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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
CIBELLE SIMÃO DE SOUZA
A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL DA UFRN NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE A ÁREA DA SAÚDE
NATAL/RN 2017
CIBELLE SIMÃO DE SOUZA
A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL DA UFRN NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE A ÁREA DA SAÚDE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª Dr. ª Maria Ilidiana Diniz
NATAL/RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Souza, Cibelle Simão de. A contribuição do Serviço Social da UFRN na produção científica
sobre a área da saúde / Cibelle Simão de Souza. - Natal, RN, 2017. 65 f. Orientadora: Profa. Dra. Maria Ilidiana Diniz. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço Social.
1. Serviço Social - Monografia. 2. Saúde - Monografia. 3. Produção
Científica - Monografia. I. Diniz, Maria Ilidiana. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364:61
RN/BS/CCSA CDU 364:61
A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL DA UFRN NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE A ÁREA DA SAÚDE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.
A todas as pessoas que resistem.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Edilza e Antonio por não medirem esforços para
garantir que eu cursasse o ensino superior. E por acreditarem na minha capacidade
de enfrentar o desafio de estudar e viver sozinha em uma nova cidade.
Aos meus avós Ezilda e José que sempre cuidam de mim e através de
simples atitudes demonstram o quanto zelam pelo meu bem-estar.
A minha irmã Cínthia, que sem querer me inspirou a escolher o curso, através
do exemplo de estudante e militante durante sua graduação em Serviço Social. Além
de ter se colocado totalmente disponível a me ajudar e tirar dúvidas durante o
processo de construção deste trabalho.
A Miguel, meu sobrinho, que me alegra e me inspira a ser melhor todos os
dias.
A Alessandro, meu namorado, por sempre me ajudar a encontrar soluções
para os problemas que surgiram durante esse processo. E por ser paciente e
compreensivo em relação aos momentos de mau humor ou de indisponibilidade para
nossas conversas.
A Madson e Tatiane, meus melhores amigos, por sempre estarem disponíveis
para ouvir minhas reclamações.
As minhas colegas de turma Ruth, Jeane, Joanielly e Luana pela companhia e
os bons momentos durante a graduação, por contribuírem com a troca de
conhecimento e aprendizado, e pela paciência quando eu não pude me dedicar
como gostaria aos trabalhos em decorrência de uma depressão. Agradeço também
a Jorgiane, que mais que uma parceira de trabalhos foi uma grande amiga, me
apoiando nos momentos mais difíceis, me incentivando a buscar ajuda e, em muitos
momentos, buscando para mim. Por ser também um grande exemplo de
solidariedade, compaixão e altruísmo.
A minha colega de estágio curricular supervisionado obrigatório Yasmin, por
ser compreensiva nos momentos em que não pude contribuir muito com a produção
dos trabalhos e pelo companheirismo diante das dificuldades que surgiram para a
efetivação do nosso período de estágio.
As minhas orientadoras de campo de estágio Lílian Patrícia e Paula Érica, por
aceitarem assumir a responsabilidade de nos receber mesmo em condições
desfavoráveis e terem feito seu melhor para que o nosso período de estágio fosse
minimamente proveitoso.
As professoras Rosangela e Maria Ilidiana, que orientaram a produção do
meu TCC em diferentes períodos, pela compreensão em relação ao meu
adoecimento, que foi o maior obstáculo para a elaboração do trabalho. Agradeço em
especial, a Maria Ilidiana, que me encorajou a continuar quando cogitei desistir no
início das orientações. Por ser paciente e flexível em relação aos prazos e por me
apoiar na decisão de tentar defender o trabalho no tempo previsto, apesar do pouco
tempo para a conclusão.
A minha psicóloga Ana Maria, uma ótima profissional, que vem contribuindo
enormemente com meu processo de melhora. Por me convencer de que eu seria
capaz de concluir este trabalho e ir além de suas obrigações enquanto psicóloga se
oferecendo para ajudar até mesmo com questões metodológicas da pesquisa.
Por fim, agradeço a todas e todos que direta ou indiretamente contribuíram
para meu processo de formação.
A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la.
Eduardo Galeano.
RESUMO
Ao longo de sua história o Serviço Social conservou uma próxima relação com a área da saúde, estando inserido nesse espaço sócio-ocupacional desde o seu surgimento e sendo esse um dos principais espaços de intervenção dos assistentes sociais. Porém, a partir da contrarreforma neoliberal do Estado, iniciada em 1990 no governo de Fernando Collor, a saúde é diretamente atingida, como reflexo disso, podemos citar: as limitações do acesso da população aos serviços de saúde, as práticas focalizadas, falta de financiamento do setor, dentre outras. Tudo isso repercute diretamente na atuação profissional dos assistentes sociais, que tem que lidar com desafios constantes para a materialização dos direitos nessa área. Este trabalho buscou analisar as principais contribuições das produções acadêmicas sobre saúde do Serviço Social da UFRN nos últimos 10 anos. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. A coleta de dados foi realizada no repositório institucional online da universidade, utilizando filtros disponibilizados pelo próprio site. As palavras-chave utilizadas na busca foram: ‘saúde’ e ‘serviço social’. Foram selecionados os trabalhos produzidos entre 2007 e 2017, que constituíram uma amostra de 24 produções (monografias e dissertações). Os resultados evidenciaram que a maioria das produções tem como tema processos de trabalho em saúde e determinantes sociais de saúde. Os principais sujeitos entrevistados/observados são assistentes sociais da área da saúde e usuários dos serviços. Os principais desafios relatados dão conta das contradições decorrentes da reestruturação produtiva, do avanço do neoliberalismo no país e como isso provoca impactos diretos na consolidação da Reforma Sanitária, compreendida como fundamental na agenda contemporânea da política de saúde. A saúde se constitui para o Serviço Social tanto como um espaço de intervenção como de pesquisa, possibilitando o exercício das diferentes dimensões da profissão. O quadro relatado reforça a importância de que a categoria se aproprie cada vez mais da discussão em saúde, estimulando a pesquisa sobre o tema – especialmente sobre temáticas ainda pouco debatidas -, na perspectiva de fortalecimento do Projeto Sanitarista e do projeto ético-político profissional. Ademais, se faz também necessária a superação do imediatismo na prática cotidiana, de modo a romper com as imposições da lógica neoliberal além da ocupação dos espaços de luta da saúde e da categoria.
Palavras-chave: Serviço Social. Saúde. Produção Científica.
ABSTRACT
Throughout its history Social Work has maintained a close relation with the health area, being inserted in this socio-occupational space since its emergence and being one of the main spaces of intervention of social workers. However, from the neoliberal counter-reform of the State, begun in 1990 under the government of Fernando Collor, health is directly affected, as a reflection of this, we can mention: the limitations of the population's access to health services, focused practices, lack of funding of the sector, among others. All of this has direct repercussions on the professional performance of social workers, who have to deal with constant challenges for the materialization of rights in this area. This work sought to analyze the main contributions of the academic productions on health of UFRN Social Work in the last 10 years. The methodology used was the bibliographical research. Data collection was done at the university's online institutional repository, using filters provided by the site itself. The keywords used in the search were: 'health' and 'social work'. The works produced between 2007 and 2017 were selected, constituting a sample of 24 productions (monographs and dissertations). The results showed that most of the productions are related to health work processes and social determinants of health. The main subjects interviewed/observed are social workers from the health area and users of services. The main challenges reported account for the contradictions resulting from the productive restructuring, the advancement of neoliberalism in the country and how this has direct impacts in the consolidation of the Sanitary Reform understood as fundamental in the contemporary agenda of health policy. Health is constituted for Social Work as both a space for intervention and research, enabling the exercise of the different dimensions of the profession. The reported framework reinforces the importance of the category appropriating more and more of the discussion on health, stimulating the research on the theme - especially on issues still not much debated - with a view to strengthening the Sanitary Project and the professional ethical-political project. In addition, it is also necessary to overcome immediacy in daily practice, in order to break with the impositions of neoliberal logic beyond occupying the spaces of health and category struggle. Keywords: Social Work. Health. Scientific production.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Mapeamento das dissertações produzidas entre 2007 e 2017................46
Tabela 2 – Mapeamento das monografias produzidas entre 2007 e 2017................51
Tabela 3 - Principais temas abordados......................................................................54
Tabela 4 - Sujeitos de pesquisa.................................................................................55
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABESS Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social
ANAS Associação Nacional dos Assistentes Sociais
CAPs Caixas de Aposentadorias e Pensões
CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CBCISS Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio em Serviços Sociais
CEBES Centro Brasileiro de Estudos da Saúde
CFAS Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
FENTAS Fórum das Entidades Nacionais de Trabalhadores da Área da Saúde
EUA Estados Unidos da América
FEDP Fundações Estatais de Direito Privado
HUs Hospitais Universitários
IAPs Institutos de Aposentadorias e Pensões
INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS Instituto Nacional da Previdência Social
LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais
LOPS Lei Orgânica da Previdência Social
LOS Lei Orgânica da Saúde
MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social
OMS Organização Mundial da Saúde
OSCIPs Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
OSs Organizações Sociais
PIB Produto Interno Bruto
PPP Plano de Pronta Ação
PSF Programa Saúde da Família
SIAFI Sistema Integrado de Administração Financeira
SNS Sistema Nacional de Saúde
SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................14
1 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL AO LONGO DA HISTÓRIA.......................17
1.1 Origem da intervenção estatal..............................................................................17
1.2 A criação do SUS e a democratização do acesso à saúde.................................26
2 O SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE.........................................................32
2.1 A relação entre o Projeto Ético-Político do Serviço Social e a Reforma
Sanitária.....................................................................................................................32
2.2 A histórica imbricação entre saúde e Serviço Social............................................37
3 A CONTRIBUIÇÃO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS SOBRE SAÚDE DO SERVIÇO SOCIAL NA UFRN....................................................................................44
3.1 Principais tendências apontadas na reflexão sobre a política de saúde no Serviço Social da UFRN..........................................................................................................44 3.2 Os desafios para a materialização do Serviço Social na saúde pela perspectiva das produções acadêmicas........................................................................................56
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................59
5 REFERÊNCIAS.......................................................................................................63
APÊNDICE.................................................................................................................65
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INTRODUÇÃO
O Serviço Social possui uma relação histórica com a área da saúde, sendo
essa segundo Martinelli (2003) constitutiva da profissão. Isso porque o assistente
social está presente nas equipes de saúde desde a origem da profissão, inclusive se
apropriando de técnicas de outra profissão da área para criar suas próprias técnicas.
Desde sua inserção na área o assistente social vem sendo altamente demandado
nas equipes multiprofissionais, de modo que em dado momento histórico essa passa
a ser a área que mais absorve os profissionais da categoria no Brasil, cenário que se
mantém até hoje.
A atuação do profissional na área se modificou várias vezes ao longo da
história, sofrendo influência da conjuntura política das diferentes épocas e das
matrizes teórico-metodológicas de que se a profissão se aproximava em cada
período. Por muito tempo, essa atuação esteve voltada ao controle da classe
trabalhadora, numa perspectiva conservadora. No entanto, uma série de mudanças
que ocorrem entre os anos 1970 e 1980 transformam totalmente a política de saúde
e a prática profissional dos assistentes sociais no Brasil.
O fim da ditadura militar em 1980, a redemocratização da sociedade brasileira
com a decorrente intensificação das mobilizações políticas e o Movimento de
Renovação - que se deu no interior da categoria no fim da década de 1970
promovendo uma revisão interna dos valores da profissão e à crítica ao
conservadorismo – foram os principais acontecimentos que influenciaram na
mudança do paradigma da atenção à saúde no Brasil e do modelo de intervenção e
produção teórica do Serviço Social em geral, e posteriormente sobre essa temática.
São expressões desse processo o Movimento de Reforma Sanitária, no
mesmo período, que através de suas reivindicações contribuiu para a construção de
um novo modelo de saúde e a promulgação de uma nova Constituição Federal em
1988, que instituiu a política de saúde como integrante do tripé da Seguridade Social
e como direito de todos e dever do Estado, além de oferecer dispositivos que
permitiram a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
A partir desse período, o Serviço Social amplia seu debate no que se refere
à saúde, apesar de não ter se articulado imediatamente com os valores da Reforma
Sanitária, o que só ocorreu mais tarde, na década de 1990. Foi nessa década
também que se consolidou a hegemonia do atual projeto ético-político profissional,
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que vem sendo construído desde o Movimento de Renovação. Desde então a
prática do Serviço Social na saúde vem sendo pautada pela defesa da
universalização do acesso, da integralidade, da equidade e da participação social;
princípios que estão associados à defesa de uma nova ordem societária preocupada
com as necessidades da classe trabalhadora. No entanto, apesar de ao longo da
história esse projeto ter se firmado como hegemônico, ele não é exclusivo e
permanece no seio da profissão certa heterogeneidade de perspectivas teóricas,
políticas e ideológicas que estão em constante disputa e, por vezes, são conflitantes
com o mesmo.
O processo de reorganização do mundo do trabalho que se inicia nesse
mesmo período, marcado pelo avanço da perspectiva neoliberal, retração do Estado
e precarização das políticas sociais incide diretamente sobre a formação e inserção
profissional dos assistentes sociais, marcando ambas por tensões e contradições,
que aparecem de formas particulares nos diferentes espaços sócio-ocupacionais. Na
área da saúde, uma das expressões é a demanda para que os profissionais atuem
na perspectiva de fortalecimento do Projeto Privatista de saúde.
A motivação para a escolha da produção científica do Serviço Social da
UFRN sobre saúde como tema surgiu da necessidade de realização de um trabalho
que fosse exequível, devido a imprevistos que surgiram no decorrer do semestre
como a mudança de orientadora e impossibilidade de concretização do projeto de
pesquisa inicial, levando à mudança de tema1. A opção pela área da saúde se deu
pelo fato de a minha experiência de estágio curricular supervisionado obrigatório ter
se dado na área, bem como o projeto de pesquisa realizado anteriormente na
disciplina de Orientação de TCC, otimizando assim o tempo e as leituras já feitas.
O trabalho tem como objetivo geral analisar as principais contribuições das
produções acadêmicas de monografias e dissertações de mestrado do Serviço
Social da UFRN para o debate da política de saúde nos últimos dez anos. Como
objetivos específicos foram definidos: realizar um mapeamento das produções no
curso de Serviço Social que apresentam como temática central a saúde; apreender
1 A proposta de pesquisa inicial era “traçar o perfil profissional dos assistentes sociais do Consultório
na Rua na Grande Natal”. O Consultório na Rua é um serviço que consiste na atuação itinerante de uma equipe básica de saúde nos lugares onde se concentram pessoas em situação de rua. O espaço foi escolhido por ser o campo onde realizei meu estágio curricular supervisionado obrigatório. No entanto, não foi possível concretizar a pesquisa pelo fato de as equipes terem ficado sem assistentes sociais.
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quais as principais tendências apontadas na reflexão da política de saúde no Brasil
nos últimos anos; identificar as perspectivas e desafios que se colocam para o
Serviço Social nessa área de atuação.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório e
abordagem qualitativa. Primeiramente, foi definido o método utilizado para a
investigação e análise, no caso o materialismo histórico dialético. Posteriormente foi
criado um instrumental para nortear a análise do material coletado. A coleta de
dados foi realizada na internet, no site do repositório institucional da UFRN. Foi
realizada uma busca por monografias e dissertações produzidas entre o período de
2007 a 2017, utilizando filtros disponibilizados pelo site como: título, assunto e centro
e departamento de ensino. As palavras-chave usadas na busca foram “saúde” e
“serviço social”, nas categorias de trabalhos do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas, Departamento de Serviço Social e também entre os trabalhos em geral.
O resultado foi uma amostra constituída de 24 produções.
A partir do resultado, foi construída uma tabela com: nome do trabalho,
autor/a, ano de publicação, aspecto da saúde abordado, tipo de trabalho,
perspectiva teórica, relação com o Serviço Social, sujeito de pesquisa e relação com
o estágio supervisionado. Assim, buscou-se verificar tendências, temáticas novas e
recorrentes, avanços e possíveis limitações nas produções da área.
O Trabalho de Conclusão de Curso se materializa em três capítulos. No
primeiro capítulo, intitulado “A política de saúde no Brasil ao longo da história”
fazemos um resgate histórico da instituição da política de saúde no país, culminando
com a construção do SUS que se constitui como marco na democratização do
acesso à saúde.
O segundo capítulo, “O Serviço Social na área da saúde” trata da relação
histórica entre a profissão e esse espaço de atuação, abordando a sua inserção ao
longo da história. Também, são analisados os pontos em comum entre o atual
projeto ético-político da profissão e o Projeto de Reforma Sanitária, que teve grande
contribuição na constituição da política de saúde como ela é hoje e segue em
disputa contra o Projeto Privatista.
No terceiro capítulo, abordamos a contribuição do Serviço Social na produção
acadêmica de saúde, a partir de uma pesquisa bibliográfica em monografias e
dissertações de mestrado no Serviço Social da UFRN, buscando analisar as
principais tendências que os estudos apresentam, os desafios frente às
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contrarreformas do Estado, dentre outros. Por fim, são apresentados os resultados
da pesquisa, expondo-se a contribuição do Serviço Social da UFRN na produção
científica sobre saúde.
1 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL AO LONGO DA HISTÓRIA
Este capítulo apresentará um resgate histórico do desenvolvimento das
práticas sanitárias no Brasil, da prática liberal ao início da intervenção estatal e a
decorrente instituição das ações em saúde como política pública, integrante do
sistema de Seguridade Social. Inicialmente, serão abordados os diferentes contextos
históricos, políticos, econômicos e sociais e como eles impactaram na política de
saúde. Em seguida, será tratado o processo conjuntural que possibilitou a
organização política da sociedade e o surgimento do Movimento de Reforma
Sanitária, que alçou grandes lutas e conquistas para o setor, culminando com o texto
constitucional que instituiu o SUS, um marco na democratização do acesso à saúde
no Brasil. Por fim, será abordada a atual conjuntura da política de saúde no país,
considerando os avanços e retrocessos dos últimos anos, marcados pela influência
do neoliberalismo.
1.1 ORIGEM DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA SAÚDE BRASILEIRA
Segundo Bertolli Filho (2000) no período colonial o Brasil não dispunha de
nenhum sistema de atenção à saúde da população. A ameaça à exploração das
terras brasileiras causada pelos conflitos com os indígenas, as dificuldades materiais
de sobrevivência na região e as frequentes enfermidades levaram a Coroa
Portuguesa a criar, ainda no século XVI, os cargos de físico-mor e cirurgião-mor,
responsáveis pela saúde na colônia. No entanto, devido às precárias condições de
vida na região, poucos queriam aceitar assumir esses cargos. Os poucos que o
fizeram, por contarem ainda com uma medicina pouco desenvolvida e tratamentos
tortuosos e ineficazes, receberam a rejeição da população geral, que preferia
recorrer a curandeiros negros e indígenas, boticários e padres da Companhia de
Jesus.
A vinda da família real para o Brasil em 1908 criou o interesse de Portugal em
estabelecer um controle sanitário mínimo na capital do Império. Assim, foram
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fundadas as primeiras escolas de medicina do país. No entanto, os parcos avanços
da medicina e as precárias condições de higiene nos raros hospitais públicos faziam
com que as pessoas preferissem continuar recorrendo a métodos empíricos. Exceto
os mais ricos, que buscavam tratamento na Europa ou em clínicas particulares que
começavam a surgir. De acordo com Bertolozzi e Greco (1996), enquanto grande
parte da população utilizava-se da medicina de “folk”2, os senhores de café tinham
acesso aos profissionais legais da medicina, que eram trazidos de Portugal.
Com a proclamação da República em 1889 e a transição para uma sociedade
capitalista, a população passou a ser vista como capital humano por dispor da força
de trabalho geradora de riqueza. Nesse contexto, o Estado passou a se
comprometer com a melhoria da saúde individual e coletiva da população, visando à
modernização do país. De acordo com Bertolli Filho (2000) a partir de então se
desenvolveu um novo campo do conhecimento, voltado para o estudo e a prevenção
de doenças: a medicina pública. Durante a República Velha (1889 – 1930) as
oligarquias cafeeiras que governavam o país investiram grande parte dos lucros
produzidos pelo café nas cidades e portos, buscando melhorar as condições
sanitárias das áreas mais importantes para a economia. Nesse período foram
montados os primeiros laboratórios de pesquisas médico-epidemiológicas do país,
além de vários institutos de pesquisa articulados ao Serviço Sanitário e inspirados
pelas novas concepções científicas internacionais. No entanto, fora dos estados de
São Paulo e Rio de Janeiro, no interior e na zona rural pouco ou nada era feito em
prol da saúde coletiva e os índices de enfermidades mantinham-se altos, tendendo a
elevar-se. Em muitas regiões só restava recorrer aos coronéis, que dispunham de
um guia médico que muitas vezes ensinava a tratar doenças com remédios
preparados à base de ervas.
A cidade do Rio de Janeiro – então capital do país - passou por uma profunda
reforma urbanística e sanitária, com a expulsão de milhares de trabalhadores pobres
que viviam em cortiços no centro da cidade, que deram lugar a amplas avenidas,
parques e edifícios modernos. Além disso, a população que habitava favelas –
sobretudo imigrantes e negros “libertos” pela Lei Áurea - foi retirada dessas áreas,
as favelas foram destruídas e foi feita a terraplanagem dos morros. Somado a isso,
foi montado um esquema de fiscalização das ruas e das casas. Tais medidas, em
2 Segundo Fontes e Sanches (1999) apud Oliveira (2006) medicina “folk” é uma forma como alguns antropólogos chamam a medicina popular.
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maior ou menor grau, foram reproduzidas em outras capitais e cidades do interior,
diminuindo os índices de mortalidade e morbidade em nível nacional. No entanto,
para Bertolli Filho (2000) quem mais se beneficiou dessas medidas foram as elites
econômicas. As camadas mais pobres da população continuavam a viver em
condições precárias.
A partir de 1930, com o início da Era Vargas, o controle político deixou de ser
das oligarquias cafeeiras regionais. Como reflexo da luta do movimento operário, em
1934 foi promulgada uma nova Constituição Federal que incorporou algumas
garantias aos trabalhadores, como a jornada de trabalho de 8 horas e a licença
maternidade. Mais tarde, foi incluído o salário mínimo e o estabelecimento da CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas), garantindo a indenização aos acidentados, o
tratamento médico aos doentes, o pagamento de horas extras, as férias
remuneradas, etc.
Em 1937, quando foi instituída a ditadura do Estado Novo, Vargas passou a
bloquear as reivindicações sociais, se utilizando pra isso de medidas populistas,
pelas quais o Estado se apresentava como pai, tutor da população, provendo aos
cidadãos o que julgava ser indispensável. Nesse sentido, “as políticas sociais foram
a arma utilizada pelo ditador para justificar diante da sociedade o sistema autoritário,
atenuado pela “bondade” do presidente” (BERTOLLI FILHO, 2000, p.30).
O conjunto de reformas realizadas por Vargas nesse período incluiu a área da
saúde, que passou a compartilhar com a educação um ministério próprio, o
Ministério da Educação e da Saúde Pública. Esse fato significou a remodelação dos
serviços sanitários do país, que passaram a ser controlados pelo Estado numa
perspectiva centralizadora. A nova organização anunciava o compromisso do Estado
com o bem-estar da população e a ampliação da assistência médico-hospitalar, vale
destacar que nos setores em que havia pouca ou nenhuma assistência a ideia foi
bem aceita. No entanto, nos estados mais ricos, que já tinham um serviço de saúde
organizado, a proposta foi vista como desnecessária.
Nesses casos, as reformas significaram o fim de uma experiência
descentralizadora, com atendimento ágil e voltado para a população. As decisões
sobre a saúde no país deixaram de ser tomadas por médicos, passando a ser
tomadas por políticos e burocratas que tinham pouco conhecimento do assunto. A
necessidade de obter apoio social e político visando o desenvolvimento dos setores
comercial e industrial, legitimando o Estado autoritário, levou à criação de uma
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legislação social voltada para a garantia de maiores direitos aos trabalhadores
urbanos. Nesse cenário, não cabia mais tratar a questão social e as reivindicações
populares referentes à saúde como questão de polícia, como ocorreu durante a
República Velha. Foram então criadas as caixas de aposentadorias e pensões
(CAPs) e os institutos de previdência (IAPs), inspirados pela Lei Eloy de Chaves de
19233, que criou o instituto previdenciário dos trabalhadores das estradas de ferro de
São Paulo. Essas mudanças representaram um avanço em relação ao período
anterior, possibilitando a assistência médica a muitos que antes eram
desamparados. No entanto, os trabalhadores que não possuíam carteira de trabalho
e não podiam contribuir para sua categoria profissional continuavam desamparados,
à mercê da caridade pública.
De acordo com Bertolli Filho (2000, p.43), no fim da década de 1940 a
pressão sindical forçou o governo a rever a legislação previdenciária. Ampliou-se o
número de trabalhadores e dependentes com direito a tratamento financiado pelos
institutos e caixas, aumentaram os salários e pensões pagas aos indivíduos
afastados temporariamente do trabalho por motivo de doença e cresceu o número
de aposentados por tempo de serviço. Com o tempo, as caixas e institutos foram
forçados a aumentar a porcentagem de dinheiro destinada ao financiamento dos
tratamentos médicos. Porém, a ampliação do acesso aos serviços era acompanhada
da precarização e rebaixamento de sua qualidade.
Graças à política de saúde adotada por Vargas, o atendimento aos operários enfermos e seus dependentes expandiu-se. Começou a estruturar-se assim o setor previdenciário que, garantido por uma legislação específica, foi ampliado no decorrer dos anos, tornando-se o principal canal de assistência médica da população trabalhadora dos centros urbanos (BERTOLLI FILHO, 2000, p.34).
Diante disso, o setor privado, pautado pelos ideais liberais, passou a
pressionar o governo federal e os governos estaduais para restringir ou interromper
a construção de hospitais públicos, defendendo que o Estado não deveria competir
3 A Lei Eloy de Chaves (Decreto n° 4.682 de 24 de janeiro de 1923) consolidou a base do sistema previdenciário brasileiro ao instituir as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os trabalhadores ferroviários de São Paulo. Mediante o desconto mensal de 3% do salário dos funcionários e 1% da renda bruta das empresas ficava assegurado a esses trabalhadores o direito de aposentadoria por invalidez ou por tempo de serviço, além de tratamento médico, medicamentos, auxílio para funeral e pensão para os herdeiros do segurado falecido. Esse modelo, mais tarde, influenciou várias outras categorias profissionais a iniciarem movimentos individuais pela criação de CAPs em suas empresas, o que resultou na expansão do sistema para outros profissionais nos anos seguintes.
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com o setor privado e sim fornecer empréstimos e doações a juros baixos para que
os empresários criassem clínicas e hospitais, numa perspectiva de mercantilização
da saúde. Essa rede venderia seus serviços à população, aos institutos e caixas e
ao governo. O setor político mais uma vez interveio nos debates, aprovando leis que
garantiam privilégios para o setor privado. Muitas das verbas oficiais iam para
deputados sócios e donos de clínicas e hospitais.
Necessário se faz dizer que, paralelamente, desenvolvia-se a indústria de fármacos, fato que, em consonância ao objetivo da reintegração da força de trabalho à produção, leva a pensar que isso se constituiu em mais um poderoso álibi para a progressão da atenção de caráter curativo, em detrimento das ações de prevenção. (BERTOLOZZI; GRECO, 1996, p.384)
Em 1945 intensas manifestações populares contra a ditadura resultaram na
deposição do presidente Getúlio Vargas, se iniciando assim o período de
redemocratização do país. No entanto, mesmo sob regime democrático, os
presidentes seguintes mantiveram a política populista. Em 1948, no mandato do
presidente Gaspar Dutra (1946 - 1951) foi criado o Plano Salte (Saúde, Alimentação,
Transporte e Energia), que colocava a saúde como uma de suas finalidades
principais, “mas a Saúde Pública, ainda que elevada à condição de "questão social",
nunca esteve verdadeiramente entre as opções prioritárias da política de gastos do
governo.” (ALENCAR et al, 1985 apud BERTOLOZZI; GRECO, 1996, p.385).
Por outro lado, os movimentos sociais exigiam que os governantes se
comprometessem com a melhoria das condições de vida e saúde da população,
sendo a década de 1950 um período marcado por manifestações nacionalistas.
Em maio de 1953, segundo período presidencial de Getúlio Vargas, foi criado
o Ministério da Saúde, porém a pouca verba destinada à pasta impediu que o
Estado atuasse com eficácia na questão. Assim, os índices de mortalidade e
morbidade das doenças pouco se alteraram. Outro fenômeno que interferia na
eficácia dos serviços de saúde era o clientelismo: os partidos ou políticos trocavam
recursos da saúde por votos ou apoio político no período eleitoral. De acordo com
Bertolli Filho (2000), esse fato resultava na interrupção de importantes projetos e a
frequente substituição dos ministros da saúde.
No período seguinte, o aumento da entrada de capital estrangeiro no país
favoreceu a perspectiva desenvolvimentista de modernização, intensificada
22
especialmente durante o período de 1956 a 1961 durante o mandato de Juscelino
Kubitschek. Ainda nesse período a questão da saúde passou a ser mais politizada; a
fome, que assolava a maior parte de população, passou a ser vista como um dos
fatores associados ao processo saúde-doença. Conforme aponta Bertolli Filho
(2000), o tema da fome foi assumido por vários intelectuais brasileiros, tornando-se
assunto de interesse público. Esse processo se intensificou em 1955 com a criação
das Ligas Camponesas no Nordeste, um movimento social que lutava contra a fome,
a doença, a exploração dos latifundiários na região e defendia a reforma agrária.
Houve também a politização das atividades dos médicos e epidemiológicos, que
passaram a se relacionar com os interesses das camadas sociais mais pobres e a
luta pelo bem-estar coletivo.
Na tentativa de organizar os serviços oferecidos pelas agências
previdenciárias o governo sancionou a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS)
em 1960. A principal medida estabelecida pela lei foi a uniformização das
contribuições a serem pagas aos institutos, essa medida, porém, não garantiu o
equilíbrio financeiro nem a melhoria dos serviços prestados.
Com o golpe de 1964, que instaurou a ditadura militar, houve a redução das
verbas para a saúde. Em nome da “política de segurança e desenvolvimento”
cresceu o orçamento dos ministérios militares, dos Transportes e da Indústria e
Comércio, enquanto o Ministério da Saúde teve que se restringir praticamente à
elaboração de projetos e programas, delegando a outras pastas uma parte das
ações sanitárias.
Apesar da pregação oficial de que a saúde constituía um “fator de produtividade, de desenvolvimento e de investimento econômico” – parte valiosa, portanto, do patrimônio da nação -, o Ministério da Saúde privilegiava a saúde como elemento individual e não como fator coletivo (BERTOLLI FILHO, 2000, p.52).
Esse período foi marcado por uma falsa ilusão de desenvolvimento nacional,
baseada na elevação do PIB (Produto Interno Bruto) do país e na modernização de
sua estrutura produtiva, ocultando a inibição das conquistas salariais e do poder de
compra do salário mínimo na época. Isso está relacionado a um processo que se
iniciou em meados dos anos 1950, em que a economia brasileira entrou,segundo
analisa Maciel (2014, p.65) em
23
[...] um movimento de expansão que combina abertura econômica, fortalecimento das empresas estatais e generalização das relações capitalistas, com vistas ao aprofundamento do processo de industrialização por substituição de importações e à superação dos obstáculos políticos, tecnológicos e financeiros que dificultavam seu desenvolvimento desde o final da Segunda Guerra Mundial. Este movimento desencadeia o estabelecimento de um novo padrão de acumulação capitalista dirigido pelas empresas estrangeiras situadas no departamento III da indústria (bens de consumo duráveis) que submete a economia brasileira aos ritmos de reprodução e lucratividade específicos do capital monopolista, estabelecendo uma nova dinâmica econômico-social; ao mesmo tempo em que reforça a dependência ao capital externo, colocando-a em novas bases.
Esse movimento apresentou algumas dificuldades no início dos anos 1960,
porém o golpe militar de 1964 criou as condições políticas e econômicas que
permitiram a superação dessas dificuldades e a consolidação do novo padrão de
acumulação nos moldes do capitalismo monopolista dependente-associado. Maciel
(2004) apud Maciel (2014, p.66) aponta as várias medidas tomadas pelo governo
para garantir este processo, dentre as quais se destacam o crescimento do aparelho
estatal, que ampliou sua capacidade de intervenção e planejamento econômico; a
ampliação do setor produtivo estatal e dos investimentos públicos em infraestrutura
que resultou na criação de grandes empresas com fortes tendências monopolistas e
uma reforma financeira que criou as bases do processo de financeirização da
economia.
Nesse contexto de entrada de capital estrangeiro no país tornou-se evidente
que o investimento na área de serviços médico-hospitalares poderia ser um negócio
altamente lucrativo, desse modo, grupos estrangeiros passaram a concorrer com as
companhias médicas brasileiras. O mesmo ocorreu com a indústria farmacêutica,
resultando na compra de várias companhias brasileiras por grupos dos Estados
Unidos e da Europa, como aponta Bertolli Filho (2000). Ainda segundo Bertolli Filho
(2000), parte do pouco dinheiro destinado à saúde pública era desviada para o
pagamento de serviços prestados por hospitais particulares. Como reflexo desse
abandono, ocorreu um significativo aumento de enfermidades e epidemias, fato
escondido pela censura aos meios de comunicação imposta pelo regime ditatorial.
Como dito anteriormente, a expansão do tratamento de saúde financiado
pelos institutos e caixas - reflexo da pressão dos trabalhadores na década de 1940 -
resultou na precarização dos serviços, associada a precárias administrações dos
24
órgãos previdenciários. Isso se expressava, segundo Bertolli Filho (2000, p.43), nas
“longas filas de enfermos nas portas dos hospitais, as consultas de pouca duração,
dificuldade na obtenção de internamento imediato para pacientes graves, mortes de
trabalhadores por falta de atendimento etc.” Aproveitando-se dessas dificuldades
vivenciadas pelas caixas e institutos de aposentadorias e pensões o governo criou o
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, unificando todos os órgãos
previdenciários (IAPs), que ficaram subordinados ao Ministério do Trabalho.
A unificação da Previdência Social, com a junção dos IAPs em 1966, se deu atendendo a duas características fundamentais: o crescente papel interventivo do Estado na sociedade e o alijamento dos trabalhadores do jogo político, com sua exclusão na gestão da previdência, ficando-lhes reservado apenas o papel de financiadores. (BRAVO, 2008, p.6)
A saúde pública entrou em declínio enquanto a medicina previdenciária
cresceu, principalmente após essa reestruturação, como aponta Bravo (2008).
Desse modo, se estabeleceu um sistema dual de saúde em que o INPS devia tratar
os doentes individualmente, enquanto o Ministério da Saúde atuava de forma
coletiva, durante as epidemias.
O Estado apoiava as atividades privadas, atuando de forma complementar a
elas. Mais tarde, em decorrência de sua incapacidade gerencial, à complexidade do
sistema previdenciário e às fraudes dos hospitais privados o INPS entrou em crise,
como apontado por Bertolli Filho (2000, p.56). Para contornar esse cenário foi criado
em 1974 o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que incorporou o
INPS e o livrou da subordinação ao Ministério do Trabalho. Para controlar a
corrupção no setor, também foi criada a Empresa de Processamento de Dados da
Previdência Social (Dataprev).
Em 1971 começou a funcionar o Programa de Assistência ao Trabalhador
Rural (Funrural) que estendia aos trabalhadores rurais os direitos previdenciários.
Mais tarde foi criado o Plano de Pronta Ação (PPA), com o objetivo de acelerar o
atendimento dos casos médicos de urgência. Em 1975, por fim, foi criado o Sistema
Nacional de Saúde (SNS), com a finalidade de baratear e tornar mais eficazes as
ações de saúde no país. Todas essas medidas repercutiram na queda dos índices
25
de mortalidade geral, mas ainda assim, de acordo com Bertolli Filho (2000, p.56), o
Brasil permanecia como um dos países mais doentes da América Latina.
Mais tarde, em 1988, com o fim da ditadura militar e a redemocratização do
país, foi promulgada uma nova Constituição Federal, cuja elaboração contou com
ampla participação popular através de movimentos sociais e sujeitos dos mais
diversos setores da sociedade. Disso resultou uma das constituições mais
progressistas no que se refere à proteção social segundo Bravo (2008, p.7), sendo
por isso conhecida atualmente como “Constituição Cidadã”. Em seu Art. 1°, o
documento que está em vigor até hoje, apresenta a dignidade da pessoa humana
como um dos princípios fundamentais da República Federativa Brasileira. Além
disso, define como objetivos fundamentais da República no Art. 3°, entre outros:
“construir uma sociedade livre, justa e solidária e erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. (BRASIL, 1998,
p.05)
A fim de concretizar esses objetivos, a nova Carta instituiu um sistema de
Seguridade Social fundamentado em um tripé: a política de saúde, a política de
assistência social e a política de previdência social. A partir de então, a saúde ficou
instituída como direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida através de
“políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”. (BRASIL, 1998, p.41)
Foi a partir desse avanço legal, fruto de intensas mobilizações e lutas, que se
instituiu o SUS, integrando as ações e os serviços de saúde pública em uma rede
regionalizada e hierarquizada, organizada de acordo com as seguintes diretrizes:
descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento
integral, com prioridade de ações preventivas; participação da comunidade, segundo
o Art. 98 da Constituição. No próximo tópico veremos os limites e desafios impostos
nas últimas duas décadas à concretização desse modelo de saúde.
26
1.2 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SUS E A DEMOCRATIZAÇÃO DO
ACESSO À SAÚDE
No final dos anos 1970 o modelo econômico do regime militar entrou em uma
crise marcada pelo descontrole inflacionário. Nesse contexto, a sociedade voltava a
mobilizar-se e fazer greves reivindicando a democracia e outros direitos sociais,
segundo Bertolli Filho (2000, p.60). Ainda segundo Bertolli Filho (2000, p.62), no que
diz respeito à saúde, tanto os moradores da periferia como a classe média
começaram a expressar seu descontentamento com os serviços prestados e as
condições de trabalho na área.
Diante desse quadro, os profissionais do setor organizaram-se na defesa dos
seus direitos e dos direitos dos pacientes. Dessa organização surgiram a
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro
Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). Como lembra Bertolli Filho (2000, p.63),
assim se iniciou, ainda na década de 1970, o Movimento de Reforma Sanitária, que
tem como um de seus principais feitos a elaboração de um documento chamado
Pelo direito universal à saúde, que enfatiza a necessidade do Estado se
comprometer com a assistência à saúde da população, colocando-a como um direito
do cidadão e dever do Estado.
Em 1985 iniciou-se o processo de redemocratização do país, quando
ocorreram as últimas eleições indiretas. Tancredo Neves ganhou as eleições, mas
morreu antes de assumir a presidência e foi substituído por seu vice, José Sarney.
Sarney deu continuidade ao processo de redemocratização promulgando uma nova
Constituição em 1988. De acordo com Boschetti (2009, p.1), a nova constituição
instituiu a Seguridade Social brasileira incorporando características do modelo de
proteção social alemão bismarckiano4 e do modelo beveridgiano5 inglês, ao restringir
4 Sistema de Seguros Sociais surgido na Alemanha em 1883, sob o governo do Chanceler Otto Von Bismarck. Consiste na garantia de benefícios previdenciários cujo acesso é condicionado a uma contribuição direta anterior. Os recursos são provenientes, fundamentalmente, da contribuição direta de empregados e empregadores, baseada na folha de salários. Cada benefício é organizado em Caixas, que são geridas (teoricamente e originalmente) pelo Estado e contribuintes. (BOSCHETTI, 2003 apud BOSCHETTI, 2009, p.2) 5 Sistema de proteção social criado na Inglaterra em 1942. Apresentava críticas ao modelo bismarckiano vigente até então, propondo a instituição do welfare state. Nesse sistema, os direitos têm caráter universal, sendo destinados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos, mas garantindo mínimos sociais a todos em condições de necessidade. O financiamento é proveniente dos impostos fiscais, e a gestão é pública, estatal. (BEVERIDGE, 1943; CASTEL, 1998 apud BOCHETTI, 2009, p.2-3)
27
a previdência aos trabalhadores contribuintes – característica do modelo
bismarckiano -, universalizar a saúde e limitar a assistência social a quem dela
necessitar – característica do modelo beveridgiano. De acordo com Bertolli Filho
(2000), os princípios do documento Pelo direito universal à saúde influenciaram os
trabalhos da Assembleia Constituinte, de modo que apesar da pressão dos
empresários da saúde, a redação final da Constituição promulgada em 1988 incluiu
a maior parte das reivindicações feitas pelo Movimento Sanitarista.
Um dos dispositivos da nova Constituição era a criação do Sistema Unificado
e Descentralizado de Saúde (SUDS).
Baseado no princípio de integração de todos os serviços de saúde, públicos e particulares, o Suds deveria constituir rede hierarquizada e regionalizada, com a participação da comunidade na administração das unidades locais (BERTOLLI FILHO, 2000, p.64).
Apesar dos avanços legais, o governo manteve a política econômica
recessiva, limitando investimentos e cortando verbas dos setores sociais, inclusive a
saúde, como afirma Bertolli Filho (2000, p.60). As ações em saúde pública
realizadas nos anos 1980 pouco fizeram para alterar o quadro das décadas
anteriores. O setor sofria com a falta de verbas, a ausência de planejamento, a
descontinuidade dos programas e a corrupção que tornavam o serviço ineficiente. O
governo federal realizou várias reformas na tentativa de mudar esse quadro,
integrando os serviços do Ministério da Saúde e da Previdência Social e lutando
contra o monopólio das empresas privadas. No entanto, a oposição e o lobby dos
empresários do ramo resultaram na aprovação da reorganização do sistema de
saúde, contudo, foi mantida e reforçada a presença das empresas de saúde como
elemento principal da prestação da atenção médica, subsidiada por verbas públicas,
como aponta Bertolli Filho (2000, p.61-62).
O governo também procurou garantir que o Estado exercesse maior controle
sobre os serviços particulares de saúde, que foram a partir de então definidos como
forma complementar aos serviços públicos, assim como as entidades filantrópicas.
No entanto, a recusa das empresas particulares a se submeterem à integração e o
desvio das verbas destinadas aos municípios fez com que o projeto do SUDS não se
efetivasse. “De concreto houve a integração, mesmo que imperfeita, dos serviços
mantidos pelo Estado, sem a participação das empresas particulares.” (BERTOLLI
FILHO, 2000, p.64) Assim originou-se o Sistema Unificado de Saúde (SUS).
28
A Constituição Federal de 1988 no Título VIII Da Ordem Social, Capítulo II Da
Seguridade Social, Seção II Da Saúde, Art.196 define a saúde como:
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, p.41).
O Art.198 define as ações e serviços em saúde como uma rede regionalizada,
hierarquizada, e que constituem um sistema único organizado segundo as diretrizes:
descentralização, com direção única nas diferentes esferas do governo; atendimento
integral, priorizando-se as atividades preventivas, sem prejuízo das ações
assistenciais; participação da comunidade.
O texto constitucional demonstra a preocupação de elaboração de um
sistema universal, democrático e popular, preocupado com as necessidades da
população. Como fruto da lutas de diversos integrantes da classe trabalhadora, em
1990 foi promulgada a Lei n° 8.080/LOS (Leio Orgânica da Saúde), que regulamenta
o SUS, dispondo sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Um dos
avanços desta lei é a ampliação do conceito de saúde, que passou a considerar
seus diversos determinantes, inclusive os sociais. O CFESS (2010) considera que o
conceito de saúde contido na constituição Federal de 1988 e na Lei 8.080 ressalta
as expressões da questão social ao indicar como fatores determinantes e
condicionantes da saúde
entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais: os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país (BRASIL, 1990, p.1).
Também são definidos os princípios e diretrizes do SUS. Sendo os princípios
doutrinários: universalidade, equidade e integralidade; e os princípios organizativos:
hierarquização e regionalização, descentralização e comando único e participação
popular.
O Movimento de Reforma Sanitária e a construção do SUS representam um
marco na democratização da saúde no Brasil, visto que, pela primeira vez houve a
participação da população nas discussões das propostas do governo para a área.
29
Além disso, a saúde adquiriu uma dimensão política, vinculando-se ao processo de
redemocratização e deixando de ser um assunto discutido apenas por técnicos.
Sobre esse processo, Bravo (2008) discorre:
O processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988 representaram, no plano jurídico, a promessa de afirmação e extensão dos direitos sociais em nosso país frente à grave crise e às demandas de enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social. A Constituição Federal introduziu avanços que buscaram corrigir as históricas injustiças sociais acumuladas secularmente, incapaz de universalizar direitos tendo em vista a longa tradição de privatizar a coisa pública pelas classes dominantes (p.9-10).
No entanto, a partir da década de 1990 se inicia a implementação da Política
de Ajuste Neoliberal, redirecionando o papel do Estado, que passa a reduzir sua
intervenção na economia e na sociedade. De acordo com essa ideologia, os gastos
sociais do Estado e a pressão dos sindicatos seriam os responsáveis pela crise
econômica da época. Assim, se inicia um forte ataque aos avanços na área dos
direitos e políticas sociais conquistados com a Constituição de 1988, cenário que
vem se mantendo atualmente.
Para Bravo (2008) a Reforma Constitucional realizada em 1993, notadamente
a da Previdência Social, demonstra a intenção do governo de desmontar a proposta
de Seguridade Social contida na Constituição de 1988, de modo que Seguridade vira
previdência e previdência é considerada seguro. A Reforma (ou Contrarreforma) do
Estado ocorrida em 1995, que tinha como pressuposto o esgotamento da estratégia
estatizante e colocava em cheque o modelo econômico vigente, defendia um modelo
gerencial baseado na descentralização, eficiência, controle dos resultados, redução
de custos e produtividade. O Estado deveria deixar de ser diretamente responsável
pelo desenvolvimento econômico e social e atuar apenas como promotor e
regulador, passando para o setor privado as atividades que antes eram suas.
Nesse contexto, ocorre a desresponsabilização do Estado, que não se vê na
obrigação de garantir os direitos sociais, promovendo o desmonte e o sucateamento
das políticas públicas, dentre elas a de saúde, que fica então vinculada ao mercado
e às parcerias com a sociedade civil, que é responsabilizada pelos custos da crise
econômica vivenciada desde a década de 1980. Sob essa perspectiva, predomina
nas políticas sociais o trinômio articulado da focalização, privatização e
descentralização.
30
Suas principais propostas são: caráter focalizado para atender às populações vulneráveis através do pacote básico para a saúde, ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado, descentralização dos serviços ao nível local, eliminação da vinculação de fonte com relação ao financiamento (COSTA, 1996 apud BRAVO, 2008, p.15).
Nesse contexto, é desrespeitado o princípio da equidade na alocação dos
recursos públicos como preconiza a Constituição de 1988, não se efetivando a
unificação dos orçamentos federal, estaduais e municipais.
Os direitos se constituem então como privilégios, acessíveis apenas para
quem pode pagar por serviços particulares. Enquanto os que não podem acessar os
serviços pela via do mercado contam apenas com as ações fragmentadas e
paliativas do Estado e de organizações não governamentais. Como afirma Boschetti
(2009), os princípios constitucionais são desconsiderados e diluídos em sucessivas
contrarreformas que representam um retrocesso na Seguridade Social.
No âmbito da política de saúde, os princípios do SUS, como descentralização e participação democrática, universalização e integralidade das ações, estão sendo diluídos pela manutenção cotidiana, apenas de uma cesta básica, que não assegura nem os atendimentos de urgência. É notória a falta de medicamento, ausência de condições de trabalho, de orçamento e de capacidade de absorção das demandas, o que se evidencia nas longas filas de espera por uma consulta ou internação (BOSCHETTI, 2009, p.12-13)
Uma das características desse desmonte é a redefinição dos modelos de
gestão da saúde, que tem sido implementados mesmo com a resistência de diversos
setores da sociedade, inclusive do Serviço Social, se materializando na criação das
Organizações Sociais (OSs) – Lei nº 1.591/98 - e Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIPs) – Lei n° 9.790/99 -, que, segundo Di Pietro (2004) se
constituem em pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas
por particulares e que (no caso das OSs) recebem delegação do Poder Público para
oferecer serviços públicos de natureza social mediante contrato de gestão ou (no
caso das OSCIPs) podem desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado
com incentivo e fiscalização desse. Outro exemplo são as Fundações Estatais de
Direito Privado (FEDP) – Lei n° 92/2007 -, que consistem em mais um modelo de
parceria público-privado, como aponta Helena et al (2013).
31
Esses modelos de gestão se constituem em mais uma das estratégias
governamentais para beneficiar o setor privado. Um recente exemplo de privatização
da gestão do SUS foi a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH) – Lei n° 12.550/2011, empresa de direito privado responsável pela
gestão dos Hospitais Universitários (HUs) no país. Para March (2012) apud Helena
et al (2013) sua criação implica, entre outras coisas, na submissão da formação e
produção de conhecimento na saúde aos interesses do mercado.
Além disso, tem ocorrido a fragilização dos espaços de participação e controle
democrático, como os Conselhos e Conferências, instâncias deliberativas e
participativas de extrema importância para a luta e garantia de direitos e a
fiscalização dos serviços prestados. O desmonte também se expressa no âmbito do
orçamento, no qual as fontes dos recursos não têm sido diversificadas, contrariando
o dispositivo constitucional. A arrecadação é predominantemente feita sobre a folha
de salários, de modo que os trabalhadores pagam a maior parte da conta, e ainda
há a “usurpação de 20% dos recursos da seguridade para o pagamento da dívida
pública por meio da Desvinculação das Receitas da União”. (BOSCHETTI, 2009,
p.14). Recentemente temos visto surgir vários projetos de corte de direitos sociais
sob a justificativa de Crise Fiscal para destinar recursos ao pagamento da dívida
externa. Fatorelli (2016) apud Sistema Integrado de Administração Financeira –
SIAFI (2016) mostra que o orçamento para a política de saúde em 2016 foi de 3,90%
do total, enquanto 43,94% foi destinado a juros e amortizações da dívida. Já no
orçamento projetado para 2017 observa-se a redução do gasto com a saúde, que
passa para 3,16% do total, enquanto que os recursos destinados à juros
amortizações da dívida sobem para 50,66% do orçamento total.
Para Bravo (2008) apesar de
ter conseguido alguns avanços, o SUS real está muito longe do SUS constitucional. Há uma enorme distância entre a proposta do movimento sanitário e a prática social do sistema público de saúde vigente. O SUS foi se consolidando como espaço destinado aos que não têm acesso aos subsistemas privados, como parte de um sistema segmentado. A proposição do SUS inscrita na Constituição de 1988 de um sistema público universal não se efetivou. (p.20)
Tudo isso põe diversos limites e desafios à formação e prática profissional
dos trabalhadores da saúde, dentre eles o assistente social. Essas implicações
serão abordadas no capítulo seguinte.
32
2 O SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA SAÚDE
Neste capítulo será abordada a inserção do Serviço Social na área de saúde
no Brasil. A princípio, serão traçados os pontos em comum entre o projeto
profissional atualmente hegemônico no Serviço Social e o Projeto de Reforma
Sanitária, que está em disputa contra o Projeto Privatista da saúde desde os anos
1970. Para isso passaremos pelo contexto social e político em que se dá a
construção desses diferentes projetos até chegar aos princípios e valores que os
constituem. No tópico seguinte, será tratada a produção científica sobre saúde no
Serviço Social, enfatizando a histórica relação entre a profissão e a área da saúde e
apresentando as demandas postas e respostas dadas pela profissão ao se inserir
nessa área em diferentes contextos históricos.
2.1 A RELAÇÃO ENTRE O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL E O MOVIMENTO DE REFORMA SANITÁRIA NO BRASIL
Desde o final dos anos 1970, o Serviço Social brasileiro vem construindo um
projeto profissional marcado pela denúncia ao conservadorismo na profissão, o
compromisso com as classes trabalhadoras e a direção social crítica fundada na
teoria social marxista. O compromisso com as classes trabalhadoras significa,
segundo Netto (2008), compromisso com projetos de classe, que são por extensão
projetos societários. Os projetos societários são projetos coletivos que apresentam
uma imagem de sociedade a ser construída, reclamando certos valores e
privilegiando certos meios para alcançá-la.
Inscrevem-se também no marco dos projetos coletivos os projetos
profissionais, como o projeto ético-político do Serviço Social.
Os projetos profissionais apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais) (NETTO, 2008, p.04).
33
Assim como os projetos societários, os projetos profissionais possuem
inelimináveis dimensões políticas. A recusa e crítica ao conservadorismo, marcos do
projeto ético-político do Serviço Social brasileiro surgiram ainda nos anos 1960, no
contexto do Movimento de Reconceituação que acontecia na América Latina no
mesmo período e que realizava essa problematização. No entanto, a implementação
da ditadura militar em 1964 abortou essa discussão, requisitando aos profissionais
da categoria competências voltadas ao desenvolvimento do processo de
modernização conservadora que se dava no país. É somente na primeira metade
dos anos 1980, com a crise econômica e política da ditadura e a intensificação da
resistência ao sistema, que o debate ressurge na categoria originando o movimento
de Renovação da profissão que, de acordo com Netto (2015), possuía três
vertentes: a perspectiva modernizadora6, a reatualização do conservadorismo7 e a
intenção de ruptura8.
De acordo com Netto (2008) as exigências sociais e políticas postas com a
contestação ao regime ditatorial repercutiram no interior do corpo profissional, que
incorporou o questionamento ao conservadorismo da época. Netto (2008) afirma
ainda que foi no processo de derrota da ditadura que se deu a primeira condição
para a constituição de um novo projeto profissional. Apesar desse não ter sido um
processo homogêneo no corpo da profissão, as vanguardas mobilizaram-se
ativamente na contestação do regime. Uma evidência disso apontada por Netto
(2008) é o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) em 1979, onde de
forma organizada uma vanguarda profissional destituiu uma mesa de abertura com
nomes oficiais da ditadura militar, substituindo-os por nomes advindos da classe
6 As propostas que circulavam em torno desta perspectiva eram no sentido de adequar o Serviço Social, em seu aspecto técnico, às exigências do governo militar. De acordo com essa vertente, a profissão fomentaria a promoção da integração social ao processo de desenvolvimento projetado no pós 64. O respaldo para a modernização profissional foi buscado no deslocamento das bases confessionais, as quais deram espaço a referências teóricas norte-americanas, especificamente o positivismo e o funcionalismo. (SOUZA, 2013, p.31) 7 Opera-se, através desta, a recuperação de elementos conservadores presentes na história da profissão trazidos, agora, sob perspectivas teórico-metodológicas consideradas novas. Tal vertente repudia a recorrência ao positivismo e ao marxismo e traz significativos resquícios do pensamento católico tradicional. Suas bases são fundamentadas na fenomenologia. (SOUZA, 2013, p.31) 8 Tal vertente, assim como a modernizadora, preconizava o abandono do Serviço Social tradicional, mas a grande diferença estava na crítica generalizada aos suportes teóricos, metodológicos e ideológicos, até então, influenciadores da profissão. A perspectiva de intenção de ruptura defendeu a proposta de romper não só com o tradicionalismo profissional, mas também com o conservadorismo impresso nas ações dos(as) assistentes sociais. Agora, a intervenção seria executada sob uma perspectiva preconizadora dos interesses das classes desfavorecidas. (SOUZA, 2013, p.31)
34
trabalhadora, tornando o evento conhecido como “Congresso da Virada” – marco
importante para demarcar o compromisso da categoria com a classe trabalhadora.
Além disso, a instauração do pluralismo político na categoria e o consequente
redimensionamento da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS)
– depois renomeada Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS) – e Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), que se inseriram de
forma inédita no movimento dos trabalhadores brasileiros, mostram que os setores
mais dinâmicos da profissão estavam indo no mesmo caminho.
Para Netto (2008) outras condições para a constituição do novo projeto foram:
a Reforma Universitária imposta pela ditadura, que possibilitou que a profissão se
legitimasse no âmbito acadêmico consolidando sua acumulação teórica e
interlocução com as Ciências Sociais; o debate sobre a formação profissional e a
reforma curricular de 1982, que possibilitou a construção de um novo perfil
profissional, capaz de responder às demandas tradicionais e às demandas
emergentes da sociedade brasileira; a conquista de direitos cívicos e sociais que
possibilitaram a intervenção com determinadas categorias sociais e o alargamento
da prática profissional.
Esse projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor
central – “a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher
entre alternativas concretas”; de onde decorre o compromisso com a autonomia,
emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais. Além desses, também se
destacam os seguintes princípios:
defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e autoritarismo; ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos
socialmente discriminados e à discussão das diferenças. (CFESS, 1993, p.3-4)
Para Netto (2008),
35
a dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Correspondentemente, o projeto se declara radicalmente democrático – considerada a democratização como socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida (p.16).
Assim como ocorre no Serviço Social, na década de 1980 também se
intensifica na saúde coletiva o debate teórico e a incorporação de algumas temáticas
como o Estado e as políticas sociais numa perspectiva de democratização. O
Movimento Sanitário, que já vinha sendo construído desde a década de 1970
conseguiu, nesse período, grandes avanços na elaboração de propostas de
fortalecimento do setor público de saúde, em oposição ao modelo de privilegiamento
do produtor privado que se consolidou durante o regime militar. Um marco desse
processo foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde que ocorreu em Brasília em 1986 e
introduziu a discussão à sociedade, fazendo com que o debate saísse de seus
fóruns específicos, onde tinha apenas a participação de técnicos da área.
Assim, essa época foi marcada pelo aparecimento de novos sujeitos sociais
na discussão das propostas para o setor, fato que o atribuiu uma dimensão política e
estritamente vinculada à democracia. Dentre esses sujeitos destacam-se: os
profissionais da saúde e suas entidades, o movimento sanitário – representado
principalmente pelo Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), os partidos
políticos de oposição e os movimentos sociais urbanos.
As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde. (BRAVO, 2008, p.9)
A principal conquista do movimento foi a introdução de grande parte dessas
reivindicações no texto constitucional que foi promulgado em 1988 e a consequente
mudança do arcabouço e das práticas institucionais.
36
O Serviço Social sofria influência dessa conjuntura, visto que o processo de
desenvolvimento do Movimento de Reforma Sanitária se dava no mesmo momento
do movimento de Renovação da profissão. No entanto, por este ser um movimento
de revisão interna em que a categoria questionava suas bases teórico-
metodológicas tradicionais conservadoras, não foi realizado, nesse momento, um
nexo com outros debates também importantes, como o Movimento de Reforma
Sanitária. Segundo Bravo e Matos (2008), como os profissionais da vertente de
Intenção de Ruptura se inseriam principalmente nas universidades, poucas
alterações ocorreram no cotidiano dos serviços.
Por essas questões, o Serviço Social chega à década de 1990 ainda
desarticulado com o Movimento de Reforma Sanitária. A consolidação do projeto
neoliberal nesse período confronta-se tanto com o projeto ético-político que vinha
sendo construindo e ganhando hegemonia no Serviço Social, quanto com o Projeto
da Reforma Sanitária.
No campo da saúde, prevalece o projeto de saúde privatista, articulado ao
mercado. Quanto ao projeto profissional do Serviço Social, “consolida-se na década
de 1990 e está em construção, fortemente tensionado pelos rumos neoliberais da
sociedade e por uma nova reação conservadora no seio da profissão na década que
transcorre”. (BRAZ, 2008, p.4). Desde então, aos assistentes sociais, são
requisitadas diferentes competências pelos projetos de saúde em disputa.
Entretanto, as requisições do Projeto de Reforma Sanitária se aproximam mais dos
valores do projeto ético-político hegemônico e dos princípios do atual Código de
Ética do assistente social.
O projeto privatista vem requisitando ao assistente social, entre outras demandas, a seleção socioeconômica dos usuários, atuação psicossocial por meio de aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde, assistencialismo por meio da ideologia do favor e predomínio de práticas individuais. Entretanto, o projeto da reforma sanitária vem apresentando como demandas que o assistente social trabalhe as seguintes questões: democratização do acesso as unidades e aos serviços de saúde; estratégias de aproximação das unidades de saúde com a realidade; trabalho interdisciplinar; ênfase nas abordagens grupais; acesso democrático às informações e estímulo à participação popular (CFESS, 2010, p.26).
Ainda segundo o CFESS (2010), são exemplos de valores comuns aos dois
projetos: a universalidade do acesso aos serviços, a gestão democrática e o controle
37
social, a eliminação do preconceito, a democratização da informação, a
interdisciplinaridade, etc.
Destaca-se, a partir do exposto, que há uma relação entre o projeto ético-político e o de reforma sanitária, principalmente, nos seus grandes eixos: principais aportes e referências teóricas, formação profissional e princípios. Os dois projetos são construídos no processo de redemocratização da sociedade brasileira e se consolidam na década de 1980. (CFESS, 2010, p.26)
Como a configuração da política de saúde no contexto neoliberal impacta
diretamente no exercício profissional do assistente social e compromete a efetivação
do projeto ético-político da profissão, seria contraditório se a categoria não se
somasse aos demais profissionais da saúde e movimentos sociais em defesa do
projeto de Reforma Sanitária. Vale salientar, que a relação entre o Serviço Social e a
área da saúde é bem anterior à aproximação desses dois projetos, como veremos
no tópico a seguir.
2.2 A HISTÓRICA IMBRICAÇÃO ENTRE A ÁREA DA SAÚDE E O SERVIÇO
SOCIAL
Segundo Martinelli (2003), o Serviço Social possui uma relação histórica com
a área da saúde, sendo a mesma constitutiva de sua identidade profissional. Como
exemplo dessa intrínseca relação é possível situar o surgimento da profissão na
transição do século XIX para o século XX nos Estados Unidos. Ainda segundo
Martinelli (2003) sua criadora, Mary Richmond, se baseou em Florence Nightingale,
criadora da enfermagem moderna, para desenvolver a técnica de “visita domiciliar”
no Serviço Social. A técnica das “visitadoras sociais” concebida por Florence e
utilizada na enfermagem foi ampliada por Richmond, configurando as visitas
domiciliares como o trabalho que deu visibilidade ao Serviço Social nos Estados
Unidos.
Há registros históricos da presença de assistentes sociais nas equipes de
saúde do EUA antes do fim da década de 1880. Em Nova Iorque, desde o início do
século XX os assistentes sociais vinham trabalhando com as equipes de saúde no
tratamento e profilaxia da tuberculose. Em Massachussets, 1905, o Dr. Richard
Cabot criou o primeiro Serviço Social Médico de que se tem notícia, inserindo-o na
38
estrutura organizacional do Hospital Geral de Massachussets, fazendo com que
vários outros hospitais aderissem ao modelo (idem, p. 9-10). Como aponta Martinelli
(2003),
O trinômio higiene, educação e saúde, que caracterizara o Serviço Social nas suas origens, deixou marcas bastante profundas em sua identidade e no modelo clássico de Serviço Social, no qual, segundo as palavras da própria Richmond (1950), o relacionamento é a alma do processo (p.10).
No Brasil não foi muito diferente, apesar de, inicialmente, não ter sido a área
que concentrou o maior quantitativo de profissionais, desde o início da profissão na
década de 1930 são encontrados assistentes sociais trabalhando na saúde.
Inclusive, algumas escolas foram criadas por demandas do setor, e a formação
sempre esteve pautada em disciplinas voltadas à saúde. Por volta dos anos 1940,
no segundo pós-guerra, quando começa a se implantar um novo modelo de saúde
com o hospital como centro de referência da prática médica, o assistente social já é
considerado um profissional indispensável na equipe e a saúde passa a ser a área
que mais absorve tais profissionais.
A partir dessa época, a profissão se expande para atender às necessidades
do aprofundamento do capitalismo no Brasil. Consequentemente, a ação profissional
na saúde também se amplia, transformando-se no setor que mais absorve os
assistentes sociais. Nesse contexto, a influência europeia na profissão é substituída
pela influência norte-americana, de modo que a ação profissional passa a se pautar
numa análise de cunho psicológico e não mais no julgamento moral da população
cliente. A influência também se dá na formação, resultando numa alteração
curricular. O marco dessa influência foi o Congresso Interamericano de Serviço
Social realizado em 1941 em Atlantic City (EUA), que deu seguimento a uma
aproximação maior entre o Serviço Social brasileiro e o norte-americano, o que se
mostra no oferecimento de bolsas de estudo aos profissionais brasileiros e a criação
de entidades organizativas.
Bravo e Matos (2008) apontam, além disso, o “novo” e ampliado conceito de
saúde elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948, que passou
a enfatizar os aspectos biopsicossociais da saúde, requisitando a ação de outros
profissionais no setor para o desenvolvimento de ações multidisciplinares, entre eles
39
o assistente social. Também contribuiu para a ampliação da profissão a
consolidação da Política Nacional de Saúde no país, responsável pela ampliação
dos gastos com assistência médica através da previdência médica. No entanto, por
não ser universal essa assistência gerou uma contradição entre a demanda e a
seletividade imposta.
O assistente social vai atuar nos hospitais colocando-se entre a instituição e a população, a fim de viabilizar o acesso dos usuários aos serviços e benefícios. Para tanto, o profissional utiliza-se das seguintes ações: plantão, triagem ou seleção, encaminhamento, concessão de benefícios e orientação previdenciária (BRAVO; MATOS, 2008, p.3)
Os assistentes sociais no Brasil seguiram por um tempo priorizando as ações
no nível curativo e hospitalar, tanto que não sofreram influência das propostas
racionalizadoras de saúde que surgiram na década de 1950, especialmente nos
Estados Unidos, como a “medicina integral” e a “medicina preventiva”. Mantiveram
como lócus central de sua ação os hospitais e ambulatórios, só sendo absorvidos
pelos Centros de Saúde em 1975.
Nos anos 1960, mais especificamente em 1964, com a instituição da ditadura
militar, o processo de modernização conservadora implantado exigiu a renovação do
Serviço Social, requisitando a repressão e controle da classe trabalhadora e o
atendimento de demandas técnico-burocráticas. O principal veículo responsável pela
elaboração teórica do Serviço Social de 1965 a 1975 foi o Centro Brasileiro de
Cooperação e Intercâmbio em Serviços Sociais (CBCISS) que difundia a perspectiva
modernizadora visando à adequação da profissão às exigências da conjuntura. Essa
perspectiva se baseava no estrutural-funcionalismo norte-americano, trazendo o
Serviço Social como integrador do processo almejado pelo desenvolvimentismo. A
preocupação era inserir a profissão numa moldura teórico-metodológica e não havia
o questionamento da ordem política vigente. De acordo com Bravo e Matos (2008,
p.5)
O Serviço Social na saúde vai receber as influências da modernização que se operou no âmbito das políticas sociais, sedimentando sua ação na prática curativa, principalmente na assistência médica previdenciária – maior empregador dos profissionais. Foram enfatizadas as técnicas de intervenção, a burocratização das atividades, a psicologização das relações sociais e a concessão de benefícios. Foi utilizada uma terminologia mais sofisticada e coerente com o modelo político econômico implantado no país. (BRAVO, 1996 apud BRAVO; MATOS, 2008, p.5)
40
Na distensão política (1974 a 1979), apesar das mudanças na sociedade
brasileira e no interior da profissão - cujo marco foi o movimento de Renovação -, a
prática do Serviço Social na saúde não se alterou, mantendo a perspectiva
modernizadora. As produções teóricas também não romperam com essa direção.
Somente na década de 1980, no contexto da redemocratização e em meio à
intensificação das mobilizações políticas o Serviço Social irá ampliar seu debate
teórico e incluir algumas temáticas relacionadas à saúde, como Estado e políticas
sociais.
Apesar do grande avanço na discussão teórica dentro da categoria, poucas
mudanças foram apontadas no campo da intervenção no cotidiano dos serviços.
Apesar disso, podem-se observar algumas mudanças de posições no Serviço Social
na área de saúde nesse período, a saber:
[...] a postura crítica dos trabalhos em saúde apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais de 85 e 89; a apresentação de alguns trabalhos nos Congressos Brasileiros de Saúde Coletiva; a proposta de intervenção formulada pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS) e Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) para o Serviço Social do INAMPS; e a articulação do CFAS com outros conselhos federais da área da saúde. (BRAVO, 1996 apud BRAVO; MATOS, 2008, p.8-9)
A década de 1990 tem como marco a implantação do projeto neoliberal no
país iniciada no governo Collor, que se confronta com projeto profissional que vem
sendo construído pelo Serviço Social desde a década de 1980. Nesse período, se
consolida o Projeto de Saúde Privatista que, pautado na política de ajuste tem como
tendências a contenção de gastos com a racionalização da oferta e a
descentralização com isenção da responsabilidade do poder central. Também se
destaca o caráter focalizado de atendimento, a fragmentação dos serviços e o
questionamento da universalidade do acesso.
Segundo Bravo e Matos (2008) para o assistente social vem sendo
requisitado, desde esse período, a seleção socioeconômica dos usuários, atuação
psicossocial através de aconselhamento, ação fiscalizatória dos usuários de plano
de saúde, assistencialismo e predomínio de práticas individuais. Porém, o projeto
ético-político hoje hegemônico no Serviço Social, que está mais articulado ao projeto
de Reforma Sanitária, demanda aos assistentes sociais que atuem na perspectiva
41
do atendimento humanizado, da democratização do acesso à saúde e à informação,
da interdisciplinaridade e do estímulo à participação social.
De acordo com Bravo e Matos (2008), podemos compreender que a eleição
de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência da república 2002 foi uma resposta
da população às medidas implantadas no governo anterior na qual prevaleceram as
medidas privatistas e neoliberais em todas as áreas, inclusive na saúde. A análise
de Bravo e Matos (2008) é de que a política macroeconômica do governo anterior foi
mantida. As políticas sociais continuaram fragmentadas e subordinadas à lógica
econômica e a concepção de seguridade social não foi valorizada.
Bravo e Matos (2008) afirmam que no programa de governo de Lula, a saúde
era entendida como direito universal e era posto o compromisso do governo em
garanti-la. Para tanto, algumas estratégias foram defendidas para a viabilização
desse objetivo, como: a política de educação para o SUS; a capacitação continuada
dos conselheiros de saúde; a ampliação das contratações de agentes comunitários
de saúde e a efetivação de outras contratações (auxiliar e técnico de saneamento,
agentes de vigilância sanitária e agentes de saúde mental); o fortalecimento do
Programa de Saúde da Família (PSF) etc. No entanto, após anos de governo,
poucos avanços foram registrados, e o que se assistiu foi a manutenção de muitos
aspectos da política macroeconômica já desenvolvida no governo de Fernando
Henrique Cardoso.
Posteriormente, com o início do mandato da presidenta Dilma Rousseff, em
2011, a saúde continuou a enfrentar os mesmos agravantes. Em seu discurso de
posse, a então presidenta, afirmou que a consolidação do SUS era considerada
como prioridade, embora tenha deixado claro que estabeleceria parcerias com o
setor privado. Isso ficou visível com a ampliação de modelos de gestão privatizantes
como as Organizações da Sociedade Civil (OSs) e Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Privado (OSCIPs).
Em 2011 foi recolocada como projeto de lei a proposta de criação da Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que havia sido colocada como
medida provisória no governo Lula, mas teve o prazo de votação expirado. Apesar
da resistência e da luta de diversos setores da sociedade, inclusive do Conjunto
CFESS-CRESS, a proposta foi aprovada sob forma da Lei n° 15.550/2011, que
autorizou a criação de uma empresa pública de direito privado ligada ao Ministério
42
da Educação para a reestruturação dos Hospitais Universitários (HUs), promovendo
a terceirização e precarização dos serviços públicos de saúde.
Recentemente, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016,
e a tomada do cargo pelo seu vice, Michel Temer temos assistido a uma série de
medidas que intensificam ainda mais a precarização das políticas sociais, tais como:
a abertura da saúde ao capital estrangeiro, a aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional 241 - que congela por vinte anos os gastos públicos -, a Lei da
Terceirização (Lei n° 13.429/2017) - que libera a terceirização para todas as
atividades e empresas - e a proposta de planos de saúde privados “acessíveis” são
apenas alguns dos ataques ao SUS por parte do atual governo.
Diante do exposto, considera-se que o Projeto Privatista de saúde está
ganhando ainda mais força, enquanto o Projeto de Reforma Sanitária sofre ainda
mais ataques. O Serviço Social não fica imune a esse contexto. Essa conjuntura de
intensificação da precarização das políticas sociais incide diretamente na atuação
profissional e na efetivação do projeto ético-político profissional, visto que piora as
condições de trabalho – tanto objetivas como subjetivas - e dificulta a viabilização de
direitos aos usuários, já que esses cada vez mais se convertem em mercadorias
acessíveis apenas pela via do mercado.
Para Bravo e Matos (2008), ao mesmo tempo em que atinge sua maioridade
intelectual a partir da década de 1990, a profissão sofre uma ofensiva conservadora
à sua tendência hegemônica. Na saúde, isso se manifesta pelo discurso que
dicotomiza a teoria e a prática profissionais, pela descrença na existência de
políticas públicas e pela necessidade de construção de um saber específico na área
da saúde, que deslancha para um trato exclusivo de estudos na perspectiva da
divisão da clássica prática médica.
Esse cenário reforça a necessidade de articulação da profissão com outros
segmentos profissionais e da classe trabalhadora que atuem em defesa do SUS e
do Projeto de Reforma Sanitária.
Mais do que nunca, os assistentes sociais estão desafiados a encarar a defesa da democracia, das políticas públicas e consubstanciar um trabalho – no cotidiano e na articulação com outros sujeitos que partilhem destes princípios – que faça frente ao projeto neoliberal, já que este macula direitos e conquistas defendidos pelos seus fóruns e pelas legislações normativas da profissão. (BRAVO; MATOS, 2008, p.19)
43
Para isso, é imprescindível a participação nos espaços de luta e articulação
com os movimentos sociais que pautam a defesa desse projeto. Além do
comprometimento com uma atuação voltada à efetivação do projeto profissional
hegemônico, o que exige seu domínio e contínuo aprimoramento através da
educação permanente. Por essas razões, se faz extremamente importante o
incentivo ao desenvolvimento da dimensão investigativa da profissão, tanto entre
estudantes de graduação e pós como entre profissionais já formados, para que a
produção do conhecimento aumente tanto em quantidade como em qualidade,
servindo como subsídio para a formação de estudantes e formação permanente dos
profissionais, possibilitando que estes qualifiquem sua prática. O capítulo a seguir,
que abordará a produção científica sobre saúde no Serviço Social da UFRN,
enfatizará a importância dessa relação.
44
3 A CONTRIBUIÇÃO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS SOBRE SAÚDE DO
SERVIÇO SOCIAL NA UFRN
Neste capítulo, apresentaremos os resultados e discussão da pesquisa com
base nos dados coletados nos trabalhos investigados. Primeiramente, será feita uma
breve descrição do procedimento metodológico utilizado. Em seguida, serão
apresentados em forma de tabela os principais aspectos analisados nas produções,
bem como as reflexões que podem ser feitas a partir deles, enfatizando-se as
principais tendências e perspectivas presentes. Por fim, serão expostos os principais
desafios que se colocam para o Serviço Social de acordo com as produções
analisadas.
3.1 PRINCIPAIS TENDÊNCIAS APONTADAS NA REFLEXÃO SOBRE A POLÍTICA
DE SAÚDE NO SERVIÇO SOCIAL DA UFRN
Com o objetivo de analisar a contribuição das produções acadêmicas sobre
saúde no Serviço Social da UFRN foi estabelecido o recorte de 10 anos
(compreendendo o período entre os anos de 2007 a 2017), utilizando-se como
referências as monografias de graduação e dissertações de mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social – disponíveis no repositório virtual da
universidade, que tem como endereço repositorio.ufrn.br.
Para selecionar os trabalhos com os critérios citados foi usado o campo de
busca do site bem como recursos que o mesmo disponibiliza para filtrar resultados;
como: título, autor, assunto, data de publicação e unidade de ensino. As palavras-
chave usadas na busca foram: “saúde” e “serviço social”, e os filtros utilizados foram
o de título, assunto, “Centro de Ciências Sociais Aplicadas” e “Departamento de
Serviço Social”. Após o refino 24 trabalhos se constituíram como amostra.
A partir desse levantamento, desenvolvemos uma tabela constando: nome do
trabalho, autor/a, ano de publicação, aspecto da discussão da saúde abordado, tipo
de trabalho, perspectiva teórica, relação com o Serviço Social, sujeitos de pesquisa
e se teve relação com estágio supervisionado. Além dos aspectos já destacados,
buscamos identificar ainda as tendências, temáticas novas e recorrentes, avanços e
possíveis lacunas nas produções da área.
45
A opção pela pesquisa bibliográfica se deu pelo caráter do objeto de estudo,
no caso monografias e dissertações, já que de acordo com Minayo (2001) essa
forma de investigar nos permite articular conceitos e sistematizar a produção de uma
determinada área do conhecimento.
Segundo Gil (2002, p.44) “[...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos”. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir
ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que
aquela que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente
importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo
espaço (idem, p. 45). “Além dessas considerações, podemos dizer que a pesquisa
bibliográfica coloca frente a frente os desejos do pesquisador e os autores
envolvidos em seu horizonte de interesse” (MINAYO, 2001, p.53).
46
Tabela 1 – Mapeamento das dissertações produzidas entre 2007 e 2017
N° Título Ano Autor Aspecto da saúde abordado
Relação com o estágio supervisionado
Tipo de trabalho
Perspectiva teórica
Relação feita com o Serviço Social
Sujeitos da pesquisa
17 O COTIDIANO DO(A) ASSISTENTE SOCIAL FRENTE ÀS DEMANDAS APRESENTADAS PELA PACIENTE PORTADORA DO CÂNCER DE MAMA EM TRATAMENTO NO HOSPITAL DOUTOR LUIZ ANTÔNIO EM NATAL/RN
2007 Tamara Simone Dias de Farias
Processos de trabalho, Determinantes Sociais de Saúde
Não possui Dissertação
-
Demandas e respostas profissionais do Serviço Social na área de oncologia e o projeto ético-político profissional
Assistentes Sociais atuantes na área de oncologia e mulheres portadora do câncer de mama
8 O SERVIÇO SOCIAL NAS OPERADORAS DE PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE: demandas, atribuições e respostas profissionais
2008 Joseneide Costa Soares
Processos de trabalho
Não possui Dissertação Teoria crítica e dialética
A reestruturação do capital e os impactos na atuação das assistentes sociais nas operadoras de planos privados de saúde
Assistentes sociais atuantes nas operadoras de planos privados de assistência à saúde em instituições do RN
7 PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar
2010 Érika Silva Meneses
Processos de trabalho
Interesse surge da experiência de estágio curricular na Unidade de Saúde Familiar e Comunitária do Hospital Universitári
Dissertação Perspectiva marxiana
Privatização da saúde, materialização da ação profissional e efetivação dos direitos
Assistentes sociais dos hospitais públicos de Natal/RN
47
o Onofre Lopes
12 REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO EM SAÚDE: uma análise a partir do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel em Natal (RN)
2010 Maria Cristina Silva Pereira
Gestão do SUS Não possui Dissertação Perspectiva dialética
Não possui
-
5 SERVIÇO SOCIAL AUDIT SAÚDE NO SUS/RN: PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL E DE REFORMA SANITÁRIA
2011 Aparecida Dantas de Almeida Medeiros
Processos de trabalho
Não possui Dissertação Método crítico-dialético
Auditorias do SUS, Neoliberalismo e atuação de Assistentes Sociais nesse espaço sócio-ocupacional
Assistentes sociais inseridos/as nas equipes de auditorias do SUS no RN
10 SAÚDE DO TRABALHADOR: ENTRE OS DISPOSITIVOS LEGAIS E AS PRÁTICAS EFETIVAS
2011 Manuela de Medeiro Pinheiro
Saúde do trabalhador
Não possui Dissertação -
Não possui -
13 O TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO ÂMBITO HOSPITALAR: ASPARTICULARIDADES DA SUA INSERÇÃO NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ONOFRE LOPES (HUOL) EM NATAL/RN
2011 Mônica Matias Rafael do Nascimento
Processos de trabalho
Interesse surge durante período de estágio curricular no HUOL
Dissertação Materialismo histórico dialético
Reestruturação produtiva e rebatimentos na atuação profissional de Assistentes Sociais na saúde
Assistentes Sociais trabalhadoras do HUOL
18 TRABALHO ESAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISA: UMA RELAÇÃO INVERSAMENTE PROPORCIONAL NA
2011 Viviane Aline Gregório Azevedo
Saúde do trabalhador
Não possui Dissertação Perspectiva teórico-metodológica crítica
Analisa as tendências na produção do conhecimento no campo da saúde em
-
48
SOCIEDADE CAPITALISTA
diversas áreas, dentre elas o Serviço Social
16 O TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS ONOFRE LOPES (HUOL) E HOSPITAL ANA BEZERRA (HUAB) DA UFRN: os desafios da formação permanente
2012 Rose Marrie de Araújo Barros
Formação continuada
Não possui Dissertação
-
Hospitais Universitários como espaço de formação e articulação entre ensino, pesquisa e extensão para Assistentes Sociais
Assistentes Sociais do HUOL e HUAB
1 OS RUMOS DO FUNDO PÚBLICO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: uma análise sobre o financiamento da Política de Saúde no Estado do Rio Grande do Norte
2013 Alane Karina Dantas Pereira
Financiamento Não possui Dissertação Materialismo crítico-dialético
Não possui -
14 AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NA SAÚDE E O PROCESSO DEADOECIMENTO DA (O) ASSISTENTE SOCIAL
2013 Patrícia Cristiane Soares Câmara
Saúde do trabalhador
Interesse surge da experiência de estágio curricular obrigatório no CECAN (Centro Avançado de Oncologia)
Dissertação
-
Implicações das condições de trabalho na saúde de Assistentes Sociais e sua relação com os usuários e demais profissionais da equipe
Assistentes Sociais de diferentes unidades hospitalares da Região Metropolitana de Natal
2 A CONDIÇÃO DE SAÚDE DO TRABALHADOR MOTO-TAXISTA DO MUNICÍPIODE CAICÓ - RN NO CONTEXTO DA PRECARIZAÇÃO DO
2014 Aline Gomes dos Santos
Saúde do trabalhador
Não possui Dissertação Método dialético
Não possui Mototaxistas do município de Caicó - RN
49
TRABALHO
6 Violência Institucional: um desafio na atenção à saúde da população negra com doença falciforme em João Pessoa/PB
2014 Dandara Batista Correia
Determinantes sociais de saúde
Não possui Dissertação Teoria crítica e dialética
Não possui -
11 DISCUTINDO A PROPOSTA DEAPOIO MATRICIAL NOS NÚCLEOS DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA (NASF)
2014 Maria Clara de Oliveira Figueiredo
Gestão do SUS Não possui Dissertação -
Não possui -
4 O SERVIÇO SOCIAL NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ANA BEZERRA: reflexões sobre a influência dos Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde
2015 Ana Karine Ferreira da Silva Fechine
Processos de trabalho
Interesse pelo tema surge do período de estágio obrigatório no Hospital Dr. Luiz Antônio
Dissertação Perspectiva crítico-dialética
Processo de reestruturação produtiva e seus impactos na atuação das Assistentes Sociais
Profissionais assistentes sociais lotadas no HUAB
9 O ESTADO DA ARTE DAS PRODUÇÕES EM SAÚDE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DA UFRN: ACÚMULO E DESAFIOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
2015 Laura Costa de Paiva Mendonça
Produção científica
Não possui Dissertação Perspectiva de construção dialética
O Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UFRN, contexto histórico e pressupostos teórico-metodológicos e metodologias utilizadas
-
15 AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DA GARANTIA DOS DIREITOS DO PACIENTE
2015 Priscilia Monik de Araújo Barbosa
Saúde da pessoa idosa
Não possui Dissertação Materialismo histórico dialético
Não possui Profissionais da saúde e pacientes do Hospital Dr. Ruy Pereira dos Santos
50
IDOSO INTERNADO: O CASO DE UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN
Dantas
3 BARBÁRIE ECOLÓGICA, DIREITO À SAÚDE E DENGUE: (des) configurações de uma doença socioambiental na cidade do Natal – RN
2016 Amanda Santos de Paiva
Determinantes sociais de saúde
Não possui Dissertação Método dialético
Não possui Agentes de Controle de Endemias e supervisor técnico do Centro de Controle de Zoonoses
51
Tabela 2 – Mapeamento das monografias produzidas entre 2007 e 2017
N° Título Ano Autor Aspecto da saúde abordado
Relação com o estágio supervisionado
Tipo de trabalho
Perspectiva teórica
Relação feita com o Serviço Social
Sujeitos da pesquisa
1 COMUNIDADE DE NEGROS DO RIACHO/RN: CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E O AVANÇO DA ANEMIA FALCIFORME
2012 Brenda Jéssica Cirne de Oliveira
Determinantes sociais de saúde
Interesse surge da experiência de estágio curricular no Hospital Infantil Varela Santiago
Monografia -
Não possui Membros da comunidade quilombola do Riacho
2 A QUESTÃO SOCIAL NO HOSPITAL MONSENHOR WALFREDOGURGEL: Um Olhar Sobre as Vítimas Por Armas de Fogo
2012 Josely de Sena dos Santos
Determinantes sociais de saúde
Não possui Monografia Método dialético
A trajetória do Serviço Social na saúde e atuação do Serviço Social no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel
Vítimas por armas de fogo do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel
3 DIMENSÕES DA QUALIDADE DE VIDA: UM ENFOQUE NA PREVENÇÃO E PROMOÇÃO À SAÚDE DA PESSOA IDOSA
2012 Kamila Fernandes Farias
Saúde da pessoa idosa
Não possui Monografia Perspectiva crítica e reflexiva
Atuação do/da Assistente Social nas operadoras de assistência à saúde
Usuários do Programa de atenção à saúde e qualidade de vida “De Bem Com a Vida” desenvolvido pela CAURN (Caixa Assistencial Universitária do RN)
52
4 A VIOLÊNCIA E OS SEUS REBATIMENTOS SOBRE A SAÚDE PÚBLICA: O impacto econômico advindo de situações de violência no estado do Rio Grande do Norte
2012 Marcela Renata dos Santos Felipe
Orçamento público
Não possui Monografia Perspectiva dialética
Situa a atuação do Serviço Social na saúde e aborda a prática profissional no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel frente à situações de violência
5 ESCOLARIDADE VERSUS CONHECIMENTO DOS DIREITOS E DEVERES DOS USUÁRIOS DO SUS: CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL NO ÂMBITODO HOSPITAL MONSENHOR WALFREDO GURGEL/PRONTO SOCORRO CLÓVIS SARINHO
2012 Monyque Vieira Ribeiro de Azevedo
Determinantes sociais de saúde
Não possui Monografia
-
Como o Serviço Social pode intervir com ações socioeducativas no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel
Pacientes de diversos setores do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel
6 OS NOVOS FORMATOS DE GESTÃO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE E A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS: UPA/Pajuçara, Natal/RN
2012 Nayara Costa dos Santos
Gestão do SUS Não possui Monografia -
Não possui Usuários, funcionários e gestores da UPA/Pajuçara
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Uma das observações iniciais que o levantamento nos trouxe, foi a
predominância de trabalhos escritos por mulheres, fato que nos remeteu a algumas
reflexões; a primeira se refere à tendência histórica de mulheres no corpo
profissional, ou seja, o fenômeno social da “feminização”, presente na profissão
desde o seu surgimento.
Ademais, ao discorrer sobre a feminização da profissão de Serviço Social,
Cisne (2004), acrescenta que isso se deu como estratégia da burguesia para a
manutenção de sua ordem social por meio da apropriação da construção social
sobre a mulher e instituição da divisão sexual do trabalho. Desse modo, se
instituíram na profissão valores que se articulam com as qualidades geralmente
atribuídas ao feminino na tradição cristã, qualidades essas que são funcionais à
manutenção do sistema capitalista. Vale ressaltar que apesar do processo de
Renovação e ruptura com o conservadorismo que se deu na categoria profissional
ao longo de sua história, essa tendência permanece.
Dos 24 trabalhos que integram a amostra, 18 consistem em dissertações de
mestrado, e 06 em monografias de graduação. Não temos elementos para concluir o
porquê da maior produção sobre saúde no Serviço Social da UFRN estar vinculada
a pós-graduação, já que em termos quantitativos, a tendência seria que a graduação
tivesse mais trabalhos. Uma possibilidade que cogitamos é que isso se materialize
por vinculações a grupos de pesquisa que desenvolvem suas atividades nessa
temática.
Em relação à origem dos autores das dissertações, a maioria dos trabalhos
não permite inferir qual a instituição de ensino onde se formaram. Apenas 08 dos
trabalhos apresentam essa informação, a partir da qual se verificou que 05 das
autoras concluíram a graduação na UFRN. Enquanto 03 concluíram em outro estado
(duas na Paraíba e uma no Rio de Janeiro).
Do total de trabalhos analisados, em apenas 05 se verifica relação com a
experiência de estágio supervisionado curricular obrigatório, sendo quatro
dissertações e uma monografia. Isso apesar de a área da saúde ser um dos
principais campos de estágio da UFRN. A justificativa para essa aproximação se
expressa geralmente no decorrer do processo de estágio, ou pela observação de
alguma problemática que necessitava ser aprofundada.
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Em termos temporais, o período de maior produção se deu no ano de 2012,
com 07 trabalhos9. Em seguida, o ano de 2011 com 04 trabalhos; 2014 e 2015 com
03 trabalhos; 2010 e 2013 com 02 trabalhos; e 2007, 2008 e 2016 com apenas um
trabalho. Vale ressaltar que não foram encontrados trabalhos que atendessem aos
critérios nos anos de 2009 e 2017.
Em relação à perspectiva teórica, dos 24 trabalhos analisados, 16 afirmam se
alinhar a perspectiva teórica do materialismo histórico dialético. Enquanto 08 não
identificam qual a filiação teórica. A contribuição, do ponto de vista metodológico,
dessa perspectiva,
[...] consiste em partir do empírico (os “fatos”), apanhar as suas relações com outros conjuntos empíricos, investigar a sua gênese histórica e o seu desenvolvimento interno e reconstruir no plano do pensamento todo esse processo. O circuito investigativo, recorrendo compulsoriamente à abstração, retorna sempre ao seu ponto de partida – e, a cada retorno compreende-o de modo cada vez mais incluso e abrangente. Os “fatos”, a cada nova abordagem, se apresentam como produtos de relações históricas crescentemente complexas e mediatizadas, podendo ser contextualizados de modo concreto e inseridos no movimento maior que os engendra. A pesquisa, portanto, procede por aproximações sucessivas ao real, agarrando a história dos processos simultaneamente às suas particularidades internas. (NETTO, 2004, p. 58)
Portanto, esses resultados revelam que a maioria das produções está
alinhada com a perspectiva teórico-metodológica hegemônica na profissão,
referenciando-a a partir das determinações históricas, econômicas e sociais que
estão inseridos os sujeitos nas relações sociais que estabelecem entre si.
Os 24 trabalhos produzidos se concentraram em torno de 09 temas/eixos de
análise, a saber: formação continuada dos assistentes sociais da saúde,
financiamento da política de saúde, orçamento da política de saúde, produção
científica sobre saúde no Serviço Social da UFRN, saúde do idoso, saúde do
trabalhador, gestão do SUS, determinantes sociais de saúde e processos de
trabalho do Serviço Social na saúde.
Tabela 3 – Principais temas abordados
Tema Quantidade de trabalhos
Formação continuada 1
9 Desse quantitativo de trabalhos, 06 são monografias e apenas um é dissertação.
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Financiamento 1
Orçamento 1
Produção científica 1
Saúde do idoso 2
Gestão do SUS 3
Saúde do trabalhador 4
Determinantes sociais de saúde 6
Processos de trabalho em saúde 6
Pelo exposto, pode-se observar que a tendência é o predomínio de duas
perspectivas: a de processos de trabalho dos/das assistentes sociais na saúde e a
de determinantes sociais de saúde (condições socioambientais, economia, racismo,
violência e escolaridade) cada uma com 06 trabalhos produzidos. Em seguida, tem-
se “saúde do trabalhador” e “gestão do SUS” com 04 e 03 trabalhos,
respectivamente. Os demais temas tiveram apenas uma produção – com exceção
de “saúde do idoso”, com duas.
Por fim, investigamos quem são os sujeitos que foram ouvidos/observados no
curso da investigação escolhido pelas pesquisadoras. Foram identificados 05
sujeitos, são eles: trabalhadores da saúde; trabalhadores de outras áreas
(mototaxistas inseridos num contexto de trabalho precarizado), usuários dos
serviços de saúde, assistentes sociais inseridas no campo da saúde e integrantes de
uma comunidade quilombola afetados pelo avanço da anemia falciforme, conforme
expresso na tabela abaixo:
Tabela 4 – Sujeitos de pesquisa
Sujeito Quantidade de trabalhos
Quilombolas 1
Trabalhadores de outras áreas 1
Trabalhadores da saúde 3
Usuários dos serviços 5
Pesquisa bibliográfica 6
Assistentes sociais 8
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Como se pode ver na tabela, há a predominância dos trabalhos desenvolvidos
com profissionais do Serviço Social, que totalizam 08 das produções. Em seguida,
vêm as pesquisas bibliográficas - que totalizaram 06 das produções –, os trabalhos
com os usuários dos serviços, que integram 05 delas; e os que focam em outros
trabalhadores da saúde, que totalizam 03. Os demais sujeitos identificados
(quilombolas e mototaxistas) aparecem apenas em uma das produções.
O estudo também buscou investigar os principais desafios postos para a
atuação na área de acordo com as produções, que serão abordados no próximo
tópico.
3.2 OS DESAFIOS PARA A MATERIALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE PELA PERSPECTIVA DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS
Em relação aos desafios da atuação na área, de modo geral os trabalhos
citam os limites institucionais impostos pelo contexto da reestruturação produtiva e
alinhamento do Estado à política de ajuste neoliberal, que tem demandado dos
profissionais atuarem na perspectiva mercadológica de garantia de lucro,
impactando as condições e relações de trabalho e a prestação dos serviços, que
estão cada vez mais precarizados.
No que se refere às condições de trabalho, observa-se as extensas jornadas;
os baixos salários - que muitas vezes obrigam à busca por mais de um vínculo
empregatício -; o baixo número de contratações em relação às demandas, gerando
a sobrecarga dos profissionais; os contratos temporários e a falta de Planos de
Cargos, Carreiras e Salários; o número reduzido de concursos públicos; a ausência
de espaço físico adequado; as novas exigências como a polivalência etc.
Além disso, nesse cenário de flexibilização, coisificação e mercantilização dos
direitos e das relações predominam a competitividade e o corporativismo. Esse
conjunto de implicações objetivas e subjetivas é apontado como fator que provoca o
desgaste físico, mental e emocional dos profissionais, por vezes causando o
adoecimento.
Os trabalhos apontam esses elementos como constituintes de um conjunto de
fatores que impacta negativamente na prestação dos serviços, desqualificando-os. A
burocracia, fragmentação, focalização e seletividade são os principais aspectos
dessa mudança. De acordo com os trabalhos analisados, a prioridade nos serviços
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tem sido a rotina institucional e atendimento direto dos usuários no eixo
socioassistencial, com predomínio de ações individuais pontuais e não planejadas
de caráter emergencial em detrimento das ações coletivas de educação em saúde e
controle social. Contexto que torna difícil a efetivação dos princípios do projeto ético-
político profissional, do SUS e do projeto de Reforma Sanitária.
De acordo com os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na
Política de Saúde (2010) as ações socioassistenciais têm se constituído numa das
principais demandas ao Serviço Social. Essas se constituem numa das formas de
atendimento direto aos usuários, que são um dos quatro grandes eixos de atuação
de assistentes sociais na saúde e aparecem nos mais diversos espaços sócio
ocupacionais da área.
No entanto, essas ações devem estar vinculadas a atividades de articulação
interdisciplinar e socioeducativas por meio da reflexão com relação às condições
sóciohistóricas a que são submetidos os usuários e a mobilização para participação
nas lutas em defesa da garantida do direito à saúde. Assim, não devem ocorrer de
forma isolada, mas como parte integrante do processo coletivo de trabalho em
saúde, sendo complementares e indissociáveis. Além disso, o documento reforça
que a atuação dos assistentes sociais deve transpor o caráter emergencial e
burocrático.
Também é citado como desafio na atuação o desconhecimento das
atribuições e competências do assistente social por parte de outros profissionais,
que leva à incorporação de trabalhos que não são de competência da categoria. Em
decorrência disso, nas equipes multiprofissionais, muitas vezes, ocorre a diluição de
saberes, sendo eliminada a particularidade da profissão. Ou então, a prática dos
demais profissionais acaba tendo centralidade na prática do profissional médico. É
citado por vezes, o desconhecimento das atribuições e competências do Serviço
Social por parte das próprias profissionais, que ao não dominarem o Código de Ética
profissional acabam incorporando os objetivos institucionais à sua prática.
Em relação ao desvio de função, o Código de Ética Profissional em seu Art. 2°
assegura a “ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo [o profissional]
obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições,
cargos ou funções” e a “garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas,
estabelecidas na Lei de Regulamentação da Profissão e dos princípios firmados
neste Código”.
58
Quanto às ações de articulação com a equipe de saúde, outro dos grandes
eixos de atuação na área, os Parâmetros estabelecem que o trabalho em equipe
merece ser refletido e que as atribuições dos assistentes sociais precisam ficar
especificadas e divulgadas para os demais profissionais, a fim de resguardar a
interdisciplinaridade como perspectiva de trabalho a ser definida na saúde, opondo-
se à centralidade na prática médica. Iamamoto (2002, p. 41 apud CFESS, 2010
p.46). Afirma que:
[...] é necessário desmistificar a ideia de que a equipe, ao desenvolver ações coordenadas, cria uma identidade entre seus participantes que leva à diluição de suas particularidades profissionais. A autora considera que “são as diferenças de especializações que permitem atribuir unidade à equipe, enriquecendo-a e, ao mesmo tempo, preservando aquelas diferenças.
O documento afirma que essas dificuldades no reconhecimento das
atribuições profissionais devem impulsionar a realização de reuniões e debates entre
os diversos profissionais para o esclarecimento de suas ações e o estabelecimento
de rotinas e planos de trabalho. Quanto à incorporação dos objetivos institucionais
por parte dos profissionais, é necessário que o assistente social se comprometa com
a observância dos seus princípios ético-políticos, explicitados nos diversos
documentos legais (Código de Ética Profissional e Lei de Regulamentação da
Profissão - ambos datados de 1993 -, e Diretrizes Curriculares da ABEPSS, datada
de 1996). Além de “elaborar e participar de projetos de educação permanente,
buscar assessoria técnica e sistematizar o trabalho desenvolvido, bem como realizar
investigações sobre temáticas relacionadas à saúde” (CFESS, 2010, p.30),
efetivando assim o princípio do Código de Ética Profissional que coloca o
“compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”. (CFESS,
1993, p.3)
Ademais, contribui para a falta de aprimoramento intelectual dos profissionais
o contexto da educação brasileira - voltada às estratégias do mercado, a falta de
investimento em qualificação e educação permanente do corpo profissional pelas
instituições, a ausência de avaliações de desempenho eficientes, além do
59
desestímulo à pesquisa e à participação nos espaços de luta da área da saúde e da
categoria.
Como ferramenta para lidar com essa problemática são sugeridas nos
Parâmetros atividades com a equipe de Serviço Social e para cada área profissional,
com programações que visem à qualificação da equipe na perspectiva de um
trabalho interdisciplinar. Além disso, as atividades de formação profissional devem
envolver a criação de campo de estágio, a supervisão de estagiários, bem como a
criação e/ou participação nos programas de residência multiprofissional e/ou
uniprofissional e a preceptoria de residentes. Para essas ações é imprescindível a
articulação com as unidades de formação acadêmica.
Todos esses aspectos apresentados refletem os desafios, limites e
possibilidades de atuação do Serviço Social na área de saúde, perpassada
historicamente por contradições e lutas em torno da sua efetivação como uma
política social e como um direito fundamental para a efetivação da dignidade
humana.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Serviço Social sempre esteve inserido na área da saúde, tendo obtido
dessa inúmeras contribuições para a formação e prática profissional, além de
também contribuir hoje com muitas das lutas e conquistas alcançadas na política de
saúde. São mostras disso: a participação do Conjunto CFESS-CRESS como
integrante da Frente Nacional Contra a Privatização do SUS e do Fórum das
Entidades Nacionais de Trabalhadores da Área da Saúde (Fentas), bem como a
definição de várias pautas políticas relacionadas à saúde como bandeiras de luta da
categoria, postas em sua agenda permanente e frequentemente defendidas por
meio do CFESS Manifesta10, a exemplo da luta contra privatização do SUS, a
reforma psiquiátrica, a saúde LGBT, a saúde indígena etc.
Além de ser um campo importante para a prática profissional, ao longo dos
últimos anos, o Serviço Social tem contribuído também como produtor de
conhecimento nessa área de intervenção. Ou seja, a saúde se constitui tanto como
10 Manifesto lançado periodicamente na internet pelo CFESS trazendo os principais posicionamentos políticos do Conselho sobre temas ligados ao trabalho dos assistentes sociais.
60
um espaço para o exercício da dimensão técnico operativa da profissão, como da
dimensão investigativa, desenvolvimento teórico metodológico e ético-político.
A pesquisa bibliográfica aqui desenvolvida possibilitou compreender, mesmo
que de modo embrionário, a materialização dessas produções, suas referências,
abordagens a análise do local e as mediações com o geral, dentre outros elementos
importantes para a compreensão dos processos que circulam essa política.
Os trabalhos analisados mostraram a apreensão do processo de
desenvolvimento da política de saúde no Brasil, revelando como o interesse em
ações sanitárias por parte dos governos, historicamente, esteve relacionado à
preocupação com o desenvolvimento econômico, interesses partidários e até
pessoais. Constata-se, que mesmo os avanços obtidos na redemocratização e
instituídos na Carta Magna de 1988 foram fruto de um processo de intensas
mobilizações e disputas políticas e, ainda hoje, são enfrentados ataques e
retrocessos que aos poucos consolidam a hegemonia do modelo privatista de
saúde.
Essas abordagens são relevantes, pois apontam para a importância de que o
Serviço Social se aproprie cada vez mais da discussão em saúde, no intuito de
garantir a defesa do Projeto de Reforma Sanitária e do projeto ético-político
profissional.
Todavia, a pesquisa bibliográfica nos trabalhos acadêmicos do Serviço Social
da UFRN, revelou que nos últimos dez anos houve um refluxo na produção em
saúde, e uma concentração na pós-graduação. Outro dado é que pouquíssimos
trabalhos possuem relação com o estágio curricular supervisionado obrigatório,
apesar de a saúde ser um dos campos que historicamente oferecem mais vagas de
estágio à instituição.
Não é possível precisar o que ocasionou essa redução nas produções
acadêmicas que tem como mote de análise a saúde e seus determinantes, também
não acreditamos que teria que seguir um quantitativo exponencial. Todavia, os
espaços de execução dos estágios supervisionados obrigatórios na saúde, assim
como a saúde como um dos principais campos de atuação profissional do assistente
social, ao que parece, não sofreram significativas mudanças. Isso significa que
outros aspectos parecem tem surgido para a redução das produções nessa área de
conhecimento.
61
Outro aspecto importante que merece ser destacado é a posição política da
maioria dos trabalhos, perpassados por posicionamentos críticos, expressos,
sobretudo, a partir do alinhamento com a perspectiva sanitarista e com o projeto
político hegemônico na profissão, fundamentado na perspectiva materialista.
Ademais, há uma tendência, na maioria dos trabalhos analisados, no estudo
dos processos de trabalho dos assistentes sociais na saúde e determinantes sociais
de saúde, que são discussões fundamentais para a profissão. A análise dos sujeitos
de pesquisa predominantes reforça essa mesma tendência. No entanto, identifica-se
a carência de estudos sobre outros temas de extrema importância como: a saúde no
setor privado, saúde da criança e do adolescente, saúde da pessoa com deficiência,
saúde da mulher e população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais),
saúde de usuários de substâncias psicoativas, etc.
Os desafios relatados na maioria dos trabalhos convergem para as
expressões da questão social decorrentes da contrarreforma do Estado, expressa na
reestruturação produtiva e no avanço do neoliberalismo nas últimas três décadas.
Esses determinantes trazem à profissão e à sua atuação nos vários espaços de
atuação profissional o desafio de superação do imediatismo na prática cotidiana,
através do domínio das dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-
operativas da profissão, de modo a apresentar um perfil de profissional propositivo e
capaz de criar estratégias de atuação que rompam com as imposições da lógica
neoliberal e saiba afirmar a identidade da profissão perante os outros profissionais
da área. Também, é importante ocupar os espaços de luta da saúde e da categoria,
para reivindicar mudanças nas condições de formação e trabalho.
Por fim, acreditamos que os resultados desse trabalho de “estado da arte”,
para além de desvendar as abordagens investigadas, tendo como referência a
saúde, devem contribuir para refletir sobre as possíveis lacunas ainda existentes
nessa discussão, bem como, nos avanços dessa produção a partir da abordagem do
Serviço Social, assim como dos sujeitos que nela atuam. Além de poder pensar a
formação profissional, tanto graduação e pós como a formação continuada,
elaborando estratégias para incentivar o interesse pela área e estimular o
desenvolvimento da dimensão investigativa e a produção do conhecimento,
especialmente em temáticas ainda pouco debatidas, tendo em vista a efetivação do
tripé ensino-pesquisa-extensão.
62
Dados os limites que a condição de pesquisadoras em fase de formação nos
impõe, assim como outros determinantes como o curto de tempo de execução de
um trabalho de pesquisa, este trabalho reflete essas dificuldades, contudo,
acreditamos que ele pode contribuir para futuras pesquisas a fim de subsidiar novos
estudos acerca do tema, bem como da prática profissional do assistente social no
caminho da interdisciplinaridade.
63
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outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988 ______. Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 1990. p. 18055 BRAVO, Maria Inês Souza. Política de saúde no Brasil. In: MOTA, Ana Elizabete et
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65
APÊNCIDICE
Instrumental de pesquisa: roteiro de aspectos a serem analisados nos
trabalhos acadêmicos.
1) Qual o perfil do autor?
2) O trabalho tem relação com o estágio supervisionado?
3) Quais os referenciais teóricos que dão sustentação às discussões?
4) Qual aspecto da saúde é a abordado no trabalho?
5) Qual a relação feita com o Serviço Social?
6) Quais os sujeitos do estudo?
7) Qual o ano de publicação do trabalho?
8) Qual o tipo do trabalho (monografia ou dissertação)?
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