedilotildees populares e ateacute mesmo atraveacutes da iniciativa popular na
busca pela melhor garantia do direito agrave sauacutede444
Em linhas gerais os orccedilamentos participativos satildeo modelos em que a proacutepria
comunidade participa conjuntamente com o pode puacuteblico na elaboraccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio
e as experiecircncias brasileiras (as quais satildeo restritas ao acircmbito municipal) apesar de denotarem
certa ausecircncia de uniformidade na formataccedilatildeo de tais processos apontam para benefiacutecios
relevantes para a eficiecircncia e cumprimento da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria445
O principal exemplo ocorreu em Porto Alegre onde desde 1989 implementou-se o
orccedilamento participativo possibilitando um amplo acesso da populaccedilatildeo agrave tomada de decisotildees
orccedilamentaacuterias que geraram novas prioridades agrave gestatildeo de recursos da cidade constatando-se
443
Nesse sentido aponta Marcelo Harger que ldquoas metas valores e procedimentos devem ser concomitantemente
observados para que uma poliacutetica puacuteblica possa ser considerada constitucional Natildeo se pode com o objetivo de
assegurar o desenvolvimento nacional ofender a dignidade da pessoa humana ou acabar com o pluralismo
poliacuteticordquo HARGER Marcelo Os princiacutepios constitucionais e o controle das poliacuteticas puacuteblicas pelo Poder
Judiciaacuterio In CRUZ Paulo Maacutercio GOMES Rogeacuterio Zuel (coords) Princiacutepios Constitucionais e Direitos
Fundamentais Curitiba Juruaacute 2008 p 136 444
Para Eduardo Mendonccedila ldquoa modificaccedilatildeo desse sistema jaacute produziria consideraacutevel avanccedilo institucional
inclusive elevando o niacutevel da discussatildeo poliacutetica travada no paiacutes Um sistema orccedilamentaacuterio racional e
verdadeiramente transparente seria um instrumento a serviccedilo dos trecircs Poderes notadamente do Legislativo e do
Executivo encarregados das decisotildees discricionaacuterias O proacuteprio Judiciaacuterio teria agrave disposiccedilatildeo um diagnoacutestico
mais preciso das poliacuteticas puacuteblicas Mem curso que poderaacute recomendar um maior ou menor ativismo
Adicionalmente o controle social ficaria potencializado uma vez que um conjunto importante de decisotildees
poliacuteticas ganharia concreccedilatildeo ao ingressar no orccedilamento MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao
dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM
Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 380 445
Contribuindo para essa visatildeo pode ser destacado o seguinte trecho esposado pela 4deg Cacircmara Ciacutevel do TJPR
relatoria do Des Abraham Lincoln Calixto no julgamento do Mandado de Seguranccedila ndeg 476084-9 em
24 06 08 ldquo() III Se por um lado eacute correto reconhecer que o dinheiro puacuteblico eacute limitado e deve ser gasto de
forma adequada e racionalizada por outro tambeacutem eacute certo dizer que a razatildeo de ser do Estado eacute atender os
direitos fundamentais do Homem de forma a resguardar-lhe um miacutenimo de dignidade IV O Estado tem o dever
de proteger e garantir um miacutenimo existencial agrave populaccedilatildeo devendo adotar mecanismos de gestatildeo democraacutetica
do orccedilamento puacuteblico como forma de assegurar os direitos fundamentais como a sauacutede e a proacutepria vidardquo
(Grifos acrescidos)
198
melhorias no acesso a aacutegua potaacutevel no sistema de esgoto e no nuacutemero de matriacuteculas de
crianccedilas nas escolas446
Ocorre que apesar de significar um importante mecanismo de revitalizaccedilatildeo da
cidadania e construccedilatildeo de uma esfera puacuteblica no Brasil o exame da realidade conjuntural da
totalidade das experiecircncias de orccedilamento participativo demonstra que grande parte dos
problemas estruturais encontrados no acircmbito dos Conselhos de Sauacutede satildeo aqui repetidos jaacute
que o sucesso dessa gestatildeo participativa no orccedilamento depende exatamente do niacutevel de poder
que eacute compartilhado para a populaccedilatildeo o que nem sempre atinge os niacuteveis ideais para uma
necessaacuteria mudanccedila447
Devem ser buscadas portanto medidas concretas que venham a potencializar o uso do
instrumento do orccedilamento participativo448
e a consequente construccedilatildeo de espaccedilos
deliberativos a comeccedilar pela regulamentaccedilatildeo e uniformizaccedilatildeo do mesmo como procedimento
obrigatoacuterio no ciclo orccedilamentaacuterio em acircmbito local em todo paiacutes bem como pela previsatildeo de
intercacircmbios institucionais de tais espaccedilos com os Conselhos de Sauacutede visando a melhor
compatibilizaccedilatildeo do orccedilamento local com as prioridades inerentes agrave sauacutede puacuteblica da regiatildeo
Da mesma maneira vislumbra-se no contexto hodierno brasileiro um positivo quadro
de crescente participaccedilatildeo popular atraveacutes de manifestaccedilotildees que oxigenando a democracia
representativa449
tendem a pressionar o Poder Puacuteblico por mudanccedilas em prol da
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mais imprescindiacuteveis e acabam norteando a
populaccedilatildeo para sua importante funccedilatildeo no manejo de proposiccedilotildees legislativas Tais
consequecircncias com relaccedilatildeo agrave sauacutede pocircde ter sido vislumbrada por exemplo pela
aceleraccedilatildeo450
da aprovaccedilatildeo de programas do Governo Federal (como eacute o caso do ldquoMais
446
KLIKSBERG Bernardo Como por em praacutetica a participaccedilatildeo Algumas questotildees estrateacutegicas In Gestatildeo
puacuteblica e participaccedilatildeo Salvador Fundaccedilatildeo Luiacutes Eduardo Magalhatildees 2005 p 74 447
AZEVEDO FERES Anaximandro Lourenccedilo REISSINGER Simone amp ARAUacuteJO Marinella Machado
Conselhos Municipais de Sauacutede e a construccedilatildeo dialoacutegica do orccedilamento puacuteblico p 14 Disponiacutevel em
httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaiscamposanaximandro_simone_marinella_araujopdf Acesso
em 21062013 448
Euzineia Carlos destaca que ldquo() a natildeo partilha do processo decisoacuterio entre o poder puacuteblico e cidadatildeo
interessado confere ao orccedilamento participativo uma descaracterizaccedilatildeo de seu potencial sentido poliacutetico e
emancipador consubstanciando-se em um vazio comunicacional dado pela inexistecircncia de interaccedilotildees sociais
cooperativas na formaccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo coletiva e na definiccedilatildeo do bem puacuteblicordquo CARLOS Euzineia
Orccedilamento participativo em Vitoacuteria sob o signo de diferentes visotildees ideoloacutegico-normativas In Participaccedilatildeo
Social na Gestatildeo Puacuteblica Olhares sobre as Experiecircncias de Vitoacuteria-ES Marta Zorzal e Silva (org) Satildeo
Paulo Annablume 2009 p 230 449
MARTINS Leonardo Manifestaccedilotildees populares entre normalidade democraacutetica e insurreiccedilatildeo
Disponiacutevel em httpwwwcartaforensecombrconteudoartigosmanifestacoes-populares-entre-normalidade-
democratica-e-insurreicao11502 Acessado em 03072013 450
Corroborando conferir a presente notiacutecia httpglobotvglobocomrede-globojornal-nacionalvcongresso-
nacional-acelera-votacao-de-projetos-cobrados-por-manifestacoes2657714 Acessado em 27062013
199
Meacutedicosrdquo451
) pelo anuacutencio de uma seacuterie de investimentos para a situaccedilatildeo da sauacutede municipal
bem como destinaccedilatildeo de recursos dos royalties do petroacuteleo para a sauacutede e educaccedilatildeo452
e
finalmente pela potencializaccedilatildeo gerada no andamento de programas de iniciativa popular
como eacute o caso do Movimento Sauacutede + 10 jaacute tratado anteriormente
Constata-se assim que para se alcanccedilar uma maior concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute
primordial a implementaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo conjunto ndash que abranja desde o controle da
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico ateacute a avaliaccedilatildeo do cumprimento das metas das
poliacuteticas puacuteblicas que reflita o exato grau de priorizaccedilatildeo constitucional conferido este
relevante bem ndash em que o Judiciaacuterio atua auxiliado tanto pela provocaccedilatildeo do Ministeacuterio
Puacuteblico especialmente na acepccedilatildeo coletiva como principalmente pela atuaccedilatildeo da
populaccedilatildeo453
que de forma organizada deve buscar as mudanccedilas necessaacuterias pelos meios
juridicamente cabiacuteveis a partir de uma ampla participaccedilatildeo
451
Aprovado pela Medida Provisoacuteria nordm 621 de 8 de Julho de 2013 452
Nesse sentido conferir httpwwwestadaocombrnoticiasvidaedilma-diz-que-investira-r-55-bi-para-
ampliar-infraestrutura-do-sus10519850htm e httpwwwestadaocombrnoticiasnacionaldilma-aceita-
divisao-de-royalties-entre-educacao-e-saude10495370htm Acessados em 05072013 453
Reforccedila essa ideia a observaccedilatildeo de Paulo Bonavides de que ldquo() na escalada da legitimidade constitucional
o seacuteculo XIX foi o seacuteculo do legislador o seacuteculo XX o seacuteculo do juiz e da justiccedila constitucional universalizada
enquanto o seacuteculo XXI estaacute fadado a ser o seacuteculo do cidadatildeo governante do cidadatildeo povo do cidadatildeo soberano
do cidadatildeo sujeito de direito internacional conforme jaacute consta da jurisprudecircncia do direito das gentes Ou ainda
do cidadatildeo titular de direitos fundamentais de todas as dimensotildees seacuteculo por fim que haacute de presenciar nos
ordenamentos poliacuteticos do Terceiro Mundo o ocaso do atual modelo de representaccedilatildeo e de partidos Eacute o fim que
aguarda as formas representativas decadentes Mas eacute tambeacutem a alvorada que faz nascer o sol da democracia
participativa nas regiotildees da periferiardquo BONAVIDES Paulo Constitucionalismo social e democracia
participativa In Congresso Internacional de Derecho Constitucional do Instituto de Investigaciones
Juridicas ndashUNAM p 17 Disponiacutevel em httpwwwjuridicasunammxsisjurconstitpdf6-234spdf
Acessado em 15062012
200
7 CONCLUSAtildeO
Somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede recebeu tratamento de
direito fundamental social fato alcanccedilado sobretudo pelo importante papel do Movimento
em favor da Reforma Sanitaacuteria nascente durante o processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e
consequente superaccedilatildeo do regime militar
A acolhida do direito agrave sauacutede no seio constitucional como autecircntico direito
fundamental natildeo significou contudo apenas uma previsatildeo meramente formal mas sim
denotou a ascendecircncia do mesmo como uma das prioridades sociais do Estado Constitucional
Democraacutetico que estava nascendo
Tal priorizaccedilatildeo eacute expressa por uma seacuterie de fatores Em primeiro lugar a estruturaccedilatildeo
do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio tem o condatildeo de qualificaacute-lo como um autecircntico
direito de cidadania e direito humano de caraacuteter polifaceacutetico jaacute que caminha pelas trecircs
chamadas ldquodimensotildees de direitos fundamentaisrdquo sendo a um soacute tempo alicerce chave do
direito agrave vida direito social e de fruiccedilatildeo transindividual
Da mesma maneira o direito agrave sauacutede pode ser qualificado como um direito
impreteriacutevel quando comparado aos demais direitos sociais pois sua perfeita garantia para
com o cidadatildeo tem o poder natildeo soacute de corrigir um problema cliacutenico no caso concreto mas
tambeacutem invariavelmente proporcionar ao mesmo a aptidatildeo elementar necessaacuteria para o pleno
usufruto dos demais direitos sociais atributo que natildeo eacute enxergado de maneira tatildeo
determinante nos demais direitos arrolados no art 6deg da CF de 1988
Noutro poacutertico diferentemente por exemplo do que ocorre com o tambeacutem relevante
direito agrave educaccedilatildeo (direito social em que para cada indiviacuteduo o Estado encerra seu dever
constitucional ao disponibilizar os trecircs niacuteveis constitucionais de atenccedilatildeo) tem-se que o
comportamento do Poder Puacuteblico na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute marcado por uma situaccedilatildeo
de perene e renovaacutevel deacutebito para com o cidadatildeo jaacute que todas as vezes em que este necessitar
de um serviccedilo de sauacutede inserido numa poliacutetica puacuteblica surge para o Estado o dever de
disponibilizaacute-lo sem caber a alegaccedilatildeo de que o mesmo jaacute se encontra quite com aquele
cidadatildeo
Tais caracteriacutesticas somadas agrave iacutentima ligaccedilatildeo do direito agrave sauacutede com o direito agrave vida agrave
integridade fiacutesica e agrave dignidade da pessoa humana acarretam no destacamento de tal direito
para um primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais situaccedilatildeo que eacute refletida no
tratamento notadamente especial conferido ao mesmo na CF de 1988 marcado dentre outras
caracteriacutesticas pelo expresso direcionamento de parte da receita de impostos para a sauacutede
201
com a estipulaccedilatildeo de percentuais miacutenimos a serem cumpridos pelo enquadramento das accedilotildees
e serviccedilos de sauacutede como sendo de relevacircncia puacuteblica e pela previsatildeo da direta participaccedilatildeo da
comunidade na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ordenadas para o direito em tela
Em que pese este notaacutevel avanccedilo constata-se na conjuntura da adulta CF de 1988 a
realidade do quadro de sauacutede puacuteblica no paiacutes retrata que infelizmente o niacutevel de
concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a este direito natildeo eacute congruente com sua priorizaccedilatildeo
arquitetada constitucionalmente o que denota a necessidade de se corrigir tal desarmonia
Os principais atores nessa tarefa corretiva satildeo sem duacutevida os Poderes Executivo e
Legislativo dos quais se espera que no acircmbito de atribuiccedilotildees de cada um sejam
empreendidas accedilotildees que visem aos ajustes necessaacuterios mediante sobretudo a elaboraccedilatildeo de
leis que aprimorem a estruturaccedilatildeo do SUS e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que
realizem o amparo agrave sauacutede com mais eficiecircncia e transparecircncia
Ocorre que a atuaccedilatildeo exclusiva de tais poderes na funccedilatildeo de agentes corretores do
baixo grau de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede configura-se uma medida insuficiente jaacute que o
problema a ser corrigido eacute gerado justamente pela siacutendrome da ineficiecircncia constatada na
atuaccedilatildeo dos mesmos Daiacute se concluir ser inoacutecuo e conflitante com os ideais de um Estado
Democraacutetico Constitucional simplesmente aguardar de que tais poderes corrijam sozinhos os
recorrentes erros vivenciados no planejamento da sauacutede puacuteblica paacutetria e por eles proacuteprios
ocasionados (erros estes que subvertem os valores constitucionais idealizados para a sauacutede)
Desponta nesse contexto o relevante papel de novos atores na missatildeo de se fazer
valer quanto ao direito agrave sauacutede o previsto natildeo soacute na Constituiccedilatildeo Federal mas tambeacutem na
legislaccedilatildeo sobre o tema (especialmente na intitulada ldquoLei do SUSrdquo) e nos atos infralegais que
especificam a estruturaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas em vigor no paiacutes (sobretudo as diversas
portarias do Ministeacuterio da Sauacutede na temaacutetica)
Este novo cenaacuterio portanto centrado na noccedilatildeo de Jurisdiccedilatildeo Constitucional iacutensita ao
modelo neoconstitucional vigente eacute marcado pelo predomiacutenio da ideia de que a efetivaccedilatildeo
dos direitos fundamentais natildeo se encontra mais restrita exclusivamente agrave atuaccedilatildeo do
Executivo e do Legislativo destacando-se dentre os referidos novos atores o relevante papel
do Poder Judiciaacuterio no acircmbito da sindicabilidade dos direitos fundamentais cujas principais
criacuteticas quanto a sua atuaccedilatildeo satildeo superadas pelo despontamento da acepccedilatildeo material de
democracia e pela releitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes
Nesse raciociacutenio a democracia deixa de ser enxergada como simples sinocircnimo de
aplicaccedilatildeo da regra majoritaacuteria (acepccedilatildeo formal) frente agrave exigecircncia de os poderes constituiacutedos
primordialmente respeitarem e realizarem os direitos fundamentais dos cidadatildeos como forma
202
de alcanccedilar o perfeito funcionamento do processo deliberativo democraacutetico (acepccedilatildeo
material)
A Separaccedilatildeo dos Poderes por sua vez passa a conviver com um controle inerente agrave
noccedilatildeo de ldquofreios e contrapesosrdquo norteado pela centralidade da Constituiccedilatildeo e prevalecircncia dos
direitos fundamentais consistindo portanto em tarefa idocircnea a atuaccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais desde que fundamentada e limitada pela sistemaacutetica
valorativa da CF de 1988 significando desta forma natildeo uma absorccedilatildeo do sistema poliacutetico
pelo juriacutedico mas sim uma legiacutetima limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo com vistas a se fazer
valer os anseios constitucionais
Desta maneira o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas
envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a
accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais sobre o tema
desconfigurem o desenho protetivo de tal direito no ordenamento paacutetrio e terminem o
afrontando
Contudo eacute preciso se ter muito cuidado com a questatildeo da definiccedilatildeo dos limites dessa
atuaccedilatildeo judicial visto que quando esta tarefa eacute realizada de forma desenfreada e indefinida
surgem invariavelmente anacrocircnicos efeitos colaterais que potencialmente tendem a
afrontar ideais de igualdade e seguranccedila juriacutedica destacando-se nesse contexto a importacircncia
de se buscar paracircmetros objetivos aptos a respaldar uma limitaccedilatildeo harmocircnica com a
Constituiccedilatildeo
Nesse iacutenterim a saiacuteda para esta celeuma dentre outras medidas tem como medida
primordial a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede (a ser
buscado preferencialmente mediante demandas coletivas) o qual por envolver um conjunto
de prestaccedilotildees que o Estado natildeo pode se furtar a disponibilizar sob pena de afronta ao
Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana acaba preponderando como regra com relaccedilatildeo ao
argumento estatal da reserva do possiacutevel aleacutem de emprestar maior seguranccedila e uniformidade
aos magistrados na hora de decidir demandas nessa temaacutetica
Por assumirem uma posiccedilatildeo prioritaacuteria no desenho constitucionalmente esboccedilado para
o direito agrave sauacutede podem ser identificados como elementos materiais do miacutenimo existencial
em sauacutede o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva as accedilotildees de
prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas e o saneamento baacutesico
Sob o prisma da coerecircncia loacutegica do sistema uacutenico arquitetado para o direito agrave sauacutede
na CF de 1988 faz-se relevante o acoplamento de um componente instrumental a estes
elementos materiais traduzido no respeito e garantia pelo Poder Puacuteblico da previsatildeo de
203
infraestrutura miacutenima a ser aparelhada para os serviccedilos de sauacutede abarcados nas poliacuteticas por
ele elaboradas englobando pois a necessidade de disponibilizaccedilatildeo do nuacutemero miacutenimo
necessaacuterio de hospitais eficientemente estruturados pessoal qualificado e equipamentos
suficientes para a realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer sob pena de se
mergulhar em um quadro de insinceridade suscetiacutevel de frustrar os cidadatildeos de determinada
localidade
Nesse sentido tem-se que a estruturaccedilatildeo miacutenima do SUS eacute parte integrante basilar do
miacutenimo existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse
ponto baacutesico jaacute que se a proacutepria CF de 1988 delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se
materializa a partir de poliacuteticas que visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos
para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) eacute iloacutegico e incoerente imaginar a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede (e especialmente do seu miacutenimo existencial) sem o respeito agrave
miacutenima estruturaccedilatildeo necessaacuteria
Quando as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de
afericcedilatildeo de sua proacutepria eficiecircncia que se baseiam em estimativas e metas acerca do que
minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente apta a atingir seus
objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de
leitos para cada nuacutemero bdquoy‟ de habitantes) que se inclui neste elemento instrumental sendo de
suma relevacircncia o conhecimento e divulgaccedilatildeo das diversas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
que delimitam as poliacuteticas em sauacutede existentes destacando-se a Portaria MS nordm 11012002
que estabelece os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do SUS os quais
representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias aptas a
orientar os gestores nos trecircs niacuteveis de governo
Defende-se assim que o processo de amadurecimento da judicializaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede seja incrustado por uma cultura de se valorizar uma argumentaccedilatildeo juriacutedica que leve em
consideraccedilatildeo a proacutepria estrutura e funcionamento do SUS analisando-se as metas e
paracircmetros estabelecidos nos planos de sauacutede das trecircs esferas federativas de modo a
identificar as possiacuteveis omissotildees estatais com relaccedilatildeo ao que minimamente o Poder Puacuteblico se
prontificou previamente a oferecer com relaccedilatildeo a este importante direito
Nesse sentido faz-se imperiosa uma maior divulgaccedilatildeo dos paracircmetros traccedilados nas
poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede os quais aleacutem de mais facilmente acessiacuteveis devem ser
simplificados no intuito de a noccedilatildeo exata dos mesmos fazer parte do cotidiano tanto da
populaccedilatildeo que poderaacute participar de maneira mais eficiente nas Conferecircncias de Sauacutede e nos
demais canais de deliberaccedilatildeo quanto do Judiciaacuterio que ao enfrentar os complexos pleitos em
204
sauacutede poderaacute com maior tranquilidade fundamentar suas decisotildees a partir de criteacuterios mais
concretos e objetivos
Com efeito destaca-se como medida apta a garantir a consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio
familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede abrangidas no acircmbito da
regulamentaccedilatildeo do SUS a formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar constituiacutedas
tanto por profissionais de sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS
incumbidas de prestar assistecircncia aos magistrados com relaccedilatildeo sobretudo agraves demandas que
envolvem a correccedilatildeo do deacuteficit de leitos hospitalares de medicamentos e de equipe meacutedica
Na mesma linha destaca-se a possibilidade de serem criadas varas especializadas no
julgamento de accedilotildees que envolvam pleitos na aacuterea de sauacutede puacuteblica de modo a proporcionar
uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito fundamental pelo
Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a igualdade de tratamento entre
os usuaacuterios
Ocorre contudo que o Poder Judiciaacuterio natildeo se encontra sozinho na tarefa de garantir a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede No que tange agrave participaccedilatildeo popular nessa tarefa destaca-se a
singular funccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como autecircnticos canais para que a sociedade dite o
ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede e materialize a noccedilatildeo de sauacutede como
elemento intriacutenseco agrave democracia concretizando desta forma a diretriz constitucional do
SUS de participaccedilatildeo da comunidade
Sobre este ponto defende-se que a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si
soacute natildeo constitui garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual
somente poderaacute ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados
na organizaccedilatildeo dos Conselhos como eacute o caso da burocratizaccedilatildeo dos procedimentos do
corporativismo da partidarizaccedilatildeo e notadamente da clara falta de representatividade
ocasionada pelo fraco comprometimento do Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos
um niacutevel equitativo de capacidade tanto de elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo agrave
agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem seguidas
Faz-se necessaacuteria portanto a fiscalizaccedilatildeo mais enfaacutetica do Ministeacuterio Puacuteblico com
vistas a buscar judicialmente a garantia e respeito do fiel cumprimento das previsotildees
constantes na Resoluccedilatildeo nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 que tratam
da mateacuteria de modo a ser garantida a eficiecircncia destes importantes espaccedilos e em uacuteltima
instacircncia ser efetivamente observada a diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da
comunidade
205
Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consiste na necessidade de
que o caraacuteter prioritaacuterio e impreteriacutevel desse direito seja observado durante a fase de
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico
Como a realizaccedilatildeo do vieacutes prestacional do direito agrave sauacutede eacute assegurada pelo montante
de recursos em sua promoccedilatildeo e garantia indubitavelmente o orccedilamento puacuteblico assume um
papel chave em sua concretizaccedilatildeo devendo este portanto natildeo apenas respeitar o aporte de
valores miacutenimos previstos para a sauacutede mas tambeacutem consolidar a priorizaccedilatildeo tracejada na
CF de 1988 com relaccedilatildeo a este direito bem como quanto aos demais direitos fundamentais
Desponta assim a defesa de que a indicaccedilatildeo dos itens incluiacutedos no planejamento
orccedilamentaacuterio (como sauacutede seguranccedila educaccedilatildeo lazer cultura propaganda institucional
serviccedilos da diacutevida dentre outros) deve seguir um escalonamento ao serem rubricados nos
orccedilamentos puacuteblicos que se harmonize e espelhe a priorizaccedilatildeo constitucional dos mesmos
(pode-se falar aqui em Constituiccedilatildeo Orccedilamental) sob pena de subverter a proacutepria vontade
constitucional
Desta maneira a realidade constatada no planejamento de diversos orccedilamentos
puacuteblicos pelo paiacutes em que se vislumbra o direcionamento de verbas para divertimentos
populares manutenccedilatildeo de regalias ultrapassadas para membros do Legislativo diaacuterias de
servidores e propaganda de governo em maior escala do que para aacutereas de gritante prioridade
como sauacutede educaccedilatildeo e seguranccedila puacuteblica consiste em claro aviltamento da dignidade da
pessoa humana e da prevalecircncia dos direitos fundamentais arquitetados na CF de 1988
Inevitaacutevel defender-se portanto que este desvirtuamento ao alccedilar o orccedilamento
puacuteblico agrave condiccedilatildeo de autecircntica arma de faacutecil manuseio apta a subverter as prioridades
constitucionalmente prestigiadas deve ser imediatamente corrigido seja atraveacutes da
modificaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo passando esta a prever expressamente a impossibilidade
de tais situaccedilotildees ou do arcabouccedilo legislativo que dita o ciclo orccedilamentaacuterio no paiacutes
(notadamente a denominada LRF)
Da mesma maneira enxerga-se como de suma relevacircncia o papel do Ministeacuterio
Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo de tais ocasiotildees o qual pela via coletiva pode provocar o Judiciaacuterio a
corrigir tais distorccedilotildees e promover a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido
de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a
destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade
Nessa linha de raciociacutenio frente agrave defendida primazia do direito agrave sauacutede dentre os
direitos sociais o desenvolvimento dessa nova cultura deve ser alicerccedilado na priorizaccedilatildeo
deste impreteriacutevel direito fundamental durante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria de modo
206
a que natildeo apenas os percentuais miacutenimos especificados para tal direito sejam respeitados
mas sim o aparato principioloacutegico que irradia a proteccedilatildeo da sauacutede na CF de 1988 tenha
reflexos anaacutelogos no proacuteprio orccedilamento puacuteblico de modo a evitar que o aporte de recursos
para a sauacutede seja menor que aacutereas menos prioritaacuterias como propaganda puacuteblica diaacuterias de
servidores shows para a populaccedilatildeo etc
Reforccedilando a ideia acima se no plano abstrato essas situaccedilotildees subversoras do
prioritaacuterio posicionamento do direito agrave sauacutede traccedilado na Constituiccedilatildeo geram um sentimento de
revolta agrave coletividade o que dizer agora no plano concreto e individual do cidadatildeo que
aguarda haacute meses um atendimento baacutesico no acircmbito do SUS e eacute surpreendido com uma
propaganda institucional em sua TV que expotildee um quadro de perfeiccedilatildeo da sauacutede puacuteblica
apontando melhorias que o mesmo nunca viu ou usufruiu ou ateacute mesmo com uma
divulgaccedilatildeo da realizaccedilatildeo de um show ou construccedilatildeo de um estaacutedio de futebol a ser ldquobancadordquo
com o dinheiro puacuteblico
A resposta para a indagaccedilatildeo acima natildeo eacute outra senatildeo a de que tal cidadatildeo se sentiraacute
indignado devendo esta sensaccedilatildeo por aviltar natildeo soacute sua dignidade mas tambeacutem a de toda
coletividade ser corrigida com urgecircncia atraveacutes da atribuiccedilatildeo do papel de buacutessola do ciclo
orccedilamentaacuterio agrave Constituiccedilatildeo e do aperfeiccediloamento de praacuteticas democraacuteticas como o
orccedilamento participativo e o maior envolvimento popular na defesa do tema
Desta forma conclui-se que o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que
pese primordialmente depender da tarefa desempenhada pelos Poderes Executivo e
Legislativo necessita frente agrave realidade da sauacutede puacuteblica do paiacutes de um plano de accedilatildeo
conjunto que deve aleacutem de ter como ponto de partida a elaboraccedilatildeo de um orccedilamento puacuteblico
consentacircneo com as prioridades constitucionais contar com a atuaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio
familiarizado com as especificaccedilotildees das poliacuteticas sanitaacuterias vigentes e amparado de um lado
pelo apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na defesa coletiva da sauacutede e de outro pela maior
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo com vistas a fazer valer a integral proteccedilatildeo constitucional
conferida a este singular impreteriacutevel e mais relevante direito social
207
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_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de
1937)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de
1946)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1967
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988
_______ Decreto nordm 591 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional
sobre Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Promulgaccedilatildeo
_______ Decreto nordm 592 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Poliacuteticos Promulgaccedilatildeo
_______ Decreto nordm 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei no 8080 de 19 de
setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS o
planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras
providecircncias
_______ Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 Dispotildee sobre as condiccedilotildees para a
promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo e o funcionamento dos serviccedilos
correspondentes e daacute outras providecircncias
_______ Lei nordm 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispotildee sobre a participaccedilatildeo da
comunidade na gestatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e sobre as transferecircncias
intergovernamentais de recursos financeiros na aacuterea da sauacutede e daacute outras providecircncias
221
_______ Lei nordm 12401 de 28 de abril de 2011 Altera a Lei no 8080 de 19 de setembro de
1990 para dispor sobre a assistecircncia terapecircutica e a incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede no
acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS
_______ Lei Complementar nordm 101 de 04 de maio de 2000 Estabelece normas de financcedilas
puacuteblicas voltadas para a responsabilidade na gestatildeo fiscal e daacute outras providecircncias
_______ Lei Complementar nordm 141 de 13 de janeiro de 2012 Regulamenta o sect 3o do art
198 da Constituiccedilatildeo Federal para dispor sobre os valores miacutenimos a serem aplicados
anualmente pela Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos
de sauacutede estabelece os criteacuterios de rateio dos recursos de transferecircncias para a sauacutede e as
normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas 3 (trecircs) esferas de
governo revoga dispositivos das Leis nos 8080 de 19 de setembro de 1990 e 8689 de 27
de julho de 1993 e daacute outras providecircncias
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 533 de 28 de marccedilo de 2012 Estabelece o elenco
de medicamentos e insumos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 841 de 02 de maio de 2012 Publica a Relaccedilatildeo
Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede (RENASES) no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) e daacute outras providecircncias
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 2395 de 13 de outubro de 2011 Organiza o
Componente Hospitalar da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do Sistema Uacutenico de
Sauacutede
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 4279 de 30 de dezembro de 2010 Estabelece
diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede no acircmbito do Sistema Uacutenico de
Sauacutede (SUS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 399 de 22 de fevereiro de 2006 Divulga o Pacto
pela Sauacutede 2006 ndash Consolidaccedilatildeo do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido
Pacto
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 648 de 28 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica estabelecendo a revisatildeo de diretrizes e normas para a
organizaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica para o Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) e o Programa
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 674 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Carta dos
Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede que consolida os direitos e deveres do exerciacutecio da cidadania
na sauacutede em todo o Paiacutes
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 698 de 30 de marccedilo de 2006 Define que o
custeio das accedilotildees de sauacutede eacute de responsabilidade das trecircs esferas de gestatildeo do SUS observado
o disposto na Constituiccedilatildeo Federal e na Lei Orgacircnica do SUS
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 687 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica
de Promoccedilatildeo da Sauacutede
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 1101 de 12 de junho de 2002
222
Siacutetios eletrocircnicos
BIBLIOTECA DIGITAL DA CAcircMARA DOS DEPUTADOS lthttpbdcamaragovbrgt
BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTACcedilOtildeES DA USP
lthttpwwwtesesuspbrgt
BIBLIOTECA DIGITAL DO SENADO FEDERAL lt httpwww2senadolegbrbdsfgt
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAUacuteDE lt httpwwwcebesorgbrgt
CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO
lthttpwwwconpediorgbrgt
ESCOLA POLITEacuteCNICA DE SAUacuteDE JOAQUIM VENAcircNCIO DA FUNDACcedilAtildeO
OSWALDO CRUZ lthttpwwwepsjvfiocruzbrgt
INSTITUTO DE ESTUDOS SOacuteCIOECONOcircMICOS lt httpwwwinescorgbrgt
INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURIacuteDICAS lt httpwwwjuridicasunammxgt
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOcircMICA APLICADA lt httpwwwipeagovbrportalgt
PORTAL DE REVISTAS ELETROcircNICAS ndash FFC ndash UNESP MARIacuteLIA
lthttpwww2mariliaunespbrrevistasgt
INSTITUTO POacuteLIS DE ESTUDOS FORMACcedilAtildeO E ASSESSORIA EM POLIacuteTICAS
SOCIAIS lt httpwwwpolisorgbrgt
JORNAL CARTA FORENSE lt httpwwwcartaforensecombrgt
MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE lthttpwwwsaudegovbrgt
MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO
lthttpwwwplanejamentogovbrgt
MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO DO ESTADO DE GOIAacuteS lthttpwwwmpgogovbrgt
MOVIMENTO NACIONAL SAUacuteDE MAIS DEZ lthttpwwwsaudemaisdezorgbrgt
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL lt httpwwwoaborgbrgt
PORTAL DOMIacuteNIO PUacuteBLICO ndash BIBLIOTECA DIGITAL DO MINISTEacuteRIO DA
EDUCACcedilAtildeO lthttpwwwdominiopublicogovbrgt
PORTAL JURIacuteDICO DIREITO DO ESTADO lt httpwwwdireitodoestadocombrgt
PORTAL PERIOacuteDICOS CAPES lthttpwwwperiodicoscapesgovbrgt
223
PORTAL UNBCIEcircNCIA DA UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA
lthttpwwwunbcienciaunbbrgt
PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
lthttpwwwplanaltogovbrgt
PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADAtildeO
lthttppfdcpgrmpfmpbramppanel1-2amppanel2-4amppanel3-5gt
REVISTA DE DOUTRINA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4deg REGIAtildeO
lthttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrgt
REVISTA ldquoDIREITOS FUNDAMENTAIS amp JUSTICcedilArdquo DO PROGRAMA DE POacuteS-
GRADUACcedilAtildeO MESTRADO E DOUTOURADO EM DIREITO DA PUCRS
lthttpwwwdfjinfbrgt
REVISTA ELETROcircNICA DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA
lthttpwwwrevistadireitofrancabrindexphprefdfgt
REVISTA GESTAtildeO amp TECNOLOGIA DA FUNDACcedilAtildeO PEDRO LEOPOLDO
lthttprevistagtfpledubrgetgt
SCIENTIFIC ELETRONIC LIBRARY ONLINE (SCIELO BRAZIL)
lthttpwwwscielobrgt
SECRETARIA DE ESTADO DE SAUacuteDE DO GOVERNO DO MATO GROSSO
lthttpwwwsaudemtgovbrgt
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA lthttpwwwstjjusbrgt
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL lthttpwwwstfjusbrgt
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIAtildeO lthttpportal2tcugovbrgt
TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE lthttptcerngovbrgt
TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DA PARAIacuteBA lt httpwwwtjpbjusbrgt
TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
lthttpwwwtjrnjusbrgt
HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Direito - PPGD da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Direito
(Aacuterea de Concentraccedilatildeo Constituiccedilatildeo e Garantia
de Direitos)
Orientadora Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios
Fontes Silva
NATAL
2013
HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL
Dissertaccedilatildeo aprovada em 17122013 pela banca examinadora formada por
Presidente ________________________________________________
Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva
(Orientadora ndash UFRN)
Membro ________________________________________________
Prof Doutor Artur Cortez Bonifaacutecio
Membro ________________________________________________
Prof Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta
Dedico este trabalho a minha amada matildee e meu
eterno pai
ldquoEm geral nove deacutecimos da nossa felicidade
baseiam-se exclusivamente na sauacutede Com ela
tudo se transforma em fonte de prazerrdquo
Arthur Schopenhauer
AGRADECIMENTOS
A Deus por toda proteccedilatildeo e por presentear a mim e a minha famiacutelia com uma vida
saudaacutevel
Ao meu eterno pai e meu maior orgulho por todo amor educaccedilatildeo e valores
transmitidos
A minha matildee Mariacutegia minha irmatilde Beth e especialmente minha noiva Steacutephanie as
mulheres da minha vida e pilares que formam meu porto seguro por toda paciecircncia
compreensatildeo carinho ajuda incentivo e muito amor
A todos os colegas da minha turma no Mestrado em particular ao amigo Rochester
Arauacutejo Garanto-lhe que suas sugestotildees e criacuteticas durante nossos ldquoaccedilaiacutes juriacutedicosrdquo e conversas
na biblioteca foram essenciais para a finalizaccedilatildeo deste trabalho
Aos meus amigos do peito que durante todo este periacuteodo compreenderam as minhas
ausecircncias nas diversas reuniotildees que natildeo pude comparecer e me transmitiram palavras de
incentivo essenciais para que eu seguisse firme nessa jornada
A Professora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva minha orientadora pelo apoio
singular prestatividade incentivo e liberdade intelectual proporcionados durante toda a
pesquisa
A todos os professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito que direta ou
indiretamente contribuiacuteram para a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo Sem duacutevidas a dedicaccedilatildeo de
cada um de vocecircs eacute o que torna o Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte um dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de destaque no Nordeste
Aos colegas de trabalho do Nuacutecleo Estadual do Ministeacuterio da Sauacutede no Rio Grande do
Norte sobretudo pelo auxiacutelio na obtenccedilatildeo de dados relacionados agrave conjectura da sauacutede
puacuteblica no paiacutes que muito contribuiu para a presente pesquisa
RESUMO
Se por um lado apenas com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede veio a receber
tratamento de autecircntico direito fundamental social por outro eacute certo que desde entatildeo o niacutevel
de concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a tal direito retrata um descompasso entre a vontade
constitucional e a vontade dos governantes Isso porque em que pese a inerente gradualidade
do processo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a realidade brasileira marcada
por um quadro de verdadeiro caos na sauacutede puacuteblica noticiado rotineiramente nos telejornais
desnatura o status prioritaacuterio desenhando constitucionalmente para o direito agrave sauacutede
demonstrando desta maneira que haacute um claro deacuteficit neste processo o qual precisa ser
corrigido Essa preocupaccedilatildeo quanto agrave problemaacutetica da efetivaccedilatildeo dos direitos sociais por sua
vez eacute reforccedilada quando se fala em direito agrave sauacutede pois tal direito frente sua iacutentima ligaccedilatildeo
com o direito agrave vida e agrave dignidade da pessoa humana acaba assumindo uma posiccedilatildeo de
primazia dentre os direitos sociais apresentando-se como um direito impreteriacutevel visto que
sua perfeita fruiccedilatildeo torna-se condiccedilatildeo preciacutepua para o potencial gozo dos demais direitos
sociais Partindo dessas premissas o presente trabalho tem o intuito de fornecer uma proposta
para a correccedilatildeo desta problemaacutetica sobretudo a partir da defesa de um papel ativo do
Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos e
soacutelidos que venham a corrigir com seguranccedila juriacutedica o deacuteficit apontado e a evitar os efeitos
colaterais e distorccedilotildees que satildeo hodiernamente vislumbrados quando o Judiciaacuterio se propotildee a
intervir no tema Para tanto desponta como aspecto principal desta medida a proposiccedilatildeo de
um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave sauacutede que levando em consideraccedilatildeo tanto
os pontos constitucionalmente prioritaacuterios referentes a este relevante direito quanto agrave proacutepria
loacutegica da estruturaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS inserta no seio das poliacuteticas puacuteblicas
em sauacutede desenvolvidas no paiacutes venha a contribuir para uma judicializaccedilatildeo do tema mais
consentacircnea com os ideais traccedilados na Constituiccedilatildeo de 1988 No igual intuito de se buscar
uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede harmocircnica com a prioridade constitucional iacutensita a este
relevante bem a pesquisa alerta tambeacutem para a necessidade de se empreender uma
reestruturaccedilatildeo na forma de organizaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede de modo a se fazer valer a
diretriz constitucional do SUS da participaccedilatildeo da comunidade bem como para a importacircncia
da instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no paiacutes que tendo a Constituiccedilatildeo como
buacutessola passe a retratar fielmente a especial priorizaccedilatildeo constitucional direcionada aos
direitos sociais especialmente o direito agrave sauacutede
Palavras-chave Direito agrave sauacutede Concretizaccedilatildeo Poder Judiciaacuterio
ABSTRACT
If on one hand only with the 1988 Federal Constitution the right to health began to receive
the treatment of authentic fundamental social right on the other it is certain since then the
level of concretization reached as to such right depicts a mismatch between the constitutional
will and the will of the rulers That is because despite the inherent gradualness of the process
of concretization of the fundamental social rights the Brazilian reality marked by a picture of
true chaos on public health routinely reported on the evening news denatures the priority
status constitutionally drew for the right to health demonstrating thus that there is a clear
deficit in this process which must be corrected This concern regarding the problem of the
concretization of the social rights in turn is underlined when one speaks of the right to
health since such right due to its intimate connection with the right to life and human
dignity ends up assuming a position of primacy among the social rights presenting itself as
an imperative right since its perfect fruition becomes an essential condition for the potential
enjoyment of the remaining social rights From such premises this paper aims to provide a
proposal for the correction of this problem based upon the defense of an active role of the
Judiciary in the concretization of the right to health as long as grounded to objective and solid
parameters that come to correct with legal certainty the named deficit and to avoid the side
effects and distortions that are currently beheld when the Judiciary intends to intervene in the
matter For that effect emerges as flagship of this measure a proposition of an existential
minimum specific to the right to health that taking into account both the constitutionally
priority points relating to this relevant right as well as the very logic of the structuring of the
Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS inserted within the core of the public health policies developed
in the country comes to contribute to a judicialization of the subject more in alignment with
the ideals outlined in the 1988 Constitution Furthermore in the same intent to seek a
concretization of the right to health in harmony with the constitutional priority inherent to this
material right the research alerts to the need to undertake a restructuring in the form of
organization of the Boards of Health in order to enforce the constitutional guideline of SUS
community participation as well as the importance of establishing a new culture budget in the
country with the Constitution as a compass pass accurately portray a special prioritization
directed constitutional social rights especially the right to health
Keywords Right to health Concretization Judiciary Branch
LISTA DE SIGLAS
ACP ndash Accedilatildeo Civil Puacuteblica
ADCT ndash Atos das disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias
ANVISA ndash Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria
CAPS ndash Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo
CF ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988
CIT ndash Comissatildeo Intergestores Tripartite
CLT ndash Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas
CNJ ndash Conselho Nacional de Justiccedila
CPMF ndash Contribuiccedilatildeo Provisoacuteria sobre a Movimentaccedilatildeo Financeira
DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos
EC ndash Emenda Constitucional
EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica
FNS ndash Fundo Nacional de Sauacutede
FTN ndash Formulaacuterio Terapecircutico Nacional
IAP ndash Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo
INESC ndash Instituto de estudos socioeconocircmicos
INPS ndash Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INAMPS ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
IPEA ndash Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
LC ndash Lei Complementar
LDO ndash Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias
LOA ndash Lei Orccedilamentaacuteria Anual
LRF ndash Lei de Responsabilidade Fiscal
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
MS ndash Ministeacuterio da Sauacutede
NOAS ndash Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede
NOB ndash Normas Operacionais Baacutesicas
OAB ndash Ordem dos Advogados do Brasil
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
PIB ndash Produto Interno Bruto
PIDCP ndash Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos
PIDESC ndash Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais
PNPS ndash Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede
PPA ndash Plano Plurianual
PPI ndash Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede
PRD ndash Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo
PSF ndash Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RENAME- Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais
RENASES ndash Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede
STF ndash Supremo Tribunal Federal
STJ ndash Superior Tribunal de Justiccedila
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
TAC ndash Termo de Ajustamento de Conduta
TCG ndash Termo de Compromisso de Gestatildeo
TJ ndash Tribunal de Justiccedila
UBS ndash Unidades baacutesicas de sauacutede
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 14
2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL19
21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES
DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 198819
22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA
CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 24
23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAacuteUDE ndash SUS 26
231 Princiacutepios informadores do SUS 27
232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS 29
233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do
SUS29
234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem
aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede 30
24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E OS DESAFIOS ATUAIS DO
SUS33
25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO
ORDENAMENTO PAacuteTRIO 35
3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL44
31 A EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 44
32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO
DIREITO Agrave SAUacuteDE 53
321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de
prestaccedilatildeo 54
322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla
fundamentalidade (formal e material) 56
323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e
princiacutepios59
324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio 61
4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE 67
41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS70
42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO
POSSIacuteVEL 73
43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O
DIREITO Agrave SAUacuteDE 81
44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 86
45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA 89
451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio 93
452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana96
5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE102
51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA
ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtilde DO DIREITO Agrave SAUacuteDE103
511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes106
512 Os efeitos colaterais de uma desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede114
52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE119
53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS
PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO RELATIVO A
ESSE DIREITO131
531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 75082011 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees
miacutenimas em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico135
532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a
delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede141
54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NO BRASIL148
6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO
DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL159
61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE
NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO159
611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica160
612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil163
613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de
sauacutede172
62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE
UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES
CONSTITUCIONAIS176
621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico178
622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede181
623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede193
7 CONCLUSAtildeO200
REFEREcircNCIAS207
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Ainda que ultrapassadas mais de duas deacutecadas desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 pode-se afirmar que a busca pela efetividade dos direitos fundamentais
sociais especialmente o direito agrave sauacutede em sua acepccedilatildeo prestacional ainda eacute mateacuteria que
caminha a passos cadenciados representando um dos grandes desafios para o Estado e para a
sociedade
O estabelecimento por parte do constituinte de 1988 de um lugar de destaque para a
sauacutede ndash encarada natildeo somente como a ausecircncia de doenccedilas mas como o completo bem estar
fiacutesico mental e espiritual do homem conforme conceitua a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
(OMS) ndash em que pese ter significado um glorioso avanccedilo no sentido de proporcionar uma
ampliaccedilatildeo formal e material da forccedila normativa de tal direito consistiu apenas no primeiro
passo da luta pela sua materializaccedilatildeo em efetivos benefiacutecios agrave sociedade
Desta maneira notadamente quanto ao direito agrave sauacutede se haacute no plano teoacuterico uma
evidente dificuldade de se conferir tal efetividade por meio da perfeita implementaccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas a problemaacutetica no campo praacutetico eacute bem mais complexa sendo
hodiernamente refletida na tormentosa realidade de milhotildees de brasileiros que dependem do
sistema puacuteblico de sauacutede e vivenciam situaccedilotildees calamitosas frequentemente noticiadas nos
telejornais como algo jaacute natural e trivial no paiacutes
Se a vivecircncia diaacuteria de episoacutedios no caoacutetico cenaacuterio da sauacutede puacuteblica conduz por um
lado a um sentimento de necessidade de mudanccedila e indignaccedilatildeo por outro pelo menos um
aspecto positivo tal divulgaccedilatildeo acaba gerando a constataccedilatildeo de que o debate acerca dos
direitos fundamentais ganha a cada dia mais espaccedilo nas rodas de conversa da populaccedilatildeo e
isso acarreta uma maior tomada de consciecircncia por parte dos cidadatildeos do alcance dos seus
direitos e da forma com que estes poderatildeo ser buscados
Nesse contexto a judicializaccedilatildeo cada vez mais crescente das mais diversas demandas
ligadas agrave concretizaccedilatildeo do direito fundamental social agrave sauacutede abastece a discussatildeo acerca da
legitimidade da intervenccedilatildeo judicial nesta seara cujo cenaacuterio atual frente agrave inevitabilidade
dessa atuaccedilatildeo eacute mercado pela penosa tentativa de se estabelecer criteacuterios objetivos e
adequados para a construccedilatildeo de um processo decisoacuterio legiacutetimo justo e consentacircneo com os
ideais dirigentes do sistema constitucional brasileiro
Quem haacute 20 anos imaginava o Estado como fornecedor de medicamentos muitos
deles de alto custo ou compelido a realizar um exame ou um procedimento ciruacutergico para um
cidadatildeo A verdade poucos Avanccedilou-se na concretizaccedilatildeo de tal direito principalmente pelos
15
esforccedilos da provocaccedilatildeo e atuaccedilatildeo do judiciaacuterio e hoje o miacutenimo que o Estado deve ou pelo
menos deveria proporcionar em mateacuteria de direito agrave sauacutede no Brasil acoplou novos
benefiacutecios
Eacute importante ter-se em mente por sua vez que a problemaacutetica em tela apresenta uma
abrangecircncia de difiacutecil delimitaccedilatildeo pois engloba diversas facetas do direito agrave sauacutede que
encarado de maneira macro compreende variadas nuances tanto sob o prisma individual
quanto sob o coletivo Melhor explicando o trabalho de aferir se certo pleito estaria ou natildeo
enquadrado no campo protetivo do direito agrave sauacutede passa por uma anaacutelise que envolve
diferentes aspectos como os de cunho social poliacutetico econocircmico cultural ou geograacutefico de
determinada coletividade ndash por exemplo a prioridade de tratamento preventivo na regiatildeo
norte eacute totalmente diferente da de outra regiatildeo do paiacutes ndash sendo portanto a determinaccedilatildeo de
quais seriam as prestaccedilotildees miacutenimas em sauacutede um aacuterduo trabalho para o inteacuterprete
Posto o problema o presente estudo partiraacute das premissas de que na discussatildeo acerca
da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede eacute essencial se observar primeiro que tal direito
social assume um papel de extrema relevacircncia frente agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida
e agrave dignidade da pessoa humana segundo que o quadro atual da sauacutede puacuteblica nacional
evidencia um desequiliacutebrio entre o niacutevel de gradual concretizaccedilatildeo esperado apoacutes os mais de
vinte anos da Constituiccedilatildeo de 1988 e o que foi realmente alcanccedilado mediante poliacuteticas
puacuteblicas quanto a esse importante direito
Com relaccedilatildeo agrave primeira premissa seraacute defendido o destacamento do direito agrave sauacutede
para uma posiccedilatildeo de primazia quando comparado com os demais direitos fundamentais
sociais O desenvolvimento de tal raciociacutenio aproxima-se de certo modo da doutrina
americana dos ldquopreferred freedomsrdquo que estabelece uma ideia de posiccedilotildees preferenciais entre
os direitos fundamentais sem implicar entretanto necessariamente em uma mecacircnica
hierarquizaccedilatildeo das normas constitucionais que venha a ser lesiva agrave sua unidade
Desta maneira natildeo se buscaraacute refutar a noccedilatildeo consagrada na doutrina paacutetria de que
todos direitos fundamentais possuem a mesma hierarquia mas sim consistiraacute na defesa de
que o direito agrave sauacutede possui um niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica mais elevada que
os demais direitos fundamentais sociais por apresentar uma ascendecircncia axioloacutegica mais
dilatada devido ao seu forte laccedilo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e agrave dignidade da
pessoa humana e isto termina por ser refletido no proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a
Constituiccedilatildeo confere a tal direito conforme seraacute visto
16
Quanto agrave segunda premissa esta seria a constataccedilatildeo de que ocorre em mateacuteria de
direito agrave sauacutede no Brasil um certo descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos
governantes
Apesar de tal pensamento soar de certo modo um pouco pretensioso ele eacute fruto de
uma construccedilatildeo de raciociacutenio simples e de duas etapas a primeira abrange a conscientizaccedilatildeo
de que o direito agrave sauacutede como direito social que eacute tem seu processo de concretizaccedilatildeo
marcado por uma ideia de gradualidade no sentido de que frente as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias
de sua implementaccedilatildeo o Estado deve contar com uma certa paciecircncia da sociedade em
entender que a efetividade do mesmo seraacute alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a
passo conforme a capacidade financeira do Estado e a segunda de ordem faacutetica arremata a
conclusatildeo de que esse passo gradual encontra-se hoje deficitaacuterio ou atrasado se comparado
com a evoluccedilatildeo aguardada pela sociedade a qual jaacute chegou no seu limite de paciecircncia
Em termos mais diretos a realidade paacutetria marcada por exemplo pela falta de leitos
meacutedicos e equipamentos de infraestrutura no quadro geral da sauacutede puacuteblica nacional natildeo eacute o
que a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica planejou para sua fase adulta sendo necessaacuteria portanto
uma aceleraccedilatildeo nesse processo gradual
Feitas tais observaccedilotildees eacute relevante mencionar que corrigir esta distorccedilatildeo gerada
sobretudo pela ineficiecircncia dos Poderes Executivo e Legislativo (seja pela maacute formulaccedilatildeo e
execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas seja pela deficiecircncia do amparo legal do tema) natildeo eacute mateacuteria
faacutecil pois o balanceamento entre o caraacuteter essencial do direito fundamental agrave sauacutede e sua
natureza de direito prestacional passa antes de tudo pela questatildeo financeira de anaacutelise dos
custos envolvidos exigindo uma estruturaccedilatildeo focada em um modelo de gestatildeo organizada e
isento de maacuteculas por parte do Estado
Eacute nesse contexto que o presente estudo tem por intuito principal traccedilar alguns
delineamentos sobre a primazia do direito social em anaacutelise buscando apontar sugestotildees para
os problemas correlatos agrave sua clara falta de efetividade as quais vatildeo desde a perquiriccedilatildeo de
criteacuterios objetivos legitimadores da atuaccedilatildeo judicial no seu resguardo contribuindo para a
consequente construccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial em direito agrave sauacutede ateacute o
aprimoramento das medidas de controle dos gastos puacuteblicas em sauacutede
Para melhor compreensatildeo do que este trabalho se propotildee optar-se-aacute por uma
estruturaccedilatildeo didaacutetica cuja preocupaccedilatildeo primordial eacute deixar claro ao leitor desde as linhas
iniciais a raiz doutrinaacuteria que o norteia Nesse ponto filiando-se agraves vigas da nova
interpretaccedilatildeo constitucional que prestigia a forccedila normativa da constituiccedilatildeo mas sem que isso
signifique um menosprezo aos elementos claacutessicos hermenecircuticos seratildeo examinados temas
17
essenciais que circundam a temaacutetica da construccedilatildeo e aprimoramento de um miacutenimo
existencial especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede
Dessa maneira tendo como fio condutor o reconhecimento de que a atuaccedilatildeo
jurisdicional em mateacuteria de sauacutede respeitados certos limites e criteacuterios objetivos consiste em
praacutetica natildeo soacute legiacutetima mas tambeacutem primordial para a efetividade desse direito seratildeo
examinados temais centrais como o Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e sua correta (re)
leitura no estaacutegio atual do constitucionalismo a primazia da Dignidade da Pessoa Humana
como fonte irradiante de todo o ordenamento constitucional paacutetrio a necessidade da Teoria
do Miacutenimo Existencial encontrar-se em constante adaptaccedilatildeo com os avanccedilos da sociedade e o
possiacutevel embate desta questatildeo com o Postulado da Reserva do Possiacutevel
Para tanto incialmente seraacute traccedilado um esboccedilo do regime juriacutedico-constitucional do
direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio partindo da evoluccedilatildeo histoacuterica da proteccedilatildeo da sauacutede
puacuteblica ao longo das constituiccedilotildees nacionais passando pelo exame das implicaccedilotildees da
proteccedilatildeo internacional nessa seara e desembocando no estudo das caracteriacutesticas gerais desse
direito fundamental sob o enfoque das previsotildees constitucionais e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria
sobre tema (com ecircnfase nos dispositivos que tratam do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS)
Na sequecircncia seraacute discutida a temaacutetica da efetividade e eficaacutecia dos direitos
fundamentais sociais momento no qual seraacute examinado sob um vieacutes orccedilamentaacuterio o embate
entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ganhando evidecircncia o exame dos custos dos
direitos Nesse ponto ainda abordar-se-aacute a questatildeo do deacuteficit evolutivo do direito agrave sauacutede no
que se refere agrave sua gradual concretizaccedilatildeo almejada pela atual Constituiccedilatildeo apontando-se o
relevante papel que a Dignidade da Pessoa Humana somada agrave umbilical ligaccedilatildeo do
impreteriacutevel direito agrave sauacutede com o direito agrave vida assume no enfrentamento dessa mateacuteria
Posteriormente seraacute tratado o tema da judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede cujo debate
alertaraacute para a necessidade de se privilegiar as tutelas coletivas como forma de se conferir
isonomia e o maacuteximo alcance das conquistas judiciais nessa seara sem deixar de lado
contudo o exame do aacuterido campo das tutelas individuais Nesse ponto a noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo
constitucional no contexto poacutes-positivista seraacute primordial para se compreender a latente
necessidade da busca pelo estabelecimento de paracircmetros e criteacuterios objetivos que visem a
uma sindicabilidade do direito em xeque natildeo soacute consentacircnea com a ordem constitucional
vigente mas tambeacutem compromissada com a seguranccedila juriacutedica e a igualdade entre os
cidadatildeos
Ao final seraacute empreendido um debate complementar mas natildeo menos interligado agrave
judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que ressaltar-se-aacute a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede
18
na construccedilatildeo de uma democracia participativa apta a auxiliar a realizaccedilatildeo de tal direito bem
como seraacute proposta uma reestruturaccedilatildeo na forma que se desenvolve o ciclo orccedilamentaacuterio no
paiacutes de modo a que os campos de atenccedilatildeo direcionados no corpo da peccedila do orccedilamento
puacuteblico terminem espelhando o mais fiel possiacutevel as prioridades constitucionais
Dito isto eacute relevante deixar claro que a presente pesquisa natildeo intenta exaurir toda a
problemaacutetica envolvendo a efetividade do direito agrave sauacutede apresentando uma foacutermula maacutegica e
solucionadora o que seria impossiacutevel frente agrave dinamicidade das relaccedilotildees sociais e a
consequente multiplicidade de casuiacutesticas nesse campo Ao contraacuterio o que se pretende aqui eacute
investigar o assunto visando agrave sistematizaccedilatildeo de uma loacutegica de pensamento ndash calcada em uma
engrenagem arraigada no papel protagonista do Poder Judiciaacuterio auxiliado pelas funccedilotildees
essenciais agrave justiccedila e pela sociedade ndash que venha a contribuir para a ampliaccedilatildeo de alternativas
postas ao aplicador do direito no momento de concretizar o direito agrave sauacutede corrigindo-se em
uacuteltima anaacutelise a desarmonia entre o dever ser normativo e o ser da realidade social marcante
no tema
19
2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL
Falar em sauacutede como direito fundamental dos cidadatildeos brasileiros eacute algo recente na
histoacuteria do paiacutes visto que somente com a atual Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica esse bem juriacutedico
veio a ser alccedilado a tal categoria Desta maneira para o estudo do direito agrave sauacutede e os aspectos
quanto agrave sua eficaacutecia faz-se imprescindiacutevel antes de tudo compreender natildeo soacute a evoluccedilatildeo do
arcabouccedilo protetivo da mateacuteria ao longo das constituiccedilotildees nacionais como tambeacutem a
conjuntura histoacuterico-social que contribuiu para a feiccedilatildeo desse direito fundamental no
ordenamento contemporacircneo destacando-se tambeacutem a especial influecircncia da proteccedilatildeo
internacional na temaacutetica
21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES
DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988
De iniacutecio eacute importante se ter em mente a premissa de que a evoluccedilatildeo histoacuterica das
poliacuteticas de sauacutede no paiacutes caminha lado a lado com o progresso poliacutetico-social e econocircmico
da sociedade brasileira em um contexto em que a loacutegica desse processo evolutivo obedeceu agrave
oacutetica do avanccedilo do capitalismo na sociedade paacutetria
Por tal motivo o cenaacuterio preacute 1988 revela que a sauacutede natildeo ocupava lugar central dentro
da poliacutetica nacional1 jaacute que somente nos momentos em que determinadas endemias ou
epidemias tinham repercussatildeo na esfera econocircmica ou social do modelo capitalista eacute que o
governo atuava com mais ecircnfase no setor razatildeo pela qual eacute apontado na doutrina que devido a
falta de clareza e definiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede a histoacuteria desta confunde-se em
determinados momentos com a histoacuteria da previdecircncia social no paiacutes2
Dito isto tem-se que os passos embrionaacuterios de uma miacutenima preocupaccedilatildeo com a sauacutede
puacuteblica no Brasil podem ser identificados a partir das primeiras accedilotildees de combate agrave lepra e de
um miacutenimo controle sanitaacuterio existente sobre os portos e ruas ainda durante a eacutepoca da Corte
Portuguesa jaacute que a vinda da famiacutelia real gerou a necessidade da organizaccedilatildeo de uma miacutenima
estrutura sanitaacuteria panorama que perdurou ateacute meados de 1850
Com o passar dos tempos o quadro de organizaccedilatildeo poliacutetica marcadamente unitaacuterio e
centralizado foi dando lugar a um conjunto de accedilotildees um pouco mais efetivas no periacuteodo entre
1 Dispotildee Suelli Gandolfi Dallari que ldquonenhum texto constitucional se refere explicitamente agrave sauacutede como
integrante do interesse puacuteblico fundante do pacto social ateacute a promulgaccedilatildeo da Carta de 1988rdquo DALLARI Suelli
Gandolfi Os Estados Brasileiros e o Direito agrave Sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1995 p 133 2 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p2 Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 21122012
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1870 e 1930 merecendo destaque o modelo ldquocampanhistardquo marcado pelo uso de forccedila policial
que apesar das arbitrariedades e abusos cometidos alcanccedilou importantes vitoacuterias no controle
de doenccedilas epidecircmicas como a febre amarela sob o comando de Oswaldo Cruz entatildeo Diretor
do Departamento Federal de Sauacutede Puacuteblica3
Em 1923 por sua vez nascia o marco inicial da previdecircncia social no Brasil (a
chamada ldquoLei Eloy Chavesrdquo4) mediante a instituiccedilatildeo de Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo
(CAPS) que abarcavam socorros meacutedicos em caso de doenccedila bem como a obtenccedilatildeo de
medicamentos obtidos com preccedilos especiais para as categorias profissionais a eles vinculadas
Paralelo a isso a partir de 1930 as accedilotildees curativas ateacute entatildeo esquecidas pelo modelo antes
mencionado passaram a ser realizadas timidamente com a estruturaccedilatildeo baacutesica de um sistema
puacuteblico de sauacutede a partir da criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede Puacuteblica5 restando
evidenciado portanto um cenaacuterio de natildeo universalizaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica vez que imperava
uma sistemaacutetica excludente em favor apenas das profissotildees reconhecidas pela lei
A previdecircncia social evoluiu e as CAPacuteS foram substituiacutedas pelos Institutos de
Aposentadoria e Pensatildeo (IAPacuteS) visando a estender a todas as categorias do operariado
urbano organizado os benefiacutecios da previdecircncia desembocando esse processo de unificaccedilatildeo
na promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (Lei 380760) a qual estabeleceu um
regime geral da previdecircncia destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da
Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT)6
Tal panorama apresentou seu aacutepice durante o regime ditatorial com a implantaccedilatildeo do
Instituto Nacional de Previdecircncia Social (INPS) em 1967 e a consequente unificaccedilatildeo do
sistema previdenciaacuterio em um contexto em que todos trabalhadores com carteira assinada
contribuiacuteam e se beneficiavam da assistecircncia meacutedica existente no plano de benefiacutecios Isso
gerou um aumento substancial da demanda do sistema meacutedico previdenciaacuterio o qual
impossibilitado em atender a todos direcionou agrave iniciativa privada a execuccedilatildeo dos benefiacutecios
por meio de convecircnios com meacutedicos e hospitais mediante pagamento de uma espeacutecie de pro-
labore acarretando na formaccedilatildeo de um complexo sistema meacutedico-industrial que gerou a
3 PICADO Fernanda de Siqueira A dignidade da pessoa humana e a efetividade do direito social agrave sauacutede
sob a oacuteptica jurisprudencial Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito PUC-SP 2010 p 101 4 Decreto ndeg 4682 1923 que ldquo Crea em cada uma das emprezas de estradas de ferro existente no paiz uma caixa
de aposentadoria e pensotildees para os respectivos empregadosrdquo 5 O Ministeacuterio da Sauacutede foi criado em 1953 contudo tal fato significou um mero desmembramento do antigo
Ministeacuterio da Sauacutede e Educaccedilatildeo sem que significasse uma nova postura do governo com efetiva preocupaccedilatildeo em
atender os problemas da sauacutede puacuteblica de sua competecircncia 6 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p 12 Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 11012013
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necessidade da criaccedilatildeo de uma estrutura proacutepria administrativa em 1978 o Instituto Nacional
de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS)
Instituiu-se assim uma divisatildeo de responsabilidades em que ao Estado eram
reservadas as medidas coletivas sobretudo o controle das endemias enquanto a assistecircncia
meacutedica individual ficou a cargo do seguro social financiado pelo sistema contributivo
modelagem esta que contribuiu para a concepccedilatildeo arraigada no paiacutes de se enxergar o direito a
sauacutede natildeo como um direito do cidadatildeo e dever do Estado mas como uma assistecircncia ligada agrave
esfera privada restrita a quem contribuiacutea cenaacuterio acentuado com a instituiccedilatildeo do Sistema
Nacional de Sauacutede em 1975 o qual reconhecia essa dicotomia7
Esse modelo de gestatildeo centralizada marcado pela multiplicidade e descoordenaccedilatildeo
entre as instituiccedilotildees atuantes no setor e pela desorganizaccedilatildeo dos recursos empregados nas
accedilotildees de sauacutede curativa e preventiva8 caiu no descreacutedito social ao natildeo resolver a agenda da
sauacutede e frente agrave escassez de recursos para sua manutenccedilatildeo somada ao aumento dos custos
operacionais veio a entrar em crise
Por sua vez o contraste dos dados a respeito da sauacutede mortalidade infantil e
infraestrutura urbana com os iacutendices favoraacuteveis do Produto Interno Bruto (PIB) que
aumentou em meacutedia 10 entre 1968 e 1973 contribuiu para a constataccedilatildeo de que a
desigualdade social e concentraccedilatildeo de riqueza se acentuavam cada vez mais no paiacutes e que era
necessaacuteria uma mudanccedila desse quadro9
Esse modelo restritivo na prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede passou a ser entatildeo
questionado frente a grande quantidade de brasileiros agrave margem do mercado de trabalho
formal intensificando-se o debate acerca da universalizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento de Reforma Sanitaacuteria no processo
de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e o consequente fim do regime militar
Desta forma o marco do processo de formulaccedilatildeo de um novo modelo de sauacutede puacuteblica
universal foi a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede cujo lema era ldquoSauacutede Direito de Todos
Dever do Estadordquo realizada em marccedilo de 1986 pelo Ministeacuterio da Sauacutede que contou pela
primeira vez com a participaccedilatildeo de entidades da sociedade civil organizada de todo paiacutes
ligadas agrave temaacutetica sendo debatida a necessidade de reorganizaccedilatildeo do sistema em voga com a
instituiccedilatildeo da sauacutede como direito de cidadania e dever do Estado concluindo-se que uma
7 CORREcircA Darciacutesio MASSAFRA Cristiane Quadrado O Direito agrave Sauacutede e o papel do Judiciaacuterio para sua
efetividade no Brasil In Revista Desenvolvimento em questatildeo v2 nordm 3 2004 p 57 8 CRUZ Marly Marques da Histoacuterico do sistema de sauacutede proteccedilatildeo social e direito agrave sauacutede Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2164 Acessado em 20012013 9 LUCA Tacircnia Regina de Direitos sociais no Brasil In PINSKY Carla Bassanezi (Org) Histoacuteria da
Cidadania Satildeo Paulo Contexto 2003 p 484
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simples reforma administrativa e financeira natildeo seria suficiente mas sim seria necessaacuteria
uma verdadeira mudanccedila em todo o arcabouccedilo juriacutedico tendente agrave unificaccedilatildeo democratizaccedilatildeo
e descentralizaccedilatildeo do sistema de sauacutede
Delimitado sucintamente o contexto histoacuterico-social da proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede ateacute
a Constituiccedilatildeo de 1988 seratildeo apontados a seguir os principais dispositivos constantes nas
constituiccedilotildees preteacuteritas que amparavam o direito agrave sauacutede de modo a facilitar a compreensatildeo
do tema
A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio pouco tratou do tema do direito agrave sauacutede vez que fora o fato
de abarcar a garantia de ldquosocorros puacuteblicosrdquo a uacutenica menccedilatildeo a tal direito em seu texto deixa
claro que a preocupaccedilatildeo do constituinte agrave eacutepoca ainda era tiacutemida e relacionada agrave atividade
mercantil como se depreende da redaccedilatildeo do dispositivo a seguir
Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadatildeos
Brazileiros que tem por base a liberdade a seguranccedila individual e a
propriedade eacute garantida pela Constituiccedilatildeo do Imperio pela maneira
seguinte
()
XXIV Nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio
poacutede ser prohibido uma vez que natildeo se opponha aos costumes publicos aacute
seguranccedila e saude dos Cidadatildeos
Aleacutem disso eacute importante enfatizar que os direitos acima elencados eram restritos a
uma elite aristocraacutetica visto que os ideais da revoluccedilatildeo liberal conquanto visassem a alterar a
estrutura e reorganizar a sociedade apresentavam o anseio maior de tatildeo somente romper
com os laccedilos do colonialismo sendo mantidos os interesses e os favores das classes
privilegiadas enquanto grande parte da populaccedilatildeo ainda continuava submetida a tratamentos
desumanos
A Constituiccedilatildeo de 1891 por sua vez conseguiu ser ainda mais acanhada e natildeo faz
qualquer referecircncia expressa ao direito agrave sauacutede Contudo merece atenccedilatildeo o fato de que havia
uma abstrata menccedilatildeo em seu artigo 78 agrave proteccedilatildeo das garantias e direitos nela natildeo
enumerados que resultassem da forma de governo e dos princiacutepios que a mesma consignasse
o que poderia ser utilizado para defesa da sauacutede em uacuteltima anaacutelise jaacute que funcionava como
uma tiacutemida claacuteusula de abertura10
10
OLIVEIRA Maacutercio dias de Sauacutede possiacutevel e judicializaccedilatildeo excepcional a efetivaccedilatildeo do direito
fundamental agrave sauacutede e a necessaacuteria racionalizaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito Instituto Toledo de
Ensino Bauro 2008 p 35
23
Impulsionada pelas revoluccedilotildees de 1930 e 1932 a Constituiccedilatildeo de 1934 que buscou
inspiraccedilatildeo formal na Constituiccedilatildeo de Weimar (grande marco do Constitucionalismo social) e
na Constituiccedilatildeo Espanhola de 1931 pretendeu implantar no sistema juriacutedico paacutetrio um
arcabouccedilo protetivo dos chamados direitos sociais sendo a primeira constituiccedilatildeo brasileira a
fazer referecircncia ao direito agrave sauacutede prevendo em seu art 10 inciso II ser o cuidado com a
sauacutede competecircncia concorrente da Uniatildeo e dos Estados denotando assim uma preocupaccedilatildeo
de cunho organizacional distanciada de uma feiccedilatildeo de direito subjetivo
Em que pese os esforccedilos da Carta de 34 no sentido de proteger os direitos sociais a
Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada por Getuacutelio Vargas tratou de tolher a efetividade dos direitos
fundamentais cuidando sobretudo de concentrar o poder no acircmbito do Executivo Na linha
dessa concentraccedilatildeo o inciso XXVII do art 16 previu ser competecircncia privativa da Uniatildeo
legislar sobre normas fundamentais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede especialmente a sauacutede da
crianccedila merecendo destaque ainda a previsatildeo do art 18 no sentido de poderem os estados
legislar para suprir as deficiecircncias da Lei Federal ou atenderem agraves peculiaridades locais sobre
a assistecircncia puacuteblica obras de higiene popular casas de sauacutede cliacutenicas estaccedilotildees de clima e
fontes medicinais11
A Constituiccedilatildeo de 1946 por sua vez por ter sido moldada no periacuteodo de 1937 a 1945
buscou restringir a forccedila do Poder Executivo e reforccedilar o Poder Legislativo retomando a
estrutura da Constituiccedilatildeo de 1891 e reintroduzindo os direitos econocircmicos sociais e culturais
da Carta de 1934 em um cenaacuterio em que o direito agrave sauacutede apesar de natildeo elencado de forma
expressa recebia menccedilatildeo no inciso XV do art 5deg da referida Carta ao ser repetida a previsatildeo
de ser competecircncia da Uniatildeo legislar sobre normais gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede
Apoacutes o golpe militar de 1964 foi outorgada a Carta Constitucional de 1967 que
alterou o regime de liberalidade buscado pela Constituiccedilatildeo de 1946 instalando-se o regime
totalitaacuterio conclamado pela doutrina da seguranccedila nacional A nova Constituiccedilatildeo apresentava
um rol de direitos e garantias fundamentais com valor meramente formal e sem nenhuma
efetividade Quanto ao direito agrave sauacutede repetiu-se a norma de cunho organizatoacuterio das
constituiccedilotildees anteriores no sentido de conferir agrave Uniatildeo a competecircncia para legislar sobre
normas gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede acrescentando-se todavia a competecircncia para
estabelecer planos nacionais de sauacutede e educaccedilatildeo
Em 1969 na tentativa de preservar o regime totalitaacuterio vigente foi outorgada a EC ndeg
0169 que embora repetisse as disposiccedilotildees da Carta de 67 trouxe uma inovaccedilatildeo no sect 4deg do
11
JULIO Renata Siqueira Wesllay Carlos Ribeiro Direito e sistemas puacuteblicos de sauacutede nas constituiccedilotildees
brasileiras In Novos Estudos Juriacutedicos v15 n3 2010 p 450
24
art 25 ao determinar que os municiacutepios aplicassem seis por cento do repasse da Uniatildeo a tiacutetulo
de fundo de participaccedilatildeo dos municiacutepios na Sauacutede
22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA
CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 resultado final de todo um
processo de luta incessante do povo brasileiro para a conquista da democracia consiste em
um documento alicerccedilado na proteccedilatildeo de direitos fundamentais e na dignidade da pessoa
humana de modelagem jamais vista no ordenamento paacutetrio Essa nova feiccedilatildeo sem duacutevida
contribuiu para a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede com contornos proacuteprios
visto que uma ordem constitucional que protege o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e o meio
ambiente sadio e equilibrado inevitavelmente deve salvaguardar a sauacutede sob pena de
esvaziar substancialmente tais direitos12
Desta forma o modelo centralizado do sistema de sauacutede vigente antes de 1988 bem
como as tiacutemidas previsotildees nas constituiccedilotildees anteriores ligadas agrave sauacutede que se preocupavam
em fixar competecircncias legislativas e administrativas para a mateacuteria denotando uma
preocupaccedilatildeo meramente organizatoacuteria deram lugar a um arcabouccedilo protetivo diametralmente
oposto com a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede amplamente tratado13
sobretudo nos artigos 6deg e 196 da Constituiccedilatildeo de 1988
Pode-se afirmar portanto que a Constituiccedilatildeo Cidadatilde atual ao alccedilar a sauacutede a direito
fundamental e sintonizar sua proteccedilatildeo com as principais declaraccedilotildees de direitos humanos foi
a primeira constituiccedilatildeo a levar a sauacutede realmente a seacuterio14
Com efeito observa-se a existecircncia
de diversos dispositivos que fazem menccedilatildeo expressa a este direito consistindo tais previsotildees
12
SARLET Ingo Wolfgang amp FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p5 13
FALEIROS Ialecirc amp LIMA Juacutelio Ceacutesar Franccedila Sauacutede como direito de todos e dever do Estado p 9
Disponiacutevel em httpepsjvfiocruzbruploaddcap_8pdf Acessado em 12012013 14
Sobre essa questatildeo Joseacute Afonso da Silva considera ser ldquoespantoso como um bem extraordinariamente
relevante agrave vida humana soacute agora eacute elevado agrave condiccedilatildeo de direito fundamental do homem E haacute de informar-se
pelo princiacutepio de que igual agrave vida de todos os seres humanos significa tambeacutem que nos casos de doenccedila cada
um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciecircncia meacutedica
independentemente de sua situaccedilatildeo econocircmica sob pena de natildeo ter muito valor sua consignaccedilatildeo em normas
constitucionaisrdquo SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros
1999 p 871
25
em frutos diretos da reforma sanitaacuteria brasileira a qual foi conduzida pela sociedade civil e
por profissionais de sauacutede e natildeo por accedilotildees especiacuteficas do governo15
Em que pese o risco de cansar a leitura do presente estudo com observaccedilotildees
notadamente descritivas eacute inevitaacutevel destacar pontualmente os dispositivos constitucionais
que informam a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede proporcionando uma ideia do alcance dessa
mudanccedila radical do tratamento constitucional da sauacutede no Brasil
Nesse sentido o artigo 6deg elenca expressamente a sauacutede como um direito fundamental
social o que acarreta implicaccedilotildees praacuteticas quanto agrave eficaacutecia e efetividade de tal direito cuja
abordagem seraacute feita no capiacutetulo seguinte Ainda o artigo 7deg ligado a regulamentaccedilatildeo dos
direitos trabalhistas trata da temaacutetica tanto em seu inciso IV ao mencionar a sauacutede como
necessidade vital baacutesica a ser abarcada pelo salaacuterio-miacutenimo bem como no inciso XXII ao
impor a reduccedilatildeo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sauacutede higiene e
seguranccedila
Os artigos 23 (inc II) 24 (inc XII) e 30 (inc I e inc VII) tratam de mateacuterias de
competecircncias dos entes federativos informando que os mesmos possuem competecircncia
comum para cuidar da sauacutede bem como concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da
sauacutede em um cenaacuterio em que aos Municiacutepios cabem a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atendimento agrave
sauacutede da populaccedilatildeo com a cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira da Uniatildeo e do Estado
Os artigos 34 (inc VII aliacutenea bdquoe‟) e 35 (inc III) por forccedila da EC 292000
possibilitam por sua vez a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e no Distrito Federal bem como
dos Estados nos respectivos Municiacutepios em caso de natildeo aplicaccedilatildeo do miacutenimo exigido da
receita resultante de impostos na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino e das accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede o que como seraacute visto no capiacutetulo seguinte ressalta a preocupaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo com tais direitos de modo a estes assumirem um grau de fundamentalidade mais
aquilatada no ordenamento paacutetrio
Jaacute no art 196 a sauacutede eacute encarada como direito de todos e dever do Estado garantido
mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo denotando uma preocupaccedilatildeo macro para os problemas de sauacutede nas diversas
etapas de tratamento para todos os cidadatildeos
O art 197 trouxe o reconhecimento de que as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede satildeo de
relevacircncia puacuteblica cabendo ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre sua
15
PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p2 Disponiacutevel em
httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 12012013
26
regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle consolidando os anseios de superaccedilatildeo do modelo
desestatizante curante e centralizador vigente na ordem constitucional anterior Tal
reconhecimento possui uma importacircncia central na busca pela efetividade do direito agrave sauacutede
pois garante extensivamente a proteccedilatildeo da sauacutede pelo Ministeacuterio Puacuteblico ao passo que o art
129 II da CF atribui ao mesmo a funccedilatildeo de zelar pelo efetivo respeito aos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica
No art 198 encontra-se a estrutura geral do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) definindo-
o a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada organizada a partir de diretrizes que
primam pela descentralizaccedilatildeo atendimento integral com prioridade para atividades
preventivas e participaccedilatildeo da comunidade mediante financiamento de recursos da seguridade
social e outras fontes
O art 200 enumera atribuiccedilotildees exemplificativas desse sistema as quais englobam
dentre outras o controle e fiscalizaccedilatildeo dos procedimentos produtos e substacircncias de interesse
para a sauacutede a execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica a formaccedilatildeo de
recursos humanos na aacuterea de sauacutede a fiscalizaccedilatildeo e inspeccedilatildeo dos alimentos etc
Aleacutem disso constam dispositivos especiacuteficos que relacionam a sauacutede com o meio
ambiente com a educaccedilatildeo e com os direitos da crianccedila os quais enfatizam a preocupaccedilatildeo
ineacutedita da CF de 1988 em dar plena efetividade agraves accedilotildees e programas na aacuterea
23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE ndash SUS
Conforme jaacute explicitado o SUS eacute fruto das reivindicaccedilotildees feitas pela sociedade civil
organizada no cenaacuterio poliacutetico preacute 1988 e sua previsatildeo constitucional especialmente pela
estipulaccedilatildeo dos seus princiacutepios e objetivos o fez assumir a condiccedilatildeo de verdadeira garantia
institucional fundamental do direito agrave sauacutede superando-se as sucessivas tentativas frustradas
anteriores Significando em uacuteltima instacircncia que a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede deve
conformar-se com seus princiacutepios e diretrizes instituidoras em um cenaacuterio em que natildeo soacute o
direito agrave sauacutede resta protegido mas tambeacutem o proacuteprio SUS na condiccedilatildeo de instituiccedilatildeo
puacuteblica16
A conceituaccedilatildeo do SUS apresentada no jaacute mencionado artigo 198 da CF demonstra
que a visatildeo central desse sistema foi calcada na consagraccedilatildeo de um modelo de sauacutede voltado
16
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 12
27
para as necessidades da populaccedilatildeo no intuito de resgatar o compromisso do Estado para com o
bem-estar social especialmente com relaccedilatildeo agrave sauacutede coletiva Contudo apesar da previsatildeo
constitucional o SUS soacute veio a ser regulamentado em 19 de setembro de 1990 por meio da
Lei Federal 808090 a qual definiu seu modelo operacional e a forma de organizaccedilatildeo e de
funcionamento a partir de uma definiccedilatildeo abrangente de sauacutede que leva em consideraccedilatildeo
especiacuteficos fatores determinantes e condicionantes ganhando destaque a previsatildeo dos
princiacutepios e objetivos do sistema
231 Princiacutepios informadores do SUS
O estudo dos princiacutepios informadores do SUS eacute de suma importacircncia visto que frente
ao caraacuteter de autecircntica garantia institucional fundamental17
na proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede sua
matriz principioloacutegica e diretiva serve de base para se interpretar o alcance da eficaacutecia e
efetividade de tal direito Nesse sentido podem ser destacados os princiacutepios da
universalidade equidade unidade descentralizaccedilatildeo regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo
integralidade e participaccedilatildeo da comunidade
Universalidade18
e equidade podem ser lidos conjuntamente no sentido de que o
acesso agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede devem ser indistintamente garantidos a todo e qualquer
cidadatildeo buscando-se sempre a diminuiccedilatildeo das desigualdades a partir da consagraccedilatildeo e defesa
da garantia da igualdade material investindo-se onde a carecircncia seja maior jaacute que apesar de
todos terem direito agrave sauacutede as necessidades de cada um e de cada regiatildeo satildeo diferentes
Consoante jaacute visto o modelo de proteccedilatildeo agrave sauacutede anterior a 1988 era marcado por
distorccedilotildees limitativas visto que a assistecircncia agrave sauacutede somente era conferida aos trabalhadores
com viacutenculo formal e respectivos dependentes por meio do INPS Para a superaccedilatildeo eficiente
dessa estrutura o novel sistema precisou ser desenvolvido a partir da ideia de unidade
significando que os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede devem ser desenvolvidos a partir de poliacuteticas e
17
Consoante aponta Pieroth e Schlink ldquoalguns direitos fundamentais garantem natildeo soacute direitos subjetivos mas
tambeacutem objetivamente instituiccedilotildees Enquanto garantias de instituto (Institutsgarantien) na terminologia
geralmente aceita de C Schmitt garantem instituiccedilotildees de direito privado e enquanto garantias institucionais
(institutionelle Garantien) garantem instituiccedilotildees de direito puacuteblico retirando-as assim do poder dispositivo do
legisladorrdquo PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de
Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 54 18
Reforccedilando tal conceito Carlos Botazzo defende que a universalidade ldquosignifica que todo cidadatildeo
independente de sua inserccedilatildeo social no processo produtivo niacutevel de ingresso financeiro filiaccedilatildeo poliacutetico-
partidaacuteria crenccedila religiosa sexo idade ou etnia teraacute seu direito agrave sauacutede garantido e preservado pelo Estado
BOTAZZO Carlos Democracia participaccedilatildeo popular e programas comunitaacuterios In FLEURY Sonia
AMARANTE Paulo BAHIA Ligia (orgs) Sauacutede em debate fundamentos da reforma sanitaacuteria Rio de
Janeiro Cebes 2008 p 144
28
diretrizes uniformes englobando um soacute sistema abrangido e sujeito a uma direccedilatildeo uacutenica e um
soacute planejamento em que pese a estratificaccedilatildeo em niacuteveis federativos
Apesar de unificado19
a necessidade de se quebrar com a ordem centralizada anterior
que engessava a engrenagem do sistema de sauacutede fez surgir um SUS arquitetado a partir de
uma rede regionalizada e hierarquizada que preservada a direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de
governo atua segundo o raciociacutenio de descentralizaccedilatildeo permitindo desta maneira a
adaptaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede ao perfil epidemioloacutegico local o que se alinha as orientaccedilotildees da
OMS
Essa descentralizaccedilatildeo nasce pois do raciociacutenio de que cada esfera de governo eacute
autocircnoma e soberana nas suas decisotildees e devem respeitar os princiacutepios gerais e a participaccedilatildeo
da sociedade havendo gestores do SUS desde o Ministeacuterio da Sauacutede ateacute as Secretarias de
Sauacutede municipais Contudo eacute inegaacutevel que a decisatildeo daquele que estaacute mais perto do
problema tem mais chance de ser eficiente e por isso a modelagem descentralizada do SUS
que quebrou com o passado marcado por uma Uniatildeo centralizadora pressupotildee que os
municiacutepios sejam dotados de condiccedilotildees gerenciais teacutecnicas administrativas e financeiras
suficientes para execuccedilatildeo de suas poliacuteticas e serviccedilos
A hierarquizaccedilatildeo liga-se agrave ideia de execuccedilatildeo da assistecircncia a sauacutede com niacuteveis
crescentes de complexidade assinalando que o acesso aos serviccedilos deve ocorrer a partir dos
niacuteveis mais simples em direccedilatildeo aos mais altos de complexidade o que se coaduna com ideais
de eficiecircncia e subsidiariedade em um contexto em que as accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica satildeo
comuns a todos municiacutepios a assistecircncia de meacutedia e alta complexidade centraliza-se em
municiacutepios de maior porte e os serviccedilos de grande especializaccedilatildeo satildeo disponibilizados apenas
em alguns grandes centros do paiacutes
O princiacutepio da integralidade do atendimento determina que a cobertura proporcionada
pelo SUS deva ser a mais ampla possiacutevel refletindo tambeacutem a ideia de que as accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede devem ser tomados como um todo harmocircnico e contiacutenuo de modo que
19
Quanto ao fato de ser o SUS unificado o STF analisando demanda em que era questionada a instituiccedilatildeo de
programa de sauacutede especiacutefico para atender somente servidores de empresas puacuteblicas de Satildeo Paulo ponderou
ldquo() se a Constituiccedilatildeo preconiza um sistema unificado de sauacutede eacute justificaacutevel ao menos do ponto de vista
constitucional que se criem programas puacuteblicos de sauacutede restritos a servidores Salvo casos de demonstrada
adequaccedilatildeo isso natildeo ofenderia tambeacutem a isonomia constitucional e a proacutepria concepccedilatildeo de serviccedilo de sauacutede
puacuteblica na Constituiccedilatildeo de 1988 De qualquer sorte nem eacute preciso responder a essas duacutevidas para a soluccedilatildeo do
casordquo (Grifos acrescidos) (ADI 3403 voto do Rel Min Joaquim Barbosa julgamento em 18-6-2007
Plenaacuterio DJ de 24-8-2007)
29
sejam ao mesmo tempo articulados e integrados em todos os aspectos e niacuteveis de
complexidade do sistema20
Ainda o SUS tem a importante caracteriacutestica da participaccedilatildeo direta e indireta da
comunidade tanto relacionada agrave definiccedilatildeo quanto ao controle social das accedilotildees e poliacuteticas de
sauacutede participaccedilatildeo realizada seja por meio dos representantes da sociedade civil junto agraves
Conferecircncias de Sauacutede as quais possuem competecircncia para fazer proposiccedilotildees na formulaccedilatildeo
das poliacuteticas de sauacutede nos diferentes niacuteveis da federaccedilatildeo ou seja atraveacutes dos Conselhos de
Sauacutede que atuam diretamente no planejamento e controle do SUS
232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS
Como visto o amparo constitucional do tema alicerccedilado sob a premissa de que a
sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado natildeo tem o condatildeo por si soacute de suficientemente
abranger as condicionantes econocircmico-sociais da sauacutede tampouco envolver de forma ampla
e irrestrita todas as possiacuteveis accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ateacute mesmo porque haveraacute sempre um
limite orccedilamentaacuterio variaacutevel contrastado com o surgimentos de novas necessidades a cada
periacuteodo Desta forma a Lei do SUS assume o relevante papel de tentar traccedilar um pontapeacute de
partida ao apresentar de modo geral os objetivos e atribuiccedilotildees inerentes ao SUS os quais
buscam concretizar os princiacutepios que regem tal sistema bem como delinear na medida do
possiacutevel as prioridades abarcadas pelo mesmo
Nesse contexto destaque-se que cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores
condicionantes e determinantes da sauacutede formular as poliacuteticas de sauacutede o fornecimento de
assistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede
executar accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica bem como accedilotildees visando agrave sauacutede do
trabalhador formular poliacuteticas referentes a medicamentos equipamentos imunobioloacutegicos e
outros insumos de interesse para a sauacutede dentre outras atribuiccedilotildees que denotam a abrangecircncia
e complexidade na implementaccedilatildeo completa do mesmo
233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS
20
Sobre o tema dispotildee Ione Maria Domingues de Castro que ldquoa integralidade eacute essencial para a eficiecircncia do
sistema e para dar ao cidadatildeo o miacutenimo de condiccedilotildees dignas () Nessa perspectiva o cuidado com a sauacutede eacute
entendido natildeo apenas como um dos niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede ou um simples procedimento mas eacute visto como
uma accedilatildeo integrada que significa o direito de ter uma existecircncia digna com respeito agraves diferenccedilas individuaisrdquo
CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao miacutenimo existencial
garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 248
30
Consoante exposto um dos princiacutepios que regem o SUS eacute a participaccedilatildeo da
comunidade Nesse contexto a Lei ndeg 814290 merece destaque pois estabelece que o SUS
contaraacute em cada esfera de governo com as Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede oacutergatildeos de
instacircncia colegiada que cuidam da avaliaccedilatildeo proposiccedilatildeo de diretrizes e formulaccedilatildeo de
estrateacutegias para as poliacuteticas de sauacutede Aleacutem disso contam com a participaccedilatildeo de
representantes de vaacuterios segmentos sociais englobando natildeo soacute representantes do governo
como tambeacutem profissionais de sauacutede e usuaacuterios
Por outro lado aleacutem de viabilizarem a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS
tais conselhos representativos funcionam como verdadeiros espaccedilos de negociaccedilatildeo que
terminam por reduzir a possibilidade de o Ministeacuterio da Sauacutede estabelecer de maneira
unilateral as regras de funcionamento do SUS contrabalanceando dessa maneira a
concentraccedilatildeo de autoridade conferida ao Executivo Federal
A referida lei ainda trata da alocaccedilatildeo dos recursos do Fundo Nacional de Sauacutede
(FNS) ganhando relevo o destaque dado agraves obrigaccedilotildees a serem cumpridas pelos Municiacutepios
Estados e Distrito Federal como a elaboraccedilatildeo de relatoacuterios de gestatildeo que permitam o controle
dos recursos para o recebimento do repasse automaacutetico dos valores ligados agrave cobertura das
accedilotildees e serviccedilos de sauacutede a serem implementados pelos mesmos
Nessa temaacutetica com supedacircneo no art 5deg da lei em comento destacaram-se as
chamadas Normas Operacionais Baacutesicas (NOB) e Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede (NOAS)
editadas por meio de portarias do Ministeacuterio da Sauacutede as quais tentaram estabelecer criteacuterios
para a transferecircncia de recursos aos demais entes federados desembocando no conhecido
Pacto pela Sauacutede (PortariaGMMS ndeg 6982006) Tal pacto alterou a forma de financiamento
do SUS reduzindo as mais de cem diversas modalidades entatildeo existentes para apenas cinco
blocos (atenccedilatildeo baacutesica atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade hospitalar e ambulatorial
vigilacircncia em sauacutede assistecircncia farmacecircutica e gestatildeo do SUS)
234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem
aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
Por forccedila da Emenda Constitucional ndeg 292000 foi estabelecida a participaccedilatildeo miacutenima
de recursos financeiros para cada ente federado no financiamento das accedilotildees e serviccedilos
puacuteblicos de sauacutede para o periacuteodo entre 2000 e 2004 mediante regramento constante no artigo
77 do ADCT Foi prevista tambeacutem a ediccedilatildeo de uma Lei Complementar consoante dispotildee osect
31
3deg do art 198 da CF de 1988 com a missatildeo de revisar os percentuais estabelecer criteacuterios de
rateio e fiscalizar e controlar os recursos referidos
Ocorre que a despeito da autoaplicabilidade inerente aos dispositivos da EC ndeg
292000 ficou evidenciada a necessidade de ser esclarecido conceitual e operacionalmente o
alcance dessas previsotildees constitucionais sobretudo o que estaria abrangido materialmente
como accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede de modo a garantir eficaacutecia e perfeita aplicaccedilatildeo das
mesmas pelos agentes puacuteblicos Nesse sentido surgiram diversas iniciativas buscando
harmonizar as interpretaccedilotildees quanto agraves regras impostas pela EC ndeg 292000 ateacute que a
recalcitracircncia na elaboraccedilatildeo da Lei Complementar referida fosse suprida
Destacaram-se nesse cenaacuterio tanto a Resoluccedilatildeo ndeg 322200321
elaborada pelo
Conselho Nacional de Sauacutede que buscou uniformizar em todo territoacuterio nacional a aplicaccedilatildeo
dos ditames trazidos pela EC ndeg 292000 fixando diretrizes sobre a base de caacutelculo para a
definiccedilatildeo dos recursos miacutenimos a serem aplicados em sauacutede a definiccedilatildeo das regras para a
apuraccedilatildeo de tais recursos bem como a definiccedilatildeo do que exatamente seria considerado accedilotildees e
serviccedilos puacuteblicos de sauacutede como tambeacutem as Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias surgidas apoacutes a
EC 292000 que trataram de definir o que compreenderia em acircmbito federal o conjunto das
accedilotildees e serviccedilos de sauacutede desempenhando o papel da almejada Lei Complementar
A definiccedilatildeo trazida pelas Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias se calcou na ideia de que a
totalidade da dotaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede deduzidos os encargos previdenciaacuterios da
Uniatildeo os serviccedilos da diacutevida e a parcela das despesas do Ministeacuterio financiada com recursos
do Fundo de Combate e Erradicaccedilatildeo da Pobreza compreenderia os recursos para as accedilotildees e
serviccedilos puacuteblicos de sauacutede na esfera federal obedecendo assim a uma loacutegica meramente
institucional levando em conta apenas o oacutergatildeo executor da accedilatildeo bastando que a despesa
estivesse na programaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede para que em tese integrasse o referido piso
de aplicaccedilatildeo
Tal precariedade levou a subjetivismos e duacutevidas na realizaccedilatildeo dos gastos em sauacutede jaacute
tendo sido alocado por exemplo parte dos recursos destinados ao Bolsa Famiacutelia (programa
marcadamente assistencialista) como constantes do orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede bem
como computado no piso da sauacutede os gastos com a regulaccedilatildeo das operadoras de planos
21
De se destacar que tal Resoluccedilatildeo foi alvo de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2999RJ) entendendo
o Supremo Tribunal Federal pelo natildeo conhecimento da referida accedilatildeo sob o argumento de que a Resoluccedilatildeo foi
expedida com fundamento em regras de competecircncias previstas em um complexo normativo infraconstitucional
abarcado pelas jaacute mencionadas Lei 808090 e 814290
32
privados de sauacutede e suas relaccedilotildees com prestadores e consumidores accedilotildees tipicamente
fiscalizatoacuterias e ligadas a sauacutede suplementar que natildeo atende a universalidade e equidade22
Em acircmbito estadual o quadro tambeacutem foi de grande divergecircncia quanto agrave aplicaccedilatildeo da
Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 do Conselho Nacional de Sauacutede instaurando-se um cenaacuterio de
inseguranccedila juriacutedica em que alguns Estados por exemplo incluiacuteram absurdamente como
constantes do orccedilamento da sauacutede despesas com pagamento de planos meacutedicos privados para
servidores puacuteblicos saneamento alimentaccedilatildeo e assistecircncia social desvirtuando as diretrizes
da mencionada Resoluccedilatildeo
Tais situaccedilotildees em que pese denotarem a proacutepria dificuldade que haacute em se delimitar
um conceito fechado de sauacutede puacuteblica a qual ora liga-se a ideia de uma realidade
epidemioloacutegica (o estado geral de sauacutede de um dado povo) ora vincula-se a noccedilatildeo de
atividade estatal para a administraccedilatildeo da sauacutede e ora serve para designar uma aacuterea da
atividade humana caracterizada pela especializaccedilatildeo profissional e institucional (um campo do
conhecimento humano organizado em uma disciplina)23
terminam por transparecer um
desvirtuamento das verbas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede que sacrifica a concretizaccedilatildeo de tal
direito
Natildeo resta duacutevida desta maneira que a omissatildeo legislativa em se criar a Lei
Complementar prevista pela EC ndeg 292000 contribuiu para a difiacutecil tarefa de se aferir o que
exatamente seria obrigaccedilatildeo do Estado na realizaccedilatildeo do direito fundamental a sauacutede tema que
assume importantiacutessima relevacircncia quando do estudo da efetividade de tal direito bem como
sua proteccedilatildeo judicial conforme se veraacute nos capiacutetulos seguintes
Pois bem em 13 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei Complementar ndeg 141 que
sanando uma omissatildeo que jaacute durava cerca de doze anos veio a instituir nos termos do sect 3deg do
art 198 da Constituiccedilatildeo Federal
i o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante miacutenimo a ser aplicado anualmente
pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede
ii percentuais miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados
anualmente pelos Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede
22
Nota Teacutecnica ndeg 10 de 2011 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos
Deputados - CONOFCD A Sauacutede no Brasil Histoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede arcabouccedilo legal
organizaccedilatildeo funcionamento financiamento do SUS e as principais propostas de regulamentaccedilatildeo da
Emenda Constitucional ndeg29 de 2000 p 23 23
AITH Fernando Curso de direito sanitaacuterio a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Satildeo Paulo Quartier
Latin 2007 p 50-51
33
iii criteacuterios de rateio dos recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados
ao Distrito Federal e aos Municiacutepios bem como dos Estados para os seus respectivos
Municiacutepios visando agrave progressiva reduccedilatildeo das disparidades regionais
iv normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferase
v definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em accedilotildees e serviccedilos
puacuteblicos de sauacutede
A tiacutetulo de exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o pagamento de
aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros
programas de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS passaram a
expressamente natildeo constituir despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de
apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos de que trata a referida LC 1412012 representando um
passo significativo para uma uniformizaccedilatildeo miacutenima dos gastos em sauacutede no paiacutes corrigindo
distorccedilotildees e contribuindo para a otimizaccedilatildeo do planejamento do SUS por meio da canalizaccedilatildeo
de investimentos para accedilotildees efetivamente pertinentes ao campo da sauacutede
Desta maneira a LC ndeg 1412012 aleacutem de trazer mais seguranccedila juriacutedica e
uniformidade na correta aplicaccedilatildeo de recursos na aacuterea de sauacutede assume papel chave na
temaacutetica da efetividade do direito agrave sauacutede visto que suas disposiccedilotildees terminam por contribuir
consideravelmente tanto para a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para tal
direito jaacute que satildeo arroladas as accedilotildees e serviccedilos que os recursos estatais devem minimamente
abranger como tambeacutem auxiliam na construccedilatildeo de paracircmetros relevantes agrave proteccedilatildeo judicial
do mesmo consoante seraacute analisado mais a frente em toacutepico oportuno
24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E ALGUNS DESAFIOS
ATUAIS DO SUS
A implantaccedilatildeo do SUS no iniacutecio da deacutecada de noventa ocorreu em um periacuteodo
desfavoraacutevel notadamente influenciado pela ideologia neoliberal no cenaacuterio econocircmico
brasileiro tendo tal fato contribuiacutedo para a alocaccedilatildeo da reforma sanitaacuteria a um niacutevel de
prioridade secundaacuteria na agenda poliacutetica do paiacutes visto que a conjuntura inicial era marcada
pelo apoio estatal ao setor privado e pela concentraccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede nas regiotildees mais
desenvolvidas do paiacutes
Apesar disso eacute inegaacutevel que nos uacuteltimos vinte anos o SUS avanccedilou a partir de
inovaccedilotildees institucionais calcadas sobretudo em um intenso processo de descentralizaccedilatildeo que
outorgou maior responsabilidade aos municiacutepios na gestatildeo e serviccedilo de sauacutede aleacutem de
34
possibilitar meios para promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social na criaccedilatildeo de sauacutede e controle do
desempenho do sistema destacando-se os esforccedilos na fabricaccedilatildeo de produtos farmacecircuticos e
a cobertura da vacinaccedilatildeo24
Ocorre que o SUS em que pese jaacute possuir bases legais estabelecidas e amadurecidas a
partir de uma consideraacutevel experiecircncia operacional ainda precisa ser melhor desenvolvido na
busca pela garantia da cobertura universal e equitativa abraccedilada por nosso ordenamento
Nesse ponto faz-se imprescindiacutevel uma reestruturaccedilatildeo financeira e uma revisatildeo profunda das
relaccedilotildees puacuteblico-privadas atinentes ao sistema de modo a diminuir as desigualdades
persistentes e garantir uma sustentabilidade poliacutetica econocircmica e teacutecnica do SUS
Para se ter uma ideia seja na atenccedilatildeo baacutesica secundaacuteria ou terciaacuteria as diversas
estrateacutegias de repasse de recursos bem como a implantaccedilatildeo de programas como o Programa
de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) apesar de diminuir o problema estrutural natildeo foram
suficientemente satisfatoacuterios sobretudo pela baixa integraccedilatildeo e deficiecircncia dos prestadores
em niacuteveis municipal e estadual
Nesse raciociacutenio notadamente para os procedimentos de meacutedio e alto custo haacute um
inegaacutevel quadro de deficitaacuterio controle dos custos e da eficiecircncia das accedilotildees envolvidas visto
que quem os realiza predominantemente satildeo os atores privados contratados e hospitais
puacuteblicos de ensino pagos com recursos puacuteblicos a preccedilos proacuteximos do valor de mercado
contribuindo para a potencializaccedilatildeo dos obstaacuteculos estruturais procedimentais e poliacuteticos do
SUS25
De se destacar ainda que aleacutem de claros problemas estruturais como eacute o caso do jaacute
citado desequiliacutebrio de poder entre integrantes da rede de sauacutede da falta de responsabilizaccedilatildeo
dos atores envolvidos aliada agraves descontinuidades administrativas e da alta rotatividade dos
gestores por motivos poliacuteticos a carecircncia em infraestrutura eacute um grave fator que compromete
a efetividade das iniciativas puacuteblicas para o setor
Em que pese natildeo ser objeto do presente trabalho o exame apurado dos problemas do
SUS agrave tiacutetulo de ilustraccedilatildeo faz-se imperioso destacar que da leitura de dados da OMS
extraiacutedos em 2011 depreende-se que26
24
PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p 28 Disponiacutevel em
httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 11022013 25
SOLLA J Chioro A Atenccedilatildeo ambulatorial especializada In GIOVANELLA Liacutevia (Org) Poliacuteticas e
sistema de sauacutede no Brasil Rio de Janeiro FioCruz 2008 p 672 e 673 26
Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201304130402_saude_gastos_publicos_lgdsht
Acesso em 04032013
35
a) no Brasil os gastos privados com sauacutede correspondem a 54 das despesas totais do
setor enquanto que os gastos puacuteblicos financiam os 46 restantes (para se ter um
ideia na Colocircmbia o financiamento puacuteblico na aacuterea eacute de 74 e no Chile 68)
b) a parcela do orccedilamento federal destinada agrave sauacutede gira em torno de 87 enquanto a
meacutedia dos paiacuteses africanos eacute 106 e a meacutedia mundial 117
c) o gasto anual do governo com a sauacutede de cada habitante corresponde a cerca de
US$ 477 doacutelares bem abaixo da meacutedia mundial (US$ 716 doacutelares) e dos nuacutemeros de
paiacuteses vizinhos como Argentina (US$ 866 doacutelares) e Chile (US$ 607 doacutelares)
Ainda conforme dados do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) haacute um
claro descompasso na execuccedilatildeo do orccedilamento em relaccedilatildeo ao crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) vez que no periacuteodo de 1995 a 2010 a meacutedia de investimento em sauacutede foi de
168 do PIB enquanto a OMS recomenda a aplicaccedilatildeo de pelo menos 5 do PIB para a
obtenccedilatildeo de padrotildees eficientes de atendimento27
Contudo se por um lado os dados acima levam a crer que ainda falta investimento em
recursos para a sauacutede eacute inegaacutevel que esta natildeo eacute a uacutenica dificuldade da sauacutede puacuteblica no
Brasil visto que haacute uma verdadeira multicausalidade no tema que engloba tambeacutem a crise de
gestatildeo pela qual passa o SUS os problemas relacionados agrave corrupccedilatildeo somados agrave impunidade
quanto aos desvios de verbas da sauacutede e a necessidade de uma delimitaccedilatildeo mais clara dos
investimentos em sauacutede com a melhoria da fiscalizaccedilatildeo dos mesmos
Vislumbra-se portanto que o maior desafio enfrentado pelo SUS eacute poliacutetico sendo
necessaacuteria uma uniatildeo de esforccedilos tanto dos governantes como da sociedade aliada aos oacutergatildeos
de fiscalizaccedilatildeo da gestatildeo puacuteblica para se alcanccedilar uma melhoria estrutural em seu
funcionamento capaz de fazer valer na praacutetica as disposiccedilotildees normativas previstas
contribuindo assim para uma maior concretizaccedilatildeo do direito fundamental agrave sauacutede a partir do
agir comunicativo da sociedade28
25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO
ORDENAMENTO PAacuteTRIO
27
CASTRO Jorge Abrahatildeo Gasto Social Federal uma anaacutelise da prioridade macroeconocircmica no periacuteodo
1995-2010 Nota Teacutecnica do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) disponiacutevel em
httpwwwipeagovbragenciaimagesstoriesPDFsnota_tecnica120904_notatecnicadisoc09_apresentacaopdf
Acessado em 06032013 28
PAIM Jairnilson Silva Bases conceituais da reforma sanitaacuteria brasileira In FLEURY Socircnia (Org) Sauacutede e
democracia a luta do CEBES Satildeo Paulo Lemos 1997 p 20-22
36
Para o exame da sauacutede como direito humano e a exata noccedilatildeo de sua abrangecircncia
protetiva em acircmbito internacional faz-se necessaacuterio analisar os principais documentos que
tratam dos direitos humanos tanto em niacutevel universal como regional (especialmente no
continente americano) de modo a se extrair dos mesmos as disposiccedilotildees correlatas com a
temaacutetica da sauacutede
No que se refere ao sistema universal tem-se que a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos (DUDH) adotada pela III Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas sob a forma de
resoluccedilatildeo em 10 de dezembro de 1948 consolidou a afirmaccedilatildeo de uma eacutetica universal ao
consagrar um consenso de caraacuteter vinculante sobre valores a serem seguidos pelos Estados a
partir da conjugaccedilatildeo do valor liberdade com o da igualdade impondo-se como um coacutedigo de
conduta voltado ao reconhecimento universal dos direitos humanos29
Nesse contexto apesar de indiretamente diversos dispositivos deste diploma se
correlacionarem com o direito humano a sauacutede (por exemplo art 3deg trata do direito agrave vida
art 5deg da proibiccedilatildeo da tortura art 22 direitos sociais indispensaacuteveis agrave dignidade e garantidos
pela cooperaccedilatildeo internacional) a menccedilatildeo expressa a tal direito social encontra-se no art 25 o
qual faz alusatildeo ao acesso agraves condiccedilotildees miacutenimas de sauacutede e bem-estar inclusive a cuidados
meacutedicos e serviccedilos sociais indispensaacutevel abrangendo desta maneira uma percepccedilatildeo da sauacutede
de maneira ampla e aproximada da concepccedilatildeo propagada pela OMS30
Dispotildee o art 25 da
Declaraccedilatildeo que
Todo homem tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua
famiacutelia sauacutede e bem-estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo
cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila
em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos
de perda dos meios de subsistecircncia em circunstacircncias fora de seu controle
2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais
Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma
proteccedilatildeo social (Grifos acrescidos)
Aleacutem da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos31
um importante avanccedilo foi dado
em 1966 com o intuito de explicitar melhor os direitos jaacute consagrados na DUDH bem como
29
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva
2006 p 133 30
TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo
por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 83 31
Conforme as liccedilotildees de Maria Helena Rodriguez a DUDH consolidou-se como um verdadeiro coacutedigo de
princiacutepios e valores universais ocasionando uma chamada globalizaccedilatildeo dos direitos humanos ldquopor baixordquo (ao
contraacuterio da globalizaccedilatildeo por cima tiacutepica das estruturas de comunicaccedilatildeo comeacutercio e poliacutetica) calcada no
desenvolvimento e emancipaccedilatildeo do ser humano mediante a conquista concreta de um rol de direitos por todas as
37
de fortalecer os mecanismos de controle da efetivaccedilatildeo desses direitos pela comunidade
internacional Tal fato consistiu na celebraccedilatildeo do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Poliacuteticos (PIDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais
(PIDESC) os quais reforccedilaram a positivaccedilatildeo dos direitos humanos em acircmbito internacional e
trouxeram aspectos relevantes quanto ao direito agrave sauacutede
O PIDCP apresenta diversos dispositivos com ligaccedilatildeo indireta com o direito humano agrave
sauacutede ora por externarem um reforccedilo do direito agrave vida e agrave integridade humana (como eacute o caso
da proibiccedilatildeo da tortura e da vedaccedilatildeo do uso da pessoa em experimentos meacutedicos ou
cientiacuteficos sem livre e legiacutetimo consentimento) ora como uma limitaccedilatildeo de ordem puacuteblica
ao exerciacutecio de outros direitos humanos como o direito de entrar e sair do paiacutes e a nele
circular livremente o qual pode ser restringido em defesa da sauacutede puacuteblica
Jaacute no PIDESC haacute uma proteccedilatildeo mais enfaacutetica quanto ao direito agrave sauacutede especialmente
nos artigos 11 e 12 os quais refletem a noccedilatildeo construiacuteda de que a dignidade eacute inerente agrave
pessoa humana por meio tanto da previsatildeo de aspectos materiais promovedores da sauacutede (art
11) como do proacuteprio direito a sauacutede em sentido estrito (art 12)
Artigo 11
1 Os Estados Signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa a um niacutevel de vida adequado para si e sua famiacutelia inclusive
alimentaccedilatildeo vestimenta e moradia adequadas e ao melhoramento contiacutenuo
das condiccedilotildees de existecircncia ()
Artigo 12
1 Os Estados signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa de desfrutar o mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede fiacutesica e mental
2 Entre as medidas que deveratildeo ser adotadas pelos Estados Signataacuterios do
Pacto a fim de assegurar a plena efetividade deste direito figuraratildeo as
necessaacuterias para
a) A reduccedilatildeo da mortalidade infantil e do iacutendice de natimortos bem
como o desenvolvimento sadio das crianccedilas
b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e
do meio ambiente
c) A prevenccedilatildeo e o tratamento das doenccedilas epidecircmicas endecircmicas
profissionais e de outro tipo e a luta contra elas
d) A criaccedilatildeo de condiccedilotildees que garantam a todos assistecircncia meacutedica e
serviccedilos meacutedicos em caso de doenccedila
A abertura de um dispositivo especiacutefico sobre sauacutede significou antes de tudo um
importante avanccedilo na proteccedilatildeo desse direito jaacute que ateacute entatildeo a grande maioria das referecircncias
ao mesmo era feita de forma indireta Contudo a principal contribuiccedilatildeo do mencionado
pessoas RODRIGUEZ Maria Helena Os direitos econocircmico sociais e culturais uma realidade inadiaacutevel In
Revista Trimestral de Debate FASE v31 ndeg 92 p 18-38 marmaio 2002 p 19
38
artigo 12 foi a listagem de accedilotildees estatais essenciais para a garantia da plena efetividade do
direito agrave sauacutede com a apresentaccedilatildeo das balizas centrais ou frentes prioritaacuterias as quais os
Estados Membros devem se preocupar quando tratam da temaacutetica da sauacutede puacuteblica
consistindo tal contributo assim em importante paracircmetro para a construccedilatildeo de um miacutenimo
existencial quanto a este direito fundamental
Antes de avanccedilar impende destacar um aspecto concernente aos citados Pactos que
seraacute relevante no estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais (em especial o direito agrave
sauacutede) tratado mais a frente Tal aspecto diz respeito agrave complementaridade iacutensita aos dois
pactos no sentido de que o fato de o PIDCP asseverar que os direitos civis e poliacuteticos satildeo
autoaplicaacuteveis (art 2deg) e o PIDESC por sua vez estabelecer uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo
progressiva nos limites dos recursos disponiacuteveis visando agrave mais completa realizaccedilatildeo dos
direitos elencados (art 2deg) natildeo significa que exista uma dualidade excludente entre as duas
categorias de direitos previstas Havendo em verdade uma autecircntica pluralidade combinada e
formadora de um conjunto indivisiacutevel perfeitamente imbricado no qual a ausecircncia de
medidas concretizadoras de um direito inevitavelmente repercute na fruiccedilatildeo plena do conjunto
restante32
Para monitorar o cumprimento pelos Estados Membros das prioridades elencadas
acima haacute um intercacircmbio de informaccedilotildees dos mesmos com o Comitecirc de Direitos Econocircmicos
Sociais e Culturais instituiacutedo pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU cuja principal
funccedilatildeo eacute exatamente a de monitorar a implementaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e
culturais por meio do exame dos relatoacuterios perioacutedicos apresentados pelos Estados Nessa
conjuntura a Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 do referido comitecirc eacute de suma importacircncia pois
esclarece quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas dos Estados as quais o cumprimento deve ser
imediato
O documento mencionado acima eacute calcado em quatro elementos essenciais e
interligados disponibilidade acessibilidade fiacutesica e econocircmica sem discriminaccedilatildeo
aceitabilidade e qualidade Nesse sentido cada Estado-Parte deve contar com um nuacutemero
suficiente de estabelecimentos bens e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os quais sejam acessiacuteveis a
todos sem qualquer discriminaccedilatildeo respeitem a eacutetica meacutedica sendo culturalmente apropriados
32
Realccedila essa visatildeo o fato de o art 5deg de ambos os Pactos criarem uma regra de inteligecircncia proacutepria dos direitos
humanos que se sobrepotildee aos demais criteacuterios hermenecircuticos tradicionais no sentido de que a interpretaccedilatildeo nos
Pactos deve ser a mais ampliativa possiacutevel voltada agrave maacutexima eficaacutecia dos preceitos que contecircm em um cenaacuterio
de busca pela maximizaccedilatildeo dos direitos humanos FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave
Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 29
39
e finalmente sejam providos de um miacutenimo de qualidade com profissionais qualificados e
condiccedilotildees sanitaacuterias adequadas33
Pode-se observar desta forma que a Observaccedilatildeo Geral ndeg 1434
funciona como um
verdadeiro instrumento de regulamentaccedilatildeo do artigo 12 do PIDESC e consequentemente de
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede visto que busca esclarecer quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas
dos Estados cujo cumprimento deve ser imediato35
e fora do espectro de discussatildeo da
disponibilidade de recursos como as seguintes a garantia de acesso a uma alimentaccedilatildeo
essencial miacutenima agrave moradia e abastecimento de aacutegua a adoccedilatildeo de estrateacutegias e accedilotildees
nacionais de sauacutede puacuteblica relacionadas com as preocupaccedilotildees mais claras da populaccedilatildeo a
facilitaccedilatildeo ao acesso de medicamentos36
essenciais etc
A Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 demonstra-se pois primordial para a compreensatildeo das
distintas dimensotildees normativas do direito a sauacutede pois busca oferecer respostas concretas e
ateacute certo ponto praacuteticas ao questionamento acerca do que deve ser cumprido pelos Estado
Membros do PIDESC na mateacuteria do direito agrave sauacutede apontando tanto obrigaccedilotildees gerais como
especiacuteficas de cunho positivo ou negativo37
Tambeacutem no acircmbito universal de proteccedilatildeo pode ser destacada a Declaraccedilatildeo de Viena38
de 1993 que ao legitimar a universalidade dos direitos humanos propagada desde 1948
33
MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a
concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN
Natal 2007 p 41 34
A Observaccedilatildeo Geral ndeg14 foi expedida durante o 22deg periacuteodo de sessotildees do Comitecirc de Direitos Econocircmicos
Sociais e Culturais celebrado no ano 2000 e seu texto pode ser consultado por exemplo em CARBONELL
Miguel MOGUEL Sandra amp PORTILLA Karla Peacuterez (compiladores) Derecho Internacional de los
Derechos Humanos Textos Baacutesicos 2deg Ediccedilatildeo Meacutexico Porruacutea 2003 pp 594- 621 35
No que refere-se agrave supervisatildeo do cumprimento das obrigaccedilotildees referidas tem-se que os Estados ndash partes devem
apresentar informaccedilotildees sobre as medidas que estejam sendo tomadas e os progressos alcanccedilados submetendo tais
dados ao Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Eacute nesse cenaacuterio que com o fito de avaliar o grau
de eficiecircncia dos serviccedilos de sauacutede em acircmbito internacional foi criada em 7 de abril de 1948 a Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede cujo objetivo eacute decidir as principais questotildees relativas agraves poliacuteticas de sauacutede com o fim de que
todos os povos possam gozar do grau maacuteximo de sauacutede possiacutevel 36
Medida salutar para se alcanccedilar tal facilitaccedilatildeo eacute a questatildeo que envolve a possibilidade da quebra de patentes
Sobre o tema conferir BARRETO Ana Cristina Costa Direito agrave sauacutede e patentes farmacecircuticas ndash O acesso a
medicamentos como preocupaccedilatildeo global para o desenvolvimento In Revista Aurora v 5 n7 jan 2011 37
Nesse sentido dispotildee Miguel Carbonell ao destacar os paraacutegrafos 35 e 36 do documento em exame que
ldquo()sobre la obligacioacuten de proteger el Comiteacute apunta que los Estados deberaacuten adoptar leyes u otras medidas para
velar por el acceso igual a la atencioacuten de la salud y los servicios relacionados con la salud proporcionados por
terceros velar por que la privatizacioacuten del sector de la salud no represente una amenaza para la disponibilidad
accesibilidad aceptabilidad y calidad de los servicios de atencioacuten de la salud controlar la comercializacioacuten de
equipo meacutedico y medicamentos por terceros y asegurar que los facultativos y otros profesionales de la salud
reuacutenan las condiciones necesarias de educacioacuten experiencia y deontologiacutea Los Estados tambieacuten tienen la
obligacioacuten de velar por que las praacutecticas sociales o tradicionales nocivas no afecten al acceso a la atencioacuten
anterior y posterior al parto ni a la planificacioacuten de la famiacutelia()rdquo CARBONELL Miguel El derecho a la salud
em el derecho internacional de los derechos humanos las observaciones generales de la ONU In Revista da
Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 pp 80-83 38
A Conferecircncia de Viena consolidou o aacutepice de um processo de consagraccedilatildeo dos direitos humanos como tema
da comunidade internacional que teve por carro-chefe a prevalecircncia de uma concepccedilatildeo universalizante a exceder
40
ponderou com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que os Estados devem promover a maternidade
segura e a assistecircncia de sauacutede consideradas elementos importantes para a diminuiccedilatildeo das
desigualdades de gecircnero reconheceu a importacircncia do usufruto de elevados padrotildees de sauacutede
fiacutesica e mental por parte da mulher durante todo o seu ciclo de vida sendo seu direito a
assistecircncia de sauacutede acessiacutevel e adequada estabeleceu ser dever dos estados natildeo impedir a
plena realizaccedilatildeo dos direitos humanos como eacute o caso do direito das pessoas a um niacutevel de
vida adequado agrave sauacutede e bem-estar e asseverou que os estados tecircm a obrigaccedilatildeo de prover
sauacutede agraves pessoas pertencentes a grupos vulneraacuteveis
A Declaraccedilatildeo de Viena desta feita natildeo soacute consolidou os direitos humanos como um
tema global a partir da afirmaccedilatildeo de sua universalidade interdependecircncia e
complementariedade solidaacuteria pregando pelo direito agrave diferenccedila e o dever de respeitar as
particularidades nacionais e regionais como tambeacutem significou um importante reforccedilo agrave
International Bill of Rights39
apresentando importantes disposiccedilotildees concernentes agrave temaacutetica
do direito agrave sauacutede40
Aleacutem dos textos jaacute citados existem alguns documentos mais especiacuteficos na esfera de
proteccedilatildeo universal dos quais podem ser extraiacutedos aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede
como a Convenccedilatildeo contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Crueacuteis Desumanos ou
Degradantes que embora natildeo aborde diretamente o direito em exame defende a natureza
absoluta da vedaccedilatildeo da praacutetica de tortura o que em uacuteltima anaacutelise consubstancia-se em
praacutetica protetiva da sauacutede e integridade fiacutesica a Convenccedilatildeo Internacional sobre a Eliminaccedilatildeo
de todas as formas de Discriminaccedilatildeo Racial que expressamente elenca em seu artigo 5deg o
dever de garantia pelo Estado do direito agrave sauacutede a cuidados meacutedicos e agrave previdecircncia social a
Convenccedilatildeo sobre todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher que reconhece
especialmente em seu artigo 12 o direito da mulher agrave sauacutede e agrave assistecircncia apropriada em
relaccedilatildeo agrave gravidez bem como a Convenccedilatildeo sobre os Direitos da Crianccedila que menciona o
direito humano agrave sauacutede para todas as crianccedilas (arts 24 e 25) bem como para as crianccedilas
deficientes (art 23) extraindo-se de todo este arcabouccedilo protetivo que a sauacutede se situa como
relativismos e etnocentrismos culturais FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 31 39
Conforme aduz Piovesan o conjunto formado da soma entre os Pactos de 1966 e a Declaraccedilatildeo de 1948
formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o
Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 152 40
Nesse sentido se a DUDH veio a consolidar o pensamento de que natildeo haacute liberdade sem igualdade nem
igualdade sem liberdade preenchendo a lacuna que distanciava a visatildeo liberal e social a Declaraccedilatildeo de Viena foi
relevante pois solidificou a consagraccedilatildeo da indivisibilidade interdependecircncia e inter-relaccedilatildeo entre os direitos
humanos PIOVESAN Flaacutevia Proteccedilatildeo internacional dos direitos econocircmicos sociais e culturais In SARLET
Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e
comparado Rio de Janeiro Renovar 2003 p 247
41
um tema transversal41
no processo de especificaccedilatildeo dos direitos humanos devido a sua
essencialidade e estreita relaccedilatildeo com o proacuteprio direito agrave vida
Em niacutevel regional42
podem ser mencionados os sistemas europeu africano e o
interamericano43
merecendo maior destaque este uacuteltimo para os anseios do presente trabalho
Nesse contexto na temaacutetica da proteccedilatildeo do direito humano agrave sauacutede no sistema
interamericano ganham relevo a Declaraccedilatildeo Americana dos Direitos e Deveres do Homem
de 1948 o subsistema da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash Pacto de Satildeo Joseacute
da Costa Rica de 1969 e o Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos
Humanos em mateacuteria de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais denominado de Protocolo
de Satildeo Salvador de 1988
A Declaraccedilatildeo Americana de maneira expressa aborda o direito agrave preservaccedilatildeo da
sauacutede e ao bem-estar em seu artigo 11 ao afirmar que toda pessoa tem direito a que sua sauacutede
seja resguardada por medidas sanitaacuterias e sociais relativas agrave alimentaccedilatildeo roupas habitaccedilatildeo e
cuidados meacutedicos correspondentes ao niacutevel permitido pelos recursos puacuteblicos e os da
coletividade deixando clara a importacircncia da efetivaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais do direito agrave
sauacutede em si mas tambeacutem dos seus fatores condicionantes mais relevantes alimentaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos de 1969 por sua vez tratou de
prestigiar os direitos humanos de dimensatildeo individual e por tal razatildeo o direito agrave sauacutede eacute
tratado de maneira indireta ou subentendida visto que em seu artigo 5deg sect 1deg a aludida
Convenccedilatildeo afirma que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral Noutro poacutertico sob um vieacutes de direito de defesa diversos dispositivos ao
tratarem de determinados direitos individuais (como a liberdade de religiatildeo de pensamento
de reuniatildeo por exemplo) fazem alusatildeo a possibilidade de limitaccedilatildeo excepcional dos mesmos
justificada em razatildeo da defesa da sauacutede puacuteblica revelando o caraacuteter prioritaacuterio desse direito
social
41
TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo
por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 95 42
Assevera Flaacutevia Piovesan que ldquoos sistemas global e regional natildeo satildeo dicotocircmicos mas complementares ()
O propoacutesito da coexistecircncia de distintos instrumentos juriacutedicos ndash garantindo os mesmos direitos ndash eacute pois no
sentido de ampliar e fortalecer a proteccedilatildeo dos direitos humanos O que importa eacute o grau de eficaacutecia da proteccedilatildeo
e por isso deve ser aplicada a norma que no caso concreto melhor proteja a viacutetimardquo PIOVESAN Flaacutevia
Desenvolvimento histoacuterico dos direitos humanos e a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 In Retrospectiva dos 20
anos da Constituiccedilatildeo Federal Walber de Moura Agra (coord) Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 24 43
Para um aprofundamento no exame desses trecircs sistemas PIOVESAN Flaacutevia Direito Humanos e Justiccedila
Internacional um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu interamericano e africano Satildeo
Paulo Saraiva 2006
42
Como explicado a proteccedilatildeo em 1969 limitou-se aos direitos de primeira dimensatildeo
contudo em 1988 foi assinado em San Salvador um Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo o
qual tratou de contemplar os direitos econocircmicos sociais e culturais Desta forma o artigo 10
do mencionado Protocolo trata de maneira expressa e enfaacutetica do tema do direito agrave sauacutede
reconhecendo algumas premissas baacutesicas e relevantes que devem ser levadas em consideraccedilatildeo
pelos Estados quais sejam
1 Toda pessoa tem direito agrave sauacutede entendida como o gozo do mais alto
niacutevel de bem-estar fiacutesico mental e social
()
3 A fim de tornar efetivo o direito agrave sauacutede os Estados Partes
comprometem-se a reconhecer a sauacutede como bem puacuteblico e
especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito
a Atendimento primaacuterio de sauacutede entendendo-se como tal a
assistecircncia meacutedica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas
e famiacutelias da comunidade
b Extensatildeo dos benefiacutecios dos serviccedilos de sauacutede a todas as pessoas
sujeitas agrave jurisdiccedilatildeo do Estado
c Total imunizaccedilatildeo contra as principais doenccedilas infecciosas
d Prevenccedilatildeo e tratamento das doenccedilas endecircmicas profissionais e de
outra natureza
e Educaccedilatildeo da populaccedilatildeo sob prevenccedilatildeo e tratamento dos problemas
de sauacutede e
f Satisfaccedilatildeo das necessidades de sauacutede dos grupos de mais alto risco e
que por sua situaccedilatildeo de pobreza sejam mais vulneraacuteveis
Eacute relevante notar que as disposiccedilotildees acima arroladas se coadunam e se somam com as
jaacute vistas previsotildees no direito paacutetrio quanto ao direito agrave sauacutede notadamente com os princiacutepios
informadores do SUS e terminam por compor o vasto arcabouccedilo juriacutedico de proteccedilatildeo do
direito agrave sauacutede constante no direito paacutetrio que poderaacute ser invocado pela sociedade para se ter
garantido respeitado e concretizado tal direito social
Merece destaque ainda a Declaraccedilatildeo de Alma-Ata de 1978 resultado da Conferecircncia
Internacional sobre Cuidados Primaacuterios de Sauacutede que em seu item I dispotildee que a realizaccedilatildeo
do mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede depende da atuaccedilatildeo de diversos setores sociais e
econocircmicos para aleacutem do setor da sauacutede propriamente dito o que termina por reforccedilar a
noccedilatildeo (seguida tanto pela ldquoLei do SUSrdquo) de ldquointersetorialidaderdquo desse direito Explicando
melhor na medida em que tal direito eacute compreendido como garantia de qualidade miacutenima de
vida sua efetivaccedilatildeo natildeo incumbe de modo exclusivo ao ldquosetor sauacutederdquo mas sim depende da
consecuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mais amplas direcionadas agrave superaccedilatildeo das desigualdades
43
sociais e ao pleno desenvolvimento da personalidade inclusive pelo compromisso com as
futuras geraccedilotildees44
Finalmente na temaacutetica da proteccedilatildeo internacional do direito agrave sauacutede eacute digna de
referecircncia a Carta de Intenccedilotildees formulada na 1deg Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo
da Sauacutede ocorrida em Otawa no Canadaacute no ano de 1986 Tal Carta aleacutem de fixar novas
diretrizes e princiacutepios voltados agrave organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede em diversos paiacuteses
influenciando na criaccedilatildeo do SUS no Brasil procurou empreender uma leitura da promoccedilatildeo da
sauacutede centrada na procura da equidade e na busca pela reduccedilatildeo das desigualdades existentes
estabelecendo que a sauacutede seria um recurso da maior importacircncia para o desenvolvimento
social econocircmico e pessoal consistindo em uma dimensatildeo importante da qualidade de vida
de cada um45
44
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 4
45
MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a
concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN
Natal 2007 p 42
44
3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL
Em que pese ter se apresentado marcadamente descritivo devido a apresentaccedilatildeo de
disposiccedilotildees legislativas bem como de nuacutemeros percentuais que refletem o atual quadro da
sauacutede puacuteblica no Brasil o capiacutetulo anterior teve sua importacircncia pois contribuiu com uma
visatildeo geral acerca de como a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute esmiuccedilada e estruturada no
ordenamento paacutetrio O conhecimento do exato alcance deste complexo normativo eacute ponto de
suma relevacircncia para o estudo do presente toacutepico bem como da temaacutetica da proteccedilatildeo judicial
do direito agrave sauacutede tratado no capiacutetulo quarto
Dito isto seraacute examinado a seguir o tratamento que eacute dado no ordenamento paacutetrio agrave
questatildeo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais notadamente do direito agrave sauacutede e para a
exata compreensatildeo do tema faz-se primordial estudar como se deu a evoluccedilatildeo dos direitos
fundamentais e a influecircncia desse processo histoacuterico na construccedilatildeo do conteuacutedo baacutesico do
direito a sauacutede calcado em sua dupla fundamentalidade (formal e material)
31 A EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana como valor essencial do ser humano (o valor
do homem como um fim em si mesmo) forma a matriz embrionaacuteria dos direitos fundamentais
e sempre esteve presente nas sociedades ainda que mais primitivas sendo apontada como um
dos poucos consensos teoacutericos do mundo contemporacircneo verdadeiro axioma da civilizaccedilatildeo
ocidental e talvez a uacutenica ideologia remanescente46
Posta tal premissa eacute certo que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais sua estratificaccedilatildeo
em geraccedilotildees e a abrangecircncia conceitual do que viria a ser direitos humanos encontra-se
perfeitamente atrelada agrave identificaccedilatildeo do percurso histoacuterico da noccedilatildeo de dignidade da pessoa
humana que como afirmado no tiacutetulo do presente toacutepico funciona como verdadeira buacutessola e
ponto de partida para a compreensatildeo desse processo47
46
MELLO Celso D de Albuquerque Direitos Humanos e Conflitos Armados Rio de Janeiro Renovar 1997
p 3 47
Nesse contexto importante as liccedilotildees Pieroth e Schlink de no sentido de que ldquoos direitos fundamentais satildeo
enquanto parte do direito puacuteblico e do direito constitucional direitos poliacuteticos e estatildeo sujeitos agrave mudanccedila das
ordens poliacutetica Mas os direitos fundamentais satildeo tambeacutem simultaneamente uma resposto agrave questatildeo
fundamental invariaacutevel da relaccedilatildeo entre liberdade individual e a ordem poliacuteticardquo PIEROTH Bodo SCHLINK
Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo
Saraiva 2012 p 33
45
Nesse contexto desvencilhando-se do propoacutesito de percorrer detalhadamente o
caminho histoacuterico do tema quatro momentos fundamentais podem ser apontados
cronologicamente como fases constitutivas da noccedilatildeo de dignidade humana o Cristianismo o
Iluminismo- Humanista a obra de Immanuel Kant e as barbaacuteries ocorridas na Segunda Guerra
Mundial48
Os valores pregados por Jesus Cristo e seus seguidores representaram a primeira
contribuiccedilatildeo na valorizaccedilatildeo individual do homem ao passo que a salvaccedilatildeo anunciada era
individual e dependente de uma decisatildeo pessoal sendo enfatizado tambeacutem o respeito ao
proacuteximo o que despertou para um sentimento de solidariedade iacutensito agrave noccedilatildeo de condiccedilotildees
miacutenimas de existecircncia que eacute tiacutepica da construccedilatildeo dos direitos sociais
Nesse contexto merece atenccedilatildeo os ensinamentos de Jorge Miranda ao afirmar que49
Eacute com o cristianismo que todos os seres humanos soacute por o serem e sem
acepccedilatildeo de condiccedilotildees satildeo considerados pessoas dotadas de um eminente
valor Criados a imagem e semelhanccedila de Deus todos os homens e mulheres
satildeo chamados agrave salvaccedilatildeo atraveacutes de Jesus que por eles verteu o seu sangue
Criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus todos tecircm uma liberdade
irrenunciaacutevel que nenhuma sujeiccedilatildeo poliacutetica ou social pode destruir
Posteriormente o Iluminismo contribuiu para o desenvolvimento da ideia de
dignidade humana a partir de sua crenccedila na razatildeo humana e a busca pela substituiccedilatildeo da
religiosidade pelo proacuteprio homem no centro do sistema de pensamento mediante o
desenvolvimento teoacuterico do humanismo que por sua vez se preocupava com os direitos
individuais do homem e o exerciacutecio democraacutetico do poder
Na sequecircncia ganhou destaque a formulaccedilatildeo do pensamento de Kant acerca da
natureza do homem e de suas relaccedilotildees consigo proacuteprio com o proacuteximo e com as suas criaccedilotildees
da natureza cuja premissa central era a de que o homem consiste em um fim em si mesmo e
natildeo em funccedilatildeo do Estado da sociedade ou da naccedilatildeo possuindo uma dignidade ontoloacutegica
Finalmente as chocantes agressotildees aos direitos humanos ocorridas na Segunda Guerra
Mundial pelo regime nazista realizadas sobre o manto da legalidade levaram agrave reflexatildeo no
cenaacuterio poacutes-guerra acerca da necessidade de superaccedilatildeo do modelo positivista com a
reaproximaccedilatildeo do direito da moral e o carro-chefe dessa virada Kantiana50
foi exatamente a
48
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 126 49
MIRANDA Jorge Manual de Direito Constitucional Tomo IV 3deg ed Coimbra Coimbra Editora 2000 p
17 50
ldquoDe uns trinta anos para caacute assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superaccedilatildeo dos positivismos
A partir do que se convencionou chamar de bdquovirada kantiana‟(kantische Wende) isto eacute a volta agrave influecircncia da
46
consagraccedilatildeo da dignidade da pessoa humana no plano internacional e a propagaccedilatildeo da mesma
nos direitos internos nacionais como valor maacuteximo e vetor de atuaccedilatildeo
Diante desses apontamentos nota-se que as contribuiccedilotildees para a construccedilatildeo da ideia
de dignidade da pessoa humana51
acima descritas foram cruciais para a evoluccedilatildeo dos direitos
fundamentais e a noccedilatildeo de direitos humanos difundida apoacutes a Segunda Guerra podendo-se
afirmar que o conteuacutedo juriacutedico da dignidade da pessoa humana se interliga harmonicamente
com os direitos fundamentais ou humanos52
ao passo que o respeito agrave dignidade de um
indiviacuteduo pressupotildee a observaccedilatildeo e realizaccedilatildeo dos seus direitos fundamentais53
Firmada essa importante observaccedilatildeo (referente a correlaccedilatildeo entre dignidade e direitos
fundamentais) seraacute feita a seguir uma anaacutelise da evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais natildeo
preocupada somente com uma abordagem descritivamente histoacuterico-enumerativa mas sim
com a perquiriccedilatildeo da razatildeo de serem necessaacuterias declaraccedilotildees de direitos fundamentais ao
longo da histoacuteria e a exato alcance dos direitos inclusos nas diferentes geraccedilotildees54
Eacute inegaacutevel que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais guarda pontos de similitude com
as etapas de formaccedilatildeo do Estado bem como a necessidade de limitaccedilatildeo do mesmo por meio
da garantia de direitos Nesse contexto o raciociacutenio de contraposiccedilatildeo ao Absolutismo por
filosofia de Kant deu-se a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos
e com a busca da justiccedila fundada no imperativo categoacuterico O livro A Theory of Justice de John Rawls publicado
em 1971 constitui a certidatildeo do renascimento dessas ideiasrdquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de Direito
Constitucional Financeiro e Tributaacuterio Valores e Princiacutepios Constitucionais Tributaacuterios v 2 Rio de
Janeiro Renovar 2005 p 41 51
Nesse presente momento a preocupaccedilatildeo foi somente a de deixar clara a interligaccedilatildeo entre a evoluccedilatildeo
construtiva da ideia de dignidade humana e a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Em momento oportuno seraacute
trabalhado o conceito dessa dignidade e seus aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede 52
Alguns autores apontam significaccedilatildeo diversa entre direitos fundamentais e direitos humanos no sentido destes
serem expressatildeo direcionada ao conjunto de direitos ideais metafiacutesicos derivados da natureza do homem
enquanto aqueles seriam apenas aqueles reconhecidos por uma ordem puacuteblica positiva Jaacute outros partindo de um
criteacuterio temporal e espacial apontam que direitos humanos seria uma expressatildeo utilizada para designar a
proteccedilatildeo juriacutedica outorgada a direitos no acircmbito do Direito Internacional ou seja sem limitaccedilatildeo de tempo e
espaccedilo e com pretensotildees de validade universal enquanto direitos fundamentais seria a dimensatildeo interna e
nacional desses direitos contemplados formal e materialmente pelo direito interno de algum ordenamento Nesse
sentido consultar FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave sauacutede paracircmetros para sua
eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 19 53
Realccedilando a ligaccedilatildeo loacutegica entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais o doutrinador
Canccedilado Trindade assevera que a ideia de direitos humanos e sua manifestaccedilatildeo satildeo tatildeo antigas quanto as
civilizaccedilotildees e a luta pela garantia dos mesmos surgiu em diferentes culturas e em movimentos histoacutericos
sucessivos na busca pela afirmaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana bem como na luta contra as formas de
dominaccedilatildeo despotismo e arbitrariedade TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Tratado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos Porto Alegre Safe 1997 p 485 54
Desde jaacute esclarece-se que o presente trabalho trataraacute indistintamente como sinocircnimos os termos dimensotildees e
geraccedilotildees sem entrar na discussatildeo de pouca razatildeo praacutetica sobre a melhor terminologia a ser utilizada para
identificar a divisatildeo compartimentada da evoluccedilatildeo dos direito fundamentais Alguns respeitados autores
sustentam que a ideia de geraccedilotildees de direitos poderia ser equivocadamente compreendida mediante o raciociacutenio
de que uma geraccedilatildeo supera a anterior jaacute outros natildeo vislumbram tal problema apontando que as geraccedilotildees a
despeito de potenciais colisotildees satildeo complementares Nesse sentido confira-se SILVA Virgiacutelio Afonso da A
evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais ndeg6 2005 p
546
47
meio da limitaccedilatildeo do poder do Estado atraveacutes da garantia de direitos alicerccedilada na separaccedilatildeo
dos poderes55
empreendido pelo que se denominou de Constitucionalismo a partir das
revoluccedilotildees liberais do final do Seacuteculo XVII pode ser identificado como o autecircntico
nascedouro da formaccedilatildeo dos direitos fundamentais contudo ao longo da histoacuteria desde os
tempos mais antigos se vislumbrou embriotildees desse processo56
ganhando contornos mais
relevantes a experiecircncia inglesa com as precursoras declaraccedilotildees de direitos (Magna Carta de
1215 o Petition of Rights de 1629 o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689)
Ocorre que os documentos ingleses acima elencados natildeo possuiacuteam a essecircncia de
declaraccedilotildees de direitos no sentido atual do termo (sentido este que pressupotildee a vinculaccedilatildeo de
todos os poderes estatais aos direitos por elas estabelecidos) visto que consistiam em
declaraccedilotildees destinadas a garantir privileacutegios e prerrogativas a uma classe especiacutefica somado a
uma eventual presenccedila de direitos um pouco mais amplos (como o direito de peticcedilatildeo) Devido
a tal caracteriacutestica a doutrina aponta que as primeiras grandes e autecircnticas declaraccedilotildees de
direitos surgiram somente com os movimentos revolucionaacuterios nos Estados Unidos em 1776 e
na Franccedila em 1789 na conjuntura do surgimento do Estado Liberal57
Importante deixar claro nesse ponto que natildeo haacute uma perfeita equivalecircncia de
justificaccedilatildeo entre os dois movimentos citados Enquanto nos EUA a promulgaccedilatildeo de
declaraccedilotildees como a da Virgiacutenia ou a proacutepria declaraccedilatildeo de independecircncia dos Estados Unidos
apresentavam o escopo principal de verdadeiramente declarar os direitos que todos os seres
humanos congenitamente possuiriam e que jaacute era em grande parte realidade em uma
sociedade natildeo-estamental no contexto de formaccedilatildeo de uma naccedilatildeo proacutepria na Franccedila anos
mais tarde o objetivo principal era o de superaccedilatildeo da ordem absolutista anterior cujo embate
central pairava sobre a luta pelos direitos de liberdade e propriedade do povo e da burguesia
55
Como a doutrina liberal nascente tinha por intuito a limitaccedilatildeo do poder estatal em prol da liberdade de
comercializaccedilatildeo por parte da classe burguesa ascendente tambeacutem foi necessaacuteria a adoccedilatildeo de um mecanismo de
controle desse poder estatal Daiacute a importacircncia da Teoria da Separaccedilatildeo dos Poderes cujo maior expoente foi
Montesquieu que pregava uma seacuterie de contrapesos entre os poderes estatais de modo a garantir a liberdade
individual BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p
45 56
Para a anaacutelise proposta adotar-se-aacute como ponto de partida para o estudo dos direitos fundamentais os
documentos provenientes da Revoluccedilatildeo Americana e Francesa contudo eacute de bom alvitre ponderar que ainda na
antiguidade bem como na idade meacutedia surgiram textos escritos que formavam alguns conjuntos de regras e
cenaacuterios poliacuteticos de defesa da liberdade do homem ganhando destaque a Lei das XII Taacutebuas o Coacutedigo de
Hamurabi as disposiccedilotildees do Estado Teocraacutetico Hebreu as experiecircncias de participaccedilatildeo popular na Greacutecia
Antiga o Coacutedigo de Manu dentre outros Ocorre todavia que tais conjuntos de regras estabeleciam em sua
essecircncia mais obrigaccedilotildees aos indiviacuteduos e natildeo direitos jaacute que a figura deocircntica originaacuteria dos mesmos era o
dever e natildeo o direito 57
SILVA Virgiacutelio Afonso da A evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de
Estudos Constitucionais Ndeg 6 2005 p 544
48
ascendente58
e eacute nesse cenaacuterio que surge a primeira geraccedilatildeo59
(ou dimensatildeo) dos direitos
fundamentais
Como visto a primeira declaraccedilatildeo de direitos da modernidade que veio a estruturar o
regime democraacutetico e a limitaccedilatildeo do poder estatal foi a Declaraccedilatildeo de Direitos da Virgiacutenia60
nos EUA em 1776 Em seguida decorrente da Revoluccedilatildeo Francesa nasceu a Declaraccedilatildeo dos
Direitos do Homem e do Cidadatildeo em 1789 propagando os ideais de liberdade igualdade e
fraternidade61
O momento histoacuterico era o de formaccedilatildeo do Estado Liberal cujo anseio
maacuteximo era o de assegurar as liberdades dos indiviacuteduos contra os atos do Estado o qual
estaria obrigado a adotar um comportamento omissivo tanto no vieacutes poliacutetico quanto no
econocircmico62
Surgiram pois os chamados ldquodireitos de primeira dimensatildeordquo os quais englobam os
chamados direitos civis e poliacuteticos ligados ao valor liberdade consistindo em direitos
assegurados em face do Estado (ou seja oponiacuteveis ao Estado em uma relaccedilatildeo tipicamente
vertical Estado ndash indiviacuteduo) e portanto de caraacuteter eminentemente negativo jaacute que exigiam
uma abstenccedilatildeo por parte do Estado e em princiacutepio independiam de accedilotildees concretizadoras ou
densificadoras estatais sendo considerados self executing63
58
De se esclarecer que no contexto norte-americano a busca por limitaccedilatildeo se dirigia principalmente contra a
atuaccedilatildeo do legislativo prevenidos que estavam os founding fathers com a praacutetica do parlamento britacircnico nos
anos que precederam a independecircncia enquanto que nos paiacuteses europeus o limite se dirigiu basicamente agrave
atuaccedilatildeo dos monarcas absolutos BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 26 59
Terminologia propugnada por Karel Vazak e difundida por Bobbio ALVES Joseacute Augusto Lindgren Os
direitos humanos como tema global 2deg ed Satildeo Paulo Perspectiva 2003 p 42 60
Bobbio ao comentar tal declaraccedilatildeo afirma que ldquo() nasceu naquele momento uma nova e quero dizer aqui
literalmente sem precedentes forma de regime poliacutetico que natildeo eacute mais apenas o governo das leis contraposto ao
dos homens jaacute louvado por Aristoacuteteles mas o governo que eacute ao mesmo tempo dos homens e das leis dos
homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indiviacuteduos que as
proacuteprias leis natildeo podem ultrapassar ()rdquo BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Elsevier
2004 p 224 61
Relevante a observaccedilatildeo feita por Barroso no sentido de que existiu uma verdadeira retroalimentaccedilatildeo entre as
revoluccedilotildees francesas e americanas visto que os ideais franceses expoentes agrave eacutepoca influenciaram os EUA em seu
processo de independecircncia e posteriormente foram reincorporados quando da Revoluccedilatildeo Francesa que terminou
por seguir os moldes normativos construiacutedos pelos americanos BARROSO Luiacutes Roberto
Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) In
Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 62
Importante esclarecer que ao longo do tempo apoacutes a concretizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo a burguesia francesa natildeo
buscou manter a universalidade das liberdades individuais entatildeo propostas as quais apenas por generalizaccedilatildeo
nominal estendiam-se agraves outras classes Nesse contexto instaurou-se um cenaacuterio em que a burguesia possuiacutea a
legitimidade para agir em nome da sociedade francesa contudo as liberdades individuais natildeo eram de fato
usufruiacutedas por todos o que refletia em um quadro de clara falta de igualdade material entre todos os cidadatildeos
aumentando-se as desigualdades entre os indiviacuteduos Logo na praacutetica os direitos fundamentais correspondiam
aos direitos da burguesia jaacute que para as classes inferiores eram direitos somente sob o aspecto formal Nesse
sentido BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 42 63
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 376
49
Aqui merece destaque uma advertecircncia que seraacute retomada quando do estudo da
eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais Tal questatildeo diz respeito exatamente ao
esclarecimento de que ao contraacuterio do que muitos propotildeem o fato de os direitos de primeira
dimensatildeo terem por sua essecircncia a busca por uma liberdade do indiviacuteduo em face do Estado
natildeo significa necessariamente que sempre o Estado teraacute que se abster para a garantia de tais
direitos Explicando melhor quando o Estado atua visando a garantir certos direitos de
primeira geraccedilatildeo como o direito a seguranccedila bem como os direitos poliacuteticos tal atuaccedilatildeo
tambeacutem demanda accedilotildees do Estado accedilotildees essas que exigem um aporte financeiro do mesmo
para sua perfeita execuccedilatildeo bastando lembrar os custos relacionados ao recrutamento e
formaccedilatildeo de policiais bem como os ligados ao processo eleitoral64
Feita essa ressalva pode- se afirmar que os direitos individuais englobam um conjunto
de direitos cuja missatildeo fundamental eacute assegurar agrave pessoa uma esfera livre de intervenccedilatildeo da
autoridade poliacutetica ou do Estado65
e nessa linha foram gradualmente conquistados os direitos
agrave liberdade religiosa agrave liberdade civil e profissional agrave liberdade de expressatildeo reuniatildeo dentre
outros
Os direitos poliacuteticos por sua vez apresentam o escopo de instrumentalizar a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos na deliberaccedilatildeo puacuteblica e hodiernamente satildeo identificados como
corolaacuterio da igualdade de todo ser humano e da consequente necessidade de que as decisotildees
poliacuteticas sejam tomadas mediante uma estruturaccedilatildeo majoritaacuteria66
Tais direitos desta maneira
a despeito de terem uma configuraccedilatildeo distinta das liberdades puacuteblicas se amoldam agrave ideia de
direitos de liberdade em sua concepccedilatildeo positiva ou republicana jaacute que ligam-se agrave defesa da
participaccedilatildeo popular na tomada de decisotildees o que em uacuteltima instacircncia ao menos
indiretamente proporcionam liberdade
Portanto pode-se afirmar que os direitos protegidos nessa primeira etapa possuiacuteam
uma acepccedilatildeo eminentemente individualista baseada na doutrina do laissez-faire laissez-
passer cuja funccedilatildeo estatal primordial residia em permitir que as relaccedilotildees sociais e
econocircmicas (grande trunfo da burguesia) se desenvolvessem livremente livre de
64
HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights New York ndash LondonWW Norton amp
Company 1999 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O
princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 134 65
FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 1999
p 280 66
Nesse sentido Canotilho assevera que ldquoas raiacutezes do princiacutepio majoritaacuterio reconduzem-se aos princiacutepios da
igualdade democraacutetica da liberdade e da autodeterminaccedilatildeo Se a liberdade de participaccedilatildeo democraacutetica eacute igual e
vale para todos os cidadatildeos entatildeo o estabelecimento vinculativo e uma determinada ordenaccedilatildeo juriacutedica
pressupotildee pelo menos a concordacircncia da maioriardquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito
Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 311
50
interferecircncia cabendo ao Estado apenas proteger a propriedade e a seguranccedila dos
indiviacuteduos67
Com o passar dos tempos o quadro de liberdade apenas formal propagado pela
doutrina do Liberalismo somou-se agrave piora das condiccedilotildees de vida da classe operaacuteria durante a
Revoluccedilatildeo Industrial em um cenaacuterio que privilegiava um capitalismo (jaacute em crise) sem eacutetica e
alheio agraves desigualdades sociais Tal conjuntura passou a ser atacada68
pela classe operaacuteria que
jaacute se organizava em grupos fortemente politizados culminando no colapso do Estado Liberal
que frente a insustentabilidade da situaccedilatildeo viu-se obrigado a dar espaccedilo para o Estado Social
passando o Estado a comportar-se como um provedor e prestador de serviccedilos para a
populaccedilatildeo
Viu-se pois que natildeo era suficiente somente garantir a liberdade formal dos
indiviacuteduos havendo a necessidade de se reconhecer certos direitos sociais culturais e
econocircmicos derivados das reivindicaccedilotildees sociais relacionadas com os graves problemas da
eacutepoca Foi entatildeo que em meados de 1917 ganhou corpo a necessidade de intervenccedilatildeo do
Estado de modo a se conferir igualdade surgindo um novo cataacutelogo de direitos ligados agraves
prestaccedilotildees materiais por parte do Estado os chamados direitos fundamentais de segunda
dimensatildeo
Conforme jaacute adiantado frente a crise instaurada tais direitos passaram a exigir do
Estado natildeo mais uma abstenccedilatildeo mas sim um fazer uma postura positiva de atuaccedilatildeo se
transformando o mesmo em um verdadeiro prestador de serviccedilos de feiccedilatildeo intervencionista
nos acircmbitos econocircmicos sociais e laborais
Tais novos direitos surgiram pois natildeo somente como consequecircncia da necessidade de
maior participaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees poliacuteticas mas tambeacutem devido agrave pressatildeo dos
movimentos sociais (e socialistas69
) que defendiam de maneira geral que as liberdades
puacuteblicas alcanccediladas na primeira geraccedilatildeo estavam obstadas de ser exercidas por aqueles que
67
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p7 68
Pertinente aqui a observaccedilatildeo de Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho no sentido de que foi com o exerciacutecio cada
vez mais intenso dos direitos poliacuteticos que se iniciou tambeacutem a pressatildeo por outros direitos que superassem a
ideia das meras liberdades negativas da primeira dimensatildeo FERREIRA FILHO Manuel Gonccedilalves Direitos
humanos fundamentais 2deg ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 p 43 69
Aqui eacute importante esclarecer que os direitos sociais natildeo podem ser considerados como direitos socialistas
visto que na verdade satildeo formas de garantir a estabilidade e manutenccedilatildeo do capitalismo se natildeo liberal pelo
menos daquele de cunho social Nesse sentido tem-se que o Estado social natildeo se confunde com o Socialista O
primeiro pode ser caracterizado como um meio termo entre o modelo liberal e o socialista Para ficar mais claro
quando o estado estende sua influecircncia para a seara que antes era de atuaccedilatildeo exclusiva da atividade privada
tem-se ai o social por sua vez quando o estado faz mais que isso quando passa a concorrer imediatamente com
a esfera privada tem-se a socializaccedilatildeo BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo
Paulo Malheiros 2004 p 186
51
natildeo tinham condiccedilotildees materiais para tanto havendo a necessidade de se buscar uma igualdade
material para corrigir tal distorccedilatildeo
Vecirc-se assim que a pretensatildeo ao reconhecimento de direitos sociais pode ser
identificada como uma consequecircncia da luta iniciada pela generalizaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos
para a classe operaacuteria em um contexto em que assegurada a igualdade poliacutetica o objetivo
passou a ser a concretizaccedilatildeo da igualdade real que viesse a garantir as condiccedilotildees de vida
necessaacuterias e as possibilidades de realizaccedilatildeo de cada indiviacuteduo
Passou o Estado assim a assumir uma seacuterie de encargos ateacute entatildeo natildeo vistos como
tipicamente de sua atividade prestando serviccedilos na aacuterea de sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia social
bem como intervindo diretamente na regulaccedilatildeo dos mercados Surge o contexto do Welfare
State ganhando destaque as primeiras previsotildees de direitos socais presentes nas constituiccedilotildees
Mexicana70
e de Weimar71
de 1917 e 1919 respectivamente72
A loacutegica liberal de que a liberdade era suficiente para assegurar uma vida digna jaacute natildeo
mais reinava sendo necessaacuterio conferir ao cidadatildeo direitos que garantissem condiccedilotildees
materiais miacutenimas de desenvolvimento deixando claro que as dimensotildees natildeo se opotildeem mas
sim se complementam ao passo que os direitos sociais viabilizam o exerciacutecio real e
consciente dos direitos individuais e poliacuteticos73
Tais direitos passaram portanto a ser percebidos como uma dimensatildeo especiacutefica dos
direitos fundamentais na medida em que procuraram fornecer os recursos faacuteticos para uma
eficaz fruiccedilatildeo das liberdades inerentes agrave primeira dimensatildeo a partir da garantia de uma
igualdade (liberdade real) que somente poderia ser obtida pela compensaccedilatildeo das latentes
desigualdades sociais
Antes de examinar a proacutexima geraccedilatildeo de direitos eacute importante esclarecer que os
direitos sociais natildeo contemplam apenas posturas positivas do Estado comportando o cidadatildeo
70
Fruto de um movimento revolucionaacuterio iniciado em meados de 1910 contraacuterio ao governo ditatorial de
Porfiacuterio Dias o qual intentava dentre outros anseios a proibiccedilatildeo da reeleiccedilatildeo do presidente a devoluccedilatildeo de
terras aos povos indiacutegenas a nacionalizaccedilatildeo de empresas a consolidaccedilatildeo de direitos trabalhistas e a reforma
agraacuteria tal constituiccedilatildeo natildeo representou o fim da revoluccedilatildeo que perdurou por mais vinte e trecircs anos
COMPARATO Fabio Konder A afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 5deg ed Satildeo Paulo Saraiva
2007 p 177 71
Tal Constituiccedilatildeo possuiacutea um rol de direitos fundamentais mais bem estrutura que a Constituiccedilatildeo Mexicana a
partir de foacutermulas mais universais (por exemplo previsatildeo da funccedilatildeo social da propriedade de um sistema de
previdecircncia social de uma estruturaccedilatildeo quanto ao direito agrave educaccedilatildeo) daiacute sua maior influecircncia sendo seus
dispositivos aplicaacuteveis aos demais paiacuteses que seguiram sua modelagem agrave eacutepoca PINHEIRO Maria Claacuteudia
Bucchianeri A Constituiccedilatildeo de Weimar e os Direitos Fundamentais Sociais In Revista de Informaccedilatildeo
Legislativa v 43 ndeg 169 p 101-126 janmar 2006 p 121 72
SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In
SAMPAIO Joseacute Aeacutercio Leite (Org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo Horizonte
Del Rey 2003 p 252 73
SILVA Joseacute Afonso da Poder Constituinte e poder popular Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 189
52
em uma posiccedilatildeo de creacutedito perante o mesmo Conforme seraacute melhor analisado no toacutepico
referente ao estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais em que pese a conjuntura do
surgimento dos direitos sociais ter brotado a partir da necessidade concretizaccedilatildeo de prestaccedilotildees
materiais ao cidadatildeo pelo Estado eacute certo que essa segunda dimensatildeo apresenta diferentes
dimensotildees dentre elas uma dimensatildeo de cunho meramente defensivo a qual abriga as
chamadas liberdades sociais marcantes especificamente no acircmbito dos direitos dos
trabalhadores como o direito de greve e de liberdade sindical
Feita tal ressalva e voltando para a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais o cenaacuterio
agora eacute o contexto mundial poacutes Segunda Guerra em que a quase dizimaccedilatildeo do povo judeu e as
crueldades realizadas pelos nazistas fascistas e demais regimes totalitaacuterios levaram o mundo
a refletir que o Estado de Direito necessitava urgentemente de uma remodelagem visto que
com base no impeacuterio positivista da lei o nazismo amparado por um fundo de legalidade
cometeu diversos atos de clara afronta a direitos fundamentais dos homens
Fala-se pois em periacuteodo poacutes-positivista uma vez que o contexto no campo filosoacutefico
era o de superaccedilatildeo do positivismo juriacutedico com a reaproximaccedilatildeo do direito agrave moral e a busca
por um equiliacutebrio entre o direito natural e positivo voltando o ideaacuterio de justiccedila para a cena a
partir de uma virada copernicana no Direito principalmente devido a consagraccedilatildeo de forccedila
normativa aos princiacutepios74
Surgem assim os direitos de 3deg dimensatildeo associados agrave noccedilatildeo de solidariedade ou
fraternidade os quais satildeo dotados de um altiacutessimo teor de humanismo e universalidade ao
passo que visam natildeo agrave proteccedilatildeo de interesses particulares de um uacutenico indiviacuteduo ou de apenas
um grupo isolado mas de todo o gecircnero humano
Podem ser citados como inclusos no rol dessa terceira dimensatildeo o direito ao
desenvolvimento75
agrave paz76
ao meio ambiente agrave propriedade sobre o patrimocircnio comum da
humanidade ao progresso direito de comunicaccedilatildeo agrave autodeterminaccedilatildeo dos povos os quais
foram proclamados e difundidos universalmente pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
Humanos de 1948 e depois gradativamente incorporados nas constituiccedilotildees de diversos
paiacuteses
74
PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito
com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 30 75
Sobre a temaacutetica do direito em desenvolvimento destaca-se a obra ldquodesenvolvimento com liberdaderdquo de
Amartya Sen SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade traduccedilatildeo de Laura Teixeira Motta Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2010 76
Importante esclarecer que o direito a paz na original classificaccedilatildeo de Karel Vazak foi incluiacuteda como direito de
terceira dimensatildeo contudo para Bonavides tal direito seria de quinta geraccedilatildeo pois consistia no objetivo a ser
buscado por todos os povos e que ainda natildeo foi alcanccedilado
53
Pela simples anaacutelise do rol de direitos que tal dimensatildeo abrange natildeo eacute muito difiacutecil
constatar que a definiccedilatildeo dos mesmos eacute tatildeo difusa quanto eles proacuteprios Melhor explicando
haacute uma dificuldade em se apontar claramente os contornos dogmaacuteticos que levam um direito a
ser enquadrado como de terceira dimensatildeo visto que a caracteriacutestica comum que une essa
gama de direitos tatildeo diversos eacute o fato de que todos eles aleacutem de natildeo terem titularidade
definiacuteveis destinam-se a realizar o terceiro pilar da Revoluccedilatildeo Francesa a fraternidade
Dessa criacutetica decorre uma certa falta de seguranccedila juriacutedica e ateacute mesmo de consenso
doutrinaacuterio sobre quais direitos estariam inseridos nessa categoria havendo tambeacutem quem
sinalize para a existecircncia de uma quarta geraccedilatildeo de direito e ateacute mesmo uma quinta Nesse
contexto para alguns a quarta geraccedilatildeo dos direitos fundamentais incluiria os direitos de
democracia informaccedilatildeo e pluralismo77
nascentes e aprimorados com a globalizaccedilatildeo poliacutetica
para outros incluiria os direitos contra os abusos da biotecnologia78
Quanto a esses direitos eacute
importante destacar os ensinamentos de Habermas79
que enxerga a democracia natildeo mais
como restrita a seu aspecto formal (vontade da maioria) mas em sua acepccedilatildeo material
Esclarecendo melhor o raciociacutenio eacute o de que o exerciacutecio dos direitos poliacuteticos
deveriam assegurar as liberdades de reuniatildeo de associaccedilatildeo e de expressatildeo do pensamento
para se alcanccedilar uma liberdade real de escolha e soacute assim serem assegurados os direitos
fundamentais baacutesicos A democracia passa assim a ser entendida materialmente ao passo em
que natildeo significaria apenas a vontade da maioria mas tambeacutem e principalmente a justa
fruiccedilatildeo de direitos baacutesicos por todos inclusive as minorias a partir do papel contra majoritaacuterio
efetuado pelo Poder Judiciaacuterio Desta forma no raciociacutenio exposto soacute se poderia falar em
democracia material em uma sociedade que proporcionasse a fruiccedilatildeo por todos de direitos
miacutenimos e a partir do desenvolvimento de tais direitos eacute que seria alcanccedilada uma efetiva
democracia
32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO DIREITO Agrave
SAUacuteDE
77
BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 572 78
Bonavides propotildee que os direitos contra os abusos da biotecnologia satildeo espeacutecies de novas aplicaccedilotildees dos
direitos de defesa SARLET Ingo Wolfgang Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre
Livraria do Advogado 2005 p 57 79
SOUZA NETO Claacuteudio Pereira de Teoria da Constituiccedilatildeo Democracia e Igualdade p 17 Disponiacutevel em
httpwwwmundojuridicoadvbrcgi-binuploadtexto1129(3)pdf Acessado em 01022013
54
Nessa parte do presente estudo seratildeo abordadas certas premissas consolidadas na
teoria dos direitos fundamentais cujo conhecimento faz-se relevante para se compreender a
problemaacutetica existente na concretizaccedilatildeo dos direitos sociais em especial do direito agrave sauacutede
Para tanto a seguir seratildeo abordados dentre outros aspectos referentes agrave exata noccedilatildeo das
dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais agrave dupla fundamentalidade (formal e
material) dos direitos sociais e a importacircncia da distinccedilatildeo entre princiacutepios e regras para o tema
da eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais
321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de
prestaccedilatildeo
Algumas das criacuteticas tecidas quando do exame das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos
fundamentais seratildeo aqui retomadas e serviratildeo de base para a compreensatildeo da problemaacutetica
existente no atual cenaacuterio de crise na efetividade dos direitos sociais80
prestigiando-se o
afastamento de certas construccedilotildees doutrinaacuterias em prol da prevalecircncia de uma visatildeo mais
alinhada com os paradigmas do direito constitucional moderno
Nesse sentido importantes premissas devem ser postas primeiro a noccedilatildeo de
universalidade e interdependecircncia entre os direitos fundamentais conduz a insuficiecircncia da
tradicional distinccedilatildeo entre direitos positivos e negativos segundo eacute equivocada a afirmaccedilatildeo
de que somente direitos de segunda geraccedilatildeo importam em uma accedilatildeo do Estado que demanda
custos financeiros terceiro o criteacuterio funcional de classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais que
melhor se adeacutequa agrave nova ordem juriacutedica eacute o que divide os direitos em direitos de defesa e
direitos a prestaccedilotildees e finalmente a compreensatildeo de que todas as normas constitucionais ateacute
mesmo as ditas programaacuteticas81
satildeo aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de
integraccedilatildeo normativa
Esmiuccedilando cada um dos pontos acima alinhavados de iniacutecio tem-se que frente aos
pressupostos de universalidade indivisibilidade e interdependecircncia dos direitos fundamentais
eacute vulneraacutevel a classificaccedilatildeo entre direitos negativos e positivos visto que na praacutetica a
80
STRECK Lenio Luiz A crise da hermenecircutica e a hermenecircutica da crise a necessidade de uma nova criacutetica
do direito In SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo
Horizonte Del Rey 2003 p 108 81
Nesse sentido Artur Cortez Bonifaacutecio expotildee que ldquode fato ateacute mesmo as normas de caraacuteter institutivo ou de
natureza programaacutetica desprovidas de eficaacutecia positiva portam eficaacutecia negativa destinando as suas inferecircncias
para obstar o desenvolvimento de accedilotildees dos poderes constituiacutedos em contrariedade ao seu ambiente material
BONIFAacuteCIO Artur Cortez Normatividade e Concretizaccedilatildeo a Legalidade Constitucional In MOURA Lenice
S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo
Paulo Saraiva 2009 p 219
55
positividade ou negatividade natildeo reside no direito em si mas no dever consequentemente
imposto pelo direito correlato
Desta maneira torna-se imprecisa a pura correspondecircncia entre direitos de primeira
dimensatildeo como sendo negativos e de segunda dimensatildeo como sendo positivos visto que natildeo
soacute os direitos sociais econocircmicos e culturais demandam para serem assegurados uma intensa
atividade estatal mas tambeacutem os direitos civis e poliacuteticos pelo menos no que se refere agrave
proteccedilatildeo contra interferecircncia de terceiro bastando lembrar os encargos oriundos da atividade
de poliacutecia seguranccedila defesa justiccedila etc Noutro poacutertico os direitos de segunda dimensatildeo
tambeacutem possuem um vieacutes de natildeo interferecircncia tiacutepico dos direitos de primeira dimensatildeo pois
tanto o Estado quanto a comunidade devem respeitar a fruiccedilatildeo desses direitos pelos
respectivos titulares Ressalte-se ainda que existem direitos sociais de efeitos genuinamente
negativos constituindo as chamadas liberdades sociais (direito de greve e liberdade sindical)
Interligada a essa primeira premissa e reforccedilando a interdependecircncia entre os direitos
de primeira e segunda dimensatildeo estaacute a noccedilatildeo de que todos os direitos reivindicam custos ao
eraacuterio para serem efetivados independente de sua classificaccedilatildeo Assim se natildeo de forma direta
como ocorre com na disponibilizaccedilatildeo do Estado de parcela dos direitos de segunda dimensatildeo
pelo menos indiretamente a garantia da livre fruiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos exigem um
alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial como satildeo os gastos com seguranccedila
puacuteblica e com as eleiccedilotildees por exemplo demonstrando-se impreciso e ingecircnuo82
portanto o
argumento de que certas naccedilotildees soacute poderiam assegurar os direitos de primeira e natildeo os de
segunda dimensatildeo
Avanccedilando aduz-se que a classificaccedilatildeo que melhor demonstra a natureza dos direitos
fundamentais no contexto do ordenamento paacutetrio eacute a que divide os direitos em de defesa e a
prestaccedilotildees O raciociacutenio eacute simples os direitos de defesa tutelam a esfera de liberdade dos
indiviacuteduos funcionando como limites ao poder estatal jaacute que satildeo outorgados direitos
subjetivos aos respectivos titulares para que esses possam atuar contra a ingerecircncia indevida
do Estado e dos demais particulares enquanto os direitos a prestaccedilotildees atrelam-se a ideia de
direito do cidadatildeo a uma accedilatildeo dos poderes puacuteblicos objetivando assim natildeo somente proteger
o acircmbito individual de liberdade e autonomia do indiviacuteduo frente ao Estado mas tambeacutem
assegurar a liberdade por intermeacutedio do Estado83
82
HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights why liberty depends on taxes New York
WW Norton 2000 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para
sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 35 83
Ressalta Mariana Filchtiner que tal classificaccedilatildeo se reporta agraves liccedilotildees de Alexy depois desenvolvidas por
Canotilho e adaptada ao ordenamento paacutetrio por Ingo Sarlet FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito
56
Eacute importante ressaltar que essa faceta prestacional natildeo engloba somente atos que
importem prestaccedilotildees faacuteticas84
(como eacute a disponibilizaccedilatildeo do serviccedilo de sauacutede puacuteblica) ao
indiviacuteduo mas abrange tambeacutem os atos que atribuem ao indiviacuteduo uma posiccedilatildeo relevante
para a defesa de outros direitos aproximando-se dos direito de participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e
no procedimento bem como atos de proteccedilatildeo perante outros cidadatildeos como por exemplo por
meio das normas penais
Fechando o raciociacutenio proposto relevante trazer agrave baila a visatildeo de que todas as normas
constitucionais incluiacutedas portanto as que dispotildeem sobre os direitos sociais satildeo
perfeitamente aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de integraccedilatildeo normativa
Isso ocorre porque pelo simples fato de existirem tais normas (i) revogam os atos
normativos contraacuterios ao seu comando independentemente de controle bem como serve de
paracircmetro para o controle dos atos posteriores que porventura com ela venham a colidir (ii)
vinculam o legislador agrave obrigaccedilatildeo de concretizar os fins previstos em seu texto sob pena de
flagrante omissatildeo inconstitucional (iii) funcionam como paracircmetro para interpretaccedilatildeo
integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e embora natildeo gerem direitos subjetivos
propriamente ditos (iv) datildeo origem a um direito subjetivo de cunho negativo de exigir que o
Estado se abstenha de atuar em sentido contraacuterio ao seu disposto
Desta maneira desmistificando certos posicionamentos jaacute ultrapassados pode-se
afirmar que todos os direitos fundamentais sejam de garantia ou prestacionais apresentam
um custo financeiro ao Estado e os enunciados normativos que os preveem satildeo aptos a
produzir certos efeitos juriacutedicos formando-se assim um sistema unitaacuterio e aberto dentro da
ordem constitucional paacutetria
322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla
fundamentalidade (formal e material)
A dimensatildeo subjetiva dos direitos fundamentais apresenta sua origem na concepccedilatildeo
claacutessica desenvolvida no periacuteodo das primeiras declaraccedilotildees de direitos no seacuteculo XVIII jaacute
vistas acima e comporta a noccedilatildeo de que os direitos fundamentais datildeo origem a uma seacuterie de
posiccedilotildees juriacutedicas diversas outorgando ao titular do direito pretensotildees de defesa proteccedilatildeo e
Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado
2007 p 40 84
Fala-se aqui em direito a prestaccedilatildeo em sentido estrito
57
prestaccedilatildeo quer perante o Estado ou a particulares85
se relacionando assim com o poder que o
titular de um direito possuir de exigir judicialmente a efetivaccedilatildeo do mesmo86
As primeiras fissuras dessa dimensatildeo subjetivista marcadamente de cunho
individualista surgiram com o Estado Social e se solidificaram ainda mais com o Estado
Democraacutetico de Direito a partir da noccedilatildeo bastante difundida por Rudold Smend de que a
funccedilatildeo primordial da Constituiccedilatildeo estaria em promover a integraccedilatildeo da comunidade o que soacute
seria possiacutevel pela tutela dos valores vividos e socialmente compartilhados O elemento
principal de uma Constituiccedilatildeo seria entatildeo os valores em que esta se apoia sendo a fonte
basilar desses valores exatamente os direitos fundamentais87
Desta forma a partir dessa concepccedilatildeo axioloacutegica difundiu-se a teoria da Constituiccedilatildeo
como funccedilatildeo integradora o que permitiu que os direitos fundamentais passassem a
desempenhar novos papeacuteis na ordem juriacutedica visto que natildeo seriam mais somente direitos de
cunho subjetivo mas sim autecircnticos proclamadores e tradutores do sistema de valores sobre
o qual repousaria a ordem vigente Surge a noccedilatildeo portanto de dimensatildeo objetiva dos direitos
fundamentais que veio a autorizar a extraccedilatildeo de deveres a serem impostos ao Estado e
particulares em decorrecircncia da simples irradiaccedilatildeo do conjunto dos direitos fundamentais e dos
valores por eles priorizados88
Haacute uma guinada na estrutura claacutessica da teoria dos direitos fundamentais89
os quais
passam de simples limitadores do poder estatal a acumular as funccedilotildees de fixadores de
diretivas basilares na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e vetores a serem respeitados nas
85
Importante destacar a contribuiccedilatildeo da teoria dos status de Georg Jellinek que calcada nos pressupostos de
subjetivismo e individualismo da eacutepoca assevera que os indiviacuteduos podem assumir quatro posiccedilotildees diferentes
perante o estado i passivo o indiviacuteduo estaria subordinado aos poderes estatais ii negativo ligada ao ideal de
liberdade jaacute que o indiviacuteduo teria sua esfera individual de liberdade imune agrave intervenccedilatildeo estatal iii positivo
seria a prerrogativa do Estado prestaccedilotildees positivas e iv ativo frente a possibilidade do indiviacuteduo participar
ativamente da formaccedilatildeo da vontade poliacutetica atraveacutes do voto por exemplo 86
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins apontam que a dimensatildeo subjetiva ldquotrata-se da dimensatildeo ou da funccedilatildeo
claacutessica uma vez que o seu conteuacutedo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir agrave intervenccedilatildeo estatal
em sua esfera de liberdade individual Essa dimensatildeo tem um correspondente filosoacutefico-teoacuterico que eacute a teoria
liberal dos direitos fundamentais a qual concebe os direitos fundamentais do indiviacuteduo de resistir agrave intervenccedilatildeo
estatal em seus direitos ()rdquo DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos
fundamentais 3deged Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 117 87
SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In
SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e direitos fundamentais Belo Horizonte Del
Rey 2003 p 270 88
FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 45 89
Nesse ponto Hesse destaca que os direitos fundamentais natildeo apenas constituem direitos subjetivos dos
indiviacuteduos mas tambeacutem princiacutepios objetivos baacutesicos para o ordenamento constitucional democraacutetico
abrangendo este duplo caraacuteter diferentes niacuteveis de significaccedilatildeo podendo atuar como legitimador criador e
fomentador do consenso apresentando-se assim relevante para processos democraacuteticos HESSE Conrado
Significado de los derechos fundamentales In Manual de Derecho Constitucional Madrid Marcial Pons
Ediciones Juriacutedicas y Sociales SA 1996 p 83-115
58
relaccedilotildees entre particulares norteando o Estado na consecuccedilatildeo dos seus fins Eacute do
reconhecimento dessa dimensatildeo objetiva90
que surgem portanto tanto a noccedilatildeo de eficaacutecia
horizontal dos direitos fundamentais os quais transcendem seu domiacutenio aleacutem da mera relaccedilatildeo
cidadatildeo e Estado atingindo a relaccedilatildeo direta entre os particulares como tambeacutem a importante
noccedilatildeo de garantias institucionais91
Este uacuteltimo efeito (a noccedilatildeo de garantias institucionais) corresponde a ideia de que o
acircmbito de proteccedilatildeo de um direito fundamental vai aleacutem da sua mera esfera subjetiva
alcanccedilando o complexo juriacutedico-normativo na sua essecircncia de modo a vincular o espaccedilo de
conformaccedilatildeo do legislador o qual deveraacute exercer sua funccedilatildeo norteado pelo dever de alargar o
espectro protetivo imediato do direito subjetivo em questatildeo visando agrave sua concretizaccedilatildeo por
meio de garantias institucionais92
Melhor esclarecendo as disposiccedilotildees legislativas a respeito do SUS que regulamentam
o art 196 da CF por exemplo atuam como verdadeiras garantias institucionais jaacute que
densificam o direito agrave sauacutede indo aleacutem do esboccedilo da proteccedilatildeo primitiva conferido na CF para
esse direito fundamental social Desta maneira frente agrave dimensatildeo objetiva do direito
fundamental agrave sauacutede natildeo poderia o legislador ao regulamentar a CF restringir o contorno
baacutesico que nela eacute dado a tal direito nem alterar a regulamentaccedilatildeo jaacute existente com o mesmo
propoacutesito (restriccedilatildeo do direito agrave sauacutede jaacute previsto na CF) sob pena de incorrer em
inconstitucionalidade
Feitas tais observaccedilotildees outro ponto de destaque eacute a noccedilatildeo de fundamentalidade formal
e material iacutensita aos direitos fundamentais A fundamentalidade formal liga-se ao direito
constitucional positivo desdobrando em um trifaacutesico raciociacutenio a) como parte integrante do
corpo constitucional os direitos fundamentais situam-se no aacutepice de todo o ordenamento
90
Podem ser identificados alguns desdobramento dessa dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais i os
direitos fundamentais apresentam objetivamente o caraacuteter de normas de competecircncia negativa no sentido de
que aquilo que estaacute sendo outorgado ao indiviacuteduo em termos de liberdade para accedilatildeo estaacute sendo objetivamente
retirado do Estado portanto independentemente do particular exigir em juiacutezo o respeito de seu direito ii os
direitos fundamentais funcionam como criteacuterio de interpretaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do direito infraconstitucional a
partir de seu efeito de irradiaccedilatildeo iii os direitos fundamentais podem ser limitados por esta dimensatildeo objetiva
quando isso estiver no interesse de seus titulares ou seja a partir do raciociacutenio de que o titular estaria mais bem
protegido se natildeo exercesse o direito em certas circunstacircncias e iv haveria um dever estatal de tutela dos direitos
fundamentais no sentido de protegecirc-los ativamente contra ameaccedilas de violecircncia provenientes sobretudo de
particulares DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais 3deged Satildeo
Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 118-120 91
ANDRADE Joseacute Carlos Vieira de Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976 2 ed
Coimbra Almedina 2001 p 110 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 46 92
Haacute uma remodelagem da noccedilatildeo de conformaccedilatildeo legislativa visto que o legislador passa a ser encarado natildeo
mais como unicamente interessado em restringir os direitos fundamentais mas sim como um concretizador um
harmonizador do sistema a partir de sua atividade de otimizaccedilatildeo dos direitos em atenccedilatildeo agrave maacutexima efetividade
possiacutevel
59
juriacutedico constituindo-se pois em uma norma de superior hierarquia b) na qualidade de
normas fundamentais insculpidas na Constituiccedilatildeo escrita encontram-se submetidos aos
limites formais (procedimento mais dificultoso de modificaccedilatildeo) e materiais (as denominadas
ldquoclaacuteusulas peacutetreasrdquo) de reforma constitucional e c) com base no disposto no art 5deg paraacutegrafo
primeiro da CF as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais satildeo diretamente
aplicaacuteveis e vinculam diretamente o Estado e os particulares93
Quanto ao vieacutes material consoante se demonstraraacute melhor mais adiante este se refere
agrave relevacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional em si o que no caso do
direito fundamental social agrave sauacutede aqui trabalhado consiste em aspecto facilmente
identificaacutevel frente a evidente importacircncia da sauacutede como pressuposto agrave manutenccedilatildeo da vida
digna94
323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios
A partir dos estudos desenvolvidos por Ronald Dworkin e na sequecircncia por Robert
Alexy95
desenvolveu-se a chamada Teoria dos Princiacutepios a qual foi difundida no Brasil ao
final da deacutecada de oitenta e ao longo dos anos noventa do seacuteculo passado Essa Teoria eacute fruto
do pensamento juriacutedico contemporacircneo que reconhecendo o sistema juriacutedico como um
sistema aberto a partir de uma rede axioloacutegica e hierarquizada de normas prima pela
atribuiccedilatildeo de normatividade aos princiacutepios e reconhece uma distinccedilatildeo de grau e qualidade
entre regras e princiacutepios
A compreensatildeo de que os princiacutepios natildeo seriam mais meras linhas gerais de conduta
destituiacutedas de eficaacutecia mas sim autecircnticas espeacutecies do gecircnero ldquonormas juriacutedicasrdquo partiu da
constataccedilatildeo feita por Dworkin de que assim como as regras os princiacutepios tambeacutem possuiriam
um caraacuteter deontoloacutegico jaacute que a soluccedilatildeo dos chamados hard cases na maioria dos casos
somente seria alcanccedilada por meio da ponderaccedilatildeo96
de princiacutepios no caso concreto denotando
93
SARLET Ingo Wolfgang A Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 pp 78 e ss 94
SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave
sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 95
Sobre a noccedilatildeo de princiacutepios de ambos autores conferir DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional
no Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 70 96
Sobre a relaccedilatildeo entre ponderaccedilatildeo e o princiacutepio da proporcionalidade Daniel Sarmento aponta que ldquona
ponderaccedilatildeo de bens assume importacircncia iacutempar o princiacutepio da proporcionalidade sob a eacutegide do qual devem ser
efetivadas todas as restriccedilotildees reciacuteprocas entre os princiacutepios constitucionais () Conforme a doutrina mais
autorizada o princiacutepio da proporcionalidade eacute passiacutevel de divisatildeo em trecircs subprinciacutepios (a) da adequaccedilatildeo que
exige que as medidas adotadas tenham aptidatildeo para conduzir aos resultados almejados pelo legislador (b) da
necessidade que impotildee ao legislador que entre vaacuterios meios aptos ao atingimento de determinados fins opte
60
portanto o caraacuteter normativo dos mesmos97
Desta maneira admitida tal normatividade
passou-se a ser relevante a delimitaccedilatildeo dos traccedilos distintivos entre regras e princiacutepios
Nesse contexto tal distinccedilatildeo tem como ponto de partida a anaacutelise do modo de
aplicaccedilatildeo dos enunciados normativos Condensando as ideias dos doutrinadores acima
citados pode-se afirmar que os enunciados normativos podem se apresentar como regras ou
princiacutepios98
Os com caraacuteter de regras satildeo aplicados conforme a chamada maacutexima do ldquotudo ou
nadardquo mediante subsunccedilatildeo funcionando como ldquomandados ou comandos definitivos ou de
definiccedilatildeordquo jaacute que funcionam de maneira objetiva sem abertura de margem para valoraccedilatildeo por
parte do inteacuterprete ao qual caberaacute apenas aplicar a regra em ocorrendo sua hipoacutetese de
incidecircncia ou natildeo em caso negativo concluindo-se desta maneira que uma regra somente
deixaraacute de ser aplicada quando outra regra a excepcionar ou for invaacutelida99
Por outro lado os enunciado normativos que emanam princiacutepios abrigam um valor
um fim a ser atingido e em uma ordem juriacutedica pluralista como a vigente haacute a possibilidade
de eventuais colisotildees Desta maneira como de iguais hierarquia impossiacutevel a aplicaccedilatildeo na
modalidade ldquotudo ou nadardquo devendo vigorar a ideia de ldquomais ou menosrdquo a partir do emprego
da teacutecnica do sopesamento ou ponderaccedilatildeo a qual avalia a dimensatildeo de peso de cada princiacutepio
na situaccedilatildeo concreta especiacutefica optando pela proeminecircncia de um mas sem eliminar
completamente o outro princiacutepio Nesse panorama os dispositivos que emanam princiacutepios
funcionam como ldquomandados de otimizaccedilatildeordquo visto que devem ser realizados na maior
intensidade possiacutevel Daiacute dizer que os direitos neles fundados satildeo direitos100
prima facie jaacute
que poderatildeo ser exercidos em princiacutepio e na medida do possiacutevel
sempre pelo menos gravoso (c) da proporcionalidade em sentido estrito que preconiza a ponderaccedilatildeo entre os
efeitos positivos da norma e os ocircnus que ela acarreta aos seus destinataacuterios SARMENTO Daniel Os Princiacutepios
Constitucionais e a Ponderaccedilatildeo de Bens In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos Direitos Fundamentais 2deg
Ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 57-58 97
Nessa linha citando Alexy Mariana Filchtiner assevera que tanto princiacutepios como regras dizem o que deve
ser podendo ser formulados a partir da ajuda das expressotildees deocircnticas baacutesicas do mandado da permissatildeo e da
proibiccedilatildeo configurando razotildees para juiacutezos concretos de dever ser ALEXY Robert Teoria de los derechos
fundamentales Traducioacuten Ernesto Garzoacuten Valdeacutes Madrid Centro de Estuacutedios Constitucionales 1997 p83
apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 107 98
Assevera Robert Alexy que ldquotanto regras quanto princiacutepios satildeo normas por que ambos dizem o que deve ser
Ambos podem ser formulados por meio das expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo e da proibiccedilatildeo
Princiacutepios satildeo tanto quanto as regras razotildees para juiacutezos concretos de dever-ser ainda que de espeacutecie muito
diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas
ALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo
Malheiros 2011 p 87 99 BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento
gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15
Uberaba-MG 2008 p 13- 38 100
SILVA Virgiacutelio Afonso da O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas
constitucionais In Revista de Direito do Estado 4 p 23-51 2006 p 27
61
Saindo um pouco do paracircmetro do modo de aplicaccedilatildeo da norma outros traccedilos
distintivos entre regras e princiacutepios podem ser apontados a) os princiacutepios tecircm um grau de
abstraccedilatildeo mais elevado que as regras b) os princiacutepios apresentam um grau de
determinabilidade menor101
que as regras visto que necessitam de mediaccedilotildees concretizadoras
e as regras satildeo aplicaacuteveis diretamente c) somente os princiacutepios possuem um caraacuteter
estruturante na sistemaacutetica das fontes do direito d) os princiacutepios funcionam como
fundamentos das regras juriacutedicas frente a sua natureza normogeneacutetica e) ao passo que as
regras congregam conteuacutedo meramente funcional os princiacutepios se aproximam mais da ideia
de direito ao se estruturarem como standards vinculantes e radicados nas exigecircncias de
justiccedila e f) para o conflito entre regras a hermenecircutica conta com os conhecidos cacircnones da
anterioridade especialidade e hierarquia enquanto aos princiacutepios eacute permitida a colisatildeo que se
resolve pela preponderacircncia de um sobre outro agrave cada caso102
Ultrapassados os toacutepicos anteriores faz-se necessaacuterio fechar o raciociacutenio desenvolvido
sob agrave oacutetica especiacutefica das diferentes facetas que o direito agrave sauacutede pode assumir para soacute entatildeo
analisar a problemaacutetica concernente a eficaacutecia do cunho prestacional dos direitos sociais e
suas implicaccedilotildees no que refere-se ao direito agrave sauacutede
324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio
A partir das bases construiacutedas nos toacutepicos anteriores pode-se afirmar que o direito agrave
sauacutede por consistir em um direito fundamental social apresenta uma dimensatildeo objetiva e
subjetiva bem como uma dupla fundamentalidade (formal e material) enquadrando-se
predominantemente103
na categoria de direito agrave prestaccedilatildeo
A descriccedilatildeo dessas caracteriacutesticas jaacute foi trabalhada acima fazendo-se necessaacuterio
contudo um maior detalhamento com relaccedilatildeo a fundamentalidade material do direito agrave sauacutede
antes de adentrar em alguns aspectos especiacuteficos do direito agrave sauacutede
Pois bem foi dito que o sentido material da fundamentalidade dos direitos
fundamentais liga-se agrave importacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional e nesse
contexto o direito agrave sauacutede pela sua niacutetida interdependecircncia e muacutetua conformaccedilatildeo com o
101
O traccedilo da indeterminabilidade dos princiacutepios eacute uma das grandes marcas distintivas dos mesmos frente agraves
regras na visatildeo de Manuel Atienza e Ruiz Manero DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional no
Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 77 102
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 1160 103
Conforme seraacute analisado mais a frente o direito agrave sauacutede abarca diferentes posiccedilotildees juriacutedico-subjetivas quanto
ao particular e tambeacutem pode ser encarado como um dever fundamental
62
direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana apresenta relevacircncia iacutempar no ordenamento
constitucional brasileiro visto que funciona como autecircntico pressuposto agrave fruiccedilatildeo dos demais
direitos
A calhar portanto o seguinte questionamento como falar em vida humana digna se
em diversas situaccedilotildees a ausecircncia de sauacutede acarreta inevitavelmente a morte do indiviacuteduo
Nesse sentido natildeo foi agrave toa que a Constituiccedilatildeo paacutetria cuidou de dar um tratamento especial104
ao direito agrave sauacutede chegando ao ponto de delimitar sob um vieacutes orccedilamentaacuterio que devem ser
disponibilizados e respeitados pelos entes estatais na realizaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos
de sauacutede certos valores miacutenimos sob pena de severas restriccedilotildees ao ente recalcitrante podendo
ensejar ateacute mesmo a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e desses em seus Municiacutepios105
Feito esse reforccedilo eacute importante destacar alguns aspectos referentes ao conteuacutedo do
direito agrave sauacutede em si passando pela anaacutelise de seus titulares e destinataacuterios bem como as
diferentes facetas que esse pode assumir tanto sob o prisma de direito subjetivo como dever
fundamental
Jaacute foi visto no capiacutetulo 2 do presente trabalho que a CF de 1988 alinhou-se agrave
concepccedilatildeo mais abrangente do direito agrave sauacutede (propostas pela OMS) abarcando em seu
conteuacutedo tanto seu caraacuteter eminentemente curativo quanto as dimensotildees preventiva e
promocional106
Noutro poacutertico defende-se que o nuacutecleo central do conceito de sauacutede reside na exata
noccedilatildeo de qualidade de vida que para aleacutem de uma percepccedilatildeo holiacutestica congloba conteuacutedos
proacuteprios agraves teorias poliacutetica e juriacutedica contemporacircneas de modo a vislumbrar a sauacutede como um
verdadeiro direito de cidadania que projeta a pretensatildeo difusa de natildeo apenas curar e evitar
doenccedilas mas de ter uma vida saudaacutevel Isto expressa um anseio de toda a sociedade como
direito a um conjunto de benefiacutecios que fazem parte da vida urbana107
o que em uacuteltima
anaacutelise alinha-se agrave ideia jaacute exposta de ldquointersetorialidaderdquo do direito agrave sauacutede e sua
interdependecircncia com diversos direitos como a vida a moradia a alimentaccedilatildeo e o trabalho
104
De se reiterar que conforme explicita a CF os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede satildeo de relevacircncia puacuteblica fato que
acentua natildeo soacute o caraacuteter indisponiacutevel do direito agrave sauacutede com a possibilidade de sua tutela ser realizada em
termos de direito subjetivo na via individual e coletiva como tambeacutem seu vieacutes objetivo na condiccedilatildeo de
garantia institucional consubstanciado em si mesmo no SUS 105
Tal reforccedilo de fundamentalidade tambeacutem eacute feito com o direito agrave educaccedilatildeo ao passo que tambeacutem deve ser
observado pelos entes estatais um miacutenimo a ser aplicado na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino 106
Nesse sentido facilmente perceptiacutevel que quando a CF em seu artigo 196 usou o termo ldquorecuperaccedilatildeordquo estava
tratando da sauacutede curativa quando utilizou os termos ldquoreduccedilatildeo do risco de doenccedilardquo e ldquoproteccedilatildeordquo reportou-se agrave
sauacutede preventiva e finalmente ao mencionar ldquopromoccedilatildeordquo e ldquomais alto niacutevel possiacutevel de sauacutederdquo atrelou-se agrave
dimensatildeo promocional do direito agrave sauacutede e o dever de progressividade na sua efetivaccedilatildeo 107
MORAIS Joseacute Luis Bolzan de O direito da sauacutede In SCHWARTZ Germano (Org) A sauacutede sob os
cuidados do direito Passo Fundo UPF 2003b p 23
63
Quanto agrave titularidade do direito fundamental agrave sauacutede depreende-se frente ao seu
caraacuteter universal delineado tanto na CF quanto na legislaccedilatildeo que trata do SUS que o mesmo eacute
reconhecido a todos pelo simples fato de serem pessoas afastando-se ultrapassadas teses que
o restringia aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiacutes prevalecendo nas poliacuteticas
puacuteblicas do paiacutes assim o caraacuteter inclusivo de tal direito Noutro poacutertico relevante destacar
que a caracterizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede como direito coletivo ou em certas hipoacuteteses difuso
natildeo afasta a titularidade individual do mesmo em um contexto em que apesar de mais
beneacutefica a priorizaccedilatildeo de sua tutela processual pela via coletiva natildeo pode ser abandonada a
condiccedilatildeo da sauacutede como direito individual interligado agrave vida integridade fiacutesica e dignidade de
cada um108
Delimitado o conteuacutedo do direito agrave sauacutede pelo menos de maneira geneacuterica109
e a
abrangecircncia de seus titulares e destinataacuterios faz-se relevante analisar as diferentes facetas que
este pode assumir no ordenamento paacutetrio Nessa questatildeo o ponto de partida estaacute no iniacutecio do
caput do art 196 da CF o qual afirma que ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado ()rdquo
revelando que a tutela da sauacutede efetiva-se tambeacutem como dever fundamental por tratar-se de
tiacutepica hipoacutetese de direito-dever
Nesse contexto resta evidenciado que aleacutem de apresentar diferentes dimensotildees
juriacutedico-subjetivas a sauacutede tambeacutem eacute encarada antes de tudo como dever110
natildeo somente
cogente no campo das relaccedilotildees individuais (dever geral de respeitar a sauacutede dos demais e ateacute
mesmo a proacutepria) mas tambeacutem e principalmente no acircmbito das relaccedilotildees para com o Estado
dando origem a uma seacuterie de deveres de cunho poliacutetico (como o dever de implementar as
poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea de sauacutede e alocar recursos orccedilamentaacuterios conforme os patamares
miacutenimos estabelecidos na CF) bem como de cunho econocircmico social cultural e ambiental
como a intervenccedilatildeo do Estado na esfera dos planos de sauacutede privados a implementaccedilatildeo de
programas sociais de sauacutede e o controle da poluiccedilatildeo111
108
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 10 109
A tentativa de esmiuccedilar quais prestaccedilotildees miacutenimas abrangeriam o direito agrave sauacutede (o que vai aleacutem da simples
constataccedilatildeo de que o mesmo abarca as dimensotildees preventiva curativa e promocional) seraacute objeto de anaacutelise mais
a frente no capiacutetulo que trata da tentativa de construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave
sauacutede 110
Natildeo eacute demais relembrar que norteado pelo princiacutepio da solidariedade a Lei do SUS reforccedila que o dever
fundamental de proteccedilatildeo da sauacutede pelo Estado natildeo exclui o das pessoas da famiacutelia das empresas e da sociedade
podendo-se falar em uma responsabilidade compartilhada cujos efeitos se protejam no presente e sobre as
geraccedilotildees futuras 111
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 06
64
Ponto de suma relevacircncia para a compreensatildeo da problemaacutetica da efetividade do
direito agrave sauacutede eacute a compreensatildeo das diferentes dimensotildees juriacutedico-subjetivas que tal direito
pode assumir Nesse sentido e retomando a classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em
direitos de defesa e prestaccedilatildeo tem-se que o direito agrave sauacutede apresenta ao mesmo tempo traccedilos
de ambas dimensotildees ora ganhando funcionalidade de tiacutepico direito de defesa ora de direito
prestacional seja sob o prisma de direitos a organizaccedilatildeo e procedimento ou a prestaccedilotildees
materiais
A faceta defensiva liga-se ao dever de proteccedilatildeo e respeito agrave sauacutede de algueacutem em um
sentido eminentemente negativo de natildeo agressatildeo e sim preservaccedilatildeo que se revela por
exemplo pela construccedilatildeo normativa penal de proteccedilatildeo agrave vida agrave integridade fiacutesica ao meio
ambiente e agrave sauacutede puacuteblica bem como pelas diversas disposiccedilotildees sobre vigilacircncia e controle
sanitaacuterio marcadamente de cunho administrativo
No vieacutes prestacional por sua vez haacute tanto um dever lato sensu de se garantir a
organizaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos procedimentos o qual eacute concretizado por exemplo pela
elaboraccedilatildeo de normas e poliacuteticas puacuteblicas de organizaccedilatildeo do SUS com suas disposiccedilotildees
atinentes agrave participaccedilatildeo da sociedade nas tomadas de decisotildees como tambeacutem um dever de o
Estado executar medidas reais e concretas no sentido de fomentar a sauacutede da populaccedilatildeo por
meio de especiacuteficas prestaccedilotildees materiais (direito agrave prestaccedilatildeo em sentido estrito)
Merece destaque aqui a analogia entre as dimensotildees mencionadas e as obrigaccedilotildees
delas derivadas no sentido de o direito agrave sauacutede compreender as obrigaccedilotildees de respeitar
proteger e implementar Desta maneira na obrigaccedilatildeo de respeitar o Estado teria por dever o
de natildeo intervir na vida do indiviacuteduo de nenhum modo a reduzir sua sauacutede aproximando-se do
aspecto defensivo na obrigaccedilatildeo de proteger caberia ao Estado o dever de resguardar a sauacutede
do indiviacuteduo contra violaccedilotildees de terceiros por meio da estruturaccedilatildeo de procedimentos de
proteccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo da legislaccedilatildeo pertinente ligando-se agrave prestaccedilatildeo em sentido amplo
e finalmente na obrigaccedilatildeo de implementar o Estado estaria incumbido de fornecer
diretamente bens e serviccedilos para suprir as necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo na aacuterea de
sauacutede consubstanciando o aspecto estrito da dimensatildeo prestacional112
112
MILANEZ Daniela O direito agrave sauacutede uma anaacutelise comparativa da intervenccedilatildeo judicial Revista de Direito
Administrativo Rio de Janeiro v 237 p 197-221 julset 2004 p 198 apud Mariana Filchtiner Direito
Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado
2007 p 89
65
Feitas tais observaccedilotildees conforme aduz Sarlet113
constata-se que no quadro
predominante na doutrina e na jurisprudecircncia nacionais natildeo se vislumbra maiores problemas
quanto ao reconhecimento da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede como direito de defesa
nem quanto a sua dimensatildeo de dever de proteccedilatildeo (essa uacuteltima abrangendo tanto a cominaccedilatildeo
de um dever geral de respeito agrave sauacutede por parte do Estado e particulares quanto a imposiccedilatildeo
de um dever de aplicaccedilatildeo minimamente razoaacutevel dos recursos orccedilamentaacuterios com base na
prescriccedilatildeo constitucional) enquanto que com relaccedilatildeo a efetivaccedilatildeo da dimensatildeo prestacional
lato sensu do direito agrave sauacutede haveria certa discussatildeo sobre a inexistecircncia ou insuficiecircncia de
medidas concretizadoras do direito agrave sauacutede (debate iacutensito ao campo do controle das omissotildees
constitucionais)
O grande problema contudo estaria no vieacutes prestacional em sentido estrito jaacute que natildeo
haacute de maneira segura no ordenamento paacutetrio uma definiccedilatildeo precisa do exato conteuacutedo das
prestaccedilotildees materiais que os particulares teriam direito tendo em vista as referecircncias constantes
na CF (cura prevenccedilatildeo promoccedilatildeo) e ateacute certo ponto no campo infralegal (integralidade do
atendimento) satildeo por demais geneacutericas
Desta forma consoante se veraacute no capiacutetulo quinto do presente estudo as dificuldades
em se delimitar quais prestaccedilotildees materiais estariam abrangidas pelo direito agrave sauacutede no
ordenamento paacutetrio acarretam em uma busca desenfreada por soluccedilotildees judiciais o que frente
agraves dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito gera inevitavelmente tensotildees e
efeitos colaterais dos mais variados trazendo-se agrave pauta discussotildees sobre legitimidade
democraacutetica do Poder Judiciaacuterio Separaccedilatildeo dos Poderes e Igualdade
Tal fato termina por acentuar a importacircncia de uma concretizaccedilatildeo da dimensatildeo
organizatoacuteria e procedimental (aspecto prestacional lato sensu) do direito agrave sauacutede buscando-se
soluccedilotildees para as dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito de modo a que pelo
menos as ldquodicasrdquo acerca de quais prestaccedilotildees materiais minimamente todo e qualquer
indiviacuteduo poderia exigir do Estado como legiacutetimo direito seu na temaacutetica da sauacutede sejam
seguramente reveladas
Eacute nesse contexto que podem ser enxergadas trecircs fases distintas na mateacuteria da
efetivaccedilatildeo dos direitos sociais e especialmente do direito agrave sauacutede (i) se primeiro falou-se em
ausecircncia de normatividade com as mudanccedilas encampadas no direito constitucional
contemporacircneo sobretudo a partir da propagaccedilatildeo dos ideais de maacutexima efetividade o
113
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 20
66
panorama modificou-se para um quadro de judicializaccedilatildeo excessiva (ii) atingindo-se
hodiernamente a fase de busca por paracircmetros e criteacuterios que sejam aptos a guiar os trecircs
poderes (com maior relevo para o Judiciaacuterio) no processo de concretizaccedilatildeo desses direitos
(iii) e nessa etapa ganha forccedila a delimitaccedilatildeo de um miacutenimo existencial na aacuterea de sauacutede
67
4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
Jaacute restou esclarecido que o direito agrave sauacutede consiste primordialmente em um direito
fundamental social que poderaacute assumir diferentes facetas quando posto frente ao Estado agraves
vezes posicionando-se como direito de defesa em outros momentos como direito a prestaccedilatildeo
residindo nessa uacuteltima hipoacutetese a grande celeuma quanto agrave sua efetividade especialmente no
que se refere agrave busca por prestaccedilotildees materiais em sauacutede puacuteblica
Mas o que vem a ser efetividade A resposta para tal questionamento estaacute inserida no
contexto do constitucionalismo contemporacircneo e o consequente reconhecimento da forccedila
normativa agraves normas constitucionais a qual fez nascer no Brasil o movimento juriacutedico-
acadecircmico da doutrina brasileira da efetividade O maior objetivo desta doutrina foi o de
superar o quadro de insinceridade normativa que insistia em natildeo dar cumprimento agrave
Constituiccedilatildeo mediante a elaboraccedilatildeo de categorias dogmaacuteticas da normatividade
constitucional no intuito de tornar as normas constitucionais aplicaacuteveis direta e
imediatamente respeitando a maacutexima extensatildeo de sua densidade normativa114
A essecircncia da ideia de efetividade portanto reside no raciociacutenio de que se tal norma
encontra-se inserida na Constituiccedilatildeo estaacute por algum motivo e por isso deve ter seu comando
cumprido Desta maneira o atributo da imperatividade ao respaldar a noccedilatildeo de que natildeo eacute
tiacutepico de uma norma juriacutedica simplesmente sugerir ou recomendar algo alinha-se agrave defesa
pela maacutexima efetividade das normas constitucionais marcante no cenaacuterio neoconstitucional
vigente
A ideia de maacutexima efetividade contribuiu por sua vez para derrubar no cenaacuterio paacutetrio
certos pensamentos arcaicos ainda atrelados ao contexto positivista Nessa toada no plano
juriacutedico alcanccedilou-se a defesa por uma normatividade plena da Constituiccedilatildeo que passou a ter
aplicabilidade direta e imediata tornando-se autecircntica fonte direta de direitos e obrigaccedilotildees o
que terminou por contribuir para o desenvolvimento da eficaacutecia horizontal dos direitos
fundamentais bem como para a eliminaccedilatildeo da noccedilatildeo de normas programaacuteticas como meros
conselhos ou recomendaccedilotildees a serem seguidas conforme os limites estatais
Ainda no plano dogmaacutetico a maacutexima efetividade colaborou para ao reconhecimento
de maior autonomia ao direito constitucional por melhor esclarecer e reforccedilar seu objeto
proacuteprio afastando-se do vieacutes puramente poliacutetico ou socioloacutegico que enfraquecia as bases de
114
BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento
gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15
Uberaba-MG 2008 p5
68
tal direito E finalmente no plano institucional a doutrina em anaacutelise cooperou para a
ascensatildeo do Judiciaacuterio no paiacutes que terminou ganhando um papel de maior destaque na
concretizaccedilatildeo dos direitos constitucionais ponto que seraacute melhor abordado no capiacutetulo
seguinte do presente estudo
Por tais motivos que Barroso115
destaca a efetividade como o mecanismo que
viabilizou a passagem do velho para o novo direito constitucional e que contribuiu para que a
Constituiccedilatildeo deixasse de ser vista como uma miragem com as honras de uma falsa
supremacia natildeo tradutora de proveito para a cidadania
Feitas tais observaccedilotildees antes de avanccedilar na problemaacutetica faz-se necessaacuterio tambeacutem
alguns esclarecimentos sobre a noccedilatildeo de eficaacutecia juriacutedica dos enunciados normativos
constitucionais e a identificaccedilatildeo das modalidades de eficaacutecia que seratildeo mais pertinentes na
temaacutetica da concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Nesse ponto tem-se que eficaacutecia juriacutedica pode ser considerado um atributo pertinente
aos enunciados normativos consistindo naquilo que se pode exigir (judicialmente caso
necessaacuterio) com fundamento em cada um desses proacuteprios enunciados o que conforme se
veraacute dependendo da situaccedilatildeo em questatildeo natildeo seraacute tarefa faacutecil
Infere-se da noccedilatildeo acima exposta que o exame do grau de eficaacutecia de determinada
norma pressupotildee portanto um trabalho hermenecircutico de identificaccedilatildeo do exato efeito e
alcance que o comando normativo pretende produzir e quais condutas satildeo imperiosas para
tornar real determinado enunciado normativo ou seja quais comportamentos acarretaratildeo
efeitos praacuteticos no mundo dos fatos
Pois bem quanto agraves possiacuteveis modalidades de eficaacutecia juriacutedica o presente trabalho se
filia agraves liccedilotildees de Ana Paula Barcellos que identifica em ordem decrescente de consistecircncia
(ou seja de aptidatildeo a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo no acircmbito da realidade) as
seguintes modalidades i simeacutetrica ou positiva ii nulidade iii ineficaacutecia iv anulabilidade
v negativa vi vedativa do retrocesso vi Penalidade vii interpretativa e viii outras116
Na temaacutetica da eficaacutecia do direito agrave sauacutede merece especial atenccedilatildeo as modalidades
simeacutetrica ou positiva negativa vedativa do retrocesso e interpretativa A modalidade
simeacutetrica eacute a mais apta a produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo visto
que utiliza a forma baacutesica em mateacuteria de eficaacutecia juriacutedica calcada no conferimento de um
115
BARROSO Luiacutes Roberto A doutrina brasileira da efetividade In Temas de direito constitucional Rio de
Janeiro Renovar 2005 v 3 p 76 116
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 77
69
direito subjetivo para aquele que seria beneficiado pela realizaccedilatildeo dos efeitos da norma e natildeo
o foi respaldando a exigecircncia judicial pelo mesmo dos referidos efeitos117
Por sua vez as modalidades negativa vedativa do retrocesso e interpretativa
consistem em mecanismos desenvolvidos pela doutrina para garantir uma maior capacidade
normativa para os princiacutepios Nesse passo a negativa refere-se agrave possibilidade de declaraccedilatildeo
da invalidade de normas ou atos que contrariem os efeitos pretendidos por determinado
enunciado normativo o que respaldaria por exemplo que determinada lei viesse a ser
declarada inconstitucional caso suas disposiccedilotildees se apresentassem conflitantes com o acesso
universal agrave sauacutede genericamente citado no art 196 da CF118
De maneira sucinta a modalidade vedativa do retrocesso pressupotildee a ideia de que os
direitos fundamentais devem ser regulamentados infra constitucionalmente sempre se
buscando sua ampliaccedilatildeo progressiva e nesse contexto caso haja uma regulamentaccedilatildeo que
proporcione a aplicaccedilatildeo direta da constituiccedilatildeo no mundo dos fatos uma posterior revogaccedilatildeo
dessa regulamentaccedilatildeo seria considerado um verdadeiro passo pra traacutes significando um
retrocesso do legislador infraconstitucional que colidiria com a proacutepria norma
constitucional119
Jaacute a modalidade interpretativa abrange a possibilidade de se exigir do Judiciaacuterio que os
comandos infraconstitucionais sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a
que estatildeo vinculados no intuito de verificar qual forma de interpretaccedilatildeo dentre as possiacuteveis
melhor realiza a norma de maior hierarquia120
Depreende-se portanto que a eficaacutecia positiva deveraacute ser a modalidade associada em
regra aos enunciados normativos em geral salvo quando haja razotildees consistentes em
contraacuterio Nesse ponto quando diante de normas que exprimam uma essecircncia principioloacutegica
seratildeo relevantes sobretudo as modalidades negativa vedativa de retrocesso e interpretativa
visto que representam um siacutembolo do consideraacutevel avanccedilo no esforccedilo pela construccedilatildeo da
normatividade dos princiacutepios constitucionais
Feitas tais observaccedilotildees que seratildeo relevantes quando for estudada a intervenccedilatildeo
judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute imperioso deixar claro que os conceitos acima
tratados natildeo se confundem Enquanto a eficaacutecia juriacutedica diz respeito agravequilo que se pode exigir
judicialmente com fundamento na norma ligando-se agrave noccedilatildeo de exigibilidade a efetividade
117
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 78 118
Idem p84 119
Idem p 88 120
Idem p 97
70
pode ser encarada como a eficaacutecia social da norma jaacute que significa a realizaccedilatildeo ou
materializaccedilatildeo no mundo dos fatos dos preceitos legais simbolizando o niacutevel de
aproximaccedilatildeo entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social121
Assentadas as noccedilotildees de eficaacutecia e efetividade faz-se necessaacuterio deixar esclarecidos
alguns aspectos acerca da eficaacutecia e aplicabilidade dos direitos fundamentais especialmente
os sociais
41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Jaacute foi detalhado no presente estudo que a melhor classificaccedilatildeo para os direitos
fundamentais eacute a que divide os mesmos em direitos de defesa e direitos a prestaccedilatildeo vigorando
o entendimento calcado nos ideais de maacutexima efetividade da Constituiccedilatildeo de que toda e
qualquer norma constitucional eacute dotada de certo grau de eficaacutecia juriacutedica e aplicabilidade
concluindo-se nesse passo que em que pese natildeo haver dispositivo constitucional
completamente destituiacutedo de eficaacutecia eacute certo que haacute uma diferente gradaccedilatildeo na carga
eficacial de cada norma a depender da funccedilatildeo que a mesma cumpra no sistema constitucional
e da forma que foram positivadas
Nesse contexto baseando-se na Teoria dos Princiacutepios (jaacute tambeacutem antes detalhada) de
que a Constituiccedilatildeo consiste em um sistema aberto de regras e princiacutepios (como espeacutecies de
norma) pode-se afirmar que haacute na Constituiccedilatildeo um autecircntico complexo heterogecircneo de
normas e dentre elas normas definidoras de direitos fundamentais umas com maior
densidade normativa e maior carga de eficaacutecia outros com menos completude normativa
configurando planos de eficaacutecia imediata mais limitados
Dito isto faz-se primordial para a compreensatildeo do raciociacutenio que aqui estaacute sendo
desenvolvido a exata noccedilatildeo do sentido e alcance da norma contida no sect 1deg do artigo 5deg da
CF de 1988 o qual afirma que ldquoas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tecircm
aplicaccedilatildeo imediatardquo 122
Quanto a essa questatildeo antes de tudo deve ser afastada a ideia de que
tal dispositivo teria sua aplicaccedilatildeo adstrita apenas ao rol de direitos do artigo quinto
defendendo-se a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que o mesmo abrange
indistintamente todos os direitos fundamentais constantes na CF de 1988 abarcando os
121
BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro
Renovar 2006 p 23
71
direitos poliacuteticos de nacionalidade sociais bem como os individuais espalhados pelo seu
texto
Assentada tal premissa que se coaduna com o caraacuteter materialmente aberto do texto
constitucional brasileiro pode ser defendido que a melhor exegese do dispositivo em anaacutelise eacute
a que o entende como uma norma de cunho principioloacutegico configurando-se desta feita
como um mandado de maximizaccedilatildeo visto que estabelece para os oacutergatildeos estatais o dever de
reconhecerem e implementarem maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais sendo
certo que o grau de aplicabilidade e eficaacutecia (ou seja seu alcance) dependeraacute do exame da
hipoacutetese em concreto ou seja da norma de direito fundamental em pauta123
Daiacute falar-se em presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena das
normas de direitos fundamentais o que outorga agraves mesmas efeitos reforccedilados relativamente agraves
demais normas constitucionais ao passo que tal presunccedilatildeo decorre da jaacute estudada
fundamentalidade formal dos direitos fundamentais no acircmbito da Constituiccedilatildeo Isto induz agrave
premissa de que os direitos e princiacutepios fundamentais norteados pela pedra angular do
ordenamento a dignidade da pessoa humana regem a proacutepria ordem constitucional
Resumindo a construccedilatildeo do entendimento do exposto jaacute foi visto que
i toda norma constitucional possui um miacutenimo de eficaacutecia
ii o sect 1deg do artigo 5degda CF de 1988 aplica-se a todos os direitos fundamentais e
possui natureza marcadamente principioloacutegica significando que cabe ao Estado
reconhecer maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais
iii a depender da norma em pauta haveraacute um escalonamento da carga eficacial de
cada direito em anaacutelise
Aplicando esse raciociacutenio agrave classificaccedilatildeo de direitos fundamentais de defesa e
prestacionais tem-se que para os direitos de defesa a tarefa dada ao Estado de garantir a
maior eficaacutecia possiacutevel eacute de certo modo mais simples jaacute que tais direitos apresentam em
regra funccedilatildeo tipicamente defensiva cuja estrutura normativa reclama uma abstenccedilatildeo sem
necessitar a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo legislativa integradora ostentando suficiente
normatividade para respaldar sua exigibilidade em juiacutezo
Aqui eacute pertinente a ressalva jaacute feita anteriormente de que em que pese a viabilizaccedilatildeo
dos direitos de defesa ser uma tarefa mais faacutecil para o Estado isso natildeo significa que natildeo
importaratildeo em custos ao mesmo jaacute que a maacutexima de que somente os direitos prestacionais
necessitam de aporte financeiro do Estado eacute uma inverdade pois a perfeita fruiccedilatildeo dos
123
SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 p 246
72
direitos de defesa carece de uma ampla estruturaccedilatildeo estatal que requer altos custos bastando
como exemplo os gastos com seguranccedila puacuteblica e sistema eleitoral
Quanto aos direitos prestacionais jaacute foi visto que estes se subdividem em direitos a
prestaccedilotildees em sentido amplo (que abarca a proteccedilatildeo e participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e
procedimento voltadas agrave garantia da liberdade e igualdade do Estado) e em sentido estrito
(que abrange os direitos a prestaccedilotildees sociais materiais tiacutepicas do Estado Social ou
Democraacutetico de Direito) sendo inegaacutevel que a mencionada tarefa estatal em conferir a
maacutexima eficaacutecia e aplicabilidade possiacutevel aos direitos fundamentais resta mais dificultada
quanto aos mesmos pelo fato de requererem uma atuaccedilatildeo integradora uma conduta positiva
por parte do Estado
Nessa uacuteltima classificaccedilatildeo encontram-se os direitos sociais cuja problemaacutetica dos
custos envolvidos eacute bem mais severa e incrusta-se na celeuma acerca de sua eficaacutecia sendo
certo que ainda que precisem em princiacutepio de integraccedilatildeo normativa e accedilotildees estatais para
serem concretizados tais direitos apresentam cargas eficaciais no sentido de i revogar os
atos normativos anteriores contraacuterios ao seu conteuacutedo ii vincular o legislador a concretizar
os seus fins nos exatos termos constitucionais iii constituir paracircmetros para interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas iv originar direito subjetivo de cunho negativo no sentido de
exigir que o Estado se abstenha de atuar em contrariamente a norma de direito social e v
impedir que o legislador venha a abolir posiccedilotildees juriacutedicas por ele mesmo jaacute conferidas em um
contexto de aplicaccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso social124
Feitas tais observaccedilotildees jaacute foi esclarecido que o direito agrave sauacutede aleacutem de dever
fundamental apresenta facetas tanto de direito de defesa quanto de prestacional e nesse
ponto a depender da forma que esteja sendo o mesmo analisado concretamente poderaacute
incidir tanto o raciociacutenio acima desenvolvido quanto a eficaacutecia dos direitos de defesa quanto
aos de prestaccedilatildeo
Contudo a grande problemaacutetica com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede reside no seu aspecto
de direito prestacional em sentido estrito e a consequente possibilidade de serem reconhecidos
direitos subjetivos originaacuterios a prestaccedilotildees O ponto nevraacutelgico dessa celeuma estaacute
exatamente na dificuldade de se delimitar o que seria exatamente abrangido pelo direito agrave
sauacutede com base na CF de 1988 tarefa que se desenvolve em meio a condicionamentos
econocircmico-financeiros (como eacute o caso da reserva do possiacutevel) e juriacutedico-poliacuteticos (como eacute a
124
Tais conclusotildees por sua vez coadunam-se com a construccedilatildeo de pensamento de Ana Paula Barcellos quanto
aos niacuteveis de eficaacutecia tiacutepicos das normas de matriz principioloacutegica que abrangem o niacutevel interpretativo vedativo
de retrocesso e negativo
73
questatildeo da legitimidade poliacutetica separaccedilatildeo dos poderes e iniciativa em mateacuteria orccedilamentaacuteria)
que dificultam o consenso na mateacuteria
Da simples leitura dos dispositivos constitucionais que tratam do direito agrave sauacutede natildeo
haacute como afirmar com perfeita clareza quais situaccedilotildees estariam seguramente abarcadas por tal
direito sendo certo poreacutem que uma interpretaccedilatildeo que venha a concluir pela inclusatildeo de toda e
qualquer prestaccedilatildeo material ligada agrave sauacutede com inerente a tal direito acarretaraacute em graves
efeitos colaterais tanto para as demais prioridades do Estado como tambeacutem para a proacutepria
sauacutede dos demais cidadatildeos daiacute porque falar-se na necessidade de delimitaccedilatildeo de um miacutenimo
existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede igualitaacuterio e exigiacutevel por todos
Eacute nesse contexto pois que ganha destaque a discussatildeo sobre o possiacutevel embate entre a
noccedilatildeo de miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel
42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO
POSSIacuteVEL
Na tarefa de se interpretar o direito constitucional eacute preciso ir aleacutem dos elementos
meramente juriacutedicos para se apurar dados da realidade e nessa empreitada a perquiriccedilatildeo
acerca da existecircncia efetiva de condiccedilotildees materiais e financeiras para a realizaccedilatildeo dos
comandos normativos eacute de suma relevacircncia para a constataccedilatildeo do grau de realizaccedilatildeo que cada
um deles poderaacute assumir visto que a inexistecircncia de tais condiccedilotildees ocasiona um quadro de
insinceridade normativa125
que deve ser combatido atraveacutes dos instrumentos de combate agrave
siacutendrome da omissatildeo estatal
Nesse trabalho de apuraccedilatildeo sobre a existecircncia ou natildeo de condiccedilotildees materiais e
financeiras para garantir a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute certa e inevitaacutevel a
loacutegica de que as necessidades seratildeo sempre ilimitadas ao passo que os recursos seratildeo
limitados e por isso em algum momento deveraacute ser enfrentada a circunstacircncia de haver ou
natildeo disponibilidade de recursos para atender as prestaccedilotildees pleiteadas Eacute esse o contexto que
circunda a ideia do instituto popularizado por reserva do possiacutevel
A teoria da reserva do possiacutevel exprime no ordenamento paacutetrio a ideia de que aleacutem
das discussotildees juriacutedicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Poder Puacuteblico os direitos
a prestaccedilotildees materiais estariam sob a reserva da capacidade financeira do Estado dependendo
portanto da efetiva disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado sintetizados
125
BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro
Renovar 2006 p 56
74
no campo do orccedilamento puacuteblico126
Tal teoria abrange duas dimensotildees baacutesicas uma faacutetica
ligada propriamente agrave noccedilatildeo de limitaccedilatildeo dos recursos materiais aproximado da exaustatildeo
orccedilamentaacuteria e uma juriacutedica atrelada ao poder de disposiccedilatildeo e competecircncia para decidir e
determinar sobre a alocaccedilatildeo dos recursos existentes para determinada mateacuteria127
Antes de avanccedilar eacute importante esclarecer que a noccedilatildeo de reserva do possiacutevel teve sua
origem em um julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional alematildeo em que
analisando demanda proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos em escolas de
medicina de Hamburgo e Munique frente a limitaccedilatildeo de vagas e pleiteavam o aumento do
nuacutemero destas decidiu que o direito agrave prestaccedilatildeo positiva do Estado encontra-se sujeito agrave
reserva do possiacutevel no sentido daquilo que o indiviacuteduo pode razoavelmente esperar de
maneira racional da sociedade atrelando-se a argumentaccedilatildeo portanto agrave razoabilidade da
pretensatildeo128
A teoria da reserva do possiacutevel assim tal qual sua origem diferentemente da
interpretaccedilatildeo transposta para o Brasil129
natildeo se refere unicamente agrave anaacutelise acerca da
existecircncia ou natildeo de recursos suficientes para a concretizaccedilatildeo do direito social em exame
(aliada a previsatildeo orccedilamentaacuteria da respectiva despesa) mas agrave razoabilidade da pretensatildeo
deduzida com vistas a sua efetivaccedilatildeo
126
KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha os (des)caminhos de um
direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Fabris 2002 p 52 127
Explicando tal distinccedilatildeo Marcos Masseli Gouvecirca assevera que ldquoDiversamente das omissotildees estatais as
prestaccedilotildees positivas demandam um dispecircndio ostensivo de recursos puacuteblicos Ao passo em que estes recursos
satildeo finitos o espectro de interesses que procuram suprir eacute ilimitado razatildeo pela qual nem todos estes interesses
poderatildeo ser erigidos agrave condiccedilatildeo de direitos exigiacuteveis A doutrina denomina reserva do possiacutevel faacutetica a este
contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais Muitas vezes os recursos
financeiros ateacute existem poreacutem natildeo haacute previsatildeo orccedilamentaacuteria que os destine agrave consecuccedilatildeo daquele interesse ou
licitaccedilatildeo que legitime a aquisiccedilatildeo de determinado insumo eacute o que se denomina reserva do possiacutevel juriacutedicardquo In
GOUVEcircA Marcos Masseli O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos Disponiacutevel em
httpwwwnagibnettextovaried_16doc Acessado em 09052013 128
MAcircNICA Fernando Borges Teoria da reserva do possiacutevel direitos fundamentais a prestaccedilotildees e a
intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas In Revista Eletrocircnica sobre a
Reforma do Estado (RERE) ndeg 21 2010 Salvador p 11 129
Sobre a problemaacutetica da importaccedilatildeo descompromissada de institutos do direito comparado Canotilho pondera
que ldquoo cerne do problema estaacute na abertura de uma nova frente de ativismo judicial desencadeada pela utilizaccedilatildeo
de fontes estrangeiras inseridas nos dicta das sentenccedilas como standards de direito comparado ou de direito
internacional A anaacutelise comparada ndash afirma o juiz Scalia o mais veemente e caustico opositor da ldquoimportaccedilatildeo
de normasrdquo pode ser relevante quando se procede agrave redaccedilatildeo do texto de uma constituiccedilatildeo como foi demonstrado
pelos autores de The Federalist amplamente familiarizados com literatura estrangeira mas essa anaacutelise revela-se
desadequada e indesejada quando se trata de interpretar e aplicar a lei nos casos concretos CANOTILHO Joseacute
Joaquim Gomes O ativismo judiciaacuterio entre nacionalismo a globalizaccedilatildeo e a pobreza In MOURA Lenice S
Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo
Paulo Saraiva 2009 p 48
75
Assentada a maneira que ocorre a leitura da teoria da reserva do possiacutevel em solo
paacutetrio130
tem-se que quanto agrave delimitaccedilatildeo conceitual do que vem a ser reserva do possiacutevel
natildeo existe um posicionamento uniacutessono na doutrina ao passo que alguns consagram o
instituto como princiacutepio outros como claacuteusula ou postulado e outros como condiccedilatildeo de
realidade Sem entrar detidamente na discussatildeo apoiando-se no posicionamento defendido
dentre outros por Ana Carolina Lopes Olsen o presente estudo compreende o instituto como
um elemento extra juriacutedico de condiccedilatildeo de realidade que influencia na aplicaccedilatildeo dos direitos
fundamentais131
Esclarecendo melhor tal posicionamento parte da conclusatildeo pela inadequaccedilatildeo de
classificar a reserva do possiacutevel como espeacutecie normativa (princiacutepio) ou postulado (autecircntica
meta-norma) frente a ausecircncia tanto de passividade de otimizaccedilatildeo quanto de natureza
normogeneacutetica132
excluindo-se tambeacutem o raciociacutenio de que poderia ser encarado como uma
regra jaacute que natildeo se apresenta como um norma de efeitos gerais especificada no ordenamento
paacutetrio nem funciona sobre a loacutegica do ldquotudo ou nadardquo
A partir dessa compreensatildeo deve se ter em mente que a advertecircncia propugnada por
essa teoria tem por objetivo primordial natildeo a limitaccedilatildeo de direitos em si mas em verdade a
plena conformaccedilatildeo da realizaccedilatildeo dos mesmos ao que eacute possiacutevel faticamente a partir das
possibilidades econocircmicas do Estado levando-se em consideraccedilatildeo o contexto da gradualidade
de realizaccedilatildeo associada ao natildeo retrocesso social A ideia de um processo gradualiacutestico-
concretizador portanto se coaduna com a questatildeo das disponibilidades orccedilamentaacuterias do
Estado mas ao mesmo tempo dita o passo de como esta disponibilidade deve
progressivamente ser utilizada facilitando o controle acerca da efetiva concretizaccedilatildeo do texto
constitucional
Nesse contexto a reserva do possiacutevel apesar de se inserir na conjuntura macro em que
estatildeo englobados os direitos sociais a prestaccedilotildees materiais (marcada pela gradualidade de
realizaccedilatildeo dependecircncia financeira em relaccedilatildeo ao Estado e tendencial liberdade de
conformaccedilatildeo do legislador quanto agraves poliacuteticas para realizaacute-los) aleacutem de natildeo implicar em grau
130
Nesse ponto eacute relevante defender a necessidade aleacutem do aspecto puramente financeiro de perquiriccedilatildeo da
razoabilidade da reivindicaccedilatildeo levando-se em consideraccedilatildeo elementos como o grau de essencialidade do direito
fundamental em questatildeo as condiccedilotildees pessoais e financeiras dos envolvidos e a eficaacutecia da providecircncia judicial
almejada 131
OLSEN Ana Carolina Lopes A eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais frente agrave reserva do possiacutevel
Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito UFPR Curitiba 2006 p 37 132
Reforccedila-se a ideia de que a reserva do possiacutevel propriamente natildeo eacute ponderada mas sim a situaccedilatildeo de
escassez de recursos apresentada por ela com o comando normativo do direito fundamental social em exame
76
nulo de vinculatividade juriacutedica do direito em questatildeo133
natildeo se limita somente aos direitos
sociais jaacute que estes natildeo satildeo os uacutenicos a custar dinheiro
Mais uma vez retomam-se os ensinamentos referentes aos custos dos direitos no
sentido de desmistificar a maacutexima de que a teoria da reserva do possiacutevel soacute seria aplicada em
casos de sindicabilidade dos direitos sociais sustentando que os direitos individuais e poliacuteticos
tambeacutem demandam gastos por parte do poder puacuteblico bastando imaginar os gastos com
poliacutecia e bombeiros que garantem o direito agrave vida e propriedade bem como os custos com o
aparato judicial que se destina a proteger diversos direitos individuais
Desta maneira por existir um custo inerente a qualquer espeacutecie de direito ainda que
em grau diferenciado deve ser afastada a utilizaccedilatildeo da maacutexima de que por demandarem
accedilotildees estatais que custam dinheiro os direitos sociais devem ser imaginados sempre sobre o
manto de uma ideia de limitaccedilatildeo como se tal afirmaccedilatildeo bastasse como um argumento
maacutegico Como visto a proteccedilatildeo dos direitos individuais e poliacuteticos tambeacutem demandam
recursos poreacutem a distinccedilatildeo eacute que os efeitos da ausecircncia de tais recursos para esses direitos
natildeo satildeo tatildeo sentidos na praacutetica como ocorre nos casos de falta com relaccedilatildeo aos direitos
sociais especialmente o direito agrave sauacutede
Nesse raciociacutenio eacute certo que o exame sobre a vaacutelida utilizaccedilatildeo134
do argumento da
reserva do financeiramente possiacutevel passa pela necessidade de ocorrecircncia da perfeita
comprovaccedilatildeo de efetiva ausecircncia de recursos orccedilamentaacuterios configuradora do quadro de
exaustatildeo orccedilamentaacuteria natildeo sendo suficiente a mera e automaacutetica alegaccedilatildeo de inexistecircncia
destes135
133
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual
dos direitos econocircmicos sociais e culturaisrdquo In Estudos sobre Direitos Fundamentais Coimbra Ed
Coimbra 2004 p 108 134
Corroborando Artur Cortez Bonifaacutecio assevera que ldquoA motivaccedilatildeo requer adequaccedilatildeo agrave legalidade
constitucional ou seja a lei embasadora da escolha administrativa deve-se encontrar respaldada pela
Constituiccedilatildeo Por isso se afasta o acolhimento de alegaccedilatildeo pelo Executivo de natildeo efetivaccedilatildeo dos direitos
subjetivos fundamentais de matiz social pela falta de recursos orccedilamentaacuterios quando natildeo devidamente motivada
a denegaccedilatildeo do administrador BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional internacional e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 115-116 135
Nesse sentido Celso de Mello aponta que ldquo() os condicionamentos impostos pela claacuteusula da bdquoreserva do
possiacutevel‟ ao processo de concretizaccedilatildeo dos direitos de segunda geraccedilatildeo ndash de implantaccedilatildeo sempre onerosa -
traduzem-se em um binocircmio que compreende de um lado (1) a razoabilidade da pretensatildeo individualsocial
deduzida em face do Poder Puacuteblico e de outro (2) a existecircncia de disponibilidade financeira do Estado para
tornar efetivas as prestaccedilotildees dele reclamadas Desnecessaacuterio acentuar-se considerado o encargo governamental
de tornar efetiva a aplicaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais que os elementos componentes do
mencionado binocircmio (razoabilidade da pretensatildeo + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se
de modo afirmativo e em situaccedilatildeo de cumulativa ocorrecircncia pois ausente qualquer desses elementos
descaracterizar-se-aacute a possibilidade estatal de realizaccedilatildeo praacutetica de tais direitos (ADPF 45 MC DF Rel Min
Celso de Mello Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12)
77
Merece destaque tambeacutem o fato de que a limitaccedilatildeo de recursos gera fatalmente uma
inevitaacutevel priorizaccedilatildeo de escolhas visto que se o contingente orccedilamentaacuterio eacute escasso frente a
gama de direitos existentes eacute certo que um ou outro direito ganharaacute maior proeminecircncia na
proteccedilatildeo e garantia de direitos empreendidas pelo Poder Puacuteblico
Mas o que guiaraacute essa priorizaccedilatildeo Sem sombra de duacutevidas o estabelecimento de
metas preferenciais e objetivos fundamentais encartados na Constituiccedilatildeo Federal devendo os
recursos disponiacuteveis serem aplicados no atendimento dos fins tidos por ela como essenciais136
e nesse ponto o direito agrave sauacutede eacute inegavelmente estruturado de maneira prioritaacuteria no
ordenamento paacutetrio sendo apresentados inclusive regramentos especiacuteficos quanto a
vinculaccedilatildeo das receitas dos entes puacuteblicos a um miacutenimo a ser gasto em sauacutede puacuteblica com
graves consequecircncias para o caso de seu descumprimento
Depreende-se portanto que a limitaccedilatildeo de recursos eacute um fato que natildeo pode ser
ignorado contudo a utilizaccedilatildeo desenfreada do argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode ser
enxergada como um dado absoluto que sempre que levantado afastaraacute a possibilidade de se
forccedilar o Estado a gastar com determinado direito137
Nesse sentido natildeo se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos
para depois utilizaacute-los sob as mais diversas formas (obras serviccedilos ou qualquer outra poliacutetica
puacuteblica) eacute exatamente realizar138
os objetivos fundamentais da Constituiccedilatildeo139
136
Nessa questatildeo merece destaque a influecircncia dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil os quais
reforccedilam a obrigaccedilatildeo de se investir o maacuteximo dos recursos disponiacuteveis na promoccedilatildeo dos direitos previstos em
seus textos como eacute o caso dos jaacute tratados PIDESC e Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica Assevera o primeiro
ldquoArt 2 1 Cada Estado Parte do Presente Pacto compromete-se a adotar medidas () ateacute o maacuteximo de seus
recursos disponiacuteveis que visem a assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno
exerciacutecio dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoccedilatildeo de medidas
legislativasrdquo (Grifos acrescidos) Dispotildee o segundo ldquoArt 26 Desenvolvimento progressivo Os Estados-Partes
comprometem-se a adotar providecircncias () a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos
que decorrem das normas econocircmicas sociais ()rdquo 137
Nesse ponto assevera George Marmelstein que ldquoas alegaccedilotildees de negativa de efetivaccedilatildeo de um direito social
com base no argumento da reserva do possiacutevel deve ser sempre analisada com desconfianccedila Natildeo basta
simplesmente alegar que natildeo haacute possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial eacute preciso demonstraacute-
la O que natildeo se pode eacute deixar que a evocaccedilatildeo da reserva do possiacutevel converta-se em verdadeira razatildeo de Estado
econocircmica em um AI-5 econocircmico que opera na verdade como uma anti-Constituiccedilatildeo contra tudo o que a
Carta consagra em mateacuteria de direitos sociaisrdquo In LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito
Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio
para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura Federal UnB 2003 p50 138
Reforccedila esse argumento a posiccedilatildeo de Ingo Sarlet ao afirmar que ldquo() os recursos puacuteblicos deveratildeo ser
distribuiacutedos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais baacutesicos () se tendo em conta que a
nossa ordem constitucional veda expressamente a pena de morte a tortura e a imposiccedilatildeo de penas desumanas e
degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo razatildeo pela qual natildeo se poderaacute sustentar ndash sob pena de
ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do proacuteprio sendo de justiccedila ndash que com base em uma
alegada (e mesmo comprovada) insuficiecircncia de recursos ndash se acabe virtualmente condenando agrave morte a pessoa
cujo uacutenico crime foi o de ser viacutetima de um dano agrave sauacutede e natildeo ter condiccedilotildees de arcar com o custo do tratamento
SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave
sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 p 13
78
Chega-se ao ponto central da discussatildeo posta A delimitaccedilatildeo de um conjunto de
condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia que refletem os elementos basilares da ideia de
dignidade humana e transparecem aquele miacutenimo sobre o qual abaixo dele qualquer um
repousaria em uma situaccedilatildeo de indignidade guarda similitude exatamente ao estabelecimento
dos alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos140
A conclusatildeo disto eacute que a associaccedilatildeo do miacutenimo existencial141
ao estabelecimento de
prioridades orccedilamentaacuterias acarreta no conviacutevio produtivo de tal miacutenimo com a reserva do
possiacutevel ao passo que se a prioridade constitucional deve necessariamente refletir a
canalizaccedilatildeo de condiccedilotildees materiais essenciais agrave dignidade humana a discussatildeo sobre reserva
do possiacutevel consistiraacute em uma etapa a posteriori que natildeo deveria ser seque substancialmente
relevante para aquele primeiro momento jaacute que se estaria cuidando de uma prioridade
Isso ocorre porque o miacutenimo existencial142
enquanto direito preacute-constitucional
impliacutecito no art 3deg III da CF de 1988 tem sua garantia e proteccedilatildeo atrelada agrave noccedilatildeo de que o
Estado se comprometeu em assegurar agraves pessoas um padratildeo miacutenimo na esfera dos direitos
sociais tarefa essa plasmada no relacionamento nato existente entre a vinculaccedilatildeo dos direitos
sociais com o direito agrave vida e com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana ambientado no
cenaacuterio de busca pelo reconhecimento de maacutexima eficaacutecia juriacutedica aos direitos fundamentais
Melhor explicando a defesa aqui eacute no sentido de que o nuacutecleo que forma a ideia de
um miacutenimo existencial jaacute levou em consideraccedilatildeo quando da sua formulaccedilatildeo o argumento da
limitaccedilatildeo financeira do Estado presumindo-se que o Poder Puacuteblico dispotildee de recursos para
atender ao menos as necessidades que compotildeem esse miacutenimo e que satildeo tidas
139
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 287 140
Nesse sentido Arcecircnio Brauner dispotildee que ldquoo Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana () natildeo reclama
apenas a garantia da liberdade mas tambeacutem um miacutenimo de seguranccedila social jaacute que sem os recursos materiais
para uma existecircncia digna a proacutepria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada Por esta razatildeo o direito agrave
vida e a integridade corporal natildeo podem ser concebidos meramente como proibiccedilatildeo de destruiccedilatildeo de existecircncia
isto eacute como direito de defesa impondo ao reveacutes tambeacutem uma postura ativa no sentido de garantir a vidardquo
(Grifos acrescidos) BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In
FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces
do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 603-604 141
Sobre a noccedilatildeo de miacutenimo existencial e a contribuiccedilatildeo teoacuterica de inuacutemeros autores (dentre eles John Rawls
Friedrich Hayek Michael Walzer e Carlos Santiago Nino) sobre o tema conferir HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 142
Atribui-se a Otto Bachof a primazia do reconhecimento de um direito subjetivo a recursos miacutenimos para
existecircncia digna a partir do entendimento de que o direito agrave vida e integridade corporal natildeo envolve apenas
postura defensiva mas tambeacutem prestaccedilotildees Tal formulaccedilatildeo foi entatildeo seguida em paradigmaacutetica decisatildeo do
Tribunal Federal Administrativo da Alemanha em 1954 ao ser reconhecido a um indiviacuteduo o direito subjetivo a
auxiacutelio material por parte do Estado com base na dignidade da pessoa humana Jaacute em 1975 o Tribunal
Constitucional Federal alematildeo reconheceu a partir do princiacutepio da dignidade da pessoa humana do direito agrave
vida e agrave integridade fiacutesica e mediante uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica junto ao princiacutepio do Estado Social um
direito fundamental agrave garantia das condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 45-47
79
constitucionalmente como prioridades Se assim natildeo fosse caso houvesse a possibilidade de
opor a reserva do possiacutevel em face de tal miacutenimo se estaria diante de uma confessada conduta
inconstitucional anterior por parte da autoridade puacuteblica143
visto que restaria evidenciado que
os recursos existentes foram alocados em desacordo com as prioridades estabelecidas
constitucionalmente144
Aplicando o pensamento desenvolvido acima para a realidade do direito agrave sauacutede
conclui-se ser inegaacutevel o fato de tal direito exigir um aporte financeiro do Estado para ser
protegido e garantido Da mesma maneira depreende-se que a previsatildeo constante na proacutepria
CF de 1988 de que os entes federados devem alocar um miacutenimo de suas arrecadaccedilotildees para os
gastos com sauacutede puacuteblica reforccedila o fato de tal direito ser um alvo de acentuada prioridade no
ordenamento paacutetrio qualificando-se como condiccedilatildeo e consequecircncia constitucional
indissociaacutevel do direito agrave vida
Ora essa sistemaacutetica tem uma razatildeo de ser natildeo faria sentido essa preocupaccedilatildeo iacutempar
e relevante da Constituiccedilatildeo se o seu intuito natildeo fosse que pelo menos um miacutenimo de accedilotildees
em sauacutede fosse posta a disponibilidade da populaccedilatildeo como forma de garantir um grau baacutesico
de concretizaccedilatildeo de tal direito Desta maneira a defesa de um miacutenimo existencial em espeacutecie
com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede abrange um rol de prestaccedilotildees materiais sobre os quais o
argumento da reserva do possiacutevel natildeo poderaacute ser utilizado Saindo-se desse espectro aiacute sim
para as accedilotildees externas a esse miacutenimo eacute que se poderaacute cogitar o enfrentamento do tema da
reserva do possiacutevel
Outro aspecto a ser avaliado eacute que sendo um tiacutepico direito de segunda geraccedilatildeo que
exige do Estado uma prestaccedilatildeo positiva nascente do conceito de igualdade substancial o
amparo agrave sauacutede tem por fundamento comando constitucional que natildeo possibilita um raio de
discricionariedade capaz de conferir maior grau de liberdade de conformaccedilatildeo ao direito do
143
A loacutegica de uma gestatildeo de recursos eacute simples e baseada na obtenccedilatildeo (arrecadaccedilatildeo) e no dispecircndio (despesa)
devendo claramente haver uma congruecircncia entre tais extremos para a sustentaccedilatildeo do sistema Nesse sentido
buscando-se sempre a noccedilatildeo de que as disposiccedilotildees constitucionais formam um todo harmocircnico eacute certo que o
arrecadado deve ser equivalente ao miacutenimo que se exige e nesse contexto o volume crescente de arrecadaccedilatildeo
tributaacuteria dos uacuteltimos anos no paiacutes denota que a sinalizaccedilatildeo do quantum a ser arrecadado natildeo pode fugir da
preacutevia necessidade que estaacute sendo priorizada daiacute concluir-se que ldquoo miacutenimo existencial jaacute estaacute na contardquo da CF e
a aplicaccedilatildeo da ideia de reserva do possiacutevel deve ser utilizada quando diante de prestaccedilotildees que extrapolam esse
miacutenimo 144
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 290
80
qual o exerciacutecio possa ter como consequecircncia como base em simples alegaccedilatildeo de mera
conveniecircncia eou oportunidade a nulificaccedilatildeo da prerrogativa essencial145
Coadunando-se com tal pensamento Ingo Sarlet pontua que se na situaccedilatildeo concreta as
objeccedilotildees habituais ao conferimento de direito subjetivo agraves prestaccedilotildees iacutensitas ao direito social
em exame significarem uma grave agressatildeo agrave vida e a dignidade humana a saiacuteda seraacute a
prevalecircncia do direito social prestacional a partir da construccedilatildeo de um padratildeo de miacutenimo
existencial do mesmo havendo como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestaccedilotildees
admitindo-se onde tal miacutenimo for ultrapassado apenas um direito subjetivo prima facie146
O embate entre reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial se demonstra pois como
algo meramente aparente visto que a perfeita delimitaccedilatildeo das accedilotildees inseridas nesse miacutenimo
com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede terminaratildeo por formar um escudo protetivo intransponiacutevel
pelo argumento da reserva do possiacutevel o qual soacute poderaacute ser arguido quando diante de uma
situaccedilatildeo que extrapole tal nuacutecleo baacutesico
Desta maneira o miacutenimo existencial desponta como um limite agrave aplicaccedilatildeo da reserva
do possiacutevel na medida em que garante um conjunto de necessidades baacutesicas do indiviacuteduo a ser
respeitado e obrigatoriamente fornecido pelo Estado e nesse ponto o princiacutepio da dignidade
da pessoa humana termina assumindo uma importante funccedilatildeo demarcatoacuteria ao estabelecer a
fronteira para o que convenciona denominar de padratildeo miacutenimo da esfera dos direitos
sociais147
Assentado o pensamento acima antes de passar para o exame das premissas que
sustentam a problemaacutetica do presente estudo (o deacuteficit evolutivo da concretizaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede nos mais de vinte anos da CF de 1988 bem como a alocaccedilatildeo do direito agrave sauacutede para um
primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais) faz-se necessaacuteria uma breve
explanaccedilatildeo acerca da aplicaccedilatildeo da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso agrave questatildeo da efetividade do
direito agrave sauacutede nuacutecleo do debate ora travado
145
ODON Daniel Ivo amp RODRIGUES Sulien Barbosa O direito agrave sauacutede e a claacuteusula da reserva do
financeiramente possiacutevel In Revista Jurisplan Editora Iesplan v1 n1 Brasiacutelia 2012 105-125 p 123 146
SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 p 324 147
BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009
ndash UNIMAR p 314
81
43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O
DIREITO Agrave SAUacuteDE
Foi esclarecido que a reserva do possiacutevel antes de ser vista como oacutebice insuperaacutevel agrave
efetivaccedilatildeo dos direitos sociais deve viger de certa maneira como um mandado de otimizaccedilatildeo
dos direitos fundamentais impondo ao Estado o dever fundamental de tanto quanto possiacutevel
promover as condiccedilotildees oacutetimas de efetivaccedilatildeo da prestaccedilatildeo estatal em causa buscando
preservar aleacutem disso os niacuteveis de realizaccedilatildeo jaacute atingidos Tal observaccedilatildeo aponta por sua vez
para a necessidade do reconhecimento de uma proibiccedilatildeo do retrocesso ainda mais naquilo
que se estaacute a preservar o miacutenimo existencial148
Nesse sentido faz-se relevante analisar brevemente de que maneira o presente estudo
encara a ideia de vedaccedilatildeo do retrocesso social e a partir de tal entendimento qual a sua
repercussatildeo no que tange ao direito agrave sauacutede
Pois bem o princiacutepio149
da proibiccedilatildeo ou vedaccedilatildeo do retrocesso eacute uma construccedilatildeo
doutrinaacuteria que diz respeito agrave possibilidade ou natildeo de se diminuir o campo protetivo de um
direito fundamental jaacute protegido infraconstitucionalmente
Tal anaacutelise parte da premissa de que os direitos fundamentais devem ser concretizados
por meio de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional em um cenaacuterio de progressiva ampliaccedilatildeo e
tendo isto em mente enfrenta o questionamento de ser ou natildeo possiacutevel se discutir a validade
de uma eventual revogaccedilatildeo de enunciado (sem posterior substituiccedilatildeo e portanto gerando um
vazio legislativo) que regulamentando o direito fundamental em questatildeo tenha propiciado a
melhor fruiccedilatildeo e ampliaccedilatildeo do direito em questatildeo150
Ou seja o objetivo da vedaccedilatildeo do retrocesso eacute exatamente o de evitar supressotildees
legislativas que venham a regredir o acircmbito de proteccedilatildeo jaacute garantido para o direito
fundamental em exame Contudo o raciociacutenio natildeo eacute tatildeo simplista assim nem pode ser
148
SARLET Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Reserva do Possiacutevel miacutenimo existencial e
direito a sauacutede algumas aproximaccedilotildees In Doutrina Nacional Direitos Fundamentais e Justiccedila nordm 1 out-dez
2007 p 171-213 149
Natildeo eacute alvo do presente estudo a averiguaccedilatildeo acerca da natureza juriacutedica da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso
adotando-se a designaccedilatildeo de princiacutepio apenas de modo a seguir a maioria doutrinaacuteria sobre o tema 150
Alguns autores como Felipe Derbli defendem que eacute possiacutevel reconhecer a existecircncia do princiacutepio da
proibiccedilatildeo do retrocesso social na proacutepria CF de 1988 uma vez que ldquo(i) a Carta Magna vigente determina a
ampliaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais (art 5deg sect2deg e art 7deg caput) com vistas agrave progressiva reduccedilatildeo das
desigualdades regional e sociais e agrave construccedilatildeo de uma sociedade livre e solidaacuteria onde haja justiccedila social (art
3deg incisos I e III e art 170 caput e incisos VII e VIII) (ii) em sendo uma Constituiccedilatildeo dirigente impotildee o
desenvolvimento permanente do grau de concretizaccedilatildeo dos direitos sociais nela previstos com vistas agrave sua
maacutexima efetividade (art 5deg sect 1deg) sendo consequecircncia loacutegica a existecircncia do comando dirigido ao legislador de
natildeo retroceder na densificaccedilatildeo das normas constitucionais que definem tais direitos sociaisrdquo DERBLI Felipe
Proibiccedilatildeo de Retrocesso Social Uma Proposta de Sistematizaccedilatildeo agrave Luz da Constituiccedilatildeo de 1988 In BARROSO
Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007
p 494
82
encarado como uma maacutexima vinculante vez que se insere na discussatildeo acerca da autonomia
da funccedilatildeo legislativa e dos limites agrave liberdade de conformaccedilatildeo do legislador podendo a
utilizaccedilatildeo excessivamente abrangente da vedaccedilatildeo do retrocesso que natildeo leve em
consideraccedilatildeo a conjuntura poliacutetico-econocircmica do momento analisado implicar em distorccedilotildees
natildeo almejadas pelo ordenamento constitucional
De modo a esclarecer melhor o acima afirmado faz-se relevante destacar alguns
pontos que auxiliaratildeo na exata compreensatildeo acerca do posicionamento deste trabalho quanto
ao instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso e sua repercussatildeo quanto ao direito agrave sauacutede O primeiro
ponto eacute que o esvaziamento total de um direito jaacute incorporado e regulamentado no
ordenamento sem uma poliacutetica substitutiva ou uma justificaccedilatildeo de ordem loacutegica que leve em
consideraccedilatildeo um possiacutevel conflito com outro direito antes de ser uma accedilatildeo que colida com a
ideia propugnada pela vedaccedilatildeo do retrocesso consiste em uma autecircntica violaccedilatildeo agrave
Constituiccedilatildeo
Nesse contexto admita-se hipoteticamente que seja revogado integralmente o
Coacutedigo de Defesa do Consumidor esvaziando-se completamente o campo protetivo que tal
diploma confere aos direitos nele abarcados sem se empreender uma substituiccedilatildeo por nova
legislaccedilatildeo sobre o tema Tal situaccedilatildeo seria injustificaacutevel e sem duacutevida significaria um
retrocesso que antes de ser proibido pelo princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso por si soacute jaacute
seria eivado de clara inconstitucionalidade
O segundo ponto para aleacutem da situaccedilatildeo acima de revogaccedilatildeo integral na
regulamentaccedilatildeo de determinado direito fundamental consiste na premissa de que a anaacutelise
sobre um possiacutevel retrocesso na regulamentaccedilatildeo de um direito natildeo deve levar em
consideraccedilatildeo puramente o aspecto textual da norma alterada mas sim o panorama macro no
qual a norma em exame estaacute envolvida e consequentemente as condicionantes de ordem
poliacutetica econocircmica histoacuterica cultural visto que restriccedilotildees a direitos podem em determinados
casos significar razoavelmente a promoccedilatildeo de outros tidos como mais prioritaacuterios pelo
legislador para o contexto do momento em questatildeo151
151
Corroborando com esse pensamento Ana Paula Barcellos pontua que ldquoConsiderando a dignidade da pessoa
humana de forma integral e coletiva ndash isto eacute os vaacuterios aspectos da dignidade de cada indiviacuteduo e de todos eles
em determinada sociedade ndash eacute equivocado imaginar que a proteccedilatildeo ampliada de um especiacutefico direito
fundamental seraacute sempre o meio adequado de promover e proteger a dignidade humana das pessoas Eacute provaacutevel
que em sociedades nas quais haacute mais matildeo de obra que empregos o incremento progressivo dos direitos
trabalhistas tenha como efeito a ampliaccedilatildeo do mercado informal de trabalho (no qual direito algum eacute assegurado)
()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 91
83
Imagine-se entatildeo que em um cenaacuterio de progresso e tranquilidade econocircmica sejam
conferidas certas benesses com relaccedilatildeo a um direito especiacutefico as quais venham a garantir
uma ampliaccedilatildeo do mesmo Vislumbre-se agora um cenaacuterio de grave crise econocircmica em que
algumas dessas benesses sejam suprimidas temporariamente visando a que outros direitos
tidos por mais prioritaacuterios sejam melhor garantidos frente ao quadro de recessatildeo
Caso admitida a vedaccedilatildeo do retrocesso como uma maacutexima capaz de impedir qualquer
tipo de restriccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo vigente ao direito em questatildeo a situaccedilatildeo acima descrita
seria impossiacutevel de ser alcanccedilada o que poderia ocasionar um prejuiacutezo e retrocesso ateacute
mesmo maior para a sociedade e para a concretizaccedilatildeo152
dos direitos fundamentais como um
todo (considerando uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do ordenamento)
Desta forma quando comparados contextos histoacutericos totalmente diferentes a melhor
saiacuteda consiste em natildeo analisar a supressatildeo meramente pontual de cada direito mas sim se o
balanceamento empreendido pelo legislador para ldquosobreviverrdquo ao cenaacuterio de crise entre aacutereas
constitucionalmente prioritaacuterias e natildeo prioritaacuterias significa um avanccedilo ou um retrocesso do
sistema constitucional como um todo
Reforccedila essa visatildeo o posicionamento assentado no paraacutegrafo 9 da Observaccedilatildeo Geral
ndeg3 do Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais da ONU que ao comentar o
dispositivo 21 do PIDESC (aqui jaacute visto e que prevecirc o dever dos Estados considerando o
maacuteximo de recursos de que disponham de adotar medidas para produzir de forma progressiva
a efetividade dos direitos reconhecidos no pacto) pondera que pode ser admitida a adoccedilatildeo de
medidas restritivas dos direitos previstos no pacto desde que justificadas e levando-se em
consideraccedilatildeo a totalidade de tais direitos no contexto do pleno aproveitamento dos recursos
disponiacuteveis
Some-se a isso o aspecto relacionado agrave deliberaccedilatildeo democraacutetica no sentido de que o
raciociacutenio o qual considera que a regulamentaccedilatildeo de um direito formaria com sua previsatildeo
constitucional uma espeacutecie de bloco de constitucionalidade153
funcionando como uma
152
De se destacar as liccedilotildees de Pieroth e Schlink no sentido de que a concretizaccedilatildeo de um direito fundamental eacute
verificada sempre que o seu acircmbito de proteccedilatildeo permanece intacto natildeo limitado e neste caso o Estado natildeo
pretende de modo nenhum impedir uma conduta que esteja abrangida pelo acircmbito de proteccedilatildeo Ao contraacuterio
pretende precisamente abrir possibilidades de conduta para que o particular possa fazer uso do direito
fundamental sendo necessaacuterias conformaccedilotildees nos chamados acircmbitos de proteccedilatildeo marcados pelo direito ou pelas
normas PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de
Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 93-94 153
Sobre a expressatildeo Pablo Luis Manili aponta que ldquoem 1970 el profesor Claude Emeri comentoacute em la Revue
de Droit Public (Revista de Derecho Puacuteblico) una decisioacuten de este Consejo adoptada em 1969 y referida a la
reforma del Reglamento de la Asamblea Nacional En este artiacuteculo el autor advierte que la constitucionalidad de
esse reglamento fue juzgada no soloamente em relacioacuten com la Constitucioacuten sino tambieacuten com referencia a uma
Ordenanza (ndeg 58-1100 del 171158) que regula el funcionamiento de las Asambleas parlamentarias y para
84
claacuteusula peacutetrea ampliada pode significar um engessamento inconstitucional da autonomia da
funccedilatildeo legislativa que ficaria obstada de empreender o balanceamento acima mencionado em
contexto de crises podendo incidir em um maior prejuiacutezo a certos direitos154
Assentados os dois pontos acima uma saiacuteda para a natildeo banalizaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo
desenfreada do instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso que venha a enfraquececirc-lo eacute o
estabelecimento de um limite para as possiacuteveis restriccedilotildees a algum direito de modo que soacute seraacute
considerado um retrocesso de fato as situaccedilotildees em que tal limite fosse ultrapassado e a
decretaccedilatildeo desse limite encontra-se exatamente no texto constitucional e na demarcaccedilatildeo do
nuacutecleo essencial do direito em exame
Dessa maneira o princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso social pode ser enxergado a
partir da seguinte foacutermula o nuacutecleo essencial dos direitos sociais jaacute realizado e efetivado
atraveacutes de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo
inconstitucionais medidas que sem criar esquemas alternativos ou compensatoacuterios se
traduzam na praacutetica em uma anulaccedilatildeo ou aniquilaccedilatildeo pura e simples desse nuacutecleo essencial
que funcionaria como limite para a liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e a inerente
autorreversibilidade155
Conclui-se portanto que i as supressotildees totais de regulamentaccedilotildees bem como
aquelas que ainda que natildeo totais impliquem na aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial do direito
examinado satildeo antes de afronta ao princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso medidas
inconstitucionais ii as supressotildees pontuaisparciais externas ao espectro do nuacutecleo essencial
do direito fundamental em anaacutelise devem ser encaradas levando em conta o momento
histoacuterico em questatildeo e a totalidade dos direitos fundamentais amparados pelo sistema
constitucional como um todo visto que uma accedilatildeo que a princiacutepio possa aparentar ser
describir esse conjunto de normas que eran tenidas em cuenta por el Consejo Constitucional ndash ademaacutes de la
proacutepria constitucioacuten ndash para ejercer su competencia utilizo por primera vez la expresioacuten MANILI Pablo Luis El
Bloque de Constitucionalidad La recepcioacuten del Derecho Internacional de loacutes Derechos Humanos en el
Derecho Constitucional Argentino Buenos Aires La Ley 2003 p 284 154
Sobre a questatildeo da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador na temaacutetica da vedaccedilatildeo do retrocesso social Joseacute
Carlos Vieira de Andrade leciona que ldquoO princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso enquanto determinante
heteroacutenoma vinculativa para o legislador implicaria bem vistas as coisas a eleveccedilatildeo das medidas legais
concretizadoras dos direitos sociais a direito constitucional () Contudo isso natildeo implica a aceitaccedilatildeo de um
princiacutepio geral de proibiccedilatildeo do retrocesso nem uma bdquoeficaacutecia irradiante‟ dos preceitos relativos aos direitos
sociais encarados como um bdquobloco constitucional dirigente‟ A proibiccedilatildeo do retrocesso natildeo pode constituir um
princiacutepio geral nesta mateacuteria sob pena de se destruir a autonomia da funccedilatildeo legislativa()rdquo (grifos no original)
VIEIRA Joseacute Carlos Vieira de Os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976Coimbra
Almedina 1998 p309 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais
O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 86 155
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 327
85
restritiva de um direito pode significar em verdade um avanccedilo de outro mais prioritaacuterio (e
caso natildeo signifique seraacute eivada de inconstitucionalidade)
Como se vecirc a questatildeo eacute complexa e buscando sua melhor soluccedilatildeo o presente estudo
se filia ao mecanismo proposto por Ana Paula de Barcellos para se identificar em que
circunstacircncias a vedaccedilatildeo do retrocesso seraacute aplicaacutevel para aleacutem da hipoacutetese de revogaccedilatildeo total
de uma disciplina existente em mateacuteria de direitos fundamentais Tal mecanismo
aproximando-se do pensamento acima mencionado com relaccedilatildeo agrave limitaccedilatildeo da restriccedilatildeo pelo
nuacutecleo essencial do direito constitucional em anaacutelise parte da ideia baacutesica de confrontar (natildeo
apenas quanto ao aspecto linguiacutestico mas tambeacutem considerando o contexto histoacuterico e
cultural) a nova regulamentaccedilatildeo aparentemente restritiva com a garantia miacutenima que decorre
da Constituiccedilatildeo e natildeo propriamente com a disciplina jaacute adotada pelo legislador
constitucional156
Nota-se assim que o paracircmetro de aferibilidade sai do substrato normativo
infraconstitucional e atrela-se unicamente agrave constituiccedilatildeo jaacute que tal investigaccedilatildeo se norteia
pela indagaccedilatildeo se a nova disciplina pretendida compatibiliza-se com a garantia constitucional
do direito em questatildeo ao ponto de realizar de forma minimamente adequada o bem juriacutedico
tutelado garantindo assim a aplicabilidade real e efetiva da fruiccedilatildeo do mesmo por seus
destinataacuterios Em caso afirmativo a nova regulamentaccedilatildeo natildeo afrontaria a vedaccedilatildeo do
retrocesso em caso negativo tal inovaccedilatildeo deveraacute ser encarada como uma supressatildeo
inconstitucional do direito em anaacutelise
Finalmente aplicando tudo que foi dito acima agrave situaccedilatildeo especiacutefica do direito agrave sauacutede
tem-se que frente agrave maior fundamentalidade do direito agrave sauacutede devido a sua iacutentima ligaccedilatildeo
com o direito agrave vida e agrave dignidade humana supressotildees totais quanto a regulamentaccedilatildeo de tal
direito bem como agravequelas que importem em afronta ao seu nuacutecleo essencial157
seratildeo tidas
como inconstitucionais aleacutem de colidirem com a vedaccedilatildeo do retrocesso
Com relaccedilatildeo a supressotildees pontuais sobretudo em momentos de crises econocircmicas
essas somente seratildeo admitidas como uacuteltima alternativa desde que sejam comprovadamente
essenciais para a ldquosobrevivecircnciardquo do paiacutes tenham caraacuteter temporaacuterio natildeo subvertam o niacutevel
de proteccedilatildeo constitucional conferido a esse direito e principalmente sejam realizadas apenas
ao posterior esgotamento de restriccedilotildees em aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias
156
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 92 157
Sem entrar em polecircmica doutrinaacuteria o presente estudo considera a visatildeo de nuacutecleo essencial nesse ponto
abordada consentacircnea com a ideia de miacutenimo existencial em espeacutecie para cada direito fundamental em si
86
constitucionalmente158
Nesse sentido conclui-se ser rara a ocorrecircncia de tal hipoacutetese a qual
demandaria uma conjuntura de extrema instabilidade institucional tanto sob o vieacutes poliacutetico
quanto econocircmico
44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988
Nas primeiras linhas desse trabalho foi asseverado que o mesmo partiria de duas
premissas sendo uma delas exatamente a constataccedilatildeo de que com o tempo percorrido pela
CF de 1988 o niacutevel atingido no processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute deficiente e
natildeo condiz perfeitamente com os anseios constantes nos pactos internacionais assinados pelo
Brasil nem nos dispositivos delineados tanto na Constituiccedilatildeo Federal159
quanto no arcabouccedilo
legislativo infraconstitucional sobre o tema
Para tal conclusatildeo basta acompanhar os casos alarmantes de verdadeiro caos na
realidade da sauacutede puacuteblica vivida no paiacutes retratada diariamente nos telejornais160
para se
chegar a conclusatildeo de que algo estaacute errado ou utilizando-se de um jargatildeo popular de que ldquoa
conta natildeo baterdquo
Eacute nessa conjuntura portanto que surge a indagaccedilatildeo como um paiacutes que se
compromete na ordem internacional a promover a sauacutede na maior medida do possiacutevel que
arquiteta tal bem juriacutedico de maneira iacutempar em seu ordenamento prevendo ateacute mesmo a
vinculaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de um miacutenimo a ser gasto com tal direito frente sua relevacircncia pode
ainda assim apresentar problemas estruturais baacutesicos tatildeo gritantes Natildeo resta duacutevida
158
Seria inconstitucional e colidiria com a proibiccedilatildeo do retrocesso portanto a ocorrecircncia em um cenaacuterio de
crise econocircmica de restriccedilatildeo pontual com relaccedilatildeo agrave abrangecircncia do atendimento em sauacutede previsto na legislaccedilatildeo
do SUS sem que antes tenha sido restringida a regulamentaccedilatildeo de todas as aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias pela
Constituiccedilatildeo (propaganda construccedilatildeo de estaacutedios para eventos esportivos participaccedilatildeo de dinheiro puacuteblico por
exemplo) ou ateacute mesmo aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias quanto o direito agrave sauacutede 159
Enfatiza esse ponto o fato da Constituiccedilatildeo de 1988 ser tipicamente dirigente visto que aleacutem da tradicional
funccedilatildeo de estruturar o Estado incorporou-se em seus textos definiccedilotildees valorativas e ideoloacutegicas reconhecendo-
se assim o seu poder de tomar decisotildees poliacuteticas fundamentais e estabelecer prioridades materiais e objetivos
puacuteblicos que terminam por guiar o comportamento futuro do Estado Sobre o tema da Constituiccedilatildeo dirigente
conferir COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda (Org) Canotilho e a Constituiccedilatildeo dirigente 2deg ed Rio de
Janeiro Renovar 2005 160
Agrave tiacutetulo ilustrativo seguem algumas mateacuterias que retratam as peacutessimas condiccedilotildees da sauacutede puacuteblica no Estado
do Rio Grande do Norte as quais tiveram repercussatildeo nacional nos uacuteltimos anos httpglobotvglobocominter-
tv-rnrn-tv-2a-edicaovcaos-toma-conta-da-saude-em-mossoro-rn2494580 Acessado em 02042013
httpg1globocomrnrio-grande-do-nortenoticia201301marcha-do-fio-de-aco-reune-medicos-em-protesto-
ao-caos-na-saude-do-rnhtml Acessado em 02042013 httpgovernadoremfocoblogspotcombr201301caos-
na-saude-do-rn-e-destaque-nohtml Acessado em 02042013
httpbandnewstvbanduolcombrnoticiasconteudoaspID=657505 Acessado em 08042013
87
portanto que haacute um claro descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos
governantes que precisa ser combatido e corrigido
Natildeo obstante para a melhor compreensatildeo do referido descompasso eacute primordial
abstrair um pouco a anaacutelise do plano meramente faacutetico (que eacute o ponto de chegada do
problema) e tentar entender melhor o fundamento juriacutedico que aponta para uma maximizaccedilatildeo
do dever estatal em realizar o direito agrave sauacutede (o ponto de partida) e para isso eacute importante se
ter em mente a noccedilatildeo de gradualidade bem como de dever de progressividade inerente ao
processo de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais
Nesse ponto consoante o jaacute analisado PIDESC tem-se para o Estado o
estabelecimento de uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais a significar o
dever de serem tomadas todas as providecircncias possiacuteveis nos limites dos recursos disponiacuteveis
com o escopo de alcanccedilar gradativamente a mais completa realizaccedilatildeo desses direitos e da
forma mais ampliativa possiacutevel o que revela uma ideia de avanccedilo e otimizaccedilatildeo
Nesse sentido o dever de progressividade implica na alocaccedilatildeo dos recursos existentes
sejam direcionados agrave consecuccedilatildeo dos direitos especificados no PIDESC da melhor forma
possiacutevel significando especialmente quanto ao direito agrave sauacutede que o Brasil possui a
obrigaccedilatildeo concreta e constante de desenvolver o mais eficientemente possiacutevel agrave plena
realizaccedilatildeo do direito ao mais alto niacutevel de sauacutede em respeito ao artigo 12 do referido diploma
anteriormente jaacute estudado161
Alinha-se a essa visatildeo ainda a noccedilatildeo de gradualidade162
de realizaccedilatildeo dos direitos
sociais a prestaccedilotildees materiais no sentido de que como tais direitos demandam direta e
efetivamente do aporte financeiro do Estado e este eacute finito a efetivaccedilatildeo progressiva dos
mesmos deveraacute ser alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a passo conforme a
capacidade financeira do Estado
Desta forma uma poliacutetica de sauacutede eficaz e consentacircnea com a proteccedilatildeo que eacute dada
ldquono papelrdquo a tal direito pressupotildee uma estruturaccedilatildeo tendente a uma crescente e contiacutenua
melhoria163
das condiccedilotildees de sauacutede realizada a passos graduais de acordo com a
161
GIALDINO Rolando E El derecho al disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones
Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 517 162
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual
dos direitos econoacutemicos sociais e culturaisrdquo in Estudos sobre Direitos Fundamentais Ed Coimbra 2004 p
108 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 132 163
Eacute muito importante a exata compreensatildeo desses ponto natildeo basta simplesmente afirmar que a realizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede deve ser gradual e progressiva frente a limitaccedilatildeo dos recursos como se isso fosse um argumento
automaacutetico e apto a justificar qualquer falha ou omissatildeo estatal Na realidade deve ser acoplado a esse raciociacutenio
(progressividade gradual) a ideia de que tal progressatildeo deve ser movida por um anseio contiacutenuo e crescente de
melhoria de avanccedilo
88
disponibilidade financeira possiacutevel mas sempre guiada para o avanccedilo e nunca para o
retrocesso
A conclusatildeo do acima afirmado (que apesar de simploacuteria eacute bastante relevante) eacute a de
que se o quadro da sauacutede puacuteblica de uma determinada regiatildeo se agrava no plano faacutetico seja
por ausecircncia de meacutedicos pela natildeo disponibilizaccedilatildeo de insumos hospitalares ou pela
insuficiecircncia de vacinas por exemplo e inexiste uma justificativa plausiacutevel para isso164
o que
estaraacute ocorrendo na praacutetica eacute um verdadeiro retrocesso na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o
argumento de que tal situaccedilatildeo eacute justificaacutevel pelo atrelamento da disponibilizaccedilatildeo de
prestaccedilotildees materiais aos limites orccedilamentaacuterio natildeo poderaacute prosperar
Em termos mais diretos a gradualidade relaciona-se sim com a disponibilidade de
recursos mas nunca poderaacute ser utilizada para justificar um retrocesso pois ela funciona como
um motor da progressividade ora acelerando ora diminuindo tal aceleraccedilatildeo mas sempre
avanccedilando nunca retroagindo165
Assentadas as exatas noccedilotildees de gradualidade e progressividade as quais se conectam agrave
temaacutetica jaacute tratada da reserva do possiacutevel e da vedaccedilatildeo do retrocesso social defende-se que o
aparato legislativo (abrangendo tanto os Pactos Internacionais como a CF e a legislaccedilatildeo
ordinaacuteria) construiacutedo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede significa um compromisso firmado pelo
Estado com a sociedade e o atual estaacutegio do quadro da sauacutede puacuteblica no paiacutes demonstra a
ocorrecircncia de um autecircntico ldquocaloterdquo por parte do Estado o qual se encontra recalcitrante em
cumprir exata e perfeitamente o que se comprometeu terminando por frustrar os cidadatildeos
Frente a este desacerto com o intuito de corrigir tal deacuteficit evolutivo a soluccedilatildeo aqui
proposta eacute exatamente a de acelerar esse processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e nessa
jornada assumem papel de destaque a intervenccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do desse direito
a proteccedilatildeo coletiva do mesmo empreendida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pela Defensoria
Puacuteblica e a participaccedilatildeo e controle social sobretudo na seara orccedilamentaacuteria
164
Apenas uma situaccedilatildeo de excepcionalidade (um surto epidemioloacutegico por exemplo) poderia justificar uma
possiacutevel ldquofaltardquo do Estado para com seu dever de realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Se a verba para tal direito jaacute se
encontra ldquoamarradardquo natildeo faz sentido em um mecircs natildeo se constatar problemas e no seguinte sem nenhuma
mudanccedila no cenaacuterio anterior ocorrer por exemplo uma diminuiccedilatildeo radical no nuacutemero de meacutedicos em
determinado hospital puacuteblico A falta de planejamento (ou ateacute mesmo de vontade) do Poder Puacuteblico bem como a
maacute gestatildeo dos recursos disponiacuteveis satildeo situaccedilotildees totalmente diferentes da comprovada insuficiecircncia de recursos
e natildeo podem ser considerados argumentos vaacutelidos e justificaacuteveis quando utilizados pelo Estado para justificar
suas falhas 165
Expotildeem Abramovich e Courtis que a noccedilatildeo de progressividade apresenta dois sentidos complementares
abarca ao mesmo tempo o reconhecimento de que a satisfaccedilatildeo plena dos direitos sociais supotildee uma certa
gradualidade e a noccedilatildeo de que progresso liga-se agrave obrigaccedilatildeo estatal de melhorar as condiccedilotildees de gozo e
exerciacutecio de tais direitos ABRAMOVICH Viacutectos Ernesto COURTIS Christian Los derechos sociales como
derechos exigibles Madrid Trotta 2002 p 93 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental
agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 138
89
Contudo antes de entender como os citados atores podem efetuar suas contribuiccedilotildees
faz-se relevante examinar a segunda premissa exposta no iniacutecio desse estudo qual seja a
estruturaccedilatildeo prioritaacuteria que eacute dada ao direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio e sua ligaccedilatildeo com
a dignidade da pessoa humana
45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Em um cenaacuterio hipoteacutetico imagine-se que toda populaccedilatildeo brasileira fosse entrevistada
sobre qual direito social dentre os elencados no artigo sexto da CF de 1988 apresentaria maior
importacircncia Sem sombra de duacutevidas sauacutede e educaccedilatildeo despontariam como os direitos mais
votados e muitos arriscariam dizer que juntamente com o direito agrave seguranccedila (sob um vieacutes de
seguranccedila puacuteblica) tais direitos formariam uma triacuteade essencial a ser prestada eficientemente
pelo Estado
Ocorre que como jaacute visto a apuraccedilatildeo acerca do grau de eficaacutecia de algum direito leva
em consideraccedilatildeo natildeo soacute o sistema normativo que o abraccedila mas tambeacutem a fundamentalidade
social e juriacutedica da circunstacircncia regulada pela norma e partindo disto eacute inegaacutevel que o
direito agrave sauacutede assume um papel de destaque dentre os direitos que necessitam de um ldquofazerrdquo
estatal jaacute que apresenta uma iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida posicionando-se a sauacutede
como um componente primordial e embrionaacuterio agrave fruiccedilatildeo dos demais direitos
Melhor explicando eacute facilmente identificaacutevel uma engrenagem entre os direitos
fundamentais sociais em um contexto em que todos possuem sua importacircncia e ao mesmo
tempo se interdependem Contudo a sauacutede estaria ocupando uma posiccedilatildeo basilar nessa
sistemaacutetica inter-relacional por possuir um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica e social mais
apurada devido a sua maior aproximaccedilatildeo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e a
dignidade da pessoa humana
Entendendo esse ciclo eacute indiscutiacutevel que o direito agrave educaccedilatildeo se mostra fundamental
para a melhoria da qualidade de vida de toda sociedade consistindo em importante passo para
a formaccedilatildeo do intelecto e participaccedilatildeo mais ativa nas decisotildees estatais Partindo dessa noccedilatildeo
eacute tambeacutem irrefutaacutevel que o pleno gozo de tal direito acarreta na fruiccedilatildeo de outros como por
exemplo o direito ao trabalho que por sua vez seraacute essencial para a subsistecircncia de cada um
proporcionando as condiccedilotildees necessaacuterias para a obtenccedilatildeo de alimentaccedilatildeo moradia e lazer
90
entretanto indubitavelmente tudo isso pressupotildee a perfeita condiccedilatildeo de sauacutede do indiviacuteduo e
o seu cuidado constante durante toda vida
Eacute nessa conjuntura portanto que se pode falar tambeacutem em impreteribilidade do
direito agrave sauacutede com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais De que maneira Imagine-se um
cidadatildeo que esteja sem usufruir nenhum dos direitos sociais a ele garantidos
constitucionalmente (por exemplo um sem-teto analfabeto em estado grave de sauacutede) e que
o Estado resolva proporcionar a fruiccedilatildeo mas apenas um de cada vez dos direitos entatildeo
afrontados
Solucionar somente a problemaacutetica do direito agrave educaccedilatildeo ou da mesma forma apenas
o direito agrave moradia166
acabaraacute resolvendo exclusivamente cada um desses problemas em
especiacutefico mas natildeo teraacute o condatildeo de necessariamente implicar na potencial fruiccedilatildeo dos
demais direitos
Por outro lado ao resolver a grave situaccedilatildeo de sauacutede desse cidadatildeo que se encontra
seriamente aviltado em sua dignidade o Estado ao mesmo tempo em que corrige esse
problema invariavelmente estaraacute proporcionando ao cidadatildeo a aptidatildeo elementar ao pleno
usufruto dos demais direitos o que termina por reservar ao elemento sauacutede uma posiccedilatildeo de
direito impreteriacutevel quando posto comparativamente em xeque diante dos demais direitos
sociais
Fechando esse pensamento tem-se que caso seja negada a atenccedilatildeo prioritaacuteria ao
direito agrave sauacutede aleacutem de por oacutebvio natildeo ser solucionado o problema do cidadatildeo no que diz
respeito a este determinante elemento de sua vida estaraacute tambeacutem prejudicada qualquer
possibilidade de soluccedilatildeo aos demais direitos em questatildeo Nesse caso a desatenccedilatildeo ao direito agrave
sauacutede mais do que uma violaccedilatildeo a um direito social objetivamente significaraacute uma
obstacularizaccedilatildeo agrave reparaccedilatildeo dos demais direitos sociais lesados os quais restaratildeo inoacutecuos
Frente ao exposto eacute inevitaacutevel reconhecer que o direito agrave sauacutede deve ser alocado para
uma posiccedilatildeo de primazia quando confrontado com os demais direitos fundamentais sociais
ateacute mesmo pelo fato de que a garantia de diversos outros direitos (vida digna integridade
fiacutesica alimentaccedilatildeo moradia seguranccedila assistecircncia agrave maternidade etc) traduzem ao menos
reflexamente uma densificaccedilatildeo do mesmo Corroborando com tal raciociacutenio a doutrina
aponta que o direito agrave sauacutede ainda que natildeo tivesse sido positivado no PIDESC poderia ser
166
Exemplificando a pontual matricula do cidadatildeo no ensino puacuteblico natildeo facilitaraacute diretamente a soluccedilatildeo do
problema relativo agrave sua moradia muito menos quanto agrave sua sauacutede (da mesma forma a disponibilizaccedilatildeo de uma
casa popular natildeo seraacute pressuposto pra resolver o problema quanto agrave educaccedilatildeo e nem da sauacutede)
91
tutelado na oacuterbita internacional tranquilamente como um direito impliacutecito agrave vida167
(e tambeacutem
agrave integridade fiacutesica)
Reforccedilando mais ainda o caraacuteter prioritaacuterio que foi dado ao direito agrave sauacutede no
ordenamento paacutetrio conforme jaacute foi analisado nos capiacutetulos anteriores eacute consenso168
que a
CF de 1988 aleacutem de conferir um capiacutetulo proacuteprio para tal direito atribuiu ao mesmo por toda
a extensatildeo de seu corpo (atraveacutes de cinquenta e cinco menccedilotildees ao elemento sauacutede) um
tratamento notadamente especial chegando ao ponto de por exemplo
(i) exigir o direcionamento de parte da receita resultante da arrecadaccedilatildeo de
impostos estaduais para as accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede169
considerando
a aplicaccedilatildeo desse miacutenimo um autecircntico princiacutepio constitucional sensiacutevel170
cuja
natildeo observacircncia autoriza a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados (e destes em seus
municiacutepios quando natildeo tiver sido aplicado o miacutenimo exigido da receita
municipal) e no Distrito Federal171
(ii) excepcionar a proibiccedilatildeo de acumulaccedilatildeo de cargos puacuteblicos permitindo172
a
possibilidade de acuacutemulo de dois cargos de profissionais de sauacutede com
profissotildees regulamentadas desde que haja compatibilidade de horaacuterio173
167
Nesse sentido Joseacute Bengoa interpretando o artigo 6deg do PIDCP defende que o direito agrave vida estaria
decomposto em quatro elementos essenciais direito agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave disponibilizaccedilatildeo de aacutegua
potaacutevel e agrave moradia BENGOA Joseacute Pobreza y derechos humanos programa de trabajo Del Grupo ad hoc
para la realizacioacuten tendiente a contribuir a las bases de uma declaracioacuten internacional sobre los derechos
humanos y la extrema pobreza ECN4 Sub2200225-6-2002 p3 apud GIALDINORolando E El derecho al
disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 498 168
Ao justificar a importacircncia da dignidade da pessoa humana no ordenamento paacutetrio Ana Paula de Barcellos
reforccedila a possibilidade de existirem diferenccedilas entre os conteuacutedos dos enunciados constitucionais afirmando que
ldquo () sem que isso produza uma ruptura do princiacutepio da unidade eacute apenas natural que o conteuacutedo material dos
enunciados - e a fortiori das normas ndash funcione como um elemento relevante para a hermenecircutica juriacutedica ()
Ignorar as diferenccedilas que existem entre os enunciados constitucionais no que diz respeito ao seu conteuacutedo natildeo
faria sentido algum diante das escolhas do proacuteprio constituinte originaacuteriordquo BARCELLOS Ana Paula de A
eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio
de Janeiro Renovar 2011 p 164-165 169
Reconhece-se que o tratamento especial dispensado agrave sauacutede sob o vieacutes de vinculaccedilatildeo a receita de impostos eacute
conjugado com a preocupaccedilatildeo relacionada ao desenvolvimento e manutenccedilatildeo do ensino contudo tal fato natildeo
chega a afastar a primazia do direito agrave sauacutede aqui defendida tanto por existir uma maior preocupaccedilatildeo sob o vieacutes
orccedilamentaacuterio com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede na proacutepria Constituiccedilatildeo (como eacute o caso das contribuiccedilotildees para a
seguridade social que engloba a sauacutede) mas principalmente pela maior proximidade com o direito agrave vida e a
dignidade da pessoa humana inerente ao mesmo 170Princiacutepios constitucionais sensiacuteveis (elencados no art 34 VII CF de 1988) satildeo aqueles que caso infringidos
ensejam a mais grave sanccedilatildeo que se pode impor a um Estado Membro da Federaccedilatildeo a intervenccedilatildeo retirando-lhe
a autonomia organizacional que caracteriza a estrutura federativa 171
Art 34 IV e art 35 III da CF de 1988 172
Aqui tambeacutem haacute regramento semelhante com relaccedilatildeo ao direito agrave educaccedilatildeo 173
Art 37 XVI c da CF de 1988
92
(iii) estabelecer contribuiccedilotildees sociais visando ao financiamento da seguridade
social que se destina a assegurar o direito agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia
social174
e
(iv) definir como sendo de relevacircncia puacuteblica175
as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede bem
como que poderatildeo ser adotados requisitos e criteacuterios diferenciados para a
concessatildeo de aposentadoria aos beneficiaacuterios do regime geral de previdecircncia
social nos casos de atividades exercidas sob condiccedilotildees especiais que
prejudiquem a sauacutede ou a integridade fiacutesica176
Conclui-se assim que natildeo somente haacute uma clara maior proximidade do direito agrave
sauacutede com o direito a vida digna como tambeacutem que o proacuteprio ordenamento paacutetrio
vislumbrando tal relevacircncia tratou de conferir um tratamento mais especial ao direito em
exame (tanto na esfera constitucional como infraconstitucional) quando comparado
especificamente com os demais direitos sociais o que eacute reforccedilado pela conclusatildeo de que
funcionando como um requisito de uma vida digna a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede acaba sendo
tambeacutem uma autecircntica questatildeo de cidadania ou seja de conferir aos cidadatildeos a possibilidade
democraacutetica de uma provaacutevel realizaccedilatildeo desse direito177
De se esclarecer que o aqui defendido natildeo significa um abandono da noccedilatildeo consagrada
na doutrina paacutetria de que os direitos fundamentais satildeo indivisiacuteveis e possuem a mesma
hierarquia mas sim consiste na defesa de que o direito agrave sauacutede apresenta em princiacutepio um
niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica178
mais elevada que os demais direitos
fundamentais sociais visto que apresenta uma ascendecircncia axioloacutegica e funcional mais
aproximada ao direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana sendo tal fato refletido no
proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a Constituiccedilatildeo confere a tal direito
De se destacar que o pensamento acima de certa maneira aproxima-se um pouco da
ideia propugnada pela doutrina americana dos ldquopreferred freedomsrdquo ou ldquopreferred positionsrdquo
que sucintamente preza pela possibilidade de ocorrecircncia de posiccedilotildees preferenciais entre os
direitos fundamentais de acordo com o grau de relevacircncia intriacutenseca para o ser humano ou
174
Art 194 e art 195 da CF de 1988 175
Art 197 da CF de 1988 176
Art 201 sect1deg da CF de 1988 177
BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009
ndash UNIMAR p 314 178
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 139-143
93
para a sustentaccedilatildeo das bases democraacuteticas que o mesmo possua desde que tal conferimento
de primazia seja justificado por criteacuterios razoaacuteveis179
Fala-se entatildeo em uma doutrina da posiccedilatildeo preferencial que com fundamento na via
substantiva do devido processo legal defende a inserccedilatildeo de alguns direitos fundamentais em
posiccedilatildeo privilegiada em relaccedilatildeo aos outros sem que isso poreacutem traduza um escalonamento a
priori dos direitos fundamentais lesivo agrave unidade da Constituiccedilatildeo
Outro fator que corrobora com a primazia do direito agrave sauacutede reforccedilando sua iacutentima
ligaccedilatildeo com o direito agrave vida eacute o fato de que a ideia de qualidade de vida inerente ao conceito
de direito agrave sauacutede pregado pela OMS aproxima-se dos ideais de dignidade da pessoa humana
equiparando-se as noccedilotildees de vida digna a de vida saudaacutevel jaacute que o completo bem-estar fiacutesico
mental e social concretiza o princiacutepio da dignidade humana pois natildeo se concebe que
condiccedilotildees insalubres e precaacuterias de vida sejam aceitas como conteuacutedo de uma vida com
dignidade podendo ser identificada portanto uma proteccedilatildeo da dimensatildeo de dignidade
humana integrante do conteuacutedo do direito agrave sauacutede180
Frente a essa relaccedilatildeo embora jaacute tenha sido feitos alguns apontamentos acerca da
contribuiccedilatildeo que a construccedilatildeo conceitual de dignidade da pessoa humana prestou para a
evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais faz-se necessaacuterio neste momento compreender a
abrangecircncia dos aspectos materiais dessa dignidade de modo a estabelecer quais seus efeitos
sobre o direito agrave sauacutede especialmente quanto ao seu vieacutes prestacional
451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio
A dignidade da pessoa humana pode ser conceituada como o atributo inerente e
distintivo de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por
parte do Estado mediante a consagraccedilatildeo de um complexo de direitos e deveres fundamentais
que venham a lhe proteger de atos degradantes bem como a lhe garantir as condiccedilotildees miacutenimas
179
Sobre a doutrina do ldquoPreffered freedomsrdquo conferir MARTEL Letiacutecia de Campos Velho Hierarquizaccedilatildeo de
direitos fundamentais a doutrina da posiccedilatildeo preferencial na jurisprudecircncia da Suprema Corte Norte-Americana
Is there a hierarchy between Fundamental Rights The preferred position constitucional doctrine in the light of
Supreme Court line decision In Revista Sequecircncia ndeg 48 p 91-117 jul 2004 180
Ao comentar a garantia do direito agrave sauacutede na Espanha Guilhermo Escobar explica que existem dois
acircmbitos protetivos distintos a proteccedilatildeo da sauacutede individual que abarca um conjunto de accedilotildees dirigidas a tutelar
a sauacutede como o direito de se conservar vivo e consequente eliminaccedilatildeo de enfermidades e sofrimento a partir da
assistecircncia no caso concreto e o direito a medicamentos e a proteccedilatildeo agrave sauacutede de maneira coletiva a qual abarca
um conjunto de accedilotildees em sua maioria preventivas dirigidas igualmente a tutelar difusamente a sauacutede de todos a
partir de poliacuteticas que indiquem as prioridades na aacuterea ESCOBAR Guilhermo Las garantias del derecho a la
salud en Espantildea In Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 p
14
94
de existecircncia para uma vida saudaacutevel que termine por propiciar sua participaccedilatildeo ativa nos
destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo com os demais seres humanos181
Desta maneira pode-se afirmar que a dignidade natildeo encerra uma criaccedilatildeo
constitucional jaacute que consiste em um dado preexistente a toda experiecircncia especulativa182
havendo em verdade um reconhecimento pela norma da existecircncia de tal qualidade que
acaba gerando um direito ao respeito e promoccedilatildeo dessa relevante qualidade inerente a todo ser
humano
Esclarecendo sob um vieacutes filosoacutefico a dignidade da pessoa humana por ser preacute-
juriacutedica natildeo consiste em um direito ou especificamente em uma pretensatildeo mas sim em um
valor espiritual e moral intriacutenseco agrave pessoa cujo dever geral de respeito e proteccedilatildeo acarreta no
surgimento de pretensotildees juriacutedicas a direitos subjetivos decorrentes desse valor
Nesse contexto a proteccedilatildeo normativa da dignidade da pessoa humana aleacutem de
permitir o reconhecimento do outro no que se refere agraves suas peculiaridades como indiviacuteduos
assume uma feiccedilatildeo tanto defensiva (jaacute que o dever de respeito agrave dignidade atua como limite
aos poderes estatais) quanto protetiva (uma vez que impotildee uma tarefa promocional de caraacuteter
prestacional ao Estado) que aloca o ser humano definitivamente para o papel de finalidade
uacuteltima do Estado funcionando portanto como um pressuposto da igualdade real183
de todos
os homens e da proacutepria democracia
Na conjuntura paacutetria tem-se que a CF de 1988 ao alccedilar agrave dignidade humana ao status
de fundamento184
do Estado Democraacutetico de Direito Brasileiro optou por posicionaacute-la como
um valor central que se impotildee como nuacutecleo baacutesico informador do sistema juriacutedico paacutetrio e
assume uma especial prioridade no sistema normativo jaacute que o unifica e o centraliza
funcionando como um super princiacutepio a orientaacute-lo185
Logo a dignidade apresenta um aspecto
dual visto que atua como elemento que simultaneamente confere unidade de sentido e
legitimidade a ordem constitucional paacutetria186
181
SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 73 182
SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular 2000 Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 146 183
GAVARA DE CARA Juan Carlos Derechos Fundamentales e Desarrollo Legislativondash La Garantiacutea Del
Contenido Esencial de los Derechos Fundamentales em la Ley Fundamental de Bonn Madrid Centro de
Estudios Constitucionales 1994 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 244 184
Art 1deg III da CF de 1988 185
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o princiacutepio da dignidade da pessoa humana In LEITE George
Salomatildeo (org) Dos princiacutepios constitucionais Consideraccedilotildees em torno das normas principioloacutegicas da
Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2003 p 194 186
SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 91
95
Assim no cenaacuterio do constitucionalismo tupiniquim a dignidade da pessoa humana
apresenta-se como um princiacutepio e valor fundamental servindo como buacutessola de toda ordem
juriacutedica apta a conferir unidade de sentido e legitimidade agrave ordem constitucional operando
natildeo soacute como elemento de integraccedilatildeo e criteacuterio hermenecircutico mas tambeacutem (e principalmente)
como um portal que garante a abertura material do sistema juriacutedico dos direitos fundamentais
Pode-se dizer assim que a dignidade enquanto valor fundamental se apresenta como
um componente fundante e informador de todos os direitos fundamentais configurando-se
como fonte eacutetica dos mesmos187
visto que pressupotildee o reconhecimento e proteccedilatildeo de todas as
dimensotildees desses direitos significando a ausecircncia deles uma autecircntica negaccedilatildeo aviltante agrave
proacutepria dignidade
Com efeito por constituiacuterem os direitos fundamentais verdadeiras explicitaccedilotildees da
dignidade da pessoa humana pode-se concluir que a pretensatildeo de eficaacutecia e inviolabilidade
dessa dignidade encontra-se na dependecircncia da sua capacidade de se integrar no contexto da
dogmaacutetica dos direitos fundamentais de todas as dimensotildees em uma perspectiva para aleacutem do
cataacutelogo do Tiacutetulo II da Carta Magna de 1988 jaacute que a dignidade funciona como criteacuterio para
a construccedilatildeo de um conceito materialmente aberto de direito fundamentais no ordenamento
paacutetrio
Logo para aleacutem dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo
constituinte existem direitos fundamentais alocados em outras passagens da Constituiccedilatildeo de
1988 bem como nos tratados internacionais em mateacuteria de Direitos Humanos aleacutem de
direitos decorrentes implicitamente do regime e dos princiacutepios consagrados pela CF188
e esse
alargamento da consagraccedilatildeo de direitos fundamentais tem como carro-chefe o aspecto
transcendental da dignidade da pessoa humana
Nesse ponto antes de prosseguir faz-se necessaacuterio alertar que a natureza aberta
marcada por certo grau de indeterminaccedilatildeo da noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana nesse
contexto enfrentado de abertura do cataacutelogo de direitos fundamentais deve ser interpretada
com muito cuidado de modo a natildeo enfraquecer o instituto devido a uma expansatildeo exagerada
do leque de possibilidades materiais a serem enquadrados nessa abertura
Melhor explicando para a preservaccedilatildeo da forccedila normativa e eficaacutecia da dignidade da
pessoa humana o reconhecimento de direitos fundamentais para aleacutem dos jaacute expressos
constitucionalmente deve ser encarado de modo a natildeo se banalizar esse valor fundamental da
dignidade da pessoa humana o qual natildeo deve ser tratado como um espelho no qual todos
187
MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2deg ed Coimbra Coimbra 1998 v 4 p 167 188
Por forccedila do sect 2deg do art 5deg da CF de 1988
96
veem o que desejam ver189
mas sim interpretado a partir de criteacuterios hermenecircuticos seguros e
respaldados na sistemaacutetica iacutensita ao ordenamento paacutetrio evitando desta forma o seu
esvaziamento
Conclui-se portanto que ao passo que os direitos fundamentais funcionam como
exigecircncia e concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana esse atua como
elemento ampliativo de tais direitos e serve de limite agrave restriccedilatildeo dos mesmos Nesse contexto
especialmente quanto agrave feiccedilatildeo promocional da dignidade da pessoa humana de impor uma
tarefa de cunho prestacional ao Estado haacute uma clara relevacircncia do instituto para os direitos
sociais (especialmente o direito agrave sauacutede) jaacute que a dignidade impotildee a satisfaccedilatildeo das condiccedilotildees
para uma vida saudaacutevel exigindo portanto um conjunto de direito a prestaccedilotildees por parte do
Estado e da comunidade
452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana
Atrelando o raciociacutenio desenvolvido quanto agrave primazia do direito agrave sauacutede dentre os
demais direitos sociais no ordenamento paacutetrio com o pensamento desenvolvido acima quanto
agrave relevacircncia do princiacutepio dignidade da pessoa humana especialmente quanto ao seu vieacutes
promocional tem-se que o direito agrave sauacutede pode ser enxergado como um dos elementos
centrais de uma vida digna e portanto um Estado Democraacutetico que elenca a dignidade como
seu fundamento deve ter uma atenccedilatildeo especial com o mesmo190
Entendido isto eacute certo que se o efeito pretendido pelo princiacutepio da dignidade da
pessoa humana consiste em uacuteltima anaacutelise em que as pessoas tenham uma vida digna podem
ser identificados alguns aspectos materiais dessa dignidade e nesse ponto eacute mais acertada
ainda a defesa de que a disponibilizaccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais que protejam e promovam o
direito agrave sauacutede eacute o primeiro e elementar aspecto a ser traccedilado191
Mas qual seria entatildeo o conteuacutedo material baacutesico da dignidade da pessoa humana O
exame de tal conteuacutedo parte da noccedilatildeo de miacutenimo existencial que consiste exatamente no
189
TRIBE Laurence H DORF Michael C On Reading the Constitucion Cambridge Massachussets Harvard
University Press 1991 p 7 apud SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 121 190
Aleacutem disso o papel a contribuiccedilatildeo da dignidade da pessoa humana para a eficaz abertura do cataacutelogo
constitucional dos direitos fundamentais assume funccedilatildeo relevante para o direito agrave sauacutede visto que solidifica a
imposiccedilatildeo dos tratados e pactos internacionais nos quais o Brasil se compromete a promoccedilatildeo de tal direito 191
Reforccedilando esse entendimento defende-se que natildeo haacute como desconsiderar ou mesmo negar a conexatildeo entre a
fundamentalidade dos direitos sociais e a dignidade da pessoa humana conexatildeo essa que se torna mais intensa
quanto maior for a importacircncia do direito social em exame para a efetiva fruiccedilatildeo de uma vida com dignidade
BITENCOURT NETO Eurico O Direito ao Miacutenimo para uma Existecircncia Digna Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 117
97
conjunto de prestaccedilotildees materiais miacutenimas sem as quais se pode asseverar que o indiviacuteduo
posiciona-se em situaccedilatildeo de indignidade A compreensatildeo exata do que estaria incluiacutedo no
miacutenimo existencial por sua vez passa pelo ponto jaacute defendido de que os enunciados
normativos podem ganhar a roupagem de regras ou de princiacutepios e nesse contexto tem-se
que o miacutenimo existencial seria o elemento interno do princiacutepio da dignidade da pessoa
humana sem o qual se pode afirmar que tal princiacutepio foi violado assumindo esse elemento
portanto um caraacuteter de regra e natildeo mais de princiacutepio
Desta maneira esse estudo filia-se agrave defesa de que haacute um conteuacutedo miacutenimo que pode
ser identificado no princiacutepio da dignidade da pessoa humana a respeito do qual ningueacutem
tergiversaraacute e que compotildee um nuacutecleo de condiccedilotildees materiais tatildeo fundamental que sua
existecircncia impotildee-se como uma regra e natildeo como um princiacutepio visto que caso tais condiccedilotildees
natildeo existissem natildeo haveria a possibilidade (clara nos princiacutepios) de se graduar ou otimizar
logo a violaccedilatildeo da dignidade quando direcionada a esse nuacutecleo funciona da mesma forma
como nas regras Por outro lado para aleacutem desse nuacutecleo haveria a manutenccedilatildeo da natureza
principioloacutegica da dignidade jaacute que nesse ponto residiriam fins relativamente indeterminados
que poderiam ser atingidos a depender das opccedilotildees do Legislativo e Executivo em cada
momento histoacuterico192
Explicando melhor o raciociacutenio desenvolvido o miacutenimo existencial consistiria no
nuacutecleo material do princiacutepio da dignidade da pessoa humana o qual engloba um conjunto de
situaccedilotildees materiais indispensaacuteveis agrave existecircncia humana digna cuja violaccedilatildeo importa
necessariamente em desrespeito a dignidade sob o aspecto material tornando-se o conteuacutedo
de tal miacutenimo um espectro indisputaacutevel que solidifica consensualmente o baacutesico de condiccedilotildees
que cada indiviacuteduo necessita para viver dignamente193
Tem-se pois que o miacutenimo existencial corresponde a uma fraccedilatildeo nuclear da
dignidade da pessoa humana eivada de um caraacuteter de regra em um contexto em que a natildeo
realizaccedilatildeo dos efeitos abrangidos por esse miacutenimo apontaraacute para uma automaacutetica violaccedilatildeo do
192
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 243 193
Corroborando para a conexatildeo entre dignidade da pessoa humana e miacutenimo existencial Caacutermen Luacutecia
Antunes Rocha pontua que ldquopelo acolhimento do conceito de miacutenimo existencial a ser garantido como direito
para a efetivaccedilatildeo desse princiacutepio [dignidade da pessoa humana] tem-se por estabelecido um espaccedilo
juridicamente assegurado e posto a cumprimento obrigatoacuterio de tal modo que o seu natildeo acatamento pode ser
objeto de responsabilizaccedilatildeo do Estado () o conceito de miacutenimo existencial dotou de conteuacutedo objetivo o
quanto compete aos Estado e agrave sociedade garantir a todos o cumprimento do princiacutepio da dignidade humanardquo
ROCHA Caacutermen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel In Revista latino-
americana de estudos constitucionais n5 janjun Belo Horizonte 2005 p 445
98
mencionado princiacutepio constitucional194
Por outro lado eacute certo que a parcela remanescente do
conteuacutedo da dignidade da pessoa humana a qual natildeo faz parte desse consenso miacutenimo e
apresenta o vieacutes de princiacutepio pode vir a ser incorporada a esse nuacutecleo essencial a depender da
conjuntura histoacuterica e poliacutetica195
Nesse contexto se por um lado natildeo existe consenso sobre a possibilidade de uma
delimitaccedilatildeo pontual196
de tudo que realmente viria a abranger esse miacutenimo existencial197
por
outro natildeo pode ser negado o fato de que o direito agrave sauacutede natildeo soacute estaria incluiacutedo em seu
conteuacutedo como em verdade seria o seu componente elementar jaacute que (repisando a noccedilatildeo de
direito agrave sauacutede como um direito social impreteriacutevel) natildeo se cogita uma vida digna que natildeo
abranja uma vida saudaacutevel198
De toda forma uma pergunta jaacute desponta o que finalmente estaria incluiacutedo de
maneira concreta no miacutenimo existencial e qual seria portanto esse conjunto de situaccedilotildees
materiais imprescindiacuteveis agrave existecircncia humana digna Antes de responder tal questionamento
faz-se imperioso o alerta de que qualquer proposta que tente especificar as prestaccedilotildees
materiais incluiacutedas na noccedilatildeo de miacutenimo existencial deve ter em mente que esse nuacutecleo natildeo
consiste em um elemento hermeacutetico e cerrado mas sim configura-se de modo expansiacutevel
194
Conforme preceitua Mariana Filchtiner podem ser identificadas duas dimensotildees distintas do miacutenimo
existencial de um lado o direito de natildeo ser privado do que se considera essencial agrave conservaccedilatildeo de um
rendimento indispensaacutevel a uma existecircncia minimamente dina e de outro o direito a exigir do Estado as
prestaccedilotildees que traduzem esse miacutenimo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 194 195
Com perfeiccedilatildeo Ana Paula de Barcellos tenta elucidar a temaacutetica em exame da seguinte maneira ldquoRecorra-se
aqui a uma imagem capaz de ilustrar o que se afirma a de dois ciacuterculos concecircntricos O ciacuterculo interior cuida
afinal do miacutenimo de dignidade decisatildeo fundamental do poder constituinte originaacuterio que qualquer maioria teraacute
de respeitar e que afinal representa o efeito concreto miacutenimo pretendido pela norma e exigiacutevel O espaccedilo entre o
ciacuterculo interno e o externo seraacute ocupado pela deliberaccedilatildeo poliacutetica a quem caberaacute para aleacutem do miacutenimo
existencial desenvolver a concepccedilatildeo de dignidade prevalente ()rdquoBARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia
juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de
Janeiro Renovar 2011 p 296 196
Para Ricardo Locircbo Torres por exemplo o miacutenimo existencial seria ldquoindefiniacutevel aparecendo sob a forma de
claacuteusulas gerais e tipos indeterminadosrdquo TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos
direitos In TORRES Ricardo Locircbo (Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999
p 151 197
Merece nota o posicionamento reforccedilador da unidade dos direitos fundamentais de Ingo Sarlet no sentido de
ser o miacutenimo existencial propriamente uma espeacutecie de direito fundamental composto por um conjunto de direitos
fundamentais a prestaccedilotildees os quais por sua essencialidade agrave garantia de condiccedilotildees miacutenimas (e aiacute o autor cita a
sauacutede a educaccedilatildeo a alimentaccedilatildeo e a informaccedilatildeo) possibilitam o real exerciacutecio dos direitos individuais e
poliacuteticos SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 198
Aqui faz-se relevante a distinccedilatildeo entre miacutenimo vital e miacutenimo existencial e a inter-relaccedilatildeo que a sauacutede
apresenta com ambos os conceitos Miacutenimo vital refere-se agraves prestaccedilotildees materiais imperiosas agrave subsistecircncia do
indiviacuteduo enquanto miacutenimo existencial abarcaria todas prestaccedilotildees necessaacuterias ao gozo de uma vida digna indo
aleacutem da mera sobrevivecircncia Nota-se assim que o direito agrave sauacutede tanto por sua primazia atrelada ao seu caraacuteter
elementar quanto pelo fato de sua salvaguarda acompanhar o indiviacuteduo por toda sua existecircncia termina por
figurar como carro-chefe de ambos os conceitos
99
podendo (e devendo199
) serem acoplados novos elementos ao mesmo conforme a evoluccedilatildeo de
cada ordenamento importando sua supressatildeo200
em grave violaccedilatildeo agrave dignidade
Dito isto tem-se que o presente estudo se filia agrave ambiciosa201
proposta de
concretizaccedilatildeo juriacutedica da ideia de miacutenimo existencial formulada por Ana Paula Barcellos de
que o Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humanardquo a qual identifica quatro elementos (trecircs
materiais e um de caraacuteter instrumental) na composiccedilatildeo do miacutenimo existencial e portanto
concretizadores do nuacutecleo da dignidade da pessoa humana a sauacutede baacutesica a educaccedilatildeo baacutesica
a assistecircncia aos desamparados e o acesso agrave justiccedila202
Sem partir de uma escolha aleatoacuteria tais elementos integram uma estrutura loacutegica que
aloca a educaccedilatildeo e a sauacutede como formadores de um primeiro momento da dignidade humana
jaacute que satildeo as peccedilas responsaacuteveis por assegurar as condiccedilotildees iniciais para que o indiviacuteduo
construa sua proacutepria dignidade de modo autocircnomo Ainda tal estrutura posiciona a assistecircncia
aos desamparados como uma espeacutecie de pilar uacuteltimo na base que evita a situaccedilatildeo de
indignidade em termos absolutos abrangendo aspectos inerentes agrave alimentaccedilatildeo vestuaacuterio e
abrigo e finalmente o acesso agrave justiccedila desponta como o elemento instrumental apto e
indispensaacutevel ao reconhecimento de eficaacutecia dos elementos materiais expostos
Avanccedilando nesse raciociacutenio defende-se aqui amparado por tudo que jaacute foi exposto
nesse capiacutetulo que dentre os trecircs elementos materiais apontados ainda que o direito agrave sauacutede
conforme a visatildeo da autora apresente-se conjugada com o direito agrave educaccedilatildeo em um primeiro
plano da dignidade humana por sua umbilical ligaccedilatildeo com o direito agrave vida seu caraacuteter de
direito impreteriacutevel e finalmente sua necessidade de perene garantia203
ao longo de toda a
vida do indiviacuteduo deve ser posicionado na base deste primeiro plano consistindo em preacute-
199
Para Ricardo Locircbo Torres novamente o miacutenimo existencial estende-se para aleacutem dos direitos elencados no
art 5deg da CF sendo dotados de historicidade comportando elasticidade suficiente para adaptar-se ao contexto
social TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos direitos In TORRES Ricardo Locircbo
(Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999 p 262 200
Nesse ponto dos ensinamentos de Canotilho depreende-se que com base no princiacutepio da vedaccedilatildeo do
retrocesso social ou da evoluccedilatildeo reacionaacuteria uma vez obtido certo grau de realizaccedilatildeo de um direito social por
meio de uma nova prestaccedilatildeo material especiacutefica tal acreacutescimo passa a compor a esfera dimensional do direito
agraciado passando a ser exigiacutevel pelos cidadatildeos CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional
e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 339 201
Adjetivaccedilatildeo empreendida pela proacutepria autora BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos
Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar
2011 p 247 202
Em que pese a referida autora se preocupar em sua obra em delimitar o que na visatildeo da mesma estaria
abrangido por cada um desses elementos tal especificaccedilatildeo natildeo seraacute objeto do presente estudo sendo apenas em
momento oportuno apresentada o posicionamento particular do que seria um miacutenimo existencial em espeacutecie
para o direito agrave sauacutede 203
Enquanto a educaccedilatildeo poderaacute vir a ser prestada em qualquer fase da vida a preocupaccedilatildeo com a sauacutede
acompanha a pessoa humana desde antes sua concepccedilatildeo percorrendo por toda sua existecircncia
100
requisito baacutesico a fruiccedilatildeo dos demais direitos fundamentais para aleacutem do proacuteprio miacutenimo
existencial
Quanto a esse ponto (fundamentalidade da sauacutede e educaccedilatildeo) sem querer travar um
embate entre tais bens mas apenas constatar uma situaccedilatildeo faacutetica faz-se imperioso admitir
que embora a obrigaccedilatildeo estatal para com a educaccedilatildeo do cidadatildeo necessite de uma estrutura
perene uma vez usufruiacutedo tal direito seja em qual fase da vida for pode-se dizer que o
Estado quitou sua ldquodiacutevidardquo com a formaccedilatildeo educacional daquele indiviacuteduo em especiacutefico que
estaria apto a trilhar seu proacuteprio caminho Noutro vieacutes a obrigaccedilatildeo estatal com relaccedilatildeo a
sauacutede atravessa toda a vida do indiviacuteduo natildeo importando sua idade nem grau de instruccedilatildeo
educacional
Em outras palavras enquanto que com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo o Estado pode em algum
momento se posicionar como fiel cumpridor do que se comprometeu livrando-se para cada
indiviacuteduo especificamente de sua obrigaccedilatildeo quanto agrave sauacutede o Estado continuamente estaraacute
ldquopagando sua diacutevida com o cidadatildeordquo sempre que o indiviacuteduo necessitar dos serviccedilos de sauacutede
puacuteblica
Corroborando com o raciociacutenio acima construiacutedo tem-se que a CF de 1988
vislumbrou ser possiacutevel estratificar (sem comprometer) o direito agrave educaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis a partir de criteacuterios etaacuterios importando em distintos graus de obrigatoriedade do Estado
quanto agrave concretizaccedilatildeo de tal direito204
enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede tal teacutecnica natildeo
pocircde ser aplicada pois enxergou-se que como o direito agrave sauacutede pode ser lesado de maneira
atemporal e inesgotaacutevel e o Estado chamado a reparar tal violaccedilatildeo uma proteccedilatildeo a tal direito
soacute estaria consentacircnea com a dignidade da pessoa humana caso abrangesse o acesso universal
e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede o que
acabou sendo previsto pela CF
Feitas tais digressotildees transborda aos interesses desse estudo a exata noccedilatildeo do que
cada elemento citado como integrante do miacutenimo existencial estaria abrangendo contudo
merece ser esboccedilada ainda que sucintamente a noccedilatildeo particular trazida pela referida autora
de qual seria o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede integrantes desse elemento do miacutenimo
existencial para posterior contraste com a visatildeo empreendida por esse estudo no capiacutetulo
seguinte Nesse contexto a concretizaccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial com
relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede205
deve necessariamente abranger a prestaccedilatildeo de serviccedilo de
204
Conforme art 208 da CF de 1988 205
Sob um vieacutes dialoacutegico pode-se afirmar que se de um lado a sauacutede consubstancia-se como elemento do
miacutenimo existencial (que seria o nuacutecleo essencial da dignidade humana) natildeo se pode esquecer que no acircmbito
101
saneamento o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo
epidemioloacutegicas206
Chega-se finalmente a um dos pontos centrais do presente estudo que eacute o alerta para
o fato de que natildeo se faz suficiente somente afirmar o que estaria englobado no miacutenimo
existencial Eacute essencial compreender qual o alcance em termos de exigibilidade e eficaacutecia de
se afirmar que prestaccedilatildeo ldquoardquo ou ldquobrdquo insere-se no conteuacutedo do miacutenimo existencial e quais as
consequecircncias em caso de afronta ao mesmo
Mergulha-se entatildeo na relevante temaacutetica da sindicabilidade dos direitos sociais
especialmente do direito agrave sauacutede perante o Poder Judiciaacuterio e a premissa que antes mesmo de
adentrar no toacutepico especiacutefico do tema jaacute deve ser assentada eacute a de que (a partir do resgate do
pensamento jaacute esposado de que o miacutenimo existencial ganha roupagem de regra e portanto sua
natildeo garantia importaraacute em violaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana) quando o Judiciaacuterio
emprega o conceito de miacutenimo existencial ele estaacute automaticamente dispensando o exame da
reserve do possiacutevel
Isto porque a possiacutevel utilizaccedilatildeo do argumento econocircmico-orccedilamentaacuterio do Estado soacute
pode ser invocada quando estiver sendo discutido um aspecto que transborde o conteuacutedo
desse miacutenimo
Portanto a celeuma envolvendo a judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede reside exatamente
na tentativa de se construir criteacuterios objetivos e razoaacuteveis que respaldem um controle judicial
consentacircneo com o ordenamento constitucional paacutetrio de modo a evitar abusos e efeitos
colaterais que ao inveacutes de fortalecer venha a enfraquecer a relaccedilatildeo entre os Poderes e as
bases constitucionais de tal direito E nesse ponto a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial
especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede por contribuir para uma maior seguranccedila juriacutedica dessa
intervenccedilatildeo judicial no tema assume papel de suma relevacircncia conforme se veraacute a seguir
desse proacuteprio direito agrave sauacutede existe um espectro de situaccedilotildees materiais cuja garantia iraacute importar na
concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial formando um consenso miacutenimo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que
retroalimenta essa sistemaacutetica dialoacutegica Pode-se falar portanto em miacutenimos existenciais em espeacutecie para cada
um dos elementos (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) do nuacutecleo da dignidade da
pessoa humana consistindo a tentativa doutrinaacuteria e jurisprudencial de elucidaccedilatildeo da abrangecircncia de cada um
desses miacutenimos em espeacutecie uma importante tarefa apta a proporcionar seguranccedila juriacutedica no terreno da
problemaacutetica da efetividade dos direitos fundamentais sociais 206
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 321
102
5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
De modo a facilitar a organizaccedilatildeo do raciociacutenio ateacute aqui desenvolvido e situar o leitor
na busca pela compreensatildeo do presente capiacutetulo faz-se pertinente rememorar que o estudo
ora proposto tem como ponto de partida as constataccedilotildees de que o niacutevel de concretizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede alcanccedilado no panorama constitucional paacutetrio natildeo corresponde ao patamar de
gradual e progressiva realizaccedilatildeo imaginado e reconstruiacutedo pela Constituiccedilatildeo de 1988 bem
como que o direito agrave sauacutede frente sua maior proximidade com o direito agrave vida e seu caraacuteter de
direito impreteriacutevel apresenta um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica mais acentuado que os
demais direitos sociais alocando-se assim para uma posiccedilatildeo de primazia dentre estes
Admitidas tais premissas concluiu-se que no exame acerca da problemaacutetica da
eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede em que pese o fato de sua realizaccedilatildeo demandar um
aporte de recursos do Estado existem certas prestaccedilotildees materiais que podem ser pleiteadas
judicialmente sem que o argumento da reserva do possiacutevel possa prosperar jaacute que seriam
prestaccedilotildees incluiacutedas em uma espeacutecie de nuacutecleo do direito a sauacutede compondo um miacutenimo
existencial em espeacutecie para tal direito Da mesma forma assentou-se que a depender das
previsotildees legais e poliacuteticas puacuteblicas na temaacutetica outras prestaccedilotildees poderiam ser exigidas
judicialmente jaacute que os compromissos firmados devem ser cumpridos sob pena de se frustrar
a concretizaccedilatildeo do direito ora examinado
Eacute nessa conjuntura que surge a problemaacutetica discussatildeo acerca dos limites da atuaccedilatildeo
do Poder Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tema que envolve de forma complexa
aleacutem de aspectos de natureza primordialmente constitucional como a correta leitura da
Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e o alcance do Princiacutepio da Igualdade nuances
relacionadas agrave seara orccedilamentaacuteria ao controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas e agrave hermenecircutica
juriacutedica sobretudo quando da aplicaccedilatildeo do Princiacutepio da Proporcionalidade
O presente capiacutetulo se propotildee a analisar exatamente as questotildees acima mencionadas
com o fito de defender fique claro desde jaacute que o papel do Poder Judiciaacuterio no
enfrentamento de casos que envolvam a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que vinculado
a criteacuterios razoaacuteveis e objetivos que natildeo desvirtuem a organizaccedilatildeo dos poderes estruturada
constitucionalmente consiste em um importante instrumento de aceleraccedilatildeo do jaacute
mencionado deacuteficit evolutivo pelo qual passa o processo de gradual realizaccedilatildeo de tal direito
no Brasil
Partindo do exposto e levando em consideraccedilatildeo a interpretaccedilatildeo da legislaccedilatildeo
infraconstitucional paacutetria regulamentadora do direito agrave sauacutede o mote principal deste capiacutetulo
103
seraacute o seguinte tentar delimitar quais prestaccedilotildees materiais incluem-se no miacutenimo existencial
do direito agrave sauacutede aleacutem de propor razoaacuteveis criteacuterios a serem empregados pelo Judiciaacuterio ao
julgar demandas que envolvam o tema
Feito essa espeacutecie de resumo elucidativo seraacute examinado a seguir o ponto inicial da
discussatildeo proposta a contribuiccedilatildeo da noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional207
no contexto do
constitucionalismo contemporacircneo para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais
51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA
ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
A hodierna visatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional estaacute inserida no contexto das
transformaccedilotildees contemporacircneas do chamado neoconstitucionalismo208
fenocircmeno que apesar
da dificuldade de se chegar a um conceito uniforme209
pode ser caracterizado pela
identificaccedilatildeo de trecircs marcos (um histoacuterico um filosoacutefico e outro teoacuterico) condensadores das
mudanccedilas de paradigma que mobilizaram a criaccedilatildeo de uma nova percepccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
O marco histoacuterico no contexto mundial pode ser identificado pelo constitucionalismo
do poacutes 2deg Guerra Mundial marcado pela tentativa de se redefinir o lugar da Constituiccedilatildeo e sua
influecircncia sobre as instituiccedilotildees contemporacircneas a partir da aproximaccedilatildeo das ideias de
constitucionalismo e democracia com o surgimento do Estado Democraacutetico de Direito No
Brasil tal renascimento se deu tardiamente mediante a atual Carta de 1988 a qual vem
propiciando o mais longo periacuteodo de estabilidade institucional da histoacuteria republicana
paacutetria210
207
Sobre a temaacutetica conferir dentre outros NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira Jurisdiccedilatildeo Constitucional ndash
Aspectos controvertidos Curitiba Juruaacute 2011 254 p 208
Natildeo eacute objeto do presente estudo o enfrentamento da discussatildeo acerca da conceituaccedilatildeo de
neoconstitucionalismo sendo certo contudo que natildeo haacute uma completa uniformidade doutrinaacuteria acerca do tema
Sobre o assunto v dentre outros Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das
poliacuteticas puacutebicas Revista de Direito Administrativo ndeg 240 2005 COMANDUCCI Paolo Formas de (neo)
constitucionalismo um anaacutelisis metateoacuterica Isonomiacutea n 16 p 89 abr2002 CARBONELL Miguel
Neoconstitucionalismo(s) Madrid Trotta 2003 209
Nesse sentido adverte Humberto Aacutevila que natildeo haacute apenas um conceito de ldquoneoconstitucionalismordquo sendo a
diversidade de autores concepccedilotildees elementos e perspectivas tatildeo marcante que torna-se inviaacutevel o esboccedilo de
uma teoria uacutenica Contudo na visatildeo do autor podem ser identificados quatro fundamentos inseparaacuteveis do
instituto ldquoo normativo (da regra ao princiacutepio) o metodoloacutegico (da subsunccedilatildeo agrave ponderaccedilatildeo) o axioloacutegico (da
justiccedila geral agrave justiccedila particular) e o organizacional (do Poder Legislativo ao Poder Judiciaacuterio)rdquo AacuteVILA
Humberto ldquoNeoconstitucionaismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo In Revista Eletrocircnica
de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico ndeg 17 janeirofevereiromarccedilo
2009 210
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02
104
No campo filosoacutefico o debate travado pelas correntes de pensamento jusnaturalista
(desenvolvido a partir do seacuteculo XVI e marcado pela aproximaccedilatildeo da lei e razatildeo) e positivista
(ascendente no final do seacuteculo XIX em lugar do jusnaturalismo e caracterizado pelo
afastamento do direito da filosofia) eacute superado com a adoccedilatildeo da prevalecircncia de um conjunto
difuso e abrangente de ideias agrupadas sob o roacutetulo de poacutes-positivismo que sem desprezar o
direito posto busca empreender uma leitura moral do direito perquirindo sua funccedilatildeo social e
desenvolvendo instrumentos para sua interpretaccedilatildeo211
Daiacute ser consistente a criacutetica212
de que a adesatildeo ao neoconstitucionalismo natildeo significa
a automaacutetica aceitaccedilatildeo das famosas premissas (mais princiacutepios que regras mais ponderaccedilatildeo
que subsunccedilatildeo) pregadas por Luiacutes Pietro Sanchiacutes213
como caracterizadoras de tal movimento
mas sim a adoccedilatildeo de uma teoria constitucional que sem descartar a relevacircncia das regras e da
subsunccedilatildeo abraccedila os princiacutepios e a ponderaccedilatildeo tentando racionalizar seu uso
Tal cenaacuterio mergulhado na reaproximaccedilatildeo entre o direito e a filosofia eacute marcado por
um conjunto de novas ideias que tentam justificar esse novel posicionamento da Constituiccedilatildeo
no ordenamento214
destacando-se o desenvolvimento de uma teoria dos direitos
fundamentais calcada na dignidade humana o conferimento de normatividade aos princiacutepios e
a reabilitaccedilatildeo da razatildeo praacutetica e da argumentaccedilatildeo juriacutedica na formaccedilatildeo de uma nova
hermenecircutica constitucional baseada na maior amplitude do espaccedilo de atuaccedilatildeo do
inteacuterprete215
Eacute no campo teoacuterico contudo que estaacute inserida a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional
que juntamente com o reconhecimento de forccedila normativa agrave Constituiccedilatildeo e o
desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional formam as trecircs
grandes transformaccedilotildees do neoconstitucionalismo essenciais para a superaccedilatildeo da arcaica
noccedilatildeo de Constituiccedilatildeo como um mero documento poliacutetico cuja concretizaccedilatildeo das propostas
211
Tal movimento ficou conhecido como virada kantiana e buscou sepultar a ideia de uma separaccedilatildeo riacutegida
entre a descriccedilatildeo e prescriccedilatildeo na ciecircncia juriacutedica associando o debate moral ao direito TORRES Ricardo Lobo
A jurisprudecircncia dos valores In SARMENTO Daniel (Coord) Filosofia e teoria constitucional
contemporacircnea Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 509 212
SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 81 213
SANCHIS Luis Pietro Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales Madrid Trotta 2000 p 132 214
Reforce-se que a superaccedilatildeo do positivismo natildeo deve ser compreendida nem como o completo abandono do
instrumental teoacuterico desenvolvido pela doutrina positivista nem como o regresso automaacutetico ao jusnaturalismo
mas sim como uma mescla e agrupamento de tais modelos resultante na combinaccedilatildeo dos acertos de ambos
BUSTAMANTE Thomas da Rosa de Em busca de uma filosofia do Direito natildeo-positivista revisitando o
debate com o professor Alfonso Garciacutea Figueroa In Teoria do direito e decisatildeo racional temas de teoria da
argumentaccedilatildeo juriacutedica Rio de JANEIRO Renovar 2008 p 232 215
PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito
com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 34
105
nela inseridas dependia completamente da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e da
discricionariedade do administrador216
Desta maneira o modelo de supremacia da lei entatildeo reinante foi cedendo espaccedilo para
um novo padratildeo inspirado pela experiecircncia americana de supremacia da constituiccedilatildeo217
marcado pela constitucionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais cuja proteccedilatildeo passou a caber ao
Judiciaacuterio Essa conjuntura por sua vez foi marcada pelo desenvolvimento do controle de
constitucionalidade das leis que no Brasil acoplou reflexos significativos da referida
expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional com o advento da Carta de 1988 sobretudo com a
criaccedilatildeo de novos mecanismos de controle concentrado e ampliaccedilatildeo dos legitimados agrave
propositura das accedilotildees de controle
Eacute nesse panorama de constitucionalizaccedilatildeo do direito em que a Constituiccedilatildeo aliou agrave
sua supremacia formal uma supremacia axioloacutegica alimentada pela abertura do sistema
juriacutedico e pela normatividade dos princiacutepios que surge o polecircmico debate doutrinaacuterio acerca
da legitimidade e dos limites da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo dos valores substantivos
basilares na Constituiccedilatildeo e na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sobretudo os sociais
de cunho prestacional em sentido estrito218
A polecircmica reside no fato de que se por um lado eacute paciacutefico existir um consenso com
relaccedilatildeo ao fato da Constituiccedilatildeo posicionar-se no centro do sistema juriacutedico irradiando sua
forccedila normativa e funcionando tanto como paracircmetro de validade para a ordem
infraconstitucional quanto vetor primordial de interpretaccedilatildeo do sistema juriacutedico por outro
estaacute longe de ser paciacutefica a delimitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio em demandas que envolvem
216
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 05 217
Sobre o tema Artur Cortez Bonifaacutecio aponta a importacircncia da supremacia da Constituiccedilatildeo realccedilando os
seguintes aspectos ldquoi) o princiacutepio disciplina a existecircncia e o funcionamento dos oacutergatildeos e agentes que compotildeem
a estrutura do Estado suas accedilotildees ou omissotildees e a sua atuaccedilatildeo de conformidade com a Constituiccedilatildeo ii) eacute tambeacutem
modelador das relaccedilotildees juriacutedicas do direito iii) dele se defere uma conformaccedilatildeo dos demais ramos do direito iv)
eacute um princiacutepio que direciona a interpretaccedilatildeo do direito e possibilita a defesa da Constituiccedilatildeo por meio do
exerciacutecio do controle de constitucionalidaderdquo BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional
internacional e a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 31 218
Eduardo Garciacutea de Enterriacutea aponta que ldquo la supremaciacutea de la Constitucioacuten sobre todas las hormas y su
caraacutecter central en la construccioacuten y em la validez del ordenamiento em su conjunto obligan a interpretar eacuteste
em cualquier momento de su aplicacioacuten ndash por operadores puacuteblicos o por operadores privados por Tribunales o
por oacuterganos legislativos o administrativos ndash em el sentido que resulta de los princiacutepios y reglas constitucionales
tanto los generales como los especiacuteficos referentes a la mateacuteria de que se trate ENTERRIacuteA Eduardo Garciacutea
Hermeneutica e Supremacia Constitucional In CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs)
Direito Constitucional teoria geral da constituiccedilatildeo Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 1 Satildeo Paulo Editora
Revista dos Tribunais 2011 829
106
direitos fundamentais sob o argumento de que estaria aplicando e fazendo valer a Constituiccedilatildeo
ao realizar tais direitos219
Aleacutem dessa justificativa juriacutedico-sistecircmica de que o judiciaacuterio quando julga tais
questotildees estaacute simplesmente cumprindo seu papel de defesa da Constituiccedilatildeo alguns aspectos
de caraacuteter social e poliacutetico podem ser apontados para a acentuaccedilatildeo do debate primeiro o fato
de que aumentou significativamente a demanda por justiccedila no Brasil tanto pela proacutepria
inserccedilatildeo de novos direitos e accedilotildees na tutela de interesses coletivos quanto pela redescoberta
da cidadania marcada pela conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto aos seus direitos220
e
segundo a constataccedilatildeo de que o quadro poliacutetico nacional reflete claramente uma carecircncia
tanto do Legislativo quanto do Executivo221
em cumprir com eficiecircncia suas respectivas
funccedilotildees222
Surge portanto nesse cenaacuterio de tensatildeo entre os poderes a necessidade de se
examinar o que se entende por ativismo judicial e qual seria a correta leitura do Princiacutepio da
Separaccedilatildeo dos Poderes especialmente no que se refere ao enfrentamento da temaacutetica da
atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos poderes
O aludido modelo poacutes-positivista ao fazer reverecircncia agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos
fundamentais terminou por contribuir para o fortalecimento daquela e a consequente elevaccedilatildeo
219
Nesta linha de raciociacutenio Daniel Giotti de Paula assevera que ldquoNatildeo se pode esperar que apenas a
Administraccedilatildeo Puacuteblica e os oacutergatildeos legislativos concretizem os direitos fundamentais Pode ser que na defesa de
um chamado interesse puacuteblico bdquosecundaacuterio‟ ou de interesses meramente pessoais e egoiacutesticos deixem eles de
cumprir deveres constitucionais de concretizaccedilatildeo de direitos da coletividade surgindo o Judiciaacuterio como a
instacircncia concretizadora de direitos fundamentais em situaccedilatildeo de niacutetida persecuccedilatildeo do interesse puacuteblico DE
PAULA Daniel Giotti Uma leitura criacutetica sobre o ativismo e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 22 220 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02 221
Importante esclarecer que em que pese a ineficiecircncia do Legislativo e Executivo em cumprir as promessas do
Estado de Bem-Estar Social eacute certo que o recurso aos canais judiciais para solucionar esse problema se deu em
um contexto de enfraquecimento do Legislativo e agigantamento do papel do Executivo ocasionado sobretudo
pela adoccedilatildeo de um presidencialismo de coalizatildeo em que a sustentaccedilatildeo parlamentar do Presidente natildeo se forma
com base somente no eixo partidaacuterio-eleitoral mas tambeacutem regional constatando-se que a agenda legislativa
passou a ser controlada pelo Executivo LIMONGI Fernando A democracia no Brasil presidencialismo
coalizaccedilatildeo partidaacuteria e processo decisoacuterio In Revista Novos Estudos ndeg 76 Nov 2006 p 19 222
Apesar de transbordar o objeto da presente pesquisa eacute inegaacutevel e natildeo pode ser desconsiderado o fato de que
o cenaacuterio poliacutetico brasileiro reflete uma constante e crescente desconfianccedila da sociedade com o Legislativo e
Executivo quadro recentemente reforccedilado pelos graves casos de corrupccedilatildeo ocorridos dentro do diaacutelogo entre
Executivo e Legislativo cunhado popularmente de ldquoescacircndalo do mensalatildeordquo
107
destes ao topo do ordenamento juriacutedico223
A pulsante expansatildeo da Jurisdiccedilatildeo Constitucional
e consequente ascensatildeo institucional do Judiciaacuterio224
acarretaram por sua vez em uma
expressiva judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais as quais passaram a ter nos tribunais
a sua instacircncia decisoacuteria final o que resgatou a discussatildeo sobre os limites da
comunicabilidade entre o sistema poliacutetico e juriacutedico
Desse modo somente para ilustrar seja no campo das poliacuteticas puacuteblicas da relaccedilatildeo
entre os poderes dos direitos fundamentais ou ateacute mesmo em questotildees cotidianas o
Judiciaacuterio especialmente o STF foi chamado a se pronunciar por exemplo sobre poder
investigativo do Ministeacuterio Puacuteblico possibilidade de greve do funcionalismo puacuteblico
legitimidade da interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo em casos de inviabilidade fetal aspectos centrais da
reforma da previdecircncia e do judiciaacuterio limites de atuaccedilatildeo das Comissotildees Parlamentares de
Inqueacuterito legalidade de cobranccedila de assinaturas telefocircnicas majoraccedilatildeo de valor das passagens
de transporte coletivo dentre inuacutemeros outros casos em que restou assentado o caraacuteter proacute-
ativo de tal poder225
Essa nova postura tem se estruturado de maneira bastante complexa no ordenamento
paacutetrio vez que a tentativa de se alcanccedilar um saudaacutevel meio termo entre a visatildeo que enxerga
essa atuaccedilatildeo com maus olhos (fala-se por exemplo em judiocracia e ldquooba-oba
constitucionalrdquo 226
) e a que defende a possibilidade do papel ativista do Judiciaacuterio como canal
seguro e legiacutetimo para solucionar os conflitos poliacutetico-juriacutedicos vem consistindo em uma
tarefa difiacutecil de ser alcanccedilada
223
MAIA Christianny Dioacutegenes Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro In SALES Gabrielle
Bezerra JUCAacute Roberta Laena Costa (Orgs) Constituiccedilatildeo em foco 20 anos de um novo Brasil Fortaleza
LCR 2008 p 52 224
Lenio Streck destaca o deslocamento do centro das decisotildees do Legislativo e Executivo para o plano da
Justiccedila Constitucional como um fato consequente e indissociaacutevel do proacuteprio Estado Democraacutetico de Direito ao
afirmar que ldquono Estado Democraacutetico de Direito o foco de tensatildeo se volta para o Judiciaacuterio Ineacutercias do
Executivo e a falta de atuaccedilatildeo do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciaacuterio justamente mediante a
utilizaccedilatildeo dos mecanismos juriacutedicos previstos na Constituiccedilatildeo que estabeleceu o Estado Democraacutetico de Direito
A Constituiccedilatildeo natildeo estaacute sendo cumprida As normas-programas da Lei Maior natildeo estatildeo sendo implementadas
Por isso na falta de poliacuteticas puacuteblicas cumpridoras dos ditames do Estado Democraacutetico de Direito surge o
Judiciaacuterio como instrumento para o resgate dos direitos natildeo realizadosrdquo STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica
juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 7deg ed Porto Alegre Livraria
do Advogado 2007 p 54-55 225 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 08 226
Tais termos foram cunhados por Daniel Sarmento no intuito de embasar em estudo desconstrutivo do
neoconstitucionalismo encarado como movimento de inspiraccedilatildeo italiana e espanhola ausente nos debates
americano e alematildeo sua preocupaccedilatildeo com a existecircncia de mais decisotildees e menos espaccedilo para o povo se
autogovernarem por meio das instacircncias democraacuteticas por ele escolhidas Sobre o assunto v SARMENTO
Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE
PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador
Juspodivm 2011 p 73
108
No seio desse embate eacute que nasce o fenocircmeno denominado pela doutrina de ativismo
judicial cuja ideia associa-se a uma participaccedilatildeo mais ampla e intensa do Judiciaacuterio na
concretizaccedilatildeo dos valores e fins constitucionais com interferecircncia no espaccedilo de atuaccedilatildeo dos
outros poderes a partir dentre outras medidas da aplicaccedilatildeo direta da Constituiccedilatildeo a situaccedilotildees
natildeo expressamente abarcadas em seu texto e independente de apoio do legislador ordinaacuterio
do aperfeiccediloamento do controle de constitucionalidade das leis com base em criteacuterios menos
riacutegidos que os de patente violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo bem como da imposiccedilatildeo de condutas e
abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicas227
Ocorre que a identificaccedilatildeo das accedilotildees que materializam a ideia do ativismo judicial por
si soacute natildeo reflete especificamente um consenso absoluto sobre o seu conceito e dependendo
da maneira que tal fenocircmeno eacute enxergado podem ser sustentadas defesas de pensamentos
totalmente antagocircnicos tanto a favor como contra o tema
Explica-se haacute quem vislumbre o ativismo como uma espeacutecie de mau comportamento
ou maacute consciecircncia do Judiciaacuterio acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no
sistema de separaccedilatildeo dos poderes228
e ao reveacutes haacute quem dissocie o termo da ideia de
desrespeito agrave separaccedilatildeo dos poderes defendendo que podem existir decisotildees enquadradas
como ativistas por envolverem opccedilotildees valorativas mas que materialmente estariam
consentacircneas com a noccedilatildeo de freios e contrapesos229
Constata-se portanto que o exame sobre ser ou natildeo determinada postura intriacutenseca a
uma visatildeo ativista vai variar de como cada inteacuterprete encara o instituto230
levando-se em
consideraccedilatildeo que o conceito de ativismo se mostra fugidio e soacute tem razatildeo de ser quando
pensado com base na realidade constitucional de cada ordenamento juriacutedico abstraiacutedo de
paracircmetros universais231
227
BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista
Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 08 228
COELHO Inocecircncio Maacutertires Ativismo judicial ou criaccedilatildeo judicial do direito In FERNANDES FELLET
Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial
Salvador Juspodivm 2011 p 475 229
SAMPAIO JUacuteNIOR Joseacute Herval Ativismo judicial autoritarismo ou cumprimento dos deveres
constitucionais In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 403 230
O mais recente Ministro do STF Luiacutes Roberto Barroso ao ser questionado em entrevista sobre o ativismo
judicial (tema que por sinal deu o tom de sua sabatina) realccedilou a questatildeo da divergecircncia conceitual do instituto
ao opinar que ldquoNatildeo acho que o Brasil viva um problema que se possa denominar de ativismo judicial se a essa
expressatildeo se quer emprestar um conteuacutedo negativordquo (Grifos acrescidos) Disponiacutevel em
httpwwwconjurcombr2013-jun-07entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo-tribunal-federal
Acessado em 07062013 231
BRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 387
109
Desta maneira caso admitido o raciociacutenio de que na ideia de ativismo judicial jaacute se
insere a peculiaridade pejorativa de accedilatildeo transbordativa dos limites impostos
constitucionalmente por razotildees oacutebvias seraacute afastada a possibilidade de classificar como
ativista determinado posicionamento judicial que respeite a loacutegica da separaccedilatildeo dos poderes e
se alinhe ao sistema constitucional
Por outro lado se o instituto for compreendido sob um vieacutes etimoloacutegico e neutro232
no
sentido de significar puramente uma accedilatildeo ativa ou seja de iniacutecio ou intensificaccedilatildeo de uma
operacionalidade jaacute vigorante poderatildeo ser identificados tanto um ativismo judicial beneacutefico e
legiacutetimo quanto um ativismo maleacutefico e ilegiacutetimo sendo a anaacutelise sobre a extrapolaccedilatildeo ou natildeo
dos limites preacutevia e constitucionalmente programados exatamente a tecircnue linha que demarca
o limite entre esses dois extremos
A partir desse segundo pensamento pode ser proposta uma defesa por um ativismo
judicial beneacutefico cuja legitimidade e congruecircncia com o sistema constitucional estaratildeo
atreladas ao fato de ser a atitude judicial empreendida limitada fundamentada e justificada na
proacutepria Constituiccedilatildeo Pode-se concluir assim que certas decisotildees do Judiciaacuterio em que pese
passarem a impressatildeo a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo desbordante do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos
Poderes ou das exigecircncias de democracia representativa natildeo podem ser enquadradas como
ilegiacutetimas jaacute que no fundo prestigiam soluccedilotildees impostas pelos direitos fundamentais
justificadas no Estado Democraacutetico de Direito
Ocorre que se por um lado emprestar automaacutetica e descompromissadamente a uma
decisatildeo um roacutetulo pejorativo de ativista eacute algo repreensiacutevel por outro tambeacutem eacute digno de
criacuteticas a utilizaccedilatildeo do argumento de que sempre que o Judiciaacuterio julga uma demanda
concretizando um direito fundamental ele o faz em prol da Constituiccedilatildeo como uma regra
geral e aprioriacutestica Tal argumento empregado isoladamente eacute simploacuterio e fatalmente
conduziria a um esvaziamento da noccedilatildeo de Separaccedilatildeo dos Poderes
Nesse sentido eacute que o presente trabalho propotildee a defesa por uma postura do Judiciaacuterio
atuante na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que e somente quando respeitados limites
soacutelidos e objetivos previamente estabelecidos postura essa que pode ser tranquilamente
enquadrada como um ativismo beneacutefico e constitucionalmente legiacutetimo
232
Stephen Smith alerta jaacute ser intuitiva a percepccedilatildeo de que o ativismo ganhou um contorno simplista atrelado a
indicaccedilatildeo de exerciacutecio ilegiacutetimo da revisatildeo judicial e defende a necessidade de se superar tal visatildeo de puro vieacutes
ideoloacutegico a partir do esboccedilo de uma visatildeo neutra de ativismo SMITH Stephen F Takin Lessons from the Left
Judicial activismo on the right The Georgetown Journal of Law $ Public Policy Vol 57 2002 apud DE
PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do
ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel
Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 285
110
Contudo o debate eacute complexo jaacute que caminha por discussotildees que envolvem pontos
constitucionais relevantes como o Princiacutepio da Igualdade Princiacutepio Democraacutetico e Seguranccedila
Juriacutedica sendo primordial portanto especificar melhor como essa postura ativista beneacutefica se
apresenta no quadro da Separaccedilatildeo dos Poderes no ordenamento paacutetrio para soacute a partir daiacute
avanccedilar para a proposiccedilatildeo de quais seriam os limites com relaccedilatildeo agrave concretizaccedilatildeo judicial do
direito agrave sauacutede e de que forma os mesmos poderatildeo contribuir para a aniquilaccedilatildeo ou ao menos
diminuiccedilatildeo dos efeitos colaterais de decisotildees desenfreadas na temaacutetica
Dito isto eacute certo que o cenaacuterio estaacute arquitetado da seguinte maneira de um lado
critica-se a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais basicamente
com dois argumentos centrais233
ndash a afronta agrave separaccedilatildeo dos poderes e a ausecircncia de
legitimidade democraacutetica de outro defende-se tal atuaccedilatildeo quando realizada de modo a
resguardar o processo democraacutetico promover os valores constitucionais e assegurar a
estabilidade institucional
Com relaccedilatildeo agrave primeira ideia contraacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais pelo
Judiciaacuterio deve ser esclarecido que o modelo claacutessico de separaccedilatildeo dos poderes calcado nas
propostas de Montesquieu234
e Madison235
foi alicerccedilado em outro contexto em que reinava o
paradigma liberal do direito no qual cabia ao Judiciaacuterio o papel de mero revelador e que por
isso com a virada neoconstitucional (marcada como jaacute visto pela valorizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais nas modernas Constituiccedilotildees associados agrave noccedilatildeo de maacutexima aplicaccedilatildeo dos
mesmos) faz-se necessaacuteria uma nova concepccedilatildeo de separaccedilatildeo dos poderes236
233
O rompimento desse equiliacutebrio entre os poderes centra-se no argumento da falta de legitimidade democraacutetica
do Judiciaacuterio bem como da afronta a separaccedilatildeo dos poderes contudo outros argumentos (em verdade
desdobramentos desses maiores) tambeacutem satildeo apontados como a ideia de que o Judiciaacuterio natildeo tem condiccedilotildees de
avaliar o impacto de suas decisotildees sobre a estrutura do Estado como um todo bem como que a decisatildeo sobre por
exemplo onde investir ou que bem priorizar eacute eminentemente poliacutetica e o espaccedilo do Judiciaacuterio deve ser juriacutedico 234
De se destacar que a preocupaccedilatildeo inicial se contenta em analisar as relaccedilotildees entre os poderes sob o princiacutepio
da incompatibilidade buscando impedir que uma mesma pessoa ou grupo ocupasse mais de um poder e natildeo
propriamente a pretensatildeo contemporacircnea de separaccedilatildeo entre as diversas funccedilotildees estatais MAUS Ingeborg
Separaccedilatildeo dos poderes e funccedilatildeo judiciaacuteria uma perspectiva teoacuterico democraacutetica In BIGONA Antocircnio Carlos
Alpino MOREIRA Luiz (orgs) Legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris
2010 p 27 235
Madison aperfeiccediloou a teoria de Montesquieu ao sugerir o sistema de freis e contrapesos calcado no
estabelecimento de funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas aos poderes visando o controle muacutetuo sem que qualquer um deles
pudesse chegar a uma posiccedilatildeo de hegemonia dentro do Estado DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe
separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da
poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As
novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 275 236
Corroborando com a noccedilatildeo de aperfeiccediloamento da separaccedilatildeo dos poderes Bruce Ackerman afirma que ldquoa
separaccedilatildeo de poderes eacute uma ideia mas natildeo haacute nenhuma razatildeo para supor que os escritores claacutessicos esgotaram a
sua excelecircnciardquo ACKERMAN Bruce A nova separaccedilatildeo de poderes Trad por Isabelli Maria Campos
Vasconcelos e Eliana Valadares Santos Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 113
111
A construccedilatildeo dessa nova concepccedilatildeo que no contexto hodierno eacute alimentada pela crise
da representaccedilatildeo parlamentar e a percepccedilatildeo da justiccedila como um canal aberto ao debate
poliacutetico eacute acompanhada de perto pela tentativa de se reconhecer ateacute que ponto estatildeo
legitimados os tribunais para resolver questotildees morais e poliacuteticas na sociedade avaliando-se a
profundidade que a tensatildeo entre constitucionalismo e democracia atinge no cenaacuterio atual de
abrandamento da rigorosa separaccedilatildeo entre os espaccedilos do direito e da justiccedila cada vez menos
demarcados237
Tentando-se construir um raciociacutenio loacutegico de faacutecil assimilaccedilatildeo pode ser defendido
que se a noccedilatildeo de freios e contrapesos pressupotildee que os oacutergatildeos estatais sejam representativos
da sociedade eacute apropriado se admitir que o descreacutedito com o sistema representativo termina
por colocar em xeque o proacuteprio funcionamento do sistema poliacutetico238
sendo inevitaacutevel a
convocaccedilatildeo do Judiciaacuterio para tentar corrigir esse problema desde que tal correccedilatildeo seja
realizada no limite dos ditames constitucionais239
Desta maneira no contexto de crise da representaccedilatildeo popular agravado pelo caraacuteter
altamente compromissoacuterio da prolixa Carta de 1988 a saiacuteda para a celeuma sobre como
seguramente limitar a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio estaacute exatamente na compreensatildeo de que o real
papel do mesmo eacute o de se portar respeitador agraves escolhas das instacircncias representativas mas
prioritariamente intolerante agrave posturas majoritaacuterias que transbordem os limites
constitucionais240
Noutro poacutertico pode ser defendido que o concerto sistemaacutetico da soma vetorial das
disposiccedilotildees constitucionais natildeo implica que o vetor final desse arranjo aponte
necessariamente para uma total preponderacircncia da separaccedilatildeo dos poderes e das prerrogativas
do Legislativo e Executivo com o consequente afastamento da possibilidade do Judiciaacuterio
237
BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista
Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 10 238
Sobre a crise do sistema de freios e contrapesos Daniel Giotti de Paula defende o fato de que tal sistema natildeo
reforccedila por si soacute a democracia jaacute que partiria de uma visatildeo homogecircnea da sociedade que transportada para os
dias atuais esbarraria na complexidade da sociedade hodierna e natildeo atingiria agrave representaccedilatildeo total almejada
sendo destacada a necessidade de se abandonar a ideia de separaccedilatildeo dos poderes como um modelo puro de
foacutermula universal aprioriacutestica e completa DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A
invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 281 239
RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 p 116 240
Corroborando Andreacute Ramos Tavares pontua que ldquoa crise da democracia parlamentar eacute apresentada como
uma das principais problemaacuteticas contemporacircneas Para resolver essa dificuldade eacute preciso registrar
preliminarmente que natildeo existe um modelo final de democracia que se possa utilizar como paracircmetro absoluto
Ademais o modelo inicial de Estado Legislativo (legalista) estava alicerccedilardo na ideia de democracia tendo
sido contudo possiacutevel verificar sua incapacidade democraacutetica Sua substituiccedilatildeo por um Estado Constitucional
de Direito implicou a consideraccedilatildeo de uma democracia constitucionalrdquo TAVARES Andreacute Ramos Teoria da
Justiccedila Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 494
112
sindicar algum efeito de um direito fundamental em seu aspecto material241
o que corrobora
com o fato de que o momento eacute de crise do modelo tradicional de separaccedilatildeo dos poderes cujas
concepccedilotildees consagradas natildeo acompanharam a construccedilatildeo das novas necessidades do direito
A incompatibilidade acima apontada e a necessidade de releitura da separaccedilatildeo dos
poderes satildeo reforccediladas pela proacutepria incapacidade reconhecida do Legislativo e Executivo em
solucionarem questotildees polecircmicas surgidas no contexto contemporacircneo (como as discussotildees
sobre uniatildeo homoafetiva e bebecircs aneceacutefalos) acarretando em um estado de socorro ao
Judiciaacuterio como saiacuteda mais segura e cocircmoda para o problema natildeo se discutindo sobre as
criacuteticas apontadas
Coadunando com o pensamento de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais se faz legiacutetima quando consentacircnea com os ideais do Estado Democraacutetico de
Direito Ana Paula de Barcellos242
pondera que
Em um Estado democraacutetico natildeo se pode pretender que a Constituiccedilatildeo
invada o espaccedilo da poliacutetica em uma versatildeo de substancialismo radical e
elitista em que as decisotildees poliacuteticas satildeo transferidas do povo e seus
representantes apara os reis filoacutesofos da atualidade os juristas e operadores
do direito em geral () Se contudo a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas
quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas
juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema
natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa
ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata de absorccedilatildeo do poliacutetico pelo
juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (Grifos
acrescidos)
No que se refere ao segundo fator contraacuterio agrave possibilidade de atuaccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais eacute importante se ter em mente que a ideia de
democracia natildeo se resume simplesmente ao princiacutepio majoritaacuterio243
que cidadatildeo eacute diferente
de eleitor que governo do povo distingue-se de governo do eleitorado244
e portanto possiacuteveis
241
BARCELLOS Ana Paula de Ponderaccedilatildeo racionalidade e atividade jurisdicional Rio de Janeiro
Renovar 2005 p 133 242
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico Nordm 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 243
Na defesa do argumento de que o deacuteficit democraacutetico do Judiciaacuterio natildeo eacute necessariamente maior que o do
Legislativo jaacute que a composiccedilatildeo deste pode ser afetado por diferentes disfunccedilotildees como o abuso econocircmico e a
manipulaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo Vital Moreira pondera que ldquo Na foacutermula constitucional primordial
bdquotodo poder reside no povo‟ Mas a verdade eacute que na reformulaccedilatildeo de Sternberger bdquonem todo o poder vem do
povo‟ Haacute o poder econocircmico o poder mediaacutetico o poder das corporaccedilotildees sectoriais E por vezes estes poderes
sobrepotildee-se ao poder do povordquo MOREIRA Vital O futuro da Constituiccedilatildeo In GRAU Eros Roberto
GUERRA FILHO Willis Santiago Direito Constitucional ndash Estudos em homenagem a Paulo Bonavides
Satildeo Paulo Malheiros 2001 p 323 244
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 27
113
ineacutercias ou accedilotildees realizadas pelo Legislativo e Executivo que dissonantes agrave loacutegica
constitucional vulnerem os direitos fundamentais da minoria ou aviltem o proacuteprio
procedimento democraacutetico em si natildeo soacute podem como devem ser combatidas pelo Judiciaacuterio
Desta maneira democracia natildeo deve ser compreendida somente em sua acepccedilatildeo
formal (simples possibilidade de escolher os representantes) mas tambeacutem deve ser encarada
sob o vieacutes material representando um processo de concretizaccedilatildeo de direitos e garantias
fundamentais pelos poderes constituiacutedos que antes de ser rotulado de autoritaacuterio consiste em
autecircntico cumprimento de deveres constitucionais245
Assim sendo fica claro que democracia natildeo eacute simples sinocircnimo de regra majoritaacuteria e
exige muito mais que a simples aplicaccedilatildeo desta jaacute que pressupotildee antes de tudo e
primordialmente o respeito aos direitos fundamentais de todos os indiviacuteduos para o perfeito
funcionamento de qualquer processo deliberativo tido como democraacutetico
De se afirmar assim que o cenaacuterio constitucional atual jaacute natildeo mais comporta a ideia
de que a implementaccedilatildeo de direitos fundamentais esteja restrita somente ao Executivo e
Legislativo prevalecendo ao contraacuterio a defesa de que tal tarefa jaacute se encontra arraigada
como uma funccedilatildeo do Estado como um todo devendo ser buscada tambeacutem a partir da
performance de outros atores destacando-se o Judiciaacuterio as funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e a
proacutepria sociedade
Pelo exposto pode-se concluir que apesar dos argumentos centrais contraacuterios ao
enfrentamento pelo Judiciaacuterio de questotildees envolvendo a sindicabilidade dos direitos
fundamentais poderem ser superados pela releitura da separaccedilatildeo dos poderes e pelo vieacutes
material do princiacutepio democraacutetico o ponto chave desse debate estaacute exatamente na construccedilatildeo
segura de paracircmetros objetivos que respaldem e limitem246
essa atuaccedilatildeo dizendo ateacute onde o
Judiciaacuterio pode atuar sem ferir o ordenamento constitucional Nesse iacutenterim no que refere-se
aos direitos sociais a construccedilatildeo de miacutenimos existenciais em espeacutecies para os mesmos
desponta como verdadeiro carro-chefe dessa empreitada
245
Realccedilando o papel central da jurisdiccedilatildeo constitucional no desenvolvimento democraacutetico eacute pertinente a
observaccedilatildeo de Paulo Gonet ao afirmar que ldquo() a histoacuteria prova que quando a luz da democracia se apaga eacute para
a jurisdiccedilatildeo que o povo normalmente recorrerdquoBRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito
fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO
Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 399 246
No mesmo sentido Canotilho aponta que ldquo()sempre se coloca o problema de saber se haveraacute um nuacutecleo
essencial caracterizador do princiacutepio da separaccedilatildeo e absolutamente protegido pela Constituiccedilatildeo Em geral
afirma-se que a nenhum oacutergatildeo podem ser atribuiacutedas funccedilotildees das quais resulte o esvaziamento das funccedilotildees
materiais especialmente atribuiacutedas a outros () Todavia permanece aberto o problema de saber onde comeccedila e
onde acaba o nuacutecleo essencial de determinada funccedilatildeordquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito
Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 502
114
Corroborando com essa visatildeo Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Nascimento247
observa
que
Quando se diz que os poderes constituiacutedos formam o espaccedilo institucional
(conjunto de oacutergatildeos funccedilotildees e agentes) de traduccedilatildeo do processo poliacutetico que
tem origem no poder popular isto inclui o judiciaacuterio A vontade sintetizada
no compromisso constitucional e a capacidade integradora da constituiccedilatildeo
estariam anuladas se a sua concretizaccedilatildeo ficasse reduzida e dependente das
decisotildees do executivo Como defender a constituiccedilatildeo quando as poliacuteticas
preventivas ou as diretrizes satildeo negligenciadas pela urgecircncia de gerir a rotina
de governo quando a gestatildeo for mais teacutecnica do que eacutetica e as poliacuteticas
forem dispersas e meramente reativas Cabe ao judiciaacuterio trazer para a arena
puacuteblica a loacutegica juriacutedica dos valores e da busca do entendimento em
confronto com a loacutegica utilitarista e competitiva do mercado econocircmico e da
burocracia administrativa Natildeo se pode eacute aceitar que a judicializaccedilatildeo da
demanda por sauacutede assuma contornos de irracionalidade A teoria da
constituiccedilatildeo serve de auxiacutelio na racionalizaccedilatildeo da tarefa de assegurar em
juiacutezo o direito agrave sauacutede
Apesar de tudo que foi dito ateacute aqui possa ser suficiente para justificar a legitimidade
do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do especial direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio
tornam-se imperiosas algumas ponderaccedilotildees sobre possiacuteveis efeitos colaterais de uma ilimitada
intervenccedilatildeo judicial no tema antes de se analisar que parcela do miacutenimo existencial estaria
abrangida por tal direito
512 Os efeitos colaterais de um desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Jaacute foi apontado que o direito agrave sauacutede apesar de tipicamente enquadrado como direito
de segunda dimensatildeo apresenta um desenho constitucional peculiar uma vez que parte de sua
essecircncia tanto se desloca para a primeira dimensatildeo (aproximando-se de uma ideia de
manutenccedilatildeo da vida248
) como para a terceira dimensatildeo (sob o prisma de uma sauacutede
transindividualmente considerada) Daiacute a importante conclusatildeo de que o direito agrave sauacutede eacute
antes de tudo um elemento de cidadania o que respalda sua qualificaccedilatildeo como um direito
247
NASCIMENTO Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Concretizando a Utopia Problemas na Efetivaccedilatildeo do Direito
a uma Vida Saudaacutevel In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel (coords) Direitos sociais
Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 920 248
Reforccedilando essa visatildeo conforme entendimento esposado em diversas decisotildees do TJES (dentre outros o
Mandado de Seguranccedila nordm 100070014129 julgado em 110908 pelo Pleno do TJES Relator Des Alemer
Ferraz Moulin) o direito a sauacutede tambeacutem pode ser encarado como um ldquodireito social que se transmuda em
direito fundamental de primeira geraccedilatildeo pela condiccedilatildeo do miacutenimo existencialrdquo HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 216
115
humano essencial polifaceacutetico (eacute direito social eacute alicerccedilador da vida e de fruiccedilatildeo
transidividual)249
Decorre dessa qualidade a ideia de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo desse
direito assume um niacutevel de complexidade maior do que com relaccedilatildeo aos demais direitos
sociais especialmente quando discutido o acesso agrave prestaccedilotildees materiais decorrentes do direito
agrave sauacutede e nesse ponto natildeo se pode fugir de algumas observaccedilotildees que circundam o princiacutepio da
igualdade e sua relaccedilatildeo com os direitos sociais
Se com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais as demandas sejam individuais ou
coletivas possuem um raio de abrangecircncia mais limitado no que se refere ao direito agrave sauacutede a
situaccedilatildeo eacute diametralmente oposta podendo ser encontradas demandas que tratam de
diferentes submateacuterias como por exemplo fornecimento de medicamentos cirurgias de
urgecircncia tratamentos de doenccedilas raras transplantes concessotildees de aparelhos auditivos
tratamentos odontoloacutegicos realizaccedilatildeo de exames dentre outros
O enfrentamento judicial de tais situaccedilotildees eacute portanto inegavelmente complexo Desta
maneira eacute certo que ao decidir o magistrado natildeo consegue fugir completamente de suas
impressotildees particulares e em determinados casos em que o natildeo acatamento do pedido pode
significar a morte de um indiviacuteduo a tarefa de vislumbrar a situaccedilatildeo como um todo levando
em consideraccedilatildeo aspectos orccedilamentaacuterios e o restante da populaccedilatildeo resta dificultada250
Da mesma forma ao se filiar a um posicionamento garantista despreocupado com os
limites e consequecircncias das decisotildees e afastado dessa percepccedilatildeo macro que leva em conta o
resto da populaccedilatildeo o Judiciaacuterio contribui para a formaccedilatildeo e um ciacuterculo vicioso alarmante e
cada vez mais recorrente as autoridades puacuteblicas acabam se eximindo de executar as opccedilotildees
constitucionais iacutensitas ao direito agrave sauacutede sob o argumento de que tal valor jaacute estaacute reservado
para as possiacuteveis decisotildees judiciais no assunto ou ateacute mesmo apontando para um estado de
ineacutercia no sentido de soacute cumprir as medidas planejadas em suas poliacuteticas puacuteblicas depois de
demandadas judicialmente
Tal situaccedilatildeo consiste em efeito colateral grave e inconstitucional que aliado a questatildeo
do custo envolvendo certas demandas concretas estatildeo inseridas na discussatildeo sobre igualdade
249
BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In FERNANDES FELLET
Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial
Salvador Juspodivm 2011 p 600 250
Nesse sentido pondera Ana Paula de Barcellos que ldquoUm doente com rosto identidade presenccedila fiacutesica e
histoacuteria pessoal solicitando ao Juiacutezo uma prestaccedilatildeo de sauacutede eacute percebido de forma inteiramente diversa da
abstraccedilatildeo eteacuterea do orccedilamento e das necessidades do restante da populaccedilatildeo que natildeo satildeo visiacuteveis naquele
momento e tecircm sua percepccedilatildeo distorcida ()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 322
116
jaacute que em princiacutepio a concessatildeo pleiteada deve ser concedida da mesma maneira a todas as
pessoas que se encontrem na mesma situaccedilatildeo
Mas seraacute que tais pessoas possuem ciecircncia disso Seraacute que tais pessoas apresentam
condiccedilotildees de contratar um advogado ou possuem ciecircncia que eacute plausiacutevel buscar o auxiacutelio da
defensoria puacuteblica para isso251
Vecirc-se que a situaccedilatildeo eacute complexa e caminha para o reforccedilo da
necessidade de que apesar de legiacutetima a sindicabilidade judicial do direito agrave sauacutede deve ser
programada a partir de criteacuterios objetivos sob pena de ferir a proacutepria sauacutede dos demais
indiviacuteduos e o princiacutepio da igualdade distorcendo a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo deu a esse
importante direito
Nesse contexto se todos contribuem para os cofres puacuteblicos eacute difiacutecil admitir que seja
equitativa a situaccedilatildeo de alguns indiviacuteduos por terem acesso agrave justiccedila alcanccedilarem um direito
relevante e outros que ou nem sabem que podem se socorrer ao Judiciaacuterio ou natildeo possuem
meios para o tal em igual situaccedilatildeo natildeo sejam abrangidos
Contudo a complexidade para o Judiciaacuterio ao enfrentar tais situaccedilotildees eacute imensa e seus
representantes ficam presos ao problemaacutetico dilema de que se acatado o pedido contribui-se
para que algueacutem que possui advogado bdquofure uma fila‟ e outros milhares na mesma situaccedilatildeo
fiquem a mercecirc do SUS por outro lado jaacute se natildeo acatado o pedido estar-se-aacute chancelando
uma conivecircncia com a omissatildeo estatal especiacutefica pleiteada e isso poderaacute acarretar na morte ou
prejuiacutezo irreparaacutevel para o indiviacuteduo natildeo evitados quando o Judiciaacuterio poderia
Eacute preciso deixar claro entretanto que a utilizaccedilatildeo de exemplos extremos natildeo pode
servir para esconder problemas claros da sauacutede baacutesica da populaccedilatildeo Por isso deve ser
assentado desde jaacute que existem duas situaccedilotildees uma ligada agrave escolhas extremas em que o
limite entre vida e sauacutede eacute miacutenimo e ateacute mesmo confundiacutevel como os casos em que um
indiviacuteduo ou grupo necessita de algo (medicamento oacutergatildeo procedimento) com urgecircncia que
em princiacutepio pode ou natildeo ser obrigaccedilatildeo do Estado a depender de suas poliacuteticas puacuteblicas
outra referente agrave situaccedilotildees que o Estado se comprometeu a deveria realizar e natildeo o fez como
eacute o caso por exemplo da sauacutede baacutesica sua estruturaccedilatildeo e o rol de prestaccedilotildees nela disponiacuteveis
bem como o fornecimento de medicamentos previamente listados pelo SUS
251
Corroborando com o raciociacutenio Andreacute Luiz Fellet aponta que ldquoao evitar a perda da vida de um paciente com
foto nuacutemero de identidade e atestado meacutedico nos autos o julgador em sua dificiacutelima missatildeo pode contribuir
para o decesso de um paciente anocircnimo E seraacute justo quanto agrave virtual ineacutercia do uacuteltimo em buscar a tutela
jurisdicional invocar o brocardo latino dormientibus non sucurrit jus (o direito natildeo socorre os que dormem)rdquo
FELLET Andreacute Luiz Fernandes As normas de direitos fundamentais sociais e a implementaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio In Revista da Procuradoria Geral do Municiacutepio de Juiz de Fora v2 jandez
Belo Horizonte 2012 p 110
117
O foco do presente estudo eacute exatamente esse segundo grupo de situaccedilotildees sendo certo
que as circunstacircncias extremas natildeo podem ser abandonadas mas frente agrave complexidade e
peculiaridade dos inuacutemeros eventos possiacuteveis devem ser analisadas caso a caso sob o prisma
da proporcionalidade balanceando-se os elementos que estatildeo em jogo niacutevel de agressatildeo a
igualdade considerando o conflito entre o direito agrave sauacutede individual do demandante e o
direito agrave sauacutede da coletividade bem como o elemento da reserva do possiacutevel e a proximidade
do pleito ao nuacutecleo do miacutenimo existencial em sauacutede
Isso ocorre porque eacute praticamente impossiacutevel se chegar a um comando aprioriacutestico de
como lidar com tais problemas extremos sendo certo que caso seja adotado o criteacuterio da
necessidade de evitar a morte dor ou sofrimento fiacutesico na definiccedilatildeo do que pode ser exigiacutevel
do Estado com relaccedilatildeo ao direito em xeque praticamente toda e qualquer prestaccedilatildeo de sauacutede
estaria enquadrada nesse criteacuterio o que acarretaria aleacutem de possiacuteveis situaccedilotildees de afronta agrave
igualdade em um caoacutetico quadro de inseguranccedila juriacutedica e total desvirtuamento da essecircncia
do direito agrave sauacutede
Em que pese a situaccedilatildeo ser complexa do ponto de vista humano jaacute que eacute
extremamente delicado para um magistrado negar um pleito cujo objeto envolve o
restabelecimento ou manutenccedilatildeo da vida do demandante (como no caso de um transplante ou
medicamento de alto valor a ser comprado no exterior) o enxergar do problema deve
necessariamente passar pelo exame da igualdade252
e principalmente da possiacutevel afronta agrave
sauacutede do resto da populaccedilatildeo que se enquadre no mesmo problema daquele que estaacute em uma
fila de espera por oacutergatildeos haacute anos ou ateacute mesmo daquele cidadatildeo que depende de prestaccedilotildees
252
Com relaccedilatildeo a problemaacutetica da igualdade Mariana Filchtiner Figueiredo posiciona-se no sentido de a
concepccedilatildeo de igualdade ser diferente de universalidade e que esta uacuteltima natildeo apresenta como corolaacuterio
indispensaacutevel a gratuidade das prestaccedilotildees materiais e partindo dessa ideia defende a adoccedilatildeo no Brasil de um
sistema ldquotendencialmente gratuitordquo com a cobranccedila dos serviccedilos de sauacutede de quem possua recursos e na justa
medida da sua condiccedilatildeo econocircmica como possiacutevel alternativa agrave escassez de recursos financeiros e meacutedicos Para
sustentar esse raciociacutenio pondera a autora que ldquoa fraternidade oriunda da triacuteade francesa implica uma nova
concepccedilatildeo dos direitos sociais em que natildeo se atribuam a todos os cidadatildeos indistintamente mas sim agravequeles
todos que deles necessitem e na medida dessa necessidade uma vez que a abstraccedilatildeo e a universalidade natildeo se
adaptam agraves distinccedilotildees faacuteticas existentes dentro do proacuteprio grupo de beneficiaacuterios dos direitos sociais () Natildeo
corresponde agrave noccedilatildeo de paternalismo porquanto as prestaccedilotildees materiais de auxiacutelio devem ser conferidas somente
aos necessitados e na medida dessas carecircnciasrdquo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave
Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 172 A
proposta em questatildeo apesar de ter uma preocupaccedilatildeo justa (emprestar mais igualdade no acesso ao direito agrave
sauacutede e driblar a escassez de recursos) esbarra em uma questatildeo loacutegica a sauacutede como se sabe eacute aberta ao setor
privado e portanto quem tem condiccedilotildees financeiras muito provavelmente frente ao quadro estrutural
deficitaacuterio do SUS buscaraacute socorrer-se em planos de sauacutede privados sendo difiacutecil imaginar que algueacutem que
possua condiccedilotildees financeiras venha a optar por um tratamento no SUS pago do que no setor privado Some-se a
isso o fato de que tal situaccedilatildeo poderia gerar distorccedilotildees ainda maiores e mais desiguais frente a possibilidade de
concretamente ser dada preferecircncia a quem desembolsou alguma importacircncia financeira do que quem natildeo
118
materiais inseridas em um miacutenimo existencial de sauacutede que o Estado natildeo prestou ou que jaacute
faleceu no triste aguardo destas
Conclui-se portanto que a melhor forma de analisar o problema percorre a seguinte
linha de raciociacutenio i o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas
envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a
accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais gerem afronta ao
direito em questatildeo ii essa atuaccedilatildeo contudo se realizada de forma ilimitada pode gerar
anacrocircnicos efeitos colaterais que devem ser combatidos por potencialmente poderem afrontar
o princiacutepio da igualdade da reserva do possiacutevel da separaccedilatildeo dos poderes e da seguranccedila
juriacutedica iii a melhor maneira de se evitar ou pelo menos diminuir tais efeitos indesejados
passa por algumas medidas chaves como iii1 a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial para o
direito em questatildeo que natildeo soacute legitima a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio como tambeacutem empresta maior
seguranccedila ao magistrado ao decidir253
iii2 a consagraccedilatildeo de paracircmetros objetivos que
guardem harmonia com as poliacuteticas puacuteblicas em andamento para a fundamentaccedilatildeo das
decisotildees e iii3 a preferecircncia por demandas coletivas cujo raio de abrangecircncia dos seus
efeitos teraacute o condatildeo de suprimir ou diminuir situaccedilotildees de desigualdade254
253
Interessante notar que a exata e segura noccedilatildeo dos limites de sua atuaccedilatildeo propicia ao magistrado natildeo soacute mais
seguranccedila ao julgar mas tambeacutem uma tranquilidade apta a retirar a carga de responsabilidade inevitavelmente
existente quando da anaacutelise dos citados casos extremos Explica-se sem paracircmetros o juiz ao ser provocado a
decidir muitas vezes no seu iacutentimo entende que a concessatildeo do pleito eacute transbordante agrave sua esfera de
atribuiccedilotildees contudo o concede pela pressatildeo psicoloacutegica e humanista do caso a qual incute na mente do
magistrado o receio de por exemplo estar sentenciando a morte do demandante quando o podia evitar (ainda
que admitisse extrapolar suas funccedilotildees) Em existindo um paracircmetro aprioriacutestico que jaacute elimine de pronto ou
sustente objetivamente o natildeo acolhimento do pleito o magistrado se sentiraacute menos responsaacutevel pelas possiacuteveis
consequecircncias da negativa do pedido 254
Sobre a questatildeo da preferecircncia da defesa do direito agrave sauacutede pela via coletiva Ingo Sarlet faz uma importante
ressalva ao perfilhar que ldquose eacute possiacutevel afirmar a correccedilatildeo do entendimento de que a tutela coletiva
(especialmente em niacutevel preventivo) deva assumir caraacuteter preferencial jaacute que possui a incensuraacutevel virtude de
minimizar uma seacuterie de efeitos colaterais mais problemaacuteticos da tutela jurisdicional individual na esfera dos
direitos a prestaccedilotildees sociais tambeacutem eacute certo que a eliminaccedilatildeo da possibilidade de demandas individuais poderaacute
por si soacute representar uma violaccedilatildeo de direitos fundamentais notadamente quando em causa o direito a uma vida
digna e quando natildeo assegurado o patamar suficiente de proteccedilatildeo social () Da mesma forma se as objeccedilotildees em
relaccedilatildeo agrave tutela judicial individual natildeo podem ter o condatildeo de afastar tal via de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais
tabeacutem eacute certo que eacute preciso empreender ajustes e minimizar os efeitos negativos da litigacircncia individual seja
mediante um controle mais rigoroso no que diz com a necessidade da prestaccedilatildeo pleiteada seja no respeitante a
outros aspectos parte dos quais referidos como possibilidades aptas a propiciar maior racionalidade e eficaacutecia no
plano das estrateacutegias de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais em geral e o direito agrave sauacutede em particularrdquo SARLET
Ingo Wolfgang A titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos Direitos Sociais Analisada agrave
Luz do Exemplo do Direito agrave Proteccedilatildeo e Promoccedilatildeo da Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de Brito SILVA
Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p
143-144
119
52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE
Quando estudado o embate entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ficou
assentado que o miacutenimo existencial englobaria um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado
natildeo poderia se furtar de disponibilizar aos cidadatildeos sob pena de afronta aos valores
constitucionais ligados agrave dignidade da pessoa humana concluindo-se assim que o argumento
da reserva do possiacutevel nesses casos natildeo poderia ser sequer trazido agrave discussatildeo jaacute que o
nuacutecleo de condiccedilotildees materiais formadoras desse miacutenimo existencial se impotildee como regra
mantendo-se a natureza de princiacutepio apenas para aleacutem desse nuacutecleo
Na mesma linha abraccedilou-se a tese encampada por Ana Paula de Barcellos de que esse
miacutenimo existencial cujo substrato adviria diretamente da Constituiccedilatildeo seria formado pelo
acesso agrave justiccedila como elemento instrumental e de trecircs elementos materiais a sauacutede baacutesica a
educaccedilatildeo baacutesica e a assistecircncia aos desamparados
A presente pesquisa contudo busca avanccedilar no tema de modo a incluir mais um
elemento dentre os que estariam incluiacutedos no miacutenimo255
em sauacutede arrolados pela referida
autora (que relembrando satildeo prestaccedilatildeo de serviccedilo de saneamento o atendimento materno-
infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas) e tendo em vista a
ideia de que os mesmos natildeo foram escolhidos de maneira aleatoacuteria antes de compreender a
abrangecircncia de cada um deles faz-se relevante explicar as razotildees apontadas para a seleccedilatildeo
dos mesmos
Desta maneira o raciociacutenio eacute o de que inicialmente o efeito isolado das normas
atinentes ao direito em exame (especialmente o constante nos arts 196 e 198 da CF) eacute o de
que todas as pessoas devem ter acesso agrave totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis aptas a
promover proteger ou recuperar as condiccedilotildees de sauacutede Contudo para aleacutem desse efeito
isolado teoacuterico e ideal outra questatildeo eacute a anaacutelise sobre se tal efeito pode ser na praacutetica
integralmente exigido do Poder Puacuteblico de modo que este positivamente atue na
concretizaccedilatildeo da sauacutede256
Nesse ponto quando o mencionado efeito ideal sai de um exame isolado e eacute
confrontado com os demais subsistemas constitucionais (sobretudo os campos ligados a
255
Aqui uma observaccedilatildeo se faz relevante no intuito de evitar uma confusatildeo terminoloacutegica a sauacutede baacutesica como
visto eacute um elemento do miacutenimo existencial e haacute dentro desse elemento um nuacutecleo de eficaacutecia positiva que
representa o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede exigiacuteveis do Judiciaacuterio A esse nuacutecleo parcela do direito agrave sauacutede
incluiacuteda no conceito de miacutenimo existencial eacute dado na presente pesquisa o tratamento de miacutenimo existencial em
espeacutecie relativo ao direito agrave sauacutede De maneira mais direta eacute como se a soma dos miacutenimos em espeacutecie (da sauacutede
educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) formasse o miacutenimo existencial geral 256
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 223
120
separaccedilatildeo dos poderes a deliberaccedilatildeo majoritaacuteria e a reserva orccedilamentaacuteria) por razotildees
juriacutedicas e ateacute mesmo faacuteticas torna-se forccediloso concluir que o atual panorama histoacuterico da
ordem constitucional paacutetria natildeo eacute suficiente para assegurar eficaacutecia juriacutedica positiva a toda
extensatildeo desse efeito ideal mas somente dos marcos constitucionalmente priorizados para a
partir dos mesmos alargar de maneira progressiva o efeito final mais abrangente de todas as
prestaccedilotildees de sauacutede257
A seguinte passagem resume bem o pensamento de Ana Paula de Barcellos acima
descrito258
O efeito isolado portanto pretendido pelos comandos em questatildeo eacute em
primeiro lugar que as pessoas tenham acesso a todas as prestaccedilotildees de sauacutede
possiacuteveis e prioritariamente que esses quatro objetivos sejam realizados a
saber que todas as localidades onde haja habitaccedilotildees disponham de serviccedilos
de saneamento baacutesico que todas as gestantes matildees e crianccedilas tenham
atendimento de sauacutede especiacutefico preacute e poacutes-natal que todas as pessoas
possam dispor de um acompanhamento meacutedico preventivo e por fim que o
Poder Puacuteblico implemente accedilotildees gerais destinadas a evitar epidemias (Grifos
acrescidos)
Em suma a proposta do miacutenimo existencial que aqui se pretende ampliar tem o
processo de especificaccedilatildeo de seus elementos calcado primeiro na ideia de priorizaccedilatildeo
aplicando-se a loacutegica de que se a atual conjuntura do constitucionalismo paacutetrio natildeo permite a
maacutexima extensatildeo do efeito ideal das normas que dispotildeem sobre a sauacutede que pelo menos
onde a Constituiccedilatildeo sinalizou com uma priorizaccedilatildeo seja dada eficaacutecia suficiente para
respaldar uma cobranccedila de prestaccedilotildees em sauacutede diretamente do Poder Puacuteblico
Segundo tal proposta jaacute admite em sua essecircncia que essa priorizaccedilatildeo consubstancia-se
no passo inicial do processo de construccedilatildeo do miacutenimo existencial o qual poderaacute e deveraacute ser
ampliado progressiva e tendencialmente ao efeito ideal de que todas as pessoas tenham acesso
a totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis
A conclusatildeo eacute a seguinte partindo do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)
podem ser extraiacutedas diretamente do texto constitucional certas prestaccedilotildees relacionadas ao
direito agrave sauacutede de que todos necessitam as quais trabalham como autecircnticas regras e cuja natildeo
realizaccedilatildeo importaraacute em violaccedilatildeo ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana no esquema
ldquotudo ou nadardquo respaldando a exigecircncia judicial da prestaccedilatildeo equivalente
257
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 224 258
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 225
121
Desta maneira concretizando um pouco mais tais prioridades a autora aponta que259
o
atendimento materno-infantil engloba o acompanhamento preacute e poacutes natal da gestante e da
crianccedila e tem por escopo a prevenccedilatildeo ou tratamento de doenccedilas que possam afetar a sauacutede
materna ou da crianccedila abrangendo tambeacutem um parto saudaacutevel as accedilotildees de medicina
preventiva abrangem um conjunto amplo de accedilotildees que incluindo a prevenccedilatildeo epidemioloacutegica
envolvem natildeo soacute o tratamento de epidemias mas tambeacutem formas especiacuteficas de prevenccedilatildeo
como a aplicaccedilatildeo de vacinas pulverizaccedilatildeo de substacircncias para o combate de transmissores de
moleacutestias (como a dengue) dentre outras260
e o saneamento consiste em uma das medidas de
sauacutede baacutesica mais relevantes atualmente e eacute considerado pela OMS como a medida prioritaacuteria
em termos de sauacutede puacuteblica mundial jaacute que cerca de 80 das doenccedilas decorrem da maacute
qualidade da aacutegua utilizada ou falta de esgotamento adequado
A partir das balizas postas o presente trabalho busca aperfeiccediloar a noccedilatildeo de miacutenimo
existencial construiacuteda pela autora de modo a incluir dentre os elementos que o compotildeem
mais um componente o qual funcionaraacute concomitantemente tanto como um elemento basilar
desse miacutenimo existencial quanto como interface de abertura que garantiraacute sua almejada
ampliaccedilatildeo progressiva
Sendo mais claro e indo direto ao ponto defende-se a inserccedilatildeo do respeito agrave previsatildeo
de infraestrutura miacutenima a ser disponibilizada para as accedilotildees e serviccedilos compromissados pelo
Poder Puacuteblico (que engloba a construccedilatildeo de hospitais minimamente estruturados a formaccedilatildeo
de pessoal qualificado e a disponibilizaccedilatildeo suficiente de material e equipamentos para a
realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer) no rol jaacute referenciado dos
componentes do miacutenimo existencial em sauacutede como um elemento instrumental desse
miacutenimo
O raciociacutenio eacute o de que sem tal elemento instrumental tanto as referidas prestaccedilotildees
inclusas no miacutenimo quanto as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede constantes das poliacuteticas puacuteblicas em
andamento natildeo se materializam jaacute que tal elemento instrumental consiste em verdadeiro
pressuposto faacutetico e loacutegico para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede que compotildeem o referido
miacutenimo
259
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 329-335 260
Nesse ponto especiacutefico a autora denotando a dificuldade de se delimitar a abrangecircncia de tais accedilotildees sugere a
utilizaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio do elenco das condiccedilotildees miacutenimas obrigatoacuterias para os planos de sauacutede privados (art
12 da Lei ndeg 965398) como paracircmetro apto a auxiliar a decisatildeo sobre estar determinado pleito incluso dentro
desse conjunto de accedilotildees preventivas BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 330-
331
122
Se o raciociacutenio para a construccedilatildeo do miacutenimo existencial em sauacutede proposto pela
referida autora partiu da prevalecircncia do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)
propotildee-se o acreacutescimo do paracircmetro da coerecircncia loacutegica para defender que a estruturaccedilatildeo
miacutenima do SUS essencial para a consecuccedilatildeo dos seus fins e consequente execuccedilatildeo das accedilotildees
e serviccedilos de sauacutede compromissados pelo Poder Puacuteblico eacute parte integrante basilar do miacutenimo
existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse ponto
baacutesico
O fundamento para tal inclusatildeo nasce da ideia de que se a proacutepria CF de 1988
claramente delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se materializa a partir de poliacuteticas que
visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) accedilotildees e serviccedilos estes qualificados como de relevacircncia puacuteblica e
cuja execuccedilatildeo eacute responsabilidade estatal (art 197 da CF) seria iloacutegico e incoerente imaginar a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e especialmente do seu miacutenimo existencial sem uma miacutenima
estruturaccedilatildeo necessaacuteria
A partir da noccedilatildeo acima portanto deve ser incluiacutedo como elemento fundamental do
miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede a existecircncia eficiente e regular de
infraestrutura minimamente suficiente no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas do SUS de modo a se
respeitar a coerecircncia dos artigos 196 197 e 198 da CF e o compromisso constitucional com
esse importante direito fundamental
A omissatildeo estatal em disponibilizar a miacutenima infraestrutura necessaacuteria para a
execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede que se propotildee a realizar seja pelas priorizaccedilotildees
constitucionais ou pelas poliacuteticas puacuteblicas idealizadas e em andamento apresenta-se portanto
como o ponto nevraacutelgico da celeuma com relaccedilatildeo a falta de efetividade do direito agrave sauacutede
visto que o oferecimento desse miacutenimo aparato eacute o ponto de partida imprescindiacutevel para a
fruiccedilatildeo desse direito social pelos cidadatildeos
Explicando melhor imagine-se por exemplo o direito agrave educaccedilatildeo cujo miacutenimo
existencial eacute mais facilmente delimitado na Constituiccedilatildeo261
Natildeo faz sentido especificar quais
prestaccedilotildees estatildeo incluiacutedas em tal miacutenimo sem observar que alguns instrumentos satildeo condiccedilotildees
imprescindiacuteveis para a proacutepria existecircncia das respectivas prestaccedilotildees Nesse contexto
questiona-se do que adianta a Constituiccedilatildeo (art 208 sect1deg) dispor que o acesso ao ensino
obrigatoacuterio e gratuito eacute direito puacuteblico subjetivo se natildeo forem construiacutedas escolas Se natildeo
261
Enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute somente na legislaccedilatildeo infraconstitucional (art 2deg sect1deg da Lei do SUS) que
seraacute encontrado o comando normativo que especifica ainda que de maneira geral qual o dever estatal quanto a
esse direito no que se refere agrave educaccedilatildeo o proacuteprio texto constitucional delimita tal dever no art 208 facilitando
a construccedilatildeo do miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave educaccedilatildeo
123
forem contratados professores capacitados Se natildeo for disponibilizado o aporte necessaacuterio
para a fruiccedilatildeo desse direito (quadro giz computadores material didaacutetico transporte por
exemplo)
A resposta em que pese parecer oacutebvia circunda sobre uma das grandes problemaacuteticas
do direito em questatildeo que eacute a falta de uma primaacuteria estruturaccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo Os
instrumentos citados satildeo desta maneira elementares para a construccedilatildeo e maximizaccedilatildeo do
miacutenimo para a educaccedilatildeo
Aplicando o raciociacutenio acima para o direito agrave sauacutede a situaccedilatildeo natildeo eacute muito diferente
Do que adianta interpretar a Constituiccedilatildeo de modo a incluir o atendimento materno-infantil
que engloba o acompanhamento preacute e poacutes-natal da gestante e da crianccedila como prestaccedilatildeo
iacutensita ao miacutenimo existencial em sauacutede se natildeo existirem maternidades puacuteblicas minimamente
estruturadas com profissionais especializados bem como equipamentos e medicamentos
imprescindiacuteveis para tal262
A outra conclusatildeo natildeo se pode chegar eacute inoacutecuo se falar em miacutenimo existencial se o
primeiro passo nem sequer foi dado de maneira eficiente Desta maneira pode-se afirmar ser
verdadeira conditio sine qua non e elemento fundamental de um miacutenimo existencial do direito
agrave sauacutede a preacutevia existecircncia de infraestrutura baacutesica apta a disponibilizar de maneira eficiente
para uma determinada localidade tanto as prestaccedilotildees fundamentais incluiacutedas em tal miacutenimo
como as objetivamente previstas e compromissadas nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento
tudo isso de maneira igualitaacuteria e eficaz263
Assim a mora do Poder Puacuteblico em disponibilizar o aparato faacutetico suficiente para a
fruiccedilatildeo do miacutenimo relativo ao direito agrave sauacutede mais do que qualquer outra forma de agressatildeo a
tal direito consiste em flagrante aviltamento a dignidade da pessoa humana vez que a
omissatildeo em questatildeo tem o condatildeo de cortar a raiz do nuacutecleo que foi compromissado
constitucionalmente
262
Veja-se por exemplo o teor das seguintes mateacuterias jornalistas as quais demonstram clara afronta ao miacutenimo
existencial do direito agrave sauacutede afronta esta cristalizada em grave omissatildeo do Poder Puacuteblico que natildeo pode ser
tolerada devendo ser corrigida pelo Poder judiciaacuterio httpwwwriograndedonortenet20120914unico-
hospital-municipal-de-natal-fecha-portas-e-nao-admite-pacientes e
httptvuoluolcombrassistirhtmvideo=falta-de-maternidades-gera-caos-na-saude-publica-no-rn-
04024D193272E4A10326 Acessado em 14062013 263
Eacute importante deixar clara a abrangecircncia desse elemento instrumental do miacutenimo existencial especiacutefico para a
sauacutede Veja soacute o raciociacutenio natildeo eacute o de que o Estado deve ter sempre a infraestrutura necessaacuteria para
invariavelmente atender toda a populaccedilatildeo de determinada regiatildeo Na verdade a ideia eacute a de que quando as
poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de afericcedilatildeo de sua eficiecircncia que se
baseiam em estimativas acerca do que minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente
apta a atingir seus objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de
leitos a cada tantos bdquoy‟ habitantes) que inclui-se no miacutenimo instrumental
124
Contudo alguns esclarecimentos satildeo importantes para se entender melhor a
abrangecircncia dessa proposta de inclusatildeo de uma eficiente miacutenima estruturaccedilatildeo como integrante
do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede Como foi dito anteriormente tal componente
funciona natildeo soacute como item basilar desse miacutenimo existencial mas tambeacutem como interface de
abertura apta a possibilitar a progressiva ampliaccedilatildeo desse miacutenimo e a percepccedilatildeo desse caraacuteter
dual exige a compreensatildeo de algumas premissas
Como visto a ideia de miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede propugnada por Ana
Paula de Barcellos (que aqui se tenta aperfeiccediloar) fundamentou-se na identificaccedilatildeo dos pontos
prioritaacuterios constitucionalmente traccedilados para esse direito para daiacute concluir que os serviccedilo de
saneamento atendimento materno-infantil accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo
epidemioloacutegicas formariam um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado natildeo pode se negar a
prestar e que o argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode sequer ser levantado jaacute que tal
miacutenimo funciona como regra e natildeo pode ser ponderado com outros aspectos (especialmente
os de cunho orccedilamentaacuterio)
Pois bem da mesma maneira o efeito principal da inclusatildeo desse elemento
instrumental aqui defendida eacute exatamente a impossibilidade de poder ser levada em
consideraccedilatildeo a alegaccedilatildeo estatal da reserva do possiacutevel jaacute que como incluso no miacutenimo
existencial tal elemento funciona como regra que deve ser cumprida pelo Estado Contudo
existe um aspecto primordial na investigaccedilatildeo desse elemento que eacute a necessidade de se dividir
o mesmo em dois grupos i infraestrutura necessaacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos demais elementos
materiais do miacutenimo existencial e ii infraestrutura necessaacuteria para a concretizaccedilatildeo de accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede natildeo ligados diretamente agraves prioridades constitucionais mas iacutensitas agraves
poliacuteticas puacuteblicas compromissadas no acircmbito do SUS
Nesse ponto a atenccedilatildeo precisa ser redobrada e a utilizaccedilatildeo de exemplos facilita a
elucidaccedilatildeo da proposiccedilatildeo Imagine-se que uma mulher graacutevida procure um posto de sauacutede
para fazer seu acompanhamento preacute-natal e chegando ao local natildeo lhe seja oportunizado
atendimento sendo informado que natildeo existe nem mesmo previsatildeo para a mesma ser atendida
jaacute que faltam meacutedicos pessoal de apoio e equipamentos baacutesicos para a realizaccedilatildeo dos
procedimentos necessaacuterios
Se vislumbra em tal situaccedilatildeo que a garantia deste elemento material (atendimento
materno-infantil) do miacutenimo existencial em sauacutede natildeo se concretizou primordialmente pela
inexistecircncia de um dever baacutesico do Estado que eacute exatamente a disponibilizaccedilatildeo do elemento
instrumental do miacutenimo existencial Nesse caso o Judiciaacuterio constatando tal omissatildeo deve
condenar o Poder Puacuteblico a realizar os procedimentos necessaacuterios nem que para isso o
125
mesmo tenha que utilizar aos seus custos instituiccedilotildees privadas equivalentes na regiatildeo ateacute que
o problema seja solucionado com a devida disponibilizaccedilatildeo na referida aacuterea da miacutenima
estrutura projetada pelo Estado para abranger a populaccedilatildeo da localidade em questatildeo
Noutro poacutertico caso seja alcanccedilada empiricamente a comprovaccedilatildeo da recalcitracircncia do
Poder Puacuteblico em cumprir o elemento instrumental do miacutenimo em sauacutede264
poderaacute o
Ministeacuterio Puacuteblico pela via coletiva pleitear judicialmente que essa falha seja suprida a partir
da seguinte alternativa a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a
cumprir esse miacutenimo instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal
omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental
da maneira que o mesmo encontrar como por exemplo a partir da formaccedilatildeo de convecircnios265
com hospitais privados equivalentes que pagos pelo Poder Puacuteblico disponibilizaratildeo o aparato
suficiente para se alcanccedilar o miacutenimo em infraestrutura previamente estimado
Ocorre que pelo fato de a situaccedilatildeo acima explicitada envolver uma prestaccedilatildeo
prioritaacuteria e inclusa materialmente no miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede o
raciociacutenio para a soluccedilatildeo deste problema deve ser estratificado da seguinte maneira as
prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial (material) do direito agrave sauacutede satildeo prioridades
constitucionais que devem ser prestadas sempre pelo Estado como autecircnticos direitos dos
cidadatildeos e portanto o cumprimento do elemento instrumental (disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura miacutenima para a realizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos tanto incluiacutedas nas poliacuteticas
puacuteblicas como no miacutenimo existencial material em sauacutede) por si soacute natildeo seria suficiente para
afastar a obrigaccedilatildeo estatal de prestar tal accedilatildeo ou serviccedilo da maneira que fosse possiacutevel
Desta forma ainda que no exemplo apontado o Estado estivesse quite com a miacutenima
infraestrutura compromissada para a prestaccedilatildeo em questatildeo ou seja que existissem meacutedicos
leitos e equipamentos em nuacutemero que respeite o miacutenimo pactuado para o atendimento
materno-infantil e ainda assim tal atendimento natildeo fosse prestado (pelo motivo que seja
superlotaccedilatildeo imprevista desiacutedia dos profissionais contratados equipamentos danificados e
ainda natildeo repostos por exemplo) em que pese o elemento instrumental ter sido cumprido a
natildeo garantia praacutetica do elemento material em questatildeo por si soacute eacute suficiente para respaldar a
determinaccedilatildeo da obrigaccedilatildeo estatal em cumprir com o atendimento
264
Seja pela proacutepria fiscalizaccedilatildeo do cumprimento dos paracircmetros e metas preacute-estabelecidas nas poliacuteticas que
norteiam as accedilotildees e serviccedilos a serem prestados seja pela constataccedilatildeo de grande nuacutemero de condenaccedilotildees
individuais que atestem tal omissatildeo estatal 265
A Lei do SUS dispotildee que ldquoquando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura
assistencial agrave populaccedilatildeo de uma determinada aacuterea o Sistema uacutenico de Sauacutede (SUS) poderaacute recorrer aos serviccedilos
ofertados pela iniciativa privadardquo (art 24 caput) e que ldquoa participaccedilatildeo complementar dos serviccedilos privados seraacute
formalizada mediante contrato ou convecircnio observadas a respeito as normas de direito puacuteblicordquo (art 24
paraacutegrafo uacutenico)
126
Diferente contudo eacute a situaccedilatildeo de um cidadatildeo se dirigir a um posto de sauacutede visando
ao tratamento de doenccedilas ou cuidados com atenccedilatildeo baacutesica em princiacutepio externos ao miacutenimo
existencial em sauacutede mas inclusos nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento ndash autecircnticos
compromissos firmados pelo Poder Puacuteblico em fazer cumprir o direito agrave sauacutede previsto na CF
e no arcabouccedilo legislativo infraconstitucional
Nessas situaccedilotildees em caso de ser impossibilitado o referido atendimento no
enfrentamento judicial da questatildeo o magistrado deve inicialmente investigar se o miacutenimo em
infraestrutura previsto para a realizaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em andamento estaacute sendo
efetivamente cumprido de maneira eficiente e regular e a partir da conclusatildeo dessa
perquiriccedilatildeo dois caminhos podem ser trilhados
Caso identificado o desrespeito a esse miacutenimo estrutural haveraacute uma consequente
afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede e nesse caso o Estado natildeo poderaacute alegar o postulado
da reserva do possiacutevel Isso acontece pois como visto por um criteacuterio de coerecircncia loacutegica
em que pese o Estado natildeo ser um garantidor universal de sauacutede puacuteblica quando o mesmo se
propotildee a cumprir determinada poliacutetica puacuteblica em sauacutede tal poliacutetica nasce a partir de uma
instrumentalizaccedilatildeo que elenca obrigaccedilotildees estruturais miacutenimas para o cumprimento eficiente
do que o Estado estaacute se comprometendo a disponibilizar para o cidadatildeo
Daiacute ser coerente concluir que a omissatildeo estatal em propiciar sequer esse miacutenimo aleacutem
de comprometer a proacutepria concretude da poliacutetica puacuteblica em si e evidenciar o desvirtuamento
das verbas previstas para a consecuccedilatildeo dos seus fins termina por gerar falsas expectativas
para os cidadatildeos instaurando um quadro de frustraccedilatildeo apto a ser enquadrado como autecircntica
afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede pela falha em seu elemento instrumental
Nesse caso defende-se que o Judiciaacuterio diante de uma demanda individual poderaacute i
reconhecer a afronta ao aspecto instrumental do miacutenimo existencial alertando para o fato de
que natildeo eacute cabiacutevel a alegaccedilatildeo da reserva do possiacutevel quanto a essa grave falha jaacute que quando
se idealizou a poliacutetica em questatildeo previu-se orccedilamento para o aparelhamento miacutenimo
suficiente para sua concretizaccedilatildeo ii assentar que frente a esta grave falha surge uma espeacutecie
de presunccedilatildeo em favor do demandante o qual deveraacute ter seu pleito concedido e iii alertar
que eacute dever do Estado corrigir tal omissatildeo quanto a essa estruturaccedilatildeo miacutenima advertindo que
enquanto natildeo for feita tal correccedilatildeo o direito da sauacutede da coletividade da regiatildeo em questatildeo
estaraacute sendo afrontado
Por outro lado caso constatado que o Estado encontra-se quite com os padrotildees
miacutenimos estruturais previstos para a execuccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica que se propocircs o magistrado
deveraacute considerar os possiacuteveis argumentos levantados em juiacutezo e aplicando a teacutecnica da
127
ponderaccedilatildeo iraacute analisar os aspectos inerentes sobretudo agrave isonomia razoabilidade do pedido
e reserva do possiacutevel para emitir sua decisatildeo
Ainda no mesmo exemplo (pleito de uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial da
sauacutede mas inserido em uma poliacutetica puacuteblica do governo em andamento) faz-se relevante
analisar os desdobramentos no caso das demandas coletivas
Nesse ponto defende-se que sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e as respectivas
associaccedilotildees devem fiscalizar se os serviccedilos disponibilizados para a populaccedilatildeo de determinada
localidade estatildeo sendo oferecidos de forma perene e na quantidade e qualidade consentacircneas
com o previsto nas poliacuteticas puacuteblicas que o os projetaram fiscalizaccedilatildeo esta portanto que
passa inevitavelmente pela perquiriccedilatildeo acerca da proporcionalidade entre a demanda estimada
da populaccedilatildeo por sauacutede e a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para a execuccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas compromissadas
Sendo constatada qualquer disparidade entre a realidade faacutetica e os pilares miacutenimos
firmados em tais poliacuteticas poderaacute ser pleiteada coletivamente a correccedilatildeo de tal distorccedilatildeo a
partir da soluccedilatildeo apresentada anteriormente266
como forma de ser garantido o elemento
instrumental do miacutenimo existencial da sauacutede
Finalmente uma uacuteltima hipoacutetese seria o caso de um cidadatildeo pleitear uma prestaccedilatildeo de
sauacutede natildeo inclusa no miacutenimo existencial nem mesmo constante nas poliacuteticas puacuteblicas em
vigor no paiacutes como satildeo por exemplo os casos extremos de doenccedilas raras em que se pleiteia a
concessatildeo de medicamentos de alto custo importados e ainda natildeo constantes nas listas do
SUS
Em tais casos defende-se que em princiacutepio deve ser afastada a possibilidade de
intervenccedilatildeo judicial sendo certo contudo que a depender das circunstacircncias do caso
concreto aplicando-se a ponderaccedilatildeo entre os bens em conflito possa ser alcanccedilada
excepcionalmente uma soluccedilatildeo harmocircnica que garanta a sauacutede do indiviacuteduo e ao mesmo
tempo natildeo comprometa as poliacuteticas puacuteblicas em andamento que visam resguardar a sauacutede do
resto da populaccedilatildeo267
266
Relembrando a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a cumprir esse miacutenimo
instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do
dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental a partir da formaccedilatildeo de convecircnios com hospitais privados
equivalentes e pagos pelo Poder Puacuteblico 267
Na mesma linha de pensamento no julgamento da Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 408480 realizado pela 8deg Turma
Especializada do TRF 2deg Regiatildeo relatoria do Des Marcelo Pereira (DJU de 110808 p 176) assentou-se que
ldquoa melhor doutrina orienta que em se tratando de direito agrave sauacutede apenas as prestaccedilotildees que compotildeem o assim
denominado bdquomiacutenimo existencial‟ e aquelas que configurem opccedilotildees poliacuteticas juridicizadas dos poderes
constituiacutedos poderiam ser objeto de condenaccedilatildeo dos entes puacuteblicos a implementaacute-las em prazo determinadordquo
128
Nessas situaccedilotildees extremas em que pese a dificuldade do magistrado ndash jaacute abordada ndash
em lidar com a carga de responsabilidade humanitaacuteria que sua decisatildeo pode representar eacute
certo que o exame de proporcionalidade a ser empregado natildeo deve ser calcado na
interpretaccedilatildeo automaacutetica de sauacutede como sinocircnimo de direito agrave vida visto que tal estrateacutegia
natildeo soacute tem o condatildeo de comprometer o proacuteprio funcionamento da rede do SUS como tambeacutem
acaba tendendo para o posicionamento do Estado como um garantidor universal e esvaziando
a problemaacutetica
Desta forma deve o magistrado empreender a difiacutecil tarefa de levantar os olhos para a
sauacutede como um todo considerando os reflexos que essa decisatildeo poderaacute acarretar para a sauacutede
e dignidade do resto da populaccedilatildeo O enfretamento da situaccedilatildeo deve portanto se preocupar
com a macro-justiccedila levando em consideraccedilatildeo a possibilidade de o Estado poder
eventualmente incluir tal demanda em suas poliacuteticas puacuteblicas e poder proporcionaacute-la
igualmente a todos que se encontrem naquela situaccedilatildeo sem que reste comprometida a garantia
de proteccedilatildeo da sauacutede das demais pessoas ndash isso tudo visando a afastar os efeitos colaterais
possiacuteveis jaacute anteriormente tratados268
A partir das situaccedilotildees assentadas vislumbra-se que a inclusatildeo do denominado
elemento instrumental (respeito agrave previsatildeo de aparato de infraestrutura miacutenimo a ser
disponibilizado para as accedilotildees e serviccedilos compromissados) no miacutenimo existencial do direito agrave
sauacutede se por um lado natildeo soluciona definitivamente a problemaacutetica da efetividade do direito
agrave sauacutede por outro consiste em importante mecanismo para o avanccedilo da concretizaccedilatildeo desse
direito visto que atua diretamente na raiz do principal problema da sauacutede puacuteblica no paiacutes que
eacute exatamente as peacutessimas condiccedilotildees de infraestrutura baacutesica condiccedilotildees estas que conforme
se veraacute adiante na maioria das vezes refletem uma realidade totalmente dissonante da
projetada e compromissada nas poliacuteticas puacuteblicas
Eacute exatamente na noccedilatildeo acima aclarada que reside a outra faceta desse elemento
instrumental como espeacutecie de portal de abertura que proporcionaraacute a almejada ampliaccedilatildeo
progressiva desse miacutenimo Isso porque o cumprimento desse elemento instrumental eacute calcado
268
Corroborando com esse raciociacutenio nas decisotildees mais recentes sobre direito agrave sauacutede no STF (SL 228 STA
238 268 e 277) todas de lavra do Ministro Gilmar Mendes caminhou-se no sentido de que a garantia judicial da
prestaccedilatildeo individual de sauacutede prima facie estaria condicionada ao natildeo comprometimento do funcionamento do
SUS natildeo havendo interferecircncia indevida quando a ordem judicial termina por deferir prestaccedilatildeo de sauacutede jaacute
prevista no SUS Por outro lado quando o pedido estivesse fora das poliacuteticas puacuteblicas seria possiacutevel ponderar o
objeto do pedido com a capacidade do SUS de arcar com as despesas da parte mas tambeacutem com as despesas de
todos os outros cidadatildeo que se encontrem em situaccedilatildeo idecircntica WANG Daniel Wei Liang Escassez de
recursos custos dos direitos e reserva do possiacutevel na jurisprudecircncia do STF In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 358
129
por um dinamismo que garante a elasticidade do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede jaacute que
pontualmente novas prestaccedilotildees em sauacutede podem acabar se revestindo da proteccedilatildeo dada agraves
prestaccedilotildees materiais prioritaacuterias incluiacutedas no miacutenimo em sauacutede antes elencados
Explicando melhor jaacute foi visto que toda vez que o Judiciaacuterio enfrentando uma
situaccedilatildeo em que se exige uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial em sauacutede poreacutem inclusa
em uma poliacutetica puacuteblica acabar constatando o descumprimento do miacutenimo de infraestrutura
previsto para a realizaccedilatildeo da referida poliacutetica nasceraacute uma presunccedilatildeo em favor cidadatildeo no
sentido de ter a prestaccedilatildeo daquela poliacutetica realizada natildeo sendo possiacutevel o Estado alegar
reserva do possiacutevel nesses casos
Pois bem infere-se desse raciociacutenio que a partir da necessidade de se respeitar esse
elemento instrumental diversas prestaccedilotildees materiais poderatildeo ser alcanccediladas judicialmente
sem que se discuta reserva do possiacutevel frente agrave presunccedilatildeo que nasce em favor do cidadatildeo de
ter direito agrave prestaccedilatildeo pleiteada jaacute que o Estado natildeo cumpre nem o que minimamente foi
planejado e projetado quando da elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em questatildeo
Desta maneira em que pese natildeo significar o automaacutetico acoplamento dessas novas e
indefinidas prestaccedilotildees (variaacuteveis conforme o caso concreto) ao grupo dos elementos materiais
do miacutenimo existencial em sauacutede o dever de corrigir o descumprimento do elemento
instrumental tem o condatildeo de conferir um tratamento de miacutenimo existencial a novas
prestaccedilotildees pelo menos de forma indireta jaacute que na praacutetica a falha estatal nesse ponto
funciona como uma espeacutecie de confissatildeo de sua ineficiecircncia daiacute se falar em dinamismo desse
elemento instrumental apto a contribuir para uma ampliaccedilatildeo progressiva do miacutenimo
existencial material
Nesse sentido aleacutem de elasticamente permitir uma ampliaccedilatildeo indireta das prestaccedilotildees
materiais tratadas como miacutenimo existencial em sauacutede a sistemaacutetica acima funciona como
importante ferramenta para a identificaccedilatildeo das prioridades em sauacutede da populaccedilatildeo jaacute que o
exame das diversas demandas judiciais na temaacutetica do direito agrave sauacutede poderaacute identificar onde
exatamente o Estado mais falha com a populaccedilatildeo podendo-se conferir assim uma roupagem
de prioridade em sauacutede a novas prestaccedilotildees natildeo advinda diretamente da Constituiccedilatildeo mas da
realidade faacutetica
Do afirmado acima jaacute se pode alcanccedilar uma importante constataccedilatildeo qual seja a noccedilatildeo
de que o manto da discricionariedade na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas natildeo pode ser
tido como uma maacutexima absoluta jaacute que quando tais poliacuteticas satildeo elaboradas o proacuteprio Poder
Puacuteblico estratifica documentalmente o que minimamente deve ser disponibilizado e quais
metas se incluem naquela poliacutetica sendo assim de suma importacircncia o controle fiscalizaccedilatildeo
130
e acompanhamento do fiel cumprimento dos compromissos sinalizados em tais poliacuteticas como
forma de averiguar a eficiecircncia das mesmas e o respeito agrave concretizaccedilatildeo praacutetica do direito agrave
sauacutede
Dito isto eacute relevante se ter em mente que satildeo situaccedilotildees completamente distintas a
hipoacutetese de intromissatildeo judicial em poliacuteticas puacuteblicas a partir da invasatildeo do campo de
discricionariedade que eacute iacutensito ao Executivo com a imposiccedilatildeo de modificaccedilotildees em tais
poliacuteticas ndash ou ateacute mesmo a ocorrecircncia de implementaccedilatildeo de poliacuteticas pelo proacuteprio Judiciaacuterio ndash
da hipoacutetese de o Judiciaacuterio poder aferir se os compromissos miacutenimos firmados estatildeo sendo
cumpridos especialmente relacionados agrave infraestrutura miacutenima pactuada e
consequentemente se os valores direcionados para tais fins estatildeo sendo corretamente
aplicados
Conclui-se que o escopo chave da inclusatildeo desse elemento instrumental no miacutenimo
existencial do direito agrave sauacutede eacute o de sugerir uma linha de orientaccedilatildeo concreta que
funcionando como um criteacuterio valioso para o Judiciaacuterio facilite o enfrentamento da
problemaacutetica da falta de efetividade desse relevante direito social amenizando assim os
possiacuteveis efeitos colaterais (jaacute tratados) marcantes em decisotildees que preocupadas apenas com
a micro-justiccedila do caso concreto terminam por comprometer o direito agrave sauacutede quando
pensado de maneira coletiva
Nesse sentido em que pese agrave proposta acima delineada parecer complexa eacute certo que
sua viabilidade poderaacute ser alcanccedilada a partir da consolidaccedilatildeo de uma cultura calcada no
conhecimento preacutevio das metas que satildeo estimadas no acircmbito da legislaccedilatildeo do SUS e nesse
contexto conforme se veraacute melhor a seguir eacute inequiacutevoco que existem previsotildees que
especificam a obrigaccedilatildeo de se disponibilizar infraestrutura miacutenima a partir de paracircmetros
objetivos como por exemplo a quantidade miacutenima de meacutedicos leitos em hospitais
equipamentos etc
Importante reforccedilar ainda que as determinaccedilotildees judiciais que comprovadamente
apontarem para a ineficiecircncia e aplicaccedilatildeo inconstitucional da verba destinada para a sauacutede
puacuteblica devem ser acompanhadas da consequente apuraccedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo das
autoridades e gestores envolvidos em tais atos de negligecircncia e afronta ao direito agrave sauacutede269
Concluindo se por um lado admite-se que a concretizaccedilatildeo praacutetica de tal medida eacute
algo complexo por outro natildeo haacute duacutevida de que a mesma aleacutem de funcionar como importante
269
Corroborando com esse pensamento o art 52 da Lei do SUS leciona que ldquosem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees
cabiacuteveis constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas puacuteblicas (Coacutedigo Penal art 315) a utilizaccedilatildeo
de recursos financeiros do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta leirdquo
131
instrumento no combate da ineficiecircncia do direito agrave sauacutede carrega em sua essecircncia um
importante efeito moralizador dirigido aos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de que
os mesmos corrijam as distorccedilotildees geradas por suas accedilotildees (ou inaccedilotildees) evitando-se que os
seguidos erros se tornem recorrentes
Para fechar a contribuiccedilatildeo da presente pesquisa na construccedilatildeo do miacutenimo existencial
em espeacutecie para o direito agrave sauacutede natildeo se pode avanccedilar sem abordar o ponto central da
argumentaccedilatildeo levantada que eacute exatamente a existecircncia de paracircmetros para se aferir a
eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede especialmente o respeito ao miacutenimo estimado para
a viabilizaccedilatildeo das mesmas A identificaccedilatildeo dos documentos que veiculam tais paracircmetros eacute
portanto o objeto do toacutepico que se segue
53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS
PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO A ESSE DIREITO
Conforme jaacute adiantado no capiacutetulo segundo a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil
estaacute assentada em diversos dispositivos da CF de 1988 bem como na regulamentaccedilatildeo trazida
tanto pela Lei Federal nordm 808090 quanto pela Lei Federal 814290 destacando-se tambeacutem
a recente Lei Complementar Federal nordm 1412012
Todavia tais normas por serem gerais e abstratas natildeo constituem instrumentos haacutebeis
a especificar tatildeo detalhadamente como seraacute estruturada a garantia do direito agrave sauacutede uma vez
que diversos fatores podem influenciar a forma com que essa garantia se procederaacute e
portanto pela dinamicidade inerente a esse processo satildeo algumas normas de menor
hierarquia que melhor apresentam as minuacutecias das poliacuteticas que buscaratildeo efetivar tanto a
legislaccedilatildeo acima apontada como a proacutepria Constituiccedilatildeo
Desta maneira haacute um caminho loacutegico a ser seguido e respeitado o qual engloba
diferentes niacuteveis do raio de abrangecircncia da proteccedilatildeo e garantia do direito agrave sauacutede Veja-se
i em primeiro lugar a Carta Maior prevecirc
i1 que o direito agrave sauacutede deveraacute ser garantido mediante poliacuteticas sociais e
econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedilas e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo
132
i2 que cabe ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre a
regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede as quais
integram uma rede regionalizada e hierarquizada constituindo um sistema
uacutenico
ii em segundo lugar a Lei Federal nordm 808090 dispotildee de maneira geral sobre
as condiccedilotildees para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo
e o funcionamento dos serviccedilos correspondentes trazendo diretrizes e
principais objetivos a serem seguidos pelo SUS e
ii em terceiro lugar a Lei Federal nordm 814290 e a Lei Complementar Federal nordm
1412012 apresentam respectivamente disposiccedilotildees de suma relevacircncia sobre
a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS e as transferecircncias
intergovernamentais de recursos na aacuterea de sauacutede bem como sobre os criteacuterios
de rateio dos recursos para a sauacutede e normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e
controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferas de governo
Esse terceiro momento trata de situaccedilotildees especiacuteficas (e natildeo menos relevantes) cuja
anaacutelise se daraacute mais a frente Contudo no que se refere aos dois primeiros eacute certo que nasce
do exame dos mesmos a difiacutecil missatildeo de se extrair de maneira segura os paracircmetros que
delimitam quais as prestaccedilotildees em sauacutede que se cristalizam efetivamente como dever do
Poder Puacuteblico
A complexidade inerente a esse processo reside em dois aspectos jaacute pincelados ao
longo da presente pesquisa a dificuldade praacutetica de uma norma geral e abstrata apresentar
nuances de uma situaccedilatildeo que envolve inuacutemeras condicionantes e que necessita de alteraccedilotildees e
adaptaccedilotildees com grande frequecircncia bem como o fato de que a teacutecnica legislativa utilizada na
elaboraccedilatildeo dos dispositivos ligados agrave sauacutede constantes nesses dois niacuteveis (CF de 1988 e ldquoLei
do SUSrdquo) privilegia uma linha mais programaacutetica abraccedilando-se em diretrizes e princiacutepios
sem comprometer o Poder Puacuteblico de maneira muito especiacutefica Em suma prestigiam-se fins
a serem alcanccedilados mas natildeo satildeo dadas muitas pistas de como se chegar eficientemente aos
mesmos
Partindo das premissas postas defende-se o aprofundamento e maior divulgaccedilatildeo do
por assim dizer quarto niacutevel de normas protetivas do direito agrave sauacutede niacutevel este que se inicia
pelo conhecimento do quadro geral das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede abarcadas no acircmbito do
SUS e dos instrumentos legislativos sobretudo decretos e portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
que as norteiam
133
Nesse contexto a exata compreensatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do SUS eacute
primordial para a delimitaccedilatildeo desse niacutevel o que exige primeiro um maior detalhamento
quanto algumas especificidades da denominada ldquoLei do SUSrdquo
Segundo a Lei Federal nordm 808090 o dever do Estado de garantir a sauacutede se
materializa pela formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e pelo estabelecimento de
condiccedilotildees que assegurem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos constantes em
tais poliacuteticas constituindo o que se chama de SUS exatamente o conjunto dessas accedilotildees e
serviccedilos
Mais adiante satildeo elencados os objetivos e atribuiccedilotildees do SUS e nesse momento as
ldquodicasrdquo sobre o que pode ser exigido em sauacutede apesar de ainda natildeo tatildeo claras satildeo mais
palpaacuteveis jaacute que haacute previsatildeo no sentido de encontrar-se no campo de atuaccedilatildeo do SUS a
execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica de sauacutede do trabalhador e de
assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica
Quanto a este uacuteltimo elemento algumas observaccedilotildees natildeo podem deixar de serem
feitas Nesse contexto eacute imperioso ressaltar que recente e importante alteraccedilatildeo na Lei do
SUS instituiacuteda pela Lei Federal nordm 124012011 veio a incluir o capiacutetulo VIII (Da assistecircncia
terapecircutica e da incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede) que especifica a abrangecircncia do termo
assistecircncia terapecircutica e arrola paracircmetros para os casos de concessatildeo de medicamentos270
Nesse ponto resta esclarecido pela proacutepria ldquoLei do SUSrdquo (art 19-M) que a assistecircncia
terapecircutica integral abrange a disponibilizaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para
a sauacutede e a oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar ambulatorial e
hospitalar mas tudo isso conforme as diretrizes previamente definidas em protocolos cliacutenicos
e tabelas elaboradas no acircmbito do SUS271
270
Sobre a questatildeo da disponibilizaccedilatildeo de medicamentos por parte do Estado merece destaque a pesquisa
desenvolvida por Paul Hunt e Rajat Khosla que encara o acesso a medicamentos como um autecircntico direito
humano ao passo que ldquoos estados devem fazer todo o possiacutevel para assegurar que os medicamentos existentes
sejam disponibilizados em quantidade suficientes dentro do acircmbito de suas jurisdiccedilotildees Por exemplo eles
provavelmente teratildeo que utilizar alguns dos mecanismos de flexibilidaccedilatildeo da propriedade intelectual previstos
no Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comeacutercio (conhecido como
TRIPS) promulgando e aplicando leis internas que permitam a licenccedila compulsoacuteria Dessa maneira os Estados
assegurariam a disponibilidade de medicamentos em quantidade adequadas dentro de suas jurisdiccedilotildeesrdquo HUNT
Paul KHOSLA Rajat Acesso a medicamentos como um direito humano (trad Thiago Amparo) In Revista
Internacional de Direitos Humanos v5 n8 Satildeo Pulo jun 2008 p 104 271
Neste ponto depreende-se da leitura dos arts 19-N 19-O e 19-P que os protocolos cliacutenicos (documento que
estabelece criteacuterios para o diagnoacutestico de doenccedilas o tratamento medicamento posologia e mecanismo de
controle cliacutenico) e as diretrizes terapecircuticas devem estabelecer os medicamentos necessaacuterios nas diferentes fases
evolutivas da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede e na falta dos mesmos a dispensaccedilatildeo de medicamentos deve ser
realizada com base nas relaccedilotildees de medicamentos instituiacutedas pelo gestor federal do SUS observada a
responsabilidade pelo fornecimento pactuada na Comissatildeo Intergestores Tripartite
134
Avanccedilou-se ainda na soluccedilatildeo referente agrave celeuma quanto a dificuldade de se
estabelecer a responsabilidade financeira do fornecimento de tais medicamentos produtos
para a sauacutede ou procedimentos ao passo que no art 19-U esclareceu-se que tal
responsabilidade seraacute pactuada no acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite que envolve os
gestores dos trecircs niacuteveis federativos o que denota a importacircncia da ampla publicidade e
conhecimento dos atos dessa comissatildeo
Desta maneira constata-se que a recente alteraccedilatildeo legislativa significou um importante
passo para a soluccedilatildeo da problemaacutetica enfrentada nas demandas judiciais em que se pleiteia
medicamentos jaacute que haacute um maior esclarecimento em lei de paracircmetros a serem seguidos
pelo magistrado na busca pela soluccedilatildeo dos referidos casos tanto com relaccedilatildeo a
responsabilidade de cada ente quanto aos medicamentos que especificamente podem ser
pleiteados judicialmente
Fechando este parecircntese quanto aos medicamentos e seguindo na perquiriccedilatildeo dos
destaques da Lei do SUS que auxiliam na delimitaccedilatildeo das obrigaccedilotildees estatais em sauacutede tem-
se que no capiacutetulo referente aos princiacutepios do SUS elencados no art 7deg surgem as
importantes noccedilotildees de universalidade de acesso aos serviccedilos em todos os niacuteveis de assistecircncia
e de integralidade compreendida como conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos
preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de
complexidade do sistema noccedilotildees estas que funcionam como norte na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas
especiacuteficas em sauacutede puacuteblica
Mais a frente no rol das competecircncias da direccedilatildeo nacional e estadual do SUS (art 16
XI e art 17 IX) identifica-se a importante atribuiccedilatildeo de serem especificados os serviccedilos
estaduais e municipais de referecircncia nacional para o estabelecimento de padrotildees teacutecnicos de
assistecircncia agrave sauacutede aleacutem do dever da direccedilatildeo municipal de dar execuccedilatildeo agrave poliacutetica de insumos
e equipamentos para a sauacutede deixando claro o teor de tais disposiccedilotildees que ao proacuteprio SUS
cabe a tarefa de especificar certos padrotildees e metas a serem atingidas as quais serviratildeo para
atestar a viabilidade e eficiecircncia das poliacuteticas que vierem a ser executadas
Finalmente no capiacutetulo referente ao planejamento e orccedilamento do SUS eacute destacado
(arts 36 e 37) que os planos de sauacutede constituem os instrumentos-base das atividades e
programaccedilotildees de cada niacutevel de direccedilatildeo do SUS com financiamento previsto na respectiva
proposta orccedilamentaacuteria devendo as accedilotildees neles previstas passar necessariamente pelo crivo
oacutergatildeos deliberativos compatibilizando-se as necessidades da poliacutetica de sauacutede com a
disponibilidade de recursos
135
Da anaacutelise da Lei do SUS portanto se conclui que em que pese a referida lei ser clara
em apresentar um dever estatal para com a sauacutede este natildeo se encontra perfeitamente
delimitado jaacute que as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico em sua
maioria iratildeo depender de documentos que especifiquem o planejamento da sauacutede que estaacute em
andamento e quais accedilotildees e serviccedilos estatildeo abrangidas em tal plano
Nesse ponto importantiacutessimo passo foi dado com a promulgaccedilatildeo do Decreto nordm
750811 que regulamentando a Lei do SUS trouxe contribuiccedilotildees chaves sobre a organizaccedilatildeo
do SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa na
mateacuteria Eacute exatamente a anaacutelise desse importante instrumento que se faraacute a seguir
531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 750811 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees miacutenimas
em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico
Com vistas a fazer valer a necessidade de regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo da rede de
serviccedilos de sauacutede previstos na Lei do SUS o decreto em exame apresenta importantes
disposiccedilotildees que devem ser familiares ao dia a dia da sociedade (especialmente dos
representantes dos usuaacuterios nos Conselhos de Sauacutede) do Poder Judiciaacuterio e dos entes de
fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e os Tribunais de Contas)
Da anaacutelise dos diversos conceitos encontrados no aludido decreto depreende-se que a
loacutegica estrutural do SUS incentiva a formaccedilatildeo de regiotildees de sauacutede (espaccedilos geograacuteficos
contiacutenuos constituiacutedos por agrupamentos de municiacutepios limiacutetrofes272
) como forma de melhor
organizar o planejamento das accedilotildees e serviccedilos disponibilizados
Nesse contexto surgem dois instrumentos que satildeo de essencial valia o Contrato
Organizativo da Accedilatildeo Puacuteblica da Sauacutede e o Mapa de Sauacutede273
O primeiro consiste no acordo de colaboraccedilatildeo firmado entre os entes federativos com
a finalidade de organizar e integrar as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede na rede regionalizada e
hierarquizada apresentando importantes paracircmetros aos quais deve ser dada ampla
publicidade e que poderatildeo ser analisados pelo Judiciaacuterio no enfretamento de pleitos ligados ao
direito agrave sauacutede quais sejam a definiccedilatildeo de responsabilidades indicadores e metas de sauacutede
criteacuterios de avaliaccedilatildeo de desempenho recursos financeiros que seratildeo disponibilizados forma
272
Art 2deg I do Decreto nordm 750811 273
Art 2deg II e V do Decreto nordm 750811
136
de controle e fiscalizaccedilatildeo de sua execuccedilatildeo bem como outros elementos necessaacuterios agrave
implementaccedilatildeo do acordado
Ou seja sempre que existir accedilotildees integradas entre esferas de governo caracteriacutestica
que eacute a proacutepria tocircnica da estruturaccedilatildeo do SUS existiraacute um instrumento que estabeleceraacute
relevantes paracircmetros aptos a aferir a eficiecircncia do cumprimento do acordado sendo
imprescindiacutevel desta maneira a disponibilizaccedilatildeo de tal documento nas anaacutelises judiciais que
envolvam pleitos relativos a accedilotildees e serviccedilos de sauacutede
O Mapa de Sauacutede por sua vez consiste na descriccedilatildeo geograacutefica da distribuiccedilatildeo de
recursos humanos e de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ofertados pelo SUS que considera a
capacidade instalada existente os investimentos e o desempenho aferido a partir dos
indicadores de sauacutede do sistema consolidando-se tambeacutem como outro importante
instrumento a ser considerado no exame da eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em andamento jaacute
que contribuem para o estabelecimento de metas de sauacutede274
Assentados tais conceitos de se destacar novamente o relevante papel da Comissatildeo
Intergestores Tripartite (CIT) que dispotildee sobre as diretrizes gerais das regiotildees de sauacutede as
quais compreendem as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede (conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede
articulados em niacuteveis de complexidade crescente) e servem de referecircncia para as
transferecircncias de recursos entre os entes federativos
Sobre as regiotildees de sauacutede o referido decreto assevera que as mesmas deveratildeo conter
no miacutenimo accedilotildees e serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria urgecircncia e emergecircncia atenccedilatildeo
psicossocial atenccedilatildeo ambulatorial especializada e hospitalar e vigilacircncia em sauacutede275
Ainda
fica asseverado que as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede que estatildeo compreendidas nestas regiotildees
deveratildeo ter definidas em seu acircmbito pelos entes federativos que a englobam paracircmetros
importantes como os limites geograacuteficos a populaccedilatildeo usuaacuteria das accedilotildees e serviccedilos o rol das
accedilotildees que seratildeo ofertadas e as respectivas responsabilidades criteacuterios de acessibilidade e
escala para a conformaccedilatildeo dos serviccedilos
Pode-se observar que tais indicadores satildeo de suma relevacircncia para a afericcedilatildeo judicial
do enquadramento de determinada accedilatildeo ou serviccedilo como constante em determinada poliacutetica
puacuteblica visto que munido dos documentos que formalizam as regiotildees de sauacutede e as
respectivas redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede o magistrado poderaacute identificar se os requisitos miacutenimos
a serem instituiacutedos estatildeo sendo cumpridos bem como se o rol de accedilotildees estaacute sendo
274
Art 17 do Decreto nordm 750811 275
Art 5deg do Decreto nordm 750811
137
disponibilizados respeitando os criteacuterios de acessibilidade e escala da projeccedilatildeo de tais
serviccedilos
Mais adiante eacute ressaltada a importacircncia de ser assegurado aos usuaacuterios um acesso que
seja universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos do SUS impondo-se aos entes
federativos o dever de garantir a transparecircncia integralidade e equidade no acesso o qual
deveraacute ser monitorado bem como de orientar e ordenar os fluxos das accedilotildees e dos serviccedilos
que regionalmente ofertados satildeo guiados pelo garantia da continuidade do cuidado em sauacutede
em todas as modalidades276
Importantes diretrizes tambeacutem satildeo fixadas nos capiacutetulos referentes ao planejamento e
agrave assistecircncia em sauacutede Nesse ponto tem-se que o processo de planejamento da sauacutede
caracterizado por ser ascendente e integrado do niacutevel local ateacute o federal deveraacute
necessariamente passar pelos Conselhos de Sauacutede e buscaraacute a harmonia entre as necessidades
das poliacuteticas de sauacutede e a disponibilidade dos recursos financeiros devendo esta
compatibilizaccedilatildeo ser efetuada no acircmbito dos planos de sauacutede que satildeo exatamente o
resultado do planejamento integrado dos entes planejamento este que deveraacute conter metas a
serem atingidas277
Jaacute quanto agrave assistecircncia em sauacutede esta tem sua integralidade iniciada e completada na
rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede mediante referenciamento do usuaacuterio na rede regional e interestadual
conforme o pactuado nas Comissotildees Intergestores278
e a delimitaccedilatildeo de sua abrangecircncia se
baseia em dois importantiacutessimos paracircmetros a Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de
Sauacutede (RENASES) e a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
A RENASES279
compreende todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio
para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede cabendo ao Ministeacuterio da Sauacutede
observadas as diretrizes pactuadas pela CIT dispor sobre essa relaccedilatildeo e atualizaacute-la a cada dois
anos Para efeito de responsabilizaccedilatildeo deveratildeo os entes pactuar nas respectivas Comissotildees
Intergestores as suas responsabilidades em relaccedilatildeo ao rol de accedilotildees e serviccedilos constantes da
RENASES sem prejuiacutezo de os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios poderem adotar
relaccedilotildees especiacuteficas e complementares280
276
Arts 12 e 13 do Decreto nordm 750811 277
Art 15 do Decreto nordm 750811 278
Art 20 do Decreto nordm 750811 279
A mais recente atualizaccedilatildeo da RENASES foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 841 de 2
de maio de 2012 disponiacutevel em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesrelacao_nacional_acoes_saudepdf
Acesso em 15062013 280
Arts 21 a 24 do Decreto nordm 750811
138
A RENAME281
por sua vez engloba a seleccedilatildeo e padronizaccedilatildeo de medicamentos
indicados para o atendimento de doenccedilas ou agravos no acircmbito do SUS282
e seraacute
acompanhada do Formulaacuterio Terapecircutico Nacional (FTN) o qual subsidiaraacute a prescriccedilatildeo
dispensaccedilatildeo e o uso dos seus medicamentos cabendo tambeacutem ao Ministeacuterio da Sauacutede
dispor sobre a mesma e atualizaacute-la a cada dois anos283
De igual maneira poderatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios adotar
relaccedilotildees especiacuteficas e complementares de medicamentos as quais sintonizadas com a loacutegica
da RENAME devem respeitar as responsabilidades dos entes pelo financiamento de
medicamentos de acordo com o pactuado nas Comissotildees Intergestores sendo certo que tanto
a RENAME quanto tais relaccedilotildees complementares somente poderatildeo conter produtos com
registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA284
)
Outra questatildeo relevante e que deve ser levada em consideraccedilatildeo pelo magistrado ao
enfrentar uma demanda envolvendo a disponibilizaccedilatildeo de um medicamento eacute a contribuiccedilatildeo
do decreto em exame no que se refere agrave especificaccedilatildeo dos requisitos imprescindiacuteveis para que
seja garantido o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica com base no
RENAME
Nesse contexto cumulativamente devem estar o usuaacuterio assistido por accedilotildees e
serviccedilos abrangidos pelo SUS ter o medicamento sido prescrito por profissional de sauacutede no
exerciacutecio regular de suas funccedilotildees no SUS estar a prescriccedilatildeo em conformidade com a
RENAME e os Protocolos Cliacutenicos e Diretrizes Terapecircuticas e ter a dispensaccedilatildeo ocorrido
necessariamente em unidades indicadas pela direccedilatildeo do SUS285
Tais requisitos reforccedilam a necessidade de que o elemento instrumental do miacutenimo
existencial em sauacutede proposto deve necessariamente abranger natildeo somente a infraestrutura
fiacutesica suficiente (hospitais equipados com leitos suficientes e equipamentos) para atender as
demandas da regiatildeo em questatildeo mas tambeacutem a disponibilidade miacutenima de meacutedicos e
remeacutedios estimados
281
A mais recente atualizaccedilatildeo da RENAME foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 533 de 28
de marccedilo de 2012 disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfCONITECPORTARIAMS5332012pdf Acesso em 15062013 282
A RENAME nasce da identificaccedilatildeo com base na situaccedilatildeo epidemioloacutegica dos maiores problemas de sauacutede e
os medicamentos baacutesicos indispensaacuteveis para seu tratamento os quais devem estar continuamente disponiacuteveis
para a populaccedilatildeo que deles necessita DALLARI Sueli Gandolfi Poliacuteticas de Estado e poliacuteticas de governo o
caso da sauacutede puacuteblica In Poliacuteticas Puacuteblicas Reflexotildees sobre o conceito juriacutedico Maria Paula Dallari Bucci
(org) Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 259 283
Arts 25 e 26 do Decreto nordm 750811 284
Art 27 e 29 do Decreto nordm 750811 285
Art 28 do Decreto nordm 750811
139
Finalmente importantes contribuiccedilotildees referentes agrave articulaccedilatildeo entre os entes federados
satildeo apresentadas pelo decreto em anaacutelise sobretudo no que diz respeito agraves atribuiccedilotildees das
comissotildees intergestores e a elaboraccedilatildeo do jaacute mencionado contrato organizativo de accedilatildeo
puacuteblica da sauacutede
Nesse sentido essas comissotildees exercem um papel de suma importacircncia na
funcionalidade geral do SUS jaacute que a partir delas satildeo pactuados os aspectos operacionais
financeiros e administrativos da gestatildeo compartilhada do sistema de acordo com a definiccedilatildeo
da poliacutetica de sauacutede dos entes federativos balizada nos planos de sauacutede e aprovadas pelos
respectivos conselhos de sauacutede286
Cabe a tais comissotildees dessa forma a elaboraccedilatildeo das diretrizes gerais sobre as regiotildees
de sauacutede e sobre a organizaccedilatildeo das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede com o correspondente
estabelecimento das responsabilidades dos entes federativos287
a partir do contrato
organizativo instrumento que consubstancia o acordo de colaboraccedilatildeo entre os entes sobre a
organizaccedilatildeo da rede interfederativa de atenccedilatildeo agrave sauacutede
O referido instrumento eacute bastante relevante para o exame judicial dos pleitos na
temaacutetica do direito agrave sauacutede sendo indispensaacutevel sua apresentaccedilatildeo em juiacutezo jaacute que o mesmo
funciona como um elemento delimitativo das diversas circunstacircncias que envolvem as
poliacuteticas puacuteblicas principalmente quanto agrave parcela de responsabilizaccedilatildeo de cada esfera
federativa e quanto agrave fiscalizaccedilatildeo da execuccedilatildeo das mesmas aleacutem de apresentar enorme valia
tanto para a delimitaccedilatildeo do elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede quanto
para perquiriccedilatildeo acerca do enquadramento de determinado pleito em alguma poliacutetica em
andamento
Desta feita prevecirc o Decreto nordm 750811 que eacute no mencionado contrato organizativo
que deveratildeo constar as responsabilidades individuais e solidaacuterias dos entes federativos com
relaccedilatildeo agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede os indicadores e as metas de sauacutede os criteacuterios de
avaliaccedilatildeo de desempenho a discriminaccedilatildeo dos recursos financeiros que estatildeo sendo
disponibilizados por cada um dos partiacutecipes bem como a forma de controle e fiscalizaccedilatildeo da
sua execuccedilatildeo e demais elementos necessaacuterios agrave implementaccedilatildeo integrada das accedilotildees e serviccedilos
de sauacutede288
Quanto agrave importacircncia do preacutevio conhecimento do Judiciaacuterio acerca das
responsabilidades de cada ente bem como da contribuiccedilatildeo financeira que cada um
286
Art 32 I do Decreto nordm 750811 287
Art 32 II III e IV do Decreto nordm 750811 288
Art 35 do Decreto nordm 750811
140
disponibiliza para as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede serem implementados algumas observaccedilotildees
merecem maior ecircnfase sobretudo no que se refere ao elemento instrumental jaacute defendido
anteriormente
Quando uma decisatildeo judicial natildeo se preocupa em averiguar o que foi pactuado
previamente entre os entes e simplesmente reconhece uma responsabilidade solidaacuteria ou
meramente responsabiliza um dos entes a partir de um criteacuterio aleatoacuterio que natildeo se coaduna
com o que foi previamente pactuado conforme as disposiccedilotildees da Lei do SUS e do decreto que
a regulamenta isso acaba gerando uma grave desorganizaccedilatildeo do proacuteprio sistema gerando
severos efeitos colaterais
Isso porque como jaacute eacute definido previamente qual prestaccedilatildeo material caberaacute a cada
ente ou quais seratildeo solidaacuterias haveraacute tambeacutem de maneira preacutevia uma estipulaccedilatildeo acerca dos
dispecircndios de cada ente (seja que seratildeo repassados ou diretamente utilizados) bem como uma
imprescindiacutevel organizaccedilatildeo estrutural antecedente para que cada um realize suas
responsabilidades
Desta maneira quando uma decisatildeo judicial decide contrariamente a tal conteuacutedo jaacute
pactuado a loacutegica do sistema se desorganiza levando primeiro a ocorrecircncia de dispecircndios
em duplicidade uma vez que em muitos casos um ente jaacute repassou os valores legais para o
ente responsaacutevel pela execuccedilatildeo da accedilatildeo ou serviccedilo e termina sendo condenado a pagar de
novo e segundo ao relaxamento dos gestores em sauacutede jaacute que alguns ficam inertes agrave espera
de decisotildees judiciais para agir gerando um ciacuterculo vicioso
Por sua vez quando o Judiciaacuterio se preocupa em fazer valer o previamente definido
haacute uma contribuiccedilatildeo para o proacuteprio SUS jaacute que natildeo soacute restam evitados os efeitos colaterais
acima mencionados como tambeacutem se coopera para a formaccedilatildeo de dados estatiacutesticos sobre as
possiacuteveis falhas na prestaccedilatildeo o que termina por forccedilar uma melhor programaccedilatildeo do gestor
condenado visando agrave correccedilatildeo dos problemas mais recorrentes
Conclui-se assim que ao inveacutes de contribuir com a concretizaccedilatildeo do direito em
exame o Judiciaacuterio quando decide sem esse compromisso investigativo de buscar condenar
quem eacute o responsaacutevel com base nas previsotildees da poliacutetica puacuteblica em vigor acaba
prejudicando a macrojusticcedila circundante ao direito agrave sauacutede jaacute que a proacutepria organizaccedilatildeo do
SUS restaraacute prejudicada289
289
Corroborando com o posicionamento acima a Advogada da Uniatildeo Gabriela Moreira Castro assevera que ldquoEacute
preciso estudar racionalmente como se organiza o SUS nessa mateacuteria a fim de se impor a obrigaccedilatildeo a quem eacute
diretamente responsaacutevel pelo seu atendimento e dessa forma possibilitar o tratamento da melhor maneira a
quem dele necessita () Em geral os juiacutezes se satisfazem ao fundamentar suas decisotildees com base nas garantias
constitucionais agrave sauacutede e agrave vida ou com base na solidariedade entre as pessoas poliacuteticas em mateacuteria sanitaacuteria
141
Nesse contexto defende-se que sempre tais contratos organizativos firmados entre os
entes sejam previamente consultados e respeitados somente se decretando a
responsabilizaccedilatildeo solidaacuteria como uacuteltimo artifiacutecio necessaacuterio a se evitar a lesatildeo do direito
Feitas tais digressotildees destaca-se finalmente na sequecircncia da anaacutelise dos principais
pontos do Decreto nordm 750811 que partindo da ideia de humanizaccedilatildeo do atendimento do
usuaacuterio como fator determinante para o estabelecimento das metas de sauacutede deve o jaacute antes
referido contrato organizativo observar algumas diretrizes para fins de garantia da gestatildeo
participativa destacando-se a incorporaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do usuaacuterio das accedilotildees e serviccedilos como
ferramenta de melhoria das estrateacutegias em sauacutede a permanente apuraccedilatildeo das necessidades e
interesses do usuaacuterio e a necessidade de ser dada publicidade aos direitos e deveres dos
usuaacuterios em todas as unidades de sauacutede do SUS inclusive nas unidades privadas que dele
participem complementarmente290
532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a
delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede
Em meados de marccedilo de 2006 atraveacutes da Portaria nordm 687 do Ministeacuterio da Sauacutede foi
aprovada a Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (PNPS) considerada a matildee291
de todas as
poliacuteticas de sauacutede do paiacutes A partir desse momento intensificou-se a busca por uma maior
articulaccedilatildeo entre as trecircs esferas federativas com vistas a possibilitar uma maior eficiecircncia e
qualidade nas accedilotildees e serviccedilos disponibilizadas pelo SUS
Foi nesse contexto que em 2006 nasceu o Pacto pela Sauacutede por forccedila da Portaria nordm
399 do Ministeacuterio da Sauacutede o qual aprovado no Conselho Nacional de Sauacutede e pactuado no
acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite jaacute mencionada teve o propoacutesito de facilitar
muitas vezes meramente citando o artigo 196 da Constituiccedilatildeo para alegar que a sauacutede eacute dever do Estado No
entanto os magistrados comumente falham em analisar a fundo a diretriz constitucional da descentralizaccedilatildeo do
Sistema que faz parte da poliacutetica puacuteblica do SUS Esquecem-se de que o artigo 196estatui que a sauacutede eacute
realmente dever do Estado poreacutem bdquogarantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas‟ dentre as quais se
encontra a poliacutetica da descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo () Os julgadores carecem tambeacutem em considerar a
legislaccedilatildeo ordinaacuteria e as diversas normas que regulam especificamente o bloco de financiamento do SUSrdquo
CASTRO Gabriela Moreira Consideraccedilotildees sobre as decisotildees judiciais que tratam de atos referentes ao
bloco de financiamento do Sistema Uacutenico de Sauacutede chamado de Atenccedilatildeo de Meacutedia e Alta Complexidade
Ambulatorial e Hospitalar
Disponiacutevel em httpportalsaudesaudegovbrportalsaudearquivospdf2012Jan18decisoesjudiciaispdf
Acessado em 18062013 290
Arts 37 e 38 do Decreto nordm 750811 291
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 56 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013
142
acordos entre as esferas de governo mediante a redefiniccedilatildeo de responsabilidades coletivas e a
promoccedilatildeo de novos processos e instrumentos de gestatildeo do SUS
O mencionado pacto surge assim atraveacutes de um compromisso puacuteblico assumido pelos
gestores do SUS apresentando trecircs componentes o Pacto Pela Vida o Pacto em Defesa do
SUS e o Pacto de Gestatildeo devendo a formalizaccedilatildeo do mesmo ocorrer com a assinatura do
Termo de Compromisso de Gestatildeo (TCG) entre os entes federativos momento em que satildeo
firmados os objetivos metas atribuiccedilotildees e responsabilidades dos gestores
O Pacto pela Vida292
engloba um conjunto de compromissos sanitaacuterios elencados com
base em anaacutelises da situaccedilatildeo da sauacutede do Paiacutes e das prioridades definidas pelos governos das
trecircs esferas federativas significando uma accedilatildeo prioritaacuteria no campo de sauacutede que deveraacute ser
executada com foco em resultados e com a explicitaccedilatildeo inequiacutevoca dos compromissos
orccedilamentaacuterios e financeiros para o alcance desses resultados293
Dentre as prioridades do Pacto pela Vida estaacute a consolidaccedilatildeo da estrateacutegia Sauacutede da
Famiacutelia como modelo de atenccedilatildeo baacutesica e centro ordenador das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede no
SUS bem como o fortalecimento da atenccedilatildeo baacutesica que engloba dentre outros objetivos a
necessidade de se garantir a infraestrutura necessaacuteria ao funcionamento das Unidades Baacutesicas
de Sauacutede dotando-as de recursos materiais equipamentos e insumos suficientes para se
realizar o conjunto de accedilotildees e serviccedilos propostos ponto que se harmoniza com o elemento
instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede defendido294
Partindo disso a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica295
se estrutura por meio de um
processo que leva em consideraccedilatildeo certos indicadores da atenccedilatildeo baacutesica estabelecendo-se
metas anuais a serem alcanccediladas a partir de tais indicadores visando a garantir a
resolutividade desse setor
Nesse sentido haacute previsatildeo especiacutefica (ldquoda infraestrutura e dos recursos necessaacuteriosrdquo)
no instrumento legal que estrutura a poliacutetica em questatildeo sobre os itens que satildeo elementares
para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica destacando-se que a existecircncia de unidades
baacutesicas de sauacutede (UBS) que disponibilizem equipe multiprofissional consultoacuterio meacutedico
odontoloacutegico e de enfermagem aacuterea de recepccedilatildeo sala de vacina sala de cuidados baacutesicos
292
Cabe agrave Portaria MS nordm 6992006 do Ministeacuterio da Sauacutede a regulamentaccedilatildeo das diretrizes operacionais dos
Pactos pela Vida e de Gestatildeo 293
Anexo I inciso I da Portaria MS nordm 3992006 294
Anexo II inciso I F da Portaria MS nordm 3992006 295
Aprovada pela Portaria MS nordm 6482006
143
equipamentos e materiais adequados ao elenco das accedilotildees propostas manutenccedilatildeo regular de
estoque dos insumos necessaacuterios296
No mesmo dispositivo eacute ressaltado um importantiacutessimo paracircmetro para a atenccedilatildeo
baacutesica que eacute a quantidade de UBS que devem existir nos grandes centros urbanos sendo
apontado que UBS sem o programa Sauacutede da Famiacutelia devem englobar ateacute 30 (trinta) mil
habitantes e as que possuem tal programa devem abranger apenas 12 (doze) mil habitantes
Seguindo tem-se que o Pacto em Defesa do SUS297
por sua vez busca reforccedilar o SUS
como poliacutetica de Estado mais do que uma poliacutetica de governo visando a defender seus
princiacutepios constitucionais basilares a partir de uma repolitizaccedilatildeo da sauacutede que passa a ser
encarada como um direito de cidadania e apresenta dentre suas prioridades por exemplo o
incremento a longo prazo dos recursos orccedilamentaacuterios e financeiros para a sauacutede e a
elaboraccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Carta dos Direitos dos Usuaacuterios do SUS298
Antes de avanccedilar para o proacuteximo componente do Pacto pela Sauacutede faz-se relevante
destacar alguns aspectos da referida carta jaacute que seu conteuacutedo eacute rico em disposiccedilotildees que
podem figurar como paracircmetros para a apreciaccedilatildeo judicial das demandas em sauacutede
Nesse contexto a cartilha se estrutura a partir de seis princiacutepios baacutesicos dos quais
decorrem disposiccedilotildees especiacuteficas quais sejam i todo cidadatildeo tem direito ao acesso ordenado
e organizado aos sistemas de sauacutede ii todo cidadatildeo tem direito a tratamento adequado e
efetivo para seu problema iii todo cidadatildeo tem direito ao atendimento humanizado
acolhedor e livre de qualquer discriminaccedilatildeo iv todo cidadatildeo tem direito a atendimento que
respeite a sua pessoa seus valores e seus direitos v todo cidadatildeo tambeacutem tem
responsabilidades para que seu tratamento aconteccedila de forma adequada e vi todo cidadatildeo
tem direito ao comprometimento dos gestores da sauacutede para que os princiacutepios anteriores
sejam cumpridos
Em que pese tais balizas natildeo exprimirem por si soacute obrigaccedilotildees diretas ao Poder
Puacuteblico quando satildeo elencados os desdobramentos de cada uma dessas diretrizes vislumbram-
se importantes disposiccedilotildees que contribuem profundamente para o enfretamento de pleitos
judiciais em mateacuteria de direito agrave sauacutede jaacute que como o Poder Puacuteblico por meio de ato oficial
encara certas situaccedilotildees como autecircnticos direitos do usuaacuterio nada mais correto que seja
cobrado o respeito pelos gestores puacuteblicos de tais disposiccedilotildees
296
Anexo capiacutetulo I 3 (Da infraestrutura e dos Recursos Necessaacuterios) da Portaria MS ndeg 6482006 297
Anexo I inciso II da Portaria MS nordm 3992006 298
Aprovada pela Portaria MS nordm 6752006 Disponiacutevel em
httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoescarta_direito_usuarios_2ed2007pdf Acesso em 17062013
144
Quanto agraves disposiccedilotildees do primeiro princiacutepio pode ser destacado o tratamento dado agraves
situaccedilotildees de emergecircncia cujo atendimento deveraacute ser prestado de maneira incondicional e em
qualquer unidade devendo-se em caso de risco de vida ser garantida a remoccedilatildeo segura do
usuaacuterio para um estabelecimento em condiccedilotildees de recebecirc-lo Ainda eacute imposta como
responsabilidade do gestor local em caso de limitaccedilatildeo circunstancial na capacidade de
atendimento do serviccedilo de sauacutede a pronta soluccedilatildeo das condiccedilotildees para o acolhimento do
usuaacuterio admitindo-se priorizaccedilotildees apenas com base em criteacuterios de vulnerabilidade cliacutenica e
social299
No que se refere ao segundo princiacutepio desdobram-se importantes responsabilidades ao
Poder Puacuteblico jaacute que eacute conferido aos usuaacuterios do SUS o direito de ter atendimento resolutivo
com qualidade com garantia de continuidade de atenccedilatildeo mediante tecnologia apropriada e
condiccedilotildees de trabalho adequadas para os profissionais da sauacutede300
Da mesma forma eacute
expressamente previsto o direito ao acesso agrave anestesia em todas as situaccedilotildees em que for
indicada bem como medicaccedilotildees e procedimentos que possam aliviar a dor e o sofrimento301
Com relaccedilatildeo ao terceiro princiacutepio pode-se destacar o direito do usuaacuterio de nas
consultas internaccedilotildees e procedimentos ter assegurados sua integridade fiacutesica seu bem-estar
fiacutesico e mental e notadamente sua privacidade e conforto o que corrobora com a necessidade
de ser disponibilizada a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para tais direitos serem
garantidos302
No que tange ao quarto princiacutepio as disposiccedilotildees satildeo mais voltadas agrave possibilidade do
usuaacuterio ter sua opiniatildeo valorizada no acircmbito do SUS merecendo atenccedilatildeo a garantia de
comunicabilidade com os gestores de sauacutede para apresentaccedilatildeo de sugestotildees e denuacutencias
atraveacutes dos serviccedilos de ouvidoria bem como o direito dos usuaacuterios participarem do processo
de eleiccedilatildeo de seus representantes nas conferecircncias de sauacutede realizadas pelos conselhos303
Jaacute o foco do paraacutegrafo quinto como jaacute afirmado eacute apontar as responsabilidades que
cabem ao proacuteprio usuaacuterio compreendendo dentre outras atribuiccedilotildees o dever de informar de
maneira apropriada os indicadores de sua condiccedilatildeo de sauacutede bem como de seguir o plano de
tratamento recomendado pelo profissional304
299
Princiacutepio 1 II III e V da Portaria MS nordm 6752006 300
Tal direito aproxima-se da ideia de elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede o qual
como defendido engloba a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos previstas nas
poliacuteticas puacuteblicas 301
Princiacutepio 2 caput I IV e V da Portaria MS nordm 6752006 302
Princiacutepio 3 III da Portaria MS nordm 6752006 303
Princiacutepio 4 XII e XIII da Portaria MS nordm 6752006 304
Princiacutepio 5 I e III da Portaria MS nordm 6752006
145
O paraacutegrafo sexto por sua vez arrola os deveres que competem a cada esfera
federativa no acircmbito da gestatildeo do SUS cabendo especialmente i aos Municiacutepios a
celebraccedilatildeo de contratos e convecircnios com entidades prestadoras de serviccedilos privados de sauacutede
e a garantia do fornecimento de medicamentos ii aos Estados a coordenaccedilatildeo da rede
estadual de laboratoacuterios de sauacutede puacuteblica e hemocentros e iii agrave Uniatildeo a prestaccedilatildeo de
cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira aos Estados e Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo das
coordenadas dos sistemas de rede integradas de alta complexidade305
Finalmente o Pacto de Gestatildeo do SUS visa a estabelecer as responsabilidades de cada
ente federado de forma a diminuir as competecircncias concorrentes e a tornar mais claro as
atribuiccedilotildees de cada um aleacutem de buscar explicitar as diretrizes para o sistema de financiamento
puacuteblico tripartite e reiterar a importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social como o
compromisso de apoio agrave sua qualificaccedilatildeo o que em uacuteltima anaacutelise termina fortalecendo a
gestatildeo compartilhada e solidaacuteria do SUS306
No acircmbito do Pacto de Gestatildeo satildeo ressaltadas as diretrizes constitucionais de
descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo do SUS ganhando relevo dois importantes instrumentos de
planejamento da regionalizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede o Plano Diretor de
Regionalizaccedilatildeo (PDR) e a Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede (PPI)
O PDR exprime o desenho final do processo de identificaccedilatildeo e reconhecimento das
regiotildees de sauacutede em suas diferentes formas com o intuito de garantir sobretudo a
integralidade da atenccedilatildeo aliada agrave racionalizaccedilatildeo de gastos e otimizaccedilatildeo de recursos O PDI
por sua vez deve expressar os recursos de investimentos para acolher as necessidades
acordadas no processo de planejamento regional e estadual devendo tal instrumento refletir
no acircmbito regional especialmente as carecircncias a serem corrigidas visando a suficiecircncia na
atenccedilatildeo baacutesica307
Quanto ao aspecto orccedilamentaacuterio eacute certo que o Pacto pela Sauacutede representou um
significativo avanccedilo para a organizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursos jaacute que antes dele existiam
mais de cem formas de repasses e agora os estados e municiacutepios passaram a receber os
recursos federais concentrados em cinco blocos de financiamento i atenccedilatildeo baacutesica ii
atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade iii vigilacircncia em sauacutede iv assistecircncia farmacecircutica e
v gestatildeo do SUS308
305
Princiacutepio 6 II da Portaria MS nordm 6752006 306
Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 307
Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 308
Ministeacuterio da Sauacutede Entendendo o SUS p 6 2006 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfcartilha_entendendo_o_sus_2007pdf Acesso em 14062013
146
No que tange agrave atenccedilatildeo baacutesica por exemplo haacute importante previsatildeo no sentido de que
conforme os creacuteditos constantes no piso de atenccedilatildeo baacutesica sejam transferidos ldquofundo a fundordquo
o aviso de tais lanccedilamentos deveraacute ser enviado ao Secretaacuterio de Sauacutede ao Fundo de Sauacutede ao
Conselho de Sauacutede ao Poder Legislativo e ao Ministeacuterio Puacuteblico dos respectivos niacuteveis de
governo mecanismo que contribui bastante para a fiscalizaccedilatildeo do emprego dos recursos
repassados309
Outro ponto relevante do Pacto Pela Sauacutede no que tange ao elemento instrumental jaacute
mencionado eacute que consta no pacto um campo referente agraves responsabilidades gerais da gestatildeo
do SUS havendo previsatildeo expressa no sentido de os Municiacutepios serem responsaacuteveis pela
garantia da estrutura fiacutesica necessaacuteria para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica de acordo
com as normas teacutecnicas vigentes contando com apoio teacutecnico e financeiro dos Estados e da
Uniatildeo310
Aleacutem das regras que dispotildeem sobre o Plano pela Sauacutede e seus desdobramentos outras
portarias exaradas pelo Ministeacuterio da Sauacutede se afiguram como instrumentos essenciais para a
investigaccedilatildeo judicial acerca do cumprimento pelo Poder Puacuteblico do defendido elemento
instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede
Nesse sentido por exemplo a Portaria MS nordm 42792010 estabelece as diretrizes para
a organizaccedilatildeo das Redes de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede (arranjos organizativos de accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede no intuito de garantir a integralidade do cuidado) apresentando os fundamentos
conceituais e operativos essenciais ao processo de organizaccedilatildeo de tais redes a partir do
arcabouccedilo normativo do SUS destacando-se por exemplo a noccedilatildeo de suficiecircncia como vetor
para as accedilotildees e serviccedilos disponiacuteveis significando que estas devem ser prestadas em
quantidade e qualidade necessaacuterias para atender as demandas de sauacutede incluindo cuidados
primaacuterios secundaacuterios terciaacuterios reabilitaccedilatildeo preventivos e paliativos todos realizados com
qualidade311
Na mesma linha a Portaria MS nordm 23952011 organiza o componente hospitalar da
rede de atenccedilatildeo agraves urgecircncias no acircmbito do SUS e dentre os objetivos de tal componente estaacute a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agraves urgecircncias nos hospitais de modo a atender tanto demandas
309
Da mesma maneira de acordo com o artigo 6deg do Decreto ndeg 165195 a comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos
recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede para os fundos estaduais e municipais deve ser apresentada
ao Ministeacuterio da Sauacutede e ao Estado por meio de relatoacuterio de gestatildeo aprovado pelo respectivo Conselho de
Sauacutede 310
Anexo II 91 b da Portaria MS nordm 3992006 311
Item 31 da Portaria em questatildeo
147
espontacircneas como as referenciadas proporcionando o funcionamento de retaguardas para
outros pontos de atenccedilatildeo agraves urgecircncias de menor complexidade312
Contudo eacute a Portaria MS nordm 11012002 que mais eficientemente contribui para a
identificaccedilatildeo do cumprimento do elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave
sauacutede vez que nela satildeo estabelecidos os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do
SUS os quais representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias
aptas a orientar os gestores do SUS dos trecircs niacuteveis de governo
A partir dos paracircmetros estabelecidos na Portaria em comento satildeo oferecidos subsiacutedios
para a anaacutelise do grau de necessidade da oferta de serviccedilos assistenciais agrave populaccedilatildeo o que
termina auxiliando tanto na elaboraccedilatildeo do planejamento e da Programaccedilatildeo Pactuada e
Integrada da assistecircncia agrave sauacutede (PPI) quanto no acompanhamento e controle de tais serviccedilos
Tais paracircmetros que se dividem em dois grupos (paracircmetros de cobertura e de
produtividade) natildeo foram elaborados de maneira aleatoacuteria e baseiam-se nas estatiacutesticas gerais
de atendimento prestado aos usuaacuterios dos SUS bem como em criteacuterios internacionalmente
difundidos para a cobertura e produtividade assistencial nos paiacuteses em desenvolvimento
No primeiro grupo encontram-se aqueles voltados a estimar as necessidades de
atendimento de uma populaccedilatildeo para um determinado periacuteodo previamente estabelecido sendo
apresentados meacutetodos de caacutelculos baseados na populaccedilatildeo bem como em estimativas pontuais
(como eacute o caso do nuacutemero de exames e terapias por exemplo que se basearaacute na estimativa do
total de consultas) Jaacute no segundo grupo podem ser identificados criteacuterios destinados a
estipular a capacidade de produccedilatildeo de recursos equipamentos e serviccedilos de sauacutede humanos
materiais ou fiacutesicos calculados sobretudo com base na expectativa esperada de internaccedilotildees
habitanteano
Somente para se ter uma ideia da importacircncia deste instrumento na tarefa de afericcedilatildeo do
que minimamente deve ser prestado pelo Poder Puacuteblico na implementaccedilatildeo de suas poliacuteticas de
sauacutede dentre os diversos campos que explicitam foacutermulas de caacutelculo dos aludidos
paracircmetros podem ser destacados os seguintes a) paracircmetros para o caacutelculo das consultas
meacutedicas com a correspondente foacutermula da necessidade consultas por ano b) paracircmetros para
o caacutelculo da necessidade produtividade ou cobertura de alguns equipamentos de diagnose e
terapia c) paracircmetros para o caacutelculo da cobertura de internaccedilatildeo hospitalar com a respectiva
foacutermula do caacutelculo do nuacutemero de internaccedilotildees por especialidade para determinada populaccedilatildeo
no periacuteodo anual d) nuacutemero de internaccedilotildeesleitosano por especialidade variando por taxa de
312
Capiacutetulo I art 3deg da referida Portaria
148
ocupaccedilatildeo hospitalar e foacutermula para o caacutelculo da necessidade leitos em determinada regiatildeo
para determinada populaccedilatildeo313
e e) nuacutemero de bolsas de sangue necessaacuterias para terapia
transfusional em unidades hospitalares anualmente dentre outros paracircmetros especialmente
razotildees de alguns recursos humanos por habitantes como meacutedicos e enfermeiros
Constata-se a partir das premissas postas que o preacutevio conhecimento pelo cidadatildeo
pelos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico) e principalmente pelo
Judiciaacuterio acerca das diretrizes gerais a serem seguidas nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede
especialmente as coordenadas do Pacto pela Sauacutede e das portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
destacadas consiste em elemento primordial agrave garantia de uma maior seguranccedila juriacutedica das
decisotildees judiciais nessa seara alcanccedilando-se assim uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
mais eficiente
Desta maneira ao se discutir judicialmente a possibilidade de internaccedilatildeo em uma UTI
de realizaccedilatildeo de um exame especiacutefico ou de um procedimento ciruacutergico os magistrados
devem se preocupar inicialmente com a comprovaccedilatildeo de que a estruturaccedilatildeo fiacutesica e os
recursos humanos minimamente projetados estatildeo sendo cumpridos e efetivados de acordo
com os paracircmetros exarados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede especialmente a Portaria
nordm 1101 2002 de modo a identificar o respeito ao elemento instrumental do miacutenimo
existencial em sauacutede
54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NO BRASIL
Conforme delineado acima o Judiciaacuterio poderaacute ser provocado na temaacutetica da
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em diversas situaccedilotildees destacando-se os i casos em torno de
prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial cujo fundamento seraacute extraiacutedo diretamente da
Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente da dignidade da pessoa humana ii casos em que
a legislaccedilatildeo infraconstitucional bem como as poliacuteticas puacuteblicas em vigor garantem o acesso a
certas prestaccedilotildees materiais e iii casos em que a prestaccedilatildeo pleiteada natildeo se encontra abrangida
por poliacuteticas puacuteblicas em andamento
313
Conforme a referida Portaria em linhas gerais a estimativa da necessidade de leitos hospitalares se baseia
nos seguintes dados a) leitos hospitalares totais 25 a 3 leitos para cada 1000 (mil) habitantes b) leitos de UTI
calcula-se em meacutedia a necessidade de 4 a 10 do total de leitos hospitalares c) leitos em Unidades de
Recuperaccedilatildeo (poacutes-ciruacutergico) calcula-se em meacutedia de 2 a 3 leitos por sala ciruacutergica d) leitos para preacute parto
calcula-se no miacutenimo 2 leitos por sala de parto
149
Ocorre que as situaccedilotildees acima estatildeo inseridas especificamente na discussatildeo sobre a
obtenccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais em sauacutede ou seja a realizaccedilatildeo efetiva de algo em prol do
indiviacuteduo como o acesso a um medicamento uma vacina a realizaccedilatildeo de um procedimento
dentre outros jaacute vistos em passant
Aleacutem dessas ocorrecircncias que satildeo de fato as mais problemaacuteticas existem outras nas
quais o direito agrave sauacutede pode ser discutido judicialmente como casos em que a conduta estatal
eacute diretamente lesiva agrave sauacutede a ediccedilatildeo de normas dificulta o exerciacutecio do direito em xeque a
ediccedilatildeo de normas protege de maneira insuficiente agrave sauacutede o Estado eacute omisso quanto a
elaboraccedilatildeo de leis na temaacutetica da proteccedilatildeo agrave sauacutede bem como quanto a disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo dos serviccedilos correlatos a tal direito situaccedilatildeo esta que
como visto fere o elemento instrumental do miacutenimo existencial proposto para o direito agrave
sauacutede
Entrando em uma parte mais exemplificativa da presente pesquisa seratildeo abordados a
seguir alguns julgados envolvendo algumas das situaccedilotildees acima atendo-se contudo a uma
anaacutelise mais detida com relaccedilatildeo aos que envolvem a busca por prestaccedilotildees materiais bem
como a omissatildeo quanto agrave infraestrutura necessaacuteria para o direito agrave sauacutede
Pois bem a situaccedilatildeo em que a proacutepria conduta estatal agride diretamente o direito agrave
sauacutede eacute a mais faacutecil de ser lidada judicialmente e eacute combatida sobretudo pelo Ministeacuterio
Puacuteblico na busca pelo respeito agrave sauacutede sobre seu vieacutes transindividual Faacutecil pois aleacutem da
loacutegica conclusatildeo de que o Estado mais do que ningueacutem natildeo pode lesar um direito de
tamanha essencialidade o qual se propocircs a proteger eacute sabido que a mais elementar
consequecircncia da eficaacutecia das normas constitucionais eacute a de impedir a praacutetica de atos estatais
que violem tal direito seja por accedilotildees materiais propriamente ditas ou pela elaboraccedilatildeo de leis
que tenham tal condatildeo (modalidade de eficaacutecia negativa)
Podem ser citados por exemplo314
casos em que o Poder Puacuteblico por accedilatildeo de seus
agentes contaminam determinados produtos consumiacuteveis315
localidades316
ou pessoas317
314
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio
Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da
Magistratura Federal UnB 2003 p 55 315
Nesse sentido o TJMG determinou na AC 000229455-100 publicada no DJ em 06022002 a interdiccedilatildeo de
abatedouro puacuteblico municipal por natildeo reunir condiccedilotildees miacutenimas de funcionamento e por em risco agrave sauacutede das
pessoas que consomem seus produtos 316
No Municiacutepio de Serra (ES) por exemplo foi utilizado um inseticida em um Posto de Sauacutede que contaminou
inuacutemeras pessoas que trabalhavam no local resultando em ACP proposta pelo MPF
150
devendo ser buscada a imediata cessaccedilatildeo da atividade nociva bem como a devida reparaccedilatildeo
dos danos causados agraves viacutetimas
Existem casos por sua vez em que a ediccedilatildeo de determinada norma venha a dificultar
o exerciacutecio do direito agrave sauacutede sendo tambeacutem indiscutiacutevel a possibilidade de atuaccedilatildeo do
Judiciaacuterio em tais casos Foi o que ocorreu por exemplo com o bloqueio das contas de
caderneta de poupanccedila durante o governo Collor em que muitos se socorreram no Judiciaacuterio
buscando a liberaccedilatildeo de tais contas para custear tratamento de sauacutede tese que foi acolhida nos
tribunais exatamente pela aplicaccedilatildeo da modalidade de eficaacutecia negativa do direito
fundamental agrave sauacutede e agrave vida318
No mesmo sentido pode ser citado o caso da Resoluccedilatildeo nordm 2831998 do extinto
INAMPS que proibia a complementaccedilatildeo com dinheiro do SUS das despesas decorrentes da
internaccedilatildeo conhecida como ldquodiferenccedila de classerdquo e o STF enfrentando o tema entendeu que
tal limitaccedilatildeo seria injustificaacutevel319
juridicamente
Entrando nos casos que suscitam mais polecircmicas tem-se a situaccedilatildeo em que o Estado eacute
omisso a qual abrange a omissatildeo quanto ao dever de editar normas de proteccedilatildeo agrave sauacutede
quanto ao dever de satisfazer o direito agrave sauacutede mediante prestaccedilotildees materiais e quanto agrave
disponibilizaccedilatildeo de infraestrutura necessaacuteria agrave prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
Nesse ponto eacute emblemaacutetica a decisatildeo de lavra do Ministro do STF Celso de Mello na
ADPF nordm 45 (jaacute citada anteriormente) verdadeiro divisor de aacuteguas no tema da intervenccedilatildeo do
Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas Tal accedilatildeo constitucional em que pese a
prejudicalidade de seu objeto320
apresentou em seu julgamento uma detida anaacutelise acerca da
317
Eacute o que ocorre por exemplo em caso de contaminaccedilatildeo por alguma doenccedila em transfusatildeo sanguiacutenea realizada
em hospital puacuteblico Situaccedilatildeo que geraraacute a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados agrave viacutetima
Vide por exemplo o Resp 140158SC 1deg Turma rel Milton Luis Pereira DJU de 17111997 p 59458 STJ 318
Nesse sentido pode ser citado o MS 9005066091AL TRF 5deg Rel Hugo de Brito Machado DJU de
1241991 319
Destaca-se o seguinte trecho ldquoO art 196 da CF estabelece como dever do Estado a prestaccedilatildeo de assistecircncia agrave
sauacutede e garante o acesso universal e igualitaacuterio do cidadatildeo aos serviccedilos e accedilotildees para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo O direito agrave sauacutede como estaacute assegurado na Carta natildeo deve sofrer embaraccedilos impostos por
autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele O acoacuterdatildeo recorrido ao
afastar a limitaccedilatildeo da citada Resoluccedilatildeo 2831991 do Inamps que veda a complementariedade a qualquer tiacutetulo
atentou para o objetivo maior do proacuteprio Estado ou seja o de assistecircncia agrave sauacutederdquo (RE 226835 Rel Min Ilmar
Galvatildeo julgamento em 14-12-1999 Primeira Turma DJ de 10-3-2000) 320
Explica-se A ADPF em questatildeo foi promovida contra um veto parcial emanado pelo Presidente da Repuacuteblica
ao sect 2deg do art 55 da LDO (107072003) dispositivo este que tratava de paracircmetro acerca da totalidade da
dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Ministeacuterio da Sauacutede a ser considerado na elaboraccedilatildeo da LOA de 2004 e almejava a
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de tal medida presidencial Ocorre que o Presidente da Repuacuteblica antes do
enfrentamento da ADPF remeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei constando o exato termo do
dispositivo vetado o qual convertido em lei restaurou integralmente o mesmo o que prejudicou o objeto
perseguido mas natildeo evitou que a temaacutetica da intervenccedilatildeo judicial nas poliacuteticas puacuteblicas fosse enfrentada
151
possibilidade de a viabilizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas serem alcanccediladas judicialmente nos
casos em que previsto seu norte no texto constitucional essas venham a ser descumpridas ou
sequer implementadas pelas instacircncias governamentais destinataacuterias do comando inscrito na
Constituiccedilatildeo
Nesse contexto alguns pontos referentes agrave situaccedilatildeo de o Estado ser omisso em seu
dever constitucional merecem ser destacados
ARGUumlICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL A
QUESTAtildeO DALEGITIMIDADE CONTITUCIONAL DO CONTROLE E
DAINTERVENCcedilAtildeO DO PODERJUDICIAacuteRIO EM TEMA DE
IMPLEMENTACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS QUANDOCONFIGURADA
HIPOacuteTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL DIMENSAtildeO POLIacuteTICA
DAJURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL ATRIBUIacuteDA AO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL INOPONIBILIDADE DO ARBIacuteTRIO ESTATAL Agrave EFETIVACcedilAtildeO
DOS DIREITOS SOCIAIS ECONOcircMICOS E CULTURAIS CARAacuteTER
RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMACcedilAtildeO DOLEGISLADOR
CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DA CLAacuteUSULA DA ldquoRESERVA
DOPOSSIacuteVELrdquo NECESSIDADE DE PRESERVACcedilAtildeO EM FAVOR DOS
INDIVIacuteDUOS DAINTEGRIDADE E DAINTANGIBILIDADE DO NUacuteCLEO
CONSUBSTANCIADOR DO ldquoMIacuteNIMO EXISTENCIALrdquo VIABILIDADE
INSTRUMENTAL DA ARGUumlICcedilAtildeO DEDESCUMPRIMENTONO PROCESSO
DE CONCRETIZACcedilAtildeO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS
CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERACcedilAtildeO)
()
- A omissatildeo do Estado - que deixa de cumprir em maior ou em menor extensatildeo a
imposiccedilatildeo ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento
revestido da maior gravidade poliacutetico-juriacutedica eis que mediante ineacutercia o Poder
Puacuteblico tambeacutem desrespeita a Constituiccedilatildeo tambeacutem ofende direitos que nela se
fundam e tambeacutem impede por ausecircncia de medidas concretizadoras a proacutepria
aplicabilidade dos postulados e princiacutepios da Lei Fundamental(RTJ 185794-796
Rel Min CELSO DE MELLO Pleno)
Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do
Poder Judiciaacuterio - e nas desta Suprema Corte em especial - a atribuiccedilatildeo de formular
e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio o encargo reside
primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Tal incumbecircncia no entanto
embora em bases excepcionais poderaacute atribuir-se ao Poder Judiciaacuterio se e quando
os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos
que sobre eles incidem vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e
a integridade de direitos individuais eou coletivos impregnados de estatura
constitucional ainda que derivados de claacuteusulas revestidas de conteuacutedo
programaacutetico (Grifos acrescidos) (ADPF 45 MC DF Rel Min Celso de Mello
Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12) (Destaques apostos)
Tal julgado reflete a preocupaccedilatildeo do STF em fazer valer a maacutexima efetividade dos
dispositivos constitucionais sobretudo nos casos em que a recalcitracircncia tanto do Executivo
quanto do Legislativo em realizar seu compromisso constitucionalmente pactuado resta
configurada concretamente
Com relaccedilatildeo especificamente a omissatildeo em editar normas pode ser citado o grave
caso da jaacute mencionada LC ndeg 1412012 que somente foi promulgada dez anos depois da
previsatildeo de sua necessidade por forccedila da EC ndeg 292000 Durante esse periacuteodo de mora
152
legislativa em que pese natildeo ter havido accedilotildees constitucionais visando ao suprimento dessa
omissatildeo existiram accedilotildees contra outras espeacutecies normativas nascidas com o intuito de
suprindo a omissatildeo mencionada uniformizar a aplicaccedilatildeo da referida emenda em territoacuterio
nacional321
No que se refere agrave omissatildeo quanto a prestaccedilotildees materiais e agrave construccedilatildeo de
infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede o leque de situaccedilotildees enfrentadas
judicialmente eacute mais variado sendo certo que nem todos os casos recebem paracircmetros
seguros e uniformes o que acentua o quadro de inseguranccedila juriacutedica na mateacuteria
Agrave tiacutetulo exemplificativo o STF jaacute se manifestou acerca da possibilidade de
fornecimento gratuito de remeacutedios a portadores de HIV reconhecendo a validade de tais
programas e considerando-os legiacutetimos gestos de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede concretizadores dos
deveres constitucionais extraiacutedos do art 196 da Constituiccedilatildeo Federal322
O problema eacute que partindo do mesmo fundamento diversas decisotildees323
jaacute obrigaram
o Estado a custear tratamentos e exames especiacuteficos como ressonacircncia magneacutetica
fornecimento de aparelhos auditivos implante de proacutetese internaccedilatildeo em UTI neo-natal em
hospital particular internaccedilatildeo meacutedica em hospital particular diante da ausecircncia de vaga em
hospital conveniado do SUS dentre outros casos A qualificaccedilatildeo dessa conjuntura como um
problema se deve ao fato de que como visto nos toacutepicos anteriores nem sempre tais decisotildees
enfrentam detidamente o exame das diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede em vigor e natildeo
se preocupam com a repercussatildeo macro de seu dispositivo abrindo margem para que os jaacute
mencionados efeitos colaterais se proliferam nessas situaccedilotildees
Tais efeitos colaterais comprometem principalmente o princiacutepio da seguranccedila
juriacutedica pois satildeo constatados casos em que o enfrentamento da mesma mateacuteria apresenta
posicionamentos diferentes324
entre tribunais diversos Isso contribui para a afronta agrave
321
Foi o caso por exemplo da ADI ndeg 2999-RJ que atacou a Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 baixada pelo Conselho
Nacional de Sauacutede 322
No referido julgado ponderou-se que ldquo() o reconhecimento judicial da validade juriacutedica de programas de
distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS daacute
efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica (arts 5deg caput e 196) e representa na
concreccedilatildeo do seu alcance um gesto reverente e solidaacuterio de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente
daqueles que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial
dignidaderdquo (STF RE 271286-AgR rel min Celso de Mello Segunda Turma DJE de 24112000 p 101)
Nesse mesmo sentido AI 550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda
Turma DJE de 16-8-2012 323
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p 67-68 324
Veja-se o caso do fornecimento de aparelhos auditivos Ao reveacutes do julgado citado o TJRJ ao considerar em
sua decisatildeo que a prestaccedilatildeo deve ser indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo da sauacutede excluiu os aparelhos auditivos do rol
de prestaccedilotildees exigiacuteveis judicialmente Afirmou-se que ldquoEmbora o aparelho auditivo possa assegurar agrave agravada
153
igualdade em tais demandas tendo em vista que se a sauacutede eacute direito de todos a totalidade de
cidadatildeos enquadrados em determinada situaccedilatildeo deveraacute ter o mesmo tratamento na
concretizaccedilatildeo de seu direito325
Quanto agrave omissatildeo referente agrave infraestrutura baacutesica a situaccedilatildeo eacute ainda mais complexa e
passa pela problemaacutetica jaacute enfrentada acerca da necessidade de se cotejar concretamente se a
ausecircncia de infraestrutura compromete o espectro de prestaccedilotildees que o Estado se obriga a
adimplir seja em decorrecircncia do miacutenimo existencial ou da legislaccedilatildeo e poliacuteticas puacuteblicas em
vigor
De toda maneira em que pese o posicionamento tradicional326
ser o de que a
construccedilatildeo de infraestrutura estaria no campo da conveniecircncia e oportunidade
administrativa327
jaacute existem julgados328
que tecircm obrigado o Poder Puacuteblico a construir
infraestrutura baacutesica necessaacuteria agrave proteccedilatildeo da sauacutede da coletividade sobretudo em accedilotildees que
tomam por base os paracircmetros miacutenimos pactuados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede que
datildeo as diretrizes para as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede accedilotildees essas que contribuem para a
concretizaccedilatildeo do vieacutes instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede
Merece ecircnfase nesse sentido a ementa do julgado a seguir que trata exatamente
acerca da condenaccedilatildeo do Poder Puacuteblico em disponibilizar leitos na rede privada para garantir
o direito agrave sauacutede e cumprir os paracircmetros miacutenimos pactuados nas poliacuteticas puacuteblicas
melhoria na sua qualidade de vida inexiste prova inequiacutevoca de que o mesmo eacute indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo de
sua sauacutede ou que esta se encontre em riscordquo (TJRJ AI 200600227573 Rel Des Caacutessia Medeiros DJ de
13022007) 325
Nesse sentido pondera Ricardo Perlingeiro que ldquoo Judiciaacuterio deve ser destinataacuterio do princiacutepio da isonomia
buscando tratar igualmente os jurisdicionados que se encontrarem na mesma situaccedilatildeo faacutetica Com base nessa
orientaccedilatildeo justificam-se determinados instrumentos processuais tais como as accedilotildees coletivas as suacutemulas
vinculantes e o processo exemplar que tambeacutem servem agrave ideia de um amplo acesso agrave justiccedila e agrave reduccedilatildeo dos
processos judiciais repetitivos ou das causas de massa PERLINGEIRO Ricardo O Princiacutepio da Isonomia na
Tutela Judicial Individual e Coletiva e em Outros Meios de Soluccedilotildees de Conflitos Junto ao SUS e aos Planos
Privados de Sauacutede In BRITO Milton Augusto de SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da
efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 431-432 326
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p 76 327
Nesse sentido destaca-se o seguinte trecho constante no Resp 2520083 RJ DJU de 23 03 2002 ldquo() o juiz
natildeo pode substituir a Administraccedilatildeo Puacuteblica no exerciacutecio do poder discricionaacuterio Assim fica a cargo do
Executivo a verificaccedilatildeo da conveniecircncia e da oportunidade de serem realizados os atos de administraccedilatildeo tais
como a compra de ambulacircncias e de obras de reforma de hospital puacuteblicordquo 328
Por exemplo o TJRS no AI 70004224770 (DJ de 26062002) confirmou liminar em accedilatildeo civil puacuteblica no
sentido de obrigar o Municiacutepio de Passo Fundo a adquirir autoclaves para esterilizaccedilatildeo de instrumentos meacutedicos
No mesmo sentido o STJ no Resp 177883PE (Dje de 01072002) determinou a reintegraccedilatildeo de agentes
sanitaacuterios responsaacuteveis por campanhas de prevenccedilatildeo e combate a epidemias sob o argumento de que a demissatildeo
em massa decretada pelo Poder Puacuteblico poderia gerar danos irreparaacuteveis agrave sauacutede da coletividade
154
EMENTA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DIREITO Agrave SAUacuteDE
DISPONIBILIZACcedilAtildeO DE LEITOS DE UTI AUSEcircNCIA DE VAGAS NO
SUS FORMACcedilAtildeO DE FILA DE ESPERA DISPONIBILIZACcedilAtildeO
DE LEITOS NA REDE PRIVADA GARANTIA CONSTITUCIONAL
CONDENACcedilAtildeO GENEacuteRICA
()
- O Poder Judiciaacuterio ao determinar que o Estado adquira leitos de UTI junto
agrave rede privada para pacientes internados em pronto socorro com risco de
morte ou dano irreparaacutevel agrave sauacutede no caso de esgotamento dos leitos na rede
conveniada do SUS natildeo estaacute criando uma nova obrigaccedilatildeo para o Ente mas
tatildeo somente exigindo que ele cumpra a legislaccedilatildeo pertinente
- Natildeo se deve permitir que as normas orccedilamentaacuterias apesar de seu
relevante papel na Administraccedilatildeo Puacuteblica seja um entrave para a
efetivaccedilatildeo de um direito fundamental considerado prioritaacuterio pela
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988
(TJMG Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 0060157-2920118130223 rel des Daacutercio
Lopardi Mendes Dj de 29-11-2012)
A Accedilatildeo Civil Puacuteblica que iniciou o processo acima por sua vez seguiu as diretrizes
apontadas anteriormente nas Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede com relaccedilatildeo agrave identificaccedilatildeo do
sugerido elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede destacando-se os seguintes
trechos da mesma
()
De acordo com a Portaria GM 1101 de 12062002 o nuacutemero de leitos
para cada 1000 habitantes deve ser de 25 a 3 leitos sendo que para leitos
UTI a necessidade eacute de 4 a 10 do total de leitos hospitalares
()
Analisando a situaccedilatildeo do Municiacutepio de Divinoacutepolis que possui 206867
habitantes (de acordo com o censo IBGE de 2010) haveria necessidade de
acordo com a Portaria GM 1101 de um miacutenimo de 540 leitos sendo 22 de
UTI No entanto o total de leitos SUS no Hospital Satildeo Joatildeo de Deus (uacutenico
credenciado ao SUS no Municiacutepio) eacute de 193 bem inferior ao preconizado
pelo Ministeacuterio da Sauacutede (doc 11)
()
Com tudo isto diante do desrespeito aos direitos mais comezinhos dessa
coletividade que necessita de uma vaga em leito de UTI e atendimento de
urgecircnciaemergecircncia em ambiente hospitalar e que se veem a cada minuto
sem a devida assistecircncia suas chances de vida se reduzem drasticamente eacute
que se pleiteia a tutela jurisdicional no sentido de determinar ao Poder
Puacuteblico a obediecircncia agraves portarias nordm 11012002 e 343298 no que concerne
agrave disponibilizaccedilatildeo de nuacutemero suficiente de leitos UTI para atender agrave
demanda populacional impedindo mais mortes na mencionada ldquofila de
esperardquo em respeito aos direitos fundamentais do cidadatildeo encartados na
Carta Federal
() (Grifos acrescidos)
A saiacuteda para ambos os casos (omissatildeo de prestaccedilotildees materiais e disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura) encontra-se como antes defendido na consolidaccedilatildeo de um procedimento
155
decisoacuterio preacute-definido que leve em consideraccedilatildeo natildeo soacute os efeitos particulares da decisatildeo a ser
proferida mas tambeacutem os efeitos gerais para a sauacutede de todos e que na linha do jaacute exposto
caminhe trilhado ordenadamente pelos seguintes questionamentos i o pleito se enquadra
dentro do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede ii existe ato normativo ou poliacutetica puacuteblica
em vigor que garanta a disponibilizaccedilatildeo do pleito e iii ainda que natildeo apresente amparo legal
direto o pleito aplicado o juiacutezo de proporcionalidade pode ser atendido natildeo soacute para o
demandante mas para todos que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Finalmente antes de passar para o proacuteximo capiacutetulo a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo e reforccedilando
a vasta gama de situaccedilotildees judiciais que podem envolver o direito agrave sauacutede podem ser citados
alguns julgamentos relevantes do STF em que o referido direito foi tratado ainda que de
forma indireta e cuja discussatildeo acerca da invasatildeo do Judiciaacuterio em temas iacutensitos ao campo
poliacutetico veio agrave tona como por exemplo o do debate acerca da proibiccedilatildeo de importaccedilatildeo de
pneus usados329
da comercializaccedilatildeo de amianto330
e da interrupccedilatildeo da gravidez no caso dos
anenceacutefalos331
Feitas tais ponderaccedilotildees pode-se concluir a partir da anaacutelise conjuntural do
enfretamento judicial da mateacuteria que a despeito de o Poder Judiciaacuterio (incluindo o STF) ter
329
ldquoConstitucionalidade de atos normativos proibitivos da importaccedilatildeo de pneus usados Reciclagem de pneus
usados ausecircncia de eliminaccedilatildeo total dos seus efeitos nocivos agrave sauacutede e ao meio ambiente equilibrado Afrontas
aos princiacutepios constitucionais da sauacutede e do meio ambiente ecologicamente equilibrado () Direito agrave sauacutede o
depoacutesito de pneus ao ar livre inexoraacutevel com a falta de utilizaccedilatildeo dos pneus inserviacuteveis fomentado pela
importaccedilatildeo eacute fator de disseminaccedilatildeo de doenccedilas tropicais Legitimidade e razoabilidade da atuaccedilatildeo estatal
preventiva prudente e precavida na adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que evitem causas do aumento de doenccedilas
graves ou contagiosas Direito agrave sauacutede bem natildeo patrimonial cuja tutela se impotildee de forma inibitoacuteria preventiva
impedindo-se atos de importaccedilatildeo de pneus usados idecircntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos
que deles se livram () Ponderaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais demonstraccedilatildeo de que a importaccedilatildeo de pneus
usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de sauacutede e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado (arts 170 I e VI e seu paraacutegrafo uacutenico 196 e 225 da CB) ()rdquo (ADPF 101 Rel Min Caacutermen
Luacutecia julgamento em 24-6-2009 Plenaacuterio DJE de 4-6-2012) 330
ldquo() De maneira que retomando o discurso do Min Joaquim Barbosa a norma estadual no caso cumpre
muito mais a CF nesse plano da proteccedilatildeo agrave sauacutede ou de evitar riscos agrave sauacutede humana agrave sauacutede da populaccedilatildeo em
geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente A legislaccedilatildeo estadual estaacute muito mais proacutexima dos
desiacutegnios constitucionais e portanto realiza melhor esse sumo princiacutepio da eficacidade maacutexima da Constituiccedilatildeo
em mateacuteria de direitos fundamentais e muito mais proacutexima da OIT tambeacutem do que a legislaccedilatildeo federal ()rdquo
(Grifos acrescidos) (ADI 3937-MC Rel Min Marco Aureacutelio voto do Min Ayres Britto julgamento em 4-6-
2008 Plenaacuterio DJE de 10-10-2008) 331
ldquoArguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental ndash Adequaccedilatildeo ndash Interrupccedilatildeo da gravidez ndash Feto
anenceacutefalo ndash Poliacutetica judiciaacuteria ndash Macroprocesso Tanto quanto possiacutevel haacute de ser dada sequecircncia a processo
objetivo chegando-se de imediato a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal Em jogo valores
consagrados na Lei Fundamental ndash como o satildeo os da dignidade da pessoa humana da sauacutede da liberdade e
autonomia da manifestaccedilatildeo da vontade e da legalidade ndash considerados a interrupccedilatildeo da gravidez de feto
anenceacutefalo e os enfoques diversificados sobre a configuraccedilatildeo do crime de aborto adequada surge a arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental () Na dicccedilatildeo da ilustrada maioria entendimento em relaccedilatildeo ao qual
guardo reserva natildeo prevalece em arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental liminar no sentido de
afastar a glosa penal relativamente agravequeles que venham a participar da interrupccedilatildeo da gravidez no caso de
anencefaliardquo (Grifos acrescidos) (ADPF 54-QO Rel Min Marco Aureacutelio julgamento em 27-4-05
Plenaacuterio DJ de 31-8-2007)
156
se demonstrado preocupado com a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e na maioria das vezes
ter se posicionado de maneira favoraacutevel agrave sua interferecircncia no tema332
natildeo existe uma
uniformidade no trato do assunto especialmente pela ausecircncia de uma linha de raciociacutenio
procedimental soacutelida que sem tolher a liberdade de atuaccedilatildeo dos magistrados contribua para
que seja incutida na mente dos mesmos uma conscientizaccedilatildeo preacutevia de como estes devem
proceder para que suas decisotildees sejam eivadas da maacutexima razoabilidade possiacutevel e portanto
consentacircneas com os comandos constitucionais333
Com efeito conforme defendido na presente pesquisa o passo inicial desse caminho a
ser trilhado estaacute na consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede compreendidas no acircmbito da regulamentaccedilatildeo do SUS diretrizes essas que
devem ser mais difundidas e melhor simplificadas para a clara compreensatildeo tanto do
Judiciaacuterio como da sociedade e sobretudo dos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo no acompanhamento
do cumprimento das metas estabelecidas em tais poliacuteticas334
Nesse sentido uma importante medida na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute a
formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar compostas tanto por profissionais de
sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS encarregadas de prestar assistecircncia
332
ldquoConsolidou-se a jurisprudecircncia desta Corte no sentido de que embora o art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988
traga norma de caraacuteter programaacutetico o Municiacutepio natildeo pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessaacuterios
ao gozo do direito agrave sauacutede por todos os cidadatildeos Se uma pessoa necessita para garantir o seu direito agrave sauacutede de
tratamento meacutedico adequado eacute dever solidaacuterio da Uniatildeo do Estado e do Municiacutepio providenciaacute-lordquo (AI
550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda Turma DJE de 16-8-2012) No
mesmo sentido ldquoO recebimento de medicamentos pelo Estado eacute direito fundamental podendo o requerente
pleiteaacute-los de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de
custeaacute-los com recursos proacuteprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se
pautar no espiacuterito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituiccedilatildeo e natildeo criar
entraves juriacutedicos para postergar a devida prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo (RE 607381-AgR Rel Min Luiz Fux
julgamento em 31-5-2011 Primeira Turma DJE de 17-6-2011) 333
Sobre essa questatildeo Gustavo Amaral em estudo sobre o direito agrave sauacutede no Brasil destaca a importacircncia dos
institutos da repercussatildeo geral e dos recursos repetitivos asseverando que ldquoparece adequado esperar que o
Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiccedila busquem proferir decisotildees que transcendam a
adjudicaccedilatildeo para aleacutem dos casos entre as partes diretamente envolvidas Haacute instrumentos para isto
nomeadamente a repercussatildeo geral e os recursos repetitivosrdquo AMARAL Gustavo Sauacutede Direito de Todos
Sauacutede Direito de Cada Um Reflexotildees para a Transiccedilatildeo da Praacutexis Judiciaacuteria In NOBRE Milton Augusto de
Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte
Foacuterum 2011 p 111 334
No mesmo sentido Milton Augusto de Brito Nobre ao comentar o papel do CNJ na busca pela eficiecircncia das
demandas que envolvem o direito a sauacutede aponta entre as carecircncias e disfunccedilotildees constatadas iacutensitas a tais
demandas ldquoa necessidade de maior difusatildeo de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questotildees
teacutecnicas que se originam ou satildeo refletidas nas demandas por prestaccedilotildees de sauacutederdquo NOBRE Milton Augusto de
Brito Da Denominada ldquoJudicializaccedilatildeo da Sauacutederdquo Pontos e Contrapontos In NOBRE Milton Augusto de Brito
SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum
2011 p 354
157
aos magistrados sobretudo com relaccedilatildeo agraves demandas coletivas que exigem a correccedilatildeo de
omissotildees estatais como o deacuteficit de leitos hospitalares remeacutedios meacutedicos etc335
Quanto a esta medida destacam-se as disposiccedilotildees da Recomendaccedilatildeo ndeg 31 do
Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)336
que visa a adoccedilatildeo de medidas que melhor subsidiem os
magistrados e demais operadores do direito para assegurar maior eficiecircncia na soluccedilatildeo das
demandas judiciais envolvendo a assistecircncia agrave sauacutede337
Dentre as recomendaccedilotildees pode ser ressaltada a incorporaccedilatildeo do estudo sobre direito
sanitaacuterio nos programas de formaccedilatildeo vitaliciamento e aperfeiccediloamento de magistrados bem
como a celebraccedilatildeo de convecircnios que objetivem disponibilizar equipes de apoio teacutecnico
compostas por meacutedicos e farmacecircuticos para auxiliar os magistrados na formaccedilatildeo de um juiacutezo
de valor quanto agrave apreciaccedilatildeo das questotildees cliacutenicas apresentadas pelas partes nas accedilotildees
relativas agrave sauacutede observadas as peculiaridades regionais338
Outra medida interessante eacute a possibilidade de se criar varas especializadas em
processar e julgar accedilotildees judiciais que tenham como tema pleitos envolvendo sauacutede puacuteblica de
modo a proporcionar uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito
fundamental pelo Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a isonomia
entre os usuaacuterios do SUS
Quanto a este ponto eacute relevante destacar que atualmente tramita no acircmbito do CNJ
um pedido de providecircncias339
o qual conta com o apoio do Conselho Federal da OAB340
no
335
No Tribunal de Justiccedila da Paraiacuteba por exemplo jaacute foram emitidos diversos pareceres pela equipe teacutecnica
formada para subsidiar decisotildees envolvendo o direito agrave sauacutede Disponiacutevel em httpwwwtjpbjusbrcamara-
tecnica-de-saude-emite-162-pareceres-para-subsidiar-decisoes-judiciais-na-paraiba Acesso em 14062013 336
Publicado no DJe nordm 612010 em 07042010 p 4-6 Disponiacutevel em httpwwwcnjjusbratos-
administrativosatos-da-presidencia322-recomendacoes-do-conselho12113-recomendacao-no-31-de-30-de-
marco-de-2010 Acesso em 14062013 337
A recomendaccedilatildeo em exame veio a ser complementada pela Recomendaccedilatildeo nordm 36 de 12 de julho de 2011que
dentre outras medidas alertou para a necessidade de os magistrados oficiarem quando cabiacutevel e possiacutevel oacutergatildeos
como a ANVISA e ANS para se manifestarem acerca da mateacuteria debatida em sauacutede 338
Corroborando Bruno Espintildeeira Lemos assevera que ldquoo Judiciaacuterio como insistentemente tem se sustentado
na esfera dos profissionais da sauacutede puacuteblica brasileira necessita com urgecircncia criar assessorias teacutecnicas que lhe
deem suporte nas decisotildees que envolvam o direito agrave sauacutede LEMOS Bruno Espintildeeira Sobre o direito puacuteblico agrave
sauacutede simboacutelica anaacutelise criacutetica de precedente com potencial irradiador em busca do ldquocaminho do meiordquo
(afastamento das absolutizaccedilotildees natildeo razoaacuteveis) In GABURRI Fernando DUARTE Bento Herculano (coords)
A Fazenda Puacuteblica agrave luz da atual jurisprudecircncia dos Tribunais brasileiros Curitiba Juruaacute 2011 p 61 339
O conteuacutedo na iacutentegra de tal pedido encontra-se no siacutetio eletrocircnico a seguir httpsconjurcombrdlflavio-
dino-propoe-criacao-varas-julgarpdf 340
Nesse contexto o Secretaacuterio Geral da OAB Sr Claudio Souza Neto ressaltou ser ldquofundamental que os
magistrados conheccedilam o sistema de sauacutede em profundidade possam dialogar com os administradores que atuam
nesse sistema com meacutedicos usuaacuterios e com os secretaacuterios de sauacutede para que se perpetue esse aspecto virtuoso
de garantia do direito agrave sauacutede e as disfunccedilotildees possam ser superadas a partir da especializaccedilatildeordquo Disponiacutevel em
httpwwwoaborgbrnoticia25689oab-apoia-criacao-de-varas-especializadas-em-direito-a-saude Acesso em
24062013
158
sentido de que seja editada uma resoluccedilatildeo determinando aos tribunais brasileiros a criaccedilatildeo de
varas especializadas no processamento e julgamento de accedilotildees ciacuteveis e criminais que tenham
por objeto o direito agrave sauacutede
Tal pedido de providecircncia fundamenta-se em diversas frentes argumentativas
destacando-se a apresentaccedilatildeo de exemplos de especializaccedilotildees que tiveram sucesso no paiacutes
(como as varas da infacircncia e juventude violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher idosos
etc) a exposiccedilatildeo de dados sobre accedilotildees judiciais no tema (apontando-se que tramitam cerca de
240 mil accedilotildees na aacuterea de sauacutede a maioria delas envolvendo requerimento de medicamentos e
procedimentos no acircmbito do SUS) bem como a demonstraccedilatildeo de importantes avanccedilos
alcanccedilados graccedilas agrave atuaccedilatildeo judicial (como foi o caso dos coqueteacuteis do viacuterus HIV)
Pois bem tudo que foi dito no presente capiacutetulo voltou-se agrave defesa da possibilidade da
atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que norteada por criteacuterios objetivos
que garantam maior seguranccedila aos julgados e uniformidade na mateacuteria destacando-se dentre
as proposiccedilotildees defendidas a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede e da
importacircncia de seu elemento instrumental na delimitaccedilatildeo da objetividade almejada
No capiacutetulo a seguir seratildeo analisados341
alguns temas especiacuteficos que apesar de (ateacute
certo ponto) externos agrave discussatildeo sobre o enfrentamento judicial na mateacuteria se apresentam
como relevantes reforccedilos para a correccedilatildeo do deacuteficit de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no
paiacutes
341
O capiacutetulo que se segue natildeo tem pretensotildees de exaustivamente exaurir as temaacuteticas que seratildeo nele tratadas
Ao contraacuterio busca examinar de maneira concisa temas pontuais e relevantes para a problemaacutetica da
efetividade do direito agrave sauacutede os quais poderatildeo ser mais bem debatidos em uma pesquisa posterior mais
aprofundada
159
6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO
DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
No capiacutetulo terceiro da presente pesquisa esclareceu-se que apesar de o processo de
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede ser atrelado a ideia de gradualidade a conjuntura atual do
quadro sanitaacuterio do paiacutes denota um verdadeiro deacuteficit desse processo jaacute que a realizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede encontra-se bem longe de ser harmocircnica com a estruturaccedilatildeo prevista ldquono
papelrdquo para o SUS sendo vivenciadas dia a dia autecircnticas situaccedilotildees de desrespeito a esse
relevante direito do cidadatildeo
Defendeu-se nessa linha de raciociacutenio que frente a ineficiecircncia do Executivo e do
Legislativo natildeo soacute era possiacutevel como tambeacutem necessaacuterio para a correccedilatildeo do deacuteficit de
gradualidade apontado um papel ativo do Judiciaacuterio na questatildeo da efetividade do direito agrave
sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos que trouxessem seguranccedila juriacutedica e nesse
contexto buscou-se delimitar tais paracircmetros sobretudo a partir da construccedilatildeo de um miacutenimo
existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede calcado na importacircncia do conhecimento acerca
das especificidades estruturais do SUS
Contudo aleacutem da contribuiccedilatildeo de um Judiciaacuterio atuante a partir de criteacuterios preacute-
definidos e objetivos fator que pode ser enquadrado como o carro-chefe da tarefa de se
empreender uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consentacircnea com os ditames
constitucionais outras iniciativas podem se enquadrar como mecanismos que contribuem para
essa empreitada Ganha destaque nesse contexto a necessidade de se reestruturar os
Conselhos de Sauacutede com vistas a intensificar a participaccedilatildeo popular na gestatildeo do SUS bem
como de se empreender uma harmonizaccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio com a prioridade
constitucional direcionada agrave sauacutede puacuteblica
61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE
NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO
A atual crise da democracia representativa brasileira marcada pela adoccedilatildeo cada vez
mais recorrente de medidas em niacutetido descompasso com os desiacutegnios do povo342
(e ateacute
342
Corroborando com esse pensamento Friedrich Muumlller aponta que o direito de voto apesar de standard
miacutenimo inarredaacutevel da democracia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para esta jaacute que o povo se
encontra antes e apoacutes as eleiccedilotildees apenas relativamente livre frente ao aumento alarmante da possibilidade de
manipulaccedilatildeo sobretudo pela miacutedia dos menos esclarecidos MUumlLLER Friedrich O novo paradigma do
direito introduccedilatildeo agrave teoria e metoacutedica estruturantes 3deg ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 257
160
mesmo com os proacuteprios princiacutepios constitucionais) tem distanciado os governantes dos
governados e alertado para a necessidade de se consolidar instrumentos que garantam a
implementaccedilatildeo de uma verdadeira democracia participativa cuja estruturaccedilatildeo se funda
primordialmente no princiacutepio da soberania popular343
Vislumbra-se pois a necessidade de se dinamizar a democracia344
por meio de
instrumentos de controle e participaccedilatildeo popular que oportunizem o exerciacutecio direto da
vontade geral sendo o elemento ldquoparticipaccedilatildeordquo exatamente a faceta dinacircmica da democracia
que conduz o processo poliacutetico e permite concretizar de maneira legiacutetima uma poliacutetica de
superaccedilatildeo dos eventuais conflitos345
Antes de adentrar no exame da funcionalidade dos Conselhos de Sauacutede como um
desses instrumentos acima referidos (mesma situaccedilatildeo da figura do orccedilamento participativo a
ser analisada no toacutepico seguinte) faz-se relevante um breve esboccedilo acerca das noccedilotildees baacutesicas
da teorizaccedilatildeo de uma democracia participativa e suas implicaccedilotildees na realidade constitucional
brasileira346
611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica
A noccedilatildeo de uma democracia participativa liga-se ao proacuteprio processo evolutivo da
democracia ao longo da histoacuteria o qual eacute marcado pela passagem de uma soberania popular
meramente formal calcada na busca pela sustentabilidade e justificaccedilatildeo dos governos para
uma visatildeo material em que se verifica a real preservaccedilatildeo do exerciacutecio do poder poliacutetico
343
BONAVIDES Paulo Teoria Constitucional da Democracia Participativa 3deg ed Satildeo Paulo Malheiros
2008 p 51 344
Sobre a questatildeo democraacutetica Dworkin aponta que atualmente existe um debate acerca do tema que natildeo se
traduz num conceito uacutenico mas em profunda controveacutersia sobre a melhor versatildeo possiacutevel da democracia Na
visatildeo do referido autor o debate circunda em torno da premissa majoritaacuteria como um ponto central no sentido
de que esta premissa indica que os procedimentos poliacuteticos devem se conduzir de tal forma que a decisatildeo
alcanccedilada seja a resoluccedilatildeo que favorece a uma maioria ou pluralidade de cidadatildeos ou favoreceria se tivesse
informaccedilotildees adequadas e tempo suficiente para esta reflexatildeo ao menos que esta direccedilatildeo valha para questotildees
importantes DWORKIN Ronald La lectura moral de la constituicioacuten y la premisa mayoritaria Instituto de
Investigaciones Juriacutedicas Universidade Nacional Autoacutenoma de Meacutexico 2002 pp 03-29 345
BONAVIDES Paulo Poliacutetica e Constituiccedilatildeo os caminhos da democracia Rio de Janeiro Forense 1985
p 509 apud CARNEIRO Rommel Madeiro de Macedo Teoria da Democracia Participativa anaacutelise agrave luz do
princiacutepio da soberania popular In Revista Juriacutedica da Presidecircncia da Repuacuteblica v 9 ndeg 87 outnov 2007
p 29 346
A pretensatildeo deste toacutepico eacute apenas alertar para a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede como instrumentos de
aperfeiccediloamento de uma democracia participativa natildeo se pretendendo assim desenvolver um exame a fundo
das diferentes teorias acerca da democracia Contudo para o aprofundamento da questatildeo sobretudo acerca das
diferenciaccedilotildees entre as correntes democraacuteticas do liberalismo e comunitarismo e o consequente desenvolvimento
de democracias procedimentais ou substantivas conferir BIELSCHOWSKY Raoni Macedo Democracia
Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2013
161
voltado aos fins coletivos em um quadro de maior participaccedilatildeo e responsabilidade dos
governados
Corrobora com esta visatildeo o raciociacutenio desenvolvido por Paulo Bonavides no sentido
de que no processo de releitura da democracia esta deixa de ser simplesmente uma espeacutecie
de regime poliacutetico e passa a ser encarada como um autecircntico direito (de quarta geraccedilatildeo) que
juntamente com o direito agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo formam a triacuteade necessaacuteria para a
concretizaccedilatildeo da sociedade aberta compreendendo o futuro da cidadania e o porvir da
liberdade dos povos347
Nesse contexto as concepccedilotildees democraacuteticas contemporacircneas tidas como contra-
hegemocircnicas acabam rompendo com a ideologia claacutessica de que o regime democraacutetico seria
uma elaboraccedilatildeo teoacuterica empregada pelos governantes para legitimar o poder e passam a
defender uma leitura da democracia como uma gramaacutetica de organizaccedilatildeo social e da relaccedilatildeo
entre estado e sociedade348
Dentre essas concepccedilotildees destaca-se as construccedilotildees teoacutericas de
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo como elemento de uma sociedade aberta (Peter Haumlberle) e de
democracia deliberativa (Juumlrgen Habermas)
De maneira sucinta a concepccedilatildeo procedimental de democracia desenvolvida por
Habermas buscou abrir espaccedilo para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como
praacutetica da sociedade e natildeo apenas como meacutetodo de constituiccedilatildeo de governos e a partir da
noccedilatildeo de esfera puacuteblica (tido como o local em que os indiviacuteduos pudessem discutir os
problemas em busca de consensos) o referido autor propocircs uma sistemaacutetica de superaccedilatildeo dos
limites da democracia representativa baseada na capacidade da sociedade influenciar o
processo poliacutetico de tomada de decisatildeo a partir de uma aberta discussatildeo349
A ideia de democracia deliberativa eacute desta maneira o ponto de partida para a
compreensatildeo dos arranjos participativos que buscam viabilizar formas diretas de participaccedilatildeo
poliacutetica como eacute o caso dos canais de participaccedilatildeo que satildeo abertos a partir dos Conselhos de
Sauacutede e suas relevantes funccedilotildees350
347
BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 571 348
SANTOS Boaventura de Sousa amp AVRITZER Leonardo Democratizar a democracia os caminhos da
democracia participativa Porto Ediccedilotildees Afrontamento 2002 p 15 Disponiacutevel em
httpptscribdcomdoc52853920Boaventura-de-Sousa-Santos-Democratizar-a-democracia-Os-caminhos-da-
democracia-participativa Acesso em 14062013 349
SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia
deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica
Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 146 350
Sobre a noccedilatildeo de democracia deliberativa Claacuteudio Pereira de Souza Neto aponta que ldquoa democracia
deliberativa surge nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX como alternativa agraves teorias da democracia entatildeo
predominantes as quais a reduziam a um processo de agregaccedilatildeo de interesses particulares cujo objetivo seria a
escolha de elites governantes () A democracia deve envolver aleacutem da escolha de representantes tambeacutem a
162
Conforme se veraacute mais adiante uma das grandes problemaacuteticas com relaccedilatildeo aos
Conselhos de Sauacutede eacute exatamente a dificuldade em se fazer valer os consensos construiacutedos a
partir dos debates realizados e quanto a esta questatildeo eacute pertinente o pensamento de Joshua
Cohen com relaccedilatildeo a potencialidade de os membros da sociedade efetivamente participarem
das decisotildees poliacuteticas
O referido autor tambeacutem tem seu eixo de pensamento desenvolvido a partir da ideia de
democracia deliberativa contudo a preocupaccedilatildeo do seu raciociacutenio eacute a operacionalizaccedilatildeo
dessa deliberaccedilatildeo a partir da institucionalizaccedilatildeo de arranjos de modo a efetivar natildeo somente a
participaccedilatildeo mas tambeacutem as decisotildees dos cidadatildeos Pugna portanto pela ampliaccedilatildeo do
pensamento habermasiano ao defender que os debates travados na esfera puacuteblica natildeo devem
soacute meramente influenciar as decisotildees poliacuteticas uma vez que a legitimidade da democracia
encontra-se exatamente na possibilidade das decisotildees serem tomadas conjuntamente entre
Estado e membros da sociedade351
Noutro poacutertico tambeacutem merece atenccedilatildeo as liccedilotildees de Haumlberle cuja construccedilatildeo teoacuterica
tem suas balizas nos ideais de democracia participativa e se desdobra no alargamento do
ciacuterculo de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo e na noccedilatildeo de interpretaccedilatildeo como um processo aberto e
puacuteblico iacutensito a sociedade plural352
Desta maneira ao trazer para a ciecircncia hermenecircutica a importacircncia de uma
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo a partir de uma sociedade plural elevando o povo agrave condiccedilatildeo de
inteacuterprete e democratizando o processo de interpretaccedilatildeo das normas constitucionais referido
autor defende ser na realidade social o local onde se encontram os criteacuterios determinantes do
processo interpretativo e por isso o papel do povo nesse processo deve ser valorizado353
Para tanto faz-se necessaacuterio de modo a se alcanccedilar a viabilidade praacutetica da aludida
teoria a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo aberta que garanta o pluralismo e instrumentos de
democracia participativa podendo-se defender nesse contexto que a atual Constituiccedilatildeo de
1988 se enquadra nessa moldura e a previsatildeo da participaccedilatildeo da comunidade no acircmbito do
SUS eacute um dos vaacuterios exemplos que respaldam esse enquadramento
possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questotildees a serem decididas () mas para que essa
funccedilatildeo se realize a deliberaccedilatildeo deve se dar em um contexto aberto livre e igualitaacuterio SOUZA NETO Claacuteudio
Pereira de Deliberaccedilatildeo Puacuteblica Constitucionalismo e Cooperaccedilatildeo Democraacutetica In BARROSO Luiacutes Roberto
(org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 43-44 351
SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia
deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica
Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 152 352
BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 465-466 353
HAumlBERLE Peter Hermenecircutica Constitucional a sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Fabris 1997 p 13
163
Pois bem feitas tais consideraccedilotildees tem-se que jaacute foi visto na presente pesquisa que o
reconhecimento do direito agrave sauacutede como questatildeo intriacutenseca agrave democracia e agrave participaccedilatildeo
social decorre diretamente de diretriz do SUS encampada na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal
(fruto dos esforccedilos da base poliacutetico-ideoloacutegica da Reforma Sanitaacuteria Brasileira) ganhando
vida a partir dos Conselhos e Conferecircncias de Sauacutede institucionalizadas como autecircnticos
espaccedilos de participaccedilatildeo e controle social na sauacutede354
Tal caracteriacutestica iacutempar entre os direitos sociais aleacutem de corroborar com a ideia jaacute
defendida de estar o direito agrave sauacutede posicionado em uma espeacutecie de primeiro plano dentre os
direitos fundamentais sociais frente a sua natureza de direito impreteriacutevel e polifaceacutetico
significa a adoccedilatildeo no ordenamento brasileiro da ideia de que as bases das poliacuteticas puacuteblicas
em sauacutede devem ser ditadas e priorizadas a partir das necessidades mais latentes do povo
reforccedilando a importacircncia da democracia participativa na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Desta maneira satildeo os Conselhos de Sauacutede e as Conferecircncias as instacircncias colegiadas
que materializam a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS funcionando como
relevantes instrumentos para a correccedilatildeo das problemaacuteticas encontradas na efetividade do
direito agrave sauacutede no cenaacuterio hodierno paacutetrio jaacute que possuem responsabilidades tanto na
elaboraccedilatildeo das diretrizes das poliacuteticas em sauacutede como tambeacutem no controle e fiscalizaccedilatildeo do
atingimento das metas pactuadas
Daiacute se dizer que tais Conselhos constituem instacircncias de cogestatildeo puacuteblica integrantes
de um novo tecido social descentralizado e participativo o qual possibilita o reconhecimento
da subjetividade e da diversidade como parte da cidadania e aproxima o direito agrave sauacutede dos
ideais democraacuteticos355
devendo-se portanto serem buscadas medidas que garantam o
eficiente funcionamento dos mesmos
612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil
354
Antes da instituiccedilatildeo do SUS e dos conselhos de sauacutede jaacute existia o embriatildeo da participaccedilatildeo popular no
controle dos recursos descentralizados para estados e municiacutepios Com o Plano Nacional de Reorientaccedilatildeo da
Assistecircncia agrave Sauacutede pela Previdecircncia Social (1981) foi instituiacutedo o programa de Accedilotildees Integradas de Sauacutede ndash
AIS (1983) que era a grosso modo a transferecircncia de recursos para o custeio de serviccedilos Na esteira da criaccedilatildeo
das AIS surgiram nos estados as Comissotildees Interinstitucionais de Sauacutede ndashCIS e nos municiacutepios as Comissotildees
Interinstitucionais Municipais de Sauacutede ndashCIMS Essas comissotildees foram precursoras dos atuais conselhos de
sauacutede pois jaacute contavam com representantes da sociedade civil organizada ZELENOVSKY Maria Antonia
Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees
de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso
em 14062013 355
FLEURY Sonia A questatildeo democraacutetica na sauacutede In FLEURY Sonia (org) Sauacutede e democracia a luta
do CEBES Satildeo Paulo Lemos Editorial 1997 p 40
164
Como visto os Conselhos de Sauacutede foram institucionalizados pela Lei 814290 e as
diretrizes para sua criaccedilatildeo e funcionamento estatildeo reguladas pela Resoluccedilatildeo nordm 33303 do
Ministeacuterio da Sauacutede Tais foacuteruns colegiados atuam em caraacuteter permanente e deliberativo e satildeo
compostos por representantes do governo prestadores de serviccedilo profissionais e usuaacuterios
(cuja representaccedilatildeo eacute paritaacuteria com relaccedilatildeo ao conjunto dos demais segmentos356
) atuando na
formulaccedilatildeo de estrateacutegias e no controle da execuccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede inclusive nos
aspectos econocircmicos e financeiros
As Conferecircncias de Sauacutede por sua vez satildeo instacircncias temporaacuterias que se reuacutenem a
cada quatro anos e possuem a importante funccedilatildeo de avaliar a situaccedilatildeo de sauacutede do paiacutes aleacutem
de propor as diretrizes para a formulaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede nos niacuteveis correspondentes
podendo ser convocada pelo Poder Executivo ou extraordinariamente pelo proacuteprio Conselho
de Sauacutede
A partir da VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede de 1986 tida como marco histoacuterico da
luta democraacutetica no campo da sauacutede tem sido constatada uma crescente participaccedilatildeo da
sociedade nas conferecircncias subsequentes as quais continuamente aprovam inuacutemeras
resoluccedilotildees sobre variados subtemas em sauacutede o que se por um lado demonstra uma maior
preocupaccedilatildeo social em contribuir para a mudanccedila da situaccedilatildeo da sauacutede no paiacutes tambeacutem
denota que a diversidade e complexidade dos problemas enfrentados tendem a uma
pulverizaccedilatildeo das deliberaccedilotildees o que acaba dificultando a identificaccedilatildeo das prioridades de
cada localidade357
Assim em que pese praticamente todos os municiacutepios brasileiros358
possuiacuterem
Conselhos de Sauacutede e realizarem as respectivas Conferecircncias nem sempre tais oacutergatildeos
conseguem contribuir de maneira eficaz para o planejamento da sauacutede puacuteblica jaacute que alguns
fatores impossibilitam a perfeita realizaccedilatildeo de todas as funccedilotildees inerentes aos mesmos
Nesse sentido a Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa do Ministeacuterio da
Sauacutede vem promovendo avaliaccedilotildees sobre a inserccedilatildeo das deliberaccedilotildees de tais foacuteruns nos
processos decisoacuterios e nos modos de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas locais de
sauacutede no intuito de aferir o niacutevel de eficaacutecia democraacutetica dos mesmos e propor inovaccedilotildees
356
A representaccedilatildeo paritaacuteria (25 de trabalhadores de sauacutede 25 de prestadores de serviccedilos (puacuteblicos e
privados) 50 de usuaacuterios) foi estabelecida como forma da comunidade ter efetiva participaccedilatildeo 357
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 12 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013 358
Como jaacute visto a normatizaccedilatildeo do SUS estipulou a criaccedilatildeo de Conselhos como exigecircncia para o repasse de
verbas fundo a fundo assim a maior parte dos municiacutepios e todos os estados da federaccedilatildeo o fizeram
165
metodoloacutegicas visando agrave ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo social sobretudo a partir da alocaccedilatildeo de
recursos para a capacitaccedilatildeo no campo da educaccedilatildeo em sauacutede359
Contudo antes de partir para uma anaacutelise dos principais problemas enfrentados no
acircmbito dos Conselhos e apresentar hipoacuteteses de soluccedilatildeo para os mesmos faz-se imperioso
reforccedilar as funccedilotildees mais relevantes de tais foacuteruns deliberativos espalhadas nos principais
instrumentos legislativos relacionados agrave sauacutede puacuteblica
A Constituiccedilatildeo Federal no art 77 III sect 3deg do ADCT jaacute deixa claro que os recursos
das dos Estados do DF e dos Municiacutepios destinados agrave sauacutede e os transferidos pela Uniatildeo para
a mesma finalidade seratildeo aplicados por meio do Fundo de Sauacutede cuja fiscalizaccedilatildeo e
acompanhamento cabem aos respectivos Conselhos de Sauacutede Tal incumbecircncia eacute reforccedilada no
art 33 da Lei do SUS a qual tambeacutem deixa clara a necessidade de serem tais oacutergatildeos
deliberativos ouvidos no processo de planejamento e orccedilamento do SUS (art 36) cabendo ao
Conselho Nacional de Sauacutede estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboraccedilatildeo dos
planos de sauacutede (art 37)
Na jaacute mencionada Lei nordm 814290 aleacutem das disposiccedilotildees jaacute informadas eacute de se
destacar a regra constante no inciso II do art 4deg o qual inclui entre os requisitos para que os
Estados e Municiacutepios recebam os repasses de verbas automaacuteticos fundo a fundo a preacutevia
existecircncia de Conselho de Sauacutede que respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios o que
reforccedila a importante funccedilatildeo fiscalizatoacuteria de tais conselhos
Em acircmbito infralegal a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 3992006 que divulga o
Pacto pela Sauacutede ao tratar da importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social enumera
dentre outras accedilotildees relevantes como a necessidade de serem apoiados os conselhos de sauacutede
as conferecircncias e os movimentos sociais que atuam no campo de sauacutede o processo de
formaccedilatildeo dos conselheiros a participaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos cidadatildeos nos serviccedilos de sauacutede o
processo de educaccedilatildeo popular em sauacutede visando agrave qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo
social no SUS
Aleacutem disso o mesmo instrumento ao tratar da responsabilidade dos Municiacutepios no
planejamento e programaccedilatildeo do plano de sauacutede termina reforccedilando a necessidade de ser tal
plano submetido ao crivo do Conselho de Sauacutede correspondente para aprovaccedilatildeo bem como
dispotildee que as decisotildees pactuadas a partir das negociaccedilotildees das Comissotildees Intergestores que
versarem sobre mateacuteria da esfera de competecircncia dos conselhos deveratildeo ser tambeacutem
submetidas agrave apreciaccedilatildeo destes
359
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 18 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013
166
Na Portaria nordm 6482006 que aprova a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica por sua
vez ao tratar do financiamento da atenccedilatildeo baacutesica eacute estabelecido que os repasses referentes
aos pisos de atenccedilatildeo baacutesico aos municiacutepios devem ser efetuados em conta aberta
especificamente para essa finalidade objetivando facilitar o acompanhamento dos respectivos
Conselhos os quais juntamente com o Poder Legislativo e o Ministeacuterio Puacuteblico deveratildeo ser
notificados quanto aos avisos de creacutedito lanccedilados juntamente medida de suma relevacircncia para
a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos em sauacutede
Aleacutem disso tal Portaria reforccedila a necessidade da comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos
recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede ser apresentada ao Ministeacuterio da Sauacutede e
ao Estado atraveacutes de relatoacuterio de gestatildeo o qual tambeacutem deveraacute ser aprovado pelo respectivo
Conselho
Finalmente a aludida Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede eacute o instrumento
mais especiacutefico quanto ao tema e apresenta importantes regras relacionadas agrave estruturaccedilatildeo e
funcionamento dos Conselhos destacando-se o seguinte
i o dever360
de o Executivo respeitar os princiacutepios democraacuteticos a partir do
consequente acolhimento das demandas da populaccedilatildeo consubstanciadas nas
Conferecircncias de Sauacutede
ii a natureza de funccedilatildeo de relevacircncia puacuteblica361
dos respectivos conselheiros
os quais ficam dispensados do seu trabalho durante as accedilotildees especiacuteficas no
respectivo Conselho
iii o dever de o governo362
garantir autonomia para o pleno funcionamento dos
Conselhos dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria (com gerenciamento do orccedilamento pelo
proacuteprio Conselho) Secretaria Executiva e estrutura administrativa
iv a necessidade de a cada trecircs meses363
o gestor de sauacutede local se pronunciar
perante o Conselho acerca do andamento da agenda de sauacutede pactuada
apresentando o relatoacuterio de gestatildeo com a respectiva prestaccedilatildeo de contas
sobre o montante e a forma de aplicaccedilatildeo dos recursos repassados bem como
a descriccedilatildeo da produccedilatildeo e ofertas de serviccedilos na rede assistencial proacutepria ou
contratada com a respectiva comprovaccedilatildeo de congruecircncia com os princiacutepios
e diretrizes do SUS
360
Paraacutegrafo uacutenico da segunda diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 361
Inciso X da terceira diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 362
Caput da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 363
Inciso X da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede
167
v oitiva do Ministeacuterio Puacuteblico em caso de necessidade de auditorias externas e
independentes feitas pelos Conselhos sobre as contas e atividades do gestor
do SUS bem como recurso para o Parquet em caso de natildeo homologaccedilatildeo dos
atos deliberativos dos Conselhos pelo chefe do poder constituiacutedo em cada
esfera de governo no prazo de trinta dias364
e
vi a competecircncia dos Conselhos para especialmente365
vi1 definir as
diretrizes para elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e sobre eles deliberar
conforme as diversas situaccedilotildees epidemioloacutegicas e a capacidade
organizacional dos serviccedilos vi2 aprovar a proposta orccedilamentaacuteria anual da
sauacutede tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de
Diretrizes Orccedilamentaacuterias observado o princiacutepio do processo de
planejamento e orccedilamentaccedilatildeo ascendentes vi3 propor criteacuterios para a
programaccedilatildeo e execuccedilatildeo financeira e orccedilamentaacuteria dos Fundos de Sauacutede
acompanhando a movimentaccedilatildeo e destinaccedilatildeo dos recursos fiscalizando e
controlando os gastos e finalmente deliberando sobre os criteacuterios de
movimentaccedilatildeo de tais recursos fundo a fundo
Do exame das atribuiccedilotildees acima citadas depreende-se que os Conselhos e as
respectivas Conferecircncias de Sauacutede se apresentam como os instrumentos basilares para a
concretizaccedilatildeo da diretriz constitucional do SUS referente agrave participaccedilatildeo da comunidade
funcionando como um catalizador do processo de construccedilatildeo de uma democracia participativa
em mateacuteria de sauacutede no ordenamento paacutetrio jaacute que tais foacuteruns representativos possuem
funccedilotildees tanto relacionadas com a fiscalizaccedilatildeo e acompanhamento da aplicaccedilatildeo dos recursos
como tambeacutem com a proacutepria elaboraccedilatildeo e participaccedilatildeo das diretrizes que embasaratildeo o
planejamento em sauacutede
De se destacar desde jaacute outro importante aspecto dos Conselhos que seraacute pertinente
para o exame do toacutepico seguinte que eacute o fato de tais foacuteruns funcionarem como mitigadores da
proacutepria discricionariedade do administrador no processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas em sauacutede jaacute que as escolhas e prioridades a serem empreendidas devem estar
amoldadas agraves diretrizes expostas pelos Conselhos na elaboraccedilatildeo do plano de sauacutede e por estes
aprovadas366
364
Incisos XI e XII da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 365
Incisos X XII XIII e XIV da quinta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 366
No mesmo sentido aponta Faacutetima Vieira Henriques que ldquose uma poliacutetica sanitaacuteria tiver sido objeto de lei ou
de resoluccedilatildeo emanada dos Conselhos de Sauacutede bem como se tiver o proacuteprio administrador a elaborado e
168
Nesse sentido tais Conselhos consubstanciam um importante canal de abertura para
um controle popular na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o papel dos mesmos termina se
estendendo por toda a cadeia da poliacutetica puacuteblica de sauacutede jaacute que atuam tanto na fase anterior
(elaboraccedilatildeo) quanto na concomitante (acompanhamento) e na posterior (aprovaccedilatildeo das
prestaccedilotildees de conta quanto agraves metas pactuadas) o que soacute sobreleva a necessidade de tais
foacuteruns serem melhor estruturados eficientemente capacitados e principalmente cobrados
quanto ao pleno exerciacutecio de suas atribuiccedilotildees Ou seja a realizaccedilatildeo praacutetica e de maneira
eficaz das atribuiccedilotildees previstas para tais oacutergatildeos deliberativos eacute um objetivo que deve ser
buscado e cada vez mais aperfeiccediloado significando sua concretizaccedilatildeo um importante
mecanismo para a efetividade do direito agrave sauacutede
Ocorre que infelizmente a realidade de tais Conselhos eacute bastante diferente da
previsatildeo arquitetada no papel e diversos problemas organizacionais dificultam a perfeita
estruturaccedilatildeo praacutetica dos mesmos conforme se veraacute adiante
Em primeiro lugar pode ser destacada a falta de infraestrutura minimamente
organizada aleacutem de apoio administrativo operacional econocircmico e financeiro para o seu
pleno e regular funcionamento o que acaba dificultando a anaacutelise dos assuntos colocados em
pauta e desestimulando a atuaccedilatildeo dos conselheiros
Nesse sentido frente agrave natureza de relevacircncia puacuteblica dos conselheiros e a importacircncia
das atribuiccedilotildees dos respectivos Conselhos de Sauacutede a estruturaccedilatildeo miacutenima que garanta a
potencialidade de eficiecircncia dos mesmos deve ser mais levada a seacuterio pelo Poder Puacuteblico
como verdadeira prioridade devendo o cumprimento das disposiccedilotildees acima referenciadas
serem fiscalizadas tanto pela populaccedilatildeo como pelo Ministeacuterio Puacuteblico sendo quando
necessaacuterio pleiteado judicialmente o respeito a tais determinaccedilotildees
A soluccedilatildeo para este problema eacute simples Por forccedila da Lei nordm 814290 como jaacute
mencionado dentre os requisitos para que os Estados e Municiacutepios possam receber os repasse
fundo a fundo encontra-se a necessidade de preacutevia existecircncia de Conselho de Sauacutede que
respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios
Defende-se que a leitura dessa previsatildeo deve ser no sentido de que ldquopreacutevia existecircnciardquo
natildeo diz respeito unicamente a existecircncia de uma estrutura fiacutesica em si (meramente um preacutedio
implementado passa a ser dever praticar os atos concretos necessaacuterios agrave sua execuccedilatildeo inclusive fazer constar do
orccedilamento creacutedito correspondente dotaacute-lo de recursos bastantes e liberaacute-los oportunamente Igualmente caso o
administrador tenha decidido colocar em funcionamento determinado serviccedilo de sauacutede teraacute se comprometido
logicamente a prestaacute-lo com eficiecircncia ateacute porque adstrito que estaacute pela Constituiccedilatildeo natildeo lhe eacute dado agir
diferentemente Tambeacutem aqui por oacutebvio natildeo haacute discricionariedade possiacutevelrdquo HENRIQUES Faacutetima Vieira
Direito Prestacional agrave sauacutede e Atuaccedilatildeo Jurisdicional In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel
(coords) Direitos sociais Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro
Lumen Juris 2010 p 858
169
do Conselho ou uma sala) mas mais do que isso o respeito agrave todas as disposiccedilotildees quanto ao
funcionamento e estruturaccedilatildeo dos Conselhos previstas na jaacute referida Resoluccedilatildeo nordm 3332003
do Ministeacuterio da Sauacutede podendo e devendo desta maneira o Judiciaacuterio ao ser provocado
(especialmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico) determinar a suspensatildeo dos repasses de valores dos
fundos de sauacutede ateacute que sejam respeitadas e cumpridas as determinaccedilotildees quanto ao
funcionamento regular e eficiente de tais Conselhos por parte do Poder Puacuteblico
Outro relevante problema estrutural que claramente compromete a proacutepria essecircncia
democraacutetica de tais Conselhos eacute o fato de em alguns casos a presidecircncia dos mesmos acabar
sendo exercida pelos proacuteprios gestores dos recursos do SUS o que termina subvertendo
completamente a loacutegica de funcionamento de tais Conselhos jaacute que os gestores acabam se
tornando fiscais de si proacuteprio prejudicando assim a ideia de participaccedilatildeo paritaacuteria dos
usuaacuterios aleacutem de ofender os nortes constitucionais da democracia participativa moralidade
administrativa e participaccedilatildeo da comunidade no SUS
Desta maneira os regimentos internos dos Conselhos de Sauacutede pelo Brasil afora que
estabelecem gestores de sauacutede como seus presidentes natos ofendem os artigos 1deg II e
paraacutegrafo uacutenico art 37 caput e art 198 III da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildee
respectivamente sobre democracia participativa princiacutepio da moralidade e participaccedilatildeo da
comunidade como diretriz do SUS367
jaacute que em tais circunstacircncias resta confundida a figura
de controlador com a de controlado o que em uacuteltima instacircncia fulmina o relevante papel
fiscalizador e controlador de tais Conselhos Daiacute por que ser medida mais aconselhaacutevel agrave
resoluccedilatildeo deste problema a alteraccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede no
sentido de acrescentar a proibiccedilatildeo do gestor ocupar a respectiva presidecircncia dos Conselhos
Seguindo outro entrave ao pleno funcionamento dos Conselhos eacute o recorrente retardo
prolongado ou ateacute mesmo a proacutepria falta de homologaccedilatildeo por parte do gestor das
deliberaccedilotildees do Conselho o que leva ao risco de tornar sem efeito tais decisotildees e termina
prejudicando a realizaccedilatildeo dos anseios acordados no acircmbito desses oacutergatildeos deliberativos jaacute que
a implementaccedilatildeo efetiva das decisotildees empreendidas nas reuniotildees depende de homologaccedilatildeo
parar surtir efeitos praacuteticos368
Como natildeo haacute institutos juriacutedicos que obriguem diretamente o Executivo a acatar as
decisotildees dos conselhos (decisotildees essas que muitas vezes contrariam os interesses
367
GAVRONSKI Alexandre Amaral Conselhos de Sauacutede Democracia Participativa e a inconstitucionalidade
da Presidecircncia Nata In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 4 nordm 2 Satildeo Paulo 2003 p 87 368
ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede
possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013
170
dominantes) a saiacuteda para os mesmos como jaacute visto anteriormente (inciso XII da quarta
diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede) eacute recorrer ao Ministeacuterio Puacuteblico
nos casos em que natildeo haacute homologaccedilatildeo dos seus atos deliberativos pelo Poder Puacuteblico no
prazo de trinta dias devendo o Parquet diligenciar de modo a serem cumpridas as
determinaccedilotildees pactuadas nas deliberaccedilotildees dos Conselhos fazendo valer assim tanto a
referida Resoluccedilatildeo quanto a Lei nordm 814290 podendo se utilizar para isso do importante
mecanismo extrajudicial do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
De se destacar tambeacutem a dificuldade em se manter os Conselhos como espaccedilos
voltados para os interesses da populaccedilatildeo visto que eacute recorrente no paiacutes o risco de
desvirtuamento da representaccedilatildeo popular dos integrantes dos Conselhos os quais na maioria
das vezes por natildeo passarem por capacitaccedilatildeo alguma natildeo possuem o conhecimento necessaacuterio
quanto agraves possibilidades de sua atuaccedilatildeo e os instrumentos legais a eles disponiacuteveis cenaacuterio
este que contribui para a caracterizaccedilatildeo dos Conselhos como espaccedilos paralelos ao dos oacutergatildeos
estatais aproximando-o dos interesses locais dominantes em detrimento do interesse
coletivo369
Por isso que na maioria dos Conselhos eacute normal se identificar um verdadeiro (e de
certo modo inerente) quadro de desigualdade de informaccedilotildees entre seus membros os quais
representando segmentos diversos acabam natildeo se entendendo da melhor maneira nos assuntos
a serem debatidos o que enfraquece o papel desses oacutergatildeos deliberativos e em especial a
influecircncia do papel da participaccedilatildeo dos usuaacuterios
Nesse contexto eacute medida salutar agrave concretizaccedilatildeo do poder conferido aos usuaacuterios
reforccedilando agrave previsatildeo da representaccedilatildeo paritaacuteria dos mesmos uma capacitaccedilatildeo progressiva
dos conselheiros representantes dos anseios do povo de modo que a falta de informaccedilatildeo destes
com relaccedilatildeo a assuntos especiacuteficos dos prestadores e profissionais de sauacutede bem como dos
gestores natildeo termine esvaziando a importante funccedilatildeo dos mesmos perante os Conselhos nem
acabe os desestimulando pela precaacuteria contribuiccedilatildeo por eles proporcionada
A escolha por uma representaccedilatildeo paritaacuteria (50 de conselheiros usuaacuterios 25
gestores e 25 profissionais de sauacutede) que privilegie a participaccedilatildeo do povo portanto deve
ser acompanhada de uma sistematizada capacitaccedilatildeo de modo que os anseios da populaccedilatildeo
sejam compreendidos e acatados nos importantes debates travados nas reuniotildees dos
369
LOPES Joseacute Reinaldo de Lima Os Conselhos de Participaccedilatildeo Popular ndash Validade Juriacutedica de suas Decisotildees
In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 1 nordm 1 Satildeo Paulo 2000 p 24
171
Conselhos e nas Conferecircncias de Sauacutede o que vem a corroborar com a realizaccedilatildeo da
democracia participativa iacutensita a tais oacutergatildeos370
Desta forma em que pese essa paridade significar um importante mecanismo
democraacutetico na estruturaccedilatildeo dos conselhos a mesma natildeo se reduz simplesmente a uma
questatildeo numeacuterica de metade-metade mas sim a uma estruturaccedilatildeo que implique em uma
correlaccedilatildeo de forccedilas tendente a garantir a equidade nas condiccedilotildees de participaccedilatildeo e tomada de
decisatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as assimetrias existentes entre as representaccedilotildees
governamentais e natildeo governamentais371
Reforccedilando este raciociacutenio tem-se que a estruturaccedilatildeo arquitetada para tais oacutergatildeos
deliberativos eacute guiada pela diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da comunidade e
desta maneira o papel dos conselheiros que representam os profissionais de sauacutede e os
gestores deve ser interpretado agrave luz de tal diretriz com vistas a priorizar as necessidades
apontadas pelos usuaacuterios
Desta maneira as funccedilotildees inerentes aos conselheiros representantes dos profissionais
de sauacutede devem se aproximar muito mais de uma tarefa informativa e esclarecedora quanto
aos problemas apontados pelos usuaacuterios do que um desempenho voltado a fazer valer
interesses privados das classes ali representadas Da mesma forma o papel da parcela de
conselheiros representantes dos gestores deve ser voltado a uma atuaccedilatildeo comunicadora como
um canal de abertura que repasse os anseios apontados pelos usuaacuterios para o Poder Puacuteblico e
natildeo como um meio de se impor as determinaccedilotildees preacute-definidas do Poder Puacuteblico com relaccedilatildeo
as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede
Outro ponto problemaacutetico eacute a falta de transparecircncia e de divulgaccedilatildeo tanto da existecircncia
quanto das proacuteprias atividades de tais Conselhos sendo constatado que a populaccedilatildeo raramente
eacute informada pelos principais canais (televisatildeo raacutedio internet por exemplo) acerca de dados
relativos agrave proacutepria sede dos mesmos (endereccedilo telefone de contato horaacuterio de funcionamento
e atendimento agrave populaccedilatildeo) bem como quanto agrave realizaccedilatildeo das eleiccedilotildees dos conselheiros das
370
Questionando o real acesso da populaccedilatildeo a esses espaccedilos de construccedilatildeo de uma democracia participativa
frente agrave tecnicidade imposta pelo Estado no trato dos desafios da vida cotidiana o psicoacutelogo social Dario
Schezzi aponta para a importacircncia de se instituir Conselhos Territoriais de Cidadania como espeacutecies de ldquobraccedilosrdquo
dos Conselhos de Sauacutede onde a comunidade possa participar mais facilmente e retratar as principais
dificuldades vivenciadas sendo tais dados repassados nas respectivas reuniotildees SCHEZZI Dario Henrique
Teoacutefilo Implantaccedilatildeo de Conselhos Locais de Sauacutede desafios agrave efetivaccedilatildeo da democracia participativa In
Sauacutede e transformaccedilatildeo socialv3 nordm 2 UFSC Florianoacutepolis 2012 p 03 371
RAICHELIS Raquel Os Conselhos de gestatildeo no contexto internacional In Conselhos Gestores de Poliacuteticas
Puacuteblicas Revista Poacutelis nordm 37 Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2000 p 44
172
reuniotildees os resultados das deliberaccedilotildees os contatos dos conselheiros representantes dos
usuaacuterios etc372
613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de
sauacutede no paiacutes
As dificuldades conjunturais delineadas (especialmente a assimetria existente entre os
diversos segmentos da sociedade civil e os agentes governamentais com relaccedilatildeo agraves
informaccedilotildees e conhecimentos necessaacuterios a uma efetiva participaccedilatildeo nas deliberaccedilotildees)
interferem diretamente na qualidade do processo decisoacuterio empreendido no acircmbito dos
Conselhos sendo primordial a busca por mecanismos que proporcionem condiccedilotildees
equitativas entre os atores envolvidos visando a um melhor diaacutelogo e a um aperfeiccediloamento
do grau de legitimidade dos processos de deliberaccedilatildeo373
Para tanto eacute fundamental se examinar as variaacuteveis inerentes agrave qualidade desse
processo decisoacuterio as quais envolve dentre outros pontos relevantes para se aferir o niacutevel de
efetividade do controle social sobre as poliacuteticas de sauacutede como a existecircncia ou natildeo de debates
preacutevios agraves decisotildees a pluralidade dos interesses envolvidos o niacutevel de autonomia dos sujeitos
para sustentar suas posiccedilotildees e o maior ou menor poder de cada membro ou segmento na
construccedilatildeo da agenda dos assuntos a serem enfrentados374
Quanto a essas nuances identifica-se ser rotineiro o engessamento do poder dos
Conselhos nas tomadas de decisatildeo especialmente da parcela de conselheiros representante
372
Considerado conselho-referecircncia no ano de 2009 por apresentar um alto niacutevel de amadurecimento e realizar
um bom trabalho no controle da sauacutede municipal o Conselho Municipal de Sauacutede de Paraacute de MinasMG por
exemplo divulga na imprensa local todas as suas accedilotildees sendo seu trabalho reconhecido por grande parte da
comunidade da regiatildeo Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo ndash Brasiacutelia TCU
4ordf Secretaria de Controle Externo 2010 p54 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF Acessado em 15062013 373
Pertinente agrave celeuma do deacuteficit democraacutetico dos Conselhos de Sauacutede eacute a criacutetica de Diego Valadeacutes
perfeitamente tambeacutem adequada a estes espaccedilos democraacuteticos acerca da crise de qualidade representativa dos
partidos poliacuteticos e o consequente enfraquecimento da participaccedilatildeo popular no acircmbito dos mesmos Na visatildeo do
referido autor sob um prisma de democracia constitucional eacute necessaacuteria uma regulaccedilatildeo juriacutedica mais eficaz dos
partidos que ao exercerem um quase monopoacutelio das vias de participaccedilatildeo precisam ter internamente garantidos
um miacutenimo de qualidade democraacutetica evitando que se convertam em uma casta profissional privilegiada e
dedicada a defesa de interesses diversos dos desejos do eleitor Neste vieacutes aponta o mesmo que a participaccedilatildeo
popular e soberania do povo natildeo eacute contraacuteria a governabilidade ou contra a legitimidade dos partidos e eleiccedilotildees
como instrumentos baacutesicos de divisatildeo do poder Contudo na democracia constitucional se exige algo a mais que
a mera adesatildeo as propostas programaacuteticas e listas eleitorais se tratando de uma cumulaccedilatildeo de direitos com a
possibilidade de se exigir contas avaliar rendimentos e outras formas de se sentir cidadatildeo propostas que se
enquadram perfeitamente as necessidades da participaccedilatildeo nos Conselho de Sauacutede VALADEacuteS Diego Cinco
grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia constitucional em el siglo XXI In Revista Latino-
Americana de Estudos Constitucionais Fortaleza Ediccedilotildees Demoacutecrito Rocha 2010 p 598-612 374
TATAGIBA Luciana amp TEXEIRA Ana Claudia Chaves O papel do CMS na Poliacutetica de Sauacutede em Satildeo
Paulo In Caderno ndeg 29 do Observatoacuterio dos Direitos do Cidadatildeo Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2007 p 10
173
dos usuaacuterios visto que quando o governo propotildee a inclusatildeo de determinado tema na pauta
dos mesmos os programas e poliacuteticas quanto a esta temaacutetica jaacute satildeo quase sempre preacute-
definidas ocasionando certo esvaziamento do papel preacutevio dos Conselhos os quais ficam
com suas atividades restritas agrave questotildees meramente formais acerca da execuccedilatildeo e
implementaccedilatildeo da poliacutetica jaacute previamente elaborada sendo raro a oportunizaccedilatildeo de se discutir
no acircmbito dos Conselhos os aspectos referentes agrave etapa de elaboraccedilatildeo375
Vislumbra-se desta forma que o governo na maioria das vezes apenas cumpre o rito
de apresentaccedilatildeo e informaccedilatildeo acerca da implementaccedilatildeo de uma poliacutetica elaborada havendo
uma clara dissociaccedilatildeo entre a agenda das poliacuteticas e a dos Conselhos praacutetica que atenta contra
a proacutepria natureza de tais oacutergatildeos de deliberaccedilatildeo e enfraquece sua essecircncia democraacutetica uma
vez que quando satildeo convocados para a discussatildeo do que jaacute foi previamente elaborado aos
mesmos acaba sendo afastada a possibilidade de interferirem no espectro de incidecircncia sobre
o nuacutecleo duro das poliacuteticas de sauacutede376
Desta maneira vecirc-se que a configuraccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como efetivos
espaccedilos de deliberaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede depende diretamente do comprometimento do
Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos um niacutevel simeacutetrico de capacidade tanto de
elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo a agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem
seguidas
Nesse sentido a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si soacute natildeo significa
garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual somente poderaacute
ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados na organizaccedilatildeo
dos Conselhos e o consequente respeito e cumprimento das previsotildees constantes na Resoluccedilatildeo
nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 jaacute examinadas377
375
Nesse sentido os conselheiros representantes dos usuaacuterios muitas vezes natildeo possuem papel relevante na
discussatildeo a qual acaba se convertendo em mero ritual para aprovaccedilatildeo dos anseios dos gestores ESCOREL
Sarah amp MOREIRA Marcelo Rasga Desafios da participaccedilatildeo social em sauacutede na nova agenda da reforma
sanitaacuteria democracia deliberativa e efetividade In Participaccedilatildeo Democracia e Sauacutede Rio de Janeiro
CEBES 2009 p 240 Disponiacutevel em httpwwwcebesorgbrmediaFilelivro_particioacaopdf Acesso em
15062013 376
PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa no Brasil a praacutetica dos conselhos
de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 11 Disponiacutevel em httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso
em 16062013 377
Reforccedilando esse raciociacutenio Pedro Pontual pondera que ldquoapesar do avanccedilo que representaram os conselhos
em muitos aspectos no sentido da democratizaccedilatildeo e maior controle social das poliacuteticas puacuteblicas tal experiecircncia
natildeo teve ainda a forccedila e as qualidades necessaacuterias para produzir os impactos poliacuteticos necessaacuterios para alterar a
loacutegica clientelista que marcou historicamente a relaccedilatildeo do Estado com o sistema poliacutetico-partidaacuterio que daacute
sustentaccedilatildeo aacute eleiccedilatildeo dos representantes pelo voto universal Tal loacutegica eacute a matriz de velhos e conhecidos
mecanismos de corrupccedilatildeo fisiologismo e apropriaccedilotildees privadas de recursos puacuteblicos que de haacute muito satildeo
praticadas em relaccedilatildeo ao Estado e aos recursos puacuteblicos Esta loacutegica adquiriu tal forccedila que ateacute mesmo as forccedilas
sociais e poliacuteticas que lutam pela sua alteraccedilatildeo radical natildeo estatildeo imunes a mesma e em alguns casos tornaram-se
presas do clientelismo tatildeo combatido PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa
174
Corroborando com a visatildeo acima diversos estudos e pesquisas pelo Brasil378
comprovam a ineficiecircncia dos Conselhos de Sauacutede e retratam os problemas conjunturais supra
mencionados o que faz ligar o sinal de alerta para a necessidade de uma imediata
reestruturaccedilatildeo de tais instrumentos379
sobretudo a partir da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na
fiscalizaccedilatildeo do implemento das obrigaccedilotildees legais dos mesmos vislumbrando-se possiacutevel a
atuaccedilatildeo judicial no sentido de que a legislaccedilatildeo mencionada do tema seja respeitada e
eficientemente cumprida na praacutetica
Aleacutem do apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo quanto ao respeito das diretrizes
funcionais de tais Conselhos eacute certo que outros atores podem ajudar na tarefa de se garantir
uma melhor abertura desses espaccedilos democraacuteticos como eacute o caso das Organizaccedilotildees Natildeo
Governamentais ligadas agrave aacuterea de sauacutede e as comissotildees de sauacutede tanto da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) quanto das defensorias puacuteblicas que podem mediante accedilotildees
especiacuteficas incentivar (sobretudo pelas redes sociais na internet) a maior participaccedilatildeo da
sociedade380
a partir da divulgaccedilatildeo de detalhes quanto as reuniotildees eleiccedilotildees e estruturaccedilatildeo dos
Conselhos
Os Tribunais de Conta por sua vez tambeacutem exercem papel relevante nessa jornada Jaacute
foi visto que devido agraves previsotildees constantes no art 77 III sect 3deg do ADCT e no art 33 da Lei
do SUS foi conferido aos Conselhos de Sauacutede o importante poder de fiscalizar os recursos
destinados agraves accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede ldquosem prejuiacutezo do disposto no art 74rdquo da CF
ficando impliacutecito com tal ressalva que esse controle deve ocorrer de forma paralela ao
no Brasil a praacutetica dos conselhos de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 17 Disponiacutevel em
httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso em 16062013 378
Variadas pesquisas realizadas demonstram que a intensidade da democracia nos conselhos eacute baixa e na
maioria das vezes suas atividades satildeo focadas em procedimentos burocraacuteticos constataccedilotildees refletidas na falta e
capacitaccedilatildeo dos conselheiros os quais na maioria das vezes natildeo foram instruiacutedos de modo a ter a exata noccedilatildeo
acerca de suas relevantes atribuiccedilotildees Nesse sentido confiram-se dentre outras
httpwwwunbcienciaunbbrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=165conselhos-de-saude-sao-
ineficientes-e-nao-representam-a-populacaoampcatid=34ciencias-da-saude
httpwwwsociologiaufscbrnpmsines_pelizzaro_raquellen_milbratzpdf
httpwwwscielobrpdfrapv43n607pdf Acessadas em 15062013 379
Muitas vezes a proacutepria autonomia que eacute concedida aos Conselhos gera um efeito colateral indesejaacutevel que eacute o
fato de as disposiccedilotildees constantes nos respectivos regimentos internos dos mesmos nem sempre terminar
seguindo fielmente as diretrizes da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 ou ateacute mesmo subvertendo-as quadro que termina
engessando a atuaccedilatildeo desses oacutergatildeos deliberativos e enfraquecendo a proacutepria efetividade democraacutetica dos
mesmos 380
Dados do relatoacuterio final da 14deg Conferecircncia Nacional de Sauacutede ocorrida em 2012 respaldam a importacircncia da
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo nesses foacuteruns deliberativos sendo destacado que para a realizaccedilatildeo da mesma
ocorreram previamente 4374 conferecircncias municipais e estaduais nos 27 estados brasileiros o que significa cerca
de 78 do total das conferecircncias esperadas marca que pode ser considerada como histoacuterica no quadro de lutas
pela sauacutede puacuteblica no paiacutes Relatoacuterio final da 14ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede Todos usam o SUS SUS na
seguridade social Poliacutetica puacuteblica patrimocircnio do povo brasileiro Ministeacuterio da Sauacutede Conselho Nacional de
Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012 p 9
Disponiacutevel em httpconselhosaudegovbrbibliotecaRelatoriosimg14_cns20relatorio_finalpdf Acessado
em 17062013
175
controle interno do proacuteprio Executivo o qual por sua vez tem a finalidade de apoiar o
controle externo no exerciacutecio de sua missatildeo institucional sendo este exercido com o apoio
dos Tribunais de Contas
Depreende-se desse raciociacutenio que os Conselhos de Sauacutede podem atuar em parceria
com os Tribunais de Contas e essa relaccedilatildeo torna-se beneacutefica para uma maior eficiecircncia no
desenvolvimento das funccedilotildees de ambos381
o que contribui para a ampliaccedilatildeo na sociedade
civil da possibilidade de uma cultura participativa no controle da efetividade das poliacuteticas
puacuteblicas382
Nesse raciociacutenio os Tribunais de Contas ganham jaacute que suas accedilotildees satildeo
reforccediladas pela cooperaccedilatildeo das comunidades diretamente envolvidas os Conselhos de Sauacutede
tambeacutem uma vez que passa a existir um incremento na qualidade do controle do gasto
puacuteblico e na identificaccedilatildeo dos recursos transferidos e finalmente a populaccedilatildeo que fica
respaldada por uma fiscalizaccedilatildeo mais incisiva contra a maacute utilizaccedilatildeo dos recursos e corrupccedilatildeo
A ideia defendida nesse toacutepico portanto eacute a de que os Conselhos de Sauacutede autecircnticos
canais para que a sociedade participe e dite o ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em
sauacutede satildeo importantes mecanismos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no ordenamento
paacutetrio e como natildeo eacute dada a atenccedilatildeo necessaacuteria aos mesmos (uma vez que a configuraccedilatildeo legal
prevista para o mesmo eacute subvertida na praacutetica por inuacutemeros viacutecios383
) o apoio de outros
atores (incluindo-se o papel do Judiciaacuterio ao primar pelo cumprimento do arcabouccedilo
legislativo que rege tais Conselhos) eacute medida salutar para a melhoria da eficiecircncia
democraacutetica desses espaccedilos384
Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a ser estudado a seguir diz
respeito aos gastos em sauacutede e a consequente necessidade de que o caraacuteter prioritaacuterio desse
381
O Tribunal de Contas da Uniatildeo jaacute realizou inuacutemeros projetos ligados ao estiacutemulo do controle social
sobretudo com relaccedilatildeo aos Conselhos de Sauacutede destacando-se por exemplo a elaboraccedilatildeo do documento
Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo elaborado pela 4ordf Secretaria de Controle
Externo do TCU no ano de 2010 o qual pode ser consultado no siacutetio eletrocircnico a seguir
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF 382
ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede
possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 15 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013 383
Alguns viacutecios jaacute apontados como a burocratizaccedilatildeo dos conselhos o corporativismo a partidarizaccedilatildeo a falta
de representatividade satildeo indicativos claros para essa reflexatildeo e eventuais mudanccedilas de enfoque ou mesmo
adoccedilatildeo de novas iniciativas BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa A
construccedilatildeo do SUS histoacuterias da Reforma Sanitaacuteria e do Processo Participativo Ministeacuterio da Sauacutede
Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2006 p 237 384
Corroborando com esse posicionamento Eduardo Ribeiro Moreira pondera que essa posiccedilatildeo renovada de
controle com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute marcada natildeo soacute pela criaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como tambeacutem pelo
fortalecimento das accedilotildees do Poder Legislativo atraveacutes das Comissotildees de Sauacutede das Assembleias Legislativas e
das Cacircmaras Municipais pela maior participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico e pela nova posiccedilatildeo do Judiciaacuterio agindo
energicamente no combate aos maus gestores MOREIRA Eduardo Ribeiro Direito Constitucional atual Rio
de Janeiro Elsevier 2012 p 345
176
direito seja garantido desde a fase orccedilamentaacuteria destacando-se nesse ponto temas
importantes como a possibilidade de se criar em todas as esferas de governo mecanismos de
participaccedilatildeo e controle social do ciclo orccedilamentaacuterio
62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE
UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES
CONSTITUCIONAIS
Um dos grandes entraves agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil eacute a problemaacutetica
que envolve a questatildeo dos gastos puacuteblicos nesse setor A dificuldade natildeo estaacute restrita agrave
simples constataccedilatildeo de ser preciso ou natildeo disponibilizar mais recursos financeiros para a
sauacutede na verdade engloba diversos aspectos que vatildeo desde a necessidade de um ciclo
orccedilamentaacuterio que respeite as prioridades constitucionais ateacute o exame da correta aplicaccedilatildeo dos
recursos existentes
O objetivo desse capiacutetulo por conseguinte natildeo eacute aprofundar em questotildees
orccedilamentaacuterias e financeiras especiacuteficas mas sim alertar para a necessidade de o instrumento
do orccedilamento puacuteblico refletir tanto na sua fase de elaboraccedilatildeo quanto em sua execuccedilatildeo as
prioridades assentadas na Constituiccedilatildeo de modo a evitar situaccedilotildees praacuteticas desvirtuadoras da
loacutegica pensada para a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mormente do direito agrave sauacutede
Eacute pertinente portanto a noccedilatildeo de se buscar o esgotamento de prioridades mais
relevantes em detrimento de alvos menos essenciais raciociacutenio este intriacutenseco por exemplo
ao seguinte questionamento eacute possiacutevel suscitar a falta de recursos para a sauacutede quando
existem no mesmo orccedilamento recursos com propaganda de governo
Nessa temaacutetica em que pese ter sido proferida em sede de liminar merece destaque o
teor da decisatildeo empreendida pelo Juiz de Direito da Comarca de Currais NovosRN Dr
Marcus Viniacutecius Pereira Juacutenior que frente agrave recalcitracircncia do Estado do Rio Grande do Norte
em realizar certas accedilotildees e serviccedilos de sauacutede determinou que a Governadora daquele estado a
Sra Rosalba Ciarlini suspendesse todas as propagandas pagas pelo Estado sob pena de
multa ateacute a correccedilatildeo do problema Destaca-se o seguinte trecho385
385
A presente decisatildeo liminar foi emitida em 30072013 no processo ndeg 0101509-7020138200103 que
tramita na vara ciacutevel da Comarca de Currais NovosRN e pode ser conferida no seguinte endereccedilo eletrocircnico
httpesajtjrnjusbrcpopgsearchdojsessionid=27196AEB9C77D224D12F6B3C4CC76113appsWeb1pagin
aConsulta=1amplocalPesquisacdLocal=103ampcbPesquisa=NUMPROCamptipoNuProcesso=UNIFICADOampnumeroD
igitoAnoUnificado=0101509-702013ampforoNumeroUnificado=0103ampdePesquisaNuUnificado=0101509-
7020138200103ampdePesquisa= Acessado em 01082013
177
() No mesmo mandado deve ser determinado que a referida gestora
SUSPENDA todas as propagandas pagas pelo ESTADO DO RIO GRANDE
DO NORTE nos termos dos itens 17 e 18 ateacute que sejam garantidos os
direitos agrave sauacutede por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em
relaccedilatildeo aos processos referidos agraves fls 5154 FIXO nos termos do art 461
sect5ordm CPC multa pessoal por descumprimento em R$ 100000000 (um
milhatildeo de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede
ou seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede
caso haja descumprimento da presente decisatildeo por parte da Governadora do
Estado do RN b) expeccedilam-se tambeacutem MANDADOS agrave InterTV Cabugi
TV Ponta Negra TV Bandeirantes Natal TV Tropical TV Uniatildeo TV
Universitaacuteria Sidys TV a Cabo Jornal Tribuna do Norte Raacutedios (96 98
1047 e Cabugi) determinando a SUSPENSAtildeO IMEDIATA de todos os
serviccedilos de propagandapublicidade pagos pelo ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE Caso sejam descumpridas as determinaccedilotildees da
presente decisatildeo por parte das empresas intimadas FIXO nos termos do art
461 sect5ordm CPC multa por descumprimento em R$ 100000000 (um milhatildeo
de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede ou
seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede
caso haja descumprimento da presente decisatildeo
() (Grifos acrescidos)
Ademais de se destacar que a decisatildeo em questatildeo considerou em sua fundamentaccedilatildeo o
fato de que (conforme relatoacuterio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte que
aprovou com ressalvas as contas do governo do RN) no ano de 2011 o referido estado gastou
mais com diaacuterias e publicidade governamental do que com sauacutede puacuteblica386
o que soacute acentua
o quadro de calamidade da sauacutede no RN387
e na linha dos argumentos que se seguem
configura-se completamente inconstitucional por afronta ao desenho constitucional prioritaacuterio
que eacute delineado para o direito agrave sauacutede na CF de 1988
Pelo exposto a defesa aqui proposta eacute no sentido de que a alegaccedilatildeo da jaacute estudada
reserva do possiacutevel deve passar por uma releitura de modo a priorizar o raciociacutenio de que
antes de os finitos recursos do Estado acabarem para os direitos fundamentais precisam os
mesmos necessariamente estar esgotados para aacutereas natildeo prioritaacuterias do ponto de vista
constitucional e natildeo do detentor do poder jaacute que a negativa de realizaccedilatildeo de um direito
386ldquo
Quanto agrave sauacutede puacuteblica destaca-se o baixo niacutevel de investimentos realizados nessa aacuterea com aplicaccedilatildeo de
recursos da ordem de R$ 1107683492 valor este inferior agravequele aplicado no exerciacutecio financeiro de 2010 (R$
1738652839) configurando um decreacutescimo de 3629 Ainda tal montante situou-se em patamar inferior
agravequeles relativos a despesas menos prioritaacuterias como diaacuterias (R$ 2367871614) e publicidade governamental
(R$ 1685159051)rdquo In Relatoacuterio e Projeto de Parecer Preacutevio do TCE RN Agosto 2012 p 126-127
Disponiacutevel em httpwwwtcerngovbr2009downloadREL_GOV2011pdf Acessado em 01082013 387
Merece aqui ser ressaltado o importante trabalho do TCE-RN que por meio do Relatoacuterio Preliminar sobre a
Rede Hospitalar da SESAPRN de maio de 2013 tratou de esmiuccedilar a situaccedilatildeo da rede de hospital puacuteblico do
RN emitindo ao seu final cerca de noventa e nove recomendaccedilotildees a serem seguidas pelo Governo daquele
Estado Disponiacutevel em httpwwwcorenrngovbrdownloadrelatoriotcepdf Acessado em 01082013
178
fundamental enquanto ainda existe verba disponiacutevel para uma aacuterea natildeo prioritaacuteria termina
por afrontar a priorizaccedilatildeo dada aos direitos fundamentais pela Constituiccedilatildeo388
Explicando melhor sugere-se o fim da cultura instaurada e aceita na realidade
brasileira de que basta se atingir o respeito aos valores e percentuais miacutenimos a serem
empregados em sauacutede puacuteblica para os gestores puacuteblicos estarem de certo modo quites com
os anseios da populaccedilatildeo e isso passa por dois pontos chaves a necessidade de reestruturaccedilatildeo
da forma como se desenvolve a proacutepria execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico no paiacutes389
e o
incremento da fiscalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos atrelado a padrotildees miacutenimos de eficiecircncia390
Ilustrada a problemaacutetica o presente toacutepico inicialmente examinaraacute a questatildeo dos
gastos puacuteblicos em sauacutede ressaltando a importante contribuiccedilatildeo da recente e jaacute brevemente
pincelada Lei Complementar nordm 1412012 para posteriormente tratar da questatildeo
orccedilamentaacuteria em si alertando para a necessidade de medidas que assegurem a priorizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede tanto no momento da elaboraccedilatildeo quanto na execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria
621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico
Conforme jaacute analisado por forccedila da Lei Complementar nordm 1412012 foram instituiacutedos
nos termos do sect 3deg do art 198 da Constituiccedilatildeo Federal alguns aspectos relevantes agrave
problemaacutetica dos gastos puacuteblicos como o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante a ser
aplicado anualmente pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede os percentuais
miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados anualmente pelos Estados
Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os criteacuterios de rateio dos
recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados ao Distrito Federal e aos
388
FREIRE JUacuteNIOR Ameacuterico Bedecirc Controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2005 p 74 apud GUERRA Gustavo Rabay A concretizaccedilatildeo judicial dos direitos sociais seus abismos
gnoseoloacutegicos e a reserva do possiacutevel por uma dinacircmica teoacuterico-dogmaacutetica do constitucionalismo social
Disponiacutevel em httpwwwmpgogovbrportalwebhp2docsconcretizacaodosdireitossociaispdf Acessado
em 12052013 389
De se destacar as liccedilotildees de Celso Ribeiro Bastos no sentido de que a inspiraccedilatildeo uacuteltima do orccedilamento eacute ldquode se
tornar um instrumento de exerciacutecio da democracia pelo qual os particulares exercem o direito por intermeacutedio de
seus mandataacuterios de soacute verem efetivadas as despesas e permitidas as arrecadaccedilotildees tributaacuterias que estiverem
autorizadas na lei orccedilamentaacuteriardquo BASTOS Celso Ribeiro Curso de Direito Financeiro e Tributaacuterio Satildeo
Paulo Celso Bastos Editor 2002 p 127-128 390
Corroborando com essa visatildeo Louisianne Paskalle pondera que ldquode fato o orccedilamento natildeo eacute abundante e
posto isto eacute que se deve trabalhar com mais eficiecircncia na administraccedilatildeo puacuteblica O que se constata eacute que aleacutem
da escassez orccedilamentaacuteria haacute um mau uso dos recursos puacuteblicos que satildeo registrados pelos escacircndalos sucessivos
de corrupccedilatildeo desvio de dinheiro fraude em licitaccedilotildees e compra de votosrdquo MAIA Louisianne Paskalle Solano
Direitos fundamentais efetividade e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias uma perspectiva poacutes-positivista In MOURA
Lenice S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo
Bonavides Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 423
179
Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em
accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
Nesse contexto restou confirmado que os Municiacutepios devem destinar no miacutenimo
15 de seus recursos proacuteprios para a sauacutede os Estados no miacutenimo 12 e que a Uniatildeo deve
aplicar desde 2000 em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os recursos miacutenimos
correspondentes ao valor apurado no ano anterior aplicada a variaccedilatildeo nominal do PIB tudo
isso respeitando-se as disposiccedilotildees da referida Lei Complementar no sentido de soacute serem
direcionados recursos para accedilotildees e serviccedilos que legitimamente estejam inseridas como
despesas em sauacutede391
Tais disposiccedilotildees legais satildeo salutares agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede pois
funcionam como paracircmetros objetivos aptos a corrigirem certas disparidades iacutensitas ao
descaso das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede no Brasil durante os 12 anos agrave espera da referida Lei
Complementar392
periacuteodo marcado por inuacutemeras distorccedilotildees frente a falta de clareza sobre o
caacutelculo do aporte de recursos federais para a sauacutede e os tipos de situaccedilotildees que poderiam ser
computadas como despesas nesta seara
Para se ter uma ideia em 2007 16 estados natildeo atingiram o percentual miacutenimo
necessaacuterio e deixaram de investir cerca de R$ 36 bilhotildees no setor a Uniatildeo por sua vez entre
2001 e 2008 deixou de aplicar cerca de R$ 548 bilhotildees para a sauacutede ao incluir em seu
orccedilamento como verba da sauacutede os gastos com o Programa Bolsa Famiacutelia e a incorporaccedilatildeo de
valores do Fundo para Erradicaccedilatildeo da pobreza393
Antes do norte dado pela LC 141 2012 tambeacutem foram contabilizados na ldquocontardquo do
dinheiro da sauacutede tanto por gestores estaduais como municipais diversas accedilotildees que natildeo
possuiacuteam ligaccedilatildeo direta com a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede nem com a estruturaccedilatildeo do SUS
como eacute o caso por exemplo de gastos com saneamento aposentadoria dos servidores
391
Conforme o art 4deg da referida LC 1412012 por exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o
pagamento de aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros programas
de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS satildeo situaccedilotildees que natildeo podem ser enquadradas como
despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos 392
Frente agrave omissatildeo legislativa em criar a lei complementar ora analisada alguns instrumentos foram utilizados
para tentar delimitar o campo de aplicaccedilatildeo dos recursos para a sauacutede (como foi o caso da jaacute mencionada
Resoluccedilatildeo nordm 32203 do Conselho Nacional de Sauacutede) contudo natildeo obtiveram sucesso pela falta de clareza e
coercibilidade dos mesmos o que acabou gerando diversas distorccedilotildees na aplicaccedilatildeo das verbas com sauacutede 393
KASEKER Camila Para onde estaacute sendo desviado o dinheiro da sauacutede Revista da APM nordm 605 Satildeo Paulo
2009 p 14-15 apud CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao
miacutenimo existencial garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 157
180
bombeiros merenda escolar alimentaccedilatildeo de presidiaacuterios cestas baacutesicas manutenccedilatildeo de
restaurantes populares etc394
Constata-se desta maneira que a Lei Complementar em questatildeo importou em
consideraacutevel avanccedilo tanto para a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos miacutenimos a serem expendidos
pelas esferas de governo quanto indiretamente para a construccedilatildeo do miacutenimo em sauacutede uma
vez que quando satildeo arroladas as accedilotildees que podem e que natildeo podem se enquadrar como
despesas em sauacutede se contribui para focalizar os gastos nas prioridades e afastar desperdiacutecios
gerando maior eficiecircncia na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas sanitaacuterias
Defende-se nesse contexto que o Poder Judiciaacuterio tem legitimidade tanto para
assegurar o fiel cumprimento da Lei Complementar em exame nas demandas que tenham tal
pleito como objeto principal como para considerar os paracircmetros objetivos por ela fornecidos
ao enfrentar demandas que envolvam a anaacutelise dos custos e a questatildeo da reserva do possiacutevel
Explicando melhor diante de um pleito ligado ao direito agrave sauacutede o magistrado natildeo
pode aceitar passivamente a alegaccedilatildeo de que faltam recursos mas sim deve averiguar antes
de tudo se quem alega tal falta estaacute gerindo o sistema de maneira consentacircnea com a
legislaccedilatildeo pertinente levando-se em conta por exemplo se o ente estaacute cumprindo os
percentuais miacutenimos para o orccedilamento da sauacutede bem como se haacute indiacutecios de tentativa de
ldquomaquiarrdquo os gastos com sauacutede atraveacutes da inclusatildeo de itens alheios a aacuterea sanitaacuteria
constatando desta maneira se a falta de verbas alegada eacute de fato real ou decorre do
descumprimento da LC nordm 1412012
Todavia em que pese tais avanccedilos trazidos pela LC nordm 1412012 existem muitas
criacuteticas com relaccedilatildeo ao valor que eacute gasto pela Uniatildeo com sauacutede anualmente e ao consequente
deacuteficit de aportes financeiros para o setor o que termina evidenciando a necessidade de mais
recursos para a sauacutede Para se ter uma ideia com relaccedilatildeo a Uniatildeo o percentual do total de
sua receita destinado agrave sauacutede vem caindo desde 1995 (em 1995 tal percentual foi de 1172 e
em 2011 foi de 73) e jaacute no que se refere agrave necessidade de mais recursos para a sauacutede a
porcentagem do PIB anual que eacute direcionada para a sauacutede no Brasil eacute aqueacutem da meacutedia
mundial segundo dados da OMS (em 2010 por exemplo o Brasil direcionou apenas 38 do
seu PIB para a sauacutede enquanto o percentual meacutedio no mundo foi de 55395
)
394
Nota Teacutecnica ndeg 14 de 2012 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos
Deputados - CONOFCD Anaacutelise das principais inovaccedilotildees trazidas pela Lei Complementar nordm 141 de 13 de
janeiro de 2012 que regulamentou a Emenda Constitucional nordm 29 de 2000 p 07 Disponiacutevel em
httpbdcamaragovbrbdbitstreamhandlebdcamara12536regulamentacao_emendapdfsequence=1Acessado
em 14062013 395
Tais dados podem ser encontrados no siacutetio eletrocircnico do Movimento Nacional em Defesa da Sauacutede Puacuteblica
SAUacuteDE + 10 o qual tem o objetivo de coletar assinaturas visando agrave formaccedilatildeo de um Projeto de Lei de iniciativa
181
Contudo o intuito do presente capiacutetulo natildeo eacute enfrentar a discussatildeo acerca da falta de
recursos para a sauacutede (este deacuteficit assim como diversos problemas estruturais no acircmbito do
SUS eacute evidente) mas sim defender a correta aplicaccedilatildeo dos recursos existentes a partir do
eficiente cumprimento da LC 1412012 bem como a necessidade de se buscar a vinculaccedilatildeo
das prioridades constitucionais sobretudo com sauacutede durante todo o ciclo orccedilamentaacuterio e
quanto a este segundo ponto algumas observaccedilotildees importantes merecem destaque
622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Partindo para a questatildeo orccedilamentaacuteria em si como eacute sabido na loacutegica orccedilamentaacuteria
paacutetria natildeo existe despesa que natildeo esteja autorizada na lei orccedilamentaacuteria nem eacute permitido ao
Poder Puacuteblico buscar receitas de maneira indefinida sem o devido atrelamento agraves
necessidades de financiamento O orccedilamento puacuteblico portanto eacute exatamente o instrumento
que espelha a organizaccedilatildeo em prol da justa equaccedilatildeo entre receitas e despesas e informa o
tracejo dos planos de atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico
Desta maneira assim como cada cidadatildeo organiza e projeta suas accedilotildees na vida
cotidiana a partir de sua disponibilidade financeira o Estado arquiteta seu plano de accedilotildees com
base no contraste entre suas arrecadaccedilotildees e as despesas projetando para um determinado
periacuteodo o que poderaacute ou natildeo ser realizado396
sendo essa projeccedilatildeo retratada exatamente
atraveacutes do instrumento do orccedilamento puacuteblico com o consequente estabelecimento do Plano
Plurianual da Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias e da Lei Orccedilamentaacuteria Anual (art 165 I II
III da CF de 1988)
O orccedilamento puacuteblico pode ser visto desta forma como o resultado de um processo
decisoacuterio fundamental que consolida a alocaccedilatildeo de recursos a eleiccedilatildeo das prioridades de accedilatildeo
estatal e se estruturam as poliacuteticas puacuteblicas em busca da efetivaccedilatildeo de direitos397
e o seu
almejado equiliacutebrio no contexto hodierno deve ser encarado natildeo apenas como uma harmonia
popular que buscando alterar a recente LC 1412012 estipula a destinaccedilatildeo de no miacutenimo 10 da Receita
Corrente Bruta da Uniatildeo para a sauacutede de modo a recuperar os recursos federais decrescentes nos uacuteltimos anos
para a sauacutede Disponiacutevel em httpwwwsaudemaisdezorgbr Acesso em 19062013 396
Nesse sentido Antocircnio de Oliveira Leite pontua que ldquoo orccedilamento na eacutepoca atual tem caraacuteter dinacircmico e
natildeo estaacutetico por isso mesmo os tradicionais princiacutepios (unidade equiliacutebrio contaacutebil financeiro etc) longe de
facultarem o seu aperfeiccediloamento impotildeem-lhe garrote dificultando a nobre e jaacute oportuna tarefa de avanccedilo no
sentido de obediecircncia agraves mais modernas ideias desde que coerentes com a finalidade a que visa o orccedilamento
()rdquo LEITE Antocircnio de Oliveira Orccedilamento Puacuteblico em sua feiccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica In CLEacuteVE Cleacutemerson
Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs) Direito Constitucional constituiccedilatildeo financeira econocircmica e social
Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 6 Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 81 397
VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In
Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326
182
entre receita e despesa mas sim como uma equivalecircncia qualitativa entre a receita e despesa
puacuteblica de um lado e a realidade econocircmico-social de outro398
Da mesma maneira jaacute que a medida de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute
assegurada em grande parte pelo montante de recursos orccedilamentaacuterios investidos em sua
promoccedilatildeo e garantia o orccedilamento puacuteblico acaba assumindo uma funccedilatildeo de suma relevacircncia
para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais daiacute ser o mesmo compreendido para alguns
autores como um siacutembolo da cidadania e expressatildeo maacutexima dos direitos e deveres gerados na
relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo399
Frente a estas colocaccedilotildees pode-se concluir um ponto chave para os argumentos que se
seguiratildeo o instrumento do orccedilamento puacuteblico deve ser levado a seacuterio400
de modo a natildeo soacute
respeitar mas tambeacutem efetivar a priorizaccedilatildeo e expansatildeo dos direitos fundamentais delineada
na CF de 1988 tanto em sua elaboraccedilatildeo quanto durante sua execuccedilatildeo sob pena de restar
subvertida a proacutepria loacutegica do papel do Estado401
Contudo a maacutexima acima defendida distancia-se da realidade brasileira por uma seacuterie
de fatores como por exemplo
i o fato de o orccedilamento ser considerado assunto de poucos e para poucos frente
agrave tradiccedilatildeo excludente da cena poliacutetica paacutetria que marcada pelo
patrimonialismo e clientelismo acaba restringindo as deliberaccedilotildees referentes agrave
poliacutetica orccedilamentaacuteria a determinados grupos com maior poderio econocircmico e
proximidade dos negoacutecios do Estado402
ii a grande dificuldade ndash em que pese os esforccedilos traccedilados sobretudo na LRF e
na recente Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo ndash do cidadatildeo leigo tanto em obter
398
BECKER Alfredo Augusto Teoria Geral do Direito Tributaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 1963 p 217 apud
SOUZA Luciane Moessa Reserva do possiacutevel x miacutenimo existencial o controle de constitucionalidade em
mateacuteria financeira e orccedilamentaacuteria como instrumento de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais p 10
Disponiacutevel em httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhluciane_moessa_de_souza2pdf Acesso
em 17062013 399
AMARAL Gustavo amp MELO Danielle Haacute direito acima do orccedilamento In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 p 108 400
Corroborando com esse raciociacutenio Luciano Benetti Timm pontua que ldquoa realidade orccedilamentaacuteria natildeo pode ser
compreendida como peccedila de ficccedilatildeo O desperdiacutecio de recursos puacuteblicos em um universo de escassez gera
injusticcedila com aqueles potenciais destinataacuterios a que deles deveriam atenderrdquo TIMM Luciano Benetti Qual a
maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais uma perspectiva de direito e economia In SARLET
Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo
Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 60 401
A razatildeo da proacutepria existecircncia do Estado eacute empreender sua mais elementar missatildeo constitucionalmente
estabelecida de efetivamente universalizar os direitos fundamentais portanto nada mais correto que o
instrumento que expotildee o planejamento dessa missatildeo seja concatenado com as diretrizes da proacutepria Carta Maior 402
VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In
Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326
183
informaccedilotildees quanto em compreender os dados orccedilamentaacuterios disponiacuteveis os
quais se mostram complexos frente a marcada fragmentaccedilatildeo caracteriacutestica do
ciclo orccedilamentaacuterio o que acaba de certa maneira desestimulando o controle
da poliacutetica orccedilamentaacuteria pela populaccedilatildeo403
iii o marcante desequiliacutebrio de poderes entre Executivo e Legislativo no curso da
execuccedilatildeo do orccedilamento sendo a realidade marcada por uma hipertrofia do
Executivo que frente a alta discricionariedade natildeo controlada acaba gerando
alguns efeitos colaterais graves agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Tudo isso reforccedila a necessidade de mudanccedilas pontuais na cultura de se proceder a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria no intuito de trazer benefiacutecios para a efetividade do
prioritaacuterio e impreteriacutevel direito fundamental agrave sauacutede
Explicando melhor primeiramente no que se refere agrave elaboraccedilatildeo do orccedilamento eacute
certo que as escolhas em mateacuteria de gastos puacuteblicos natildeo constituem um tema totalmente
reservado agrave deliberaccedilatildeo poliacutetica pois nesse momento haacute uma importante incidecircncia de
normas constitucionais que norteiam as prioridades a serem seguidas e o produto conjugado
dos gastos do Estado reflete exatamente o momento e a medida no qual a realizaccedilatildeo dos fins
constitucionais deveraacute ocorrer404
Assim natildeo soacute as regras constantes no capiacutetulo especiacutefico sobre orccedilamento puacuteblico
nem os percentuais miacutenimos especificados para determinados direitos devem nortear a
elaboraccedilatildeo do orccedilamento mas tambeacutem o proacuteprio esqueleto valorativo da Carta de 1988
calcado na Dignidade da Pessoa Humana irradiada pelos direitos fundamentais e nos
objetivos fundamentais expostos no art 3deg
Propotildee-se assim que seja repensada a maneira de se trilhar o orccedilamento puacuteblico no
paiacutes no intuito de as prioridades nele assentadas sejam reflexos harmocircnicos da proacutepria
priorizaccedilatildeo delineada na Constituiccedilatildeo e isso exige uma mudanccedila de cultura que considere
inadmissiacuteveis diversas situaccedilotildees que hoje satildeo vistas como comuns e ateacute mesmo legalmente
corretas405
403
MENDONCcedilA Eduardo Bastos Furtado de A constitucionalizaccedilatildeo das Financcedilas Puacuteblicas no Brasil ndash Devido
Processo Orccedilamentaacuterio e Democracia Rio de Janeiro Renovar 2010 p 92 404
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 405
Na linha do defendido por Luntildeo a escolha do elenco dos direitos fundamentais reflete uma decisatildeo baacutesica do
constituinte no sentido de apontar as metas sociais a serem atingidas pela sociedade e esta caracteriacutestica reflete
no processo interpretativo dos proacuteprios direitos de modo a se evitar contradiccedilotildees e antiacuteteses aleacutem de conferir aos
mesmos a funccedilatildeo de unidade e integraccedilatildeo do ordenamento aos fins e valores que estes informam Desta maneira
eacute certo que o tracejo constitucional arquitetado para o direito agrave sauacutede denota um caraacuteter prioritaacuterio do mesmo
entre os direitos sociais o que deve ser seguido desde a proacutepria elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico sob pena de se
184
Nesse sentido Andreas J Krell alerta para a gravidade desses casos ao retratar406
que
Ateacute hoje existem municiacutepios onde se gasta ndash legalmente ndash mais dinheiro em
divertimentos populares (contrataccedilatildeo de bdquotrios eleacutetricos‟) ou na manutenccedilatildeo
da Cacircmara do que em toda aacuterea de sauacutede puacuteblica () Um orccedilamento
puacuteblico quando natildeo atende aos preceitos da Constituiccedilatildeo pode e deve ser
corrigido mediante alteraccedilatildeo do orccedilamento consecutivo logicamente com a
devida cautela Em casos individuais pode ocorrer a condenaccedilatildeo do Poder
Puacuteblico para a prestaccedilatildeo de determinado serviccedilo puacuteblico baacutesico ou o
pagamento de serviccedilo privado (exemplo reembolso de despesas de
atendimento em hospital particular) (Grifos acrescidos)
Partindo deste raciociacutenio todos os argumentos jaacute apontados referentes agrave alocaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede para um primeiro plano dentre os direitos sociais agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o
direito agrave vida digna e sua feiccedilatildeo de direito impreteriacutevel satildeo aqui retomados para sustentar que
a priorizaccedilatildeo encontrada na CF de 1988 com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede deve ser
necessariamente refletida na fase de elaboraccedilatildeo (e durante a execuccedilatildeo) do orccedilamento puacuteblico
e isso natildeo significa simplesmente que os percentuais miacutenimos407
apontados
constitucionalmente devem ser respeitados mas sim que o aparato principioloacutegico que irradia
a proteccedilatildeo da sauacutede na Constituiccedilatildeo tenha reflexos equivalentes no proacuteprio orccedilamento
Daiacute ser risiacutevel a ocorrecircncia de situaccedilotildees como as antes exemplificadas bem como o
niacutevel de atenccedilatildeo que anualmente eacute dada a sauacutede puacuteblica em termos de percentuais de valores
do PIB408
(como jaacute visto em 2010 por exemplo somente 38 do PIB foi destinado para a
sauacutede) o que inevitavelmente eacute refletido na realidade precaacuteria da maioria dos hospitais
puacuteblicos do paiacutes409
vislumbrar contradiccedilotildees no mundo concreto a partir da priorizaccedilatildeo de bens juriacutedicos de expressatildeo constitucional
bem menos acentuada ou ateacute mesmo nula como eacute o caso da propaganda institucional PEREZ LUNtildeO Antonio
Enrique Derechos Humanos Estado de Derecho y Constitucioacuten Octava Edicioacuten Madrid Tecnos 2003 p
227 406
KRELL Andreas J Controle judicial dos serviccedilos puacuteblicos baacutesicos na base dos direitos fundamentais sociais
In SARLET Ingo Wolfgang (org) A constituiccedilatildeo concretizada ndash Construindo pontes com o puacuteblico e o
privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 57 407
O cumprimento de tais percentuais natildeo deve ser encarado como uma ldquocarta de alforriardquo pelo Poder Puacuteblico
como uma meta que uma vez atingida gera a sensaccedilatildeo de quitaccedilatildeo com o direito agrave sauacutede como se aquilo fosse
suficiente para a efetivaccedilatildeo desse direito Tais percentuais devem ser enxergados em verdade como um limite
miacutenimo sobre o qual o Estado deve trilhar suas accedilotildees sempre para aleacutem do mesmo e cujo descumprimento revela
uma das grandes ofensas ao Estado Democraacutetico de Direito desenhado na CF de 1988 408
Sobre a noccedilatildeo de quanto uma naccedilatildeo deve gastar com sauacutede puacuteblica e as implicaccedilotildees de justiccedila e igualdade
frente ao alto custo da sauacutede na realidade norte-americana conferir DWORKIN Ronald A virtude soberana a
teoria e a praacutetica da igualdade Jussara Simotildees (trad) Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p 431 409
Nesse sentido Joseacute Renato Nalini pondera que ldquoembora a proclamaccedilatildeo de intenccedilotildees seja provida de saudaacutevel
pretensatildeo a realidade eacute bem diferente Entre o sistema uacutenico propiciador de sauacutede integral para todos e a
situaccedilatildeo verificada nos hospitais prontos-socorros e centros de atendimento agrave sauacutede em todo o Brasil haacute um
fosso intransponiacutevelrdquo NALINI Joseacute Renato O Judiciaacuterio e a Eacutetica na Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de
185
Essa necessaacuteria mudanccedila na realizaccedilatildeo do orccedilamento por sua vez passa tambeacutem pela
necessidade de a proacutepria Constituiccedilatildeo empreender mais atenccedilatildeo ao controle das decisotildees
envolvendo as despesas puacuteblicas uma vez que apesar de ser constatado um acurado cuidado
com a imposiccedilatildeo de limites ao poder de tributar natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao
passo posterior que eacute disciplina da despesa puacuteblica e seus desdobramentos
Eacute que hodiernamente ainda impera a ideia de que a influecircncia da Constituiccedilatildeo com
relaccedilatildeo aos gastos puacuteblicos estaria limitada ao aspecto formal de sua previsatildeo orccedilamentaacuteria
deixando de lado os fins materiais por ela estabelecidos Ana Paula de Barcellos reforccedila essa
ideia ao afirmar que410
Mas o que deveraacute constar no orccedilamento Em que se deveraacute investir Em que
os recursos puacuteblicos devem ser aplicados Com muita maior razatildeo tambeacutem
o conteuacutedo das despesas haveraacute de estar vinculado juridicamente agraves
prioridades eleitas pelo constituinte originaacuterio () A Constituiccedilatildeo
estabelece metas prioritaacuterias objetivos fundamentais dentre os quais
sobreleva a promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e aos
quais estatildeo obrigadas as autoridades puacuteblicas A despesa puacuteblica eacute o meio
haacutebil para atingir essas metas Logo por bastante natural as prioridades
em mateacuteria de gastos puacuteblicos satildeo aquelas fixadas pela Constituiccedilatildeo de
modo que tambeacutem a ponta da despesa que encerra o ciclo da atividade
financeira esteja submetida agrave norma constitucionalrdquo (Grifos acrescidos)
Robustecendo a disparidade entre a preocupaccedilatildeo com a limitaccedilatildeo do poder de tributar
e os limites quanto agraves despesas puacuteblicas tem-se que a atenccedilatildeo tanto dos juristas como dos
contribuintes em geral se concentra mais na tributaccedilatildeo (o dinheiro que entra) enquanto que a
disciplina legal da despesa puacuteblica termina ficando em segundo plano como se as pessoas
apoacutes reclamarem de pagar os altos tributos acabassem esquecendo que o que foi arrecadado
ainda seria delas e desta forma deveria ser alocado para o benefiacutecio da coletividade Fala-se
entatildeo em fortalecimento da cultura orccedilamentaacuteria no sentido de que a cidadania fiscal natildeo
termina no dever de pagar tributos mas se estende tambeacutem pelo ciclo orccedilamentaacuterio411
A defesa do raciociacutenio acima explicitado acarreta em repercussotildees praacuteticas relevantes
para o cumprimento dos objetivos fundamentais expostos na CF de 1988 Nesse sentido a
Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte
Foacuterum 2011 p 172 410
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 283 411
Aponta Ricardo Lobo Torres que ldquoa cidadania fiscal em seu sentido amplo abrange aleacutem das problemaacutetica
da receita os aspectos mais largos da cidadania financeira que compreendendo a vertente da despesa puacuteblica
envolve as prestaccedilotildees positivas de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais e aos direitos sociais e as escolhas
orccedilamentaacuterias questotildees que apresentam o maior deacuteficit de reflexatildeo teoacuterica no campo da cidadania Cidadania
fiscal eacute sobretudo cidadania orccedilamentaacuteriardquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de direito constitucional
financeiro e tributaacuterio ndash O orccedilamento na Constituiccedilatildeo v 5 Rio de Janeiro Renovar 2000 p 148
186
defesa pela vinculaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico agraves prioridades constitucionais como um norte
em sua elaboraccedilatildeo acarreta consequecircncias inevitaacuteveis para certos componentes do orccedilamento
que passariam a ldquoir para o fim da fila412
rdquo e teriam sua realizaccedilatildeo condicionada ao
cumprimento das prioridades constitucionais413
A Constituiccedilatildeo por exemplo natildeo ldquofalardquo em propaganda414
como algo tatildeo relevante ao
ponto de merecer lugar cativo nas rubricas orccedilamentaacuterias da mesma forma ldquosussurrardquo sobre
a questatildeo do lazer e os divertimentos populares a serem proporcionados pelo Estado contudo
ldquogritardquo com relaccedilatildeo agrave sauacutede e educaccedilatildeo ao longo do seu corpo com mais de sessenta menccedilotildees
a cada um desses direitos sociais logo natildeo faz sentido algum que a canalizaccedilatildeo de recursos na
elaboraccedilatildeo do orccedilamento inverta essa loacutegica natildeo refletindo as prioridades constitucionais
Reforccedilando tal visatildeo Edilson Pereira Nobre Juacutenior ao analisar a possibilidade de o
Executivo no curso da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria suspender a liberaccedilatildeo de recursos inerentes
aos direitos fundamentais sociais para custear outros fins pondera que415
() nessa aacuterea natildeo incide manifestaccedilatildeo discricionaacuteria nenhuma Isso porque
haveraacute de reconhecer-se uma priorizaccedilatildeo no manuseio dos recursos
disponiacuteveis aos dispecircndios com direitos fundamentais sociais tendo em
vista o expresso desejo do Constituinte de 1988 em erigir a dignidade da
pessoa humana a fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm
III) bem como serem objetivos fundamentais desta a construccedilatildeo duma
sociedade livre justa e solidaacuteria a erradicaccedilatildeo da pobreza e a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais e regionais (art 3ordm I e III) Dessas normas insertas
no Tiacutetulo I (Dos Princiacutepios Fundamentais) decorre a primazia dos direitos
sociais
()A concretizaccedilatildeo dos novos direitos fundamentais eacute de ser reputada sem
sombra de duacutevida obrigaccedilatildeo constitucional dos entes poliacuteticos
No particular merece realce pelo seu elevado caraacuteter meritoacuterio e de
vanguarda decisatildeo lavrada pelo Des Federal Francisco Wildo Lacerda
412
Nesse sentido confira-se o seguinte entendimento do STJ ldquo() o escudo da reserva do possiacutevel natildeo imuniza
o administrador de adimplir promessas que tais vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais quanto mais
considerando a notoacuteria destinaccedilatildeo de preciosos recursos puacuteblicos para aacutereas que embora tambeacutem inseridas na
zona de accedilatildeo puacuteblica satildeo menos prioritaacuterias e de relevacircncia muito inferior aos valores baacutesicos da sociedade
representados pelos direitos fundamentaisrdquo (Grifos acrescidos) (Resp ndeg 811698RS julgado em 150507 pela
1deg Turma do STJ Rel Min Luiz Fux DJU de 040607 p 314) 413
Novamente Ana Paula de Barcellos corrobora com essa visatildeo ao ponderar que ldquo() se os meios financeiros
natildeo satildeo ilimitados os recursos disponiacuteveis deveratildeo ser aplicados prioritariamente no atendimento dos fins
considerados essenciais pela Constituiccedilatildeo ateacute que eles sejam realizados Os recursos remanescentes haveratildeo de
ser destinados de acordo com as opccedilotildees poliacuteticas que a deliberaccedilatildeo democraacutetica apurar em cada momento
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade
da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284 414
O art 37 sect 1deg somente ressalva que a publicidade dos atos programas obras serviccedilos e campanhas dos
oacutergatildeos puacuteblicos deveraacute ter caraacuteter educativo informativo ou de orientaccedilatildeo social dela natildeo podendo constar
nomes siacutembolos ou imagens que caracterizem promoccedilatildeo pessoal de autoridades ou servidores puacuteblicos 415
NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira O controle de poliacuteticas puacuteblica um desafio agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In
Revista de Doutrina do TRF 4deg 19deg ed 2007 Disponiacutevel em
httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtmhttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedicao019Edilso
n_Juniorhtm Acessado em 19062013
187
Dantas do E Tribunal Regional Federal da 5ordf Regiatildeo nos autos do Agravo
de Instrumento 67336 ndash PB manejado pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal
contra o Estado da Paraiacuteba
S Exa na oportunidade determinara sob pena de multa pecuniaacuteria que
referido ente poliacutetico remanejasse 1760 da verba destinada agrave publicidade
institucional com vistas a normalizar o fornecimento de remeacutedios
destinados ao tratamento de pacientes portadores de mal de Parkinson
Restou ponderado que o deferimento da medida far-se-ia pelo fato do Estado
haver-se mantido recalcitrante em cumprir anterior decisatildeo judicial a qual
determinava que regularizasse a distribuiccedilatildeo dos medicamentos necessaacuterios
ao atendimento de mencionada enfermidade bem como porque se destinava
atender bem juriacutedico mais importante qual seja a vida dos cidadatildeos
paraibanos devendo assim preponderar sobre outra atividade puacuteblica
reputada de menor relevacircncia como eacute o caso da publicidade
governamental() (Grifos acrescidos)
Desta maneira defende-se a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido
de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a
destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade sob pena de
clara afronta agrave vontade da Constituiccedilatildeo416
Aplicando o pensamento acima para a realidade atual brasileira considera-se
inadmissiacutevel que no atual estaacutegio do Estado Democraacutetico de Direito conquistado no paiacutes seja
enxergado com naturalidade o fato de serem destinados bilhotildees para a construccedilatildeo de estaacutedios
de futebol (para realizaccedilatildeo da copa do mundo) por meio de parcerias puacuteblico-privadas417
enquanto a sauacutede puacuteblica atravessa um quadro de caos por falta de meacutedicos e ateacute mesmo
utensiacutelios baacutesicos nos hospitais puacuteblicos o que corrobora para a necessidade de mudanccedila
apontada
Contudo a problemaacutetica com relaccedilatildeo ao orccedilamento natildeo ocorre somente na sua fase de
elaboraccedilatildeo Satildeo rotineiras durante o processo de execuccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio algumas
situaccedilotildees que comprometem fortemente a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
(especialmente agrave sauacutede) mas antes de analisaacute-las eacute preciso compreender algumas
caracteriacutesticas dessa fase
416
Ana Paula de Barcellos sustentando ser plausiacutevel a defesa de que os gastos com publicidade governamental
devam ser necessariamente menores que os investimentos com sauacutede ou educaccedilatildeo exemplifica um caso no Rio
de Janeiro em que o MP ajuizou uma accedilatildeo de improbidade administrativa (Processo ndeg 2003014016724-4 4deg
Vara Ciacutevel da Comarca de Campos dos Goytacazes) em face de autoridades municipais do Municiacutepio de
Campos dos Goytacazes devido ao excesso de gastos com eventos culturais em que alegou-se sobretudo que os
gastos milionaacuterios nessas aacutereas natildeo eram repetidos em aacutereas mais relevantes e de atuaccedilatildeo obrigatoacuteria e prioritaacuteria
do poder puacuteblico o que feria a razoabilidade BARCELLOS Ana Paula de Constitucionalizaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas em mateacuteria de direitos fundamentais o controle poliacutetico-social e o controle juriacutedico no espaccedilo
democraacutetico In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 119 417
Acerca da aplicaccedilatildeo do instituto na aacuterea de sauacutede conferir GOMES Ana Maria Viccedilosa As parcerias
puacuteblico-privadas na gestatildeo hospitalar no Brasil In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 269-293 2009
ndash UNIMAR
188
Em que pese existir certa controveacutersia sobre a natureza juriacutedica do orccedilamento (satildeo
vaacuterias posiccedilotildees uns defendem a natureza de ato administrativo outros de lei conjunccedilatildeo entre
lei e ato administrativo ato-condiccedilatildeo etc) consolidou-se no Brasil o entendimento de que tal
instrumento se trata de lei em sentido meramente formal natildeo criando portanto direitos e
obrigaccedilotildees mas apenas orientando pautas para a legitimaccedilatildeo financeira da atividade
puacuteblica418
O objetivo dessa visatildeo eacute retirar da lei orccedilamentaacuteria sua conotaccedilatildeo substantiva de gerar
uma vinculaccedilatildeo imediata419
jaacute que se assim fosse haveria um inevitaacutevel engessamento do
ciclo orccedilamentaacuterio ao passo que nada poderia ser feito quanto agraves eventuais externalidades
ocorridas no transcorrer de sua execuccedilatildeo o que traria imensa inseguranccedila juriacutedica para a
realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Desta maneira o orccedilamento inegavelmente precisa de uma natural flexibilidade e
discricionariedade em sua execuccedilatildeo para que os fins nele previamente projetados possam ser
atingidos em conformidade com o cenaacuterio externo encontraacutevel isso tudo corre por uma
questatildeo proacutepria de racionalidade administrativa uma vez que seria impossiacutevel prever
normativa e previamente todas as hipoacuteteses de revisatildeo do orccedilamento como o satildeo a anulaccedilatildeo
de rubricas a natildeo realizaccedilatildeo de certas despesas e o contingenciamento de empenhos iacutensitos agrave
dinamicidade orccedilamentaacuteria420
Contudo essa inerente flexibilidade caracteriacutestica do caraacuteter autorizativo da peccedila
orccedilamentaacuteria se justifica exatamente pela necessidade de melhor atender aos fins puacuteblicos
priorizados na Constituiccedilatildeo e por isso natildeo pode ser transformada em arbitrariedade421
por
parte do Poder Puacuteblico sob pena dos desvirtuamentos ocasionados gerarem impactos sobre os
direitos fundamentais como eacute o prioritaacuterio direito agrave sauacutede
Ocorre que a realidade brasileira estaacute enquadrada nesse temeroso cenaacuterio de
arbitrariedade Atraveacutes de praacuteticas que recorrentemente frustram a agenda orccedilamentaacuteria e
418
OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 p
309 419
OLIVEIRA Fernando Froacutees Financcedilas puacuteblicas economia e legitimaccedilatildeo alguns argumentos em defesa do
orccedilamento autorizativo In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO
Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 692 420
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 4 421
Quanto a este ponto Germaacuten J Bidart Campos pondera que ldquo() Es verdad que no se puede marcar
riacutegidamente com uma cifra inamovible el maacuteximo de recursos disponibles Lo que si se puede y se debe ES
resuponer que el maacuteximo bdquodisponible‟ ES el maacuteximo que razonablemente surge de uma evaluacioacuten objetiva com
la que al distribuir los ingresos y los gastos de la hacienda puacuteblica se prioriza lo maacutes valioso y se escalona a
partir de alliacute lo mesno valiosordquo BIDART CAMPOS Germaacuten J El Orden Socioeconomico em la Constitucioacuten
Buenos Aires EDIAR 1999 p 343 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284
189
prejudicam a realizaccedilatildeo das metas pactuadas quando da elaboraccedilatildeo do orccedilamento a equaccedilatildeo
receita-despesa acaba passando longe das prioridades definidas legalmente
No contexto da arbitrariedade um dos mecanismos utilizado (e fortemente criticado) eacute
contingenciamento de empenhos procedimento formal de limitaccedilatildeo tanto das despesas
autorizadas na lei orccedilamentaacuteria anual quanto da movimentaccedilatildeo financeira a elas interligada
que tem o intuito de vedar que os ordenadores de despesa emanem atos de assunccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de pagamento para o Estado422
Essa hipoacutetese de limitaccedilatildeo de despesa eacute uma espeacutecie de contenccedilatildeo de gasto puacuteblico
pela possibilidade de natildeo existir garantia de receita que lhe promova o custeio e tem
supedacircneo no art 9deg da LRF que afirma ser possiacutevel se restringir a geraccedilatildeo de despesas
quando restar averiguado mediante relatoacuterio resumido de execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria que haacute
risco de frustraccedilatildeo das metas de resultado primaacuterio ou nominal previstas na LDO pelo fato de
a geraccedilatildeo receitas natildeo seguirem o planejado inicialmente
Ou seja a utilizaccedilatildeo do contingenciamento soacute seraacute legiacutetima quando comprovado
motivadamente que haacute uma reduccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave despesa antes estimada na
fixaccedilatildeo das metas fiscais da LDO e na proacutepria LOA O uso desta teacutecnica de modo a
transbordar esse limite ou seja a praacutetica da simples inexecuccedilatildeo das despesas previstas sem
qualquer motivaccedilatildeo ligada ao cumprimento das metas fiscais desnatura a proacutepria finalidade
programatoacuteria das peccedilas orccedilamentaacuteria e subverte as prioridades alocadas quando da
elaboraccedilatildeo do plano para o exerciacutecio financeiro
Nessa conjuntura eacute de se constatar que haacute no Brasil um quadro de contracionismo
orccedilamentaacuterio caracterizado pelo manejo abusivo e arbitraacuterio da figura do contingenciamento
de empenhos que contribui para a inefetividade dos direitos sociais visto que as poliacuteticas
puacuteblicas que foram idealizadas acabam sendo parcial ou integralmente inexecutadas e
consequentemente as prioridades definidas no processo deliberativo do orccedilamento acabam
sendo redesenhadas por ato unilateral do Poder Puacuteblico423
Frente a ampla discricionariedade conferida ao Poder Executivo eacute recorrente a
seguinte situaccedilatildeo que caracteriza uma espeacutecie de contingenciamento preventivo poucos dias
apoacutes o orccedilamento ser aprovado edita-se um decreto limitando a liberaccedilatildeo de certos recursos
422
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 9 423
MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 380
190
de dotaccedilotildees inicialmente previstas sem qualquer motivaccedilatildeo ficando essa parcela da receita
em uma espeacutecie de limbo ofendendo-se assim a previsatildeo jaacute visto no art 9deg da LRF424
Para se ter uma ideia dentre os Programas de Trabalho da Uniatildeo previstos na LOA de
2005 cerca de trinta e seis programas ou natildeo foram sequer executados ou tiveram dotaccedilatildeo
inicialmente autorizada inferior a 10 do inicialmente (dentre eles programa de saneamento
ambiental urbano425
e de atenccedilatildeo integral agrave sauacutede da mulher) configurando o que Eacutelida
Graziane Pinto denomina de ldquofrustraccedilatildeo reiterada de agendas orccedilamentaacuterias discutidas
aprovadas em lei mas apenas minimamente executadasrdquo426
A grande parte desses recursos contingenciados satildeo utilizados para assegurar as metas
de superaacutevit primaacuterio e acordos firmados para pagamento da diacutevida puacuteblica vislumbrando-se
desta maneira que o governo federal acaba adotando o contingenciamento como um
mecanismo de poliacutetica econocircmica a partir da priorizaccedilatildeo do pagamento de juros e
amortizaccedilotildees de diacutevidas em detrimento do cumprimento de programas que garantem a
realizaccedilatildeo de inuacutemeros direitos fundamentais
Corroborando com essa visatildeo o Instituto de estudos soacutecio-econocircmicos (INESC)427
em
estudo sobre o tema posicionou-se no sentido de que
() essa necessidade de geraccedilatildeo de superaacutevits primaacuterios maiores ateacute do que
os especificados na LDO e a priorizaccedilatildeo de pagamento de juros da diacutevida em
detrimento da execuccedilatildeo das poliacuteticas sociais tecircm levado o governo a adotar o
contingenciamento preventivo
() as consequecircncias desse contingenciamento preventivo foram observadas
no ano de 2003 quando foram executados R$ 1202 bilhotildees em 19 dias e
em 2004 quando foram executados R$ 900 bilhotildees em apenas 15 dias
sempre no final do exerciacutecio fiscal Todo comeccedilo de ano haacute interrupccedilatildeo na
execuccedilatildeo das poliacuteticas para nos uacuteltimos dias do mecircs de dezembro haver
liberaccedilotildees exorbitantes de recursos
424
MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 381 425
Sobre essa situaccedilatildeo Eduardo Mendonccedila pontua que ldquo o saneamento baacutesico eacute uma necessidade primaacuteria de
sauacutede puacuteblica mas ainda natildeo eacute fornecido agrave parte consideraacutevel das residecircncias brasileiras Nada obstante o
programa correspondente do Ministeacuterio da Sauacutede foi reduzido em cerca de 21 (corte superior a 882 milhotildees de
reais) MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 383 426
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 7 427
Nota Teacutecnica nordm 98 do INESC ndash Contingenciamento necessidade tributaacuteria ou instrumento da poliacutetica
econocircmica 2011 Disponiacutevel em httpwwwinescorgbrbibliotecapublicacoesnotas-tecnicasnts-
anterioresnts-2005NT209820-2020OR_AMENTO20-20CONTIGENCIAMENTOpdfview
Acessado em 12062013
191
A praacutetica do contingenciamento preventivo acaba negando o que faticamente foi
projetado para o orccedilamento como finalidade prioritaacuteria a ser concretizada redesenhando o
orccedilamento puacuteblico jaacute que inexiste motivaccedilatildeo quanto agrave frustraccedilatildeo de receitas e o risco de
afetaccedilatildeo das metas de resultado nominal e primaacuterio conforme o art 9deg da LRF Como
consequecircncias negativas dessa praacutetica podem ser destacadas o prejuiacutezo para a continuidade
das poliacuteticas puacuteblicas a reduccedilatildeo da transparecircncia e a dificuldade se realizar o controle social
desses gastos428
Em suma defende-se que a praacutetica do contingenciamento preventivo eacute
inconstitucional uma vez que acaba possibilitando que a programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria prevista
na LOA seja reprojetada desvirtuando as prioridades delineadas na CF seguidas na
elaboraccedilatildeo do orccedilamento Faz-se necessaacuterio portanto mecanismos eficientes de controle do
desenvolvimento do ciclo orccedilamentaacuterio429
especialmente quanto a possibilidade encampada
no art 9deg LRF de modo a garantir que a discricionariedade necessaacuteria do Poder Puacuteblico no
desenrolar orccedilamentaacuterio natildeo se transforme em arbitrariedade e abusos subversivos da loacutegica
do ciclo orccedilamentaacuterio430
Dito isto entra-se na discussatildeo acerca do controle de constitucionalidade da lei
orccedilamentaacuteria bem como na possibilidade de o Judiciaacuterio controlar e garantir o fiel
cumprimento do orccedilamento e sua adequaccedilatildeo agraves prioridades constitucionais Quanto a
possibilidade de controle de constitucionalidade o STF durante muito tempo encampou a
428
Corroborando Eduardo Mendonccedila expotildee que ldquonatildeo por acaso todos os anos eacute noticiado que o Poder
Executivo decide rever as metas para maior agrave custa do corte nos investimentos previstos Tambeacutem aqui se
verifica a superaccedilatildeo da decisatildeo orccedilamentaacuteria inicial e de forma ainda mais grave (uma autecircntica decisatildeo de natildeo
gastar) As prioridades definidas no processo deliberativo orccedilamentaacuterio ndash que jaacute levara em conta a questatildeo das
metas fiscais ndash satildeo redesenhadas por ato unilateral da Administraccedilatildeo MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de
gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 p 377-378 429
Nessa questatildeo Ricardo Lobo Torres sugere a importaccedilatildeo de certos institutos do direito estrangeiro ao afirmar
por exemplo que ldquoainda falta no direito positivo brasileiro instrumento semelhante ao do mandado de injunccedilatildeo
americano que permita ao Judiciaacuterio vincular o Legislativo na feitura do orccedilamento do ano seguinte em
homenagem a direitos fundamentais sociais (miacutenimo existencial) que necessitam do controle jurisdicional
contramajoritaacuterio tiacutepico dos direito essencialmente constitucionaisrdquo TORRES Ricardo Lobo O miacutenimo
existencial os direitos sociais e os desafios de natureza orccedilamentaacuteria In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM
Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 76 430
Nesse sentido Eduardo Mendonccedila pondera que ldquoum orccedilamento realista e efetivo seraacute antes de tudo um
instrumento de concretizaccedilatildeo e harmonizaccedilatildeo das escolhas poliacuteticas aleacutem de constituir foacuterum privilegiado para a
fiscalizaccedilatildeo social do Estado () Natildeo eacute preciso subordinar a poliacutetica ao direito para reconhecer que a liberdade
de conformaccedilatildeo dos agentes eleitos natildeo se estende ao ponto de lhes conceder a prerrogativa de tomar decisotildees
absolutamente irrealizaacuteveis incoerentes entre si ou mesmo de ocultar as decisotildees reais por meio de um sistema
orccedilamentaacuterio incompreensiacutevel e iloacutegicordquo MENDONCcedilA Eduardo Alguns Pressupostos para um Orccedilamento
Puacuteblico Conforme a Constituiccedilatildeo In BARROSO Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito
puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 640-641
192
orientaccedilatildeo de que como as leis orccedilamentaacuterias seriam lei apenas em sentido formal natildeo seria
possiacutevel o controle abstrato de suas constitucionalidades431
Contudo desde 2003432
foram dados alguns passos em sentido inverso vindo a mudar
a orientaccedilatildeo da Corte em 2008433
quando o STF concluiu pelo cabimento do controle abstrato
de constitucionalidade em relaccedilatildeo agraves leis orccedilamentaacuterias em que pese seu aspecto meramente
formal principalmente quanto a questatildeo da abertura de creacuteditos extraordinaacuterios por medidas
provisoacuterias que deveriam ficar restritos somente agraves hipoacuteteses autorizadas no sect 3deg do art 167
da CF434
A defesa aqui proposta eacute pela inevitabilidade do controle de constitucionalidade da
legislaccedilatildeo orccedilamentaacuteria em decorrecircncia da proacutepria forccedila imperativa da Constituiccedilatildeo visando a
que natildeo somente suas determinaccedilotildees referentes agraves diretrizes orccedilamentaacuterias mas tambeacutem ao
princiacutepio da eficiecircncia agrave dignidade da pessoa humana e agrave priorizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais sejam fielmente seguidas e que a estruturaccedilatildeo tanto da elaboraccedilatildeo quanto da
execuccedilatildeo do orccedilamento fique livre das mazelas (como eacute o caso do corte de verbas em aacutereas
prioritaacuterias frente ao contingenciamento preventivo) que acabam subvertendo os valores
acima dificultando a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais especialmente o direito agrave
sauacutede435
Reforccedilando essa necessidade de controle Ana Paula de Barcellos alerta para o
interessante fato de que enquanto haacute uma acentuada preocupaccedilatildeo em limitar o iacutempeto
arrecadatoacuterio do Estado natildeo existe uma atenccedilatildeo equivalente com o que o Estado faraacute com os
recursos arrecadados destacando-se a seguinte passagem436
431
ADI 2057MC - AP 1999 Rel Min Mauriacutecio Correcirca Publicado em 31032000 p 50 432
ADI 2925- DF 2003 Rel Min Ellen Gracie Publicado em 04032005 p 10 433
ADI 4048 MC - DF 2008 Rel Min Gilmar Mendes Publicado em 21082008 p 55 434
Conforme se extrai do Informativo ndeg 502 do STF ao mencionar a ADI 4048 MCndashDF pode ser destacada a
seguinte passagem ldquo() Aduziu-se ademais natildeo haver razotildees de iacutendole loacutegica ou juriacutedica contra a afericcedilatildeo da
legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas e que estudos e anaacutelises no plano da teoria do
direito apontariam a possibilidade tanto de se formular uma lei de efeito concreto de forma geneacuterica e abstrata
quanto de se apresentar como lei de efeito concreto regulaccedilatildeo abrangente de um complexo mais ou menos amplo
de situaccedilotildees Concluiu-se que em razatildeo disso o Supremo natildeo teria andado bem ao reputar as leis de efeito
concreto como inidocircneas para o controle abstrato de normas ()rdquo (Grifos acrescidos) 435
No que se refere agrave possibilidade de controle concentrado do orccedilamento de se destacar as liccedilotildees de Harrison
Leite no sentido de que ldquoindependente da feiccedilatildeo que queira dar ao orccedilamento o certo eacute que a Constituiccedilatildeo
reconheceu o seu caraacuteter legal dotando-lhe de um ciclo legislativo especial E mais submeteu a sua mateacuteria a
controle jurisdicional na medida em que claramente previu regras de alocaccedilatildeo de recursos vinculantes aos
fautores da lei que natildeo tecircm argumentos para se desobrigarem do mandamento constitucionalrdquo LEITE Harrison
Ferreira O orccedilamento e a possibilidade de controle de Constitucionalidade Revista Tributaacuteria e de Financcedilas
Puacuteblicas v 70 p 162-185 2006 p 172 436
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 16
193
A realidade das despesas puacuteblicas entretanto deveria despertar interesse
semelhante desperdiacutecio e ineficiecircncia prioridades incompatiacuteveis com a
Constituiccedilatildeo precariedade de serviccedilos indispensaacuteveis agrave promoccedilatildeo de
direitos fundamentais baacutesicos como educaccedilatildeo e sauacutede e sua convivecircncia
com vultosos gastos em rubricas como publicidade governamental e
comunicaccedilatildeo social natildeo satildeo propriamente fenocircmenos pontuais e isolados na
Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira (Grifos acrescidos)
O raciociacutenio desta maneira eacute no sentido de que a ideia de legalidade orccedilamentaacuteria natildeo
deve ser encarada como um fim em si mesmo como se fosse um dogma absoluto jaacute que sofre
limitaccedilotildees constitucionais e cede agrave efetividade da Constituiccedilatildeo devendo o orccedilamento assim
natildeo soacute respeitar as regras constitucionais e legais quanto a sua elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo como
tambeacutem guardar similitude com o compromisso do Poder Puacuteblico na concretizaccedilatildeo dos
direitos fundamentais
Nesse sentido haacute uma premente necessidade de se repensar a teoria juriacutedica que
prevalece ateacute hoje no paiacutes acerca do orccedilamento de modo a ser mais recorrente e enfaacutetico o seu
controle com vistas a que sejam cumpridas as metas prioritaacuterias inseridas na Constituiccedilatildeo em
detrimento a situaccedilotildees menos relevantes Sobre este ponto merece destaque a liccedilatildeo de Tecircmis
Limberger437
Passaram-se quase 20 anos para que comeccedilasse a se amadurecer no sentido
de que os direitos sociais fossem relacionados com os dispositivos
orccedilamentaacuterios Eacute o que Canotilho e Moreira denominam de ldquoConstituiccedilatildeo
orccedilamentalrdquo As medidas de gestatildeo orccedilamentaacuteria satildeo importantes quando se
pretende a realizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos Questotildees vitais como sauacutede
educaccedilatildeo seguranccedila e moradia reclamam para sua implementaccedilatildeo
dispecircndios por parte do poder puacuteblico que precisa contar com disposiccedilotildees
orccedilamentaacuterias
623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Quanto agrave questatildeo do controle orccedilamentaacuterio Ana Paula de Barcellos contribui para a
temaacutetica com a apresentaccedilatildeo de alguns paracircmetros relevantes438
O primeiro paracircmetro baacutesico
no controle judicial dos orccedilamentos eacute a fiscalizaccedilatildeo acerca do respeito aos percentuais
miacutenimos de gastos que a CF estabelece para aacutereas prioritaacuterias como eacute o caso da sauacutede sendo
essencial o amplo acesso a informaccedilotildees do ciclo orccedilamentaacuterio o exemplar rigor na aplicaccedilatildeo
437
LIMBERGER Tecircmis Direito agrave sauacutede e poliacuteticas puacuteblicas a necessidade de criteacuterios judiciais a partir dos
preceitos constitucionais In Revista de Direito Administrativo v 251 FGV Rio de Janeiro maiago 2009
p 182 438
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 19-25
194
das consequecircncias quanto o eventual descumprimento dos mesmos bem como a efetivaccedilatildeo do
respeito desses percentuais a partir da realocaccedilatildeo de valores direcionados para aacutereas menos
prioritaacuterias
Em segundo lugar destaca-se a necessidade de se consolidar a partir do texto da CF
um esqueleto do resultado final esperado da atuaccedilatildeo estatal a partir da extraccedilatildeo de efeitos
especiacuteficos que funcionariam como metas concretas a serem atingidas em caraacuteter prioritaacuterio
pelo Pode Puacuteblico ficando outros gastos menos importantes ou natildeo importantes agrave espera do
cumprimento das prioridades
Finalmente aponta para a necessidade de existir um controle da proacutepria definiccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas a serem realizadas ou seja dos meios e instrumentos usados para se
concretizar as metas constitucionais e nesse ponto o princiacutepio da eficiecircncia439
assume papel
relevante como paracircmetro chave de tal controle de modo a respaldar o afastamento de
praacuteticas comprovadamente ineficientes as quais atrapalham a fruiccedilatildeo dos direitos
fundamentais pela sociedade
Importante ressaltar tambeacutem a utilizaccedilatildeo de accedilotildees coletivas com a finalidade de
concretamente acabar empreendendo o controle de constitucionalidade da execuccedilatildeo
orccedilamentaacuteria exigindo o cumprimento da mesma conforme as regras constitucionais Nesse
sentido Cleacutemerson Merlin Cleacuteve aponta que440
Desse modo tratar-se-ia de compelir o Poder Puacuteblico a cumprir a lei
orccedilamentaacuteria que contenha as dotaccedilotildees necessaacuterias (evitando assim os
remanejamentos de recursos para outras finalidades) assim como de obrigar
o Estado a prever na lei orccedilamentaacuteria os recursos necessaacuterios para de forma
progressiva realizar os direitos sociais E aqui eacute preciso desmistificar a ideia
de que o orccedilamento eacute meramente autorizativo Se o orccedilamento eacute programa
sendo programa natildeo pode ser autorizativo O orccedilamento eacute lei que precisa ser
cumprida pelo Executivo
A possibilidade supracitada se concretiza sobretudo mediante o importante papel
desempenhado pelo Ministeacuterio Puacuteblico que atento agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em todos os
seus niacuteveis deve buscar judicialmente tambeacutem o controle concreto do ciclo orccedilamentaacuterio
atraveacutes do importante instrumento da accedilatildeo civil puacuteblica
439
Sobre a importacircncia do princiacutepio da eficiecircncia e o controle da discricionariedade na Administraccedilatildeo Puacuteblica
conferir MORAES Alexandre Princiacutepio da eficiecircncia e a evoluccedilatildeo do controle jurisdicional dos atos
administrativos discricionaacuterios In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Direitos Fundamentais
e Estado Constitucional Estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho Satildeo Paulo Editora Revista dos
Tribunais Coimbra Coimbra Editora 2009 p 417 440
CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais In Revista da
Academia Brasileira de Direito Constitucional v 3 Curitiba 2003 p 299
195
Exemplo interessante dessa atuaccedilatildeo aconteceu no Rio Grande do Norte quando o
Ministeacuterio Puacuteblico daquele Estado ao constatar ausecircncia do repasse de valores para o Fundo
Estadual da Sauacutede previstos no orccedilamento da sauacutede do ano de 2008 bem como
contingenciamento de valores da sauacutede para reserva teacutecnica pleiteou por meio de ACP que
tal situaccedilatildeo fosse revertida com o consequente repasse e o descontingenciamento dos valores
da sauacutede
Ao empreender o exame da referida ACP o Judiciaacuterio levou em conta a jurisprudecircncia
do STF e chamou atenccedilatildeo quanto ao caos da sauacutede puacuteblica no referido estado para apesar de
reconhecer a perda do objeto da accedilatildeo determinar cautelarmente que o Poder Puacuteblico a partir
daquele momento natildeo realizasse qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias
direcionadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem a preacutevia aprovaccedilatildeo do Conselho Estadual de
Sauacutede o que reforccedila o papel desses oacutergatildeos jaacute trabalhado anteriormente estipulando multa em
caso de descumprimento
Alguns trechos relevantes da presente decisatildeo441
merecem ser transcritos
Natildeo obstante a formulaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas dependam de
opccedilotildees poliacuteticas a cargo daqueles que por delegaccedilatildeo popular receberam
investidura em mandato eletivo cumpre reconhecer que natildeo se revela
absoluta nesse domiacutenio a liberdade de liberdade de conformaccedilatildeo do
legislador nem a de atuaccedilatildeo do Poder Executivo A par das consideraccedilotildees
acima considerando o poder geral de cautela deferido ao juiz pelo art 798
do Coacutedigo de Processo Civil e A) agrave evidecircncia da ampla documentaccedilatildeo
acostada a qual demonstra que natildeo soacute em 2008 mas tambeacutem em 2009 e
2010 ocorreram contingenciamentos de verbas do orccedilamento da sauacutede
bem como os repasses a conta-gotas das verbas orccedilamentaacuterias da Sauacutede as
quais ultima ratio tolheram (e tolhem) a efetiva aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
orccedilamentaacuteria dos recursos vinculados a accedilotildees e serviccedilo de sauacutede B) que
com tal conduta a Administraccedilatildeo tem descumprido os preceitos do art 198
I e II da Constituiccedilatildeo art 77 da ADCT com redaccedilatildeo dada pela Emenda
292000 e ainda escamoteia a interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos art 33 e
34 da Lei 808090 C) que aleacutem de notoacuterio conforme diuturnamente
veiculado na imprensa o caos na sauacutede puacuteblica estadual resta evidenciada
pela prova documental a situaccedilatildeo emergencial de desabastecimento dos
hospitais da rede estadual Por tudo isto entendo ser hipoacutetese de
intervenccedilatildeo excepcional do Judiciaacuterio no trato e execuccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede () CAUTELARMENTE determino ao Estado do RN
em especial ao Sr Secretaacuterio Estadual de Planejamento que doravante 1deg)
NAtildeO PROCEDA qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias
destinadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem preacutevia anuecircncia escrita do
Conselho Estadual de Sauacutede deliberada pelo respectivo colegiado sob pena
de multa no valor de R$ 5000000 (cinquenta mil reais) aplicada
pessoalmente contra o Secretaacuterio de Planejamento por cada
contingenciamento que ocorra em desobediecircncia a presente decisatildeo 2)
441
ACP ndeg 0035742-762008200001 Juiz de Direito Airton Pinheiro 5deg Vara da Fazenda Puacuteblica de Natal-RN
Publicado em 07022011
196
que o Sr Secretaacuterio de Planejamento ateacute o 20 dia do mecircs subsequente a
cada mecircs vencido PROCEDA em favor do Fundo Estadual da Sauacutede o
repasse integral das verbas orccedilamentaacuterias vinculadas agraves accedilotildees e serviccedilos de
Sauacutede em valor natildeo inferior ao equivalente a 112 (um doze avos) do
orccedilamento previsto para a pasta da Sauacuted ()rdquo (Grifos acrescidos)
Corroborando com a demonstraccedilatildeo da repercussatildeo negativa que os analisados
problemas orccedilamentaacuterios acarretam ao direito agrave sauacutede tem-se que no contexto brasileiro natildeo
satildeo raros os casos em que cortes no orccedilamento puacuteblico terminam prejudicando diretamente o
andamento de poliacuteticas puacuteblicas ligadas a esse prioritaacuterio direito fundamental Reforccedilando o
ponto de vista jaacute afirmado natildeo se pode admitir que o respeito aos percentuais miacutenimos
estabelecidos na CF seja por si soacute suficiente para que o Estado se desvincule do seu perene
dever de garantir a sauacutede sendo inafastaacutevel a conclusatildeo de que a praacutetica de cortes de gastos
direcionados agrave sauacutede ainda que se continue respeitando o miacutenimo de aporte financeiro
estabelecido constitucionalmente eacute flagrantemente inconstitucional ainda mais quando os
valores satildeo direcionados para aacutereas natildeo prioritaacuterias
No ano de 2012 por exemplo houve um corte de R$ 55 bilhotildees no orccedilamento geral da
Uniatildeo que acarretou no contingenciamento de recursos do Ministeacuterio da Sauacutede (na casa de R$
54 bilhotildees) Tal situaccedilatildeo gerou indignaccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede que teceu fortes
criacuteticas ao governo em carta aberta agrave presidenta Dilma Roussef destacando-se os seguintes
trechos442
A equipe econocircmica do governo federal propotildee agora um
contingenciamento da ordem de R$ 54 bilhotildees no jaacute restrito orccedilamento do
Ministeacuterio da Sauacutede O mais curioso eacute o argumento de que o
contingenciamento visa a favorecer o crescimento econocircmico do paiacutes Ora a
sauacutede eacute um importante setor econocircmico representando cerca de 9 do PIB
[Produto Interno Bruto] e muito tem contribuiacutedo para o desenvolvimento
nacional ao movimentar um potente mercado de bens e serviccedilos e a
assegurar milhotildees de empregos
() O que mais provoca indignaccedilatildeo na proposiccedilatildeo do contingenciamento
dos recursos da sauacutede eacute a verificaccedilatildeo de que a LOA 2012 [Lei
Orccedilamentaacuteria Anual] prevecirc destinar R$ 655 bilhotildees ou 30 do Orccedilamento
federal de 2012 ao refinanciamento e ao pagamento de juros e amortizaccedilotildees
da diacutevida puacuteblica mais de nove vezes o valor previsto para a sauacutede (Grifos
acrescidos)
Frente a todo o exposto conclui-se que a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio e a partir da
provocaccedilatildeo sobretudo do Ministeacuterio Puacuteblico eacute muito importante em todas as fases das accedilotildees
estatais trilhadas para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e estaacute calcada na busca pelo
442
O referido documento pode ser conferido na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico
httpconselhosaudegovbrultimas_noticias2012docs17_fev_ASSEGURAR_RECURSOS_LOA_20PARA
_SAUDEpdf
197
respeito agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e aos valores por ela norteados o que termina superando
qualquer argumento contraacuterio ligado agrave separaccedilatildeo dos poderes ou ao respeito da estrita
legalidade orccedilamentaacuteria443
Ocorre que o Judiciaacuterio natildeo deve ser sobrecarregado como a uacutenica esperanccedila possiacutevel
para o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede devendo ser criadas condiccedilotildees para um
efetivo controle social e nesse ponto complementando o jaacute relevante papel dos Conselhos de
Sauacutede podem ser destacadas medidas como o orccedilamento participativo e a atuaccedilatildeo direta da
populaccedilatildeo por meio de manifestaccedilotildees populares e ateacute mesmo atraveacutes da iniciativa popular na
busca pela melhor garantia do direito agrave sauacutede444
Em linhas gerais os orccedilamentos participativos satildeo modelos em que a proacutepria
comunidade participa conjuntamente com o pode puacuteblico na elaboraccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio
e as experiecircncias brasileiras (as quais satildeo restritas ao acircmbito municipal) apesar de denotarem
certa ausecircncia de uniformidade na formataccedilatildeo de tais processos apontam para benefiacutecios
relevantes para a eficiecircncia e cumprimento da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria445
O principal exemplo ocorreu em Porto Alegre onde desde 1989 implementou-se o
orccedilamento participativo possibilitando um amplo acesso da populaccedilatildeo agrave tomada de decisotildees
orccedilamentaacuterias que geraram novas prioridades agrave gestatildeo de recursos da cidade constatando-se
443
Nesse sentido aponta Marcelo Harger que ldquoas metas valores e procedimentos devem ser concomitantemente
observados para que uma poliacutetica puacuteblica possa ser considerada constitucional Natildeo se pode com o objetivo de
assegurar o desenvolvimento nacional ofender a dignidade da pessoa humana ou acabar com o pluralismo
poliacuteticordquo HARGER Marcelo Os princiacutepios constitucionais e o controle das poliacuteticas puacuteblicas pelo Poder
Judiciaacuterio In CRUZ Paulo Maacutercio GOMES Rogeacuterio Zuel (coords) Princiacutepios Constitucionais e Direitos
Fundamentais Curitiba Juruaacute 2008 p 136 444
Para Eduardo Mendonccedila ldquoa modificaccedilatildeo desse sistema jaacute produziria consideraacutevel avanccedilo institucional
inclusive elevando o niacutevel da discussatildeo poliacutetica travada no paiacutes Um sistema orccedilamentaacuterio racional e
verdadeiramente transparente seria um instrumento a serviccedilo dos trecircs Poderes notadamente do Legislativo e do
Executivo encarregados das decisotildees discricionaacuterias O proacuteprio Judiciaacuterio teria agrave disposiccedilatildeo um diagnoacutestico
mais preciso das poliacuteticas puacuteblicas Mem curso que poderaacute recomendar um maior ou menor ativismo
Adicionalmente o controle social ficaria potencializado uma vez que um conjunto importante de decisotildees
poliacuteticas ganharia concreccedilatildeo ao ingressar no orccedilamento MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao
dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM
Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 380 445
Contribuindo para essa visatildeo pode ser destacado o seguinte trecho esposado pela 4deg Cacircmara Ciacutevel do TJPR
relatoria do Des Abraham Lincoln Calixto no julgamento do Mandado de Seguranccedila ndeg 476084-9 em
24 06 08 ldquo() III Se por um lado eacute correto reconhecer que o dinheiro puacuteblico eacute limitado e deve ser gasto de
forma adequada e racionalizada por outro tambeacutem eacute certo dizer que a razatildeo de ser do Estado eacute atender os
direitos fundamentais do Homem de forma a resguardar-lhe um miacutenimo de dignidade IV O Estado tem o dever
de proteger e garantir um miacutenimo existencial agrave populaccedilatildeo devendo adotar mecanismos de gestatildeo democraacutetica
do orccedilamento puacuteblico como forma de assegurar os direitos fundamentais como a sauacutede e a proacutepria vidardquo
(Grifos acrescidos)
198
melhorias no acesso a aacutegua potaacutevel no sistema de esgoto e no nuacutemero de matriacuteculas de
crianccedilas nas escolas446
Ocorre que apesar de significar um importante mecanismo de revitalizaccedilatildeo da
cidadania e construccedilatildeo de uma esfera puacuteblica no Brasil o exame da realidade conjuntural da
totalidade das experiecircncias de orccedilamento participativo demonstra que grande parte dos
problemas estruturais encontrados no acircmbito dos Conselhos de Sauacutede satildeo aqui repetidos jaacute
que o sucesso dessa gestatildeo participativa no orccedilamento depende exatamente do niacutevel de poder
que eacute compartilhado para a populaccedilatildeo o que nem sempre atinge os niacuteveis ideais para uma
necessaacuteria mudanccedila447
Devem ser buscadas portanto medidas concretas que venham a potencializar o uso do
instrumento do orccedilamento participativo448
e a consequente construccedilatildeo de espaccedilos
deliberativos a comeccedilar pela regulamentaccedilatildeo e uniformizaccedilatildeo do mesmo como procedimento
obrigatoacuterio no ciclo orccedilamentaacuterio em acircmbito local em todo paiacutes bem como pela previsatildeo de
intercacircmbios institucionais de tais espaccedilos com os Conselhos de Sauacutede visando a melhor
compatibilizaccedilatildeo do orccedilamento local com as prioridades inerentes agrave sauacutede puacuteblica da regiatildeo
Da mesma maneira vislumbra-se no contexto hodierno brasileiro um positivo quadro
de crescente participaccedilatildeo popular atraveacutes de manifestaccedilotildees que oxigenando a democracia
representativa449
tendem a pressionar o Poder Puacuteblico por mudanccedilas em prol da
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mais imprescindiacuteveis e acabam norteando a
populaccedilatildeo para sua importante funccedilatildeo no manejo de proposiccedilotildees legislativas Tais
consequecircncias com relaccedilatildeo agrave sauacutede pocircde ter sido vislumbrada por exemplo pela
aceleraccedilatildeo450
da aprovaccedilatildeo de programas do Governo Federal (como eacute o caso do ldquoMais
446
KLIKSBERG Bernardo Como por em praacutetica a participaccedilatildeo Algumas questotildees estrateacutegicas In Gestatildeo
puacuteblica e participaccedilatildeo Salvador Fundaccedilatildeo Luiacutes Eduardo Magalhatildees 2005 p 74 447
AZEVEDO FERES Anaximandro Lourenccedilo REISSINGER Simone amp ARAUacuteJO Marinella Machado
Conselhos Municipais de Sauacutede e a construccedilatildeo dialoacutegica do orccedilamento puacuteblico p 14 Disponiacutevel em
httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaiscamposanaximandro_simone_marinella_araujopdf Acesso
em 21062013 448
Euzineia Carlos destaca que ldquo() a natildeo partilha do processo decisoacuterio entre o poder puacuteblico e cidadatildeo
interessado confere ao orccedilamento participativo uma descaracterizaccedilatildeo de seu potencial sentido poliacutetico e
emancipador consubstanciando-se em um vazio comunicacional dado pela inexistecircncia de interaccedilotildees sociais
cooperativas na formaccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo coletiva e na definiccedilatildeo do bem puacuteblicordquo CARLOS Euzineia
Orccedilamento participativo em Vitoacuteria sob o signo de diferentes visotildees ideoloacutegico-normativas In Participaccedilatildeo
Social na Gestatildeo Puacuteblica Olhares sobre as Experiecircncias de Vitoacuteria-ES Marta Zorzal e Silva (org) Satildeo
Paulo Annablume 2009 p 230 449
MARTINS Leonardo Manifestaccedilotildees populares entre normalidade democraacutetica e insurreiccedilatildeo
Disponiacutevel em httpwwwcartaforensecombrconteudoartigosmanifestacoes-populares-entre-normalidade-
democratica-e-insurreicao11502 Acessado em 03072013 450
Corroborando conferir a presente notiacutecia httpglobotvglobocomrede-globojornal-nacionalvcongresso-
nacional-acelera-votacao-de-projetos-cobrados-por-manifestacoes2657714 Acessado em 27062013
199
Meacutedicosrdquo451
) pelo anuacutencio de uma seacuterie de investimentos para a situaccedilatildeo da sauacutede municipal
bem como destinaccedilatildeo de recursos dos royalties do petroacuteleo para a sauacutede e educaccedilatildeo452
e
finalmente pela potencializaccedilatildeo gerada no andamento de programas de iniciativa popular
como eacute o caso do Movimento Sauacutede + 10 jaacute tratado anteriormente
Constata-se assim que para se alcanccedilar uma maior concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute
primordial a implementaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo conjunto ndash que abranja desde o controle da
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico ateacute a avaliaccedilatildeo do cumprimento das metas das
poliacuteticas puacuteblicas que reflita o exato grau de priorizaccedilatildeo constitucional conferido este
relevante bem ndash em que o Judiciaacuterio atua auxiliado tanto pela provocaccedilatildeo do Ministeacuterio
Puacuteblico especialmente na acepccedilatildeo coletiva como principalmente pela atuaccedilatildeo da
populaccedilatildeo453
que de forma organizada deve buscar as mudanccedilas necessaacuterias pelos meios
juridicamente cabiacuteveis a partir de uma ampla participaccedilatildeo
451
Aprovado pela Medida Provisoacuteria nordm 621 de 8 de Julho de 2013 452
Nesse sentido conferir httpwwwestadaocombrnoticiasvidaedilma-diz-que-investira-r-55-bi-para-
ampliar-infraestrutura-do-sus10519850htm e httpwwwestadaocombrnoticiasnacionaldilma-aceita-
divisao-de-royalties-entre-educacao-e-saude10495370htm Acessados em 05072013 453
Reforccedila essa ideia a observaccedilatildeo de Paulo Bonavides de que ldquo() na escalada da legitimidade constitucional
o seacuteculo XIX foi o seacuteculo do legislador o seacuteculo XX o seacuteculo do juiz e da justiccedila constitucional universalizada
enquanto o seacuteculo XXI estaacute fadado a ser o seacuteculo do cidadatildeo governante do cidadatildeo povo do cidadatildeo soberano
do cidadatildeo sujeito de direito internacional conforme jaacute consta da jurisprudecircncia do direito das gentes Ou ainda
do cidadatildeo titular de direitos fundamentais de todas as dimensotildees seacuteculo por fim que haacute de presenciar nos
ordenamentos poliacuteticos do Terceiro Mundo o ocaso do atual modelo de representaccedilatildeo e de partidos Eacute o fim que
aguarda as formas representativas decadentes Mas eacute tambeacutem a alvorada que faz nascer o sol da democracia
participativa nas regiotildees da periferiardquo BONAVIDES Paulo Constitucionalismo social e democracia
participativa In Congresso Internacional de Derecho Constitucional do Instituto de Investigaciones
Juridicas ndashUNAM p 17 Disponiacutevel em httpwwwjuridicasunammxsisjurconstitpdf6-234spdf
Acessado em 15062012
200
7 CONCLUSAtildeO
Somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede recebeu tratamento de
direito fundamental social fato alcanccedilado sobretudo pelo importante papel do Movimento
em favor da Reforma Sanitaacuteria nascente durante o processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e
consequente superaccedilatildeo do regime militar
A acolhida do direito agrave sauacutede no seio constitucional como autecircntico direito
fundamental natildeo significou contudo apenas uma previsatildeo meramente formal mas sim
denotou a ascendecircncia do mesmo como uma das prioridades sociais do Estado Constitucional
Democraacutetico que estava nascendo
Tal priorizaccedilatildeo eacute expressa por uma seacuterie de fatores Em primeiro lugar a estruturaccedilatildeo
do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio tem o condatildeo de qualificaacute-lo como um autecircntico
direito de cidadania e direito humano de caraacuteter polifaceacutetico jaacute que caminha pelas trecircs
chamadas ldquodimensotildees de direitos fundamentaisrdquo sendo a um soacute tempo alicerce chave do
direito agrave vida direito social e de fruiccedilatildeo transindividual
Da mesma maneira o direito agrave sauacutede pode ser qualificado como um direito
impreteriacutevel quando comparado aos demais direitos sociais pois sua perfeita garantia para
com o cidadatildeo tem o poder natildeo soacute de corrigir um problema cliacutenico no caso concreto mas
tambeacutem invariavelmente proporcionar ao mesmo a aptidatildeo elementar necessaacuteria para o pleno
usufruto dos demais direitos sociais atributo que natildeo eacute enxergado de maneira tatildeo
determinante nos demais direitos arrolados no art 6deg da CF de 1988
Noutro poacutertico diferentemente por exemplo do que ocorre com o tambeacutem relevante
direito agrave educaccedilatildeo (direito social em que para cada indiviacuteduo o Estado encerra seu dever
constitucional ao disponibilizar os trecircs niacuteveis constitucionais de atenccedilatildeo) tem-se que o
comportamento do Poder Puacuteblico na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute marcado por uma situaccedilatildeo
de perene e renovaacutevel deacutebito para com o cidadatildeo jaacute que todas as vezes em que este necessitar
de um serviccedilo de sauacutede inserido numa poliacutetica puacuteblica surge para o Estado o dever de
disponibilizaacute-lo sem caber a alegaccedilatildeo de que o mesmo jaacute se encontra quite com aquele
cidadatildeo
Tais caracteriacutesticas somadas agrave iacutentima ligaccedilatildeo do direito agrave sauacutede com o direito agrave vida agrave
integridade fiacutesica e agrave dignidade da pessoa humana acarretam no destacamento de tal direito
para um primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais situaccedilatildeo que eacute refletida no
tratamento notadamente especial conferido ao mesmo na CF de 1988 marcado dentre outras
caracteriacutesticas pelo expresso direcionamento de parte da receita de impostos para a sauacutede
201
com a estipulaccedilatildeo de percentuais miacutenimos a serem cumpridos pelo enquadramento das accedilotildees
e serviccedilos de sauacutede como sendo de relevacircncia puacuteblica e pela previsatildeo da direta participaccedilatildeo da
comunidade na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ordenadas para o direito em tela
Em que pese este notaacutevel avanccedilo constata-se na conjuntura da adulta CF de 1988 a
realidade do quadro de sauacutede puacuteblica no paiacutes retrata que infelizmente o niacutevel de
concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a este direito natildeo eacute congruente com sua priorizaccedilatildeo
arquitetada constitucionalmente o que denota a necessidade de se corrigir tal desarmonia
Os principais atores nessa tarefa corretiva satildeo sem duacutevida os Poderes Executivo e
Legislativo dos quais se espera que no acircmbito de atribuiccedilotildees de cada um sejam
empreendidas accedilotildees que visem aos ajustes necessaacuterios mediante sobretudo a elaboraccedilatildeo de
leis que aprimorem a estruturaccedilatildeo do SUS e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que
realizem o amparo agrave sauacutede com mais eficiecircncia e transparecircncia
Ocorre que a atuaccedilatildeo exclusiva de tais poderes na funccedilatildeo de agentes corretores do
baixo grau de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede configura-se uma medida insuficiente jaacute que o
problema a ser corrigido eacute gerado justamente pela siacutendrome da ineficiecircncia constatada na
atuaccedilatildeo dos mesmos Daiacute se concluir ser inoacutecuo e conflitante com os ideais de um Estado
Democraacutetico Constitucional simplesmente aguardar de que tais poderes corrijam sozinhos os
recorrentes erros vivenciados no planejamento da sauacutede puacuteblica paacutetria e por eles proacuteprios
ocasionados (erros estes que subvertem os valores constitucionais idealizados para a sauacutede)
Desponta nesse contexto o relevante papel de novos atores na missatildeo de se fazer
valer quanto ao direito agrave sauacutede o previsto natildeo soacute na Constituiccedilatildeo Federal mas tambeacutem na
legislaccedilatildeo sobre o tema (especialmente na intitulada ldquoLei do SUSrdquo) e nos atos infralegais que
especificam a estruturaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas em vigor no paiacutes (sobretudo as diversas
portarias do Ministeacuterio da Sauacutede na temaacutetica)
Este novo cenaacuterio portanto centrado na noccedilatildeo de Jurisdiccedilatildeo Constitucional iacutensita ao
modelo neoconstitucional vigente eacute marcado pelo predomiacutenio da ideia de que a efetivaccedilatildeo
dos direitos fundamentais natildeo se encontra mais restrita exclusivamente agrave atuaccedilatildeo do
Executivo e do Legislativo destacando-se dentre os referidos novos atores o relevante papel
do Poder Judiciaacuterio no acircmbito da sindicabilidade dos direitos fundamentais cujas principais
criacuteticas quanto a sua atuaccedilatildeo satildeo superadas pelo despontamento da acepccedilatildeo material de
democracia e pela releitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes
Nesse raciociacutenio a democracia deixa de ser enxergada como simples sinocircnimo de
aplicaccedilatildeo da regra majoritaacuteria (acepccedilatildeo formal) frente agrave exigecircncia de os poderes constituiacutedos
primordialmente respeitarem e realizarem os direitos fundamentais dos cidadatildeos como forma
202
de alcanccedilar o perfeito funcionamento do processo deliberativo democraacutetico (acepccedilatildeo
material)
A Separaccedilatildeo dos Poderes por sua vez passa a conviver com um controle inerente agrave
noccedilatildeo de ldquofreios e contrapesosrdquo norteado pela centralidade da Constituiccedilatildeo e prevalecircncia dos
direitos fundamentais consistindo portanto em tarefa idocircnea a atuaccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais desde que fundamentada e limitada pela sistemaacutetica
valorativa da CF de 1988 significando desta forma natildeo uma absorccedilatildeo do sistema poliacutetico
pelo juriacutedico mas sim uma legiacutetima limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo com vistas a se fazer
valer os anseios constitucionais
Desta maneira o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas
envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a
accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais sobre o tema
desconfigurem o desenho protetivo de tal direito no ordenamento paacutetrio e terminem o
afrontando
Contudo eacute preciso se ter muito cuidado com a questatildeo da definiccedilatildeo dos limites dessa
atuaccedilatildeo judicial visto que quando esta tarefa eacute realizada de forma desenfreada e indefinida
surgem invariavelmente anacrocircnicos efeitos colaterais que potencialmente tendem a
afrontar ideais de igualdade e seguranccedila juriacutedica destacando-se nesse contexto a importacircncia
de se buscar paracircmetros objetivos aptos a respaldar uma limitaccedilatildeo harmocircnica com a
Constituiccedilatildeo
Nesse iacutenterim a saiacuteda para esta celeuma dentre outras medidas tem como medida
primordial a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede (a ser
buscado preferencialmente mediante demandas coletivas) o qual por envolver um conjunto
de prestaccedilotildees que o Estado natildeo pode se furtar a disponibilizar sob pena de afronta ao
Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana acaba preponderando como regra com relaccedilatildeo ao
argumento estatal da reserva do possiacutevel aleacutem de emprestar maior seguranccedila e uniformidade
aos magistrados na hora de decidir demandas nessa temaacutetica
Por assumirem uma posiccedilatildeo prioritaacuteria no desenho constitucionalmente esboccedilado para
o direito agrave sauacutede podem ser identificados como elementos materiais do miacutenimo existencial
em sauacutede o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva as accedilotildees de
prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas e o saneamento baacutesico
Sob o prisma da coerecircncia loacutegica do sistema uacutenico arquitetado para o direito agrave sauacutede
na CF de 1988 faz-se relevante o acoplamento de um componente instrumental a estes
elementos materiais traduzido no respeito e garantia pelo Poder Puacuteblico da previsatildeo de
203
infraestrutura miacutenima a ser aparelhada para os serviccedilos de sauacutede abarcados nas poliacuteticas por
ele elaboradas englobando pois a necessidade de disponibilizaccedilatildeo do nuacutemero miacutenimo
necessaacuterio de hospitais eficientemente estruturados pessoal qualificado e equipamentos
suficientes para a realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer sob pena de se
mergulhar em um quadro de insinceridade suscetiacutevel de frustrar os cidadatildeos de determinada
localidade
Nesse sentido tem-se que a estruturaccedilatildeo miacutenima do SUS eacute parte integrante basilar do
miacutenimo existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse
ponto baacutesico jaacute que se a proacutepria CF de 1988 delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se
materializa a partir de poliacuteticas que visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos
para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) eacute iloacutegico e incoerente imaginar a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede (e especialmente do seu miacutenimo existencial) sem o respeito agrave
miacutenima estruturaccedilatildeo necessaacuteria
Quando as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de
afericcedilatildeo de sua proacutepria eficiecircncia que se baseiam em estimativas e metas acerca do que
minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente apta a atingir seus
objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de
leitos para cada nuacutemero bdquoy‟ de habitantes) que se inclui neste elemento instrumental sendo de
suma relevacircncia o conhecimento e divulgaccedilatildeo das diversas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
que delimitam as poliacuteticas em sauacutede existentes destacando-se a Portaria MS nordm 11012002
que estabelece os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do SUS os quais
representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias aptas a
orientar os gestores nos trecircs niacuteveis de governo
Defende-se assim que o processo de amadurecimento da judicializaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede seja incrustado por uma cultura de se valorizar uma argumentaccedilatildeo juriacutedica que leve em
consideraccedilatildeo a proacutepria estrutura e funcionamento do SUS analisando-se as metas e
paracircmetros estabelecidos nos planos de sauacutede das trecircs esferas federativas de modo a
identificar as possiacuteveis omissotildees estatais com relaccedilatildeo ao que minimamente o Poder Puacuteblico se
prontificou previamente a oferecer com relaccedilatildeo a este importante direito
Nesse sentido faz-se imperiosa uma maior divulgaccedilatildeo dos paracircmetros traccedilados nas
poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede os quais aleacutem de mais facilmente acessiacuteveis devem ser
simplificados no intuito de a noccedilatildeo exata dos mesmos fazer parte do cotidiano tanto da
populaccedilatildeo que poderaacute participar de maneira mais eficiente nas Conferecircncias de Sauacutede e nos
demais canais de deliberaccedilatildeo quanto do Judiciaacuterio que ao enfrentar os complexos pleitos em
204
sauacutede poderaacute com maior tranquilidade fundamentar suas decisotildees a partir de criteacuterios mais
concretos e objetivos
Com efeito destaca-se como medida apta a garantir a consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio
familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede abrangidas no acircmbito da
regulamentaccedilatildeo do SUS a formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar constituiacutedas
tanto por profissionais de sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS
incumbidas de prestar assistecircncia aos magistrados com relaccedilatildeo sobretudo agraves demandas que
envolvem a correccedilatildeo do deacuteficit de leitos hospitalares de medicamentos e de equipe meacutedica
Na mesma linha destaca-se a possibilidade de serem criadas varas especializadas no
julgamento de accedilotildees que envolvam pleitos na aacuterea de sauacutede puacuteblica de modo a proporcionar
uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito fundamental pelo
Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a igualdade de tratamento entre
os usuaacuterios
Ocorre contudo que o Poder Judiciaacuterio natildeo se encontra sozinho na tarefa de garantir a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede No que tange agrave participaccedilatildeo popular nessa tarefa destaca-se a
singular funccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como autecircnticos canais para que a sociedade dite o
ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede e materialize a noccedilatildeo de sauacutede como
elemento intriacutenseco agrave democracia concretizando desta forma a diretriz constitucional do
SUS de participaccedilatildeo da comunidade
Sobre este ponto defende-se que a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si
soacute natildeo constitui garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual
somente poderaacute ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados
na organizaccedilatildeo dos Conselhos como eacute o caso da burocratizaccedilatildeo dos procedimentos do
corporativismo da partidarizaccedilatildeo e notadamente da clara falta de representatividade
ocasionada pelo fraco comprometimento do Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos
um niacutevel equitativo de capacidade tanto de elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo agrave
agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem seguidas
Faz-se necessaacuteria portanto a fiscalizaccedilatildeo mais enfaacutetica do Ministeacuterio Puacuteblico com
vistas a buscar judicialmente a garantia e respeito do fiel cumprimento das previsotildees
constantes na Resoluccedilatildeo nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 que tratam
da mateacuteria de modo a ser garantida a eficiecircncia destes importantes espaccedilos e em uacuteltima
instacircncia ser efetivamente observada a diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da
comunidade
205
Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consiste na necessidade de
que o caraacuteter prioritaacuterio e impreteriacutevel desse direito seja observado durante a fase de
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico
Como a realizaccedilatildeo do vieacutes prestacional do direito agrave sauacutede eacute assegurada pelo montante
de recursos em sua promoccedilatildeo e garantia indubitavelmente o orccedilamento puacuteblico assume um
papel chave em sua concretizaccedilatildeo devendo este portanto natildeo apenas respeitar o aporte de
valores miacutenimos previstos para a sauacutede mas tambeacutem consolidar a priorizaccedilatildeo tracejada na
CF de 1988 com relaccedilatildeo a este direito bem como quanto aos demais direitos fundamentais
Desponta assim a defesa de que a indicaccedilatildeo dos itens incluiacutedos no planejamento
orccedilamentaacuterio (como sauacutede seguranccedila educaccedilatildeo lazer cultura propaganda institucional
serviccedilos da diacutevida dentre outros) deve seguir um escalonamento ao serem rubricados nos
orccedilamentos puacuteblicos que se harmonize e espelhe a priorizaccedilatildeo constitucional dos mesmos
(pode-se falar aqui em Constituiccedilatildeo Orccedilamental) sob pena de subverter a proacutepria vontade
constitucional
Desta maneira a realidade constatada no planejamento de diversos orccedilamentos
puacuteblicos pelo paiacutes em que se vislumbra o direcionamento de verbas para divertimentos
populares manutenccedilatildeo de regalias ultrapassadas para membros do Legislativo diaacuterias de
servidores e propaganda de governo em maior escala do que para aacutereas de gritante prioridade
como sauacutede educaccedilatildeo e seguranccedila puacuteblica consiste em claro aviltamento da dignidade da
pessoa humana e da prevalecircncia dos direitos fundamentais arquitetados na CF de 1988
Inevitaacutevel defender-se portanto que este desvirtuamento ao alccedilar o orccedilamento
puacuteblico agrave condiccedilatildeo de autecircntica arma de faacutecil manuseio apta a subverter as prioridades
constitucionalmente prestigiadas deve ser imediatamente corrigido seja atraveacutes da
modificaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo passando esta a prever expressamente a impossibilidade
de tais situaccedilotildees ou do arcabouccedilo legislativo que dita o ciclo orccedilamentaacuterio no paiacutes
(notadamente a denominada LRF)
Da mesma maneira enxerga-se como de suma relevacircncia o papel do Ministeacuterio
Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo de tais ocasiotildees o qual pela via coletiva pode provocar o Judiciaacuterio a
corrigir tais distorccedilotildees e promover a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido
de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a
destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade
Nessa linha de raciociacutenio frente agrave defendida primazia do direito agrave sauacutede dentre os
direitos sociais o desenvolvimento dessa nova cultura deve ser alicerccedilado na priorizaccedilatildeo
deste impreteriacutevel direito fundamental durante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria de modo
206
a que natildeo apenas os percentuais miacutenimos especificados para tal direito sejam respeitados
mas sim o aparato principioloacutegico que irradia a proteccedilatildeo da sauacutede na CF de 1988 tenha
reflexos anaacutelogos no proacuteprio orccedilamento puacuteblico de modo a evitar que o aporte de recursos
para a sauacutede seja menor que aacutereas menos prioritaacuterias como propaganda puacuteblica diaacuterias de
servidores shows para a populaccedilatildeo etc
Reforccedilando a ideia acima se no plano abstrato essas situaccedilotildees subversoras do
prioritaacuterio posicionamento do direito agrave sauacutede traccedilado na Constituiccedilatildeo geram um sentimento de
revolta agrave coletividade o que dizer agora no plano concreto e individual do cidadatildeo que
aguarda haacute meses um atendimento baacutesico no acircmbito do SUS e eacute surpreendido com uma
propaganda institucional em sua TV que expotildee um quadro de perfeiccedilatildeo da sauacutede puacuteblica
apontando melhorias que o mesmo nunca viu ou usufruiu ou ateacute mesmo com uma
divulgaccedilatildeo da realizaccedilatildeo de um show ou construccedilatildeo de um estaacutedio de futebol a ser ldquobancadordquo
com o dinheiro puacuteblico
A resposta para a indagaccedilatildeo acima natildeo eacute outra senatildeo a de que tal cidadatildeo se sentiraacute
indignado devendo esta sensaccedilatildeo por aviltar natildeo soacute sua dignidade mas tambeacutem a de toda
coletividade ser corrigida com urgecircncia atraveacutes da atribuiccedilatildeo do papel de buacutessola do ciclo
orccedilamentaacuterio agrave Constituiccedilatildeo e do aperfeiccediloamento de praacuteticas democraacuteticas como o
orccedilamento participativo e o maior envolvimento popular na defesa do tema
Desta forma conclui-se que o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que
pese primordialmente depender da tarefa desempenhada pelos Poderes Executivo e
Legislativo necessita frente agrave realidade da sauacutede puacuteblica do paiacutes de um plano de accedilatildeo
conjunto que deve aleacutem de ter como ponto de partida a elaboraccedilatildeo de um orccedilamento puacuteblico
consentacircneo com as prioridades constitucionais contar com a atuaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio
familiarizado com as especificaccedilotildees das poliacuteticas sanitaacuterias vigentes e amparado de um lado
pelo apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na defesa coletiva da sauacutede e de outro pela maior
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo com vistas a fazer valer a integral proteccedilatildeo constitucional
conferida a este singular impreteriacutevel e mais relevante direito social
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1937)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de
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_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988
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sobre Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Promulgaccedilatildeo
_______ Decreto nordm 592 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Poliacuteticos Promulgaccedilatildeo
_______ Decreto nordm 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei no 8080 de 19 de
setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS o
planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras
providecircncias
_______ Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 Dispotildee sobre as condiccedilotildees para a
promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo e o funcionamento dos serviccedilos
correspondentes e daacute outras providecircncias
_______ Lei nordm 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispotildee sobre a participaccedilatildeo da
comunidade na gestatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e sobre as transferecircncias
intergovernamentais de recursos financeiros na aacuterea da sauacutede e daacute outras providecircncias
221
_______ Lei nordm 12401 de 28 de abril de 2011 Altera a Lei no 8080 de 19 de setembro de
1990 para dispor sobre a assistecircncia terapecircutica e a incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede no
acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS
_______ Lei Complementar nordm 101 de 04 de maio de 2000 Estabelece normas de financcedilas
puacuteblicas voltadas para a responsabilidade na gestatildeo fiscal e daacute outras providecircncias
_______ Lei Complementar nordm 141 de 13 de janeiro de 2012 Regulamenta o sect 3o do art
198 da Constituiccedilatildeo Federal para dispor sobre os valores miacutenimos a serem aplicados
anualmente pela Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos
de sauacutede estabelece os criteacuterios de rateio dos recursos de transferecircncias para a sauacutede e as
normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas 3 (trecircs) esferas de
governo revoga dispositivos das Leis nos 8080 de 19 de setembro de 1990 e 8689 de 27
de julho de 1993 e daacute outras providecircncias
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 533 de 28 de marccedilo de 2012 Estabelece o elenco
de medicamentos e insumos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 841 de 02 de maio de 2012 Publica a Relaccedilatildeo
Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede (RENASES) no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) e daacute outras providecircncias
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 2395 de 13 de outubro de 2011 Organiza o
Componente Hospitalar da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do Sistema Uacutenico de
Sauacutede
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 4279 de 30 de dezembro de 2010 Estabelece
diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede no acircmbito do Sistema Uacutenico de
Sauacutede (SUS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 399 de 22 de fevereiro de 2006 Divulga o Pacto
pela Sauacutede 2006 ndash Consolidaccedilatildeo do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido
Pacto
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 648 de 28 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica estabelecendo a revisatildeo de diretrizes e normas para a
organizaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica para o Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) e o Programa
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 674 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Carta dos
Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede que consolida os direitos e deveres do exerciacutecio da cidadania
na sauacutede em todo o Paiacutes
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 698 de 30 de marccedilo de 2006 Define que o
custeio das accedilotildees de sauacutede eacute de responsabilidade das trecircs esferas de gestatildeo do SUS observado
o disposto na Constituiccedilatildeo Federal e na Lei Orgacircnica do SUS
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 687 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica
de Promoccedilatildeo da Sauacutede
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 1101 de 12 de junho de 2002
222
Siacutetios eletrocircnicos
BIBLIOTECA DIGITAL DA CAcircMARA DOS DEPUTADOS lthttpbdcamaragovbrgt
BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTACcedilOtildeES DA USP
lthttpwwwtesesuspbrgt
BIBLIOTECA DIGITAL DO SENADO FEDERAL lt httpwww2senadolegbrbdsfgt
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAUacuteDE lt httpwwwcebesorgbrgt
CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO
lthttpwwwconpediorgbrgt
ESCOLA POLITEacuteCNICA DE SAUacuteDE JOAQUIM VENAcircNCIO DA FUNDACcedilAtildeO
OSWALDO CRUZ lthttpwwwepsjvfiocruzbrgt
INSTITUTO DE ESTUDOS SOacuteCIOECONOcircMICOS lt httpwwwinescorgbrgt
INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURIacuteDICAS lt httpwwwjuridicasunammxgt
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOcircMICA APLICADA lt httpwwwipeagovbrportalgt
PORTAL DE REVISTAS ELETROcircNICAS ndash FFC ndash UNESP MARIacuteLIA
lthttpwww2mariliaunespbrrevistasgt
INSTITUTO POacuteLIS DE ESTUDOS FORMACcedilAtildeO E ASSESSORIA EM POLIacuteTICAS
SOCIAIS lt httpwwwpolisorgbrgt
JORNAL CARTA FORENSE lt httpwwwcartaforensecombrgt
MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE lthttpwwwsaudegovbrgt
MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO
lthttpwwwplanejamentogovbrgt
MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO DO ESTADO DE GOIAacuteS lthttpwwwmpgogovbrgt
MOVIMENTO NACIONAL SAUacuteDE MAIS DEZ lthttpwwwsaudemaisdezorgbrgt
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL lt httpwwwoaborgbrgt
PORTAL DOMIacuteNIO PUacuteBLICO ndash BIBLIOTECA DIGITAL DO MINISTEacuteRIO DA
EDUCACcedilAtildeO lthttpwwwdominiopublicogovbrgt
PORTAL JURIacuteDICO DIREITO DO ESTADO lt httpwwwdireitodoestadocombrgt
PORTAL PERIOacuteDICOS CAPES lthttpwwwperiodicoscapesgovbrgt
223
PORTAL UNBCIEcircNCIA DA UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA
lthttpwwwunbcienciaunbbrgt
PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
lthttpwwwplanaltogovbrgt
PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADAtildeO
lthttppfdcpgrmpfmpbramppanel1-2amppanel2-4amppanel3-5gt
REVISTA DE DOUTRINA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4deg REGIAtildeO
lthttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrgt
REVISTA ldquoDIREITOS FUNDAMENTAIS amp JUSTICcedilArdquo DO PROGRAMA DE POacuteS-
GRADUACcedilAtildeO MESTRADO E DOUTOURADO EM DIREITO DA PUCRS
lthttpwwwdfjinfbrgt
REVISTA ELETROcircNICA DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA
lthttpwwwrevistadireitofrancabrindexphprefdfgt
REVISTA GESTAtildeO amp TECNOLOGIA DA FUNDACcedilAtildeO PEDRO LEOPOLDO
lthttprevistagtfpledubrgetgt
SCIENTIFIC ELETRONIC LIBRARY ONLINE (SCIELO BRAZIL)
lthttpwwwscielobrgt
SECRETARIA DE ESTADO DE SAUacuteDE DO GOVERNO DO MATO GROSSO
lthttpwwwsaudemtgovbrgt
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA lthttpwwwstjjusbrgt
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL lthttpwwwstfjusbrgt
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIAtildeO lthttpportal2tcugovbrgt
TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE lthttptcerngovbrgt
TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DA PARAIacuteBA lt httpwwwtjpbjusbrgt
TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
lthttpwwwtjrnjusbrgt
HEacuteLIO VARELA DE ALBUQUERQUE JUacuteNIOR
DIREITO FUNDAMENTAL A SAUacuteDE PARAcircMETROS E
ALTERNATIVAS PARA SUA CONCRETIZACcedilAtildeO NO BRASIL
Dissertaccedilatildeo aprovada em 17122013 pela banca examinadora formada por
Presidente ________________________________________________
Profordf Doutora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva
(Orientadora ndash UFRN)
Membro ________________________________________________
Prof Doutor Artur Cortez Bonifaacutecio
Membro ________________________________________________
Prof Doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta
Dedico este trabalho a minha amada matildee e meu
eterno pai
ldquoEm geral nove deacutecimos da nossa felicidade
baseiam-se exclusivamente na sauacutede Com ela
tudo se transforma em fonte de prazerrdquo
Arthur Schopenhauer
AGRADECIMENTOS
A Deus por toda proteccedilatildeo e por presentear a mim e a minha famiacutelia com uma vida
saudaacutevel
Ao meu eterno pai e meu maior orgulho por todo amor educaccedilatildeo e valores
transmitidos
A minha matildee Mariacutegia minha irmatilde Beth e especialmente minha noiva Steacutephanie as
mulheres da minha vida e pilares que formam meu porto seguro por toda paciecircncia
compreensatildeo carinho ajuda incentivo e muito amor
A todos os colegas da minha turma no Mestrado em particular ao amigo Rochester
Arauacutejo Garanto-lhe que suas sugestotildees e criacuteticas durante nossos ldquoaccedilaiacutes juriacutedicosrdquo e conversas
na biblioteca foram essenciais para a finalizaccedilatildeo deste trabalho
Aos meus amigos do peito que durante todo este periacuteodo compreenderam as minhas
ausecircncias nas diversas reuniotildees que natildeo pude comparecer e me transmitiram palavras de
incentivo essenciais para que eu seguisse firme nessa jornada
A Professora Maria dos Remeacutedios Fontes Silva minha orientadora pelo apoio
singular prestatividade incentivo e liberdade intelectual proporcionados durante toda a
pesquisa
A todos os professores do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito que direta ou
indiretamente contribuiacuteram para a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo Sem duacutevidas a dedicaccedilatildeo de
cada um de vocecircs eacute o que torna o Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte um dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo de destaque no Nordeste
Aos colegas de trabalho do Nuacutecleo Estadual do Ministeacuterio da Sauacutede no Rio Grande do
Norte sobretudo pelo auxiacutelio na obtenccedilatildeo de dados relacionados agrave conjectura da sauacutede
puacuteblica no paiacutes que muito contribuiu para a presente pesquisa
RESUMO
Se por um lado apenas com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede veio a receber
tratamento de autecircntico direito fundamental social por outro eacute certo que desde entatildeo o niacutevel
de concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a tal direito retrata um descompasso entre a vontade
constitucional e a vontade dos governantes Isso porque em que pese a inerente gradualidade
do processo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a realidade brasileira marcada
por um quadro de verdadeiro caos na sauacutede puacuteblica noticiado rotineiramente nos telejornais
desnatura o status prioritaacuterio desenhando constitucionalmente para o direito agrave sauacutede
demonstrando desta maneira que haacute um claro deacuteficit neste processo o qual precisa ser
corrigido Essa preocupaccedilatildeo quanto agrave problemaacutetica da efetivaccedilatildeo dos direitos sociais por sua
vez eacute reforccedilada quando se fala em direito agrave sauacutede pois tal direito frente sua iacutentima ligaccedilatildeo
com o direito agrave vida e agrave dignidade da pessoa humana acaba assumindo uma posiccedilatildeo de
primazia dentre os direitos sociais apresentando-se como um direito impreteriacutevel visto que
sua perfeita fruiccedilatildeo torna-se condiccedilatildeo preciacutepua para o potencial gozo dos demais direitos
sociais Partindo dessas premissas o presente trabalho tem o intuito de fornecer uma proposta
para a correccedilatildeo desta problemaacutetica sobretudo a partir da defesa de um papel ativo do
Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos e
soacutelidos que venham a corrigir com seguranccedila juriacutedica o deacuteficit apontado e a evitar os efeitos
colaterais e distorccedilotildees que satildeo hodiernamente vislumbrados quando o Judiciaacuterio se propotildee a
intervir no tema Para tanto desponta como aspecto principal desta medida a proposiccedilatildeo de
um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave sauacutede que levando em consideraccedilatildeo tanto
os pontos constitucionalmente prioritaacuterios referentes a este relevante direito quanto agrave proacutepria
loacutegica da estruturaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS inserta no seio das poliacuteticas puacuteblicas
em sauacutede desenvolvidas no paiacutes venha a contribuir para uma judicializaccedilatildeo do tema mais
consentacircnea com os ideais traccedilados na Constituiccedilatildeo de 1988 No igual intuito de se buscar
uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede harmocircnica com a prioridade constitucional iacutensita a este
relevante bem a pesquisa alerta tambeacutem para a necessidade de se empreender uma
reestruturaccedilatildeo na forma de organizaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede de modo a se fazer valer a
diretriz constitucional do SUS da participaccedilatildeo da comunidade bem como para a importacircncia
da instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no paiacutes que tendo a Constituiccedilatildeo como
buacutessola passe a retratar fielmente a especial priorizaccedilatildeo constitucional direcionada aos
direitos sociais especialmente o direito agrave sauacutede
Palavras-chave Direito agrave sauacutede Concretizaccedilatildeo Poder Judiciaacuterio
ABSTRACT
If on one hand only with the 1988 Federal Constitution the right to health began to receive
the treatment of authentic fundamental social right on the other it is certain since then the
level of concretization reached as to such right depicts a mismatch between the constitutional
will and the will of the rulers That is because despite the inherent gradualness of the process
of concretization of the fundamental social rights the Brazilian reality marked by a picture of
true chaos on public health routinely reported on the evening news denatures the priority
status constitutionally drew for the right to health demonstrating thus that there is a clear
deficit in this process which must be corrected This concern regarding the problem of the
concretization of the social rights in turn is underlined when one speaks of the right to
health since such right due to its intimate connection with the right to life and human
dignity ends up assuming a position of primacy among the social rights presenting itself as
an imperative right since its perfect fruition becomes an essential condition for the potential
enjoyment of the remaining social rights From such premises this paper aims to provide a
proposal for the correction of this problem based upon the defense of an active role of the
Judiciary in the concretization of the right to health as long as grounded to objective and solid
parameters that come to correct with legal certainty the named deficit and to avoid the side
effects and distortions that are currently beheld when the Judiciary intends to intervene in the
matter For that effect emerges as flagship of this measure a proposition of an existential
minimum specific to the right to health that taking into account both the constitutionally
priority points relating to this relevant right as well as the very logic of the structuring of the
Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS inserted within the core of the public health policies developed
in the country comes to contribute to a judicialization of the subject more in alignment with
the ideals outlined in the 1988 Constitution Furthermore in the same intent to seek a
concretization of the right to health in harmony with the constitutional priority inherent to this
material right the research alerts to the need to undertake a restructuring in the form of
organization of the Boards of Health in order to enforce the constitutional guideline of SUS
community participation as well as the importance of establishing a new culture budget in the
country with the Constitution as a compass pass accurately portray a special prioritization
directed constitutional social rights especially the right to health
Keywords Right to health Concretization Judiciary Branch
LISTA DE SIGLAS
ACP ndash Accedilatildeo Civil Puacuteblica
ADCT ndash Atos das disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias
ANVISA ndash Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria
CAPS ndash Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo
CF ndash Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988
CIT ndash Comissatildeo Intergestores Tripartite
CLT ndash Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas
CNJ ndash Conselho Nacional de Justiccedila
CPMF ndash Contribuiccedilatildeo Provisoacuteria sobre a Movimentaccedilatildeo Financeira
DUDH ndash Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos
EC ndash Emenda Constitucional
EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica
FNS ndash Fundo Nacional de Sauacutede
FTN ndash Formulaacuterio Terapecircutico Nacional
IAP ndash Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo
INESC ndash Instituto de estudos socioeconocircmicos
INPS ndash Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INAMPS ndash Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social
IPEA ndash Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada
LC ndash Lei Complementar
LDO ndash Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias
LOA ndash Lei Orccedilamentaacuteria Anual
LRF ndash Lei de Responsabilidade Fiscal
MP ndash Ministeacuterio Puacuteblico
MS ndash Ministeacuterio da Sauacutede
NOAS ndash Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede
NOB ndash Normas Operacionais Baacutesicas
OAB ndash Ordem dos Advogados do Brasil
OMS ndash Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
PIB ndash Produto Interno Bruto
PIDCP ndash Pacto Internacional de Direitos Civis e Poliacuteticos
PIDESC ndash Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais
PNPS ndash Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede
PPA ndash Plano Plurianual
PPI ndash Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede
PRD ndash Plano Diretor de Regionalizaccedilatildeo
PSF ndash Programa de Sauacutede da Famiacutelia
RENAME- Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais
RENASES ndash Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede
STF ndash Supremo Tribunal Federal
STJ ndash Superior Tribunal de Justiccedila
SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede
TAC ndash Termo de Ajustamento de Conduta
TCG ndash Termo de Compromisso de Gestatildeo
TJ ndash Tribunal de Justiccedila
UBS ndash Unidades baacutesicas de sauacutede
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 14
2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL19
21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES
DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 198819
22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA
CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 24
23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAacuteUDE ndash SUS 26
231 Princiacutepios informadores do SUS 27
232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS 29
233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do
SUS29
234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem
aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede 30
24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E OS DESAFIOS ATUAIS DO
SUS33
25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO
ORDENAMENTO PAacuteTRIO 35
3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL44
31 A EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 44
32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO
DIREITO Agrave SAUacuteDE 53
321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de
prestaccedilatildeo 54
322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla
fundamentalidade (formal e material) 56
323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e
princiacutepios59
324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio 61
4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE 67
41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS70
42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO
POSSIacuteVEL 73
43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O
DIREITO Agrave SAUacuteDE 81
44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988 86
45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA 89
451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio 93
452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana96
5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE102
51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA
ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtilde DO DIREITO Agrave SAUacuteDE103
511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes106
512 Os efeitos colaterais de uma desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede114
52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE119
53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS
PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO RELATIVO A
ESSE DIREITO131
531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 75082011 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees
miacutenimas em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico135
532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a
delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede141
54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NO BRASIL148
6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO
DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL159
61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE
NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO159
611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica160
612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil163
613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de
sauacutede172
62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE
UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES
CONSTITUCIONAIS176
621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico178
622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede181
623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede193
7 CONCLUSAtildeO200
REFEREcircNCIAS207
14
1 INTRODUCcedilAtildeO
Ainda que ultrapassadas mais de duas deacutecadas desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 pode-se afirmar que a busca pela efetividade dos direitos fundamentais
sociais especialmente o direito agrave sauacutede em sua acepccedilatildeo prestacional ainda eacute mateacuteria que
caminha a passos cadenciados representando um dos grandes desafios para o Estado e para a
sociedade
O estabelecimento por parte do constituinte de 1988 de um lugar de destaque para a
sauacutede ndash encarada natildeo somente como a ausecircncia de doenccedilas mas como o completo bem estar
fiacutesico mental e espiritual do homem conforme conceitua a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
(OMS) ndash em que pese ter significado um glorioso avanccedilo no sentido de proporcionar uma
ampliaccedilatildeo formal e material da forccedila normativa de tal direito consistiu apenas no primeiro
passo da luta pela sua materializaccedilatildeo em efetivos benefiacutecios agrave sociedade
Desta maneira notadamente quanto ao direito agrave sauacutede se haacute no plano teoacuterico uma
evidente dificuldade de se conferir tal efetividade por meio da perfeita implementaccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas a problemaacutetica no campo praacutetico eacute bem mais complexa sendo
hodiernamente refletida na tormentosa realidade de milhotildees de brasileiros que dependem do
sistema puacuteblico de sauacutede e vivenciam situaccedilotildees calamitosas frequentemente noticiadas nos
telejornais como algo jaacute natural e trivial no paiacutes
Se a vivecircncia diaacuteria de episoacutedios no caoacutetico cenaacuterio da sauacutede puacuteblica conduz por um
lado a um sentimento de necessidade de mudanccedila e indignaccedilatildeo por outro pelo menos um
aspecto positivo tal divulgaccedilatildeo acaba gerando a constataccedilatildeo de que o debate acerca dos
direitos fundamentais ganha a cada dia mais espaccedilo nas rodas de conversa da populaccedilatildeo e
isso acarreta uma maior tomada de consciecircncia por parte dos cidadatildeos do alcance dos seus
direitos e da forma com que estes poderatildeo ser buscados
Nesse contexto a judicializaccedilatildeo cada vez mais crescente das mais diversas demandas
ligadas agrave concretizaccedilatildeo do direito fundamental social agrave sauacutede abastece a discussatildeo acerca da
legitimidade da intervenccedilatildeo judicial nesta seara cujo cenaacuterio atual frente agrave inevitabilidade
dessa atuaccedilatildeo eacute mercado pela penosa tentativa de se estabelecer criteacuterios objetivos e
adequados para a construccedilatildeo de um processo decisoacuterio legiacutetimo justo e consentacircneo com os
ideais dirigentes do sistema constitucional brasileiro
Quem haacute 20 anos imaginava o Estado como fornecedor de medicamentos muitos
deles de alto custo ou compelido a realizar um exame ou um procedimento ciruacutergico para um
cidadatildeo A verdade poucos Avanccedilou-se na concretizaccedilatildeo de tal direito principalmente pelos
15
esforccedilos da provocaccedilatildeo e atuaccedilatildeo do judiciaacuterio e hoje o miacutenimo que o Estado deve ou pelo
menos deveria proporcionar em mateacuteria de direito agrave sauacutede no Brasil acoplou novos
benefiacutecios
Eacute importante ter-se em mente por sua vez que a problemaacutetica em tela apresenta uma
abrangecircncia de difiacutecil delimitaccedilatildeo pois engloba diversas facetas do direito agrave sauacutede que
encarado de maneira macro compreende variadas nuances tanto sob o prisma individual
quanto sob o coletivo Melhor explicando o trabalho de aferir se certo pleito estaria ou natildeo
enquadrado no campo protetivo do direito agrave sauacutede passa por uma anaacutelise que envolve
diferentes aspectos como os de cunho social poliacutetico econocircmico cultural ou geograacutefico de
determinada coletividade ndash por exemplo a prioridade de tratamento preventivo na regiatildeo
norte eacute totalmente diferente da de outra regiatildeo do paiacutes ndash sendo portanto a determinaccedilatildeo de
quais seriam as prestaccedilotildees miacutenimas em sauacutede um aacuterduo trabalho para o inteacuterprete
Posto o problema o presente estudo partiraacute das premissas de que na discussatildeo acerca
da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede eacute essencial se observar primeiro que tal direito
social assume um papel de extrema relevacircncia frente agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida
e agrave dignidade da pessoa humana segundo que o quadro atual da sauacutede puacuteblica nacional
evidencia um desequiliacutebrio entre o niacutevel de gradual concretizaccedilatildeo esperado apoacutes os mais de
vinte anos da Constituiccedilatildeo de 1988 e o que foi realmente alcanccedilado mediante poliacuteticas
puacuteblicas quanto a esse importante direito
Com relaccedilatildeo agrave primeira premissa seraacute defendido o destacamento do direito agrave sauacutede
para uma posiccedilatildeo de primazia quando comparado com os demais direitos fundamentais
sociais O desenvolvimento de tal raciociacutenio aproxima-se de certo modo da doutrina
americana dos ldquopreferred freedomsrdquo que estabelece uma ideia de posiccedilotildees preferenciais entre
os direitos fundamentais sem implicar entretanto necessariamente em uma mecacircnica
hierarquizaccedilatildeo das normas constitucionais que venha a ser lesiva agrave sua unidade
Desta maneira natildeo se buscaraacute refutar a noccedilatildeo consagrada na doutrina paacutetria de que
todos direitos fundamentais possuem a mesma hierarquia mas sim consistiraacute na defesa de
que o direito agrave sauacutede possui um niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica mais elevada que
os demais direitos fundamentais sociais por apresentar uma ascendecircncia axioloacutegica mais
dilatada devido ao seu forte laccedilo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e agrave dignidade da
pessoa humana e isto termina por ser refletido no proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a
Constituiccedilatildeo confere a tal direito conforme seraacute visto
16
Quanto agrave segunda premissa esta seria a constataccedilatildeo de que ocorre em mateacuteria de
direito agrave sauacutede no Brasil um certo descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos
governantes
Apesar de tal pensamento soar de certo modo um pouco pretensioso ele eacute fruto de
uma construccedilatildeo de raciociacutenio simples e de duas etapas a primeira abrange a conscientizaccedilatildeo
de que o direito agrave sauacutede como direito social que eacute tem seu processo de concretizaccedilatildeo
marcado por uma ideia de gradualidade no sentido de que frente as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias
de sua implementaccedilatildeo o Estado deve contar com uma certa paciecircncia da sociedade em
entender que a efetividade do mesmo seraacute alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a
passo conforme a capacidade financeira do Estado e a segunda de ordem faacutetica arremata a
conclusatildeo de que esse passo gradual encontra-se hoje deficitaacuterio ou atrasado se comparado
com a evoluccedilatildeo aguardada pela sociedade a qual jaacute chegou no seu limite de paciecircncia
Em termos mais diretos a realidade paacutetria marcada por exemplo pela falta de leitos
meacutedicos e equipamentos de infraestrutura no quadro geral da sauacutede puacuteblica nacional natildeo eacute o
que a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica planejou para sua fase adulta sendo necessaacuteria portanto
uma aceleraccedilatildeo nesse processo gradual
Feitas tais observaccedilotildees eacute relevante mencionar que corrigir esta distorccedilatildeo gerada
sobretudo pela ineficiecircncia dos Poderes Executivo e Legislativo (seja pela maacute formulaccedilatildeo e
execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas seja pela deficiecircncia do amparo legal do tema) natildeo eacute mateacuteria
faacutecil pois o balanceamento entre o caraacuteter essencial do direito fundamental agrave sauacutede e sua
natureza de direito prestacional passa antes de tudo pela questatildeo financeira de anaacutelise dos
custos envolvidos exigindo uma estruturaccedilatildeo focada em um modelo de gestatildeo organizada e
isento de maacuteculas por parte do Estado
Eacute nesse contexto que o presente estudo tem por intuito principal traccedilar alguns
delineamentos sobre a primazia do direito social em anaacutelise buscando apontar sugestotildees para
os problemas correlatos agrave sua clara falta de efetividade as quais vatildeo desde a perquiriccedilatildeo de
criteacuterios objetivos legitimadores da atuaccedilatildeo judicial no seu resguardo contribuindo para a
consequente construccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial em direito agrave sauacutede ateacute o
aprimoramento das medidas de controle dos gastos puacuteblicas em sauacutede
Para melhor compreensatildeo do que este trabalho se propotildee optar-se-aacute por uma
estruturaccedilatildeo didaacutetica cuja preocupaccedilatildeo primordial eacute deixar claro ao leitor desde as linhas
iniciais a raiz doutrinaacuteria que o norteia Nesse ponto filiando-se agraves vigas da nova
interpretaccedilatildeo constitucional que prestigia a forccedila normativa da constituiccedilatildeo mas sem que isso
signifique um menosprezo aos elementos claacutessicos hermenecircuticos seratildeo examinados temas
17
essenciais que circundam a temaacutetica da construccedilatildeo e aprimoramento de um miacutenimo
existencial especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede
Dessa maneira tendo como fio condutor o reconhecimento de que a atuaccedilatildeo
jurisdicional em mateacuteria de sauacutede respeitados certos limites e criteacuterios objetivos consiste em
praacutetica natildeo soacute legiacutetima mas tambeacutem primordial para a efetividade desse direito seratildeo
examinados temais centrais como o Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e sua correta (re)
leitura no estaacutegio atual do constitucionalismo a primazia da Dignidade da Pessoa Humana
como fonte irradiante de todo o ordenamento constitucional paacutetrio a necessidade da Teoria
do Miacutenimo Existencial encontrar-se em constante adaptaccedilatildeo com os avanccedilos da sociedade e o
possiacutevel embate desta questatildeo com o Postulado da Reserva do Possiacutevel
Para tanto incialmente seraacute traccedilado um esboccedilo do regime juriacutedico-constitucional do
direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio partindo da evoluccedilatildeo histoacuterica da proteccedilatildeo da sauacutede
puacuteblica ao longo das constituiccedilotildees nacionais passando pelo exame das implicaccedilotildees da
proteccedilatildeo internacional nessa seara e desembocando no estudo das caracteriacutesticas gerais desse
direito fundamental sob o enfoque das previsotildees constitucionais e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria
sobre tema (com ecircnfase nos dispositivos que tratam do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS)
Na sequecircncia seraacute discutida a temaacutetica da efetividade e eficaacutecia dos direitos
fundamentais sociais momento no qual seraacute examinado sob um vieacutes orccedilamentaacuterio o embate
entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ganhando evidecircncia o exame dos custos dos
direitos Nesse ponto ainda abordar-se-aacute a questatildeo do deacuteficit evolutivo do direito agrave sauacutede no
que se refere agrave sua gradual concretizaccedilatildeo almejada pela atual Constituiccedilatildeo apontando-se o
relevante papel que a Dignidade da Pessoa Humana somada agrave umbilical ligaccedilatildeo do
impreteriacutevel direito agrave sauacutede com o direito agrave vida assume no enfrentamento dessa mateacuteria
Posteriormente seraacute tratado o tema da judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede cujo debate
alertaraacute para a necessidade de se privilegiar as tutelas coletivas como forma de se conferir
isonomia e o maacuteximo alcance das conquistas judiciais nessa seara sem deixar de lado
contudo o exame do aacuterido campo das tutelas individuais Nesse ponto a noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo
constitucional no contexto poacutes-positivista seraacute primordial para se compreender a latente
necessidade da busca pelo estabelecimento de paracircmetros e criteacuterios objetivos que visem a
uma sindicabilidade do direito em xeque natildeo soacute consentacircnea com a ordem constitucional
vigente mas tambeacutem compromissada com a seguranccedila juriacutedica e a igualdade entre os
cidadatildeos
Ao final seraacute empreendido um debate complementar mas natildeo menos interligado agrave
judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que ressaltar-se-aacute a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede
18
na construccedilatildeo de uma democracia participativa apta a auxiliar a realizaccedilatildeo de tal direito bem
como seraacute proposta uma reestruturaccedilatildeo na forma que se desenvolve o ciclo orccedilamentaacuterio no
paiacutes de modo a que os campos de atenccedilatildeo direcionados no corpo da peccedila do orccedilamento
puacuteblico terminem espelhando o mais fiel possiacutevel as prioridades constitucionais
Dito isto eacute relevante deixar claro que a presente pesquisa natildeo intenta exaurir toda a
problemaacutetica envolvendo a efetividade do direito agrave sauacutede apresentando uma foacutermula maacutegica e
solucionadora o que seria impossiacutevel frente agrave dinamicidade das relaccedilotildees sociais e a
consequente multiplicidade de casuiacutesticas nesse campo Ao contraacuterio o que se pretende aqui eacute
investigar o assunto visando agrave sistematizaccedilatildeo de uma loacutegica de pensamento ndash calcada em uma
engrenagem arraigada no papel protagonista do Poder Judiciaacuterio auxiliado pelas funccedilotildees
essenciais agrave justiccedila e pela sociedade ndash que venha a contribuir para a ampliaccedilatildeo de alternativas
postas ao aplicador do direito no momento de concretizar o direito agrave sauacutede corrigindo-se em
uacuteltima anaacutelise a desarmonia entre o dever ser normativo e o ser da realidade social marcante
no tema
19
2 O REGIME JURIacuteDICO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO BRASIL
Falar em sauacutede como direito fundamental dos cidadatildeos brasileiros eacute algo recente na
histoacuteria do paiacutes visto que somente com a atual Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica esse bem juriacutedico
veio a ser alccedilado a tal categoria Desta maneira para o estudo do direito agrave sauacutede e os aspectos
quanto agrave sua eficaacutecia faz-se imprescindiacutevel antes de tudo compreender natildeo soacute a evoluccedilatildeo do
arcabouccedilo protetivo da mateacuteria ao longo das constituiccedilotildees nacionais como tambeacutem a
conjuntura histoacuterico-social que contribuiu para a feiccedilatildeo desse direito fundamental no
ordenamento contemporacircneo destacando-se tambeacutem a especial influecircncia da proteccedilatildeo
internacional na temaacutetica
21 BREVE HISTOacuteRICO SOBRE A IMPLEMENTACcedilAtildeO DA SAUacuteDE PUacuteBLICA ANTES
DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988
De iniacutecio eacute importante se ter em mente a premissa de que a evoluccedilatildeo histoacuterica das
poliacuteticas de sauacutede no paiacutes caminha lado a lado com o progresso poliacutetico-social e econocircmico
da sociedade brasileira em um contexto em que a loacutegica desse processo evolutivo obedeceu agrave
oacutetica do avanccedilo do capitalismo na sociedade paacutetria
Por tal motivo o cenaacuterio preacute 1988 revela que a sauacutede natildeo ocupava lugar central dentro
da poliacutetica nacional1 jaacute que somente nos momentos em que determinadas endemias ou
epidemias tinham repercussatildeo na esfera econocircmica ou social do modelo capitalista eacute que o
governo atuava com mais ecircnfase no setor razatildeo pela qual eacute apontado na doutrina que devido a
falta de clareza e definiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede a histoacuteria desta confunde-se em
determinados momentos com a histoacuteria da previdecircncia social no paiacutes2
Dito isto tem-se que os passos embrionaacuterios de uma miacutenima preocupaccedilatildeo com a sauacutede
puacuteblica no Brasil podem ser identificados a partir das primeiras accedilotildees de combate agrave lepra e de
um miacutenimo controle sanitaacuterio existente sobre os portos e ruas ainda durante a eacutepoca da Corte
Portuguesa jaacute que a vinda da famiacutelia real gerou a necessidade da organizaccedilatildeo de uma miacutenima
estrutura sanitaacuteria panorama que perdurou ateacute meados de 1850
Com o passar dos tempos o quadro de organizaccedilatildeo poliacutetica marcadamente unitaacuterio e
centralizado foi dando lugar a um conjunto de accedilotildees um pouco mais efetivas no periacuteodo entre
1 Dispotildee Suelli Gandolfi Dallari que ldquonenhum texto constitucional se refere explicitamente agrave sauacutede como
integrante do interesse puacuteblico fundante do pacto social ateacute a promulgaccedilatildeo da Carta de 1988rdquo DALLARI Suelli
Gandolfi Os Estados Brasileiros e o Direito agrave Sauacutede Satildeo Paulo Hucitec 1995 p 133 2 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p2 Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 21122012
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1870 e 1930 merecendo destaque o modelo ldquocampanhistardquo marcado pelo uso de forccedila policial
que apesar das arbitrariedades e abusos cometidos alcanccedilou importantes vitoacuterias no controle
de doenccedilas epidecircmicas como a febre amarela sob o comando de Oswaldo Cruz entatildeo Diretor
do Departamento Federal de Sauacutede Puacuteblica3
Em 1923 por sua vez nascia o marco inicial da previdecircncia social no Brasil (a
chamada ldquoLei Eloy Chavesrdquo4) mediante a instituiccedilatildeo de Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo
(CAPS) que abarcavam socorros meacutedicos em caso de doenccedila bem como a obtenccedilatildeo de
medicamentos obtidos com preccedilos especiais para as categorias profissionais a eles vinculadas
Paralelo a isso a partir de 1930 as accedilotildees curativas ateacute entatildeo esquecidas pelo modelo antes
mencionado passaram a ser realizadas timidamente com a estruturaccedilatildeo baacutesica de um sistema
puacuteblico de sauacutede a partir da criaccedilatildeo do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede Puacuteblica5 restando
evidenciado portanto um cenaacuterio de natildeo universalizaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica vez que imperava
uma sistemaacutetica excludente em favor apenas das profissotildees reconhecidas pela lei
A previdecircncia social evoluiu e as CAPacuteS foram substituiacutedas pelos Institutos de
Aposentadoria e Pensatildeo (IAPacuteS) visando a estender a todas as categorias do operariado
urbano organizado os benefiacutecios da previdecircncia desembocando esse processo de unificaccedilatildeo
na promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (Lei 380760) a qual estabeleceu um
regime geral da previdecircncia destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da
Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT)6
Tal panorama apresentou seu aacutepice durante o regime ditatorial com a implantaccedilatildeo do
Instituto Nacional de Previdecircncia Social (INPS) em 1967 e a consequente unificaccedilatildeo do
sistema previdenciaacuterio em um contexto em que todos trabalhadores com carteira assinada
contribuiacuteam e se beneficiavam da assistecircncia meacutedica existente no plano de benefiacutecios Isso
gerou um aumento substancial da demanda do sistema meacutedico previdenciaacuterio o qual
impossibilitado em atender a todos direcionou agrave iniciativa privada a execuccedilatildeo dos benefiacutecios
por meio de convecircnios com meacutedicos e hospitais mediante pagamento de uma espeacutecie de pro-
labore acarretando na formaccedilatildeo de um complexo sistema meacutedico-industrial que gerou a
3 PICADO Fernanda de Siqueira A dignidade da pessoa humana e a efetividade do direito social agrave sauacutede
sob a oacuteptica jurisprudencial Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito PUC-SP 2010 p 101 4 Decreto ndeg 4682 1923 que ldquo Crea em cada uma das emprezas de estradas de ferro existente no paiz uma caixa
de aposentadoria e pensotildees para os respectivos empregadosrdquo 5 O Ministeacuterio da Sauacutede foi criado em 1953 contudo tal fato significou um mero desmembramento do antigo
Ministeacuterio da Sauacutede e Educaccedilatildeo sem que significasse uma nova postura do governo com efetiva preocupaccedilatildeo em
atender os problemas da sauacutede puacuteblica de sua competecircncia 6 POLIGNANO Marcus Viniacutecius Histoacuteria das poliacuteticas de sauacutede no Brasil p 12 Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2226 Acessado em 11012013
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necessidade da criaccedilatildeo de uma estrutura proacutepria administrativa em 1978 o Instituto Nacional
de Assistecircncia Meacutedica da Previdecircncia Social (INAMPS)
Instituiu-se assim uma divisatildeo de responsabilidades em que ao Estado eram
reservadas as medidas coletivas sobretudo o controle das endemias enquanto a assistecircncia
meacutedica individual ficou a cargo do seguro social financiado pelo sistema contributivo
modelagem esta que contribuiu para a concepccedilatildeo arraigada no paiacutes de se enxergar o direito a
sauacutede natildeo como um direito do cidadatildeo e dever do Estado mas como uma assistecircncia ligada agrave
esfera privada restrita a quem contribuiacutea cenaacuterio acentuado com a instituiccedilatildeo do Sistema
Nacional de Sauacutede em 1975 o qual reconhecia essa dicotomia7
Esse modelo de gestatildeo centralizada marcado pela multiplicidade e descoordenaccedilatildeo
entre as instituiccedilotildees atuantes no setor e pela desorganizaccedilatildeo dos recursos empregados nas
accedilotildees de sauacutede curativa e preventiva8 caiu no descreacutedito social ao natildeo resolver a agenda da
sauacutede e frente agrave escassez de recursos para sua manutenccedilatildeo somada ao aumento dos custos
operacionais veio a entrar em crise
Por sua vez o contraste dos dados a respeito da sauacutede mortalidade infantil e
infraestrutura urbana com os iacutendices favoraacuteveis do Produto Interno Bruto (PIB) que
aumentou em meacutedia 10 entre 1968 e 1973 contribuiu para a constataccedilatildeo de que a
desigualdade social e concentraccedilatildeo de riqueza se acentuavam cada vez mais no paiacutes e que era
necessaacuteria uma mudanccedila desse quadro9
Esse modelo restritivo na prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede passou a ser entatildeo
questionado frente a grande quantidade de brasileiros agrave margem do mercado de trabalho
formal intensificando-se o debate acerca da universalizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
com destaque para o papel desempenhado pelo Movimento de Reforma Sanitaacuteria no processo
de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e o consequente fim do regime militar
Desta forma o marco do processo de formulaccedilatildeo de um novo modelo de sauacutede puacuteblica
universal foi a VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede cujo lema era ldquoSauacutede Direito de Todos
Dever do Estadordquo realizada em marccedilo de 1986 pelo Ministeacuterio da Sauacutede que contou pela
primeira vez com a participaccedilatildeo de entidades da sociedade civil organizada de todo paiacutes
ligadas agrave temaacutetica sendo debatida a necessidade de reorganizaccedilatildeo do sistema em voga com a
instituiccedilatildeo da sauacutede como direito de cidadania e dever do Estado concluindo-se que uma
7 CORREcircA Darciacutesio MASSAFRA Cristiane Quadrado O Direito agrave Sauacutede e o papel do Judiciaacuterio para sua
efetividade no Brasil In Revista Desenvolvimento em questatildeo v2 nordm 3 2004 p 57 8 CRUZ Marly Marques da Histoacuterico do sistema de sauacutede proteccedilatildeo social e direito agrave sauacutede Disponiacutevel em
wwwsaudemtgovbr arquivo 2164 Acessado em 20012013 9 LUCA Tacircnia Regina de Direitos sociais no Brasil In PINSKY Carla Bassanezi (Org) Histoacuteria da
Cidadania Satildeo Paulo Contexto 2003 p 484
22
simples reforma administrativa e financeira natildeo seria suficiente mas sim seria necessaacuteria
uma verdadeira mudanccedila em todo o arcabouccedilo juriacutedico tendente agrave unificaccedilatildeo democratizaccedilatildeo
e descentralizaccedilatildeo do sistema de sauacutede
Delimitado sucintamente o contexto histoacuterico-social da proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede ateacute
a Constituiccedilatildeo de 1988 seratildeo apontados a seguir os principais dispositivos constantes nas
constituiccedilotildees preteacuteritas que amparavam o direito agrave sauacutede de modo a facilitar a compreensatildeo
do tema
A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio pouco tratou do tema do direito agrave sauacutede vez que fora o fato
de abarcar a garantia de ldquosocorros puacuteblicosrdquo a uacutenica menccedilatildeo a tal direito em seu texto deixa
claro que a preocupaccedilatildeo do constituinte agrave eacutepoca ainda era tiacutemida e relacionada agrave atividade
mercantil como se depreende da redaccedilatildeo do dispositivo a seguir
Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadatildeos
Brazileiros que tem por base a liberdade a seguranccedila individual e a
propriedade eacute garantida pela Constituiccedilatildeo do Imperio pela maneira
seguinte
()
XXIV Nenhum genero de trabalho de cultura industria ou commercio
poacutede ser prohibido uma vez que natildeo se opponha aos costumes publicos aacute
seguranccedila e saude dos Cidadatildeos
Aleacutem disso eacute importante enfatizar que os direitos acima elencados eram restritos a
uma elite aristocraacutetica visto que os ideais da revoluccedilatildeo liberal conquanto visassem a alterar a
estrutura e reorganizar a sociedade apresentavam o anseio maior de tatildeo somente romper
com os laccedilos do colonialismo sendo mantidos os interesses e os favores das classes
privilegiadas enquanto grande parte da populaccedilatildeo ainda continuava submetida a tratamentos
desumanos
A Constituiccedilatildeo de 1891 por sua vez conseguiu ser ainda mais acanhada e natildeo faz
qualquer referecircncia expressa ao direito agrave sauacutede Contudo merece atenccedilatildeo o fato de que havia
uma abstrata menccedilatildeo em seu artigo 78 agrave proteccedilatildeo das garantias e direitos nela natildeo
enumerados que resultassem da forma de governo e dos princiacutepios que a mesma consignasse
o que poderia ser utilizado para defesa da sauacutede em uacuteltima anaacutelise jaacute que funcionava como
uma tiacutemida claacuteusula de abertura10
10
OLIVEIRA Maacutercio dias de Sauacutede possiacutevel e judicializaccedilatildeo excepcional a efetivaccedilatildeo do direito
fundamental agrave sauacutede e a necessaacuteria racionalizaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito Instituto Toledo de
Ensino Bauro 2008 p 35
23
Impulsionada pelas revoluccedilotildees de 1930 e 1932 a Constituiccedilatildeo de 1934 que buscou
inspiraccedilatildeo formal na Constituiccedilatildeo de Weimar (grande marco do Constitucionalismo social) e
na Constituiccedilatildeo Espanhola de 1931 pretendeu implantar no sistema juriacutedico paacutetrio um
arcabouccedilo protetivo dos chamados direitos sociais sendo a primeira constituiccedilatildeo brasileira a
fazer referecircncia ao direito agrave sauacutede prevendo em seu art 10 inciso II ser o cuidado com a
sauacutede competecircncia concorrente da Uniatildeo e dos Estados denotando assim uma preocupaccedilatildeo
de cunho organizacional distanciada de uma feiccedilatildeo de direito subjetivo
Em que pese os esforccedilos da Carta de 34 no sentido de proteger os direitos sociais a
Constituiccedilatildeo de 1937 outorgada por Getuacutelio Vargas tratou de tolher a efetividade dos direitos
fundamentais cuidando sobretudo de concentrar o poder no acircmbito do Executivo Na linha
dessa concentraccedilatildeo o inciso XXVII do art 16 previu ser competecircncia privativa da Uniatildeo
legislar sobre normas fundamentais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede especialmente a sauacutede da
crianccedila merecendo destaque ainda a previsatildeo do art 18 no sentido de poderem os estados
legislar para suprir as deficiecircncias da Lei Federal ou atenderem agraves peculiaridades locais sobre
a assistecircncia puacuteblica obras de higiene popular casas de sauacutede cliacutenicas estaccedilotildees de clima e
fontes medicinais11
A Constituiccedilatildeo de 1946 por sua vez por ter sido moldada no periacuteodo de 1937 a 1945
buscou restringir a forccedila do Poder Executivo e reforccedilar o Poder Legislativo retomando a
estrutura da Constituiccedilatildeo de 1891 e reintroduzindo os direitos econocircmicos sociais e culturais
da Carta de 1934 em um cenaacuterio em que o direito agrave sauacutede apesar de natildeo elencado de forma
expressa recebia menccedilatildeo no inciso XV do art 5deg da referida Carta ao ser repetida a previsatildeo
de ser competecircncia da Uniatildeo legislar sobre normais gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede
Apoacutes o golpe militar de 1964 foi outorgada a Carta Constitucional de 1967 que
alterou o regime de liberalidade buscado pela Constituiccedilatildeo de 1946 instalando-se o regime
totalitaacuterio conclamado pela doutrina da seguranccedila nacional A nova Constituiccedilatildeo apresentava
um rol de direitos e garantias fundamentais com valor meramente formal e sem nenhuma
efetividade Quanto ao direito agrave sauacutede repetiu-se a norma de cunho organizatoacuterio das
constituiccedilotildees anteriores no sentido de conferir agrave Uniatildeo a competecircncia para legislar sobre
normas gerais de defesa e proteccedilatildeo da sauacutede acrescentando-se todavia a competecircncia para
estabelecer planos nacionais de sauacutede e educaccedilatildeo
Em 1969 na tentativa de preservar o regime totalitaacuterio vigente foi outorgada a EC ndeg
0169 que embora repetisse as disposiccedilotildees da Carta de 67 trouxe uma inovaccedilatildeo no sect 4deg do
11
JULIO Renata Siqueira Wesllay Carlos Ribeiro Direito e sistemas puacuteblicos de sauacutede nas constituiccedilotildees
brasileiras In Novos Estudos Juriacutedicos v15 n3 2010 p 450
24
art 25 ao determinar que os municiacutepios aplicassem seis por cento do repasse da Uniatildeo a tiacutetulo
de fundo de participaccedilatildeo dos municiacutepios na Sauacutede
22 O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE COM O ADVENTO DA
CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 resultado final de todo um
processo de luta incessante do povo brasileiro para a conquista da democracia consiste em
um documento alicerccedilado na proteccedilatildeo de direitos fundamentais e na dignidade da pessoa
humana de modelagem jamais vista no ordenamento paacutetrio Essa nova feiccedilatildeo sem duacutevida
contribuiu para a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede com contornos proacuteprios
visto que uma ordem constitucional que protege o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e o meio
ambiente sadio e equilibrado inevitavelmente deve salvaguardar a sauacutede sob pena de
esvaziar substancialmente tais direitos12
Desta forma o modelo centralizado do sistema de sauacutede vigente antes de 1988 bem
como as tiacutemidas previsotildees nas constituiccedilotildees anteriores ligadas agrave sauacutede que se preocupavam
em fixar competecircncias legislativas e administrativas para a mateacuteria denotando uma
preocupaccedilatildeo meramente organizatoacuteria deram lugar a um arcabouccedilo protetivo diametralmente
oposto com a consagraccedilatildeo de um direito fundamental agrave sauacutede amplamente tratado13
sobretudo nos artigos 6deg e 196 da Constituiccedilatildeo de 1988
Pode-se afirmar portanto que a Constituiccedilatildeo Cidadatilde atual ao alccedilar a sauacutede a direito
fundamental e sintonizar sua proteccedilatildeo com as principais declaraccedilotildees de direitos humanos foi
a primeira constituiccedilatildeo a levar a sauacutede realmente a seacuterio14
Com efeito observa-se a existecircncia
de diversos dispositivos que fazem menccedilatildeo expressa a este direito consistindo tais previsotildees
12
SARLET Ingo Wolfgang amp FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p5 13
FALEIROS Ialecirc amp LIMA Juacutelio Ceacutesar Franccedila Sauacutede como direito de todos e dever do Estado p 9
Disponiacutevel em httpepsjvfiocruzbruploaddcap_8pdf Acessado em 12012013 14
Sobre essa questatildeo Joseacute Afonso da Silva considera ser ldquoespantoso como um bem extraordinariamente
relevante agrave vida humana soacute agora eacute elevado agrave condiccedilatildeo de direito fundamental do homem E haacute de informar-se
pelo princiacutepio de que igual agrave vida de todos os seres humanos significa tambeacutem que nos casos de doenccedila cada
um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciecircncia meacutedica
independentemente de sua situaccedilatildeo econocircmica sob pena de natildeo ter muito valor sua consignaccedilatildeo em normas
constitucionaisrdquo SILVA Joseacute Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros
1999 p 871
25
em frutos diretos da reforma sanitaacuteria brasileira a qual foi conduzida pela sociedade civil e
por profissionais de sauacutede e natildeo por accedilotildees especiacuteficas do governo15
Em que pese o risco de cansar a leitura do presente estudo com observaccedilotildees
notadamente descritivas eacute inevitaacutevel destacar pontualmente os dispositivos constitucionais
que informam a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede proporcionando uma ideia do alcance dessa
mudanccedila radical do tratamento constitucional da sauacutede no Brasil
Nesse sentido o artigo 6deg elenca expressamente a sauacutede como um direito fundamental
social o que acarreta implicaccedilotildees praacuteticas quanto agrave eficaacutecia e efetividade de tal direito cuja
abordagem seraacute feita no capiacutetulo seguinte Ainda o artigo 7deg ligado a regulamentaccedilatildeo dos
direitos trabalhistas trata da temaacutetica tanto em seu inciso IV ao mencionar a sauacutede como
necessidade vital baacutesica a ser abarcada pelo salaacuterio-miacutenimo bem como no inciso XXII ao
impor a reduccedilatildeo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sauacutede higiene e
seguranccedila
Os artigos 23 (inc II) 24 (inc XII) e 30 (inc I e inc VII) tratam de mateacuterias de
competecircncias dos entes federativos informando que os mesmos possuem competecircncia
comum para cuidar da sauacutede bem como concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da
sauacutede em um cenaacuterio em que aos Municiacutepios cabem a prestaccedilatildeo de serviccedilos de atendimento agrave
sauacutede da populaccedilatildeo com a cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira da Uniatildeo e do Estado
Os artigos 34 (inc VII aliacutenea bdquoe‟) e 35 (inc III) por forccedila da EC 292000
possibilitam por sua vez a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e no Distrito Federal bem como
dos Estados nos respectivos Municiacutepios em caso de natildeo aplicaccedilatildeo do miacutenimo exigido da
receita resultante de impostos na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino e das accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede o que como seraacute visto no capiacutetulo seguinte ressalta a preocupaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo com tais direitos de modo a estes assumirem um grau de fundamentalidade mais
aquilatada no ordenamento paacutetrio
Jaacute no art 196 a sauacutede eacute encarada como direito de todos e dever do Estado garantido
mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo denotando uma preocupaccedilatildeo macro para os problemas de sauacutede nas diversas
etapas de tratamento para todos os cidadatildeos
O art 197 trouxe o reconhecimento de que as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede satildeo de
relevacircncia puacuteblica cabendo ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre sua
15
PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p2 Disponiacutevel em
httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 12012013
26
regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle consolidando os anseios de superaccedilatildeo do modelo
desestatizante curante e centralizador vigente na ordem constitucional anterior Tal
reconhecimento possui uma importacircncia central na busca pela efetividade do direito agrave sauacutede
pois garante extensivamente a proteccedilatildeo da sauacutede pelo Ministeacuterio Puacuteblico ao passo que o art
129 II da CF atribui ao mesmo a funccedilatildeo de zelar pelo efetivo respeito aos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica
No art 198 encontra-se a estrutura geral do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) definindo-
o a partir de uma rede regionalizada e hierarquizada organizada a partir de diretrizes que
primam pela descentralizaccedilatildeo atendimento integral com prioridade para atividades
preventivas e participaccedilatildeo da comunidade mediante financiamento de recursos da seguridade
social e outras fontes
O art 200 enumera atribuiccedilotildees exemplificativas desse sistema as quais englobam
dentre outras o controle e fiscalizaccedilatildeo dos procedimentos produtos e substacircncias de interesse
para a sauacutede a execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica a formaccedilatildeo de
recursos humanos na aacuterea de sauacutede a fiscalizaccedilatildeo e inspeccedilatildeo dos alimentos etc
Aleacutem disso constam dispositivos especiacuteficos que relacionam a sauacutede com o meio
ambiente com a educaccedilatildeo e com os direitos da crianccedila os quais enfatizam a preocupaccedilatildeo
ineacutedita da CF de 1988 em dar plena efetividade agraves accedilotildees e programas na aacuterea
23 CONSIDERACcedilOtildeES ACERCA DO SISTEMA UacuteNICO DE SAUacuteDE ndash SUS
Conforme jaacute explicitado o SUS eacute fruto das reivindicaccedilotildees feitas pela sociedade civil
organizada no cenaacuterio poliacutetico preacute 1988 e sua previsatildeo constitucional especialmente pela
estipulaccedilatildeo dos seus princiacutepios e objetivos o fez assumir a condiccedilatildeo de verdadeira garantia
institucional fundamental do direito agrave sauacutede superando-se as sucessivas tentativas frustradas
anteriores Significando em uacuteltima instacircncia que a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede deve
conformar-se com seus princiacutepios e diretrizes instituidoras em um cenaacuterio em que natildeo soacute o
direito agrave sauacutede resta protegido mas tambeacutem o proacuteprio SUS na condiccedilatildeo de instituiccedilatildeo
puacuteblica16
A conceituaccedilatildeo do SUS apresentada no jaacute mencionado artigo 198 da CF demonstra
que a visatildeo central desse sistema foi calcada na consagraccedilatildeo de um modelo de sauacutede voltado
16
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 12
27
para as necessidades da populaccedilatildeo no intuito de resgatar o compromisso do Estado para com o
bem-estar social especialmente com relaccedilatildeo agrave sauacutede coletiva Contudo apesar da previsatildeo
constitucional o SUS soacute veio a ser regulamentado em 19 de setembro de 1990 por meio da
Lei Federal 808090 a qual definiu seu modelo operacional e a forma de organizaccedilatildeo e de
funcionamento a partir de uma definiccedilatildeo abrangente de sauacutede que leva em consideraccedilatildeo
especiacuteficos fatores determinantes e condicionantes ganhando destaque a previsatildeo dos
princiacutepios e objetivos do sistema
231 Princiacutepios informadores do SUS
O estudo dos princiacutepios informadores do SUS eacute de suma importacircncia visto que frente
ao caraacuteter de autecircntica garantia institucional fundamental17
na proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede sua
matriz principioloacutegica e diretiva serve de base para se interpretar o alcance da eficaacutecia e
efetividade de tal direito Nesse sentido podem ser destacados os princiacutepios da
universalidade equidade unidade descentralizaccedilatildeo regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo
integralidade e participaccedilatildeo da comunidade
Universalidade18
e equidade podem ser lidos conjuntamente no sentido de que o
acesso agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede devem ser indistintamente garantidos a todo e qualquer
cidadatildeo buscando-se sempre a diminuiccedilatildeo das desigualdades a partir da consagraccedilatildeo e defesa
da garantia da igualdade material investindo-se onde a carecircncia seja maior jaacute que apesar de
todos terem direito agrave sauacutede as necessidades de cada um e de cada regiatildeo satildeo diferentes
Consoante jaacute visto o modelo de proteccedilatildeo agrave sauacutede anterior a 1988 era marcado por
distorccedilotildees limitativas visto que a assistecircncia agrave sauacutede somente era conferida aos trabalhadores
com viacutenculo formal e respectivos dependentes por meio do INPS Para a superaccedilatildeo eficiente
dessa estrutura o novel sistema precisou ser desenvolvido a partir da ideia de unidade
significando que os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede devem ser desenvolvidos a partir de poliacuteticas e
17
Consoante aponta Pieroth e Schlink ldquoalguns direitos fundamentais garantem natildeo soacute direitos subjetivos mas
tambeacutem objetivamente instituiccedilotildees Enquanto garantias de instituto (Institutsgarantien) na terminologia
geralmente aceita de C Schmitt garantem instituiccedilotildees de direito privado e enquanto garantias institucionais
(institutionelle Garantien) garantem instituiccedilotildees de direito puacuteblico retirando-as assim do poder dispositivo do
legisladorrdquo PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de
Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 54 18
Reforccedilando tal conceito Carlos Botazzo defende que a universalidade ldquosignifica que todo cidadatildeo
independente de sua inserccedilatildeo social no processo produtivo niacutevel de ingresso financeiro filiaccedilatildeo poliacutetico-
partidaacuteria crenccedila religiosa sexo idade ou etnia teraacute seu direito agrave sauacutede garantido e preservado pelo Estado
BOTAZZO Carlos Democracia participaccedilatildeo popular e programas comunitaacuterios In FLEURY Sonia
AMARANTE Paulo BAHIA Ligia (orgs) Sauacutede em debate fundamentos da reforma sanitaacuteria Rio de
Janeiro Cebes 2008 p 144
28
diretrizes uniformes englobando um soacute sistema abrangido e sujeito a uma direccedilatildeo uacutenica e um
soacute planejamento em que pese a estratificaccedilatildeo em niacuteveis federativos
Apesar de unificado19
a necessidade de se quebrar com a ordem centralizada anterior
que engessava a engrenagem do sistema de sauacutede fez surgir um SUS arquitetado a partir de
uma rede regionalizada e hierarquizada que preservada a direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de
governo atua segundo o raciociacutenio de descentralizaccedilatildeo permitindo desta maneira a
adaptaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede ao perfil epidemioloacutegico local o que se alinha as orientaccedilotildees da
OMS
Essa descentralizaccedilatildeo nasce pois do raciociacutenio de que cada esfera de governo eacute
autocircnoma e soberana nas suas decisotildees e devem respeitar os princiacutepios gerais e a participaccedilatildeo
da sociedade havendo gestores do SUS desde o Ministeacuterio da Sauacutede ateacute as Secretarias de
Sauacutede municipais Contudo eacute inegaacutevel que a decisatildeo daquele que estaacute mais perto do
problema tem mais chance de ser eficiente e por isso a modelagem descentralizada do SUS
que quebrou com o passado marcado por uma Uniatildeo centralizadora pressupotildee que os
municiacutepios sejam dotados de condiccedilotildees gerenciais teacutecnicas administrativas e financeiras
suficientes para execuccedilatildeo de suas poliacuteticas e serviccedilos
A hierarquizaccedilatildeo liga-se agrave ideia de execuccedilatildeo da assistecircncia a sauacutede com niacuteveis
crescentes de complexidade assinalando que o acesso aos serviccedilos deve ocorrer a partir dos
niacuteveis mais simples em direccedilatildeo aos mais altos de complexidade o que se coaduna com ideais
de eficiecircncia e subsidiariedade em um contexto em que as accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica satildeo
comuns a todos municiacutepios a assistecircncia de meacutedia e alta complexidade centraliza-se em
municiacutepios de maior porte e os serviccedilos de grande especializaccedilatildeo satildeo disponibilizados apenas
em alguns grandes centros do paiacutes
O princiacutepio da integralidade do atendimento determina que a cobertura proporcionada
pelo SUS deva ser a mais ampla possiacutevel refletindo tambeacutem a ideia de que as accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede devem ser tomados como um todo harmocircnico e contiacutenuo de modo que
19
Quanto ao fato de ser o SUS unificado o STF analisando demanda em que era questionada a instituiccedilatildeo de
programa de sauacutede especiacutefico para atender somente servidores de empresas puacuteblicas de Satildeo Paulo ponderou
ldquo() se a Constituiccedilatildeo preconiza um sistema unificado de sauacutede eacute justificaacutevel ao menos do ponto de vista
constitucional que se criem programas puacuteblicos de sauacutede restritos a servidores Salvo casos de demonstrada
adequaccedilatildeo isso natildeo ofenderia tambeacutem a isonomia constitucional e a proacutepria concepccedilatildeo de serviccedilo de sauacutede
puacuteblica na Constituiccedilatildeo de 1988 De qualquer sorte nem eacute preciso responder a essas duacutevidas para a soluccedilatildeo do
casordquo (Grifos acrescidos) (ADI 3403 voto do Rel Min Joaquim Barbosa julgamento em 18-6-2007
Plenaacuterio DJ de 24-8-2007)
29
sejam ao mesmo tempo articulados e integrados em todos os aspectos e niacuteveis de
complexidade do sistema20
Ainda o SUS tem a importante caracteriacutestica da participaccedilatildeo direta e indireta da
comunidade tanto relacionada agrave definiccedilatildeo quanto ao controle social das accedilotildees e poliacuteticas de
sauacutede participaccedilatildeo realizada seja por meio dos representantes da sociedade civil junto agraves
Conferecircncias de Sauacutede as quais possuem competecircncia para fazer proposiccedilotildees na formulaccedilatildeo
das poliacuteticas de sauacutede nos diferentes niacuteveis da federaccedilatildeo ou seja atraveacutes dos Conselhos de
Sauacutede que atuam diretamente no planejamento e controle do SUS
232 Objetivos e atribuiccedilotildees gerais do SUS
Como visto o amparo constitucional do tema alicerccedilado sob a premissa de que a
sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado natildeo tem o condatildeo por si soacute de suficientemente
abranger as condicionantes econocircmico-sociais da sauacutede tampouco envolver de forma ampla
e irrestrita todas as possiacuteveis accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ateacute mesmo porque haveraacute sempre um
limite orccedilamentaacuterio variaacutevel contrastado com o surgimentos de novas necessidades a cada
periacuteodo Desta forma a Lei do SUS assume o relevante papel de tentar traccedilar um pontapeacute de
partida ao apresentar de modo geral os objetivos e atribuiccedilotildees inerentes ao SUS os quais
buscam concretizar os princiacutepios que regem tal sistema bem como delinear na medida do
possiacutevel as prioridades abarcadas pelo mesmo
Nesse contexto destaque-se que cabe ao SUS identificar e divulgar os fatores
condicionantes e determinantes da sauacutede formular as poliacuteticas de sauacutede o fornecimento de
assistecircncia agraves pessoas por intermeacutedio de accedilotildees de promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede
executar accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica bem como accedilotildees visando agrave sauacutede do
trabalhador formular poliacuteticas referentes a medicamentos equipamentos imunobioloacutegicos e
outros insumos de interesse para a sauacutede dentre outras atribuiccedilotildees que denotam a abrangecircncia
e complexidade na implementaccedilatildeo completa do mesmo
233 A Lei ndeg 814290 e as regras sobre participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS
20
Sobre o tema dispotildee Ione Maria Domingues de Castro que ldquoa integralidade eacute essencial para a eficiecircncia do
sistema e para dar ao cidadatildeo o miacutenimo de condiccedilotildees dignas () Nessa perspectiva o cuidado com a sauacutede eacute
entendido natildeo apenas como um dos niacuteveis de atenccedilatildeo agrave sauacutede ou um simples procedimento mas eacute visto como
uma accedilatildeo integrada que significa o direito de ter uma existecircncia digna com respeito agraves diferenccedilas individuaisrdquo
CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao miacutenimo existencial
garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 248
30
Consoante exposto um dos princiacutepios que regem o SUS eacute a participaccedilatildeo da
comunidade Nesse contexto a Lei ndeg 814290 merece destaque pois estabelece que o SUS
contaraacute em cada esfera de governo com as Conferecircncias e Conselhos de Sauacutede oacutergatildeos de
instacircncia colegiada que cuidam da avaliaccedilatildeo proposiccedilatildeo de diretrizes e formulaccedilatildeo de
estrateacutegias para as poliacuteticas de sauacutede Aleacutem disso contam com a participaccedilatildeo de
representantes de vaacuterios segmentos sociais englobando natildeo soacute representantes do governo
como tambeacutem profissionais de sauacutede e usuaacuterios
Por outro lado aleacutem de viabilizarem a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS
tais conselhos representativos funcionam como verdadeiros espaccedilos de negociaccedilatildeo que
terminam por reduzir a possibilidade de o Ministeacuterio da Sauacutede estabelecer de maneira
unilateral as regras de funcionamento do SUS contrabalanceando dessa maneira a
concentraccedilatildeo de autoridade conferida ao Executivo Federal
A referida lei ainda trata da alocaccedilatildeo dos recursos do Fundo Nacional de Sauacutede
(FNS) ganhando relevo o destaque dado agraves obrigaccedilotildees a serem cumpridas pelos Municiacutepios
Estados e Distrito Federal como a elaboraccedilatildeo de relatoacuterios de gestatildeo que permitam o controle
dos recursos para o recebimento do repasse automaacutetico dos valores ligados agrave cobertura das
accedilotildees e serviccedilos de sauacutede a serem implementados pelos mesmos
Nessa temaacutetica com supedacircneo no art 5deg da lei em comento destacaram-se as
chamadas Normas Operacionais Baacutesicas (NOB) e Normas de Assistecircncia agrave Sauacutede (NOAS)
editadas por meio de portarias do Ministeacuterio da Sauacutede as quais tentaram estabelecer criteacuterios
para a transferecircncia de recursos aos demais entes federados desembocando no conhecido
Pacto pela Sauacutede (PortariaGMMS ndeg 6982006) Tal pacto alterou a forma de financiamento
do SUS reduzindo as mais de cem diversas modalidades entatildeo existentes para apenas cinco
blocos (atenccedilatildeo baacutesica atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade hospitalar e ambulatorial
vigilacircncia em sauacutede assistecircncia farmacecircutica e gestatildeo do SUS)
234 A Lei Complementar ndeg 1412012 e a disposiccedilatildeo sobre os valores miacutenimos a serem
aplicados em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
Por forccedila da Emenda Constitucional ndeg 292000 foi estabelecida a participaccedilatildeo miacutenima
de recursos financeiros para cada ente federado no financiamento das accedilotildees e serviccedilos
puacuteblicos de sauacutede para o periacuteodo entre 2000 e 2004 mediante regramento constante no artigo
77 do ADCT Foi prevista tambeacutem a ediccedilatildeo de uma Lei Complementar consoante dispotildee osect
31
3deg do art 198 da CF de 1988 com a missatildeo de revisar os percentuais estabelecer criteacuterios de
rateio e fiscalizar e controlar os recursos referidos
Ocorre que a despeito da autoaplicabilidade inerente aos dispositivos da EC ndeg
292000 ficou evidenciada a necessidade de ser esclarecido conceitual e operacionalmente o
alcance dessas previsotildees constitucionais sobretudo o que estaria abrangido materialmente
como accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede de modo a garantir eficaacutecia e perfeita aplicaccedilatildeo das
mesmas pelos agentes puacuteblicos Nesse sentido surgiram diversas iniciativas buscando
harmonizar as interpretaccedilotildees quanto agraves regras impostas pela EC ndeg 292000 ateacute que a
recalcitracircncia na elaboraccedilatildeo da Lei Complementar referida fosse suprida
Destacaram-se nesse cenaacuterio tanto a Resoluccedilatildeo ndeg 322200321
elaborada pelo
Conselho Nacional de Sauacutede que buscou uniformizar em todo territoacuterio nacional a aplicaccedilatildeo
dos ditames trazidos pela EC ndeg 292000 fixando diretrizes sobre a base de caacutelculo para a
definiccedilatildeo dos recursos miacutenimos a serem aplicados em sauacutede a definiccedilatildeo das regras para a
apuraccedilatildeo de tais recursos bem como a definiccedilatildeo do que exatamente seria considerado accedilotildees e
serviccedilos puacuteblicos de sauacutede como tambeacutem as Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias surgidas apoacutes a
EC 292000 que trataram de definir o que compreenderia em acircmbito federal o conjunto das
accedilotildees e serviccedilos de sauacutede desempenhando o papel da almejada Lei Complementar
A definiccedilatildeo trazida pelas Leis de Diretrizes Orccedilamentaacuterias se calcou na ideia de que a
totalidade da dotaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede deduzidos os encargos previdenciaacuterios da
Uniatildeo os serviccedilos da diacutevida e a parcela das despesas do Ministeacuterio financiada com recursos
do Fundo de Combate e Erradicaccedilatildeo da Pobreza compreenderia os recursos para as accedilotildees e
serviccedilos puacuteblicos de sauacutede na esfera federal obedecendo assim a uma loacutegica meramente
institucional levando em conta apenas o oacutergatildeo executor da accedilatildeo bastando que a despesa
estivesse na programaccedilatildeo do Ministeacuterio da Sauacutede para que em tese integrasse o referido piso
de aplicaccedilatildeo
Tal precariedade levou a subjetivismos e duacutevidas na realizaccedilatildeo dos gastos em sauacutede jaacute
tendo sido alocado por exemplo parte dos recursos destinados ao Bolsa Famiacutelia (programa
marcadamente assistencialista) como constantes do orccedilamento do Ministeacuterio da Sauacutede bem
como computado no piso da sauacutede os gastos com a regulaccedilatildeo das operadoras de planos
21
De se destacar que tal Resoluccedilatildeo foi alvo de Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2999RJ) entendendo
o Supremo Tribunal Federal pelo natildeo conhecimento da referida accedilatildeo sob o argumento de que a Resoluccedilatildeo foi
expedida com fundamento em regras de competecircncias previstas em um complexo normativo infraconstitucional
abarcado pelas jaacute mencionadas Lei 808090 e 814290
32
privados de sauacutede e suas relaccedilotildees com prestadores e consumidores accedilotildees tipicamente
fiscalizatoacuterias e ligadas a sauacutede suplementar que natildeo atende a universalidade e equidade22
Em acircmbito estadual o quadro tambeacutem foi de grande divergecircncia quanto agrave aplicaccedilatildeo da
Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 do Conselho Nacional de Sauacutede instaurando-se um cenaacuterio de
inseguranccedila juriacutedica em que alguns Estados por exemplo incluiacuteram absurdamente como
constantes do orccedilamento da sauacutede despesas com pagamento de planos meacutedicos privados para
servidores puacuteblicos saneamento alimentaccedilatildeo e assistecircncia social desvirtuando as diretrizes
da mencionada Resoluccedilatildeo
Tais situaccedilotildees em que pese denotarem a proacutepria dificuldade que haacute em se delimitar
um conceito fechado de sauacutede puacuteblica a qual ora liga-se a ideia de uma realidade
epidemioloacutegica (o estado geral de sauacutede de um dado povo) ora vincula-se a noccedilatildeo de
atividade estatal para a administraccedilatildeo da sauacutede e ora serve para designar uma aacuterea da
atividade humana caracterizada pela especializaccedilatildeo profissional e institucional (um campo do
conhecimento humano organizado em uma disciplina)23
terminam por transparecer um
desvirtuamento das verbas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede que sacrifica a concretizaccedilatildeo de tal
direito
Natildeo resta duacutevida desta maneira que a omissatildeo legislativa em se criar a Lei
Complementar prevista pela EC ndeg 292000 contribuiu para a difiacutecil tarefa de se aferir o que
exatamente seria obrigaccedilatildeo do Estado na realizaccedilatildeo do direito fundamental a sauacutede tema que
assume importantiacutessima relevacircncia quando do estudo da efetividade de tal direito bem como
sua proteccedilatildeo judicial conforme se veraacute nos capiacutetulos seguintes
Pois bem em 13 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei Complementar ndeg 141 que
sanando uma omissatildeo que jaacute durava cerca de doze anos veio a instituir nos termos do sect 3deg do
art 198 da Constituiccedilatildeo Federal
i o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante miacutenimo a ser aplicado anualmente
pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede
ii percentuais miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados
anualmente pelos Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de
sauacutede
22
Nota Teacutecnica ndeg 10 de 2011 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos
Deputados - CONOFCD A Sauacutede no Brasil Histoacuteria do Sistema Uacutenico de Sauacutede arcabouccedilo legal
organizaccedilatildeo funcionamento financiamento do SUS e as principais propostas de regulamentaccedilatildeo da
Emenda Constitucional ndeg29 de 2000 p 23 23
AITH Fernando Curso de direito sanitaacuterio a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil Satildeo Paulo Quartier
Latin 2007 p 50-51
33
iii criteacuterios de rateio dos recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados
ao Distrito Federal e aos Municiacutepios bem como dos Estados para os seus respectivos
Municiacutepios visando agrave progressiva reduccedilatildeo das disparidades regionais
iv normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferase
v definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em accedilotildees e serviccedilos
puacuteblicos de sauacutede
A tiacutetulo de exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o pagamento de
aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros
programas de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS passaram a
expressamente natildeo constituir despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de
apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos de que trata a referida LC 1412012 representando um
passo significativo para uma uniformizaccedilatildeo miacutenima dos gastos em sauacutede no paiacutes corrigindo
distorccedilotildees e contribuindo para a otimizaccedilatildeo do planejamento do SUS por meio da canalizaccedilatildeo
de investimentos para accedilotildees efetivamente pertinentes ao campo da sauacutede
Desta maneira a LC ndeg 1412012 aleacutem de trazer mais seguranccedila juriacutedica e
uniformidade na correta aplicaccedilatildeo de recursos na aacuterea de sauacutede assume papel chave na
temaacutetica da efetividade do direito agrave sauacutede visto que suas disposiccedilotildees terminam por contribuir
consideravelmente tanto para a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para tal
direito jaacute que satildeo arroladas as accedilotildees e serviccedilos que os recursos estatais devem minimamente
abranger como tambeacutem auxiliam na construccedilatildeo de paracircmetros relevantes agrave proteccedilatildeo judicial
do mesmo consoante seraacute analisado mais a frente em toacutepico oportuno
24 CONJUNTURA DO SISTEMA DE SAUacuteDE POacuteS 1988 E ALGUNS DESAFIOS
ATUAIS DO SUS
A implantaccedilatildeo do SUS no iniacutecio da deacutecada de noventa ocorreu em um periacuteodo
desfavoraacutevel notadamente influenciado pela ideologia neoliberal no cenaacuterio econocircmico
brasileiro tendo tal fato contribuiacutedo para a alocaccedilatildeo da reforma sanitaacuteria a um niacutevel de
prioridade secundaacuteria na agenda poliacutetica do paiacutes visto que a conjuntura inicial era marcada
pelo apoio estatal ao setor privado e pela concentraccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede nas regiotildees mais
desenvolvidas do paiacutes
Apesar disso eacute inegaacutevel que nos uacuteltimos vinte anos o SUS avanccedilou a partir de
inovaccedilotildees institucionais calcadas sobretudo em um intenso processo de descentralizaccedilatildeo que
outorgou maior responsabilidade aos municiacutepios na gestatildeo e serviccedilo de sauacutede aleacutem de
34
possibilitar meios para promoccedilatildeo da participaccedilatildeo social na criaccedilatildeo de sauacutede e controle do
desempenho do sistema destacando-se os esforccedilos na fabricaccedilatildeo de produtos farmacecircuticos e
a cobertura da vacinaccedilatildeo24
Ocorre que o SUS em que pese jaacute possuir bases legais estabelecidas e amadurecidas a
partir de uma consideraacutevel experiecircncia operacional ainda precisa ser melhor desenvolvido na
busca pela garantia da cobertura universal e equitativa abraccedilada por nosso ordenamento
Nesse ponto faz-se imprescindiacutevel uma reestruturaccedilatildeo financeira e uma revisatildeo profunda das
relaccedilotildees puacuteblico-privadas atinentes ao sistema de modo a diminuir as desigualdades
persistentes e garantir uma sustentabilidade poliacutetica econocircmica e teacutecnica do SUS
Para se ter uma ideia seja na atenccedilatildeo baacutesica secundaacuteria ou terciaacuteria as diversas
estrateacutegias de repasse de recursos bem como a implantaccedilatildeo de programas como o Programa
de Sauacutede da Famiacutelia (PSF) apesar de diminuir o problema estrutural natildeo foram
suficientemente satisfatoacuterios sobretudo pela baixa integraccedilatildeo e deficiecircncia dos prestadores
em niacuteveis municipal e estadual
Nesse raciociacutenio notadamente para os procedimentos de meacutedio e alto custo haacute um
inegaacutevel quadro de deficitaacuterio controle dos custos e da eficiecircncia das accedilotildees envolvidas visto
que quem os realiza predominantemente satildeo os atores privados contratados e hospitais
puacuteblicos de ensino pagos com recursos puacuteblicos a preccedilos proacuteximos do valor de mercado
contribuindo para a potencializaccedilatildeo dos obstaacuteculos estruturais procedimentais e poliacuteticos do
SUS25
De se destacar ainda que aleacutem de claros problemas estruturais como eacute o caso do jaacute
citado desequiliacutebrio de poder entre integrantes da rede de sauacutede da falta de responsabilizaccedilatildeo
dos atores envolvidos aliada agraves descontinuidades administrativas e da alta rotatividade dos
gestores por motivos poliacuteticos a carecircncia em infraestrutura eacute um grave fator que compromete
a efetividade das iniciativas puacuteblicas para o setor
Em que pese natildeo ser objeto do presente trabalho o exame apurado dos problemas do
SUS agrave tiacutetulo de ilustraccedilatildeo faz-se imperioso destacar que da leitura de dados da OMS
extraiacutedos em 2011 depreende-se que26
24
PAIM Jairnilson Silva O sistema de sauacutede brasileiro histoacuteria avanccedilos e desafios p 28 Disponiacutevel em
httpdownloadthelancetcomflatcontentassetspdfsbrazilbrazilpor1pdf Acessado em 11022013 25
SOLLA J Chioro A Atenccedilatildeo ambulatorial especializada In GIOVANELLA Liacutevia (Org) Poliacuteticas e
sistema de sauacutede no Brasil Rio de Janeiro FioCruz 2008 p 672 e 673 26
Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201304130402_saude_gastos_publicos_lgdsht
Acesso em 04032013
35
a) no Brasil os gastos privados com sauacutede correspondem a 54 das despesas totais do
setor enquanto que os gastos puacuteblicos financiam os 46 restantes (para se ter um
ideia na Colocircmbia o financiamento puacuteblico na aacuterea eacute de 74 e no Chile 68)
b) a parcela do orccedilamento federal destinada agrave sauacutede gira em torno de 87 enquanto a
meacutedia dos paiacuteses africanos eacute 106 e a meacutedia mundial 117
c) o gasto anual do governo com a sauacutede de cada habitante corresponde a cerca de
US$ 477 doacutelares bem abaixo da meacutedia mundial (US$ 716 doacutelares) e dos nuacutemeros de
paiacuteses vizinhos como Argentina (US$ 866 doacutelares) e Chile (US$ 607 doacutelares)
Ainda conforme dados do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) haacute um
claro descompasso na execuccedilatildeo do orccedilamento em relaccedilatildeo ao crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) vez que no periacuteodo de 1995 a 2010 a meacutedia de investimento em sauacutede foi de
168 do PIB enquanto a OMS recomenda a aplicaccedilatildeo de pelo menos 5 do PIB para a
obtenccedilatildeo de padrotildees eficientes de atendimento27
Contudo se por um lado os dados acima levam a crer que ainda falta investimento em
recursos para a sauacutede eacute inegaacutevel que esta natildeo eacute a uacutenica dificuldade da sauacutede puacuteblica no
Brasil visto que haacute uma verdadeira multicausalidade no tema que engloba tambeacutem a crise de
gestatildeo pela qual passa o SUS os problemas relacionados agrave corrupccedilatildeo somados agrave impunidade
quanto aos desvios de verbas da sauacutede e a necessidade de uma delimitaccedilatildeo mais clara dos
investimentos em sauacutede com a melhoria da fiscalizaccedilatildeo dos mesmos
Vislumbra-se portanto que o maior desafio enfrentado pelo SUS eacute poliacutetico sendo
necessaacuteria uma uniatildeo de esforccedilos tanto dos governantes como da sociedade aliada aos oacutergatildeos
de fiscalizaccedilatildeo da gestatildeo puacuteblica para se alcanccedilar uma melhoria estrutural em seu
funcionamento capaz de fazer valer na praacutetica as disposiccedilotildees normativas previstas
contribuindo assim para uma maior concretizaccedilatildeo do direito fundamental agrave sauacutede a partir do
agir comunicativo da sociedade28
25 AS IMPLICACcedilOtildeES DA PROTECcedilAtildeO INTERNACIONAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE NO
ORDENAMENTO PAacuteTRIO
27
CASTRO Jorge Abrahatildeo Gasto Social Federal uma anaacutelise da prioridade macroeconocircmica no periacuteodo
1995-2010 Nota Teacutecnica do Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA) disponiacutevel em
httpwwwipeagovbragenciaimagesstoriesPDFsnota_tecnica120904_notatecnicadisoc09_apresentacaopdf
Acessado em 06032013 28
PAIM Jairnilson Silva Bases conceituais da reforma sanitaacuteria brasileira In FLEURY Socircnia (Org) Sauacutede e
democracia a luta do CEBES Satildeo Paulo Lemos 1997 p 20-22
36
Para o exame da sauacutede como direito humano e a exata noccedilatildeo de sua abrangecircncia
protetiva em acircmbito internacional faz-se necessaacuterio analisar os principais documentos que
tratam dos direitos humanos tanto em niacutevel universal como regional (especialmente no
continente americano) de modo a se extrair dos mesmos as disposiccedilotildees correlatas com a
temaacutetica da sauacutede
No que se refere ao sistema universal tem-se que a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos (DUDH) adotada pela III Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas sob a forma de
resoluccedilatildeo em 10 de dezembro de 1948 consolidou a afirmaccedilatildeo de uma eacutetica universal ao
consagrar um consenso de caraacuteter vinculante sobre valores a serem seguidos pelos Estados a
partir da conjugaccedilatildeo do valor liberdade com o da igualdade impondo-se como um coacutedigo de
conduta voltado ao reconhecimento universal dos direitos humanos29
Nesse contexto apesar de indiretamente diversos dispositivos deste diploma se
correlacionarem com o direito humano a sauacutede (por exemplo art 3deg trata do direito agrave vida
art 5deg da proibiccedilatildeo da tortura art 22 direitos sociais indispensaacuteveis agrave dignidade e garantidos
pela cooperaccedilatildeo internacional) a menccedilatildeo expressa a tal direito social encontra-se no art 25 o
qual faz alusatildeo ao acesso agraves condiccedilotildees miacutenimas de sauacutede e bem-estar inclusive a cuidados
meacutedicos e serviccedilos sociais indispensaacutevel abrangendo desta maneira uma percepccedilatildeo da sauacutede
de maneira ampla e aproximada da concepccedilatildeo propagada pela OMS30
Dispotildee o art 25 da
Declaraccedilatildeo que
Todo homem tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua
famiacutelia sauacutede e bem-estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo
cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila
em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos
de perda dos meios de subsistecircncia em circunstacircncias fora de seu controle
2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais
Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma
proteccedilatildeo social (Grifos acrescidos)
Aleacutem da Declaraccedilatildeo Universal de Direitos Humanos31
um importante avanccedilo foi dado
em 1966 com o intuito de explicitar melhor os direitos jaacute consagrados na DUDH bem como
29
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva
2006 p 133 30
TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo
por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 83 31
Conforme as liccedilotildees de Maria Helena Rodriguez a DUDH consolidou-se como um verdadeiro coacutedigo de
princiacutepios e valores universais ocasionando uma chamada globalizaccedilatildeo dos direitos humanos ldquopor baixordquo (ao
contraacuterio da globalizaccedilatildeo por cima tiacutepica das estruturas de comunicaccedilatildeo comeacutercio e poliacutetica) calcada no
desenvolvimento e emancipaccedilatildeo do ser humano mediante a conquista concreta de um rol de direitos por todas as
37
de fortalecer os mecanismos de controle da efetivaccedilatildeo desses direitos pela comunidade
internacional Tal fato consistiu na celebraccedilatildeo do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Poliacuteticos (PIDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais
(PIDESC) os quais reforccedilaram a positivaccedilatildeo dos direitos humanos em acircmbito internacional e
trouxeram aspectos relevantes quanto ao direito agrave sauacutede
O PIDCP apresenta diversos dispositivos com ligaccedilatildeo indireta com o direito humano agrave
sauacutede ora por externarem um reforccedilo do direito agrave vida e agrave integridade humana (como eacute o caso
da proibiccedilatildeo da tortura e da vedaccedilatildeo do uso da pessoa em experimentos meacutedicos ou
cientiacuteficos sem livre e legiacutetimo consentimento) ora como uma limitaccedilatildeo de ordem puacuteblica
ao exerciacutecio de outros direitos humanos como o direito de entrar e sair do paiacutes e a nele
circular livremente o qual pode ser restringido em defesa da sauacutede puacuteblica
Jaacute no PIDESC haacute uma proteccedilatildeo mais enfaacutetica quanto ao direito agrave sauacutede especialmente
nos artigos 11 e 12 os quais refletem a noccedilatildeo construiacuteda de que a dignidade eacute inerente agrave
pessoa humana por meio tanto da previsatildeo de aspectos materiais promovedores da sauacutede (art
11) como do proacuteprio direito a sauacutede em sentido estrito (art 12)
Artigo 11
1 Os Estados Signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa a um niacutevel de vida adequado para si e sua famiacutelia inclusive
alimentaccedilatildeo vestimenta e moradia adequadas e ao melhoramento contiacutenuo
das condiccedilotildees de existecircncia ()
Artigo 12
1 Os Estados signataacuterios do presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa de desfrutar o mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede fiacutesica e mental
2 Entre as medidas que deveratildeo ser adotadas pelos Estados Signataacuterios do
Pacto a fim de assegurar a plena efetividade deste direito figuraratildeo as
necessaacuterias para
a) A reduccedilatildeo da mortalidade infantil e do iacutendice de natimortos bem
como o desenvolvimento sadio das crianccedilas
b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e
do meio ambiente
c) A prevenccedilatildeo e o tratamento das doenccedilas epidecircmicas endecircmicas
profissionais e de outro tipo e a luta contra elas
d) A criaccedilatildeo de condiccedilotildees que garantam a todos assistecircncia meacutedica e
serviccedilos meacutedicos em caso de doenccedila
A abertura de um dispositivo especiacutefico sobre sauacutede significou antes de tudo um
importante avanccedilo na proteccedilatildeo desse direito jaacute que ateacute entatildeo a grande maioria das referecircncias
ao mesmo era feita de forma indireta Contudo a principal contribuiccedilatildeo do mencionado
pessoas RODRIGUEZ Maria Helena Os direitos econocircmico sociais e culturais uma realidade inadiaacutevel In
Revista Trimestral de Debate FASE v31 ndeg 92 p 18-38 marmaio 2002 p 19
38
artigo 12 foi a listagem de accedilotildees estatais essenciais para a garantia da plena efetividade do
direito agrave sauacutede com a apresentaccedilatildeo das balizas centrais ou frentes prioritaacuterias as quais os
Estados Membros devem se preocupar quando tratam da temaacutetica da sauacutede puacuteblica
consistindo tal contributo assim em importante paracircmetro para a construccedilatildeo de um miacutenimo
existencial quanto a este direito fundamental
Antes de avanccedilar impende destacar um aspecto concernente aos citados Pactos que
seraacute relevante no estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais (em especial o direito agrave
sauacutede) tratado mais a frente Tal aspecto diz respeito agrave complementaridade iacutensita aos dois
pactos no sentido de que o fato de o PIDCP asseverar que os direitos civis e poliacuteticos satildeo
autoaplicaacuteveis (art 2deg) e o PIDESC por sua vez estabelecer uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo
progressiva nos limites dos recursos disponiacuteveis visando agrave mais completa realizaccedilatildeo dos
direitos elencados (art 2deg) natildeo significa que exista uma dualidade excludente entre as duas
categorias de direitos previstas Havendo em verdade uma autecircntica pluralidade combinada e
formadora de um conjunto indivisiacutevel perfeitamente imbricado no qual a ausecircncia de
medidas concretizadoras de um direito inevitavelmente repercute na fruiccedilatildeo plena do conjunto
restante32
Para monitorar o cumprimento pelos Estados Membros das prioridades elencadas
acima haacute um intercacircmbio de informaccedilotildees dos mesmos com o Comitecirc de Direitos Econocircmicos
Sociais e Culturais instituiacutedo pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU cuja principal
funccedilatildeo eacute exatamente a de monitorar a implementaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e
culturais por meio do exame dos relatoacuterios perioacutedicos apresentados pelos Estados Nessa
conjuntura a Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 do referido comitecirc eacute de suma importacircncia pois
esclarece quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas dos Estados as quais o cumprimento deve ser
imediato
O documento mencionado acima eacute calcado em quatro elementos essenciais e
interligados disponibilidade acessibilidade fiacutesica e econocircmica sem discriminaccedilatildeo
aceitabilidade e qualidade Nesse sentido cada Estado-Parte deve contar com um nuacutemero
suficiente de estabelecimentos bens e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os quais sejam acessiacuteveis a
todos sem qualquer discriminaccedilatildeo respeitem a eacutetica meacutedica sendo culturalmente apropriados
32
Realccedila essa visatildeo o fato de o art 5deg de ambos os Pactos criarem uma regra de inteligecircncia proacutepria dos direitos
humanos que se sobrepotildee aos demais criteacuterios hermenecircuticos tradicionais no sentido de que a interpretaccedilatildeo nos
Pactos deve ser a mais ampliativa possiacutevel voltada agrave maacutexima eficaacutecia dos preceitos que contecircm em um cenaacuterio
de busca pela maximizaccedilatildeo dos direitos humanos FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave
Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 29
39
e finalmente sejam providos de um miacutenimo de qualidade com profissionais qualificados e
condiccedilotildees sanitaacuterias adequadas33
Pode-se observar desta forma que a Observaccedilatildeo Geral ndeg 1434
funciona como um
verdadeiro instrumento de regulamentaccedilatildeo do artigo 12 do PIDESC e consequentemente de
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede visto que busca esclarecer quais satildeo as obrigaccedilotildees miacutenimas
dos Estados cujo cumprimento deve ser imediato35
e fora do espectro de discussatildeo da
disponibilidade de recursos como as seguintes a garantia de acesso a uma alimentaccedilatildeo
essencial miacutenima agrave moradia e abastecimento de aacutegua a adoccedilatildeo de estrateacutegias e accedilotildees
nacionais de sauacutede puacuteblica relacionadas com as preocupaccedilotildees mais claras da populaccedilatildeo a
facilitaccedilatildeo ao acesso de medicamentos36
essenciais etc
A Observaccedilatildeo Geral ndeg 14 demonstra-se pois primordial para a compreensatildeo das
distintas dimensotildees normativas do direito a sauacutede pois busca oferecer respostas concretas e
ateacute certo ponto praacuteticas ao questionamento acerca do que deve ser cumprido pelos Estado
Membros do PIDESC na mateacuteria do direito agrave sauacutede apontando tanto obrigaccedilotildees gerais como
especiacuteficas de cunho positivo ou negativo37
Tambeacutem no acircmbito universal de proteccedilatildeo pode ser destacada a Declaraccedilatildeo de Viena38
de 1993 que ao legitimar a universalidade dos direitos humanos propagada desde 1948
33
MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a
concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN
Natal 2007 p 41 34
A Observaccedilatildeo Geral ndeg14 foi expedida durante o 22deg periacuteodo de sessotildees do Comitecirc de Direitos Econocircmicos
Sociais e Culturais celebrado no ano 2000 e seu texto pode ser consultado por exemplo em CARBONELL
Miguel MOGUEL Sandra amp PORTILLA Karla Peacuterez (compiladores) Derecho Internacional de los
Derechos Humanos Textos Baacutesicos 2deg Ediccedilatildeo Meacutexico Porruacutea 2003 pp 594- 621 35
No que refere-se agrave supervisatildeo do cumprimento das obrigaccedilotildees referidas tem-se que os Estados ndash partes devem
apresentar informaccedilotildees sobre as medidas que estejam sendo tomadas e os progressos alcanccedilados submetendo tais
dados ao Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Eacute nesse cenaacuterio que com o fito de avaliar o grau
de eficiecircncia dos serviccedilos de sauacutede em acircmbito internacional foi criada em 7 de abril de 1948 a Organizaccedilatildeo
Mundial de Sauacutede cujo objetivo eacute decidir as principais questotildees relativas agraves poliacuteticas de sauacutede com o fim de que
todos os povos possam gozar do grau maacuteximo de sauacutede possiacutevel 36
Medida salutar para se alcanccedilar tal facilitaccedilatildeo eacute a questatildeo que envolve a possibilidade da quebra de patentes
Sobre o tema conferir BARRETO Ana Cristina Costa Direito agrave sauacutede e patentes farmacecircuticas ndash O acesso a
medicamentos como preocupaccedilatildeo global para o desenvolvimento In Revista Aurora v 5 n7 jan 2011 37
Nesse sentido dispotildee Miguel Carbonell ao destacar os paraacutegrafos 35 e 36 do documento em exame que
ldquo()sobre la obligacioacuten de proteger el Comiteacute apunta que los Estados deberaacuten adoptar leyes u otras medidas para
velar por el acceso igual a la atencioacuten de la salud y los servicios relacionados con la salud proporcionados por
terceros velar por que la privatizacioacuten del sector de la salud no represente una amenaza para la disponibilidad
accesibilidad aceptabilidad y calidad de los servicios de atencioacuten de la salud controlar la comercializacioacuten de
equipo meacutedico y medicamentos por terceros y asegurar que los facultativos y otros profesionales de la salud
reuacutenan las condiciones necesarias de educacioacuten experiencia y deontologiacutea Los Estados tambieacuten tienen la
obligacioacuten de velar por que las praacutecticas sociales o tradicionales nocivas no afecten al acceso a la atencioacuten
anterior y posterior al parto ni a la planificacioacuten de la famiacutelia()rdquo CARBONELL Miguel El derecho a la salud
em el derecho internacional de los derechos humanos las observaciones generales de la ONU In Revista da
Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 pp 80-83 38
A Conferecircncia de Viena consolidou o aacutepice de um processo de consagraccedilatildeo dos direitos humanos como tema
da comunidade internacional que teve por carro-chefe a prevalecircncia de uma concepccedilatildeo universalizante a exceder
40
ponderou com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que os Estados devem promover a maternidade
segura e a assistecircncia de sauacutede consideradas elementos importantes para a diminuiccedilatildeo das
desigualdades de gecircnero reconheceu a importacircncia do usufruto de elevados padrotildees de sauacutede
fiacutesica e mental por parte da mulher durante todo o seu ciclo de vida sendo seu direito a
assistecircncia de sauacutede acessiacutevel e adequada estabeleceu ser dever dos estados natildeo impedir a
plena realizaccedilatildeo dos direitos humanos como eacute o caso do direito das pessoas a um niacutevel de
vida adequado agrave sauacutede e bem-estar e asseverou que os estados tecircm a obrigaccedilatildeo de prover
sauacutede agraves pessoas pertencentes a grupos vulneraacuteveis
A Declaraccedilatildeo de Viena desta feita natildeo soacute consolidou os direitos humanos como um
tema global a partir da afirmaccedilatildeo de sua universalidade interdependecircncia e
complementariedade solidaacuteria pregando pelo direito agrave diferenccedila e o dever de respeitar as
particularidades nacionais e regionais como tambeacutem significou um importante reforccedilo agrave
International Bill of Rights39
apresentando importantes disposiccedilotildees concernentes agrave temaacutetica
do direito agrave sauacutede40
Aleacutem dos textos jaacute citados existem alguns documentos mais especiacuteficos na esfera de
proteccedilatildeo universal dos quais podem ser extraiacutedos aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede
como a Convenccedilatildeo contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Crueacuteis Desumanos ou
Degradantes que embora natildeo aborde diretamente o direito em exame defende a natureza
absoluta da vedaccedilatildeo da praacutetica de tortura o que em uacuteltima anaacutelise consubstancia-se em
praacutetica protetiva da sauacutede e integridade fiacutesica a Convenccedilatildeo Internacional sobre a Eliminaccedilatildeo
de todas as formas de Discriminaccedilatildeo Racial que expressamente elenca em seu artigo 5deg o
dever de garantia pelo Estado do direito agrave sauacutede a cuidados meacutedicos e agrave previdecircncia social a
Convenccedilatildeo sobre todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher que reconhece
especialmente em seu artigo 12 o direito da mulher agrave sauacutede e agrave assistecircncia apropriada em
relaccedilatildeo agrave gravidez bem como a Convenccedilatildeo sobre os Direitos da Crianccedila que menciona o
direito humano agrave sauacutede para todas as crianccedilas (arts 24 e 25) bem como para as crianccedilas
deficientes (art 23) extraindo-se de todo este arcabouccedilo protetivo que a sauacutede se situa como
relativismos e etnocentrismos culturais FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 31 39
Conforme aduz Piovesan o conjunto formado da soma entre os Pactos de 1966 e a Declaraccedilatildeo de 1948
formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos PIOVESAN Flaacutevia Direitos Humanos e o
Direito Constitucional Internacional 7deg ed Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 152 40
Nesse sentido se a DUDH veio a consolidar o pensamento de que natildeo haacute liberdade sem igualdade nem
igualdade sem liberdade preenchendo a lacuna que distanciava a visatildeo liberal e social a Declaraccedilatildeo de Viena foi
relevante pois solidificou a consagraccedilatildeo da indivisibilidade interdependecircncia e inter-relaccedilatildeo entre os direitos
humanos PIOVESAN Flaacutevia Proteccedilatildeo internacional dos direitos econocircmicos sociais e culturais In SARLET
Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais sociais estudos de direito constitucional internacional e
comparado Rio de Janeiro Renovar 2003 p 247
41
um tema transversal41
no processo de especificaccedilatildeo dos direitos humanos devido a sua
essencialidade e estreita relaccedilatildeo com o proacuteprio direito agrave vida
Em niacutevel regional42
podem ser mencionados os sistemas europeu africano e o
interamericano43
merecendo maior destaque este uacuteltimo para os anseios do presente trabalho
Nesse contexto na temaacutetica da proteccedilatildeo do direito humano agrave sauacutede no sistema
interamericano ganham relevo a Declaraccedilatildeo Americana dos Direitos e Deveres do Homem
de 1948 o subsistema da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos ndash Pacto de Satildeo Joseacute
da Costa Rica de 1969 e o Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos
Humanos em mateacuteria de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais denominado de Protocolo
de Satildeo Salvador de 1988
A Declaraccedilatildeo Americana de maneira expressa aborda o direito agrave preservaccedilatildeo da
sauacutede e ao bem-estar em seu artigo 11 ao afirmar que toda pessoa tem direito a que sua sauacutede
seja resguardada por medidas sanitaacuterias e sociais relativas agrave alimentaccedilatildeo roupas habitaccedilatildeo e
cuidados meacutedicos correspondentes ao niacutevel permitido pelos recursos puacuteblicos e os da
coletividade deixando clara a importacircncia da efetivaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais do direito agrave
sauacutede em si mas tambeacutem dos seus fatores condicionantes mais relevantes alimentaccedilatildeo e
habitaccedilatildeo
A Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos de 1969 por sua vez tratou de
prestigiar os direitos humanos de dimensatildeo individual e por tal razatildeo o direito agrave sauacutede eacute
tratado de maneira indireta ou subentendida visto que em seu artigo 5deg sect 1deg a aludida
Convenccedilatildeo afirma que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral Noutro poacutertico sob um vieacutes de direito de defesa diversos dispositivos ao
tratarem de determinados direitos individuais (como a liberdade de religiatildeo de pensamento
de reuniatildeo por exemplo) fazem alusatildeo a possibilidade de limitaccedilatildeo excepcional dos mesmos
justificada em razatildeo da defesa da sauacutede puacuteblica revelando o caraacuteter prioritaacuterio desse direito
social
41
TORRONTEGUY Marco Aureacutelio Antas O direito humano agrave sauacutede no Direito Internacional Efetivaccedilatildeo
por meio de cooperaccedilatildeo sanitaacuteria Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2010 p 95 42
Assevera Flaacutevia Piovesan que ldquoos sistemas global e regional natildeo satildeo dicotocircmicos mas complementares ()
O propoacutesito da coexistecircncia de distintos instrumentos juriacutedicos ndash garantindo os mesmos direitos ndash eacute pois no
sentido de ampliar e fortalecer a proteccedilatildeo dos direitos humanos O que importa eacute o grau de eficaacutecia da proteccedilatildeo
e por isso deve ser aplicada a norma que no caso concreto melhor proteja a viacutetimardquo PIOVESAN Flaacutevia
Desenvolvimento histoacuterico dos direitos humanos e a Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 In Retrospectiva dos 20
anos da Constituiccedilatildeo Federal Walber de Moura Agra (coord) Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 24 43
Para um aprofundamento no exame desses trecircs sistemas PIOVESAN Flaacutevia Direito Humanos e Justiccedila
Internacional um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu interamericano e africano Satildeo
Paulo Saraiva 2006
42
Como explicado a proteccedilatildeo em 1969 limitou-se aos direitos de primeira dimensatildeo
contudo em 1988 foi assinado em San Salvador um Protocolo Adicional agrave Convenccedilatildeo o
qual tratou de contemplar os direitos econocircmicos sociais e culturais Desta forma o artigo 10
do mencionado Protocolo trata de maneira expressa e enfaacutetica do tema do direito agrave sauacutede
reconhecendo algumas premissas baacutesicas e relevantes que devem ser levadas em consideraccedilatildeo
pelos Estados quais sejam
1 Toda pessoa tem direito agrave sauacutede entendida como o gozo do mais alto
niacutevel de bem-estar fiacutesico mental e social
()
3 A fim de tornar efetivo o direito agrave sauacutede os Estados Partes
comprometem-se a reconhecer a sauacutede como bem puacuteblico e
especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito
a Atendimento primaacuterio de sauacutede entendendo-se como tal a
assistecircncia meacutedica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas
e famiacutelias da comunidade
b Extensatildeo dos benefiacutecios dos serviccedilos de sauacutede a todas as pessoas
sujeitas agrave jurisdiccedilatildeo do Estado
c Total imunizaccedilatildeo contra as principais doenccedilas infecciosas
d Prevenccedilatildeo e tratamento das doenccedilas endecircmicas profissionais e de
outra natureza
e Educaccedilatildeo da populaccedilatildeo sob prevenccedilatildeo e tratamento dos problemas
de sauacutede e
f Satisfaccedilatildeo das necessidades de sauacutede dos grupos de mais alto risco e
que por sua situaccedilatildeo de pobreza sejam mais vulneraacuteveis
Eacute relevante notar que as disposiccedilotildees acima arroladas se coadunam e se somam com as
jaacute vistas previsotildees no direito paacutetrio quanto ao direito agrave sauacutede notadamente com os princiacutepios
informadores do SUS e terminam por compor o vasto arcabouccedilo juriacutedico de proteccedilatildeo do
direito agrave sauacutede constante no direito paacutetrio que poderaacute ser invocado pela sociedade para se ter
garantido respeitado e concretizado tal direito social
Merece destaque ainda a Declaraccedilatildeo de Alma-Ata de 1978 resultado da Conferecircncia
Internacional sobre Cuidados Primaacuterios de Sauacutede que em seu item I dispotildee que a realizaccedilatildeo
do mais alto niacutevel possiacutevel de sauacutede depende da atuaccedilatildeo de diversos setores sociais e
econocircmicos para aleacutem do setor da sauacutede propriamente dito o que termina por reforccedilar a
noccedilatildeo (seguida tanto pela ldquoLei do SUSrdquo) de ldquointersetorialidaderdquo desse direito Explicando
melhor na medida em que tal direito eacute compreendido como garantia de qualidade miacutenima de
vida sua efetivaccedilatildeo natildeo incumbe de modo exclusivo ao ldquosetor sauacutederdquo mas sim depende da
consecuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas mais amplas direcionadas agrave superaccedilatildeo das desigualdades
43
sociais e ao pleno desenvolvimento da personalidade inclusive pelo compromisso com as
futuras geraccedilotildees44
Finalmente na temaacutetica da proteccedilatildeo internacional do direito agrave sauacutede eacute digna de
referecircncia a Carta de Intenccedilotildees formulada na 1deg Conferecircncia Internacional sobre Promoccedilatildeo
da Sauacutede ocorrida em Otawa no Canadaacute no ano de 1986 Tal Carta aleacutem de fixar novas
diretrizes e princiacutepios voltados agrave organizaccedilatildeo dos sistemas de sauacutede em diversos paiacuteses
influenciando na criaccedilatildeo do SUS no Brasil procurou empreender uma leitura da promoccedilatildeo da
sauacutede centrada na procura da equidade e na busca pela reduccedilatildeo das desigualdades existentes
estabelecendo que a sauacutede seria um recurso da maior importacircncia para o desenvolvimento
social econocircmico e pessoal consistindo em uma dimensatildeo importante da qualidade de vida
de cada um45
44
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 4
45
MELO Mauriacutecio de Medeiros O direito coletivo prestacional agrave sauacutede e o Poder Judiciaacuterio a
concretizaccedilatildeo do art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988 pela via jurisdicional Dissertaccedilatildeo de Mestrado UFRN
Natal 2007 p 42
44
3 A SAUacuteDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL
Em que pese ter se apresentado marcadamente descritivo devido a apresentaccedilatildeo de
disposiccedilotildees legislativas bem como de nuacutemeros percentuais que refletem o atual quadro da
sauacutede puacuteblica no Brasil o capiacutetulo anterior teve sua importacircncia pois contribuiu com uma
visatildeo geral acerca de como a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute esmiuccedilada e estruturada no
ordenamento paacutetrio O conhecimento do exato alcance deste complexo normativo eacute ponto de
suma relevacircncia para o estudo do presente toacutepico bem como da temaacutetica da proteccedilatildeo judicial
do direito agrave sauacutede tratado no capiacutetulo quarto
Dito isto seraacute examinado a seguir o tratamento que eacute dado no ordenamento paacutetrio agrave
questatildeo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais notadamente do direito agrave sauacutede e para a
exata compreensatildeo do tema faz-se primordial estudar como se deu a evoluccedilatildeo dos direitos
fundamentais e a influecircncia desse processo histoacuterico na construccedilatildeo do conteuacutedo baacutesico do
direito a sauacutede calcado em sua dupla fundamentalidade (formal e material)
31 A EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB O PRISMA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana como valor essencial do ser humano (o valor
do homem como um fim em si mesmo) forma a matriz embrionaacuteria dos direitos fundamentais
e sempre esteve presente nas sociedades ainda que mais primitivas sendo apontada como um
dos poucos consensos teoacutericos do mundo contemporacircneo verdadeiro axioma da civilizaccedilatildeo
ocidental e talvez a uacutenica ideologia remanescente46
Posta tal premissa eacute certo que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais sua estratificaccedilatildeo
em geraccedilotildees e a abrangecircncia conceitual do que viria a ser direitos humanos encontra-se
perfeitamente atrelada agrave identificaccedilatildeo do percurso histoacuterico da noccedilatildeo de dignidade da pessoa
humana que como afirmado no tiacutetulo do presente toacutepico funciona como verdadeira buacutessola e
ponto de partida para a compreensatildeo desse processo47
46
MELLO Celso D de Albuquerque Direitos Humanos e Conflitos Armados Rio de Janeiro Renovar 1997
p 3 47
Nesse contexto importante as liccedilotildees Pieroth e Schlink de no sentido de que ldquoos direitos fundamentais satildeo
enquanto parte do direito puacuteblico e do direito constitucional direitos poliacuteticos e estatildeo sujeitos agrave mudanccedila das
ordens poliacutetica Mas os direitos fundamentais satildeo tambeacutem simultaneamente uma resposto agrave questatildeo
fundamental invariaacutevel da relaccedilatildeo entre liberdade individual e a ordem poliacuteticardquo PIEROTH Bodo SCHLINK
Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo
Saraiva 2012 p 33
45
Nesse contexto desvencilhando-se do propoacutesito de percorrer detalhadamente o
caminho histoacuterico do tema quatro momentos fundamentais podem ser apontados
cronologicamente como fases constitutivas da noccedilatildeo de dignidade humana o Cristianismo o
Iluminismo- Humanista a obra de Immanuel Kant e as barbaacuteries ocorridas na Segunda Guerra
Mundial48
Os valores pregados por Jesus Cristo e seus seguidores representaram a primeira
contribuiccedilatildeo na valorizaccedilatildeo individual do homem ao passo que a salvaccedilatildeo anunciada era
individual e dependente de uma decisatildeo pessoal sendo enfatizado tambeacutem o respeito ao
proacuteximo o que despertou para um sentimento de solidariedade iacutensito agrave noccedilatildeo de condiccedilotildees
miacutenimas de existecircncia que eacute tiacutepica da construccedilatildeo dos direitos sociais
Nesse contexto merece atenccedilatildeo os ensinamentos de Jorge Miranda ao afirmar que49
Eacute com o cristianismo que todos os seres humanos soacute por o serem e sem
acepccedilatildeo de condiccedilotildees satildeo considerados pessoas dotadas de um eminente
valor Criados a imagem e semelhanccedila de Deus todos os homens e mulheres
satildeo chamados agrave salvaccedilatildeo atraveacutes de Jesus que por eles verteu o seu sangue
Criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus todos tecircm uma liberdade
irrenunciaacutevel que nenhuma sujeiccedilatildeo poliacutetica ou social pode destruir
Posteriormente o Iluminismo contribuiu para o desenvolvimento da ideia de
dignidade humana a partir de sua crenccedila na razatildeo humana e a busca pela substituiccedilatildeo da
religiosidade pelo proacuteprio homem no centro do sistema de pensamento mediante o
desenvolvimento teoacuterico do humanismo que por sua vez se preocupava com os direitos
individuais do homem e o exerciacutecio democraacutetico do poder
Na sequecircncia ganhou destaque a formulaccedilatildeo do pensamento de Kant acerca da
natureza do homem e de suas relaccedilotildees consigo proacuteprio com o proacuteximo e com as suas criaccedilotildees
da natureza cuja premissa central era a de que o homem consiste em um fim em si mesmo e
natildeo em funccedilatildeo do Estado da sociedade ou da naccedilatildeo possuindo uma dignidade ontoloacutegica
Finalmente as chocantes agressotildees aos direitos humanos ocorridas na Segunda Guerra
Mundial pelo regime nazista realizadas sobre o manto da legalidade levaram agrave reflexatildeo no
cenaacuterio poacutes-guerra acerca da necessidade de superaccedilatildeo do modelo positivista com a
reaproximaccedilatildeo do direito da moral e o carro-chefe dessa virada Kantiana50
foi exatamente a
48
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 126 49
MIRANDA Jorge Manual de Direito Constitucional Tomo IV 3deg ed Coimbra Coimbra Editora 2000 p
17 50
ldquoDe uns trinta anos para caacute assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superaccedilatildeo dos positivismos
A partir do que se convencionou chamar de bdquovirada kantiana‟(kantische Wende) isto eacute a volta agrave influecircncia da
46
consagraccedilatildeo da dignidade da pessoa humana no plano internacional e a propagaccedilatildeo da mesma
nos direitos internos nacionais como valor maacuteximo e vetor de atuaccedilatildeo
Diante desses apontamentos nota-se que as contribuiccedilotildees para a construccedilatildeo da ideia
de dignidade da pessoa humana51
acima descritas foram cruciais para a evoluccedilatildeo dos direitos
fundamentais e a noccedilatildeo de direitos humanos difundida apoacutes a Segunda Guerra podendo-se
afirmar que o conteuacutedo juriacutedico da dignidade da pessoa humana se interliga harmonicamente
com os direitos fundamentais ou humanos52
ao passo que o respeito agrave dignidade de um
indiviacuteduo pressupotildee a observaccedilatildeo e realizaccedilatildeo dos seus direitos fundamentais53
Firmada essa importante observaccedilatildeo (referente a correlaccedilatildeo entre dignidade e direitos
fundamentais) seraacute feita a seguir uma anaacutelise da evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais natildeo
preocupada somente com uma abordagem descritivamente histoacuterico-enumerativa mas sim
com a perquiriccedilatildeo da razatildeo de serem necessaacuterias declaraccedilotildees de direitos fundamentais ao
longo da histoacuteria e a exato alcance dos direitos inclusos nas diferentes geraccedilotildees54
Eacute inegaacutevel que a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais guarda pontos de similitude com
as etapas de formaccedilatildeo do Estado bem como a necessidade de limitaccedilatildeo do mesmo por meio
da garantia de direitos Nesse contexto o raciociacutenio de contraposiccedilatildeo ao Absolutismo por
filosofia de Kant deu-se a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos
e com a busca da justiccedila fundada no imperativo categoacuterico O livro A Theory of Justice de John Rawls publicado
em 1971 constitui a certidatildeo do renascimento dessas ideiasrdquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de Direito
Constitucional Financeiro e Tributaacuterio Valores e Princiacutepios Constitucionais Tributaacuterios v 2 Rio de
Janeiro Renovar 2005 p 41 51
Nesse presente momento a preocupaccedilatildeo foi somente a de deixar clara a interligaccedilatildeo entre a evoluccedilatildeo
construtiva da ideia de dignidade humana e a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Em momento oportuno seraacute
trabalhado o conceito dessa dignidade e seus aspectos relacionados ao direito agrave sauacutede 52
Alguns autores apontam significaccedilatildeo diversa entre direitos fundamentais e direitos humanos no sentido destes
serem expressatildeo direcionada ao conjunto de direitos ideais metafiacutesicos derivados da natureza do homem
enquanto aqueles seriam apenas aqueles reconhecidos por uma ordem puacuteblica positiva Jaacute outros partindo de um
criteacuterio temporal e espacial apontam que direitos humanos seria uma expressatildeo utilizada para designar a
proteccedilatildeo juriacutedica outorgada a direitos no acircmbito do Direito Internacional ou seja sem limitaccedilatildeo de tempo e
espaccedilo e com pretensotildees de validade universal enquanto direitos fundamentais seria a dimensatildeo interna e
nacional desses direitos contemplados formal e materialmente pelo direito interno de algum ordenamento Nesse
sentido consultar FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave sauacutede paracircmetros para sua
eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 19 53
Realccedilando a ligaccedilatildeo loacutegica entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais o doutrinador
Canccedilado Trindade assevera que a ideia de direitos humanos e sua manifestaccedilatildeo satildeo tatildeo antigas quanto as
civilizaccedilotildees e a luta pela garantia dos mesmos surgiu em diferentes culturas e em movimentos histoacutericos
sucessivos na busca pela afirmaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana bem como na luta contra as formas de
dominaccedilatildeo despotismo e arbitrariedade TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Tratado de Direito
Internacional dos Direitos Humanos Porto Alegre Safe 1997 p 485 54
Desde jaacute esclarece-se que o presente trabalho trataraacute indistintamente como sinocircnimos os termos dimensotildees e
geraccedilotildees sem entrar na discussatildeo de pouca razatildeo praacutetica sobre a melhor terminologia a ser utilizada para
identificar a divisatildeo compartimentada da evoluccedilatildeo dos direito fundamentais Alguns respeitados autores
sustentam que a ideia de geraccedilotildees de direitos poderia ser equivocadamente compreendida mediante o raciociacutenio
de que uma geraccedilatildeo supera a anterior jaacute outros natildeo vislumbram tal problema apontando que as geraccedilotildees a
despeito de potenciais colisotildees satildeo complementares Nesse sentido confira-se SILVA Virgiacutelio Afonso da A
evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais ndeg6 2005 p
546
47
meio da limitaccedilatildeo do poder do Estado atraveacutes da garantia de direitos alicerccedilada na separaccedilatildeo
dos poderes55
empreendido pelo que se denominou de Constitucionalismo a partir das
revoluccedilotildees liberais do final do Seacuteculo XVII pode ser identificado como o autecircntico
nascedouro da formaccedilatildeo dos direitos fundamentais contudo ao longo da histoacuteria desde os
tempos mais antigos se vislumbrou embriotildees desse processo56
ganhando contornos mais
relevantes a experiecircncia inglesa com as precursoras declaraccedilotildees de direitos (Magna Carta de
1215 o Petition of Rights de 1629 o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689)
Ocorre que os documentos ingleses acima elencados natildeo possuiacuteam a essecircncia de
declaraccedilotildees de direitos no sentido atual do termo (sentido este que pressupotildee a vinculaccedilatildeo de
todos os poderes estatais aos direitos por elas estabelecidos) visto que consistiam em
declaraccedilotildees destinadas a garantir privileacutegios e prerrogativas a uma classe especiacutefica somado a
uma eventual presenccedila de direitos um pouco mais amplos (como o direito de peticcedilatildeo) Devido
a tal caracteriacutestica a doutrina aponta que as primeiras grandes e autecircnticas declaraccedilotildees de
direitos surgiram somente com os movimentos revolucionaacuterios nos Estados Unidos em 1776 e
na Franccedila em 1789 na conjuntura do surgimento do Estado Liberal57
Importante deixar claro nesse ponto que natildeo haacute uma perfeita equivalecircncia de
justificaccedilatildeo entre os dois movimentos citados Enquanto nos EUA a promulgaccedilatildeo de
declaraccedilotildees como a da Virgiacutenia ou a proacutepria declaraccedilatildeo de independecircncia dos Estados Unidos
apresentavam o escopo principal de verdadeiramente declarar os direitos que todos os seres
humanos congenitamente possuiriam e que jaacute era em grande parte realidade em uma
sociedade natildeo-estamental no contexto de formaccedilatildeo de uma naccedilatildeo proacutepria na Franccedila anos
mais tarde o objetivo principal era o de superaccedilatildeo da ordem absolutista anterior cujo embate
central pairava sobre a luta pelos direitos de liberdade e propriedade do povo e da burguesia
55
Como a doutrina liberal nascente tinha por intuito a limitaccedilatildeo do poder estatal em prol da liberdade de
comercializaccedilatildeo por parte da classe burguesa ascendente tambeacutem foi necessaacuteria a adoccedilatildeo de um mecanismo de
controle desse poder estatal Daiacute a importacircncia da Teoria da Separaccedilatildeo dos Poderes cujo maior expoente foi
Montesquieu que pregava uma seacuterie de contrapesos entre os poderes estatais de modo a garantir a liberdade
individual BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p
45 56
Para a anaacutelise proposta adotar-se-aacute como ponto de partida para o estudo dos direitos fundamentais os
documentos provenientes da Revoluccedilatildeo Americana e Francesa contudo eacute de bom alvitre ponderar que ainda na
antiguidade bem como na idade meacutedia surgiram textos escritos que formavam alguns conjuntos de regras e
cenaacuterios poliacuteticos de defesa da liberdade do homem ganhando destaque a Lei das XII Taacutebuas o Coacutedigo de
Hamurabi as disposiccedilotildees do Estado Teocraacutetico Hebreu as experiecircncias de participaccedilatildeo popular na Greacutecia
Antiga o Coacutedigo de Manu dentre outros Ocorre todavia que tais conjuntos de regras estabeleciam em sua
essecircncia mais obrigaccedilotildees aos indiviacuteduos e natildeo direitos jaacute que a figura deocircntica originaacuteria dos mesmos era o
dever e natildeo o direito 57
SILVA Virgiacutelio Afonso da A evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais In Revista Latino-Americana de
Estudos Constitucionais Ndeg 6 2005 p 544
48
ascendente58
e eacute nesse cenaacuterio que surge a primeira geraccedilatildeo59
(ou dimensatildeo) dos direitos
fundamentais
Como visto a primeira declaraccedilatildeo de direitos da modernidade que veio a estruturar o
regime democraacutetico e a limitaccedilatildeo do poder estatal foi a Declaraccedilatildeo de Direitos da Virgiacutenia60
nos EUA em 1776 Em seguida decorrente da Revoluccedilatildeo Francesa nasceu a Declaraccedilatildeo dos
Direitos do Homem e do Cidadatildeo em 1789 propagando os ideais de liberdade igualdade e
fraternidade61
O momento histoacuterico era o de formaccedilatildeo do Estado Liberal cujo anseio
maacuteximo era o de assegurar as liberdades dos indiviacuteduos contra os atos do Estado o qual
estaria obrigado a adotar um comportamento omissivo tanto no vieacutes poliacutetico quanto no
econocircmico62
Surgiram pois os chamados ldquodireitos de primeira dimensatildeordquo os quais englobam os
chamados direitos civis e poliacuteticos ligados ao valor liberdade consistindo em direitos
assegurados em face do Estado (ou seja oponiacuteveis ao Estado em uma relaccedilatildeo tipicamente
vertical Estado ndash indiviacuteduo) e portanto de caraacuteter eminentemente negativo jaacute que exigiam
uma abstenccedilatildeo por parte do Estado e em princiacutepio independiam de accedilotildees concretizadoras ou
densificadoras estatais sendo considerados self executing63
58
De se esclarecer que no contexto norte-americano a busca por limitaccedilatildeo se dirigia principalmente contra a
atuaccedilatildeo do legislativo prevenidos que estavam os founding fathers com a praacutetica do parlamento britacircnico nos
anos que precederam a independecircncia enquanto que nos paiacuteses europeus o limite se dirigiu basicamente agrave
atuaccedilatildeo dos monarcas absolutos BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 26 59
Terminologia propugnada por Karel Vazak e difundida por Bobbio ALVES Joseacute Augusto Lindgren Os
direitos humanos como tema global 2deg ed Satildeo Paulo Perspectiva 2003 p 42 60
Bobbio ao comentar tal declaraccedilatildeo afirma que ldquo() nasceu naquele momento uma nova e quero dizer aqui
literalmente sem precedentes forma de regime poliacutetico que natildeo eacute mais apenas o governo das leis contraposto ao
dos homens jaacute louvado por Aristoacuteteles mas o governo que eacute ao mesmo tempo dos homens e das leis dos
homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indiviacuteduos que as
proacuteprias leis natildeo podem ultrapassar ()rdquo BOBBIO Norberto A era dos direitos Rio de Janeiro Elsevier
2004 p 224 61
Relevante a observaccedilatildeo feita por Barroso no sentido de que existiu uma verdadeira retroalimentaccedilatildeo entre as
revoluccedilotildees francesas e americanas visto que os ideais franceses expoentes agrave eacutepoca influenciaram os EUA em seu
processo de independecircncia e posteriormente foram reincorporados quando da Revoluccedilatildeo Francesa que terminou
por seguir os moldes normativos construiacutedos pelos americanos BARROSO Luiacutes Roberto
Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) In
Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 62
Importante esclarecer que ao longo do tempo apoacutes a concretizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo a burguesia francesa natildeo
buscou manter a universalidade das liberdades individuais entatildeo propostas as quais apenas por generalizaccedilatildeo
nominal estendiam-se agraves outras classes Nesse contexto instaurou-se um cenaacuterio em que a burguesia possuiacutea a
legitimidade para agir em nome da sociedade francesa contudo as liberdades individuais natildeo eram de fato
usufruiacutedas por todos o que refletia em um quadro de clara falta de igualdade material entre todos os cidadatildeos
aumentando-se as desigualdades entre os indiviacuteduos Logo na praacutetica os direitos fundamentais correspondiam
aos direitos da burguesia jaacute que para as classes inferiores eram direitos somente sob o aspecto formal Nesse
sentido BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 42 63
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 376
49
Aqui merece destaque uma advertecircncia que seraacute retomada quando do estudo da
eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais Tal questatildeo diz respeito exatamente ao
esclarecimento de que ao contraacuterio do que muitos propotildeem o fato de os direitos de primeira
dimensatildeo terem por sua essecircncia a busca por uma liberdade do indiviacuteduo em face do Estado
natildeo significa necessariamente que sempre o Estado teraacute que se abster para a garantia de tais
direitos Explicando melhor quando o Estado atua visando a garantir certos direitos de
primeira geraccedilatildeo como o direito a seguranccedila bem como os direitos poliacuteticos tal atuaccedilatildeo
tambeacutem demanda accedilotildees do Estado accedilotildees essas que exigem um aporte financeiro do mesmo
para sua perfeita execuccedilatildeo bastando lembrar os custos relacionados ao recrutamento e
formaccedilatildeo de policiais bem como os ligados ao processo eleitoral64
Feita essa ressalva pode- se afirmar que os direitos individuais englobam um conjunto
de direitos cuja missatildeo fundamental eacute assegurar agrave pessoa uma esfera livre de intervenccedilatildeo da
autoridade poliacutetica ou do Estado65
e nessa linha foram gradualmente conquistados os direitos
agrave liberdade religiosa agrave liberdade civil e profissional agrave liberdade de expressatildeo reuniatildeo dentre
outros
Os direitos poliacuteticos por sua vez apresentam o escopo de instrumentalizar a
participaccedilatildeo dos indiviacuteduos na deliberaccedilatildeo puacuteblica e hodiernamente satildeo identificados como
corolaacuterio da igualdade de todo ser humano e da consequente necessidade de que as decisotildees
poliacuteticas sejam tomadas mediante uma estruturaccedilatildeo majoritaacuteria66
Tais direitos desta maneira
a despeito de terem uma configuraccedilatildeo distinta das liberdades puacuteblicas se amoldam agrave ideia de
direitos de liberdade em sua concepccedilatildeo positiva ou republicana jaacute que ligam-se agrave defesa da
participaccedilatildeo popular na tomada de decisotildees o que em uacuteltima instacircncia ao menos
indiretamente proporcionam liberdade
Portanto pode-se afirmar que os direitos protegidos nessa primeira etapa possuiacuteam
uma acepccedilatildeo eminentemente individualista baseada na doutrina do laissez-faire laissez-
passer cuja funccedilatildeo estatal primordial residia em permitir que as relaccedilotildees sociais e
econocircmicas (grande trunfo da burguesia) se desenvolvessem livremente livre de
64
HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights New York ndash LondonWW Norton amp
Company 1999 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O
princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 134 65
FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 1999
p 280 66
Nesse sentido Canotilho assevera que ldquoas raiacutezes do princiacutepio majoritaacuterio reconduzem-se aos princiacutepios da
igualdade democraacutetica da liberdade e da autodeterminaccedilatildeo Se a liberdade de participaccedilatildeo democraacutetica eacute igual e
vale para todos os cidadatildeos entatildeo o estabelecimento vinculativo e uma determinada ordenaccedilatildeo juriacutedica
pressupotildee pelo menos a concordacircncia da maioriardquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito
Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 311
50
interferecircncia cabendo ao Estado apenas proteger a propriedade e a seguranccedila dos
indiviacuteduos67
Com o passar dos tempos o quadro de liberdade apenas formal propagado pela
doutrina do Liberalismo somou-se agrave piora das condiccedilotildees de vida da classe operaacuteria durante a
Revoluccedilatildeo Industrial em um cenaacuterio que privilegiava um capitalismo (jaacute em crise) sem eacutetica e
alheio agraves desigualdades sociais Tal conjuntura passou a ser atacada68
pela classe operaacuteria que
jaacute se organizava em grupos fortemente politizados culminando no colapso do Estado Liberal
que frente a insustentabilidade da situaccedilatildeo viu-se obrigado a dar espaccedilo para o Estado Social
passando o Estado a comportar-se como um provedor e prestador de serviccedilos para a
populaccedilatildeo
Viu-se pois que natildeo era suficiente somente garantir a liberdade formal dos
indiviacuteduos havendo a necessidade de se reconhecer certos direitos sociais culturais e
econocircmicos derivados das reivindicaccedilotildees sociais relacionadas com os graves problemas da
eacutepoca Foi entatildeo que em meados de 1917 ganhou corpo a necessidade de intervenccedilatildeo do
Estado de modo a se conferir igualdade surgindo um novo cataacutelogo de direitos ligados agraves
prestaccedilotildees materiais por parte do Estado os chamados direitos fundamentais de segunda
dimensatildeo
Conforme jaacute adiantado frente a crise instaurada tais direitos passaram a exigir do
Estado natildeo mais uma abstenccedilatildeo mas sim um fazer uma postura positiva de atuaccedilatildeo se
transformando o mesmo em um verdadeiro prestador de serviccedilos de feiccedilatildeo intervencionista
nos acircmbitos econocircmicos sociais e laborais
Tais novos direitos surgiram pois natildeo somente como consequecircncia da necessidade de
maior participaccedilatildeo dos cidadatildeos nas decisotildees poliacuteticas mas tambeacutem devido agrave pressatildeo dos
movimentos sociais (e socialistas69
) que defendiam de maneira geral que as liberdades
puacuteblicas alcanccediladas na primeira geraccedilatildeo estavam obstadas de ser exercidas por aqueles que
67
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p7 68
Pertinente aqui a observaccedilatildeo de Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho no sentido de que foi com o exerciacutecio cada
vez mais intenso dos direitos poliacuteticos que se iniciou tambeacutem a pressatildeo por outros direitos que superassem a
ideia das meras liberdades negativas da primeira dimensatildeo FERREIRA FILHO Manuel Gonccedilalves Direitos
humanos fundamentais 2deg ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 p 43 69
Aqui eacute importante esclarecer que os direitos sociais natildeo podem ser considerados como direitos socialistas
visto que na verdade satildeo formas de garantir a estabilidade e manutenccedilatildeo do capitalismo se natildeo liberal pelo
menos daquele de cunho social Nesse sentido tem-se que o Estado social natildeo se confunde com o Socialista O
primeiro pode ser caracterizado como um meio termo entre o modelo liberal e o socialista Para ficar mais claro
quando o estado estende sua influecircncia para a seara que antes era de atuaccedilatildeo exclusiva da atividade privada
tem-se ai o social por sua vez quando o estado faz mais que isso quando passa a concorrer imediatamente com
a esfera privada tem-se a socializaccedilatildeo BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo
Paulo Malheiros 2004 p 186
51
natildeo tinham condiccedilotildees materiais para tanto havendo a necessidade de se buscar uma igualdade
material para corrigir tal distorccedilatildeo
Vecirc-se assim que a pretensatildeo ao reconhecimento de direitos sociais pode ser
identificada como uma consequecircncia da luta iniciada pela generalizaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos
para a classe operaacuteria em um contexto em que assegurada a igualdade poliacutetica o objetivo
passou a ser a concretizaccedilatildeo da igualdade real que viesse a garantir as condiccedilotildees de vida
necessaacuterias e as possibilidades de realizaccedilatildeo de cada indiviacuteduo
Passou o Estado assim a assumir uma seacuterie de encargos ateacute entatildeo natildeo vistos como
tipicamente de sua atividade prestando serviccedilos na aacuterea de sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia social
bem como intervindo diretamente na regulaccedilatildeo dos mercados Surge o contexto do Welfare
State ganhando destaque as primeiras previsotildees de direitos socais presentes nas constituiccedilotildees
Mexicana70
e de Weimar71
de 1917 e 1919 respectivamente72
A loacutegica liberal de que a liberdade era suficiente para assegurar uma vida digna jaacute natildeo
mais reinava sendo necessaacuterio conferir ao cidadatildeo direitos que garantissem condiccedilotildees
materiais miacutenimas de desenvolvimento deixando claro que as dimensotildees natildeo se opotildeem mas
sim se complementam ao passo que os direitos sociais viabilizam o exerciacutecio real e
consciente dos direitos individuais e poliacuteticos73
Tais direitos passaram portanto a ser percebidos como uma dimensatildeo especiacutefica dos
direitos fundamentais na medida em que procuraram fornecer os recursos faacuteticos para uma
eficaz fruiccedilatildeo das liberdades inerentes agrave primeira dimensatildeo a partir da garantia de uma
igualdade (liberdade real) que somente poderia ser obtida pela compensaccedilatildeo das latentes
desigualdades sociais
Antes de examinar a proacutexima geraccedilatildeo de direitos eacute importante esclarecer que os
direitos sociais natildeo contemplam apenas posturas positivas do Estado comportando o cidadatildeo
70
Fruto de um movimento revolucionaacuterio iniciado em meados de 1910 contraacuterio ao governo ditatorial de
Porfiacuterio Dias o qual intentava dentre outros anseios a proibiccedilatildeo da reeleiccedilatildeo do presidente a devoluccedilatildeo de
terras aos povos indiacutegenas a nacionalizaccedilatildeo de empresas a consolidaccedilatildeo de direitos trabalhistas e a reforma
agraacuteria tal constituiccedilatildeo natildeo representou o fim da revoluccedilatildeo que perdurou por mais vinte e trecircs anos
COMPARATO Fabio Konder A afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 5deg ed Satildeo Paulo Saraiva
2007 p 177 71
Tal Constituiccedilatildeo possuiacutea um rol de direitos fundamentais mais bem estrutura que a Constituiccedilatildeo Mexicana a
partir de foacutermulas mais universais (por exemplo previsatildeo da funccedilatildeo social da propriedade de um sistema de
previdecircncia social de uma estruturaccedilatildeo quanto ao direito agrave educaccedilatildeo) daiacute sua maior influecircncia sendo seus
dispositivos aplicaacuteveis aos demais paiacuteses que seguiram sua modelagem agrave eacutepoca PINHEIRO Maria Claacuteudia
Bucchianeri A Constituiccedilatildeo de Weimar e os Direitos Fundamentais Sociais In Revista de Informaccedilatildeo
Legislativa v 43 ndeg 169 p 101-126 janmar 2006 p 121 72
SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In
SAMPAIO Joseacute Aeacutercio Leite (Org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo Horizonte
Del Rey 2003 p 252 73
SILVA Joseacute Afonso da Poder Constituinte e poder popular Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 189
52
em uma posiccedilatildeo de creacutedito perante o mesmo Conforme seraacute melhor analisado no toacutepico
referente ao estudo da eficaacutecia e efetividade dos direitos sociais em que pese a conjuntura do
surgimento dos direitos sociais ter brotado a partir da necessidade concretizaccedilatildeo de prestaccedilotildees
materiais ao cidadatildeo pelo Estado eacute certo que essa segunda dimensatildeo apresenta diferentes
dimensotildees dentre elas uma dimensatildeo de cunho meramente defensivo a qual abriga as
chamadas liberdades sociais marcantes especificamente no acircmbito dos direitos dos
trabalhadores como o direito de greve e de liberdade sindical
Feita tal ressalva e voltando para a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais o cenaacuterio
agora eacute o contexto mundial poacutes Segunda Guerra em que a quase dizimaccedilatildeo do povo judeu e as
crueldades realizadas pelos nazistas fascistas e demais regimes totalitaacuterios levaram o mundo
a refletir que o Estado de Direito necessitava urgentemente de uma remodelagem visto que
com base no impeacuterio positivista da lei o nazismo amparado por um fundo de legalidade
cometeu diversos atos de clara afronta a direitos fundamentais dos homens
Fala-se pois em periacuteodo poacutes-positivista uma vez que o contexto no campo filosoacutefico
era o de superaccedilatildeo do positivismo juriacutedico com a reaproximaccedilatildeo do direito agrave moral e a busca
por um equiliacutebrio entre o direito natural e positivo voltando o ideaacuterio de justiccedila para a cena a
partir de uma virada copernicana no Direito principalmente devido a consagraccedilatildeo de forccedila
normativa aos princiacutepios74
Surgem assim os direitos de 3deg dimensatildeo associados agrave noccedilatildeo de solidariedade ou
fraternidade os quais satildeo dotados de um altiacutessimo teor de humanismo e universalidade ao
passo que visam natildeo agrave proteccedilatildeo de interesses particulares de um uacutenico indiviacuteduo ou de apenas
um grupo isolado mas de todo o gecircnero humano
Podem ser citados como inclusos no rol dessa terceira dimensatildeo o direito ao
desenvolvimento75
agrave paz76
ao meio ambiente agrave propriedade sobre o patrimocircnio comum da
humanidade ao progresso direito de comunicaccedilatildeo agrave autodeterminaccedilatildeo dos povos os quais
foram proclamados e difundidos universalmente pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos
Humanos de 1948 e depois gradativamente incorporados nas constituiccedilotildees de diversos
paiacuteses
74
PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito
com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 30 75
Sobre a temaacutetica do direito em desenvolvimento destaca-se a obra ldquodesenvolvimento com liberdaderdquo de
Amartya Sen SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade traduccedilatildeo de Laura Teixeira Motta Satildeo Paulo
Companhia das Letras 2010 76
Importante esclarecer que o direito a paz na original classificaccedilatildeo de Karel Vazak foi incluiacuteda como direito de
terceira dimensatildeo contudo para Bonavides tal direito seria de quinta geraccedilatildeo pois consistia no objetivo a ser
buscado por todos os povos e que ainda natildeo foi alcanccedilado
53
Pela simples anaacutelise do rol de direitos que tal dimensatildeo abrange natildeo eacute muito difiacutecil
constatar que a definiccedilatildeo dos mesmos eacute tatildeo difusa quanto eles proacuteprios Melhor explicando
haacute uma dificuldade em se apontar claramente os contornos dogmaacuteticos que levam um direito a
ser enquadrado como de terceira dimensatildeo visto que a caracteriacutestica comum que une essa
gama de direitos tatildeo diversos eacute o fato de que todos eles aleacutem de natildeo terem titularidade
definiacuteveis destinam-se a realizar o terceiro pilar da Revoluccedilatildeo Francesa a fraternidade
Dessa criacutetica decorre uma certa falta de seguranccedila juriacutedica e ateacute mesmo de consenso
doutrinaacuterio sobre quais direitos estariam inseridos nessa categoria havendo tambeacutem quem
sinalize para a existecircncia de uma quarta geraccedilatildeo de direito e ateacute mesmo uma quinta Nesse
contexto para alguns a quarta geraccedilatildeo dos direitos fundamentais incluiria os direitos de
democracia informaccedilatildeo e pluralismo77
nascentes e aprimorados com a globalizaccedilatildeo poliacutetica
para outros incluiria os direitos contra os abusos da biotecnologia78
Quanto a esses direitos eacute
importante destacar os ensinamentos de Habermas79
que enxerga a democracia natildeo mais
como restrita a seu aspecto formal (vontade da maioria) mas em sua acepccedilatildeo material
Esclarecendo melhor o raciociacutenio eacute o de que o exerciacutecio dos direitos poliacuteticos
deveriam assegurar as liberdades de reuniatildeo de associaccedilatildeo e de expressatildeo do pensamento
para se alcanccedilar uma liberdade real de escolha e soacute assim serem assegurados os direitos
fundamentais baacutesicos A democracia passa assim a ser entendida materialmente ao passo em
que natildeo significaria apenas a vontade da maioria mas tambeacutem e principalmente a justa
fruiccedilatildeo de direitos baacutesicos por todos inclusive as minorias a partir do papel contra majoritaacuterio
efetuado pelo Poder Judiciaacuterio Desta forma no raciociacutenio exposto soacute se poderia falar em
democracia material em uma sociedade que proporcionasse a fruiccedilatildeo por todos de direitos
miacutenimos e a partir do desenvolvimento de tais direitos eacute que seria alcanccedilada uma efetiva
democracia
32 ASPECTOS RELEVANTES DO TRATAMENTO JURIacuteDICO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NO DIREITO BRASILEIRO E SUA IMPLICACcedilAtildeO NO DIREITO Agrave
SAUacuteDE
77
BONAVIDES Paulo Do Estado Liberal ao Estado Social 7deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2004 p 572 78
Bonavides propotildee que os direitos contra os abusos da biotecnologia satildeo espeacutecies de novas aplicaccedilotildees dos
direitos de defesa SARLET Ingo Wolfgang Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre
Livraria do Advogado 2005 p 57 79
SOUZA NETO Claacuteudio Pereira de Teoria da Constituiccedilatildeo Democracia e Igualdade p 17 Disponiacutevel em
httpwwwmundojuridicoadvbrcgi-binuploadtexto1129(3)pdf Acessado em 01022013
54
Nessa parte do presente estudo seratildeo abordadas certas premissas consolidadas na
teoria dos direitos fundamentais cujo conhecimento faz-se relevante para se compreender a
problemaacutetica existente na concretizaccedilatildeo dos direitos sociais em especial do direito agrave sauacutede
Para tanto a seguir seratildeo abordados dentre outros aspectos referentes agrave exata noccedilatildeo das
dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais agrave dupla fundamentalidade (formal e
material) dos direitos sociais e a importacircncia da distinccedilatildeo entre princiacutepios e regras para o tema
da eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais
321 A classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos de
prestaccedilatildeo
Algumas das criacuteticas tecidas quando do exame das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos
fundamentais seratildeo aqui retomadas e serviratildeo de base para a compreensatildeo da problemaacutetica
existente no atual cenaacuterio de crise na efetividade dos direitos sociais80
prestigiando-se o
afastamento de certas construccedilotildees doutrinaacuterias em prol da prevalecircncia de uma visatildeo mais
alinhada com os paradigmas do direito constitucional moderno
Nesse sentido importantes premissas devem ser postas primeiro a noccedilatildeo de
universalidade e interdependecircncia entre os direitos fundamentais conduz a insuficiecircncia da
tradicional distinccedilatildeo entre direitos positivos e negativos segundo eacute equivocada a afirmaccedilatildeo
de que somente direitos de segunda geraccedilatildeo importam em uma accedilatildeo do Estado que demanda
custos financeiros terceiro o criteacuterio funcional de classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais que
melhor se adeacutequa agrave nova ordem juriacutedica eacute o que divide os direitos em direitos de defesa e
direitos a prestaccedilotildees e finalmente a compreensatildeo de que todas as normas constitucionais ateacute
mesmo as ditas programaacuteticas81
satildeo aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de
integraccedilatildeo normativa
Esmiuccedilando cada um dos pontos acima alinhavados de iniacutecio tem-se que frente aos
pressupostos de universalidade indivisibilidade e interdependecircncia dos direitos fundamentais
eacute vulneraacutevel a classificaccedilatildeo entre direitos negativos e positivos visto que na praacutetica a
80
STRECK Lenio Luiz A crise da hermenecircutica e a hermenecircutica da crise a necessidade de uma nova criacutetica
do direito In SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e Direitos Fundamentais Belo
Horizonte Del Rey 2003 p 108 81
Nesse sentido Artur Cortez Bonifaacutecio expotildee que ldquode fato ateacute mesmo as normas de caraacuteter institutivo ou de
natureza programaacutetica desprovidas de eficaacutecia positiva portam eficaacutecia negativa destinando as suas inferecircncias
para obstar o desenvolvimento de accedilotildees dos poderes constituiacutedos em contrariedade ao seu ambiente material
BONIFAacuteCIO Artur Cortez Normatividade e Concretizaccedilatildeo a Legalidade Constitucional In MOURA Lenice
S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo
Paulo Saraiva 2009 p 219
55
positividade ou negatividade natildeo reside no direito em si mas no dever consequentemente
imposto pelo direito correlato
Desta maneira torna-se imprecisa a pura correspondecircncia entre direitos de primeira
dimensatildeo como sendo negativos e de segunda dimensatildeo como sendo positivos visto que natildeo
soacute os direitos sociais econocircmicos e culturais demandam para serem assegurados uma intensa
atividade estatal mas tambeacutem os direitos civis e poliacuteticos pelo menos no que se refere agrave
proteccedilatildeo contra interferecircncia de terceiro bastando lembrar os encargos oriundos da atividade
de poliacutecia seguranccedila defesa justiccedila etc Noutro poacutertico os direitos de segunda dimensatildeo
tambeacutem possuem um vieacutes de natildeo interferecircncia tiacutepico dos direitos de primeira dimensatildeo pois
tanto o Estado quanto a comunidade devem respeitar a fruiccedilatildeo desses direitos pelos
respectivos titulares Ressalte-se ainda que existem direitos sociais de efeitos genuinamente
negativos constituindo as chamadas liberdades sociais (direito de greve e liberdade sindical)
Interligada a essa primeira premissa e reforccedilando a interdependecircncia entre os direitos
de primeira e segunda dimensatildeo estaacute a noccedilatildeo de que todos os direitos reivindicam custos ao
eraacuterio para serem efetivados independente de sua classificaccedilatildeo Assim se natildeo de forma direta
como ocorre com na disponibilizaccedilatildeo do Estado de parcela dos direitos de segunda dimensatildeo
pelo menos indiretamente a garantia da livre fruiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos exigem um
alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial como satildeo os gastos com seguranccedila
puacuteblica e com as eleiccedilotildees por exemplo demonstrando-se impreciso e ingecircnuo82
portanto o
argumento de que certas naccedilotildees soacute poderiam assegurar os direitos de primeira e natildeo os de
segunda dimensatildeo
Avanccedilando aduz-se que a classificaccedilatildeo que melhor demonstra a natureza dos direitos
fundamentais no contexto do ordenamento paacutetrio eacute a que divide os direitos em de defesa e a
prestaccedilotildees O raciociacutenio eacute simples os direitos de defesa tutelam a esfera de liberdade dos
indiviacuteduos funcionando como limites ao poder estatal jaacute que satildeo outorgados direitos
subjetivos aos respectivos titulares para que esses possam atuar contra a ingerecircncia indevida
do Estado e dos demais particulares enquanto os direitos a prestaccedilotildees atrelam-se a ideia de
direito do cidadatildeo a uma accedilatildeo dos poderes puacuteblicos objetivando assim natildeo somente proteger
o acircmbito individual de liberdade e autonomia do indiviacuteduo frente ao Estado mas tambeacutem
assegurar a liberdade por intermeacutedio do Estado83
82
HOLMES Stephen amp SUNSTEIN Cass R The Cost of Rights why liberty depends on taxes New York
WW Norton 2000 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para
sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 35 83
Ressalta Mariana Filchtiner que tal classificaccedilatildeo se reporta agraves liccedilotildees de Alexy depois desenvolvidas por
Canotilho e adaptada ao ordenamento paacutetrio por Ingo Sarlet FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito
56
Eacute importante ressaltar que essa faceta prestacional natildeo engloba somente atos que
importem prestaccedilotildees faacuteticas84
(como eacute a disponibilizaccedilatildeo do serviccedilo de sauacutede puacuteblica) ao
indiviacuteduo mas abrange tambeacutem os atos que atribuem ao indiviacuteduo uma posiccedilatildeo relevante
para a defesa de outros direitos aproximando-se dos direito de participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e
no procedimento bem como atos de proteccedilatildeo perante outros cidadatildeos como por exemplo por
meio das normas penais
Fechando o raciociacutenio proposto relevante trazer agrave baila a visatildeo de que todas as normas
constitucionais incluiacutedas portanto as que dispotildeem sobre os direitos sociais satildeo
perfeitamente aptas a produzir efeitos juriacutedicos independentemente de integraccedilatildeo normativa
Isso ocorre porque pelo simples fato de existirem tais normas (i) revogam os atos
normativos contraacuterios ao seu comando independentemente de controle bem como serve de
paracircmetro para o controle dos atos posteriores que porventura com ela venham a colidir (ii)
vinculam o legislador agrave obrigaccedilatildeo de concretizar os fins previstos em seu texto sob pena de
flagrante omissatildeo inconstitucional (iii) funcionam como paracircmetro para interpretaccedilatildeo
integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e embora natildeo gerem direitos subjetivos
propriamente ditos (iv) datildeo origem a um direito subjetivo de cunho negativo de exigir que o
Estado se abstenha de atuar em sentido contraacuterio ao seu disposto
Desta maneira desmistificando certos posicionamentos jaacute ultrapassados pode-se
afirmar que todos os direitos fundamentais sejam de garantia ou prestacionais apresentam
um custo financeiro ao Estado e os enunciados normativos que os preveem satildeo aptos a
produzir certos efeitos juriacutedicos formando-se assim um sistema unitaacuterio e aberto dentro da
ordem constitucional paacutetria
322 As dimensotildees objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e sua dupla
fundamentalidade (formal e material)
A dimensatildeo subjetiva dos direitos fundamentais apresenta sua origem na concepccedilatildeo
claacutessica desenvolvida no periacuteodo das primeiras declaraccedilotildees de direitos no seacuteculo XVIII jaacute
vistas acima e comporta a noccedilatildeo de que os direitos fundamentais datildeo origem a uma seacuterie de
posiccedilotildees juriacutedicas diversas outorgando ao titular do direito pretensotildees de defesa proteccedilatildeo e
Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado
2007 p 40 84
Fala-se aqui em direito a prestaccedilatildeo em sentido estrito
57
prestaccedilatildeo quer perante o Estado ou a particulares85
se relacionando assim com o poder que o
titular de um direito possuir de exigir judicialmente a efetivaccedilatildeo do mesmo86
As primeiras fissuras dessa dimensatildeo subjetivista marcadamente de cunho
individualista surgiram com o Estado Social e se solidificaram ainda mais com o Estado
Democraacutetico de Direito a partir da noccedilatildeo bastante difundida por Rudold Smend de que a
funccedilatildeo primordial da Constituiccedilatildeo estaria em promover a integraccedilatildeo da comunidade o que soacute
seria possiacutevel pela tutela dos valores vividos e socialmente compartilhados O elemento
principal de uma Constituiccedilatildeo seria entatildeo os valores em que esta se apoia sendo a fonte
basilar desses valores exatamente os direitos fundamentais87
Desta forma a partir dessa concepccedilatildeo axioloacutegica difundiu-se a teoria da Constituiccedilatildeo
como funccedilatildeo integradora o que permitiu que os direitos fundamentais passassem a
desempenhar novos papeacuteis na ordem juriacutedica visto que natildeo seriam mais somente direitos de
cunho subjetivo mas sim autecircnticos proclamadores e tradutores do sistema de valores sobre
o qual repousaria a ordem vigente Surge a noccedilatildeo portanto de dimensatildeo objetiva dos direitos
fundamentais que veio a autorizar a extraccedilatildeo de deveres a serem impostos ao Estado e
particulares em decorrecircncia da simples irradiaccedilatildeo do conjunto dos direitos fundamentais e dos
valores por eles priorizados88
Haacute uma guinada na estrutura claacutessica da teoria dos direitos fundamentais89
os quais
passam de simples limitadores do poder estatal a acumular as funccedilotildees de fixadores de
diretivas basilares na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e vetores a serem respeitados nas
85
Importante destacar a contribuiccedilatildeo da teoria dos status de Georg Jellinek que calcada nos pressupostos de
subjetivismo e individualismo da eacutepoca assevera que os indiviacuteduos podem assumir quatro posiccedilotildees diferentes
perante o estado i passivo o indiviacuteduo estaria subordinado aos poderes estatais ii negativo ligada ao ideal de
liberdade jaacute que o indiviacuteduo teria sua esfera individual de liberdade imune agrave intervenccedilatildeo estatal iii positivo
seria a prerrogativa do Estado prestaccedilotildees positivas e iv ativo frente a possibilidade do indiviacuteduo participar
ativamente da formaccedilatildeo da vontade poliacutetica atraveacutes do voto por exemplo 86
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins apontam que a dimensatildeo subjetiva ldquotrata-se da dimensatildeo ou da funccedilatildeo
claacutessica uma vez que o seu conteuacutedo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir agrave intervenccedilatildeo estatal
em sua esfera de liberdade individual Essa dimensatildeo tem um correspondente filosoacutefico-teoacuterico que eacute a teoria
liberal dos direitos fundamentais a qual concebe os direitos fundamentais do indiviacuteduo de resistir agrave intervenccedilatildeo
estatal em seus direitos ()rdquo DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos
fundamentais 3deged Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 117 87
SARMENTO Daniel A dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais fragmentos de uma teoria In
SAMPAIO Joseacute Adeacutercio Leite (org) Jurisdiccedilatildeo Constitucional e direitos fundamentais Belo Horizonte Del
Rey 2003 p 270 88
FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 45 89
Nesse ponto Hesse destaca que os direitos fundamentais natildeo apenas constituem direitos subjetivos dos
indiviacuteduos mas tambeacutem princiacutepios objetivos baacutesicos para o ordenamento constitucional democraacutetico
abrangendo este duplo caraacuteter diferentes niacuteveis de significaccedilatildeo podendo atuar como legitimador criador e
fomentador do consenso apresentando-se assim relevante para processos democraacuteticos HESSE Conrado
Significado de los derechos fundamentales In Manual de Derecho Constitucional Madrid Marcial Pons
Ediciones Juriacutedicas y Sociales SA 1996 p 83-115
58
relaccedilotildees entre particulares norteando o Estado na consecuccedilatildeo dos seus fins Eacute do
reconhecimento dessa dimensatildeo objetiva90
que surgem portanto tanto a noccedilatildeo de eficaacutecia
horizontal dos direitos fundamentais os quais transcendem seu domiacutenio aleacutem da mera relaccedilatildeo
cidadatildeo e Estado atingindo a relaccedilatildeo direta entre os particulares como tambeacutem a importante
noccedilatildeo de garantias institucionais91
Este uacuteltimo efeito (a noccedilatildeo de garantias institucionais) corresponde a ideia de que o
acircmbito de proteccedilatildeo de um direito fundamental vai aleacutem da sua mera esfera subjetiva
alcanccedilando o complexo juriacutedico-normativo na sua essecircncia de modo a vincular o espaccedilo de
conformaccedilatildeo do legislador o qual deveraacute exercer sua funccedilatildeo norteado pelo dever de alargar o
espectro protetivo imediato do direito subjetivo em questatildeo visando agrave sua concretizaccedilatildeo por
meio de garantias institucionais92
Melhor esclarecendo as disposiccedilotildees legislativas a respeito do SUS que regulamentam
o art 196 da CF por exemplo atuam como verdadeiras garantias institucionais jaacute que
densificam o direito agrave sauacutede indo aleacutem do esboccedilo da proteccedilatildeo primitiva conferido na CF para
esse direito fundamental social Desta maneira frente agrave dimensatildeo objetiva do direito
fundamental agrave sauacutede natildeo poderia o legislador ao regulamentar a CF restringir o contorno
baacutesico que nela eacute dado a tal direito nem alterar a regulamentaccedilatildeo jaacute existente com o mesmo
propoacutesito (restriccedilatildeo do direito agrave sauacutede jaacute previsto na CF) sob pena de incorrer em
inconstitucionalidade
Feitas tais observaccedilotildees outro ponto de destaque eacute a noccedilatildeo de fundamentalidade formal
e material iacutensita aos direitos fundamentais A fundamentalidade formal liga-se ao direito
constitucional positivo desdobrando em um trifaacutesico raciociacutenio a) como parte integrante do
corpo constitucional os direitos fundamentais situam-se no aacutepice de todo o ordenamento
90
Podem ser identificados alguns desdobramento dessa dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais i os
direitos fundamentais apresentam objetivamente o caraacuteter de normas de competecircncia negativa no sentido de
que aquilo que estaacute sendo outorgado ao indiviacuteduo em termos de liberdade para accedilatildeo estaacute sendo objetivamente
retirado do Estado portanto independentemente do particular exigir em juiacutezo o respeito de seu direito ii os
direitos fundamentais funcionam como criteacuterio de interpretaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do direito infraconstitucional a
partir de seu efeito de irradiaccedilatildeo iii os direitos fundamentais podem ser limitados por esta dimensatildeo objetiva
quando isso estiver no interesse de seus titulares ou seja a partir do raciociacutenio de que o titular estaria mais bem
protegido se natildeo exercesse o direito em certas circunstacircncias e iv haveria um dever estatal de tutela dos direitos
fundamentais no sentido de protegecirc-los ativamente contra ameaccedilas de violecircncia provenientes sobretudo de
particulares DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais 3deged Satildeo
Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 118-120 91
ANDRADE Joseacute Carlos Vieira de Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976 2 ed
Coimbra Almedina 2001 p 110 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 46 92
Haacute uma remodelagem da noccedilatildeo de conformaccedilatildeo legislativa visto que o legislador passa a ser encarado natildeo
mais como unicamente interessado em restringir os direitos fundamentais mas sim como um concretizador um
harmonizador do sistema a partir de sua atividade de otimizaccedilatildeo dos direitos em atenccedilatildeo agrave maacutexima efetividade
possiacutevel
59
juriacutedico constituindo-se pois em uma norma de superior hierarquia b) na qualidade de
normas fundamentais insculpidas na Constituiccedilatildeo escrita encontram-se submetidos aos
limites formais (procedimento mais dificultoso de modificaccedilatildeo) e materiais (as denominadas
ldquoclaacuteusulas peacutetreasrdquo) de reforma constitucional e c) com base no disposto no art 5deg paraacutegrafo
primeiro da CF as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais satildeo diretamente
aplicaacuteveis e vinculam diretamente o Estado e os particulares93
Quanto ao vieacutes material consoante se demonstraraacute melhor mais adiante este se refere
agrave relevacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional em si o que no caso do
direito fundamental social agrave sauacutede aqui trabalhado consiste em aspecto facilmente
identificaacutevel frente a evidente importacircncia da sauacutede como pressuposto agrave manutenccedilatildeo da vida
digna94
323 A normatividade dos princiacutepios juriacutedicos e a distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios
A partir dos estudos desenvolvidos por Ronald Dworkin e na sequecircncia por Robert
Alexy95
desenvolveu-se a chamada Teoria dos Princiacutepios a qual foi difundida no Brasil ao
final da deacutecada de oitenta e ao longo dos anos noventa do seacuteculo passado Essa Teoria eacute fruto
do pensamento juriacutedico contemporacircneo que reconhecendo o sistema juriacutedico como um
sistema aberto a partir de uma rede axioloacutegica e hierarquizada de normas prima pela
atribuiccedilatildeo de normatividade aos princiacutepios e reconhece uma distinccedilatildeo de grau e qualidade
entre regras e princiacutepios
A compreensatildeo de que os princiacutepios natildeo seriam mais meras linhas gerais de conduta
destituiacutedas de eficaacutecia mas sim autecircnticas espeacutecies do gecircnero ldquonormas juriacutedicasrdquo partiu da
constataccedilatildeo feita por Dworkin de que assim como as regras os princiacutepios tambeacutem possuiriam
um caraacuteter deontoloacutegico jaacute que a soluccedilatildeo dos chamados hard cases na maioria dos casos
somente seria alcanccedilada por meio da ponderaccedilatildeo96
de princiacutepios no caso concreto denotando
93
SARLET Ingo Wolfgang A Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 pp 78 e ss 94
SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave
sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 95
Sobre a noccedilatildeo de princiacutepios de ambos autores conferir DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional
no Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 70 96
Sobre a relaccedilatildeo entre ponderaccedilatildeo e o princiacutepio da proporcionalidade Daniel Sarmento aponta que ldquona
ponderaccedilatildeo de bens assume importacircncia iacutempar o princiacutepio da proporcionalidade sob a eacutegide do qual devem ser
efetivadas todas as restriccedilotildees reciacuteprocas entre os princiacutepios constitucionais () Conforme a doutrina mais
autorizada o princiacutepio da proporcionalidade eacute passiacutevel de divisatildeo em trecircs subprinciacutepios (a) da adequaccedilatildeo que
exige que as medidas adotadas tenham aptidatildeo para conduzir aos resultados almejados pelo legislador (b) da
necessidade que impotildee ao legislador que entre vaacuterios meios aptos ao atingimento de determinados fins opte
60
portanto o caraacuteter normativo dos mesmos97
Desta maneira admitida tal normatividade
passou-se a ser relevante a delimitaccedilatildeo dos traccedilos distintivos entre regras e princiacutepios
Nesse contexto tal distinccedilatildeo tem como ponto de partida a anaacutelise do modo de
aplicaccedilatildeo dos enunciados normativos Condensando as ideias dos doutrinadores acima
citados pode-se afirmar que os enunciados normativos podem se apresentar como regras ou
princiacutepios98
Os com caraacuteter de regras satildeo aplicados conforme a chamada maacutexima do ldquotudo ou
nadardquo mediante subsunccedilatildeo funcionando como ldquomandados ou comandos definitivos ou de
definiccedilatildeordquo jaacute que funcionam de maneira objetiva sem abertura de margem para valoraccedilatildeo por
parte do inteacuterprete ao qual caberaacute apenas aplicar a regra em ocorrendo sua hipoacutetese de
incidecircncia ou natildeo em caso negativo concluindo-se desta maneira que uma regra somente
deixaraacute de ser aplicada quando outra regra a excepcionar ou for invaacutelida99
Por outro lado os enunciado normativos que emanam princiacutepios abrigam um valor
um fim a ser atingido e em uma ordem juriacutedica pluralista como a vigente haacute a possibilidade
de eventuais colisotildees Desta maneira como de iguais hierarquia impossiacutevel a aplicaccedilatildeo na
modalidade ldquotudo ou nadardquo devendo vigorar a ideia de ldquomais ou menosrdquo a partir do emprego
da teacutecnica do sopesamento ou ponderaccedilatildeo a qual avalia a dimensatildeo de peso de cada princiacutepio
na situaccedilatildeo concreta especiacutefica optando pela proeminecircncia de um mas sem eliminar
completamente o outro princiacutepio Nesse panorama os dispositivos que emanam princiacutepios
funcionam como ldquomandados de otimizaccedilatildeordquo visto que devem ser realizados na maior
intensidade possiacutevel Daiacute dizer que os direitos neles fundados satildeo direitos100
prima facie jaacute
que poderatildeo ser exercidos em princiacutepio e na medida do possiacutevel
sempre pelo menos gravoso (c) da proporcionalidade em sentido estrito que preconiza a ponderaccedilatildeo entre os
efeitos positivos da norma e os ocircnus que ela acarreta aos seus destinataacuterios SARMENTO Daniel Os Princiacutepios
Constitucionais e a Ponderaccedilatildeo de Bens In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos Direitos Fundamentais 2deg
Ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 57-58 97
Nessa linha citando Alexy Mariana Filchtiner assevera que tanto princiacutepios como regras dizem o que deve
ser podendo ser formulados a partir da ajuda das expressotildees deocircnticas baacutesicas do mandado da permissatildeo e da
proibiccedilatildeo configurando razotildees para juiacutezos concretos de dever ser ALEXY Robert Teoria de los derechos
fundamentales Traducioacuten Ernesto Garzoacuten Valdeacutes Madrid Centro de Estuacutedios Constitucionales 1997 p83
apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 107 98
Assevera Robert Alexy que ldquotanto regras quanto princiacutepios satildeo normas por que ambos dizem o que deve ser
Ambos podem ser formulados por meio das expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo e da proibiccedilatildeo
Princiacutepios satildeo tanto quanto as regras razotildees para juiacutezos concretos de dever-ser ainda que de espeacutecie muito
diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas
ALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo
Malheiros 2011 p 87 99 BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento
gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15
Uberaba-MG 2008 p 13- 38 100
SILVA Virgiacutelio Afonso da O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas
constitucionais In Revista de Direito do Estado 4 p 23-51 2006 p 27
61
Saindo um pouco do paracircmetro do modo de aplicaccedilatildeo da norma outros traccedilos
distintivos entre regras e princiacutepios podem ser apontados a) os princiacutepios tecircm um grau de
abstraccedilatildeo mais elevado que as regras b) os princiacutepios apresentam um grau de
determinabilidade menor101
que as regras visto que necessitam de mediaccedilotildees concretizadoras
e as regras satildeo aplicaacuteveis diretamente c) somente os princiacutepios possuem um caraacuteter
estruturante na sistemaacutetica das fontes do direito d) os princiacutepios funcionam como
fundamentos das regras juriacutedicas frente a sua natureza normogeneacutetica e) ao passo que as
regras congregam conteuacutedo meramente funcional os princiacutepios se aproximam mais da ideia
de direito ao se estruturarem como standards vinculantes e radicados nas exigecircncias de
justiccedila e f) para o conflito entre regras a hermenecircutica conta com os conhecidos cacircnones da
anterioridade especialidade e hierarquia enquanto aos princiacutepios eacute permitida a colisatildeo que se
resolve pela preponderacircncia de um sobre outro agrave cada caso102
Ultrapassados os toacutepicos anteriores faz-se necessaacuterio fechar o raciociacutenio desenvolvido
sob agrave oacutetica especiacutefica das diferentes facetas que o direito agrave sauacutede pode assumir para soacute entatildeo
analisar a problemaacutetica concernente a eficaacutecia do cunho prestacional dos direitos sociais e
suas implicaccedilotildees no que refere-se ao direito agrave sauacutede
324 Caracteriacutesticas relevantes do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio
A partir das bases construiacutedas nos toacutepicos anteriores pode-se afirmar que o direito agrave
sauacutede por consistir em um direito fundamental social apresenta uma dimensatildeo objetiva e
subjetiva bem como uma dupla fundamentalidade (formal e material) enquadrando-se
predominantemente103
na categoria de direito agrave prestaccedilatildeo
A descriccedilatildeo dessas caracteriacutesticas jaacute foi trabalhada acima fazendo-se necessaacuterio
contudo um maior detalhamento com relaccedilatildeo a fundamentalidade material do direito agrave sauacutede
antes de adentrar em alguns aspectos especiacuteficos do direito agrave sauacutede
Pois bem foi dito que o sentido material da fundamentalidade dos direitos
fundamentais liga-se agrave importacircncia do bem juriacutedico tutelado pela ordem constitucional e nesse
contexto o direito agrave sauacutede pela sua niacutetida interdependecircncia e muacutetua conformaccedilatildeo com o
101
O traccedilo da indeterminabilidade dos princiacutepios eacute uma das grandes marcas distintivas dos mesmos frente agraves
regras na visatildeo de Manuel Atienza e Ruiz Manero DANTAS David Diniz Interpretaccedilatildeo Constitucional no
Poacutes-positivismo teorias e casos praacuteticos 2deg ed Satildeo Paulo Madras 2005 p 77 102
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 1160 103
Conforme seraacute analisado mais a frente o direito agrave sauacutede abarca diferentes posiccedilotildees juriacutedico-subjetivas quanto
ao particular e tambeacutem pode ser encarado como um dever fundamental
62
direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana apresenta relevacircncia iacutempar no ordenamento
constitucional brasileiro visto que funciona como autecircntico pressuposto agrave fruiccedilatildeo dos demais
direitos
A calhar portanto o seguinte questionamento como falar em vida humana digna se
em diversas situaccedilotildees a ausecircncia de sauacutede acarreta inevitavelmente a morte do indiviacuteduo
Nesse sentido natildeo foi agrave toa que a Constituiccedilatildeo paacutetria cuidou de dar um tratamento especial104
ao direito agrave sauacutede chegando ao ponto de delimitar sob um vieacutes orccedilamentaacuterio que devem ser
disponibilizados e respeitados pelos entes estatais na realizaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos
de sauacutede certos valores miacutenimos sob pena de severas restriccedilotildees ao ente recalcitrante podendo
ensejar ateacute mesmo a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados e desses em seus Municiacutepios105
Feito esse reforccedilo eacute importante destacar alguns aspectos referentes ao conteuacutedo do
direito agrave sauacutede em si passando pela anaacutelise de seus titulares e destinataacuterios bem como as
diferentes facetas que esse pode assumir tanto sob o prisma de direito subjetivo como dever
fundamental
Jaacute foi visto no capiacutetulo 2 do presente trabalho que a CF de 1988 alinhou-se agrave
concepccedilatildeo mais abrangente do direito agrave sauacutede (propostas pela OMS) abarcando em seu
conteuacutedo tanto seu caraacuteter eminentemente curativo quanto as dimensotildees preventiva e
promocional106
Noutro poacutertico defende-se que o nuacutecleo central do conceito de sauacutede reside na exata
noccedilatildeo de qualidade de vida que para aleacutem de uma percepccedilatildeo holiacutestica congloba conteuacutedos
proacuteprios agraves teorias poliacutetica e juriacutedica contemporacircneas de modo a vislumbrar a sauacutede como um
verdadeiro direito de cidadania que projeta a pretensatildeo difusa de natildeo apenas curar e evitar
doenccedilas mas de ter uma vida saudaacutevel Isto expressa um anseio de toda a sociedade como
direito a um conjunto de benefiacutecios que fazem parte da vida urbana107
o que em uacuteltima
anaacutelise alinha-se agrave ideia jaacute exposta de ldquointersetorialidaderdquo do direito agrave sauacutede e sua
interdependecircncia com diversos direitos como a vida a moradia a alimentaccedilatildeo e o trabalho
104
De se reiterar que conforme explicita a CF os serviccedilos e accedilotildees de sauacutede satildeo de relevacircncia puacuteblica fato que
acentua natildeo soacute o caraacuteter indisponiacutevel do direito agrave sauacutede com a possibilidade de sua tutela ser realizada em
termos de direito subjetivo na via individual e coletiva como tambeacutem seu vieacutes objetivo na condiccedilatildeo de
garantia institucional consubstanciado em si mesmo no SUS 105
Tal reforccedilo de fundamentalidade tambeacutem eacute feito com o direito agrave educaccedilatildeo ao passo que tambeacutem deve ser
observado pelos entes estatais um miacutenimo a ser aplicado na manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino 106
Nesse sentido facilmente perceptiacutevel que quando a CF em seu artigo 196 usou o termo ldquorecuperaccedilatildeordquo estava
tratando da sauacutede curativa quando utilizou os termos ldquoreduccedilatildeo do risco de doenccedilardquo e ldquoproteccedilatildeordquo reportou-se agrave
sauacutede preventiva e finalmente ao mencionar ldquopromoccedilatildeordquo e ldquomais alto niacutevel possiacutevel de sauacutederdquo atrelou-se agrave
dimensatildeo promocional do direito agrave sauacutede e o dever de progressividade na sua efetivaccedilatildeo 107
MORAIS Joseacute Luis Bolzan de O direito da sauacutede In SCHWARTZ Germano (Org) A sauacutede sob os
cuidados do direito Passo Fundo UPF 2003b p 23
63
Quanto agrave titularidade do direito fundamental agrave sauacutede depreende-se frente ao seu
caraacuteter universal delineado tanto na CF quanto na legislaccedilatildeo que trata do SUS que o mesmo eacute
reconhecido a todos pelo simples fato de serem pessoas afastando-se ultrapassadas teses que
o restringia aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiacutes prevalecendo nas poliacuteticas
puacuteblicas do paiacutes assim o caraacuteter inclusivo de tal direito Noutro poacutertico relevante destacar
que a caracterizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede como direito coletivo ou em certas hipoacuteteses difuso
natildeo afasta a titularidade individual do mesmo em um contexto em que apesar de mais
beneacutefica a priorizaccedilatildeo de sua tutela processual pela via coletiva natildeo pode ser abandonada a
condiccedilatildeo da sauacutede como direito individual interligado agrave vida integridade fiacutesica e dignidade de
cada um108
Delimitado o conteuacutedo do direito agrave sauacutede pelo menos de maneira geneacuterica109
e a
abrangecircncia de seus titulares e destinataacuterios faz-se relevante analisar as diferentes facetas que
este pode assumir no ordenamento paacutetrio Nessa questatildeo o ponto de partida estaacute no iniacutecio do
caput do art 196 da CF o qual afirma que ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado ()rdquo
revelando que a tutela da sauacutede efetiva-se tambeacutem como dever fundamental por tratar-se de
tiacutepica hipoacutetese de direito-dever
Nesse contexto resta evidenciado que aleacutem de apresentar diferentes dimensotildees
juriacutedico-subjetivas a sauacutede tambeacutem eacute encarada antes de tudo como dever110
natildeo somente
cogente no campo das relaccedilotildees individuais (dever geral de respeitar a sauacutede dos demais e ateacute
mesmo a proacutepria) mas tambeacutem e principalmente no acircmbito das relaccedilotildees para com o Estado
dando origem a uma seacuterie de deveres de cunho poliacutetico (como o dever de implementar as
poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea de sauacutede e alocar recursos orccedilamentaacuterios conforme os patamares
miacutenimos estabelecidos na CF) bem como de cunho econocircmico social cultural e ambiental
como a intervenccedilatildeo do Estado na esfera dos planos de sauacutede privados a implementaccedilatildeo de
programas sociais de sauacutede e o controle da poluiccedilatildeo111
108
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 10 109
A tentativa de esmiuccedilar quais prestaccedilotildees miacutenimas abrangeriam o direito agrave sauacutede (o que vai aleacutem da simples
constataccedilatildeo de que o mesmo abarca as dimensotildees preventiva curativa e promocional) seraacute objeto de anaacutelise mais
a frente no capiacutetulo que trata da tentativa de construccedilatildeo de um miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave
sauacutede 110
Natildeo eacute demais relembrar que norteado pelo princiacutepio da solidariedade a Lei do SUS reforccedila que o dever
fundamental de proteccedilatildeo da sauacutede pelo Estado natildeo exclui o das pessoas da famiacutelia das empresas e da sociedade
podendo-se falar em uma responsabilidade compartilhada cujos efeitos se protejam no presente e sobre as
geraccedilotildees futuras 111
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 06
64
Ponto de suma relevacircncia para a compreensatildeo da problemaacutetica da efetividade do
direito agrave sauacutede eacute a compreensatildeo das diferentes dimensotildees juriacutedico-subjetivas que tal direito
pode assumir Nesse sentido e retomando a classificaccedilatildeo dos direitos fundamentais em
direitos de defesa e prestaccedilatildeo tem-se que o direito agrave sauacutede apresenta ao mesmo tempo traccedilos
de ambas dimensotildees ora ganhando funcionalidade de tiacutepico direito de defesa ora de direito
prestacional seja sob o prisma de direitos a organizaccedilatildeo e procedimento ou a prestaccedilotildees
materiais
A faceta defensiva liga-se ao dever de proteccedilatildeo e respeito agrave sauacutede de algueacutem em um
sentido eminentemente negativo de natildeo agressatildeo e sim preservaccedilatildeo que se revela por
exemplo pela construccedilatildeo normativa penal de proteccedilatildeo agrave vida agrave integridade fiacutesica ao meio
ambiente e agrave sauacutede puacuteblica bem como pelas diversas disposiccedilotildees sobre vigilacircncia e controle
sanitaacuterio marcadamente de cunho administrativo
No vieacutes prestacional por sua vez haacute tanto um dever lato sensu de se garantir a
organizaccedilatildeo das instituiccedilotildees e dos procedimentos o qual eacute concretizado por exemplo pela
elaboraccedilatildeo de normas e poliacuteticas puacuteblicas de organizaccedilatildeo do SUS com suas disposiccedilotildees
atinentes agrave participaccedilatildeo da sociedade nas tomadas de decisotildees como tambeacutem um dever de o
Estado executar medidas reais e concretas no sentido de fomentar a sauacutede da populaccedilatildeo por
meio de especiacuteficas prestaccedilotildees materiais (direito agrave prestaccedilatildeo em sentido estrito)
Merece destaque aqui a analogia entre as dimensotildees mencionadas e as obrigaccedilotildees
delas derivadas no sentido de o direito agrave sauacutede compreender as obrigaccedilotildees de respeitar
proteger e implementar Desta maneira na obrigaccedilatildeo de respeitar o Estado teria por dever o
de natildeo intervir na vida do indiviacuteduo de nenhum modo a reduzir sua sauacutede aproximando-se do
aspecto defensivo na obrigaccedilatildeo de proteger caberia ao Estado o dever de resguardar a sauacutede
do indiviacuteduo contra violaccedilotildees de terceiros por meio da estruturaccedilatildeo de procedimentos de
proteccedilatildeo com a elaboraccedilatildeo da legislaccedilatildeo pertinente ligando-se agrave prestaccedilatildeo em sentido amplo
e finalmente na obrigaccedilatildeo de implementar o Estado estaria incumbido de fornecer
diretamente bens e serviccedilos para suprir as necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo na aacuterea de
sauacutede consubstanciando o aspecto estrito da dimensatildeo prestacional112
112
MILANEZ Daniela O direito agrave sauacutede uma anaacutelise comparativa da intervenccedilatildeo judicial Revista de Direito
Administrativo Rio de Janeiro v 237 p 197-221 julset 2004 p 198 apud Mariana Filchtiner Direito
Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado
2007 p 89
65
Feitas tais observaccedilotildees conforme aduz Sarlet113
constata-se que no quadro
predominante na doutrina e na jurisprudecircncia nacionais natildeo se vislumbra maiores problemas
quanto ao reconhecimento da eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede como direito de defesa
nem quanto a sua dimensatildeo de dever de proteccedilatildeo (essa uacuteltima abrangendo tanto a cominaccedilatildeo
de um dever geral de respeito agrave sauacutede por parte do Estado e particulares quanto a imposiccedilatildeo
de um dever de aplicaccedilatildeo minimamente razoaacutevel dos recursos orccedilamentaacuterios com base na
prescriccedilatildeo constitucional) enquanto que com relaccedilatildeo a efetivaccedilatildeo da dimensatildeo prestacional
lato sensu do direito agrave sauacutede haveria certa discussatildeo sobre a inexistecircncia ou insuficiecircncia de
medidas concretizadoras do direito agrave sauacutede (debate iacutensito ao campo do controle das omissotildees
constitucionais)
O grande problema contudo estaria no vieacutes prestacional em sentido estrito jaacute que natildeo
haacute de maneira segura no ordenamento paacutetrio uma definiccedilatildeo precisa do exato conteuacutedo das
prestaccedilotildees materiais que os particulares teriam direito tendo em vista as referecircncias constantes
na CF (cura prevenccedilatildeo promoccedilatildeo) e ateacute certo ponto no campo infralegal (integralidade do
atendimento) satildeo por demais geneacutericas
Desta forma consoante se veraacute no capiacutetulo quinto do presente estudo as dificuldades
em se delimitar quais prestaccedilotildees materiais estariam abrangidas pelo direito agrave sauacutede no
ordenamento paacutetrio acarretam em uma busca desenfreada por soluccedilotildees judiciais o que frente
agraves dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito gera inevitavelmente tensotildees e
efeitos colaterais dos mais variados trazendo-se agrave pauta discussotildees sobre legitimidade
democraacutetica do Poder Judiciaacuterio Separaccedilatildeo dos Poderes e Igualdade
Tal fato termina por acentuar a importacircncia de uma concretizaccedilatildeo da dimensatildeo
organizatoacuteria e procedimental (aspecto prestacional lato sensu) do direito agrave sauacutede buscando-se
soluccedilotildees para as dificuldades de operacionalizaccedilatildeo praacutetica desse direito de modo a que pelo
menos as ldquodicasrdquo acerca de quais prestaccedilotildees materiais minimamente todo e qualquer
indiviacuteduo poderia exigir do Estado como legiacutetimo direito seu na temaacutetica da sauacutede sejam
seguramente reveladas
Eacute nesse contexto que podem ser enxergadas trecircs fases distintas na mateacuteria da
efetivaccedilatildeo dos direitos sociais e especialmente do direito agrave sauacutede (i) se primeiro falou-se em
ausecircncia de normatividade com as mudanccedilas encampadas no direito constitucional
contemporacircneo sobretudo a partir da propagaccedilatildeo dos ideais de maacutexima efetividade o
113
SARLET Ingo Wolfgang FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Algumas consideraccedilotildees sobre o direito
fundamental agrave proteccedilatildeo e promoccedilatildeo da sauacutede aos 20 anos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 In Revista de
Direito do Consumidor nordm 67 2008 p 20
66
panorama modificou-se para um quadro de judicializaccedilatildeo excessiva (ii) atingindo-se
hodiernamente a fase de busca por paracircmetros e criteacuterios que sejam aptos a guiar os trecircs
poderes (com maior relevo para o Judiciaacuterio) no processo de concretizaccedilatildeo desses direitos
(iii) e nessa etapa ganha forccedila a delimitaccedilatildeo de um miacutenimo existencial na aacuterea de sauacutede
67
4 A COMPREENSAtildeO DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
Jaacute restou esclarecido que o direito agrave sauacutede consiste primordialmente em um direito
fundamental social que poderaacute assumir diferentes facetas quando posto frente ao Estado agraves
vezes posicionando-se como direito de defesa em outros momentos como direito a prestaccedilatildeo
residindo nessa uacuteltima hipoacutetese a grande celeuma quanto agrave sua efetividade especialmente no
que se refere agrave busca por prestaccedilotildees materiais em sauacutede puacuteblica
Mas o que vem a ser efetividade A resposta para tal questionamento estaacute inserida no
contexto do constitucionalismo contemporacircneo e o consequente reconhecimento da forccedila
normativa agraves normas constitucionais a qual fez nascer no Brasil o movimento juriacutedico-
acadecircmico da doutrina brasileira da efetividade O maior objetivo desta doutrina foi o de
superar o quadro de insinceridade normativa que insistia em natildeo dar cumprimento agrave
Constituiccedilatildeo mediante a elaboraccedilatildeo de categorias dogmaacuteticas da normatividade
constitucional no intuito de tornar as normas constitucionais aplicaacuteveis direta e
imediatamente respeitando a maacutexima extensatildeo de sua densidade normativa114
A essecircncia da ideia de efetividade portanto reside no raciociacutenio de que se tal norma
encontra-se inserida na Constituiccedilatildeo estaacute por algum motivo e por isso deve ter seu comando
cumprido Desta maneira o atributo da imperatividade ao respaldar a noccedilatildeo de que natildeo eacute
tiacutepico de uma norma juriacutedica simplesmente sugerir ou recomendar algo alinha-se agrave defesa
pela maacutexima efetividade das normas constitucionais marcante no cenaacuterio neoconstitucional
vigente
A ideia de maacutexima efetividade contribuiu por sua vez para derrubar no cenaacuterio paacutetrio
certos pensamentos arcaicos ainda atrelados ao contexto positivista Nessa toada no plano
juriacutedico alcanccedilou-se a defesa por uma normatividade plena da Constituiccedilatildeo que passou a ter
aplicabilidade direta e imediata tornando-se autecircntica fonte direta de direitos e obrigaccedilotildees o
que terminou por contribuir para o desenvolvimento da eficaacutecia horizontal dos direitos
fundamentais bem como para a eliminaccedilatildeo da noccedilatildeo de normas programaacuteticas como meros
conselhos ou recomendaccedilotildees a serem seguidas conforme os limites estatais
Ainda no plano dogmaacutetico a maacutexima efetividade colaborou para ao reconhecimento
de maior autonomia ao direito constitucional por melhor esclarecer e reforccedilar seu objeto
proacuteprio afastando-se do vieacutes puramente poliacutetico ou socioloacutegico que enfraquecia as bases de
114
BARROSO Luiacutes Roberto Da falta de efetividade agrave judicializaccedilatildeo excessiva Direito agrave sauacutede fornecimento
gratuito de medicamentos e paracircmetros para a atuaccedilatildeo judicial In Revista Juriacutedica UNIJUS v 11 n15
Uberaba-MG 2008 p5
68
tal direito E finalmente no plano institucional a doutrina em anaacutelise cooperou para a
ascensatildeo do Judiciaacuterio no paiacutes que terminou ganhando um papel de maior destaque na
concretizaccedilatildeo dos direitos constitucionais ponto que seraacute melhor abordado no capiacutetulo
seguinte do presente estudo
Por tais motivos que Barroso115
destaca a efetividade como o mecanismo que
viabilizou a passagem do velho para o novo direito constitucional e que contribuiu para que a
Constituiccedilatildeo deixasse de ser vista como uma miragem com as honras de uma falsa
supremacia natildeo tradutora de proveito para a cidadania
Feitas tais observaccedilotildees antes de avanccedilar na problemaacutetica faz-se necessaacuterio tambeacutem
alguns esclarecimentos sobre a noccedilatildeo de eficaacutecia juriacutedica dos enunciados normativos
constitucionais e a identificaccedilatildeo das modalidades de eficaacutecia que seratildeo mais pertinentes na
temaacutetica da concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Nesse ponto tem-se que eficaacutecia juriacutedica pode ser considerado um atributo pertinente
aos enunciados normativos consistindo naquilo que se pode exigir (judicialmente caso
necessaacuterio) com fundamento em cada um desses proacuteprios enunciados o que conforme se
veraacute dependendo da situaccedilatildeo em questatildeo natildeo seraacute tarefa faacutecil
Infere-se da noccedilatildeo acima exposta que o exame do grau de eficaacutecia de determinada
norma pressupotildee portanto um trabalho hermenecircutico de identificaccedilatildeo do exato efeito e
alcance que o comando normativo pretende produzir e quais condutas satildeo imperiosas para
tornar real determinado enunciado normativo ou seja quais comportamentos acarretaratildeo
efeitos praacuteticos no mundo dos fatos
Pois bem quanto agraves possiacuteveis modalidades de eficaacutecia juriacutedica o presente trabalho se
filia agraves liccedilotildees de Ana Paula Barcellos que identifica em ordem decrescente de consistecircncia
(ou seja de aptidatildeo a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo no acircmbito da realidade) as
seguintes modalidades i simeacutetrica ou positiva ii nulidade iii ineficaacutecia iv anulabilidade
v negativa vi vedativa do retrocesso vi Penalidade vii interpretativa e viii outras116
Na temaacutetica da eficaacutecia do direito agrave sauacutede merece especial atenccedilatildeo as modalidades
simeacutetrica ou positiva negativa vedativa do retrocesso e interpretativa A modalidade
simeacutetrica eacute a mais apta a produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo visto
que utiliza a forma baacutesica em mateacuteria de eficaacutecia juriacutedica calcada no conferimento de um
115
BARROSO Luiacutes Roberto A doutrina brasileira da efetividade In Temas de direito constitucional Rio de
Janeiro Renovar 2005 v 3 p 76 116
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 77
69
direito subjetivo para aquele que seria beneficiado pela realizaccedilatildeo dos efeitos da norma e natildeo
o foi respaldando a exigecircncia judicial pelo mesmo dos referidos efeitos117
Por sua vez as modalidades negativa vedativa do retrocesso e interpretativa
consistem em mecanismos desenvolvidos pela doutrina para garantir uma maior capacidade
normativa para os princiacutepios Nesse passo a negativa refere-se agrave possibilidade de declaraccedilatildeo
da invalidade de normas ou atos que contrariem os efeitos pretendidos por determinado
enunciado normativo o que respaldaria por exemplo que determinada lei viesse a ser
declarada inconstitucional caso suas disposiccedilotildees se apresentassem conflitantes com o acesso
universal agrave sauacutede genericamente citado no art 196 da CF118
De maneira sucinta a modalidade vedativa do retrocesso pressupotildee a ideia de que os
direitos fundamentais devem ser regulamentados infra constitucionalmente sempre se
buscando sua ampliaccedilatildeo progressiva e nesse contexto caso haja uma regulamentaccedilatildeo que
proporcione a aplicaccedilatildeo direta da constituiccedilatildeo no mundo dos fatos uma posterior revogaccedilatildeo
dessa regulamentaccedilatildeo seria considerado um verdadeiro passo pra traacutes significando um
retrocesso do legislador infraconstitucional que colidiria com a proacutepria norma
constitucional119
Jaacute a modalidade interpretativa abrange a possibilidade de se exigir do Judiciaacuterio que os
comandos infraconstitucionais sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a
que estatildeo vinculados no intuito de verificar qual forma de interpretaccedilatildeo dentre as possiacuteveis
melhor realiza a norma de maior hierarquia120
Depreende-se portanto que a eficaacutecia positiva deveraacute ser a modalidade associada em
regra aos enunciados normativos em geral salvo quando haja razotildees consistentes em
contraacuterio Nesse ponto quando diante de normas que exprimam uma essecircncia principioloacutegica
seratildeo relevantes sobretudo as modalidades negativa vedativa de retrocesso e interpretativa
visto que representam um siacutembolo do consideraacutevel avanccedilo no esforccedilo pela construccedilatildeo da
normatividade dos princiacutepios constitucionais
Feitas tais observaccedilotildees que seratildeo relevantes quando for estudada a intervenccedilatildeo
judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute imperioso deixar claro que os conceitos acima
tratados natildeo se confundem Enquanto a eficaacutecia juriacutedica diz respeito agravequilo que se pode exigir
judicialmente com fundamento na norma ligando-se agrave noccedilatildeo de exigibilidade a efetividade
117
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 78 118
Idem p84 119
Idem p 88 120
Idem p 97
70
pode ser encarada como a eficaacutecia social da norma jaacute que significa a realizaccedilatildeo ou
materializaccedilatildeo no mundo dos fatos dos preceitos legais simbolizando o niacutevel de
aproximaccedilatildeo entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social121
Assentadas as noccedilotildees de eficaacutecia e efetividade faz-se necessaacuterio deixar esclarecidos
alguns aspectos acerca da eficaacutecia e aplicabilidade dos direitos fundamentais especialmente
os sociais
41 A EFICAacuteCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Jaacute foi detalhado no presente estudo que a melhor classificaccedilatildeo para os direitos
fundamentais eacute a que divide os mesmos em direitos de defesa e direitos a prestaccedilatildeo vigorando
o entendimento calcado nos ideais de maacutexima efetividade da Constituiccedilatildeo de que toda e
qualquer norma constitucional eacute dotada de certo grau de eficaacutecia juriacutedica e aplicabilidade
concluindo-se nesse passo que em que pese natildeo haver dispositivo constitucional
completamente destituiacutedo de eficaacutecia eacute certo que haacute uma diferente gradaccedilatildeo na carga
eficacial de cada norma a depender da funccedilatildeo que a mesma cumpra no sistema constitucional
e da forma que foram positivadas
Nesse contexto baseando-se na Teoria dos Princiacutepios (jaacute tambeacutem antes detalhada) de
que a Constituiccedilatildeo consiste em um sistema aberto de regras e princiacutepios (como espeacutecies de
norma) pode-se afirmar que haacute na Constituiccedilatildeo um autecircntico complexo heterogecircneo de
normas e dentre elas normas definidoras de direitos fundamentais umas com maior
densidade normativa e maior carga de eficaacutecia outros com menos completude normativa
configurando planos de eficaacutecia imediata mais limitados
Dito isto faz-se primordial para a compreensatildeo do raciociacutenio que aqui estaacute sendo
desenvolvido a exata noccedilatildeo do sentido e alcance da norma contida no sect 1deg do artigo 5deg da
CF de 1988 o qual afirma que ldquoas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais tecircm
aplicaccedilatildeo imediatardquo 122
Quanto a essa questatildeo antes de tudo deve ser afastada a ideia de que
tal dispositivo teria sua aplicaccedilatildeo adstrita apenas ao rol de direitos do artigo quinto
defendendo-se a partir de uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que o mesmo abrange
indistintamente todos os direitos fundamentais constantes na CF de 1988 abarcando os
121
BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro
Renovar 2006 p 23
71
direitos poliacuteticos de nacionalidade sociais bem como os individuais espalhados pelo seu
texto
Assentada tal premissa que se coaduna com o caraacuteter materialmente aberto do texto
constitucional brasileiro pode ser defendido que a melhor exegese do dispositivo em anaacutelise eacute
a que o entende como uma norma de cunho principioloacutegico configurando-se desta feita
como um mandado de maximizaccedilatildeo visto que estabelece para os oacutergatildeos estatais o dever de
reconhecerem e implementarem maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais sendo
certo que o grau de aplicabilidade e eficaacutecia (ou seja seu alcance) dependeraacute do exame da
hipoacutetese em concreto ou seja da norma de direito fundamental em pauta123
Daiacute falar-se em presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena das
normas de direitos fundamentais o que outorga agraves mesmas efeitos reforccedilados relativamente agraves
demais normas constitucionais ao passo que tal presunccedilatildeo decorre da jaacute estudada
fundamentalidade formal dos direitos fundamentais no acircmbito da Constituiccedilatildeo Isto induz agrave
premissa de que os direitos e princiacutepios fundamentais norteados pela pedra angular do
ordenamento a dignidade da pessoa humana regem a proacutepria ordem constitucional
Resumindo a construccedilatildeo do entendimento do exposto jaacute foi visto que
i toda norma constitucional possui um miacutenimo de eficaacutecia
ii o sect 1deg do artigo 5degda CF de 1988 aplica-se a todos os direitos fundamentais e
possui natureza marcadamente principioloacutegica significando que cabe ao Estado
reconhecer maior eficaacutecia possiacutevel aos direitos fundamentais
iii a depender da norma em pauta haveraacute um escalonamento da carga eficacial de
cada direito em anaacutelise
Aplicando esse raciociacutenio agrave classificaccedilatildeo de direitos fundamentais de defesa e
prestacionais tem-se que para os direitos de defesa a tarefa dada ao Estado de garantir a
maior eficaacutecia possiacutevel eacute de certo modo mais simples jaacute que tais direitos apresentam em
regra funccedilatildeo tipicamente defensiva cuja estrutura normativa reclama uma abstenccedilatildeo sem
necessitar a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo legislativa integradora ostentando suficiente
normatividade para respaldar sua exigibilidade em juiacutezo
Aqui eacute pertinente a ressalva jaacute feita anteriormente de que em que pese a viabilizaccedilatildeo
dos direitos de defesa ser uma tarefa mais faacutecil para o Estado isso natildeo significa que natildeo
importaratildeo em custos ao mesmo jaacute que a maacutexima de que somente os direitos prestacionais
necessitam de aporte financeiro do Estado eacute uma inverdade pois a perfeita fruiccedilatildeo dos
123
SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 p 246
72
direitos de defesa carece de uma ampla estruturaccedilatildeo estatal que requer altos custos bastando
como exemplo os gastos com seguranccedila puacuteblica e sistema eleitoral
Quanto aos direitos prestacionais jaacute foi visto que estes se subdividem em direitos a
prestaccedilotildees em sentido amplo (que abarca a proteccedilatildeo e participaccedilatildeo na organizaccedilatildeo e
procedimento voltadas agrave garantia da liberdade e igualdade do Estado) e em sentido estrito
(que abrange os direitos a prestaccedilotildees sociais materiais tiacutepicas do Estado Social ou
Democraacutetico de Direito) sendo inegaacutevel que a mencionada tarefa estatal em conferir a
maacutexima eficaacutecia e aplicabilidade possiacutevel aos direitos fundamentais resta mais dificultada
quanto aos mesmos pelo fato de requererem uma atuaccedilatildeo integradora uma conduta positiva
por parte do Estado
Nessa uacuteltima classificaccedilatildeo encontram-se os direitos sociais cuja problemaacutetica dos
custos envolvidos eacute bem mais severa e incrusta-se na celeuma acerca de sua eficaacutecia sendo
certo que ainda que precisem em princiacutepio de integraccedilatildeo normativa e accedilotildees estatais para
serem concretizados tais direitos apresentam cargas eficaciais no sentido de i revogar os
atos normativos anteriores contraacuterios ao seu conteuacutedo ii vincular o legislador a concretizar
os seus fins nos exatos termos constitucionais iii constituir paracircmetros para interpretaccedilatildeo e
aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas iv originar direito subjetivo de cunho negativo no sentido de
exigir que o Estado se abstenha de atuar em contrariamente a norma de direito social e v
impedir que o legislador venha a abolir posiccedilotildees juriacutedicas por ele mesmo jaacute conferidas em um
contexto de aplicaccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso social124
Feitas tais observaccedilotildees jaacute foi esclarecido que o direito agrave sauacutede aleacutem de dever
fundamental apresenta facetas tanto de direito de defesa quanto de prestacional e nesse
ponto a depender da forma que esteja sendo o mesmo analisado concretamente poderaacute
incidir tanto o raciociacutenio acima desenvolvido quanto a eficaacutecia dos direitos de defesa quanto
aos de prestaccedilatildeo
Contudo a grande problemaacutetica com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede reside no seu aspecto
de direito prestacional em sentido estrito e a consequente possibilidade de serem reconhecidos
direitos subjetivos originaacuterios a prestaccedilotildees O ponto nevraacutelgico dessa celeuma estaacute
exatamente na dificuldade de se delimitar o que seria exatamente abrangido pelo direito agrave
sauacutede com base na CF de 1988 tarefa que se desenvolve em meio a condicionamentos
econocircmico-financeiros (como eacute o caso da reserva do possiacutevel) e juriacutedico-poliacuteticos (como eacute a
124
Tais conclusotildees por sua vez coadunam-se com a construccedilatildeo de pensamento de Ana Paula Barcellos quanto
aos niacuteveis de eficaacutecia tiacutepicos das normas de matriz principioloacutegica que abrangem o niacutevel interpretativo vedativo
de retrocesso e negativo
73
questatildeo da legitimidade poliacutetica separaccedilatildeo dos poderes e iniciativa em mateacuteria orccedilamentaacuteria)
que dificultam o consenso na mateacuteria
Da simples leitura dos dispositivos constitucionais que tratam do direito agrave sauacutede natildeo
haacute como afirmar com perfeita clareza quais situaccedilotildees estariam seguramente abarcadas por tal
direito sendo certo poreacutem que uma interpretaccedilatildeo que venha a concluir pela inclusatildeo de toda e
qualquer prestaccedilatildeo material ligada agrave sauacutede com inerente a tal direito acarretaraacute em graves
efeitos colaterais tanto para as demais prioridades do Estado como tambeacutem para a proacutepria
sauacutede dos demais cidadatildeos daiacute porque falar-se na necessidade de delimitaccedilatildeo de um miacutenimo
existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede igualitaacuterio e exigiacutevel por todos
Eacute nesse contexto pois que ganha destaque a discussatildeo sobre o possiacutevel embate entre a
noccedilatildeo de miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel
42 O POSSIacuteVEL EMBATE ENTRE MIacuteNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO
POSSIacuteVEL
Na tarefa de se interpretar o direito constitucional eacute preciso ir aleacutem dos elementos
meramente juriacutedicos para se apurar dados da realidade e nessa empreitada a perquiriccedilatildeo
acerca da existecircncia efetiva de condiccedilotildees materiais e financeiras para a realizaccedilatildeo dos
comandos normativos eacute de suma relevacircncia para a constataccedilatildeo do grau de realizaccedilatildeo que cada
um deles poderaacute assumir visto que a inexistecircncia de tais condiccedilotildees ocasiona um quadro de
insinceridade normativa125
que deve ser combatido atraveacutes dos instrumentos de combate agrave
siacutendrome da omissatildeo estatal
Nesse trabalho de apuraccedilatildeo sobre a existecircncia ou natildeo de condiccedilotildees materiais e
financeiras para garantir a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute certa e inevitaacutevel a
loacutegica de que as necessidades seratildeo sempre ilimitadas ao passo que os recursos seratildeo
limitados e por isso em algum momento deveraacute ser enfrentada a circunstacircncia de haver ou
natildeo disponibilidade de recursos para atender as prestaccedilotildees pleiteadas Eacute esse o contexto que
circunda a ideia do instituto popularizado por reserva do possiacutevel
A teoria da reserva do possiacutevel exprime no ordenamento paacutetrio a ideia de que aleacutem
das discussotildees juriacutedicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Poder Puacuteblico os direitos
a prestaccedilotildees materiais estariam sob a reserva da capacidade financeira do Estado dependendo
portanto da efetiva disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado sintetizados
125
BARROSO Luiacutes Roberto O direito constitucional e a efetividade de suas normas 8deg ed Rio de Janeiro
Renovar 2006 p 56
74
no campo do orccedilamento puacuteblico126
Tal teoria abrange duas dimensotildees baacutesicas uma faacutetica
ligada propriamente agrave noccedilatildeo de limitaccedilatildeo dos recursos materiais aproximado da exaustatildeo
orccedilamentaacuteria e uma juriacutedica atrelada ao poder de disposiccedilatildeo e competecircncia para decidir e
determinar sobre a alocaccedilatildeo dos recursos existentes para determinada mateacuteria127
Antes de avanccedilar eacute importante esclarecer que a noccedilatildeo de reserva do possiacutevel teve sua
origem em um julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional alematildeo em que
analisando demanda proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos em escolas de
medicina de Hamburgo e Munique frente a limitaccedilatildeo de vagas e pleiteavam o aumento do
nuacutemero destas decidiu que o direito agrave prestaccedilatildeo positiva do Estado encontra-se sujeito agrave
reserva do possiacutevel no sentido daquilo que o indiviacuteduo pode razoavelmente esperar de
maneira racional da sociedade atrelando-se a argumentaccedilatildeo portanto agrave razoabilidade da
pretensatildeo128
A teoria da reserva do possiacutevel assim tal qual sua origem diferentemente da
interpretaccedilatildeo transposta para o Brasil129
natildeo se refere unicamente agrave anaacutelise acerca da
existecircncia ou natildeo de recursos suficientes para a concretizaccedilatildeo do direito social em exame
(aliada a previsatildeo orccedilamentaacuteria da respectiva despesa) mas agrave razoabilidade da pretensatildeo
deduzida com vistas a sua efetivaccedilatildeo
126
KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha os (des)caminhos de um
direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Fabris 2002 p 52 127
Explicando tal distinccedilatildeo Marcos Masseli Gouvecirca assevera que ldquoDiversamente das omissotildees estatais as
prestaccedilotildees positivas demandam um dispecircndio ostensivo de recursos puacuteblicos Ao passo em que estes recursos
satildeo finitos o espectro de interesses que procuram suprir eacute ilimitado razatildeo pela qual nem todos estes interesses
poderatildeo ser erigidos agrave condiccedilatildeo de direitos exigiacuteveis A doutrina denomina reserva do possiacutevel faacutetica a este
contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais Muitas vezes os recursos
financeiros ateacute existem poreacutem natildeo haacute previsatildeo orccedilamentaacuteria que os destine agrave consecuccedilatildeo daquele interesse ou
licitaccedilatildeo que legitime a aquisiccedilatildeo de determinado insumo eacute o que se denomina reserva do possiacutevel juriacutedicardquo In
GOUVEcircA Marcos Masseli O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos Disponiacutevel em
httpwwwnagibnettextovaried_16doc Acessado em 09052013 128
MAcircNICA Fernando Borges Teoria da reserva do possiacutevel direitos fundamentais a prestaccedilotildees e a
intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas In Revista Eletrocircnica sobre a
Reforma do Estado (RERE) ndeg 21 2010 Salvador p 11 129
Sobre a problemaacutetica da importaccedilatildeo descompromissada de institutos do direito comparado Canotilho pondera
que ldquoo cerne do problema estaacute na abertura de uma nova frente de ativismo judicial desencadeada pela utilizaccedilatildeo
de fontes estrangeiras inseridas nos dicta das sentenccedilas como standards de direito comparado ou de direito
internacional A anaacutelise comparada ndash afirma o juiz Scalia o mais veemente e caustico opositor da ldquoimportaccedilatildeo
de normasrdquo pode ser relevante quando se procede agrave redaccedilatildeo do texto de uma constituiccedilatildeo como foi demonstrado
pelos autores de The Federalist amplamente familiarizados com literatura estrangeira mas essa anaacutelise revela-se
desadequada e indesejada quando se trata de interpretar e aplicar a lei nos casos concretos CANOTILHO Joseacute
Joaquim Gomes O ativismo judiciaacuterio entre nacionalismo a globalizaccedilatildeo e a pobreza In MOURA Lenice S
Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo Bonavides Satildeo
Paulo Saraiva 2009 p 48
75
Assentada a maneira que ocorre a leitura da teoria da reserva do possiacutevel em solo
paacutetrio130
tem-se que quanto agrave delimitaccedilatildeo conceitual do que vem a ser reserva do possiacutevel
natildeo existe um posicionamento uniacutessono na doutrina ao passo que alguns consagram o
instituto como princiacutepio outros como claacuteusula ou postulado e outros como condiccedilatildeo de
realidade Sem entrar detidamente na discussatildeo apoiando-se no posicionamento defendido
dentre outros por Ana Carolina Lopes Olsen o presente estudo compreende o instituto como
um elemento extra juriacutedico de condiccedilatildeo de realidade que influencia na aplicaccedilatildeo dos direitos
fundamentais131
Esclarecendo melhor tal posicionamento parte da conclusatildeo pela inadequaccedilatildeo de
classificar a reserva do possiacutevel como espeacutecie normativa (princiacutepio) ou postulado (autecircntica
meta-norma) frente a ausecircncia tanto de passividade de otimizaccedilatildeo quanto de natureza
normogeneacutetica132
excluindo-se tambeacutem o raciociacutenio de que poderia ser encarado como uma
regra jaacute que natildeo se apresenta como um norma de efeitos gerais especificada no ordenamento
paacutetrio nem funciona sobre a loacutegica do ldquotudo ou nadardquo
A partir dessa compreensatildeo deve se ter em mente que a advertecircncia propugnada por
essa teoria tem por objetivo primordial natildeo a limitaccedilatildeo de direitos em si mas em verdade a
plena conformaccedilatildeo da realizaccedilatildeo dos mesmos ao que eacute possiacutevel faticamente a partir das
possibilidades econocircmicas do Estado levando-se em consideraccedilatildeo o contexto da gradualidade
de realizaccedilatildeo associada ao natildeo retrocesso social A ideia de um processo gradualiacutestico-
concretizador portanto se coaduna com a questatildeo das disponibilidades orccedilamentaacuterias do
Estado mas ao mesmo tempo dita o passo de como esta disponibilidade deve
progressivamente ser utilizada facilitando o controle acerca da efetiva concretizaccedilatildeo do texto
constitucional
Nesse contexto a reserva do possiacutevel apesar de se inserir na conjuntura macro em que
estatildeo englobados os direitos sociais a prestaccedilotildees materiais (marcada pela gradualidade de
realizaccedilatildeo dependecircncia financeira em relaccedilatildeo ao Estado e tendencial liberdade de
conformaccedilatildeo do legislador quanto agraves poliacuteticas para realizaacute-los) aleacutem de natildeo implicar em grau
130
Nesse ponto eacute relevante defender a necessidade aleacutem do aspecto puramente financeiro de perquiriccedilatildeo da
razoabilidade da reivindicaccedilatildeo levando-se em consideraccedilatildeo elementos como o grau de essencialidade do direito
fundamental em questatildeo as condiccedilotildees pessoais e financeiras dos envolvidos e a eficaacutecia da providecircncia judicial
almejada 131
OLSEN Ana Carolina Lopes A eficaacutecia dos direitos fundamentais sociais frente agrave reserva do possiacutevel
Dissertaccedilatildeo de Mestrado em Direito UFPR Curitiba 2006 p 37 132
Reforccedila-se a ideia de que a reserva do possiacutevel propriamente natildeo eacute ponderada mas sim a situaccedilatildeo de
escassez de recursos apresentada por ela com o comando normativo do direito fundamental social em exame
76
nulo de vinculatividade juriacutedica do direito em questatildeo133
natildeo se limita somente aos direitos
sociais jaacute que estes natildeo satildeo os uacutenicos a custar dinheiro
Mais uma vez retomam-se os ensinamentos referentes aos custos dos direitos no
sentido de desmistificar a maacutexima de que a teoria da reserva do possiacutevel soacute seria aplicada em
casos de sindicabilidade dos direitos sociais sustentando que os direitos individuais e poliacuteticos
tambeacutem demandam gastos por parte do poder puacuteblico bastando imaginar os gastos com
poliacutecia e bombeiros que garantem o direito agrave vida e propriedade bem como os custos com o
aparato judicial que se destina a proteger diversos direitos individuais
Desta maneira por existir um custo inerente a qualquer espeacutecie de direito ainda que
em grau diferenciado deve ser afastada a utilizaccedilatildeo da maacutexima de que por demandarem
accedilotildees estatais que custam dinheiro os direitos sociais devem ser imaginados sempre sobre o
manto de uma ideia de limitaccedilatildeo como se tal afirmaccedilatildeo bastasse como um argumento
maacutegico Como visto a proteccedilatildeo dos direitos individuais e poliacuteticos tambeacutem demandam
recursos poreacutem a distinccedilatildeo eacute que os efeitos da ausecircncia de tais recursos para esses direitos
natildeo satildeo tatildeo sentidos na praacutetica como ocorre nos casos de falta com relaccedilatildeo aos direitos
sociais especialmente o direito agrave sauacutede
Nesse raciociacutenio eacute certo que o exame sobre a vaacutelida utilizaccedilatildeo134
do argumento da
reserva do financeiramente possiacutevel passa pela necessidade de ocorrecircncia da perfeita
comprovaccedilatildeo de efetiva ausecircncia de recursos orccedilamentaacuterios configuradora do quadro de
exaustatildeo orccedilamentaacuteria natildeo sendo suficiente a mera e automaacutetica alegaccedilatildeo de inexistecircncia
destes135
133
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual
dos direitos econocircmicos sociais e culturaisrdquo In Estudos sobre Direitos Fundamentais Coimbra Ed
Coimbra 2004 p 108 134
Corroborando Artur Cortez Bonifaacutecio assevera que ldquoA motivaccedilatildeo requer adequaccedilatildeo agrave legalidade
constitucional ou seja a lei embasadora da escolha administrativa deve-se encontrar respaldada pela
Constituiccedilatildeo Por isso se afasta o acolhimento de alegaccedilatildeo pelo Executivo de natildeo efetivaccedilatildeo dos direitos
subjetivos fundamentais de matiz social pela falta de recursos orccedilamentaacuterios quando natildeo devidamente motivada
a denegaccedilatildeo do administrador BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional internacional e a
proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 115-116 135
Nesse sentido Celso de Mello aponta que ldquo() os condicionamentos impostos pela claacuteusula da bdquoreserva do
possiacutevel‟ ao processo de concretizaccedilatildeo dos direitos de segunda geraccedilatildeo ndash de implantaccedilatildeo sempre onerosa -
traduzem-se em um binocircmio que compreende de um lado (1) a razoabilidade da pretensatildeo individualsocial
deduzida em face do Poder Puacuteblico e de outro (2) a existecircncia de disponibilidade financeira do Estado para
tornar efetivas as prestaccedilotildees dele reclamadas Desnecessaacuterio acentuar-se considerado o encargo governamental
de tornar efetiva a aplicaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais que os elementos componentes do
mencionado binocircmio (razoabilidade da pretensatildeo + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se
de modo afirmativo e em situaccedilatildeo de cumulativa ocorrecircncia pois ausente qualquer desses elementos
descaracterizar-se-aacute a possibilidade estatal de realizaccedilatildeo praacutetica de tais direitos (ADPF 45 MC DF Rel Min
Celso de Mello Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12)
77
Merece destaque tambeacutem o fato de que a limitaccedilatildeo de recursos gera fatalmente uma
inevitaacutevel priorizaccedilatildeo de escolhas visto que se o contingente orccedilamentaacuterio eacute escasso frente a
gama de direitos existentes eacute certo que um ou outro direito ganharaacute maior proeminecircncia na
proteccedilatildeo e garantia de direitos empreendidas pelo Poder Puacuteblico
Mas o que guiaraacute essa priorizaccedilatildeo Sem sombra de duacutevidas o estabelecimento de
metas preferenciais e objetivos fundamentais encartados na Constituiccedilatildeo Federal devendo os
recursos disponiacuteveis serem aplicados no atendimento dos fins tidos por ela como essenciais136
e nesse ponto o direito agrave sauacutede eacute inegavelmente estruturado de maneira prioritaacuteria no
ordenamento paacutetrio sendo apresentados inclusive regramentos especiacuteficos quanto a
vinculaccedilatildeo das receitas dos entes puacuteblicos a um miacutenimo a ser gasto em sauacutede puacuteblica com
graves consequecircncias para o caso de seu descumprimento
Depreende-se portanto que a limitaccedilatildeo de recursos eacute um fato que natildeo pode ser
ignorado contudo a utilizaccedilatildeo desenfreada do argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode ser
enxergada como um dado absoluto que sempre que levantado afastaraacute a possibilidade de se
forccedilar o Estado a gastar com determinado direito137
Nesse sentido natildeo se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos
para depois utilizaacute-los sob as mais diversas formas (obras serviccedilos ou qualquer outra poliacutetica
puacuteblica) eacute exatamente realizar138
os objetivos fundamentais da Constituiccedilatildeo139
136
Nessa questatildeo merece destaque a influecircncia dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil os quais
reforccedilam a obrigaccedilatildeo de se investir o maacuteximo dos recursos disponiacuteveis na promoccedilatildeo dos direitos previstos em
seus textos como eacute o caso dos jaacute tratados PIDESC e Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica Assevera o primeiro
ldquoArt 2 1 Cada Estado Parte do Presente Pacto compromete-se a adotar medidas () ateacute o maacuteximo de seus
recursos disponiacuteveis que visem a assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno
exerciacutecio dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoccedilatildeo de medidas
legislativasrdquo (Grifos acrescidos) Dispotildee o segundo ldquoArt 26 Desenvolvimento progressivo Os Estados-Partes
comprometem-se a adotar providecircncias () a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos
que decorrem das normas econocircmicas sociais ()rdquo 137
Nesse ponto assevera George Marmelstein que ldquoas alegaccedilotildees de negativa de efetivaccedilatildeo de um direito social
com base no argumento da reserva do possiacutevel deve ser sempre analisada com desconfianccedila Natildeo basta
simplesmente alegar que natildeo haacute possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial eacute preciso demonstraacute-
la O que natildeo se pode eacute deixar que a evocaccedilatildeo da reserva do possiacutevel converta-se em verdadeira razatildeo de Estado
econocircmica em um AI-5 econocircmico que opera na verdade como uma anti-Constituiccedilatildeo contra tudo o que a
Carta consagra em mateacuteria de direitos sociaisrdquo In LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito
Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio
para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura Federal UnB 2003 p50 138
Reforccedila esse argumento a posiccedilatildeo de Ingo Sarlet ao afirmar que ldquo() os recursos puacuteblicos deveratildeo ser
distribuiacutedos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais baacutesicos () se tendo em conta que a
nossa ordem constitucional veda expressamente a pena de morte a tortura e a imposiccedilatildeo de penas desumanas e
degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo razatildeo pela qual natildeo se poderaacute sustentar ndash sob pena de
ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do proacuteprio sendo de justiccedila ndash que com base em uma
alegada (e mesmo comprovada) insuficiecircncia de recursos ndash se acabe virtualmente condenando agrave morte a pessoa
cujo uacutenico crime foi o de ser viacutetima de um dano agrave sauacutede e natildeo ter condiccedilotildees de arcar com o custo do tratamento
SARLET Ingo Wolfgang Algumas consideraccedilotildees em torno do conteuacutedo eficaacutecia e efetividade do direito agrave
sauacutede na Constituiccedilatildeo de 1988 In Revista Interesse Puacuteblico Porto Alegre v 12 p 91-107 2001 p 13
78
Chega-se ao ponto central da discussatildeo posta A delimitaccedilatildeo de um conjunto de
condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia que refletem os elementos basilares da ideia de
dignidade humana e transparecem aquele miacutenimo sobre o qual abaixo dele qualquer um
repousaria em uma situaccedilatildeo de indignidade guarda similitude exatamente ao estabelecimento
dos alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos140
A conclusatildeo disto eacute que a associaccedilatildeo do miacutenimo existencial141
ao estabelecimento de
prioridades orccedilamentaacuterias acarreta no conviacutevio produtivo de tal miacutenimo com a reserva do
possiacutevel ao passo que se a prioridade constitucional deve necessariamente refletir a
canalizaccedilatildeo de condiccedilotildees materiais essenciais agrave dignidade humana a discussatildeo sobre reserva
do possiacutevel consistiraacute em uma etapa a posteriori que natildeo deveria ser seque substancialmente
relevante para aquele primeiro momento jaacute que se estaria cuidando de uma prioridade
Isso ocorre porque o miacutenimo existencial142
enquanto direito preacute-constitucional
impliacutecito no art 3deg III da CF de 1988 tem sua garantia e proteccedilatildeo atrelada agrave noccedilatildeo de que o
Estado se comprometeu em assegurar agraves pessoas um padratildeo miacutenimo na esfera dos direitos
sociais tarefa essa plasmada no relacionamento nato existente entre a vinculaccedilatildeo dos direitos
sociais com o direito agrave vida e com o princiacutepio da dignidade da pessoa humana ambientado no
cenaacuterio de busca pelo reconhecimento de maacutexima eficaacutecia juriacutedica aos direitos fundamentais
Melhor explicando a defesa aqui eacute no sentido de que o nuacutecleo que forma a ideia de
um miacutenimo existencial jaacute levou em consideraccedilatildeo quando da sua formulaccedilatildeo o argumento da
limitaccedilatildeo financeira do Estado presumindo-se que o Poder Puacuteblico dispotildee de recursos para
atender ao menos as necessidades que compotildeem esse miacutenimo e que satildeo tidas
139
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 287 140
Nesse sentido Arcecircnio Brauner dispotildee que ldquoo Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana () natildeo reclama
apenas a garantia da liberdade mas tambeacutem um miacutenimo de seguranccedila social jaacute que sem os recursos materiais
para uma existecircncia digna a proacutepria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada Por esta razatildeo o direito agrave
vida e a integridade corporal natildeo podem ser concebidos meramente como proibiccedilatildeo de destruiccedilatildeo de existecircncia
isto eacute como direito de defesa impondo ao reveacutes tambeacutem uma postura ativa no sentido de garantir a vidardquo
(Grifos acrescidos) BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In
FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces
do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 603-604 141
Sobre a noccedilatildeo de miacutenimo existencial e a contribuiccedilatildeo teoacuterica de inuacutemeros autores (dentre eles John Rawls
Friedrich Hayek Michael Walzer e Carlos Santiago Nino) sobre o tema conferir HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 142
Atribui-se a Otto Bachof a primazia do reconhecimento de um direito subjetivo a recursos miacutenimos para
existecircncia digna a partir do entendimento de que o direito agrave vida e integridade corporal natildeo envolve apenas
postura defensiva mas tambeacutem prestaccedilotildees Tal formulaccedilatildeo foi entatildeo seguida em paradigmaacutetica decisatildeo do
Tribunal Federal Administrativo da Alemanha em 1954 ao ser reconhecido a um indiviacuteduo o direito subjetivo a
auxiacutelio material por parte do Estado com base na dignidade da pessoa humana Jaacute em 1975 o Tribunal
Constitucional Federal alematildeo reconheceu a partir do princiacutepio da dignidade da pessoa humana do direito agrave
vida e agrave integridade fiacutesica e mediante uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica junto ao princiacutepio do Estado Social um
direito fundamental agrave garantia das condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 45-47
79
constitucionalmente como prioridades Se assim natildeo fosse caso houvesse a possibilidade de
opor a reserva do possiacutevel em face de tal miacutenimo se estaria diante de uma confessada conduta
inconstitucional anterior por parte da autoridade puacuteblica143
visto que restaria evidenciado que
os recursos existentes foram alocados em desacordo com as prioridades estabelecidas
constitucionalmente144
Aplicando o pensamento desenvolvido acima para a realidade do direito agrave sauacutede
conclui-se ser inegaacutevel o fato de tal direito exigir um aporte financeiro do Estado para ser
protegido e garantido Da mesma maneira depreende-se que a previsatildeo constante na proacutepria
CF de 1988 de que os entes federados devem alocar um miacutenimo de suas arrecadaccedilotildees para os
gastos com sauacutede puacuteblica reforccedila o fato de tal direito ser um alvo de acentuada prioridade no
ordenamento paacutetrio qualificando-se como condiccedilatildeo e consequecircncia constitucional
indissociaacutevel do direito agrave vida
Ora essa sistemaacutetica tem uma razatildeo de ser natildeo faria sentido essa preocupaccedilatildeo iacutempar
e relevante da Constituiccedilatildeo se o seu intuito natildeo fosse que pelo menos um miacutenimo de accedilotildees
em sauacutede fosse posta a disponibilidade da populaccedilatildeo como forma de garantir um grau baacutesico
de concretizaccedilatildeo de tal direito Desta maneira a defesa de um miacutenimo existencial em espeacutecie
com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede abrange um rol de prestaccedilotildees materiais sobre os quais o
argumento da reserva do possiacutevel natildeo poderaacute ser utilizado Saindo-se desse espectro aiacute sim
para as accedilotildees externas a esse miacutenimo eacute que se poderaacute cogitar o enfrentamento do tema da
reserva do possiacutevel
Outro aspecto a ser avaliado eacute que sendo um tiacutepico direito de segunda geraccedilatildeo que
exige do Estado uma prestaccedilatildeo positiva nascente do conceito de igualdade substancial o
amparo agrave sauacutede tem por fundamento comando constitucional que natildeo possibilita um raio de
discricionariedade capaz de conferir maior grau de liberdade de conformaccedilatildeo ao direito do
143
A loacutegica de uma gestatildeo de recursos eacute simples e baseada na obtenccedilatildeo (arrecadaccedilatildeo) e no dispecircndio (despesa)
devendo claramente haver uma congruecircncia entre tais extremos para a sustentaccedilatildeo do sistema Nesse sentido
buscando-se sempre a noccedilatildeo de que as disposiccedilotildees constitucionais formam um todo harmocircnico eacute certo que o
arrecadado deve ser equivalente ao miacutenimo que se exige e nesse contexto o volume crescente de arrecadaccedilatildeo
tributaacuteria dos uacuteltimos anos no paiacutes denota que a sinalizaccedilatildeo do quantum a ser arrecadado natildeo pode fugir da
preacutevia necessidade que estaacute sendo priorizada daiacute concluir-se que ldquoo miacutenimo existencial jaacute estaacute na contardquo da CF e
a aplicaccedilatildeo da ideia de reserva do possiacutevel deve ser utilizada quando diante de prestaccedilotildees que extrapolam esse
miacutenimo 144
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 290
80
qual o exerciacutecio possa ter como consequecircncia como base em simples alegaccedilatildeo de mera
conveniecircncia eou oportunidade a nulificaccedilatildeo da prerrogativa essencial145
Coadunando-se com tal pensamento Ingo Sarlet pontua que se na situaccedilatildeo concreta as
objeccedilotildees habituais ao conferimento de direito subjetivo agraves prestaccedilotildees iacutensitas ao direito social
em exame significarem uma grave agressatildeo agrave vida e a dignidade humana a saiacuteda seraacute a
prevalecircncia do direito social prestacional a partir da construccedilatildeo de um padratildeo de miacutenimo
existencial do mesmo havendo como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestaccedilotildees
admitindo-se onde tal miacutenimo for ultrapassado apenas um direito subjetivo prima facie146
O embate entre reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial se demonstra pois como
algo meramente aparente visto que a perfeita delimitaccedilatildeo das accedilotildees inseridas nesse miacutenimo
com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede terminaratildeo por formar um escudo protetivo intransponiacutevel
pelo argumento da reserva do possiacutevel o qual soacute poderaacute ser arguido quando diante de uma
situaccedilatildeo que extrapole tal nuacutecleo baacutesico
Desta maneira o miacutenimo existencial desponta como um limite agrave aplicaccedilatildeo da reserva
do possiacutevel na medida em que garante um conjunto de necessidades baacutesicas do indiviacuteduo a ser
respeitado e obrigatoriamente fornecido pelo Estado e nesse ponto o princiacutepio da dignidade
da pessoa humana termina assumindo uma importante funccedilatildeo demarcatoacuteria ao estabelecer a
fronteira para o que convenciona denominar de padratildeo miacutenimo da esfera dos direitos
sociais147
Assentado o pensamento acima antes de passar para o exame das premissas que
sustentam a problemaacutetica do presente estudo (o deacuteficit evolutivo da concretizaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede nos mais de vinte anos da CF de 1988 bem como a alocaccedilatildeo do direito agrave sauacutede para um
primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais) faz-se necessaacuteria uma breve
explanaccedilatildeo acerca da aplicaccedilatildeo da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso agrave questatildeo da efetividade do
direito agrave sauacutede nuacutecleo do debate ora travado
145
ODON Daniel Ivo amp RODRIGUES Sulien Barbosa O direito agrave sauacutede e a claacuteusula da reserva do
financeiramente possiacutevel In Revista Jurisplan Editora Iesplan v1 n1 Brasiacutelia 2012 105-125 p 123 146
SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 p 324 147
BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009
ndash UNIMAR p 314
81
43 A APLICACcedilAtildeO DA VEDACcedilAtildeO DO RETROCESSO E SUA RELACcedilAtildeO COM O
DIREITO Agrave SAUacuteDE
Foi esclarecido que a reserva do possiacutevel antes de ser vista como oacutebice insuperaacutevel agrave
efetivaccedilatildeo dos direitos sociais deve viger de certa maneira como um mandado de otimizaccedilatildeo
dos direitos fundamentais impondo ao Estado o dever fundamental de tanto quanto possiacutevel
promover as condiccedilotildees oacutetimas de efetivaccedilatildeo da prestaccedilatildeo estatal em causa buscando
preservar aleacutem disso os niacuteveis de realizaccedilatildeo jaacute atingidos Tal observaccedilatildeo aponta por sua vez
para a necessidade do reconhecimento de uma proibiccedilatildeo do retrocesso ainda mais naquilo
que se estaacute a preservar o miacutenimo existencial148
Nesse sentido faz-se relevante analisar brevemente de que maneira o presente estudo
encara a ideia de vedaccedilatildeo do retrocesso social e a partir de tal entendimento qual a sua
repercussatildeo no que tange ao direito agrave sauacutede
Pois bem o princiacutepio149
da proibiccedilatildeo ou vedaccedilatildeo do retrocesso eacute uma construccedilatildeo
doutrinaacuteria que diz respeito agrave possibilidade ou natildeo de se diminuir o campo protetivo de um
direito fundamental jaacute protegido infraconstitucionalmente
Tal anaacutelise parte da premissa de que os direitos fundamentais devem ser concretizados
por meio de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional em um cenaacuterio de progressiva ampliaccedilatildeo e
tendo isto em mente enfrenta o questionamento de ser ou natildeo possiacutevel se discutir a validade
de uma eventual revogaccedilatildeo de enunciado (sem posterior substituiccedilatildeo e portanto gerando um
vazio legislativo) que regulamentando o direito fundamental em questatildeo tenha propiciado a
melhor fruiccedilatildeo e ampliaccedilatildeo do direito em questatildeo150
Ou seja o objetivo da vedaccedilatildeo do retrocesso eacute exatamente o de evitar supressotildees
legislativas que venham a regredir o acircmbito de proteccedilatildeo jaacute garantido para o direito
fundamental em exame Contudo o raciociacutenio natildeo eacute tatildeo simplista assim nem pode ser
148
SARLET Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Reserva do Possiacutevel miacutenimo existencial e
direito a sauacutede algumas aproximaccedilotildees In Doutrina Nacional Direitos Fundamentais e Justiccedila nordm 1 out-dez
2007 p 171-213 149
Natildeo eacute alvo do presente estudo a averiguaccedilatildeo acerca da natureza juriacutedica da noccedilatildeo de vedaccedilatildeo do retrocesso
adotando-se a designaccedilatildeo de princiacutepio apenas de modo a seguir a maioria doutrinaacuteria sobre o tema 150
Alguns autores como Felipe Derbli defendem que eacute possiacutevel reconhecer a existecircncia do princiacutepio da
proibiccedilatildeo do retrocesso social na proacutepria CF de 1988 uma vez que ldquo(i) a Carta Magna vigente determina a
ampliaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais (art 5deg sect2deg e art 7deg caput) com vistas agrave progressiva reduccedilatildeo das
desigualdades regional e sociais e agrave construccedilatildeo de uma sociedade livre e solidaacuteria onde haja justiccedila social (art
3deg incisos I e III e art 170 caput e incisos VII e VIII) (ii) em sendo uma Constituiccedilatildeo dirigente impotildee o
desenvolvimento permanente do grau de concretizaccedilatildeo dos direitos sociais nela previstos com vistas agrave sua
maacutexima efetividade (art 5deg sect 1deg) sendo consequecircncia loacutegica a existecircncia do comando dirigido ao legislador de
natildeo retroceder na densificaccedilatildeo das normas constitucionais que definem tais direitos sociaisrdquo DERBLI Felipe
Proibiccedilatildeo de Retrocesso Social Uma Proposta de Sistematizaccedilatildeo agrave Luz da Constituiccedilatildeo de 1988 In BARROSO
Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007
p 494
82
encarado como uma maacutexima vinculante vez que se insere na discussatildeo acerca da autonomia
da funccedilatildeo legislativa e dos limites agrave liberdade de conformaccedilatildeo do legislador podendo a
utilizaccedilatildeo excessivamente abrangente da vedaccedilatildeo do retrocesso que natildeo leve em
consideraccedilatildeo a conjuntura poliacutetico-econocircmica do momento analisado implicar em distorccedilotildees
natildeo almejadas pelo ordenamento constitucional
De modo a esclarecer melhor o acima afirmado faz-se relevante destacar alguns
pontos que auxiliaratildeo na exata compreensatildeo acerca do posicionamento deste trabalho quanto
ao instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso e sua repercussatildeo quanto ao direito agrave sauacutede O primeiro
ponto eacute que o esvaziamento total de um direito jaacute incorporado e regulamentado no
ordenamento sem uma poliacutetica substitutiva ou uma justificaccedilatildeo de ordem loacutegica que leve em
consideraccedilatildeo um possiacutevel conflito com outro direito antes de ser uma accedilatildeo que colida com a
ideia propugnada pela vedaccedilatildeo do retrocesso consiste em uma autecircntica violaccedilatildeo agrave
Constituiccedilatildeo
Nesse contexto admita-se hipoteticamente que seja revogado integralmente o
Coacutedigo de Defesa do Consumidor esvaziando-se completamente o campo protetivo que tal
diploma confere aos direitos nele abarcados sem se empreender uma substituiccedilatildeo por nova
legislaccedilatildeo sobre o tema Tal situaccedilatildeo seria injustificaacutevel e sem duacutevida significaria um
retrocesso que antes de ser proibido pelo princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso por si soacute jaacute
seria eivado de clara inconstitucionalidade
O segundo ponto para aleacutem da situaccedilatildeo acima de revogaccedilatildeo integral na
regulamentaccedilatildeo de determinado direito fundamental consiste na premissa de que a anaacutelise
sobre um possiacutevel retrocesso na regulamentaccedilatildeo de um direito natildeo deve levar em
consideraccedilatildeo puramente o aspecto textual da norma alterada mas sim o panorama macro no
qual a norma em exame estaacute envolvida e consequentemente as condicionantes de ordem
poliacutetica econocircmica histoacuterica cultural visto que restriccedilotildees a direitos podem em determinados
casos significar razoavelmente a promoccedilatildeo de outros tidos como mais prioritaacuterios pelo
legislador para o contexto do momento em questatildeo151
151
Corroborando com esse pensamento Ana Paula Barcellos pontua que ldquoConsiderando a dignidade da pessoa
humana de forma integral e coletiva ndash isto eacute os vaacuterios aspectos da dignidade de cada indiviacuteduo e de todos eles
em determinada sociedade ndash eacute equivocado imaginar que a proteccedilatildeo ampliada de um especiacutefico direito
fundamental seraacute sempre o meio adequado de promover e proteger a dignidade humana das pessoas Eacute provaacutevel
que em sociedades nas quais haacute mais matildeo de obra que empregos o incremento progressivo dos direitos
trabalhistas tenha como efeito a ampliaccedilatildeo do mercado informal de trabalho (no qual direito algum eacute assegurado)
()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 91
83
Imagine-se entatildeo que em um cenaacuterio de progresso e tranquilidade econocircmica sejam
conferidas certas benesses com relaccedilatildeo a um direito especiacutefico as quais venham a garantir
uma ampliaccedilatildeo do mesmo Vislumbre-se agora um cenaacuterio de grave crise econocircmica em que
algumas dessas benesses sejam suprimidas temporariamente visando a que outros direitos
tidos por mais prioritaacuterios sejam melhor garantidos frente ao quadro de recessatildeo
Caso admitida a vedaccedilatildeo do retrocesso como uma maacutexima capaz de impedir qualquer
tipo de restriccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo vigente ao direito em questatildeo a situaccedilatildeo acima descrita
seria impossiacutevel de ser alcanccedilada o que poderia ocasionar um prejuiacutezo e retrocesso ateacute
mesmo maior para a sociedade e para a concretizaccedilatildeo152
dos direitos fundamentais como um
todo (considerando uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica do ordenamento)
Desta forma quando comparados contextos histoacutericos totalmente diferentes a melhor
saiacuteda consiste em natildeo analisar a supressatildeo meramente pontual de cada direito mas sim se o
balanceamento empreendido pelo legislador para ldquosobreviverrdquo ao cenaacuterio de crise entre aacutereas
constitucionalmente prioritaacuterias e natildeo prioritaacuterias significa um avanccedilo ou um retrocesso do
sistema constitucional como um todo
Reforccedila essa visatildeo o posicionamento assentado no paraacutegrafo 9 da Observaccedilatildeo Geral
ndeg3 do Comitecirc de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais da ONU que ao comentar o
dispositivo 21 do PIDESC (aqui jaacute visto e que prevecirc o dever dos Estados considerando o
maacuteximo de recursos de que disponham de adotar medidas para produzir de forma progressiva
a efetividade dos direitos reconhecidos no pacto) pondera que pode ser admitida a adoccedilatildeo de
medidas restritivas dos direitos previstos no pacto desde que justificadas e levando-se em
consideraccedilatildeo a totalidade de tais direitos no contexto do pleno aproveitamento dos recursos
disponiacuteveis
Some-se a isso o aspecto relacionado agrave deliberaccedilatildeo democraacutetica no sentido de que o
raciociacutenio o qual considera que a regulamentaccedilatildeo de um direito formaria com sua previsatildeo
constitucional uma espeacutecie de bloco de constitucionalidade153
funcionando como uma
152
De se destacar as liccedilotildees de Pieroth e Schlink no sentido de que a concretizaccedilatildeo de um direito fundamental eacute
verificada sempre que o seu acircmbito de proteccedilatildeo permanece intacto natildeo limitado e neste caso o Estado natildeo
pretende de modo nenhum impedir uma conduta que esteja abrangida pelo acircmbito de proteccedilatildeo Ao contraacuterio
pretende precisamente abrir possibilidades de conduta para que o particular possa fazer uso do direito
fundamental sendo necessaacuterias conformaccedilotildees nos chamados acircmbitos de proteccedilatildeo marcados pelo direito ou pelas
normas PIEROTH Bodo SCHLINK Bernhard Direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Antoacutenio Francisco de
Sousa e Antoacutenio Franco Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 93-94 153
Sobre a expressatildeo Pablo Luis Manili aponta que ldquoem 1970 el profesor Claude Emeri comentoacute em la Revue
de Droit Public (Revista de Derecho Puacuteblico) una decisioacuten de este Consejo adoptada em 1969 y referida a la
reforma del Reglamento de la Asamblea Nacional En este artiacuteculo el autor advierte que la constitucionalidad de
esse reglamento fue juzgada no soloamente em relacioacuten com la Constitucioacuten sino tambieacuten com referencia a uma
Ordenanza (ndeg 58-1100 del 171158) que regula el funcionamiento de las Asambleas parlamentarias y para
84
claacuteusula peacutetrea ampliada pode significar um engessamento inconstitucional da autonomia da
funccedilatildeo legislativa que ficaria obstada de empreender o balanceamento acima mencionado em
contexto de crises podendo incidir em um maior prejuiacutezo a certos direitos154
Assentados os dois pontos acima uma saiacuteda para a natildeo banalizaccedilatildeo ou utilizaccedilatildeo
desenfreada do instituto da vedaccedilatildeo do retrocesso que venha a enfraquececirc-lo eacute o
estabelecimento de um limite para as possiacuteveis restriccedilotildees a algum direito de modo que soacute seraacute
considerado um retrocesso de fato as situaccedilotildees em que tal limite fosse ultrapassado e a
decretaccedilatildeo desse limite encontra-se exatamente no texto constitucional e na demarcaccedilatildeo do
nuacutecleo essencial do direito em exame
Dessa maneira o princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso social pode ser enxergado a
partir da seguinte foacutermula o nuacutecleo essencial dos direitos sociais jaacute realizado e efetivado
atraveacutes de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo
inconstitucionais medidas que sem criar esquemas alternativos ou compensatoacuterios se
traduzam na praacutetica em uma anulaccedilatildeo ou aniquilaccedilatildeo pura e simples desse nuacutecleo essencial
que funcionaria como limite para a liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e a inerente
autorreversibilidade155
Conclui-se portanto que i as supressotildees totais de regulamentaccedilotildees bem como
aquelas que ainda que natildeo totais impliquem na aniquilaccedilatildeo do nuacutecleo essencial do direito
examinado satildeo antes de afronta ao princiacutepio da vedaccedilatildeo do retrocesso medidas
inconstitucionais ii as supressotildees pontuaisparciais externas ao espectro do nuacutecleo essencial
do direito fundamental em anaacutelise devem ser encaradas levando em conta o momento
histoacuterico em questatildeo e a totalidade dos direitos fundamentais amparados pelo sistema
constitucional como um todo visto que uma accedilatildeo que a princiacutepio possa aparentar ser
describir esse conjunto de normas que eran tenidas em cuenta por el Consejo Constitucional ndash ademaacutes de la
proacutepria constitucioacuten ndash para ejercer su competencia utilizo por primera vez la expresioacuten MANILI Pablo Luis El
Bloque de Constitucionalidad La recepcioacuten del Derecho Internacional de loacutes Derechos Humanos en el
Derecho Constitucional Argentino Buenos Aires La Ley 2003 p 284 154
Sobre a questatildeo da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador na temaacutetica da vedaccedilatildeo do retrocesso social Joseacute
Carlos Vieira de Andrade leciona que ldquoO princiacutepio da proibiccedilatildeo do retrocesso enquanto determinante
heteroacutenoma vinculativa para o legislador implicaria bem vistas as coisas a eleveccedilatildeo das medidas legais
concretizadoras dos direitos sociais a direito constitucional () Contudo isso natildeo implica a aceitaccedilatildeo de um
princiacutepio geral de proibiccedilatildeo do retrocesso nem uma bdquoeficaacutecia irradiante‟ dos preceitos relativos aos direitos
sociais encarados como um bdquobloco constitucional dirigente‟ A proibiccedilatildeo do retrocesso natildeo pode constituir um
princiacutepio geral nesta mateacuteria sob pena de se destruir a autonomia da funccedilatildeo legislativa()rdquo (grifos no original)
VIEIRA Joseacute Carlos Vieira de Os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo Portuguesa de 1976Coimbra
Almedina 1998 p309 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais
O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 86 155
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra
Almedina 2003 p 327
85
restritiva de um direito pode significar em verdade um avanccedilo de outro mais prioritaacuterio (e
caso natildeo signifique seraacute eivada de inconstitucionalidade)
Como se vecirc a questatildeo eacute complexa e buscando sua melhor soluccedilatildeo o presente estudo
se filia ao mecanismo proposto por Ana Paula de Barcellos para se identificar em que
circunstacircncias a vedaccedilatildeo do retrocesso seraacute aplicaacutevel para aleacutem da hipoacutetese de revogaccedilatildeo total
de uma disciplina existente em mateacuteria de direitos fundamentais Tal mecanismo
aproximando-se do pensamento acima mencionado com relaccedilatildeo agrave limitaccedilatildeo da restriccedilatildeo pelo
nuacutecleo essencial do direito constitucional em anaacutelise parte da ideia baacutesica de confrontar (natildeo
apenas quanto ao aspecto linguiacutestico mas tambeacutem considerando o contexto histoacuterico e
cultural) a nova regulamentaccedilatildeo aparentemente restritiva com a garantia miacutenima que decorre
da Constituiccedilatildeo e natildeo propriamente com a disciplina jaacute adotada pelo legislador
constitucional156
Nota-se assim que o paracircmetro de aferibilidade sai do substrato normativo
infraconstitucional e atrela-se unicamente agrave constituiccedilatildeo jaacute que tal investigaccedilatildeo se norteia
pela indagaccedilatildeo se a nova disciplina pretendida compatibiliza-se com a garantia constitucional
do direito em questatildeo ao ponto de realizar de forma minimamente adequada o bem juriacutedico
tutelado garantindo assim a aplicabilidade real e efetiva da fruiccedilatildeo do mesmo por seus
destinataacuterios Em caso afirmativo a nova regulamentaccedilatildeo natildeo afrontaria a vedaccedilatildeo do
retrocesso em caso negativo tal inovaccedilatildeo deveraacute ser encarada como uma supressatildeo
inconstitucional do direito em anaacutelise
Finalmente aplicando tudo que foi dito acima agrave situaccedilatildeo especiacutefica do direito agrave sauacutede
tem-se que frente agrave maior fundamentalidade do direito agrave sauacutede devido a sua iacutentima ligaccedilatildeo
com o direito agrave vida e agrave dignidade humana supressotildees totais quanto a regulamentaccedilatildeo de tal
direito bem como agravequelas que importem em afronta ao seu nuacutecleo essencial157
seratildeo tidas
como inconstitucionais aleacutem de colidirem com a vedaccedilatildeo do retrocesso
Com relaccedilatildeo a supressotildees pontuais sobretudo em momentos de crises econocircmicas
essas somente seratildeo admitidas como uacuteltima alternativa desde que sejam comprovadamente
essenciais para a ldquosobrevivecircnciardquo do paiacutes tenham caraacuteter temporaacuterio natildeo subvertam o niacutevel
de proteccedilatildeo constitucional conferido a esse direito e principalmente sejam realizadas apenas
ao posterior esgotamento de restriccedilotildees em aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias
156
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 92 157
Sem entrar em polecircmica doutrinaacuteria o presente estudo considera a visatildeo de nuacutecleo essencial nesse ponto
abordada consentacircnea com a ideia de miacutenimo existencial em espeacutecie para cada direito fundamental em si
86
constitucionalmente158
Nesse sentido conclui-se ser rara a ocorrecircncia de tal hipoacutetese a qual
demandaria uma conjuntura de extrema instabilidade institucional tanto sob o vieacutes poliacutetico
quanto econocircmico
44 O DEacuteFICIT EVOLUTIVO NA GRADUAL CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NOS MAIS DE VINTE ANOS DA CONSTITUICcedilAtildeO DE 1988
Nas primeiras linhas desse trabalho foi asseverado que o mesmo partiria de duas
premissas sendo uma delas exatamente a constataccedilatildeo de que com o tempo percorrido pela
CF de 1988 o niacutevel atingido no processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute deficiente e
natildeo condiz perfeitamente com os anseios constantes nos pactos internacionais assinados pelo
Brasil nem nos dispositivos delineados tanto na Constituiccedilatildeo Federal159
quanto no arcabouccedilo
legislativo infraconstitucional sobre o tema
Para tal conclusatildeo basta acompanhar os casos alarmantes de verdadeiro caos na
realidade da sauacutede puacuteblica vivida no paiacutes retratada diariamente nos telejornais160
para se
chegar a conclusatildeo de que algo estaacute errado ou utilizando-se de um jargatildeo popular de que ldquoa
conta natildeo baterdquo
Eacute nessa conjuntura portanto que surge a indagaccedilatildeo como um paiacutes que se
compromete na ordem internacional a promover a sauacutede na maior medida do possiacutevel que
arquiteta tal bem juriacutedico de maneira iacutempar em seu ordenamento prevendo ateacute mesmo a
vinculaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de um miacutenimo a ser gasto com tal direito frente sua relevacircncia pode
ainda assim apresentar problemas estruturais baacutesicos tatildeo gritantes Natildeo resta duacutevida
158
Seria inconstitucional e colidiria com a proibiccedilatildeo do retrocesso portanto a ocorrecircncia em um cenaacuterio de
crise econocircmica de restriccedilatildeo pontual com relaccedilatildeo agrave abrangecircncia do atendimento em sauacutede previsto na legislaccedilatildeo
do SUS sem que antes tenha sido restringida a regulamentaccedilatildeo de todas as aacutereas tidas como natildeo prioritaacuterias pela
Constituiccedilatildeo (propaganda construccedilatildeo de estaacutedios para eventos esportivos participaccedilatildeo de dinheiro puacuteblico por
exemplo) ou ateacute mesmo aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias quanto o direito agrave sauacutede 159
Enfatiza esse ponto o fato da Constituiccedilatildeo de 1988 ser tipicamente dirigente visto que aleacutem da tradicional
funccedilatildeo de estruturar o Estado incorporou-se em seus textos definiccedilotildees valorativas e ideoloacutegicas reconhecendo-
se assim o seu poder de tomar decisotildees poliacuteticas fundamentais e estabelecer prioridades materiais e objetivos
puacuteblicos que terminam por guiar o comportamento futuro do Estado Sobre o tema da Constituiccedilatildeo dirigente
conferir COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda (Org) Canotilho e a Constituiccedilatildeo dirigente 2deg ed Rio de
Janeiro Renovar 2005 160
Agrave tiacutetulo ilustrativo seguem algumas mateacuterias que retratam as peacutessimas condiccedilotildees da sauacutede puacuteblica no Estado
do Rio Grande do Norte as quais tiveram repercussatildeo nacional nos uacuteltimos anos httpglobotvglobocominter-
tv-rnrn-tv-2a-edicaovcaos-toma-conta-da-saude-em-mossoro-rn2494580 Acessado em 02042013
httpg1globocomrnrio-grande-do-nortenoticia201301marcha-do-fio-de-aco-reune-medicos-em-protesto-
ao-caos-na-saude-do-rnhtml Acessado em 02042013 httpgovernadoremfocoblogspotcombr201301caos-
na-saude-do-rn-e-destaque-nohtml Acessado em 02042013
httpbandnewstvbanduolcombrnoticiasconteudoaspID=657505 Acessado em 08042013
87
portanto que haacute um claro descompasso entre a vontade constitucional e a vontade dos
governantes que precisa ser combatido e corrigido
Natildeo obstante para a melhor compreensatildeo do referido descompasso eacute primordial
abstrair um pouco a anaacutelise do plano meramente faacutetico (que eacute o ponto de chegada do
problema) e tentar entender melhor o fundamento juriacutedico que aponta para uma maximizaccedilatildeo
do dever estatal em realizar o direito agrave sauacutede (o ponto de partida) e para isso eacute importante se
ter em mente a noccedilatildeo de gradualidade bem como de dever de progressividade inerente ao
processo de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais
Nesse ponto consoante o jaacute analisado PIDESC tem-se para o Estado o
estabelecimento de uma obrigaccedilatildeo de realizaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais a significar o
dever de serem tomadas todas as providecircncias possiacuteveis nos limites dos recursos disponiacuteveis
com o escopo de alcanccedilar gradativamente a mais completa realizaccedilatildeo desses direitos e da
forma mais ampliativa possiacutevel o que revela uma ideia de avanccedilo e otimizaccedilatildeo
Nesse sentido o dever de progressividade implica na alocaccedilatildeo dos recursos existentes
sejam direcionados agrave consecuccedilatildeo dos direitos especificados no PIDESC da melhor forma
possiacutevel significando especialmente quanto ao direito agrave sauacutede que o Brasil possui a
obrigaccedilatildeo concreta e constante de desenvolver o mais eficientemente possiacutevel agrave plena
realizaccedilatildeo do direito ao mais alto niacutevel de sauacutede em respeito ao artigo 12 do referido diploma
anteriormente jaacute estudado161
Alinha-se a essa visatildeo ainda a noccedilatildeo de gradualidade162
de realizaccedilatildeo dos direitos
sociais a prestaccedilotildees materiais no sentido de que como tais direitos demandam direta e
efetivamente do aporte financeiro do Estado e este eacute finito a efetivaccedilatildeo progressiva dos
mesmos deveraacute ser alcanccedilada e construiacuteda pouco a pouco passo a passo conforme a
capacidade financeira do Estado
Desta forma uma poliacutetica de sauacutede eficaz e consentacircnea com a proteccedilatildeo que eacute dada
ldquono papelrdquo a tal direito pressupotildee uma estruturaccedilatildeo tendente a uma crescente e contiacutenua
melhoria163
das condiccedilotildees de sauacutede realizada a passos graduais de acordo com a
161
GIALDINO Rolando E El derecho al disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones
Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 517 162
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes ldquoMetodologia bdquofuzzy‟ e bdquocamaleotildees normativos‟ na problemaacutetica actual
dos direitos econoacutemicos sociais e culturaisrdquo in Estudos sobre Direitos Fundamentais Ed Coimbra 2004 p
108 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e
efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 132 163
Eacute muito importante a exata compreensatildeo desses ponto natildeo basta simplesmente afirmar que a realizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede deve ser gradual e progressiva frente a limitaccedilatildeo dos recursos como se isso fosse um argumento
automaacutetico e apto a justificar qualquer falha ou omissatildeo estatal Na realidade deve ser acoplado a esse raciociacutenio
(progressividade gradual) a ideia de que tal progressatildeo deve ser movida por um anseio contiacutenuo e crescente de
melhoria de avanccedilo
88
disponibilidade financeira possiacutevel mas sempre guiada para o avanccedilo e nunca para o
retrocesso
A conclusatildeo do acima afirmado (que apesar de simploacuteria eacute bastante relevante) eacute a de
que se o quadro da sauacutede puacuteblica de uma determinada regiatildeo se agrava no plano faacutetico seja
por ausecircncia de meacutedicos pela natildeo disponibilizaccedilatildeo de insumos hospitalares ou pela
insuficiecircncia de vacinas por exemplo e inexiste uma justificativa plausiacutevel para isso164
o que
estaraacute ocorrendo na praacutetica eacute um verdadeiro retrocesso na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o
argumento de que tal situaccedilatildeo eacute justificaacutevel pelo atrelamento da disponibilizaccedilatildeo de
prestaccedilotildees materiais aos limites orccedilamentaacuterio natildeo poderaacute prosperar
Em termos mais diretos a gradualidade relaciona-se sim com a disponibilidade de
recursos mas nunca poderaacute ser utilizada para justificar um retrocesso pois ela funciona como
um motor da progressividade ora acelerando ora diminuindo tal aceleraccedilatildeo mas sempre
avanccedilando nunca retroagindo165
Assentadas as exatas noccedilotildees de gradualidade e progressividade as quais se conectam agrave
temaacutetica jaacute tratada da reserva do possiacutevel e da vedaccedilatildeo do retrocesso social defende-se que o
aparato legislativo (abrangendo tanto os Pactos Internacionais como a CF e a legislaccedilatildeo
ordinaacuteria) construiacutedo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede significa um compromisso firmado pelo
Estado com a sociedade e o atual estaacutegio do quadro da sauacutede puacuteblica no paiacutes demonstra a
ocorrecircncia de um autecircntico ldquocaloterdquo por parte do Estado o qual se encontra recalcitrante em
cumprir exata e perfeitamente o que se comprometeu terminando por frustrar os cidadatildeos
Frente a este desacerto com o intuito de corrigir tal deacuteficit evolutivo a soluccedilatildeo aqui
proposta eacute exatamente a de acelerar esse processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e nessa
jornada assumem papel de destaque a intervenccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do desse direito
a proteccedilatildeo coletiva do mesmo empreendida pelo Ministeacuterio Puacuteblico e pela Defensoria
Puacuteblica e a participaccedilatildeo e controle social sobretudo na seara orccedilamentaacuteria
164
Apenas uma situaccedilatildeo de excepcionalidade (um surto epidemioloacutegico por exemplo) poderia justificar uma
possiacutevel ldquofaltardquo do Estado para com seu dever de realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Se a verba para tal direito jaacute se
encontra ldquoamarradardquo natildeo faz sentido em um mecircs natildeo se constatar problemas e no seguinte sem nenhuma
mudanccedila no cenaacuterio anterior ocorrer por exemplo uma diminuiccedilatildeo radical no nuacutemero de meacutedicos em
determinado hospital puacuteblico A falta de planejamento (ou ateacute mesmo de vontade) do Poder Puacuteblico bem como a
maacute gestatildeo dos recursos disponiacuteveis satildeo situaccedilotildees totalmente diferentes da comprovada insuficiecircncia de recursos
e natildeo podem ser considerados argumentos vaacutelidos e justificaacuteveis quando utilizados pelo Estado para justificar
suas falhas 165
Expotildeem Abramovich e Courtis que a noccedilatildeo de progressividade apresenta dois sentidos complementares
abarca ao mesmo tempo o reconhecimento de que a satisfaccedilatildeo plena dos direitos sociais supotildee uma certa
gradualidade e a noccedilatildeo de que progresso liga-se agrave obrigaccedilatildeo estatal de melhorar as condiccedilotildees de gozo e
exerciacutecio de tais direitos ABRAMOVICH Viacutectos Ernesto COURTIS Christian Los derechos sociales como
derechos exigibles Madrid Trotta 2002 p 93 apud FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental
agrave Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 138
89
Contudo antes de entender como os citados atores podem efetuar suas contribuiccedilotildees
faz-se relevante examinar a segunda premissa exposta no iniacutecio desse estudo qual seja a
estruturaccedilatildeo prioritaacuteria que eacute dada ao direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio e sua ligaccedilatildeo com
a dignidade da pessoa humana
45 A ALOCACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE PARA UM PRIMEIRO PLANO ENTRE OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O PARAcircMETRO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
Em um cenaacuterio hipoteacutetico imagine-se que toda populaccedilatildeo brasileira fosse entrevistada
sobre qual direito social dentre os elencados no artigo sexto da CF de 1988 apresentaria maior
importacircncia Sem sombra de duacutevidas sauacutede e educaccedilatildeo despontariam como os direitos mais
votados e muitos arriscariam dizer que juntamente com o direito agrave seguranccedila (sob um vieacutes de
seguranccedila puacuteblica) tais direitos formariam uma triacuteade essencial a ser prestada eficientemente
pelo Estado
Ocorre que como jaacute visto a apuraccedilatildeo acerca do grau de eficaacutecia de algum direito leva
em consideraccedilatildeo natildeo soacute o sistema normativo que o abraccedila mas tambeacutem a fundamentalidade
social e juriacutedica da circunstacircncia regulada pela norma e partindo disto eacute inegaacutevel que o
direito agrave sauacutede assume um papel de destaque dentre os direitos que necessitam de um ldquofazerrdquo
estatal jaacute que apresenta uma iacutentima ligaccedilatildeo com o direito agrave vida posicionando-se a sauacutede
como um componente primordial e embrionaacuterio agrave fruiccedilatildeo dos demais direitos
Melhor explicando eacute facilmente identificaacutevel uma engrenagem entre os direitos
fundamentais sociais em um contexto em que todos possuem sua importacircncia e ao mesmo
tempo se interdependem Contudo a sauacutede estaria ocupando uma posiccedilatildeo basilar nessa
sistemaacutetica inter-relacional por possuir um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica e social mais
apurada devido a sua maior aproximaccedilatildeo com o direito agrave vida agrave integridade fiacutesica e a
dignidade da pessoa humana
Entendendo esse ciclo eacute indiscutiacutevel que o direito agrave educaccedilatildeo se mostra fundamental
para a melhoria da qualidade de vida de toda sociedade consistindo em importante passo para
a formaccedilatildeo do intelecto e participaccedilatildeo mais ativa nas decisotildees estatais Partindo dessa noccedilatildeo
eacute tambeacutem irrefutaacutevel que o pleno gozo de tal direito acarreta na fruiccedilatildeo de outros como por
exemplo o direito ao trabalho que por sua vez seraacute essencial para a subsistecircncia de cada um
proporcionando as condiccedilotildees necessaacuterias para a obtenccedilatildeo de alimentaccedilatildeo moradia e lazer
90
entretanto indubitavelmente tudo isso pressupotildee a perfeita condiccedilatildeo de sauacutede do indiviacuteduo e
o seu cuidado constante durante toda vida
Eacute nessa conjuntura portanto que se pode falar tambeacutem em impreteribilidade do
direito agrave sauacutede com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais De que maneira Imagine-se um
cidadatildeo que esteja sem usufruir nenhum dos direitos sociais a ele garantidos
constitucionalmente (por exemplo um sem-teto analfabeto em estado grave de sauacutede) e que
o Estado resolva proporcionar a fruiccedilatildeo mas apenas um de cada vez dos direitos entatildeo
afrontados
Solucionar somente a problemaacutetica do direito agrave educaccedilatildeo ou da mesma forma apenas
o direito agrave moradia166
acabaraacute resolvendo exclusivamente cada um desses problemas em
especiacutefico mas natildeo teraacute o condatildeo de necessariamente implicar na potencial fruiccedilatildeo dos
demais direitos
Por outro lado ao resolver a grave situaccedilatildeo de sauacutede desse cidadatildeo que se encontra
seriamente aviltado em sua dignidade o Estado ao mesmo tempo em que corrige esse
problema invariavelmente estaraacute proporcionando ao cidadatildeo a aptidatildeo elementar ao pleno
usufruto dos demais direitos o que termina por reservar ao elemento sauacutede uma posiccedilatildeo de
direito impreteriacutevel quando posto comparativamente em xeque diante dos demais direitos
sociais
Fechando esse pensamento tem-se que caso seja negada a atenccedilatildeo prioritaacuteria ao
direito agrave sauacutede aleacutem de por oacutebvio natildeo ser solucionado o problema do cidadatildeo no que diz
respeito a este determinante elemento de sua vida estaraacute tambeacutem prejudicada qualquer
possibilidade de soluccedilatildeo aos demais direitos em questatildeo Nesse caso a desatenccedilatildeo ao direito agrave
sauacutede mais do que uma violaccedilatildeo a um direito social objetivamente significaraacute uma
obstacularizaccedilatildeo agrave reparaccedilatildeo dos demais direitos sociais lesados os quais restaratildeo inoacutecuos
Frente ao exposto eacute inevitaacutevel reconhecer que o direito agrave sauacutede deve ser alocado para
uma posiccedilatildeo de primazia quando confrontado com os demais direitos fundamentais sociais
ateacute mesmo pelo fato de que a garantia de diversos outros direitos (vida digna integridade
fiacutesica alimentaccedilatildeo moradia seguranccedila assistecircncia agrave maternidade etc) traduzem ao menos
reflexamente uma densificaccedilatildeo do mesmo Corroborando com tal raciociacutenio a doutrina
aponta que o direito agrave sauacutede ainda que natildeo tivesse sido positivado no PIDESC poderia ser
166
Exemplificando a pontual matricula do cidadatildeo no ensino puacuteblico natildeo facilitaraacute diretamente a soluccedilatildeo do
problema relativo agrave sua moradia muito menos quanto agrave sua sauacutede (da mesma forma a disponibilizaccedilatildeo de uma
casa popular natildeo seraacute pressuposto pra resolver o problema quanto agrave educaccedilatildeo e nem da sauacutede)
91
tutelado na oacuterbita internacional tranquilamente como um direito impliacutecito agrave vida167
(e tambeacutem
agrave integridade fiacutesica)
Reforccedilando mais ainda o caraacuteter prioritaacuterio que foi dado ao direito agrave sauacutede no
ordenamento paacutetrio conforme jaacute foi analisado nos capiacutetulos anteriores eacute consenso168
que a
CF de 1988 aleacutem de conferir um capiacutetulo proacuteprio para tal direito atribuiu ao mesmo por toda
a extensatildeo de seu corpo (atraveacutes de cinquenta e cinco menccedilotildees ao elemento sauacutede) um
tratamento notadamente especial chegando ao ponto de por exemplo
(i) exigir o direcionamento de parte da receita resultante da arrecadaccedilatildeo de
impostos estaduais para as accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede169
considerando
a aplicaccedilatildeo desse miacutenimo um autecircntico princiacutepio constitucional sensiacutevel170
cuja
natildeo observacircncia autoriza a intervenccedilatildeo da Uniatildeo nos Estados (e destes em seus
municiacutepios quando natildeo tiver sido aplicado o miacutenimo exigido da receita
municipal) e no Distrito Federal171
(ii) excepcionar a proibiccedilatildeo de acumulaccedilatildeo de cargos puacuteblicos permitindo172
a
possibilidade de acuacutemulo de dois cargos de profissionais de sauacutede com
profissotildees regulamentadas desde que haja compatibilidade de horaacuterio173
167
Nesse sentido Joseacute Bengoa interpretando o artigo 6deg do PIDCP defende que o direito agrave vida estaria
decomposto em quatro elementos essenciais direito agrave sauacutede agrave alimentaccedilatildeo adequada agrave disponibilizaccedilatildeo de aacutegua
potaacutevel e agrave moradia BENGOA Joseacute Pobreza y derechos humanos programa de trabajo Del Grupo ad hoc
para la realizacioacuten tendiente a contribuir a las bases de uma declaracioacuten internacional sobre los derechos
humanos y la extrema pobreza ECN4 Sub2200225-6-2002 p3 apud GIALDINORolando E El derecho al
disfrute del maacutes alto niacutevel posible de salud In Investigaciones Buenos Aires ndeg 3 p 493-537 2001 p 498 168
Ao justificar a importacircncia da dignidade da pessoa humana no ordenamento paacutetrio Ana Paula de Barcellos
reforccedila a possibilidade de existirem diferenccedilas entre os conteuacutedos dos enunciados constitucionais afirmando que
ldquo () sem que isso produza uma ruptura do princiacutepio da unidade eacute apenas natural que o conteuacutedo material dos
enunciados - e a fortiori das normas ndash funcione como um elemento relevante para a hermenecircutica juriacutedica ()
Ignorar as diferenccedilas que existem entre os enunciados constitucionais no que diz respeito ao seu conteuacutedo natildeo
faria sentido algum diante das escolhas do proacuteprio constituinte originaacuteriordquo BARCELLOS Ana Paula de A
eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio
de Janeiro Renovar 2011 p 164-165 169
Reconhece-se que o tratamento especial dispensado agrave sauacutede sob o vieacutes de vinculaccedilatildeo a receita de impostos eacute
conjugado com a preocupaccedilatildeo relacionada ao desenvolvimento e manutenccedilatildeo do ensino contudo tal fato natildeo
chega a afastar a primazia do direito agrave sauacutede aqui defendida tanto por existir uma maior preocupaccedilatildeo sob o vieacutes
orccedilamentaacuterio com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede na proacutepria Constituiccedilatildeo (como eacute o caso das contribuiccedilotildees para a
seguridade social que engloba a sauacutede) mas principalmente pela maior proximidade com o direito agrave vida e a
dignidade da pessoa humana inerente ao mesmo 170Princiacutepios constitucionais sensiacuteveis (elencados no art 34 VII CF de 1988) satildeo aqueles que caso infringidos
ensejam a mais grave sanccedilatildeo que se pode impor a um Estado Membro da Federaccedilatildeo a intervenccedilatildeo retirando-lhe
a autonomia organizacional que caracteriza a estrutura federativa 171
Art 34 IV e art 35 III da CF de 1988 172
Aqui tambeacutem haacute regramento semelhante com relaccedilatildeo ao direito agrave educaccedilatildeo 173
Art 37 XVI c da CF de 1988
92
(iii) estabelecer contribuiccedilotildees sociais visando ao financiamento da seguridade
social que se destina a assegurar o direito agrave sauacutede previdecircncia e assistecircncia
social174
e
(iv) definir como sendo de relevacircncia puacuteblica175
as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede bem
como que poderatildeo ser adotados requisitos e criteacuterios diferenciados para a
concessatildeo de aposentadoria aos beneficiaacuterios do regime geral de previdecircncia
social nos casos de atividades exercidas sob condiccedilotildees especiais que
prejudiquem a sauacutede ou a integridade fiacutesica176
Conclui-se assim que natildeo somente haacute uma clara maior proximidade do direito agrave
sauacutede com o direito a vida digna como tambeacutem que o proacuteprio ordenamento paacutetrio
vislumbrando tal relevacircncia tratou de conferir um tratamento mais especial ao direito em
exame (tanto na esfera constitucional como infraconstitucional) quando comparado
especificamente com os demais direitos sociais o que eacute reforccedilado pela conclusatildeo de que
funcionando como um requisito de uma vida digna a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede acaba sendo
tambeacutem uma autecircntica questatildeo de cidadania ou seja de conferir aos cidadatildeos a possibilidade
democraacutetica de uma provaacutevel realizaccedilatildeo desse direito177
De se esclarecer que o aqui defendido natildeo significa um abandono da noccedilatildeo consagrada
na doutrina paacutetria de que os direitos fundamentais satildeo indivisiacuteveis e possuem a mesma
hierarquia mas sim consiste na defesa de que o direito agrave sauacutede apresenta em princiacutepio um
niacutevel de fundamentalidade social e juriacutedica178
mais elevada que os demais direitos
fundamentais sociais visto que apresenta uma ascendecircncia axioloacutegica e funcional mais
aproximada ao direito agrave vida e a dignidade da pessoa humana sendo tal fato refletido no
proacuteprio tratamento prioritaacuterio que a Constituiccedilatildeo confere a tal direito
De se destacar que o pensamento acima de certa maneira aproxima-se um pouco da
ideia propugnada pela doutrina americana dos ldquopreferred freedomsrdquo ou ldquopreferred positionsrdquo
que sucintamente preza pela possibilidade de ocorrecircncia de posiccedilotildees preferenciais entre os
direitos fundamentais de acordo com o grau de relevacircncia intriacutenseca para o ser humano ou
174
Art 194 e art 195 da CF de 1988 175
Art 197 da CF de 1988 176
Art 201 sect1deg da CF de 1988 177
BAHIA Claudio Joseacute Amaral A justiciabilidade do direito fundamental agrave sauacutede concretizaccedilatildeo do princiacutepio
constitucional da dignidade da pessoa humana In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 295-318 2009
ndash UNIMAR p 314 178
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 139-143
93
para a sustentaccedilatildeo das bases democraacuteticas que o mesmo possua desde que tal conferimento
de primazia seja justificado por criteacuterios razoaacuteveis179
Fala-se entatildeo em uma doutrina da posiccedilatildeo preferencial que com fundamento na via
substantiva do devido processo legal defende a inserccedilatildeo de alguns direitos fundamentais em
posiccedilatildeo privilegiada em relaccedilatildeo aos outros sem que isso poreacutem traduza um escalonamento a
priori dos direitos fundamentais lesivo agrave unidade da Constituiccedilatildeo
Outro fator que corrobora com a primazia do direito agrave sauacutede reforccedilando sua iacutentima
ligaccedilatildeo com o direito agrave vida eacute o fato de que a ideia de qualidade de vida inerente ao conceito
de direito agrave sauacutede pregado pela OMS aproxima-se dos ideais de dignidade da pessoa humana
equiparando-se as noccedilotildees de vida digna a de vida saudaacutevel jaacute que o completo bem-estar fiacutesico
mental e social concretiza o princiacutepio da dignidade humana pois natildeo se concebe que
condiccedilotildees insalubres e precaacuterias de vida sejam aceitas como conteuacutedo de uma vida com
dignidade podendo ser identificada portanto uma proteccedilatildeo da dimensatildeo de dignidade
humana integrante do conteuacutedo do direito agrave sauacutede180
Frente a essa relaccedilatildeo embora jaacute tenha sido feitos alguns apontamentos acerca da
contribuiccedilatildeo que a construccedilatildeo conceitual de dignidade da pessoa humana prestou para a
evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais faz-se necessaacuterio neste momento compreender a
abrangecircncia dos aspectos materiais dessa dignidade de modo a estabelecer quais seus efeitos
sobre o direito agrave sauacutede especialmente quanto ao seu vieacutes prestacional
451 A dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento paacutetrio
A dignidade da pessoa humana pode ser conceituada como o atributo inerente e
distintivo de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por
parte do Estado mediante a consagraccedilatildeo de um complexo de direitos e deveres fundamentais
que venham a lhe proteger de atos degradantes bem como a lhe garantir as condiccedilotildees miacutenimas
179
Sobre a doutrina do ldquoPreffered freedomsrdquo conferir MARTEL Letiacutecia de Campos Velho Hierarquizaccedilatildeo de
direitos fundamentais a doutrina da posiccedilatildeo preferencial na jurisprudecircncia da Suprema Corte Norte-Americana
Is there a hierarchy between Fundamental Rights The preferred position constitucional doctrine in the light of
Supreme Court line decision In Revista Sequecircncia ndeg 48 p 91-117 jul 2004 180
Ao comentar a garantia do direito agrave sauacutede na Espanha Guilhermo Escobar explica que existem dois
acircmbitos protetivos distintos a proteccedilatildeo da sauacutede individual que abarca um conjunto de accedilotildees dirigidas a tutelar
a sauacutede como o direito de se conservar vivo e consequente eliminaccedilatildeo de enfermidades e sofrimento a partir da
assistecircncia no caso concreto e o direito a medicamentos e a proteccedilatildeo agrave sauacutede de maneira coletiva a qual abarca
um conjunto de accedilotildees em sua maioria preventivas dirigidas igualmente a tutelar difusamente a sauacutede de todos a
partir de poliacuteticas que indiquem as prioridades na aacuterea ESCOBAR Guilhermo Las garantias del derecho a la
salud en Espantildea In Revista da Defensoria Puacuteblica do Estado de Satildeo Paulo Ano 1 n1 juldez de 2008 p
14
94
de existecircncia para uma vida saudaacutevel que termine por propiciar sua participaccedilatildeo ativa nos
destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo com os demais seres humanos181
Desta maneira pode-se afirmar que a dignidade natildeo encerra uma criaccedilatildeo
constitucional jaacute que consiste em um dado preexistente a toda experiecircncia especulativa182
havendo em verdade um reconhecimento pela norma da existecircncia de tal qualidade que
acaba gerando um direito ao respeito e promoccedilatildeo dessa relevante qualidade inerente a todo ser
humano
Esclarecendo sob um vieacutes filosoacutefico a dignidade da pessoa humana por ser preacute-
juriacutedica natildeo consiste em um direito ou especificamente em uma pretensatildeo mas sim em um
valor espiritual e moral intriacutenseco agrave pessoa cujo dever geral de respeito e proteccedilatildeo acarreta no
surgimento de pretensotildees juriacutedicas a direitos subjetivos decorrentes desse valor
Nesse contexto a proteccedilatildeo normativa da dignidade da pessoa humana aleacutem de
permitir o reconhecimento do outro no que se refere agraves suas peculiaridades como indiviacuteduos
assume uma feiccedilatildeo tanto defensiva (jaacute que o dever de respeito agrave dignidade atua como limite
aos poderes estatais) quanto protetiva (uma vez que impotildee uma tarefa promocional de caraacuteter
prestacional ao Estado) que aloca o ser humano definitivamente para o papel de finalidade
uacuteltima do Estado funcionando portanto como um pressuposto da igualdade real183
de todos
os homens e da proacutepria democracia
Na conjuntura paacutetria tem-se que a CF de 1988 ao alccedilar agrave dignidade humana ao status
de fundamento184
do Estado Democraacutetico de Direito Brasileiro optou por posicionaacute-la como
um valor central que se impotildee como nuacutecleo baacutesico informador do sistema juriacutedico paacutetrio e
assume uma especial prioridade no sistema normativo jaacute que o unifica e o centraliza
funcionando como um super princiacutepio a orientaacute-lo185
Logo a dignidade apresenta um aspecto
dual visto que atua como elemento que simultaneamente confere unidade de sentido e
legitimidade a ordem constitucional paacutetria186
181
SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 73 182
SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular 2000 Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 146 183
GAVARA DE CARA Juan Carlos Derechos Fundamentales e Desarrollo Legislativondash La Garantiacutea Del
Contenido Esencial de los Derechos Fundamentales em la Ley Fundamental de Bonn Madrid Centro de
Estudios Constitucionales 1994 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 244 184
Art 1deg III da CF de 1988 185
PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o princiacutepio da dignidade da pessoa humana In LEITE George
Salomatildeo (org) Dos princiacutepios constitucionais Consideraccedilotildees em torno das normas principioloacutegicas da
Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2003 p 194 186
SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal
de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 91
95
Assim no cenaacuterio do constitucionalismo tupiniquim a dignidade da pessoa humana
apresenta-se como um princiacutepio e valor fundamental servindo como buacutessola de toda ordem
juriacutedica apta a conferir unidade de sentido e legitimidade agrave ordem constitucional operando
natildeo soacute como elemento de integraccedilatildeo e criteacuterio hermenecircutico mas tambeacutem (e principalmente)
como um portal que garante a abertura material do sistema juriacutedico dos direitos fundamentais
Pode-se dizer assim que a dignidade enquanto valor fundamental se apresenta como
um componente fundante e informador de todos os direitos fundamentais configurando-se
como fonte eacutetica dos mesmos187
visto que pressupotildee o reconhecimento e proteccedilatildeo de todas as
dimensotildees desses direitos significando a ausecircncia deles uma autecircntica negaccedilatildeo aviltante agrave
proacutepria dignidade
Com efeito por constituiacuterem os direitos fundamentais verdadeiras explicitaccedilotildees da
dignidade da pessoa humana pode-se concluir que a pretensatildeo de eficaacutecia e inviolabilidade
dessa dignidade encontra-se na dependecircncia da sua capacidade de se integrar no contexto da
dogmaacutetica dos direitos fundamentais de todas as dimensotildees em uma perspectiva para aleacutem do
cataacutelogo do Tiacutetulo II da Carta Magna de 1988 jaacute que a dignidade funciona como criteacuterio para
a construccedilatildeo de um conceito materialmente aberto de direito fundamentais no ordenamento
paacutetrio
Logo para aleacutem dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo
constituinte existem direitos fundamentais alocados em outras passagens da Constituiccedilatildeo de
1988 bem como nos tratados internacionais em mateacuteria de Direitos Humanos aleacutem de
direitos decorrentes implicitamente do regime e dos princiacutepios consagrados pela CF188
e esse
alargamento da consagraccedilatildeo de direitos fundamentais tem como carro-chefe o aspecto
transcendental da dignidade da pessoa humana
Nesse ponto antes de prosseguir faz-se necessaacuterio alertar que a natureza aberta
marcada por certo grau de indeterminaccedilatildeo da noccedilatildeo de dignidade da pessoa humana nesse
contexto enfrentado de abertura do cataacutelogo de direitos fundamentais deve ser interpretada
com muito cuidado de modo a natildeo enfraquecer o instituto devido a uma expansatildeo exagerada
do leque de possibilidades materiais a serem enquadrados nessa abertura
Melhor explicando para a preservaccedilatildeo da forccedila normativa e eficaacutecia da dignidade da
pessoa humana o reconhecimento de direitos fundamentais para aleacutem dos jaacute expressos
constitucionalmente deve ser encarado de modo a natildeo se banalizar esse valor fundamental da
dignidade da pessoa humana o qual natildeo deve ser tratado como um espelho no qual todos
187
MIRANDA Jorge Manual de direito constitucional 2deg ed Coimbra Coimbra 1998 v 4 p 167 188
Por forccedila do sect 2deg do art 5deg da CF de 1988
96
veem o que desejam ver189
mas sim interpretado a partir de criteacuterios hermenecircuticos seguros e
respaldados na sistemaacutetica iacutensita ao ordenamento paacutetrio evitando desta forma o seu
esvaziamento
Conclui-se portanto que ao passo que os direitos fundamentais funcionam como
exigecircncia e concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana esse atua como
elemento ampliativo de tais direitos e serve de limite agrave restriccedilatildeo dos mesmos Nesse contexto
especialmente quanto agrave feiccedilatildeo promocional da dignidade da pessoa humana de impor uma
tarefa de cunho prestacional ao Estado haacute uma clara relevacircncia do instituto para os direitos
sociais (especialmente o direito agrave sauacutede) jaacute que a dignidade impotildee a satisfaccedilatildeo das condiccedilotildees
para uma vida saudaacutevel exigindo portanto um conjunto de direito a prestaccedilotildees por parte do
Estado e da comunidade
452 O direito agrave sauacutede como elemento material da dignidade da pessoa humana
Atrelando o raciociacutenio desenvolvido quanto agrave primazia do direito agrave sauacutede dentre os
demais direitos sociais no ordenamento paacutetrio com o pensamento desenvolvido acima quanto
agrave relevacircncia do princiacutepio dignidade da pessoa humana especialmente quanto ao seu vieacutes
promocional tem-se que o direito agrave sauacutede pode ser enxergado como um dos elementos
centrais de uma vida digna e portanto um Estado Democraacutetico que elenca a dignidade como
seu fundamento deve ter uma atenccedilatildeo especial com o mesmo190
Entendido isto eacute certo que se o efeito pretendido pelo princiacutepio da dignidade da
pessoa humana consiste em uacuteltima anaacutelise em que as pessoas tenham uma vida digna podem
ser identificados alguns aspectos materiais dessa dignidade e nesse ponto eacute mais acertada
ainda a defesa de que a disponibilizaccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais que protejam e promovam o
direito agrave sauacutede eacute o primeiro e elementar aspecto a ser traccedilado191
Mas qual seria entatildeo o conteuacutedo material baacutesico da dignidade da pessoa humana O
exame de tal conteuacutedo parte da noccedilatildeo de miacutenimo existencial que consiste exatamente no
189
TRIBE Laurence H DORF Michael C On Reading the Constitucion Cambridge Massachussets Harvard
University Press 1991 p 7 apud SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 p 121 190
Aleacutem disso o papel a contribuiccedilatildeo da dignidade da pessoa humana para a eficaz abertura do cataacutelogo
constitucional dos direitos fundamentais assume funccedilatildeo relevante para o direito agrave sauacutede visto que solidifica a
imposiccedilatildeo dos tratados e pactos internacionais nos quais o Brasil se compromete a promoccedilatildeo de tal direito 191
Reforccedilando esse entendimento defende-se que natildeo haacute como desconsiderar ou mesmo negar a conexatildeo entre a
fundamentalidade dos direitos sociais e a dignidade da pessoa humana conexatildeo essa que se torna mais intensa
quanto maior for a importacircncia do direito social em exame para a efetiva fruiccedilatildeo de uma vida com dignidade
BITENCOURT NETO Eurico O Direito ao Miacutenimo para uma Existecircncia Digna Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 117
97
conjunto de prestaccedilotildees materiais miacutenimas sem as quais se pode asseverar que o indiviacuteduo
posiciona-se em situaccedilatildeo de indignidade A compreensatildeo exata do que estaria incluiacutedo no
miacutenimo existencial por sua vez passa pelo ponto jaacute defendido de que os enunciados
normativos podem ganhar a roupagem de regras ou de princiacutepios e nesse contexto tem-se
que o miacutenimo existencial seria o elemento interno do princiacutepio da dignidade da pessoa
humana sem o qual se pode afirmar que tal princiacutepio foi violado assumindo esse elemento
portanto um caraacuteter de regra e natildeo mais de princiacutepio
Desta maneira esse estudo filia-se agrave defesa de que haacute um conteuacutedo miacutenimo que pode
ser identificado no princiacutepio da dignidade da pessoa humana a respeito do qual ningueacutem
tergiversaraacute e que compotildee um nuacutecleo de condiccedilotildees materiais tatildeo fundamental que sua
existecircncia impotildee-se como uma regra e natildeo como um princiacutepio visto que caso tais condiccedilotildees
natildeo existissem natildeo haveria a possibilidade (clara nos princiacutepios) de se graduar ou otimizar
logo a violaccedilatildeo da dignidade quando direcionada a esse nuacutecleo funciona da mesma forma
como nas regras Por outro lado para aleacutem desse nuacutecleo haveria a manutenccedilatildeo da natureza
principioloacutegica da dignidade jaacute que nesse ponto residiriam fins relativamente indeterminados
que poderiam ser atingidos a depender das opccedilotildees do Legislativo e Executivo em cada
momento histoacuterico192
Explicando melhor o raciociacutenio desenvolvido o miacutenimo existencial consistiria no
nuacutecleo material do princiacutepio da dignidade da pessoa humana o qual engloba um conjunto de
situaccedilotildees materiais indispensaacuteveis agrave existecircncia humana digna cuja violaccedilatildeo importa
necessariamente em desrespeito a dignidade sob o aspecto material tornando-se o conteuacutedo
de tal miacutenimo um espectro indisputaacutevel que solidifica consensualmente o baacutesico de condiccedilotildees
que cada indiviacuteduo necessita para viver dignamente193
Tem-se pois que o miacutenimo existencial corresponde a uma fraccedilatildeo nuclear da
dignidade da pessoa humana eivada de um caraacuteter de regra em um contexto em que a natildeo
realizaccedilatildeo dos efeitos abrangidos por esse miacutenimo apontaraacute para uma automaacutetica violaccedilatildeo do
192
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 243 193
Corroborando para a conexatildeo entre dignidade da pessoa humana e miacutenimo existencial Caacutermen Luacutecia
Antunes Rocha pontua que ldquopelo acolhimento do conceito de miacutenimo existencial a ser garantido como direito
para a efetivaccedilatildeo desse princiacutepio [dignidade da pessoa humana] tem-se por estabelecido um espaccedilo
juridicamente assegurado e posto a cumprimento obrigatoacuterio de tal modo que o seu natildeo acatamento pode ser
objeto de responsabilizaccedilatildeo do Estado () o conceito de miacutenimo existencial dotou de conteuacutedo objetivo o
quanto compete aos Estado e agrave sociedade garantir a todos o cumprimento do princiacutepio da dignidade humanardquo
ROCHA Caacutermen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel In Revista latino-
americana de estudos constitucionais n5 janjun Belo Horizonte 2005 p 445
98
mencionado princiacutepio constitucional194
Por outro lado eacute certo que a parcela remanescente do
conteuacutedo da dignidade da pessoa humana a qual natildeo faz parte desse consenso miacutenimo e
apresenta o vieacutes de princiacutepio pode vir a ser incorporada a esse nuacutecleo essencial a depender da
conjuntura histoacuterica e poliacutetica195
Nesse contexto se por um lado natildeo existe consenso sobre a possibilidade de uma
delimitaccedilatildeo pontual196
de tudo que realmente viria a abranger esse miacutenimo existencial197
por
outro natildeo pode ser negado o fato de que o direito agrave sauacutede natildeo soacute estaria incluiacutedo em seu
conteuacutedo como em verdade seria o seu componente elementar jaacute que (repisando a noccedilatildeo de
direito agrave sauacutede como um direito social impreteriacutevel) natildeo se cogita uma vida digna que natildeo
abranja uma vida saudaacutevel198
De toda forma uma pergunta jaacute desponta o que finalmente estaria incluiacutedo de
maneira concreta no miacutenimo existencial e qual seria portanto esse conjunto de situaccedilotildees
materiais imprescindiacuteveis agrave existecircncia humana digna Antes de responder tal questionamento
faz-se imperioso o alerta de que qualquer proposta que tente especificar as prestaccedilotildees
materiais incluiacutedas na noccedilatildeo de miacutenimo existencial deve ter em mente que esse nuacutecleo natildeo
consiste em um elemento hermeacutetico e cerrado mas sim configura-se de modo expansiacutevel
194
Conforme preceitua Mariana Filchtiner podem ser identificadas duas dimensotildees distintas do miacutenimo
existencial de um lado o direito de natildeo ser privado do que se considera essencial agrave conservaccedilatildeo de um
rendimento indispensaacutevel a uma existecircncia minimamente dina e de outro o direito a exigir do Estado as
prestaccedilotildees que traduzem esse miacutenimo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave Sauacutede
paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 194 195
Com perfeiccedilatildeo Ana Paula de Barcellos tenta elucidar a temaacutetica em exame da seguinte maneira ldquoRecorra-se
aqui a uma imagem capaz de ilustrar o que se afirma a de dois ciacuterculos concecircntricos O ciacuterculo interior cuida
afinal do miacutenimo de dignidade decisatildeo fundamental do poder constituinte originaacuterio que qualquer maioria teraacute
de respeitar e que afinal representa o efeito concreto miacutenimo pretendido pela norma e exigiacutevel O espaccedilo entre o
ciacuterculo interno e o externo seraacute ocupado pela deliberaccedilatildeo poliacutetica a quem caberaacute para aleacutem do miacutenimo
existencial desenvolver a concepccedilatildeo de dignidade prevalente ()rdquoBARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia
juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de
Janeiro Renovar 2011 p 296 196
Para Ricardo Locircbo Torres por exemplo o miacutenimo existencial seria ldquoindefiniacutevel aparecendo sob a forma de
claacuteusulas gerais e tipos indeterminadosrdquo TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos
direitos In TORRES Ricardo Locircbo (Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999
p 151 197
Merece nota o posicionamento reforccedilador da unidade dos direitos fundamentais de Ingo Sarlet no sentido de
ser o miacutenimo existencial propriamente uma espeacutecie de direito fundamental composto por um conjunto de direitos
fundamentais a prestaccedilotildees os quais por sua essencialidade agrave garantia de condiccedilotildees miacutenimas (e aiacute o autor cita a
sauacutede a educaccedilatildeo a alimentaccedilatildeo e a informaccedilatildeo) possibilitam o real exerciacutecio dos direitos individuais e
poliacuteticos SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 5deg ed Porto Alegre Livraria do
Advogado 2005 198
Aqui faz-se relevante a distinccedilatildeo entre miacutenimo vital e miacutenimo existencial e a inter-relaccedilatildeo que a sauacutede
apresenta com ambos os conceitos Miacutenimo vital refere-se agraves prestaccedilotildees materiais imperiosas agrave subsistecircncia do
indiviacuteduo enquanto miacutenimo existencial abarcaria todas prestaccedilotildees necessaacuterias ao gozo de uma vida digna indo
aleacutem da mera sobrevivecircncia Nota-se assim que o direito agrave sauacutede tanto por sua primazia atrelada ao seu caraacuteter
elementar quanto pelo fato de sua salvaguarda acompanhar o indiviacuteduo por toda sua existecircncia termina por
figurar como carro-chefe de ambos os conceitos
99
podendo (e devendo199
) serem acoplados novos elementos ao mesmo conforme a evoluccedilatildeo de
cada ordenamento importando sua supressatildeo200
em grave violaccedilatildeo agrave dignidade
Dito isto tem-se que o presente estudo se filia agrave ambiciosa201
proposta de
concretizaccedilatildeo juriacutedica da ideia de miacutenimo existencial formulada por Ana Paula Barcellos de
que o Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humanardquo a qual identifica quatro elementos (trecircs
materiais e um de caraacuteter instrumental) na composiccedilatildeo do miacutenimo existencial e portanto
concretizadores do nuacutecleo da dignidade da pessoa humana a sauacutede baacutesica a educaccedilatildeo baacutesica
a assistecircncia aos desamparados e o acesso agrave justiccedila202
Sem partir de uma escolha aleatoacuteria tais elementos integram uma estrutura loacutegica que
aloca a educaccedilatildeo e a sauacutede como formadores de um primeiro momento da dignidade humana
jaacute que satildeo as peccedilas responsaacuteveis por assegurar as condiccedilotildees iniciais para que o indiviacuteduo
construa sua proacutepria dignidade de modo autocircnomo Ainda tal estrutura posiciona a assistecircncia
aos desamparados como uma espeacutecie de pilar uacuteltimo na base que evita a situaccedilatildeo de
indignidade em termos absolutos abrangendo aspectos inerentes agrave alimentaccedilatildeo vestuaacuterio e
abrigo e finalmente o acesso agrave justiccedila desponta como o elemento instrumental apto e
indispensaacutevel ao reconhecimento de eficaacutecia dos elementos materiais expostos
Avanccedilando nesse raciociacutenio defende-se aqui amparado por tudo que jaacute foi exposto
nesse capiacutetulo que dentre os trecircs elementos materiais apontados ainda que o direito agrave sauacutede
conforme a visatildeo da autora apresente-se conjugada com o direito agrave educaccedilatildeo em um primeiro
plano da dignidade humana por sua umbilical ligaccedilatildeo com o direito agrave vida seu caraacuteter de
direito impreteriacutevel e finalmente sua necessidade de perene garantia203
ao longo de toda a
vida do indiviacuteduo deve ser posicionado na base deste primeiro plano consistindo em preacute-
199
Para Ricardo Locircbo Torres novamente o miacutenimo existencial estende-se para aleacutem dos direitos elencados no
art 5deg da CF sendo dotados de historicidade comportando elasticidade suficiente para adaptar-se ao contexto
social TORRES Ricardo Locircbo A cidadania multidimensional da era dos direitos In TORRES Ricardo Locircbo
(Org) Teoria dos direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 1999 p 262 200
Nesse ponto dos ensinamentos de Canotilho depreende-se que com base no princiacutepio da vedaccedilatildeo do
retrocesso social ou da evoluccedilatildeo reacionaacuteria uma vez obtido certo grau de realizaccedilatildeo de um direito social por
meio de uma nova prestaccedilatildeo material especiacutefica tal acreacutescimo passa a compor a esfera dimensional do direito
agraciado passando a ser exigiacutevel pelos cidadatildeos CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional
e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 339 201
Adjetivaccedilatildeo empreendida pela proacutepria autora BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos
Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar
2011 p 247 202
Em que pese a referida autora se preocupar em sua obra em delimitar o que na visatildeo da mesma estaria
abrangido por cada um desses elementos tal especificaccedilatildeo natildeo seraacute objeto do presente estudo sendo apenas em
momento oportuno apresentada o posicionamento particular do que seria um miacutenimo existencial em espeacutecie
para o direito agrave sauacutede 203
Enquanto a educaccedilatildeo poderaacute vir a ser prestada em qualquer fase da vida a preocupaccedilatildeo com a sauacutede
acompanha a pessoa humana desde antes sua concepccedilatildeo percorrendo por toda sua existecircncia
100
requisito baacutesico a fruiccedilatildeo dos demais direitos fundamentais para aleacutem do proacuteprio miacutenimo
existencial
Quanto a esse ponto (fundamentalidade da sauacutede e educaccedilatildeo) sem querer travar um
embate entre tais bens mas apenas constatar uma situaccedilatildeo faacutetica faz-se imperioso admitir
que embora a obrigaccedilatildeo estatal para com a educaccedilatildeo do cidadatildeo necessite de uma estrutura
perene uma vez usufruiacutedo tal direito seja em qual fase da vida for pode-se dizer que o
Estado quitou sua ldquodiacutevidardquo com a formaccedilatildeo educacional daquele indiviacuteduo em especiacutefico que
estaria apto a trilhar seu proacuteprio caminho Noutro vieacutes a obrigaccedilatildeo estatal com relaccedilatildeo a
sauacutede atravessa toda a vida do indiviacuteduo natildeo importando sua idade nem grau de instruccedilatildeo
educacional
Em outras palavras enquanto que com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo o Estado pode em algum
momento se posicionar como fiel cumpridor do que se comprometeu livrando-se para cada
indiviacuteduo especificamente de sua obrigaccedilatildeo quanto agrave sauacutede o Estado continuamente estaraacute
ldquopagando sua diacutevida com o cidadatildeordquo sempre que o indiviacuteduo necessitar dos serviccedilos de sauacutede
puacuteblica
Corroborando com o raciociacutenio acima construiacutedo tem-se que a CF de 1988
vislumbrou ser possiacutevel estratificar (sem comprometer) o direito agrave educaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis a partir de criteacuterios etaacuterios importando em distintos graus de obrigatoriedade do Estado
quanto agrave concretizaccedilatildeo de tal direito204
enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede tal teacutecnica natildeo
pocircde ser aplicada pois enxergou-se que como o direito agrave sauacutede pode ser lesado de maneira
atemporal e inesgotaacutevel e o Estado chamado a reparar tal violaccedilatildeo uma proteccedilatildeo a tal direito
soacute estaria consentacircnea com a dignidade da pessoa humana caso abrangesse o acesso universal
e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede o que
acabou sendo previsto pela CF
Feitas tais digressotildees transborda aos interesses desse estudo a exata noccedilatildeo do que
cada elemento citado como integrante do miacutenimo existencial estaria abrangendo contudo
merece ser esboccedilada ainda que sucintamente a noccedilatildeo particular trazida pela referida autora
de qual seria o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede integrantes desse elemento do miacutenimo
existencial para posterior contraste com a visatildeo empreendida por esse estudo no capiacutetulo
seguinte Nesse contexto a concretizaccedilatildeo de um por assim dizer miacutenimo existencial com
relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede205
deve necessariamente abranger a prestaccedilatildeo de serviccedilo de
204
Conforme art 208 da CF de 1988 205
Sob um vieacutes dialoacutegico pode-se afirmar que se de um lado a sauacutede consubstancia-se como elemento do
miacutenimo existencial (que seria o nuacutecleo essencial da dignidade humana) natildeo se pode esquecer que no acircmbito
101
saneamento o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo
epidemioloacutegicas206
Chega-se finalmente a um dos pontos centrais do presente estudo que eacute o alerta para
o fato de que natildeo se faz suficiente somente afirmar o que estaria englobado no miacutenimo
existencial Eacute essencial compreender qual o alcance em termos de exigibilidade e eficaacutecia de
se afirmar que prestaccedilatildeo ldquoardquo ou ldquobrdquo insere-se no conteuacutedo do miacutenimo existencial e quais as
consequecircncias em caso de afronta ao mesmo
Mergulha-se entatildeo na relevante temaacutetica da sindicabilidade dos direitos sociais
especialmente do direito agrave sauacutede perante o Poder Judiciaacuterio e a premissa que antes mesmo de
adentrar no toacutepico especiacutefico do tema jaacute deve ser assentada eacute a de que (a partir do resgate do
pensamento jaacute esposado de que o miacutenimo existencial ganha roupagem de regra e portanto sua
natildeo garantia importaraacute em violaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana) quando o Judiciaacuterio
emprega o conceito de miacutenimo existencial ele estaacute automaticamente dispensando o exame da
reserve do possiacutevel
Isto porque a possiacutevel utilizaccedilatildeo do argumento econocircmico-orccedilamentaacuterio do Estado soacute
pode ser invocada quando estiver sendo discutido um aspecto que transborde o conteuacutedo
desse miacutenimo
Portanto a celeuma envolvendo a judicializaccedilatildeo do direito agrave sauacutede reside exatamente
na tentativa de se construir criteacuterios objetivos e razoaacuteveis que respaldem um controle judicial
consentacircneo com o ordenamento constitucional paacutetrio de modo a evitar abusos e efeitos
colaterais que ao inveacutes de fortalecer venha a enfraquecer a relaccedilatildeo entre os Poderes e as
bases constitucionais de tal direito E nesse ponto a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial
especiacutefico quanto ao direito agrave sauacutede por contribuir para uma maior seguranccedila juriacutedica dessa
intervenccedilatildeo judicial no tema assume papel de suma relevacircncia conforme se veraacute a seguir
desse proacuteprio direito agrave sauacutede existe um espectro de situaccedilotildees materiais cuja garantia iraacute importar na
concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial formando um consenso miacutenimo com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede que
retroalimenta essa sistemaacutetica dialoacutegica Pode-se falar portanto em miacutenimos existenciais em espeacutecie para cada
um dos elementos (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) do nuacutecleo da dignidade da
pessoa humana consistindo a tentativa doutrinaacuteria e jurisprudencial de elucidaccedilatildeo da abrangecircncia de cada um
desses miacutenimos em espeacutecie uma importante tarefa apta a proporcionar seguranccedila juriacutedica no terreno da
problemaacutetica da efetividade dos direitos fundamentais sociais 206
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 321
102
5 A PROTECcedilAtildeO JUDICIAL DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
De modo a facilitar a organizaccedilatildeo do raciociacutenio ateacute aqui desenvolvido e situar o leitor
na busca pela compreensatildeo do presente capiacutetulo faz-se pertinente rememorar que o estudo
ora proposto tem como ponto de partida as constataccedilotildees de que o niacutevel de concretizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede alcanccedilado no panorama constitucional paacutetrio natildeo corresponde ao patamar de
gradual e progressiva realizaccedilatildeo imaginado e reconstruiacutedo pela Constituiccedilatildeo de 1988 bem
como que o direito agrave sauacutede frente sua maior proximidade com o direito agrave vida e seu caraacuteter de
direito impreteriacutevel apresenta um niacutevel de fundamentalidade juriacutedica mais acentuado que os
demais direitos sociais alocando-se assim para uma posiccedilatildeo de primazia dentre estes
Admitidas tais premissas concluiu-se que no exame acerca da problemaacutetica da
eficaacutecia e efetividade do direito agrave sauacutede em que pese o fato de sua realizaccedilatildeo demandar um
aporte de recursos do Estado existem certas prestaccedilotildees materiais que podem ser pleiteadas
judicialmente sem que o argumento da reserva do possiacutevel possa prosperar jaacute que seriam
prestaccedilotildees incluiacutedas em uma espeacutecie de nuacutecleo do direito a sauacutede compondo um miacutenimo
existencial em espeacutecie para tal direito Da mesma forma assentou-se que a depender das
previsotildees legais e poliacuteticas puacuteblicas na temaacutetica outras prestaccedilotildees poderiam ser exigidas
judicialmente jaacute que os compromissos firmados devem ser cumpridos sob pena de se frustrar
a concretizaccedilatildeo do direito ora examinado
Eacute nessa conjuntura que surge a problemaacutetica discussatildeo acerca dos limites da atuaccedilatildeo
do Poder Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede tema que envolve de forma complexa
aleacutem de aspectos de natureza primordialmente constitucional como a correta leitura da
Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes e o alcance do Princiacutepio da Igualdade nuances
relacionadas agrave seara orccedilamentaacuteria ao controle judicial das poliacuteticas puacuteblicas e agrave hermenecircutica
juriacutedica sobretudo quando da aplicaccedilatildeo do Princiacutepio da Proporcionalidade
O presente capiacutetulo se propotildee a analisar exatamente as questotildees acima mencionadas
com o fito de defender fique claro desde jaacute que o papel do Poder Judiciaacuterio no
enfrentamento de casos que envolvam a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que vinculado
a criteacuterios razoaacuteveis e objetivos que natildeo desvirtuem a organizaccedilatildeo dos poderes estruturada
constitucionalmente consiste em um importante instrumento de aceleraccedilatildeo do jaacute
mencionado deacuteficit evolutivo pelo qual passa o processo de gradual realizaccedilatildeo de tal direito
no Brasil
Partindo do exposto e levando em consideraccedilatildeo a interpretaccedilatildeo da legislaccedilatildeo
infraconstitucional paacutetria regulamentadora do direito agrave sauacutede o mote principal deste capiacutetulo
103
seraacute o seguinte tentar delimitar quais prestaccedilotildees materiais incluem-se no miacutenimo existencial
do direito agrave sauacutede aleacutem de propor razoaacuteveis criteacuterios a serem empregados pelo Judiciaacuterio ao
julgar demandas que envolvam o tema
Feito essa espeacutecie de resumo elucidativo seraacute examinado a seguir o ponto inicial da
discussatildeo proposta a contribuiccedilatildeo da noccedilatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional207
no contexto do
constitucionalismo contemporacircneo para a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais
51 A EXPANSAtildeO DA JURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL E A DELIMITACcedilAtildeO DA
ATUACcedilAtildeO JUDICIAL NA CONCRETIZACcedilAtildeO DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
A hodierna visatildeo de jurisdiccedilatildeo constitucional estaacute inserida no contexto das
transformaccedilotildees contemporacircneas do chamado neoconstitucionalismo208
fenocircmeno que apesar
da dificuldade de se chegar a um conceito uniforme209
pode ser caracterizado pela
identificaccedilatildeo de trecircs marcos (um histoacuterico um filosoacutefico e outro teoacuterico) condensadores das
mudanccedilas de paradigma que mobilizaram a criaccedilatildeo de uma nova percepccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
O marco histoacuterico no contexto mundial pode ser identificado pelo constitucionalismo
do poacutes 2deg Guerra Mundial marcado pela tentativa de se redefinir o lugar da Constituiccedilatildeo e sua
influecircncia sobre as instituiccedilotildees contemporacircneas a partir da aproximaccedilatildeo das ideias de
constitucionalismo e democracia com o surgimento do Estado Democraacutetico de Direito No
Brasil tal renascimento se deu tardiamente mediante a atual Carta de 1988 a qual vem
propiciando o mais longo periacuteodo de estabilidade institucional da histoacuteria republicana
paacutetria210
207
Sobre a temaacutetica conferir dentre outros NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira Jurisdiccedilatildeo Constitucional ndash
Aspectos controvertidos Curitiba Juruaacute 2011 254 p 208
Natildeo eacute objeto do presente estudo o enfrentamento da discussatildeo acerca da conceituaccedilatildeo de
neoconstitucionalismo sendo certo contudo que natildeo haacute uma completa uniformidade doutrinaacuteria acerca do tema
Sobre o assunto v dentre outros Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das
poliacuteticas puacutebicas Revista de Direito Administrativo ndeg 240 2005 COMANDUCCI Paolo Formas de (neo)
constitucionalismo um anaacutelisis metateoacuterica Isonomiacutea n 16 p 89 abr2002 CARBONELL Miguel
Neoconstitucionalismo(s) Madrid Trotta 2003 209
Nesse sentido adverte Humberto Aacutevila que natildeo haacute apenas um conceito de ldquoneoconstitucionalismordquo sendo a
diversidade de autores concepccedilotildees elementos e perspectivas tatildeo marcante que torna-se inviaacutevel o esboccedilo de
uma teoria uacutenica Contudo na visatildeo do autor podem ser identificados quatro fundamentos inseparaacuteveis do
instituto ldquoo normativo (da regra ao princiacutepio) o metodoloacutegico (da subsunccedilatildeo agrave ponderaccedilatildeo) o axioloacutegico (da
justiccedila geral agrave justiccedila particular) e o organizacional (do Poder Legislativo ao Poder Judiciaacuterio)rdquo AacuteVILA
Humberto ldquoNeoconstitucionaismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo In Revista Eletrocircnica
de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico ndeg 17 janeirofevereiromarccedilo
2009 210
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02
104
No campo filosoacutefico o debate travado pelas correntes de pensamento jusnaturalista
(desenvolvido a partir do seacuteculo XVI e marcado pela aproximaccedilatildeo da lei e razatildeo) e positivista
(ascendente no final do seacuteculo XIX em lugar do jusnaturalismo e caracterizado pelo
afastamento do direito da filosofia) eacute superado com a adoccedilatildeo da prevalecircncia de um conjunto
difuso e abrangente de ideias agrupadas sob o roacutetulo de poacutes-positivismo que sem desprezar o
direito posto busca empreender uma leitura moral do direito perquirindo sua funccedilatildeo social e
desenvolvendo instrumentos para sua interpretaccedilatildeo211
Daiacute ser consistente a criacutetica212
de que a adesatildeo ao neoconstitucionalismo natildeo significa
a automaacutetica aceitaccedilatildeo das famosas premissas (mais princiacutepios que regras mais ponderaccedilatildeo
que subsunccedilatildeo) pregadas por Luiacutes Pietro Sanchiacutes213
como caracterizadoras de tal movimento
mas sim a adoccedilatildeo de uma teoria constitucional que sem descartar a relevacircncia das regras e da
subsunccedilatildeo abraccedila os princiacutepios e a ponderaccedilatildeo tentando racionalizar seu uso
Tal cenaacuterio mergulhado na reaproximaccedilatildeo entre o direito e a filosofia eacute marcado por
um conjunto de novas ideias que tentam justificar esse novel posicionamento da Constituiccedilatildeo
no ordenamento214
destacando-se o desenvolvimento de uma teoria dos direitos
fundamentais calcada na dignidade humana o conferimento de normatividade aos princiacutepios e
a reabilitaccedilatildeo da razatildeo praacutetica e da argumentaccedilatildeo juriacutedica na formaccedilatildeo de uma nova
hermenecircutica constitucional baseada na maior amplitude do espaccedilo de atuaccedilatildeo do
inteacuterprete215
Eacute no campo teoacuterico contudo que estaacute inserida a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional
que juntamente com o reconhecimento de forccedila normativa agrave Constituiccedilatildeo e o
desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional formam as trecircs
grandes transformaccedilotildees do neoconstitucionalismo essenciais para a superaccedilatildeo da arcaica
noccedilatildeo de Constituiccedilatildeo como um mero documento poliacutetico cuja concretizaccedilatildeo das propostas
211
Tal movimento ficou conhecido como virada kantiana e buscou sepultar a ideia de uma separaccedilatildeo riacutegida
entre a descriccedilatildeo e prescriccedilatildeo na ciecircncia juriacutedica associando o debate moral ao direito TORRES Ricardo Lobo
A jurisprudecircncia dos valores In SARMENTO Daniel (Coord) Filosofia e teoria constitucional
contemporacircnea Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 509 212
SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 81 213
SANCHIS Luis Pietro Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales Madrid Trotta 2000 p 132 214
Reforce-se que a superaccedilatildeo do positivismo natildeo deve ser compreendida nem como o completo abandono do
instrumental teoacuterico desenvolvido pela doutrina positivista nem como o regresso automaacutetico ao jusnaturalismo
mas sim como uma mescla e agrupamento de tais modelos resultante na combinaccedilatildeo dos acertos de ambos
BUSTAMANTE Thomas da Rosa de Em busca de uma filosofia do Direito natildeo-positivista revisitando o
debate com o professor Alfonso Garciacutea Figueroa In Teoria do direito e decisatildeo racional temas de teoria da
argumentaccedilatildeo juriacutedica Rio de JANEIRO Renovar 2008 p 232 215
PIRES Thiago Magalhatildees Poacutes-positivismo sem trauma O possiacutevel e o indesejaacutevel no reencontro do direito
com a moral In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 34
105
nela inseridas dependia completamente da liberdade de conformaccedilatildeo do legislador e da
discricionariedade do administrador216
Desta maneira o modelo de supremacia da lei entatildeo reinante foi cedendo espaccedilo para
um novo padratildeo inspirado pela experiecircncia americana de supremacia da constituiccedilatildeo217
marcado pela constitucionalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais cuja proteccedilatildeo passou a caber ao
Judiciaacuterio Essa conjuntura por sua vez foi marcada pelo desenvolvimento do controle de
constitucionalidade das leis que no Brasil acoplou reflexos significativos da referida
expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional com o advento da Carta de 1988 sobretudo com a
criaccedilatildeo de novos mecanismos de controle concentrado e ampliaccedilatildeo dos legitimados agrave
propositura das accedilotildees de controle
Eacute nesse panorama de constitucionalizaccedilatildeo do direito em que a Constituiccedilatildeo aliou agrave
sua supremacia formal uma supremacia axioloacutegica alimentada pela abertura do sistema
juriacutedico e pela normatividade dos princiacutepios que surge o polecircmico debate doutrinaacuterio acerca
da legitimidade e dos limites da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na aplicaccedilatildeo dos valores substantivos
basilares na Constituiccedilatildeo e na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sobretudo os sociais
de cunho prestacional em sentido estrito218
A polecircmica reside no fato de que se por um lado eacute paciacutefico existir um consenso com
relaccedilatildeo ao fato da Constituiccedilatildeo posicionar-se no centro do sistema juriacutedico irradiando sua
forccedila normativa e funcionando tanto como paracircmetro de validade para a ordem
infraconstitucional quanto vetor primordial de interpretaccedilatildeo do sistema juriacutedico por outro
estaacute longe de ser paciacutefica a delimitaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio em demandas que envolvem
216
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 05 217
Sobre o tema Artur Cortez Bonifaacutecio aponta a importacircncia da supremacia da Constituiccedilatildeo realccedilando os
seguintes aspectos ldquoi) o princiacutepio disciplina a existecircncia e o funcionamento dos oacutergatildeos e agentes que compotildeem
a estrutura do Estado suas accedilotildees ou omissotildees e a sua atuaccedilatildeo de conformidade com a Constituiccedilatildeo ii) eacute tambeacutem
modelador das relaccedilotildees juriacutedicas do direito iii) dele se defere uma conformaccedilatildeo dos demais ramos do direito iv)
eacute um princiacutepio que direciona a interpretaccedilatildeo do direito e possibilita a defesa da Constituiccedilatildeo por meio do
exerciacutecio do controle de constitucionalidaderdquo BONIFAacuteCIO Artur Cortez O direito constitucional
internacional e a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 p 31 218
Eduardo Garciacutea de Enterriacutea aponta que ldquo la supremaciacutea de la Constitucioacuten sobre todas las hormas y su
caraacutecter central en la construccioacuten y em la validez del ordenamiento em su conjunto obligan a interpretar eacuteste
em cualquier momento de su aplicacioacuten ndash por operadores puacuteblicos o por operadores privados por Tribunales o
por oacuterganos legislativos o administrativos ndash em el sentido que resulta de los princiacutepios y reglas constitucionales
tanto los generales como los especiacuteficos referentes a la mateacuteria de que se trate ENTERRIacuteA Eduardo Garciacutea
Hermeneutica e Supremacia Constitucional In CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs)
Direito Constitucional teoria geral da constituiccedilatildeo Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 1 Satildeo Paulo Editora
Revista dos Tribunais 2011 829
106
direitos fundamentais sob o argumento de que estaria aplicando e fazendo valer a Constituiccedilatildeo
ao realizar tais direitos219
Aleacutem dessa justificativa juriacutedico-sistecircmica de que o judiciaacuterio quando julga tais
questotildees estaacute simplesmente cumprindo seu papel de defesa da Constituiccedilatildeo alguns aspectos
de caraacuteter social e poliacutetico podem ser apontados para a acentuaccedilatildeo do debate primeiro o fato
de que aumentou significativamente a demanda por justiccedila no Brasil tanto pela proacutepria
inserccedilatildeo de novos direitos e accedilotildees na tutela de interesses coletivos quanto pela redescoberta
da cidadania marcada pela conscientizaccedilatildeo das pessoas quanto aos seus direitos220
e
segundo a constataccedilatildeo de que o quadro poliacutetico nacional reflete claramente uma carecircncia
tanto do Legislativo quanto do Executivo221
em cumprir com eficiecircncia suas respectivas
funccedilotildees222
Surge portanto nesse cenaacuterio de tensatildeo entre os poderes a necessidade de se
examinar o que se entende por ativismo judicial e qual seria a correta leitura do Princiacutepio da
Separaccedilatildeo dos Poderes especialmente no que se refere ao enfrentamento da temaacutetica da
atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
511 Ativismo Judicial e a (re) leitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos poderes
O aludido modelo poacutes-positivista ao fazer reverecircncia agrave Constituiccedilatildeo e aos direitos
fundamentais terminou por contribuir para o fortalecimento daquela e a consequente elevaccedilatildeo
219
Nesta linha de raciociacutenio Daniel Giotti de Paula assevera que ldquoNatildeo se pode esperar que apenas a
Administraccedilatildeo Puacuteblica e os oacutergatildeos legislativos concretizem os direitos fundamentais Pode ser que na defesa de
um chamado interesse puacuteblico bdquosecundaacuterio‟ ou de interesses meramente pessoais e egoiacutesticos deixem eles de
cumprir deveres constitucionais de concretizaccedilatildeo de direitos da coletividade surgindo o Judiciaacuterio como a
instacircncia concretizadora de direitos fundamentais em situaccedilatildeo de niacutetida persecuccedilatildeo do interesse puacuteblico DE
PAULA Daniel Giotti Uma leitura criacutetica sobre o ativismo e a judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 22 220 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 02 221
Importante esclarecer que em que pese a ineficiecircncia do Legislativo e Executivo em cumprir as promessas do
Estado de Bem-Estar Social eacute certo que o recurso aos canais judiciais para solucionar esse problema se deu em
um contexto de enfraquecimento do Legislativo e agigantamento do papel do Executivo ocasionado sobretudo
pela adoccedilatildeo de um presidencialismo de coalizatildeo em que a sustentaccedilatildeo parlamentar do Presidente natildeo se forma
com base somente no eixo partidaacuterio-eleitoral mas tambeacutem regional constatando-se que a agenda legislativa
passou a ser controlada pelo Executivo LIMONGI Fernando A democracia no Brasil presidencialismo
coalizaccedilatildeo partidaacuteria e processo decisoacuterio In Revista Novos Estudos ndeg 76 Nov 2006 p 19 222
Apesar de transbordar o objeto da presente pesquisa eacute inegaacutevel e natildeo pode ser desconsiderado o fato de que
o cenaacuterio poliacutetico brasileiro reflete uma constante e crescente desconfianccedila da sociedade com o Legislativo e
Executivo quadro recentemente reforccedilado pelos graves casos de corrupccedilatildeo ocorridos dentro do diaacutelogo entre
Executivo e Legislativo cunhado popularmente de ldquoescacircndalo do mensalatildeordquo
107
destes ao topo do ordenamento juriacutedico223
A pulsante expansatildeo da Jurisdiccedilatildeo Constitucional
e consequente ascensatildeo institucional do Judiciaacuterio224
acarretaram por sua vez em uma
expressiva judicializaccedilatildeo de questotildees poliacuteticas e sociais as quais passaram a ter nos tribunais
a sua instacircncia decisoacuteria final o que resgatou a discussatildeo sobre os limites da
comunicabilidade entre o sistema poliacutetico e juriacutedico
Desse modo somente para ilustrar seja no campo das poliacuteticas puacuteblicas da relaccedilatildeo
entre os poderes dos direitos fundamentais ou ateacute mesmo em questotildees cotidianas o
Judiciaacuterio especialmente o STF foi chamado a se pronunciar por exemplo sobre poder
investigativo do Ministeacuterio Puacuteblico possibilidade de greve do funcionalismo puacuteblico
legitimidade da interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo em casos de inviabilidade fetal aspectos centrais da
reforma da previdecircncia e do judiciaacuterio limites de atuaccedilatildeo das Comissotildees Parlamentares de
Inqueacuterito legalidade de cobranccedila de assinaturas telefocircnicas majoraccedilatildeo de valor das passagens
de transporte coletivo dentre inuacutemeros outros casos em que restou assentado o caraacuteter proacute-
ativo de tal poder225
Essa nova postura tem se estruturado de maneira bastante complexa no ordenamento
paacutetrio vez que a tentativa de se alcanccedilar um saudaacutevel meio termo entre a visatildeo que enxerga
essa atuaccedilatildeo com maus olhos (fala-se por exemplo em judiocracia e ldquooba-oba
constitucionalrdquo 226
) e a que defende a possibilidade do papel ativista do Judiciaacuterio como canal
seguro e legiacutetimo para solucionar os conflitos poliacutetico-juriacutedicos vem consistindo em uma
tarefa difiacutecil de ser alcanccedilada
223
MAIA Christianny Dioacutegenes Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro In SALES Gabrielle
Bezerra JUCAacute Roberta Laena Costa (Orgs) Constituiccedilatildeo em foco 20 anos de um novo Brasil Fortaleza
LCR 2008 p 52 224
Lenio Streck destaca o deslocamento do centro das decisotildees do Legislativo e Executivo para o plano da
Justiccedila Constitucional como um fato consequente e indissociaacutevel do proacuteprio Estado Democraacutetico de Direito ao
afirmar que ldquono Estado Democraacutetico de Direito o foco de tensatildeo se volta para o Judiciaacuterio Ineacutercias do
Executivo e a falta de atuaccedilatildeo do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciaacuterio justamente mediante a
utilizaccedilatildeo dos mecanismos juriacutedicos previstos na Constituiccedilatildeo que estabeleceu o Estado Democraacutetico de Direito
A Constituiccedilatildeo natildeo estaacute sendo cumprida As normas-programas da Lei Maior natildeo estatildeo sendo implementadas
Por isso na falta de poliacuteticas puacuteblicas cumpridoras dos ditames do Estado Democraacutetico de Direito surge o
Judiciaacuterio como instrumento para o resgate dos direitos natildeo realizadosrdquo STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica
juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 7deg ed Porto Alegre Livraria
do Advogado 2007 p 54-55 225 BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 08 226
Tais termos foram cunhados por Daniel Sarmento no intuito de embasar em estudo desconstrutivo do
neoconstitucionalismo encarado como movimento de inspiraccedilatildeo italiana e espanhola ausente nos debates
americano e alematildeo sua preocupaccedilatildeo com a existecircncia de mais decisotildees e menos espaccedilo para o povo se
autogovernarem por meio das instacircncias democraacuteticas por ele escolhidas Sobre o assunto v SARMENTO
Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil riscos e possibilidades In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE
PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador
Juspodivm 2011 p 73
108
No seio desse embate eacute que nasce o fenocircmeno denominado pela doutrina de ativismo
judicial cuja ideia associa-se a uma participaccedilatildeo mais ampla e intensa do Judiciaacuterio na
concretizaccedilatildeo dos valores e fins constitucionais com interferecircncia no espaccedilo de atuaccedilatildeo dos
outros poderes a partir dentre outras medidas da aplicaccedilatildeo direta da Constituiccedilatildeo a situaccedilotildees
natildeo expressamente abarcadas em seu texto e independente de apoio do legislador ordinaacuterio
do aperfeiccediloamento do controle de constitucionalidade das leis com base em criteacuterios menos
riacutegidos que os de patente violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo bem como da imposiccedilatildeo de condutas e
abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicas227
Ocorre que a identificaccedilatildeo das accedilotildees que materializam a ideia do ativismo judicial por
si soacute natildeo reflete especificamente um consenso absoluto sobre o seu conceito e dependendo
da maneira que tal fenocircmeno eacute enxergado podem ser sustentadas defesas de pensamentos
totalmente antagocircnicos tanto a favor como contra o tema
Explica-se haacute quem vislumbre o ativismo como uma espeacutecie de mau comportamento
ou maacute consciecircncia do Judiciaacuterio acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no
sistema de separaccedilatildeo dos poderes228
e ao reveacutes haacute quem dissocie o termo da ideia de
desrespeito agrave separaccedilatildeo dos poderes defendendo que podem existir decisotildees enquadradas
como ativistas por envolverem opccedilotildees valorativas mas que materialmente estariam
consentacircneas com a noccedilatildeo de freios e contrapesos229
Constata-se portanto que o exame sobre ser ou natildeo determinada postura intriacutenseca a
uma visatildeo ativista vai variar de como cada inteacuterprete encara o instituto230
levando-se em
consideraccedilatildeo que o conceito de ativismo se mostra fugidio e soacute tem razatildeo de ser quando
pensado com base na realidade constitucional de cada ordenamento juriacutedico abstraiacutedo de
paracircmetros universais231
227
BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista
Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 08 228
COELHO Inocecircncio Maacutertires Ativismo judicial ou criaccedilatildeo judicial do direito In FERNANDES FELLET
Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial
Salvador Juspodivm 2011 p 475 229
SAMPAIO JUacuteNIOR Joseacute Herval Ativismo judicial autoritarismo ou cumprimento dos deveres
constitucionais In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo
(Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 403 230
O mais recente Ministro do STF Luiacutes Roberto Barroso ao ser questionado em entrevista sobre o ativismo
judicial (tema que por sinal deu o tom de sua sabatina) realccedilou a questatildeo da divergecircncia conceitual do instituto
ao opinar que ldquoNatildeo acho que o Brasil viva um problema que se possa denominar de ativismo judicial se a essa
expressatildeo se quer emprestar um conteuacutedo negativordquo (Grifos acrescidos) Disponiacutevel em
httpwwwconjurcombr2013-jun-07entrevista-luis-roberto-barroso-ministro-supremo-tribunal-federal
Acessado em 07062013 231
BRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 387
109
Desta maneira caso admitido o raciociacutenio de que na ideia de ativismo judicial jaacute se
insere a peculiaridade pejorativa de accedilatildeo transbordativa dos limites impostos
constitucionalmente por razotildees oacutebvias seraacute afastada a possibilidade de classificar como
ativista determinado posicionamento judicial que respeite a loacutegica da separaccedilatildeo dos poderes e
se alinhe ao sistema constitucional
Por outro lado se o instituto for compreendido sob um vieacutes etimoloacutegico e neutro232
no
sentido de significar puramente uma accedilatildeo ativa ou seja de iniacutecio ou intensificaccedilatildeo de uma
operacionalidade jaacute vigorante poderatildeo ser identificados tanto um ativismo judicial beneacutefico e
legiacutetimo quanto um ativismo maleacutefico e ilegiacutetimo sendo a anaacutelise sobre a extrapolaccedilatildeo ou natildeo
dos limites preacutevia e constitucionalmente programados exatamente a tecircnue linha que demarca
o limite entre esses dois extremos
A partir desse segundo pensamento pode ser proposta uma defesa por um ativismo
judicial beneacutefico cuja legitimidade e congruecircncia com o sistema constitucional estaratildeo
atreladas ao fato de ser a atitude judicial empreendida limitada fundamentada e justificada na
proacutepria Constituiccedilatildeo Pode-se concluir assim que certas decisotildees do Judiciaacuterio em que pese
passarem a impressatildeo a princiacutepio de uma atuaccedilatildeo desbordante do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos
Poderes ou das exigecircncias de democracia representativa natildeo podem ser enquadradas como
ilegiacutetimas jaacute que no fundo prestigiam soluccedilotildees impostas pelos direitos fundamentais
justificadas no Estado Democraacutetico de Direito
Ocorre que se por um lado emprestar automaacutetica e descompromissadamente a uma
decisatildeo um roacutetulo pejorativo de ativista eacute algo repreensiacutevel por outro tambeacutem eacute digno de
criacuteticas a utilizaccedilatildeo do argumento de que sempre que o Judiciaacuterio julga uma demanda
concretizando um direito fundamental ele o faz em prol da Constituiccedilatildeo como uma regra
geral e aprioriacutestica Tal argumento empregado isoladamente eacute simploacuterio e fatalmente
conduziria a um esvaziamento da noccedilatildeo de Separaccedilatildeo dos Poderes
Nesse sentido eacute que o presente trabalho propotildee a defesa por uma postura do Judiciaacuterio
atuante na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que e somente quando respeitados limites
soacutelidos e objetivos previamente estabelecidos postura essa que pode ser tranquilamente
enquadrada como um ativismo beneacutefico e constitucionalmente legiacutetimo
232
Stephen Smith alerta jaacute ser intuitiva a percepccedilatildeo de que o ativismo ganhou um contorno simplista atrelado a
indicaccedilatildeo de exerciacutecio ilegiacutetimo da revisatildeo judicial e defende a necessidade de se superar tal visatildeo de puro vieacutes
ideoloacutegico a partir do esboccedilo de uma visatildeo neutra de ativismo SMITH Stephen F Takin Lessons from the Left
Judicial activismo on the right The Georgetown Journal of Law $ Public Policy Vol 57 2002 apud DE
PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do
ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel
Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 285
110
Contudo o debate eacute complexo jaacute que caminha por discussotildees que envolvem pontos
constitucionais relevantes como o Princiacutepio da Igualdade Princiacutepio Democraacutetico e Seguranccedila
Juriacutedica sendo primordial portanto especificar melhor como essa postura ativista beneacutefica se
apresenta no quadro da Separaccedilatildeo dos Poderes no ordenamento paacutetrio para soacute a partir daiacute
avanccedilar para a proposiccedilatildeo de quais seriam os limites com relaccedilatildeo agrave concretizaccedilatildeo judicial do
direito agrave sauacutede e de que forma os mesmos poderatildeo contribuir para a aniquilaccedilatildeo ou ao menos
diminuiccedilatildeo dos efeitos colaterais de decisotildees desenfreadas na temaacutetica
Dito isto eacute certo que o cenaacuterio estaacute arquitetado da seguinte maneira de um lado
critica-se a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais basicamente
com dois argumentos centrais233
ndash a afronta agrave separaccedilatildeo dos poderes e a ausecircncia de
legitimidade democraacutetica de outro defende-se tal atuaccedilatildeo quando realizada de modo a
resguardar o processo democraacutetico promover os valores constitucionais e assegurar a
estabilidade institucional
Com relaccedilatildeo agrave primeira ideia contraacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais pelo
Judiciaacuterio deve ser esclarecido que o modelo claacutessico de separaccedilatildeo dos poderes calcado nas
propostas de Montesquieu234
e Madison235
foi alicerccedilado em outro contexto em que reinava o
paradigma liberal do direito no qual cabia ao Judiciaacuterio o papel de mero revelador e que por
isso com a virada neoconstitucional (marcada como jaacute visto pela valorizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais nas modernas Constituiccedilotildees associados agrave noccedilatildeo de maacutexima aplicaccedilatildeo dos
mesmos) faz-se necessaacuteria uma nova concepccedilatildeo de separaccedilatildeo dos poderes236
233
O rompimento desse equiliacutebrio entre os poderes centra-se no argumento da falta de legitimidade democraacutetica
do Judiciaacuterio bem como da afronta a separaccedilatildeo dos poderes contudo outros argumentos (em verdade
desdobramentos desses maiores) tambeacutem satildeo apontados como a ideia de que o Judiciaacuterio natildeo tem condiccedilotildees de
avaliar o impacto de suas decisotildees sobre a estrutura do Estado como um todo bem como que a decisatildeo sobre por
exemplo onde investir ou que bem priorizar eacute eminentemente poliacutetica e o espaccedilo do Judiciaacuterio deve ser juriacutedico 234
De se destacar que a preocupaccedilatildeo inicial se contenta em analisar as relaccedilotildees entre os poderes sob o princiacutepio
da incompatibilidade buscando impedir que uma mesma pessoa ou grupo ocupasse mais de um poder e natildeo
propriamente a pretensatildeo contemporacircnea de separaccedilatildeo entre as diversas funccedilotildees estatais MAUS Ingeborg
Separaccedilatildeo dos poderes e funccedilatildeo judiciaacuteria uma perspectiva teoacuterico democraacutetica In BIGONA Antocircnio Carlos
Alpino MOREIRA Luiz (orgs) Legitimidade da jurisdiccedilatildeo constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris
2010 p 27 235
Madison aperfeiccediloou a teoria de Montesquieu ao sugerir o sistema de freis e contrapesos calcado no
estabelecimento de funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas aos poderes visando o controle muacutetuo sem que qualquer um deles
pudesse chegar a uma posiccedilatildeo de hegemonia dentro do Estado DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe
separaccedilatildeo dos poderes A invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da
poliacutetica In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As
novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 275 236
Corroborando com a noccedilatildeo de aperfeiccediloamento da separaccedilatildeo dos poderes Bruce Ackerman afirma que ldquoa
separaccedilatildeo de poderes eacute uma ideia mas natildeo haacute nenhuma razatildeo para supor que os escritores claacutessicos esgotaram a
sua excelecircnciardquo ACKERMAN Bruce A nova separaccedilatildeo de poderes Trad por Isabelli Maria Campos
Vasconcelos e Eliana Valadares Santos Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 113
111
A construccedilatildeo dessa nova concepccedilatildeo que no contexto hodierno eacute alimentada pela crise
da representaccedilatildeo parlamentar e a percepccedilatildeo da justiccedila como um canal aberto ao debate
poliacutetico eacute acompanhada de perto pela tentativa de se reconhecer ateacute que ponto estatildeo
legitimados os tribunais para resolver questotildees morais e poliacuteticas na sociedade avaliando-se a
profundidade que a tensatildeo entre constitucionalismo e democracia atinge no cenaacuterio atual de
abrandamento da rigorosa separaccedilatildeo entre os espaccedilos do direito e da justiccedila cada vez menos
demarcados237
Tentando-se construir um raciociacutenio loacutegico de faacutecil assimilaccedilatildeo pode ser defendido
que se a noccedilatildeo de freios e contrapesos pressupotildee que os oacutergatildeos estatais sejam representativos
da sociedade eacute apropriado se admitir que o descreacutedito com o sistema representativo termina
por colocar em xeque o proacuteprio funcionamento do sistema poliacutetico238
sendo inevitaacutevel a
convocaccedilatildeo do Judiciaacuterio para tentar corrigir esse problema desde que tal correccedilatildeo seja
realizada no limite dos ditames constitucionais239
Desta maneira no contexto de crise da representaccedilatildeo popular agravado pelo caraacuteter
altamente compromissoacuterio da prolixa Carta de 1988 a saiacuteda para a celeuma sobre como
seguramente limitar a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio estaacute exatamente na compreensatildeo de que o real
papel do mesmo eacute o de se portar respeitador agraves escolhas das instacircncias representativas mas
prioritariamente intolerante agrave posturas majoritaacuterias que transbordem os limites
constitucionais240
Noutro poacutertico pode ser defendido que o concerto sistemaacutetico da soma vetorial das
disposiccedilotildees constitucionais natildeo implica que o vetor final desse arranjo aponte
necessariamente para uma total preponderacircncia da separaccedilatildeo dos poderes e das prerrogativas
do Legislativo e Executivo com o consequente afastamento da possibilidade do Judiciaacuterio
237
BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo Judicial e Legitimidade Democraacutetica In Revista
Eletrocircnica da OAB ndeg4 ndash JanFev 2009 p 10 238
Sobre a crise do sistema de freios e contrapesos Daniel Giotti de Paula defende o fato de que tal sistema natildeo
reforccedila por si soacute a democracia jaacute que partiria de uma visatildeo homogecircnea da sociedade que transportada para os
dias atuais esbarraria na complexidade da sociedade hodierna e natildeo atingiria agrave representaccedilatildeo total almejada
sendo destacada a necessidade de se abandonar a ideia de separaccedilatildeo dos poderes como um modelo puro de
foacutermula universal aprioriacutestica e completa DE PAULA Daniel Giotti Ainda existe separaccedilatildeo dos poderes A
invasatildeo da poliacutetica pelo direito no contexto do ativismo judicial e da judicializaccedilatildeo da poliacutetica In FERNANDES
FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo
Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 281 239
RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 p 116 240
Corroborando Andreacute Ramos Tavares pontua que ldquoa crise da democracia parlamentar eacute apresentada como
uma das principais problemaacuteticas contemporacircneas Para resolver essa dificuldade eacute preciso registrar
preliminarmente que natildeo existe um modelo final de democracia que se possa utilizar como paracircmetro absoluto
Ademais o modelo inicial de Estado Legislativo (legalista) estava alicerccedilardo na ideia de democracia tendo
sido contudo possiacutevel verificar sua incapacidade democraacutetica Sua substituiccedilatildeo por um Estado Constitucional
de Direito implicou a consideraccedilatildeo de uma democracia constitucionalrdquo TAVARES Andreacute Ramos Teoria da
Justiccedila Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 494
112
sindicar algum efeito de um direito fundamental em seu aspecto material241
o que corrobora
com o fato de que o momento eacute de crise do modelo tradicional de separaccedilatildeo dos poderes cujas
concepccedilotildees consagradas natildeo acompanharam a construccedilatildeo das novas necessidades do direito
A incompatibilidade acima apontada e a necessidade de releitura da separaccedilatildeo dos
poderes satildeo reforccediladas pela proacutepria incapacidade reconhecida do Legislativo e Executivo em
solucionarem questotildees polecircmicas surgidas no contexto contemporacircneo (como as discussotildees
sobre uniatildeo homoafetiva e bebecircs aneceacutefalos) acarretando em um estado de socorro ao
Judiciaacuterio como saiacuteda mais segura e cocircmoda para o problema natildeo se discutindo sobre as
criacuteticas apontadas
Coadunando com o pensamento de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais se faz legiacutetima quando consentacircnea com os ideais do Estado Democraacutetico de
Direito Ana Paula de Barcellos242
pondera que
Em um Estado democraacutetico natildeo se pode pretender que a Constituiccedilatildeo
invada o espaccedilo da poliacutetica em uma versatildeo de substancialismo radical e
elitista em que as decisotildees poliacuteticas satildeo transferidas do povo e seus
representantes apara os reis filoacutesofos da atualidade os juristas e operadores
do direito em geral () Se contudo a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas
quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas
juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema
natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa
ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata de absorccedilatildeo do poliacutetico pelo
juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (Grifos
acrescidos)
No que se refere ao segundo fator contraacuterio agrave possibilidade de atuaccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais eacute importante se ter em mente que a ideia de
democracia natildeo se resume simplesmente ao princiacutepio majoritaacuterio243
que cidadatildeo eacute diferente
de eleitor que governo do povo distingue-se de governo do eleitorado244
e portanto possiacuteveis
241
BARCELLOS Ana Paula de Ponderaccedilatildeo racionalidade e atividade jurisdicional Rio de Janeiro
Renovar 2005 p 133 242
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico Nordm 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 243
Na defesa do argumento de que o deacuteficit democraacutetico do Judiciaacuterio natildeo eacute necessariamente maior que o do
Legislativo jaacute que a composiccedilatildeo deste pode ser afetado por diferentes disfunccedilotildees como o abuso econocircmico e a
manipulaccedilatildeo dos meios de comunicaccedilatildeo Vital Moreira pondera que ldquo Na foacutermula constitucional primordial
bdquotodo poder reside no povo‟ Mas a verdade eacute que na reformulaccedilatildeo de Sternberger bdquonem todo o poder vem do
povo‟ Haacute o poder econocircmico o poder mediaacutetico o poder das corporaccedilotildees sectoriais E por vezes estes poderes
sobrepotildee-se ao poder do povordquo MOREIRA Vital O futuro da Constituiccedilatildeo In GRAU Eros Roberto
GUERRA FILHO Willis Santiago Direito Constitucional ndash Estudos em homenagem a Paulo Bonavides
Satildeo Paulo Malheiros 2001 p 323 244
BARROSO Luiacutes Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil) In Revista Opiniatildeo Juriacutedica Ano III nordm 6 (20052) Fortaleza 2005 p 27
113
ineacutercias ou accedilotildees realizadas pelo Legislativo e Executivo que dissonantes agrave loacutegica
constitucional vulnerem os direitos fundamentais da minoria ou aviltem o proacuteprio
procedimento democraacutetico em si natildeo soacute podem como devem ser combatidas pelo Judiciaacuterio
Desta maneira democracia natildeo deve ser compreendida somente em sua acepccedilatildeo
formal (simples possibilidade de escolher os representantes) mas tambeacutem deve ser encarada
sob o vieacutes material representando um processo de concretizaccedilatildeo de direitos e garantias
fundamentais pelos poderes constituiacutedos que antes de ser rotulado de autoritaacuterio consiste em
autecircntico cumprimento de deveres constitucionais245
Assim sendo fica claro que democracia natildeo eacute simples sinocircnimo de regra majoritaacuteria e
exige muito mais que a simples aplicaccedilatildeo desta jaacute que pressupotildee antes de tudo e
primordialmente o respeito aos direitos fundamentais de todos os indiviacuteduos para o perfeito
funcionamento de qualquer processo deliberativo tido como democraacutetico
De se afirmar assim que o cenaacuterio constitucional atual jaacute natildeo mais comporta a ideia
de que a implementaccedilatildeo de direitos fundamentais esteja restrita somente ao Executivo e
Legislativo prevalecendo ao contraacuterio a defesa de que tal tarefa jaacute se encontra arraigada
como uma funccedilatildeo do Estado como um todo devendo ser buscada tambeacutem a partir da
performance de outros atores destacando-se o Judiciaacuterio as funccedilotildees essenciais agrave justiccedila e a
proacutepria sociedade
Pelo exposto pode-se concluir que apesar dos argumentos centrais contraacuterios ao
enfrentamento pelo Judiciaacuterio de questotildees envolvendo a sindicabilidade dos direitos
fundamentais poderem ser superados pela releitura da separaccedilatildeo dos poderes e pelo vieacutes
material do princiacutepio democraacutetico o ponto chave desse debate estaacute exatamente na construccedilatildeo
segura de paracircmetros objetivos que respaldem e limitem246
essa atuaccedilatildeo dizendo ateacute onde o
Judiciaacuterio pode atuar sem ferir o ordenamento constitucional Nesse iacutenterim no que refere-se
aos direitos sociais a construccedilatildeo de miacutenimos existenciais em espeacutecies para os mesmos
desponta como verdadeiro carro-chefe dessa empreitada
245
Realccedilando o papel central da jurisdiccedilatildeo constitucional no desenvolvimento democraacutetico eacute pertinente a
observaccedilatildeo de Paulo Gonet ao afirmar que ldquo() a histoacuteria prova que quando a luz da democracia se apaga eacute para
a jurisdiccedilatildeo que o povo normalmente recorrerdquoBRANCO Paulo Gustavo Gonet Em busca de um conceito
fugido ndash o ativismo judicial In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO
Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 399 246
No mesmo sentido Canotilho aponta que ldquo()sempre se coloca o problema de saber se haveraacute um nuacutecleo
essencial caracterizador do princiacutepio da separaccedilatildeo e absolutamente protegido pela Constituiccedilatildeo Em geral
afirma-se que a nenhum oacutergatildeo podem ser atribuiacutedas funccedilotildees das quais resulte o esvaziamento das funccedilotildees
materiais especialmente atribuiacutedas a outros () Todavia permanece aberto o problema de saber onde comeccedila e
onde acaba o nuacutecleo essencial de determinada funccedilatildeordquo CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito
Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7deg ed Coimbra Almedina 2003 p 502
114
Corroborando com essa visatildeo Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Nascimento247
observa
que
Quando se diz que os poderes constituiacutedos formam o espaccedilo institucional
(conjunto de oacutergatildeos funccedilotildees e agentes) de traduccedilatildeo do processo poliacutetico que
tem origem no poder popular isto inclui o judiciaacuterio A vontade sintetizada
no compromisso constitucional e a capacidade integradora da constituiccedilatildeo
estariam anuladas se a sua concretizaccedilatildeo ficasse reduzida e dependente das
decisotildees do executivo Como defender a constituiccedilatildeo quando as poliacuteticas
preventivas ou as diretrizes satildeo negligenciadas pela urgecircncia de gerir a rotina
de governo quando a gestatildeo for mais teacutecnica do que eacutetica e as poliacuteticas
forem dispersas e meramente reativas Cabe ao judiciaacuterio trazer para a arena
puacuteblica a loacutegica juriacutedica dos valores e da busca do entendimento em
confronto com a loacutegica utilitarista e competitiva do mercado econocircmico e da
burocracia administrativa Natildeo se pode eacute aceitar que a judicializaccedilatildeo da
demanda por sauacutede assuma contornos de irracionalidade A teoria da
constituiccedilatildeo serve de auxiacutelio na racionalizaccedilatildeo da tarefa de assegurar em
juiacutezo o direito agrave sauacutede
Apesar de tudo que foi dito ateacute aqui possa ser suficiente para justificar a legitimidade
do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do especial direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio
tornam-se imperiosas algumas ponderaccedilotildees sobre possiacuteveis efeitos colaterais de uma ilimitada
intervenccedilatildeo judicial no tema antes de se analisar que parcela do miacutenimo existencial estaria
abrangida por tal direito
512 Os efeitos colaterais de um desmedida e ilimitada intervenccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Jaacute foi apontado que o direito agrave sauacutede apesar de tipicamente enquadrado como direito
de segunda dimensatildeo apresenta um desenho constitucional peculiar uma vez que parte de sua
essecircncia tanto se desloca para a primeira dimensatildeo (aproximando-se de uma ideia de
manutenccedilatildeo da vida248
) como para a terceira dimensatildeo (sob o prisma de uma sauacutede
transindividualmente considerada) Daiacute a importante conclusatildeo de que o direito agrave sauacutede eacute
antes de tudo um elemento de cidadania o que respalda sua qualificaccedilatildeo como um direito
247
NASCIMENTO Rogeacuterio Joseacute Bento Soares do Concretizando a Utopia Problemas na Efetivaccedilatildeo do Direito
a uma Vida Saudaacutevel In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel (coords) Direitos sociais
Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 p 920 248
Reforccedilando essa visatildeo conforme entendimento esposado em diversas decisotildees do TJES (dentre outros o
Mandado de Seguranccedila nordm 100070014129 julgado em 110908 pelo Pleno do TJES Relator Des Alemer
Ferraz Moulin) o direito a sauacutede tambeacutem pode ser encarado como um ldquodireito social que se transmuda em
direito fundamental de primeira geraccedilatildeo pela condiccedilatildeo do miacutenimo existencialrdquo HONOacuteRIO Claacuteudia Olhares
sobre o miacutenimo existencial em julgados brasileiros Dissertaccedilatildeo de Mestrado Curitiba UFPR 2009 p 216
115
humano essencial polifaceacutetico (eacute direito social eacute alicerccedilador da vida e de fruiccedilatildeo
transidividual)249
Decorre dessa qualidade a ideia de que a atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo desse
direito assume um niacutevel de complexidade maior do que com relaccedilatildeo aos demais direitos
sociais especialmente quando discutido o acesso agrave prestaccedilotildees materiais decorrentes do direito
agrave sauacutede e nesse ponto natildeo se pode fugir de algumas observaccedilotildees que circundam o princiacutepio da
igualdade e sua relaccedilatildeo com os direitos sociais
Se com relaccedilatildeo aos demais direitos sociais as demandas sejam individuais ou
coletivas possuem um raio de abrangecircncia mais limitado no que se refere ao direito agrave sauacutede a
situaccedilatildeo eacute diametralmente oposta podendo ser encontradas demandas que tratam de
diferentes submateacuterias como por exemplo fornecimento de medicamentos cirurgias de
urgecircncia tratamentos de doenccedilas raras transplantes concessotildees de aparelhos auditivos
tratamentos odontoloacutegicos realizaccedilatildeo de exames dentre outros
O enfrentamento judicial de tais situaccedilotildees eacute portanto inegavelmente complexo Desta
maneira eacute certo que ao decidir o magistrado natildeo consegue fugir completamente de suas
impressotildees particulares e em determinados casos em que o natildeo acatamento do pedido pode
significar a morte de um indiviacuteduo a tarefa de vislumbrar a situaccedilatildeo como um todo levando
em consideraccedilatildeo aspectos orccedilamentaacuterios e o restante da populaccedilatildeo resta dificultada250
Da mesma forma ao se filiar a um posicionamento garantista despreocupado com os
limites e consequecircncias das decisotildees e afastado dessa percepccedilatildeo macro que leva em conta o
resto da populaccedilatildeo o Judiciaacuterio contribui para a formaccedilatildeo e um ciacuterculo vicioso alarmante e
cada vez mais recorrente as autoridades puacuteblicas acabam se eximindo de executar as opccedilotildees
constitucionais iacutensitas ao direito agrave sauacutede sob o argumento de que tal valor jaacute estaacute reservado
para as possiacuteveis decisotildees judiciais no assunto ou ateacute mesmo apontando para um estado de
ineacutercia no sentido de soacute cumprir as medidas planejadas em suas poliacuteticas puacuteblicas depois de
demandadas judicialmente
Tal situaccedilatildeo consiste em efeito colateral grave e inconstitucional que aliado a questatildeo
do custo envolvendo certas demandas concretas estatildeo inseridas na discussatildeo sobre igualdade
249
BRAUNER Arcecircnio O ativismo judicial e sua relevacircncia na tutela da vida In FERNANDES FELLET
Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial
Salvador Juspodivm 2011 p 600 250
Nesse sentido pondera Ana Paula de Barcellos que ldquoUm doente com rosto identidade presenccedila fiacutesica e
histoacuteria pessoal solicitando ao Juiacutezo uma prestaccedilatildeo de sauacutede eacute percebido de forma inteiramente diversa da
abstraccedilatildeo eteacuterea do orccedilamento e das necessidades do restante da populaccedilatildeo que natildeo satildeo visiacuteveis naquele
momento e tecircm sua percepccedilatildeo distorcida ()rdquo BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 322
116
jaacute que em princiacutepio a concessatildeo pleiteada deve ser concedida da mesma maneira a todas as
pessoas que se encontrem na mesma situaccedilatildeo
Mas seraacute que tais pessoas possuem ciecircncia disso Seraacute que tais pessoas apresentam
condiccedilotildees de contratar um advogado ou possuem ciecircncia que eacute plausiacutevel buscar o auxiacutelio da
defensoria puacuteblica para isso251
Vecirc-se que a situaccedilatildeo eacute complexa e caminha para o reforccedilo da
necessidade de que apesar de legiacutetima a sindicabilidade judicial do direito agrave sauacutede deve ser
programada a partir de criteacuterios objetivos sob pena de ferir a proacutepria sauacutede dos demais
indiviacuteduos e o princiacutepio da igualdade distorcendo a proteccedilatildeo que a Constituiccedilatildeo deu a esse
importante direito
Nesse contexto se todos contribuem para os cofres puacuteblicos eacute difiacutecil admitir que seja
equitativa a situaccedilatildeo de alguns indiviacuteduos por terem acesso agrave justiccedila alcanccedilarem um direito
relevante e outros que ou nem sabem que podem se socorrer ao Judiciaacuterio ou natildeo possuem
meios para o tal em igual situaccedilatildeo natildeo sejam abrangidos
Contudo a complexidade para o Judiciaacuterio ao enfrentar tais situaccedilotildees eacute imensa e seus
representantes ficam presos ao problemaacutetico dilema de que se acatado o pedido contribui-se
para que algueacutem que possui advogado bdquofure uma fila‟ e outros milhares na mesma situaccedilatildeo
fiquem a mercecirc do SUS por outro lado jaacute se natildeo acatado o pedido estar-se-aacute chancelando
uma conivecircncia com a omissatildeo estatal especiacutefica pleiteada e isso poderaacute acarretar na morte ou
prejuiacutezo irreparaacutevel para o indiviacuteduo natildeo evitados quando o Judiciaacuterio poderia
Eacute preciso deixar claro entretanto que a utilizaccedilatildeo de exemplos extremos natildeo pode
servir para esconder problemas claros da sauacutede baacutesica da populaccedilatildeo Por isso deve ser
assentado desde jaacute que existem duas situaccedilotildees uma ligada agrave escolhas extremas em que o
limite entre vida e sauacutede eacute miacutenimo e ateacute mesmo confundiacutevel como os casos em que um
indiviacuteduo ou grupo necessita de algo (medicamento oacutergatildeo procedimento) com urgecircncia que
em princiacutepio pode ou natildeo ser obrigaccedilatildeo do Estado a depender de suas poliacuteticas puacuteblicas
outra referente agrave situaccedilotildees que o Estado se comprometeu a deveria realizar e natildeo o fez como
eacute o caso por exemplo da sauacutede baacutesica sua estruturaccedilatildeo e o rol de prestaccedilotildees nela disponiacuteveis
bem como o fornecimento de medicamentos previamente listados pelo SUS
251
Corroborando com o raciociacutenio Andreacute Luiz Fellet aponta que ldquoao evitar a perda da vida de um paciente com
foto nuacutemero de identidade e atestado meacutedico nos autos o julgador em sua dificiacutelima missatildeo pode contribuir
para o decesso de um paciente anocircnimo E seraacute justo quanto agrave virtual ineacutercia do uacuteltimo em buscar a tutela
jurisdicional invocar o brocardo latino dormientibus non sucurrit jus (o direito natildeo socorre os que dormem)rdquo
FELLET Andreacute Luiz Fernandes As normas de direitos fundamentais sociais e a implementaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio In Revista da Procuradoria Geral do Municiacutepio de Juiz de Fora v2 jandez
Belo Horizonte 2012 p 110
117
O foco do presente estudo eacute exatamente esse segundo grupo de situaccedilotildees sendo certo
que as circunstacircncias extremas natildeo podem ser abandonadas mas frente agrave complexidade e
peculiaridade dos inuacutemeros eventos possiacuteveis devem ser analisadas caso a caso sob o prisma
da proporcionalidade balanceando-se os elementos que estatildeo em jogo niacutevel de agressatildeo a
igualdade considerando o conflito entre o direito agrave sauacutede individual do demandante e o
direito agrave sauacutede da coletividade bem como o elemento da reserva do possiacutevel e a proximidade
do pleito ao nuacutecleo do miacutenimo existencial em sauacutede
Isso ocorre porque eacute praticamente impossiacutevel se chegar a um comando aprioriacutestico de
como lidar com tais problemas extremos sendo certo que caso seja adotado o criteacuterio da
necessidade de evitar a morte dor ou sofrimento fiacutesico na definiccedilatildeo do que pode ser exigiacutevel
do Estado com relaccedilatildeo ao direito em xeque praticamente toda e qualquer prestaccedilatildeo de sauacutede
estaria enquadrada nesse criteacuterio o que acarretaria aleacutem de possiacuteveis situaccedilotildees de afronta agrave
igualdade em um caoacutetico quadro de inseguranccedila juriacutedica e total desvirtuamento da essecircncia
do direito agrave sauacutede
Em que pese a situaccedilatildeo ser complexa do ponto de vista humano jaacute que eacute
extremamente delicado para um magistrado negar um pleito cujo objeto envolve o
restabelecimento ou manutenccedilatildeo da vida do demandante (como no caso de um transplante ou
medicamento de alto valor a ser comprado no exterior) o enxergar do problema deve
necessariamente passar pelo exame da igualdade252
e principalmente da possiacutevel afronta agrave
sauacutede do resto da populaccedilatildeo que se enquadre no mesmo problema daquele que estaacute em uma
fila de espera por oacutergatildeos haacute anos ou ateacute mesmo daquele cidadatildeo que depende de prestaccedilotildees
252
Com relaccedilatildeo a problemaacutetica da igualdade Mariana Filchtiner Figueiredo posiciona-se no sentido de a
concepccedilatildeo de igualdade ser diferente de universalidade e que esta uacuteltima natildeo apresenta como corolaacuterio
indispensaacutevel a gratuidade das prestaccedilotildees materiais e partindo dessa ideia defende a adoccedilatildeo no Brasil de um
sistema ldquotendencialmente gratuitordquo com a cobranccedila dos serviccedilos de sauacutede de quem possua recursos e na justa
medida da sua condiccedilatildeo econocircmica como possiacutevel alternativa agrave escassez de recursos financeiros e meacutedicos Para
sustentar esse raciociacutenio pondera a autora que ldquoa fraternidade oriunda da triacuteade francesa implica uma nova
concepccedilatildeo dos direitos sociais em que natildeo se atribuam a todos os cidadatildeos indistintamente mas sim agravequeles
todos que deles necessitem e na medida dessa necessidade uma vez que a abstraccedilatildeo e a universalidade natildeo se
adaptam agraves distinccedilotildees faacuteticas existentes dentro do proacuteprio grupo de beneficiaacuterios dos direitos sociais () Natildeo
corresponde agrave noccedilatildeo de paternalismo porquanto as prestaccedilotildees materiais de auxiacutelio devem ser conferidas somente
aos necessitados e na medida dessas carecircnciasrdquo FIGUEIREDO Mariana Filchtiner Direito Fundamental agrave
Sauacutede paracircmetros para sua eficaacutecia e efetividade Porto Alegre Livraria do Advogado 2007 p 172 A
proposta em questatildeo apesar de ter uma preocupaccedilatildeo justa (emprestar mais igualdade no acesso ao direito agrave
sauacutede e driblar a escassez de recursos) esbarra em uma questatildeo loacutegica a sauacutede como se sabe eacute aberta ao setor
privado e portanto quem tem condiccedilotildees financeiras muito provavelmente frente ao quadro estrutural
deficitaacuterio do SUS buscaraacute socorrer-se em planos de sauacutede privados sendo difiacutecil imaginar que algueacutem que
possua condiccedilotildees financeiras venha a optar por um tratamento no SUS pago do que no setor privado Some-se a
isso o fato de que tal situaccedilatildeo poderia gerar distorccedilotildees ainda maiores e mais desiguais frente a possibilidade de
concretamente ser dada preferecircncia a quem desembolsou alguma importacircncia financeira do que quem natildeo
118
materiais inseridas em um miacutenimo existencial de sauacutede que o Estado natildeo prestou ou que jaacute
faleceu no triste aguardo destas
Conclui-se portanto que a melhor forma de analisar o problema percorre a seguinte
linha de raciociacutenio i o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas
envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a
accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais gerem afronta ao
direito em questatildeo ii essa atuaccedilatildeo contudo se realizada de forma ilimitada pode gerar
anacrocircnicos efeitos colaterais que devem ser combatidos por potencialmente poderem afrontar
o princiacutepio da igualdade da reserva do possiacutevel da separaccedilatildeo dos poderes e da seguranccedila
juriacutedica iii a melhor maneira de se evitar ou pelo menos diminuir tais efeitos indesejados
passa por algumas medidas chaves como iii1 a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial para o
direito em questatildeo que natildeo soacute legitima a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio como tambeacutem empresta maior
seguranccedila ao magistrado ao decidir253
iii2 a consagraccedilatildeo de paracircmetros objetivos que
guardem harmonia com as poliacuteticas puacuteblicas em andamento para a fundamentaccedilatildeo das
decisotildees e iii3 a preferecircncia por demandas coletivas cujo raio de abrangecircncia dos seus
efeitos teraacute o condatildeo de suprimir ou diminuir situaccedilotildees de desigualdade254
253
Interessante notar que a exata e segura noccedilatildeo dos limites de sua atuaccedilatildeo propicia ao magistrado natildeo soacute mais
seguranccedila ao julgar mas tambeacutem uma tranquilidade apta a retirar a carga de responsabilidade inevitavelmente
existente quando da anaacutelise dos citados casos extremos Explica-se sem paracircmetros o juiz ao ser provocado a
decidir muitas vezes no seu iacutentimo entende que a concessatildeo do pleito eacute transbordante agrave sua esfera de
atribuiccedilotildees contudo o concede pela pressatildeo psicoloacutegica e humanista do caso a qual incute na mente do
magistrado o receio de por exemplo estar sentenciando a morte do demandante quando o podia evitar (ainda
que admitisse extrapolar suas funccedilotildees) Em existindo um paracircmetro aprioriacutestico que jaacute elimine de pronto ou
sustente objetivamente o natildeo acolhimento do pleito o magistrado se sentiraacute menos responsaacutevel pelas possiacuteveis
consequecircncias da negativa do pedido 254
Sobre a questatildeo da preferecircncia da defesa do direito agrave sauacutede pela via coletiva Ingo Sarlet faz uma importante
ressalva ao perfilhar que ldquose eacute possiacutevel afirmar a correccedilatildeo do entendimento de que a tutela coletiva
(especialmente em niacutevel preventivo) deva assumir caraacuteter preferencial jaacute que possui a incensuraacutevel virtude de
minimizar uma seacuterie de efeitos colaterais mais problemaacuteticos da tutela jurisdicional individual na esfera dos
direitos a prestaccedilotildees sociais tambeacutem eacute certo que a eliminaccedilatildeo da possibilidade de demandas individuais poderaacute
por si soacute representar uma violaccedilatildeo de direitos fundamentais notadamente quando em causa o direito a uma vida
digna e quando natildeo assegurado o patamar suficiente de proteccedilatildeo social () Da mesma forma se as objeccedilotildees em
relaccedilatildeo agrave tutela judicial individual natildeo podem ter o condatildeo de afastar tal via de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais
tabeacutem eacute certo que eacute preciso empreender ajustes e minimizar os efeitos negativos da litigacircncia individual seja
mediante um controle mais rigoroso no que diz com a necessidade da prestaccedilatildeo pleiteada seja no respeitante a
outros aspectos parte dos quais referidos como possibilidades aptas a propiciar maior racionalidade e eficaacutecia no
plano das estrateacutegias de efetivaccedilatildeo dos direitos sociais em geral e o direito agrave sauacutede em particularrdquo SARLET
Ingo Wolfgang A titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos Direitos Sociais Analisada agrave
Luz do Exemplo do Direito agrave Proteccedilatildeo e Promoccedilatildeo da Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de Brito SILVA
Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p
143-144
119
52 PARAcircMETROS PARA A CONSTRUCcedilAtildeO DE UM MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO AO DIREITO Agrave SAUacuteDE
Quando estudado o embate entre miacutenimo existencial e reserva do possiacutevel ficou
assentado que o miacutenimo existencial englobaria um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado
natildeo poderia se furtar de disponibilizar aos cidadatildeos sob pena de afronta aos valores
constitucionais ligados agrave dignidade da pessoa humana concluindo-se assim que o argumento
da reserva do possiacutevel nesses casos natildeo poderia ser sequer trazido agrave discussatildeo jaacute que o
nuacutecleo de condiccedilotildees materiais formadoras desse miacutenimo existencial se impotildee como regra
mantendo-se a natureza de princiacutepio apenas para aleacutem desse nuacutecleo
Na mesma linha abraccedilou-se a tese encampada por Ana Paula de Barcellos de que esse
miacutenimo existencial cujo substrato adviria diretamente da Constituiccedilatildeo seria formado pelo
acesso agrave justiccedila como elemento instrumental e de trecircs elementos materiais a sauacutede baacutesica a
educaccedilatildeo baacutesica e a assistecircncia aos desamparados
A presente pesquisa contudo busca avanccedilar no tema de modo a incluir mais um
elemento dentre os que estariam incluiacutedos no miacutenimo255
em sauacutede arrolados pela referida
autora (que relembrando satildeo prestaccedilatildeo de serviccedilo de saneamento o atendimento materno-
infantil as accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas) e tendo em vista a
ideia de que os mesmos natildeo foram escolhidos de maneira aleatoacuteria antes de compreender a
abrangecircncia de cada um deles faz-se relevante explicar as razotildees apontadas para a seleccedilatildeo
dos mesmos
Desta maneira o raciociacutenio eacute o de que inicialmente o efeito isolado das normas
atinentes ao direito em exame (especialmente o constante nos arts 196 e 198 da CF) eacute o de
que todas as pessoas devem ter acesso agrave totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis aptas a
promover proteger ou recuperar as condiccedilotildees de sauacutede Contudo para aleacutem desse efeito
isolado teoacuterico e ideal outra questatildeo eacute a anaacutelise sobre se tal efeito pode ser na praacutetica
integralmente exigido do Poder Puacuteblico de modo que este positivamente atue na
concretizaccedilatildeo da sauacutede256
Nesse ponto quando o mencionado efeito ideal sai de um exame isolado e eacute
confrontado com os demais subsistemas constitucionais (sobretudo os campos ligados a
255
Aqui uma observaccedilatildeo se faz relevante no intuito de evitar uma confusatildeo terminoloacutegica a sauacutede baacutesica como
visto eacute um elemento do miacutenimo existencial e haacute dentro desse elemento um nuacutecleo de eficaacutecia positiva que
representa o conjunto de prestaccedilotildees de sauacutede exigiacuteveis do Judiciaacuterio A esse nuacutecleo parcela do direito agrave sauacutede
incluiacuteda no conceito de miacutenimo existencial eacute dado na presente pesquisa o tratamento de miacutenimo existencial em
espeacutecie relativo ao direito agrave sauacutede De maneira mais direta eacute como se a soma dos miacutenimos em espeacutecie (da sauacutede
educaccedilatildeo assistecircncia aos desamparados e acesso agrave justiccedila) formasse o miacutenimo existencial geral 256
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 223
120
separaccedilatildeo dos poderes a deliberaccedilatildeo majoritaacuteria e a reserva orccedilamentaacuteria) por razotildees
juriacutedicas e ateacute mesmo faacuteticas torna-se forccediloso concluir que o atual panorama histoacuterico da
ordem constitucional paacutetria natildeo eacute suficiente para assegurar eficaacutecia juriacutedica positiva a toda
extensatildeo desse efeito ideal mas somente dos marcos constitucionalmente priorizados para a
partir dos mesmos alargar de maneira progressiva o efeito final mais abrangente de todas as
prestaccedilotildees de sauacutede257
A seguinte passagem resume bem o pensamento de Ana Paula de Barcellos acima
descrito258
O efeito isolado portanto pretendido pelos comandos em questatildeo eacute em
primeiro lugar que as pessoas tenham acesso a todas as prestaccedilotildees de sauacutede
possiacuteveis e prioritariamente que esses quatro objetivos sejam realizados a
saber que todas as localidades onde haja habitaccedilotildees disponham de serviccedilos
de saneamento baacutesico que todas as gestantes matildees e crianccedilas tenham
atendimento de sauacutede especiacutefico preacute e poacutes-natal que todas as pessoas
possam dispor de um acompanhamento meacutedico preventivo e por fim que o
Poder Puacuteblico implemente accedilotildees gerais destinadas a evitar epidemias (Grifos
acrescidos)
Em suma a proposta do miacutenimo existencial que aqui se pretende ampliar tem o
processo de especificaccedilatildeo de seus elementos calcado primeiro na ideia de priorizaccedilatildeo
aplicando-se a loacutegica de que se a atual conjuntura do constitucionalismo paacutetrio natildeo permite a
maacutexima extensatildeo do efeito ideal das normas que dispotildeem sobre a sauacutede que pelo menos
onde a Constituiccedilatildeo sinalizou com uma priorizaccedilatildeo seja dada eficaacutecia suficiente para
respaldar uma cobranccedila de prestaccedilotildees em sauacutede diretamente do Poder Puacuteblico
Segundo tal proposta jaacute admite em sua essecircncia que essa priorizaccedilatildeo consubstancia-se
no passo inicial do processo de construccedilatildeo do miacutenimo existencial o qual poderaacute e deveraacute ser
ampliado progressiva e tendencialmente ao efeito ideal de que todas as pessoas tenham acesso
a totalidade de prestaccedilotildees de sauacutede disponiacuteveis
A conclusatildeo eacute a seguinte partindo do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)
podem ser extraiacutedas diretamente do texto constitucional certas prestaccedilotildees relacionadas ao
direito agrave sauacutede de que todos necessitam as quais trabalham como autecircnticas regras e cuja natildeo
realizaccedilatildeo importaraacute em violaccedilatildeo ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana no esquema
ldquotudo ou nadardquo respaldando a exigecircncia judicial da prestaccedilatildeo equivalente
257
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 224 258
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 225
121
Desta maneira concretizando um pouco mais tais prioridades a autora aponta que259
o
atendimento materno-infantil engloba o acompanhamento preacute e poacutes natal da gestante e da
crianccedila e tem por escopo a prevenccedilatildeo ou tratamento de doenccedilas que possam afetar a sauacutede
materna ou da crianccedila abrangendo tambeacutem um parto saudaacutevel as accedilotildees de medicina
preventiva abrangem um conjunto amplo de accedilotildees que incluindo a prevenccedilatildeo epidemioloacutegica
envolvem natildeo soacute o tratamento de epidemias mas tambeacutem formas especiacuteficas de prevenccedilatildeo
como a aplicaccedilatildeo de vacinas pulverizaccedilatildeo de substacircncias para o combate de transmissores de
moleacutestias (como a dengue) dentre outras260
e o saneamento consiste em uma das medidas de
sauacutede baacutesica mais relevantes atualmente e eacute considerado pela OMS como a medida prioritaacuteria
em termos de sauacutede puacuteblica mundial jaacute que cerca de 80 das doenccedilas decorrem da maacute
qualidade da aacutegua utilizada ou falta de esgotamento adequado
A partir das balizas postas o presente trabalho busca aperfeiccediloar a noccedilatildeo de miacutenimo
existencial construiacuteda pela autora de modo a incluir dentre os elementos que o compotildeem
mais um componente o qual funcionaraacute concomitantemente tanto como um elemento basilar
desse miacutenimo existencial quanto como interface de abertura que garantiraacute sua almejada
ampliaccedilatildeo progressiva
Sendo mais claro e indo direto ao ponto defende-se a inserccedilatildeo do respeito agrave previsatildeo
de infraestrutura miacutenima a ser disponibilizada para as accedilotildees e serviccedilos compromissados pelo
Poder Puacuteblico (que engloba a construccedilatildeo de hospitais minimamente estruturados a formaccedilatildeo
de pessoal qualificado e a disponibilizaccedilatildeo suficiente de material e equipamentos para a
realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer) no rol jaacute referenciado dos
componentes do miacutenimo existencial em sauacutede como um elemento instrumental desse
miacutenimo
O raciociacutenio eacute o de que sem tal elemento instrumental tanto as referidas prestaccedilotildees
inclusas no miacutenimo quanto as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede constantes das poliacuteticas puacuteblicas em
andamento natildeo se materializam jaacute que tal elemento instrumental consiste em verdadeiro
pressuposto faacutetico e loacutegico para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de sauacutede que compotildeem o referido
miacutenimo
259
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 329-335 260
Nesse ponto especiacutefico a autora denotando a dificuldade de se delimitar a abrangecircncia de tais accedilotildees sugere a
utilizaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio do elenco das condiccedilotildees miacutenimas obrigatoacuterias para os planos de sauacutede privados (art
12 da Lei ndeg 965398) como paracircmetro apto a auxiliar a decisatildeo sobre estar determinado pleito incluso dentro
desse conjunto de accedilotildees preventivas BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 330-
331
122
Se o raciociacutenio para a construccedilatildeo do miacutenimo existencial em sauacutede proposto pela
referida autora partiu da prevalecircncia do binocircmio (prioridade + ampliaccedilatildeo progressiva)
propotildee-se o acreacutescimo do paracircmetro da coerecircncia loacutegica para defender que a estruturaccedilatildeo
miacutenima do SUS essencial para a consecuccedilatildeo dos seus fins e consequente execuccedilatildeo das accedilotildees
e serviccedilos de sauacutede compromissados pelo Poder Puacuteblico eacute parte integrante basilar do miacutenimo
existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse ponto
baacutesico
O fundamento para tal inclusatildeo nasce da ideia de que se a proacutepria CF de 1988
claramente delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se materializa a partir de poliacuteticas que
visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) accedilotildees e serviccedilos estes qualificados como de relevacircncia puacuteblica e
cuja execuccedilatildeo eacute responsabilidade estatal (art 197 da CF) seria iloacutegico e incoerente imaginar a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e especialmente do seu miacutenimo existencial sem uma miacutenima
estruturaccedilatildeo necessaacuteria
A partir da noccedilatildeo acima portanto deve ser incluiacutedo como elemento fundamental do
miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede a existecircncia eficiente e regular de
infraestrutura minimamente suficiente no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas do SUS de modo a se
respeitar a coerecircncia dos artigos 196 197 e 198 da CF e o compromisso constitucional com
esse importante direito fundamental
A omissatildeo estatal em disponibilizar a miacutenima infraestrutura necessaacuteria para a
execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede que se propotildee a realizar seja pelas priorizaccedilotildees
constitucionais ou pelas poliacuteticas puacuteblicas idealizadas e em andamento apresenta-se portanto
como o ponto nevraacutelgico da celeuma com relaccedilatildeo a falta de efetividade do direito agrave sauacutede
visto que o oferecimento desse miacutenimo aparato eacute o ponto de partida imprescindiacutevel para a
fruiccedilatildeo desse direito social pelos cidadatildeos
Explicando melhor imagine-se por exemplo o direito agrave educaccedilatildeo cujo miacutenimo
existencial eacute mais facilmente delimitado na Constituiccedilatildeo261
Natildeo faz sentido especificar quais
prestaccedilotildees estatildeo incluiacutedas em tal miacutenimo sem observar que alguns instrumentos satildeo condiccedilotildees
imprescindiacuteveis para a proacutepria existecircncia das respectivas prestaccedilotildees Nesse contexto
questiona-se do que adianta a Constituiccedilatildeo (art 208 sect1deg) dispor que o acesso ao ensino
obrigatoacuterio e gratuito eacute direito puacuteblico subjetivo se natildeo forem construiacutedas escolas Se natildeo
261
Enquanto que com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute somente na legislaccedilatildeo infraconstitucional (art 2deg sect1deg da Lei do SUS) que
seraacute encontrado o comando normativo que especifica ainda que de maneira geral qual o dever estatal quanto a
esse direito no que se refere agrave educaccedilatildeo o proacuteprio texto constitucional delimita tal dever no art 208 facilitando
a construccedilatildeo do miacutenimo existencial especiacutefico para o direito agrave educaccedilatildeo
123
forem contratados professores capacitados Se natildeo for disponibilizado o aporte necessaacuterio
para a fruiccedilatildeo desse direito (quadro giz computadores material didaacutetico transporte por
exemplo)
A resposta em que pese parecer oacutebvia circunda sobre uma das grandes problemaacuteticas
do direito em questatildeo que eacute a falta de uma primaacuteria estruturaccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo Os
instrumentos citados satildeo desta maneira elementares para a construccedilatildeo e maximizaccedilatildeo do
miacutenimo para a educaccedilatildeo
Aplicando o raciociacutenio acima para o direito agrave sauacutede a situaccedilatildeo natildeo eacute muito diferente
Do que adianta interpretar a Constituiccedilatildeo de modo a incluir o atendimento materno-infantil
que engloba o acompanhamento preacute e poacutes-natal da gestante e da crianccedila como prestaccedilatildeo
iacutensita ao miacutenimo existencial em sauacutede se natildeo existirem maternidades puacuteblicas minimamente
estruturadas com profissionais especializados bem como equipamentos e medicamentos
imprescindiacuteveis para tal262
A outra conclusatildeo natildeo se pode chegar eacute inoacutecuo se falar em miacutenimo existencial se o
primeiro passo nem sequer foi dado de maneira eficiente Desta maneira pode-se afirmar ser
verdadeira conditio sine qua non e elemento fundamental de um miacutenimo existencial do direito
agrave sauacutede a preacutevia existecircncia de infraestrutura baacutesica apta a disponibilizar de maneira eficiente
para uma determinada localidade tanto as prestaccedilotildees fundamentais incluiacutedas em tal miacutenimo
como as objetivamente previstas e compromissadas nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento
tudo isso de maneira igualitaacuteria e eficaz263
Assim a mora do Poder Puacuteblico em disponibilizar o aparato faacutetico suficiente para a
fruiccedilatildeo do miacutenimo relativo ao direito agrave sauacutede mais do que qualquer outra forma de agressatildeo a
tal direito consiste em flagrante aviltamento a dignidade da pessoa humana vez que a
omissatildeo em questatildeo tem o condatildeo de cortar a raiz do nuacutecleo que foi compromissado
constitucionalmente
262
Veja-se por exemplo o teor das seguintes mateacuterias jornalistas as quais demonstram clara afronta ao miacutenimo
existencial do direito agrave sauacutede afronta esta cristalizada em grave omissatildeo do Poder Puacuteblico que natildeo pode ser
tolerada devendo ser corrigida pelo Poder judiciaacuterio httpwwwriograndedonortenet20120914unico-
hospital-municipal-de-natal-fecha-portas-e-nao-admite-pacientes e
httptvuoluolcombrassistirhtmvideo=falta-de-maternidades-gera-caos-na-saude-publica-no-rn-
04024D193272E4A10326 Acessado em 14062013 263
Eacute importante deixar clara a abrangecircncia desse elemento instrumental do miacutenimo existencial especiacutefico para a
sauacutede Veja soacute o raciociacutenio natildeo eacute o de que o Estado deve ter sempre a infraestrutura necessaacuteria para
invariavelmente atender toda a populaccedilatildeo de determinada regiatildeo Na verdade a ideia eacute a de que quando as
poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de afericcedilatildeo de sua eficiecircncia que se
baseiam em estimativas acerca do que minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente
apta a atingir seus objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de
leitos a cada tantos bdquoy‟ habitantes) que inclui-se no miacutenimo instrumental
124
Contudo alguns esclarecimentos satildeo importantes para se entender melhor a
abrangecircncia dessa proposta de inclusatildeo de uma eficiente miacutenima estruturaccedilatildeo como integrante
do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede Como foi dito anteriormente tal componente
funciona natildeo soacute como item basilar desse miacutenimo existencial mas tambeacutem como interface de
abertura apta a possibilitar a progressiva ampliaccedilatildeo desse miacutenimo e a percepccedilatildeo desse caraacuteter
dual exige a compreensatildeo de algumas premissas
Como visto a ideia de miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede propugnada por Ana
Paula de Barcellos (que aqui se tenta aperfeiccediloar) fundamentou-se na identificaccedilatildeo dos pontos
prioritaacuterios constitucionalmente traccedilados para esse direito para daiacute concluir que os serviccedilo de
saneamento atendimento materno-infantil accedilotildees de medicina preventiva e de prevenccedilatildeo
epidemioloacutegicas formariam um espectro de prestaccedilotildees as quais o Estado natildeo pode se negar a
prestar e que o argumento da reserva do possiacutevel natildeo pode sequer ser levantado jaacute que tal
miacutenimo funciona como regra e natildeo pode ser ponderado com outros aspectos (especialmente
os de cunho orccedilamentaacuterio)
Pois bem da mesma maneira o efeito principal da inclusatildeo desse elemento
instrumental aqui defendida eacute exatamente a impossibilidade de poder ser levada em
consideraccedilatildeo a alegaccedilatildeo estatal da reserva do possiacutevel jaacute que como incluso no miacutenimo
existencial tal elemento funciona como regra que deve ser cumprida pelo Estado Contudo
existe um aspecto primordial na investigaccedilatildeo desse elemento que eacute a necessidade de se dividir
o mesmo em dois grupos i infraestrutura necessaacuteria agrave concretizaccedilatildeo dos demais elementos
materiais do miacutenimo existencial e ii infraestrutura necessaacuteria para a concretizaccedilatildeo de accedilotildees e
serviccedilos de sauacutede natildeo ligados diretamente agraves prioridades constitucionais mas iacutensitas agraves
poliacuteticas puacuteblicas compromissadas no acircmbito do SUS
Nesse ponto a atenccedilatildeo precisa ser redobrada e a utilizaccedilatildeo de exemplos facilita a
elucidaccedilatildeo da proposiccedilatildeo Imagine-se que uma mulher graacutevida procure um posto de sauacutede
para fazer seu acompanhamento preacute-natal e chegando ao local natildeo lhe seja oportunizado
atendimento sendo informado que natildeo existe nem mesmo previsatildeo para a mesma ser atendida
jaacute que faltam meacutedicos pessoal de apoio e equipamentos baacutesicos para a realizaccedilatildeo dos
procedimentos necessaacuterios
Se vislumbra em tal situaccedilatildeo que a garantia deste elemento material (atendimento
materno-infantil) do miacutenimo existencial em sauacutede natildeo se concretizou primordialmente pela
inexistecircncia de um dever baacutesico do Estado que eacute exatamente a disponibilizaccedilatildeo do elemento
instrumental do miacutenimo existencial Nesse caso o Judiciaacuterio constatando tal omissatildeo deve
condenar o Poder Puacuteblico a realizar os procedimentos necessaacuterios nem que para isso o
125
mesmo tenha que utilizar aos seus custos instituiccedilotildees privadas equivalentes na regiatildeo ateacute que
o problema seja solucionado com a devida disponibilizaccedilatildeo na referida aacuterea da miacutenima
estrutura projetada pelo Estado para abranger a populaccedilatildeo da localidade em questatildeo
Noutro poacutertico caso seja alcanccedilada empiricamente a comprovaccedilatildeo da recalcitracircncia do
Poder Puacuteblico em cumprir o elemento instrumental do miacutenimo em sauacutede264
poderaacute o
Ministeacuterio Puacuteblico pela via coletiva pleitear judicialmente que essa falha seja suprida a partir
da seguinte alternativa a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a
cumprir esse miacutenimo instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal
omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental
da maneira que o mesmo encontrar como por exemplo a partir da formaccedilatildeo de convecircnios265
com hospitais privados equivalentes que pagos pelo Poder Puacuteblico disponibilizaratildeo o aparato
suficiente para se alcanccedilar o miacutenimo em infraestrutura previamente estimado
Ocorre que pelo fato de a situaccedilatildeo acima explicitada envolver uma prestaccedilatildeo
prioritaacuteria e inclusa materialmente no miacutenimo existencial especiacutefico do direito agrave sauacutede o
raciociacutenio para a soluccedilatildeo deste problema deve ser estratificado da seguinte maneira as
prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial (material) do direito agrave sauacutede satildeo prioridades
constitucionais que devem ser prestadas sempre pelo Estado como autecircnticos direitos dos
cidadatildeos e portanto o cumprimento do elemento instrumental (disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura miacutenima para a realizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos tanto incluiacutedas nas poliacuteticas
puacuteblicas como no miacutenimo existencial material em sauacutede) por si soacute natildeo seria suficiente para
afastar a obrigaccedilatildeo estatal de prestar tal accedilatildeo ou serviccedilo da maneira que fosse possiacutevel
Desta forma ainda que no exemplo apontado o Estado estivesse quite com a miacutenima
infraestrutura compromissada para a prestaccedilatildeo em questatildeo ou seja que existissem meacutedicos
leitos e equipamentos em nuacutemero que respeite o miacutenimo pactuado para o atendimento
materno-infantil e ainda assim tal atendimento natildeo fosse prestado (pelo motivo que seja
superlotaccedilatildeo imprevista desiacutedia dos profissionais contratados equipamentos danificados e
ainda natildeo repostos por exemplo) em que pese o elemento instrumental ter sido cumprido a
natildeo garantia praacutetica do elemento material em questatildeo por si soacute eacute suficiente para respaldar a
determinaccedilatildeo da obrigaccedilatildeo estatal em cumprir com o atendimento
264
Seja pela proacutepria fiscalizaccedilatildeo do cumprimento dos paracircmetros e metas preacute-estabelecidas nas poliacuteticas que
norteiam as accedilotildees e serviccedilos a serem prestados seja pela constataccedilatildeo de grande nuacutemero de condenaccedilotildees
individuais que atestem tal omissatildeo estatal 265
A Lei do SUS dispotildee que ldquoquando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura
assistencial agrave populaccedilatildeo de uma determinada aacuterea o Sistema uacutenico de Sauacutede (SUS) poderaacute recorrer aos serviccedilos
ofertados pela iniciativa privadardquo (art 24 caput) e que ldquoa participaccedilatildeo complementar dos serviccedilos privados seraacute
formalizada mediante contrato ou convecircnio observadas a respeito as normas de direito puacuteblicordquo (art 24
paraacutegrafo uacutenico)
126
Diferente contudo eacute a situaccedilatildeo de um cidadatildeo se dirigir a um posto de sauacutede visando
ao tratamento de doenccedilas ou cuidados com atenccedilatildeo baacutesica em princiacutepio externos ao miacutenimo
existencial em sauacutede mas inclusos nas poliacuteticas puacuteblicas em andamento ndash autecircnticos
compromissos firmados pelo Poder Puacuteblico em fazer cumprir o direito agrave sauacutede previsto na CF
e no arcabouccedilo legislativo infraconstitucional
Nessas situaccedilotildees em caso de ser impossibilitado o referido atendimento no
enfrentamento judicial da questatildeo o magistrado deve inicialmente investigar se o miacutenimo em
infraestrutura previsto para a realizaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em andamento estaacute sendo
efetivamente cumprido de maneira eficiente e regular e a partir da conclusatildeo dessa
perquiriccedilatildeo dois caminhos podem ser trilhados
Caso identificado o desrespeito a esse miacutenimo estrutural haveraacute uma consequente
afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede e nesse caso o Estado natildeo poderaacute alegar o postulado
da reserva do possiacutevel Isso acontece pois como visto por um criteacuterio de coerecircncia loacutegica
em que pese o Estado natildeo ser um garantidor universal de sauacutede puacuteblica quando o mesmo se
propotildee a cumprir determinada poliacutetica puacuteblica em sauacutede tal poliacutetica nasce a partir de uma
instrumentalizaccedilatildeo que elenca obrigaccedilotildees estruturais miacutenimas para o cumprimento eficiente
do que o Estado estaacute se comprometendo a disponibilizar para o cidadatildeo
Daiacute ser coerente concluir que a omissatildeo estatal em propiciar sequer esse miacutenimo aleacutem
de comprometer a proacutepria concretude da poliacutetica puacuteblica em si e evidenciar o desvirtuamento
das verbas previstas para a consecuccedilatildeo dos seus fins termina por gerar falsas expectativas
para os cidadatildeos instaurando um quadro de frustraccedilatildeo apto a ser enquadrado como autecircntica
afronta ao miacutenimo existencial em sauacutede pela falha em seu elemento instrumental
Nesse caso defende-se que o Judiciaacuterio diante de uma demanda individual poderaacute i
reconhecer a afronta ao aspecto instrumental do miacutenimo existencial alertando para o fato de
que natildeo eacute cabiacutevel a alegaccedilatildeo da reserva do possiacutevel quanto a essa grave falha jaacute que quando
se idealizou a poliacutetica em questatildeo previu-se orccedilamento para o aparelhamento miacutenimo
suficiente para sua concretizaccedilatildeo ii assentar que frente a esta grave falha surge uma espeacutecie
de presunccedilatildeo em favor do demandante o qual deveraacute ter seu pleito concedido e iii alertar
que eacute dever do Estado corrigir tal omissatildeo quanto a essa estruturaccedilatildeo miacutenima advertindo que
enquanto natildeo for feita tal correccedilatildeo o direito da sauacutede da coletividade da regiatildeo em questatildeo
estaraacute sendo afrontado
Por outro lado caso constatado que o Estado encontra-se quite com os padrotildees
miacutenimos estruturais previstos para a execuccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica que se propocircs o magistrado
deveraacute considerar os possiacuteveis argumentos levantados em juiacutezo e aplicando a teacutecnica da
127
ponderaccedilatildeo iraacute analisar os aspectos inerentes sobretudo agrave isonomia razoabilidade do pedido
e reserva do possiacutevel para emitir sua decisatildeo
Ainda no mesmo exemplo (pleito de uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial da
sauacutede mas inserido em uma poliacutetica puacuteblica do governo em andamento) faz-se relevante
analisar os desdobramentos no caso das demandas coletivas
Nesse ponto defende-se que sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e as respectivas
associaccedilotildees devem fiscalizar se os serviccedilos disponibilizados para a populaccedilatildeo de determinada
localidade estatildeo sendo oferecidos de forma perene e na quantidade e qualidade consentacircneas
com o previsto nas poliacuteticas puacuteblicas que o os projetaram fiscalizaccedilatildeo esta portanto que
passa inevitavelmente pela perquiriccedilatildeo acerca da proporcionalidade entre a demanda estimada
da populaccedilatildeo por sauacutede e a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para a execuccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas compromissadas
Sendo constatada qualquer disparidade entre a realidade faacutetica e os pilares miacutenimos
firmados em tais poliacuteticas poderaacute ser pleiteada coletivamente a correccedilatildeo de tal distorccedilatildeo a
partir da soluccedilatildeo apresentada anteriormente266
como forma de ser garantido o elemento
instrumental do miacutenimo existencial da sauacutede
Finalmente uma uacuteltima hipoacutetese seria o caso de um cidadatildeo pleitear uma prestaccedilatildeo de
sauacutede natildeo inclusa no miacutenimo existencial nem mesmo constante nas poliacuteticas puacuteblicas em
vigor no paiacutes como satildeo por exemplo os casos extremos de doenccedilas raras em que se pleiteia a
concessatildeo de medicamentos de alto custo importados e ainda natildeo constantes nas listas do
SUS
Em tais casos defende-se que em princiacutepio deve ser afastada a possibilidade de
intervenccedilatildeo judicial sendo certo contudo que a depender das circunstacircncias do caso
concreto aplicando-se a ponderaccedilatildeo entre os bens em conflito possa ser alcanccedilada
excepcionalmente uma soluccedilatildeo harmocircnica que garanta a sauacutede do indiviacuteduo e ao mesmo
tempo natildeo comprometa as poliacuteticas puacuteblicas em andamento que visam resguardar a sauacutede do
resto da populaccedilatildeo267
266
Relembrando a determinaccedilatildeo da inclusatildeo obrigatoacuteria das despesas necessaacuterias a cumprir esse miacutenimo
instrumental no orccedilamento seguinte bem como ateacute ser suprida tal omissatildeo fiacutesica-estruturante a imposiccedilatildeo do
dever estatal em alcanccedilar o miacutenimo instrumental a partir da formaccedilatildeo de convecircnios com hospitais privados
equivalentes e pagos pelo Poder Puacuteblico 267
Na mesma linha de pensamento no julgamento da Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 408480 realizado pela 8deg Turma
Especializada do TRF 2deg Regiatildeo relatoria do Des Marcelo Pereira (DJU de 110808 p 176) assentou-se que
ldquoa melhor doutrina orienta que em se tratando de direito agrave sauacutede apenas as prestaccedilotildees que compotildeem o assim
denominado bdquomiacutenimo existencial‟ e aquelas que configurem opccedilotildees poliacuteticas juridicizadas dos poderes
constituiacutedos poderiam ser objeto de condenaccedilatildeo dos entes puacuteblicos a implementaacute-las em prazo determinadordquo
128
Nessas situaccedilotildees extremas em que pese a dificuldade do magistrado ndash jaacute abordada ndash
em lidar com a carga de responsabilidade humanitaacuteria que sua decisatildeo pode representar eacute
certo que o exame de proporcionalidade a ser empregado natildeo deve ser calcado na
interpretaccedilatildeo automaacutetica de sauacutede como sinocircnimo de direito agrave vida visto que tal estrateacutegia
natildeo soacute tem o condatildeo de comprometer o proacuteprio funcionamento da rede do SUS como tambeacutem
acaba tendendo para o posicionamento do Estado como um garantidor universal e esvaziando
a problemaacutetica
Desta forma deve o magistrado empreender a difiacutecil tarefa de levantar os olhos para a
sauacutede como um todo considerando os reflexos que essa decisatildeo poderaacute acarretar para a sauacutede
e dignidade do resto da populaccedilatildeo O enfretamento da situaccedilatildeo deve portanto se preocupar
com a macro-justiccedila levando em consideraccedilatildeo a possibilidade de o Estado poder
eventualmente incluir tal demanda em suas poliacuteticas puacuteblicas e poder proporcionaacute-la
igualmente a todos que se encontrem naquela situaccedilatildeo sem que reste comprometida a garantia
de proteccedilatildeo da sauacutede das demais pessoas ndash isso tudo visando a afastar os efeitos colaterais
possiacuteveis jaacute anteriormente tratados268
A partir das situaccedilotildees assentadas vislumbra-se que a inclusatildeo do denominado
elemento instrumental (respeito agrave previsatildeo de aparato de infraestrutura miacutenimo a ser
disponibilizado para as accedilotildees e serviccedilos compromissados) no miacutenimo existencial do direito agrave
sauacutede se por um lado natildeo soluciona definitivamente a problemaacutetica da efetividade do direito
agrave sauacutede por outro consiste em importante mecanismo para o avanccedilo da concretizaccedilatildeo desse
direito visto que atua diretamente na raiz do principal problema da sauacutede puacuteblica no paiacutes que
eacute exatamente as peacutessimas condiccedilotildees de infraestrutura baacutesica condiccedilotildees estas que conforme
se veraacute adiante na maioria das vezes refletem uma realidade totalmente dissonante da
projetada e compromissada nas poliacuteticas puacuteblicas
Eacute exatamente na noccedilatildeo acima aclarada que reside a outra faceta desse elemento
instrumental como espeacutecie de portal de abertura que proporcionaraacute a almejada ampliaccedilatildeo
progressiva desse miacutenimo Isso porque o cumprimento desse elemento instrumental eacute calcado
268
Corroborando com esse raciociacutenio nas decisotildees mais recentes sobre direito agrave sauacutede no STF (SL 228 STA
238 268 e 277) todas de lavra do Ministro Gilmar Mendes caminhou-se no sentido de que a garantia judicial da
prestaccedilatildeo individual de sauacutede prima facie estaria condicionada ao natildeo comprometimento do funcionamento do
SUS natildeo havendo interferecircncia indevida quando a ordem judicial termina por deferir prestaccedilatildeo de sauacutede jaacute
prevista no SUS Por outro lado quando o pedido estivesse fora das poliacuteticas puacuteblicas seria possiacutevel ponderar o
objeto do pedido com a capacidade do SUS de arcar com as despesas da parte mas tambeacutem com as despesas de
todos os outros cidadatildeo que se encontrem em situaccedilatildeo idecircntica WANG Daniel Wei Liang Escassez de
recursos custos dos direitos e reserva do possiacutevel na jurisprudecircncia do STF In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 358
129
por um dinamismo que garante a elasticidade do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede jaacute que
pontualmente novas prestaccedilotildees em sauacutede podem acabar se revestindo da proteccedilatildeo dada agraves
prestaccedilotildees materiais prioritaacuterias incluiacutedas no miacutenimo em sauacutede antes elencados
Explicando melhor jaacute foi visto que toda vez que o Judiciaacuterio enfrentando uma
situaccedilatildeo em que se exige uma prestaccedilatildeo fora do miacutenimo existencial em sauacutede poreacutem inclusa
em uma poliacutetica puacuteblica acabar constatando o descumprimento do miacutenimo de infraestrutura
previsto para a realizaccedilatildeo da referida poliacutetica nasceraacute uma presunccedilatildeo em favor cidadatildeo no
sentido de ter a prestaccedilatildeo daquela poliacutetica realizada natildeo sendo possiacutevel o Estado alegar
reserva do possiacutevel nesses casos
Pois bem infere-se desse raciociacutenio que a partir da necessidade de se respeitar esse
elemento instrumental diversas prestaccedilotildees materiais poderatildeo ser alcanccediladas judicialmente
sem que se discuta reserva do possiacutevel frente agrave presunccedilatildeo que nasce em favor do cidadatildeo de
ter direito agrave prestaccedilatildeo pleiteada jaacute que o Estado natildeo cumpre nem o que minimamente foi
planejado e projetado quando da elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica em questatildeo
Desta maneira em que pese natildeo significar o automaacutetico acoplamento dessas novas e
indefinidas prestaccedilotildees (variaacuteveis conforme o caso concreto) ao grupo dos elementos materiais
do miacutenimo existencial em sauacutede o dever de corrigir o descumprimento do elemento
instrumental tem o condatildeo de conferir um tratamento de miacutenimo existencial a novas
prestaccedilotildees pelo menos de forma indireta jaacute que na praacutetica a falha estatal nesse ponto
funciona como uma espeacutecie de confissatildeo de sua ineficiecircncia daiacute se falar em dinamismo desse
elemento instrumental apto a contribuir para uma ampliaccedilatildeo progressiva do miacutenimo
existencial material
Nesse sentido aleacutem de elasticamente permitir uma ampliaccedilatildeo indireta das prestaccedilotildees
materiais tratadas como miacutenimo existencial em sauacutede a sistemaacutetica acima funciona como
importante ferramenta para a identificaccedilatildeo das prioridades em sauacutede da populaccedilatildeo jaacute que o
exame das diversas demandas judiciais na temaacutetica do direito agrave sauacutede poderaacute identificar onde
exatamente o Estado mais falha com a populaccedilatildeo podendo-se conferir assim uma roupagem
de prioridade em sauacutede a novas prestaccedilotildees natildeo advinda diretamente da Constituiccedilatildeo mas da
realidade faacutetica
Do afirmado acima jaacute se pode alcanccedilar uma importante constataccedilatildeo qual seja a noccedilatildeo
de que o manto da discricionariedade na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas natildeo pode ser
tido como uma maacutexima absoluta jaacute que quando tais poliacuteticas satildeo elaboradas o proacuteprio Poder
Puacuteblico estratifica documentalmente o que minimamente deve ser disponibilizado e quais
metas se incluem naquela poliacutetica sendo assim de suma importacircncia o controle fiscalizaccedilatildeo
130
e acompanhamento do fiel cumprimento dos compromissos sinalizados em tais poliacuteticas como
forma de averiguar a eficiecircncia das mesmas e o respeito agrave concretizaccedilatildeo praacutetica do direito agrave
sauacutede
Dito isto eacute relevante se ter em mente que satildeo situaccedilotildees completamente distintas a
hipoacutetese de intromissatildeo judicial em poliacuteticas puacuteblicas a partir da invasatildeo do campo de
discricionariedade que eacute iacutensito ao Executivo com a imposiccedilatildeo de modificaccedilotildees em tais
poliacuteticas ndash ou ateacute mesmo a ocorrecircncia de implementaccedilatildeo de poliacuteticas pelo proacuteprio Judiciaacuterio ndash
da hipoacutetese de o Judiciaacuterio poder aferir se os compromissos miacutenimos firmados estatildeo sendo
cumpridos especialmente relacionados agrave infraestrutura miacutenima pactuada e
consequentemente se os valores direcionados para tais fins estatildeo sendo corretamente
aplicados
Conclui-se que o escopo chave da inclusatildeo desse elemento instrumental no miacutenimo
existencial do direito agrave sauacutede eacute o de sugerir uma linha de orientaccedilatildeo concreta que
funcionando como um criteacuterio valioso para o Judiciaacuterio facilite o enfrentamento da
problemaacutetica da falta de efetividade desse relevante direito social amenizando assim os
possiacuteveis efeitos colaterais (jaacute tratados) marcantes em decisotildees que preocupadas apenas com
a micro-justiccedila do caso concreto terminam por comprometer o direito agrave sauacutede quando
pensado de maneira coletiva
Nesse sentido em que pese agrave proposta acima delineada parecer complexa eacute certo que
sua viabilidade poderaacute ser alcanccedilada a partir da consolidaccedilatildeo de uma cultura calcada no
conhecimento preacutevio das metas que satildeo estimadas no acircmbito da legislaccedilatildeo do SUS e nesse
contexto conforme se veraacute melhor a seguir eacute inequiacutevoco que existem previsotildees que
especificam a obrigaccedilatildeo de se disponibilizar infraestrutura miacutenima a partir de paracircmetros
objetivos como por exemplo a quantidade miacutenima de meacutedicos leitos em hospitais
equipamentos etc
Importante reforccedilar ainda que as determinaccedilotildees judiciais que comprovadamente
apontarem para a ineficiecircncia e aplicaccedilatildeo inconstitucional da verba destinada para a sauacutede
puacuteblica devem ser acompanhadas da consequente apuraccedilatildeo e responsabilizaccedilatildeo das
autoridades e gestores envolvidos em tais atos de negligecircncia e afronta ao direito agrave sauacutede269
Concluindo se por um lado admite-se que a concretizaccedilatildeo praacutetica de tal medida eacute
algo complexo por outro natildeo haacute duacutevida de que a mesma aleacutem de funcionar como importante
269
Corroborando com esse pensamento o art 52 da Lei do SUS leciona que ldquosem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees
cabiacuteveis constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas puacuteblicas (Coacutedigo Penal art 315) a utilizaccedilatildeo
de recursos financeiros do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta leirdquo
131
instrumento no combate da ineficiecircncia do direito agrave sauacutede carrega em sua essecircncia um
importante efeito moralizador dirigido aos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de que
os mesmos corrijam as distorccedilotildees geradas por suas accedilotildees (ou inaccedilotildees) evitando-se que os
seguidos erros se tornem recorrentes
Para fechar a contribuiccedilatildeo da presente pesquisa na construccedilatildeo do miacutenimo existencial
em espeacutecie para o direito agrave sauacutede natildeo se pode avanccedilar sem abordar o ponto central da
argumentaccedilatildeo levantada que eacute exatamente a existecircncia de paracircmetros para se aferir a
eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede especialmente o respeito ao miacutenimo estimado para
a viabilizaccedilatildeo das mesmas A identificaccedilatildeo dos documentos que veiculam tais paracircmetros eacute
portanto o objeto do toacutepico que se segue
53 A IMPORTAcircNCIA DO CONHECIMENTO ESTRUTURAL DAS POLIacuteTICAS
PUacuteBLICAS EM SAUacuteDE COMO FORMA DE GARANTIA DO MIacuteNIMO EXISTENCIAL
RELATIVO A ESSE DIREITO
Conforme jaacute adiantado no capiacutetulo segundo a proteccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil
estaacute assentada em diversos dispositivos da CF de 1988 bem como na regulamentaccedilatildeo trazida
tanto pela Lei Federal nordm 808090 quanto pela Lei Federal 814290 destacando-se tambeacutem
a recente Lei Complementar Federal nordm 1412012
Todavia tais normas por serem gerais e abstratas natildeo constituem instrumentos haacutebeis
a especificar tatildeo detalhadamente como seraacute estruturada a garantia do direito agrave sauacutede uma vez
que diversos fatores podem influenciar a forma com que essa garantia se procederaacute e
portanto pela dinamicidade inerente a esse processo satildeo algumas normas de menor
hierarquia que melhor apresentam as minuacutecias das poliacuteticas que buscaratildeo efetivar tanto a
legislaccedilatildeo acima apontada como a proacutepria Constituiccedilatildeo
Desta maneira haacute um caminho loacutegico a ser seguido e respeitado o qual engloba
diferentes niacuteveis do raio de abrangecircncia da proteccedilatildeo e garantia do direito agrave sauacutede Veja-se
i em primeiro lugar a Carta Maior prevecirc
i1 que o direito agrave sauacutede deveraacute ser garantido mediante poliacuteticas sociais e
econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedilas e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo
132
i2 que cabe ao Poder Puacuteblico dispor nos termos da lei sobre a
regulamentaccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede as quais
integram uma rede regionalizada e hierarquizada constituindo um sistema
uacutenico
ii em segundo lugar a Lei Federal nordm 808090 dispotildee de maneira geral sobre
as condiccedilotildees para a promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo
e o funcionamento dos serviccedilos correspondentes trazendo diretrizes e
principais objetivos a serem seguidos pelo SUS e
ii em terceiro lugar a Lei Federal nordm 814290 e a Lei Complementar Federal nordm
1412012 apresentam respectivamente disposiccedilotildees de suma relevacircncia sobre
a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS e as transferecircncias
intergovernamentais de recursos na aacuterea de sauacutede bem como sobre os criteacuterios
de rateio dos recursos para a sauacutede e normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e
controle das despesas com sauacutede nas trecircs esferas de governo
Esse terceiro momento trata de situaccedilotildees especiacuteficas (e natildeo menos relevantes) cuja
anaacutelise se daraacute mais a frente Contudo no que se refere aos dois primeiros eacute certo que nasce
do exame dos mesmos a difiacutecil missatildeo de se extrair de maneira segura os paracircmetros que
delimitam quais as prestaccedilotildees em sauacutede que se cristalizam efetivamente como dever do
Poder Puacuteblico
A complexidade inerente a esse processo reside em dois aspectos jaacute pincelados ao
longo da presente pesquisa a dificuldade praacutetica de uma norma geral e abstrata apresentar
nuances de uma situaccedilatildeo que envolve inuacutemeras condicionantes e que necessita de alteraccedilotildees e
adaptaccedilotildees com grande frequecircncia bem como o fato de que a teacutecnica legislativa utilizada na
elaboraccedilatildeo dos dispositivos ligados agrave sauacutede constantes nesses dois niacuteveis (CF de 1988 e ldquoLei
do SUSrdquo) privilegia uma linha mais programaacutetica abraccedilando-se em diretrizes e princiacutepios
sem comprometer o Poder Puacuteblico de maneira muito especiacutefica Em suma prestigiam-se fins
a serem alcanccedilados mas natildeo satildeo dadas muitas pistas de como se chegar eficientemente aos
mesmos
Partindo das premissas postas defende-se o aprofundamento e maior divulgaccedilatildeo do
por assim dizer quarto niacutevel de normas protetivas do direito agrave sauacutede niacutevel este que se inicia
pelo conhecimento do quadro geral das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede abarcadas no acircmbito do
SUS e dos instrumentos legislativos sobretudo decretos e portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
que as norteiam
133
Nesse contexto a exata compreensatildeo da organizaccedilatildeo e funcionamento do SUS eacute
primordial para a delimitaccedilatildeo desse niacutevel o que exige primeiro um maior detalhamento
quanto algumas especificidades da denominada ldquoLei do SUSrdquo
Segundo a Lei Federal nordm 808090 o dever do Estado de garantir a sauacutede se
materializa pela formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e pelo estabelecimento de
condiccedilotildees que assegurem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos constantes em
tais poliacuteticas constituindo o que se chama de SUS exatamente o conjunto dessas accedilotildees e
serviccedilos
Mais adiante satildeo elencados os objetivos e atribuiccedilotildees do SUS e nesse momento as
ldquodicasrdquo sobre o que pode ser exigido em sauacutede apesar de ainda natildeo tatildeo claras satildeo mais
palpaacuteveis jaacute que haacute previsatildeo no sentido de encontrar-se no campo de atuaccedilatildeo do SUS a
execuccedilatildeo de accedilotildees de vigilacircncia sanitaacuteria e epidemioloacutegica de sauacutede do trabalhador e de
assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica
Quanto a este uacuteltimo elemento algumas observaccedilotildees natildeo podem deixar de serem
feitas Nesse contexto eacute imperioso ressaltar que recente e importante alteraccedilatildeo na Lei do
SUS instituiacuteda pela Lei Federal nordm 124012011 veio a incluir o capiacutetulo VIII (Da assistecircncia
terapecircutica e da incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede) que especifica a abrangecircncia do termo
assistecircncia terapecircutica e arrola paracircmetros para os casos de concessatildeo de medicamentos270
Nesse ponto resta esclarecido pela proacutepria ldquoLei do SUSrdquo (art 19-M) que a assistecircncia
terapecircutica integral abrange a disponibilizaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para
a sauacutede e a oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar ambulatorial e
hospitalar mas tudo isso conforme as diretrizes previamente definidas em protocolos cliacutenicos
e tabelas elaboradas no acircmbito do SUS271
270
Sobre a questatildeo da disponibilizaccedilatildeo de medicamentos por parte do Estado merece destaque a pesquisa
desenvolvida por Paul Hunt e Rajat Khosla que encara o acesso a medicamentos como um autecircntico direito
humano ao passo que ldquoos estados devem fazer todo o possiacutevel para assegurar que os medicamentos existentes
sejam disponibilizados em quantidade suficientes dentro do acircmbito de suas jurisdiccedilotildees Por exemplo eles
provavelmente teratildeo que utilizar alguns dos mecanismos de flexibilidaccedilatildeo da propriedade intelectual previstos
no Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comeacutercio (conhecido como
TRIPS) promulgando e aplicando leis internas que permitam a licenccedila compulsoacuteria Dessa maneira os Estados
assegurariam a disponibilidade de medicamentos em quantidade adequadas dentro de suas jurisdiccedilotildeesrdquo HUNT
Paul KHOSLA Rajat Acesso a medicamentos como um direito humano (trad Thiago Amparo) In Revista
Internacional de Direitos Humanos v5 n8 Satildeo Pulo jun 2008 p 104 271
Neste ponto depreende-se da leitura dos arts 19-N 19-O e 19-P que os protocolos cliacutenicos (documento que
estabelece criteacuterios para o diagnoacutestico de doenccedilas o tratamento medicamento posologia e mecanismo de
controle cliacutenico) e as diretrizes terapecircuticas devem estabelecer os medicamentos necessaacuterios nas diferentes fases
evolutivas da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede e na falta dos mesmos a dispensaccedilatildeo de medicamentos deve ser
realizada com base nas relaccedilotildees de medicamentos instituiacutedas pelo gestor federal do SUS observada a
responsabilidade pelo fornecimento pactuada na Comissatildeo Intergestores Tripartite
134
Avanccedilou-se ainda na soluccedilatildeo referente agrave celeuma quanto a dificuldade de se
estabelecer a responsabilidade financeira do fornecimento de tais medicamentos produtos
para a sauacutede ou procedimentos ao passo que no art 19-U esclareceu-se que tal
responsabilidade seraacute pactuada no acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite que envolve os
gestores dos trecircs niacuteveis federativos o que denota a importacircncia da ampla publicidade e
conhecimento dos atos dessa comissatildeo
Desta maneira constata-se que a recente alteraccedilatildeo legislativa significou um importante
passo para a soluccedilatildeo da problemaacutetica enfrentada nas demandas judiciais em que se pleiteia
medicamentos jaacute que haacute um maior esclarecimento em lei de paracircmetros a serem seguidos
pelo magistrado na busca pela soluccedilatildeo dos referidos casos tanto com relaccedilatildeo a
responsabilidade de cada ente quanto aos medicamentos que especificamente podem ser
pleiteados judicialmente
Fechando este parecircntese quanto aos medicamentos e seguindo na perquiriccedilatildeo dos
destaques da Lei do SUS que auxiliam na delimitaccedilatildeo das obrigaccedilotildees estatais em sauacutede tem-
se que no capiacutetulo referente aos princiacutepios do SUS elencados no art 7deg surgem as
importantes noccedilotildees de universalidade de acesso aos serviccedilos em todos os niacuteveis de assistecircncia
e de integralidade compreendida como conjunto articulado e contiacutenuo de accedilotildees e serviccedilos
preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de
complexidade do sistema noccedilotildees estas que funcionam como norte na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas
especiacuteficas em sauacutede puacuteblica
Mais a frente no rol das competecircncias da direccedilatildeo nacional e estadual do SUS (art 16
XI e art 17 IX) identifica-se a importante atribuiccedilatildeo de serem especificados os serviccedilos
estaduais e municipais de referecircncia nacional para o estabelecimento de padrotildees teacutecnicos de
assistecircncia agrave sauacutede aleacutem do dever da direccedilatildeo municipal de dar execuccedilatildeo agrave poliacutetica de insumos
e equipamentos para a sauacutede deixando claro o teor de tais disposiccedilotildees que ao proacuteprio SUS
cabe a tarefa de especificar certos padrotildees e metas a serem atingidas as quais serviratildeo para
atestar a viabilidade e eficiecircncia das poliacuteticas que vierem a ser executadas
Finalmente no capiacutetulo referente ao planejamento e orccedilamento do SUS eacute destacado
(arts 36 e 37) que os planos de sauacutede constituem os instrumentos-base das atividades e
programaccedilotildees de cada niacutevel de direccedilatildeo do SUS com financiamento previsto na respectiva
proposta orccedilamentaacuteria devendo as accedilotildees neles previstas passar necessariamente pelo crivo
oacutergatildeos deliberativos compatibilizando-se as necessidades da poliacutetica de sauacutede com a
disponibilidade de recursos
135
Da anaacutelise da Lei do SUS portanto se conclui que em que pese a referida lei ser clara
em apresentar um dever estatal para com a sauacutede este natildeo se encontra perfeitamente
delimitado jaacute que as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico em sua
maioria iratildeo depender de documentos que especifiquem o planejamento da sauacutede que estaacute em
andamento e quais accedilotildees e serviccedilos estatildeo abrangidas em tal plano
Nesse ponto importantiacutessimo passo foi dado com a promulgaccedilatildeo do Decreto nordm
750811 que regulamentando a Lei do SUS trouxe contribuiccedilotildees chaves sobre a organizaccedilatildeo
do SUS o planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa na
mateacuteria Eacute exatamente a anaacutelise desse importante instrumento que se faraacute a seguir
531 A contribuiccedilatildeo do Decreto nordm 750811 para a identificaccedilatildeo das obrigaccedilotildees miacutenimas
em sauacutede a serem prestadas pelo Poder Puacuteblico
Com vistas a fazer valer a necessidade de regionalizaccedilatildeo e hierarquizaccedilatildeo da rede de
serviccedilos de sauacutede previstos na Lei do SUS o decreto em exame apresenta importantes
disposiccedilotildees que devem ser familiares ao dia a dia da sociedade (especialmente dos
representantes dos usuaacuterios nos Conselhos de Sauacutede) do Poder Judiciaacuterio e dos entes de
fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico e os Tribunais de Contas)
Da anaacutelise dos diversos conceitos encontrados no aludido decreto depreende-se que a
loacutegica estrutural do SUS incentiva a formaccedilatildeo de regiotildees de sauacutede (espaccedilos geograacuteficos
contiacutenuos constituiacutedos por agrupamentos de municiacutepios limiacutetrofes272
) como forma de melhor
organizar o planejamento das accedilotildees e serviccedilos disponibilizados
Nesse contexto surgem dois instrumentos que satildeo de essencial valia o Contrato
Organizativo da Accedilatildeo Puacuteblica da Sauacutede e o Mapa de Sauacutede273
O primeiro consiste no acordo de colaboraccedilatildeo firmado entre os entes federativos com
a finalidade de organizar e integrar as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede na rede regionalizada e
hierarquizada apresentando importantes paracircmetros aos quais deve ser dada ampla
publicidade e que poderatildeo ser analisados pelo Judiciaacuterio no enfretamento de pleitos ligados ao
direito agrave sauacutede quais sejam a definiccedilatildeo de responsabilidades indicadores e metas de sauacutede
criteacuterios de avaliaccedilatildeo de desempenho recursos financeiros que seratildeo disponibilizados forma
272
Art 2deg I do Decreto nordm 750811 273
Art 2deg II e V do Decreto nordm 750811
136
de controle e fiscalizaccedilatildeo de sua execuccedilatildeo bem como outros elementos necessaacuterios agrave
implementaccedilatildeo do acordado
Ou seja sempre que existir accedilotildees integradas entre esferas de governo caracteriacutestica
que eacute a proacutepria tocircnica da estruturaccedilatildeo do SUS existiraacute um instrumento que estabeleceraacute
relevantes paracircmetros aptos a aferir a eficiecircncia do cumprimento do acordado sendo
imprescindiacutevel desta maneira a disponibilizaccedilatildeo de tal documento nas anaacutelises judiciais que
envolvam pleitos relativos a accedilotildees e serviccedilos de sauacutede
O Mapa de Sauacutede por sua vez consiste na descriccedilatildeo geograacutefica da distribuiccedilatildeo de
recursos humanos e de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede ofertados pelo SUS que considera a
capacidade instalada existente os investimentos e o desempenho aferido a partir dos
indicadores de sauacutede do sistema consolidando-se tambeacutem como outro importante
instrumento a ser considerado no exame da eficiecircncia das poliacuteticas puacuteblicas em andamento jaacute
que contribuem para o estabelecimento de metas de sauacutede274
Assentados tais conceitos de se destacar novamente o relevante papel da Comissatildeo
Intergestores Tripartite (CIT) que dispotildee sobre as diretrizes gerais das regiotildees de sauacutede as
quais compreendem as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede (conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede
articulados em niacuteveis de complexidade crescente) e servem de referecircncia para as
transferecircncias de recursos entre os entes federativos
Sobre as regiotildees de sauacutede o referido decreto assevera que as mesmas deveratildeo conter
no miacutenimo accedilotildees e serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria urgecircncia e emergecircncia atenccedilatildeo
psicossocial atenccedilatildeo ambulatorial especializada e hospitalar e vigilacircncia em sauacutede275
Ainda
fica asseverado que as redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede que estatildeo compreendidas nestas regiotildees
deveratildeo ter definidas em seu acircmbito pelos entes federativos que a englobam paracircmetros
importantes como os limites geograacuteficos a populaccedilatildeo usuaacuteria das accedilotildees e serviccedilos o rol das
accedilotildees que seratildeo ofertadas e as respectivas responsabilidades criteacuterios de acessibilidade e
escala para a conformaccedilatildeo dos serviccedilos
Pode-se observar que tais indicadores satildeo de suma relevacircncia para a afericcedilatildeo judicial
do enquadramento de determinada accedilatildeo ou serviccedilo como constante em determinada poliacutetica
puacuteblica visto que munido dos documentos que formalizam as regiotildees de sauacutede e as
respectivas redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede o magistrado poderaacute identificar se os requisitos miacutenimos
a serem instituiacutedos estatildeo sendo cumpridos bem como se o rol de accedilotildees estaacute sendo
274
Art 17 do Decreto nordm 750811 275
Art 5deg do Decreto nordm 750811
137
disponibilizados respeitando os criteacuterios de acessibilidade e escala da projeccedilatildeo de tais
serviccedilos
Mais adiante eacute ressaltada a importacircncia de ser assegurado aos usuaacuterios um acesso que
seja universal igualitaacuterio e ordenado agraves accedilotildees e serviccedilos do SUS impondo-se aos entes
federativos o dever de garantir a transparecircncia integralidade e equidade no acesso o qual
deveraacute ser monitorado bem como de orientar e ordenar os fluxos das accedilotildees e dos serviccedilos
que regionalmente ofertados satildeo guiados pelo garantia da continuidade do cuidado em sauacutede
em todas as modalidades276
Importantes diretrizes tambeacutem satildeo fixadas nos capiacutetulos referentes ao planejamento e
agrave assistecircncia em sauacutede Nesse ponto tem-se que o processo de planejamento da sauacutede
caracterizado por ser ascendente e integrado do niacutevel local ateacute o federal deveraacute
necessariamente passar pelos Conselhos de Sauacutede e buscaraacute a harmonia entre as necessidades
das poliacuteticas de sauacutede e a disponibilidade dos recursos financeiros devendo esta
compatibilizaccedilatildeo ser efetuada no acircmbito dos planos de sauacutede que satildeo exatamente o
resultado do planejamento integrado dos entes planejamento este que deveraacute conter metas a
serem atingidas277
Jaacute quanto agrave assistecircncia em sauacutede esta tem sua integralidade iniciada e completada na
rede de atenccedilatildeo agrave sauacutede mediante referenciamento do usuaacuterio na rede regional e interestadual
conforme o pactuado nas Comissotildees Intergestores278
e a delimitaccedilatildeo de sua abrangecircncia se
baseia em dois importantiacutessimos paracircmetros a Relaccedilatildeo Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de
Sauacutede (RENASES) e a Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
A RENASES279
compreende todas as accedilotildees e serviccedilos que o SUS oferece ao usuaacuterio
para atendimento da integralidade da assistecircncia agrave sauacutede cabendo ao Ministeacuterio da Sauacutede
observadas as diretrizes pactuadas pela CIT dispor sobre essa relaccedilatildeo e atualizaacute-la a cada dois
anos Para efeito de responsabilizaccedilatildeo deveratildeo os entes pactuar nas respectivas Comissotildees
Intergestores as suas responsabilidades em relaccedilatildeo ao rol de accedilotildees e serviccedilos constantes da
RENASES sem prejuiacutezo de os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios poderem adotar
relaccedilotildees especiacuteficas e complementares280
276
Arts 12 e 13 do Decreto nordm 750811 277
Art 15 do Decreto nordm 750811 278
Art 20 do Decreto nordm 750811 279
A mais recente atualizaccedilatildeo da RENASES foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 841 de 2
de maio de 2012 disponiacutevel em httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoesrelacao_nacional_acoes_saudepdf
Acesso em 15062013 280
Arts 21 a 24 do Decreto nordm 750811
138
A RENAME281
por sua vez engloba a seleccedilatildeo e padronizaccedilatildeo de medicamentos
indicados para o atendimento de doenccedilas ou agravos no acircmbito do SUS282
e seraacute
acompanhada do Formulaacuterio Terapecircutico Nacional (FTN) o qual subsidiaraacute a prescriccedilatildeo
dispensaccedilatildeo e o uso dos seus medicamentos cabendo tambeacutem ao Ministeacuterio da Sauacutede
dispor sobre a mesma e atualizaacute-la a cada dois anos283
De igual maneira poderatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios adotar
relaccedilotildees especiacuteficas e complementares de medicamentos as quais sintonizadas com a loacutegica
da RENAME devem respeitar as responsabilidades dos entes pelo financiamento de
medicamentos de acordo com o pactuado nas Comissotildees Intergestores sendo certo que tanto
a RENAME quanto tais relaccedilotildees complementares somente poderatildeo conter produtos com
registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA284
)
Outra questatildeo relevante e que deve ser levada em consideraccedilatildeo pelo magistrado ao
enfrentar uma demanda envolvendo a disponibilizaccedilatildeo de um medicamento eacute a contribuiccedilatildeo
do decreto em exame no que se refere agrave especificaccedilatildeo dos requisitos imprescindiacuteveis para que
seja garantido o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica com base no
RENAME
Nesse contexto cumulativamente devem estar o usuaacuterio assistido por accedilotildees e
serviccedilos abrangidos pelo SUS ter o medicamento sido prescrito por profissional de sauacutede no
exerciacutecio regular de suas funccedilotildees no SUS estar a prescriccedilatildeo em conformidade com a
RENAME e os Protocolos Cliacutenicos e Diretrizes Terapecircuticas e ter a dispensaccedilatildeo ocorrido
necessariamente em unidades indicadas pela direccedilatildeo do SUS285
Tais requisitos reforccedilam a necessidade de que o elemento instrumental do miacutenimo
existencial em sauacutede proposto deve necessariamente abranger natildeo somente a infraestrutura
fiacutesica suficiente (hospitais equipados com leitos suficientes e equipamentos) para atender as
demandas da regiatildeo em questatildeo mas tambeacutem a disponibilidade miacutenima de meacutedicos e
remeacutedios estimados
281
A mais recente atualizaccedilatildeo da RENAME foi empreendida pela Portaria do Ministeacuterio da sauacutede nordm 533 de 28
de marccedilo de 2012 disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfCONITECPORTARIAMS5332012pdf Acesso em 15062013 282
A RENAME nasce da identificaccedilatildeo com base na situaccedilatildeo epidemioloacutegica dos maiores problemas de sauacutede e
os medicamentos baacutesicos indispensaacuteveis para seu tratamento os quais devem estar continuamente disponiacuteveis
para a populaccedilatildeo que deles necessita DALLARI Sueli Gandolfi Poliacuteticas de Estado e poliacuteticas de governo o
caso da sauacutede puacuteblica In Poliacuteticas Puacuteblicas Reflexotildees sobre o conceito juriacutedico Maria Paula Dallari Bucci
(org) Satildeo Paulo Saraiva 2006 p 259 283
Arts 25 e 26 do Decreto nordm 750811 284
Art 27 e 29 do Decreto nordm 750811 285
Art 28 do Decreto nordm 750811
139
Finalmente importantes contribuiccedilotildees referentes agrave articulaccedilatildeo entre os entes federados
satildeo apresentadas pelo decreto em anaacutelise sobretudo no que diz respeito agraves atribuiccedilotildees das
comissotildees intergestores e a elaboraccedilatildeo do jaacute mencionado contrato organizativo de accedilatildeo
puacuteblica da sauacutede
Nesse sentido essas comissotildees exercem um papel de suma importacircncia na
funcionalidade geral do SUS jaacute que a partir delas satildeo pactuados os aspectos operacionais
financeiros e administrativos da gestatildeo compartilhada do sistema de acordo com a definiccedilatildeo
da poliacutetica de sauacutede dos entes federativos balizada nos planos de sauacutede e aprovadas pelos
respectivos conselhos de sauacutede286
Cabe a tais comissotildees dessa forma a elaboraccedilatildeo das diretrizes gerais sobre as regiotildees
de sauacutede e sobre a organizaccedilatildeo das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede com o correspondente
estabelecimento das responsabilidades dos entes federativos287
a partir do contrato
organizativo instrumento que consubstancia o acordo de colaboraccedilatildeo entre os entes sobre a
organizaccedilatildeo da rede interfederativa de atenccedilatildeo agrave sauacutede
O referido instrumento eacute bastante relevante para o exame judicial dos pleitos na
temaacutetica do direito agrave sauacutede sendo indispensaacutevel sua apresentaccedilatildeo em juiacutezo jaacute que o mesmo
funciona como um elemento delimitativo das diversas circunstacircncias que envolvem as
poliacuteticas puacuteblicas principalmente quanto agrave parcela de responsabilizaccedilatildeo de cada esfera
federativa e quanto agrave fiscalizaccedilatildeo da execuccedilatildeo das mesmas aleacutem de apresentar enorme valia
tanto para a delimitaccedilatildeo do elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede quanto
para perquiriccedilatildeo acerca do enquadramento de determinado pleito em alguma poliacutetica em
andamento
Desta feita prevecirc o Decreto nordm 750811 que eacute no mencionado contrato organizativo
que deveratildeo constar as responsabilidades individuais e solidaacuterias dos entes federativos com
relaccedilatildeo agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede os indicadores e as metas de sauacutede os criteacuterios de
avaliaccedilatildeo de desempenho a discriminaccedilatildeo dos recursos financeiros que estatildeo sendo
disponibilizados por cada um dos partiacutecipes bem como a forma de controle e fiscalizaccedilatildeo da
sua execuccedilatildeo e demais elementos necessaacuterios agrave implementaccedilatildeo integrada das accedilotildees e serviccedilos
de sauacutede288
Quanto agrave importacircncia do preacutevio conhecimento do Judiciaacuterio acerca das
responsabilidades de cada ente bem como da contribuiccedilatildeo financeira que cada um
286
Art 32 I do Decreto nordm 750811 287
Art 32 II III e IV do Decreto nordm 750811 288
Art 35 do Decreto nordm 750811
140
disponibiliza para as accedilotildees e serviccedilos de sauacutede serem implementados algumas observaccedilotildees
merecem maior ecircnfase sobretudo no que se refere ao elemento instrumental jaacute defendido
anteriormente
Quando uma decisatildeo judicial natildeo se preocupa em averiguar o que foi pactuado
previamente entre os entes e simplesmente reconhece uma responsabilidade solidaacuteria ou
meramente responsabiliza um dos entes a partir de um criteacuterio aleatoacuterio que natildeo se coaduna
com o que foi previamente pactuado conforme as disposiccedilotildees da Lei do SUS e do decreto que
a regulamenta isso acaba gerando uma grave desorganizaccedilatildeo do proacuteprio sistema gerando
severos efeitos colaterais
Isso porque como jaacute eacute definido previamente qual prestaccedilatildeo material caberaacute a cada
ente ou quais seratildeo solidaacuterias haveraacute tambeacutem de maneira preacutevia uma estipulaccedilatildeo acerca dos
dispecircndios de cada ente (seja que seratildeo repassados ou diretamente utilizados) bem como uma
imprescindiacutevel organizaccedilatildeo estrutural antecedente para que cada um realize suas
responsabilidades
Desta maneira quando uma decisatildeo judicial decide contrariamente a tal conteuacutedo jaacute
pactuado a loacutegica do sistema se desorganiza levando primeiro a ocorrecircncia de dispecircndios
em duplicidade uma vez que em muitos casos um ente jaacute repassou os valores legais para o
ente responsaacutevel pela execuccedilatildeo da accedilatildeo ou serviccedilo e termina sendo condenado a pagar de
novo e segundo ao relaxamento dos gestores em sauacutede jaacute que alguns ficam inertes agrave espera
de decisotildees judiciais para agir gerando um ciacuterculo vicioso
Por sua vez quando o Judiciaacuterio se preocupa em fazer valer o previamente definido
haacute uma contribuiccedilatildeo para o proacuteprio SUS jaacute que natildeo soacute restam evitados os efeitos colaterais
acima mencionados como tambeacutem se coopera para a formaccedilatildeo de dados estatiacutesticos sobre as
possiacuteveis falhas na prestaccedilatildeo o que termina por forccedilar uma melhor programaccedilatildeo do gestor
condenado visando agrave correccedilatildeo dos problemas mais recorrentes
Conclui-se assim que ao inveacutes de contribuir com a concretizaccedilatildeo do direito em
exame o Judiciaacuterio quando decide sem esse compromisso investigativo de buscar condenar
quem eacute o responsaacutevel com base nas previsotildees da poliacutetica puacuteblica em vigor acaba
prejudicando a macrojusticcedila circundante ao direito agrave sauacutede jaacute que a proacutepria organizaccedilatildeo do
SUS restaraacute prejudicada289
289
Corroborando com o posicionamento acima a Advogada da Uniatildeo Gabriela Moreira Castro assevera que ldquoEacute
preciso estudar racionalmente como se organiza o SUS nessa mateacuteria a fim de se impor a obrigaccedilatildeo a quem eacute
diretamente responsaacutevel pelo seu atendimento e dessa forma possibilitar o tratamento da melhor maneira a
quem dele necessita () Em geral os juiacutezes se satisfazem ao fundamentar suas decisotildees com base nas garantias
constitucionais agrave sauacutede e agrave vida ou com base na solidariedade entre as pessoas poliacuteticas em mateacuteria sanitaacuteria
141
Nesse contexto defende-se que sempre tais contratos organizativos firmados entre os
entes sejam previamente consultados e respeitados somente se decretando a
responsabilizaccedilatildeo solidaacuteria como uacuteltimo artifiacutecio necessaacuterio a se evitar a lesatildeo do direito
Feitas tais digressotildees destaca-se finalmente na sequecircncia da anaacutelise dos principais
pontos do Decreto nordm 750811 que partindo da ideia de humanizaccedilatildeo do atendimento do
usuaacuterio como fator determinante para o estabelecimento das metas de sauacutede deve o jaacute antes
referido contrato organizativo observar algumas diretrizes para fins de garantia da gestatildeo
participativa destacando-se a incorporaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo do usuaacuterio das accedilotildees e serviccedilos como
ferramenta de melhoria das estrateacutegias em sauacutede a permanente apuraccedilatildeo das necessidades e
interesses do usuaacuterio e a necessidade de ser dada publicidade aos direitos e deveres dos
usuaacuterios em todas as unidades de sauacutede do SUS inclusive nas unidades privadas que dele
participem complementarmente290
532 O Pacto pela Sauacutede e o reforccedilo das Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede para a
delimitaccedilatildeo do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede
Em meados de marccedilo de 2006 atraveacutes da Portaria nordm 687 do Ministeacuterio da Sauacutede foi
aprovada a Poliacutetica Nacional de Promoccedilatildeo da Sauacutede (PNPS) considerada a matildee291
de todas as
poliacuteticas de sauacutede do paiacutes A partir desse momento intensificou-se a busca por uma maior
articulaccedilatildeo entre as trecircs esferas federativas com vistas a possibilitar uma maior eficiecircncia e
qualidade nas accedilotildees e serviccedilos disponibilizadas pelo SUS
Foi nesse contexto que em 2006 nasceu o Pacto pela Sauacutede por forccedila da Portaria nordm
399 do Ministeacuterio da Sauacutede o qual aprovado no Conselho Nacional de Sauacutede e pactuado no
acircmbito da Comissatildeo Intergestores Tripartite jaacute mencionada teve o propoacutesito de facilitar
muitas vezes meramente citando o artigo 196 da Constituiccedilatildeo para alegar que a sauacutede eacute dever do Estado No
entanto os magistrados comumente falham em analisar a fundo a diretriz constitucional da descentralizaccedilatildeo do
Sistema que faz parte da poliacutetica puacuteblica do SUS Esquecem-se de que o artigo 196estatui que a sauacutede eacute
realmente dever do Estado poreacutem bdquogarantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas‟ dentre as quais se
encontra a poliacutetica da descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo () Os julgadores carecem tambeacutem em considerar a
legislaccedilatildeo ordinaacuteria e as diversas normas que regulam especificamente o bloco de financiamento do SUSrdquo
CASTRO Gabriela Moreira Consideraccedilotildees sobre as decisotildees judiciais que tratam de atos referentes ao
bloco de financiamento do Sistema Uacutenico de Sauacutede chamado de Atenccedilatildeo de Meacutedia e Alta Complexidade
Ambulatorial e Hospitalar
Disponiacutevel em httpportalsaudesaudegovbrportalsaudearquivospdf2012Jan18decisoesjudiciaispdf
Acessado em 18062013 290
Arts 37 e 38 do Decreto nordm 750811 291
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 56 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013
142
acordos entre as esferas de governo mediante a redefiniccedilatildeo de responsabilidades coletivas e a
promoccedilatildeo de novos processos e instrumentos de gestatildeo do SUS
O mencionado pacto surge assim atraveacutes de um compromisso puacuteblico assumido pelos
gestores do SUS apresentando trecircs componentes o Pacto Pela Vida o Pacto em Defesa do
SUS e o Pacto de Gestatildeo devendo a formalizaccedilatildeo do mesmo ocorrer com a assinatura do
Termo de Compromisso de Gestatildeo (TCG) entre os entes federativos momento em que satildeo
firmados os objetivos metas atribuiccedilotildees e responsabilidades dos gestores
O Pacto pela Vida292
engloba um conjunto de compromissos sanitaacuterios elencados com
base em anaacutelises da situaccedilatildeo da sauacutede do Paiacutes e das prioridades definidas pelos governos das
trecircs esferas federativas significando uma accedilatildeo prioritaacuteria no campo de sauacutede que deveraacute ser
executada com foco em resultados e com a explicitaccedilatildeo inequiacutevoca dos compromissos
orccedilamentaacuterios e financeiros para o alcance desses resultados293
Dentre as prioridades do Pacto pela Vida estaacute a consolidaccedilatildeo da estrateacutegia Sauacutede da
Famiacutelia como modelo de atenccedilatildeo baacutesica e centro ordenador das redes de atenccedilatildeo agrave sauacutede no
SUS bem como o fortalecimento da atenccedilatildeo baacutesica que engloba dentre outros objetivos a
necessidade de se garantir a infraestrutura necessaacuteria ao funcionamento das Unidades Baacutesicas
de Sauacutede dotando-as de recursos materiais equipamentos e insumos suficientes para se
realizar o conjunto de accedilotildees e serviccedilos propostos ponto que se harmoniza com o elemento
instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede defendido294
Partindo disso a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica295
se estrutura por meio de um
processo que leva em consideraccedilatildeo certos indicadores da atenccedilatildeo baacutesica estabelecendo-se
metas anuais a serem alcanccediladas a partir de tais indicadores visando a garantir a
resolutividade desse setor
Nesse sentido haacute previsatildeo especiacutefica (ldquoda infraestrutura e dos recursos necessaacuteriosrdquo)
no instrumento legal que estrutura a poliacutetica em questatildeo sobre os itens que satildeo elementares
para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica destacando-se que a existecircncia de unidades
baacutesicas de sauacutede (UBS) que disponibilizem equipe multiprofissional consultoacuterio meacutedico
odontoloacutegico e de enfermagem aacuterea de recepccedilatildeo sala de vacina sala de cuidados baacutesicos
292
Cabe agrave Portaria MS nordm 6992006 do Ministeacuterio da Sauacutede a regulamentaccedilatildeo das diretrizes operacionais dos
Pactos pela Vida e de Gestatildeo 293
Anexo I inciso I da Portaria MS nordm 3992006 294
Anexo II inciso I F da Portaria MS nordm 3992006 295
Aprovada pela Portaria MS nordm 6482006
143
equipamentos e materiais adequados ao elenco das accedilotildees propostas manutenccedilatildeo regular de
estoque dos insumos necessaacuterios296
No mesmo dispositivo eacute ressaltado um importantiacutessimo paracircmetro para a atenccedilatildeo
baacutesica que eacute a quantidade de UBS que devem existir nos grandes centros urbanos sendo
apontado que UBS sem o programa Sauacutede da Famiacutelia devem englobar ateacute 30 (trinta) mil
habitantes e as que possuem tal programa devem abranger apenas 12 (doze) mil habitantes
Seguindo tem-se que o Pacto em Defesa do SUS297
por sua vez busca reforccedilar o SUS
como poliacutetica de Estado mais do que uma poliacutetica de governo visando a defender seus
princiacutepios constitucionais basilares a partir de uma repolitizaccedilatildeo da sauacutede que passa a ser
encarada como um direito de cidadania e apresenta dentre suas prioridades por exemplo o
incremento a longo prazo dos recursos orccedilamentaacuterios e financeiros para a sauacutede e a
elaboraccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Carta dos Direitos dos Usuaacuterios do SUS298
Antes de avanccedilar para o proacuteximo componente do Pacto pela Sauacutede faz-se relevante
destacar alguns aspectos da referida carta jaacute que seu conteuacutedo eacute rico em disposiccedilotildees que
podem figurar como paracircmetros para a apreciaccedilatildeo judicial das demandas em sauacutede
Nesse contexto a cartilha se estrutura a partir de seis princiacutepios baacutesicos dos quais
decorrem disposiccedilotildees especiacuteficas quais sejam i todo cidadatildeo tem direito ao acesso ordenado
e organizado aos sistemas de sauacutede ii todo cidadatildeo tem direito a tratamento adequado e
efetivo para seu problema iii todo cidadatildeo tem direito ao atendimento humanizado
acolhedor e livre de qualquer discriminaccedilatildeo iv todo cidadatildeo tem direito a atendimento que
respeite a sua pessoa seus valores e seus direitos v todo cidadatildeo tambeacutem tem
responsabilidades para que seu tratamento aconteccedila de forma adequada e vi todo cidadatildeo
tem direito ao comprometimento dos gestores da sauacutede para que os princiacutepios anteriores
sejam cumpridos
Em que pese tais balizas natildeo exprimirem por si soacute obrigaccedilotildees diretas ao Poder
Puacuteblico quando satildeo elencados os desdobramentos de cada uma dessas diretrizes vislumbram-
se importantes disposiccedilotildees que contribuem profundamente para o enfretamento de pleitos
judiciais em mateacuteria de direito agrave sauacutede jaacute que como o Poder Puacuteblico por meio de ato oficial
encara certas situaccedilotildees como autecircnticos direitos do usuaacuterio nada mais correto que seja
cobrado o respeito pelos gestores puacuteblicos de tais disposiccedilotildees
296
Anexo capiacutetulo I 3 (Da infraestrutura e dos Recursos Necessaacuterios) da Portaria MS ndeg 6482006 297
Anexo I inciso II da Portaria MS nordm 3992006 298
Aprovada pela Portaria MS nordm 6752006 Disponiacutevel em
httpbvsmssaudegovbrbvspublicacoescarta_direito_usuarios_2ed2007pdf Acesso em 17062013
144
Quanto agraves disposiccedilotildees do primeiro princiacutepio pode ser destacado o tratamento dado agraves
situaccedilotildees de emergecircncia cujo atendimento deveraacute ser prestado de maneira incondicional e em
qualquer unidade devendo-se em caso de risco de vida ser garantida a remoccedilatildeo segura do
usuaacuterio para um estabelecimento em condiccedilotildees de recebecirc-lo Ainda eacute imposta como
responsabilidade do gestor local em caso de limitaccedilatildeo circunstancial na capacidade de
atendimento do serviccedilo de sauacutede a pronta soluccedilatildeo das condiccedilotildees para o acolhimento do
usuaacuterio admitindo-se priorizaccedilotildees apenas com base em criteacuterios de vulnerabilidade cliacutenica e
social299
No que se refere ao segundo princiacutepio desdobram-se importantes responsabilidades ao
Poder Puacuteblico jaacute que eacute conferido aos usuaacuterios do SUS o direito de ter atendimento resolutivo
com qualidade com garantia de continuidade de atenccedilatildeo mediante tecnologia apropriada e
condiccedilotildees de trabalho adequadas para os profissionais da sauacutede300
Da mesma forma eacute
expressamente previsto o direito ao acesso agrave anestesia em todas as situaccedilotildees em que for
indicada bem como medicaccedilotildees e procedimentos que possam aliviar a dor e o sofrimento301
Com relaccedilatildeo ao terceiro princiacutepio pode-se destacar o direito do usuaacuterio de nas
consultas internaccedilotildees e procedimentos ter assegurados sua integridade fiacutesica seu bem-estar
fiacutesico e mental e notadamente sua privacidade e conforto o que corrobora com a necessidade
de ser disponibilizada a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para tais direitos serem
garantidos302
No que tange ao quarto princiacutepio as disposiccedilotildees satildeo mais voltadas agrave possibilidade do
usuaacuterio ter sua opiniatildeo valorizada no acircmbito do SUS merecendo atenccedilatildeo a garantia de
comunicabilidade com os gestores de sauacutede para apresentaccedilatildeo de sugestotildees e denuacutencias
atraveacutes dos serviccedilos de ouvidoria bem como o direito dos usuaacuterios participarem do processo
de eleiccedilatildeo de seus representantes nas conferecircncias de sauacutede realizadas pelos conselhos303
Jaacute o foco do paraacutegrafo quinto como jaacute afirmado eacute apontar as responsabilidades que
cabem ao proacuteprio usuaacuterio compreendendo dentre outras atribuiccedilotildees o dever de informar de
maneira apropriada os indicadores de sua condiccedilatildeo de sauacutede bem como de seguir o plano de
tratamento recomendado pelo profissional304
299
Princiacutepio 1 II III e V da Portaria MS nordm 6752006 300
Tal direito aproxima-se da ideia de elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede o qual
como defendido engloba a infraestrutura miacutenima necessaacuteria para execuccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos previstas nas
poliacuteticas puacuteblicas 301
Princiacutepio 2 caput I IV e V da Portaria MS nordm 6752006 302
Princiacutepio 3 III da Portaria MS nordm 6752006 303
Princiacutepio 4 XII e XIII da Portaria MS nordm 6752006 304
Princiacutepio 5 I e III da Portaria MS nordm 6752006
145
O paraacutegrafo sexto por sua vez arrola os deveres que competem a cada esfera
federativa no acircmbito da gestatildeo do SUS cabendo especialmente i aos Municiacutepios a
celebraccedilatildeo de contratos e convecircnios com entidades prestadoras de serviccedilos privados de sauacutede
e a garantia do fornecimento de medicamentos ii aos Estados a coordenaccedilatildeo da rede
estadual de laboratoacuterios de sauacutede puacuteblica e hemocentros e iii agrave Uniatildeo a prestaccedilatildeo de
cooperaccedilatildeo teacutecnica e financeira aos Estados e Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo das
coordenadas dos sistemas de rede integradas de alta complexidade305
Finalmente o Pacto de Gestatildeo do SUS visa a estabelecer as responsabilidades de cada
ente federado de forma a diminuir as competecircncias concorrentes e a tornar mais claro as
atribuiccedilotildees de cada um aleacutem de buscar explicitar as diretrizes para o sistema de financiamento
puacuteblico tripartite e reiterar a importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social como o
compromisso de apoio agrave sua qualificaccedilatildeo o que em uacuteltima anaacutelise termina fortalecendo a
gestatildeo compartilhada e solidaacuteria do SUS306
No acircmbito do Pacto de Gestatildeo satildeo ressaltadas as diretrizes constitucionais de
descentralizaccedilatildeo e regionalizaccedilatildeo do SUS ganhando relevo dois importantes instrumentos de
planejamento da regionalizaccedilatildeo das accedilotildees e serviccedilos de sauacutede o Plano Diretor de
Regionalizaccedilatildeo (PDR) e a Programaccedilatildeo Pactuada e Integrada da Atenccedilatildeo em Sauacutede (PPI)
O PDR exprime o desenho final do processo de identificaccedilatildeo e reconhecimento das
regiotildees de sauacutede em suas diferentes formas com o intuito de garantir sobretudo a
integralidade da atenccedilatildeo aliada agrave racionalizaccedilatildeo de gastos e otimizaccedilatildeo de recursos O PDI
por sua vez deve expressar os recursos de investimentos para acolher as necessidades
acordadas no processo de planejamento regional e estadual devendo tal instrumento refletir
no acircmbito regional especialmente as carecircncias a serem corrigidas visando a suficiecircncia na
atenccedilatildeo baacutesica307
Quanto ao aspecto orccedilamentaacuterio eacute certo que o Pacto pela Sauacutede representou um
significativo avanccedilo para a organizaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos recursos jaacute que antes dele existiam
mais de cem formas de repasses e agora os estados e municiacutepios passaram a receber os
recursos federais concentrados em cinco blocos de financiamento i atenccedilatildeo baacutesica ii
atenccedilatildeo de meacutedia e alta complexidade iii vigilacircncia em sauacutede iv assistecircncia farmacecircutica e
v gestatildeo do SUS308
305
Princiacutepio 6 II da Portaria MS nordm 6752006 306
Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 307
Anexo I III da Portaria MS nordm 3992006 308
Ministeacuterio da Sauacutede Entendendo o SUS p 6 2006 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfcartilha_entendendo_o_sus_2007pdf Acesso em 14062013
146
No que tange agrave atenccedilatildeo baacutesica por exemplo haacute importante previsatildeo no sentido de que
conforme os creacuteditos constantes no piso de atenccedilatildeo baacutesica sejam transferidos ldquofundo a fundordquo
o aviso de tais lanccedilamentos deveraacute ser enviado ao Secretaacuterio de Sauacutede ao Fundo de Sauacutede ao
Conselho de Sauacutede ao Poder Legislativo e ao Ministeacuterio Puacuteblico dos respectivos niacuteveis de
governo mecanismo que contribui bastante para a fiscalizaccedilatildeo do emprego dos recursos
repassados309
Outro ponto relevante do Pacto Pela Sauacutede no que tange ao elemento instrumental jaacute
mencionado eacute que consta no pacto um campo referente agraves responsabilidades gerais da gestatildeo
do SUS havendo previsatildeo expressa no sentido de os Municiacutepios serem responsaacuteveis pela
garantia da estrutura fiacutesica necessaacuteria para a realizaccedilatildeo das accedilotildees de atenccedilatildeo baacutesica de acordo
com as normas teacutecnicas vigentes contando com apoio teacutecnico e financeiro dos Estados e da
Uniatildeo310
Aleacutem das regras que dispotildeem sobre o Plano pela Sauacutede e seus desdobramentos outras
portarias exaradas pelo Ministeacuterio da Sauacutede se afiguram como instrumentos essenciais para a
investigaccedilatildeo judicial acerca do cumprimento pelo Poder Puacuteblico do defendido elemento
instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede
Nesse sentido por exemplo a Portaria MS nordm 42792010 estabelece as diretrizes para
a organizaccedilatildeo das Redes de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede (arranjos organizativos de accedilotildees e serviccedilos de
sauacutede no intuito de garantir a integralidade do cuidado) apresentando os fundamentos
conceituais e operativos essenciais ao processo de organizaccedilatildeo de tais redes a partir do
arcabouccedilo normativo do SUS destacando-se por exemplo a noccedilatildeo de suficiecircncia como vetor
para as accedilotildees e serviccedilos disponiacuteveis significando que estas devem ser prestadas em
quantidade e qualidade necessaacuterias para atender as demandas de sauacutede incluindo cuidados
primaacuterios secundaacuterios terciaacuterios reabilitaccedilatildeo preventivos e paliativos todos realizados com
qualidade311
Na mesma linha a Portaria MS nordm 23952011 organiza o componente hospitalar da
rede de atenccedilatildeo agraves urgecircncias no acircmbito do SUS e dentre os objetivos de tal componente estaacute a
organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agraves urgecircncias nos hospitais de modo a atender tanto demandas
309
Da mesma maneira de acordo com o artigo 6deg do Decreto ndeg 165195 a comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos
recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede para os fundos estaduais e municipais deve ser apresentada
ao Ministeacuterio da Sauacutede e ao Estado por meio de relatoacuterio de gestatildeo aprovado pelo respectivo Conselho de
Sauacutede 310
Anexo II 91 b da Portaria MS nordm 3992006 311
Item 31 da Portaria em questatildeo
147
espontacircneas como as referenciadas proporcionando o funcionamento de retaguardas para
outros pontos de atenccedilatildeo agraves urgecircncias de menor complexidade312
Contudo eacute a Portaria MS nordm 11012002 que mais eficientemente contribui para a
identificaccedilatildeo do cumprimento do elemento instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave
sauacutede vez que nela satildeo estabelecidos os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do
SUS os quais representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias
aptas a orientar os gestores do SUS dos trecircs niacuteveis de governo
A partir dos paracircmetros estabelecidos na Portaria em comento satildeo oferecidos subsiacutedios
para a anaacutelise do grau de necessidade da oferta de serviccedilos assistenciais agrave populaccedilatildeo o que
termina auxiliando tanto na elaboraccedilatildeo do planejamento e da Programaccedilatildeo Pactuada e
Integrada da assistecircncia agrave sauacutede (PPI) quanto no acompanhamento e controle de tais serviccedilos
Tais paracircmetros que se dividem em dois grupos (paracircmetros de cobertura e de
produtividade) natildeo foram elaborados de maneira aleatoacuteria e baseiam-se nas estatiacutesticas gerais
de atendimento prestado aos usuaacuterios dos SUS bem como em criteacuterios internacionalmente
difundidos para a cobertura e produtividade assistencial nos paiacuteses em desenvolvimento
No primeiro grupo encontram-se aqueles voltados a estimar as necessidades de
atendimento de uma populaccedilatildeo para um determinado periacuteodo previamente estabelecido sendo
apresentados meacutetodos de caacutelculos baseados na populaccedilatildeo bem como em estimativas pontuais
(como eacute o caso do nuacutemero de exames e terapias por exemplo que se basearaacute na estimativa do
total de consultas) Jaacute no segundo grupo podem ser identificados criteacuterios destinados a
estipular a capacidade de produccedilatildeo de recursos equipamentos e serviccedilos de sauacutede humanos
materiais ou fiacutesicos calculados sobretudo com base na expectativa esperada de internaccedilotildees
habitanteano
Somente para se ter uma ideia da importacircncia deste instrumento na tarefa de afericcedilatildeo do
que minimamente deve ser prestado pelo Poder Puacuteblico na implementaccedilatildeo de suas poliacuteticas de
sauacutede dentre os diversos campos que explicitam foacutermulas de caacutelculo dos aludidos
paracircmetros podem ser destacados os seguintes a) paracircmetros para o caacutelculo das consultas
meacutedicas com a correspondente foacutermula da necessidade consultas por ano b) paracircmetros para
o caacutelculo da necessidade produtividade ou cobertura de alguns equipamentos de diagnose e
terapia c) paracircmetros para o caacutelculo da cobertura de internaccedilatildeo hospitalar com a respectiva
foacutermula do caacutelculo do nuacutemero de internaccedilotildees por especialidade para determinada populaccedilatildeo
no periacuteodo anual d) nuacutemero de internaccedilotildeesleitosano por especialidade variando por taxa de
312
Capiacutetulo I art 3deg da referida Portaria
148
ocupaccedilatildeo hospitalar e foacutermula para o caacutelculo da necessidade leitos em determinada regiatildeo
para determinada populaccedilatildeo313
e e) nuacutemero de bolsas de sangue necessaacuterias para terapia
transfusional em unidades hospitalares anualmente dentre outros paracircmetros especialmente
razotildees de alguns recursos humanos por habitantes como meacutedicos e enfermeiros
Constata-se a partir das premissas postas que o preacutevio conhecimento pelo cidadatildeo
pelos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo (sobretudo o Ministeacuterio Puacuteblico) e principalmente pelo
Judiciaacuterio acerca das diretrizes gerais a serem seguidas nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede
especialmente as coordenadas do Pacto pela Sauacutede e das portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
destacadas consiste em elemento primordial agrave garantia de uma maior seguranccedila juriacutedica das
decisotildees judiciais nessa seara alcanccedilando-se assim uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
mais eficiente
Desta maneira ao se discutir judicialmente a possibilidade de internaccedilatildeo em uma UTI
de realizaccedilatildeo de um exame especiacutefico ou de um procedimento ciruacutergico os magistrados
devem se preocupar inicialmente com a comprovaccedilatildeo de que a estruturaccedilatildeo fiacutesica e os
recursos humanos minimamente projetados estatildeo sendo cumpridos e efetivados de acordo
com os paracircmetros exarados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede especialmente a Portaria
nordm 1101 2002 de modo a identificar o respeito ao elemento instrumental do miacutenimo
existencial em sauacutede
54 JULGADOS RELEVANTES NA TEMAacuteTICA DA EFETIVIDADE DO DIREITO Agrave
SAUacuteDE NO BRASIL
Conforme delineado acima o Judiciaacuterio poderaacute ser provocado na temaacutetica da
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em diversas situaccedilotildees destacando-se os i casos em torno de
prestaccedilotildees inclusas no miacutenimo existencial cujo fundamento seraacute extraiacutedo diretamente da
Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente da dignidade da pessoa humana ii casos em que
a legislaccedilatildeo infraconstitucional bem como as poliacuteticas puacuteblicas em vigor garantem o acesso a
certas prestaccedilotildees materiais e iii casos em que a prestaccedilatildeo pleiteada natildeo se encontra abrangida
por poliacuteticas puacuteblicas em andamento
313
Conforme a referida Portaria em linhas gerais a estimativa da necessidade de leitos hospitalares se baseia
nos seguintes dados a) leitos hospitalares totais 25 a 3 leitos para cada 1000 (mil) habitantes b) leitos de UTI
calcula-se em meacutedia a necessidade de 4 a 10 do total de leitos hospitalares c) leitos em Unidades de
Recuperaccedilatildeo (poacutes-ciruacutergico) calcula-se em meacutedia de 2 a 3 leitos por sala ciruacutergica d) leitos para preacute parto
calcula-se no miacutenimo 2 leitos por sala de parto
149
Ocorre que as situaccedilotildees acima estatildeo inseridas especificamente na discussatildeo sobre a
obtenccedilatildeo de prestaccedilotildees materiais em sauacutede ou seja a realizaccedilatildeo efetiva de algo em prol do
indiviacuteduo como o acesso a um medicamento uma vacina a realizaccedilatildeo de um procedimento
dentre outros jaacute vistos em passant
Aleacutem dessas ocorrecircncias que satildeo de fato as mais problemaacuteticas existem outras nas
quais o direito agrave sauacutede pode ser discutido judicialmente como casos em que a conduta estatal
eacute diretamente lesiva agrave sauacutede a ediccedilatildeo de normas dificulta o exerciacutecio do direito em xeque a
ediccedilatildeo de normas protege de maneira insuficiente agrave sauacutede o Estado eacute omisso quanto a
elaboraccedilatildeo de leis na temaacutetica da proteccedilatildeo agrave sauacutede bem como quanto a disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo dos serviccedilos correlatos a tal direito situaccedilatildeo esta que
como visto fere o elemento instrumental do miacutenimo existencial proposto para o direito agrave
sauacutede
Entrando em uma parte mais exemplificativa da presente pesquisa seratildeo abordados a
seguir alguns julgados envolvendo algumas das situaccedilotildees acima atendo-se contudo a uma
anaacutelise mais detida com relaccedilatildeo aos que envolvem a busca por prestaccedilotildees materiais bem
como a omissatildeo quanto agrave infraestrutura necessaacuteria para o direito agrave sauacutede
Pois bem a situaccedilatildeo em que a proacutepria conduta estatal agride diretamente o direito agrave
sauacutede eacute a mais faacutecil de ser lidada judicialmente e eacute combatida sobretudo pelo Ministeacuterio
Puacuteblico na busca pelo respeito agrave sauacutede sobre seu vieacutes transindividual Faacutecil pois aleacutem da
loacutegica conclusatildeo de que o Estado mais do que ningueacutem natildeo pode lesar um direito de
tamanha essencialidade o qual se propocircs a proteger eacute sabido que a mais elementar
consequecircncia da eficaacutecia das normas constitucionais eacute a de impedir a praacutetica de atos estatais
que violem tal direito seja por accedilotildees materiais propriamente ditas ou pela elaboraccedilatildeo de leis
que tenham tal condatildeo (modalidade de eficaacutecia negativa)
Podem ser citados por exemplo314
casos em que o Poder Puacuteblico por accedilatildeo de seus
agentes contaminam determinados produtos consumiacuteveis315
localidades316
ou pessoas317
314
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio
Trabalho Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da
Magistratura Federal UnB 2003 p 55 315
Nesse sentido o TJMG determinou na AC 000229455-100 publicada no DJ em 06022002 a interdiccedilatildeo de
abatedouro puacuteblico municipal por natildeo reunir condiccedilotildees miacutenimas de funcionamento e por em risco agrave sauacutede das
pessoas que consomem seus produtos 316
No Municiacutepio de Serra (ES) por exemplo foi utilizado um inseticida em um Posto de Sauacutede que contaminou
inuacutemeras pessoas que trabalhavam no local resultando em ACP proposta pelo MPF
150
devendo ser buscada a imediata cessaccedilatildeo da atividade nociva bem como a devida reparaccedilatildeo
dos danos causados agraves viacutetimas
Existem casos por sua vez em que a ediccedilatildeo de determinada norma venha a dificultar
o exerciacutecio do direito agrave sauacutede sendo tambeacutem indiscutiacutevel a possibilidade de atuaccedilatildeo do
Judiciaacuterio em tais casos Foi o que ocorreu por exemplo com o bloqueio das contas de
caderneta de poupanccedila durante o governo Collor em que muitos se socorreram no Judiciaacuterio
buscando a liberaccedilatildeo de tais contas para custear tratamento de sauacutede tese que foi acolhida nos
tribunais exatamente pela aplicaccedilatildeo da modalidade de eficaacutecia negativa do direito
fundamental agrave sauacutede e agrave vida318
No mesmo sentido pode ser citado o caso da Resoluccedilatildeo nordm 2831998 do extinto
INAMPS que proibia a complementaccedilatildeo com dinheiro do SUS das despesas decorrentes da
internaccedilatildeo conhecida como ldquodiferenccedila de classerdquo e o STF enfrentando o tema entendeu que
tal limitaccedilatildeo seria injustificaacutevel319
juridicamente
Entrando nos casos que suscitam mais polecircmicas tem-se a situaccedilatildeo em que o Estado eacute
omisso a qual abrange a omissatildeo quanto ao dever de editar normas de proteccedilatildeo agrave sauacutede
quanto ao dever de satisfazer o direito agrave sauacutede mediante prestaccedilotildees materiais e quanto agrave
disponibilizaccedilatildeo de infraestrutura necessaacuteria agrave prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede
Nesse ponto eacute emblemaacutetica a decisatildeo de lavra do Ministro do STF Celso de Mello na
ADPF nordm 45 (jaacute citada anteriormente) verdadeiro divisor de aacuteguas no tema da intervenccedilatildeo do
Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas Tal accedilatildeo constitucional em que pese a
prejudicalidade de seu objeto320
apresentou em seu julgamento uma detida anaacutelise acerca da
317
Eacute o que ocorre por exemplo em caso de contaminaccedilatildeo por alguma doenccedila em transfusatildeo sanguiacutenea realizada
em hospital puacuteblico Situaccedilatildeo que geraraacute a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados agrave viacutetima
Vide por exemplo o Resp 140158SC 1deg Turma rel Milton Luis Pereira DJU de 17111997 p 59458 STJ 318
Nesse sentido pode ser citado o MS 9005066091AL TRF 5deg Rel Hugo de Brito Machado DJU de
1241991 319
Destaca-se o seguinte trecho ldquoO art 196 da CF estabelece como dever do Estado a prestaccedilatildeo de assistecircncia agrave
sauacutede e garante o acesso universal e igualitaacuterio do cidadatildeo aos serviccedilos e accedilotildees para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e
recuperaccedilatildeo O direito agrave sauacutede como estaacute assegurado na Carta natildeo deve sofrer embaraccedilos impostos por
autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele O acoacuterdatildeo recorrido ao
afastar a limitaccedilatildeo da citada Resoluccedilatildeo 2831991 do Inamps que veda a complementariedade a qualquer tiacutetulo
atentou para o objetivo maior do proacuteprio Estado ou seja o de assistecircncia agrave sauacutederdquo (RE 226835 Rel Min Ilmar
Galvatildeo julgamento em 14-12-1999 Primeira Turma DJ de 10-3-2000) 320
Explica-se A ADPF em questatildeo foi promovida contra um veto parcial emanado pelo Presidente da Repuacuteblica
ao sect 2deg do art 55 da LDO (107072003) dispositivo este que tratava de paracircmetro acerca da totalidade da
dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Ministeacuterio da Sauacutede a ser considerado na elaboraccedilatildeo da LOA de 2004 e almejava a
declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de tal medida presidencial Ocorre que o Presidente da Repuacuteblica antes do
enfrentamento da ADPF remeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei constando o exato termo do
dispositivo vetado o qual convertido em lei restaurou integralmente o mesmo o que prejudicou o objeto
perseguido mas natildeo evitou que a temaacutetica da intervenccedilatildeo judicial nas poliacuteticas puacuteblicas fosse enfrentada
151
possibilidade de a viabilizaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas serem alcanccediladas judicialmente nos
casos em que previsto seu norte no texto constitucional essas venham a ser descumpridas ou
sequer implementadas pelas instacircncias governamentais destinataacuterias do comando inscrito na
Constituiccedilatildeo
Nesse contexto alguns pontos referentes agrave situaccedilatildeo de o Estado ser omisso em seu
dever constitucional merecem ser destacados
ARGUumlICcedilAtildeO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL A
QUESTAtildeO DALEGITIMIDADE CONTITUCIONAL DO CONTROLE E
DAINTERVENCcedilAtildeO DO PODERJUDICIAacuteRIO EM TEMA DE
IMPLEMENTACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS QUANDOCONFIGURADA
HIPOacuteTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL DIMENSAtildeO POLIacuteTICA
DAJURISDICcedilAtildeO CONSTITUCIONAL ATRIBUIacuteDA AO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL INOPONIBILIDADE DO ARBIacuteTRIO ESTATAL Agrave EFETIVACcedilAtildeO
DOS DIREITOS SOCIAIS ECONOcircMICOS E CULTURAIS CARAacuteTER
RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMACcedilAtildeO DOLEGISLADOR
CONSIDERACcedilOtildeES EM TORNO DA CLAacuteUSULA DA ldquoRESERVA
DOPOSSIacuteVELrdquo NECESSIDADE DE PRESERVACcedilAtildeO EM FAVOR DOS
INDIVIacuteDUOS DAINTEGRIDADE E DAINTANGIBILIDADE DO NUacuteCLEO
CONSUBSTANCIADOR DO ldquoMIacuteNIMO EXISTENCIALrdquo VIABILIDADE
INSTRUMENTAL DA ARGUumlICcedilAtildeO DEDESCUMPRIMENTONO PROCESSO
DE CONCRETIZACcedilAtildeO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS
CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERACcedilAtildeO)
()
- A omissatildeo do Estado - que deixa de cumprir em maior ou em menor extensatildeo a
imposiccedilatildeo ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento
revestido da maior gravidade poliacutetico-juriacutedica eis que mediante ineacutercia o Poder
Puacuteblico tambeacutem desrespeita a Constituiccedilatildeo tambeacutem ofende direitos que nela se
fundam e tambeacutem impede por ausecircncia de medidas concretizadoras a proacutepria
aplicabilidade dos postulados e princiacutepios da Lei Fundamental(RTJ 185794-796
Rel Min CELSO DE MELLO Pleno)
Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do
Poder Judiciaacuterio - e nas desta Suprema Corte em especial - a atribuiccedilatildeo de formular
e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio o encargo reside
primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Tal incumbecircncia no entanto
embora em bases excepcionais poderaacute atribuir-se ao Poder Judiciaacuterio se e quando
os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos
que sobre eles incidem vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e
a integridade de direitos individuais eou coletivos impregnados de estatura
constitucional ainda que derivados de claacuteusulas revestidas de conteuacutedo
programaacutetico (Grifos acrescidos) (ADPF 45 MC DF Rel Min Celso de Mello
Julgado em 29042004 DJU em 04052004 p 12) (Destaques apostos)
Tal julgado reflete a preocupaccedilatildeo do STF em fazer valer a maacutexima efetividade dos
dispositivos constitucionais sobretudo nos casos em que a recalcitracircncia tanto do Executivo
quanto do Legislativo em realizar seu compromisso constitucionalmente pactuado resta
configurada concretamente
Com relaccedilatildeo especificamente a omissatildeo em editar normas pode ser citado o grave
caso da jaacute mencionada LC ndeg 1412012 que somente foi promulgada dez anos depois da
previsatildeo de sua necessidade por forccedila da EC ndeg 292000 Durante esse periacuteodo de mora
152
legislativa em que pese natildeo ter havido accedilotildees constitucionais visando ao suprimento dessa
omissatildeo existiram accedilotildees contra outras espeacutecies normativas nascidas com o intuito de
suprindo a omissatildeo mencionada uniformizar a aplicaccedilatildeo da referida emenda em territoacuterio
nacional321
No que se refere agrave omissatildeo quanto a prestaccedilotildees materiais e agrave construccedilatildeo de
infraestrutura necessaacuteria a prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede o leque de situaccedilotildees enfrentadas
judicialmente eacute mais variado sendo certo que nem todos os casos recebem paracircmetros
seguros e uniformes o que acentua o quadro de inseguranccedila juriacutedica na mateacuteria
Agrave tiacutetulo exemplificativo o STF jaacute se manifestou acerca da possibilidade de
fornecimento gratuito de remeacutedios a portadores de HIV reconhecendo a validade de tais
programas e considerando-os legiacutetimos gestos de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede concretizadores dos
deveres constitucionais extraiacutedos do art 196 da Constituiccedilatildeo Federal322
O problema eacute que partindo do mesmo fundamento diversas decisotildees323
jaacute obrigaram
o Estado a custear tratamentos e exames especiacuteficos como ressonacircncia magneacutetica
fornecimento de aparelhos auditivos implante de proacutetese internaccedilatildeo em UTI neo-natal em
hospital particular internaccedilatildeo meacutedica em hospital particular diante da ausecircncia de vaga em
hospital conveniado do SUS dentre outros casos A qualificaccedilatildeo dessa conjuntura como um
problema se deve ao fato de que como visto nos toacutepicos anteriores nem sempre tais decisotildees
enfrentam detidamente o exame das diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede em vigor e natildeo
se preocupam com a repercussatildeo macro de seu dispositivo abrindo margem para que os jaacute
mencionados efeitos colaterais se proliferam nessas situaccedilotildees
Tais efeitos colaterais comprometem principalmente o princiacutepio da seguranccedila
juriacutedica pois satildeo constatados casos em que o enfrentamento da mesma mateacuteria apresenta
posicionamentos diferentes324
entre tribunais diversos Isso contribui para a afronta agrave
321
Foi o caso por exemplo da ADI ndeg 2999-RJ que atacou a Resoluccedilatildeo ndeg 3222003 baixada pelo Conselho
Nacional de Sauacutede 322
No referido julgado ponderou-se que ldquo() o reconhecimento judicial da validade juriacutedica de programas de
distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS daacute
efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica (arts 5deg caput e 196) e representa na
concreccedilatildeo do seu alcance um gesto reverente e solidaacuterio de apreccedilo agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente
daqueles que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial
dignidaderdquo (STF RE 271286-AgR rel min Celso de Mello Segunda Turma DJE de 24112000 p 101)
Nesse mesmo sentido AI 550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda
Turma DJE de 16-8-2012 323
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p 67-68 324
Veja-se o caso do fornecimento de aparelhos auditivos Ao reveacutes do julgado citado o TJRJ ao considerar em
sua decisatildeo que a prestaccedilatildeo deve ser indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo da sauacutede excluiu os aparelhos auditivos do rol
de prestaccedilotildees exigiacuteveis judicialmente Afirmou-se que ldquoEmbora o aparelho auditivo possa assegurar agrave agravada
153
igualdade em tais demandas tendo em vista que se a sauacutede eacute direito de todos a totalidade de
cidadatildeos enquadrados em determinada situaccedilatildeo deveraacute ter o mesmo tratamento na
concretizaccedilatildeo de seu direito325
Quanto agrave omissatildeo referente agrave infraestrutura baacutesica a situaccedilatildeo eacute ainda mais complexa e
passa pela problemaacutetica jaacute enfrentada acerca da necessidade de se cotejar concretamente se a
ausecircncia de infraestrutura compromete o espectro de prestaccedilotildees que o Estado se obriga a
adimplir seja em decorrecircncia do miacutenimo existencial ou da legislaccedilatildeo e poliacuteticas puacuteblicas em
vigor
De toda maneira em que pese o posicionamento tradicional326
ser o de que a
construccedilatildeo de infraestrutura estaria no campo da conveniecircncia e oportunidade
administrativa327
jaacute existem julgados328
que tecircm obrigado o Poder Puacuteblico a construir
infraestrutura baacutesica necessaacuteria agrave proteccedilatildeo da sauacutede da coletividade sobretudo em accedilotildees que
tomam por base os paracircmetros miacutenimos pactuados nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede que
datildeo as diretrizes para as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede accedilotildees essas que contribuem para a
concretizaccedilatildeo do vieacutes instrumental do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede
Merece ecircnfase nesse sentido a ementa do julgado a seguir que trata exatamente
acerca da condenaccedilatildeo do Poder Puacuteblico em disponibilizar leitos na rede privada para garantir
o direito agrave sauacutede e cumprir os paracircmetros miacutenimos pactuados nas poliacuteticas puacuteblicas
melhoria na sua qualidade de vida inexiste prova inequiacutevoca de que o mesmo eacute indispensaacutevel agrave preservaccedilatildeo de
sua sauacutede ou que esta se encontre em riscordquo (TJRJ AI 200600227573 Rel Des Caacutessia Medeiros DJ de
13022007) 325
Nesse sentido pondera Ricardo Perlingeiro que ldquoo Judiciaacuterio deve ser destinataacuterio do princiacutepio da isonomia
buscando tratar igualmente os jurisdicionados que se encontrarem na mesma situaccedilatildeo faacutetica Com base nessa
orientaccedilatildeo justificam-se determinados instrumentos processuais tais como as accedilotildees coletivas as suacutemulas
vinculantes e o processo exemplar que tambeacutem servem agrave ideia de um amplo acesso agrave justiccedila e agrave reduccedilatildeo dos
processos judiciais repetitivos ou das causas de massa PERLINGEIRO Ricardo O Princiacutepio da Isonomia na
Tutela Judicial Individual e Coletiva e em Outros Meios de Soluccedilotildees de Conflitos Junto ao SUS e aos Planos
Privados de Sauacutede In BRITO Milton Augusto de SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da
efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 431-432 326
LIMA George Marmelstein Efetivaccedilatildeo do Direito Fundamental agrave Sauacutede pelo Poder Judiciaacuterio Trabalho
Final do Curso de Especializaccedilatildeo em Direito Sanitaacuterio para membros do Ministeacuterio Puacuteblico e da Magistratura
Federal UnB 2003 p 76 327
Nesse sentido destaca-se o seguinte trecho constante no Resp 2520083 RJ DJU de 23 03 2002 ldquo() o juiz
natildeo pode substituir a Administraccedilatildeo Puacuteblica no exerciacutecio do poder discricionaacuterio Assim fica a cargo do
Executivo a verificaccedilatildeo da conveniecircncia e da oportunidade de serem realizados os atos de administraccedilatildeo tais
como a compra de ambulacircncias e de obras de reforma de hospital puacuteblicordquo 328
Por exemplo o TJRS no AI 70004224770 (DJ de 26062002) confirmou liminar em accedilatildeo civil puacuteblica no
sentido de obrigar o Municiacutepio de Passo Fundo a adquirir autoclaves para esterilizaccedilatildeo de instrumentos meacutedicos
No mesmo sentido o STJ no Resp 177883PE (Dje de 01072002) determinou a reintegraccedilatildeo de agentes
sanitaacuterios responsaacuteveis por campanhas de prevenccedilatildeo e combate a epidemias sob o argumento de que a demissatildeo
em massa decretada pelo Poder Puacuteblico poderia gerar danos irreparaacuteveis agrave sauacutede da coletividade
154
EMENTA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DIREITO Agrave SAUacuteDE
DISPONIBILIZACcedilAtildeO DE LEITOS DE UTI AUSEcircNCIA DE VAGAS NO
SUS FORMACcedilAtildeO DE FILA DE ESPERA DISPONIBILIZACcedilAtildeO
DE LEITOS NA REDE PRIVADA GARANTIA CONSTITUCIONAL
CONDENACcedilAtildeO GENEacuteRICA
()
- O Poder Judiciaacuterio ao determinar que o Estado adquira leitos de UTI junto
agrave rede privada para pacientes internados em pronto socorro com risco de
morte ou dano irreparaacutevel agrave sauacutede no caso de esgotamento dos leitos na rede
conveniada do SUS natildeo estaacute criando uma nova obrigaccedilatildeo para o Ente mas
tatildeo somente exigindo que ele cumpra a legislaccedilatildeo pertinente
- Natildeo se deve permitir que as normas orccedilamentaacuterias apesar de seu
relevante papel na Administraccedilatildeo Puacuteblica seja um entrave para a
efetivaccedilatildeo de um direito fundamental considerado prioritaacuterio pela
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988
(TJMG Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 0060157-2920118130223 rel des Daacutercio
Lopardi Mendes Dj de 29-11-2012)
A Accedilatildeo Civil Puacuteblica que iniciou o processo acima por sua vez seguiu as diretrizes
apontadas anteriormente nas Portarias do Ministeacuterio da Sauacutede com relaccedilatildeo agrave identificaccedilatildeo do
sugerido elemento instrumental do miacutenimo existencial em sauacutede destacando-se os seguintes
trechos da mesma
()
De acordo com a Portaria GM 1101 de 12062002 o nuacutemero de leitos
para cada 1000 habitantes deve ser de 25 a 3 leitos sendo que para leitos
UTI a necessidade eacute de 4 a 10 do total de leitos hospitalares
()
Analisando a situaccedilatildeo do Municiacutepio de Divinoacutepolis que possui 206867
habitantes (de acordo com o censo IBGE de 2010) haveria necessidade de
acordo com a Portaria GM 1101 de um miacutenimo de 540 leitos sendo 22 de
UTI No entanto o total de leitos SUS no Hospital Satildeo Joatildeo de Deus (uacutenico
credenciado ao SUS no Municiacutepio) eacute de 193 bem inferior ao preconizado
pelo Ministeacuterio da Sauacutede (doc 11)
()
Com tudo isto diante do desrespeito aos direitos mais comezinhos dessa
coletividade que necessita de uma vaga em leito de UTI e atendimento de
urgecircnciaemergecircncia em ambiente hospitalar e que se veem a cada minuto
sem a devida assistecircncia suas chances de vida se reduzem drasticamente eacute
que se pleiteia a tutela jurisdicional no sentido de determinar ao Poder
Puacuteblico a obediecircncia agraves portarias nordm 11012002 e 343298 no que concerne
agrave disponibilizaccedilatildeo de nuacutemero suficiente de leitos UTI para atender agrave
demanda populacional impedindo mais mortes na mencionada ldquofila de
esperardquo em respeito aos direitos fundamentais do cidadatildeo encartados na
Carta Federal
() (Grifos acrescidos)
A saiacuteda para ambos os casos (omissatildeo de prestaccedilotildees materiais e disponibilizaccedilatildeo de
infraestrutura) encontra-se como antes defendido na consolidaccedilatildeo de um procedimento
155
decisoacuterio preacute-definido que leve em consideraccedilatildeo natildeo soacute os efeitos particulares da decisatildeo a ser
proferida mas tambeacutem os efeitos gerais para a sauacutede de todos e que na linha do jaacute exposto
caminhe trilhado ordenadamente pelos seguintes questionamentos i o pleito se enquadra
dentro do miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede ii existe ato normativo ou poliacutetica puacuteblica
em vigor que garanta a disponibilizaccedilatildeo do pleito e iii ainda que natildeo apresente amparo legal
direto o pleito aplicado o juiacutezo de proporcionalidade pode ser atendido natildeo soacute para o
demandante mas para todos que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Finalmente antes de passar para o proacuteximo capiacutetulo a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo e reforccedilando
a vasta gama de situaccedilotildees judiciais que podem envolver o direito agrave sauacutede podem ser citados
alguns julgamentos relevantes do STF em que o referido direito foi tratado ainda que de
forma indireta e cuja discussatildeo acerca da invasatildeo do Judiciaacuterio em temas iacutensitos ao campo
poliacutetico veio agrave tona como por exemplo o do debate acerca da proibiccedilatildeo de importaccedilatildeo de
pneus usados329
da comercializaccedilatildeo de amianto330
e da interrupccedilatildeo da gravidez no caso dos
anenceacutefalos331
Feitas tais ponderaccedilotildees pode-se concluir a partir da anaacutelise conjuntural do
enfretamento judicial da mateacuteria que a despeito de o Poder Judiciaacuterio (incluindo o STF) ter
329
ldquoConstitucionalidade de atos normativos proibitivos da importaccedilatildeo de pneus usados Reciclagem de pneus
usados ausecircncia de eliminaccedilatildeo total dos seus efeitos nocivos agrave sauacutede e ao meio ambiente equilibrado Afrontas
aos princiacutepios constitucionais da sauacutede e do meio ambiente ecologicamente equilibrado () Direito agrave sauacutede o
depoacutesito de pneus ao ar livre inexoraacutevel com a falta de utilizaccedilatildeo dos pneus inserviacuteveis fomentado pela
importaccedilatildeo eacute fator de disseminaccedilatildeo de doenccedilas tropicais Legitimidade e razoabilidade da atuaccedilatildeo estatal
preventiva prudente e precavida na adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que evitem causas do aumento de doenccedilas
graves ou contagiosas Direito agrave sauacutede bem natildeo patrimonial cuja tutela se impotildee de forma inibitoacuteria preventiva
impedindo-se atos de importaccedilatildeo de pneus usados idecircntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos
que deles se livram () Ponderaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais demonstraccedilatildeo de que a importaccedilatildeo de pneus
usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de sauacutede e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado (arts 170 I e VI e seu paraacutegrafo uacutenico 196 e 225 da CB) ()rdquo (ADPF 101 Rel Min Caacutermen
Luacutecia julgamento em 24-6-2009 Plenaacuterio DJE de 4-6-2012) 330
ldquo() De maneira que retomando o discurso do Min Joaquim Barbosa a norma estadual no caso cumpre
muito mais a CF nesse plano da proteccedilatildeo agrave sauacutede ou de evitar riscos agrave sauacutede humana agrave sauacutede da populaccedilatildeo em
geral dos trabalhadores em particular e do meio ambiente A legislaccedilatildeo estadual estaacute muito mais proacutexima dos
desiacutegnios constitucionais e portanto realiza melhor esse sumo princiacutepio da eficacidade maacutexima da Constituiccedilatildeo
em mateacuteria de direitos fundamentais e muito mais proacutexima da OIT tambeacutem do que a legislaccedilatildeo federal ()rdquo
(Grifos acrescidos) (ADI 3937-MC Rel Min Marco Aureacutelio voto do Min Ayres Britto julgamento em 4-6-
2008 Plenaacuterio DJE de 10-10-2008) 331
ldquoArguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental ndash Adequaccedilatildeo ndash Interrupccedilatildeo da gravidez ndash Feto
anenceacutefalo ndash Poliacutetica judiciaacuteria ndash Macroprocesso Tanto quanto possiacutevel haacute de ser dada sequecircncia a processo
objetivo chegando-se de imediato a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal Em jogo valores
consagrados na Lei Fundamental ndash como o satildeo os da dignidade da pessoa humana da sauacutede da liberdade e
autonomia da manifestaccedilatildeo da vontade e da legalidade ndash considerados a interrupccedilatildeo da gravidez de feto
anenceacutefalo e os enfoques diversificados sobre a configuraccedilatildeo do crime de aborto adequada surge a arguiccedilatildeo de
descumprimento de preceito fundamental () Na dicccedilatildeo da ilustrada maioria entendimento em relaccedilatildeo ao qual
guardo reserva natildeo prevalece em arguiccedilatildeo de descumprimento de preceito fundamental liminar no sentido de
afastar a glosa penal relativamente agravequeles que venham a participar da interrupccedilatildeo da gravidez no caso de
anencefaliardquo (Grifos acrescidos) (ADPF 54-QO Rel Min Marco Aureacutelio julgamento em 27-4-05
Plenaacuterio DJ de 31-8-2007)
156
se demonstrado preocupado com a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e na maioria das vezes
ter se posicionado de maneira favoraacutevel agrave sua interferecircncia no tema332
natildeo existe uma
uniformidade no trato do assunto especialmente pela ausecircncia de uma linha de raciociacutenio
procedimental soacutelida que sem tolher a liberdade de atuaccedilatildeo dos magistrados contribua para
que seja incutida na mente dos mesmos uma conscientizaccedilatildeo preacutevia de como estes devem
proceder para que suas decisotildees sejam eivadas da maacutexima razoabilidade possiacutevel e portanto
consentacircneas com os comandos constitucionais333
Com efeito conforme defendido na presente pesquisa o passo inicial desse caminho a
ser trilhado estaacute na consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede compreendidas no acircmbito da regulamentaccedilatildeo do SUS diretrizes essas que
devem ser mais difundidas e melhor simplificadas para a clara compreensatildeo tanto do
Judiciaacuterio como da sociedade e sobretudo dos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo no acompanhamento
do cumprimento das metas estabelecidas em tais poliacuteticas334
Nesse sentido uma importante medida na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute a
formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar compostas tanto por profissionais de
sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS encarregadas de prestar assistecircncia
332
ldquoConsolidou-se a jurisprudecircncia desta Corte no sentido de que embora o art 196 da Constituiccedilatildeo de 1988
traga norma de caraacuteter programaacutetico o Municiacutepio natildeo pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessaacuterios
ao gozo do direito agrave sauacutede por todos os cidadatildeos Se uma pessoa necessita para garantir o seu direito agrave sauacutede de
tratamento meacutedico adequado eacute dever solidaacuterio da Uniatildeo do Estado e do Municiacutepio providenciaacute-lordquo (AI
550530-AgR rel min Joaquim Barbosa julgamento em 26-6-2012 Segunda Turma DJE de 16-8-2012) No
mesmo sentido ldquoO recebimento de medicamentos pelo Estado eacute direito fundamental podendo o requerente
pleiteaacute-los de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de
custeaacute-los com recursos proacuteprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se
pautar no espiacuterito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituiccedilatildeo e natildeo criar
entraves juriacutedicos para postergar a devida prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo (RE 607381-AgR Rel Min Luiz Fux
julgamento em 31-5-2011 Primeira Turma DJE de 17-6-2011) 333
Sobre essa questatildeo Gustavo Amaral em estudo sobre o direito agrave sauacutede no Brasil destaca a importacircncia dos
institutos da repercussatildeo geral e dos recursos repetitivos asseverando que ldquoparece adequado esperar que o
Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiccedila busquem proferir decisotildees que transcendam a
adjudicaccedilatildeo para aleacutem dos casos entre as partes diretamente envolvidas Haacute instrumentos para isto
nomeadamente a repercussatildeo geral e os recursos repetitivosrdquo AMARAL Gustavo Sauacutede Direito de Todos
Sauacutede Direito de Cada Um Reflexotildees para a Transiccedilatildeo da Praacutexis Judiciaacuteria In NOBRE Milton Augusto de
Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte
Foacuterum 2011 p 111 334
No mesmo sentido Milton Augusto de Brito Nobre ao comentar o papel do CNJ na busca pela eficiecircncia das
demandas que envolvem o direito a sauacutede aponta entre as carecircncias e disfunccedilotildees constatadas iacutensitas a tais
demandas ldquoa necessidade de maior difusatildeo de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questotildees
teacutecnicas que se originam ou satildeo refletidas nas demandas por prestaccedilotildees de sauacutederdquo NOBRE Milton Augusto de
Brito Da Denominada ldquoJudicializaccedilatildeo da Sauacutederdquo Pontos e Contrapontos In NOBRE Milton Augusto de Brito
SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte Foacuterum
2011 p 354
157
aos magistrados sobretudo com relaccedilatildeo agraves demandas coletivas que exigem a correccedilatildeo de
omissotildees estatais como o deacuteficit de leitos hospitalares remeacutedios meacutedicos etc335
Quanto a esta medida destacam-se as disposiccedilotildees da Recomendaccedilatildeo ndeg 31 do
Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ)336
que visa a adoccedilatildeo de medidas que melhor subsidiem os
magistrados e demais operadores do direito para assegurar maior eficiecircncia na soluccedilatildeo das
demandas judiciais envolvendo a assistecircncia agrave sauacutede337
Dentre as recomendaccedilotildees pode ser ressaltada a incorporaccedilatildeo do estudo sobre direito
sanitaacuterio nos programas de formaccedilatildeo vitaliciamento e aperfeiccediloamento de magistrados bem
como a celebraccedilatildeo de convecircnios que objetivem disponibilizar equipes de apoio teacutecnico
compostas por meacutedicos e farmacecircuticos para auxiliar os magistrados na formaccedilatildeo de um juiacutezo
de valor quanto agrave apreciaccedilatildeo das questotildees cliacutenicas apresentadas pelas partes nas accedilotildees
relativas agrave sauacutede observadas as peculiaridades regionais338
Outra medida interessante eacute a possibilidade de se criar varas especializadas em
processar e julgar accedilotildees judiciais que tenham como tema pleitos envolvendo sauacutede puacuteblica de
modo a proporcionar uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito
fundamental pelo Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a isonomia
entre os usuaacuterios do SUS
Quanto a este ponto eacute relevante destacar que atualmente tramita no acircmbito do CNJ
um pedido de providecircncias339
o qual conta com o apoio do Conselho Federal da OAB340
no
335
No Tribunal de Justiccedila da Paraiacuteba por exemplo jaacute foram emitidos diversos pareceres pela equipe teacutecnica
formada para subsidiar decisotildees envolvendo o direito agrave sauacutede Disponiacutevel em httpwwwtjpbjusbrcamara-
tecnica-de-saude-emite-162-pareceres-para-subsidiar-decisoes-judiciais-na-paraiba Acesso em 14062013 336
Publicado no DJe nordm 612010 em 07042010 p 4-6 Disponiacutevel em httpwwwcnjjusbratos-
administrativosatos-da-presidencia322-recomendacoes-do-conselho12113-recomendacao-no-31-de-30-de-
marco-de-2010 Acesso em 14062013 337
A recomendaccedilatildeo em exame veio a ser complementada pela Recomendaccedilatildeo nordm 36 de 12 de julho de 2011que
dentre outras medidas alertou para a necessidade de os magistrados oficiarem quando cabiacutevel e possiacutevel oacutergatildeos
como a ANVISA e ANS para se manifestarem acerca da mateacuteria debatida em sauacutede 338
Corroborando Bruno Espintildeeira Lemos assevera que ldquoo Judiciaacuterio como insistentemente tem se sustentado
na esfera dos profissionais da sauacutede puacuteblica brasileira necessita com urgecircncia criar assessorias teacutecnicas que lhe
deem suporte nas decisotildees que envolvam o direito agrave sauacutede LEMOS Bruno Espintildeeira Sobre o direito puacuteblico agrave
sauacutede simboacutelica anaacutelise criacutetica de precedente com potencial irradiador em busca do ldquocaminho do meiordquo
(afastamento das absolutizaccedilotildees natildeo razoaacuteveis) In GABURRI Fernando DUARTE Bento Herculano (coords)
A Fazenda Puacuteblica agrave luz da atual jurisprudecircncia dos Tribunais brasileiros Curitiba Juruaacute 2011 p 61 339
O conteuacutedo na iacutentegra de tal pedido encontra-se no siacutetio eletrocircnico a seguir httpsconjurcombrdlflavio-
dino-propoe-criacao-varas-julgarpdf 340
Nesse contexto o Secretaacuterio Geral da OAB Sr Claudio Souza Neto ressaltou ser ldquofundamental que os
magistrados conheccedilam o sistema de sauacutede em profundidade possam dialogar com os administradores que atuam
nesse sistema com meacutedicos usuaacuterios e com os secretaacuterios de sauacutede para que se perpetue esse aspecto virtuoso
de garantia do direito agrave sauacutede e as disfunccedilotildees possam ser superadas a partir da especializaccedilatildeordquo Disponiacutevel em
httpwwwoaborgbrnoticia25689oab-apoia-criacao-de-varas-especializadas-em-direito-a-saude Acesso em
24062013
158
sentido de que seja editada uma resoluccedilatildeo determinando aos tribunais brasileiros a criaccedilatildeo de
varas especializadas no processamento e julgamento de accedilotildees ciacuteveis e criminais que tenham
por objeto o direito agrave sauacutede
Tal pedido de providecircncia fundamenta-se em diversas frentes argumentativas
destacando-se a apresentaccedilatildeo de exemplos de especializaccedilotildees que tiveram sucesso no paiacutes
(como as varas da infacircncia e juventude violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher idosos
etc) a exposiccedilatildeo de dados sobre accedilotildees judiciais no tema (apontando-se que tramitam cerca de
240 mil accedilotildees na aacuterea de sauacutede a maioria delas envolvendo requerimento de medicamentos e
procedimentos no acircmbito do SUS) bem como a demonstraccedilatildeo de importantes avanccedilos
alcanccedilados graccedilas agrave atuaccedilatildeo judicial (como foi o caso dos coqueteacuteis do viacuterus HIV)
Pois bem tudo que foi dito no presente capiacutetulo voltou-se agrave defesa da possibilidade da
atuaccedilatildeo judicial na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede desde que norteada por criteacuterios objetivos
que garantam maior seguranccedila aos julgados e uniformidade na mateacuteria destacando-se dentre
as proposiccedilotildees defendidas a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial do direito agrave sauacutede e da
importacircncia de seu elemento instrumental na delimitaccedilatildeo da objetividade almejada
No capiacutetulo a seguir seratildeo analisados341
alguns temas especiacuteficos que apesar de (ateacute
certo ponto) externos agrave discussatildeo sobre o enfrentamento judicial na mateacuteria se apresentam
como relevantes reforccedilos para a correccedilatildeo do deacuteficit de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no
paiacutes
341
O capiacutetulo que se segue natildeo tem pretensotildees de exaustivamente exaurir as temaacuteticas que seratildeo nele tratadas
Ao contraacuterio busca examinar de maneira concisa temas pontuais e relevantes para a problemaacutetica da
efetividade do direito agrave sauacutede os quais poderatildeo ser mais bem debatidos em uma pesquisa posterior mais
aprofundada
159
6 O APERFEICcedilOAMENTO DE MECANISMOS ESSENCIAIS Agrave CONCRETIZACcedilAtildeO
DO DIREITO Agrave SAUacuteDE
No capiacutetulo terceiro da presente pesquisa esclareceu-se que apesar de o processo de
concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede ser atrelado a ideia de gradualidade a conjuntura atual do
quadro sanitaacuterio do paiacutes denota um verdadeiro deacuteficit desse processo jaacute que a realizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede encontra-se bem longe de ser harmocircnica com a estruturaccedilatildeo prevista ldquono
papelrdquo para o SUS sendo vivenciadas dia a dia autecircnticas situaccedilotildees de desrespeito a esse
relevante direito do cidadatildeo
Defendeu-se nessa linha de raciociacutenio que frente a ineficiecircncia do Executivo e do
Legislativo natildeo soacute era possiacutevel como tambeacutem necessaacuterio para a correccedilatildeo do deacuteficit de
gradualidade apontado um papel ativo do Judiciaacuterio na questatildeo da efetividade do direito agrave
sauacutede desde que arraigado a paracircmetros objetivos que trouxessem seguranccedila juriacutedica e nesse
contexto buscou-se delimitar tais paracircmetros sobretudo a partir da construccedilatildeo de um miacutenimo
existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede calcado na importacircncia do conhecimento acerca
das especificidades estruturais do SUS
Contudo aleacutem da contribuiccedilatildeo de um Judiciaacuterio atuante a partir de criteacuterios preacute-
definidos e objetivos fator que pode ser enquadrado como o carro-chefe da tarefa de se
empreender uma concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consentacircnea com os ditames
constitucionais outras iniciativas podem se enquadrar como mecanismos que contribuem para
essa empreitada Ganha destaque nesse contexto a necessidade de se reestruturar os
Conselhos de Sauacutede com vistas a intensificar a participaccedilatildeo popular na gestatildeo do SUS bem
como de se empreender uma harmonizaccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio com a prioridade
constitucional direcionada agrave sauacutede puacuteblica
61 A IMPORTAcircNCIA DO PAPEL DOS CONSELHOS E CONFEREcircNCIAS DE SAUacuteDE
NO CONTEXTO DEMOCRAacuteTICO
A atual crise da democracia representativa brasileira marcada pela adoccedilatildeo cada vez
mais recorrente de medidas em niacutetido descompasso com os desiacutegnios do povo342
(e ateacute
342
Corroborando com esse pensamento Friedrich Muumlller aponta que o direito de voto apesar de standard
miacutenimo inarredaacutevel da democracia eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para esta jaacute que o povo se
encontra antes e apoacutes as eleiccedilotildees apenas relativamente livre frente ao aumento alarmante da possibilidade de
manipulaccedilatildeo sobretudo pela miacutedia dos menos esclarecidos MUumlLLER Friedrich O novo paradigma do
direito introduccedilatildeo agrave teoria e metoacutedica estruturantes 3deg ed Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2013 p 257
160
mesmo com os proacuteprios princiacutepios constitucionais) tem distanciado os governantes dos
governados e alertado para a necessidade de se consolidar instrumentos que garantam a
implementaccedilatildeo de uma verdadeira democracia participativa cuja estruturaccedilatildeo se funda
primordialmente no princiacutepio da soberania popular343
Vislumbra-se pois a necessidade de se dinamizar a democracia344
por meio de
instrumentos de controle e participaccedilatildeo popular que oportunizem o exerciacutecio direto da
vontade geral sendo o elemento ldquoparticipaccedilatildeordquo exatamente a faceta dinacircmica da democracia
que conduz o processo poliacutetico e permite concretizar de maneira legiacutetima uma poliacutetica de
superaccedilatildeo dos eventuais conflitos345
Antes de adentrar no exame da funcionalidade dos Conselhos de Sauacutede como um
desses instrumentos acima referidos (mesma situaccedilatildeo da figura do orccedilamento participativo a
ser analisada no toacutepico seguinte) faz-se relevante um breve esboccedilo acerca das noccedilotildees baacutesicas
da teorizaccedilatildeo de uma democracia participativa e suas implicaccedilotildees na realidade constitucional
brasileira346
611 Participaccedilatildeo e sauacutede puacuteblica
A noccedilatildeo de uma democracia participativa liga-se ao proacuteprio processo evolutivo da
democracia ao longo da histoacuteria o qual eacute marcado pela passagem de uma soberania popular
meramente formal calcada na busca pela sustentabilidade e justificaccedilatildeo dos governos para
uma visatildeo material em que se verifica a real preservaccedilatildeo do exerciacutecio do poder poliacutetico
343
BONAVIDES Paulo Teoria Constitucional da Democracia Participativa 3deg ed Satildeo Paulo Malheiros
2008 p 51 344
Sobre a questatildeo democraacutetica Dworkin aponta que atualmente existe um debate acerca do tema que natildeo se
traduz num conceito uacutenico mas em profunda controveacutersia sobre a melhor versatildeo possiacutevel da democracia Na
visatildeo do referido autor o debate circunda em torno da premissa majoritaacuteria como um ponto central no sentido
de que esta premissa indica que os procedimentos poliacuteticos devem se conduzir de tal forma que a decisatildeo
alcanccedilada seja a resoluccedilatildeo que favorece a uma maioria ou pluralidade de cidadatildeos ou favoreceria se tivesse
informaccedilotildees adequadas e tempo suficiente para esta reflexatildeo ao menos que esta direccedilatildeo valha para questotildees
importantes DWORKIN Ronald La lectura moral de la constituicioacuten y la premisa mayoritaria Instituto de
Investigaciones Juriacutedicas Universidade Nacional Autoacutenoma de Meacutexico 2002 pp 03-29 345
BONAVIDES Paulo Poliacutetica e Constituiccedilatildeo os caminhos da democracia Rio de Janeiro Forense 1985
p 509 apud CARNEIRO Rommel Madeiro de Macedo Teoria da Democracia Participativa anaacutelise agrave luz do
princiacutepio da soberania popular In Revista Juriacutedica da Presidecircncia da Repuacuteblica v 9 ndeg 87 outnov 2007
p 29 346
A pretensatildeo deste toacutepico eacute apenas alertar para a importacircncia dos Conselhos de Sauacutede como instrumentos de
aperfeiccediloamento de uma democracia participativa natildeo se pretendendo assim desenvolver um exame a fundo
das diferentes teorias acerca da democracia Contudo para o aprofundamento da questatildeo sobretudo acerca das
diferenciaccedilotildees entre as correntes democraacuteticas do liberalismo e comunitarismo e o consequente desenvolvimento
de democracias procedimentais ou substantivas conferir BIELSCHOWSKY Raoni Macedo Democracia
Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2013
161
voltado aos fins coletivos em um quadro de maior participaccedilatildeo e responsabilidade dos
governados
Corrobora com esta visatildeo o raciociacutenio desenvolvido por Paulo Bonavides no sentido
de que no processo de releitura da democracia esta deixa de ser simplesmente uma espeacutecie
de regime poliacutetico e passa a ser encarada como um autecircntico direito (de quarta geraccedilatildeo) que
juntamente com o direito agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo formam a triacuteade necessaacuteria para a
concretizaccedilatildeo da sociedade aberta compreendendo o futuro da cidadania e o porvir da
liberdade dos povos347
Nesse contexto as concepccedilotildees democraacuteticas contemporacircneas tidas como contra-
hegemocircnicas acabam rompendo com a ideologia claacutessica de que o regime democraacutetico seria
uma elaboraccedilatildeo teoacuterica empregada pelos governantes para legitimar o poder e passam a
defender uma leitura da democracia como uma gramaacutetica de organizaccedilatildeo social e da relaccedilatildeo
entre estado e sociedade348
Dentre essas concepccedilotildees destaca-se as construccedilotildees teoacutericas de
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo como elemento de uma sociedade aberta (Peter Haumlberle) e de
democracia deliberativa (Juumlrgen Habermas)
De maneira sucinta a concepccedilatildeo procedimental de democracia desenvolvida por
Habermas buscou abrir espaccedilo para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como
praacutetica da sociedade e natildeo apenas como meacutetodo de constituiccedilatildeo de governos e a partir da
noccedilatildeo de esfera puacuteblica (tido como o local em que os indiviacuteduos pudessem discutir os
problemas em busca de consensos) o referido autor propocircs uma sistemaacutetica de superaccedilatildeo dos
limites da democracia representativa baseada na capacidade da sociedade influenciar o
processo poliacutetico de tomada de decisatildeo a partir de uma aberta discussatildeo349
A ideia de democracia deliberativa eacute desta maneira o ponto de partida para a
compreensatildeo dos arranjos participativos que buscam viabilizar formas diretas de participaccedilatildeo
poliacutetica como eacute o caso dos canais de participaccedilatildeo que satildeo abertos a partir dos Conselhos de
Sauacutede e suas relevantes funccedilotildees350
347
BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 571 348
SANTOS Boaventura de Sousa amp AVRITZER Leonardo Democratizar a democracia os caminhos da
democracia participativa Porto Ediccedilotildees Afrontamento 2002 p 15 Disponiacutevel em
httpptscribdcomdoc52853920Boaventura-de-Sousa-Santos-Democratizar-a-democracia-Os-caminhos-da-
democracia-participativa Acesso em 14062013 349
SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia
deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica
Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 146 350
Sobre a noccedilatildeo de democracia deliberativa Claacuteudio Pereira de Souza Neto aponta que ldquoa democracia
deliberativa surge nas duas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX como alternativa agraves teorias da democracia entatildeo
predominantes as quais a reduziam a um processo de agregaccedilatildeo de interesses particulares cujo objetivo seria a
escolha de elites governantes () A democracia deve envolver aleacutem da escolha de representantes tambeacutem a
162
Conforme se veraacute mais adiante uma das grandes problemaacuteticas com relaccedilatildeo aos
Conselhos de Sauacutede eacute exatamente a dificuldade em se fazer valer os consensos construiacutedos a
partir dos debates realizados e quanto a esta questatildeo eacute pertinente o pensamento de Joshua
Cohen com relaccedilatildeo a potencialidade de os membros da sociedade efetivamente participarem
das decisotildees poliacuteticas
O referido autor tambeacutem tem seu eixo de pensamento desenvolvido a partir da ideia de
democracia deliberativa contudo a preocupaccedilatildeo do seu raciociacutenio eacute a operacionalizaccedilatildeo
dessa deliberaccedilatildeo a partir da institucionalizaccedilatildeo de arranjos de modo a efetivar natildeo somente a
participaccedilatildeo mas tambeacutem as decisotildees dos cidadatildeos Pugna portanto pela ampliaccedilatildeo do
pensamento habermasiano ao defender que os debates travados na esfera puacuteblica natildeo devem
soacute meramente influenciar as decisotildees poliacuteticas uma vez que a legitimidade da democracia
encontra-se exatamente na possibilidade das decisotildees serem tomadas conjuntamente entre
Estado e membros da sociedade351
Noutro poacutertico tambeacutem merece atenccedilatildeo as liccedilotildees de Haumlberle cuja construccedilatildeo teoacuterica
tem suas balizas nos ideais de democracia participativa e se desdobra no alargamento do
ciacuterculo de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo e na noccedilatildeo de interpretaccedilatildeo como um processo aberto e
puacuteblico iacutensito a sociedade plural352
Desta maneira ao trazer para a ciecircncia hermenecircutica a importacircncia de uma
interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo a partir de uma sociedade plural elevando o povo agrave condiccedilatildeo de
inteacuterprete e democratizando o processo de interpretaccedilatildeo das normas constitucionais referido
autor defende ser na realidade social o local onde se encontram os criteacuterios determinantes do
processo interpretativo e por isso o papel do povo nesse processo deve ser valorizado353
Para tanto faz-se necessaacuterio de modo a se alcanccedilar a viabilidade praacutetica da aludida
teoria a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo aberta que garanta o pluralismo e instrumentos de
democracia participativa podendo-se defender nesse contexto que a atual Constituiccedilatildeo de
1988 se enquadra nessa moldura e a previsatildeo da participaccedilatildeo da comunidade no acircmbito do
SUS eacute um dos vaacuterios exemplos que respaldam esse enquadramento
possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questotildees a serem decididas () mas para que essa
funccedilatildeo se realize a deliberaccedilatildeo deve se dar em um contexto aberto livre e igualitaacuterio SOUZA NETO Claacuteudio
Pereira de Deliberaccedilatildeo Puacuteblica Constitucionalismo e Cooperaccedilatildeo Democraacutetica In BARROSO Luiacutes Roberto
(org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 43-44 351
SILVA Lillian Lenite de amp AMORIM Wellington Lima Um balance teoacuterico sobre a teoria da democracia
deliberativa - As criacuteticas de Joshua Cohen a Juumlrgen Habermas In Revista Interdisciplinar Cientiacutefica
Aplicada v 4 n 1 Blumenau 2010 p 152 352
BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 17deg ed Satildeo Paulo Malheiros 2005 p 465-466 353
HAumlBERLE Peter Hermenecircutica Constitucional a sociedade aberta dos inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo
Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Fabris 1997 p 13
163
Pois bem feitas tais consideraccedilotildees tem-se que jaacute foi visto na presente pesquisa que o
reconhecimento do direito agrave sauacutede como questatildeo intriacutenseca agrave democracia e agrave participaccedilatildeo
social decorre diretamente de diretriz do SUS encampada na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal
(fruto dos esforccedilos da base poliacutetico-ideoloacutegica da Reforma Sanitaacuteria Brasileira) ganhando
vida a partir dos Conselhos e Conferecircncias de Sauacutede institucionalizadas como autecircnticos
espaccedilos de participaccedilatildeo e controle social na sauacutede354
Tal caracteriacutestica iacutempar entre os direitos sociais aleacutem de corroborar com a ideia jaacute
defendida de estar o direito agrave sauacutede posicionado em uma espeacutecie de primeiro plano dentre os
direitos fundamentais sociais frente a sua natureza de direito impreteriacutevel e polifaceacutetico
significa a adoccedilatildeo no ordenamento brasileiro da ideia de que as bases das poliacuteticas puacuteblicas
em sauacutede devem ser ditadas e priorizadas a partir das necessidades mais latentes do povo
reforccedilando a importacircncia da democracia participativa na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Desta maneira satildeo os Conselhos de Sauacutede e as Conferecircncias as instacircncias colegiadas
que materializam a participaccedilatildeo da comunidade na gestatildeo do SUS funcionando como
relevantes instrumentos para a correccedilatildeo das problemaacuteticas encontradas na efetividade do
direito agrave sauacutede no cenaacuterio hodierno paacutetrio jaacute que possuem responsabilidades tanto na
elaboraccedilatildeo das diretrizes das poliacuteticas em sauacutede como tambeacutem no controle e fiscalizaccedilatildeo do
atingimento das metas pactuadas
Daiacute se dizer que tais Conselhos constituem instacircncias de cogestatildeo puacuteblica integrantes
de um novo tecido social descentralizado e participativo o qual possibilita o reconhecimento
da subjetividade e da diversidade como parte da cidadania e aproxima o direito agrave sauacutede dos
ideais democraacuteticos355
devendo-se portanto serem buscadas medidas que garantam o
eficiente funcionamento dos mesmos
612 Os problemas na atual conjuntura dos Conselhos de Sauacutede no Brasil
354
Antes da instituiccedilatildeo do SUS e dos conselhos de sauacutede jaacute existia o embriatildeo da participaccedilatildeo popular no
controle dos recursos descentralizados para estados e municiacutepios Com o Plano Nacional de Reorientaccedilatildeo da
Assistecircncia agrave Sauacutede pela Previdecircncia Social (1981) foi instituiacutedo o programa de Accedilotildees Integradas de Sauacutede ndash
AIS (1983) que era a grosso modo a transferecircncia de recursos para o custeio de serviccedilos Na esteira da criaccedilatildeo
das AIS surgiram nos estados as Comissotildees Interinstitucionais de Sauacutede ndashCIS e nos municiacutepios as Comissotildees
Interinstitucionais Municipais de Sauacutede ndashCIMS Essas comissotildees foram precursoras dos atuais conselhos de
sauacutede pois jaacute contavam com representantes da sociedade civil organizada ZELENOVSKY Maria Antonia
Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees
de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso
em 14062013 355
FLEURY Sonia A questatildeo democraacutetica na sauacutede In FLEURY Sonia (org) Sauacutede e democracia a luta
do CEBES Satildeo Paulo Lemos Editorial 1997 p 40
164
Como visto os Conselhos de Sauacutede foram institucionalizados pela Lei 814290 e as
diretrizes para sua criaccedilatildeo e funcionamento estatildeo reguladas pela Resoluccedilatildeo nordm 33303 do
Ministeacuterio da Sauacutede Tais foacuteruns colegiados atuam em caraacuteter permanente e deliberativo e satildeo
compostos por representantes do governo prestadores de serviccedilo profissionais e usuaacuterios
(cuja representaccedilatildeo eacute paritaacuteria com relaccedilatildeo ao conjunto dos demais segmentos356
) atuando na
formulaccedilatildeo de estrateacutegias e no controle da execuccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede inclusive nos
aspectos econocircmicos e financeiros
As Conferecircncias de Sauacutede por sua vez satildeo instacircncias temporaacuterias que se reuacutenem a
cada quatro anos e possuem a importante funccedilatildeo de avaliar a situaccedilatildeo de sauacutede do paiacutes aleacutem
de propor as diretrizes para a formulaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede nos niacuteveis correspondentes
podendo ser convocada pelo Poder Executivo ou extraordinariamente pelo proacuteprio Conselho
de Sauacutede
A partir da VIII Conferecircncia Nacional de Sauacutede de 1986 tida como marco histoacuterico da
luta democraacutetica no campo da sauacutede tem sido constatada uma crescente participaccedilatildeo da
sociedade nas conferecircncias subsequentes as quais continuamente aprovam inuacutemeras
resoluccedilotildees sobre variados subtemas em sauacutede o que se por um lado demonstra uma maior
preocupaccedilatildeo social em contribuir para a mudanccedila da situaccedilatildeo da sauacutede no paiacutes tambeacutem
denota que a diversidade e complexidade dos problemas enfrentados tendem a uma
pulverizaccedilatildeo das deliberaccedilotildees o que acaba dificultando a identificaccedilatildeo das prioridades de
cada localidade357
Assim em que pese praticamente todos os municiacutepios brasileiros358
possuiacuterem
Conselhos de Sauacutede e realizarem as respectivas Conferecircncias nem sempre tais oacutergatildeos
conseguem contribuir de maneira eficaz para o planejamento da sauacutede puacuteblica jaacute que alguns
fatores impossibilitam a perfeita realizaccedilatildeo de todas as funccedilotildees inerentes aos mesmos
Nesse sentido a Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa do Ministeacuterio da
Sauacutede vem promovendo avaliaccedilotildees sobre a inserccedilatildeo das deliberaccedilotildees de tais foacuteruns nos
processos decisoacuterios e nos modos de formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das poliacuteticas locais de
sauacutede no intuito de aferir o niacutevel de eficaacutecia democraacutetica dos mesmos e propor inovaccedilotildees
356
A representaccedilatildeo paritaacuteria (25 de trabalhadores de sauacutede 25 de prestadores de serviccedilos (puacuteblicos e
privados) 50 de usuaacuterios) foi estabelecida como forma da comunidade ter efetiva participaccedilatildeo 357
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 12 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013 358
Como jaacute visto a normatizaccedilatildeo do SUS estipulou a criaccedilatildeo de Conselhos como exigecircncia para o repasse de
verbas fundo a fundo assim a maior parte dos municiacutepios e todos os estados da federaccedilatildeo o fizeram
165
metodoloacutegicas visando agrave ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo social sobretudo a partir da alocaccedilatildeo de
recursos para a capacitaccedilatildeo no campo da educaccedilatildeo em sauacutede359
Contudo antes de partir para uma anaacutelise dos principais problemas enfrentados no
acircmbito dos Conselhos e apresentar hipoacuteteses de soluccedilatildeo para os mesmos faz-se imperioso
reforccedilar as funccedilotildees mais relevantes de tais foacuteruns deliberativos espalhadas nos principais
instrumentos legislativos relacionados agrave sauacutede puacuteblica
A Constituiccedilatildeo Federal no art 77 III sect 3deg do ADCT jaacute deixa claro que os recursos
das dos Estados do DF e dos Municiacutepios destinados agrave sauacutede e os transferidos pela Uniatildeo para
a mesma finalidade seratildeo aplicados por meio do Fundo de Sauacutede cuja fiscalizaccedilatildeo e
acompanhamento cabem aos respectivos Conselhos de Sauacutede Tal incumbecircncia eacute reforccedilada no
art 33 da Lei do SUS a qual tambeacutem deixa clara a necessidade de serem tais oacutergatildeos
deliberativos ouvidos no processo de planejamento e orccedilamento do SUS (art 36) cabendo ao
Conselho Nacional de Sauacutede estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboraccedilatildeo dos
planos de sauacutede (art 37)
Na jaacute mencionada Lei nordm 814290 aleacutem das disposiccedilotildees jaacute informadas eacute de se
destacar a regra constante no inciso II do art 4deg o qual inclui entre os requisitos para que os
Estados e Municiacutepios recebam os repasses de verbas automaacuteticos fundo a fundo a preacutevia
existecircncia de Conselho de Sauacutede que respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios o que
reforccedila a importante funccedilatildeo fiscalizatoacuteria de tais conselhos
Em acircmbito infralegal a Portaria do Ministeacuterio da Sauacutede nordm 3992006 que divulga o
Pacto pela Sauacutede ao tratar da importacircncia da participaccedilatildeo e do controle social enumera
dentre outras accedilotildees relevantes como a necessidade de serem apoiados os conselhos de sauacutede
as conferecircncias e os movimentos sociais que atuam no campo de sauacutede o processo de
formaccedilatildeo dos conselheiros a participaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos cidadatildeos nos serviccedilos de sauacutede o
processo de educaccedilatildeo popular em sauacutede visando agrave qualificaccedilatildeo e ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo
social no SUS
Aleacutem disso o mesmo instrumento ao tratar da responsabilidade dos Municiacutepios no
planejamento e programaccedilatildeo do plano de sauacutede termina reforccedilando a necessidade de ser tal
plano submetido ao crivo do Conselho de Sauacutede correspondente para aprovaccedilatildeo bem como
dispotildee que as decisotildees pactuadas a partir das negociaccedilotildees das Comissotildees Intergestores que
versarem sobre mateacuteria da esfera de competecircncia dos conselhos deveratildeo ser tambeacutem
submetidas agrave apreciaccedilatildeo destes
359
Painel de indicadores do SUS ndeg6 Promoccedilatildeo da Sauacutede VIV p 18 Disponiacutevel em
httpportalsaudegovbrportalarquivospdfpainel_de_indicadores_do_sus_6pdf Acesso em 19062013
166
Na Portaria nordm 6482006 que aprova a Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica por sua
vez ao tratar do financiamento da atenccedilatildeo baacutesica eacute estabelecido que os repasses referentes
aos pisos de atenccedilatildeo baacutesico aos municiacutepios devem ser efetuados em conta aberta
especificamente para essa finalidade objetivando facilitar o acompanhamento dos respectivos
Conselhos os quais juntamente com o Poder Legislativo e o Ministeacuterio Puacuteblico deveratildeo ser
notificados quanto aos avisos de creacutedito lanccedilados juntamente medida de suma relevacircncia para
a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos em sauacutede
Aleacutem disso tal Portaria reforccedila a necessidade da comprovaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo dos
recursos transferidos do Fundo Nacional de Sauacutede ser apresentada ao Ministeacuterio da Sauacutede e
ao Estado atraveacutes de relatoacuterio de gestatildeo o qual tambeacutem deveraacute ser aprovado pelo respectivo
Conselho
Finalmente a aludida Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede eacute o instrumento
mais especiacutefico quanto ao tema e apresenta importantes regras relacionadas agrave estruturaccedilatildeo e
funcionamento dos Conselhos destacando-se o seguinte
i o dever360
de o Executivo respeitar os princiacutepios democraacuteticos a partir do
consequente acolhimento das demandas da populaccedilatildeo consubstanciadas nas
Conferecircncias de Sauacutede
ii a natureza de funccedilatildeo de relevacircncia puacuteblica361
dos respectivos conselheiros
os quais ficam dispensados do seu trabalho durante as accedilotildees especiacuteficas no
respectivo Conselho
iii o dever de o governo362
garantir autonomia para o pleno funcionamento dos
Conselhos dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria (com gerenciamento do orccedilamento pelo
proacuteprio Conselho) Secretaria Executiva e estrutura administrativa
iv a necessidade de a cada trecircs meses363
o gestor de sauacutede local se pronunciar
perante o Conselho acerca do andamento da agenda de sauacutede pactuada
apresentando o relatoacuterio de gestatildeo com a respectiva prestaccedilatildeo de contas
sobre o montante e a forma de aplicaccedilatildeo dos recursos repassados bem como
a descriccedilatildeo da produccedilatildeo e ofertas de serviccedilos na rede assistencial proacutepria ou
contratada com a respectiva comprovaccedilatildeo de congruecircncia com os princiacutepios
e diretrizes do SUS
360
Paraacutegrafo uacutenico da segunda diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 361
Inciso X da terceira diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 362
Caput da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 363
Inciso X da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede
167
v oitiva do Ministeacuterio Puacuteblico em caso de necessidade de auditorias externas e
independentes feitas pelos Conselhos sobre as contas e atividades do gestor
do SUS bem como recurso para o Parquet em caso de natildeo homologaccedilatildeo dos
atos deliberativos dos Conselhos pelo chefe do poder constituiacutedo em cada
esfera de governo no prazo de trinta dias364
e
vi a competecircncia dos Conselhos para especialmente365
vi1 definir as
diretrizes para elaboraccedilatildeo dos planos de sauacutede e sobre eles deliberar
conforme as diversas situaccedilotildees epidemioloacutegicas e a capacidade
organizacional dos serviccedilos vi2 aprovar a proposta orccedilamentaacuteria anual da
sauacutede tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de
Diretrizes Orccedilamentaacuterias observado o princiacutepio do processo de
planejamento e orccedilamentaccedilatildeo ascendentes vi3 propor criteacuterios para a
programaccedilatildeo e execuccedilatildeo financeira e orccedilamentaacuteria dos Fundos de Sauacutede
acompanhando a movimentaccedilatildeo e destinaccedilatildeo dos recursos fiscalizando e
controlando os gastos e finalmente deliberando sobre os criteacuterios de
movimentaccedilatildeo de tais recursos fundo a fundo
Do exame das atribuiccedilotildees acima citadas depreende-se que os Conselhos e as
respectivas Conferecircncias de Sauacutede se apresentam como os instrumentos basilares para a
concretizaccedilatildeo da diretriz constitucional do SUS referente agrave participaccedilatildeo da comunidade
funcionando como um catalizador do processo de construccedilatildeo de uma democracia participativa
em mateacuteria de sauacutede no ordenamento paacutetrio jaacute que tais foacuteruns representativos possuem
funccedilotildees tanto relacionadas com a fiscalizaccedilatildeo e acompanhamento da aplicaccedilatildeo dos recursos
como tambeacutem com a proacutepria elaboraccedilatildeo e participaccedilatildeo das diretrizes que embasaratildeo o
planejamento em sauacutede
De se destacar desde jaacute outro importante aspecto dos Conselhos que seraacute pertinente
para o exame do toacutepico seguinte que eacute o fato de tais foacuteruns funcionarem como mitigadores da
proacutepria discricionariedade do administrador no processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas em sauacutede jaacute que as escolhas e prioridades a serem empreendidas devem estar
amoldadas agraves diretrizes expostas pelos Conselhos na elaboraccedilatildeo do plano de sauacutede e por estes
aprovadas366
364
Incisos XI e XII da quarta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 365
Incisos X XII XIII e XIV da quinta diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede 366
No mesmo sentido aponta Faacutetima Vieira Henriques que ldquose uma poliacutetica sanitaacuteria tiver sido objeto de lei ou
de resoluccedilatildeo emanada dos Conselhos de Sauacutede bem como se tiver o proacuteprio administrador a elaborado e
168
Nesse sentido tais Conselhos consubstanciam um importante canal de abertura para
um controle popular na concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede e o papel dos mesmos termina se
estendendo por toda a cadeia da poliacutetica puacuteblica de sauacutede jaacute que atuam tanto na fase anterior
(elaboraccedilatildeo) quanto na concomitante (acompanhamento) e na posterior (aprovaccedilatildeo das
prestaccedilotildees de conta quanto agraves metas pactuadas) o que soacute sobreleva a necessidade de tais
foacuteruns serem melhor estruturados eficientemente capacitados e principalmente cobrados
quanto ao pleno exerciacutecio de suas atribuiccedilotildees Ou seja a realizaccedilatildeo praacutetica e de maneira
eficaz das atribuiccedilotildees previstas para tais oacutergatildeos deliberativos eacute um objetivo que deve ser
buscado e cada vez mais aperfeiccediloado significando sua concretizaccedilatildeo um importante
mecanismo para a efetividade do direito agrave sauacutede
Ocorre que infelizmente a realidade de tais Conselhos eacute bastante diferente da
previsatildeo arquitetada no papel e diversos problemas organizacionais dificultam a perfeita
estruturaccedilatildeo praacutetica dos mesmos conforme se veraacute adiante
Em primeiro lugar pode ser destacada a falta de infraestrutura minimamente
organizada aleacutem de apoio administrativo operacional econocircmico e financeiro para o seu
pleno e regular funcionamento o que acaba dificultando a anaacutelise dos assuntos colocados em
pauta e desestimulando a atuaccedilatildeo dos conselheiros
Nesse sentido frente agrave natureza de relevacircncia puacuteblica dos conselheiros e a importacircncia
das atribuiccedilotildees dos respectivos Conselhos de Sauacutede a estruturaccedilatildeo miacutenima que garanta a
potencialidade de eficiecircncia dos mesmos deve ser mais levada a seacuterio pelo Poder Puacuteblico
como verdadeira prioridade devendo o cumprimento das disposiccedilotildees acima referenciadas
serem fiscalizadas tanto pela populaccedilatildeo como pelo Ministeacuterio Puacuteblico sendo quando
necessaacuterio pleiteado judicialmente o respeito a tais determinaccedilotildees
A soluccedilatildeo para este problema eacute simples Por forccedila da Lei nordm 814290 como jaacute
mencionado dentre os requisitos para que os Estados e Municiacutepios possam receber os repasse
fundo a fundo encontra-se a necessidade de preacutevia existecircncia de Conselho de Sauacutede que
respeite a composiccedilatildeo paritaacuteria dos usuaacuterios
Defende-se que a leitura dessa previsatildeo deve ser no sentido de que ldquopreacutevia existecircnciardquo
natildeo diz respeito unicamente a existecircncia de uma estrutura fiacutesica em si (meramente um preacutedio
implementado passa a ser dever praticar os atos concretos necessaacuterios agrave sua execuccedilatildeo inclusive fazer constar do
orccedilamento creacutedito correspondente dotaacute-lo de recursos bastantes e liberaacute-los oportunamente Igualmente caso o
administrador tenha decidido colocar em funcionamento determinado serviccedilo de sauacutede teraacute se comprometido
logicamente a prestaacute-lo com eficiecircncia ateacute porque adstrito que estaacute pela Constituiccedilatildeo natildeo lhe eacute dado agir
diferentemente Tambeacutem aqui por oacutebvio natildeo haacute discricionariedade possiacutevelrdquo HENRIQUES Faacutetima Vieira
Direito Prestacional agrave sauacutede e Atuaccedilatildeo Jurisdicional In NETO Claacuteudio Pereira de Souza SARMENTO Daniel
(coords) Direitos sociais Fundamentos Judicializaccedilatildeo e Direitos Sociais em Espeacutecie Rio de Janeiro
Lumen Juris 2010 p 858
169
do Conselho ou uma sala) mas mais do que isso o respeito agrave todas as disposiccedilotildees quanto ao
funcionamento e estruturaccedilatildeo dos Conselhos previstas na jaacute referida Resoluccedilatildeo nordm 3332003
do Ministeacuterio da Sauacutede podendo e devendo desta maneira o Judiciaacuterio ao ser provocado
(especialmente pelo Ministeacuterio Puacuteblico) determinar a suspensatildeo dos repasses de valores dos
fundos de sauacutede ateacute que sejam respeitadas e cumpridas as determinaccedilotildees quanto ao
funcionamento regular e eficiente de tais Conselhos por parte do Poder Puacuteblico
Outro relevante problema estrutural que claramente compromete a proacutepria essecircncia
democraacutetica de tais Conselhos eacute o fato de em alguns casos a presidecircncia dos mesmos acabar
sendo exercida pelos proacuteprios gestores dos recursos do SUS o que termina subvertendo
completamente a loacutegica de funcionamento de tais Conselhos jaacute que os gestores acabam se
tornando fiscais de si proacuteprio prejudicando assim a ideia de participaccedilatildeo paritaacuteria dos
usuaacuterios aleacutem de ofender os nortes constitucionais da democracia participativa moralidade
administrativa e participaccedilatildeo da comunidade no SUS
Desta maneira os regimentos internos dos Conselhos de Sauacutede pelo Brasil afora que
estabelecem gestores de sauacutede como seus presidentes natos ofendem os artigos 1deg II e
paraacutegrafo uacutenico art 37 caput e art 198 III da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildee
respectivamente sobre democracia participativa princiacutepio da moralidade e participaccedilatildeo da
comunidade como diretriz do SUS367
jaacute que em tais circunstacircncias resta confundida a figura
de controlador com a de controlado o que em uacuteltima instacircncia fulmina o relevante papel
fiscalizador e controlador de tais Conselhos Daiacute por que ser medida mais aconselhaacutevel agrave
resoluccedilatildeo deste problema a alteraccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede no
sentido de acrescentar a proibiccedilatildeo do gestor ocupar a respectiva presidecircncia dos Conselhos
Seguindo outro entrave ao pleno funcionamento dos Conselhos eacute o recorrente retardo
prolongado ou ateacute mesmo a proacutepria falta de homologaccedilatildeo por parte do gestor das
deliberaccedilotildees do Conselho o que leva ao risco de tornar sem efeito tais decisotildees e termina
prejudicando a realizaccedilatildeo dos anseios acordados no acircmbito desses oacutergatildeos deliberativos jaacute que
a implementaccedilatildeo efetiva das decisotildees empreendidas nas reuniotildees depende de homologaccedilatildeo
parar surtir efeitos praacuteticos368
Como natildeo haacute institutos juriacutedicos que obriguem diretamente o Executivo a acatar as
decisotildees dos conselhos (decisotildees essas que muitas vezes contrariam os interesses
367
GAVRONSKI Alexandre Amaral Conselhos de Sauacutede Democracia Participativa e a inconstitucionalidade
da Presidecircncia Nata In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 4 nordm 2 Satildeo Paulo 2003 p 87 368
ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede
possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 6 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013
170
dominantes) a saiacuteda para os mesmos como jaacute visto anteriormente (inciso XII da quarta
diretriz da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 do Ministeacuterio da Sauacutede) eacute recorrer ao Ministeacuterio Puacuteblico
nos casos em que natildeo haacute homologaccedilatildeo dos seus atos deliberativos pelo Poder Puacuteblico no
prazo de trinta dias devendo o Parquet diligenciar de modo a serem cumpridas as
determinaccedilotildees pactuadas nas deliberaccedilotildees dos Conselhos fazendo valer assim tanto a
referida Resoluccedilatildeo quanto a Lei nordm 814290 podendo se utilizar para isso do importante
mecanismo extrajudicial do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
De se destacar tambeacutem a dificuldade em se manter os Conselhos como espaccedilos
voltados para os interesses da populaccedilatildeo visto que eacute recorrente no paiacutes o risco de
desvirtuamento da representaccedilatildeo popular dos integrantes dos Conselhos os quais na maioria
das vezes por natildeo passarem por capacitaccedilatildeo alguma natildeo possuem o conhecimento necessaacuterio
quanto agraves possibilidades de sua atuaccedilatildeo e os instrumentos legais a eles disponiacuteveis cenaacuterio
este que contribui para a caracterizaccedilatildeo dos Conselhos como espaccedilos paralelos ao dos oacutergatildeos
estatais aproximando-o dos interesses locais dominantes em detrimento do interesse
coletivo369
Por isso que na maioria dos Conselhos eacute normal se identificar um verdadeiro (e de
certo modo inerente) quadro de desigualdade de informaccedilotildees entre seus membros os quais
representando segmentos diversos acabam natildeo se entendendo da melhor maneira nos assuntos
a serem debatidos o que enfraquece o papel desses oacutergatildeos deliberativos e em especial a
influecircncia do papel da participaccedilatildeo dos usuaacuterios
Nesse contexto eacute medida salutar agrave concretizaccedilatildeo do poder conferido aos usuaacuterios
reforccedilando agrave previsatildeo da representaccedilatildeo paritaacuteria dos mesmos uma capacitaccedilatildeo progressiva
dos conselheiros representantes dos anseios do povo de modo que a falta de informaccedilatildeo destes
com relaccedilatildeo a assuntos especiacuteficos dos prestadores e profissionais de sauacutede bem como dos
gestores natildeo termine esvaziando a importante funccedilatildeo dos mesmos perante os Conselhos nem
acabe os desestimulando pela precaacuteria contribuiccedilatildeo por eles proporcionada
A escolha por uma representaccedilatildeo paritaacuteria (50 de conselheiros usuaacuterios 25
gestores e 25 profissionais de sauacutede) que privilegie a participaccedilatildeo do povo portanto deve
ser acompanhada de uma sistematizada capacitaccedilatildeo de modo que os anseios da populaccedilatildeo
sejam compreendidos e acatados nos importantes debates travados nas reuniotildees dos
369
LOPES Joseacute Reinaldo de Lima Os Conselhos de Participaccedilatildeo Popular ndash Validade Juriacutedica de suas Decisotildees
In Revista de Direito Sanitaacuterio vol 1 nordm 1 Satildeo Paulo 2000 p 24
171
Conselhos e nas Conferecircncias de Sauacutede o que vem a corroborar com a realizaccedilatildeo da
democracia participativa iacutensita a tais oacutergatildeos370
Desta forma em que pese essa paridade significar um importante mecanismo
democraacutetico na estruturaccedilatildeo dos conselhos a mesma natildeo se reduz simplesmente a uma
questatildeo numeacuterica de metade-metade mas sim a uma estruturaccedilatildeo que implique em uma
correlaccedilatildeo de forccedilas tendente a garantir a equidade nas condiccedilotildees de participaccedilatildeo e tomada de
decisatildeo levando-se em consideraccedilatildeo as assimetrias existentes entre as representaccedilotildees
governamentais e natildeo governamentais371
Reforccedilando este raciociacutenio tem-se que a estruturaccedilatildeo arquitetada para tais oacutergatildeos
deliberativos eacute guiada pela diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da comunidade e
desta maneira o papel dos conselheiros que representam os profissionais de sauacutede e os
gestores deve ser interpretado agrave luz de tal diretriz com vistas a priorizar as necessidades
apontadas pelos usuaacuterios
Desta maneira as funccedilotildees inerentes aos conselheiros representantes dos profissionais
de sauacutede devem se aproximar muito mais de uma tarefa informativa e esclarecedora quanto
aos problemas apontados pelos usuaacuterios do que um desempenho voltado a fazer valer
interesses privados das classes ali representadas Da mesma forma o papel da parcela de
conselheiros representantes dos gestores deve ser voltado a uma atuaccedilatildeo comunicadora como
um canal de abertura que repasse os anseios apontados pelos usuaacuterios para o Poder Puacuteblico e
natildeo como um meio de se impor as determinaccedilotildees preacute-definidas do Poder Puacuteblico com relaccedilatildeo
as accedilotildees e serviccedilos em sauacutede
Outro ponto problemaacutetico eacute a falta de transparecircncia e de divulgaccedilatildeo tanto da existecircncia
quanto das proacuteprias atividades de tais Conselhos sendo constatado que a populaccedilatildeo raramente
eacute informada pelos principais canais (televisatildeo raacutedio internet por exemplo) acerca de dados
relativos agrave proacutepria sede dos mesmos (endereccedilo telefone de contato horaacuterio de funcionamento
e atendimento agrave populaccedilatildeo) bem como quanto agrave realizaccedilatildeo das eleiccedilotildees dos conselheiros das
370
Questionando o real acesso da populaccedilatildeo a esses espaccedilos de construccedilatildeo de uma democracia participativa
frente agrave tecnicidade imposta pelo Estado no trato dos desafios da vida cotidiana o psicoacutelogo social Dario
Schezzi aponta para a importacircncia de se instituir Conselhos Territoriais de Cidadania como espeacutecies de ldquobraccedilosrdquo
dos Conselhos de Sauacutede onde a comunidade possa participar mais facilmente e retratar as principais
dificuldades vivenciadas sendo tais dados repassados nas respectivas reuniotildees SCHEZZI Dario Henrique
Teoacutefilo Implantaccedilatildeo de Conselhos Locais de Sauacutede desafios agrave efetivaccedilatildeo da democracia participativa In
Sauacutede e transformaccedilatildeo socialv3 nordm 2 UFSC Florianoacutepolis 2012 p 03 371
RAICHELIS Raquel Os Conselhos de gestatildeo no contexto internacional In Conselhos Gestores de Poliacuteticas
Puacuteblicas Revista Poacutelis nordm 37 Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2000 p 44
172
reuniotildees os resultados das deliberaccedilotildees os contatos dos conselheiros representantes dos
usuaacuterios etc372
613 Reestruturaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede e a efetiva democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de
sauacutede no paiacutes
As dificuldades conjunturais delineadas (especialmente a assimetria existente entre os
diversos segmentos da sociedade civil e os agentes governamentais com relaccedilatildeo agraves
informaccedilotildees e conhecimentos necessaacuterios a uma efetiva participaccedilatildeo nas deliberaccedilotildees)
interferem diretamente na qualidade do processo decisoacuterio empreendido no acircmbito dos
Conselhos sendo primordial a busca por mecanismos que proporcionem condiccedilotildees
equitativas entre os atores envolvidos visando a um melhor diaacutelogo e a um aperfeiccediloamento
do grau de legitimidade dos processos de deliberaccedilatildeo373
Para tanto eacute fundamental se examinar as variaacuteveis inerentes agrave qualidade desse
processo decisoacuterio as quais envolve dentre outros pontos relevantes para se aferir o niacutevel de
efetividade do controle social sobre as poliacuteticas de sauacutede como a existecircncia ou natildeo de debates
preacutevios agraves decisotildees a pluralidade dos interesses envolvidos o niacutevel de autonomia dos sujeitos
para sustentar suas posiccedilotildees e o maior ou menor poder de cada membro ou segmento na
construccedilatildeo da agenda dos assuntos a serem enfrentados374
Quanto a essas nuances identifica-se ser rotineiro o engessamento do poder dos
Conselhos nas tomadas de decisatildeo especialmente da parcela de conselheiros representante
372
Considerado conselho-referecircncia no ano de 2009 por apresentar um alto niacutevel de amadurecimento e realizar
um bom trabalho no controle da sauacutede municipal o Conselho Municipal de Sauacutede de Paraacute de MinasMG por
exemplo divulga na imprensa local todas as suas accedilotildees sendo seu trabalho reconhecido por grande parte da
comunidade da regiatildeo Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo ndash Brasiacutelia TCU
4ordf Secretaria de Controle Externo 2010 p54 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF Acessado em 15062013 373
Pertinente agrave celeuma do deacuteficit democraacutetico dos Conselhos de Sauacutede eacute a criacutetica de Diego Valadeacutes
perfeitamente tambeacutem adequada a estes espaccedilos democraacuteticos acerca da crise de qualidade representativa dos
partidos poliacuteticos e o consequente enfraquecimento da participaccedilatildeo popular no acircmbito dos mesmos Na visatildeo do
referido autor sob um prisma de democracia constitucional eacute necessaacuteria uma regulaccedilatildeo juriacutedica mais eficaz dos
partidos que ao exercerem um quase monopoacutelio das vias de participaccedilatildeo precisam ter internamente garantidos
um miacutenimo de qualidade democraacutetica evitando que se convertam em uma casta profissional privilegiada e
dedicada a defesa de interesses diversos dos desejos do eleitor Neste vieacutes aponta o mesmo que a participaccedilatildeo
popular e soberania do povo natildeo eacute contraacuteria a governabilidade ou contra a legitimidade dos partidos e eleiccedilotildees
como instrumentos baacutesicos de divisatildeo do poder Contudo na democracia constitucional se exige algo a mais que
a mera adesatildeo as propostas programaacuteticas e listas eleitorais se tratando de uma cumulaccedilatildeo de direitos com a
possibilidade de se exigir contas avaliar rendimentos e outras formas de se sentir cidadatildeo propostas que se
enquadram perfeitamente as necessidades da participaccedilatildeo nos Conselho de Sauacutede VALADEacuteS Diego Cinco
grandes retos (y otras tantas amenazas) para la democracia constitucional em el siglo XXI In Revista Latino-
Americana de Estudos Constitucionais Fortaleza Ediccedilotildees Demoacutecrito Rocha 2010 p 598-612 374
TATAGIBA Luciana amp TEXEIRA Ana Claudia Chaves O papel do CMS na Poliacutetica de Sauacutede em Satildeo
Paulo In Caderno ndeg 29 do Observatoacuterio dos Direitos do Cidadatildeo Satildeo Paulo PoacutelisPUC-SP 2007 p 10
173
dos usuaacuterios visto que quando o governo propotildee a inclusatildeo de determinado tema na pauta
dos mesmos os programas e poliacuteticas quanto a esta temaacutetica jaacute satildeo quase sempre preacute-
definidas ocasionando certo esvaziamento do papel preacutevio dos Conselhos os quais ficam
com suas atividades restritas agrave questotildees meramente formais acerca da execuccedilatildeo e
implementaccedilatildeo da poliacutetica jaacute previamente elaborada sendo raro a oportunizaccedilatildeo de se discutir
no acircmbito dos Conselhos os aspectos referentes agrave etapa de elaboraccedilatildeo375
Vislumbra-se desta forma que o governo na maioria das vezes apenas cumpre o rito
de apresentaccedilatildeo e informaccedilatildeo acerca da implementaccedilatildeo de uma poliacutetica elaborada havendo
uma clara dissociaccedilatildeo entre a agenda das poliacuteticas e a dos Conselhos praacutetica que atenta contra
a proacutepria natureza de tais oacutergatildeos de deliberaccedilatildeo e enfraquece sua essecircncia democraacutetica uma
vez que quando satildeo convocados para a discussatildeo do que jaacute foi previamente elaborado aos
mesmos acaba sendo afastada a possibilidade de interferirem no espectro de incidecircncia sobre
o nuacutecleo duro das poliacuteticas de sauacutede376
Desta maneira vecirc-se que a configuraccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como efetivos
espaccedilos de deliberaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede depende diretamente do comprometimento do
Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos um niacutevel simeacutetrico de capacidade tanto de
elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo a agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem
seguidas
Nesse sentido a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si soacute natildeo significa
garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual somente poderaacute
ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados na organizaccedilatildeo
dos Conselhos e o consequente respeito e cumprimento das previsotildees constantes na Resoluccedilatildeo
nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 jaacute examinadas377
375
Nesse sentido os conselheiros representantes dos usuaacuterios muitas vezes natildeo possuem papel relevante na
discussatildeo a qual acaba se convertendo em mero ritual para aprovaccedilatildeo dos anseios dos gestores ESCOREL
Sarah amp MOREIRA Marcelo Rasga Desafios da participaccedilatildeo social em sauacutede na nova agenda da reforma
sanitaacuteria democracia deliberativa e efetividade In Participaccedilatildeo Democracia e Sauacutede Rio de Janeiro
CEBES 2009 p 240 Disponiacutevel em httpwwwcebesorgbrmediaFilelivro_particioacaopdf Acesso em
15062013 376
PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa no Brasil a praacutetica dos conselhos
de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 11 Disponiacutevel em httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso
em 16062013 377
Reforccedilando esse raciociacutenio Pedro Pontual pondera que ldquoapesar do avanccedilo que representaram os conselhos
em muitos aspectos no sentido da democratizaccedilatildeo e maior controle social das poliacuteticas puacuteblicas tal experiecircncia
natildeo teve ainda a forccedila e as qualidades necessaacuterias para produzir os impactos poliacuteticos necessaacuterios para alterar a
loacutegica clientelista que marcou historicamente a relaccedilatildeo do Estado com o sistema poliacutetico-partidaacuterio que daacute
sustentaccedilatildeo aacute eleiccedilatildeo dos representantes pelo voto universal Tal loacutegica eacute a matriz de velhos e conhecidos
mecanismos de corrupccedilatildeo fisiologismo e apropriaccedilotildees privadas de recursos puacuteblicos que de haacute muito satildeo
praticadas em relaccedilatildeo ao Estado e aos recursos puacuteblicos Esta loacutegica adquiriu tal forccedila que ateacute mesmo as forccedilas
sociais e poliacuteticas que lutam pela sua alteraccedilatildeo radical natildeo estatildeo imunes a mesma e em alguns casos tornaram-se
presas do clientelismo tatildeo combatido PONTUAL Pedro Desafios agrave construccedilatildeo da democracia participativa
174
Corroborando com a visatildeo acima diversos estudos e pesquisas pelo Brasil378
comprovam a ineficiecircncia dos Conselhos de Sauacutede e retratam os problemas conjunturais supra
mencionados o que faz ligar o sinal de alerta para a necessidade de uma imediata
reestruturaccedilatildeo de tais instrumentos379
sobretudo a partir da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico na
fiscalizaccedilatildeo do implemento das obrigaccedilotildees legais dos mesmos vislumbrando-se possiacutevel a
atuaccedilatildeo judicial no sentido de que a legislaccedilatildeo mencionada do tema seja respeitada e
eficientemente cumprida na praacutetica
Aleacutem do apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo quanto ao respeito das diretrizes
funcionais de tais Conselhos eacute certo que outros atores podem ajudar na tarefa de se garantir
uma melhor abertura desses espaccedilos democraacuteticos como eacute o caso das Organizaccedilotildees Natildeo
Governamentais ligadas agrave aacuterea de sauacutede e as comissotildees de sauacutede tanto da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) quanto das defensorias puacuteblicas que podem mediante accedilotildees
especiacuteficas incentivar (sobretudo pelas redes sociais na internet) a maior participaccedilatildeo da
sociedade380
a partir da divulgaccedilatildeo de detalhes quanto as reuniotildees eleiccedilotildees e estruturaccedilatildeo dos
Conselhos
Os Tribunais de Conta por sua vez tambeacutem exercem papel relevante nessa jornada Jaacute
foi visto que devido agraves previsotildees constantes no art 77 III sect 3deg do ADCT e no art 33 da Lei
do SUS foi conferido aos Conselhos de Sauacutede o importante poder de fiscalizar os recursos
destinados agraves accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede ldquosem prejuiacutezo do disposto no art 74rdquo da CF
ficando impliacutecito com tal ressalva que esse controle deve ocorrer de forma paralela ao
no Brasil a praacutetica dos conselhos de gestatildeo das poliacuteticas puacuteblicas p 17 Disponiacutevel em
httpwwwpolisorgbruploads534534pdf Acesso em 16062013 378
Variadas pesquisas realizadas demonstram que a intensidade da democracia nos conselhos eacute baixa e na
maioria das vezes suas atividades satildeo focadas em procedimentos burocraacuteticos constataccedilotildees refletidas na falta e
capacitaccedilatildeo dos conselheiros os quais na maioria das vezes natildeo foram instruiacutedos de modo a ter a exata noccedilatildeo
acerca de suas relevantes atribuiccedilotildees Nesse sentido confiram-se dentre outras
httpwwwunbcienciaunbbrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=165conselhos-de-saude-sao-
ineficientes-e-nao-representam-a-populacaoampcatid=34ciencias-da-saude
httpwwwsociologiaufscbrnpmsines_pelizzaro_raquellen_milbratzpdf
httpwwwscielobrpdfrapv43n607pdf Acessadas em 15062013 379
Muitas vezes a proacutepria autonomia que eacute concedida aos Conselhos gera um efeito colateral indesejaacutevel que eacute o
fato de as disposiccedilotildees constantes nos respectivos regimentos internos dos mesmos nem sempre terminar
seguindo fielmente as diretrizes da Resoluccedilatildeo nordm 3332003 ou ateacute mesmo subvertendo-as quadro que termina
engessando a atuaccedilatildeo desses oacutergatildeos deliberativos e enfraquecendo a proacutepria efetividade democraacutetica dos
mesmos 380
Dados do relatoacuterio final da 14deg Conferecircncia Nacional de Sauacutede ocorrida em 2012 respaldam a importacircncia da
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo nesses foacuteruns deliberativos sendo destacado que para a realizaccedilatildeo da mesma
ocorreram previamente 4374 conferecircncias municipais e estaduais nos 27 estados brasileiros o que significa cerca
de 78 do total das conferecircncias esperadas marca que pode ser considerada como histoacuterica no quadro de lutas
pela sauacutede puacuteblica no paiacutes Relatoacuterio final da 14ordf Conferecircncia Nacional de Sauacutede Todos usam o SUS SUS na
seguridade social Poliacutetica puacuteblica patrimocircnio do povo brasileiro Ministeacuterio da Sauacutede Conselho Nacional de
Sauacutede ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2012 p 9
Disponiacutevel em httpconselhosaudegovbrbibliotecaRelatoriosimg14_cns20relatorio_finalpdf Acessado
em 17062013
175
controle interno do proacuteprio Executivo o qual por sua vez tem a finalidade de apoiar o
controle externo no exerciacutecio de sua missatildeo institucional sendo este exercido com o apoio
dos Tribunais de Contas
Depreende-se desse raciociacutenio que os Conselhos de Sauacutede podem atuar em parceria
com os Tribunais de Contas e essa relaccedilatildeo torna-se beneacutefica para uma maior eficiecircncia no
desenvolvimento das funccedilotildees de ambos381
o que contribui para a ampliaccedilatildeo na sociedade
civil da possibilidade de uma cultura participativa no controle da efetividade das poliacuteticas
puacuteblicas382
Nesse raciociacutenio os Tribunais de Contas ganham jaacute que suas accedilotildees satildeo
reforccediladas pela cooperaccedilatildeo das comunidades diretamente envolvidas os Conselhos de Sauacutede
tambeacutem uma vez que passa a existir um incremento na qualidade do controle do gasto
puacuteblico e na identificaccedilatildeo dos recursos transferidos e finalmente a populaccedilatildeo que fica
respaldada por uma fiscalizaccedilatildeo mais incisiva contra a maacute utilizaccedilatildeo dos recursos e corrupccedilatildeo
A ideia defendida nesse toacutepico portanto eacute a de que os Conselhos de Sauacutede autecircnticos
canais para que a sociedade participe e dite o ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em
sauacutede satildeo importantes mecanismos de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no ordenamento
paacutetrio e como natildeo eacute dada a atenccedilatildeo necessaacuteria aos mesmos (uma vez que a configuraccedilatildeo legal
prevista para o mesmo eacute subvertida na praacutetica por inuacutemeros viacutecios383
) o apoio de outros
atores (incluindo-se o papel do Judiciaacuterio ao primar pelo cumprimento do arcabouccedilo
legislativo que rege tais Conselhos) eacute medida salutar para a melhoria da eficiecircncia
democraacutetica desses espaccedilos384
Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a ser estudado a seguir diz
respeito aos gastos em sauacutede e a consequente necessidade de que o caraacuteter prioritaacuterio desse
381
O Tribunal de Contas da Uniatildeo jaacute realizou inuacutemeros projetos ligados ao estiacutemulo do controle social
sobretudo com relaccedilatildeo aos Conselhos de Sauacutede destacando-se por exemplo a elaboraccedilatildeo do documento
Orientaccedilotildees para conselheiros de sauacutede Tribunal de Contas da Uniatildeo elaborado pela 4ordf Secretaria de Controle
Externo do TCU no ano de 2010 o qual pode ser consultado no siacutetio eletrocircnico a seguir
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2057626PDF 382
ZELENOVSKY Maria Antonia Ferraz O Tribunal de Contas da Uniatildeo e os Conselhos de Sauacutede
possibilidades de cooperaccedilatildeo nas accedilotildees de controle 2006 p 15 Disponiacutevel em
httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013 383
Alguns viacutecios jaacute apontados como a burocratizaccedilatildeo dos conselhos o corporativismo a partidarizaccedilatildeo a falta
de representatividade satildeo indicativos claros para essa reflexatildeo e eventuais mudanccedilas de enfoque ou mesmo
adoccedilatildeo de novas iniciativas BRASIL Ministeacuterio da Sauacutede Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa A
construccedilatildeo do SUS histoacuterias da Reforma Sanitaacuteria e do Processo Participativo Ministeacuterio da Sauacutede
Secretaria de Gestatildeo Estrateacutegica e Participativa ndash Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2006 p 237 384
Corroborando com esse posicionamento Eduardo Ribeiro Moreira pondera que essa posiccedilatildeo renovada de
controle com relaccedilatildeo agrave sauacutede eacute marcada natildeo soacute pela criaccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como tambeacutem pelo
fortalecimento das accedilotildees do Poder Legislativo atraveacutes das Comissotildees de Sauacutede das Assembleias Legislativas e
das Cacircmaras Municipais pela maior participaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico e pela nova posiccedilatildeo do Judiciaacuterio agindo
energicamente no combate aos maus gestores MOREIRA Eduardo Ribeiro Direito Constitucional atual Rio
de Janeiro Elsevier 2012 p 345
176
direito seja garantido desde a fase orccedilamentaacuteria destacando-se nesse ponto temas
importantes como a possibilidade de se criar em todas as esferas de governo mecanismos de
participaccedilatildeo e controle social do ciclo orccedilamentaacuterio
62 A PROBLEMAacuteTICA DOS GASTOS EM SAUacuteDE PUacuteBLICA E A NECESSIDADE DE
UMA HARMONIZACcedilAtildeO ENTRE O CICLO ORCcedilAMENTAacuteRIO E AS PRIORIDADES
CONSTITUCIONAIS
Um dos grandes entraves agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede no Brasil eacute a problemaacutetica
que envolve a questatildeo dos gastos puacuteblicos nesse setor A dificuldade natildeo estaacute restrita agrave
simples constataccedilatildeo de ser preciso ou natildeo disponibilizar mais recursos financeiros para a
sauacutede na verdade engloba diversos aspectos que vatildeo desde a necessidade de um ciclo
orccedilamentaacuterio que respeite as prioridades constitucionais ateacute o exame da correta aplicaccedilatildeo dos
recursos existentes
O objetivo desse capiacutetulo por conseguinte natildeo eacute aprofundar em questotildees
orccedilamentaacuterias e financeiras especiacuteficas mas sim alertar para a necessidade de o instrumento
do orccedilamento puacuteblico refletir tanto na sua fase de elaboraccedilatildeo quanto em sua execuccedilatildeo as
prioridades assentadas na Constituiccedilatildeo de modo a evitar situaccedilotildees praacuteticas desvirtuadoras da
loacutegica pensada para a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mormente do direito agrave sauacutede
Eacute pertinente portanto a noccedilatildeo de se buscar o esgotamento de prioridades mais
relevantes em detrimento de alvos menos essenciais raciociacutenio este intriacutenseco por exemplo
ao seguinte questionamento eacute possiacutevel suscitar a falta de recursos para a sauacutede quando
existem no mesmo orccedilamento recursos com propaganda de governo
Nessa temaacutetica em que pese ter sido proferida em sede de liminar merece destaque o
teor da decisatildeo empreendida pelo Juiz de Direito da Comarca de Currais NovosRN Dr
Marcus Viniacutecius Pereira Juacutenior que frente agrave recalcitracircncia do Estado do Rio Grande do Norte
em realizar certas accedilotildees e serviccedilos de sauacutede determinou que a Governadora daquele estado a
Sra Rosalba Ciarlini suspendesse todas as propagandas pagas pelo Estado sob pena de
multa ateacute a correccedilatildeo do problema Destaca-se o seguinte trecho385
385
A presente decisatildeo liminar foi emitida em 30072013 no processo ndeg 0101509-7020138200103 que
tramita na vara ciacutevel da Comarca de Currais NovosRN e pode ser conferida no seguinte endereccedilo eletrocircnico
httpesajtjrnjusbrcpopgsearchdojsessionid=27196AEB9C77D224D12F6B3C4CC76113appsWeb1pagin
aConsulta=1amplocalPesquisacdLocal=103ampcbPesquisa=NUMPROCamptipoNuProcesso=UNIFICADOampnumeroD
igitoAnoUnificado=0101509-702013ampforoNumeroUnificado=0103ampdePesquisaNuUnificado=0101509-
7020138200103ampdePesquisa= Acessado em 01082013
177
() No mesmo mandado deve ser determinado que a referida gestora
SUSPENDA todas as propagandas pagas pelo ESTADO DO RIO GRANDE
DO NORTE nos termos dos itens 17 e 18 ateacute que sejam garantidos os
direitos agrave sauacutede por parte do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE em
relaccedilatildeo aos processos referidos agraves fls 5154 FIXO nos termos do art 461
sect5ordm CPC multa pessoal por descumprimento em R$ 100000000 (um
milhatildeo de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede
ou seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede
caso haja descumprimento da presente decisatildeo por parte da Governadora do
Estado do RN b) expeccedilam-se tambeacutem MANDADOS agrave InterTV Cabugi
TV Ponta Negra TV Bandeirantes Natal TV Tropical TV Uniatildeo TV
Universitaacuteria Sidys TV a Cabo Jornal Tribuna do Norte Raacutedios (96 98
1047 e Cabugi) determinando a SUSPENSAtildeO IMEDIATA de todos os
serviccedilos de propagandapublicidade pagos pelo ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE Caso sejam descumpridas as determinaccedilotildees da
presente decisatildeo por parte das empresas intimadas FIXO nos termos do art
461 sect5ordm CPC multa por descumprimento em R$ 100000000 (um milhatildeo
de reais) que deveraacute ser destinado ao custeio de demandas de sauacutede ou
seja o valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Sauacutede
caso haja descumprimento da presente decisatildeo
() (Grifos acrescidos)
Ademais de se destacar que a decisatildeo em questatildeo considerou em sua fundamentaccedilatildeo o
fato de que (conforme relatoacuterio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte que
aprovou com ressalvas as contas do governo do RN) no ano de 2011 o referido estado gastou
mais com diaacuterias e publicidade governamental do que com sauacutede puacuteblica386
o que soacute acentua
o quadro de calamidade da sauacutede no RN387
e na linha dos argumentos que se seguem
configura-se completamente inconstitucional por afronta ao desenho constitucional prioritaacuterio
que eacute delineado para o direito agrave sauacutede na CF de 1988
Pelo exposto a defesa aqui proposta eacute no sentido de que a alegaccedilatildeo da jaacute estudada
reserva do possiacutevel deve passar por uma releitura de modo a priorizar o raciociacutenio de que
antes de os finitos recursos do Estado acabarem para os direitos fundamentais precisam os
mesmos necessariamente estar esgotados para aacutereas natildeo prioritaacuterias do ponto de vista
constitucional e natildeo do detentor do poder jaacute que a negativa de realizaccedilatildeo de um direito
386ldquo
Quanto agrave sauacutede puacuteblica destaca-se o baixo niacutevel de investimentos realizados nessa aacuterea com aplicaccedilatildeo de
recursos da ordem de R$ 1107683492 valor este inferior agravequele aplicado no exerciacutecio financeiro de 2010 (R$
1738652839) configurando um decreacutescimo de 3629 Ainda tal montante situou-se em patamar inferior
agravequeles relativos a despesas menos prioritaacuterias como diaacuterias (R$ 2367871614) e publicidade governamental
(R$ 1685159051)rdquo In Relatoacuterio e Projeto de Parecer Preacutevio do TCE RN Agosto 2012 p 126-127
Disponiacutevel em httpwwwtcerngovbr2009downloadREL_GOV2011pdf Acessado em 01082013 387
Merece aqui ser ressaltado o importante trabalho do TCE-RN que por meio do Relatoacuterio Preliminar sobre a
Rede Hospitalar da SESAPRN de maio de 2013 tratou de esmiuccedilar a situaccedilatildeo da rede de hospital puacuteblico do
RN emitindo ao seu final cerca de noventa e nove recomendaccedilotildees a serem seguidas pelo Governo daquele
Estado Disponiacutevel em httpwwwcorenrngovbrdownloadrelatoriotcepdf Acessado em 01082013
178
fundamental enquanto ainda existe verba disponiacutevel para uma aacuterea natildeo prioritaacuteria termina
por afrontar a priorizaccedilatildeo dada aos direitos fundamentais pela Constituiccedilatildeo388
Explicando melhor sugere-se o fim da cultura instaurada e aceita na realidade
brasileira de que basta se atingir o respeito aos valores e percentuais miacutenimos a serem
empregados em sauacutede puacuteblica para os gestores puacuteblicos estarem de certo modo quites com
os anseios da populaccedilatildeo e isso passa por dois pontos chaves a necessidade de reestruturaccedilatildeo
da forma como se desenvolve a proacutepria execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico no paiacutes389
e o
incremento da fiscalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos atrelado a padrotildees miacutenimos de eficiecircncia390
Ilustrada a problemaacutetica o presente toacutepico inicialmente examinaraacute a questatildeo dos
gastos puacuteblicos em sauacutede ressaltando a importante contribuiccedilatildeo da recente e jaacute brevemente
pincelada Lei Complementar nordm 1412012 para posteriormente tratar da questatildeo
orccedilamentaacuteria em si alertando para a necessidade de medidas que assegurem a priorizaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede tanto no momento da elaboraccedilatildeo quanto na execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria
621 A delimitaccedilatildeo do miacutenimo a ser gasto em sauacutede pelo Poder Puacuteblico
Conforme jaacute analisado por forccedila da Lei Complementar nordm 1412012 foram instituiacutedos
nos termos do sect 3deg do art 198 da Constituiccedilatildeo Federal alguns aspectos relevantes agrave
problemaacutetica dos gastos puacuteblicos como o valor miacutenimo e normas de caacutelculo do montante a ser
aplicado anualmente pela Uniatildeo em accedilotildees e serviccedilos de puacuteblicos de sauacutede os percentuais
miacutenimos do produto da arrecadaccedilatildeo de impostos a serem aplicados anualmente pelos Estados
Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os criteacuterios de rateio dos
recursos da Uniatildeo vinculados agrave sauacutede destinados aos Estados ao Distrito Federal e aos
388
FREIRE JUacuteNIOR Ameacuterico Bedecirc Controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Satildeo Paulo Revista dos Tribunais
2005 p 74 apud GUERRA Gustavo Rabay A concretizaccedilatildeo judicial dos direitos sociais seus abismos
gnoseoloacutegicos e a reserva do possiacutevel por uma dinacircmica teoacuterico-dogmaacutetica do constitucionalismo social
Disponiacutevel em httpwwwmpgogovbrportalwebhp2docsconcretizacaodosdireitossociaispdf Acessado
em 12052013 389
De se destacar as liccedilotildees de Celso Ribeiro Bastos no sentido de que a inspiraccedilatildeo uacuteltima do orccedilamento eacute ldquode se
tornar um instrumento de exerciacutecio da democracia pelo qual os particulares exercem o direito por intermeacutedio de
seus mandataacuterios de soacute verem efetivadas as despesas e permitidas as arrecadaccedilotildees tributaacuterias que estiverem
autorizadas na lei orccedilamentaacuteriardquo BASTOS Celso Ribeiro Curso de Direito Financeiro e Tributaacuterio Satildeo
Paulo Celso Bastos Editor 2002 p 127-128 390
Corroborando com essa visatildeo Louisianne Paskalle pondera que ldquode fato o orccedilamento natildeo eacute abundante e
posto isto eacute que se deve trabalhar com mais eficiecircncia na administraccedilatildeo puacuteblica O que se constata eacute que aleacutem
da escassez orccedilamentaacuteria haacute um mau uso dos recursos puacuteblicos que satildeo registrados pelos escacircndalos sucessivos
de corrupccedilatildeo desvio de dinheiro fraude em licitaccedilotildees e compra de votosrdquo MAIA Louisianne Paskalle Solano
Direitos fundamentais efetividade e limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias uma perspectiva poacutes-positivista In MOURA
Lenice S Moreira de (org) O novo constitucionalismo na era poacutes-positivista homenagem a Paulo
Bonavides Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 423
179
Municiacutepios bem como a definiccedilatildeo do que seraacute e natildeo seraacute considerado como despesa em
accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede
Nesse contexto restou confirmado que os Municiacutepios devem destinar no miacutenimo
15 de seus recursos proacuteprios para a sauacutede os Estados no miacutenimo 12 e que a Uniatildeo deve
aplicar desde 2000 em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede os recursos miacutenimos
correspondentes ao valor apurado no ano anterior aplicada a variaccedilatildeo nominal do PIB tudo
isso respeitando-se as disposiccedilotildees da referida Lei Complementar no sentido de soacute serem
direcionados recursos para accedilotildees e serviccedilos que legitimamente estejam inseridas como
despesas em sauacutede391
Tais disposiccedilotildees legais satildeo salutares agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede pois
funcionam como paracircmetros objetivos aptos a corrigirem certas disparidades iacutensitas ao
descaso das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede no Brasil durante os 12 anos agrave espera da referida Lei
Complementar392
periacuteodo marcado por inuacutemeras distorccedilotildees frente a falta de clareza sobre o
caacutelculo do aporte de recursos federais para a sauacutede e os tipos de situaccedilotildees que poderiam ser
computadas como despesas nesta seara
Para se ter uma ideia em 2007 16 estados natildeo atingiram o percentual miacutenimo
necessaacuterio e deixaram de investir cerca de R$ 36 bilhotildees no setor a Uniatildeo por sua vez entre
2001 e 2008 deixou de aplicar cerca de R$ 548 bilhotildees para a sauacutede ao incluir em seu
orccedilamento como verba da sauacutede os gastos com o Programa Bolsa Famiacutelia e a incorporaccedilatildeo de
valores do Fundo para Erradicaccedilatildeo da pobreza393
Antes do norte dado pela LC 141 2012 tambeacutem foram contabilizados na ldquocontardquo do
dinheiro da sauacutede tanto por gestores estaduais como municipais diversas accedilotildees que natildeo
possuiacuteam ligaccedilatildeo direta com a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede nem com a estruturaccedilatildeo do SUS
como eacute o caso por exemplo de gastos com saneamento aposentadoria dos servidores
391
Conforme o art 4deg da referida LC 1412012 por exemplo a limpeza urbana as accedilotildees de assistecircncia social o
pagamento de aposentadorias e pensotildees de servidores da sauacutede bem como a merenda escolar e outros programas
de alimentaccedilatildeo ainda que executados em unidades do SUS satildeo situaccedilotildees que natildeo podem ser enquadradas como
despesas com accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede para fins de apuraccedilatildeo dos percentuais miacutenimos 392
Frente agrave omissatildeo legislativa em criar a lei complementar ora analisada alguns instrumentos foram utilizados
para tentar delimitar o campo de aplicaccedilatildeo dos recursos para a sauacutede (como foi o caso da jaacute mencionada
Resoluccedilatildeo nordm 32203 do Conselho Nacional de Sauacutede) contudo natildeo obtiveram sucesso pela falta de clareza e
coercibilidade dos mesmos o que acabou gerando diversas distorccedilotildees na aplicaccedilatildeo das verbas com sauacutede 393
KASEKER Camila Para onde estaacute sendo desviado o dinheiro da sauacutede Revista da APM nordm 605 Satildeo Paulo
2009 p 14-15 apud CASTRO Ione Maria Domingues de Direito agrave sauacutede no acircmbito do SUS um direito ao
miacutenimo existencial garantido pelo Judiciaacuterio Tese de Doutorado USP Satildeo Paulo 2012 p 157
180
bombeiros merenda escolar alimentaccedilatildeo de presidiaacuterios cestas baacutesicas manutenccedilatildeo de
restaurantes populares etc394
Constata-se desta maneira que a Lei Complementar em questatildeo importou em
consideraacutevel avanccedilo tanto para a fiscalizaccedilatildeo dos investimentos miacutenimos a serem expendidos
pelas esferas de governo quanto indiretamente para a construccedilatildeo do miacutenimo em sauacutede uma
vez que quando satildeo arroladas as accedilotildees que podem e que natildeo podem se enquadrar como
despesas em sauacutede se contribui para focalizar os gastos nas prioridades e afastar desperdiacutecios
gerando maior eficiecircncia na execuccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas sanitaacuterias
Defende-se nesse contexto que o Poder Judiciaacuterio tem legitimidade tanto para
assegurar o fiel cumprimento da Lei Complementar em exame nas demandas que tenham tal
pleito como objeto principal como para considerar os paracircmetros objetivos por ela fornecidos
ao enfrentar demandas que envolvam a anaacutelise dos custos e a questatildeo da reserva do possiacutevel
Explicando melhor diante de um pleito ligado ao direito agrave sauacutede o magistrado natildeo
pode aceitar passivamente a alegaccedilatildeo de que faltam recursos mas sim deve averiguar antes
de tudo se quem alega tal falta estaacute gerindo o sistema de maneira consentacircnea com a
legislaccedilatildeo pertinente levando-se em conta por exemplo se o ente estaacute cumprindo os
percentuais miacutenimos para o orccedilamento da sauacutede bem como se haacute indiacutecios de tentativa de
ldquomaquiarrdquo os gastos com sauacutede atraveacutes da inclusatildeo de itens alheios a aacuterea sanitaacuteria
constatando desta maneira se a falta de verbas alegada eacute de fato real ou decorre do
descumprimento da LC nordm 1412012
Todavia em que pese tais avanccedilos trazidos pela LC nordm 1412012 existem muitas
criacuteticas com relaccedilatildeo ao valor que eacute gasto pela Uniatildeo com sauacutede anualmente e ao consequente
deacuteficit de aportes financeiros para o setor o que termina evidenciando a necessidade de mais
recursos para a sauacutede Para se ter uma ideia com relaccedilatildeo a Uniatildeo o percentual do total de
sua receita destinado agrave sauacutede vem caindo desde 1995 (em 1995 tal percentual foi de 1172 e
em 2011 foi de 73) e jaacute no que se refere agrave necessidade de mais recursos para a sauacutede a
porcentagem do PIB anual que eacute direcionada para a sauacutede no Brasil eacute aqueacutem da meacutedia
mundial segundo dados da OMS (em 2010 por exemplo o Brasil direcionou apenas 38 do
seu PIB para a sauacutede enquanto o percentual meacutedio no mundo foi de 55395
)
394
Nota Teacutecnica ndeg 14 de 2012 emitida pela Consultoria de Orccedilamento e Fiscalizaccedilatildeo Financeira da Cacircmara dos
Deputados - CONOFCD Anaacutelise das principais inovaccedilotildees trazidas pela Lei Complementar nordm 141 de 13 de
janeiro de 2012 que regulamentou a Emenda Constitucional nordm 29 de 2000 p 07 Disponiacutevel em
httpbdcamaragovbrbdbitstreamhandlebdcamara12536regulamentacao_emendapdfsequence=1Acessado
em 14062013 395
Tais dados podem ser encontrados no siacutetio eletrocircnico do Movimento Nacional em Defesa da Sauacutede Puacuteblica
SAUacuteDE + 10 o qual tem o objetivo de coletar assinaturas visando agrave formaccedilatildeo de um Projeto de Lei de iniciativa
181
Contudo o intuito do presente capiacutetulo natildeo eacute enfrentar a discussatildeo acerca da falta de
recursos para a sauacutede (este deacuteficit assim como diversos problemas estruturais no acircmbito do
SUS eacute evidente) mas sim defender a correta aplicaccedilatildeo dos recursos existentes a partir do
eficiente cumprimento da LC 1412012 bem como a necessidade de se buscar a vinculaccedilatildeo
das prioridades constitucionais sobretudo com sauacutede durante todo o ciclo orccedilamentaacuterio e
quanto a este segundo ponto algumas observaccedilotildees importantes merecem destaque
622 O ciclo orccedilamentaacuterio e a priorizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Partindo para a questatildeo orccedilamentaacuteria em si como eacute sabido na loacutegica orccedilamentaacuteria
paacutetria natildeo existe despesa que natildeo esteja autorizada na lei orccedilamentaacuteria nem eacute permitido ao
Poder Puacuteblico buscar receitas de maneira indefinida sem o devido atrelamento agraves
necessidades de financiamento O orccedilamento puacuteblico portanto eacute exatamente o instrumento
que espelha a organizaccedilatildeo em prol da justa equaccedilatildeo entre receitas e despesas e informa o
tracejo dos planos de atuaccedilatildeo do Poder Puacuteblico
Desta maneira assim como cada cidadatildeo organiza e projeta suas accedilotildees na vida
cotidiana a partir de sua disponibilidade financeira o Estado arquiteta seu plano de accedilotildees com
base no contraste entre suas arrecadaccedilotildees e as despesas projetando para um determinado
periacuteodo o que poderaacute ou natildeo ser realizado396
sendo essa projeccedilatildeo retratada exatamente
atraveacutes do instrumento do orccedilamento puacuteblico com o consequente estabelecimento do Plano
Plurianual da Lei de Diretrizes Orccedilamentaacuterias e da Lei Orccedilamentaacuteria Anual (art 165 I II
III da CF de 1988)
O orccedilamento puacuteblico pode ser visto desta forma como o resultado de um processo
decisoacuterio fundamental que consolida a alocaccedilatildeo de recursos a eleiccedilatildeo das prioridades de accedilatildeo
estatal e se estruturam as poliacuteticas puacuteblicas em busca da efetivaccedilatildeo de direitos397
e o seu
almejado equiliacutebrio no contexto hodierno deve ser encarado natildeo apenas como uma harmonia
popular que buscando alterar a recente LC 1412012 estipula a destinaccedilatildeo de no miacutenimo 10 da Receita
Corrente Bruta da Uniatildeo para a sauacutede de modo a recuperar os recursos federais decrescentes nos uacuteltimos anos
para a sauacutede Disponiacutevel em httpwwwsaudemaisdezorgbr Acesso em 19062013 396
Nesse sentido Antocircnio de Oliveira Leite pontua que ldquoo orccedilamento na eacutepoca atual tem caraacuteter dinacircmico e
natildeo estaacutetico por isso mesmo os tradicionais princiacutepios (unidade equiliacutebrio contaacutebil financeiro etc) longe de
facultarem o seu aperfeiccediloamento impotildeem-lhe garrote dificultando a nobre e jaacute oportuna tarefa de avanccedilo no
sentido de obediecircncia agraves mais modernas ideias desde que coerentes com a finalidade a que visa o orccedilamento
()rdquo LEITE Antocircnio de Oliveira Orccedilamento Puacuteblico em sua feiccedilatildeo poliacutetica e juriacutedica In CLEacuteVE Cleacutemerson
Merlin BARROSO Luiacutes Roberto (orgs) Direito Constitucional constituiccedilatildeo financeira econocircmica e social
Coleccedilatildeo doutrinas essenciais v 6 Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 p 81 397
VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In
Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326
182
entre receita e despesa mas sim como uma equivalecircncia qualitativa entre a receita e despesa
puacuteblica de um lado e a realidade econocircmico-social de outro398
Da mesma maneira jaacute que a medida de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute
assegurada em grande parte pelo montante de recursos orccedilamentaacuterios investidos em sua
promoccedilatildeo e garantia o orccedilamento puacuteblico acaba assumindo uma funccedilatildeo de suma relevacircncia
para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais daiacute ser o mesmo compreendido para alguns
autores como um siacutembolo da cidadania e expressatildeo maacutexima dos direitos e deveres gerados na
relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo399
Frente a estas colocaccedilotildees pode-se concluir um ponto chave para os argumentos que se
seguiratildeo o instrumento do orccedilamento puacuteblico deve ser levado a seacuterio400
de modo a natildeo soacute
respeitar mas tambeacutem efetivar a priorizaccedilatildeo e expansatildeo dos direitos fundamentais delineada
na CF de 1988 tanto em sua elaboraccedilatildeo quanto durante sua execuccedilatildeo sob pena de restar
subvertida a proacutepria loacutegica do papel do Estado401
Contudo a maacutexima acima defendida distancia-se da realidade brasileira por uma seacuterie
de fatores como por exemplo
i o fato de o orccedilamento ser considerado assunto de poucos e para poucos frente
agrave tradiccedilatildeo excludente da cena poliacutetica paacutetria que marcada pelo
patrimonialismo e clientelismo acaba restringindo as deliberaccedilotildees referentes agrave
poliacutetica orccedilamentaacuteria a determinados grupos com maior poderio econocircmico e
proximidade dos negoacutecios do Estado402
ii a grande dificuldade ndash em que pese os esforccedilos traccedilados sobretudo na LRF e
na recente Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo ndash do cidadatildeo leigo tanto em obter
398
BECKER Alfredo Augusto Teoria Geral do Direito Tributaacuterio Satildeo Paulo Saraiva 1963 p 217 apud
SOUZA Luciane Moessa Reserva do possiacutevel x miacutenimo existencial o controle de constitucionalidade em
mateacuteria financeira e orccedilamentaacuteria como instrumento de realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais p 10
Disponiacutevel em httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhluciane_moessa_de_souza2pdf Acesso
em 17062013 399
AMARAL Gustavo amp MELO Danielle Haacute direito acima do orccedilamento In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 p 108 400
Corroborando com esse raciociacutenio Luciano Benetti Timm pontua que ldquoa realidade orccedilamentaacuteria natildeo pode ser
compreendida como peccedila de ficccedilatildeo O desperdiacutecio de recursos puacuteblicos em um universo de escassez gera
injusticcedila com aqueles potenciais destinataacuterios a que deles deveriam atenderrdquo TIMM Luciano Benetti Qual a
maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais uma perspectiva de direito e economia In SARLET
Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo
Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 60 401
A razatildeo da proacutepria existecircncia do Estado eacute empreender sua mais elementar missatildeo constitucionalmente
estabelecida de efetivamente universalizar os direitos fundamentais portanto nada mais correto que o
instrumento que expotildee o planejamento dessa missatildeo seja concatenado com as diretrizes da proacutepria Carta Maior 402
VIEIRA Sinara Gumieri Concretizando direitos fundamentais a hora e a vez do orccedilamento participativo In
Revista Eletrocircnica da Faculdade de Direito de Franca v5 n1 2012 p 326
183
informaccedilotildees quanto em compreender os dados orccedilamentaacuterios disponiacuteveis os
quais se mostram complexos frente a marcada fragmentaccedilatildeo caracteriacutestica do
ciclo orccedilamentaacuterio o que acaba de certa maneira desestimulando o controle
da poliacutetica orccedilamentaacuteria pela populaccedilatildeo403
iii o marcante desequiliacutebrio de poderes entre Executivo e Legislativo no curso da
execuccedilatildeo do orccedilamento sendo a realidade marcada por uma hipertrofia do
Executivo que frente a alta discricionariedade natildeo controlada acaba gerando
alguns efeitos colaterais graves agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Tudo isso reforccedila a necessidade de mudanccedilas pontuais na cultura de se proceder a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria no intuito de trazer benefiacutecios para a efetividade do
prioritaacuterio e impreteriacutevel direito fundamental agrave sauacutede
Explicando melhor primeiramente no que se refere agrave elaboraccedilatildeo do orccedilamento eacute
certo que as escolhas em mateacuteria de gastos puacuteblicos natildeo constituem um tema totalmente
reservado agrave deliberaccedilatildeo poliacutetica pois nesse momento haacute uma importante incidecircncia de
normas constitucionais que norteiam as prioridades a serem seguidas e o produto conjugado
dos gastos do Estado reflete exatamente o momento e a medida no qual a realizaccedilatildeo dos fins
constitucionais deveraacute ocorrer404
Assim natildeo soacute as regras constantes no capiacutetulo especiacutefico sobre orccedilamento puacuteblico
nem os percentuais miacutenimos especificados para determinados direitos devem nortear a
elaboraccedilatildeo do orccedilamento mas tambeacutem o proacuteprio esqueleto valorativo da Carta de 1988
calcado na Dignidade da Pessoa Humana irradiada pelos direitos fundamentais e nos
objetivos fundamentais expostos no art 3deg
Propotildee-se assim que seja repensada a maneira de se trilhar o orccedilamento puacuteblico no
paiacutes no intuito de as prioridades nele assentadas sejam reflexos harmocircnicos da proacutepria
priorizaccedilatildeo delineada na Constituiccedilatildeo e isso exige uma mudanccedila de cultura que considere
inadmissiacuteveis diversas situaccedilotildees que hoje satildeo vistas como comuns e ateacute mesmo legalmente
corretas405
403
MENDONCcedilA Eduardo Bastos Furtado de A constitucionalizaccedilatildeo das Financcedilas Puacuteblicas no Brasil ndash Devido
Processo Orccedilamentaacuterio e Democracia Rio de Janeiro Renovar 2010 p 92 404
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 12 405
Na linha do defendido por Luntildeo a escolha do elenco dos direitos fundamentais reflete uma decisatildeo baacutesica do
constituinte no sentido de apontar as metas sociais a serem atingidas pela sociedade e esta caracteriacutestica reflete
no processo interpretativo dos proacuteprios direitos de modo a se evitar contradiccedilotildees e antiacuteteses aleacutem de conferir aos
mesmos a funccedilatildeo de unidade e integraccedilatildeo do ordenamento aos fins e valores que estes informam Desta maneira
eacute certo que o tracejo constitucional arquitetado para o direito agrave sauacutede denota um caraacuteter prioritaacuterio do mesmo
entre os direitos sociais o que deve ser seguido desde a proacutepria elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico sob pena de se
184
Nesse sentido Andreas J Krell alerta para a gravidade desses casos ao retratar406
que
Ateacute hoje existem municiacutepios onde se gasta ndash legalmente ndash mais dinheiro em
divertimentos populares (contrataccedilatildeo de bdquotrios eleacutetricos‟) ou na manutenccedilatildeo
da Cacircmara do que em toda aacuterea de sauacutede puacuteblica () Um orccedilamento
puacuteblico quando natildeo atende aos preceitos da Constituiccedilatildeo pode e deve ser
corrigido mediante alteraccedilatildeo do orccedilamento consecutivo logicamente com a
devida cautela Em casos individuais pode ocorrer a condenaccedilatildeo do Poder
Puacuteblico para a prestaccedilatildeo de determinado serviccedilo puacuteblico baacutesico ou o
pagamento de serviccedilo privado (exemplo reembolso de despesas de
atendimento em hospital particular) (Grifos acrescidos)
Partindo deste raciociacutenio todos os argumentos jaacute apontados referentes agrave alocaccedilatildeo do
direito agrave sauacutede para um primeiro plano dentre os direitos sociais agrave sua iacutentima ligaccedilatildeo com o
direito agrave vida digna e sua feiccedilatildeo de direito impreteriacutevel satildeo aqui retomados para sustentar que
a priorizaccedilatildeo encontrada na CF de 1988 com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede deve ser
necessariamente refletida na fase de elaboraccedilatildeo (e durante a execuccedilatildeo) do orccedilamento puacuteblico
e isso natildeo significa simplesmente que os percentuais miacutenimos407
apontados
constitucionalmente devem ser respeitados mas sim que o aparato principioloacutegico que irradia
a proteccedilatildeo da sauacutede na Constituiccedilatildeo tenha reflexos equivalentes no proacuteprio orccedilamento
Daiacute ser risiacutevel a ocorrecircncia de situaccedilotildees como as antes exemplificadas bem como o
niacutevel de atenccedilatildeo que anualmente eacute dada a sauacutede puacuteblica em termos de percentuais de valores
do PIB408
(como jaacute visto em 2010 por exemplo somente 38 do PIB foi destinado para a
sauacutede) o que inevitavelmente eacute refletido na realidade precaacuteria da maioria dos hospitais
puacuteblicos do paiacutes409
vislumbrar contradiccedilotildees no mundo concreto a partir da priorizaccedilatildeo de bens juriacutedicos de expressatildeo constitucional
bem menos acentuada ou ateacute mesmo nula como eacute o caso da propaganda institucional PEREZ LUNtildeO Antonio
Enrique Derechos Humanos Estado de Derecho y Constitucioacuten Octava Edicioacuten Madrid Tecnos 2003 p
227 406
KRELL Andreas J Controle judicial dos serviccedilos puacuteblicos baacutesicos na base dos direitos fundamentais sociais
In SARLET Ingo Wolfgang (org) A constituiccedilatildeo concretizada ndash Construindo pontes com o puacuteblico e o
privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 57 407
O cumprimento de tais percentuais natildeo deve ser encarado como uma ldquocarta de alforriardquo pelo Poder Puacuteblico
como uma meta que uma vez atingida gera a sensaccedilatildeo de quitaccedilatildeo com o direito agrave sauacutede como se aquilo fosse
suficiente para a efetivaccedilatildeo desse direito Tais percentuais devem ser enxergados em verdade como um limite
miacutenimo sobre o qual o Estado deve trilhar suas accedilotildees sempre para aleacutem do mesmo e cujo descumprimento revela
uma das grandes ofensas ao Estado Democraacutetico de Direito desenhado na CF de 1988 408
Sobre a noccedilatildeo de quanto uma naccedilatildeo deve gastar com sauacutede puacuteblica e as implicaccedilotildees de justiccedila e igualdade
frente ao alto custo da sauacutede na realidade norte-americana conferir DWORKIN Ronald A virtude soberana a
teoria e a praacutetica da igualdade Jussara Simotildees (trad) Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p 431 409
Nesse sentido Joseacute Renato Nalini pondera que ldquoembora a proclamaccedilatildeo de intenccedilotildees seja provida de saudaacutevel
pretensatildeo a realidade eacute bem diferente Entre o sistema uacutenico propiciador de sauacutede integral para todos e a
situaccedilatildeo verificada nos hospitais prontos-socorros e centros de atendimento agrave sauacutede em todo o Brasil haacute um
fosso intransponiacutevelrdquo NALINI Joseacute Renato O Judiciaacuterio e a Eacutetica na Sauacutede In NOBRE Milton Augusto de
185
Essa necessaacuteria mudanccedila na realizaccedilatildeo do orccedilamento por sua vez passa tambeacutem pela
necessidade de a proacutepria Constituiccedilatildeo empreender mais atenccedilatildeo ao controle das decisotildees
envolvendo as despesas puacuteblicas uma vez que apesar de ser constatado um acurado cuidado
com a imposiccedilatildeo de limites ao poder de tributar natildeo haacute uma preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao
passo posterior que eacute disciplina da despesa puacuteblica e seus desdobramentos
Eacute que hodiernamente ainda impera a ideia de que a influecircncia da Constituiccedilatildeo com
relaccedilatildeo aos gastos puacuteblicos estaria limitada ao aspecto formal de sua previsatildeo orccedilamentaacuteria
deixando de lado os fins materiais por ela estabelecidos Ana Paula de Barcellos reforccedila essa
ideia ao afirmar que410
Mas o que deveraacute constar no orccedilamento Em que se deveraacute investir Em que
os recursos puacuteblicos devem ser aplicados Com muita maior razatildeo tambeacutem
o conteuacutedo das despesas haveraacute de estar vinculado juridicamente agraves
prioridades eleitas pelo constituinte originaacuterio () A Constituiccedilatildeo
estabelece metas prioritaacuterias objetivos fundamentais dentre os quais
sobreleva a promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e aos
quais estatildeo obrigadas as autoridades puacuteblicas A despesa puacuteblica eacute o meio
haacutebil para atingir essas metas Logo por bastante natural as prioridades
em mateacuteria de gastos puacuteblicos satildeo aquelas fixadas pela Constituiccedilatildeo de
modo que tambeacutem a ponta da despesa que encerra o ciclo da atividade
financeira esteja submetida agrave norma constitucionalrdquo (Grifos acrescidos)
Robustecendo a disparidade entre a preocupaccedilatildeo com a limitaccedilatildeo do poder de tributar
e os limites quanto agraves despesas puacuteblicas tem-se que a atenccedilatildeo tanto dos juristas como dos
contribuintes em geral se concentra mais na tributaccedilatildeo (o dinheiro que entra) enquanto que a
disciplina legal da despesa puacuteblica termina ficando em segundo plano como se as pessoas
apoacutes reclamarem de pagar os altos tributos acabassem esquecendo que o que foi arrecadado
ainda seria delas e desta forma deveria ser alocado para o benefiacutecio da coletividade Fala-se
entatildeo em fortalecimento da cultura orccedilamentaacuteria no sentido de que a cidadania fiscal natildeo
termina no dever de pagar tributos mas se estende tambeacutem pelo ciclo orccedilamentaacuterio411
A defesa do raciociacutenio acima explicitado acarreta em repercussotildees praacuteticas relevantes
para o cumprimento dos objetivos fundamentais expostos na CF de 1988 Nesse sentido a
Brito SILVA Ricardo Augusto Dias O CNJ e os desafios da efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Belo Horizonte
Foacuterum 2011 p 172 410
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da
Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 283 411
Aponta Ricardo Lobo Torres que ldquoa cidadania fiscal em seu sentido amplo abrange aleacutem das problemaacutetica
da receita os aspectos mais largos da cidadania financeira que compreendendo a vertente da despesa puacuteblica
envolve as prestaccedilotildees positivas de proteccedilatildeo aos direitos fundamentais e aos direitos sociais e as escolhas
orccedilamentaacuterias questotildees que apresentam o maior deacuteficit de reflexatildeo teoacuterica no campo da cidadania Cidadania
fiscal eacute sobretudo cidadania orccedilamentaacuteriardquo TORRES Ricardo Lobo Tratado de direito constitucional
financeiro e tributaacuterio ndash O orccedilamento na Constituiccedilatildeo v 5 Rio de Janeiro Renovar 2000 p 148
186
defesa pela vinculaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico agraves prioridades constitucionais como um norte
em sua elaboraccedilatildeo acarreta consequecircncias inevitaacuteveis para certos componentes do orccedilamento
que passariam a ldquoir para o fim da fila412
rdquo e teriam sua realizaccedilatildeo condicionada ao
cumprimento das prioridades constitucionais413
A Constituiccedilatildeo por exemplo natildeo ldquofalardquo em propaganda414
como algo tatildeo relevante ao
ponto de merecer lugar cativo nas rubricas orccedilamentaacuterias da mesma forma ldquosussurrardquo sobre
a questatildeo do lazer e os divertimentos populares a serem proporcionados pelo Estado contudo
ldquogritardquo com relaccedilatildeo agrave sauacutede e educaccedilatildeo ao longo do seu corpo com mais de sessenta menccedilotildees
a cada um desses direitos sociais logo natildeo faz sentido algum que a canalizaccedilatildeo de recursos na
elaboraccedilatildeo do orccedilamento inverta essa loacutegica natildeo refletindo as prioridades constitucionais
Reforccedilando tal visatildeo Edilson Pereira Nobre Juacutenior ao analisar a possibilidade de o
Executivo no curso da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria suspender a liberaccedilatildeo de recursos inerentes
aos direitos fundamentais sociais para custear outros fins pondera que415
() nessa aacuterea natildeo incide manifestaccedilatildeo discricionaacuteria nenhuma Isso porque
haveraacute de reconhecer-se uma priorizaccedilatildeo no manuseio dos recursos
disponiacuteveis aos dispecircndios com direitos fundamentais sociais tendo em
vista o expresso desejo do Constituinte de 1988 em erigir a dignidade da
pessoa humana a fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm
III) bem como serem objetivos fundamentais desta a construccedilatildeo duma
sociedade livre justa e solidaacuteria a erradicaccedilatildeo da pobreza e a reduccedilatildeo das
desigualdades sociais e regionais (art 3ordm I e III) Dessas normas insertas
no Tiacutetulo I (Dos Princiacutepios Fundamentais) decorre a primazia dos direitos
sociais
()A concretizaccedilatildeo dos novos direitos fundamentais eacute de ser reputada sem
sombra de duacutevida obrigaccedilatildeo constitucional dos entes poliacuteticos
No particular merece realce pelo seu elevado caraacuteter meritoacuterio e de
vanguarda decisatildeo lavrada pelo Des Federal Francisco Wildo Lacerda
412
Nesse sentido confira-se o seguinte entendimento do STJ ldquo() o escudo da reserva do possiacutevel natildeo imuniza
o administrador de adimplir promessas que tais vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais quanto mais
considerando a notoacuteria destinaccedilatildeo de preciosos recursos puacuteblicos para aacutereas que embora tambeacutem inseridas na
zona de accedilatildeo puacuteblica satildeo menos prioritaacuterias e de relevacircncia muito inferior aos valores baacutesicos da sociedade
representados pelos direitos fundamentaisrdquo (Grifos acrescidos) (Resp ndeg 811698RS julgado em 150507 pela
1deg Turma do STJ Rel Min Luiz Fux DJU de 040607 p 314) 413
Novamente Ana Paula de Barcellos corrobora com essa visatildeo ao ponderar que ldquo() se os meios financeiros
natildeo satildeo ilimitados os recursos disponiacuteveis deveratildeo ser aplicados prioritariamente no atendimento dos fins
considerados essenciais pela Constituiccedilatildeo ateacute que eles sejam realizados Os recursos remanescentes haveratildeo de
ser destinados de acordo com as opccedilotildees poliacuteticas que a deliberaccedilatildeo democraacutetica apurar em cada momento
BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais O princiacutepio da Dignidade
da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284 414
O art 37 sect 1deg somente ressalva que a publicidade dos atos programas obras serviccedilos e campanhas dos
oacutergatildeos puacuteblicos deveraacute ter caraacuteter educativo informativo ou de orientaccedilatildeo social dela natildeo podendo constar
nomes siacutembolos ou imagens que caracterizem promoccedilatildeo pessoal de autoridades ou servidores puacuteblicos 415
NOBRE JUacuteNIOR Edilson Pereira O controle de poliacuteticas puacuteblica um desafio agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In
Revista de Doutrina do TRF 4deg 19deg ed 2007 Disponiacutevel em
httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtmhttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedicao019Edilso
n_Juniorhtm Acessado em 19062013
187
Dantas do E Tribunal Regional Federal da 5ordf Regiatildeo nos autos do Agravo
de Instrumento 67336 ndash PB manejado pelo Ministeacuterio Puacuteblico Federal
contra o Estado da Paraiacuteba
S Exa na oportunidade determinara sob pena de multa pecuniaacuteria que
referido ente poliacutetico remanejasse 1760 da verba destinada agrave publicidade
institucional com vistas a normalizar o fornecimento de remeacutedios
destinados ao tratamento de pacientes portadores de mal de Parkinson
Restou ponderado que o deferimento da medida far-se-ia pelo fato do Estado
haver-se mantido recalcitrante em cumprir anterior decisatildeo judicial a qual
determinava que regularizasse a distribuiccedilatildeo dos medicamentos necessaacuterios
ao atendimento de mencionada enfermidade bem como porque se destinava
atender bem juriacutedico mais importante qual seja a vida dos cidadatildeos
paraibanos devendo assim preponderar sobre outra atividade puacuteblica
reputada de menor relevacircncia como eacute o caso da publicidade
governamental() (Grifos acrescidos)
Desta maneira defende-se a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido
de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a
destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade sob pena de
clara afronta agrave vontade da Constituiccedilatildeo416
Aplicando o pensamento acima para a realidade atual brasileira considera-se
inadmissiacutevel que no atual estaacutegio do Estado Democraacutetico de Direito conquistado no paiacutes seja
enxergado com naturalidade o fato de serem destinados bilhotildees para a construccedilatildeo de estaacutedios
de futebol (para realizaccedilatildeo da copa do mundo) por meio de parcerias puacuteblico-privadas417
enquanto a sauacutede puacuteblica atravessa um quadro de caos por falta de meacutedicos e ateacute mesmo
utensiacutelios baacutesicos nos hospitais puacuteblicos o que corrobora para a necessidade de mudanccedila
apontada
Contudo a problemaacutetica com relaccedilatildeo ao orccedilamento natildeo ocorre somente na sua fase de
elaboraccedilatildeo Satildeo rotineiras durante o processo de execuccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio algumas
situaccedilotildees que comprometem fortemente a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
(especialmente agrave sauacutede) mas antes de analisaacute-las eacute preciso compreender algumas
caracteriacutesticas dessa fase
416
Ana Paula de Barcellos sustentando ser plausiacutevel a defesa de que os gastos com publicidade governamental
devam ser necessariamente menores que os investimentos com sauacutede ou educaccedilatildeo exemplifica um caso no Rio
de Janeiro em que o MP ajuizou uma accedilatildeo de improbidade administrativa (Processo ndeg 2003014016724-4 4deg
Vara Ciacutevel da Comarca de Campos dos Goytacazes) em face de autoridades municipais do Municiacutepio de
Campos dos Goytacazes devido ao excesso de gastos com eventos culturais em que alegou-se sobretudo que os
gastos milionaacuterios nessas aacutereas natildeo eram repetidos em aacutereas mais relevantes e de atuaccedilatildeo obrigatoacuteria e prioritaacuteria
do poder puacuteblico o que feria a razoabilidade BARCELLOS Ana Paula de Constitucionalizaccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas em mateacuteria de direitos fundamentais o controle poliacutetico-social e o controle juriacutedico no espaccedilo
democraacutetico In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 119 417
Acerca da aplicaccedilatildeo do instituto na aacuterea de sauacutede conferir GOMES Ana Maria Viccedilosa As parcerias
puacuteblico-privadas na gestatildeo hospitalar no Brasil In Argumentum ndash Revista de Direito n 10 p 269-293 2009
ndash UNIMAR
188
Em que pese existir certa controveacutersia sobre a natureza juriacutedica do orccedilamento (satildeo
vaacuterias posiccedilotildees uns defendem a natureza de ato administrativo outros de lei conjunccedilatildeo entre
lei e ato administrativo ato-condiccedilatildeo etc) consolidou-se no Brasil o entendimento de que tal
instrumento se trata de lei em sentido meramente formal natildeo criando portanto direitos e
obrigaccedilotildees mas apenas orientando pautas para a legitimaccedilatildeo financeira da atividade
puacuteblica418
O objetivo dessa visatildeo eacute retirar da lei orccedilamentaacuteria sua conotaccedilatildeo substantiva de gerar
uma vinculaccedilatildeo imediata419
jaacute que se assim fosse haveria um inevitaacutevel engessamento do
ciclo orccedilamentaacuterio ao passo que nada poderia ser feito quanto agraves eventuais externalidades
ocorridas no transcorrer de sua execuccedilatildeo o que traria imensa inseguranccedila juriacutedica para a
realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Desta maneira o orccedilamento inegavelmente precisa de uma natural flexibilidade e
discricionariedade em sua execuccedilatildeo para que os fins nele previamente projetados possam ser
atingidos em conformidade com o cenaacuterio externo encontraacutevel isso tudo corre por uma
questatildeo proacutepria de racionalidade administrativa uma vez que seria impossiacutevel prever
normativa e previamente todas as hipoacuteteses de revisatildeo do orccedilamento como o satildeo a anulaccedilatildeo
de rubricas a natildeo realizaccedilatildeo de certas despesas e o contingenciamento de empenhos iacutensitos agrave
dinamicidade orccedilamentaacuteria420
Contudo essa inerente flexibilidade caracteriacutestica do caraacuteter autorizativo da peccedila
orccedilamentaacuteria se justifica exatamente pela necessidade de melhor atender aos fins puacuteblicos
priorizados na Constituiccedilatildeo e por isso natildeo pode ser transformada em arbitrariedade421
por
parte do Poder Puacuteblico sob pena dos desvirtuamentos ocasionados gerarem impactos sobre os
direitos fundamentais como eacute o prioritaacuterio direito agrave sauacutede
Ocorre que a realidade brasileira estaacute enquadrada nesse temeroso cenaacuterio de
arbitrariedade Atraveacutes de praacuteticas que recorrentemente frustram a agenda orccedilamentaacuteria e
418
OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 p
309 419
OLIVEIRA Fernando Froacutees Financcedilas puacuteblicas economia e legitimaccedilatildeo alguns argumentos em defesa do
orccedilamento autorizativo In FERNANDES FELLET Andreacute Luiz DE PAULA Daniel Giotti NOVELINO
Marcelo (Orgs) As novas faces do Ativismo Judicial Salvador Juspodivm 2011 p 692 420
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 4 421
Quanto a este ponto Germaacuten J Bidart Campos pondera que ldquo() Es verdad que no se puede marcar
riacutegidamente com uma cifra inamovible el maacuteximo de recursos disponibles Lo que si se puede y se debe ES
resuponer que el maacuteximo bdquodisponible‟ ES el maacuteximo que razonablemente surge de uma evaluacioacuten objetiva com
la que al distribuir los ingresos y los gastos de la hacienda puacuteblica se prioriza lo maacutes valioso y se escalona a
partir de alliacute lo mesno valiosordquo BIDART CAMPOS Germaacuten J El Orden Socioeconomico em la Constitucioacuten
Buenos Aires EDIAR 1999 p 343 apud BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia juriacutedica dos Princiacutepios
Constitucionais O princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana 3deg ed Rio de Janeiro Renovar 2011 p 284
189
prejudicam a realizaccedilatildeo das metas pactuadas quando da elaboraccedilatildeo do orccedilamento a equaccedilatildeo
receita-despesa acaba passando longe das prioridades definidas legalmente
No contexto da arbitrariedade um dos mecanismos utilizado (e fortemente criticado) eacute
contingenciamento de empenhos procedimento formal de limitaccedilatildeo tanto das despesas
autorizadas na lei orccedilamentaacuteria anual quanto da movimentaccedilatildeo financeira a elas interligada
que tem o intuito de vedar que os ordenadores de despesa emanem atos de assunccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de pagamento para o Estado422
Essa hipoacutetese de limitaccedilatildeo de despesa eacute uma espeacutecie de contenccedilatildeo de gasto puacuteblico
pela possibilidade de natildeo existir garantia de receita que lhe promova o custeio e tem
supedacircneo no art 9deg da LRF que afirma ser possiacutevel se restringir a geraccedilatildeo de despesas
quando restar averiguado mediante relatoacuterio resumido de execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria que haacute
risco de frustraccedilatildeo das metas de resultado primaacuterio ou nominal previstas na LDO pelo fato de
a geraccedilatildeo receitas natildeo seguirem o planejado inicialmente
Ou seja a utilizaccedilatildeo do contingenciamento soacute seraacute legiacutetima quando comprovado
motivadamente que haacute uma reduccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave despesa antes estimada na
fixaccedilatildeo das metas fiscais da LDO e na proacutepria LOA O uso desta teacutecnica de modo a
transbordar esse limite ou seja a praacutetica da simples inexecuccedilatildeo das despesas previstas sem
qualquer motivaccedilatildeo ligada ao cumprimento das metas fiscais desnatura a proacutepria finalidade
programatoacuteria das peccedilas orccedilamentaacuteria e subverte as prioridades alocadas quando da
elaboraccedilatildeo do plano para o exerciacutecio financeiro
Nessa conjuntura eacute de se constatar que haacute no Brasil um quadro de contracionismo
orccedilamentaacuterio caracterizado pelo manejo abusivo e arbitraacuterio da figura do contingenciamento
de empenhos que contribui para a inefetividade dos direitos sociais visto que as poliacuteticas
puacuteblicas que foram idealizadas acabam sendo parcial ou integralmente inexecutadas e
consequentemente as prioridades definidas no processo deliberativo do orccedilamento acabam
sendo redesenhadas por ato unilateral do Poder Puacuteblico423
Frente a ampla discricionariedade conferida ao Poder Executivo eacute recorrente a
seguinte situaccedilatildeo que caracteriza uma espeacutecie de contingenciamento preventivo poucos dias
apoacutes o orccedilamento ser aprovado edita-se um decreto limitando a liberaccedilatildeo de certos recursos
422
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 9 423
MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 380
190
de dotaccedilotildees inicialmente previstas sem qualquer motivaccedilatildeo ficando essa parcela da receita
em uma espeacutecie de limbo ofendendo-se assim a previsatildeo jaacute visto no art 9deg da LRF424
Para se ter uma ideia dentre os Programas de Trabalho da Uniatildeo previstos na LOA de
2005 cerca de trinta e seis programas ou natildeo foram sequer executados ou tiveram dotaccedilatildeo
inicialmente autorizada inferior a 10 do inicialmente (dentre eles programa de saneamento
ambiental urbano425
e de atenccedilatildeo integral agrave sauacutede da mulher) configurando o que Eacutelida
Graziane Pinto denomina de ldquofrustraccedilatildeo reiterada de agendas orccedilamentaacuterias discutidas
aprovadas em lei mas apenas minimamente executadasrdquo426
A grande parte desses recursos contingenciados satildeo utilizados para assegurar as metas
de superaacutevit primaacuterio e acordos firmados para pagamento da diacutevida puacuteblica vislumbrando-se
desta maneira que o governo federal acaba adotando o contingenciamento como um
mecanismo de poliacutetica econocircmica a partir da priorizaccedilatildeo do pagamento de juros e
amortizaccedilotildees de diacutevidas em detrimento do cumprimento de programas que garantem a
realizaccedilatildeo de inuacutemeros direitos fundamentais
Corroborando com essa visatildeo o Instituto de estudos soacutecio-econocircmicos (INESC)427
em
estudo sobre o tema posicionou-se no sentido de que
() essa necessidade de geraccedilatildeo de superaacutevits primaacuterios maiores ateacute do que
os especificados na LDO e a priorizaccedilatildeo de pagamento de juros da diacutevida em
detrimento da execuccedilatildeo das poliacuteticas sociais tecircm levado o governo a adotar o
contingenciamento preventivo
() as consequecircncias desse contingenciamento preventivo foram observadas
no ano de 2003 quando foram executados R$ 1202 bilhotildees em 19 dias e
em 2004 quando foram executados R$ 900 bilhotildees em apenas 15 dias
sempre no final do exerciacutecio fiscal Todo comeccedilo de ano haacute interrupccedilatildeo na
execuccedilatildeo das poliacuteticas para nos uacuteltimos dias do mecircs de dezembro haver
liberaccedilotildees exorbitantes de recursos
424
MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 381 425
Sobre essa situaccedilatildeo Eduardo Mendonccedila pontua que ldquo o saneamento baacutesico eacute uma necessidade primaacuteria de
sauacutede puacuteblica mas ainda natildeo eacute fornecido agrave parte consideraacutevel das residecircncias brasileiras Nada obstante o
programa correspondente do Ministeacuterio da Sauacutede foi reduzido em cerca de 21 (corte superior a 882 milhotildees de
reais) MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de
poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais
orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 383 426
PINTO Eacutelida Graziane Discricionariedade contingenciamento e controle orccedilamentaacuterio In Revista Gestatildeo
e Tecnologia v6 ndeg2 2006 p 7 427
Nota Teacutecnica nordm 98 do INESC ndash Contingenciamento necessidade tributaacuteria ou instrumento da poliacutetica
econocircmica 2011 Disponiacutevel em httpwwwinescorgbrbibliotecapublicacoesnotas-tecnicasnts-
anterioresnts-2005NT209820-2020OR_AMENTO20-20CONTIGENCIAMENTOpdfview
Acessado em 12062013
191
A praacutetica do contingenciamento preventivo acaba negando o que faticamente foi
projetado para o orccedilamento como finalidade prioritaacuteria a ser concretizada redesenhando o
orccedilamento puacuteblico jaacute que inexiste motivaccedilatildeo quanto agrave frustraccedilatildeo de receitas e o risco de
afetaccedilatildeo das metas de resultado nominal e primaacuterio conforme o art 9deg da LRF Como
consequecircncias negativas dessa praacutetica podem ser destacadas o prejuiacutezo para a continuidade
das poliacuteticas puacuteblicas a reduccedilatildeo da transparecircncia e a dificuldade se realizar o controle social
desses gastos428
Em suma defende-se que a praacutetica do contingenciamento preventivo eacute
inconstitucional uma vez que acaba possibilitando que a programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria prevista
na LOA seja reprojetada desvirtuando as prioridades delineadas na CF seguidas na
elaboraccedilatildeo do orccedilamento Faz-se necessaacuterio portanto mecanismos eficientes de controle do
desenvolvimento do ciclo orccedilamentaacuterio429
especialmente quanto a possibilidade encampada
no art 9deg LRF de modo a garantir que a discricionariedade necessaacuteria do Poder Puacuteblico no
desenrolar orccedilamentaacuterio natildeo se transforme em arbitrariedade e abusos subversivos da loacutegica
do ciclo orccedilamentaacuterio430
Dito isto entra-se na discussatildeo acerca do controle de constitucionalidade da lei
orccedilamentaacuteria bem como na possibilidade de o Judiciaacuterio controlar e garantir o fiel
cumprimento do orccedilamento e sua adequaccedilatildeo agraves prioridades constitucionais Quanto a
possibilidade de controle de constitucionalidade o STF durante muito tempo encampou a
428
Corroborando Eduardo Mendonccedila expotildee que ldquonatildeo por acaso todos os anos eacute noticiado que o Poder
Executivo decide rever as metas para maior agrave custa do corte nos investimentos previstos Tambeacutem aqui se
verifica a superaccedilatildeo da decisatildeo orccedilamentaacuteria inicial e de forma ainda mais grave (uma autecircntica decisatildeo de natildeo
gastar) As prioridades definidas no processo deliberativo orccedilamentaacuterio ndash que jaacute levara em conta a questatildeo das
metas fiscais ndash satildeo redesenhadas por ato unilateral da Administraccedilatildeo MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de
gastar ao dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e
TIMM Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre
Livraria do Advogado 2010 p 377-378 429
Nessa questatildeo Ricardo Lobo Torres sugere a importaccedilatildeo de certos institutos do direito estrangeiro ao afirmar
por exemplo que ldquoainda falta no direito positivo brasileiro instrumento semelhante ao do mandado de injunccedilatildeo
americano que permita ao Judiciaacuterio vincular o Legislativo na feitura do orccedilamento do ano seguinte em
homenagem a direitos fundamentais sociais (miacutenimo existencial) que necessitam do controle jurisdicional
contramajoritaacuterio tiacutepico dos direito essencialmente constitucionaisrdquo TORRES Ricardo Lobo O miacutenimo
existencial os direitos sociais e os desafios de natureza orccedilamentaacuteria In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM
Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 76 430
Nesse sentido Eduardo Mendonccedila pondera que ldquoum orccedilamento realista e efetivo seraacute antes de tudo um
instrumento de concretizaccedilatildeo e harmonizaccedilatildeo das escolhas poliacuteticas aleacutem de constituir foacuterum privilegiado para a
fiscalizaccedilatildeo social do Estado () Natildeo eacute preciso subordinar a poliacutetica ao direito para reconhecer que a liberdade
de conformaccedilatildeo dos agentes eleitos natildeo se estende ao ponto de lhes conceder a prerrogativa de tomar decisotildees
absolutamente irrealizaacuteveis incoerentes entre si ou mesmo de ocultar as decisotildees reais por meio de um sistema
orccedilamentaacuterio incompreensiacutevel e iloacutegicordquo MENDONCcedilA Eduardo Alguns Pressupostos para um Orccedilamento
Puacuteblico Conforme a Constituiccedilatildeo In BARROSO Luiacutes Roberto (org) A reconstruccedilatildeo democraacutetica do direito
puacuteblico no Brasil Rio de Janeiro Renovar 2007 p 640-641
192
orientaccedilatildeo de que como as leis orccedilamentaacuterias seriam lei apenas em sentido formal natildeo seria
possiacutevel o controle abstrato de suas constitucionalidades431
Contudo desde 2003432
foram dados alguns passos em sentido inverso vindo a mudar
a orientaccedilatildeo da Corte em 2008433
quando o STF concluiu pelo cabimento do controle abstrato
de constitucionalidade em relaccedilatildeo agraves leis orccedilamentaacuterias em que pese seu aspecto meramente
formal principalmente quanto a questatildeo da abertura de creacuteditos extraordinaacuterios por medidas
provisoacuterias que deveriam ficar restritos somente agraves hipoacuteteses autorizadas no sect 3deg do art 167
da CF434
A defesa aqui proposta eacute pela inevitabilidade do controle de constitucionalidade da
legislaccedilatildeo orccedilamentaacuteria em decorrecircncia da proacutepria forccedila imperativa da Constituiccedilatildeo visando a
que natildeo somente suas determinaccedilotildees referentes agraves diretrizes orccedilamentaacuterias mas tambeacutem ao
princiacutepio da eficiecircncia agrave dignidade da pessoa humana e agrave priorizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais sejam fielmente seguidas e que a estruturaccedilatildeo tanto da elaboraccedilatildeo quanto da
execuccedilatildeo do orccedilamento fique livre das mazelas (como eacute o caso do corte de verbas em aacutereas
prioritaacuterias frente ao contingenciamento preventivo) que acabam subvertendo os valores
acima dificultando a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais especialmente o direito agrave
sauacutede435
Reforccedilando essa necessidade de controle Ana Paula de Barcellos alerta para o
interessante fato de que enquanto haacute uma acentuada preocupaccedilatildeo em limitar o iacutempeto
arrecadatoacuterio do Estado natildeo existe uma atenccedilatildeo equivalente com o que o Estado faraacute com os
recursos arrecadados destacando-se a seguinte passagem436
431
ADI 2057MC - AP 1999 Rel Min Mauriacutecio Correcirca Publicado em 31032000 p 50 432
ADI 2925- DF 2003 Rel Min Ellen Gracie Publicado em 04032005 p 10 433
ADI 4048 MC - DF 2008 Rel Min Gilmar Mendes Publicado em 21082008 p 55 434
Conforme se extrai do Informativo ndeg 502 do STF ao mencionar a ADI 4048 MCndashDF pode ser destacada a
seguinte passagem ldquo() Aduziu-se ademais natildeo haver razotildees de iacutendole loacutegica ou juriacutedica contra a afericcedilatildeo da
legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas e que estudos e anaacutelises no plano da teoria do
direito apontariam a possibilidade tanto de se formular uma lei de efeito concreto de forma geneacuterica e abstrata
quanto de se apresentar como lei de efeito concreto regulaccedilatildeo abrangente de um complexo mais ou menos amplo
de situaccedilotildees Concluiu-se que em razatildeo disso o Supremo natildeo teria andado bem ao reputar as leis de efeito
concreto como inidocircneas para o controle abstrato de normas ()rdquo (Grifos acrescidos) 435
No que se refere agrave possibilidade de controle concentrado do orccedilamento de se destacar as liccedilotildees de Harrison
Leite no sentido de que ldquoindependente da feiccedilatildeo que queira dar ao orccedilamento o certo eacute que a Constituiccedilatildeo
reconheceu o seu caraacuteter legal dotando-lhe de um ciclo legislativo especial E mais submeteu a sua mateacuteria a
controle jurisdicional na medida em que claramente previu regras de alocaccedilatildeo de recursos vinculantes aos
fautores da lei que natildeo tecircm argumentos para se desobrigarem do mandamento constitucionalrdquo LEITE Harrison
Ferreira O orccedilamento e a possibilidade de controle de Constitucionalidade Revista Tributaacuteria e de Financcedilas
Puacuteblicas v 70 p 162-185 2006 p 172 436
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 16
193
A realidade das despesas puacuteblicas entretanto deveria despertar interesse
semelhante desperdiacutecio e ineficiecircncia prioridades incompatiacuteveis com a
Constituiccedilatildeo precariedade de serviccedilos indispensaacuteveis agrave promoccedilatildeo de
direitos fundamentais baacutesicos como educaccedilatildeo e sauacutede e sua convivecircncia
com vultosos gastos em rubricas como publicidade governamental e
comunicaccedilatildeo social natildeo satildeo propriamente fenocircmenos pontuais e isolados na
Administraccedilatildeo Puacuteblica brasileira (Grifos acrescidos)
O raciociacutenio desta maneira eacute no sentido de que a ideia de legalidade orccedilamentaacuteria natildeo
deve ser encarada como um fim em si mesmo como se fosse um dogma absoluto jaacute que sofre
limitaccedilotildees constitucionais e cede agrave efetividade da Constituiccedilatildeo devendo o orccedilamento assim
natildeo soacute respeitar as regras constitucionais e legais quanto a sua elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo como
tambeacutem guardar similitude com o compromisso do Poder Puacuteblico na concretizaccedilatildeo dos
direitos fundamentais
Nesse sentido haacute uma premente necessidade de se repensar a teoria juriacutedica que
prevalece ateacute hoje no paiacutes acerca do orccedilamento de modo a ser mais recorrente e enfaacutetico o seu
controle com vistas a que sejam cumpridas as metas prioritaacuterias inseridas na Constituiccedilatildeo em
detrimento a situaccedilotildees menos relevantes Sobre este ponto merece destaque a liccedilatildeo de Tecircmis
Limberger437
Passaram-se quase 20 anos para que comeccedilasse a se amadurecer no sentido
de que os direitos sociais fossem relacionados com os dispositivos
orccedilamentaacuterios Eacute o que Canotilho e Moreira denominam de ldquoConstituiccedilatildeo
orccedilamentalrdquo As medidas de gestatildeo orccedilamentaacuteria satildeo importantes quando se
pretende a realizaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos Questotildees vitais como sauacutede
educaccedilatildeo seguranccedila e moradia reclamam para sua implementaccedilatildeo
dispecircndios por parte do poder puacuteblico que precisa contar com disposiccedilotildees
orccedilamentaacuterias
623 Controle orccedilamentaacuterio e concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede
Quanto agrave questatildeo do controle orccedilamentaacuterio Ana Paula de Barcellos contribui para a
temaacutetica com a apresentaccedilatildeo de alguns paracircmetros relevantes438
O primeiro paracircmetro baacutesico
no controle judicial dos orccedilamentos eacute a fiscalizaccedilatildeo acerca do respeito aos percentuais
miacutenimos de gastos que a CF estabelece para aacutereas prioritaacuterias como eacute o caso da sauacutede sendo
essencial o amplo acesso a informaccedilotildees do ciclo orccedilamentaacuterio o exemplar rigor na aplicaccedilatildeo
437
LIMBERGER Tecircmis Direito agrave sauacutede e poliacuteticas puacuteblicas a necessidade de criteacuterios judiciais a partir dos
preceitos constitucionais In Revista de Direito Administrativo v 251 FGV Rio de Janeiro maiago 2009
p 182 438
BARCELLOS Ana Paula de Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas
In Revista Diaacutelogo Juriacutedico ndeg 15 jan-mar Salvador 2007 p 19-25
194
das consequecircncias quanto o eventual descumprimento dos mesmos bem como a efetivaccedilatildeo do
respeito desses percentuais a partir da realocaccedilatildeo de valores direcionados para aacutereas menos
prioritaacuterias
Em segundo lugar destaca-se a necessidade de se consolidar a partir do texto da CF
um esqueleto do resultado final esperado da atuaccedilatildeo estatal a partir da extraccedilatildeo de efeitos
especiacuteficos que funcionariam como metas concretas a serem atingidas em caraacuteter prioritaacuterio
pelo Pode Puacuteblico ficando outros gastos menos importantes ou natildeo importantes agrave espera do
cumprimento das prioridades
Finalmente aponta para a necessidade de existir um controle da proacutepria definiccedilatildeo das
poliacuteticas puacuteblicas a serem realizadas ou seja dos meios e instrumentos usados para se
concretizar as metas constitucionais e nesse ponto o princiacutepio da eficiecircncia439
assume papel
relevante como paracircmetro chave de tal controle de modo a respaldar o afastamento de
praacuteticas comprovadamente ineficientes as quais atrapalham a fruiccedilatildeo dos direitos
fundamentais pela sociedade
Importante ressaltar tambeacutem a utilizaccedilatildeo de accedilotildees coletivas com a finalidade de
concretamente acabar empreendendo o controle de constitucionalidade da execuccedilatildeo
orccedilamentaacuteria exigindo o cumprimento da mesma conforme as regras constitucionais Nesse
sentido Cleacutemerson Merlin Cleacuteve aponta que440
Desse modo tratar-se-ia de compelir o Poder Puacuteblico a cumprir a lei
orccedilamentaacuteria que contenha as dotaccedilotildees necessaacuterias (evitando assim os
remanejamentos de recursos para outras finalidades) assim como de obrigar
o Estado a prever na lei orccedilamentaacuteria os recursos necessaacuterios para de forma
progressiva realizar os direitos sociais E aqui eacute preciso desmistificar a ideia
de que o orccedilamento eacute meramente autorizativo Se o orccedilamento eacute programa
sendo programa natildeo pode ser autorizativo O orccedilamento eacute lei que precisa ser
cumprida pelo Executivo
A possibilidade supracitada se concretiza sobretudo mediante o importante papel
desempenhado pelo Ministeacuterio Puacuteblico que atento agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em todos os
seus niacuteveis deve buscar judicialmente tambeacutem o controle concreto do ciclo orccedilamentaacuterio
atraveacutes do importante instrumento da accedilatildeo civil puacuteblica
439
Sobre a importacircncia do princiacutepio da eficiecircncia e o controle da discricionariedade na Administraccedilatildeo Puacuteblica
conferir MORAES Alexandre Princiacutepio da eficiecircncia e a evoluccedilatildeo do controle jurisdicional dos atos
administrativos discricionaacuterios In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Direitos Fundamentais
e Estado Constitucional Estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho Satildeo Paulo Editora Revista dos
Tribunais Coimbra Coimbra Editora 2009 p 417 440
CLEacuteVE Cleacutemerson Merlin O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais In Revista da
Academia Brasileira de Direito Constitucional v 3 Curitiba 2003 p 299
195
Exemplo interessante dessa atuaccedilatildeo aconteceu no Rio Grande do Norte quando o
Ministeacuterio Puacuteblico daquele Estado ao constatar ausecircncia do repasse de valores para o Fundo
Estadual da Sauacutede previstos no orccedilamento da sauacutede do ano de 2008 bem como
contingenciamento de valores da sauacutede para reserva teacutecnica pleiteou por meio de ACP que
tal situaccedilatildeo fosse revertida com o consequente repasse e o descontingenciamento dos valores
da sauacutede
Ao empreender o exame da referida ACP o Judiciaacuterio levou em conta a jurisprudecircncia
do STF e chamou atenccedilatildeo quanto ao caos da sauacutede puacuteblica no referido estado para apesar de
reconhecer a perda do objeto da accedilatildeo determinar cautelarmente que o Poder Puacuteblico a partir
daquele momento natildeo realizasse qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias
direcionadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem a preacutevia aprovaccedilatildeo do Conselho Estadual de
Sauacutede o que reforccedila o papel desses oacutergatildeos jaacute trabalhado anteriormente estipulando multa em
caso de descumprimento
Alguns trechos relevantes da presente decisatildeo441
merecem ser transcritos
Natildeo obstante a formulaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas dependam de
opccedilotildees poliacuteticas a cargo daqueles que por delegaccedilatildeo popular receberam
investidura em mandato eletivo cumpre reconhecer que natildeo se revela
absoluta nesse domiacutenio a liberdade de liberdade de conformaccedilatildeo do
legislador nem a de atuaccedilatildeo do Poder Executivo A par das consideraccedilotildees
acima considerando o poder geral de cautela deferido ao juiz pelo art 798
do Coacutedigo de Processo Civil e A) agrave evidecircncia da ampla documentaccedilatildeo
acostada a qual demonstra que natildeo soacute em 2008 mas tambeacutem em 2009 e
2010 ocorreram contingenciamentos de verbas do orccedilamento da sauacutede
bem como os repasses a conta-gotas das verbas orccedilamentaacuterias da Sauacutede as
quais ultima ratio tolheram (e tolhem) a efetiva aplicaccedilatildeo e execuccedilatildeo
orccedilamentaacuteria dos recursos vinculados a accedilotildees e serviccedilo de sauacutede B) que
com tal conduta a Administraccedilatildeo tem descumprido os preceitos do art 198
I e II da Constituiccedilatildeo art 77 da ADCT com redaccedilatildeo dada pela Emenda
292000 e ainda escamoteia a interpretaccedilatildeo das disposiccedilotildees dos art 33 e
34 da Lei 808090 C) que aleacutem de notoacuterio conforme diuturnamente
veiculado na imprensa o caos na sauacutede puacuteblica estadual resta evidenciada
pela prova documental a situaccedilatildeo emergencial de desabastecimento dos
hospitais da rede estadual Por tudo isto entendo ser hipoacutetese de
intervenccedilatildeo excepcional do Judiciaacuterio no trato e execuccedilatildeo das poliacuteticas
puacuteblicas de sauacutede () CAUTELARMENTE determino ao Estado do RN
em especial ao Sr Secretaacuterio Estadual de Planejamento que doravante 1deg)
NAtildeO PROCEDA qualquer contingenciamento de verbas orccedilamentaacuterias
destinadas agraves accedilotildees e serviccedilos de sauacutede sem preacutevia anuecircncia escrita do
Conselho Estadual de Sauacutede deliberada pelo respectivo colegiado sob pena
de multa no valor de R$ 5000000 (cinquenta mil reais) aplicada
pessoalmente contra o Secretaacuterio de Planejamento por cada
contingenciamento que ocorra em desobediecircncia a presente decisatildeo 2)
441
ACP ndeg 0035742-762008200001 Juiz de Direito Airton Pinheiro 5deg Vara da Fazenda Puacuteblica de Natal-RN
Publicado em 07022011
196
que o Sr Secretaacuterio de Planejamento ateacute o 20 dia do mecircs subsequente a
cada mecircs vencido PROCEDA em favor do Fundo Estadual da Sauacutede o
repasse integral das verbas orccedilamentaacuterias vinculadas agraves accedilotildees e serviccedilos de
Sauacutede em valor natildeo inferior ao equivalente a 112 (um doze avos) do
orccedilamento previsto para a pasta da Sauacuted ()rdquo (Grifos acrescidos)
Corroborando com a demonstraccedilatildeo da repercussatildeo negativa que os analisados
problemas orccedilamentaacuterios acarretam ao direito agrave sauacutede tem-se que no contexto brasileiro natildeo
satildeo raros os casos em que cortes no orccedilamento puacuteblico terminam prejudicando diretamente o
andamento de poliacuteticas puacuteblicas ligadas a esse prioritaacuterio direito fundamental Reforccedilando o
ponto de vista jaacute afirmado natildeo se pode admitir que o respeito aos percentuais miacutenimos
estabelecidos na CF seja por si soacute suficiente para que o Estado se desvincule do seu perene
dever de garantir a sauacutede sendo inafastaacutevel a conclusatildeo de que a praacutetica de cortes de gastos
direcionados agrave sauacutede ainda que se continue respeitando o miacutenimo de aporte financeiro
estabelecido constitucionalmente eacute flagrantemente inconstitucional ainda mais quando os
valores satildeo direcionados para aacutereas natildeo prioritaacuterias
No ano de 2012 por exemplo houve um corte de R$ 55 bilhotildees no orccedilamento geral da
Uniatildeo que acarretou no contingenciamento de recursos do Ministeacuterio da Sauacutede (na casa de R$
54 bilhotildees) Tal situaccedilatildeo gerou indignaccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede que teceu fortes
criacuteticas ao governo em carta aberta agrave presidenta Dilma Roussef destacando-se os seguintes
trechos442
A equipe econocircmica do governo federal propotildee agora um
contingenciamento da ordem de R$ 54 bilhotildees no jaacute restrito orccedilamento do
Ministeacuterio da Sauacutede O mais curioso eacute o argumento de que o
contingenciamento visa a favorecer o crescimento econocircmico do paiacutes Ora a
sauacutede eacute um importante setor econocircmico representando cerca de 9 do PIB
[Produto Interno Bruto] e muito tem contribuiacutedo para o desenvolvimento
nacional ao movimentar um potente mercado de bens e serviccedilos e a
assegurar milhotildees de empregos
() O que mais provoca indignaccedilatildeo na proposiccedilatildeo do contingenciamento
dos recursos da sauacutede eacute a verificaccedilatildeo de que a LOA 2012 [Lei
Orccedilamentaacuteria Anual] prevecirc destinar R$ 655 bilhotildees ou 30 do Orccedilamento
federal de 2012 ao refinanciamento e ao pagamento de juros e amortizaccedilotildees
da diacutevida puacuteblica mais de nove vezes o valor previsto para a sauacutede (Grifos
acrescidos)
Frente a todo o exposto conclui-se que a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio e a partir da
provocaccedilatildeo sobretudo do Ministeacuterio Puacuteblico eacute muito importante em todas as fases das accedilotildees
estatais trilhadas para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais e estaacute calcada na busca pelo
442
O referido documento pode ser conferido na iacutentegra no seguinte endereccedilo eletrocircnico
httpconselhosaudegovbrultimas_noticias2012docs17_fev_ASSEGURAR_RECURSOS_LOA_20PARA
_SAUDEpdf
197
respeito agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e aos valores por ela norteados o que termina superando
qualquer argumento contraacuterio ligado agrave separaccedilatildeo dos poderes ou ao respeito da estrita
legalidade orccedilamentaacuteria443
Ocorre que o Judiciaacuterio natildeo deve ser sobrecarregado como a uacutenica esperanccedila possiacutevel
para o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede devendo ser criadas condiccedilotildees para um
efetivo controle social e nesse ponto complementando o jaacute relevante papel dos Conselhos de
Sauacutede podem ser destacadas medidas como o orccedilamento participativo e a atuaccedilatildeo direta da
populaccedilatildeo por meio de manifestaccedilotildees populares e ateacute mesmo atraveacutes da iniciativa popular na
busca pela melhor garantia do direito agrave sauacutede444
Em linhas gerais os orccedilamentos participativos satildeo modelos em que a proacutepria
comunidade participa conjuntamente com o pode puacuteblico na elaboraccedilatildeo do ciclo orccedilamentaacuterio
e as experiecircncias brasileiras (as quais satildeo restritas ao acircmbito municipal) apesar de denotarem
certa ausecircncia de uniformidade na formataccedilatildeo de tais processos apontam para benefiacutecios
relevantes para a eficiecircncia e cumprimento da execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria445
O principal exemplo ocorreu em Porto Alegre onde desde 1989 implementou-se o
orccedilamento participativo possibilitando um amplo acesso da populaccedilatildeo agrave tomada de decisotildees
orccedilamentaacuterias que geraram novas prioridades agrave gestatildeo de recursos da cidade constatando-se
443
Nesse sentido aponta Marcelo Harger que ldquoas metas valores e procedimentos devem ser concomitantemente
observados para que uma poliacutetica puacuteblica possa ser considerada constitucional Natildeo se pode com o objetivo de
assegurar o desenvolvimento nacional ofender a dignidade da pessoa humana ou acabar com o pluralismo
poliacuteticordquo HARGER Marcelo Os princiacutepios constitucionais e o controle das poliacuteticas puacuteblicas pelo Poder
Judiciaacuterio In CRUZ Paulo Maacutercio GOMES Rogeacuterio Zuel (coords) Princiacutepios Constitucionais e Direitos
Fundamentais Curitiba Juruaacute 2008 p 136 444
Para Eduardo Mendonccedila ldquoa modificaccedilatildeo desse sistema jaacute produziria consideraacutevel avanccedilo institucional
inclusive elevando o niacutevel da discussatildeo poliacutetica travada no paiacutes Um sistema orccedilamentaacuterio racional e
verdadeiramente transparente seria um instrumento a serviccedilo dos trecircs Poderes notadamente do Legislativo e do
Executivo encarregados das decisotildees discricionaacuterias O proacuteprio Judiciaacuterio teria agrave disposiccedilatildeo um diagnoacutestico
mais preciso das poliacuteticas puacuteblicas Mem curso que poderaacute recomendar um maior ou menor ativismo
Adicionalmente o controle social ficaria potencializado uma vez que um conjunto importante de decisotildees
poliacuteticas ganharia concreccedilatildeo ao ingressar no orccedilamento MENDONCcedilA Eduardo Da faculdade de gastar ao
dever de agir o esvaziamento contramajoritaacuterio de poliacuteticas puacuteblicas In SARLET Ingo Wolfgang e TIMM
Luciano Benetti (org) Direitos Fundamentais orccedilamento e ldquoreserva do possiacutevelrdquo Porto Alegre Livraria do
Advogado 2010 p 380 445
Contribuindo para essa visatildeo pode ser destacado o seguinte trecho esposado pela 4deg Cacircmara Ciacutevel do TJPR
relatoria do Des Abraham Lincoln Calixto no julgamento do Mandado de Seguranccedila ndeg 476084-9 em
24 06 08 ldquo() III Se por um lado eacute correto reconhecer que o dinheiro puacuteblico eacute limitado e deve ser gasto de
forma adequada e racionalizada por outro tambeacutem eacute certo dizer que a razatildeo de ser do Estado eacute atender os
direitos fundamentais do Homem de forma a resguardar-lhe um miacutenimo de dignidade IV O Estado tem o dever
de proteger e garantir um miacutenimo existencial agrave populaccedilatildeo devendo adotar mecanismos de gestatildeo democraacutetica
do orccedilamento puacuteblico como forma de assegurar os direitos fundamentais como a sauacutede e a proacutepria vidardquo
(Grifos acrescidos)
198
melhorias no acesso a aacutegua potaacutevel no sistema de esgoto e no nuacutemero de matriacuteculas de
crianccedilas nas escolas446
Ocorre que apesar de significar um importante mecanismo de revitalizaccedilatildeo da
cidadania e construccedilatildeo de uma esfera puacuteblica no Brasil o exame da realidade conjuntural da
totalidade das experiecircncias de orccedilamento participativo demonstra que grande parte dos
problemas estruturais encontrados no acircmbito dos Conselhos de Sauacutede satildeo aqui repetidos jaacute
que o sucesso dessa gestatildeo participativa no orccedilamento depende exatamente do niacutevel de poder
que eacute compartilhado para a populaccedilatildeo o que nem sempre atinge os niacuteveis ideais para uma
necessaacuteria mudanccedila447
Devem ser buscadas portanto medidas concretas que venham a potencializar o uso do
instrumento do orccedilamento participativo448
e a consequente construccedilatildeo de espaccedilos
deliberativos a comeccedilar pela regulamentaccedilatildeo e uniformizaccedilatildeo do mesmo como procedimento
obrigatoacuterio no ciclo orccedilamentaacuterio em acircmbito local em todo paiacutes bem como pela previsatildeo de
intercacircmbios institucionais de tais espaccedilos com os Conselhos de Sauacutede visando a melhor
compatibilizaccedilatildeo do orccedilamento local com as prioridades inerentes agrave sauacutede puacuteblica da regiatildeo
Da mesma maneira vislumbra-se no contexto hodierno brasileiro um positivo quadro
de crescente participaccedilatildeo popular atraveacutes de manifestaccedilotildees que oxigenando a democracia
representativa449
tendem a pressionar o Poder Puacuteblico por mudanccedilas em prol da
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais mais imprescindiacuteveis e acabam norteando a
populaccedilatildeo para sua importante funccedilatildeo no manejo de proposiccedilotildees legislativas Tais
consequecircncias com relaccedilatildeo agrave sauacutede pocircde ter sido vislumbrada por exemplo pela
aceleraccedilatildeo450
da aprovaccedilatildeo de programas do Governo Federal (como eacute o caso do ldquoMais
446
KLIKSBERG Bernardo Como por em praacutetica a participaccedilatildeo Algumas questotildees estrateacutegicas In Gestatildeo
puacuteblica e participaccedilatildeo Salvador Fundaccedilatildeo Luiacutes Eduardo Magalhatildees 2005 p 74 447
AZEVEDO FERES Anaximandro Lourenccedilo REISSINGER Simone amp ARAUacuteJO Marinella Machado
Conselhos Municipais de Sauacutede e a construccedilatildeo dialoacutegica do orccedilamento puacuteblico p 14 Disponiacutevel em
httpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaiscamposanaximandro_simone_marinella_araujopdf Acesso
em 21062013 448
Euzineia Carlos destaca que ldquo() a natildeo partilha do processo decisoacuterio entre o poder puacuteblico e cidadatildeo
interessado confere ao orccedilamento participativo uma descaracterizaccedilatildeo de seu potencial sentido poliacutetico e
emancipador consubstanciando-se em um vazio comunicacional dado pela inexistecircncia de interaccedilotildees sociais
cooperativas na formaccedilatildeo da autodeterminaccedilatildeo coletiva e na definiccedilatildeo do bem puacuteblicordquo CARLOS Euzineia
Orccedilamento participativo em Vitoacuteria sob o signo de diferentes visotildees ideoloacutegico-normativas In Participaccedilatildeo
Social na Gestatildeo Puacuteblica Olhares sobre as Experiecircncias de Vitoacuteria-ES Marta Zorzal e Silva (org) Satildeo
Paulo Annablume 2009 p 230 449
MARTINS Leonardo Manifestaccedilotildees populares entre normalidade democraacutetica e insurreiccedilatildeo
Disponiacutevel em httpwwwcartaforensecombrconteudoartigosmanifestacoes-populares-entre-normalidade-
democratica-e-insurreicao11502 Acessado em 03072013 450
Corroborando conferir a presente notiacutecia httpglobotvglobocomrede-globojornal-nacionalvcongresso-
nacional-acelera-votacao-de-projetos-cobrados-por-manifestacoes2657714 Acessado em 27062013
199
Meacutedicosrdquo451
) pelo anuacutencio de uma seacuterie de investimentos para a situaccedilatildeo da sauacutede municipal
bem como destinaccedilatildeo de recursos dos royalties do petroacuteleo para a sauacutede e educaccedilatildeo452
e
finalmente pela potencializaccedilatildeo gerada no andamento de programas de iniciativa popular
como eacute o caso do Movimento Sauacutede + 10 jaacute tratado anteriormente
Constata-se assim que para se alcanccedilar uma maior concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute
primordial a implementaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo conjunto ndash que abranja desde o controle da
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico ateacute a avaliaccedilatildeo do cumprimento das metas das
poliacuteticas puacuteblicas que reflita o exato grau de priorizaccedilatildeo constitucional conferido este
relevante bem ndash em que o Judiciaacuterio atua auxiliado tanto pela provocaccedilatildeo do Ministeacuterio
Puacuteblico especialmente na acepccedilatildeo coletiva como principalmente pela atuaccedilatildeo da
populaccedilatildeo453
que de forma organizada deve buscar as mudanccedilas necessaacuterias pelos meios
juridicamente cabiacuteveis a partir de uma ampla participaccedilatildeo
451
Aprovado pela Medida Provisoacuteria nordm 621 de 8 de Julho de 2013 452
Nesse sentido conferir httpwwwestadaocombrnoticiasvidaedilma-diz-que-investira-r-55-bi-para-
ampliar-infraestrutura-do-sus10519850htm e httpwwwestadaocombrnoticiasnacionaldilma-aceita-
divisao-de-royalties-entre-educacao-e-saude10495370htm Acessados em 05072013 453
Reforccedila essa ideia a observaccedilatildeo de Paulo Bonavides de que ldquo() na escalada da legitimidade constitucional
o seacuteculo XIX foi o seacuteculo do legislador o seacuteculo XX o seacuteculo do juiz e da justiccedila constitucional universalizada
enquanto o seacuteculo XXI estaacute fadado a ser o seacuteculo do cidadatildeo governante do cidadatildeo povo do cidadatildeo soberano
do cidadatildeo sujeito de direito internacional conforme jaacute consta da jurisprudecircncia do direito das gentes Ou ainda
do cidadatildeo titular de direitos fundamentais de todas as dimensotildees seacuteculo por fim que haacute de presenciar nos
ordenamentos poliacuteticos do Terceiro Mundo o ocaso do atual modelo de representaccedilatildeo e de partidos Eacute o fim que
aguarda as formas representativas decadentes Mas eacute tambeacutem a alvorada que faz nascer o sol da democracia
participativa nas regiotildees da periferiardquo BONAVIDES Paulo Constitucionalismo social e democracia
participativa In Congresso Internacional de Derecho Constitucional do Instituto de Investigaciones
Juridicas ndashUNAM p 17 Disponiacutevel em httpwwwjuridicasunammxsisjurconstitpdf6-234spdf
Acessado em 15062012
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7 CONCLUSAtildeO
Somente com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede recebeu tratamento de
direito fundamental social fato alcanccedilado sobretudo pelo importante papel do Movimento
em favor da Reforma Sanitaacuteria nascente durante o processo de redemocratizaccedilatildeo do paiacutes e
consequente superaccedilatildeo do regime militar
A acolhida do direito agrave sauacutede no seio constitucional como autecircntico direito
fundamental natildeo significou contudo apenas uma previsatildeo meramente formal mas sim
denotou a ascendecircncia do mesmo como uma das prioridades sociais do Estado Constitucional
Democraacutetico que estava nascendo
Tal priorizaccedilatildeo eacute expressa por uma seacuterie de fatores Em primeiro lugar a estruturaccedilatildeo
do direito agrave sauacutede no ordenamento paacutetrio tem o condatildeo de qualificaacute-lo como um autecircntico
direito de cidadania e direito humano de caraacuteter polifaceacutetico jaacute que caminha pelas trecircs
chamadas ldquodimensotildees de direitos fundamentaisrdquo sendo a um soacute tempo alicerce chave do
direito agrave vida direito social e de fruiccedilatildeo transindividual
Da mesma maneira o direito agrave sauacutede pode ser qualificado como um direito
impreteriacutevel quando comparado aos demais direitos sociais pois sua perfeita garantia para
com o cidadatildeo tem o poder natildeo soacute de corrigir um problema cliacutenico no caso concreto mas
tambeacutem invariavelmente proporcionar ao mesmo a aptidatildeo elementar necessaacuteria para o pleno
usufruto dos demais direitos sociais atributo que natildeo eacute enxergado de maneira tatildeo
determinante nos demais direitos arrolados no art 6deg da CF de 1988
Noutro poacutertico diferentemente por exemplo do que ocorre com o tambeacutem relevante
direito agrave educaccedilatildeo (direito social em que para cada indiviacuteduo o Estado encerra seu dever
constitucional ao disponibilizar os trecircs niacuteveis constitucionais de atenccedilatildeo) tem-se que o
comportamento do Poder Puacuteblico na efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede eacute marcado por uma situaccedilatildeo
de perene e renovaacutevel deacutebito para com o cidadatildeo jaacute que todas as vezes em que este necessitar
de um serviccedilo de sauacutede inserido numa poliacutetica puacuteblica surge para o Estado o dever de
disponibilizaacute-lo sem caber a alegaccedilatildeo de que o mesmo jaacute se encontra quite com aquele
cidadatildeo
Tais caracteriacutesticas somadas agrave iacutentima ligaccedilatildeo do direito agrave sauacutede com o direito agrave vida agrave
integridade fiacutesica e agrave dignidade da pessoa humana acarretam no destacamento de tal direito
para um primeiro plano dentre os direitos fundamentais sociais situaccedilatildeo que eacute refletida no
tratamento notadamente especial conferido ao mesmo na CF de 1988 marcado dentre outras
caracteriacutesticas pelo expresso direcionamento de parte da receita de impostos para a sauacutede
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com a estipulaccedilatildeo de percentuais miacutenimos a serem cumpridos pelo enquadramento das accedilotildees
e serviccedilos de sauacutede como sendo de relevacircncia puacuteblica e pela previsatildeo da direta participaccedilatildeo da
comunidade na elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ordenadas para o direito em tela
Em que pese este notaacutevel avanccedilo constata-se na conjuntura da adulta CF de 1988 a
realidade do quadro de sauacutede puacuteblica no paiacutes retrata que infelizmente o niacutevel de
concretizaccedilatildeo alcanccedilado quanto a este direito natildeo eacute congruente com sua priorizaccedilatildeo
arquitetada constitucionalmente o que denota a necessidade de se corrigir tal desarmonia
Os principais atores nessa tarefa corretiva satildeo sem duacutevida os Poderes Executivo e
Legislativo dos quais se espera que no acircmbito de atribuiccedilotildees de cada um sejam
empreendidas accedilotildees que visem aos ajustes necessaacuterios mediante sobretudo a elaboraccedilatildeo de
leis que aprimorem a estruturaccedilatildeo do SUS e a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que
realizem o amparo agrave sauacutede com mais eficiecircncia e transparecircncia
Ocorre que a atuaccedilatildeo exclusiva de tais poderes na funccedilatildeo de agentes corretores do
baixo grau de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede configura-se uma medida insuficiente jaacute que o
problema a ser corrigido eacute gerado justamente pela siacutendrome da ineficiecircncia constatada na
atuaccedilatildeo dos mesmos Daiacute se concluir ser inoacutecuo e conflitante com os ideais de um Estado
Democraacutetico Constitucional simplesmente aguardar de que tais poderes corrijam sozinhos os
recorrentes erros vivenciados no planejamento da sauacutede puacuteblica paacutetria e por eles proacuteprios
ocasionados (erros estes que subvertem os valores constitucionais idealizados para a sauacutede)
Desponta nesse contexto o relevante papel de novos atores na missatildeo de se fazer
valer quanto ao direito agrave sauacutede o previsto natildeo soacute na Constituiccedilatildeo Federal mas tambeacutem na
legislaccedilatildeo sobre o tema (especialmente na intitulada ldquoLei do SUSrdquo) e nos atos infralegais que
especificam a estruturaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas em vigor no paiacutes (sobretudo as diversas
portarias do Ministeacuterio da Sauacutede na temaacutetica)
Este novo cenaacuterio portanto centrado na noccedilatildeo de Jurisdiccedilatildeo Constitucional iacutensita ao
modelo neoconstitucional vigente eacute marcado pelo predomiacutenio da ideia de que a efetivaccedilatildeo
dos direitos fundamentais natildeo se encontra mais restrita exclusivamente agrave atuaccedilatildeo do
Executivo e do Legislativo destacando-se dentre os referidos novos atores o relevante papel
do Poder Judiciaacuterio no acircmbito da sindicabilidade dos direitos fundamentais cujas principais
criacuteticas quanto a sua atuaccedilatildeo satildeo superadas pelo despontamento da acepccedilatildeo material de
democracia e pela releitura do Princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes
Nesse raciociacutenio a democracia deixa de ser enxergada como simples sinocircnimo de
aplicaccedilatildeo da regra majoritaacuteria (acepccedilatildeo formal) frente agrave exigecircncia de os poderes constituiacutedos
primordialmente respeitarem e realizarem os direitos fundamentais dos cidadatildeos como forma
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de alcanccedilar o perfeito funcionamento do processo deliberativo democraacutetico (acepccedilatildeo
material)
A Separaccedilatildeo dos Poderes por sua vez passa a conviver com um controle inerente agrave
noccedilatildeo de ldquofreios e contrapesosrdquo norteado pela centralidade da Constituiccedilatildeo e prevalecircncia dos
direitos fundamentais consistindo portanto em tarefa idocircnea a atuaccedilatildeo judicial na
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais desde que fundamentada e limitada pela sistemaacutetica
valorativa da CF de 1988 significando desta forma natildeo uma absorccedilatildeo do sistema poliacutetico
pelo juriacutedico mas sim uma legiacutetima limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo com vistas a se fazer
valer os anseios constitucionais
Desta maneira o Judiciaacuterio natildeo somente pode como deve atuar em demandas
envolvendo a concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede toda vez que a omissatildeo estatal ou ateacute mesmo a
accedilatildeo insuficiente ou desvirtuada dos propoacutesitos constitucionais e legais sobre o tema
desconfigurem o desenho protetivo de tal direito no ordenamento paacutetrio e terminem o
afrontando
Contudo eacute preciso se ter muito cuidado com a questatildeo da definiccedilatildeo dos limites dessa
atuaccedilatildeo judicial visto que quando esta tarefa eacute realizada de forma desenfreada e indefinida
surgem invariavelmente anacrocircnicos efeitos colaterais que potencialmente tendem a
afrontar ideais de igualdade e seguranccedila juriacutedica destacando-se nesse contexto a importacircncia
de se buscar paracircmetros objetivos aptos a respaldar uma limitaccedilatildeo harmocircnica com a
Constituiccedilatildeo
Nesse iacutenterim a saiacuteda para esta celeuma dentre outras medidas tem como medida
primordial a construccedilatildeo de um miacutenimo existencial em espeacutecie para o direito agrave sauacutede (a ser
buscado preferencialmente mediante demandas coletivas) o qual por envolver um conjunto
de prestaccedilotildees que o Estado natildeo pode se furtar a disponibilizar sob pena de afronta ao
Princiacutepio da Dignidade da Pessoa Humana acaba preponderando como regra com relaccedilatildeo ao
argumento estatal da reserva do possiacutevel aleacutem de emprestar maior seguranccedila e uniformidade
aos magistrados na hora de decidir demandas nessa temaacutetica
Por assumirem uma posiccedilatildeo prioritaacuteria no desenho constitucionalmente esboccedilado para
o direito agrave sauacutede podem ser identificados como elementos materiais do miacutenimo existencial
em sauacutede o atendimento materno-infantil as accedilotildees de medicina preventiva as accedilotildees de
prevenccedilatildeo epidemioloacutegicas e o saneamento baacutesico
Sob o prisma da coerecircncia loacutegica do sistema uacutenico arquitetado para o direito agrave sauacutede
na CF de 1988 faz-se relevante o acoplamento de um componente instrumental a estes
elementos materiais traduzido no respeito e garantia pelo Poder Puacuteblico da previsatildeo de
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infraestrutura miacutenima a ser aparelhada para os serviccedilos de sauacutede abarcados nas poliacuteticas por
ele elaboradas englobando pois a necessidade de disponibilizaccedilatildeo do nuacutemero miacutenimo
necessaacuterio de hospitais eficientemente estruturados pessoal qualificado e equipamentos
suficientes para a realizaccedilatildeo do que o Poder Puacuteblico se propotildee a oferecer sob pena de se
mergulhar em um quadro de insinceridade suscetiacutevel de frustrar os cidadatildeos de determinada
localidade
Nesse sentido tem-se que a estruturaccedilatildeo miacutenima do SUS eacute parte integrante basilar do
miacutenimo existencial de sauacutede natildeo podendo ser toleradas situaccedilotildees de omissatildeo estatal nesse
ponto baacutesico jaacute que se a proacutepria CF de 1988 delimita que a garantia do direito agrave sauacutede se
materializa a partir de poliacuteticas que visem o acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos
para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo (art 196 da CF) eacute iloacutegico e incoerente imaginar a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede (e especialmente do seu miacutenimo existencial) sem o respeito agrave
miacutenima estruturaccedilatildeo necessaacuteria
Quando as poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede satildeo elaboradas as mesmas apontam criteacuterios de
afericcedilatildeo de sua proacutepria eficiecircncia que se baseiam em estimativas e metas acerca do que
minimamente deve ser realizado para que a poliacutetica seja eficientemente apta a atingir seus
objetivos Eacute exatamente esse conjunto miacutenimo estimado (por exemplo quantidade bdquox‟ de
leitos para cada nuacutemero bdquoy‟ de habitantes) que se inclui neste elemento instrumental sendo de
suma relevacircncia o conhecimento e divulgaccedilatildeo das diversas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede
que delimitam as poliacuteticas em sauacutede existentes destacando-se a Portaria MS nordm 11012002
que estabelece os paracircmetros de cobertura assistencial no acircmbito do SUS os quais
representam recomendaccedilotildees teacutecnicas tidas como ideais e constituem referecircncias aptas a
orientar os gestores nos trecircs niacuteveis de governo
Defende-se assim que o processo de amadurecimento da judicializaccedilatildeo do direito agrave
sauacutede seja incrustado por uma cultura de se valorizar uma argumentaccedilatildeo juriacutedica que leve em
consideraccedilatildeo a proacutepria estrutura e funcionamento do SUS analisando-se as metas e
paracircmetros estabelecidos nos planos de sauacutede das trecircs esferas federativas de modo a
identificar as possiacuteveis omissotildees estatais com relaccedilatildeo ao que minimamente o Poder Puacuteblico se
prontificou previamente a oferecer com relaccedilatildeo a este importante direito
Nesse sentido faz-se imperiosa uma maior divulgaccedilatildeo dos paracircmetros traccedilados nas
poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede os quais aleacutem de mais facilmente acessiacuteveis devem ser
simplificados no intuito de a noccedilatildeo exata dos mesmos fazer parte do cotidiano tanto da
populaccedilatildeo que poderaacute participar de maneira mais eficiente nas Conferecircncias de Sauacutede e nos
demais canais de deliberaccedilatildeo quanto do Judiciaacuterio que ao enfrentar os complexos pleitos em
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sauacutede poderaacute com maior tranquilidade fundamentar suas decisotildees a partir de criteacuterios mais
concretos e objetivos
Com efeito destaca-se como medida apta a garantir a consolidaccedilatildeo de um Judiciaacuterio
familiarizado com as diretrizes das poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede abrangidas no acircmbito da
regulamentaccedilatildeo do SUS a formaccedilatildeo de equipes de apoio teacutecnico multidisciplinar constituiacutedas
tanto por profissionais de sauacutede como especialistas nas diretrizes da gestatildeo do SUS
incumbidas de prestar assistecircncia aos magistrados com relaccedilatildeo sobretudo agraves demandas que
envolvem a correccedilatildeo do deacuteficit de leitos hospitalares de medicamentos e de equipe meacutedica
Na mesma linha destaca-se a possibilidade de serem criadas varas especializadas no
julgamento de accedilotildees que envolvam pleitos na aacuterea de sauacutede puacuteblica de modo a proporcionar
uma maior uniformidade no processo de concretizaccedilatildeo desse direito fundamental pelo
Judiciaacuterio evitando assim distorccedilotildees que terminam ferindo a igualdade de tratamento entre
os usuaacuterios
Ocorre contudo que o Poder Judiciaacuterio natildeo se encontra sozinho na tarefa de garantir a
realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede No que tange agrave participaccedilatildeo popular nessa tarefa destaca-se a
singular funccedilatildeo dos Conselhos de Sauacutede como autecircnticos canais para que a sociedade dite o
ritmo das prioridades das poliacuteticas puacuteblicas em sauacutede e materialize a noccedilatildeo de sauacutede como
elemento intriacutenseco agrave democracia concretizando desta forma a diretriz constitucional do
SUS de participaccedilatildeo da comunidade
Sobre este ponto defende-se que a simples criaccedilatildeo de tais espaccedilos deliberativos por si
soacute natildeo constitui garantia de efetividade para a democratizaccedilatildeo das poliacuteticas de sauacutede a qual
somente poderaacute ser alcanccedilada com a correccedilatildeo dos inuacutemeros problemas praacuteticos identificados
na organizaccedilatildeo dos Conselhos como eacute o caso da burocratizaccedilatildeo dos procedimentos do
corporativismo da partidarizaccedilatildeo e notadamente da clara falta de representatividade
ocasionada pelo fraco comprometimento do Poder Puacuteblico em compartilhar com tais oacutergatildeos
um niacutevel equitativo de capacidade tanto de elaboraccedilatildeo quanto de decisatildeo com relaccedilatildeo agrave
agenda das proposiccedilotildees e prioridades a serem seguidas
Faz-se necessaacuteria portanto a fiscalizaccedilatildeo mais enfaacutetica do Ministeacuterio Puacuteblico com
vistas a buscar judicialmente a garantia e respeito do fiel cumprimento das previsotildees
constantes na Resoluccedilatildeo nordm 33303 do Ministeacuterio da Sauacutede e na Lei nordm 814290 que tratam
da mateacuteria de modo a ser garantida a eficiecircncia destes importantes espaccedilos e em uacuteltima
instacircncia ser efetivamente observada a diretriz constitucional do SUS de participaccedilatildeo da
comunidade
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Outro aspecto essencial agrave concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede consiste na necessidade de
que o caraacuteter prioritaacuterio e impreteriacutevel desse direito seja observado durante a fase de
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico
Como a realizaccedilatildeo do vieacutes prestacional do direito agrave sauacutede eacute assegurada pelo montante
de recursos em sua promoccedilatildeo e garantia indubitavelmente o orccedilamento puacuteblico assume um
papel chave em sua concretizaccedilatildeo devendo este portanto natildeo apenas respeitar o aporte de
valores miacutenimos previstos para a sauacutede mas tambeacutem consolidar a priorizaccedilatildeo tracejada na
CF de 1988 com relaccedilatildeo a este direito bem como quanto aos demais direitos fundamentais
Desponta assim a defesa de que a indicaccedilatildeo dos itens incluiacutedos no planejamento
orccedilamentaacuterio (como sauacutede seguranccedila educaccedilatildeo lazer cultura propaganda institucional
serviccedilos da diacutevida dentre outros) deve seguir um escalonamento ao serem rubricados nos
orccedilamentos puacuteblicos que se harmonize e espelhe a priorizaccedilatildeo constitucional dos mesmos
(pode-se falar aqui em Constituiccedilatildeo Orccedilamental) sob pena de subverter a proacutepria vontade
constitucional
Desta maneira a realidade constatada no planejamento de diversos orccedilamentos
puacuteblicos pelo paiacutes em que se vislumbra o direcionamento de verbas para divertimentos
populares manutenccedilatildeo de regalias ultrapassadas para membros do Legislativo diaacuterias de
servidores e propaganda de governo em maior escala do que para aacutereas de gritante prioridade
como sauacutede educaccedilatildeo e seguranccedila puacuteblica consiste em claro aviltamento da dignidade da
pessoa humana e da prevalecircncia dos direitos fundamentais arquitetados na CF de 1988
Inevitaacutevel defender-se portanto que este desvirtuamento ao alccedilar o orccedilamento
puacuteblico agrave condiccedilatildeo de autecircntica arma de faacutecil manuseio apta a subverter as prioridades
constitucionalmente prestigiadas deve ser imediatamente corrigido seja atraveacutes da
modificaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo passando esta a prever expressamente a impossibilidade
de tais situaccedilotildees ou do arcabouccedilo legislativo que dita o ciclo orccedilamentaacuterio no paiacutes
(notadamente a denominada LRF)
Da mesma maneira enxerga-se como de suma relevacircncia o papel do Ministeacuterio
Puacuteblico na fiscalizaccedilatildeo de tais ocasiotildees o qual pela via coletiva pode provocar o Judiciaacuterio a
corrigir tais distorccedilotildees e promover a instauraccedilatildeo de uma nova cultura orccedilamentaacuteria no sentido
de se evitar que a vontade constitucional seja subvertida pelo desenho orccedilamentaacuterio com a
destinaccedilatildeo de valores para aacutereas natildeo tatildeo prioritaacuterias ou sem qualquer prioridade
Nessa linha de raciociacutenio frente agrave defendida primazia do direito agrave sauacutede dentre os
direitos sociais o desenvolvimento dessa nova cultura deve ser alicerccedilado na priorizaccedilatildeo
deste impreteriacutevel direito fundamental durante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria de modo
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a que natildeo apenas os percentuais miacutenimos especificados para tal direito sejam respeitados
mas sim o aparato principioloacutegico que irradia a proteccedilatildeo da sauacutede na CF de 1988 tenha
reflexos anaacutelogos no proacuteprio orccedilamento puacuteblico de modo a evitar que o aporte de recursos
para a sauacutede seja menor que aacutereas menos prioritaacuterias como propaganda puacuteblica diaacuterias de
servidores shows para a populaccedilatildeo etc
Reforccedilando a ideia acima se no plano abstrato essas situaccedilotildees subversoras do
prioritaacuterio posicionamento do direito agrave sauacutede traccedilado na Constituiccedilatildeo geram um sentimento de
revolta agrave coletividade o que dizer agora no plano concreto e individual do cidadatildeo que
aguarda haacute meses um atendimento baacutesico no acircmbito do SUS e eacute surpreendido com uma
propaganda institucional em sua TV que expotildee um quadro de perfeiccedilatildeo da sauacutede puacuteblica
apontando melhorias que o mesmo nunca viu ou usufruiu ou ateacute mesmo com uma
divulgaccedilatildeo da realizaccedilatildeo de um show ou construccedilatildeo de um estaacutedio de futebol a ser ldquobancadordquo
com o dinheiro puacuteblico
A resposta para a indagaccedilatildeo acima natildeo eacute outra senatildeo a de que tal cidadatildeo se sentiraacute
indignado devendo esta sensaccedilatildeo por aviltar natildeo soacute sua dignidade mas tambeacutem a de toda
coletividade ser corrigida com urgecircncia atraveacutes da atribuiccedilatildeo do papel de buacutessola do ciclo
orccedilamentaacuterio agrave Constituiccedilatildeo e do aperfeiccediloamento de praacuteticas democraacuteticas como o
orccedilamento participativo e o maior envolvimento popular na defesa do tema
Desta forma conclui-se que o processo de concretizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede em que
pese primordialmente depender da tarefa desempenhada pelos Poderes Executivo e
Legislativo necessita frente agrave realidade da sauacutede puacuteblica do paiacutes de um plano de accedilatildeo
conjunto que deve aleacutem de ter como ponto de partida a elaboraccedilatildeo de um orccedilamento puacuteblico
consentacircneo com as prioridades constitucionais contar com a atuaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio
familiarizado com as especificaccedilotildees das poliacuteticas sanitaacuterias vigentes e amparado de um lado
pelo apoio do Ministeacuterio Puacuteblico na defesa coletiva da sauacutede e de outro pela maior
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo com vistas a fazer valer a integral proteccedilatildeo constitucional
conferida a este singular impreteriacutevel e mais relevante direito social
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httpportal2tcugovbrportalplsportaldocs2054998PDF Acesso em 14062013
Legislaccedilatildeo consultada
BRASIL Constituiccedilatildeo Poliacutetica do Impeacuterio do Brazil (de 25 de marccedilo de 1824)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de
1981)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de
1937)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de
1946)
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1967
_______ Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988
_______ Decreto nordm 591 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional
sobre Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais Promulgaccedilatildeo
_______ Decreto nordm 592 de 06 de julho de 1992 Atos internacionais Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Poliacuteticos Promulgaccedilatildeo
_______ Decreto nordm 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei no 8080 de 19 de
setembro de 1990 para dispor sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS o
planejamento da sauacutede a assistecircncia agrave sauacutede e a articulaccedilatildeo interfederativa e daacute outras
providecircncias
_______ Lei nordm 8080 de 19 de setembro de 1990 Dispotildee sobre as condiccedilotildees para a
promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo da sauacutede a organizaccedilatildeo e o funcionamento dos serviccedilos
correspondentes e daacute outras providecircncias
_______ Lei nordm 8142 de 28 de dezembro de 1990 Dispotildee sobre a participaccedilatildeo da
comunidade na gestatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) e sobre as transferecircncias
intergovernamentais de recursos financeiros na aacuterea da sauacutede e daacute outras providecircncias
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_______ Lei nordm 12401 de 28 de abril de 2011 Altera a Lei no 8080 de 19 de setembro de
1990 para dispor sobre a assistecircncia terapecircutica e a incorporaccedilatildeo de tecnologia em sauacutede no
acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS
_______ Lei Complementar nordm 101 de 04 de maio de 2000 Estabelece normas de financcedilas
puacuteblicas voltadas para a responsabilidade na gestatildeo fiscal e daacute outras providecircncias
_______ Lei Complementar nordm 141 de 13 de janeiro de 2012 Regulamenta o sect 3o do art
198 da Constituiccedilatildeo Federal para dispor sobre os valores miacutenimos a serem aplicados
anualmente pela Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios em accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos
de sauacutede estabelece os criteacuterios de rateio dos recursos de transferecircncias para a sauacutede e as
normas de fiscalizaccedilatildeo avaliaccedilatildeo e controle das despesas com sauacutede nas 3 (trecircs) esferas de
governo revoga dispositivos das Leis nos 8080 de 19 de setembro de 1990 e 8689 de 27
de julho de 1993 e daacute outras providecircncias
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 533 de 28 de marccedilo de 2012 Estabelece o elenco
de medicamentos e insumos da Relaccedilatildeo Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 841 de 02 de maio de 2012 Publica a Relaccedilatildeo
Nacional de Accedilotildees e Serviccedilos de Sauacutede (RENASES) no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede
(SUS) e daacute outras providecircncias
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 2395 de 13 de outubro de 2011 Organiza o
Componente Hospitalar da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do Sistema Uacutenico de
Sauacutede
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 4279 de 30 de dezembro de 2010 Estabelece
diretrizes para a organizaccedilatildeo da Rede de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede no acircmbito do Sistema Uacutenico de
Sauacutede (SUS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 399 de 22 de fevereiro de 2006 Divulga o Pacto
pela Sauacutede 2006 ndash Consolidaccedilatildeo do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido
Pacto
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 648 de 28 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica
Nacional de Atenccedilatildeo Baacutesica estabelecendo a revisatildeo de diretrizes e normas para a
organizaccedilatildeo da Atenccedilatildeo Baacutesica para o Programa Sauacutede da Famiacutelia (PSF) e o Programa
Agentes Comunitaacuterios de Sauacutede (PACS)
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 674 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Carta dos
Direitos dos Usuaacuterios da Sauacutede que consolida os direitos e deveres do exerciacutecio da cidadania
na sauacutede em todo o Paiacutes
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 698 de 30 de marccedilo de 2006 Define que o
custeio das accedilotildees de sauacutede eacute de responsabilidade das trecircs esferas de gestatildeo do SUS observado
o disposto na Constituiccedilatildeo Federal e na Lei Orgacircnica do SUS
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 687 de 30 de marccedilo de 2006 Aprova a Poliacutetica
de Promoccedilatildeo da Sauacutede
_______ (Ministeacuterio da Sauacutede) Portaria nordm 1101 de 12 de junho de 2002
222
Siacutetios eletrocircnicos
BIBLIOTECA DIGITAL DA CAcircMARA DOS DEPUTADOS lthttpbdcamaragovbrgt
BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTACcedilOtildeES DA USP
lthttpwwwtesesuspbrgt
BIBLIOTECA DIGITAL DO SENADO FEDERAL lt httpwww2senadolegbrbdsfgt
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAUacuteDE lt httpwwwcebesorgbrgt
CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO
lthttpwwwconpediorgbrgt
ESCOLA POLITEacuteCNICA DE SAUacuteDE JOAQUIM VENAcircNCIO DA FUNDACcedilAtildeO
OSWALDO CRUZ lthttpwwwepsjvfiocruzbrgt
INSTITUTO DE ESTUDOS SOacuteCIOECONOcircMICOS lt httpwwwinescorgbrgt
INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURIacuteDICAS lt httpwwwjuridicasunammxgt
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOcircMICA APLICADA lt httpwwwipeagovbrportalgt
PORTAL DE REVISTAS ELETROcircNICAS ndash FFC ndash UNESP MARIacuteLIA
lthttpwww2mariliaunespbrrevistasgt
INSTITUTO POacuteLIS DE ESTUDOS FORMACcedilAtildeO E ASSESSORIA EM POLIacuteTICAS
SOCIAIS lt httpwwwpolisorgbrgt
JORNAL CARTA FORENSE lt httpwwwcartaforensecombrgt
MINISTEacuteRIO DA SAUacuteDE lthttpwwwsaudegovbrgt
MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO
lthttpwwwplanejamentogovbrgt
MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO DO ESTADO DE GOIAacuteS lthttpwwwmpgogovbrgt
MOVIMENTO NACIONAL SAUacuteDE MAIS DEZ lthttpwwwsaudemaisdezorgbrgt
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL lt httpwwwoaborgbrgt
PORTAL DOMIacuteNIO PUacuteBLICO ndash BIBLIOTECA DIGITAL DO MINISTEacuteRIO DA
EDUCACcedilAtildeO lthttpwwwdominiopublicogovbrgt
PORTAL JURIacuteDICO DIREITO DO ESTADO lt httpwwwdireitodoestadocombrgt
PORTAL PERIOacuteDICOS CAPES lthttpwwwperiodicoscapesgovbrgt
223
PORTAL UNBCIEcircNCIA DA UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA
lthttpwwwunbcienciaunbbrgt
PRESIDEcircNCIA DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
lthttpwwwplanaltogovbrgt
PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADAtildeO
lthttppfdcpgrmpfmpbramppanel1-2amppanel2-4amppanel3-5gt
REVISTA DE DOUTRINA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4deg REGIAtildeO
lthttpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrgt
REVISTA ldquoDIREITOS FUNDAMENTAIS amp JUSTICcedilArdquo DO PROGRAMA DE POacuteS-
GRADUACcedilAtildeO MESTRADO E DOUTOURADO EM DIREITO DA PUCRS
lthttpwwwdfjinfbrgt
REVISTA ELETROcircNICA DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA
lthttpwwwrevistadireitofrancabrindexphprefdfgt
REVISTA GESTAtildeO amp TECNOLOGIA DA FUNDACcedilAtildeO PEDRO LEOPOLDO
lthttprevistagtfpledubrgetgt
SCIENTIFIC ELETRONIC LIBRARY ONLINE (SCIELO BRAZIL)
lthttpwwwscielobrgt
SECRETARIA DE ESTADO DE SAUacuteDE DO GOVERNO DO MATO GROSSO
lthttpwwwsaudemtgovbrgt
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA lthttpwwwstjjusbrgt
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL lthttpwwwstfjusbrgt
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIAtildeO lthttpportal2tcugovbrgt
TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO NORTE lthttptcerngovbrgt
TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DA PARAIacuteBA lt httpwwwtjpbjusbrgt
TRIBUNAL DE JUSTICcedilA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
lthttpwwwtjrnjusbrgt
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