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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
FABIANO ROCHA SOARES
ESCOLA FAMILIAR RURAL DE QUEBRA-POTE: uma experiência de pedagogia por
alternância de um mundo rural mergulhado na cidade
São Luís 2013
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FABIANO ROCHA SOARES ESCOLA FAMILIAR RURAL DE QUEBRA-POTE: uma experiência de pedagogia por
alternância de um mundo rural mergulhado na cidade
Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais.
Orientador: Bartolomeu Rodrigues Mendonça
São Luís 2013
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FABIANO ROCHA SOARES ESCOLA FAMILIAR RURAL DE QUEBRA-POTE: uma experiência de pedagogia por
alternância de um mundo rural mergulhado na cidade
Monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais.
Aprovada em _____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________ Bartolomeu Rodrigues Mendonça (Orientador)
Universidade Federal do Maranhão
_____________________________________ Andréa Joana Sodré de Souza
Universidade Federal do Maranhão
______________________________________ Emanuel Pacheco de Souza
Universidade Federal do Maranhão
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Ao meu avô Moises, in memoriam, que não teve o prazer de ter o neto formado.
5
RESUMO
Em nossa sociedade, acredita-se que um número reduzido de
instituições possui o poder de transformar e libertar o indivíduo e a
sociedade no qual se insere. Dentre elas estão Religião e Educação
formal. Neste esforço monográfico abrange-se uma destas: a educação
formal, contudo, ao desenrolar das observações e análises usaremos
as lentes sociológicas. Neste caminho serão usados autores
importantes para a compreensão do objeto, a exemplo de: Durkheim,
Webber, Lakkatos e Cardoso. Objeto precioso para construção do
trabalho foi a Escola Casa Familiar Rural em Quebra Pote, escola de
pedagogia própria que afirma considerar as necessidades da
comunidade local, o que será realizado esforço com o desenrolar do
trabalho para analisar as particularidades dessa experiência
pedagógica e suas consequências na formação dos jovens estudantes
e na prática profissional docente.
Palavras-chave: Educação formal, Alternância, Homo economicus,
Incapacidade, Transformação.
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RESUMÉ
Dans notre sociéte, Il est estimé que d’un petit nombre d’instituitions ont
le pouvoir de transformer et liberter l’indvidu et tout la société dans
laquelle ce opère, parmi eux la réligion et l’éducation. Dans ce travail on
fait un effort monographique: l’éducation formelle, cependant, selon la
séquence d’observations et analyses nous allons utiliser les lunettes du
sociologue, de cette façon certains auteurs étaient importants pour la
compréhension du subjet, comme Durkheim, Webber, Lakkatos,
Cardoso. Sujet très important pour la construction du travail a été la
École de Maison Familier Rurale à Quebra-Pote, école avec propre
pedagogie qui prend en compte les besoin de la communauté locale,
mais avec les progrès que nous constatons que la science sociale ira
confirmer ou nier le sens commun.
Mots-clé: L’éducation formelle, l’alternance, l’homo economicus, l’incapacité,
la transformation
7
APRESENTAÇÃO
Esta monografia é um esforço intelectual, para a conclusão do curso de
bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Reúne
pesquisa histórica, questionários e análises sobre a Escola Familiar Rural em
Quebra Pote, São Luís, Maranhão.
A experiência dos atores sociais locais, dos alunos, do corpo docente, dos
moradores e as origens desta “nova” pedagogia, serão o centro do objeto de
pesquisa. Serão percebidas várias dificuldades na manutenção da escola que não
são somente matérias, perpassam a lógica do lugar e a dicotomia entre rural e
urbano algo a ser observado neste trabalho.
Outras questões como a desvalorização do modo de vida rural frente ao
mundo urbano também serão abordados. Neste caso, a partir de uma perspectiva
diferenciada, haja vista que a realidade do objeto de estudo é “mista”, pois habitam
os limites entre o rural e o urbano formando uma nova identidade cultural.
Desta forma, para facilitar a compreensão do excurso epistemológico e para
seguir os rigores do trabalho científico, a dissertação foi apresentada em três
seguimentos denominados capítulos, seguidos de uma leve e breve conclusão.
O primeiro capítulo expõe o campo empírico e faz algumas descrições sobre
os métodos de pesquisa. O segundo é chamado: Anotações sobre o macro cenário
educacional descrevendo as experiências que influenciaram a Escola Familiar Rural
em Quebra Pote. O terceiro, aponta questões sobre esta educação que se propõe
específica e diferenciada.
Finalizando com a tentativa de unir as observações e todos os dados
bibliográficos, as análises que pretendem levantar um novo olhar sobre a situação
local, questionando e suscitado os problemas que cabem à Ciência Social.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 9
1 APRESENTAÇÃO DO CAMPO EMPÍRICO E CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO .............. 13
2. ANOTAÇÕES SOBRE O MACROCENÁRIO EDUCACIONAL ....................................................... 17
2.1 França: o embrião ....................................................................................................................... 24
2.2 Brasil uma nova experiência ....................................................................................................... 26
2.3 Escola Casa Familiar Rural de Quebra-Pote (ECFR-QP) a experiência maranhense .............. 28
3. O QUE FAZ A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO DA EDUCAÇÃO? ..................................... 34
CONCLUSÃO ....................................................................................................................................... 39
5 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 43
Apêndice A: Questionário aplicado com a gestão da ECFR-QP ...................................................... 45
Apêndice B: Questionário aplicado aos docentes da ECFR-QP ...................................................... 46
Apêndice C: Questionário aplicado aos discentes da ECFR-QP ..................................................... 47
9
INTRODUÇÃO
Todas as sociedades situadas espacial e temporalmente criam mecanismos
para fazer circular e manter certo número e tipo de informações, conhecimentos,
valores, regras, normas. Nas sociedades ditas modernas, dentre esses instrumentos
tem-se a educação formal, aquela que se roga laica, impessoal e objetiva (que no
Brasil quase sempre desconsidera a situação social local), realizada por instituições
controladas por normas instituídas pelo Estado moderno.
Ao serem realizadas observações ajustadas com referencial teórico analítico
específico, pôde-se perceber que há o interesse em formar certo tipo de homem
esperado pelas instituições e agentes sociais que têm maior poder econômico,
político, social, cultural*. Seria o ser social ajustado às regras e valores que são
aceitos pela média social, “essas formas são gerais em toda a sua extensão da
espécie; encontram-se, se não em todos os indivíduos, pelo menos na maior parte
deles e, se não se repetem identicamente em todos os casos em que se observam,
variando de indivíduo para indivíduo, estas variações estão compreendidas entre
limites muito próximos” (DURKHEIM, 2001, p. 74).
Sob esse fundamento, pode-se inferir que, senão impossível, é muito
improvável, criar estruturas educacionais que estejam acima e fora dos acordos
societários presentes nas relações cotidianas dos agentes envolvidos nas teias das
relações sociais locais. De certa forma cabe-se até notar que há falta de vontade
social e política para superar esta situação de risco educacional, perpetuando as
estruturas societárias vigentes. Isto não ocorre somente na classe afetada ou na
classe dominante, pois, ao que parece, enraíza-se no profundo da sociedade
brasileira.
Alguns movimentos da sociedade civil organizada se rogam em prestar uma
educação que irá recolocar os valores do respeito à vida, ao próximo, às liberdades
no centro das relações entre os sujeitos da sociedade. Centros de excelência
formam jovens técnicos, cientistas, humanistas com perfil “tipo exportação”, com
base teórica sólida e muitas vezes com excepcional capacidade de abstração
intelectual.
* É o que se costuma dizer “cultura escolar”
10
Então, cumpre indagar-se: por que ainda não chegamos à sociedade ideal?
Por que ainda se vive com tanta violência, corrupção, individualismo, consumismo?
Será possível somente pela via da instituição educação “salvar o país”? Será que
são poucas instituições que se prestam a este serviço? Será que somente a elite
financeira e intelectual possui acesso a tais instituições? Ou será que à educação
formal não caberá a reabilitação social? Qual instituição social possui tal poder? Ou
será um conjunto de instituições que possuem tal poder?
As posições e produções simbólicas aceitáveis que cada sociedade usufrui de
várias instituições para reproduzi-la (religião, mídia, oralidade, legislação, etc). Em
nossa sociedade ocidental, judaico-cristã e capitalista, a escola* presta-se
parcialmente a esse papel (que é parcial, pois existem outras instituições as quais
não cabem discussão neste momento). A este trabalho denominado “educação
formal”, foi imputado o caráter de produtora, transmissora, e proprietária da
educação, do conhecimento e de sua estrutura.
Ao que se mostra, a escola é um instrumento da classe dominante e deverá
ser encarada como uma estrutura que molda assim, os diferentes universos
simbólicos, isto é, mito, língua, arte, ciência, que deverão ser vistos como objetos,
como ‘formas simbólicas’, reconhecendo como o aspecto “ativo do conhecimento”.
Assim possuem, não somente a função de formar as mentes de cada indivíduo,
contudo de ressignificar o espaço social ao qual se insere.
Partindo dessas reflexões iniciais, esta pesquisa buscou apresentar os
resultados de estudos acumulados durante quase dois anos pelo autor no curso de
Ciências Sociais e membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e
Meio Ambiente (GEDDMA). O principal desafio, neste trabalho, é buscar apresentar
como a educação tem diversas facetas, sendo uma delas ideológica. Nela se faz
pensar que apenas por ela se resolverão os problemas criados e mantidos nas
interações de uma sociedade individualista, corrupta, preconceituosa, consumista e
patrimonialista.
* Não Há que ser esquecido que a escola reproduz a sociedade
11
Para isso, procurou-se como lastro de embasamento empírico, perceber a
interação e compreensão da comunidade escolar sobre as práticas pedagógicas
utilizadas no âmbito da educação do campo, efetivada na Casa Familiar Rural de
Quebra-Pote. Esse aporte de pesquisa servirá para buscar-se maior consistência às
generalizações teórico-conceituais sobre a educação em geral, e da Educação do
Campo em particular; além de subsidiar proposições sobre as práticas pedagógicas
nas experiências de Casas Familiares Rurais (CFR).
No percurso de construção das argumentações presentes neste estudo foi
feito o possível para caracterizar o modelo educacional utilizado pela Casa Familiar
Rural de Quebra-Pote. Identificar elementos que possibilitassem compreender a
aplicação de conteúdos (em sua maioria alienígenas a realidade local) e métodos
que se pretendem universais na realidade particular da Casa Familiar Rural de
Quebra-Pote e, por fim, analisar as percepções da comunidade escolar e os reflexos
desta educação sobre suas práticas cotidianas no processo de ensino
aprendizagem.
Esta tarefa se mostra como pretexto para serem apresentadas interpretações
teórico-sociológicas, buscando-se um debate sobre o cenário educacional local,
seus recursos metodológicos e, sobretudo, sua relação com o poder, com os
agentes que podem dizer e exigir qual ser social as instituições educacionais devem
formar. Como os agentes estruturantes e os agentes estruturados, Estado, escola,
alunos e comunidade local, em interação, percebem a si e ao processo de a
construção da escola.
O senso comum tende a fazer acreditar que somente a Educação formal será
capaz de restituir e transformar qualquer realidade individual e social, porém Gastón
Bachelard, em “Formação do Espírito Científico”, por exemplo, propõe “uma hipótese
científica que não esbarra em nenhuma contradição, tem tudo para ser uma hipótese
inútil. Do mesmo modo, a experiência que não retifica nenhum erro, sendo
monotonamente verdadeira, sem discussão, para que serve?” (BACHELARD, ano?
p. 13). Por isso devemos ir mais a fundo na questão deixando de lado noções pré-
concebidas.
12
Há que se ter cuidado ao acreditar que esse fenômeno social é puramente
econômico ou ainda buscar uma explicação econômica onde não é possível:
A chamada “concepção materialista da história”, segundo, por exemplo, o
antigo sentido genial-primitivo do Manifesto do Partido Comunista, talvez
apenas subsista nas mentes de leigos ou diletantes. Entre esses, com
efeito, encontra-se muito difundido o singular fenômeno de que a sua
necessidade de explicação casual de um fenômeno histórico não fica
satisfeita, enquanto não se demonstre (mesmo que só na aparência) a
intervenção de causas econômicas (AUTOR, ano, p. ).
Outro aspecto deste trabalho é que em nenhum momento foi proposto
objetivo, haja vista que “O domínio do trabalho científico não tem por bases as
conexões ‘objetivas’ entre as ‘coisas’ mas conexões conceituais entre os problemas.
Só quando se estuda um novo problema com o auxílio de um método novo e se
descobrem verdades que abrem novas e importantes perspectivas é que nasce uma
nova ciência” (BARCHELARD, 1996, p. ?). Entretanto, o desenrolar da pesquisa não
é a busca por uma “nova ciência”, todavia uma nova perspectiva distante tanto do
senso comum como do senso comum douto, em que a educação é como o portal
mágico de ascensão sócio econômica.
Sendo assim, não se pode acreditar, sem qualquer suspeita, que a Educação
é sempre emancipatória material e simbolicamente, impessoal, objetiva, formando
cidadãos com propósito coletivo de fazer o melhor pela sociedade e pela
coletividade de que toma parte. Ao contrário, conforme nos ensinou o grande
intelectual brasileiro Milton Santos, em nosso país temos nos estratos de classe
média consumidores, não cidadãos, e nos indagamos: todos passaram boa parte de
seu tempo em bancos de escolas, por que não se tornaram cidadãos?
13
1 APRESENTAÇÃO DO CAMPO EMPÍRICO E CONSIDERAÇÕES SOBRE O
MÉTODO
A Ilha do Maranhão, ou Upon Açu para nossos convivas indígenas, é
constituída, geopoliticamente, por quatro municípios, a capital do Estado, São Luís,
mais os municípios, sendo, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa. A
capital conta com contingente populacional de 1.014,837, segundo dados
preliminares do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), censo
demográfico 2010*; desse quantitativo 958.522 são classificados como urbanos e
56.315 são enquadrados como rurais. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é
de 0,778.
Pelos dados do IBGE, somando-se as populações rurais dos municípios que
compõem a região metropolitana, que além de cobrir os quatro municípios já
mencionados, abrange também o de Alcântara, serão 233.063 habitantes vivendo
em áreas rurais, entretanto a área metropolitana de São Luís conta com apenas uma
escola que se caracteriza como de Educação do campo. É a Escola Casa Familiar
Rural, localizada no povoado de Quebra-Pote, na capital do Estado.
Quebra-Pote é um povoado situado à beira mar, distante 25 Km do centro
urbano da capital, São Luís. Sua principal atividade econômica é a agropecuária e
extrativismo animal (pesca), realizadas em regime de unidades de produção familiar.
Suas relações sociais culturais ainda estão basicamente estruturadas em relações
de companheirismo e interdependência entre as famílias locais. A base de
investigação empírica desta pesquisa, portanto, apesar de centrar-se na Escola
Casa Familiar Rural de Quebra Pote (ECFR-QP), foi além dela, como esta situada,
no cenário ludoviscense, pois a compreensão do entorno geopolítico, social e
cultural é necessária para melhor embasar as considerações e conclusões expostas
neste trabalho.
* Dados disponíveis em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/Maranhao.pdf, acessado em
03/07/2011.
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O trabalho de campo se deu integralmente na ECFR-QP, e consistiu em fazer
levantamento geral da área de estudo, determinar as limitações de investigação
empírica e definir as observações e análises da pesquisa.
As técnicas de pesquisa consistiram em revisão bibliográfica, levantamento
de fontes secundárias, observação direta, questionários e, lançando mão da
abordagem qualitativa, realizaram-se três etapas no trabalho de campo. Sendo que
a primeira consistiu em fazer os primeiros contatos com a gestão, coordenação,
docentes e discentes da ECFR-QP; no segundo momento realizaram-se
observações nas instalações físicas e, por fim, submeteram-se questionários às
respostas dos diversos segmentos da escola.
Em seguida, as informações colhidas foram catalogadas, tratadas e
submetidas às análises à luz dos objetivos deste trabalho, quais sejam, caracterizar
o modelo educacional utilizado pela Escola Casa Familiar Rural de Quebra Pote;
identificar elementos que possibilitem assim compreender a aplicação de conteúdos
e métodos universais na realidade particular desta Casa Familiar Rural; e, analisar
as percepções da comunidade escolar sobre suas práticas cotidianas no processo
de ensino aprendizagem, para realizar inferências teórico analíticas universalizantes.
Para dar conta desse empreendimento acadêmico, foram submetidos três
questionários às respostas da comunidade escolar. Um à gestão da escola, outro
aos docentes, e um último aos discentes (os questionários utilizados podem ser
observados nos apêndice A, B e C, no final deste trabalho).
No fazer acadêmico, é bom ressaltar as referências de inspiração
metodológica, como a encontrada em Cardoso de Oliveira (2000, p. 19), que nos
auxilia na condução da observação direta. Ele, ao se referir à observação do objeto
de investigação, afirma:
seja qual for esse objeto, ele não escapa de ser apreendido pelo esquema
conceitual da disciplina formadora de nossa maneira de ver a realidade.
Esse esquema conceitual – [...] – funciona como uma espécie de prisma por
meio do qual a realidade observada sofre um processo de refração – se me
é permitida a imagem.
15
Ainda nesta perspectiva, pensar e analisar a situação utilizando o conceito
weberiano de tipo ideal para perceber que a universalidade proposta na Educação
formal é incompatível aos modos de vida envolvidos no local. “Assim todo
conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado pelo espírito humano finito
basea-se na premissa tácita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade
poderá constituir de cada vez o objeto da compreensão científica” (WEBER, 2002, p.
88).
Portanto, suspeita-se que as técnicas utilizadas no ensino dos jovens locais
poderá ser um erro pedagógico. Não apenas por desconsiderar as necessidades
locais, contudo poderá não ser universal mesmo dentro da realidade para a qual foi
inicialmente formulada.
Contudo a observação deverá ser acompanhada de perspicácia no ouvir.
Portanto, as conversas e entrevistas livres, espontâneas, deverão servir também de
material para análise de um investigador atento. Serão elas que auxiliarão o
pesquisador perceber o que faz ser aquele grupo objeto de investigação distinto dos
demais. Cardoso de Oliveira (2000, p. 22) afirma:
a obtenção de explicações fornecidas pelos próprios membros da comunidade investigada permitiria obter aquilo que os antropólogos chamam de ‘modelo nativo’, matéria-prima para o entendimento antropológico. Tais explicações nativas só poderiam ser obtidas por meio de entrevista, portanto, de um ouvir todo especial. Contudo, para isso, há de se
saber ouvir.
Como o desafio do pesquisador é ir além do dado, daquilo aparente, do que é
sensível, ajustar o foco para a compreensão da organização e funcionamento da
ECFR-QP, tomou-se a situação emblemática, para discutir conceitos e concepções
que, não raro, são utilizados como sendo uma realidade objetiva desconsiderando
os processos sociais de disputa, ajuste, cooperação, conflito, como as concepções
de educação, a tensão rural – urbano, as subjetividades dos agentes envolvidos.
Para tanto, buscou-se como parâmetros as discussões teórico-conceituais
realizadas a partir de informações construídas no movimento de investigação
empírica.
16
As pesquisas de campo realizadas no Quebra-Pote necessitam de tempo
para que possam deixar de lado as pré-noções de que estamos carregados:
A primeira experiência, ou para ser mais exato, a observação primeira é
sempre um obstáculo inicial para a cultura científica. De fato essa
observação primeira se apresenta repleta de imagens; é pitorotesca,
concreta, natural, fácil. Basta descrevê-la para ficar encantado. Parecer que
a compreendemos (BACHELARD, Ano?, p. 25).
17
2. ANOTAÇÕES SOBRE O MACROCENÁRIO EDUCACIONAL
Conforme ensinamentos de Durkheim (2001, p. 35), “a educação tem por
objetivo fazer o ser social”. A partir da proposição durkheimiana, pode-se questionar
sobre as características, o perfil moral e ético do “ser social” formado, forjado, feito
pela educação, será que há homogeneidade? Ou se trata de diversidade, de
diversos “seres sociais”?
A educação laica, conforme é conhecida hoje, é produto da Modernidade que
se projetou com a consolidação dos processos de industrialização da produção e de
individualização das relações sociais numa contraposição que tenta excluir a forma
medieval de educação formal encarada como arcaica e sinônimo de atraso. Foi
exatamente com a crescente demanda de operários para trabalhar nas fábricas dos
grandes centros urbanos que a Educação deixou de ser privilégio das classes
abastadas para se universalizar; entretanto, para isso, ela deixou de cultivar o
espírito, as Artes, a Filosofia e passou a formar operários. Sobre isso relata Lakatos
(1999, p. 224)
É a revolução industrial que força a democratização do ensino. Se antes as
escolas eram típicas da classe alta, a necessidade de conhecimentos para
a invenção, aperfeiçoamento e manejo de máquinas cada vez mais
complexas leva a tornar-se ‘um conjunto complexo de instituições de amplo
significado social’, cada vez mais extensível a outras classes da sociedade.
Em nossa sociedade, a principal preocupação é a busca pela formação do
homem economicamente capaz*, tal situação pode levar-nos à tendência de uma
explicação apenas econômica dos fatos estudados. Ao que parece, em uma análise
simplória e sem grandes pretensões. Sendo assim, diz Weber: “No entanto, tais
fenômenos mostram em determinados aspectos significativos do seu caráter uma
influência, mais ou menos intensa, de motivos econômicos; no nosso caso, talvez,
pela composição social do público interessado pela arte (escola). São fenômenos
* Diz-nos François Jacquet-Francillon, a respeito: “A nova cultura escolar eliminaria ao mesmo tempo a virtude
e o gosto (...) queremos a qualquer preço que a construção autônoma dos saberes prevaleça sobre o ensino heterônimo da cultura e dos valores” (2011, p. 160). Trata-se da (...) reestruturação (...) por forças econômicas e sociais (p. 159).
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economicamente condicionados”. Isto demonstra que devemos ter cuidado para não
reduzir as observações a análises erroneamente de caráter puramente econômico.
Os séculos de industrialização dos processos produtivos fizeram surgir e
fortalecer uma classe dirigente formada por empresários, industriais e mesmo
estados politicamente legitimados, que demandaram cada vez mais operários para
fazer girar o moinho da indústria e da burocracia do Estado laico burguês. A partir
daí o ser social forjado pela e na educação formal passa a ter características
definidas e medidas pela escala de urbanidade, de fundamental importância para
sua manutenção enquanto sociedade moderna, urbana, industrial etc.
No que se refere ao pensamento de Boudieu (2002), em o Poder Simbólico:
A tradição marxista privilegia as funções políticas “dos sistemas simbólicos” em detrimento da sua estrutura lógica e da sua função gnosiológica; este funcionalismo explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses da classe dominante. As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, a desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação a ordem estabelecida por meio do estabelecimento de distinções (hierarquias) e para as legitimações destas distinções. Este efeito ideológico, produto da cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que une é também a que separa e legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante (p. 10).
A escola como sistema simbólico busca reproduzir, pelo menos nas mentes
dos atores sociais da sociedade na qual está inserida, os meios e as necessidades
da classe dominante que precisa impor a mais-valia ao homem transformando-o em
operário urbano, mesmo que não haja espaço para este.
Ao consultar o dicionário Houaiss & Villar (2001) da língua portuguesa colhe-
se que urbano, é sinônimo, de “afável, civilizado, cortês, polido, fino, relativo ou
pertencente à cidade”, e antônimo de “abrutalhado, descortês, inurbano, rural,
rústico, caipira, malcriado e tolo”. Essa concepção povoa as mentes
contemporâneas. Portanto, o Estado contemporâneo também desconsidera e não
absorve a diversidade necessária para a continuidade social, haja vista que a
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sociedade urbana necessita estritamente de produtos “inurbanos”, frutos da mão de
obra dos “esquecidos”.
Sendo assim, e se se partir dessa concepção discursiva, poder-se-á admitir
que a Educação formal assumiu um papel que, ao longo dos anos, no seio das
sociedades capitalistas industriais, tem sido o de superar, exterminar, submeter o
modo de vida, os códigos discursivos, os léxicos dos grupos que são considerados
“rústicos, caipiras, malcriados, tolos”, que se situam distantes simbólica e
geograficamente do ideal urbano de ser. Além disso, a própria natureza parece ser
um obstáculo hostil ao urbanismo. Exemplo disso são as construções de arquitetos
do concreto como Niemeyer. O que é a cidade senão a exclusão da natureza?
A realidade brasileira é bem sugestiva quanto à forma pela qual a educação
passou a se universalizar. Os centros urbanos, com a justificativa de que já havia
uma infraestrutura mínima, foram os primeiros a ver a educação se expandir até
atingir as periferias, os mais pobres, não raro advindos das áreas rurais que
passavam por sangrentos conflitos pela posse e propriedade da terra. Essa
expansão da Educação teve o franco objetivo de transformar ex-trabalhadores
autônomos do campo em operários disponíveis para as recentes indústrias que
emergiam nas nascentes áreas em processo de urbanização.
Essa urbanização do homem do campo pretende parecer um processo
amistoso, progressista e “natural”, contudo, é massacrante, empobrecedor,
preconceituoso. Essas transformações ocorrem porque, mesmo camuflado, é um
processo fruto de pressões sociais das classes dominantes. “O conjunto de todos os
fenômenos e condições de existência de uma cultura historicamente dada influi
sobre a configuração das necessidades materiais, sobre o modo de satisfazê-las,
sobre a formação dos grupos de interesses materiais e sobre a natureza dos meios
de poder” (WEBER, 2002, p. 81).
Como as áreas rurais eram, e ainda são lugar de disputa pelo controle
territorial e ainda não demandavam por exércitos de operários, então
deliberadamente o Estado, controlado pela elite burguesa presente na cidade e no
campo, se eximiu de investir em educação nessas áreas. Os trabalhadores rurais
que permaneciam, a despeito do processo de latifundização, ficavam à margem e
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eram compreendidos, ainda, como “rústicos, tolos, caipiras, intrusos e esquecidos
foram” ou, na melhor das possibilidades, braços para serem utilizados pelo setor
especulativo ou produtivo do latifúndio.
A própria literatura brasileira, quer seja a popular quer seja a erudita,
apresenta o homem do campo como grandes ícones desse estigma. Exemplo disto
são os personagens populares criados para entreter e informar a população
brasileira: Chico Bento e Jeca Tatu e os personagens dos romances “morte e vida
Severina” e “vidas secas”. Mostram o homem do campo como pessoas pobres,
débeis, desnutridas, desprovidas de saber, carentes de qualquer conforto e em certa
medida até sem identidade a exemplo dos personagens “menino mais novo” e
“menino mais velho”.
Como exemplo do exposto até aqui, pode-se rememorar a primeira Carta
Magna Brasileira (1824) que silenciou a respeito da educação rural. Limitando-se a
considerar que “as técnicas arcaicas de cultivo não exigiam dos trabalhadores rurais
nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização” (BRASIL, 2002). Ou seja; essa
proposição do legislativo permite-nos inferir de modo indubitável que a Educação só
seria necessária à medida que os “arcaicos” e “rústicos” se modernizassem, se
urbanizassem ou passassem a ser necessários, como operários, nos processos
produtivos das indústrias rurais ou urbanas.
As pequenas propriedades familiares foram e continuam sendo esmagadas
pelo grande empreendimento agroindustrial, desde a plantation monocultora de
cana-de-açúcar até a grande fazenda de soja do sul do Maranhão, por exemplo.
Programas de televisão (globo Rural; rede Globo, Terra Viva; rede Bandeirantes,
Pesca e Companhia; Sistema Brasileiro de Televisão) Expressam um campo onde
sobra espaço para o agronegócio e expõe a modernidade no campo, dando pouca
visibilidade a pequena unidade familiar.
Segundo Visbiski & Weirich Neto (2004, p. 107), ao citarem o trabalho de
Niskier, afirmam que “o ensino agrícola nasceu em 1889, com a Proclamação da
República e a criação pelo Governo da Pasta de Agricultura, Comércio e Indústria.
Porém, somente em 1909 foram criadas instituições de ensino voltadas para estudos
agronômicos”.
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Com o desenrolar histórico e a ampliação da industrialização do país, que se
fez sentir também no ambiente rural, surgiu a tensão entre as reivindicações dos
movimentos sociais por educação no/do campo, e o incipiente surgimento de
projetos de industrialização agropecuária e de pesca que demandam mão-de-obra;
mediados pelo Estado, embora este seja controlado pelos grupos dominantes
(empresários, banqueiros, industriais).
Disso começaram a aparecer, nos próprios textos das cartas magnas menção
à educação rural, que na relação de poder presente entre os atores sociais
envolvidos seguem caminhos mais próximos às demandas das indústrias. Estas
reivindicam produzir alimento em larga escala para abastecer os centros urbanos,
deixando de atender às demandas de uma educação emancipatória, reivindicada
por grande parte do movimento social articulado no campo.
Contudo, dados do IBGE (2006) demonstram que a grande fazenda
monocultora emprega menos mão-de-obra e mais maquinário, impondo mais
degradação ao meio ambiente que a agricultura familiar (www.ibge.gov.br).
No Censo Agropecuário de 2006 foram identificados 4.367.902 estabelecimentos de agricultura familiar. Eles representavam 84,4% do total, mas ocupavam apenas 24,3% (ou 80,25 milhões de hectares) da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Já os estabelecimentos não familiares representavam 15,6% do total e ocupavam 75,7% da sua área. Dos 80,25 milhões de hectares da agricultura familiar, 45% eram destinados a pastagens, 28% a florestas e 22% a lavouras. Ainda assim, a agricultura familiar mostrou seu peso na cesta básica do brasileiro, pois era responsável por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e, na pecuária, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. A seguir, as principais informações sobre a agricultura familiar no Censo Agropecuário 2006.
Na análise destes dados percebe-se que a maioria dos alimentos da cesta
básica é de responsabilidade da agricultura familiar, contribuindo para segurança
alimentar do Brasil e abastecendo o mercado interno em contra partida ao
agronegócio direcionado para o mercado externo.
Historicamente, a estrutura educacional disponibilizada para os grupos que
vivem o/no campo brasileiro, tem sido fiel à forma como se deu o desenvolvimento
22
no campo, demonstrando muita exclusão e controle por parte das elites agrárias e
de forte influência no cenário político. Para essas elites, tanto pescadores, como
negros e trabalhadores do campo, desenvolvem atividades que dispensam ações de
alfabetização e acesso a qualquer forma de cultura, inclusive a letrada. Sem
esquecer que, salvo em poucas exceções, geralmente advindas das Universidades
e da Igreja Católica, a cultura camponesa é deixada à margem e em muitos locais
tem deixado de existir em detrimento de uma cultura televisa que contribui para a
estigmatização do homem do campo, haja vista esta cultura ser homogeneizante e
urbana.
O Estado nos fornece instituições em sua maioria fadadas a todo tipo de
exclusão, a educação parece ser o menor dos problemas, há falta de redes
sanitária, hospitalar, de transporte, energética, etc. Portanto, a população campesina
não sofre apenas da escassez de uma educação dedicada a seus desígnios e
necessidades, mas de quase tudo aquilo que consideramos necessário para a
manutenção de uma vida razoavelmente confortável, isto é negado. Todavia,
discorra-se somente pelo viés educacional para não se correr os riscos de fugir do
estudo científico e passar para o mundo da revolução ideal e da militância
apaixonada.
Foi somente com a emergência e fortalecimento dos movimentos sociais, já
na década de 1990, que o Estado brasileiro reconheceu sua dívida com os homens
e mulheres do campo no que concerne à oferta de Educação. Entretanto, o modelo
educacional adotado pelo Estado para a realidade campesina, seria aquele
transposto da experiência urbana.
Foi somente com a aprovação e edição de resolução do CNE (Conselho
Nacional de Educação) das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do
Campo, já no século XXI que os documentos oficiais passaram a considerar que a
Educação do Campo deveria ser diferenciada, isto é, levar em conta as
especificidades dos povos do campo:
A educação do campo tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido,
23
mais do que um perímetro não urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana (BRASIL, 2002).
Até se chegar à elaboração desse documento oficial, muitas lutas e
reivindicações foram realizadas pelos movimentos sociais. Somadas a estas lutas,
foram efetivadas experiências que pretendem demonstrar a possibilidade de realizar
educação formal que atenda, de fato, as especificidades dos povos do campo.
Contudo, em larga medida, a escola ainda é vista pelos lavradores como algo
que traz conhecimentos exógenos. Não é vista como o lugar de autopensar, de
experimentar o fazer cotidiano do trabalho com a terra e, em certa medida, até a
educação urbana.
A escola é reconhecida como um agente profissional de mínima importância. É reconhecida apenas quando oferta conhecimentos “modernos”, por exemplo, sobre como trabalhar com os bancos, comerciantes e insumos. A escola é compreendida como o lugar da contra-educação rural, onde a criança aprende a deixar de “lidar com a terra”. A escola não é compreendida como um agente de formação profissional, mas de informação daquilo que é necessário adquirir para aprender uma profissão: ler, escrever e contar (BRANDÃO apud VISBISKI & WEIRICH NETO, 2004, p. 107).
Neste aspecto, a Educação já conseguiu realizar seu objetivo universalizante,
com que os campesinos concordam. A representação que grande parte dos jovens
do campo fazem das atividades de lida com a terra é parecida com a encontrada no
trabalho de Carneiro (1998), citado por Visbiski & Weirich Neto (2004, p. 108), Este
estudioso “pesquisou jovens do meio rural em Nova Pádua (RS), onde 83% dos
entrevistados informaram que não gostariam de permanecer na atividade agrícola,
porque é ‘um trabalho pouco rentável, sem futuro, instável, sem recompensa, duro,
pesado e sujo’”.
Esse é, portanto, mais um dentre tantos desafios das propostas pedagógicas
que consideram o fazer do trabalhador da terra como importante, valioso e
emancipatório. Entretanto, como reelaborar autoestima, como fortalecê-la,
redescobrir o encanto pelo campo, ou mesmo criar um sentido de que pertencer e
trabalhar a terra é tão ou mais importante que ser operário urbano, que lidar com
economias indústrias?
24
Dar infraestrurura mínima necessária para o escoamento da produção e seus
deslocamentos, e não somente criar um arcabouço psicológico que ludibrie suas
mentes. Deve-se entender a situação multinacional brasileira para aprender a lidar
com os diferentes tipos nacionais. Pois o Brasil consegue mesmo sendo
multinacional, conviver sem conflitos internos (pelo menos no momento presente)
aos moldes que enfrentam Espanha, Inglaterra, etc.
2.1 França: o embrião
Sabemos que a Educação do Campo se coloca como alternativa àquela
oferecida nas cidades que tem como principal objetivo, embora velado, a formação
de mão de obra para o mundo urbano e às indústrias. Assim também, a concepção
de educação das CFR (Casas Familiares Rurais) vai de encontro à educação
voltada unicamente para formação de operários para atuar na produção das
fazendas (um trabalhador rural aos moldes urbanos); ela se pretende um espaço
físico e simbólico que possibilite a aprendizagem, mas também a troca de
experiência, o aperfeiçoamento das técnicas tradicionalmente utilizadas pelos
agricultores familiares, servindo para difundir e afirmar a cultura, o fazer, os modos e
meios de vida dos povos do campo.
Por isso mesmo, a educação praticada nas CFR busca a experiência das
primeiras sociedades humanas, onde “o processo de aprendizado coincidia com a
produção da existência humana em sociedade, que implicava no desenvolvimento
de formas e conteúdos cuja validade era estabelecida em sociedade” (VISBISKI &
WEIRICH NETO, 2004, p. 107).
A primeira experiência de que se tem notícia sobre escola no formato de CFR
(Casa Familiar Rural), ocorreu na França, no século passado.
Foi em 1935, em Sérignac Péboudou em Lot-et-Garonne, que começou a experiência que levou à criação da primeira Casa Familiar Rural de Lauzun em 1937. Essa iniciativa não correspondia a uma ação espontânea, ela constituía o resultado de uma longa reflexão que começou nas primeiras décadas do nosso século. Foi no começo dos anos 30 que a idéia se concretizou, sob a influência de um pároco, o abade Granereau, de um órgão, a Secretaria Central de Iniciativa Rural (SCIR), e de sindicalistas camponeses, pais de adolescentes, dentre os quais se destaca Jean Peyrat que foi o presidente da primeira Casa Rural de Lauzun em 1937. (CHARTIER, 2008, p. 4).
25
Uma das características mais marcantes das CFR é a opção pela alternância.
As primeiras experiências já demonstravam isso. Na constituição da escola de
Lauzun algumas preocupações já apontavam para busca de alternativas ao formato
temporal e espacial da escola regular. Afinal,
o camponês tem necessidade da ajuda do filho no seu trabalho. Além do mais, o ofício de agricultor é complicado, minucioso, cheio de imprevistos. Uma longa aprendizagem prática e observações múltiplas são indispensáveis. É preciso, portanto, deixar o jovem camponês iniciar-se na prática na fazenda paterna. Por outro lado, o jovem camponês deve também conhecer o “porquê” dos numerosos gestos que a maioria cumpre de maneira rotineira. Ora, a essas perguntas, o pai, absorvido pelo trabalho urgente experimenta dificuldades para fornecer as explicações adaptadas. Muitas vezes, ele apenas responde “a gente sempre agiu assim”. Estudos teóricos se impõe portanto para compreender e controlar a prática. Os jovens devem, da mesma foram, ultrapassar explicações técnicas, a fim de melhorar seus conhecimentos gerais e de saber situar-se no espaço e no tempo. Enfim, uma formação humana é indispensável para tomar responsabilidades no plano profissional (CHARTIER, 2008, p. 8).
Para dar conta dessas demandas aparentemente tão díspares e por vezes
percebidas como incompatíveis, os agentes sociais envolvidos na instituição da
primeira CFR francesa perceberam que “a alternância de permanência entre o meio
sócio-profissional e a Casa Familiar” (CHARTIER, 2008, p. 13) seria uma
possibilidade que deveria ser considerada e testada, para com isso, buscar suprir as
demandas práticas e teóricas dos discentes de realidade rural, transpassando o
modelo pedagógico vigente, e quebrando os muros e as grades da escola
tradicional. A escola necessitava dá algo além da própria teoria, deveria ir até à
prática, ao local de trabalho, e à experimentação, algo que a escola tradicional
urbana negligenciou ou tem omitido.
Nesse sentido, Chartier (2008, p. 13) afirma que,
A alternância constituiu a grande característica da experiência de Sérignac Péboudou. O ritmo era de três semanas na propriedade e uma de reagrupamento. Em seguida, passou a ser de duas semanas na propriedade e uma semana na Casa Familiar. Às vezes, variou segundo os lugares, as formações, a idade dos alunos, mas a qualidade da formação deveria permitir ao jovem viver plenamente as atividades das quais participava em seu meio de vida sócio-profissional. De fato, a responsabilidade das famílias e a alternância constituíram os dois pilares sobre os quais ainda repousa a solidez das Casas Familiares.
A experiência francesa serviu de inspiração para outros países, que tiveram o
movimento social do campo organizado no sentido de reivindicar uma educação
26
mais adequada à realidade daqueles que trabalham diretamente com a terra, como
signo de produção material e simbólico.
Hoje o modelo de CFR conjugado com a pedagogia da alternância está
presente nos cinco continentes. No Brasil diversas tentativas já se somaram em
praticamente todas as regiões, a primeira delas ocorreu no Estado do Paraná, em
1984.
No Maranhão, a experiência da pedagogia agrícola aconteceu na ilha de São
Luís no povoado de Quebra-Pote. A Escola Casa Familiar Rural em Quebra-Pote
(ECFR-QP) faz parte dessa história. Ela foi a primeira a ser posta em funcionamento
no Estado do Maranhão, no ano de 2001.
2.2 Brasil uma nova experiência
Vários foram os fatores que contribuíram para o surgimento da Casa Familiar
Rural no Brasil, porém inicialmente foi conhecido como Escola Familiar Agrícola
(EFA). Dentre suas práticas pedagógicas podem ser mencionados a relação entre a
economia agrícola com base em produção de subsistência, técnicas arcaicas de
plantio e de tratamento da terra, o estudo do êxodo rural, os processos de
desmatamento em prol da urbanização, industrialização ou agronegócio.
Contudo, a ausência de uma pedagogia específica que leve em conta suas
diferenças socioeconômicas e principalmente a evasão escolar, motivada pela falta
de estrutura e aparato inadequado para formação dos camponeses, suas maiores
dificuldades.
Em nosso país, a EFA teve origem na década 1960, no estado do Espírito
Santo (QUADROS e BERNARTT, ano?, p. 5), “objetivando proporcionar educação
voltada para crianças e jovens, não desmerecendo sua identidade cultural, e
proporcionando um ensino digno às suas necessidades”. A implantação do projeto
ocorreu sob a influência do padre jesuíta italiano Umberto Pietrograndre. Sua ampla
experiência com as EFA’s na Itália e sua missão como pároco trouxeram a vontade
de adaptação do projeto para a realidade da região, sendo assim, reuniu
27
comunidades próximas e camponeses, dando início a uma série de discussões
sobre uma escola que desse cabo as necessidades dos jovens locais, culminando
na primeira Escolar Familiar Agrícola em 1968, em Olivânia município de Anchieta, e
posteriormente ao Movimento Educacional e Promocional do Espírito Santo
(MEPES), que trabalhava em conjunto dando apoio e consolidando a nova iniciativa.
No ano de 1973, com a forte participação e engajamento dos fundadores,
Igreja Católica e sindicatos de trabalhadores do campo, o movimento ganhou forças
e espalhou-se por todo Estado do Espírito Santo, chegando à Bahia e a Minas
Gerais.
Durante viagem à França no ano de 1979, funcionários brasileiros do
Ministério da Educação e de diversas secretarias estaduais de educação
mantiveram contato com autoridades francesas e obtiveram apoio junto Pierre Gilly,
assessor pedagógico. Dessa iniciativa surgiu a primeira Casa Familiar Rural no
Brasil, em Arapiraca, no Estado de Alagoas, no ano de 1981.
Em 1982, realizou-se o primeiro congresso que reuniu EFA’s de todo o pais,
onde surgiu a União Nacional de Escolas Familiares Agrícolas do Brasil (UNEFAB).
Esta se interessava em promover pedagogias diferenciadas de acordo com o local
de atuação da EFA. Buscou também uma aproximação com o movimento francês,
com o intuito de resgatar as propostas originais e as experiências francesas
conhecidas como Maison Familiale Rurale. Há de lembrar-se que no projeto francês
a alternância ocorre de forma diferenciada da EFA.
Segundo Quadros e Bernartt (ano?, p. ?) deste encontro surgiu:
“O segundo movimento de formação por alternância esta iniciou-se na década de 1980, quando ocorreu a implantação das primeiras experiências de Casas Familiares Rurais no Brasil. No entanto, foram experiências que nasceram e se desenvolveram desvinculadas das EFA’s constituindo desta forma outro movimento, vinculado diretamente ao movimento internacional das MFR’s e sob orientação direta da UNMFR’s da França, através da atuação de assessor pedagógico na implantação e no desenvolvimento da proposta.”
Ao longo da segunda metade desta mesma década, as CFR’s eclodiram no
Brasil, principalmente na região sul. O chefe da Casa Civil, à época, Euclides Scalco
e Pierre Gilly, realizaram palestras sobre o tema inicialmente na cidade de Santo
Antônio do Sudoeste no Paraná. Hoje, na região sul, todos os Estados contam com
28
Casa Familiares Rurais, somando sessenta e sete casas divididas em trinta e seis
no Paraná, vinte e quatro em Santa Catarina e sete no Rio grande do Sul
(QUADROS e BERNARTT, ano?, p. 6).
Entretanto, a literatura sobre o surgimento da pedagogia da alternância das
Casas Familiares Rurais ou Escolas Familiares Agrícolas é muito vasto e conflitante,
expondo várias datas e vários locais para a primeira Casa Familiar Rural. Esse fato
torna difícil o trabalho preciso de qual foi a primeira experiência.
2.3 Escola Casa Familiar Rural de Quebra-Pote (ECFR-QP) a experiência
maranhense
A Escola Casa Familiar Rural de Quebra-Pote (ECFR-QP) localiza-se na
Estrada do Quebra Pote, S/Nº. Funciona desde o ano de 2001, mais precisamente a
partir do dia primeiro do mês de outubro.
Desde sua fundação até os dias atuais a escola oferece a modalidade de
ensino Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em um ciclo de três anos os discentes
obtêm o certificado referente à conclusão do Ensino Fundamental Maior (5ª a 8ª
série), além de sair com noções de atividades de avicultura, fruticultura, horticultura,
piscicultura, apicultura, caprinocultura e lavoura de produtos agrícolas em geral,
como milho, arroz e feijão. A educação dada na ECFR–QP também oferece o ensino
básico necessário para o convívio na sociedade urbana e assim se houver um
desejo de mobilidade social o mesmo pode fazê-lo sem grandes prejuízos.
Conforme respostas da coordenadoria, a escola é mantida pela Secretaria
Municipal de Educação (SEMED). Utiliza-se de modelo participativo de gestão
escolar; além de possuir Projeto Político Pedagógico, elaborado com a participação
da gestão, dos docentes, dos técnicos, dos discentes, dos pais e da comunidade,
todavia, atualmente passa por reformulações a partir de plenárias com estas
representações na tentativa de integrar comunidade e escola.
O modelo pedagógico é o da pedagogia da alternância, o nível de formação
dos docentes e dos técnicos é de graduação, especialização e mestrado.
29
Praticamente não há rotatividade de professores; os profissionais se identificam com
a forma de trabalho da escola e estão cientes da sua importância na realidade local.
Os conteúdos estão ancorados na escrita, leitura e nas quatro operações da
Matemática, por se tratar da modalidade EJA. Isso mostra que as condições de
trabalho são, no mínimo, regulares e satisfatórias, pois a baixa rotatividade de
funcionários representa contentamento com a função de trabalho. Ainda conforme a
coordenação da escola, os meios para avaliar se a escola faz educação diferenciada
e de fato do campo podem ser percebidos na decisão de “não adotar os conteúdos
da SEMED, temos autonomia” (diz a coordenadora pedagógica). Também utilizam
temas geradores para nortear a prática interdisciplinar das ações pedagógicas e
atualmente a escola desenvolve o projeto interdisciplinar “A sustentabilidade na
interdisciplinaridade”, há uma busca pelo conteúdo dentro da própria realidade,
levando em consideração as necessidades sócio econômicas de seus atores
sociais.
As dependências físicas da escola foram construídas em convênio firmado
entre a Prefeitura Municipal de São Luís e uma empresa multinacional que mantém
uma indústria funcionando no município. O prédio conta com dois alojamentos, um
masculino e outro feminino, ambos com capacidade de acomodar quarenta alunos;
banheiros, salas administrativas, salas de aula, cozinha, pátio, área de circulação.
Na parte destinada à prática educacional (etapas de campo), a escola dispõe de um
aviário (para criação de galinhas), um aprisco (para criação de cabras), uma estufa
(para incestos de plantas), uma mandala (para cultivo de diversas espécies
vegetais), um pomar (onde se cultivam várias árvores frutíferas) e uma vasta área
para outros experimentos agrícolas, todos bem construídos, porém em péssimo
estado de conservação em decorrência da falta de manutenção por parte da
Secretaria de Educação.
A estrutura curricular compõe-se das disciplinas do núcleo comum à
educação urbana, que são Português, Matemática, História, Geografia, Ciência,
Arte, Ensino Religioso, Educação Física, Língua Inglesa; e das disciplinas
específicas: Zootecnia, Agricultura e Prática de Campo.
30
O quadro docente é constituído por seis professores efetivos e um contratado.
As disciplinas técnicas estão sendo ministradas de modo excepcional pelos técnicos
de campo, um engenheiro agrônomo e dois médicos veterinários; estes técnicos são
do quadro permanente da escola.
Na estrutura administrativa e pedagógica tem-se uma coordenadora, com
formação em pedagogia; o diretor, o secretário e um assistente administrativo, estes
três últimos são cargos comissionados. Como apoio às atividades gerais da escola,
em regime de prestação de serviços para a SEMED tem-se um monitor e dois
vigilantes. Pela cooperativa, trabalham na escola uma cozinheira, um auxiliar de
serviços gerais, dois supervisores de campo e uma monitora. Atualmente a
segurança patrimonial é realizada por profissionais terceirizados. Em resumo, para
fazer funcionar a engrenagem da ECFR-QP trabalham vinte e três profissionais das
mais diversas áreas e níveis de formação.
Como o modelo pedagógico da ECFR-QP inspira-se na pedagogia da
alternância, os alunos passam uma semana com atividades regulares na escola de
modo internato, e quinze dias em suas respectivas comunidades, o que além, do
quadro docente, da coordenação pedagógica, da estrutura de alimentação, limpeza
e alojamento faz-se necessário o acompanhamento permanente dos discentes,
ainda em menor idade, por funcionários. Portanto, na estrutura de funcionamento da
escola a figura dos monitores é necessária para garantir a alternância escola –
comunidade.
No primeiro decênio de funcionamento a ECFR-QP formou cento e vinte e
oito alunos na modalidade de ensino EJA (números ainda irrisórios se levarmos em
consideração as necessidades locais). O quadro abaixo demonstra o quantitativo de
ingressos e egressos ao longo deste período:
31
TURMA Nº INGRESSO Nº EGRESSO
A 30 23
B 35 24
C 29 21
D 26 17
E 30 24
F 25 19
Total 175 128
Quadro 1. Número de ingressos e egressos de 2001 a 2010, da ECFR-QP
Fonte: Pesquisa de Campo.
Em curso, no ano letivo 2011, funcionaram duas turmas, a “G” e a “H”. A
primeira iniciou com dezesseis alunos, atualmente frequentam quatorze; a segunda
tem sete alunos frequentes, dos oito que iniciaram a turma.
Existem queixas da gestão da escola sobre o desinteresse dos atuais alunos,
a dificuldade de encontrar novos alunos, nos povoados da zona rural do município, e
jovens com perfil para formação específica nas áreas de Agropecuária. Este quadro
de deficiência no número de alunos interessados em se matricular mostra que a
classe dominante ainda é muito eficaz ao reproduzir suas expectativas quanto à
produção do homem médio.
Isso demonstra que a própria sociedade não vê mais o mundo rural como um
local de desejo, mas, sim, um mundo a ser transposto, deixando para trás a falta de
conforto, a falta de status, as dificuldades de acesso aos serviços básicos e até
mesmo diversão e arte. Tal situação gera desestímulos a novos ingressos na escola.
Como de costume, em terras maranhenses, estudar (principalmente em escolas
públicas, quer sejam municipais ou estaduais) não muda a condição socioeconômica
do cidadão comum.
Entretanto, a própria coordenadoria pedagógica reconhece que o último
processo de seleção dos estudantes para a ECFR-QP foi marcado por diversas
debilidades. Nas etapas de campo, conforme conversas informais e nas respostas a
perguntas dos questionários (vide Apêndice), por exemplo, “as condições estruturais
correspondem à demanda?” As respostas dos interlocutores eram sempre de que a
32
escola passa por situação precária, com grandes possibilidades de ter de parar suas
atividades por falta de repasse de recursos regulares por parte da SEMED. Reflexo
disso é que em uma década de funcionamento pela primeira vez as turmas estão
incompletas, a falta dos recursos mínimos interferiu desde o último processo seletivo
da escola.
Até a turma “F”, segundo a coordenadoria, era “a escola que vai atrás do
aluno”, numa demonstração de que havia um controle rígido sobre o perfil de quem
ingressava na ECFR-QP. Entretanto, ainda conforme a coordenadoria, este ano isso
não foi possível por conta da falta de verbas para combustível para realizar os
procedimentos de seleção. Com isso, dos alunos que procuraram a escola, boa
parte não pertence às famílias que realmente trabalham no cultivo da terra.
Enquanto a coordenadoria denuncia o “desinteresse” dos discentes, estes
avaliam a ECFR-QP como diferente daquelas pelas quais já passaram.
Em média, os alunos atualmente matriculados na escola têm dez anos de
estudos, todos vieram de escolas que ofereciam ensino regular, com pedagogia
seriada sem alternância tempo escola – tempo comunidade.
Todos já estão no segundo ano de formação da EJA na ECFR-QP. O que
eles mais reconhecem como diferente das outras escolas pelas quais já passaram
são a pedagogia da alternância, o método de ensino e o fornecimento da
alimentação na própria escola. Afirmam que as aulas são diferentes e estão ligadas
com a prática. Todos os dez alunos que responderam ao questionário disseram que
estão satisfeitos com a escola.
Suas respostas denunciam, entretanto, que, embora afirmem gostar da
metodologia de ensino, desconhecem o método utilizado pela escola. Responderam
que “não sei”, quando perguntados: “Qual o modelo de gestão praticado pela
escola?”; “Quais as metodologias utilizadas?”; “A escola tem projeto político
pedagógico?”; “Quais os meios de avaliar se a escola de fato faz educação do
campo e não no campo apenas?”. Essas negativas podem levar a inferir que os
alunos participam de todo o processo didático pedagógico da escola, mas não
33
conseguem compreender a atmosfera pedagógica, os rituais didáticos. Afirmam
somente: “aqui é diferente”.
Essa realidade evidencia que, apesar da iniciativa em manter, como nas
palavras da diretora, uma “sustentabilidade interdisciplinar”, os estudantes ainda
estão alheios as suas demandas pedagógicas, as decisões ainda são emanadas de
ordem superior e pela inexpressiva quantidade de alunos (matriculados, cursando e
concluindo seus currículos) mostra a exímia tarefa de suscitar nas mentes dos
alunos e de outros atores sociais próximos da escola uma visão diversificada e
crítica a cerca de sua realidade.
Neste aspecto a escola rural, mesmo diferenciada quanto aos métodos de
trabalho pedagógicos em relação à escola urbana, ainda continua com o mesmo
problema: não consegue desenvolver no aluno uma mente capaz de criticar, analisar
e transformar a realidade ao seu redor. Estão criando apenas “técnicos” que não
estão sendo absorvidos localmente.
A escola rural ainda não conseguiu ser um agente libertário, porém suas
bases foram lançadas. O tempo e o próprio envolvimento dos atores locais darão a
continuidade ao processo. A interação dos discentes, docentes, familiares e governo
são as principais peças deste “quebra-cabeça”. Porém ainda há uma carência por
parte dos discentes e suas famílias, quanto à luta pela manutenção da ECFR-QP.
Ao serem questionados sobre a atuação da ECFR-QP, a resposta é unívoca:
“boa”. Os alunos, conforme resposta de vários deles, consideram a escola, sua
“segunda casa”; há, portanto, uma relação satisfatória entre escola, casa e
comunidade.
Todavia, por que a escola não consegue formar outro homem, senão o homo
economicus*? E em muitos casos nem este.
* O homem econômico surgiu nas teorias econômicas no Século XIX e inícios do século XX. O Homo
economicus, ou "homem econômico", é o conceito segundo o qual o homem é um ser racional, perfeitamente
informado e centrado em si próprio, um ser que deseja riqueza, evita trabalho desnecessário e tem a capacidade
de decidir de forma a atingir esses objectivos (ZABIEGLIK, 2002).
34
3. O QUE FAZ A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO DA EDUCAÇÃO?
Lakatos (1999, p. 224), recorrendo aos ensinamentos de Brookover afirma
que:
“precisamos considerar o sistema educacional como um aspecto da sociedade global, a luz dos processos gerais de mudança cultural. As escolas não funcionam como algo à parte, que podem modelar a sociedade. Não são agências extra-societárias: encontram-se inseridas no sistema e não acima e sobre ele” (In: Pereira e Foracchi, 1973: 81-82).
O que pode fazer a educação do campo? A pedagogia da alternância? As
experiências de educação “diferenciada”? A essas questões faremos breves
considerações para apenas problematizar, o fato sociologicamente, pois são
questionamentos capitais às teorias sociológica, pedagógica e educacional. A partir
da observação da ECFR-QP, serão feitas algumas inferências com as
generalizações possíveis, embora arriscadas, sobre quais os avanços e as
limitações da prática da Educação do Campo.
A instituição em questão se propõe mudar pelo menos no caráter econômico
a vida de seus estudantes. Neste aspecto Weber (Ano?, p. 86) ressalta
Deste modo, quando uma determinada instituição não econômica realizou também, historicamente, uma determinada “função” ao serviço de quaisquer interesses econômicos de classe, - isto é, quando se converteu em instrumento desta, como em caso de determinadas instituições religiosas- essa instituição é apresentada como expressamente criada para tal função, ou em sentido completamente metafísico, como tendo sido moldada por uma “tendência de desenvolvimento” de caráter econômico.
Mesmo que seja admitido este aspecto econômico a escola torna-se cada vez
mais distante de seu objetivo: transformar o estudante em homo economicus nos
padrões aceitos socialmente. Mediante esta incapacidade da ECRF-QP em produzir
cidadãos capazes de suprir suas necessidades econômicas, mesmo que estas
demandas sejam criadas externamente pelo contato com a classe dominante
justifica o esvaziamento das salas de aula.
“Todos aqueles fenômenos que, no sentido mais amplo, designamos por
“socioeconômicos” vinculam-se ao fato básico de que a nossa existência física,
assim como a satisfação das nossas necessidades mais ideais, defrontam-se por
todos os lados com a limitação quantitativa e a insuficiência qualitativa dos meios
35
externos” (WEBER, ano?, p. 79). Sendo assim a escola familiar rural de Quebra-
Pote, seus funcionários e alunos esbarram em varias limitações decorrentes da
própria realidade em que vivem.
Mesmo levando em consideração, pelo menos minimamente, as
especificidades locais, as dificuldades se expressam em todos os estágios de suas
experiências: desde as iniciais, como alcançar novos alunos até o fim do processo
educacional, que seria formar o aluno, egresso da escola no homo economicus, tão
esperado pela sociedade e pelo próprio aluno pois não devemos esquecer que
mesmo criado pela classe dominante, esse padrão está enraizado no seio de toda a
sociedade.
Os interesses sócio-locais não são em si isolados e inertes a esta realidade,
eles são deslocados e condicionados pela dinâmica da situação à qual os interesses
estão ligados, como disserta Weber em: “um fenômeno ‘socioeconômico’ está
condicionado pela orientação de nosso interesse de conhecimento, e essa
orientação define-se conforme o significado cultural que atribuímos ao evento”
(WEBER 2002, p. 79). E nossos interesses estimulam um desencanto à vida no
campo.
Os interesses que moldam a população estudada são inerentes à realidade
que se mistura e percorre entre rural e urbano, contudo a valorização da segunda
situação torna cada vez mais distante a possibilidade de continuidade da população
rural como a conhecemos. É nítido que o tipo ideal formado por nossa realidade já
não é mais capaz de manter o homem no campo.
Novas formas que o campesinato admite são necessárias, haja vista a
mudança das mentes em decorrência da transformação social local. A realidade
mudou. A escola necessita aprender como ocorre esta mudança para conseguir
perpetuar-se no local como instrumento necessário, senão será apenas mais uma
instituição repleta de “boas intenções”, porém sem utilidade prática. Além disso, os
discentes e a comunidade não poderão estar alheios a essas mudanças; precisam
ser agentes dela.
36
As sociedades humanas são dinâmicas e estão em processo de constante
mudança, (alguns mais acelerados que outros). Portanto, a Escola Casa Familiar
Rural em Quebra-Pote sofre influência, mesmo que de forma indireta, desse
processo, que envolve relações sociais, massas humanas, interesses capitalistas,
vontades particulares, etc. Estão sob o domínio das forças materiais e de
reprodução da vida econômica, ainda que de forma inconsciente. Por isso, deve
acompanhar estas mudanças, principalmente, no domínio das relações econômicas.
Ao admitir que há um ser social a ser formado, moldado e esperado pela
média social, e que os processos modernos de educação formal de base laica estão
diretamente ligados aos processos sociais, então, pode-se sugerir a hipótese de que
as rupturas da educação do campo frente às permanências, que dão condições de
manutenção dos status quo de uma sociedade são, senão totalmente, mas
praticamente inócuos quando se busca compreender a subjetividade dos sujeitos
envolvidos, os seus desejos, expectativas. Sugiro, portanto, que o homem a ser
erigido pela educação contemporânea é o homo economicus.
Conforme BOURDIEU:
As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais (2002, p.11).
Esse homem interessado tão somente em sua manutenção e reprodução
social, está enraizado na sociedade, e torna-se cada vez mais distante de si, do
outro e da realidade ao seu redor, na medida em que os desejos da vida moderna
distanciaram de uma subjetividade e impõe o american way of life. Sendo assim, há
uma preocupação profunda na sociedade urbana atualmente: apossar-se da
determinante econômico-financeira.
Ainda faz-se necessário desconfiar da assertiva de que a relação urbano-rural
está superada, que os campos simbólicos desses dois espaços socioculturais foram
aproximados pela moderna prática da circulção de infomações. Ao contrário, o que
se pode perceber é que essa circulação de informações, ao aproximar esses
mundos distintos, ao invés de diminuir as diferenças, fez com que elas se
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afirmassem, se confrontassem e se tornasem mais visíveis (GUIMARÃES, 2002;
SILVA, 2008; CASTRO, 2008).
As próprias visões sobre os dois lados da cidade evidenciam esta
característca. O meio urbano é cheio de facilidade embora ainda haja muitas
dificuldades, todavia, a zona rural mergulhada em problemas, está esquecida e à
margem do investimento estatal, prova disto é que a própria ECFR-QP é, em parte,
financiada por uma empresa de capital privado. A municipalidade ludoviscense e o
governo estadual não sabe, ou simplesmente não possuem o interesse, em lidar
com a situação em que o urbano convive junto ao rural.
Disso surge a questão: qual o lugar real e simbólico dos jovens que vivem o
meio rural? Que estudam em escolas próprias para o campo? O que significa, nesse
caso, ser diferente, ser o outro? Ou em quais aspectos precisam ser diferentes do
outro?
O lugar social dos jovens egressos da ECFR-QP, bem como dos seus atuais
estudantes no cenário do município de São Luís é o da periferia, o lugar da falta, do
desemprego, onde inexiste coleta de lixo, rede de esgoto, de postos de saúde
equipados e com profissionais qualificados. Situação idêntica que já preconizaram
Mendonça & Sant’Ana júnior (2010, p. 10)
Geralmente nas cidades, ainda que naquelas chamadas de “modelo”, há um núcleo com toda estrutura que disponibiliza conforto e comodidade e ao mesmo tempo uma região, bem maior que o núcleo, que carece de infraestrutura mínima de abastecimento de água, de coleta de lixo, sistema de esgoto, com moradias precárias, ou seja, as cidades (o lugar da realização dos sonhos) jamais foram justas com todos os seus moradores. Mas uma coisa é verdade: ela sempre aponta para a possibilidade (ainda que fictícia) de ascensão social, e isso move vidas e gerações inteiras.
No trabalho de Mendonça & Sant’Ana Júnior (2010), além de problematizar a
dicotomia campo – cidade, buscam compreender como adolescentes e jovens saem
dos seus lugares geossimbólicos com a expectativa de serem incorporados na
sociedade dominante. No caso da ECFR-QP, é a educação do campo que vai à
cidade, uma vez que se situa na capital do Estado; então, de que maneira o
pertencimento simultâneo desses jovens estudantes ao campo e a cidade os fazem
diferentes de outras realidade de educação do campo?
38
A sua própria realidade rural e empobrecida não lhes mostra perspectivas de
mudança e vai mais além ao mostrar o campo como um lugar ultrapassado e até
mesmo por suas vivências pessoais desinteressantes, desmotivadoras e distantes.
Essa descontinuidade entre rural e urbano dentro da capital maranhense deve ser
encarada na pedagogia da ECFR-QP.
Talvez isso ajude compreender qual motivo do desintersse dos alunos pela
ECFR-QP, contudo, na cidade pensada, ou na real, mesmo com as suas
contradições, os seus aspectos interditados conseguem ser camuflados e a
matemática dos valores tem sido favorável à conduta e à etiqueta urbana. Ser
camponês, estudante de uma Casa Familiar Rural, é permanecer no lugar negado,
embrutecido na periferia. Neste caso, o homem do campo prefere negar-se e buscar
afirmar outras identidades, a não ser que a pedagogia da CFR dê condições de se
tornar plenamente homo economicus.
Afinal conforme Elias e Scotson, os grupos com pouco ou nenhum poder de
consumo da estética, da gramática e da etiqueta da porção dominante da sociedade
são, em alguns casos, “vistos – coletiva e individualmente – como anômicos”
(ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 26). O que leva, em alguns casos, aqueles grupos ou
pessoas que não compartilham desse território simbólico a vivenciarem
“afetivamente sua inferioridade de poder como um sinal de inferioridade humana”
(ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 28). Assim, se explica por que os jovens estudantes
dessa escola demonstram desinteresse, sendo este não pela escola, mas ao lugar
socialmente maculado no qual estão jogados e esquecidos.
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CONCLUSÃO
Historicamente, a Educação tem sido, de um lado, a maneira pela qual as
sociedades circulam informações e padrões morais; de outro lado, instrumento
utilizado pelos grupos dominantes para formar homens e mulheres conformados
com o status quo, incapazes de desconfiar, de questionar. Corpos e mentes dóceis,
aptos à obediência. Ainda que a Educação formal se insinue libertária,
emancipatória, capaz de trazer a todos que passaram por ela uma capacidade de
mudança, que na realidade não ocorre. Ou pelo menos essa transformação é tênue.
Entretanto, diversos setores da sociedade veiculam a Educação como sendo
a possibilidade de romper com as desigualdades e os controles, contudo, na prática
e com bases empíricas o que se pode perceber é que até mesmo esse discurso
serve para manter o controle dos corpos e das mentes, das subjetividades e dos
desejos, uma vez que o credo na libertação pela via da Educação ensejará a falsa
esperança de liberdade de fato, de emancipação, de condições de ler o mundo de
outro modo.
Para além disto, a Educação precisa superar também a educação rural, pois
sendo o Brasil um pais multicultural e multinacional necessita avançar na questão
para englobar na Educação também outras populações brasileiras como os espaços
da floresta, da pecuária, das minas etc*, mas os ultrapassa ao acolher em si os
espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. Outrossim, é levar estas
perspectivas ao conhecimento dos urbanos.
A tensão histórica e socialmente construída entre os territórios sócio espaciais
campo – cidade tem sido uma boa prova de como a estrutura educacional moderna,
voltada para formar o homo economicus, mantém mundos distintos, e sua
aproximação só tem aumentado as tensões e as diferenças, embora haja esforços
em contrário.
Encarar a situação cidade - rural em São Luís do Maranhão necessitará
ultrapassar-se a escola rural diferenciada que atinge somente uma mínima parcela
* Apesar de estar havendo louváveis esforços para disseminar a cultura escolar a todos os segmentos
populacionais.
40
da população camponesa (não esquecendo que a população brasileira possuir cerca
de 190.000.000 de habitantes). A questão deve ser pensada com mais profundidade
e por profissionais de varias áreas do conhecimento, burocratas, comunidade local,
políticos etc, pois o homem do campo necessita ser o homo economicus, haja vista
que está inserido, mesmo que marginalmente, na sociedade capitalista.
Por isso mesmo, para muitos do campo a escola é reconhecida como um
agente profissional de mínima importância. Essa feição vem crescendo, nos últimos
tempos. É reconhecida apenas quando oferta conhecimentos “modernos”, por
exemplo, sobre como trabalhar com os bancos, comerciantes e insumos. Ou seja,
como fazer com que o camponês se converta em homo economicus. A escola é
compreendida como o lugar da contraeducação rural, onde a criança aprende a
deixar de “lidar com a terra”. A escola não é compreendida como um agente de
formação profissional, mas de informação daquilo que é necessário adquirir para
aprender uma profissão: ler, escrever e contar. E ler, contar e escrever em si e para
si.
A escola como estrutura que garante a produção simbólica falhou, pois não
consegue imbuir nos seus estudantes a dominação necessária pra que estes sejam
os homens médios esperados pela sociedade. Segundo Bourdieu, um sistema
simbólico tornar-se-á eficaz quando for capaz de “exercer um poder de estrutura por
que são estruturados”. Perceber a realidade local em si não foi suficiente para a
construção deste mecanismo.
As experiências das Casas Familiares Rurais, por meio da pedagogia da
alternância, têm sido percebidas como uma possibilidade de sair do cenário
educacional centrado em parâmetros do individualismo e da produção de riquezas
puramente materiais, mas suas estruturas são mantidas e fiscalizadas pelos setores
estatais que não admitem perder o controle da situação, conforme revelou a
coordenadora da ECFR-QP, sobre uma gestora municipal: “alternância para a
SEMED não existe”.
Apesar de ainda não ser livre das amarras simbólicas da formação do homem
econômico, a ECFR-QP aparece como uma experiência valiosa para que se
desenvolvam meios de se construir outras pedagogias, outros valores, outros
41
homens e outras mulheres, não o outro estigmatizado como indolente, ignorante,
bruto e incapaz, mas o outro com possibilidades de contribuir para um mundo
diferente.
Entretanto, mesmo essa experiência mínima é sistematicamente ameaçada
de interromper suas atividades. Os recursos praticamente foram todos suspensos,
atividades cotidianas como visitas dos alunos não ocorrem por falta de combustível.
Assim como tantas outras iniciativas que se mostravam de grande poder
social se perdem no tempo e no espaço políticos descontínuos, onde uma nova
administração pública sequer tem conhecimento das iniciativas da administração
anterior, ou apenas é deixada de lado, pois foi posta em prática por um rival político.
Desta forma, se esquecem de investimentos que poderiam transformar as
realidades, as oportunidades de sair do monturo são lançadas ao acaso pelo
desinteresse político, pela falta de uma cultura escolar renovadora etc.
Uma única CFR perdida na região metropolitana da São Luís, nem de longe
tem sido notada, senão quando é utilizada para propaganda de algum grupo
interessado em transformar sua imagem em trampolim eleitoral. Como exemplo, em
todo o domínio do site do governo estadual há somente uma nota sobre a escola.
Todas as dificuldades que a Escola Casa Familiar Rural em Quebra-Pote
possui, buscando manter o mínimo de alteridade, na tentativa de fixação no espaço
geopolítico maranhense. A ressignificação do espaço simbólico e a retomada de
uma elevada autoestima para o campesinato ludovisence seria um grande avanço e
conquista pedagógica na região.
Contudo, mesmo que excipientes e com pouca visibilidade fora de seu espaço
de ação, a ECFR-QP já pode ser considerada um embrião que, se for cuidado e
reproduzido, antes que seu ciclo chegue ao fim representará o início de muitas
mudanças sociais e econômicas, necessárias tanto para o camponês (que terá seu
lugar reconhecido) quanto para o ser urbano que, sem saber, tira vantagens dessa
relação.
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Por fim, por questões estruturais e por estar imersa em uma sociedade de
valores urbanos, econômicos, individualistas, a educação oferecida na ECFR-QP
esforça-se por realizar nos moldes das pedagogias mais avançadas as
especificidades do campo; considera a temporalidade e a dispersão espacial dos
alunos, utiliza-se da pedagogia da alternância, fazendo com que se compatibilizem
as tarefas da unidade de produção familiar com as exigências do ensino formal da
escola. Também propicia a participação constante das famílias, da comunidade e
dos alunos em praticamente todo o processo de elaboração do ano pedagógico.
Entretanto, a despeito de todas essas diferenças a formação do espírito, da
subjetividade, dos desejos dos egressos dessa escola ainda está muito distante de
se mostrar díspare do ser formado nas escolas urbanas. Conforme ensina Milton
Santos, no país não temos cidadãos, mas consumidores. Infelizmente, mesmo nas
escolas com pedagogias alternativas têm-se formado consumidores e não cidadãos
ou se houver escolas fora desta linha ideológica, que o autor deste trabalho
desconhece, certamente serão poucas, muito poucas.
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5 REFERÊNCIAS
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LAKATOS, Eva Maria. Sociologia Geral. 7ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Atlas, 1999.
44
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Apêndice A: Questionário aplicado com a gestão da ECFR-QP
QUESTIONÁRIO Para gestão
Educação do campo no campo da educação: a experiência da Escola Familiar Rural de Quebra Pote, São Luís – MA 1. Nome oficial da escola. Endereço. Nome do gestor. 2. Tempo de funcionamento (data fundação) 3. Séries e cursos atendidos. Idade média dos discentes 4. Quantidade de ingressos e egressos anualmente 5. Quantidade de egressos acumulada desde a fundação da escola 6. Quem mantêm financeiramente a escola e qual orçamento mensal 7. Quantidade de professores por especialidades 8. Nível de formação dos professores 9. Há rotatividade de professores. 10. É difícil encontrar profissionais capacitados e motivados em trabalhar com Educação do Campo. 11. Quantidade de Técnicos Educacionais 12. Qual o modelo de gestão praticado pela escola 13. Qual(is) a(s) metodologia(s) utilizada(s) 14. A escola tem projeto político pedagógico. Qual sua metodologia de elaboração. 15. Quais os conteúdos utilizados e como foram elaborados e escolhidos. 16. Há interação entre escola e família, como se dar. 17. Quais os meios de avaliar se a escola de fato faz educação do campo e não no campo, apenas. 18. Como são as condições estruturais. Correspondem à demanda. 19. Os professores e técnicos estão satisfeitos com as suas condições de trabalho. 20. Como você avalia a atuação da CFR. Você acredita que ela oferece educação diferenciada.
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Apêndice B: Questionário aplicado aos docentes da ECFR-QP
QUESTIONÁRIO Para docentes
Nome: ____________________________________________________________ Disciplina ____________ Tempo docência ________ Tempo na EFR _______ 1. Como você avalia as condições de trabalho disponibilizadas pela EFR. 2. Qual o modelo de gestão praticado pela escola 3. Qual(is) a(s) metodologia(s) utilizada(s) 4. A escola tem projeto político pedagógico. Qual sua metodologia de elaboração. 5. Quais os conteúdos utilizados e como foram elaborados e escolhidos. 6. Há interação entre escola e família, como se dar. 7. Quais os meios de avaliar se a escola de fato faz educação do campo e não no campo, apenas. 8. Como você avalia a atuação da CFR. Você acredita que ela oferece educação diferenciada. 9. Você daria exemplo de conteúdo, atividade, metodologia que diferencia a CFR das demais escolas do município.
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Apêndice C: Questionário aplicado aos discentes da ECFR-QP
QUESTIONÁRIO Para discentes
Nome: _________________________________________________ Idade: ______ Série: _____________ Tempo de escola: ____________ Tempo na EFR: _______ 1. Como você avalia as condições de educação da EFR. 2. Você sabe qual o modelo de gestão praticado pela escola. 3. Qual(is) a(s) metodologia(s) utilizada(s) 4. A escola tem projeto político pedagógico. Qual sua metodologia de elaboração. 5. Quais os conteúdos utilizados e como foram elaborados e escolhidos. 6. Há interação entre escola e família, como se dar. 7. Quais os meios de avaliar se a escola de fato faz educação do campo e não no campo, apenas. 8. Como você avalia a atuação da CFR. 9. Você acha que a CFR realmente faz educação diferenciada. Como.
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