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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
PEDRO MACHADO RIBEIRO NETO
AOS CUIDADORES DO SERVIÇO RESIDENCIAL
TERAPÊUTICO: novas maneiras de cuidar...?
VITÓRIA
2009
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PEDRO MACHADO RIBEIRO NETO
AOS CUIDADORES DO SERVIÇO RESIDENCIAL
TERAPÊUTICO: novas maneiras de cuidar...?
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia do Centro de Ciências
Humanas e Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Profª. Drª. Luziane Zacché Avellar.
VITÓRIA
2009
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Ribeiro Neto, Pedro Machado, 1981- R484a Aos cuidadores do serviço residencial terapêutico : novas
maneiras de cuidar – ? / Pedro Machado Ribeiro Neto. – 2009. 113 p. Orientadora: Luziane Zacché Avellar. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Ciências Humanas e Naturais. 1. Cuidadores. 2. Saúde. 3. Terapêutica. 4.
Desinstitucionalização. I. Avellar, Luziane Zacché. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 159.9
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PEDRO MACHADO RIBEIRO NETO
AOS CUIDADORES DO SERVIÇO RESIDENCIAL
TERAPÊUTICO: novas maneiras de cuidar...?
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
Aprovada em oito de abril de 2009.
COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________
Profa. Dra. Luziane Zacché Avellar
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
_________________________________
Profa. Dra. Ângela Nobre de Andrade
Universidade Federal do Espírito Santo
_________________________________
Profa. Dra. Maria Inês Badaró Moreira
Universidade Federal de São Paulo
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Renato e Angélica, a quem sou grato pelo cuidado em todas as horas e
ao meu irmão Vitor, pelas cervejas pagas;
À minha esposa Creusa pela atenção, respeito, compreensão em períodos difíceis e por
compartilhar comigo agradáveis momentos durante estes anos juntos;
Ao meu filho Thales, que nasceu para presenciar e me influenciar nas etapas finais deste
trabalho;
A toda minha família, especialmente ao meu avô Lionízio (em memória) e à minha avó
Cacilda;
Aos amigos ausentes e principalmente aos que puderam estar comigo nestes últimos
meses, pela confraternização;
Aos amigos do PPGP, que auxiliaram na construção deste trabalho em conversas, dicas,
empréstimos de textos e pelos bons momentos;
À Luziane Avellar, pela contribuição para este trabalho e para meu desenvolvimento
enquanto pesquisador;
À Inês Badaró, por aceitar contribuir com este trabalho e pelo incentivo desde a
graduação;
À Ângela Nobre, pelos encontros que foram importantes para a construção deste
trabalho e por aceitar contribuir desde o projeto de qualificação;
À Margarida Rodrigues, por aceitar analisar e contribuir para este trabalho ainda no
projeto de qualificação;
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) bela
bolsa concedida.
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"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo
dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez
passos. Por mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve
para isso: para que eu não deixe de
caminhar".
Eduardo Galeano
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Ribeiro Neto, P.M. (2009). Aos cuidadores do Serviço Residencial Terapêutico: novas maneiras
de cuidar...? Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Psicologia – UFES,
Vitória/ES.
Resumo
Trata de uma aproximação da realidade de trabalho dos cuidadores de um SRT visando
contribuir com as discussões sobre a Reforma Psiquiátrica e desinstitucionalização da
loucura. Optamos pela abordagem qualitativa por entendermos que melhor se aplicaria
aos objetivos propostos. Participaram do estudo seis cuidadores de uma residência
terapêutica do Estado do Espírito Santo. Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas
e observação participante. Para a análise e interpretação dos dados utilizamos a “Análise
de Conteúdo” do material coletado, sendo priorizada a utilização de uma de suas
categorias, a “análise temática”. Verificamos que os cuidadores são profissionais que
atuavam em serviços basicamente comuns, sem um nível maior de complexidade, e
também sem relação com a área da Saúde. Todos os participantes possuem menos de
um ano de experiência no SRT. Foram contratados junto a duas firmas: uma
especializada em alimentação, e outra da área de serviços gerais. Os participantes
consideraram que não tiveram preparação para atuar na casa, mas apesar disto, se
sentem preparados para o serviço. Não tiveram formação profissional no campo da
saúde, adquiriram suas principais informações sobre as residências terapêuticas ao
primeiro contato com o HAB, onde obtiveram orientações sobre seu trabalho no serviço
residencial. Além das orientações, aprendem a lidar com as situações, principalmente as
quais se mostraram preocupados, no dia a dia de trabalho. Verificamos que os usuários
são assemelhados à criança em vários momentos do discurso dos participantes, e o
processo de reinserção social é comparado ao de aprendizagem infantil. Sugerimos a
criação de espaços de discussão com cuidadores e moradores do SRT sobre questões
como o cuidado em saúde, loucura, e que os cuidadores tenham um suporte
consideravelmente mais abrangente para a condução de seu ofício. Neste âmbito, além
de indagar sobre que formas de cuidado estão sendo praticadas pelos trabalhadores de
residências terapêuticas em relação aos usuários, concluímos ser imprescindível que se
discuta também sobre o nível de atenção dispensada aos cuidadores.
Palavras-chave: desinstitucionalização; residência terapêutica; cuidador em saúde.
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Abstract
This work has proposed conducting an approximation of the reality of caretaker of a
SRT to contribute to discussions on the Psychiatric Reform and deinstitutionalization of
madness. We chose the qualitative approach because we believe that best apply to the
proposed objectives. The study participants were six caretakers of a therapeutic
residence of the State of Espírito Santo. For data collection was used semi-structured
interviews and participant observation. For data analysis and interpretation were used
the "Content Analysis" of the material collected, and prioritized the use of one of its
categories, the "thematic analysis”. We found that caregivers are professionals who
worked on common services basically, without a higher level of complexity, and also
unrelated to the area of Health. All participants have less than a year of experience in
the SRT. Were contracted of two companies: one specializing in food, and one of
general services. Participants considered that were not prepared to act in the house, but
despite this, they feel prepared for the service. Had no training in health, acquired the
main information of the SRT on their first contact the HAB, which received guidance
on their work in residential service. Besides the guidelines, learn to deal with situations,
which were mainly concerned in the day to day work. Was noted that users, in general,
are similar to the child several times in the speech of the participants, and the process of
social reintegration is compared to the child learning. We suggest the creation of spaces
where can be discussed with the caregivers and residents on issues such as health care,
madness, and that the professional of residential services must have a considerably more
comprehensive support for the conduct of their office. In this context, beyond inquire
about which types of care are being practiced by caretakers of residential service for
residents, we concluded that also indispensable discuss the level of attention given to
caregivers.
Keywords: deinstitutionalization; therapeutic residence; health caregiver.
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SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO.........................................................................................................10
1.1- Desinstitucionalização e desospitalização....................................................14
1.2- Os serviços substitutivos em saúde mental..................................................16
1.3- O Serviço Residencial Terapêutico............................................................. 18
1.4- O profissional na atenção à saúde mental................................................... 22
2 - OBJETIVOS.............................................................................................................. 30
2.1 - Objetivo geral............................................................................................. 30
2.2 - Objetivos específicos.................................................................................. 30
3 - MÉTODO.................................................................................................................. 31
3.1 - Local da pesquisa....................................................................................... 32
3.2 - Participantes............................................................................................... 33
3.3 - Instrumentos............................................................................................... 33
3.4 - Aspectos éticos........................................................................................... 35
3.5 - Procedimentos de coleta dos dados............................................................ 35
3.6 - Procedimentos de análise e interpretação dos dados.................................. 36
4 - RESULTADOS......................................................................................................... 38
4.1 - Descrição do Serviço Residencial Terapêutico.......................................... 38
4.2 - Caracterização dos participantes................................................................ 39
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4.2.1 - Os trabalhadores e o funcionamento do serviço.......................... 39
4.2.2 - Conhecimento sobre o SRT antes de sua entrada no serviço...... 40
4.2.3 - Como souberam do trabalho e por que aceitaram....................... 41
4.2.4 - Principais diferenças entre o serviço anterior e o trabalho no
SRT............................................................................................. 42
4.2.5 - Sentimentos sobre o trabalho no SRT......................................... 44
4.2.6 - Consideram-se preparados para atuar no SRT?.......................... 45
4.2.7 - Conhecimento da legislação referente ao SRT........................... 47
4.3 - Principais atividades realizadas pelos cuidadores...................................... 47
4.4 - Concepções dos cuidadores sobre os usuários, comunidade e o SRT....... 52
4.4.1 - Relacionamento dos moradores com a comunidade................... 53
4.4.2 - Relação dos moradores com o CAPS......................................... 55
4.4.3 - Relacionamento dos moradores no SRT..................................... 56
4.4.4 - Percepções sobre a comunidade.................................................. 60
4.4.5 - O que acham que poderia ser feito para aprimorar o serviço e
qual o papel do cuidador nisso?.................................................. 62
5 - DISCUSSÃO............................................................................................................. 64
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 89
7 - REFERÊNCIAS........................................................................................................ 93
ANEXO........................................................................................................................ 110
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1- INTRODUÇÃO
O modelo hospitalocêntrico de assistência à saúde mental no Brasil vem
sofrendo mudanças nos últimos 20 anos. Essas transformações são influenciadas por um
movimento mundial que questiona a prática de exclusão do louco, motivando a criação
de serviços que substituam o hospital psiquiátrico como único modo de atenção.
O movimento da Antipsiquiatria, que surgiu na década de 1940 na Inglaterra,
exerceu forte influência na reestruturação da assistência psiquiátrica, tendo sido um dos
pioneiros na crítica ao modo de atenção centrado na internação psiquiátrica prolongada.
A partir desse movimento, surgiram diversas experiências em países da Europa e nos
EUA, na tentativa de reorientação do modelo psiquiátrico de atenção. Entre estas
experiências, destacam-se: Comunidades Terapêuticas na Inglaterra, Psiquiatria de Setor
na França e Psiquiatria Preventiva nos EUA (Baptista & colaboradores, 2002; Oliveira
& Alessi, 2003; Silveira & Alves, 2003; Carneiro & Rocha, 2004; Furtado, 2006;
Fassheber & Vidal, 2007).
Na Itália, a partir da década de 1960, ocorreu uma das mais radicais
transformações da assistência psiquiátrica, conhecida como Psiquiatria Democrática,
resultando na Lei 180 daquele País, que estabelecia “o fechamento dos manicômios e a
criação de serviços alternativos na comunidade” (Desviat, 1999, p. 45), ao contrário de
outros países, como Inglaterra, França e Estados Unidos, que buscaram modernizar ou
humanizar os manicômios (Oliveira & Alessi, 2003; Silveira & Alves, 2003; Nardi &
colaboradores, 2005).
A desinstitucionalização italiana, cuja experiência consolidou efetivamente uma
ruptura com o hospital psiquiátrico, influenciou sobremaneira a Reforma Psiquiátrica
Brasileira, que se configurou não apenas como uma reforma da Psiquiatria, mas também
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como um movimento político, administrativo, jurídico, cultural e social (Alvarenga &
Novaes, 2007; Fassheber & Vidal, 2007; Gastal & colaboradores, 2007).
No Brasil, durante a década de 1980, o Movimento dos Trabalhadores de Saúde
Mental buscou alternativas para a reclusão do louco nos hospitais psiquiátricos. Em
1989 Paulo Delgado escreveu o Projeto de Lei 3657, que preconizava a extinção
progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por serviços inseridos na
comunidade e, fundamentada neste projeto, em abril de 2001 foi promulgada a Lei
10.216, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, dispondo sobre os direitos do
“portador de transtorno mental” (Amarante & Torre, 2001; Tenório, 2002; Silveira &
Alves, 2003; Rabelo & Torres, 2005; Fassheber & Vidal, 2007).
A Lei 10.216 estabelece como direito a pessoa ser tratada preferencialmente em
serviços comunitários de saúde mental; prevê como responsabilidade do Estado o
desenvolvimento de políticas de saúde mental; proíbe a internação de pacientes
portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares e,
assegura que o paciente a longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize
situação de grave dependência institucional, seja objeto de política específica de alta
planejada e reabilitação psicossocial assistida, entre outras diretrizes.
A reestruturação da atenção em saúde mental requer a formulação de políticas
que visem à melhoria da assistência e a criação de uma rede articulada de serviços que
substituam a internação hospitalar. Os serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico vão
sendo constituídos no final da década de 1980 e se consolidando durante os anos 1990,
através de experiências como as oficinas terapêuticas, os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e as experiências de moradias assistidas ou lares abrigados, que
posteriormente vieram a ser denominadas pela Portaria 106 de 2000 de Serviço
Residencial Terapêutico em Saúde Mental (SRT), conferindo alternativas para os
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moradores dos hospitais psiquiátricos (Koda, 2003; Ministério da Saúde, 2004; Weyler
& Fernandes, 2005).
Conforme a Portaria 106, o SRT é um serviço com característica de uma
moradia ou de uma casa, visando à inserção social dos usuários, e constitui-se como
uma modalidade assistencial substitutiva da internação psiquiátrica prolongada. Neste
contexto, a pessoa há longo tempo internada em hospitais psiquiátricos desfrutará de
alta hospitalar e da possibilidade de continuidade do cuidado no âmbito do SRT, que
deverá estar integrado a rede articulada de serviços do SUS.
Uma questão presente durante o trabalho foi sobre a forma de nomeação do
habitante da Residência Terapêutica. Conforme previsto na legislação, é um serviço que
busca se assemelhar a uma casa, e por isso as pessoas que têm direito ao SRT serão
denominados no âmbito deste trabalho de “moradores”, “residentes”, como também
“usuários”. Entendemos ser preciso desvincular a figura do morador do SRT que é
identificada à de usuário dos serviços de saúde, para a de cidadão, no sentido de romper
com a idéia de que a doença é sua identidade, e assim a denominação mais fiel aos
propósitos do SRT seria a de “morador” e não “usuário” ou “paciente”. Mas, por outro
lado, é uma situação complexa, pois existe uma ambigüidade no próprio nome do SRT,
e a questão sobre se a Residência Terapêutica ‘é um serviço ou uma casa’ ainda suscita
discussões, e por isso está longe de ser respondida em definitivo.
Apenas a transferência dos moradores dos hospitais psiquiátricos para os novos
serviços não garante a desinstitucionalização, pois não é a mudança de espaço físico que
permite a maior eficácia do processo de desinstitucionalização da loucura, mas a
transformação da lógica manicomial (Amarante, 1995; Pitta, 1996; Saraceno, 2001;
Koda, 2003; Dimenstein, 2004; Alverga & Dimenstein, 2006; Rabelo & Torres, 2006;
Andrade & Lavrador, 2007; Suyama & colaboradores, 2007; Amorim & Dimenstein,
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2009). Nesta discussão, Amarante e Torre (2001) ponderam que a consistência da
reflexão sobre os novos serviços é fortalecida na discussão sobre os princípios que
norteiam a relação com a loucura, sendo necessário, para isso, um conhecimento
histórico da questão, visando a não reprodução de ações manicomiais nos serviços
substitutivos.
Como o SRT é um serviço público de saúde com características de uma casa, os
trabalhadores teoricamente têm uma função inédita e distinta da atribuição de um
funcionário de uma casa de família, ou de uma enfermaria hospitalar, por exemplo.
Além disso, a atuação do profissional no serviço residencial influencia a apropriação da
casa por parte dos moradores, e consequentemente o favorecimento de sua autonomia
(Ministério da Saúde, 2004; Weyler & Fernandes, 2005; Furtado, 2006).
Com a inserção dos moradores nas residências terapêuticas, os trabalhadores da
casa não podem ser considerados os únicos responsáveis pelo andamento e eficácia do
serviço, mas se constituem como uma das peças mais importantes no processo da
substituição do manicômio por dispositivos que realmente não reproduzam práticas
manicomiais.
Mas quem são os trabalhadores das residências terapêuticas? Estão preparados
para as novas exigências que se fazem no cotidiano do serviço e na atenção à saúde
mental? Como descrevem suas funções e quais são suas concepções sobre seu trabalho?
O presente estudo tem o objetivo de conhecer os profissionais que atuam nos Serviços
Residenciais Terapêuticos, pois são estes trabalhadores que vivenciam o cotidiano nos
serviços e interagem diariamente com os usuários das residências terapêuticas.
Observamos na revisão da literatura alguns textos sobre o SRT e descrições sobre os
moradores, porém notamos uma escassez de trabalhos focalizando os profissionais
destes serviços, o que justifica a realização do presente estudo com esta população.
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1.1 – Desinstitucionalização e desospitalização
A mudança de espaço físico, do hospital psiquiátrico para os serviços
substitutivos, ou somente as transformações conceituais e técnicas, sem a constante
problematização dos serviços, não sustenta por si só o movimento da
desinstitucionalização e a reinserção social dos egressos dos hospitais. Diante disto, é
preciso cuidado para garantir que as práticas nos novos dispositivos de saúde não se
transformem em ações manicomiais, semelhantes às antigas práticas de confinamento,
sob o risco da reprodução de antigos modelos manicomiais nos serviços substitutivos,
no entanto sobre novas roupagens (Pitta, 1996; Koda, 2003; Alverga & Dimenstein,
2006; Amorim & Dimenstein, 2009). Machado (2006), ao discutir sobre as residências
terapêuticas, discorre sobre a armadilha de os usuários destes serviços continuarem,
mesmo depois de transferidos dos hospitais para as moradias, sob as dimensões da
lógica manicomial, pois “mesmo habitando a casa, os usuários ainda correm o risco de
estar sob o jugo do manicômio” (p.37).
Um tema recorrente na revisão da literatura sobre a reforma psiquiátrica é o da
desinstitucionalização da loucura e sua distinção do processo de desospitalização dos
moradores hospitalares. A desospitalização, que trata do deslocamento dos moradores
dos hospitais psiquiátricos para outros serviços, não é sinônimo de
desinstitucionalização. Furtado (2006) argumenta que a desinstitucionalização não se
resume à saída dos moradores do ambiente hospitalar ou simplesmente ao fechamento
dos hospitais e, para Saraceno (2001) a desinstitucionalização diz respeito à saída do
usuário da “instituição psiquiatria”, se configurando como “a possibilidade de
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recuperação da contratualidade, isto é, de posse de recursos para as trocas sociais e, por
conseguinte, para a cidadania social” (p. 133).
Amorim e Dimenstein (2009) ressaltam que a desinstitucionalização implica na
desconstrução de saberes e práticas consolidadas no manicômio, tendo em vista que nos
serviços substitutivos podem predominar não as estruturas, mas as idéias manicomiais.
Neste sentido, Dimenstein (2004) afirma que a desinstitucionalização “pressupõe a
desmontagem do dispositivo psiquiátrico, da cultura manicomial, da lógica e da
dinâmica que regem as rotinas dos serviços de atenção e as relações entre profissionais,
usuários e familiares”.
Koda (2003), nesta discussão, enfoca o discurso produzido pelo saber
psiquiátrico, e pondera que “a desconstrução do modelo asilar implica a contraposição
ao discurso manicomial, constituído ao longo de séculos” (p. 69), opinião corroborada
por Alverga e Dimenstein (2006), que pontuam a necessidade de “desconstruir práticas
e discursos que naturalizam e reduzem a loucura à doença mental” (p. 305).
Para Andrade e Lavrador (2007) é necessário a desnaturalização da loucura
como “doença”, da idéia incondicional do louco como um indivíduo perigoso,
irresponsável, pois “a lógica manicomial se caracteriza pelas ações de dominação, de
classificação, (...) de opressão e de controle, desde os mais explícitos até os mais sutis”
(p. 126) e, neste encalço, Amarante (1995) aponta para a necessidade de “desconstrução
e superação de um modelo arcaico centrado no conceito de ‘doença’ como falta, erro”
(p. 493).
A concepção da loucura como uma doença, um desvio, fortalecida pelo saber
psiquiátrico, se trata, para Segre e Ferraz (1997), de um juízo de valor com função de
controle e normalização social. Para Venâncio (2003), mesmo que o saber psiquiátrico
se consolide como o “principal produtor da verdade sobre a loucura em nossa
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sociedade”, há o risco em se assumir uma postura simplista e imputar “todos os males
que têm sido produzidos nesse processo” à Psiquiatria. Neste sentido, o autor relata que
um dos desafios nesse percurso é a articulação de um novo saber entre ciência
psiquiátrica e política assistencial, que prescinda da lógica asilar.
1.2 - Os serviços substitutivos em saúde mental
A partir da II Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada no ano de 1992,
procurou-se uma resposta sobre o destino dos moradores dos hospitais psiquiátricos
com a substituição destes; em função da necessidade de extinção dos hospitais (ou da
redução progressiva de seus leitos), a questão principal era saber para onde iriam as
pessoas que ali moravam, sem vínculos sociais ou familiares, e do mesmo modo qual a
providência mais eficaz a ser tomada para evitar novas internações prolongadas
(Ministério da Saúde, 2004; Furtado, 2006).
O Brasil teve sua primeira experiência de moradia assistida, visando integração
do louco no convívio social, na cidade de Santos (SP), em 1989. Outras cidades, no
início dos anos 1990, como Bagé e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e Rio de
Janeiro (RJ) e Campinas (SP), constituíram experiências de sucesso na implantação de
serviços inseridos na comunidade com características de residência (Baptista &
colaboradores, 2002; Koda, 2003; Ministério da Saúde, 2004). Tendo em vista tais
transformações o Ministério da Saúde cria em 2000 a Portaria 106, instituindo o Serviço
Residencial Terapêutico em Saúde Mental, conferindo denominação às então
designadas pensões protegidas, moradias assistidas ou lares abrigados e introduzindo o
SRT como um serviço constituído na rede de saúde do SUS (Weyler e Fernandes, 2005;
Furtado, 2006).
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Segundo o Ministério da Saúde em seu portal eletrônico (www.saude.gov.br),
um dos desafios para as políticas de saúde mental no País é consolidar e ampliar uma
rede de atenção de base comunitária, visando a reintegração social e cidadania:
Esta rede pode contar com ações de saúde mental na atenção básica, Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços residenciais terapêuticos (SRT),
leitos em hospitais gerais, ambulatórios, bem como com Programa de Volta
para Casa. Ela deve funcionar de forma articulada, tendo os CAPS como
serviços estratégicos na organização de sua porta de entrada e de sua
regulação (Ministério da Saúde).
Assim, o SRT deve funcionar como um ponto nessa rede que, se desconectada,
pode por em risco todo o trabalho nos dispositivos residenciais e nos demais serviços de
saúde. Por isso é importante, inicialmente, a conexão entre os serviços que se propõem
substituir o hospital psiquiátrico para a maior eficácia do processo de reestruturação da
atenção à saúde mental, e por conseqüência para o aperfeiçoamento do SRT.
No ano de 2002 o Ministério da Saúde, considerando a necessidade de
atualização da Portaria 224 de 1992, cria a Portaria 336, que institui os Centros de
Atenção Psicossocial. Os CAPS são caracterizados por serem serviços abertos de
atenção ao “portador de transtornos mentais”. Como afirma o Ministério da Saúde na
Portaria 1174 de 2005, os CAPS “são serviços fundamentais para a Reforma
Psiquiátrica Brasileira e são os dispositivos estratégicos para o ordenamento da rede de
atenção psicossocial em seu território de referência”. Ambulatórios em hospitais gerais
e a constituição de equipes de atenção básica com profissionais especializados em saúde
mental podem dispor desse tipo de atendimento (Ministério da Saúde, 2004).
http://www.saude.gov.br/
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Segundo o Ministério da Saúde (2004), alguns dispositivos dão suporte ao
Serviço Residencial Terapêutico, como os CAPS, as Unidades Básicas de Saúde, além
de benefícios como o Programa de Volta pra Casa (PVC), instituído pela Lei 10.708.
Incentivos financeiros podem ser concedidos aos gestores municipais e estaduais pelo
Governo Federal, através de portarias do Ministério da Saúde, para a implantação e
funcionamento do SRT.
1.3 – O Serviço Residencial Terapêutico
O Ministério da Saúde, através de seu endereço eletrônico, (www.saúde.gov.br),
dispõe três portarias sobre o Serviço Residencial Terapêutico em Saúde Mental: a
Portaria 106, a Portaria 1220 e a Portaria 246, além de uma cartilha, criada em 2004,
que explicita as funções do SRT.
A Portaria 106, de 11 de fevereiro de 2000, institui o Serviço Residencial
Terapêutico em Saúde Mental: são moradias assistidas inseridas de preferência na
comunidade, com objetivos de reinserção social, do resgate da cidadania e autonomia
dos moradores de longa data dos hospitais psiquiátricos, que não possuam suporte social
e vínculos familiares, ou que, por outra razão, necessitem do serviço.
Baptista e colaboradores (2002) afirmam que a função principal das Residências
Terapêuticas é promover o maior grau de autonomia possível na vida dos ex-moradores
hospitalares e, para Moreira e Andrade (2003), essa produção de autonomia se dá no
encontro, nas relações com os profissionais, com a comunidade, nas interações sociais.
Milagres (2003) argumenta que o SRT, além de um espaço de moradia, é para o usuário
um lugar de interação, constituindo “o ponto de apoio para suas expectativas e o lugar
de contato com o mundo – real ou imaginário – que ele deseja conquistar” (p. 133).
http://www.sa%C3%BAde.gov.br/
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A portaria 106 preconiza que o Serviço Residencial Terapêutico esteja vinculado
a um serviço ambulatorial especializado em saúde mental de referência, que possua uma
equipe técnica de no mínimo um profissional de nível superior com experiência em
saúde mental e mais dois profissionais de nível médio com experiência e capacitação
específica também em saúde mental. Os serviços ambulatoriais a realizar essa função,
em geral, são serviços de atenção psicossocial como os CAPS, conhecidos em alguns
Estados como Núcleos de Atenção Psicossocial – NAPS, ou Centros de Referência em
Saúde Mental – CERSAMs (Koda, 2003; Silveira & Alves, 2003).
A Portaria 106 também estabelece que o SRT deva centrar-se nas necessidades
dos usuários visando à construção progressiva de sua autonomia, e, entre outros,
“respeitar os direitos do usuário como cidadão e como sujeito com capacidade de
desenvolver uma vida com qualidade e integrada ao ambiente comunitário”.
Não foram encontradas referências na Portaria 106 sobre o trabalhador da casa e
seu grau de qualificação; a portaria apenas discorre sobre a equipe técnica do serviço
ambulatorial de referência, e que cabe ao SRT garantir assistência, suporte e promover a
reinserção dos “portadores de transtornos mentais” com grave dependência institucional
à vida comunitária. Mas não se trata simplesmente da inserção dos moradores no
ambiente comunitário, apenas sua entrada no serviço residencial, pois é necessário que
haja um cuidado direcionado ao morador no sentido de promover o exercício de sua
cidadania e possibilitar a expansão de sua capacidade para as trocas sociais, para a
convivência no bairro.
Neste percurso, Saraceno (2001) argumenta que a casa (SRT) é um direito do
usuário e, partindo dessa noção vão sendo construídas as políticas do sistema de saúde.
E além da casa como um direito ela é também uma forma para o processo de resgate e
exercício da cidadania dos moradores. Assim, segundo Saraceno, “o direito não é
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somente a casa, mas também a sua aquisição como processo de formação de cidadania”
(p. 120). Portanto, boa parte da responsabilidade para atingir os objetivos do SRT é dos
profissionais que estarão com os usuários em seu dia a dia, no intento de fazer com que
pessoas por longo período reclusas e sob o controle de hospitais psiquiátricos passem a
ter autonomia sobre sua vida.
Marcos (2004) ressalta que uma das principais preocupações em relação ao SRT
é assegurar que não se transforme em espaço de tratamento ou de clínica, e muito menos
de contenção e confinamento, como realizado em hospitais psiquiátricos. Segundo a
autora, “uma das preocupações fundamentais e primeiras é a de preservar o espaço da
casa como casa, e não transformá-la em local de tratamento” (p. 181). O Ministério da
Saúde (2004), através da cartilha disponibilizada em seu endereço eletrônico, assegura
que as casas não são especificamente serviços de saúde, mas sim moradias, habitações,
espaços de viver, articulados com os serviços de atenção psicossocial do município ou
localidade. É preciso, segundo o Ministério, não perder de vista que são moradias, que a
questão principal é o morar, o habitar a cidade.
As casas não podem se tornar um local de tratamento, e devem ser priorizados,
para isso, os CAPS, ambulatórios ou equipes de saúde mental de referência, como
também a utilização dos recursos comunitários. Desse modo, o serviço se assemelha a
uma residência comum, onde não é realizado nenhum tipo de tratamento, mas sim nos
serviços de saúde, como as unidades básicas, ambulatórios em hospitais gerais, serviços
de atenção psicossocial, consultórios, entre outros (Ministério da Saúde, 2004; Silva &
Ewald, 2006).
Cada casa, segundo a Portaria 106, pode receber de um a oito moradores, com
até três em cada quarto, se configurando como uma casa típica de família, com no
mínimo três quartos (caso possua os oito habitantes), banheiros, copa, cozinha, área de
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21
serviço, sala de estar que proporcione boa comodidade e conforto aos moradores,
possuir os equipamentos necessários para as atividades domésticas, como tanques para
lavar roupa, geladeira, fogão, filtros, armários, etc.
Uma segunda portaria relacionada ao SRT, de acordo com o Ministério da
Saúde, é a Portaria 1220, de sete de novembro de 2000, que dispõe sobre a criação dos
Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental, ou seja, regulamenta a Portaria
106 com a finalidade de cadastro e financiamento no SIA/SUS. Esta portaria estabelece
também a criação da atividade profissional “Cuidador em saúde”, que se refere ao
cuidador das residências terapêuticas, e a criação de grupos e subgrupos de
acompanhamento à “pacientes psiquiátricos”, entre outros.
A terceira portaria disposta pelo Ministério da Saúde em seu endereço eletrônico
é a Portaria 246, de 17 de fevereiro de 2005, que proporciona aos municípios um
incentivo financeiro de 10 mil reais para cada SRT implantado, e mais o repasse dos
recursos originários dos AIH´s (Autorização de Internação Hospitalar) que, conforme
esta portaria, podem atingir cerca de sete a oito mil reais mensais.
A Portaria 1220/2000, que estabelece a categoria “Cuidador em saúde”, não
discorre de modo aprofundado sobre as atribuições ou sobre o próprio profissional das
residências terapêuticas, isto é, não há nada relatado nesta portaria sobre quem é este
profissional ou sobre seu grau de qualificação. No entanto, estabelece ao cuidador da
residência terapêutica, em conjunto com a equipe profissional dos Serviços Residenciais
Terapêuticos, a realização de:
Atividades de reabilitação psicossocial que tenham como eixo
organizador a moradia, tais como: auto-cuidado, atividades da vida
diária, freqüência a atendimento em serviço ambulatorial, gestão
domiciliar, alfabetização, lazer e trabalhos assistidos, na perspectiva de
reintegração social (Brasil, 2000).
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Mas estarão os cuidadores, e a equipe técnica responsável, preparados para a
realização deste conjunto de atividades estabelecido pelo Ministério da Saúde, e
habilitados para o favorecimento da autonomia dos usuários? E quem é esse cuidador?
Como se sentem diante de tais atribuições? Se sentem preparados? Como se sentem
trabalhando no SRT?
1.4 - O profissional na atenção à saúde mental
Na legislação referente ao SRT não foram encontradas atribuições específicas
sobre o trabalho do profissional nas casas, e nem sobre o grau de qualificação requerido
para o trabalhador das residências terapêuticas. Na literatura pesquisada, poucos autores
discorrem sobre os cuidadores do SRT, constando na maior parte apenas menções sobre
os trabalhadores do serviço, mas sem um aprofundamento, tornando escassas as
informações sobre este profissional.
Não foram localizados estudos direcionados aos trabalhadores das residências
terapêuticas, e nem a legislação referente ao serviço traz informações sobre quem são
estes profissionais e quais suas atribuições específicas na casa. O que foi encontrado na
literatura relaciona-se ao profissional e técnico em enfermagem, ao profissional de
psicologia, e também ao trabalhador em saúde de uma forma geral, muitas vezes não
sendo especificada a categoria profissional.
Ao discorrer sobre a clínica no contexto da Reforma Psiquiátrica, Amarante
(2003) faz uma ressalva no sentido de pensá-la como um processo constantemente
inventivo e enfatiza a importância da conscientização dos “operadores” desses serviços
de que “ali estão se operando diversas rupturas conceituais, ao mesmo tempo em que
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23
técnicas, políticas, jurídicas e sociais” (p. 62). O autor destaca a importância de se
pensar a clínica no contexto dos serviços substitutivos de uma maneira inventiva, e do
mesmo modo entende-se que também o trabalho nas residências terapêuticas deve ser
pensado de uma forma inovadora. Mas como os profissionais se sentem diante de tais
inovações em seu trabalho? Receberam formação ou algum tipo de treinamento que
abarcasse as transformações na atenção à saúde mental?
Para Pugin e colaboradores (1997) existe uma falta de treinamento para os
profissionais que não possuem formação universitária. Tal questão é levantada por
Zerbetto e Pereira (2005) ao destacarem que, em relação aos profissionais de
enfermagem psiquiátrica, a maioria não obteve formação suficiente na área, e que estes
adquirem o conhecimento sobre a prática nas vivências do cotidiano de seu processo de
trabalho.
Sobre o profissional de enfermagem psiquiátrica, Miranda e colaboradores
(2000) asseguram que, apesar desta área ser dotada de um cotidiano em que prevalece a
rigidez da rotina, por outro lado existe a exigência de certa dose de improvisação. Ainda
sobre os profissionais de enfermagem, Oliveira e Alessi (2003) enaltecem a existência
de deficiências na formação do profissional que atua em psiquiatria, e que a maioria não
se sente apta para trabalhar em saúde mental e se encontra pouco informada sobre as
transformações políticas na área.
Conforme Rodrigues e Figueiredo (2003), os trabalhadores em saúde mental
com formação superior obtiveram uma graduação que focalizava apenas a “doença”, e
marginalizava questões sociais, e, segundo os autores, a formação universitária produziu
profissionais de saúde com características semelhantes, independente da área ou
especialidade. Em relação à formação universitária dos profissionais de saúde, Fidelis
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(2003) pondera que esta “é insuficiente para abarcar as novas dimensões no trato com a
diferença trazidas pelo movimento da reforma psiquiátrica” (p.116).
No entanto, Figueiredo e Rodrigues (2004) questionam se é apenas sobre a
formação dos profissionais que deve ser atribuída a responsabilidade pela assistência
prestada nos serviços. As autoras discutem se ocorreram mudanças na graduação das
especialidades da Saúde que acompanhassem os novos rumos das políticas de saúde
mental. As transformações que se deseja produzir, segundo as autoras, dependem de
ações políticas e do compromisso social de todos os profissionais da saúde pública e das
instituições formadoras.
Sobre a formação acadêmica de profissionais de psicologia, Dimenstein (2001)
enfatiza a necessidade de incorporarem “uma nova concepção de prática profissional,
associada ao processo de cidadanização, de construção de sujeitos com capacidade de
ação e de proposição”. Apesar disso, a responsabilidade pela eficiência e resolutividade
dos serviços não podem ser infligidas apenas sobre os trabalhadores de saúde. Essa
situação envolve outras questões, de interesses políticos, econômicos, sociais e culturais
e, portanto “a eficiência dos serviços públicos independe apenas de ações isoladas dos
profissionais de saúde” (Pugin & colaboradores, 1997, p. 65). Conforme Sadigursky e
Tavares (1998), não apenas os profissionais de saúde, mas também os usuários, os
familiares e a sociedade em geral têm que assumir uma postura política, se o que se
pretende é a reversão do atual modelo de atenção à saúde mental.
Não há detalhamento na legislação do SRT sobre o grau de formação dos
cuidadores, não se sabe quem são tais profissionais. A situação revela certo embate de
reflexões: é preciso que haja um engajamento do profissional das casas nas questões que
surgem no campo da reforma psiquiátrica, mas ao mesmo tempo, podemos indagar que,
se é para o SRT se caracterizar como uma casa típica de família ou república, deveriam
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ser contratados profissionais como em qualquer outra casa comum, que saibam fazer
comida e cuidar da organização doméstica. No entanto, no caso do SRT a situação é
mais complexa, pois se trata de moradores que vêm de anos de reclusão, e por isso
necessitam de um cuidado que possibilite a expansão de sua autonomia, o que acarreta,
invariavelmente, atribuições distintas do serviço doméstico em casas de famílias ou
repúblicas.
Para Furtado (2006), existe uma exigência para a contratação de profissionais
preparados para o trabalho em saúde mental, e de “profissionais eticamente alinhados
aos princípios da reforma psiquiátrica e tecnicamente formados para o sustento
cotidiano das novas formas de atenção”. O autor destaca também o baixo envolvimento
dos trabalhadores da saúde na reforma psiquiátrica, e enfatiza a necessidade de maior
atenção para essa situação. A transformação das relações manicomiais requer o
engajamento político dos profissionais e dos familiares dos usuários dos serviços, e da
construção de “um novo lugar social para a loucura”.
Desta forma, entendemos ser importante que cuidadores do SRT, mesmo sem
formação na área da Saúde, tenham conhecimento sobre as discussões que circundam as
questões sobre a assistência em saúde mental. Por outro lado, a contratação de
profissionais sem uma afinidade maior com a questão, supostamente poderia levar a
uma prática contrária ao modo como um profissional de saúde, impregnado pelo saber
patologizante sobre a loucura, poderia exercer no SRT, isto é, o não especialismo
levaria a uma outra construção teórica e prática sobre a loucura.
Segundo Oliveira e Alessi (2003) é importante a reflexão sobre os instrumentos
não materiais dessa nova organização e disposição do trabalho em saúde mental, ou
seja, para os autores é indispensável refletir sobre os métodos, bases teóricas e objetivos
do processo. O profissional se vê frente a uma nova conformação teórica de seu ‘objeto’
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de trabalho: o indivíduo que necessita de cuidado que abarque as questões mais
dinâmicas de sua existência, e não mais uma atenção voltada exclusivamente para a
“doença”. A prevalência de transtornos mentais se refere a toda uma existência do
indivíduo, sua história, suas condições de vida, e não a um problema cuja intervenção se
restrinja à pessoa (Tenório, 2002).
Paiva (2003) relata que é impossível pensar isoladamente a cidadania dos
moradores sem compreender minimamente a realidade social brasileira e o que é ser
cidadão atualmente. Sobre esta questão, Oliveira e colaboradores (2004) ressaltam que
“a população que chega à rede básica tem na raiz de seu problema as conseqüências de
um modo de produção extremamente explorador”.
Dimenstein (1998) discorre sobre um dos maiores desafios para o profissional de
psicologia, na medida em que, ao substituir o paradigma da clínica pelo da saúde
pública, “requer um novo modelo de atenção à saúde e de relação com o usuário, bem
como um modo sempre mutante de fazer saúde”, pois, conforme Kirschbaum e Paula
(2001), a saúde existe em formas distintas.
Cabral (2007) também destaca a importância da construção de outro saberes e
práticas no campo da saúde mental, de outra forma de cuidar, forma esta que pode ser
expressa pela expansão do número de serviços substitutivos, possibilitando “aos que
passam pela experiência da loucura transitar na cidade” (p. 135).
O cuidado em saúde mental, no contexto dos serviços substitutivos, requer
inovações por parte dos trabalhadores, diante da necessidade do improviso. Mas, se por
um lado a prática nos novos dispositivos de saúde mental exige improvisações do
profissional, por outro, possibilita o exercício da criatividade (Miranda &
colaboradores, 2000). As práticas nos serviços substitutivos devem ser inovadoras,
como no caso do SRT, principalmente em relação às atribuições dos trabalhadores dos
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hospitais psiquiátricos, e isso requer que os próprios trabalhadores estejam preparados
para estas novas designações.
Weyler e Fernandes (2005) discorrem sobre essas novas exigências ao cuidador
dos serviços residenciais, como a de questionar os limites de sua própria profissão,
manter a casa limpa e organizada e “favorecer as possibilidades de resgate da
experiência de habitar desses novos moradores”. Araújo e Andrade (2007) discorrem
sobre a importância em se atentar para a relação do profissional de saúde com usuários
dos serviços e também com a comunidade, ao possibilitar a emancipação psicossocial e
participação dos usuários, assim como “múltiplas invenções de fazer saúde” (p.52).
O trabalho nas residências terapêuticas vai além da formação técnica inicial do
profissional, isto é, ultrapassa a função, por exemplo, do auxiliar de serviços gerais, do
cozinheiro, do técnico em enfermagem, ou de outro profissional que esteja na posição
de cuidador, e vai buscar favorecer a autonomia dos usuários do serviço, sua
contratualidade nas relações sociais. Para o Ministério da Saúde (2005), uma das
designações do cuidador na casa é apoiar os moradores nas tarefas cotidianas e facilitar
o processo de habitar e circular pela cidade, almejando o resgate da cidadania e das
relações contratuais dos usuários.
Estas atribuições revelam a complexidade da tarefa destes trabalhadores, pelo
fato de lidarem de imediato com toda uma conjuntura histórica, atuando no dia a dia
diante de situações que remetem a questionamentos sobre seu próprio fazer e sua
relação com a loucura e exige a tomada de decisões imediatas. Mas diante de tais
inovações na prática nos serviços residenciais, estariam os profissionais preparados para
essas novas exigências? Como conduzem o trabalho em que não existe uma regra ou
norma prescrita, ou uma diretriz para um trabalho tão inovador, mas sim a necessidade
de improviso, a imprevisibilidade?
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Jardim e colaboradores (2005) trazem o exemplo da usuária de uma residência
terapêutica que, ao manusear um cordão, acerta-o sem intenção em uma criança que
passava pelo local, o que fez com que habitantes da comunidade se revoltassem contra a
usuária e tentassem agredi-la, necessitando a intervenção da cuidadora, que encaminhou
a usuária para dentro do hospital psiquiátrico, localizado próximo a casa. Os autores
discutem se seria essa a função da cuidadora, de intervir na situação, ou deixar que a
usuária resolvesse por si só a confusão criada.
Ao mesmo tempo problematizam a maneira como a funcionária da residência
lidou com a situação, encaminhando a moradora novamente ao hospital psiquiátrico,
mesmo como forma de proteção, e questionam quais outras providências ou dispositivos
seriam necessários em um acontecimento similar. Concluem que é papel do cuidador
estar junto aos usuários das residências terapêuticas e acolhê-los em momentos difíceis,
para que estes possam, no futuro, lidar melhor e com maior autonomia em situações
parecidas com a ocorrência citada (Jardim & colaboradores, 2005).
Sobre o estigma que predomina sobre os egressos hospitalares, Gattaz (1999)
ressalta que esse é o maior entrave para sua reinserção social. Nesse contexto, Furtado
(2006) destaca outros exemplos, como a resistência de donos de imóveis em alugar as
casas para o serviço e a abdicação dos vizinhos em receber os ex-moradores dos
hospitais. Os exemplos referidos ao estigma em relação aos moradores de residências
terapêuticas refletem claramente uma situação de exclusão; mas será função do cuidador
lidar também com estas questões referidas ao estigma? E como o trabalhador do serviço
residencial lida em seu cotidiano de trabalho com tais situações?
A mudança de espaço físico, do hospital para as residências, deve incidir sobre
os moradores e ao mesmo tempo sobre os profissionais não apenas de uma maneira
material, mas também simbólica (Weyler & Fernandes, 2005). Para isso é necessário
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que sejam reconstruídos valores na vida do usuário (Kinoshita, 2001), que irá interagir
com os outros atores sociais, e exige também a reconstrução de valores referentes à
prática dos trabalhadores nas casas, diante de novos encargos, em contraposição às
antigas ações de tutela e controle nos hospitais psiquiátricos.
O SRT não é uma casa convencional, e é preciso que os profissionais não
imprimam suas próprias expectativas de o serviço se tornar uma casa ideal para eles e,
por um outro lado, é necessário que os trabalhadores permitam aos moradores o
desenvolvimento de suas próprias maneiras de habitar e ocupar o espaço da casa
(Ministério da Saúde, 2004). Segundo Baptista e colaboradores (2002), é preciso que as
equipes do SRT criem projetos “não seguindo normas previamente estipuladas ou
modelos rígidos do que seja habitar uma casa, mas ao contrário, que realizem um
movimento de valorização das particularidades” (p. 62).
O Ministério da Saúde (2004) ressalta que os cuidadores do SRT deverão saber
dosar o cuidado direcionado aos moradores, a fim de potencializar sua autonomia. O
trabalho nas casas exige realização de atividades que ultrapassam limites de sua
formação inicial, como auxiliar em tarefas domésticas, na apropriação do dinheiro, em
atividades administrativas da casa, entre outras, o que requer dos trabalhadores a criação
de “novas maneiras de cuidar”.
O Ministério da Saúde (2004) não explicita regras gerais de funcionamento para
o SRT, pois cada casa tem uma dinâmica singular, de acordo com a comunidade onde
está inserida, com o grupo de moradores e conforme também os próprios cuidadores,
que poderão influenciar de modo positivo ou negativo na autonomia dos moradores e no
dia a dia na casa. Mas estarão os cuidadores preparados para estas novas maneiras de
cuidar? E que maneiras são estas?
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Marcos (2004) observa que a casa é um espaço de criação, de invenção e
reinvenção do cotidiano, e nesse sentido, o serviço não se direciona à solução de um
problema de habitação, de moradia, mas trata-se de um dispositivo de reconstrução de
laços, sociabilidade e afetos, um espaço para potencializar as negociações, para
aumentar as possibilidades de circulação do indivíduo, fazer fluir as capacidades
contratuais dos moradores.
E como está a condição dos cuidadores em disponibilizar esse senso de criação e
invenção em suas práticas? Estarão habilitados em potencializar as negociações dos
moradores, em dispor o acolhimento necessário, reconstruir afetos e favorecer a
apropriação dos espaços urbanos e da casa pelos usuários? Neste sentido, este trabalho
teve como proposta realizar uma aproximação da realidade de trabalho dos cuidadores
de um SRT visando contribuir com as discussões sobre a reforma psiquiátrica e
desinstitucionalização da loucura.
2 – OBJETIVOS
2.1 – Objetivo geral
- Conhecer os trabalhadores do SRT e seu cotidiano de trabalho.
2.2 - Objetivos específicos
- Caracterizar os trabalhadores de um SRT (idade, qualificação, experiência
profissional anterior à entrada no SRT e tempo de serviço na área);
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31
- Descrever as principais atividades desenvolvidas por trabalhadores de um
SRT;
- Conhecer as concepções dos cuidadores sobre sua relação com os usuários e
com a comunidade;
- Investigar como os cuidadores se sentem trabalhando no SRT e se consideram-
se preparados para atuar no serviço;
- Identificar seu conhecimento sobre a legislação referente ao SRT.
3- MÉTODO
Optamos pela abordagem qualitativa por entendermos que melhor se aplicaria
aos objetivos propostos. Dentro desta abordagem, Chizzotti (2005) discorre sobre a
interação entre o pesquisador e o objeto de seu estudo e destaca que as diversas
correntes da pesquisa qualitativa se baseiam em pressupostos contrários ao modelo
experimental, em que “o sujeito-observador é parte integrante do processo de
conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado” (p. 79).
Minayo (2004) relata que a pesquisa qualitativa é importante na compreensão
dos valores culturais e das relações entre os atores sociais em instituições. Dentro deste
contexto, o pesquisador das questões da saúde não se exclui da realidade que investiga,
e “não somente o objeto é por ele construído, mas ele próprio se constrói no labor de
sua pesquisa” (p. 250). Essa interação entre o pesquisador e o fenômeno estudado “faz
parte da condição e da situação de pesquisa” (Minayo, 2004, p. 138). Corroborando
estas afirmações, Chizzotti (2005) discorre sobre a necessidade de o pesquisador
apresentar uma conduta participante no processo de investigação e “experienciar o
espaço e o tempo vivido pelos investigados e partilhar de suas experiências” (p. 82).
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3.1 – Local da pesquisa
No Estado do Espírito Santo existem cinco Serviços Residenciais Terapêuticos
em Saúde Mental. Todos estão localizados no município de Cariacica, na região da
Grande Vitória. As residências terapêuticas são próximas ao hospital psiquiátrico (de
onde são provenientes os usuários do serviço) e ao serviço ambulatorial de referência,
tendo em vista que este se localiza anexo ao hospital.
Destas cinco residências, as duas primeiras foram inauguradas em outubro de
2004 e as outras três passaram a receber seus moradores em fevereiro de 2006. Quatro
residências terapêuticas ficam em um mesmo bairro, relativamente próximas uma da
outra, e aproximadamente dez a vinte minutos de caminhada do CAPS. A outra está em
uma adjacência vizinha, em média vinte minutos a pé do serviço psicossocial. As casas
se localizam em bairros residenciais, que ficam cerca de trinta minutos de ônibus do
centro de Vitória.
Em cada casa atuam seis profissionais, que são os cuidadores, e se revezam em
regime de plantão: são dois cuidadores na parte diurna e um cuidador à noite. São ao
todo 30 trabalhadores, seis por cada casa, e mais dois “folguistas”, que são funcionários
disponíveis caso algum cuidador não possa ir trabalhar. Os serviços residenciais
terapêuticos do Estado contam também com uma equipe de coordenação composta por
dois técnicos de enfermagem e uma assistente social, responsável pela parte
administrativa das cinco residências terapêuticas.
Para atingir os objetivos do estudo, foi priorizada a escolha dos trabalhadores
que atuavam em uma das últimas três residências terapêuticas, inauguradas no início de
2006, por ser uma das casas mais recentes e pelo fato da maior familiaridade do
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33
pesquisador com os moradores, devido à experiência anterior no âmbito desta casa
especificamente.
3.2 – Participantes
O estudo teve como participantes os seis cuidadores de um SRT do Estado do
Espírito Santo. Foram convidados a participar da pesquisa todos os trabalhadores do
serviço, tendo garantido o anonimato e sigilo das informações obtidas, e todos os
cuidadores aceitaram participar.
3.3 – Instrumentos
Para a coleta de dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e
observação participante. De acordo com Minayo (2004), a observação participante é
parte essencial do trabalho de campo na pesquisa qualitativa. A autora cita a opinião de
Malinowski (1975, p.55; apud Minayo, 2004, p.173), que destaca a existência de
importantes fenômenos que não podem ser registrados através de perguntas ou
documentos, mas pela observação de sua realidade, como a rotina de um dia de trabalho
ou o tom das conversas e da vida social, entre outros.
Chizzotti (2005) ressalta que “a observação participante é obtida pelo contato
direto do pesquisador com o fenômeno observado” (p. 90). Para Gil (1999), com a
observação participante chega-se ao conhecimento da dinâmica de um grupo a partir do
interior do mesmo, pois esta “consiste na participação real do conhecimento na vida da
comunidade, do grupo ou de uma situação determinada” (p. 113).
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34
Na observação participante, portanto, o pesquisador coleta os dados a partir da
interação na prática cotidiana do grupo em questão. E ainda, de acordo com Becker
(1999), o pesquisador participa do cotidiano do grupo, interage, conversa com as
pessoas, entrevista-as, ou seja, utiliza outros meios que não apenas a observação para a
obtenção dos dados.
Segundo Minayo (2004), “ao lado a observação participante, a entrevista é a
técnica mais utilizada no trabalho de campo” (p. 107). Para a autora, as entrevistas
semi-estruturadas “incluem a presença ou interação direta entre o pesquisador e os
atores sociais e são complementadas por uma prática de observação participante” (p.
121).
Para Gil (1999) a entrevista é uma forma de interação social. O autor destaca que
para Selltiz e colaboradores “a entrevista é bastante adequada para a obtenção de
informações acerca do que as pessoas sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam,
pretendem fazer, fazem ou fizeram” (apud Gil, 1999, p. 117).
Utilizamos a entrevista semi-estruturada, e conforme Nunes (2005), por
entrevista semi-estruturada “define-se um conjunto de temas preparados antes da
entrevista para vir a ser explorado com cada entrevistado” (p. 209). A entrevista semi-
estruturada é uma forma de conversação em que existe a possibilidade de acesso a
pensamentos, sentimentos, comportamentos, pelos quais seria inviável seu alcance
através da observação direta.
Na entrevista semi-estruturada o roteiro previamente estabelecido serve de
orientação ao pesquisador, ao mesmo tempo em que existe liberdade para abordar temas
que considera importante. Esse tipo de entrevista também permite ao investigador a
possibilidade de agregar ou excluir questões ao roteiro durante o processo (Minayo,
2004).
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3.4 – Aspectos éticos
A realização do trabalho com esta população foi autorizada pela coordenadora
dos SRT’s do Estado, através do termo de consentimento para a realização da pesquisa,
assinado anteriormente à fase de coleta de dados (Anexo II). Cada participante,
igualmente, autorizou sua participação na pesquisa mediante assinatura no termo de
consentimento livre e esclarecido (Anexo III), como prevê o Conselho Nacional de
Saúde através da Resolução 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos, tendo
sido garantido o anonimato e sigilo das informações, com utilização do conhecimento
obtido meramente em eventos e publicações científicas.
Atendendo às normas éticas de pesquisa com seres humanos, o projeto foi
aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
3.5 – Procedimentos de coleta dos dados
Todas as seis entrevistas foram realizadas no serviço residencial terapêutico
onde trabalham os participantes da pesquisa, em dia e hora estabelecidos em comum
acordo com os cuidadores, conforme sua disponibilidade. As entrevistas foram
realizadas individualmente com cada participante, durando em média 50 minutos, e
ocorreram em espaços da casa escolhidos pelos próprios cuidadores, tendo sido
gravadas e transcritas em sua íntegra.
As observações de campo ocorreram no mesmo dia das entrevistas. Por alguns
momentos, chegando no horário ou anteriormente ao previamente estipulado para início
-
36
das entrevistas, aguardamos determinados participantes encerrarem certas atividades
que estariam finalizando, como lavar a louça ou receber compras que haviam chegado
ao mesmo instante, e aguardávamos observando e conversando informalmente com os
moradores e outros cuidadores. Assim como, após as entrevistas, o assunto permanecia
por mais algum tempo. Tais observações também forneceram subsídios importantes e
informações complementares para as discussões.
3.6 – Procedimentos de análise e interpretação dos dados
Para a análise e interpretação dos dados utilizamos a “Análise de Conteúdo” do
material coletado, sendo priorizada a utilização de uma de suas categorias, a “análise
temática”. Segundo Minayo (2004), o termo “Análise de Conteúdo” surgiu nos Estados
Unidos no período da Primeira Guerra Mundial. Para a autora, “o termo significa mais
do que um procedimento técnico. Faz parte de uma histórica busca teórica e prática no
campo das investigações sociais” (p. 199).
Chizzotti (2005) ressalta que “é um método de tratamento e análise de
informações, colhidas por meio de técnicas de coleta de dados, consubstanciadas em um
documento” (p. 98). Assim, o objetivo da Análise de Conteúdo é a compreensão crítica
do sentido das comunicações, suas significações explícitas ou ocultas. Para Chizzotti
(2005), a Análise de Conteúdo:
Procura reduzir o volume amplo de informações contidas em uma
comunicação a algumas características particulares ou categorias
conceituais que permitam passar dos elementos descritivos à
interpretação ou investigar a compreensão dos atores sociais no
contexto cultural em que produzem a informação (p. 99).
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37
Portanto, conforme Minayo (2004), na análise do material parte-se da análise do
primeiro plano da comunicação para chegar a um nível mais profundo, que vai além dos
conteúdos manifestos. Os adeptos da abordagem qualitativa “tentam ultrapassar o
alcance meramente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem, para atingir,
mediante a inferência, uma interpretação mais profunda” (Minayo, 2004, p. 203). Nesse
contexto, Nunes (2005) ressalta que é possível, através da Análise de Conteúdo, uma
organização do material das entrevistas através da descrição exaustiva e intensa do
conteúdo, transformando-o em categorias temáticas passíveis de análise e interpretação.
Assim, uma das formas mais adequadas da investigação qualitativa do material
em Saúde, para Minayo (2004), é a análise temática, uma modalidade de Análise de
Conteúdo. Para a autora, “fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos
de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem
alguma coisa para o objetivo analítico visado” (p. 209). Um tema, segundo a autora, se
constitui de um conjunto de relações que pode ser expresso graficamente por uma
palavra, uma frase ou um resumo.
A análise temática se encaminha para a contagem de freqüência das
unidades de significação como definitórias do caráter do discurso. Ou,
ao contrário, a presença de determinados temas denota os valores de
referência e os modelos de comportamento presentes no discurso
(Minayo, 2004, p. 209).
A análise temática, de acordo com Minayo (2004), operacionalmente se divide
em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e
interpretação. Conforme Gil (1999), a pré-análise é a fase de organização, em que
ocorre a leitura flutuante do material, formulação de hipóteses e preparação para a
análise. Na pré-análise ocorre codificação do material, com o recorte das unidades, a
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38
enumeração e a categorização. Na fase de tratamento dos dados e interpretação, são
realizados procedimentos com na intenção de tornarem válidos e significativos os
resultados.
Os procedimentos para análise dos dados em nosso estudo se constituíram
inicialmente da transcrição integral das entrevistas, e em seguida a leitura exaustiva
deste material até que fossem visualizados temas que melhor serviriam para responder
aos objetivos propostos na pesquisa. Foram excluídos os elementos que não seriam
utilizados, condensando, assim, o material em conteúdos temáticos. Após a constituição
destes recortes, trabalhamos com as categorias temáticas que, por conseguinte foram
analisadas e interpretadas, dando corpo aos resultados do estudo, descritos a seguir.
4 - RESULTADOS
Os participantes da pesquisa serão denominados cuidadores e também
plantonistas, tendo em vista que, em alguns momentos da descrição dos resultados, foi
necessária a distinção entre os cuidadores do plantão diurno e do noturno, devido à
diferença entre a experiência profissional exercida anteriormente e também às
especificidades de cada turno. Os nomes dos moradores citados pelos participantes
foram substituídos por nomes fictícios para garantir o sigilo das informações.
4.1 - DESCRIÇÃO DO SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO
O serviço residencial terapêutico se localiza em um bairro residencial às
margens de uma rodovia movimentada, comunidade onde também se encontram outras
três residências terapêuticas. Próximo da casa há uma escola de educação infantil,
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igrejas, bares, padarias, praças públicas e supermercados. Fica a poucos quilômetros do
CAPS, levando cerca de 20 minutos de caminhada. Nesse percurso até o serviço
ambulatorial parte do trajeto se faz à beira da rodovia, e existe também uma ladeira que
dá acesso ao CAPS, tendo em vista que se encontra no alto de um morro. O SRT em
questão é uma casa ampla com três quartos, sendo duas suítes, além de banheiro social,
sala, copa, cozinha e um terraço com área de serviço e outra suíte. A casa é ventilada,
espaçosa, com móveis adquiridos recentemente e cômodos confortáveis. Possui uma
espaçosa varanda que dá acesso à sua entrada.
4.2 - CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES
4.2.1 – Os trabalhadores e o funcionamento do serviço
Os participantes possuem idade entre 28 e 49 anos, sendo cinco do sexo
feminino e um masculino. Foi mantida a descrição de todos participantes no masculino
por ser o termo que engloba ambos os gêneros, no intuito de preservar o anonimato dos
cuidadores. Dos seis participantes do estudo, quatro atuam no plantão diurno, em
regime de duplas, e dois se revezam à noite, quando um cuidador por turno permanece
na casa.
Os quatro plantonistas diurnos possuem menos de um ano de serviço, variando
entre oito e onze meses sua experiência na casa; dois destes trabalharam, antes do SRT
em questão, um durante um mês, e outro por oito meses, em uma residência terapêutica
feminina próxima a casa.
Os dois plantonistas noturnos, anteriormente à sua inserção no serviço
residencial, trabalhavam no HAB. Possuem histórico de 13 e 28 anos de serviço no
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hospital, no setor de alimentação e na parte técnica administrativa, e experiência na
residência terapêutica de dois meses e três anos, respectivamente. Assim, apesar de
terem vindo de serviço no HAB, ambos os cuidadores do plantão noturno não
trabalhavam nas enfermarias do hospital.
Ao contrário dos trabalhadores do turno da noite, que eram funcionários do
HAB, os cuidadores do plantão diurno foram contratados junto a duas empresas
terceirizadas: uma especializada em serviços gerais e outra do ramo de alimentação,
ambas localizadas no mesmo município do hospital e das residências terapêuticas. Os
cuidadores do plantão diurno são provenientes da área do comércio, no que diz respeito
a serviços como balconista de loja, do ramo de confecção de alimentos, como de
salgadeiro, e de serviços caracteristicamente domésticos, como o cuidado de criança e
limpeza (faxina).
Em resumo, no serviço residencial em questão, em cada plantão do dia atuam
um funcionário da firma de limpeza e outro da empresa de alimentação, e a noite um
trabalhador proveniente do hospital permanece na casa com os usuários. Apenas um
participante respondeu possuir algum tipo de formação superior, que se refere a um
curso técnico de dois anos em Nutrição.
4.2.2 – Conhecimento dos participantes sobre o SRT antes de sua entrada no
serviço
Perguntamos aos cuidadores se conheciam sobre o SRT antes de iniciarem seu
trabalho na residência terapêutica. Os plantonistas noturnos possuíam noção sobre as
casas pelo fato de trabalharem no HAB e ouvirem de outros profissionais sobre o
serviço residencial. Por outro lado, dos quatro plantonistas diurnos, somente um
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afirmou obter certo conhecimento sobre o SRT antes de sua inserção, e três passaram a
conhecer no contato com respectivas empresas.
Após o primeiro contato com as empresas, onde inicialmente levaram seus
currículos, os participantes foram encaminhados à equipe de coordenação do SRT no
hospital para serem entrevistados. Sobre essa questão, o participante 4 declarou que a
firma de alimentação é quem paga seu salário, mas a orientação sobre como trabalhar
vem da equipe de coordenação do serviço residencial. O participante 4 descreveu
resumidamente as orientações que obteve da coordenação do SRT:
Ensinar eles pegar comida deles sozinho, ir lá no banheiro... ensinar
eles a fazer as coisas deles! Ajudar, até ajudar a gente, eles pedem prá
ajudar também, (...) por que eles precisa disso, de fazer algo dentro da
casa também, prá poder eles aprenderem, por que eles viviam lá
naquele lugar lá, preso, né. (p4)
4.2.3 - Como souberam do trabalho e por que aceitaram
Procuramos conhecer como os cuidadores ficaram cientes da oportunidade de
trabalho na residência terapêutica, assim como sua motivação inicial para ingressar na
casa. Sobre os cuidadores noturnos, observamos que um foi convidado pela
coordenação do serviço, enquanto outro afirmou que trabalhava no período matutino no
HAB quando precisou ir para o plantão noturno em função de ter conseguido um outro
emprego na área de sua formação técnica.
Por outro lado, dos quatro plantonistas diurnos, apenas um havia ouvido falar
sobre o SRT, através de um familiar. Dois aceitaram por que estavam precisando de
emprego, e outro afirmou que aceitou o serviço por achar diferente e interessante. Outro
participante do plantão diurno alegou ter aceitado por ser um serviço seguro
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financeiramente, no sentido de ter carteira assinada, ao passo que em serviços de
limpeza doméstica, como faxina, não sabe ao certo quando vai ter demanda para
trabalhar:
Dois motivos: é um serviço seguro, e outro é que eu adaptei, gostei de
trabalhar aqui. É a mesma coisa da casa da gente: (...) lavo, passo,
arrumo, cuido dos meus filhos. (p2)
4.2.4 - Principais diferenças entre o serviço anterior e o trabalho no SRT
Quando questionados se identificavam diferenças entre as atividades que
exerciam anteriormente e as que desenvolvem no SRT, três participantes afirmaram que
o atual serviço na casa é bem diferente dos trabalhos anteriores de balconista, limpeza
doméstica e salgadeiro. Um cuidador que trabalha durante o dia alegou não perceber
tanta diferença entre seu trabalho anterior, onde atuava em serviços de faxina e cuidado
de criança, e o atual serviço. Os dois plantonistas noturnos não vêem diferença
significativa entre o trabalho no HAB e nas residências terapêuticas:
Em relação à qualidade do tratamento, aqui foi só um aperfeiçoamento.
Aqui dá oportunidade de observar melhor e dar uma atenção maior, por
que a quantidade é menor. (...) Melhorou o nível da atenção, pois aqui
dá para eles serem melhor atendidos, melhor compreendidos, por que
dá esse tempo de sentar e conversar, escutar o que quer, e fazer que
entendam o que é sim e não. (p6)
O participante 2 ponderou sobre a responsabilidade de atuar no SRT, onde é
preciso “dar conta da casa, da alimentação, da roupa”, e também “corrigir o
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comportamento, não pode isso, não pode aquilo”, ao passo que na faxina o trabalho se
restringe à limpeza da casa.
O participante 3, que atuava como balconista de loja, revelou haver muita
diferença entre os dois serviços, e que no SRT existe um “cansaço mental” maior do que
na loja, pois cada morador é de um jeito, o que demanda intervenções diferentes com
cada um. Consegue até alguns momentos de descanso, sendo que “na loja cansava
muito, ficava muito em pé, o patrão cobrava muito”. Ressaltou como diferenças entre os
trabalhos o fato de ter que passar a medicação dos moradores, coisa que nunca havia
feito, a não ser em casa com os filhos.
Ao se reportarem sobre as diferenças entre seus ofícios, os participantes citaram
pela primeira vez o que denominaram de “crise” no comportamento de dois moradores,
cujos nomes fictícios serão Joel e Mateus, descritas a seguir. A de Joel se refere a uma
“alteração de seu humor”, conforme definiu um participante, em que, por algum motivo
que o tenha provocado, se mostra agressivo e algumas vezes golpeia objetos, utensílios
e móveis, como televisão e o vidro das janelas. O participante 4 relatou que aprendeu a
lidar nestes momentos no próprio cotidiano, observando um outro plantonista que já
conhecia Joel da época do HAB, o qual, ao proceder durante um destes episódios,
agarrou o morador pelo braço e se encaminhou com ele à rua. Nesta circunstância o
usuário foi medicado e o plantonista permaneceu ao seu lado na calçada da casa,
conversando, até que se acalmou e a situação foi contornada.
A “crise” de Mateus foi presenciada no momento da realização de uma das
entrevistas, se caracterizou por fortes tremores por todo seu corpo, em que o morador
permaneceu com semblante assustado, e cerca de 20 segundos depois a “crise” passou,
sem que lhe fosse conferido nenhum tipo de medicação. O participante 1 afirmou querer
saber como acabar com os tremores, mas revelou que não obteve orientação sobre como
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agir frente às manifestações do morador, e o que lhe resta é dar um copo de água ao
usuário e aguardar.
4.2.5 – Sentimentos sobre o trabalho no SRT
Todos os participantes relataram sentirem-se bem no serviço, expressando
felicidade, tranqüilidade e satisfação em atuar na residência terapêutica. No entanto, três
participantes citaram as “crises” de Joel: “quando acontece, estraga o dia da gente, fica
nervoso, perde até a fome... a gente fica apavorado!” (p3). Para o participante 4, “fora
estes transtornos é um trabalho tranqüilo”, também se referindo aos episódios da
“crise”.
Apesar destas ocorrências, o participante 2 ressaltou que fica mais contente no
serviço residencial do que em sua própria casa, pois os moradores têm mais “carinhos”
com ele do que os próprios filhos. Neste encalço, o participante 6 relatou que os
moradores passaram a ser sua segunda família, e precisam muito mais dele do que a
família que deixa em casa, por esta ter mais facilidade para resolver as questões, ao
passo que os usuários do serviço necessitam suporte, de orientação sobre como fazer as
coisas, como se comportar nos lugares. Nas palavras do participante 6:
Eles passaram a ser minha segunda família. (...) Sempre acho que essa
família aqui precisa muito mais de mim do que a família que eu deixo
na minha casa. Por que a família que eu deixo na minha casa tem um
entendimento maior, melhor das coisas, sabe resolver as questões. O
que não puder resolver, ou não souber resolver, tem uma facilidade de
aceso, de contato, de explicar, de dizer o que quer, não é da mesma
forma como acontecem as coisas aqui. (p6)
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O participante 5 relata que algumas vezes se sente solitário na residência.
Principalmente à noite, antes de se encaminharem para dormir, os usuários têm o
costume de assistir televisão na sala, mas não é de praxe o diálogo freqüente entre os
moradores e o cuidador, onde permanecem sem conversarem entre si:
Às vezes, eu falo assim, você ficar com oito pacientes na casa, e ter
momentos você se, se sentir solitário, mas é cada um na deles,
entendeu, não aquele negócio de você ficar conversando, batendo
papo, é cada um na deles, lá. (p5)
4.2.6 – Consideram-se preparados para atuar no SRT?
Buscamos verificar neste item se os participantes se sentem preparados para
atuar no SRT. Três participantes, sendo dois plantonistas diurnos, ambos da empresa de
serviços gerais, e um noturno, afirmaram sentirem-se preparados e os outros três
alegaram que não se sentem totalmente preparados. A maior parte dos participantes
relatou que teve uma experiência de um ou dois dias em uma das residências
terapêuticas “como treinamento, aprendizado, para não entrar sem saber fazer nada”
(p1).
Alguns participantes ressaltaram a importância da realização de “cursos
preparatórios” para um melhor preparo para atuar no serviço residencial. A maioria dos
participantes considerou não ter recebido nenhum tipo de preparo ou treinamento sobre
o serviço, o que pode ser destacado pela fala do participante 3:
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A gente não estudou prá esse tipo de coisa, não tivemos nenhum curso
para preparar a gente, se tivesse um treinamento para melhorar um
pouco, para lidar com eles, seria bom! (p3)
O participante 2 relatou ter participado de uma palestra específica sobre o
trabalho, antes de ingressar na residência terapêutica: “teve palestra sobre como agir
quando ficam agitados, mas foi um dia só”. Neste contexto, o participante 1 afirmou que
no serviço residencial ninguém está totalmente preparado, pois se trata de um processo
de construção de conhecimento contínuo, em que o cuidador vai se preparando no
próprio trabalho, e segundo o participante 3:
Aos poucos a gente vai entendendo o caso de cada um prá gente poder
saber lidar com eles. (...) não deram curso nenhum prá gente, a gente
vai aprendendo aos poucos como lidar com eles, cada um é de um jeito
(...) se tivesse alguma coisa prá eles informar mais a gente sobre isso,
né, era bom. (p3)
Três cuidadores demonstraram preocupação em saber lidar com os usuários
frente uma situação de “crise”. Para o participante 4, “não foi passado como lidar
quando (as “crises”) acontecem, quando a pessoa fica agitada”. Alguns ponderaram que
não receberam preparação, mas discorreram sobre as orientações recebidas pela equipe
de coordenação antes de sua inserção no serviço: “limpar a casa, dar o remédio, e nas
horas vagas ajudar os colegas” (p3).
Neste percurso, o participante 5 afirmou que, mesmo sem preparo, as instruções
foram suficientes, tais como “ter cuidado, tá observando, ter paciência, distribuir a janta,
entregar a medicação e depois dar o cigarrinho deles”, e declarou também que foi
orientado a evitar qualquer atrito com ou entre os moradores. Citou que nos primeiros
dias de funcionamento do serviço trocou a medicação de um morador por engano e a
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deu para outro residente. Conforme o cuidador, imediatamente após o erro, entrou em
contato a coordenação, foi orientado sobre quais procedimentos tomar, mas teve receio,
durante o plantão, da forma como o usuário poderia reagir por ter tomado a medicação
trocada.
De modo contrário da maioria dos cuidadores, o participante 6 se considera um
profissional não só preparado, mas “altamente eficiente” para atuar na casa, e afirmou
conseguir dar conta das questões de seu turno e também de outros plantões.
4.2.7 - Conhecimento da legislação referente ao SRT
Dos seis participantes, um afirmou conhecer a legislação referente ao SRT. O
participante 2 ao responder, perguntou se “isso aí não é aquele negócio de deputado,
parlamentar, vai lá brigar pelos direitos da gente, é isso?”. Já o participante 3 respondeu
“como assim, me explica melhor”, antes de afirmar que não. Os outros participantes
responderam que não conhecem a legislação. Sobre a questão, o participante 1 destacou
que não houve nenhuma palestra sobre o assunto, e que o que ocorreu foi uma reunião
em sua firma para tomar conhecimento sobre o trabalho.
4.3 - PRINCIPAIS ATIVIDADES REALIZADAS P
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