repositorio.unicamp.brrepositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/reposip/253996/1/conti_keli... ·...
Post on 23-Sep-2020
0 Views
Preview:
TRANSCRIPT
KELI CRISTINA CONTI
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DEPROFESSORES EM CONTEXTOS
COLABORATIVOS EM PRÁTICAS DE LETRAMENTOESTATÍSTICO
CAMPINAS2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
KELI CRISTINA CONTI
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DEPROFESSORES EM CONTEXTOS COLABORATIVOS EM
PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESTATÍSTICO
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Dione Lucchesi de Carvalho
Tese de Doutorado apresentada ao Programa dePós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UniversidadeEstadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em Educação, naárea de concentração Ensino e Práticas Culturais.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESEDEFENDIDA PELA ALUNA KELI CRISTINA CONTIE ORIENTADA PELA Prof.ª Dr.ª DIONE LUCCHESI DE CARVALHO
Assinatura do Orientador
CAMPINAS2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASFACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
D DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DEPROFESSORES EM CONTEXTOS COLABORATIVOS EM
PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESTATÍSTICO
Autora: Keli Cristina ContiOrientadora: Prof.ª Dr.ª Dione Lucchesi de Carvalho
ANO2015
RESUMO
Esta pesquisa buscou compreender as aprendizagens e o desenvolvimentoprofissional de professores e futuros professores da Educação Infantil e dosanos iniciais do Ensino Fundamental na perspectiva do letramento estatísticoem contextos colaborativos. Tais contextos se constituíram a partir da formaçãode um grupo de professores, futuros professores e uma pesquisadora, que sereuniram de setembro de 2010 a dezembro de 2011, num total de 20encontros, para estudar a Estatística. O estudo também objetivou - a partir daspráticas letradas - contribuir para o desenvolvimento profissional dosparticipantes, no que diz respeito ao conhecimento, evidenciando o letramentoestatístico, buscando responder a seguinte questão: “Que indícios dedesenvolvimento profissional apresentam os professores e futuros professoresda Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental em contextoscolaborativos em práticas de letramento estatístico?”. No percurso da pesquisaforam utilizados, entre outros autores, aportes teóricos de Barton e Hamilton(2004), Street (2003; 2004; 2008) e Rojo (2009; 2010) relativos ao letramento;Batanero (2001; 2002; 2013); Gal (2002), Watson (2002; 2006) e Lopes (1998;2008; 2011) relativos à Educação Estatística e ao letramento estatístico; no quediz respeito ao desenvolvimento profissional, nossos principais aportes foramPassos et al (2006), Ponte (1995; 2011) e Fiorentini (2009; 2010; 2011), alémde Hargreaves (1998) para compreender nosso contexto colaborativo. Emabordagem qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994), este é um estudo de caso(PONTE, 2006; LUDKE e ANDRE, 1986) composto pelos participantes dogrupo Estatisticando. A opção pela forma narrativa ocorreu depois daobservação e da descrição dos dados (vídeos, diário de pesquisa e outrosmateriais trazidos pelos participantes), e da escolha de alguns momentosvideogravados que, após transcritos, foram analisados à luz do referencialteórico, segundo três eixos de análise: 1) Complexidade do desenvolvimentoprofissional; 2) Colaboração e; 3) Letramento(s). Embora a escrita e ocompartilhamento de experiências pelos participantes não tivessem sidoexigências, esse processo ocorreu e ganhou força se prolongando para alémdos encontros do grupo, tendo gerado a publicação de textualizaçõesnarrativas, artigo e a participação em eventos. O contexto colaborativo criado eo percurso do grupo de estudos também evidenciaram que os professores efuturos professores podem ser investigadores da própria prática e, com isso, sedesenvolverem profissionalmente. Mas, para tanto, necessitam de parcerias,sendo que o contexto colaborativo pode ser um bom alicerce parareflexões/ressignificações compartilhadas. Ressaltamos também que aformação continuada deve ser uma condição de trabalho do professor, quepode ajudá-los nas práticas do cotidiano docente, reconhecendo sua práticapedagógica como ponto de partida; valorizando sua formação e, em especial, aestatística; respeitando suas singularidades e potencialidades; possibilitando aampliação dos conhecimentos e considerando suas necessidades numcontexto colaborativo.
Palavras-chave: Educação. Estatística – Estudo ensino. Letramento.Formação de professores. Ensino Fundamental. Desenvolvimento profissionaldo professor.
ABSTRACT
This research sought to understand the practices of learning and professionaldevelopment of teachers and future teachers of the first years of ElementarySchool from the perspective of statistical literacy in collaborative contexts. Suchcontexts were constituted from the formation of a group of teachers, futureteachers and a researcher, who met from September 2010 to December 2011,in a total of 20 meetings to study the Statistics. The study also aimed tocontribute to the professional development of participants, from literacypractices, in relation to knowledge and showing the statistical literacy, seekingto answer the following question: "What professional development indices ofteachers and future teachers have of the early years of Elementary School incollaborative contexts of statistical literacy practices?". During the researchthere were used theoretical contributions, among other authors, from Bartonand Hamilton (2004), Street (2003; 2004; 2008) and Rojo (2009; 2010) inrelation to literacy; Batanero (2001; 2002; 2013); Gal (2002), Watson (2002;2006) and Lopes (1998; 2008; 2011) in relation to Statistical Education andStatistical Literacy; in relation to professional development, our maincontributions were from Passos et al (2006), Ponte (1995; 2011) and Fiorentini(2009; 2010; 2011), besides Hargreaves (1998) to understand our collaborativecontext. In a qualitative approach (BOGDAN; BIKLEN, 1994), this is a studycase (PONTE, 2006; LUDKE and ANDRE, 1986) composed by participants ofthe group “Statisticizing”. The choice of narrative form occurred after theobservation and description of the data (videos, journal and other materialsbrought by the participants), and the choice of some videotaped moments weretranscript to be analyzed in the light of the theoretical framework, in accordanceto three axes of analysis: 1) Complexity of professional development; 2)Collaboration and; 3) Literacy. Although the writing and the sharing ofexperiences by the participants were not requirements, this process gainedstrength and extended beyond the group meetings, generating the publicationof narratives, an article and participation in events. This collaborative contextand the way of the study group also showed that teachers and future teacherscould be researchers of the practice and thereby develop themselvesprofessionally. However, they need partnerships, and collaborative context canbe a good foundation for reflections / shared reinterpretation. We alsoemphasize that continuing education should be a teachers working condition,helping them in the practices of everyday teaching and recognizing theirpedagogic practice as a starting point; valuing their graduation and, inparticular, the statistics; respecting their peculiarities and potential; enabling theexpansion of knowledge and considering their needs in a collaborative context.
Keywords: Education; Statistics – Study and teaching ; Literacy; Teachertraining; Elementary school; Teacher professional development.
RESUMEN
Esta investigación buscó comprender aprendizajes y el desarrollo profesionalpara profesores y futuros profesores de Educación Infantil y de los primerosaños de la Escuela Primaria en la perspectiva de la cultura estadística encontextos de colaboración. Tales contextos constituyen a partir de la formaciónde un grupo de profesores, profesores futuros y un investigador, que sereunieron desde septiembre de 2010 hasta diciembre de 2011, en un total de20 reuniones para estudiar las estadísticas. El estudio también apunta – desdelas prácticas de alfabetización - contribuir al desarrollo profesional de losparticipantes, con respecto al conocimiento, que muestra la cultura estadística,tratando de responder a la siguiente pregunta: "¿Qué índices de desarrolloprofesional tienen los profesores y futuros profesores de Educación Infantil y delos primeros años de la Escuela Primaria en contextos de colaboración enprácticas de alfabetización estadística?”. En el curso de la investigación seutilizaron, entre otros autores, contribuciones teóricas de Barton y Hamilton(2004), Street (2003; 2004; 2008) y Rojo (2009; 2010) relativos a laalfabetización; Batanero (2001; 2002; 2013); Gal (2002), Watson (2002; 2006) yLopes (1998; 2008; 2011) con relación a las estadísticas de la educación y laalfabetización estadística; en relación con el desarrollo profesional, nuestrosprincipales contribuciones fueron Passos et al (2006), Ponte (1995; 2011) yFiorentini (2009; 2010; 2011) además de Hargreaves (1998) para entendernuestro contexto colaborativo. En una aproximación cualitativa (BOGDAN;BIKLEN, 1994), se trata de un estudio de caso (PONTE, 2006; LÜDKE yANDRE, 1986) compuesto por participantes del grupo “Estatisticando”. Laelección de la forma narrativa se produjo después de la observación ydescripción de los datos (vídeos, diarios y otros materiales traídos por losparticipantes), y la elección de algunos momentos en video después de lastranscripciones se analizaron con base en el marco teórico, de acuerdo contres análisis: 1) Complejidad del desarrollo profesional; 2) Colaboración y; 3)Alfabetización. Aunque la escritura y el intercambio de experiencias entre losparticipantes no eran requisitos, este proceso ganó fuerza y se extendió másallá de las reuniones de grupo y generó la publicación de relatos, de artículos yla participación en eventos. El entorno colaborativo creado y el grupo deestudio de la ruta también mostró que los profesores y futuros profesorespueden ser investigadores de la práctica y de esta manera desarrollarprofesionalmente. Pero para esto necesitan colaboraciones, y el contexto decolaboración puede ser una buena base para las reflexiones / reinterpretacióncompartida. También destacamos que la formación continua debe ser unacondición de trabajo del profesor, ayudándole en las prácticas de la enseñanzadiaria y el reconocimiento de su práctica como punto de partida; la valoraciónde su formación y, en particular, las estadísticas; respetando su singularidad ypotencial; permitiendo la expansión del conocimiento; y teniendo en cuenta susnecesidades en un contexto de colaboración.
Palabras clave: Educación; Estadística - Estudio y la enseñanza; Laformación del profesorado; Escuela primaria; Desarrollo profesional docente.
Desenvolvimento profissional de professores em contextos colaborativosem práticas de letramento estatísticos
Sumário
Apresentação .............................................................................................................. 1
1 - Introdução .............................................................................................................. 3
1.1. Retomando algumas questões ............................................................................ 3
1.2. Novas problemáticas ........................................................................................... 9
2 – O letramento e o letramento estatístico ............................................................ 21
2.1. Letramento(s) .................................................................................................... 21
2.2. Novos estudos do letramento ............................................................................ 23
2.3. Multiletramentos ................................................................................................ 26
2.4. Letramento estatístico ....................................................................................... 31
3 – Complexidade do desenvolvimento profissional na formação de professores.......................................................................................................................... 37
3.1. Formação de professores.................................................................................. 37
3.2. Complexidade do desenvolvimento profissional de professores ........................ 39
3.3. Complexidade do conhecimento necessário para ensinar Estatística................ 43
3.4. Contexto colaborativo ........................................................................................ 48
4 – Metodologia da investigação ............................................................................. 51
4.1. Ponto de partida ................................................................................................ 51
4.2. O grupo de estudos ........................................................................................... 58
4.3. Os participantes do Estatisticando .................................................................... 60
4.4. O papel da pesquisadora................................................................................... 62
4.5. Temas estatísticos de estudo ............................................................................ 63
4.6. Eixos de análise ................................................................................................ 73
5 – Narrativas do trabalho de campo – contexto de desenvolvimento num grupocolaborativo ..................................................................................................... 77
5.1. Pontapé inicial ................................................................................................... 77
5.2. O conceito de letramento estatístico.................................................................. 81
5.3. Situação pedagógica desenvolvida com crianças da Educação Infantil ............ 86
5.4. O trabalho com a Estatística na Educação Infantil ............................................. 91
5.5. Análise do material disponibilizado por uma participante................................... 94
5.6. Estudo de conceitos básicos I.......................................................................... 101
5.7. Estudo de conceitos básicos II......................................................................... 110
5.8. Momento de avaliar ......................................................................................... 115
5.9. Reinício dos trabalhos – 2011.......................................................................... 117
5.10. Estudo de conceitos básicos III........................................................................ 120
5.11. Estudo de conceitos básicos IV ....................................................................... 126
5.12. Estudo de conceitos básicos V ........................................................................ 129
5.13. Estudo de conceitos básicos VI ...................................................................... 136
5.14. Análise de situação pedagógica de livro didático............................................. 141
5.15. Análise da circulação de ideias estatísticas em sala de aula ........................... 145
5.16. Situações didáticas que levantaram dúvida ..................................................... 152
5.17. Discussão do trabalho realizado por Mie ......................................................... 163
5.18. Planejamento do segundo semestre de 2011.................................................. 168
5.19. Situações pedagógicas para a sala de aula I................................................... 172
5.20. Situações pedagógicas para sala de aula II .................................................... 175
5.21. Situações pedagógicas de Estatística num livro didático de 1.º ano do Ensino
Fundamental.................................................................................................... 177
5.22. Situações pedagógicas de Estatística num livro didático de 1.º e 2.º anos do
Ensino Fundamental........................................................................................ 181
5.23. A finalização o ano .......................................................................................... 185
5.24. Retomada dos eixos de análise....................................................................... 189
6 – Análises narrativas dos professores e futuros professores – potencializandoo desenvolvimento profissional ................................................................... 199
6.1. As análises narrativas de Mie ......................................................................... 204
6.2. O trabalho de Roseli ...................................................................................... 210
6.3. As análises narrativas de Eduardo ................................................................. 215
6.4. As análises narrativas de Rosana e suas parceiras ........................................ 225
6.5. Potencializando o desenvolvimento profissional .............................................. 227
Considerações finais sobre o desenvolvimento profissional – O caso doEstatisticando ................................................................................................ 233
Referências bibliográficas ..................................................................................... 239
Apêndice A – Termo de consentimento ................................................................ 255
Apêndice B – enviado ................................................................................. 257
Apêndice C – Ficha de identificação ..................................................................... 259
Apêndice D – Excertos de Conti (2009)................................................................. 261
Anexo 1 – Metas curriculares - Portugal ............................................................... 267
Anexo 2 – Expectativas de aprendizagem - NCTM ............................................... 271
"Visitante mui amigo,pode entrar, a casa é suaAh! É tão bom nesta vida
Abrir a porta da ruaComo quem abre num abraçoFazendo assim como o façoEntre a gosto, a casa é sua."
(Rachel de Queiróz)
Agradecimentos
Acima de tudo, a Deus!
Fui muito bem acompanhada neste percurso.
Os agradecimentos são muitos:
À professora Dione, minha orientadora desde o mestrado,
pela dedicação na orientação, pelas lições e pela amizade...
À professora Carolina Fernandes de Carvalho, pelo apoio e pela atenção com
que coordenou meu estágio na Universidade de Lisboa, possibilitando troca de
experiências, participação em seminários, grupos de pesquisa e eventos
acadêmicos.
Ao professor Dario Fiorentini, pelas valiosas contribuições.
Aos professores participantes do grupo de estudos Estatisticando, sem os
quais esta pesquisa não se realizaria, e às Faculdades Atibaia, por apoiarem a
realização dos encontros.
Às professoras participantes da banca de qualificação, Carmen L. B. Passos e
Regina C. Grando, que contribuíram muito em nossas reflexões e puderam
continuar a contribuir conosco na defesa; e aos demais participantes da banca
de defesa: Priscila D. de Azevedo e Dario Fiorentini.
Aos colegas dos “novos” e dos “velhos” tempos do grupo Prática Pedagógica
em Educação Matemática (Prapem), pelo apoio nos diversos momentos e
pelas contribuições dadas ao trabalho e ao crescimento acadêmico.
Aos familiares,
pelo apoio e pela compreensão nas minhas ausências.
A Maurício,
por aceitar compartilhar comigo todos os desafios e conquistas desta fase.
Aos amigos professores de Águas de Lindóia, em especial à Du, que, mesmo
de longe, sempre manifestaram carinho e apoio.
A CAPES, pela concessão da bolsa de estudos e da bolsa do Programa de
Doutorado Sanduiche no Exterior (PDSE).
Aos funcionários da Faculdade de Educação da Unicamp,
que, com simpatia e disponibilidade, sempre me atenderam com atenção e
acolhimento.
À revisora Leda.
Enfim...
A todos e todas que fizeram e fazem parte da minha caminhada, por me
ajudarem a ser a professora que sou hoje.
Cada um deixou uma marca, à sua maneira.
Quisera poder abraçar a todos, mencionados ou não, e expressar minha
gratidão!
Meu muito obrigada!
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Representação de prática e evento de letramento na perspectiva ideológica.
Figura 2: Dinâmica de significados na Pedagogia dos Multiletramentos.
Figura 3: Modelo de letramento estatístico baseado em Gal (2002) e Budgett ePfannkuch (2007).
Figura 4: Participantes do grupo Estatisticando.
Figura 5: Dinâmica de trabalho e pesquisa de grupos colaborativos.
Figura 6: O entrelaçamento entre os materiais estudados e os conhecimentoselencados por Shulman (1987)
Figura 7: Sucos conhecidos pelas crianças de 3 anos
Figura 8: Gráfico dos sucos conhecidos pelas crianças de 3 anos
Figura 9: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (I)
Figura 10: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (II)
Figura 11: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (III)
Figura 12: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (IV)
Figura 13: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (V).
Figura 14: Gráficos apontados por Eduardo.
Figura 15: Dados geradores do gráfico de ramos e folhas
Figura 16: Gráfico de ramos e folhas
Figura 17: Histograma levado para o encontro
Figura 18: Gráfico de linha usado inadequadamente
Figura 19: Círculos para a confecção de gráfico de setores
Figura 20: Montagem do gráfico de setores usando círculos
Figura 21: Gráfico de setores apresentando a quantidade de meninos e meninas
Figura 22: Gráfico de setores representando uma quantidade maior de
Figura 23: Ampliação do número de círculos para construção do gráfico de setores
Figura 24: Gráfico de pizza “humano”.
Figura 25: Eixos para a confecção de um gráfico de colunas
Figura 26: Gráfico da quantidade de animais de estimação, por família I
Figura 27: Gráfico da quantidade de animais de estimação, por família II
Figura 28: Gráfico da quantidade de animais de estimação, por família III
Figura 29: Exemplo de preenchimento de gráfico
Figura 30: Exemplo de como deveria ser apresentado o gráfico no quadro de giz
Figura 31: Parte do gráfico que suscitou discussão entre as crianças
Figura 32: Participantes presentes no encontro de 15/06/2011
Figura 33: Situação pedagógica discutida pelos participantes do grupo I
Figura 34: Situação pedagógica discutida pelos participantes do grupo II
Figura 35: Modelos de roletas usadas no jogo
Figura 36: Situação pedagógica discutida pelos participantes do grupo III
Figura 37: Situação pedagógica discutida pelos participantes IV
Figura 38: Situação pedagógica discutida pelos participantes V
Figura 39: Alguns participantes do grupo e o gráfico apresentado por Mie
Figura 40: Gráfico construído pelas crianças com Mie
Figura 41: Quadro construído por Mie e as crianças, sistematizando os dados
Figura 42: Matriz para a construção de um gráfico com a turma
Figura 43: Gráfico de barras
Figura 44: Pôster apresentado por Roseli em Congresso de Iniciação Científica
Figura 45: Participação das crianças na construção do gráfico
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Síntese das teorias NLS e Multiletramentos
Quadro 2: Dados dos participantes do grupo Estatisticando
Quadro 3: Encontros do Grupo Estatisticando
Quadro 4: Presença dos participantes em relação ao semestre.
Quadro 5: Situação pedagógica de Estatística com crianças de 3 anos
Quadro 6: Cálculo de mediana das idades dos participantes
Quadro 7: Número do calçado mais comum
Quadro 8: E-mail enviado ao grupo
Quadro 9: E-mail enviado aos participantes do grupo
Quadro 10: Eixos de análise – percurso do grupo
Quadro 11: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala de Silvana
Quadro 12: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala de Eduardo
Quadro 13: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala de Rosana
Quadro 14: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala dosparticipantes
Quadro 15: Trecho da primeira versão do plano de aula apresentado por Mie.
Quadro 16: Trecho da versão final do plano de aula apresentado por Mie.
Quadro 17: Apresentação da primeira proposta de escrita de Mie
Quadro 18: Primeiro arquivo com a proposta de escrita de Mie
Quadro 19: Trecho da análise narrativa publicada
Quadro 20: Último e-mail enviado por Mie às pesquisadoras
Quadro 21: Primeiro Relatório de Iniciação Científica de Roseli
Quadro 22: Segundo relatório de Iniciação Científica de Roseli
Quadro 23: Resultados da IC de Roseli, publicada
Quadro 24: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 06/10/2011
Quadro 25: Apresentação da primeira proposta de análise narrativa por Eduardo
Quadro 26: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 14/10/2011 (I)
Quadro 27: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 14/10/2011(II)
Quadro 28: Movimento de escrita e reescrita da primeira análise narrativa de Eduardo
Quadro 29: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 20/02/2012.
Quadro 30: Trecho de análise narrativa publicada
Quadro 31: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 16/03/2012
Quadro 32: Trecho de narrativa publicada
Quadro 33: Carta produzida pelo estudante M.(sic)
Quadro 34: Trecho da primeira análise narrativa produzida por Rosana e suasparceiras I
Quadro 35: Trecho da primeira narrativa produzida por Rosana e suas parceiras II
Quadro 36: Trecho da segunda análise narrativa produzida por Rosana e suasparceiras
Quadro 37: Eixos de análise – escrita dos participantes do Estatisticando
Quadro 38: Entrelaçamentos dos eixos de análises – escrita dos professores
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Idade dos participantes para cálculo envolvendo a média
Desenvolvimento profissional de professores em contextos colaborativosem práticas de letramento estatístico
Apresentação
Esta pesquisa buscou identificar e sistematizar indícios do
desenvolvimento profissional de professores e futuros professores da
Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental quando estão
num contexto colaborativo e são instigados a trabalhar com Estatística numa
perspectiva de letramento(s), caminhando em direção ao letramento estatístico.
O texto está organizado em seis capítulos. O primeiro traz uma pequena
introdução, retomando algumas questões em relação a minha trajetória
acadêmica e profissional e partindo das discussões que a pesquisa de
mestrado “O papel da Estatística na inclusão de alunos da Educação de
Jovens e Adultos em atividades letradas” (CONTI, 2009) levantou, com relação
à Estatística, ao letramento e ao trabalho colaborativo. Apresenta também uma
proposta de formação de professores em contexto colaborativo, com a criação
de um grupo chamado Estatisticando, e uma forma de ensinar Estatística, na
perspectiva de letramento. Esse capítulo ainda anuncia a questão norteadora:
“Que indícios de desenvolvimento profissional apresentam os professores e
futuros professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino
Fundamental em contextos colaborativos em práticas de letramento
estatístico?”.
Ao segundo capítulo cabe fazer uma discussão teórica sobre o
letramento e o letramento estatístico.
O capítulo seguinte discute a complexidade do desenvolvimento
profissional na formação de professores e, mais especificamente, a
complexidade do conhecimento necessário para ensinar Estatística.
O quarto capítulo expõe as opções metodológicas da pesquisa de
abordagem qualitativa e a opção pelo estudo de caso. Ali também o leitor
encontra a descrição da criação do grupo de estudos, seus participantes, os
temas estudados e os três eixos de análise.
São narrados, no quinto capítulo, os encontros do grupo Estatisticando,
que constituíram o trabalho de campo, e são destacados os indícios de
desenvolvimento profissional dos professores e futuros professores ao longo
das narrativas do trabalho de campo, enfatizando tal desenvolvimento a partir
dos eixos de análise.
A confirmar a importância do papel dos professores como
pesquisadores, mais do que simplesmente sujeitos da pesquisa, o sexto
capítulo analisa o desenvolvimento profissional dos participantes, a partir de
seus trabalhos produzidos e publicados.
As considerações finais retomam a questão de pesquisa; evidenciam
indícios da confiança dos professores e futuros professores em desenvolver,
com os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, propostas que
abordam a Estatística e transformaram esses participantes em produtores de
conhecimento; e destacam novamente os eixos de análise e seus
entrelaçamentos. Diante do desenvolvimento profissional possibilitado pela
participação no grupo Estatisticando, defendemos o reconhecimento e a
valorização da participação de professores, futuros professores e
pesquisadores em grupos de contexto colaborativos.
É importante aqui também considerar o ponto de vista adotado para o
relato desta pesquisa: o mesmo movimento de idas e vindas do individual para
o grupo ocorrerá na linguagem com que esse processo será aqui narrado: a
primeira pessoa do singular e a do plural mesclam-se, encontram-se e
desencontram-se no fluir narrativo – somam-se e multiplicam-se. É natural e
necessária essa multiplicidade, fruto da natureza colaborativa do trabalho e da
interlocução com a orientadora, que aqui se revelam também pela forma de
narrar. Impossível falar apenas por mim. Impossível falar apenas por nós.
Impossível falarmos apenas por nós. Imprescindível e naturalmente imperativo
falar por cada um de nós e, simultaneamente, por todos nós.
CAPÍTULO 1
Introdução
“Aprender é construir,reconstruir, constatar para mudar,
o que não se faz sem abertura ao risco ea aventura do espírito” (Paulo Freire, 2005, p. 69)
1.1 Retomando algumas questões...
A formação do professor, de acordo com Nacarato (2000), inicia-se
desde que tomamos contato com a escolarização, ou seja, enquanto
estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Concordamos com a autora que,
nessa fase, modelos de ensino e modelos de professores são muito marcantes
e influenciam nossa atuação docente, principalmente no início da carreira.
Acreditamos, então, ser importante resgatar algumas questões no meu
processo de formação inicial e contínua, como forma de situar o lugar “de
onde” falamos e os caminhos que nos levaram a querer pesquisar e
compreender as práticas que contribuem para o desenvolvimento profissional
dos professores e futuros professores da Educação Infantil e dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, na perspectiva do letramento estatístico em um
contexto colaborativo.
Nesse resgate do processo de formação, embora não tivesse
consciência dos caminhos a percorrer, desde pequena pensava em ser
professora1 ou, mais especificamente, traçava uma meta para os anos futuros:
o Magistério. O ato de ensinar; os materiais escolares; a própria escola próxima
a minha casa; a lousinha infantil; o uniforme dos estudantes; os livros — tudo
isso sempre fez parte de minha infância
1 Trechos dessa história também foram apresentados na dissertação de mestrado. Ver Conti(2009).
Fui cursar o Normal – Magistério de 1.º Grau2 — como queria, logo após
concluir o 1.º Grau (hoje Ensino Fundamental). Tive boas experiências, de
1991 a 1993, com as “metodologias de ensino” nas áreas de Língua
Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais, Ciências e Saúde. Hoje percebo que
até concluir aquele curso não havia tido nenhum contato formal ou sistemático
com a Estatística e a Probabilidade, e foram 11 anos de estudo!
Após a conclusão do curso, com 17 anos, enquanto buscava colocação
profissional, frequentei um curso técnico na área de Contabilidade. Aí, sim,
“conheci” a Estatística, com um professor de Matemática. Numa disciplina de
60 horas, construíamos gráficos; utilizávamos, entre outros recursos,
instrumentos de desenho e papel quadriculado, leitura de jornal; éramos
avaliados pela construção correta dos gráficos e das tabelas. Apesar de não
pensar em atuar na área contábil, esse curso despertou em mim o gosto pela
Matemática; talvez porque tivesse vivenciado algumas aplicações, as aulas iam
além da resolução de listas de exercícios, embora isso também estivesse
presente.
Após terminar esse curso, na contramão de muitas de minhas colegas
do Magistério, que optaram pelo curso de Pedagogia, ou mesmo apenas pela
atuação em sala de aula, optei pela Licenciatura em Matemática, que iniciei em
1996 nas Faculdades Integradas de Amparo, no interior de São Paulo, e creio
que fiz a escolha correta. Novamente considerando a Estatística, conheci os
conceitos básicos através de aulas expositivas, durante dois semestres, nos
quais não analisávamos nem discutíamos os resultados dos exercícios.
Nessa mesma época, em 1996, comecei a atuar em turmas de
Educação Infantil (crianças de 3 a 6 anos) como professora efetiva, em uma
rede pública municipal do interior de São Paulo.
Logo que concluí a Licenciatura, em 1999, comecei a atuar também em
turmas do Ensino Fundamental (5.ª a 8.ª séries, na nomenclatura da época) da
mesma rede pública municipal e a substituir professores na rede pública
estadual, momento em que tive contato com a Educação de Jovens e Adultos
(EJA). Sempre com muitos ideais, com vontade de fazer algo diferente do que
2 Conforme a nomenclatura da época.
havia encontrado em minha formação, mas na prática nem tudo era tão ideal
assim: pouca experiência; classes de estudantes repetentes; pouca confiança
por parte dos estudantes e da direção da escola, durante as substituições;
muita descontinuidade no trabalho; sentimentos de repulsa pela Matemática
por parte dos estudantes, entre outros, como relatado por Rocha (2005, p. 40):
A iniciação à docência é um período marcado por sentimentosambíguos. Se, de um lado, ela é caracterizada como uma etapa detensões, angústias, frustrações e inseguranças, por outro, o iniciantea professor sente-se alegre por ter uma turma, por pertencer a umgrupo de profissionais. Como todo início de profissão, esses primeirosanos constituem uma etapa de profundas mudanças e aprendizagemsobre a profissão.
E, com o objetivo de realizar sempre um trabalho melhor do que aquele
que eu havia vivenciado e via no cotidiano das escolas, continuei atuando com
essas turmas e buscando constantemente cursos, palestras, capacitações,
entre outros recursos, numa perspectiva de “educação contínua”, buscando
respostas a problemas e indagações referentes ao que eu vivia, como nos
trazem Fiorentini e Nacarato (2005, p. 9):
O professor, nessa perspectiva de educação contínua, constitui-se numagente reflexivo de sua prática pedagógica, passando a buscar,autônoma e/ou colaborativamente, subsídios teóricos e práticos queajudem a compreender e a enfrentar os problemas e desafios dotrabalho docente.
E, nessa busca, uma identificação especial com o ensino da Estatística
me foi despertada no XVI Encontro de Professores de Matemática3. Nesse
evento pude ter contato com o trabalho do Gepepei4. A partir de então,
comecei a adaptar e a propor, para as turmas compostas por crianças de 3 e 4
anos, algumas das situações pedagógicas5 elaboradas naquele grupo, que
envolviam probabilidade de ocorrência de determinados fatos, pesquisa de
opinião, construção de gráfico de colunas. Os resultados das situações foram
surpreendentes e motivadores. Crianças muito novas, além de manterem
contato com linguagens próprias da probabilidade, levantaram hipóteses,
3 Promovido em abril de 2002, pelo Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) do Instituto deMatemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) na Unicamp. Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Estatística e Probabilidade na Educação Infantil, entãocoordenado pela Prof.ª Celi Lopes.5 Estamos entendendo neste trabalho que situações pedagógicas são ações com intençãoeducativa.
apresentaram opiniões, construíram e interpretaram gráficos, mostraram-se
envolvidos com nas situações e também apresentaram melhora significativa,
principalmente na área de Matemática. E assim fui ampliando essas vivências
para as outras séries em que atuava (séries finais do Ensino Fundamental),
consciente de meu papel na formação dos estudantes e das novas exigências
da sociedade da informação em que vivemos. Em conversas com estudantes
de 5.ª a 8.ª séries, alguns mesmo já perto de concluir o Ensino Fundamental,
percebi que não haviam tido nenhum contato anterior com a Estatística. Isso
me inquietava, assim como a Lopes (1998, p. 15), quando menciona que “não
é possível esperarmos que nosso aluno chegue ao Ensino Médio para
iniciarmos conteúdos essenciais para o desenvolvimento de sua visão de
mundo”.
Nessa busca, no início de 2005, já mais próxima geograficamente à
Unicamp, buscando a “educação contínua” e por sugestão do Prof. Dr. Dario
Fiorentini, comecei a frequentar o Grupo de Sábado (GdS), que se reúne aos
sábados pela manhã, com o intuito de ler, compartilhar experiências, refletir,
investigar e escrever sobre a própria prática escolar em Matemática. O grupo,
desde sua formação em 1999, tem publicado artigos, livros que trazem
narrativas e estudos de professores de Matemática sobre a própria prática
profissional. Tem se constituído
[...] por professores que dão aula de Matemática na Escola Básica,desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, por alunos de cursos dePedagogia e de licenciatura em Matemática e por professores doEnsino Superior que trabalham com disciplinas relativas à EducaçãoMatemática e à Matemática nesses cursos (CARVALHO; CONTI, 2009,p. 7-8).
A participação no GdS, no processo de troca e reflexão, contribuiu muito
para aumentar ainda mais a vontade de fazer parte de um grupo — e um grupo
onde haja colaboração, segundo Fiorentini (2004, p. 50, grifo do autor):
Na colaboração, todos trabalham conjuntamente (co-laboram) e seapoiam mutuamente, visando atingir objetivos comuns negociadospelo coletivo do grupo. Na colaboração, as relações, portanto, tendema ser não-hierárquicas, havendo liderança compartilhada e co-responsabilidade pela condução das ações.
A partir do trabalho desenvolvido no GdS e do incentivo do grupo para o
registro dessas reflexões, das (re)significações da prática docente, da minha
atuação na EJA naquele momento e querendo de alguma forma fazer algo
diferente com aqueles estudantes dessa modalidade de ensino, reelaborei,
então, o que desenvolvia em outras modalidades de ensino, para propor
também em aulas de Matemática para EJA, as situações que envolviam
probabilidade de ocorrência de determinados fatos, pesquisa de opinião,
construção de gráficos.
Semelhante ao que ocorria com os estudantes que eu recebia no ensino
regular, deparei-me com pessoas, já em fase de conclusão do Ensino
Fundamental e mesmo do Ensino Médio, que não haviam tido contato com a
Estatística ou que tiveram contato mínimo, muitas vezes em circunstâncias não
escolares6. Situação semelhante a esta foi descrita em reflexões a respeito do
INAF7 2002, no trecho em que Lopes (2004, p. 191) comenta os resultados da
avaliação:
Os resultados no INAF 2002 em relação à compreensão dalinguagem gráfica evidenciam a pouca vivência da populaçãobrasileira na leitura de dados que expressam sua realidade, o quegera menores possibilidades de um exercício crítico de sua cidadania,diminuindo as perspectivas positivas de transformações sociais.
Juntei estes elementos: o apoio de um grupo, a identificação especial
com a EJA e a aproximação com a Estatística; o desejo de discutir a ausência
de trabalhos de Estatística nessa modalidade de ensino e de propor algo que
me possibilitasse debater algumas das questões que me angustiavam, como
por exemplo: Quais os objetivos da EJA? Em que o ensino de Estatística
poderia contribuir para alcançá-los? O que os alunos eram capazes de
significar em Estatística?
Resolvi, então, propor um projeto de pesquisa que focasse a EJA e a
Estatística, e o trabalho colaborativo, ingressando no mestrado em Educação
Dados recolhidos na pesquisa de campo do mestrado. Para mais detalhes, ver Conti, 2009.7 INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. O INAF consiste no levantamentoperiódico de dados sobre as habilidades de leitura e Matemática da população brasileira. Éuma iniciativa do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa.
pela Unicamp em 2006, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Dione Lucchesi de
Carvalho.
Querendo estar na escola, para vivenciar o trabalho de campo,
escolhemos desenvolver uma pesquisa que compreendesse uma intervenção
na qual eu pudesse atuar tanto como professora de uma turma de EJA quanto
como pesquisadora. Por acreditar na importância da dedicação integral à
pesquisa, candidatei-me a uma bolsa de estudos da Fapesp8. A partir de abril
de 2007, com a aprovação do projeto por essa fundação, passei a me dedicar
exclusivamente à pesquisa.
A pesquisa de campo se constituiu como “pesquisa participante”, assim
descrita por Gajardo (1986, p. 44, grifo da autora): “pesquisa participante é o
termo usado com mais frequência, na atualidade, para fazer referência às
experiências que procuram conhecer, transformando”. Ainda segundo Gajardo
(1986, p. 32), é no campo (no caso, a escola) que surgem os “temas” para
“discussão, reflexão e ação”, e são os alunos participantes que “através da
discussão das unidades, objetivizam um problema do meio, problematizam sua
situação, colocam-se como sujeitos ativos e protagonistas, buscando, a partir
de sua experiência e realidade, um caminho de ação eficaz para enfrentá-los”.
Procurei caminhar para o que Barton e Hamilton (2004, p. 111) chamam de
“etnografia crítica”, tratando de “descobrir e questionar os pressupostos
tradicionais que marcam o letramento e expor as formas em que este foi
construído e imbricado nas relações de poder”, e também comprometida em
documentar o letramento presente naquele cotidiano da Educação de Jovens e
Adultos.
Dois estagiários e eu, sob orientação da Prof.ª Dione, planejamos e
realizamos um trabalho de campo na perspectiva mencionada nos parágrafos
anteriores, que compreendeu o desenvolvimento de um projeto de Estatística
com estudantes de uma 7.ª série do Ensino Fundamental da Educação de
Jovens e Adultos da escola pública estadual localizada na periferia de
Campinas, interior do estado de São Paulo, em 2007.
8 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Processo n.º 06/59154-3.
Devido ao percurso do trabalho e as contribuições do grupo de pesquisa
PRAPEM9, decidimos centrar o trabalho no ensino e na aprendizagem da
Estatística, procurando responder a questão: “Qual o papel da Estatística na
inclusão de alunos da Educação de Jovens e Adultos em atividades letradas?”
(CONTI, 2009, p. 16). O trabalho colaborativo entre estagiários licenciandos e
professores da Escola Básica, embora presente, não foi o foco do estudo do
mestrado, tendo sua discussão ficado para outro momento, como, por exemplo,
em publicações do próprio GdS e em eventos da área de Educação e de
Educação Matemática.
Na pesquisa de mestrado, fizemos questão de buscar a inclusão dos
alunos da EJA em atividades letradas, quer respondendo a seus
questionamentos, quer dando-lhes voz ou instigando-os a transformar suas
“vozes” em escrita; e, até mesmo, acreditando que seriam capazes de significar
um texto acadêmico sobre produção de questionários. Pudemos observar
vários indícios de que é possível, sim, “letrar” e “estatisticar”, e que isso pode
acontecer em uma escola pública, de periferia, com alunos que podem superar
suas próprias dificuldades; e essa possibilidade não se resume ao
conhecimento estatístico.
1.2 Novas problemáticas
Partindo das discussões que a pesquisa de mestrado levantou com
relação à Estatística, ao letramento, ao trabalho colaborativo, percebemos a
necessidade de novos estudos para buscar outras práticas pedagógicas.
Novas ideias surgiram, e o fato de, a partir de 2009, atuar com formação de
professores, mais intensamente no curso de Pedagogia, e a influência da
participação no Grupo de Sábado, me fizeram pensar em práticas que
pudessem, da mesma forma, favorecer o desenvolvimento de capacidades
para formular hipóteses, estabelecer relações entre fatos e tomar decisões, ao
mesmo tempo, caminhando para o letramento estatístico, ou seja, para que os
9 Prática Pedagógica em Matemática.
estudantes pudessem não só utilizar as ideias estatísticas, mas atribuir um
significado a elas em suas vidas. Essas reflexões me instigaram a buscar um
trabalho com formação de professores para atuarem nessa perspectiva.
De acordo com Watson (2006), como a produção de dados e o acaso
não tinham lugar de destaque no currículo da Matemática escolar até a década
de 199010, muitos professores, de todos os níveis, não valorizaram os temas a
ponto de propô-los a suas turmas em lugar de outros mais tradicionais do
currículo da Matemática. A autora apresenta também que era usual o trabalho
com a Estatística e a Probabilidade ser deixado, no planejamento anual, para o
final do ano letivo, muitas vezes para preencher o tempo com a situação
pedagógica, quando os estudantes e os professores já estavam cansados, ou
para ser substituído por outros temas do currículo, caso estes necessitassem
de mais tempo. Além da falta de tempo e da falta de convicção de sua
importância, Lopes (2010, p. 58) aponta como uma das causas da ausência
dessa temática no trabalho com os estudantes a “falta de domínio teórico-
metodológico do professor sobre os conceitos estatísticos e probabilísticos”.
Watson (2002, p. 27) também afirma que o letramento estatístico no
currículo escolar “não deveria ser considerado responsabilidade dos
professores de Matemática, excluindo-se com isso professores de outras áreas
curriculares”, ou seja, a tarefa de levar o estudante a construir conhecimento,
argumentação e de ajudá-lo na apropriação das ideias estatísticas deveria ser
papel também do professor polivalente, formado para atuar na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, assim como do professor de
Língua Portuguesa, Geografia, História, Ciências, entre outras áreas. Watson
(2002) considera que o letramento estatístico pode ser um catalisador para
reformas curriculares, apontando para um currículo integrado.
Mas como iniciar a formação na perspectiva citada, de modo que os
estudantes possam se apropriar das ideias estatísticas, quando os professores
polivalentes que atuam ou atuarão nas séries iniciais do Ensino Fundamental
possuem conhecimentos ainda incipientes? Mencionamos essa modalidade de
Watson se refere aos Estados Unidos, mas podemos considerar esta época também noBrasil, pois foi a época da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
ensino pelo fato de recair sobre esses professores a responsabilidade de
ensinar a ler, a escrever e a contar, indicados por Régnier (2006). Ele discute
que o estudante, em sua “formação escolar de base”, além de tornar-se capaz
de ler, escrever e contar, o que era tido como suficiente até recentemente,
precisa aprender a “estatisticar”, ou seja, ser capaz de usar a Estatística para
exercer sua cidadania, ou seja, este “estatisticar” precisa ser abordado em uma
perspectiva de letramento.
Batanero (2001, p. 6) também aborda essa problemática: quando cita os
professores da Escola Básica, menciona que “na prática ainda são poucos os
professores que incluem este tema [Estatística] e em outros casos o tratam
muito brevemente ou de forma excessivamente formalizada”.
Segundo Lopes (2010, p. 47), nos tempos de hoje, “a presença
constante da Estatística no mundo atual tornou-se uma realidade na vida dos
cidadãos, levando à necessidade de ensinar Estatística a um número de
pessoas cada vez maior” e, devido a isso, muitos países passaram a inserir a
Estatística nos currículos de Matemática na Educação Básica. Lopes (2010, p.
47-48) traz ainda um dado histórico:
A Conferência de Cambridge (Massachusetts), realizada em 1963, éapontada por Rade (1986) como uma das primeiras reuniõescientíficas em que se propôs que a Estatística passasse a integrar osconteúdos de Matemática a serem ensinados na Educação Básica.
A partir da década de 1970, segundo Cazorla e Utsumi (2010, p.19),
surgiu mundialmente um movimento que “reconheceu a importância do
desenvolvimento do raciocínio probabilístico, a necessidade de romper com a
cultura determinística nas aulas de Matemática, a dimensão política e ética do
uso da Estatística”. De acordo com as autoras, esse movimento pode ser
considerado como base para o que se denomina atualmente de Educação
Estatística. Hoje podemos dizer que a Educação Estatística, enquanto área de
pesquisa, objetiva estudar e compreender a forma como as pessoas ensinam e
aprendem Estatística, englobando a epistemologia dos conceitos estatísticos,
os aspectos cognitivos e afetivos do ensino e da aprendizagem, bem como o
desenvolvimento de metodologias e materiais para o ensino, visando ao
desenvolvimento do letramento estatístico.
Na Educação Estatística e nesse processo de ensino e aprendizagem,
de acordo com Lopes (2010), é que a Estatística se intersecciona com a
Probabilidade, pois o pensamento estatístico também combina ideias acerca
dos dados e da noção de incerteza, para a realização de inferência, ou seja, é
necessário que as pessoas utilizem o pensamento probabilístico para tomar
decisões, conforme a autora apresenta:
A Estatística, com seus conceitos e métodos, configura-se com umduplo papel: permite compreender muitas das características dacomplexa sociedade atual, ao mesmo tempo que facilita a tomada dedecisões em um cotidiano onde a variabilidade e a incerteza estãosempre presentes (LOPES, 2010, p. 51).
Essas ideias reforçam que o papel da Estatística e da Probabilidade na
tomada de decisões pode ser considerado como um dos objetivos da
interconexão dessas duas áreas no currículo.
Internacionalmente, encontramos recomendações para o ensino e a
aprendizagem da Estatística na Escola Básica, como, por exemplo, do National
Council of Teachers of Mathematics (NCTM), na publicação “Princípios e
Normas para a Matemática Escolar” (NCTM, 2008) e, em Portugal, nas “Metas
Curriculares” (PORTUGAL, 2013)11.
Nos Princípios e Normas para a Matemática Escolar (NCTM, 2008, p
XV), que pretendem ser “um recurso e servir de orientação para todos os
responsáveis pelas decisões que afetam a Educação Matemática dos
estudantes do pré-escolar ao 12.º ano de escolaridade”, são propostas
“normas” que, segundo os autores, são “descrições daquilo que o ensino da
Matemática deverá habilitar os alunos a saber e a fazer” (p. 31). Nas “Normas
de Conteúdo”, no item “Análise de Dados e Probabilidade”, há a descrição
explícita dos conteúdos que os estudantes deverão aprender.
Especificamente sobre nosso foco, na Análise de Dados, encontramos
Os programas de ensino do pré-escolar ao 12.º ano deverão habilitartodos os alunos para
11 Pudemos ter contato com esse documento, ente outros, durante o Programa de DoutoradoSanduíche no Exterior (PDSE), realizado em Portugal. N.º processo BEX 9455/12-4. Detalhessobre o documento podem ser encontrados no Anexo 1.
Formular questões que possam ser abordadas por meio de dadose recolher, organizar e apresentar dados relevantes que permitamresponder a essas questões; Selecionar e usar métodos estatísticos adequados à análise dedados; Desenvolver e avaliar inferências e previsões baseadas em dados; Compreender e aplicar conceitos básicos de probabilidade(NCTM, 2008, p. 52).
De acordo com a publicação, ainda, são propostas expectativas de
aprendizagem, relativas a faixas etárias dos estudantes12.
No Brasil, devido aos reflexos do movimento de inclusão da Estatística
no currículo de Matemática, no final da década de 1990, com a publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), foi incorporado
oficialmente o “Tratamento da Informação” como um dos blocos de conteúdos
da estrutura curricular de Matemática, que apresenta o currículo mínimo da
Matemática para as diversas faixas etárias dos estudantes, da Educação
Infantil ao Ensino Médio.
O currículo de Matemática para a Educação Infantil, destinada a
crianças de até 5 anos e 11 meses de idade, é estabelecido pelo Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), que organiza os
conteúdos matemáticos em três blocos: Números e Sistema de Numeração,
Grandezas e Medidas e Espaço e Forma. Infelizmente, o RCNEI não traz um
bloco de conteúdos explícito sobre essa área, a do “tratamento da informação”,
pois, quando de sua publicação, as pesquisas quanto à inserção da Educação
Estatística na Educação Infantil ainda estavam se iniciando. Mas, de acordo
com Lopes e Moura (2002), as demandas atuais têm exigido habilidades e
competências matemáticas diferenciadas, já nessa etapa da Educação Básica.
Mesmo no documento de “Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil” (BRASIL, 2010), aprovado em 11/11/2009, não há a menção
ao trabalho com a Estatística, afirmando que na Educação Infantil podem ser
priorizados, enquanto experiências pedagógicas, em contextos e situações
significativos, “a exploração e uso de conhecimentos matemáticos na
apreciação das características básicas do conceito de número, medida e forma,
12 O detalhamento das expectativas de aprendizagem de acordo com a faixa etária encontram-se no Anexo 2.
assim como a habilidade de se orientar no tempo e no espaço” (BRASIL, 2010,
p. 94).
O currículo de Matemática para o Ensino Fundamental, destinado a
estudantes de 6 a 14 anos, é estabelecido pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), os quais orientam que se deve trabalhar com os quatro
grandes blocos de conteúdos: “Números e Operações”, “Espaço e Forma”,
“Grandezas e Medidas” e o “Tratamento da Informação” (BRASIL, 1997).
Ainda nos PCN, encontramos os objetivos gerais do Ensino
Fundamental, os quais propõem que os estudantes sejam capazes de:
• compreender a cidadania como participação social e política, assimcomo exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais,adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação erepúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmorespeito;• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nasdiferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma demediar conflitos e de tomar decisões coletivas;• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensõessociais, materiais e culturais como meio para construirprogressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e osentimento de pertinência ao País;• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio socioculturalbrasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos enações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada emdiferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etniaou outras características individuais e sociais;• perceber-se integrante, dependente e agente transformador doambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles,contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimentode confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética,estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir comperseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitossaudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida eagindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúdecoletiva;• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica,plástica e corporal — como meio para produzir, expressar ecomunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais,em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções esituações de comunicação;• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursostecnológicos para adquirir e construir conhecimentos;• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando deresolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, aintuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentose verificando sua adequação. (BRASIL, 1997, p. 6)
Encontram-se nesses objetivos, explicitamente, inúmeros aspectos
relacionados com o desenvolvimento da competência estatística, como
“cidadania”, “exercício de direitos e deveres”, “posicionar-se de maneira crítica”,
“tomar decisões”, “utilizar as diferentes linguagens”, “saber utilizar as diferentes
fontes de informação”, entre outras.
Com relação ao bloco Tratamento da Informação, os PCN propõem os
seguintes conteúdos para o primeiro ciclo do Ensino Fundamental (1.º ao 5.º
ano):
• Leitura e interpretação de informações contidas em imagens.• Coleta e organização de informações.• Criação de registros pessoais para comunicação das informaçõescoletadas.• Exploração da função do número como código na organização deinformações (linhas de ônibus, telefones, placas de carros, registrosde identidade, bibliotecas, roupas, calçados).• Interpretação e elaboração de listas, tabelas simples, de duplaentrada, gráficos de barra para comunicar a informação obtida.• Produção de textos escritos a partir da interpretação de gráficos etabelas (BRASIL, 1997, p. 52).
Para o segundo ciclo (do 6.º ao 9.º ano), são propostos os seguintesobjetivos:
• Coleta, organização e descrição de dados.• Leitura e interpretação de dados apresentados de maneiraorganizada (por meio de listas, tabelas, diagramas e gráficos) econstrução dessas representações.• Interpretação de dados apresentados por meio de tabelas egráficos, para identificação de características previsíveis ou aleatóriasde acontecimentos.• Produção de textos escritos, a partir da interpretação de gráficos etabelas, construção de gráficos e tabelas com base em informaçõescontidas em textos jornalísticos, científicos ou outros.• Obtenção e interpretação de média aritmética.• Exploração da ideia de probabilidade em situações-problemasimples, identificando sucessos possíveis, sucessos seguros e assituações de “sorte”.• Utilização de informações dadas para avaliar probabilidades.• Identificação das possíveis maneiras de combinar elementos deuma coleção e de contabilizá-las usando estratégias pessoais(BRASIL, 1997, p. 61).
Para o Ensino Médio, destinado a estudantes de 15 a 17 anos, temos os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), que
apresentam três eixos ou temas estruturadores, que devem ser desenvolvidos
de forma concomitante nas três séries do ensino médio (BRASIL, 2000): 1)
Álgebra: números e funções; 2) Geometria e medidas; e 3) Análise de Dados.
Sobre o eixo “análise de dados”, os PCNEM orientam:
A análise de dados tem sido essencial em problemas sociais eeconômicos, como nas estatísticas relacionadas a saúde,populações, transportes, orçamentos e questões de mercado.Propõe-se que constitua o terceiro eixo ou tema estruturador doensino, e tem como objetos de estudo os conjuntos finitos de dados,que podem ser numéricos ou informações qualitativas, o que dáorigem a procedimentos bem distintos daqueles dos demais temas,pela maneira como são feitas as quantificações, usando-se processosde contagem combinatórios, frequências e medidas estatísticas eprobabilidades. Este tema pode ser organizado em três unidadestemáticas: Estatística, Contagem e Probabilidade (BRASIL, 2000,p.126, grifos do documento).
Sobre o que se espera do estudante com o trabalho, os PCNEM
afirmam:
Contudo, espera-se do aluno nessa fase da escolaridade que ultrapasse aleitura de informações e reflita mais criticamente sobre seus significados.Assim, o tema proposto deve ir além da simples descrição e representação dedados, atingindo a investigação sobre esses dados e a tomada de decisões(BRASIL, 2000, p. 126).
Mais recentemente o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa -
PNAIC (BRASIL, 2014, p. 30)13 expressa que a alfabetização matemática, na
perspectiva do letramento, deve promover “apropriação pelos aprendizes de
práticas sociais de leitura e escrita de diversos tipos de texto, práticas de leitura
e escrita do mundo – não se restringe ao ensino do sistema de numeração e
das quatro operações aritméticas fundamentais”. De acordo com essa proposta
e com sua preocupação com as diversas práticas de leitura e escrita “que
envolvem as crianças e nas quais as crianças se envolvem no contexto escolar
e fora dele”, o trabalho pedagógico deve contemplar situações significativas
para as crianças – entre outras: “estratégias de produção, reunião,
organização, registro, divulgação, leitura e análise de informações, mobilizando
13 Programa Oficial de Formação e acordo formal assumido pelo governo federal, pelo DistritoFederal, por estados, municípios e entidades, para firmar o compromisso de alfabetizarcrianças até, no máximo, 8 anos de idade, ao final do ciclo de alfabetização.
procedimentos de identificação e isolamento de atributos, comparação,
classificação e ordenação”.
No material de formação do PNAIC, adotou-se a expressão “direitos da
aprendizagem”, indicando a compreensão da educação escolar como direito
social (BRASIL, 2014). De acordo com o material de formação, trata-se de um
marco na busca da articulação entre as práticas e as necessidades do
cotidiano da escola, e esse marco encontra respaldo na necessidade de rever
os PCN (BRASIL, 1997) e incorporar novas leis, pareceres e resoluções, no
que diz respeito às orientações curriculares.
Esse material apresenta, a partir dos direitos básicos de aprendizagem
em Matemática, cinco eixos estruturantes: Números e Operações; Pensamento
Algébrico; Espaço e Forma/Geometria; Grandezas e Medidas; e Tratamento da
Informação/Estatística e Probabilidade.
O Tratamento da Informação, que nesse material é denominado
“Educação Estatística”, apresenta os seguintes objetivos:
Ler, interpretar e fazer uso das informações expressas na formade ícones, símbolos, signos, códigos; em diversas situações e emdiferentes configurações (anúncios, gráficos, tabelas, rótulos,propagandas), para compreensão de fenômenos e práticas sociais; Formular questões sobre fenômenos sociais que gerem pesquisase observações para coletar dados quantitativos e qualitativos; Coletar, organizar e construir representações próprias para acomunicação de dados coletados (com ou sem uso de materiaismanipuláveis ou de desenhos); Ler e interpretar listas, tabelas simples, tabelas de dupla entrada,gráficos; Elaborar listas, tabelas simples, tabelas de dupla entrada, gráficode barras e pictóricos para comunicar a informação obtida,identificando diferentes categorias; Produzir textos escritos a partir da interpretação de gráficos etabelas; Problematizar e resolver situações a partir das informaçõescontidas em tabelas e gráficos (BRASIL, 2014, p. 55).
Sobre o desenvolvimento do letramento estatístico, Watson (2006)
menciona que o currículo tem a responsabilidade de fornecer a base
necessária para os estudantes que desejam prosseguir os estudos em níveis
mais elevados, em Probabilidade e Estatística, mas também tem a
responsabilidade de preparar os estudantes para serem consumidores
estatisticamente letrados nos mais amplos contextos sociais.
Em síntese, os professores, desde a Educação Infantil e anos iniciais do
Ensino Fundamental, devem buscar desenvolver o pensamento estatístico e
probabilístico dos aprendizes, para que estes sejam capazes de aplicar as
ferramentas estatísticas, mas caminhando para o letramento estatístico. Além
disso, o ensino do Tratamento da Informação deve despertar o interesse do
estudante com propostas por meio das quais ele possa construir seu
conhecimento.
Segundo Batanero (2002), o fato de conteúdos estatísticos fazerem parte
dos currículos oficiais não significa que sejam ensinados nos diversos níveis
escolares. E ainda, de acordo com Lopes (1998), a inclusão da Estatística
apenas como mais um conteúdo a ser estudado na escola, dando ênfase à
parte descritiva, não leva obrigatoriamente o estudante a desenvolver o
pensamento estatístico.
Paralelamente às questões curriculares e do domínio de competências
pela população, surgem as questões de formação – didática e de conteúdo –
dos professores que ensinam Estatística (BATANERO, 2002), pois esse pode
ser o motivo, muitas vezes, para não se dar a devida importância à temática.
Nesse sentido, Lopes (1998) aponta que uma das maiores preocupações,
quando se fala em pesquisa em Educação Estatística, atualmente, é a
formação dos professores, inicial e continuada.
De acordo com Lopes (2010), em um levantamento realizado em 1986
pelo International Statistical Institute (ISI), relatórios enviados por diversos
países informavam insatisfação com relação ao ensino de Estatística, em
especial nas escolas dos anos iniciais, onde seu ensino tem sido ignorado.
Segundo a autora,
[...] aproximadamente duas décadas após esse levantamento,percebe-se que, embora a inserção da Estatística e da Probabilidadeseja reconhecida nas propostas curriculares de Matemática, namaioria dos países do mundo, ainda não tenha sido prioridade naescola, nem nos programas de formação inicial e contínua deprofessores que ensinam Matemática” (LOPES, 2010, p. 48, grifonosso).
Olhando mais especificamente para o Brasil, podemos constatar a
lamentável situação da população brasileira, quando o assunto é a
compreensão de gráficos e tabelas. De acordo com Lopes (2004, p. 191), isso
“gera menores possibilidades de um exercício crítico de sua cidadania,
diminuindo as perspectivas positivas de transformações sociais”. Sobre esse
tema, Fonseca (2004, p. 23) apresenta os resultados do Indicador Nacional de
Alfabetismo Funcional (INAF)14 de 2002, sobre a temática:
A indicação de que apenas 21% da população brasileira conseguecompreender informações a partir de gráfico e tabelas,frequentemente estampados nos veículos de comunicação, éabsolutamente aflitiva, na medida em que sugere que a maior partedos brasileiros encontra-se privada de uma participação efetiva navida social, por não acessar dados e relações que podem serimportantes na avaliação de situações e na tomada de decisões.
Os resultados do INAF 2004 indicam que a situação não melhorou muito
com relação a 2002, pois constatou que ainda “apenas 23% da população
jovem e adulta brasileira é capaz de adotar e controlar uma estratégia na
resolução de um problema que envolva a execução de uma série de
operações” (INAF, 2004, p. 8), complementando que “nesse grupo é que se
encontram os sujeitos que demonstram certa familiaridade com representações
gráficas como mapas, tabelas e gráficos” (INAF, 2004, p. 9).
De acordo com o relatório do INAF (2004, p.19), “isso sugere o quanto a
Escola Básica precisa dedicar-se ao trabalho com essas representações como
estratégia de democratização do acesso à informação e a recursos e
procedimentos para organizá-la e analisá-la”15.
Segundo Batanero (2001), “a primeira dificuldade vem das mudanças
progressistas que as estatísticas estão experimentando hoje, tanto do ponto de
vista do seu conteúdo, como do ponto de vista das exigências de formação”
(BATANERO, 2001, p. 6, grifo nosso), pois as demandas de uma sociedade
14 Realizado desde 2001, o Inaf/Brasil é baseado em entrevistas e testes cognitivos aplicados aamostras nacionais de duas mil pessoas representativas dos brasileiros e das brasileiras entre15 e 64 anos de idade, residentes em zonas urbanas e rurais em todas as regiões do País.
15 Infelizmente, o Instituto Paulo Montenegro e a Ação Educativa, que realizam o INAF, nãoproduziram, até o presente, novos relatórios detalhados sobre a questão específica dacompetência estatística. Têm sido apresentados apenas relatórios gerais sobre os níveis dealfabetismo funcional.
cada vez mais informatizada têm exigido a compreensão de técnicas básicas
de análise de dados e sua interpretação adequada.
Nesse sentido, Lopes (2010) ainda destaca que “é essencial lembrar a
importância de continuar a investigar formas de favorecer o raciocínio
estatístico dos alunos, a compreender como o conhecimento estatístico é
construído e a preparar os professores” (SHAUGHNESSY; GARFIELD;
GREER,1996 apud LOPES, 2010, p. 48, grifo nosso). Quando demos destaque
à questão de “preparar os professores”, estamos apontando para uma
formação que considera os professores protagonistas no processo e que
possibilita seu desenvolvimento profissional.
Lopes (2008a, p. 82) ainda apresenta os apontamentos de pesquisas
nacionais e internacionais a respeito da formação do professor e do modo
como a Estatística e a Probabilidade são tratadas:
As pesquisas nacionais e internacionais têm evidenciado que há pelomenos dois problemas que necessitam atenção urgente, um refere-seà formação inicial e contínua dos professores e outro diz respeito aotratamento atribuído à Estatística e à Probabilidade, através decálculos e fórmulas, promovendo a memorização de procedimentos.
Portanto, nesse sentido, cientes de que não basta ensinar Estatística,
temos que abordá-la de modo a produzir conhecimentos significativos, e,
pensando nesse ensino, numa perspectiva de letramento, é que queremos dar
nossa contribuição, a partir de uma experiência de formação de professores e
futuros professores, que os considerou como produtores de conhecimento,
num contexto colaborativo e com o questionamento:
Que indícios de desenvolvimento profissional apresentam osprofessores e futuros professores da Educação Infantil e dos anosiniciais do Ensino Fundamental, em contextos colaborativos em práticasde letramento estatístico?
CAPÍTULO 2
O letramento e o letramento estatístico
“E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é,antes de mais nada, aprender a ler o mundo,
compreender o seu contexto,não numa manipulação mecânica de palavras
mas numa relação dinâmica que vinculalinguagem e realidade.
Ademais, a aprendizagem da leitura e a alfabetizaçãosão atos de educação
e educação é um ato fundamentalmente político”(Paulo Freire, 1999, p. 8).
2.1 Letramento(s)
Quando consideramos o letramento, no contexto brasileiro, focamos o
conceito de alfabetização, visando sua relação com o conceito de letramento.
Soares (2003, p. 19) afirma que alfabetizar-se é deixar de ser analfabeto,
esclarecendo também: “alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler
e a escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se
apropriou da leitura e da escrita, incorporando as práticas sociais que as
demandam”. Letramento, segundo Soares (2003, p. 44), nomeia “o estado ou
condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita,
com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes
funções que a leitura e a escrita desempenham em nossa vida”, ou,
resumidamente, “estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e
variadas práticas sociais de leitura e de escrita”.
Assim se refere Kleiman (1995, p. 15-16, grifo da autora) a respeito do
conceito de letramento:
O conceito de letramento começou a ser usado nos meiosacadêmicos como tentativa de separar os estudos sobre o “impactosocial da escrita” (Kleiman, 1991) dos estudos sobre alfabetização,cujas conotações escolares destacam as competências individuais nouso e na prática da escrita.
O conceito de letramento é tido hoje como um fenômeno social complexo
e heterogêneo e, mais recentemente, segundo Bevilaqua (2013, p. 99), o foco
de estudo “tem mudado da mente do indivíduo para a prática social na qual os
indivíduos participam” Esses novos estudos, tendo como foco principal o
aspecto social do letramento, em lugar do cognitivo, foram denominados Novos
Estudos do Letramento16. Nesse movimento, segundo Rojo (2009), o conceito
de letramento passa a ser plural – letramento(s) –, justificado pela grande
variedade de práticas de linguagem que envolve, de uma ou de outra maneira,
textos escritos.
Os Novos Estudos do Letramento (NLS) compõem um campo de
pesquisa mais recente, que, segundo Street (2003, p. 77),
representa uma nova visão da natureza do letramento que escolhedeslocar o foco dado à aquisição de habilidades, como é feito pelasabordagens tradicionais, para se concentrar no sentido de pensar oletramento como uma prática social (Street, 1995). Isso implica oreconhecimento de múltiplos letramentos, variando no tempo e noespaço, e as relações de poder que configuram tais práticas. Os NLS,portanto, não tomam nada como definitivo no que diz respeito aoletramento e às práticas sociais a ele relacionadas, preferindo, aocontrário, problematizar o que conta como letramento em um espaçoe tempo específicos e questionar quais letramentos são dominantes equais são marginalizados ou resistentes.
De acordo com Bevilaqua (2013, p. 102), alguns anos depois do
aparecimento dos NLS, em 1994, um grupo de pesquisadores, sobretudo da
Linguística e da Educação, reuniu-se, a fim de discutir “os sérios problemas
pelos quais o sistema de ensino anglo-saxão estava passando”. Esse grupo de
pesquisadores ficou conhecido como New London Group17. Desse encontro,
segundo Bevilaqua (2013, p. 102, grifos da autora), resultou um documento
cujos pontos principais levam em conta: “a crescente diversidade linguística
cultural presente nesses países18 (fruto de uma economia globalizada) e a
multiplicidade de canais e meios (modos semióticos) de comunicação
(resultado de novas tecnologias)”. Esses pontos foram responsáveis pelo
surgimento da denominação “Multiletramentos” (COPE; KALANTZIS, 2000) ou
16 Termo cunhado por Gee (1991, apud STREET, 2003, p. 77) – The New Literacy Studies –NLS.17 Grupo de Nova Londres.18 Estados Unidos, Grã-Bretanha e Austrália.
“Pedagogia dos Multiletramentos” (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 20), que é
voltada para um currículo com responsabilidade social e cultural. Procuramos
detalhar a seguir os conceitos-chave dessas teorias, pois, embora tanto os NLS
como os Multiletramentos tenham como objeto de estudo o letramento numa
perspectiva sociocultural, há enquadramentos teóricos que os distinguem.
2.2 Novos estudos do letramento
Segundo Terra (2013, p. 34, grifo da autora), os NLS trazem princípios e
pressupostos teóricos importantes, dos quais se destacam os fenômenos-
chave:
(i) O binômio modelo autônomo e modelo ideológico deletramento;
(ii) Dois componentes básicos do letramento, quais sejam oseventos e as práticas de letramento.
De acordo com Street (2003, p. 77 e p. 76), no modelo autônomo,
letramento é concebido como habilidades técnicas, propriamente ditas, de
leitura e escrita e “terá o efeito de aumentar suas habilidades cognitivas,
melhorar suas perspectivas econômicas, tornando-os melhores cidadãos,
independentemente das condições econômicas e sociais, que responderam por
seu ‘analfabetismo’ em primeiro lugar”, complementando que “a alfabetização
em si – autonomamente – terá efeitos sobre outras práticas sociais e
cognitivas”.
No modelo ideológico, segundo o mesmo autor, o que está em jogo são
os objetivos práticos; as interações que se estabelecem entre os participantes
da situação; as demandas dos contextos sociais e as representações; os
valores associados ao ler e ao escrever, ao matematizar, ao estatisticar, que
determinado grupo cultural assume e dissemina. Street (2003, p. 77-78) afirma
também que
este modelo começa a partir de premissas diferentes do que omodelo autônomo – que postula que a alfabetização é uma práticasocial, e não simplesmente uma habilidade técnica e neutra, que está
sempre embutido em princípios epistemológicos socialmenteconstruídos. Trata-se de conhecimento: as maneiras pelas quais aspessoas abordam a leitura e a escrita estão se enraizando emconcepções de conhecimento, identidade, e de ser. Ele tambémsempre está embutido nas práticas sociais, como as de um mercadode trabalho específico ou um contexto educacional em particular e osefeitos do aprendizado e da alfabetização, em especial, serãodependentes desses contextos particulares.
Perante essas considerações, trabalhamos na perspectiva de que o
letramento autônomo e o ideológico não são dois fenômenos diferentes, mas
dois aspectos do mesmo fenômeno. Tal perspectiva é especialmente
adequada, quando estamos investigando a questão da escolarização. Neste
caso, o letramento é efetivo nas relações sociais, não é uma propriedade
individual, não é o mesmo em todos os contextos: existem diferentes
letramentos, que são configurações coerentes e práticas letradas. Não
residem, simplesmente, na mente das pessoas como um conjunto de
habilidades para serem aprendidas e não se encontram apenas no papel, na
forma de textos para serem analisados.
Segundo Street (2012, p. 7), o termo “eventos de letramento”, um dos
dois componentes básicos do letramento, é originário dos trabalhos de Heath
(1982); e o segundo termo, “prática de letramento”, é considerado mais
abrangente, encapsulando o primeiro.
Barton e Hamilton (2004, p. 112) definem práticas letradas como “formas
culturais generalizadas do uso da língua escrita, nas quais as pessoas
encontram inspiração para sua vida”, complementando que, no seu sentido
mais simples, são “o que fazemos com o letramento” (p. 112) e que não são
comportamentos observáveis, pois também implicam em valores, atitudes,
sentimentos e relações sociais. Os autores consideram que “as práticas se
apoiam, tanto no mundo individual como no social e são entendidas mais
utilmente quando se concebem como existentes nas relações interpessoais,
dentro de um grupo ou comunidades” (BARTON; HAMILTON, 2004, p. 113),
em vez de como um conjunto de propriedades que existem internamente nos
indivíduos.
Com relação aos eventos letrados, Barton e Hamilton (2004, p. 114)
definem que “são episódios observáveis que surgem das práticas e são
formados por elas”. Segundo os autores, na vida muitos eventos letrados são
atividades que repetimos regularmente e que podem ser o ponto de partida
para a pesquisa. E defendem ainda que certos eventos são estruturados de
acordo com as expectativas dos participantes, como, por exemplo, um grupo
de colegas. Barton e Hamilton (2004, p. 114) expressam ainda que os textos
são parte fundamental dos eventos letrados, pois “o estudo do letramento é em
parte um estudo de textos, da maneira como foram produzidos e como são
usados”.
Há também que compreender os eventos de letramento de um ponto de
vista culturalmente mais sensível (STREET, 2008), advogando-se que, nesses
eventos, utiliza-se a língua escrita de maneira integral, como parte de uma
variedade de sistemas semióticos que incluem sistemas matemáticos e
estatísticos, notação musical, mapas e outras imagens sem base textual
(STREET, 2004).
Bevilaqua (2013) sintetiza prática e evento de letramento na perspectiva
do modelo ideológico da seguinte maneira (Figura 1):
Figura 1: Representação de prática e evento de letramento na perspectiva ideológica.
Fonte: BEVILAQUA, 2013, p. 105.
Vale destacar que a diferenciação entre práticas e eventos de letramento
é metodológica, pois são conceitos interligados. De acordo com Street (2001,
apud BEVILAQUA, 2013, p. 48), “o conceito de ‘evento de letramento’
dissociado do conceito de ‘prática de letramento’ não ultrapassa o nível da
descrição”, pois é o uso das práticas de letramento como instrumento de
análise que permite a interpretação dos eventos, para além de uma simples
descrição.
2.3 Multiletramentos
Segundo Rojo (2010, p. 27), o New London Group se reuniu para discutir
uma questão considerada fundamental: “O que se constitui como um
letramento escolar adequado num contexto de fatores cada vez mais críticos
de diversidade local e de conectividade global?”. De acordo com a autora, com
a proposta dessa questão, admitia-se que o mundo mudara bastante, desde a
última definição da Unesco para analfabetismo funcional19: novas tecnologias
digitais da informação e da comunicação, como, por exemplo, computadores,
celulares, televisão, nos mantêm conectados, e essas tecnologias tornaram-se
as ferramentas e as formas principais de trabalho em nossa sociedade. Rojo
(2010, p. 28) afirma que, “por força da linguagem e da mídia (digitais) que as
constituem, essas tecnologias puderam muito rapidamente misturar a
linguagem escrita com outras formas de linguagem (semioses)” e complementa
que “o fizeram de maneira hipertextual e hipermidiática”. Rojo (2010, p. 29)
também apresenta a seguinte questão: “O que propor como práticas letradas
escolares relevantes, ante estas mudanças?”.
19 A recomendação da Unesco, para padronizar as estatísticas em educação, em 1958, traz aseguinte definição: “É letrada a pessoa que consegue tanto ler quanto escrever comcompreensão uma frase simples e curta sobre sua vida cotidiana”. Em 1978, a Unescoapresentou uma definição revisada: “É funcionalmente alfabetizada a pessoa capaz deenvolver-se em todas as atividades em que o alfabetismo é necessário para um funcionamentoefetivo de seu grupo e de sua comunidade, e também para dar-lhe condições de uso da leitura,da escrita e do cálculo para o seu desenvolvimento pessoal e o de sua comunidade”(SOARES, 1992, p. 8-9).
Ainda de acordo com Rojo (2010, p. 29), o New London Group
concentrou a resposta num conceito, o de “multiletramentos”, explicando que “o
prefixo ‘multi’ aponta para duas direções: multiplicidade de linguagens e mídias
nos textos contemporâneos e multiculturalidade e diversidade cultural”.
Segundo Rojo (2010, p. 29), a pedagogia dos multiletramentos, para esse
grupo, “está centrada em modos de representação (linguagens) muito mais
amplos do que somente a linguagem verbal, que diferem de acordo com a
cultura e o contexto e que tem efeitos cognitivos, culturais e sociais
específicos”.
Como eixo estruturador da teoria dos Multiletramentos, de acordo com
Bevilaqua (2013), está o conceito de design, que estrutura as concepções de
construção de sentido, interesse, agenciamento e multimodalidade,
consideradas primordiais na contemporaneidade, quando se pensa em ensino.
Design, para a autora, “constitui uma concepção dinâmica de
representação (de linguagem, de aprendizagem, de mundo), sendo definido
como ato de construção de sentido” (BEVILAQUA, 2013, p.106). Para Cope e
Kalantzis (2009), o conceito de design apresenta um duplo significado,
descrevendo, ao mesmo tempo, a estrutura intrínseca ou morfologia (sistemas,
formas e convenções de sentido) e o ato da construção e feliz coincidência de
sentidos: estrutura (sistemas, formas e convenções de sentido) e ato de
construção de sentido (processo criativo no qual o sujeito constrói e representa
sentidos, passando a ser agente e não simples receptor). Devido a essa
estrutura, segundo Bevilaqua (2013), para a teoria dos Multiletramentos, o
conceito de design é central para a constituição de um currículo escolar que
venha ao encontro das novas tendências sociais.
De acordo com Cope e Kalantzis (2009), para a construção da dinâmica
de significados na Pedagogia dos Multiletramentos, três elementos são
necessários:
(i) Design disponível (available designs): disponibilização de recursos
com significados, padrões e convenções de significado em um
contexto cultural particular;
(ii) O próprio processo (designing): trata-se do processo de construção a
partir do design disponível e reconstrução que transforma o
conhecimento, gerando novas construções da realidade;
(iii) O resultado do processo (design the redesigned)20: trata-se do efeito
da transformação realizada por um sujeito a partir da ação sobre um
significado; e o resultado transforma-se num novo design disponível,
fazendo surgir uma nova fonte de construção de sentido, num ciclo.
Dessa forma, somos os verdadeiros designs do futuro.
Na Figura 2 buscamos representar a construção da dinâmica de
significados na Pedagogia dos Multiletramentos:
Figura 2: Dinâmica de significados na Pedagogia dos Multiletramentos.
Fonte: elaboração da autora, baseada em Bevilaqua (2013).
20 Alguns autores têm preferido manter esses termos em inglês.
Em termos de aprendizagem, segundo Bevilaqua (2013, p. 108), o New
London Group separou seu teor em três momentos: “O ‘Por quê’ da pedagogia
dos Multiletramentos, o ‘O quê’ (baseado no conceito estruturador de Design) e
o ‘Como’”. Com relação ao ‘Como’, Cope e Kalantzis (2009, p. 17-19) propõem
um enquadramento teórico, composto por quatro gestos didáticos21,
considerados não hierárquicos e tampouco estanques:
1) Experienciamento: devido à cognição humana ser socioculturalmente
situada e contextual, assume duas formas: “Experienciando o
conhecido”, que implica em refletir sobre nossas próprias experiências,
interesses, perspectivas, formas familiares de se expressar e
representar o mundo de acordo com nosso entendimento; e
“Experienciando o novo”, que implica em observar ou ler o
desconhecido, conhecer novas situações, sermos expostos a novas
informações e experiências.
2) Conceitualização: processo de conhecimento no qual os estudantes se
apropriam da teoria e dos conceitos. Nessa perspectiva, os estudantes
devem ser ativos, construindo, por meio de modelos mentais, esquemas
e estruturas mais abstratas, indo do campo experiencial para o campo
do conceitual.
3) Enquadramento crítico: envolve certo tipo de capacidade crítica, que,
nesse sentido, pode significar “analítico” ou crítico propriamente dito. No
significado analítico, incluem-se processos de raciocínio, inferência e
deduções, ao se analisarem conexões lógicas e textuais. O segundo
significado, considerado mais crítico que funcional, inclui a avaliação de
suas próprias perspectivas e a das outras pessoas, interesses e
motivações.
4) Aplicação22: se divide em “aplicação apropriada” e “aplicação criativa”.
Na primeira perspectiva, implica na aplicação de conhecimentos e
entendimentos em situações do mundo real. É considerada previsível e
esperada. Já a aplicação criativa envolve fazer uma intervenção
21 Esses elementos foram renomeados e teoricamente redefinidos por Cope e Kalantzis, comrelação a textos publicados anteriormente.22 Termos originais em inglês: “Experiencing”, “Conceptualising”, “Analysing” e “Applying”(COPE; KALANTZIS, 2009, p. 17).
inovadora e criativa no mundo, considerando os interesses, as
experiências e as aspirações do esudante, podendo causar uma
transformação à sua volta.
Esses elementos buscam evidenciar o ponto central da Pedagogia dos
Multiletramentos, ou seja, a preocupação com o ensino na contemporaneidade
e, embora os NLS tenham buscado contribuir com as questões relativas ao
ensino, seu foco é o estudo do letramento.
Resumindo as duas teorias, os NLS e os Multiletramentos, de acordo
com Bevilaqua, é possível sintetizar seus pontos principais (Quadro 1):
Quadro 1: Síntese das teorias NLS e Multiletramentos
CATEGORIAS NOVOS ESTUDOS DOLETRAMENTO – NLS
MULTILETRAMENTOS
Localizaçãoespaço-temporal
Final de 1970, início de 1980;América do Sul (Brasil), América doNorte (Estados Unidos); Europa(Reino Unido)
Metade da década de 1990;América do Norte (Estados Unidos);Europa (Reino Unido) e Oceania(Austrália)
Obras seminais Scribner; Cole (1981), Scollon(1981), Heath (1983), Street (1984);Freire (anos 1970)
New London Group (1996)
Conceitos-chave
- Etnografia;- Contexto social (local, situado);- Letramento autônomo x Letramentoideológico;- Prática de Letramento (contexto,cultura, crença, identidade) eeventos de letramento
- Currículo responsivo, ensino;- Diversidade linguística e cultural,tecnologia;- Letramento (monomodal) xmultiletramentos (multimodal,multicultural e multilinguístico);- Design;- Enquadramento pedagógico:experienciamento,Conceitualização, análise eaplicação.
Fonte: Bevilaqua (2013, p. 111).
Devido a essas múltiplas demandas do mundo atual, com relação às
novas tecnologias, na multiplicidade de linguagens e mídias nos textos e na
formação dos professores para lidar com isso (pensando em atingir os
estudantes), é que começamos a trabalhar numa perspectiva de letramento
estatístico, que passamos a detalhar, buscando relacioná-lo com os NLS e os
Multiletramentos.
2.4 Letramento estatístico
Para Batanero (2013), o termo “letramento estatístico” tem surgido
espontaneamente entre os estatísticos e educadores estatísticos, para
destacar o que é feito na Estatística, que é agora considerado como parte da
herança cultural necessária para uma educação cidadã, pensando em formar
os estudantes para uma vida plena.
Nesse sentido, Gal (2002, p. 1) considera o letramento estatístico como
“uma habilidade-chave esperada de cidadãos em sociedades sobrecarregadas
de informação, frequentemente vista como um resultado esperado da
escolaridade e como componente necessário do letramento e da numeracia de
adultos”. O autor pondera também que o letramento estatístico apresenta dois
componentes inter-relacionados:
(a) Habilidade de interpretar criticamente e avaliar a informaçãoestatística; os argumentos relativos aos dados; ou os fenômenosestocásticos que se encontrarem em contextos diversos; e, quandofor de relevância, (b) a capacidade de discutir ou comunicar suasreações frente a tais informações estatísticas, assim como oentendimento do significado da informação; suas opiniões sobre asimplicações dessa informação; ou seus vínculos com respeito àaceitabilidade das conclusões dadas (GAL, 2002, p. 2-3, grifos doautor).
Gal (2002, p. 3-4) propõe o que chama de “um modelo de letramento
estatístico”, ou seja, um modelo das bases de conhecimento que os adultos e
também os estudantes em processo de formação deveriam ter disponíveis,
para poderem compreender, analisar e criticar as estatísticas que nos cercam,
baseado em “elementos de conhecimento” e “elementos de disposição”, que,
segundo o autor, não ocorrem separadamente, mas são descritos dessa forma
para facilitar a apresentação.
Explorando o que Gal (2002, p. 7) classifica como “elementos de
conhecimento”, temos a necessidade de “habilidades de letramento” –
letramento compreendido em seu sentido mais geral e próximo do que
trouxemos com Soares (2003) –, que surge pelo fato de as mensagens
estatísticas se apresentarem em textos orais ou escritos e por estar a
informação estatística, muitas vezes, inserida em textos complexos. Ou seja,
tais habilidades são essenciais para a competência de ler e escrever em
práticas sociais. Gal (2002, p. 7) aponta, ainda, que “o letramento estatístico e
o letramento geral estão interligados”. O “conhecimento estatístico” implica
saber como os dados podem ser produzidos e por que são necessários;
familiarizar-se com os termos básicos, com ideias da estatística descritiva, com
representações em gráficos e tabelas, incluindo sua interpretação, com noções
básicas de probabilidade; e conhecer como as conclusões são alcançadas,
naquela realidade – tudo isso traduzido em termos que esclarecem que houve
compreensão. Com relação ao “conhecimento estatístico”, Gal (2002, p. 9)
ainda completa que incluir em um curso uma grande quantidade de conteúdo
estatístico não é suficiente para garantir o letramento estatístico.
Com relação ao “conhecimento matemático” (GAL, 2002, p. 13)
destacamos o papel de apoio que este vem dar não só ao letramento
estatístico, mas ao conhecimento estatístico; entretanto, o conhecimento
matemático não pode ser o centro do processo, pois existem recursos
tecnológicos de apoio, como calculadoras e computadores. O “conhecimento
contextual”, segundo Gal (2002, p. 15), “é a fonte de significado e a base para
a interpretação dos resultados obtidos”, sobre o que significam no contexto em
que os dados foram gerados. E o “questionamento crítico” (GAL, 2002, p.15)
aparece como recurso para avaliação crítica das informações estatísticas,
principalmente devido à forma como muitas vezes essas informações podem
se apresentar, como, por exemplo, com abuso intencional dos dados,
apresentados de forma sensacionalista.
Quanto ao que Gal (2002, p. 17) chama de “elementos de disposição”,
que estamos entendendo como posicionamento, há uma ênfase no fato de os
conceitos de posição crítica, concepções e atitudes estarem interligados. A
posição crítica está relacionada à atitude de questionamento às informações
que nos chegam, pois certas concepções e atitudes estão “na base de posição
crítica das pessoas”, e estas devem acreditar em seu poder de ação crítica.
Budgett e Pfannkuch (2007, p. 7) acrescentam ao modelo de letramento
apresentado por Gal (2002, p. 7) o que chamam de “componente de
raciocínio”. O componente de raciocínio, segundo esses autores, é composto
por dois elementos: o conhecimento da argumentação estatística e a
visualização em eventos diários a partir de uma perspectiva estatística. Budgett
e Pfannkuch (2007, p. 7) explicitam que o conhecimento de argumentação
incluiria o raciocínio inferencial da Estatística e a construção de declarações
estatísticas baseadas em dados e gráficos; e o conhecimento em eventos
cotidianos envolveria a consciência heurística que as pessoas usam para o
raciocínio e a visualização sobre generalizações, todos os dias, em eventos da
vida, do ponto de vista estatístico.
Procuramos sintetizar as ideias de letramento estatístico de Gal (2002) e
Budgett e Pfannkuch (2007) no esquema na Figura 3:
Figura 3: Modelo de letramento estatístico baseado em Gal (2002) e Budgett e Pfannkuch(2007).
Fonte: Elaborado pela autora.
Em síntese, Gal (2002, p. 19) afirma que o “comportamento
estatisticamente letrado”23 precisa da ativação inter-relacionada dessas bases
de conhecimento (elementos de conhecimento), mencionadas na Figura 3, na
presença da disposição crítica com apoio de crenças e atitudes. Gal (2002, p.
19) realça “o papel-chave que fatores e componentes não-estatísticos
desempenham no letramento estatístico e refletem a natureza abrangente
frequentemente multifacetada das situações nas quais a letramento estatístico
pode ser ativado”, que chamamos de elementos de disposição. Acreditamos
também que os componentes acrescentados por Budgett e Pfannkuch (2007),
o elemento de raciocínio, amplia a percepção de que, ao dar um parecer, seu
raciocínio deve ter evidências baseadas não apenas em opiniões pré-
existentes.
Ainda segundo Gal (2002, p. 19), a pessoa não precisa possuir
plenamente todos esses elementos para ter condições de lidar com as
informações estatísticas; e o letramento estatístico deveria ser visto “como um
conjunto de capacidades que podem existir em graus diversos no mesmo
indivíduo, dependendo dos contextos em que é invocado ou aplicado”.
Carvalho e Solomon (2012) explicitam essas capacidades, ampliando o
conceito de letramento estatístico como parte importante para o exercício da
cidadania e a relevância de sua presença na vida cotidiana:
[...] ter conhecimentos estatísticos e compreendê-los e a capacidadede interpretar os números que nos cercam é uma parte crucial doexercício da cidadania que é reflexiva e participativa, uma vez que,coletivamente ou individualmente, todos nós somos chamados a fazerescolhas com base na análise de dados. Assim, parece que asestatísticas podem e devem ter um papel central na vida cotidiana,conectada à matemática, não apenas por causa das frequentesreferências estatísticas em práticas de consumo regulares, comocompras e gestão do dinheiro, ou em esportes e do tempo, porexemplo, mas também por causa de sua ocorrência em ciênciapolítica e debates, onde o desenvolvimento de uma abordagem críticapara estatísticas e sua utilização em discursos dominantes é umaquestão de justiça social (CARVALHO; SOLOMON; 2012, p. 2)
De acordo com Batanero (2002, p. 2), também podemos entender essa expressão como “odesenvolvimento de uma sociedade estatisticamente culta”, termo presente em diversaspublicações e lemas de eventos internacionais, dada a sua relevância atual.
Nesse sentido, Watson (2006) apresenta quatro premissas inter-
relacionadas, no planejamento de ações, para tornar possível que os
estudantes alcancem níveis de letramento estatístico necessários para o
exercício da cidadania. A primeira premissa é que a construção da
compreensão adequada, quando se pensa em letramento estatístico, deve
ocorrer dentro do currículo escolar. No Brasil e em muitas partes do mundo,
isso quer dizer dentro do currículo de Matemática, pois esse currículo passou a
incluir temas de Estatística e Probabilidade a partir dos anos de 1990.
A segunda premissa, segundo Watson (2006), é que o letramento
estatístico, embora baseado nos conceitos presentes no currículo escolar, deve
entrelaçar as habilidades de letramento, pensamento crítico, compreensão
contextual e a postura crítica na tomada de decisões.
A terceira premissa é que o desenvolvimento do letramento estatístico
ocorre ao longo do tempo e pode ser alimentado pela constante ampliação da
complexidade dos conceitos e das exigências mais sofisticadas de pensamento
estatístico.
A quarta premissa aponta que tarefas e atividades adequadas são
necessárias para construir a compreensão dos conceitos sobre dados e
probabilidade, presentes no currículo escolar, pensados numa perspectiva de
letramento estatístico e em relação a sua crescente sofisticação, objetivando o
desenvolvimento do pensamento crítico.
Perante estas considerações, temos questões com relação ao ensino e
à aprendizagem da Estatística na escola básica, tais como: O professor está
preparado para ensinar Estatística nessa perspectiva de letramento? Sua
formação inicial contemplou questões que envolviam o letramento estatístico?
Qual o conhecimento necessário para ensinar Estatística, levando em conta as
práticas de letramento?
Passamos a discutir a seguir a formação dos professores e sua
complexidade, bem como a complexidade do conhecimento necessário para
ensinar Estatística, refletindo sobre o desenvolvimento profissional do professor
e o papel potencializador do contexto colaborativo no processo.
CAPÍTULO 3
Complexidade do Desenvolvimento Profissional naFormação de Professores
“Ninguém começa a ser educadornuma certa terça-feira
às quatro horas da tarde.Ninguém nasce educador oumarcado para ser educador.
A gente se faz educador,a gente se forma, como educador,
permanentemente, na práticae na reflexão sobre a prática”
(Paulo Freire, 1991, p. 32)
De acordo com Passos et al. (2006), os termos “formação” e
“desenvolvimento profissional” são, muitas vezes, usados como sinônimos;
outras, com sentidos distintos. Em ambos os casos, esses sentidos passaram
por transformações ao longo do tempo. A seguir refletiremos sobre algumas
ideias relativas à complexidade do desenvolvimento profissional, sem a
intenção de esgotar o tema ou de fazer uma análise histórica. Com o propósito
de aprofundamento, retomá-las-emos continuamente ao longo da tese.
3.1 Formação de professores
Para Passos et al. (2006, p. 194), a palavra “formação”, em seu sentido
comum, “pode ser entendida como ‘dar forma’, modelar algo ou alguém de
acordo com um modelo que se presume ser o mais ideal”. Complementam
ainda que “indica um movimento externo ao objeto e que pressupõe a ação de
alguém (formador) e de uma instituição sobre um objeto de formação – o futuro
professor ou o professor em serviço”. Nesse sentido, Fullan e Hargreaves
(2001, p. 41) também ressaltam que “muitas das iniciativas de formação
contínua assumem a forma de algo que é feito aos professores e não com eles,
muito menos por eles”.
Sobre esse tema, Ponte (1995) pondera que a “formação” estava muito
associada à ideia de frequentar cursos, e esses eram compartimentados por
assuntos ou disciplinas. Ele critica aquela formação, por considerá-la como um
movimento de fora para dentro, em que o professor assimilava os
conhecimentos e a informação que lhe eram transmitidos. Nessa concepção de
formação, segundo Passos et al. (2006), quem assume o protagonismo da
ação de formar é o formador, e não o formando.
Ainda sobre a formação de professores, em estudos mais recentes, Ponte
(2011, p. 303) menciona que “há um consenso generalizado de que a formação
de professores é um elemento essencial para a qualidade do ensino de
qualquer assunto, incluindo estatística”, complementando que a formação dos
professores costuma ser, frequentemente, alvo de fortes críticas. Citando Smith
(2001), Ponte (2011, p. 303-304) comenta que os programas de formação de
professores veem o ensino como técnico e rotineiro, são de curta duração,
muitas vezes, sem relação com a prática e “tendem a seguir um modelo
‘acadêmico’, com um currículo predefinido e atividades estruturadas com base
em um paradigma de transmissão de conhecimentos”. Ponte (2011) também
menciona que esses cursos têm pouco impacto sobre a prática da sala de aula.
Segundo Almeida (2011, p. 1), tem havido mudanças:
A formação de professores tem evoluído, ao longo dos anos, de umaformação focalizada no professor, para um conceito de formaçãomais abrangente em que, para além do professor, as escolas,enquanto contextos, e também os alunos, assumem um papelimportante, sendo considerados tema e conteúdo relevantes naformação.
Na perspectiva apresentada por Almeida (2011), a escola deixa de ser um
local de aprendizagem exclusiva dos estudantes, mas, articulada aos
processos de formação, é o contexto em que eles atuam. A escola também se
torna um espaço conjunto de interação, visando à melhoria dos processos de
ensino e aprendizagem e a inovação.
Ponte (2011, p. 304) menciona que a formação de professores (inicial ou
continuada) deve se apoiar num processo de desenvolvimento profissional, que
se enquadra em “interagir e compartilhar experiências com outros professores
e requer articulação de interesses, necessidades e recursos de professores e
seus contextos profissionais”. Passamos, então, a discutir sobre o
desenvolvimento profissional dos professores, buscando superar os conceitos
de formação de professores – inicial e contínua, ou continuada – que na
maioria das vezes não consideram os futuros professores e professores como
produtores de conhecimento e entendem que eles precisam frequentemente se
atualizar com novos saberes e práticas produzidos por especialistas.
3.2 Complexidade do desenvolvimento profissional dos professores
O conceito de desenvolvimento profissional tem sofrido modificações ao
longo do tempo. Nossa abordagem assume a perspectiva de o professor ser
profissional do ensino.
Day (2001, p. 20-21), numa visão holística do desenvolvimento
profissional de professores, apresenta uma definição que busca expressar a
reflexão sobre a complexidade do processo:
O desenvolvimento profissional envolve todas as experiênciasespontâneas de aprendizagem e as atividades conscientementeplanejadas, realizadas para benefício, direto ou indireto, do indivíduo,do grupo ou da escola e que contribuem, através destes, para aqualidade da educação na sala de aula. É o processo através do qualos professores, enquanto agentes de mudanças, reveem, renovam eampliam, individual ou coletivamente, o seu compromisso com ospropósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de formacrítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, oconhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciaispara uma reflexão, planejamento e prática profissionais eficazes, emcada uma das fases das suas vidas profissionais.
Tal definição, além de buscar expressar a reflexão sobre a complexidade
do processo de desenvolvimento profissional, revela também que se atribui um
papel fundamental à investigação sobre a aprendizagem e sobre o
desenvolvimento do professor para o sucesso dos processos de ensino-
aprendizagem.
Desenvolver-se profissionalmente, de acordo com Ferreira (2003, p. 36),
“poderia ser entendido como aprender a caminhar para a mudança, ou seja,
ampliar, aprofundar e/ou reconstruir os próprios saberes e prática e
desenvolver formas de pensar e agir coerentes”, e os “conceitos de
aprendizagem, mudança e desenvolvimento profissional se encontram
entrelaçados”. Ferreira (2003, p. 40) destaca ainda que
o processo de desenvolvimento profissional envolve a ideia deaprender, de tornar-se sujeito do próprio processo de aprendizagem.Depende, então, de sua insatisfação com seus conhecimentos e/ouprática de ensino atuais, ou ainda, do desejo de desenvolvê-lo. Não épossível crescer, aprender ou decidir pelo professor. É ele quemprecisa sentir-se motivado e mobilizado para agir.
Day (2001) afirma também que todo desenvolvimento profissional envolve
aprendizagem e, necessariamente, mudança, que só ocorre se o professor
quiser mudar. Lopes (2008b, p. 68) comenta a importância de a mudança partir
do próprio professor:
O processo de desenvolvimento profissional e de mudançadependerá principalmente do próprio professor, do quanto suainsatisfação frente a seus conhecimentos e/ou práticas de ensinoatuais o inquieta e também de sua vontade e empenho emdesenvolvê-los e aprimorá-los.
Esse processo de desenvolvimento profissional, com a mudança partindo
dos professores, possibilita, de acordo com Fiorentini e Nacarato (2005, p. 9),
[...] ajudá-los a se tornar os principais protagonistas de seudesenvolvimento profissional e do processo educacional à medidaque participam da construção dos conhecimentos do trabalho docentee da construção do patrimônio cultural do grupo profissional ao qualpertencem.
Embora tenhamos ressaltado o papel central do professor na mudança,
de acordo com Day (2001), Lopes (2008b) e Fiorentini e Nacarato (2005), é
importante mencionar também, assim como Oliveira (2012, p. 44), que essa
condição de sujeito reflexivo, a exaltação de sua autonomia e seu
protagonismo, “é temperado pelo peso dos constrangimentos e das
responsabilidades, o que pode resultar em fonte de cobrança individual e de
sofrimento profissional”. Ou seja, não basta apenas o desejo do professor de
mudar, pois há o risco de colocar a responsabilidade apenas nele,
responsabilizando-o caso a mudança não ocorra. Concordamos com Oliveira
(2012, p. 45) que “resta indagar se teriam os docentes as condições objetivas e
subjetivas de se assumirem como sujeitos nessas políticas” públicas.
Ponte (1998, p. 10 e p. 11) defende que tanto o aspecto coletivo quanto
o individual do desenvolvimento profissional são importantes, complementando
que o desenvolvimento individual de cada professor “é algo que é da sua inteira
e total responsabilidade”, pois cabe a ele “investir na profissão, agir de modo
responsável, definir metas para o seu progresso, fazer balanços sobre o
percurso realizado, refletir com regularidade sobre a sua prática, não fugir às
questões incômodas, mas enfrentá-las de frente”. Estas são atitudes que o
professor terá que valorizar e podem ser favorecidas pelo contexto, em
especial o colaborativo (desenvolvimento profissional coletivo), pois dá a ele a
oportunidade de interagir, compartilhar experiências e se sentir apoiado. Sobre
esse tema, Nóvoa (1992, p. 26-27, grifos do autor) expõe que
práticas de formação contínua organizadas em torno dos professoresindividuais podem ser úteis para a aquisição de conhecimentos etécnicas, mas favorecem o isolamento e reforçam uma imagem dosprofessores como transmissores de um saber produzido no exteriorda profissão. Práticas de formação que tomem como referência asdimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional epara a consolidação de uma profissão que é autônoma na produçãodos seus saberes e dos seus valores.
Um estudo realizado pelo GEPFPM24, cujo foco de investigação foi a
formação e o desenvolvimento profissional do professor de Matemática,
evidenciou que há múltiplos fatores que participam e interferem no processo de
desenvolvimento profissional, fatores “pessoais, sociais, culturais, históricos,
institucionais, cognitivos e afetivos” (PASSOS et al., 2006, p. 196). Esse estudo
também identificou algumas práticas consideradas promotoras do
desenvolvimento profissional em diferentes espaços considerados formativos:
práticas coletivas de reflexão, colaboração e investigação; reflexão e
investigação sobre a própria prática e análise sistemática sobre a experiência
realizada; produção de diários reflexivos – geralmente narrativos – sobre o
processo de vir a ser professor; participação ativa como docente ou discente
em processos de inovação curricular; projetos de formação inicial e continuada
24 Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores que Ensinam Matemática –FE/Unicamp.
de professores acompanhados de um processo reflexivo; e problematização e
reflexão sistemática sobre a prática docente.
Concordamos com as características apontadas por Marcelo (2009, p.
10-11), a respeito de uma “nova perspectiva” de desenvolvimento profissional,
a qual estamos assumindo para o desenvolvimento de nossa análise:1) Baseia-se no construtivismo, e não nos modelos transmissivos,
entendendo que o professor é um sujeito que aprende de forma ativa aoestar implicado em tarefas concretas de ensino, avaliação, observação ereflexão;
2) Entende-se como sendo um processo a longo prazo, que reconhece que osprofessores aprendem ao longo do tempo. Assim sendo, considera-se queas experiências são mais eficazes se permitirem que os professoresrelacionem as novas experiências com seus conhecimentos prévios. Paraisso, é necessário que se faça um seguimento adequado, indispensávelpara que a mudança se produza;
3) Assume-se como um processo que tem lugar em contextos concretos. Aocontrário das práticas tradicionais de formação, que não relacionam assituações de formação com as práticas em sala de aula, as experiênciasmais eficazes para o desenvolvimento profissional docente são aquelasque se baseiam na escola e que se relacionam com as atividades diáriasrealizadas pelos professores;
4) O desenvolvimento profissional docente está diretamente relacionado comos processos de reforma da escola, na medida em que este é entendidocomo um processo que tende a reconstruir a cultura escolar e no qual seimplicam os professores enquanto profissionais;
5) O professor é visto como um prático reflexivo, alguém que é detentor deconhecimento prévio quando acede à profissão e que vai adquirindo maisconhecimento a partir de uma reflexão acerca de sua experiência. Assimsendo, as atividades de desenvolvimento profissional consistem em ajudaros professores a construir novas teorias e novas práticas pedagógicas;
6) O desenvolvimento profissional é concebido como um processocolaborativo, ainda que se assuma que possa existir espaço para otrabalho isolado e para a reflexão;
7) O desenvolvimento profissional pode adotar diferentes formas emdiferentes contextos. Por isso mesmo, não existe um e só um modelo dedesenvolvimento profissional que seja eficaz e aplicável em todas asescolas. As escolas e docentes devem avaliar as suas própriasnecessidades, crenças e práticas culturais para decidirem qual o modelo dedesenvolvimento profissional que lhes parece mais benéfico.
Consideramos que tornar os professores protagonistas de seu processo
de formação é uma possibilidade para sua formação na perspectiva do
letramento estatístico, assumindo o caminho apontado por Ponte (1998, 2011)
e Nóvoa (1992), para que o professor possa se formar, fazendo investigações
favorecidas por um contexto colaborativo e se assumindo como “fazedor de
Estatística” (CARVALHO; SOLOMON, 2012), segundo Godino, Batanero e
Flores (1998). Nesse processo, considerando o protagonismo do professor
para o desenvolvimento curricular e profissional, as práticas apontadas como
potencializadoras por Passos et al. (2006) e Marcelo (2009) convergem para a
incorporação do docente em grupos de investigação.
Passamos agora a refletir sobre os processos de formação e
desenvolvimento profissional especificamente para o ensino e a aprendizagem
da Estatística, para depois refletir sobre os grupos de investigação,
especialmente os colaborativos.
3.3 Complexidade do conhecimento necessário para ensinarEstatística
Além da complexidade do desenvolvimento profissional, também tivemos
em mente a complexidade do conhecimento necessário aos professores e
futuros professores, para efetivamente incorporarem o trabalho de ensinar e
aprender no processo de desenvolvimento profissional. Shulman (1987) afirma
que, para agir na sala de aula, o professor deve ter uma base de conhecimento
para o ensino e dominar o processo pelo qual os conhecimentos profissionais
são construídos.
Segundo Mizukami (2004, p. 4), a base de conhecimento para o ensino
refere-se à questão: “O que um professor necessita saber para ser professor?”.
Ou, mais especificamente no nosso caso: o que um professor que vai ensinar
Estatística nos anos iniciais do Ensino Fundamental deve saber, de forma que
esse repertório lhe possibilite a construção de novos conhecimentos?
Mizukami (2004, p. 4) apresenta que a base de conhecimento para o
ensino
[..] consiste de um corpo de compreensões, conhecimentos,habilidades e disposições que são necessários para que o professorpossa propiciar processos de ensinar e aprender, em diferentes áreasdo conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino.
Nesse sentido, ainda de acordo com Mizukami (2004), a base de
conhecimento não pode ser considerada como fixa ou imutável; é mais limitada
na formação inicial; e pode se tornar mais aprofundada, diversificada e flexível
a partir da experiência profissional.
Shulman (1987, p. 8) explicitou alguns tipos de conhecimento ou
categorias dessa base de conhecimento, considerando o conceito de ensino
como profissão: “conhecimento de conteúdo específico”; “conhecimento
pedagógico geral”; “conhecimento do currículo”; “conhecimento pedagógico do
conteúdo”; “conhecimento dos estudantes e suas características”;
“conhecimento dos contextos educativos”; e “conhecimento dos objetivos,
metas e valores educacionais”.
Tomando como referência Shulman (1987) e Mizukami (2004),
detalhamos estes conhecimentos, exemplificando-os à luz de nossos
referenciais do ensino de Estatística
1) Conhecimento de conteúdo específico: conhecimento dos conteúdos
das disciplinas escolares, ou conhecimento da matéria/assunto.
Considerado imprescindível para a docência e para que o professor
possa constituir-se como mediador entre os conhecimentos
historicamente produzidos e os conhecimentos escolares de uma
determinada modalidade de ensino, como os anos iniciais do Ensino
Fundamental, por exemplo, oferecendo condições para que o
estudante se aproprie deles. No caso do ensino de Estatística, o
conhecimento de conteúdo específico para o ensino trata, por
exemplo, de identificar os conteúdos estatísticos para a interpretação
de determinada reportagem que apresenta um gráfico.
2) Conhecimento pedagógico geral: considerado conhecimento que
transcende a área específica, ou seja, são os conhecimentos
necessários à transformação do conteúdo a ser ensinado em conteúdo
a ser aprendido, incluindo, para isso, processos didáticos, motivação,
estratégias de manejo da sala de aula, organização, entre outros. É
constituído pelo conhecimento da Estatística e de sua transformação
em conteúdo a ser aprendido, transcendendo a área específica
(Estatística).
3) Conhecimento do currículo: refere-se ao conhecimento tanto do
currículo específico da matéria/assunto ou disciplina de determinada
modalidade de ensino quanto da relação delas com a organização e a
estruturação dos conhecimentos escolares. Ajuda os professores a
compreenderem como os conteúdos a serem ensinados se interligam
ao longo do tempo. Por exemplo, como a descrição de uma população
(estudantes da turma) pode auxiliar, no futuro, na compreensão do uso
de amostras para fazer inferências sobre uma população bem maior.
4) Conhecimento pedagógico do conteúdo: é considerado específico da
docência e é construído pelos professores a partir de suas atuações
em situações concretas de ensino e aprendizagem. O conhecimento
pedagógico da Estatística implica especificamente no conhecimento
necessário para as tarefas relacionadas ao ensino, como a gestão da
sala de aula, que vão além do escopo do assunto, e é constituído
constantemente pelo professor ao ensinar a matéria (Estatística).
Segundo Mizukami (2004), é enriquecido com a interação dos
diferentes tipos de conhecimentos e é o único conhecimento em que o
professor pode estabelecer uma relação de protagonismo. Possuir o
conhecimento da Estatística e de seu ensino implica em ter um
repertório de estratégias de conteúdos específicos para os conceitos a
serem ensinados. Esse conhecimento da Estatística e de seu ensino
emerge da prática dos professores experientes ou inexperientes
5) Conhecimento dos estudantes e suas características: envolve o
conhecimento dos estudantes e da forma como aprendem, de acordo
com suas especificidades, nas dimensões cognitiva, emocional, social,
motora e interacional. Consiste no entrelaçamento do conhecimento
da Estatística com o conhecimento do modo como os estudantes
pensam, sabem e aprendem esse conteúdo, antecipando, inclusive,
possíveis dificuldades.
6) Conhecimento dos contextos educativos: envolve tanto o
microssistema relacionado ao trabalho dos estudantes (em grupos ou
na sala de aula), quanto o microssistema que abrange as
particularidades sociais e culturais da comunidade em que está a
escola, passando pela administração e gestão da escola. Ajudaria a
entender questões subjacentes, como, por exemplo, o currículo como
política, em relação ao conhecimento oficial, e sua relação com os
materiais disponíveis ou com as propostas de formação de
professores.
7) Conhecimento dos objetivos, das metas e dos valores educacionais:
engloba o conhecimento dos fins e propósitos educacionais e de seus
fundamentos filosóficos e históricos, e também contribui para a
compreensão de questões relativas a propostas pedagógicas e de
formação, por exemplo.
Embora as bases do conhecimento estejam apresentadas
separadamente, na prática são todas entrelaçadas, daí a razão de denomina-
las “complexas” e nossa intenção não é dividi-las, pois proceder dessa forma
seria banalizá-las e reduzir sua complexidade. E também concordamos que
essa divisão não é adequada como referência para medir o quanto os
professores e futuros professores sabem ou mesmo para resolver problemas
curriculares num curso de formação de professores ou para ensinar Estatística,
reduzindo-os a itens de testes; Porém consideramos que essas bases de
conhecimento nos ajudam a compreender as experiências que compartilhamos
com os participantes do grupo Estatisticando no contexto colaborativo, nas
análises do processo ocorrido. Esse contexto não foi aqui apresentado ainda,
mas será discutido a seguir, e as experiências vivenciadas no grupo, mais
adiante.
Shulman (1987, p. 15) também propõe um segundo modelo, ponderando
que a base de conhecimento para o ensino compreende processos presentes
nas ações educativas. A esse processo chamou de “processo de raciocínio
pedagógico”, buscando retratar como os conhecimentos são acionados,
relacionados e construídos durante o processo de ensino e aprendizagem. Ele
também defende que a maior parte do ensino é desencadeada por algum tipo
de texto (um livro, o currículo, conjunto de objetivos, material didático,
instruções didáticas entre outros), a partir do qual o processo de raciocínio
pedagógico pressupõe a existência de um ciclo composto por momentos de
“compreensão”, “transformação”, “instrução”, “avaliação”, “reflexão” e “nova
compreensão”, buscando identificar a maneira como o professor pensa e
coloca em prática, buscando a melhor forma de ensinar. Ele considera a
compreensão como ponto culminante ou disparador do processo e menciona
seis aspectos comuns ao ato de ensinar, que listamos a seguir:
1. Compreensão: dos objetivos, da estrutura da matéria e das ideias
dentro e fora da disciplina.
2. Transformação: envolve outros quatro subprocessos. São eles: a
interpretação (análise crítica de textos, a partir do próprio
entendimento do conteúdo específico da área), a representação
(conjunto de analogias, metáforas, exemplos, demonstrações,
explicações a serem usadas de acordo na transformação do conteúdo
em ensino), a adaptação (levando em conta a adequação às
características dos estudantes) e a consideração de estudantes
específicos (ou personalização, para casos específicos).
3. Instrução ou aplicação: consiste em colocar em prática e envolve a
organização e a gestão da classe, individualmente ou nos trabalhos
em grupo, em exposição e dosagem do conteúdo, nas interações, na
coordenação das atividades, nos questionamentos levantados.
4. Avaliação: trata-se da averiguação da compreensão dos estudantes
sobre o que foi ensinado, durante e depois da aplicação ou instrução.
Também tem o papel de avaliar o próprio desempenho docente e
adaptar-se às experiências.
5. Reflexão: implica rever, reconstruir e analisar criticamente o
desempenho docente e o da classe, ou seja, consiste em processos
reflexivos sobre a ação pedagógica.
6. Nova compreensão: dos objetivos, da matéria, dos estudantes, do
ensino e sobre si mesmo. Consolidação de novas formas de entender
e aprender com a experiência.
Embora os processos neste modelo sejam apresentados
sequencialmente, não se destinam a representar uma série de etapas ou fases
fixas. Muitos podem ocorrer numa ordem diferente, segundo Shulman (1987),
porém reforçamos a ideia de que a partir deles o conhecimento é acionado,
relacionado e construído.
3.4 Contexto colaborativo
Apesar de o termo “colaboração” estar aparecendo com mais frequência
em trabalhos que estudam o desenvolvimento profissional, o seu significado
nem sempre é o mesmo. Hargreaves (1998) aponta a existência de quatro
formas gerais de culturas docentes25: o individualismo, a colaboração, a
colegialidade artificial e a balcanização, cada uma delas com implicações
diferentes para o trabalho do professor e para a mudança educativa.
O individualismo, que tem como sinônimos, segundo Hargreaves (1998),
o isolamento e o privatismo, pode oferecer privacidade e proteção em relação
às interferências exteriores, de atribuições de culpa e de críticas, mas acarreta
problemas, pois também restringe o aparecimento de elogios e, principalmente,
apoio. Em oposição ao individualismo, são consideradas culturas que
potencializam o desenvolvimento profissional: a colaboração e a colegialidade.
Em ambas, os professores trabalham em conjunto, mas elas diferem pelo tipo
de controle e intervenção administrativa que ocorre. Na colegialidade – à qual o
autor acrescenta o termo “artificial” – há princípios cooperativos próprios das
associações humanas, mas as relações são reguladas administrativamente,
compulsivas, orientadas para a implementação, fixas no tempo e no espaço e
previsíveis (HARGREAVES, 1998, p. 219-220), ou seja, não são espontâneas
e voluntárias, o que torna o trabalho em conjunto uma obrigação regulada
administrativamente, a fim de implementar uma ordem da direção de escola,
por exemplo, ou uma norma em nível estadual. O autor aponta como
consequências da colegialidade artificial a inflexibilidade e a ineficiência, que
comprometem o profissionalismo dos professores.
25 O sentido de cultura docente compreende, de acordo com Hargreaves (1998), crenças,valores, hábitos e formas assumidas de fazer as coisas em comunidades de professores, queajudam a dar sentido, apoio e identidade aos docentes e ao seu trabalho.
Na cultura da colaboração, de acordo com Hargreaves (1998, p. 216-
217), as relações tendem a ser espontâneas, voluntárias, orientadas para o
desenvolvimento, definidas no tempo e no espaço e imprevisíveis. Costumam
partir dos próprios professores, não há constrangimentos administrativos ou de
coerção, a prioridade não é um calendário com tempo fixo. Uma vez que o
controle daquilo que desenvolvem está nas mãos dos professores, os
resultados não podem ser previstos.
Quanto à balcanização26, Hargreaves (1998, p. 240-242) a apresenta
como uma cultura em que não há o isolamento, mas também não há um
trabalho com a maior parte de seus pares. Ocorrem, então, subgrupos –
disciplinas ou níveis escolares, por exemplo –, embora a balcanização não
consista simplesmente num trabalho em grupos menores. Segundo o autor, ela
tem “permeabilidade baixa”, “permanência elevada”, “identificação pessoal” e
“compleição política”. Nesse caso, então, os grupos tendem a estar isolados
uns dos outros e a ter uma fronteira clara entre si. Uma vez estabelecidos, a
permanência tende a ser estável. A forte identificação pessoal leva a
enfraquecer a empatia e a colaboração com outros grupos. O autor também
aponta que nesse tipo de cultura há diferentes status, dinâmicas de poder e de
interesses.
Assumimos então, a perspectiva da colaboração, defendida por
Hargreaves como potencializadora do desenvolvimento profissional e, em
consonância com nossos propósitos, aquela em que “professores da escola e
da universidade, mestrandos e doutorandos e futuros docentes podiam, juntos,
aprender a enfrentar o desafio da escola atual” (FIORENTINI, 2011, p. 7, grifo
do autor). Quando assumimos a ideia de “juntos”, estamos pensando na
proposta de trabalho em grupo, de um grupo colaborativo, assumindo, como
Fiorentini (2004), que na colaboração:
[...] todos trabalham conjuntamente (co-laboram) e se apóiammutuamente, visando atingir objetivos comuns negociados pelocoletivo do grupo. Na colaboração, as relações, portanto, tendem aser não-hierárquicas, havendo liderança compartilhada e co-
26Designa um processo de fragmentação de um país ou região em partes menores, comelevado nível de tensão e hostilidade. De acordo com Fiorentini (2004, p. 49), Hargreaves(1998) “tomou como modelo o processo de balcanização do Leste Europeu e que envolveu aSérvia, a Croácia e a Eslovênia”.
responsabilidade pela condução das ações. (FIORENTINI, 2004, p.52)
De acordo com Coelho (2010, p. 17), quando um grupo é formado nesse
sentido da colaboração, com pessoas dispostas a compartilhar
espontaneamente algo de interesse comum – no nosso caso, o letramento
estatístico –, “as distintas contribuições e os diferentes níveis de participação
oferecem condições satisfatórias para a geração de conhecimento e para o
crescimento pessoal dos participantes”.
Sobre isso Fiorentini (2010, p. 582) defende
Em cada grupo colaborativo os formadores, professores e futurosprofessores analisam e discutem os problemas e desafios trazidospelos professores, episódios de aula narrados e documentados pelosprofessores, e negociam conjuntamente significados e outraspossibilidades de intervenção em suas práticas escolares, sobretudotarefas e atividades exploratório-investigativas (FIORENTINI, 2010, p.582).
Quando nos envolvemos nesse processo de desenvolvimento
profissional, num contexto colaborativo, o formador que investiga e apoia o
processo, o professor e o futuro professor, juntos desenvolvem um trabalho
que requer, de acordo com Ferreira (2003), identificar os conhecimentos
teóricos e práticos para desenvolver um ensino efetivo e significativo para os
estudantes e assumir que os professores também constroem conhecimento,
analisando-os; tomando a aprendizagem como um processo contínuo; levando
em conta a contextualização e também a realidade escolar na qual está
inserido ou da qual futuramente fará parte.
Desejando criar um contexto colaborativo, na perspectiva de Fiorentini
(2010), e constituir uma comunidade de aprendizagem profissional e de
pesquisa sobre a prática de ensinar e aprender Estatística nas escolas, é que
planejamos nosso trabalho de campo, que passará a ser detalhado a seguir,
com a apresentação ao leitor do grupo Estatisticando e do processo de sua
criação. Também detalharemos os aspectos metodológicos que nos levaram a
desenvolvê-lo.
CAPÍTULO 4
Metodologia da Investigação
“Pesquisa é o que permitea interface criativa
entre teoria e prática”(Ubiratan D’Ambrosio, 1996)
4.1 Ponto de partida
Querendo compreender as aprendizagens e o desenvolvimento
profissional de professores e futuros professores da Educação Infantil e dos
anos iniciais do Ensino Fundamental (estudantes de 6 a 10 anos) quando estão
num contexto colaborativo e são instigados a trabalhar com Estatística numa
perspectiva de letramento(s), caminhando em direção ao letramento estatístico,
objetivamos, do ponto de vista investigativo:
Compreender o processo de desenvolvimento profissional na
perspectiva do letramento estatístico em contextos colaborativos,
evidenciando indícios de desenvolvimento de conhecimento e de
desenvolvimento pessoal como participantes de um grupo de
professores e futuros professores que se reúnem para estudar
Estatística.
Do ponto de vista formativo, enquanto grupo, também objetivamos:
A partir dos eventos de letramento, contribuir para o desenvolvimento
profissional dos participantes, no que diz respeito ao conhecimento,
perspectivando o letramento estatístico, para que possamos criar
situações em que eles venham a se desenvolver pessoal e
profissionalmente.
Para que possamos atingir os objetivos propostos, buscaremos evidenciar o
que os professores e futuros professores já sabem sobre a temática, as novas
aprendizagens na participação de um grupo que se propõe colaborativo, as
ressignificações e as transformações no processo de estudo no contexto
colaborativo; analisar os eventos ou episódios de práticas de letramento que se
constituíram no contexto colaborativo, evidenciando os aspectos do letramento
estatístico; ressaltar indícios de como foi revelada, pelos professores e futuros
professores, ao longo dos encontros, sua confiança em trabalhar, com as
crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental, propostas que envolvem a
Estatística; e narrar sobre isso.
De acordo com os objetivos e com os procedimentos para alcançá-los,
decidimos desenvolver uma investigação qualitativa, buscando valorizar a
descrição detalhada das pessoas, das interações, de suas concepções, da
trajetória vivenciada pelo grupo.
De acordo com Bogdan e Biklen (1994), a investigação qualitativa possui
cinco características:
1) Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambientenatural, constituindo o investigador o instrumento principal;
2) A investigação qualitativa é descritiva;
3) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo doque simplesmente pelos resultados ou produtos;
4) Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados deforma indutiva;
5) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47-50),
Consideramos que essas características são adequadas a este estudo27,
pois, cientes da importância do contexto e sua influência no comportamento
dos participantes, recolhemos os dados no grupo Estatisticando, ou seja, na
situação, complementando as informações quando necessário e, com isso,
buscando captar a riqueza nos dados, na dinâmica, nos detalhes, respeitando
os participantes, descrevendo e transcrevendo os encontros e usando o diário
de pesquisa. Também buscamos mostrar como nossas expectativas se
27 Bogdan e Biklen (1994) apontam que nem todos os estudos deixam todas as característicasregistradas fortemente e ainda podem apresentar uma ou mais características.
traduziram nos encontros do grupo, durante as discussões de situações
pedagógicas, no estudo e na interação entre os participantes. Além disso, os
dados não foram analisados para confirmar ou refutar uma hipótese prévia,
mas para mostrar a forma com que foram agrupados durante o percurso, ou
seja, foram utilizados de forma indutiva, interessando-nos mais pelo percurso
dos professores no grupo e pela forma com que dão sentido ao seu
desenvolvimento profissional que por um produto final.
Na abordagem qualitativa, optamos pelo estudo de caso, que, segundo
Ponte (2006, p. 2), tem como objetivos “conhecer uma entidade bem definida
como uma pessoa, uma instituição, um curso, uma disciplina, um sistema
educativo, uma política ou qualquer outra unidade social” e também
“compreender em profundidade o ‘como’ e os ‘porquês’ dessa entidade,
evidenciando a sua identidade e características próprias, nomeadamente nos
aspectos que interessam ao pesquisador”.
De acordo com Ludke e André (1986, p. 17), “o caso é sempre bem
delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do
estudo”, e também “o caso pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo
distinto, pois tem um interesse próprio, singular”.
André (2005) caracteriza o estudo de caso como um tipo de
conhecimento, tendo como questão fundamental o que se aprende ao estudar
o caso. Segundo Merrian (apud ANDRÉ, 2005), o conhecimento gerado pelo
estudo de caso é mais concreto, mais contextualizado, mais voltado para a
interpretação do leitor e baseado em populações de referência determinadas
pelo leitor. Especificando cada aspecto:
Mais concreto – configura-se como um conhecimento que encontraeco em nossa experiência porque é mais vivo, concreto e sensório doque abstrato.
Mais contextualizado – nossas experiências estão enraizadas numcontexto, assim também o conhecimento nos estudos de caso. Esseconhecimento se distingue do conhecimento abstrato e formalderivado de outros tipos de pesquisa.
Mais voltado para a interpretação do leitor – os leitores trazem paraos estudos de caso as suas experiências e compreensões, as quaislevam a generalizações quando novos dados do caso sãoadicionados aos velhos.
Baseado em populações de referência determinadas pelo leitor – aogeneralizar, os leitores têm certa população em mente. Assim,diferente da pesquisa tradicional o leitor participa ao estender ageneralização para a população de referência (MERRIAN apudANDRÉ, 2005, p. 17).
Avaliamos que estudo de caso foi uma opção adequada, pois foram
considerados como nosso caso o grupo Estatisticando, formado por uma
pesquisadora, professores e futuros professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental – um caso especial, que possui uma especificidade própria, que
se desenvolve em determinadas condições e consideramos que merece ser
estudado. Quisemos investigar os saberes, as reflexões, os conflitos, as
aprendizagens desse grupo, a partir dessa proposta de investigação, e tendo
como questão norteadora:
Que indícios de desenvolvimento profissional apresentam osprofessores e futuros professores da Educação Infantil e dos anosiniciais do Ensino Fundamental em contextos colaborativos em práticasde letramento estatístico?
Embora nosso contexto seja de um grupo colaborativo, esta não é uma
pesquisa colaborativa, segundo Fiorentini (2004), pois a autoria, o processo de
escrita e a análise são reservados a uma única pessoa, a pesquisadora, que
neste estudo fez parte do grupo e atuou como formadora, almejando colaborar
no processo para a formação dos participantes. No contexto colaborativo do
grupo, buscamos priorizar uma produção de saberes que se norteasse pela
concepção de “conhecimento-da-prática”, que toma o professor como centro da
geração de conhecimento e o trabalho colaborativo em comunidades de
investigação, apontados por Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 2828) como
fundamentais:
A base desta concepção de conhecimento-da-prática é que osprofessores, ao longo de sua vida, têm papel central e crítico nageração de conhecimento sobre a prática, uma vez que suas salas deaula são locais de investigação, e, ao conectar seu trabalho nasescolas a questões mais amplas, assumem um ponto de vista críticona teoria e pesquisa de outros. Redes de professores, comunidades
Tradução para uso de um subgrupo do Prapem.
de investigação e outros coletivos escolares nos quais os professorese outros somam esforços para construir conhecimento são o contextoprivilegiado para o aprendizado do professor neste contexto.
No que se refere à recolha de dados da pesquisa, foram utilizados:
1) Gravações de áudio e vídeos29;
2) Ficha de identificação do perfil dos participantes preenchida
individualmente e uma caracterização oral respondida em grupo;
3) Material trazido e produzido pelos participantes;
4) Análises narrativas produzidas por participantes do grupo.
Além disso, também tivemos o diário de pesquisa, que subsidiou a análise
e a escrita da narrativa.
Preferimos iniciar os registros dos encontros com equipamento de áudio,
por considerar que isso seria menos impactante para os participantes. E,
depois de três encontros, quando julgamos que os participantes já estivessem
mais familiarizados com o ambiente em que realizávamos os encontros e mais
à vontade entre si, introduzimos o equipamento de filmagem, que ficava
localizado num ponto fixo da sala, de forma a captar todo o grupo. Optamos por
registrar em vídeo os encontros do grupo logo que foi conveniente, por
concordar com Clement (2000, apud POWELL; FRANCISCO; MAHER, 2004,
p. 86): “é um importante e flexível instrumento para coleta de informação oral e
visual”, pois “ele [o vídeo] pode capturar comportamentos valiosos e interações
complexas e permite aos pesquisadores reexaminar continuamente os dados”.
Bottorff (apud POWELL; FRANCISCO; MAHER, 2004, p. 91) ainda acrescenta
que “os pesquisadores podem visualizar eventos gravados com a frequência
que for necessária e em formas flexíveis, tais como ‘tempo real, câmera lenta,
quadro a quadro, para adiante, para trás’ e podem se ocupar com suas
diferentes características”.
Buscamos estabelecer com os integrantes do grupo um consentimento
pactuado para as filmagens, que, segundo Powell, Francisco e Maher (2004),
29 Pela própria pesquisadora.
deve ser apresentado por escrito, especificando quem terá acesso aos dados e
ao seu uso, construindo então um “termo de consentimento” (Apêndice A).
Esse termo não foi apresentado num primeiro momento, em que os
consentimentos se deram oralmente, pois quisemos que os participantes
estivessem bem informados, que compreendessem sua participação e que
tivessem a liberdade de interromper ou cancelar uma sessão de gravação.
Confiantes no trabalho do grupo, todos os participantes assinaram o termo de
consentimento e permitiram que fosse usado seu primeiro nome na divulgação
dos resultados da pesquisa. Não obstante, a cada encontro do grupo, os
participantes eram novamente informados que o encontro seria videogravado,
conforme orientações apresentadas por Powell, Francisco e Maher (2004).
Esses mesmos autores sugerem um modelo de análise de vídeo baseado
em sete fases interativas e não lineares:
1) Observar atentamente os dados do vídeo;2) Descrever os dados do vídeo;3) Identificar os eventos críticos;4) Transcrever;5) Codificar;6) Construir o enredo;7) Compor a narrativa (POWELL; FRANCISCO; MAHER, 2004, p. 98).
Buscamos utilizar essa indicação de acordo com as necessidades de
nossa pesquisa. Os vídeos, que foram nomeados com a data em que foram
feitos, foram assistidos várias vezes, foram descritos e, nesse processo,
transcrevemos momentos que percebemos como importantes, significativos
para o nosso foco de análise, pois estavam relacionados aos nossos objetivos
e/ou foram indicando nossos eixos de análise. Buscamos então, a partir do
diário de pesquisa ou de campo, construir o enredo, compondo o texto,
trazendo nossas análises.
Estamos cientes, de acordo com Powell, Francisco e Maher (2004), de
que os registros em vídeo dos encontros são importantes, mas, por si sós, não
garantem uma boa produção de dados e uma boa análise. Essa garantia não
ocorre, devido às limitações do instrumento, pois, por exemplo, além de
demandar tempo com as transcrições, as videogravações não apresentam o
contexto histórico da situação registrada, não são seletivas, devido a limitações
mecânicas. Também são carregadas de enviesamentos humanos e
tecnológicos, por sermos nós a escolher o tipo de equipamento, o local onde o
colocamos, o momento em que focalizamos ou não uma situação. Sendo
assim, acrescentamos outras fontes de informação, como material trazido pelos
participantes aos encontros (cartazes, cópias de trechos de material didático)
ou produzido por eles (vídeo de aulas desenvolvidas com crianças, planos de
aula, e-mail).
O diário de campo ou diário de pesquisa, segundo Alves (2004, p. 224),
pode ser definido como “um registro reflexivo de experiências – pessoais e
profissionais – ao longo de um determinado período de tempo”. Bogdan e
Biklen (1994, p. 150) complementam essa ideia, defendendo que se trata do
“relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no
decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”. No
diário de pesquisa foram registradas principalmente as percepções pessoais
sobre o percurso do grupo colaborativo e também os interesses do grupo, os
textos lidos, os combinados, o cronograma e pequenos lembretes. O diário
constituiu a base ou o disparador para a escrita da narrativa de análise, que
posteriormente foi sendo lapidada. Alguns desses registros no diário podem ser
considerados anotações iniciais (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008) e se deram
“no calor do momento”, quando as coisas estavam acontecendo; outros foram
anotações post factum, ou seja, escritas de memória após os encontros do
grupo.
Foi utilizada também uma ficha, com o objetivo de identificar o
participante, coletar dados a respeito dele, como o ano de seu nascimento, sua
nacionalidade, cidade onde nasceu, estado civil, endereço, formação (tipo de
escola na qual cursou Ensino Fundamental, Médio e Superior), se exercia
trabalho remunerado e em que área. Foram elaborados ainda registros com o
objetivo de avaliar o trabalho que vinha sendo realizado.
4.2 O grupo de estudos
Segundo Fiorentini (2009, p. 250), a qualidade da educação desejável e
possível precisa considerar a diversidade, e a complexidade da prática
educativa “exige que os professores se organizem em comunidades críticas
nas quais possam avaliar e analisar suas práticas e escolher o melhor caminho
a ser construído e seguido”. Por concordarmos com as ideias do autor,
pedimos autorização a uma instituição de ensino superior de cunho privado, na
qual atuava como professora, para a utilização de um espaço ali disponível,
chamado de “Oficina Pedagógica”, para a realização de encontros do grupo de
estudos. Com a concordância da direção em relação à utilização do espaço,
enviamos um convite, por e-mail, a professores e futuros professores, que
eram meus alunos no momento, a ex-alunos e colegas professores que atuam
na rede pública e particular na cidade de Atibaia - SP. Com isso, demos início
ao movimento de criação do grupo, utilizando o espaço cedido na referida
instituição, na cidade de Atibaia.
Nesse e-mail buscamos esclarecer também algumas questões a respeito
de custos, pois, como não se tratava de um curso, mesmo sendo numa
instituição particular, não haveria taxas. Além disso, a mensagem informava
que escolheríamos dia e horário que fossem convenientes a todos, para nos
encontrarmos com regularidade para os estudos. O e-mail na íntegra encontra-
se no Apêndice B.
Havia, nesse momento, inquietações com relação aos participantes – se
teríamos adesões – e também preocupação em adotar estratégias formativas
que, além de instaurarem o grupo, o sustentassem. Nossas indagações
relativas aos participantes, assim como foi relatado por Oliveira (2013), eram:
seriam professores de escolas públicas ou privadas? Isso poderia implicar em
maior flexibilidade, com relação aos currículos, para levar à sala de aula
propostas estudadas ou sugeridas pelo grupo. Com relação às adesões, assim
como foi vivenciado por Oliveira (2013), poderíamos ter dificuldades para
estabelecer um consenso no tocante aos horários e, com isso, problemas no
deslocamento tanto da pesquisadora quanto dos participantes, o que poderia
inviabilizar os encontros. Ademais, a temática “Estatística”, que aparecia no
convite, poderia não despertar interesse, pois, de acordo com Oliveira (2013, p.
61), “existia uma percepção da falta de interesse dos professores que ensinam
Matemática por esta área de discussão”. Além disso, os professores da
Educação Infantil, público com o qual trabalhou em sua pesquisa, acabam
buscando formação na área da alfabetização da língua.
Felizmente, em setembro de 2010, havia vários interessados em
conhecer as propostas de trabalho e estudo. Foi exposto que não se tratava de
um “curso convencional”, mas de um grupo de estudos, com o objetivo de
investigar a formação e o desenvolvimento do grupo a partir do estudo da
Estatística, na perspectiva da Educação Estatística e que almejávamos criar
um grupo do tipo colaborativo, tendo consciência de que isso iria se constituir
ao longo da trajetória do grupo e, de acordo com Ferreira (2006, p. 150), em
contraposição “à ideia implícita (em muitas das atuais práticas e propostas de
formação) de que o professor pesquisador que leciona nas universidades já
está ‘pronto’ para o seu trabalho e é que mais tem a oferecer nas propostas de
formação”. Esses pressupostos, que partiram das nossas experiências –
minhas e da minha orientadora – de participação em grupos colaborativos30 e
na formação de professores, motivaram a formação do grupo.
A partir de então, o grupo se reuniu regularmente, voluntariamente,
utilizando o espaço cedido pela instituição, até dezembro de 2011, totalizando
20 encontros. Foi nesse sentido também, com relação à proposta de formação
e à voluntariedade, que optamos por não propor a formação de um grupo numa
escola, no horário de HTPC31 (rede estadual) ou similar (rede municipal), pois
poderia ter o caráter obrigatório, em que alguém da universidade viria com
proposta “pronta” a ser aplicada.
30 Grupo de Sábado (GdS) e Prapem, ambos da Unicamp.31 Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo vigente nas escolas estaduais do estado de SãoPaulo.
4.3 Os participantes do Estatisticando
O grupo, que logo de início foi chamado de Estatisticando32, chegou a ter
20 interessados, mas na maior parte do tempo, foi formado por 9 participantes:
Keli, pesquisadora e formadora de professores, que atuava nos cursos de
Pedagogia e Matemática; Silvana, professora aposentada, com experiência de
atuação na Educação Infantil (crianças de 3 a 6 anos); Eduardo, professor em
início de carreira, atuando nos anos iniciais do Ensino Fundamental (crianças
de 6 a 10 anos); Rosana, estudante de Pedagogia, que já atuava como
professora na Educação Infantil; cinco estudantes de Pedagogia, sendo que
Roseli e Mie já realizavam atividade de estágio nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, por estarem no último ano da primeira graduação, e Thaynara,
Érica e Cíntia encontravam-se no período inicial de estágio nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, por estarem no 2.º ano da primeira graduação. Portanto,
eles já tinham nível superior (Curso de Pedagogia), Keli, Silvana e Eduardo; ou
estavam cursando, caso de Rosana, Roseli, Mie, Thaynara, Érica e Cíntia.
Todos os participantes concordaram que fosse usado seu primeiro nome33.
Mais alguns dados sobre os participantes podem ser encontrados a seguir34
(Quadro 2) e foram sintetizados a partir de uma ficha de identificação
preenchida pelo próprio participante (Apêndice C):
Quadro 2: Dados dos participantes do grupo Estatisticando
Nome Idade Escolarizaçãobásica
Graduação Trabalhoremunerado
ExperiênciaComo
professor(a)Silvana 47 Ensino público Pedagogia Aposentada
Tutora Ed. adistância
26 anosEducação Infantil
Eduardo 23 Ensino público eprivado
Pedagogia Professor 5 anosEd. Infantil e Ens.
FundamentalRosana 36 Ensino público Pedagogia
(último ano)Professora 1 ano
Educação InfantilMie 41 Ensino público Pedagogia
(último ano)Não Aulas de japonês
Roseli 33 Ensino público Pedagogia(último ano)
Sim(fora da Educação)
Não
32 Nome sugerido pela participante Silvana. Mais detalhes sobre isso podem ser encontradosna Capítulo 5, na seção 5.1 - Pontapé inicial.33 Conforme termo de autorização (Apêndice A).34 Dados do ano de 2011.
Érica 25 Ensino público Pedagogia(2.º ano)
Estagiária pref.Munic. Atibaia
1 ano
Cíntia 27 Ensino público Pedagogia(2.º ano)
Estagiária Pref.Munic. Atibaia
1 ano
Thaynara 20 Ensino público Pedagogia(2.º ano)
Professora Redeparticular
9 meses
Keli 35 Ensino público Matemáticae
Pedagogia
Professora Ens.Superior
16 anosEscola básica eEns. Superior
Fonte: Ficha de identificação produzida pela pesquisadora.
Alguns outros interessados chegaram a participar de um ou dois
encontros do grupo apenas, e alguns tiveram alguma participação nas
discussões, mas optamos por considerar para análise apenas os que
participaram com certa regularidade (Figura 4). Quando se tornou relevante
citar a participação desses participantes esporádicos, optamos por utilizar a
letra inicial de seu nome.
Figura 4: Participantes do grupo Estatisticando35.
Fonte: arquivo da pesquisadora.
35 Em pé, da esquerda para a direita: Roseli, Eduardo e Keli. Sentadas, da esquerda para adireita: Silvana, Mie, Rosana, Érica, Thaynara e Cíntia.
Concordamos com Nacarato e Grando (2013, p. 13) que “a
heterogeneidade existente no grupo possibilita, aos diferentes atores,
assumirem papéis distintos em um processo de ajuda mútua”, pois tínhamos
estudantes de graduação, os futuros professores, e professores com diversas
experiências (de 9 meses a 26 anos de atuação) e atuando com crianças de
várias faixas etárias, professores da rede pública e particular, diversas idades,
diversos momentos de vida e, até mesmo, uma futura professora vinda de
outro país (Mie).
4.4 O papel da pesquisadora
Os participantes do grupo não foram apenas sujeitos de estudo, pois
nossa intenção era que participassem de um processo significativo, que se
desenvolvessem profissionalmente e que os alunos dos participantes que já
atuavam na escola ou os futuros alunos, no caso dos participantes em
formação, fossem de alguma forma beneficiados, mesmo não sendo o foco
principal do grupo.
Não visávamos a um processo de desenvolvimento profissional por parte
somente dos participantes, mas também da pesquisadora. Assim, minha
reflexão como pesquisadora, além do contexto colaborativo, foi alimentada por
consulta a fontes bibliográficas, diálogo com pesquisadores, no grupo de
pesquisa Prapem, em eventos relacionados à área e também no estágio
realizado fora do País36.
Nossa intenção foi, o tempo todo, investigar com os professores e futuros
professores e não por eles, embora, no início dos encontros, eu assumisse um
papel mais de interferência, aos poucos diminuído, em função do contexto
colaborativo.
36 Estágio realizado na Universidade de Lisboa em Portugal, pelo Programa de DoutoradoSanduiche no Exterior (PDSE). N.º do processo BEX 9455/12-4.
4.5 Temas estatísticos de estudo
Nos encontros, com duração aproximada de 50 minutos a 1 hora,
procuramos nos inspirar na dinâmica de trabalho e pesquisa de grupos
colaborativos proposta por Fiorentini et al. (2011, p. 215): os formadores atuam
em função das demandas dos professores e futuros professores, que trazem
problemas e desafios das práticas escolares, para, juntos, estudar,
problematizar, refletir, investigar e escrever sobre a complexidade de ensinar e
aprender nas escolas. Para sintetizar a dinâmica, recriamos uma figura
proposta pelo pesquisador, adequando-a ao nosso foco estatístico, numa
perspectiva de letramento (Figura 5), em que, juntos, futuros professores,
professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental e
formadores estudam, problematizam, refletem, investigam e escrevem sobre a
complexidade de ensinar e aprender Estatística nas escolas e negociam as
práticas curriculares desejáveis e possíveis para cada realidade.
Figura 5: Dinâmica de trabalho e pesquisa de grupos colaborativos.
Fonte: Proposta por Fiorentini et al. (2011), reelaborada para o foco no letramento estatístico.
Os eventos, ou seja, as instâncias de uso do letramento, foram
estruturados de acordo com as expectativas dos participantes e se constituíram
em momentos de estudo, em que os textos foram parte fundamental, e em
momentos de discussão da prática de sala de aula, também baseados em
textos. Buscamos utilizar o conceito de práticas de letramento para analisar a
descrição dos eventos letrados, que tiveram como principal objetivo estudar o
letramento estatístico. Também podemos apontar que os “gestos didáticos”
presentes na Pedagogia dos Multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2009),
fizeram parte do percurso do grupo: experienciamento, conceituação,
enquadramento crítico e aplicação, assim como os designs na construção de
significados e ressignificação sobre o que foi estudado.
Para a seleção dos temas que estudaríamos inicialmente nos encontros,
foram levadas por mim às reuniões, várias publicações e materiais que
contemplassem os conhecimentos elencados por Shulman (1987), buscando
atuar em função das demandas, como apontado por Fiorentini (Figura 5).
Inicialmente, o que chamou atenção do grupo foi o termo “letramento
estatístico”, que aparecia com destaque nos títulos dos textos – livros, capítulos
de livros artigos publicados em anais de congressos. Começamos então por
desvendar esse termo, com apoio de um excerto de Conti (2009). Seguindo
sugestão de Ferreira (2006), não tivemos receio de trazer contribuições da
academia, como algo que sugerisse que apenas esses conhecimentos fossem
válidos.
Demos continuidade aos estudos com a discussão de um relato curto
(cinco páginas) de sala de aula, que descrevia situações pedagógicas
desenvolvidas com crianças da Educação Infantil (LOPES; MOURA, 2002), no
sentido do letramento estatístico e que também buscava contemplar o
conhecimento pedagógico geral, o conhecimento pedagógico da Estatística, o
conhecimento dos estudantes e suas características e o conhecimento dos
contextos educativos. Esse texto faz parte de um livro (LOPES; MOURA,
2002), e outros de seus relatos foram indicados por mim, por se tratarem de
relatos sucintos (cinco páginas em média), escritos por professoras sobre
práticas de sala de aula, e poderiam ajudar a desenvolver a confiança na
possibilidade de realizar um trabalho parecido na sala de aula. Além disso,
poderiam ajudar na ampliação e na reconstrução dos próprios saberes e
práticas. Optei por indicá-los porque se constituíam por situações pedagógicas
reflexivas, que poderiam ser levadas para a sala de aula; eram textos escritos
em linguagem acessível; e não concorreriam com as demandas de leitura dos
futuros professores, pois faziam parte das disciplinas do curso de Pedagogia
ou das tarefas que eles já possuíam, como, por exemplo, planejamento de
aulas, relatórios escolares. No entanto, a seleção final foi feita pelo grupo.
Posteriormente também foram estudados e discutidos materiais que
abordavam conteúdos estatísticos e matemáticos, como, por exemplo, Van de
Walle (2009). Textos desse teor tiveram como objetivo contribuir para o
conhecimento do conteúdo da Estatística, o conhecimento pedagógico geral e
da Estatística, além do conhecimento dos estudantes da Educação Infantil e
dos anos iniciais e dos contextos educativos.
Com o tempo, os participantes, no contexto colaborativo, se sentiram
mais seguros e passaram a apresentar e a sugerir materiais, como fichas e
situações pedagógicas que conheceram durante o estágio e pelo contato com
livros didáticos (MILANI; IMENES; LELLIS, 2008a, 2008b) ou com material
apostilado (FERRARI et al., 2006). Esses, assim como os outros materiais já
citados, foram compartilhados e estudados/discutidos e tinham por objetivo
contemplar o conhecimento pedagógico geral e da Estatística, e o
conhecimento do currículo referente à Estatística e aos objetivos, metas e
valores educacionais.
Com relação à seleção de textos para leitura, concordamos com Jimenez
Espinosa (2002, p. 51), que deveriam “estar em sintonia com a realidade vivida
pelos professores; não negar a prática do professor; permitir a reflexão e a
produção de novos significados para a prática dos professores”. Segundo o
mesmo autor, a prática de leitura refletida/comentada no grupo, abre espaço
para a reciprocidade, pois pode estabelecer múltiplas relações entre o texto e
as subjetividades de cada participante do grupo.
Também durante os encontros, foram planejadas situações pedagógicas
envolvendo as temáticas da Estatística, com apoio dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Posteriormente desenvolvidas em sala
de aula do Ensino Fundamental por alguns participantes e registradas em
vídeo, foram em seguida discutidas no grupo. Nessas discussões buscamos
contemplar os problemas e desafios das práticas escolares, apontados por
Fiorentini (Figura 5), e dar destaque ao conhecimento do currículo referente à
Estatística. Nossa perspectiva de trabalho, de acordo com Day (2001), buscava
ressaltar a importância da participação dos professores na tomada de decisões
sobre os sentidos e os processos da sua própria aprendizagem, como parte do
seu desenvolvimento profissional.
Buscamos mostrar, na Figura 6, os entrelaçamentos – no processo de
construção do conhecimento – entre as temáticas, os materiais estudados nos
encontros e o conhecimento, de acordo com Shulman (1987), pensando no
aprendizado do professor segundo a concepção de Cochran-Smith e Lytle
(1999). Ou seja, faz-se necessário o estabelecimento de múltiplas inter-
relações, com a construção de um conhecimento da prática, desenvolvendo o
currículo, analisando trabalhos de crianças e o desempenho de professores,
examinando práticas escolares e investigando a forma como as crianças e os
professores construíram conhecimento.
Ainda de acordo com Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 13), estamos
partindo do pressuposto de que “o conhecimento é construído socialmente por
professores que trabalham juntos” e também “por professores e estudantes, à
medida que trocam suas experiências prévias, seu conhecimento anterior, seus
recursos culturais e linguísticos e os recursos textuais e materiais de sala de
aula”.
Figura 6: O entrelaçamento entre os materiais estudados e os conhecimentos elencados porShulman (1987)
Fonte: Elaborado pela autora.
Com o objetivo de dar uma visão mais detalhada dos encontros,
apresentamos também o Quadro 3, buscando situar os encontros
temporalmente, com relação às temáticas discutidas e também apresentar o
número de participantes e a forma de registro para recolha de dados:
Quadro 3: Encontros do Grupo Estatisticando
Período Data/Horário Assunto N.º deParticipantesResponsável
Registro
2.ºsem.2010
02/09/2010Quinta-feiraDas 18h10às 19h15
Apresentação dos objetivos do grupo deestudos e propostas aos interessadosque aceitaram o convite: Pontapé inicial
12Responsável:
Keli
ÁudioDiário37
2.ºsem.2010
09/09/2010Quinta-feiraDas 18h10às 19h15
Apresentação sobre “O que életramento estatístico?”Material utilizado: excerto dadissertação de Keli (CONTI, 2009)
6Responsável:
Keli
ÁudioDiário
2.ºsem.2010
23/09/2010Quinta-feiraDas 18h10às 19h15
Discussão do texto escolhido pelosparticipantes: Adivinhe quem vem paraficar (JONSSON, 2002)
6Responsável:
Rosana
ÁudioDiário
2.ºsem.2010
07/10/2010Quinta-feiraDas 18h10às 19h15
Apresentação de um trabalhodesenvolvido na Educação Infantil.Título: Trabalhando com Estatística naEducação Infantil
6Responsável:
Keli
ÁudioDiárioFotos
2.ºsem.2010
28/10/2010Quinta-feiraDas 18h10às 19h15
Análise de material cedido por umaescola pública de Atibaia, utilizado nosanos iniciais e trazido pela participanteRoseli.
8Responsáveis:Roseli e Keli
VídeoDiário
CartazesFotos
2.ºsem.2010
04/11/2010Quinta-feiraDas 18h10às 19h15
Início do estudo do texto escolhidopelos participantes: Conceitos emanálise de dados (VAN DE WALLE,2009)
6Responsável:
Silvana
VídeoDiário
2.ºsem.2010
18/11/2010Quinta-feiraDas 18h10às 19h15
Continuação do estudo do texto:Conceitos em análise de dados (VANDE WALLE, 2009)
5Responsável:
Eduardo
VídeoDiário
1.ºsem.2011
18/02/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Reinício dos trabalhos – apresentaçãode novos participantes
12Responsável:
Keli
VídeoDiário
1.ºsem.2011
25/02/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Continuação do estudo do texto:Conceitos em análise de dados (VANDE WALLE, 2009)
7Responsável:
Rosana
VídeoDiário
1.ºsem.2011
11/03/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Continuação do estudo do texto:Conceitos em análise de dados (VANDE WALLE, 2009)
4Responsável:
Rosana
VídeoDiário
1.ºsem.2011
18/03/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Continuação do estudo do texto:Conceitos em análise de dados (VANDE WALLE, 2009)
5Responsáveis:Keli e Eduardo
VídeoDiárioFotos
37 Termo que abrevia “diário de pesquisa”.
1.ºsem.2011
15/04/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Discussão de medidas estatísticas, porsugestão dos participantes
6Responsável:
Keli
VídeoDiárioFotos
1.ºsem.2011
29/04/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Análise de situações pedagógicas delivro didático
3Responsável:
Keli
VídeosDiário
1.ºsem.2011
06/05/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Apresentação e discussão de vídeo detrabalho realizado por Eduardo emescola pública dos anos iniciais deAtibaia
7Responsáveis:Eduardo e Keli
Vídeos(sala deaula e dogrupo)
Diário1.º
sem.2011
15/06/2011Quarta-feiraDas 19h20às 21h05
Análise de situações pedagógicas sobreprobabilidade, de material didáticoapostilado de uma escola particular,trazidas pela participante Rosana
9Responsáveis:Rosana e Mie
Vídeos(sala de
aula e dogrupo)DiáriosMaterialdidático
Apresentação e discussão de vídeo detrabalho realizado por Mie em escolaparticular dos anos iniciais de Atibaia
2.ºsem.2011
26/08/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Estudo de texto escolhido pelosparticipantes: “Crianças, máscaras,eleições municipais e gráficos... tudo aver” (FIGUEIREDO, 2002).
5Responsável:
Keli
VídeoDiário
2.ºsem.2011
23/09/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Estudo de texto escolhido pelosparticipantes: “De olho na Mamãe”(CAPP, 2002).
5Responsável:
Rosana
VídeoDiário
2.ºsem.2011
21/10/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Discussão de situação pedagógica parao 1.º ano, selecionadas de livro didáticoadotado pela rede municipal de Atibaia(MILANI; IMENES; LELLIS, 2008a)
4Responsável:
Keli
VídeoDiárioLivro
didático2.º
sem.2011
04/11/2011Sexta-feiraDas 18h10às 19h15
Discussão de situação pedagógica parao 1.º ano e 2.º ano, selecionadas delivro didático adotado pela redemunicipal de Atibaia (MILANI; IMENES;LELLIS, 2008a, 2008b).
3Responsável:
Keli
VídeoDiárioLivro
didático
2.ºsem.2011
08/12/2011Quinta-feiraDas 19h30
às 21h
Finalização do ano.Avaliação
4Responsável:
Keli
AvaliaçõesDiário
Fonte: Diário de pesquisa
Optamos por apresentar o dia da semana em que os encontros
ocorreram, com o objetivo de ressaltar que buscávamos sempre atender as
possibilidades de participação dos membros do grupo. Para complementar as
informações, incluímos o número de participantes, o responsável pela
coordenação do encontro e a forma como foram registrados os dados.
A cada semestre tivemos mudanças no grupo, com relação à composição
e ao número de participantes. Embora não fosse nosso objetivo controlar a
frequência, no sentido de fiscalização punitiva ou premiação, registramos a
presença de cada um, para fins de acompanhamento do grupo. Apresentamos
os dados da cada participante em relação ao semestre em que participou
(Quadro 4), inspirado em Azevedo (2012)..
Quadro 4: Presença dos participantes em relação ao semestre.
Participantes 2.º Semestrede 2010
1.º Semestrede 2011
2.º Semestrede 2011
Silvana X XEduardo X X XRosana X X XMie X X XRoseli X X XÉrica X XCíntia X XThaynara X XKeli X X X
Fonte: Organizado pela autora com dados da pesquisa.
Vale destacar que, como era de se esperar, o grupo não começou
colaborativo, mas concordamos com Ferreira (2003), quando apresenta alguns
cuidados que precisamos tomar. Baseamo-nos na concepção de Johnston e
Kairschner (1996 apud FERREIRA, 2003, p. 82).
A colaboração não pode ser imposta, ela deve ser construída. Ela éconstruída dentro de relacionamentos nos quais os indivíduos sentemvontade de compartilhar suas diferenças e, ao contrário das formastípicas de autoridade atribuídas aos papéis e relacionamentosinstitucionais, busca por formas mais inclusivas de envolver múltiplasperspectivas e fala através das questões da confiança, mutualidade eequidade. Estabelecer relacionamento leva tempo.
Era esperado que eu, formadora, apresentasse os materiais e
conduzisse as reuniões, porém, gradualmente, todos passaram a participar das
decisões, assumindo responsabilidades no trabalho do grupo, preparando ou
indicando materiais. Foram surgindo indícios de aspectos ou princípios que, de
acordo com Fiorentini (2004), são característicos de um trabalho colaborativo:
voluntariedade, identidade e espontaneidade; liderança compartilhada ou
corresponsabilidade; apoio e respeito mútuos. Esse movimento vem ao
encontro do que Fiorentini (2004, p. 53) afirma sobre a voluntariedade,
identidade e espontaneidade:
[...] Mas, à medida que seus integrantes [do grupo] vão seconhecendo e adquirem e produzem conjuntamente conhecimentos,os participantes adquirem autonomia e passam a autoregular-se e afazer valer seus próprios interesses, tornando-se, assim, gruposefetivamente colaborativos.
Sobre a liderança compartilhada ou corresponsabilidade, o autor, na
página 55 da mesma obra, afirma que “desde o início do projeto, são
negociadas responsabilidades a serem assumidas por cada um dos
participantes”. E sobre o respeito mútuo assim se pronuncia:
O grupo, nesse caso, tem, de um lado, manifestado profundo respeitoaos saberes conceituais e experienciais que cada professor traz paraos encontros, bem como em relação às suas dificuldades e possíveisfalhas, e, de outro, dando apoio efetivo e tentando encontrarcolaborativamente soluções para os problemas. Isso tem contribuídopara aumentar a confiança, a auto-estima e o respeito mútuo dosprofessores (FIORENTINI, 2004, p. 57).
Para apresentar a análise, como pesquisadoras, compusemos esta
narrativa, respeitando a ordem cronológica em que ocorreram os encontros do
grupo. Escolhemos detalhar alguns momentos transcritos dos arquivos de
vídeo – de acordo com Powell, Francisco e Maher (2004) – e analisá-los, tendo
como referência eixos temáticos. Sendo assim, para a elaboração da narrativa,
usamos os meus diários de pesquisa como elemento disparador, além do
referencial teórico. Fizemos uso também das transcrições das falas gravadas
em áudio e em vídeo, priorizando essa última, a fim de compor outros olhares
sobre o que foi desenvolvido.
Para o processo de análise, os dados foram categorizados em eixos de
análise, descritos a seguir. Eles aparecerão no decorrer da narrativa.
4.6 Eixos de análise
Os eixos não foram definidos a priori: emergiram no processo de análise
do material produzido no trabalho de campo, nas interações entre os
envolvidos, procurando captar não apenas o que ficou explícito, mas “buscando
indícios” (GINZBURG, 1999) que evidenciassem as percepções ocorridas.
Quando mencionamos “indícios”, estamo-nos referindo ao paradigma indiciário
do referido autor, que nos ajuda metodologicamente a investigar, usando
pistas, marcas, sinais, que nem sempre são perceptíveis de imediato. Segundo
Ginzburg (1999, p. 177), “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas –
sinais, indícios – que nos permitem decifrá-la”. Para essa busca, as conversas
com a bibliografia e a leitura de outros textos, na mesma perspectiva, foram
fundamentais, assim como a leitura e a revisão cuidadosa dos múltiplos
registros realizados durante o trabalho de campo, como gravações de áudio e
vídeo, diário de pesquisa e formulários de identificação respondidos pelos
participantes do grupo Estatisticando. O processo de construção dos eixos de
análise pode ser caracterizado, de acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006, p.
135), como emergente-misto, pois emergiram “mediante um processo
interpretativo, diretamente do material de campo” e no “confronto entre o que
diz a literatura e o que encontra nos registros de campos”.
Com o propósito de analisar o percurso vivenciado pelos participantes
do Estatisticado, para explicitar as respostas à questão de investigação: Que
indícios de desenvolvimento profissional apresentam os professores e futuros
professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental
em contextos colaborativos em práticas de letramento estatístico?,
relacionamos as informações com os seguintes eixos de análise:
Eixo 1 – Complexidade do desenvolvimento profissional
Estamos entendendo o desenvolvimento profissional aqui como o
“caminhar para a mudança”, de acordo com Ferreira (2003), pensando na
evolução. Compõem este eixo dois subitens:
a) Desenvolvimento profissional do professor como desenvolvimento de
conhecimento na perspectiva do letramento estatístico;
b) Desenvolvimento profissional do professor como desenvolvimento de
si mesmo ou pessoal.
Embora tenhamos descrito esse eixo de forma subdividida,
consideramos que estão interligados.
O desenvolvimento profissional, como desenvolvimento de
conhecimento na perspectiva do letramento estatístico, considerado fora do
contexto, pode ser apontado como mecânico ou relativo à ideia de frequentar
cursos, mas, segundo nosso entendimento, o conhecimento é potencializador
do desenvolvimento pessoal dos participantes. Para nós, nesse contexto,
aprender é “alterar, ampliar/rever/avançar em relação aos próprios saberes, à
própria forma de aprender e à prática pedagógica” (FERREIRA, 2009, p. 274).
Os professores e futuros professores podem caminhar para a mudança – cuja
necessidade se revela na sua própria sala de aula –, ao aliar seus saberes e
práticas num contexto colaborativo, para estudar e refletir conjuntamente a
partir de suas necessidades e demandas, com auxílio de produções de
diversas instâncias (elaboradas por acadêmicos, por professores, pelo
governo) e da sua própria produção.
O desenvolvimento profissional do professor como desenvolvimento de
si mesmo ou pessoal também envolve toda a pessoa que o professor é, suas
crenças, seus pensamentos e atitudes. Esse desenvolvimento também pode
ser influenciado, de acordo com Oliveira-Formosinho (2009), pela maturidade
psicológica, pelos ciclos de vida e pela dimensão da carreira profissional: nosso
grupo tinha participantes de várias idades; sem filhos e com filhos de várias
idades; solteiros ou casados; ainda em formação, em início de carreira ou já na
aposentadoria.
Assim, tendo como ponto de partida os desafios da prática educativa,
num contexto de colaboração formado por uma pesquisadora, professores e
futuros professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, almejávamos a
produção de conhecimento escolar e docente e o desenvolvimento profissional
dos professores.
Eixo 2 – Colaboração:
a) Contexto de colaboração.
De acordo com Simão et al. (2009), as pesquisas têm demonstrado que
o desenvolvimento profissional (conhecimento, pessoal e curricular) aumenta
quando é valorizado um trabalho colaborativo, em que exista interação,
compartilhamento de experiências de sucesso e de erro, com relação a
contextos em que isso não ocorre. Então estamos entendendo a colaboração e
o contexto colaborativo desenvolvido no grupo Estatisticando como
potencializadores do desenvolvimento profissional de seus participantes.
Consideramos, assim como Ferreira (2009), que juntos aprendemos mais
sobre Estatística, sobre o trabalho com os professores, sobre o trabalho
coletivo e sobre nós mesmos.
Eixo 3 – Letramento (s):
a) Indícios do letramento estatístico
b) Práticas de letramento
De acordo com Rojo (2009), letramento tornou-se um conceito plural, ou
seja, devemo-nos referir a letramento(s). Consideramos que o letramento
estatístico faz parte do(s) letramento(s), a partir da ideia dos multiletramentos e
da preocupação com o ensino a partir das múltiplas demandas do mundo atual.
Os encontros do grupo Estatisticando e seu contexto colaborativo podem
ser tidos como eventos de letramento em que se constroem as práticas de
letramento, pois ali percebemos, nos momentos de discussão e circulação das
ideias estatísticas, indícios do letramento estatístico: questionamentos, dúvidas
e intervenções com as crianças.
Optamos, como já afirmamos, por narrar a análise do trabalho de campo
de forma cronológica e buscando evidenciar os indícios da complexidade do
desenvolvimento profissional, do contexto colaborativo e dos letramento(s). As
narrativas do trabalho de campo encontram-se no capítulo seguinte.
CAPÍTULO 5
Narrativas do trabalho de campo – contexto dedesenvolvimento num grupo colaborativo
“Ensinar não é transferir conhecimento,mas criar possibilidades para a sua
produção ou a sua construção”(Paulo Freire, 2005, p. 24)
.Durante a composição da narrativa, que ocorreu depois de observar e
descrever os dados (vídeos, diário e outros materiais trazidos pelos
participantes), foram escolhidos alguns momentos gravados em vídeos, que
julgamos importantes. Eles foram transcritos para este capítulo e depois
analisados à luz de nosso referencial teórico e dos eixos de análise. Buscamos
evidenciar, ao longo da narrativa, os processos de desenvolvimento
profissional na perspectiva do letramento estatístico em contextos colaborativos
do grupo Estatisticando.
5.1 Pontapé inicial
Nosso objetivo neste capítulo foi narrar o primeiro encontro do grupo,
apresentando os primeiros participantes, explicitando nossos objetivos da
formação daquele grupo de estudos que almejava ser colaborativo e
escolhendo nosso nome: Estatisticando.
Esse encontro foi realizado em 02/09/2010. Como pesquisadora, me
responsabilizei pelos primeiros registros, feitos em áudio e no diário de
pesquisa. Várias pessoas aceitaram nosso convite, feito por e-mail a alunos,
ex-alunos e colegas professores da rede pública e particular de Atibaia. E
foram chegando... Totalizamos 12 pessoas – estudantes do curso de
Pedagogia e da Licenciatura em Matemática e professores da Escola Básica
do município de Atibaia.
De início, os presentes foram convidados a se apresentar e a responder
voluntariamente a uma questão: “O que o trouxe aqui?”. Afinal, responderam a
um convite que expressava “Grupo de estudos em Estatística”.
Apresentamos aqui os primeiros interessados – que permaneceram no
grupo durante todas as reuniões, enquanto o Estatisticando existiu – e seus
anseios com relação aos encontros:
Rosana: Eu sou Rosana. Eu faço Pedagogia e todos os cursos queeu tenho possibilidade de vir, principalmente a matemática, porquetive muitas dificuldades com matemática, então busco abrir-memelhor para ela, entendê-la melhor é interessante, tanto para mimquanto para os meus filhos e para os meus futuros alunos, que aindafaltam um ano e meio para me formar, mas eu tenho certeza que vaiacrescentar muito o conhecimento e ajudá-los também, porquesempre a matemática é tratada muito séria, assim, é abominável amatemática. Por exemplo, a minha filha tem dez anos e na escolatodos têm medo da matemática, um ou dois não têm. Dá para contarna sala dela quem vai bem, quem tira nota boa, quem não temdificuldade, mas a maioria das crianças, pelo que eu converso com asmães, têm dificuldade em matemática.
Eduardo: Eu sou o Eduardo, atualmente eu faço pós-graduação aquitambém em educação infantil e conheço o trabalho da Keli, trabalhocom ela aqui na faculdade, ela foi a minha professora, eu gosto muitodo trabalho que desenvolve com a matemática e vim também buscarcoisas novas, aprofundar o que tive com ela e com outras professorasna Pedagogia. Considerando que também atuo em sala de aula,como professor, então acho que é importante buscar coisas a maispara desenvolver um bom trabalho enquanto professor.
Silvana: Bom, meu nome é Silvana, eu me formei em Pedagogia, noano passado, com aquela turma ali e agora eu estou fazendo umapós em Design Educacional em Itajubá. E sou funcionária daprefeitura em Educação Infantil. Você mandou um convite, eu achei aideia muito legal, e na realidade é a primeira vez que eu participo deuma coisa assim, não conheço, não sei como é, não sei comofunciona, nada. Então eu vim para ver. Só que minha únicadificuldade é que eu não consigo chegar muito cedo, precisa ver dia ehorário que seja conveniente para todo mundo.
Mie: Mie, estudante de Pedagogia, quero saber, pois na aula há muitagente, sem espaço para perguntar e aqui pode ser diferente. Moravaantes no Japão. (Arquivo de áudio da pesquisadora. Intervalo detempo do áudio: 0:2:30 a 0:6:50; 0:13:20 a 0:15:24; 0:17:0 a 0:19:50).
Explicitei, então, aos presentes, meus motivos, ligados à minha pesquisa
e alguns objetivos e motivações de um grupo que pretende ser colaborativo.
Expus que não se tratava de um curso, mas de um grupo de estudos, que se
constituía naquele momento a partir de um interesse: o estudo da Estatística e
do letramento estatístico. Naquela oportunidade, eu quis “colocar as cartas na
mesa” para que os interessados em participar tivessem ciência do que se
pretendia:
Keli: A primeira coisa é que eu pretendo fazer doutorado. Este é meuprincipal objetivo. No doutorado, eu quero pesquisar Estatística, seuensino e aprendizagem. Vocês sabem que eu fui professora dasséries iniciais também, e no mestrado eu trabalhei com Estatística,mas, quando eu era a professora nessa faixa etária, percebia,conversava com muitos e via que a Estatística não acontecia na salade aula das séries iniciais. E depois recebia alunos que não tinhamtido contato com situações pedagógicas de Estatística e doTratamento da Informação. Então estranhava muito, porque eupegava também estudantes mais velhos, das séries finais do EnsinoFundamental, e nada de estatística. Não sabia exatamente do que setratava. E isso me motivou a pesquisar. Depois eu posso até contarmais sobre isso. Então isso me motivou a escrever um projeto, e foipara a Faculdade de Educação da Unicamp. Eu fiz o mestrado lá. Euestou levantando uma questão no princípio de que, muitas vezes, osprofessores não trabalham, não têm vivências, pois se eu não tenhosegurança, fica mais ou menos assim: ”vamos tentar outra situação?”;”vamos fazer outra coisa?”. Então eu queria montar um grupo deestudos, e não um curso, porque um curso eu tenho um certificado,tenho os custos, eu tenho uma determinada quantidade de horas eum currículo preestabelecido; e aqui eu não tenho um currículopronto. E um grupo de estudos a gente vai escolher “o que eu queroestudar desta temática?”. Então o nosso foco vai ser a EducaçãoInfantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental, embora possaatingir os estudantes maiores, mas quero deixar todos cientes disso(Arquivo de áudio da pesquisadora. Intervalo de tempo: 0:6:50 a0:09:40 ).
A fim de tentar mobilizar os professores e futuros professores a querer
fazer parte de um grupo, ciente do que Fiorentini (2004, p. 54) apresenta: “a
opção por determinado grupo (ou querer fazer constituir um), entretanto, é
influenciada pela sua identificação com os integrantes do grupo e pela
possibilidade de compartilhar problemas, experiências e objetivos comuns”,
reforcei que a identificação não se dá apenas pela presença de colegas ou
parceiros, mas pela disposição em compartilhar espontaneamente. Procurei
motivá-los, conforme a transcrição, a seguir, procura revelar:
Keli: Outra coisa é que a gente acredita no professor comoprotagonista da sua formação. E um grupo que não tenha certo ouerrado, que seja um grupo de estudos, uma perspectiva colaborativa,onde o grupo não dependa só de mim, mas do compromisso das
pessoas consigo mesmas e com o grupo, de querer estudar. Por issoque eu convidei professores, para podermos fazer parceria daquelesque têm mais experiências com aquele que está já buscandoexperiências. Isso é muito importante, porque o experiente apoiaaquele que está começando; quem está começando ajuda quem jáestá na prática... Então essa é a ideia... (Arquivo de áudio dapesquisadora. Intervalo de tempo: 0:09:43 a 0:13:20 ).
Com o objetivo de direcionar o próximo encontro do grupo, como
pesquisadora, eu havia selecionado para esse primeiro momento alguns
materiais que já vínhamos estudando ou havíamos produzido, minha
orientadora e eu, como, por exemplo, Lopes e Moura (2002); minha dissertação
(CONTI, 2009); e alguns artigos publicados, como Conti (2009) e Carvalho e
Conti (2009).
Silvana sugeriu como nome do grupo, o termo “Estatisticando”, pois essa
era uma expressão que aparecia com frequência nos materiais que expus aos
participantes, em títulos ou subtítulos, como, por exemplo, na minha
dissertação, em artigos e capítulos de livros. Com a aprovação dos colegas,
esse foi o nome que assumimos e que também foi usado para o grupo de e-
mails que foi criado.
A fim de organizar nossos encontros, ficou estabelecido, a partir de uma
discussão conjunta, em que os participantes sugeriram as datas, o seguinte
cronograma com que pretendíamos atender as necessidades e as dificuldades
de horário de todos e as leituras escolhidas:
- 09/09/2010 – Quinta-feira, 18h10. Tema: O que é letramentoestatístico? Responsável: Keli;- 23/09/2010 – Quinta-feira, 18h10. Discussão do texto: “Adivinhequem vem para ficar?” (Jonsson, 2002). Responsável: Rosana;- 02/10/2010 – Sábado, 10h. Tema: O que é letramento estatístico?Discussão do texto: “Adivinhe quem vem para ficar?” (Jonsson,2002). Responsável: Keli. Esse encontro acabou não tendoparticipantes. (Diário de pesquisa, 02 set. 2010, com anotações feitasposteriormente).
Nesse momento eu considerava importante a minha liderança, a fim de
organizar o tempo e fazer o grupo dar os “primeiros passos”.
Inicialmente, foram programados três encontros, os dois primeiros às
quintas-feiras e o terceiro, num sábado, repetindo o que havia sido proposto
para discussão nos dois primeiros, pois alguns participantes já tinham
compromissos nas quintas-feiras estabelecidas, mas depois disso poderiam se
organizar para as seguintes. Consideramos que isso poderia ajudar os
interessados em participar, mesmo os que tinham restrições com relação às
primeiras datas. Infelizmente o encontro de sábado só contou com a minha
presença. Entendemos que, numa carreira com uma carga horária tão grande e
na maior parte do tempo se dividindo em duas escolas, o professor não
consegue se comprometer também no sábado.
Consideramos importante que, já nos primeiros encontros lêssemos
algum texto. Rosana se voluntariou em escanear o texto e providenciar, via e-
mail, o compartilhamento, com os colegas, do material a ser lido previamente,
ou seja, o texto de Jonsson (2002). Ofereceu-se também para coordenar a
discussão.
Após a finalização do encontro, consideramos que foi um bom “pontapé
inicial” para o Estatisticando.
5.2 O conceito de letramento estatístico
No dia 09/09/2010 tivemos nosso primeiro encontro de estudos
propriamente dito e, como agendado, nosso objetivo foi conhecer e discutir os
conceitos de letramento e letramento estatístico, a partir da questão: “O que é
letramento estatístico?”.
Como primeira tarefa, houve a leitura, aos presentes, dos registros do
encontro anterior, buscando, com isso, começar uma prática de escrita e de
valorização de registros do grupo.
Consideramos que o termo e o tema “letramento estatístico”
despertaram curiosidade e interesse nos participantes, desde o encontro
anterior, pois aparecia com frequência nos materiais apresentados.
Para iniciar nosso estudo e nossas discussões, os participantes foram
indagados sobre o que entendiam por “letramento”, se já haviam ouvido esse
termo, se tinham estudado sobre isso. Tratava-se do levantamento das
concepções iniciais a respeito do assunto. Com isso, foram surgindo as
primeiras ideias apresentadas pelos participantes, algumas das quais
transcrevemos:
Eduardo: Eu já vi algumas discussões sobre a diferença que se tementre alfabetização e letramento. Vamos ver se eu lembro. Enquantoalfabetização está ligada à questão da criança aprender ler, escrever,reconhecer as letras, letramento está ligado às questões de leitura demundo.
Rosana: Eu não sabia exatamente qual definição para esseletramento. Letramento vem de letra...
Silvana: Eu acho que tem um pouquinho a ver com a vivência social.(Arquivo de áudio da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:2:15 a0:4:04)
Talvez Eduardo tenha trazido a concepção de letramento que se
aproxima mais daquela que temos trabalhado. Notamos que ainda havia certo
receio, por parte dos participantes, em apresentar suas ideias.
Foi apresentado então um texto, com cópias para todos. Tratava-se de
um excerto da minha dissertação (Apêndice D). Esse se constituiu num
momento que Bevilaqua (2013) classifica como evento e prática de letramento.
Um evento mediado pela escrita, materializado pelo texto de apoio, em que as
práticas se apoiam no individual e no social e surgem nas relações.
Iniciamos a leitura com as definições usadas por Soares (2003) e o
contexto histórico que essa autora apresenta. A partir daí, fomo-nos
aproximando das discussões de letramento estatístico. Também observamos e
discutimos cada item do “modelo de letramento estatístico” de Gal (2002). Os
participantes foram apresentando também exemplos pessoais, como a
participação numa pesquisa a respeito de intenção de voto e os levantamentos
estatísticos para um trabalho de conclusão de curso, ilustrando o que estava
sendo apresentado, ou como forma de tornar mais próxima a teoria.
Durante as discussões, em alguns momentos foram levantadas as
questões de como a Estatística pode ser usada para manipular as pessoas,
principalmente quando se tem pouco conhecimento sobre o assunto, e a
importância dos vários elementos apresentados por Gal (2002),
exemplificando-os. Seguem transcrições de arquivo de áudio, dos momentos
que consideramos importantes por estar em foco o desenvolvimento
profissional como desenvolvimento de conhecimento. Esse evento de
letramento se concentrou no conhecimento da Estatística (conteúdo
específico), de acordo com Shulman (1987):
Keli: Alguém aqui já foi entrevistado para essas questões de eleição?Em algum ano?
Silvana: Em algum ano já!... Foi uma... como eu explico... eu estavaem São Paulo, tinha ido no Museu do Livro, não Museu da LínguaPortuguesa e uma turma de uma faculdade, mas não me lembro donome. Estavam fazendo pesquisa para um trabalho deles lá. E aí,eles perguntaram se tinha alguma preferência por candidato. Já fazbastante tempo isso. Não deve ter sido à toa. Não era nenhum"Ibope" assim.
Keli: Uma pergunta: Se eu entrevisto pessoas que estão num museu?Museu da Língua Portuguesa?
Mie: Professor, estudante, quem gosta de leitura, assim alguma coisaintelectual.
Keli: Entendeu? Quando eu estou fazendo uma pesquisa num lugarassim, pode ser que eu esteja privilegiando uma parcela, mas não seiqual era exatamente a pesquisa. Mas vamos percebendo esseselementos. Se fosse uma pesquisa numa feira?
Rosana: Às vezes eles fazem uma "lavagem cerebral" assim napessoa. Ficam martelando aquilo até a pessoa falar: vou votar,porque a gente vai ganhar. Aí depois ela vai dizer que "fui eu quevotei na pessoa que ganhou".
Roseli: Tem gente que tem pensamento assim: "eu sabia que fulanoia ganhar".
Keli: E isso mostra a influência da Estatística na nossa vida cotidiana.(Arquivo de áudio da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:19:45 a0:21:50).
Nesse momento do encontro, estávamos refletindo a respeito do modelo
do letramento estatístico proposto por Gal (2002) e exemplificando o que o
autor classifica como elemento de conhecimento: questionando as informações
que nos chegam e acreditando em nosso poder de ação crítica.
Especificamente no trecho “Quando eu estou fazendo uma pesquisa num lugar
assim, pode ser que eu esteja privilegiando uma parcela, mas não sei qual era
exatamente a pesquisa. Mas vamos percebendo esses elementos. Se fosse
uma pesquisa numa feira?” (Keli), são levantados exemplos a respeito do que
Gal (2002) chama de questionamento crítico.
38 Aqui a participante estava se referindo a uma empresa privada chamada IBOPE – InstitutoBrasileiro de Opinião Pública e Estatística – que costuma realizar pesquisas no País.
Nos trechos “Às vezes eles fazem uma ‘lavagem cerebral’ assim na
pessoa. Ficam martelando aquilo até a pessoa falar: vou votar, porque a gente
vai ganhar. Aí depois ela vai dizer que ‘fui eu que votei na pessoa que ganhou’”
(Rosana) e “Tem gente que tem pensamento assim: ‘eu sabia que fulano ia
ganhar’” (Roseli), nossa crítica foi justamente a falta de crença, por parte de
muitas pessoas, em seu poder de ação crítica, exemplificando o que Gal (2002)
chama de elementos de disposição e, especificamente, a postura crítica.
Outros elementos apontados por Gal também foram aparecendo ao
longo das discussões, como neste momento em que Rosana exemplifica o
conhecimento estatístico (Gal, 2002):
Rosana: Numa empresa que eu trabalhei, eu precisava explicar parao meu contratante o que estava dizendo aquele gráfico, se eu sóapresentasse o gráfico ele não sabia do que se tratava, pois o gráficopor si só não explica, você precisa interpretá-lo. Eu acho a maioriados gráficos confusos. (Arquivo de áudio da pesquisadora. Intervalode tempo 0:24:45 a 0:25:39).
...
Rosana: o gráfico pode enganar visualmente também (Arquivo deáudio da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:26:15 a 0:26:19).
Mie e Silvana apontaram situações envolvendo a importância do
conhecimento matemático e seu papel no letramento estatístico, como apoio ao
conhecimento estatístico:
Mie: Se tem seis pessoas, três já são 50%. É preciso saber quantaspessoas.
Silvana: Tive uma experiência no TCC, de 100 questionários, cincoresponderam, então o meu grupo de análise tinha cinco pessoas e eutentei trabalhar com porcentagem, então ficava 20% dosentrevistados, ou seja uma pessoa... a Keli me ajudou nesse sentido.(Arquivo de áudio da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:26:59 a0:27:26).
O conhecimento contextual como fonte para a interpretação dos
resultados foi apontado por Rosana:
Rosana: Isso é manipulado também dentro das empresas, parasatisfazer o cliente. Manipulam a informação. (Arquivo de áudio dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:28:16 a 0:28:22).
Mais ao final do encontro, apareceram indícios do retorno ao tema
“letramento”, com foco nas habilidades de letramento apontadas por Gal (2002)
e em sua importância, quando pensamos no ensino de Estatística caminhando
para o letramento estatístico. Eis um trecho desse diálogo:
Rosana: É uma ideia legal de perspectiva de trabalho!
Mie: Em sala de aula é possível fazer todo dia, como, por exemplo,na quantidade de crianças.
Keli: Não é só ensinar Estatística pura, mas deve ser um ensino deEstatística com compreensão.
Roseli: Vai ser natural depois para eles [as crianças] falarem depois.
Keli: Tem pessoas que sabem construir um gráfico, mas quando sedeparam com essa questão... nas reportagens, de realmenteconseguir interpretar, porque a nossa sociedade está cheia dessasinformações. Em tudo aparece questões de Estatística. (Arquivo deáudio da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:44:49 a 0:46:00).
Também surgiram elementos que nos fazem pensar sobre um trabalho
que não contribui para o desenvolvimento de pessoas estatisticamente mais
competentes, questionando e revelando a preocupação com a forma de
trabalho com as crianças. Percebemos também indícios de indignação com
relação a essa formação que tiveram ou à ausência dela:
Rosana: Eu acho que não estudei estatística na escola. Eu fico aquicavando para ver se eu lembro coisas, mas contato com Estatísticafoi no trabalho, quando precisei montar gráfico.
Silvana: Eu... foi no trabalho.
Rosana: Uma coisa... Quando eu comecei a trabalhar eu sofri muito,não sabia nem fazer o cálculo de percentual... Não sabia... quando eucomecei a trabalhar e tinha 15 anos.
Mie: Não estudou?
Rosana: Não foi trabalhado de uma forma clara, para mim!
Silvana: Para passar de ano tinha que decorar.
Rosana: E era decorado!
Silvana: Fez a prova, passou... esqueceu. (Arquivo de áudio dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:43:19 a 0:44:00).
Segundo Day (2001), um resultado necessário do desenvolvimento
profissional é a mudança do professor, e esse, na sua complexidade, depende,
entre outros fatores, das suas experiências passadas, como história de vida; e
o empenho no processo de mudança implica ultrapassar a transmissão de
conhecimento e a crítica de suas experiências passadas.
As discussões no grupo poderiam continuar e ser aprofundadas, mas
tivemos o tempo como limitador, embora a temática tenha voltado às
discussões dos encontros seguintes. Concluímos ter sido um evento de
letramento, estruturado de acordo com as expectativas dos participantes, em
que o texto pode ser considerado uma parte fundamental nas reflexões,
implicando valores, atitudes e sentimentos nas relações sociais.
5.3 Situação pedagógica desenvolvida com crianças da Educaçãoinfantil
Nosso objetivo no encontro do dia 23/09/2010, foi conhecer uma
situação pedagógica desenvolvida com crianças da Educação Infantil e, para
isso, o grupo selecionou em nosso primeiro encontro o texto “Adivinhe quem
vem para ficar?”, de Jonsson (2002), que pôde ser disponibilizado com
antecedência, porque Rosana escaneou o material e providenciou o envio por
e-mail aos participantes.
Mas antes de iniciar as discussões a respeito do texto, perguntamos se
havia acontecido a alguém alguma coisa referente à Estatística, desde nosso
último encontro, lembrando que haviam se passado 15 dias. Uma das
participantes, Roseli, comentou que durante a semana houve situações
pedagógicas envolvendo gráfico na escola em que ela realiza estágio. Devido à
curiosidade dos participantes, combinamos que, se possível, ela traria o
material, para que pudéssemos observar e discutir em um de nossos
encontros. Outra participante, Rosana, comentou que notou algo na tarefa
escolar da filha, principalmente quanto à organização de dados, mas não um
gráfico, propriamente dito. Mas o momento que considerei mais importante foi
quando comentamos que eu havia recebido a visita “do censo”, ou seja, de um
recenseador, pois naquele momento estávamos num processo de pesquisa
nacional39. Como outras pessoas do grupo também já haviam recebido a
mesma visita em outro momento, conversamos mais descontraidamente sobre
isso. A transcrição de áudio revela esses momentos:
Rosana: As pesquisas mostram... são alfabetizadas...
Roseli: Mas será que estão entendendo o que estão lendo?
Rosana: Eu conheço pelo menos 7 pessoas que moram próximas àminha casa e que sabem muito pouco assim... ler... e sãoconsiderados alfabetizados.
Keli: A pergunta é feita dessa forma [você sabe ler e escrever], paraatender a quem? Eles não perguntam se a pessoa consegue lerjornal e entender, por exemplo (Arquivo de áudio da pesquisadora.Intervalo de tempo 0:9:10 a 0:11:04).
Rosana: Eu achei que fosse um padrão, mas, pelo que eu estouvendo, em cada lugar eles [recenseadores] perguntam uma coisa.Devia ter um padrão. Se é uma pesquisa só, por que essa diferença?
Silvana: Acho que é porque, quando os recenseadores fazem ocurso, cada um fez em um lugar e também recebe aquela maquininhae interpreta a sua resposta.
Rosana: Mas a pergunta já vem fechada, só para assinalar namaquininha.
Silvana: Me fizeram diversas perguntas: “quantas pessoas moram emcasa?”, “como é estrutura da casa?”, e a moça perguntou para gentese a gente tinha acesso à informação, por exemplo, televisão, jornal,revista. Foi a única pergunta que eu achei bem diferente assim...
Keli: Olha que pergunta que dá várias interpretações: “Você temacesso a jornais, TV, computador?”. A pessoa pode dizer que tem,porque na casa dela tem, mas pode ser que ela não saiba ler, mas nacasa dela alguém lê e ela acaba tendo acesso às informações viaoutra pessoa. Ter acesso a informação não quer dizer que a pessoafaça uso dela nas práticas sociais necessariamente (Arquivo de áudioda pesquisadora. Intervalo de tempo 0:17:10 a 0:18:04).
Depois, retomando as gravações, pudemos constatar que algo já havia
mudado na fala de algumas pessoas, ou seja, percebemos mudança de
discurso: houve indícios da ressignificação do que discutimos no encontro
anterior, com relação aos termos “alfabetização e letramento”, na perspectiva
dos autores Soares (2003) e Gal (2002), e apropriação das ideias desses
39 O Censo 2010, como os anteriores, compreendeu um levantamento minucioso de todos osdomicílios do País. Nos meses de coleta de dados e supervisão, 191 mil recenseadoresvisitaram 67,6 milhões de domicílios nos 5.565 municípios brasileiros para colher informaçõessobre quem somos, quantos somos, onde estamos e como vivemos (Fonte: IBGE – InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística)
autores na fala dos participantes, quando, por exemplo, os participantes
começaram a questionar a forma com que as pesquisas foram feitas.
Consideramos um dos indícios do conceito de letramento estatístico
apresentado por Gal (2002) e classificado como um “elemento de disposição”,
chamado de “crenças e atitudes”, quando expressaram seus questionamentos
para algo que estiveram vivenciando.
Passamos às discussões do texto propriamente dito, que consideramos
momento de práticas e evento de letramento, mas não mais importantes que
nossas discussões iniciais.
Eduardo comentou que o que mais chamou sua atenção no texto foi que
ele desmitificou um pouco a questão de que “Tratamento da Informação” é
apenas “gráfico”, pois isso é o que lhe tinha sido apresentado até então.
Silvana comentou que a situação pedagógica desenvolvida pela professora,
autora do texto que estava sendo estudado, levou as crianças a raciocinar,
elaborar o pensamento a partir da proposta de escolher um animal que poderia
ser criado na escola. Retomamos a questão apresentada no texto que lemos:
“Que animal seria possível ser criado em nossa escola? Qual animal seria
impossível e o pouco provável?” (Jonsson, 2002, p. 32). Eis o que
selecionamos do arquivo de áudio:
Eduardo: O que mais me chamou a atenção foi um pouco do que ascrianças trabalharam, essa questão de que não é só a elaboração degráfico. Isso para mim serve um pouco por que a vivência que eu tivede escola, do contato com outros professores era de que oTratamento da Informação era GRÁFICO, GRÁFICO, GRÁFICO, e euachei que nessa atividade apresentada não tem a elaboração degráfico. Foi diferente, pois trabalhou com outras coisas.
Rosana: Eu fiquei pensando. Como que eu vou fazer uma atividadecom as crianças? Me senti a pior das piores, que atividade eu poderiamontar que estivesse nesse sentido? Não sei. (Arquivo de áudio dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:18:37 a 0:20:0).
...
Silvana: Isso de levar as crianças a argumentarem, verbalizar. "Queanimal seria possível ser criado em nossa escola?". Bem diferentedaquilo que a gente vê bastante ainda na Educação Infantil, em que oprofessor chega com as coisas prontas: hoje nós vamos estudarsobre o pintinho ou nós vamos estudar o tal do coelho porque éPáscoa.
Keli: É verdade.
Silvana: As datas comemorativas, consideradas o máximo dosmáximos na Educação Infantil e às vezes se faz isso tãoautomaticamente, tão automaticamente que não permite à criançapensar, elaborar pensamento, verbalizar o que ela acha sobre aquilo.Então foi uma maneira bem inteligente que ela encontrou, e aí euentendi que não foi imediato, eu entendi que levou um certo tempo.
Rosana: Não estava pronto, a professora forçou eles a pensarem.
Silvana: Deve ter tido pesquisa, uma roda de conversa muito legal!(Arquivo de áudio da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:20:50 a0:22:49).
Com relação à associação do termo Tratamento da Informação aos
gráficos, conforme mencionado por Eduardo, Lopes (2010) aponta que o
pensamento estatístico, para a realização de inferências, também combina
ideias acerca dos dados e da noção de incerteza, sendo necessário o
pensamento probabilístico na tomada de decisões. De acordo com a mesma
autora (1998), isso pode ser reflexo do ensino de Estatística e Probabilidade
como um momento para a realização de cálculos, exercícios mecânicos,
aplicação de fórmulas e leitura de tabelas que provavelmente não viabilizam o
desenvolvimento do pensamento estatístico e probabilístico e sua utilização
para resolução de problemas.
Chamamos a atenção, durante nossa conversa, para o tempo em que a
professora, autora do texto lido, havia realizado a situação pedagógica: três
dias é um período longo. Essa questão do tempo no desenvolvimento de uma
situação pedagógica com as crianças acabou sendo retomada nos encontros
posteriores, em que tivemos a apresentação de trabalhos desenvolvidos pelos
participantes em sala de aula.
Também comentamos que, caso a situação pedagógica tivesse sido
realizada em outra escola, a sensibilidade poderia ser outra. Por exemplo, a
questão seria: “Qual bicho é possível criar numa escola de zona rural”? São
contextos diferentes, e por isso as crianças poderiam levantar possibilidades
diferentes. Chamamos a atenção do grupo também para a questão do universo
dos “possíveis” e “impossíveis” e da probabilidade de ocorrência de um evento,
que era apresentado pela autora do texto que estávamos discutindo. Eduardo
também comentou que as pessoas trabalham muito com chance no dia a dia,
por exemplo, há “tantos por cento de chance de chover hoje”.
Já caminhando para a finalização do encontro, retomei uma anotação no
diário de pesquisa, a respeito da baixa autoestima de Rosana, quando
comentou que se sentiu “a pior das piores”, ao mencionar a possibilidade e,
indiretamente, sua insegurança para realizar uma proposta de trabalho desse
tipo com crianças. Perguntei, então, se os participantes se sentiam capazes de
realizar uma proposta de trabalho como essa que conheceram. Da
audiogravação desse episódio trazemos este excerto:
Eduardo: Eu não sei, eu tenho... a gente estudou um pouco eu sei...eu tenho um pouco aquela noção de Estatística elaboração degráfico. Eu acho que preciso de...
Rosana: Modelos.
Eduardo: Mais situações pedagógicas de trabalho com o tratamentoda informação... Que vão um pouco além.
Rosana: Era a minha dificuldade de colocar alguma coisa, eu queriacolocar alguma coisa, mas fiquei com receio (Arquivo de áudio dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:45:25 a 0:46:39).
Nesse momento não percebemos indícios da confiança dos participantes
para desenvolver algo semelhante com crianças, mas isso era esperado, dado
o curto percurso do grupo até aquele momento. Por indicação dos
participantes, decidimos estudar mais um pouco sobre situações pedagógicas
com crianças da Educação Infantil.
Ficamos contentes com o surgimento de algumas atitudes: assumir uma
tarefa, colaborar com o grupo, como foi o caso de Rosana, ao disponibilizar os
materiais e coordenar as discussões, e de Roseli, ao apresentar material da
escola para nossas discussões. Estes são indícios do que Hargreaves (1998)
chama de cultura da colaboração, em que as relações tendem a ser
espontâneas e voluntárias, demostrando compromisso com o grupo, embora,
em alguns momentos, ainda tenhamos oscilações, como, por exemplo, a fala
de Rosana: “Eu queria colocar alguma coisa, mas fiquei com receio”. Afinal, o
grupo, nesse momento, ainda começava sua caminhada.
5.4 O trabalho com a Estatística na Educação Infantil
Nesse encontro iniciou-se uma prática de levar “lanchinhos” e
guloseimas para as reuniões. A primeira contribuição nesse sentido foi de Mie.
Isso caracteriza o tipo de relação que o grupo começava a estabelecer,
caminhando para a constituição de um contexto colaborativo.
Foram apresentados aos participantes os registros que eu tinha de uma
situação pedagógica desenvolvida com crianças de 3 anos, na ocasião, meus
próprios estudantes. As imagens puderam ser vistas num notebook. Passamos
a relatar aqui a situação pedagógica (Quadro 5):
Quadro 5: Situação pedagógica de Estatística com crianças de 3 anos
Que suco você gostaria que fosse feito na escola?A pergunta que “disparou” nossa situação pedagógica foi “Que suco você gostaria que fossefeito na escola?”. A situação pedagógica foi realizada numa escola municipal de periferia dacidade de Águas de Lindóia, estado de São Paulo, em 2002, motivada pelos trabalhos noGepepei40, que conheci em um evento na Unicamp41.
A primeira coisa que foi levantada com as 15 crianças foram os tipos de sucos queelas conheciam, como forma de trabalhar o universo conhecido por elas. Elas conheciam sucode uva, limão, laranja, abacaxi, acerola, morango e beterraba, que foram ilustrados pelaimagem da fruta ou do legume que os produziria, seguidas também da escrita do nome dafruta (Figura 7).
Figura 7: Sucos conhecidos pelas crianças de 3 anos42
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
40 Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Estatística e Probabilidade na Educação Infantil, entãocoordenado pela Prof.ª Celi Lopes.41 XVI Encontro de Professores de Matemática, promovido em abril de 2002, pelo laboratóriode Ensino de Matemática (LEM) do Instituto de Matemática, Estatística e ComputaçãoCientífica (Imecc). A partir do alto, da esquerda para a direita: uva, limão, laranja, abacaxi. Segunda linha, daesquerda para a direita, morango e beterraba. Última linha: acerola.
No segundo dia de desenvolvimento da situação pedagógica, trabalhei, com ascrianças, os sucos que eles consideravam que seria possível fazer na escola e os queconsideravam pouco prováveis. Durante as nossas discussões, foram eliminados os sucos debeterraba e acerola. A beterraba porque eles não gostavam e acerola porque eles não sabiamonde comprar.
Dando continuidade à situação pedagógica , no terceiro dia, foi escolhido por cadacriança o suco que gostaria que fosse feito na escola e confeccionado um cartão com suaopção desenhada, para representar sua escolha. Considerei interessante a atitude dascrianças com relação ao que foi escolhido: não mudaram de opinião, após a escolha de seuscolegas ou no dia seguinte.
No quarto dia da realização da situação pedagógica é que construímos o gráfico,tendo previamente traçados os seus eixos; e, com o auxílio das crianças , foram colados oscartões, organizados em colunas, com a escolha de cada um.
Figura 8: Gráfico dos sucos conhecidos pelas crianças de 3 anos
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Embora a criança apresentada na Figura 8 ainda não soubesse comparar
quantidades, informando que “7” é maior que “5”, ela foi capaz de informar que o suco queseria feito na escola seria o “suco de abacaxi”, mostrando que a coluna formada pelos cartõesdesse suco era mais alta que a coluna dos outros sucos, como o morango e o limão.
Depois da escolha, compramos o abacaxi, para que fosse feito o suco na aulaseguinte (quinto dia). Nesse momento exploramos o abacaxi e suas características e a receita,antes de degustar o suco, escolhido pela maioria das crianças da turma de 3 anos.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
Também foram apresentadas outras situações pedagógicas, realizadas
de forma semelhante, mas não com tantos detalhes: “salada preferida”,
“programa de TV preferido” e “como está o tempo?” Os participantes foram
fazendo comentários ao longo de toda a exposição, demonstrando entusiasmo,
falaram de situações pessoais, mas o que chamou atenção, mais ao final do
encontro, foi uma pequena mudança de postura numa das participantes, que já
não se sentia com tão baixa estima, de acordo com nossa interpretação. Este
excerto confirma essa constatação:
Rosana: Será que é difícil fazer isso na sala? Rs... Algumasatividades que eu vejo, relaciono com a escola onde estou fazendoestágios, até dá vontade, mas eu não sei como é a abertura paraisso, porque agora tem o livro didático já "fechado" para eles [osestudantes] fazerem. Fico com medo de também atrapalhar otrabalho do professor.
Keli: Acho que, bem planejado, esse trabalho pode dar muito certo!
Rosana: Mesmo agora, quando está acabando o ano, acho que podeser interessante...
Mie: Eles podem ver semelhanças, diferenças...
Keli: Temos que começar desde cedo... senão vamos continuar tendouma situação ruim, como por exemplo, já peguei estudantes da 8.ªsérie que nunca tinham tido contato... Lembram do que contei?
Roseli: É crítica a situação nas escolas... essas atividadescontribuiriam como um todo (Arquivo de áudio da pesquisadora.Intervalo de tempo 0:32:18 a 0:34:17).
No trecho em que Rosana pergunta “Será que é difícil fazer isso na
sala?”, avaliamos que começa a ser cogitada a possibilidade de fazer um
trabalho semelhante com crianças. Percebemos indícios de um aumento na
confiança, com relação ao encontro anterior, mas talvez, nesse momento,
ainda não suficiente para a concretização da proposta, pois o trecho é seguido
de indícios de esquiva, “até dá vontade, mas eu não sei como é a abertura para
isso”.
Mesmo com poucos encontros, já houve indícios da contribuição das
práticas coletivas de reflexão para o desenvolvimento profissional do professor,
como desenvolvimento de conhecimento, que começa a ter reflexos no seu
desenvolvimento pessoal (com relação a se sentir seguro).
5.5 Análise do material disponibilizado por uma participantes
Esse foi nosso primeiro encontro gravado em vídeo. Preferimos iniciar
como esse tipo de gravação apenas quando os participantes se sentissem à
vontade com o grupo e com sua dinâmica. Foi possível notar que os
participantes se sentiram apreensivos apenas nos momentos iniciais da
filmagem, depois se acostumaram com a presença do equipamento e voltaram
ao seu comportamento usual.
Roseli havia proposto que discutíssemos o material que ela havia visto,
referente à construção de gráficos pelas professoras em uma das escolas em
que realizara seu estágio. Roseli conseguiu trazer o material para a reunião do
grupo, conforme propôs.
Constituíram-se, então, como material de análise nesse encontro, cinco
gráficos, apresentados na forma de cartaz, em papel do tipo kraft. Nosso
objetivo foi analisar o trabalho realizado pelas professoras da escola na qual
Roseli estava fazendo estágio, discutindo-o formativamente.
Roseli iria coordenar as discussões, mas, como previu um pequeno
atraso seu, deixou o material (cartazes) previamente na sala em que nos
reuniríamos. Então fomos abrindo os cartazes de forma aleatória.
As discussões começaram com um gráfico que, de acordo com a
indicação, no alto do papel, era do 5.º ano (Figura 9).
Figura 9: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (I)
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Nossas indagações começaram a respeito “do que tratava o gráfico”.
Como ele não trazia um título, mas apenas “5.º ano A”, foi levantado que ele
podia tratar do “esporte preferido dos estudantes” “do esporte praticado pelos
estudantes” ou ainda “do esporte conhecido pelos estudantes”, pois ele
continha um quadro que listava os esportes futebol, natação e judô. Nossas
discussões se focaram na importância do título, da autoria e da data em que foi
realizado, numa situação como essa, em que se sintetizam informações para o
outro, alguém que terá acesso àquelas informações.
As mesmas indagações se repetiram no gráfico seguinte, que foi
continha 4.º ano (Figura 10) e 2.º ano (Figura 11), e outras indagações também
surgiram. Perguntamo-nos onde havia sido realizada a pesquisa. Qual a
escola? Qual a cidade? Quando? Mencionamos a importância dessas
informações para a leitura do gráfico, conforme as imagens e a transcrição de
arquivo de vídeo:
Figura 10: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (II)
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Figura 11: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (III)
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Keli: Gráfico do 4.º ano A.
Eduardo: Falta um título. Não sabermos se é o esporte preferido, se éo esporte praticado...
Silvana: Ou o que eles mais conhecem. Se for comparando com aoutra classe, pode ser o que eles conhecem.
Roseli: Se for o que eles praticam... Acho que não... Esgrima? KungFu?
Keli: De onde será que é? Será que é de Atibaia mesmo? Será que aRoseli faz estágio aqui em Atibaia? Porque tem muitas cidades aquivizinhas.
Eduardo: Em São Paulo acho que teria esgrima para crianças, masem Atibaia?
Keli: Em Atibaia? Tem?
Silvana: Para praticar? Acho que não. Até Kung Fu eu acho que nãotem...
Keli: Parece que é irrelevante, mas tudo isso são informações queajudam a ler as informações. (Arquivo de vídeo da pesquisadora.Intervalo de tempo 0:2:08 a 0:3:30).
Nesse momento das discussões, ainda que não explicitamente, era
perceptível a abordagem do letramento estatístico. Estávamos discutindo
elementos importantes do gráfico, mas principalmente o que Gal (2002) chama
de “elemento de conhecimento” e, mais especificamente, “conhecimento
contextual”, ou seja, a base para a interpretação dos resultados obtidos com
sentido e a forma como isso faz sentido no contexto apresentado. De acordo
com Watson (2006), muitas vezes esse contexto é esquecido nas definições
apresentadas nos livros didáticos, mas é importante para relacionar os
elementos presentes no currículo escolar com o letramento estatístico
requerido fora da sala de aula.
Notamos também que as construções foram feitas pelos estudantes,
“manualmente” e apresentavam indícios de que estavam em desenvolvimento
com relação à construção de gráfico, usando régua, lápis e papel, ainda
apresentando dificuldades em lidar com esse registro, numa escala de “cartaz”
para ser apresentado na escola. Mas consideramos que saber construir um
gráfico usando régua ou usando recursos computacionais não é o suficiente
para caracterizar o aprendizado, quando pensamos no letramento estatístico.
Depois de observarmos novamente os três gráficos é que levantamos a
possibilidade de que uma turma, a do 4.º ano, dividida em grupos de
estudantes, houvesse pesquisado as outras turmas da escola, sintetizando a
informação em gráficos que se intitulavam “5.º ano”, 4.º ano” e “2.º ano”. Foi
nesse momento que Roseli chegou à reunião e pôde nos esclarecer: tratava-se
de uma proposta desenvolvida pelos estudantes de uma escola rural da cidade
da Atibaia. No bairro em que se localiza a escola, não há acesso à internet. A
professora do 4.º ano do Ensino Fundamental propôs aos estudantes
pesquisarem o “esporte preferido”, tendo como universo a escola (período da
manhã). Cada grupo de estudantes levantou dados com uma sala da escola e
apresentou os resultados na forma de um cartaz. Toda a pesquisa foi então
sintetizada posteriormente numa tabela (Figura 12) e também apresentada
num cartaz; depois disso, houve a construção de outro gráfico (Figura 13).
A partir dessas informações, os gráficos fizeram sentido para os
participantes do grupo.
Figura 12: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (IV)
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Figura 13: Cartaz trazido por Roseli ao encontro (V).
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Como foi uma gentileza das professoras da escola ceder os cartazes,
nos contentamos em trabalhar com o que nos foi oferecido, mas, observando a
tabela e o número de estudantes “entrevistados”, constatamos que não
tínhamos todos os cartazes produzidos.
Consideramos que o momento se constituiu, para os estudantes da
escola, numa tentativa, por parte da professora, de abordar o letramento
conectado com o contexto esportivo e com as mudanças atuais, utilizando
várias linguagens, na perspectiva dos multiletramentos.
Nossas discussões seguintes foram a respeito de como realizar um
trabalho como esse, buscando formas de trabalhar melhor, ou seja, pensando
num trabalho melhor com os estudantes, caminhando para o letramento
estatístico, e em mudanças de práticas mais tradicionais com as quais tinham
contato até então. Sugeri situações pedagógicas que pudessem oportunizar,
principalmente, o envolvimento com pesquisa e leitura que nos auxiliasse em
relação ao conhecimento da Estatística, porém de forma integrada com outras
situações e não de modo isolado, pois, de acordo com Lopes (1998, 2008a), os
contextos interdisciplinares poderão proporcionar a aquisição de
conhecimentos menos compartimentalizados.
Keli: Se eu fosse essa professora e tivesse trabalhando isso com ascrianças. Pesquisei o assunto preferido e acabou a história aí...
Silvana: Tinha que dar uma continuidade como a história dos animaispossíveis, né? Não seria legal?
Keli: O que ela poderia fazer?
Eduardo: Organizar um campeonato, por exemplo.
Keli: Ir assistir uma partida... de futebol, por exemplo. De repente,fazer uma pesquisa sobre o futebol... É possível trabalhar com váriaspráticas que envolvem a leitura e a escrita. Então o trabalho comEstatística não morre com o gráfico, ele dá possibilidade para outrascoisas. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:7:43a 0:9:09).
Pensando na continuidade do trabalho com os estudantes, Eduardo
sugeriu que eles poderiam anotar as conclusões sobre o gráfico no caderno, e
Silvana indicou o papel quadriculado para a reprodução ou a construção dos
gráficos. Cogitou também que poderiam ter escolhido um esporte para
“conhecer melhor”, e, nesse caso, a professora poderia fazer pesquisas na
internet, fora do bairro, para subsidiar o trabalho dos estudantes. Para finalizar,
depois de conhecermos um pouco o contexto da escola, que é cercada de
chácaras, discutimos se a pesquisa sobre esportes seria a melhor temática a
ser trabalhada com os estudantes. Deixamos como perguntas finais: Será que
a temática da pesquisa poderia ter sido escolhida por eles, os estudantes?
Será que, dessa forma, poderia ter sido valorizado mais o contexto local?
Nossas discussões se centravam nos multiletramentos, buscando definir
o que se constituiria como um letramento estatístico adequado ao contexto
dessa escola. Tentamos, ainda, muito timidamente, pensar num novo design,
que, segundo Bevilaqua (2013), é um eixo estruturador da teoria dos
multiletramentos; ou seja, tentamos pensar numa nova forma de construção de
significados pelos estudantes, dando continuidade ao ciclo explicitado a seguir.
De acordo com Bevilaqua (2013), consideramos que partimos do design
disponível (os cartazes), passamos para o próprio processo, ou seja,
reconstruímos a partir do design disponível, gerando novas construções da
realidade, resultando num novo design disponível, fazendo surgir nova fonte de
construção de sentido. E, a partir disso, a partir desse novo design, o ciclo se
repetiria.
5.6 Estudo de conceitos básicos I
Com este encontro, iniciamos uma série de seis encontros dedicados ao
estudo de um dos capítulos do livro Matemática no Ensino Fundamental:
formação de professores e aplicação em sala de aula (VAN DE WALLE, 2009).
Esse livro foi apresentado aos participantes, que resolveram estudá-lo, em
razão da abordagem da Estatística no capítulo intitulado: “Conceito em análise
de dados”.
Nesses eventos de letramento em que estudamos o texto, o caminhar
para a mudança, no desenvolvimento profissional dos professores, objetivava
ampliar, aprofundar e reconstruir os saberes, buscando o conhecimento da
Estatística (conteúdo específico), o conhecimento pedagógico geral e da
Estatística, o conhecimento dos estudantes e suas características e o
conhecimento dos contextos educativos (Shulman, 1987). Ou seja, investia-se
no desenvolvimento profissional do professor como desenvolvimento de
conhecimento negociado no grupo e não imposto. Consideramo-nos de acordo
com Fiorentini (2004, p. 60), quando afirma que “os participantes [do grupo]
negociam metas e objetivos comuns, co-responsabilizando-se para atingi-los” e
também com Passos et al. (2006, p. 203), ao afirmar que o bom
desenvolvimento do trabalho no grupo, principalmente no que diz respeito à
reflexão compartilhada, depende, entre outros fatores, “de ações coordenadas,
planejadas e negociadas coletivamente”.
Este encontro foi coordenado por Silvana, que chegou um pouco mais
cedo, pois queria esclarecer um termo que tinha ficado em dúvida: “senso
numérico”. Estabelecemos o seguinte diálogo, transcrito da videogravação:
Keli: Você se lembra quando apresentei uma foto de uma criança,comentando que, mesmo ela não sabendo contar, devido à poucaidade, ela conseguia distinguir diferenças entre maior, menor?
Silvana: Sim, me lembro.
Keli: Então, ela já tinha certo senso, com relação às quantidades,estabelecendo relação entre elas. Certo senso numérico.
Silvana: Senso, senso, de noção? De conseguir distinguir.
Keli: Tem vários pesquisadores investindo em desenvolver o sensonumérico das crianças do 1.º ano, investigando seu desenvolvimento,que não envolve apenas saber contar. Outro sentido de censo é o derecenseamento43.
Silvana: Agora ficou claro que é bem diferente. Como faz diferençaentender o significado da palavra! A gente compreende! (Arquivo devídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:02:52 a 0:04:17).
Nesse diálogo, Silvana revela que procurou se preparar para conduzir as
discussões do encontro, lendo previamente o texto e buscando ajuda no que
havia ficado em dúvida. Percebemos indícios de “respeito e apoio mútuo”
(FIORENTINI, 2004), pois, sabendo que poderia contar com alguém do grupo,
não temeu compartilhar comigo e depois com o grupo suas dúvidas. Tais fatos
são indícios do nosso contexto de colaboração.
Silvana começou o encontro, mencionando que, quando fez a leitura do
texto, o que chamou sua atenção foi a presença cada vez mais evidente da
Estatística em diversas situações no mundo a nossa volta, o que, às vezes,
acaba passando despercebido, como, por exemplo, na maior parte das
propagandas na TV. Ela chegou a citar uma situação encontrada no texto.
Nesse depoimento, transcrito de arquivo de vídeo, Silvana revela perceber um
trabalho diferenciado com a Estatística, como algo possível de ser realizado
com os estudantes:
Silvana: Eu achei legal a forma como eles abordaram, eles usaram apropaganda “9 entre 10 dentistas recomendam a pasta de dente ‘tal’”.Achei ótimo! Quantas vezes a gente está dentro da sala de aula epode trabalhar com isso de uma maneira tão gostosa e acaba nãoligando, não associando a conteúdos importantes! Achei essecomentário muito interessante. (Arquivo de vídeo da pesquisadora.Intervalo de tempo 0:12:00 a 0:12:28).
43 Quando faladas, as palavras “senso” e “censo” possuem a mesma sonoridade, mas, quandoescritas – com “s”, “senso”, ou com “c”, “censo” –, seus sentidos são totalmente diferentes.Havia indícios de que essa diferenciação não fosse muito clara naquele momento.
Dando continuidade às reflexões sobre o texto, Silvana mostra indícios
de que se sente bem em compartilhar suas descobertas no espaço daquele
grupo:
Silvana: O autor também menciona que desde a Educação Infantil atéa 3.ª série eles fazem análise de dados. Esse é o bloco que a gente jáviu, chamado Tratamento da Informação. De início eu não havia feitoessa associação. Para mim, análise de dados era uma coisa etratamento da informação era outra coisa, e agora eu vi que sãosinônimos, com relação aos currículos. [...] Olha só, sem querer,passei lá na página 496 [VAN DE WALLE, 2009] e o gráfico de pizzachama gráfico de setores [risos]. Sem querer descobri isso! (Arquivode vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:12:52 a 0:14:30).
Sobre a associação que Silvana faz entre os termos “análise de dados” e
“tratamento da informação”, concluímos que, como se trata de uma tradução de
uma publicação americana, foi traduzido para o português, e o termo usado
pelo NCTM44 é “data analysis”. No Brasil, para se referir a um conjunto similar
de conteúdos, usa-se o termo “tratamento da informação”. Assim como para
Silvana, a relação poderia não ter ficado clara para os outros participantes, por
isso consideramos importante o compartilhamento das suas “descobertas”.
Também refletimos sobre o fato de o capítulo escolhido ter despertado
interesse dos participantes logo de início, reforçando o sentimento de
identificação com as propostas e o desejo de continuar a fazer parte do grupo,
ou seja, indícios da constituição de um contexto colaborativo.
Na introdução do capítulo de Van de Walle são apresentadas algumas
ideias que chamaram a atenção de Silvana e dos outros participantes e,
inclusive, foram grifadas em minhas anotações no diário de pesquisa. Silvana
leu para os colegas estes itens, conforme registro no arquivo de vídeo:
[...] A classificação é o primeiro passo na organização dos dados.
[...] A escolha de representação gráfica pode influenciar o quão bemos dados serão compreendidos.
[...] O uso de um gráfico ou de uma estatística particular pode mediaro que os dados informam sobre a população. (VAN DE WALLE, 2009,p. 485).
44 National Council of Teachers of Mathematics (Conselho Nacional de Professores deMatemática).
E sobre isso Silvana comentou:Silvana: Nas ideias importantes. Ele fala que a classificação é oprimeiro passo para a organização dos dados... Para mim, nunca fizessa associação. E depois que eu li isso, me pareceu tão óbvio! Tão(rs) Como pode eu nunca ter pensado nisso! Achei bem interessante!O item três, quando ele fala das organizações de dados, forneceinformações diferentes sobre os dados, e a escolha da representaçãográfica pode influenciar o quão bem os dados serão compreendidos.Me lembrei do nosso encontro passado, quando a gente viu aquelastabelas dos pontos dos esportes e que calhou, conforme a estrutura,a apresentação, a gente tem uma compreensão melhor, né? Acheique a gente viu esse detalhe bem na prática. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:20:29 a 0:22:00).
Silvana também chamou a atenção dos colegas para outro trecho:
Silvana: Eu queria ter lido essa frase quando a gente estava lá naaula do curso de Pedagogia. Olha que resposta linda: “Que asmedidas que descrevem dados com números são chamadasestatísticas”45 (risos). Olha só, lembra de nossa aula, Keli, e daquelapergunta: “O que é estatística?”. A gente ouve tanto falar, temexemplo, mas o que que é? Não é possível! Vinte anos dando aula enão saber responder essa pergunta! Mas aqui está tão simples, tãoassim! Demorei um pouquinho para aprender! (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:23:22 a 0:24:34).
Dando continuidade às discussões, Silvana também comentou o que
havia aprendido sobre a palavra “senso”, mostrando novamente indícios de que
há um desejo em compartilhar seus saberes, descobertas e experiências.
Ela destacou em seguida as conexões da área do tratamento da
informação com as outras áreas do currículo, apresentados pelo autor: senso
numérico; frações, razões e porcentagens; medida; e álgebra. Com relação ao
“senso numérico”, Van de Walle (2009, p. 485) apresenta que “crianças
analisam e usam os gráficos para conversar sobre quantidades”, completando
que “os gráficos indicam relações numéricas de maior, menor, diferença e
magnitude relativa. Cada barra de um gráfico é uma parte do todo (relações
parte-todo)”. Com relação às “frações, razões e porcentagens”, o autor destaca
que são usados para descrever dados” e afirma, ainda, que “muitos dos dados
do mundo real que são coletados consistem em medidas”, complementando
que, “quando os alunos fazem medições, respondem às questões e criam
dados para serem analisados” (VAN DE WALLE, 2009, p. 485-486). Quanto à
45 Leitura de Van de Walle (2009, p. 485).
álgebra, Van de Walle (2009, p. 486) aponta que ela “é usada para analisar e
descrever relações” e que “sempre que os dados são coletados com duas
variáveis relacionadas (por exemplo, altura e palmo, idade e crescimento), a
álgebra pode ser usada para descrever a relação entre as variáveis”.
A questão da álgebra foi o que mais chamou a atenção dos
participantes. Silvana comentou o que havia entendido do termo a partir das
explicações trazidas pelo autor:
Silvana: O exemplo que ele deu aqui é de uma relação, idade ecrescimento, eu imagino aquele gráfico que fazemos, das idades ealturas e mais para frente ele [o autor] fala, quando encontramos opadrão desse gráfico, podemos predizer que uma criança com “talidade” terá mais ou menos “tal altura”. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:08:06 a 0:08:51).
Comentei que as “personagens” mais famosas da álgebra são a
equação e a igualdade e que, nessa área que trabalha com as letras – como o
“x” para representar valores desconhecidos –, dependendo da situação, os
valores podem se comportar como incógnitas (valor fixo) ou como variáveis
(assumindo diversos valores). Com um bom trabalho nessa área, os
estudantes podem compreender melhor a generalização através de uma
fórmula, que permite prever o que vai acontecer futuramente. Dei o exemplo da
fórmula usada para o cálculo do IMC (índice de massa corpórea), explicando
que se trata de uma fórmula que já generalizou a questão da relação peso e
altura. Rosana lembrou e relacionou o exemplo do IMC com os gráficos de
crescimento das crianças – aqueles feitos logo depois do nascimento da
criança, para acompanhar o crescimento e o peso mês a mês.
Passamos, então, para outro tópico do texto de Van de Walle (2009, p.
486), intitulado “Coletando dados para responder questões”. Silvana comentou
que, quando percebeu que o termo usado pelo autor – “análise de dados” – é
similar ao que chamamos aqui de “tratamento da informação” (BRASIL, 1997),
as ideias que começamos a estudar com esse autor fizeram mais sentido para
ela. Ela também apresentou suas percepções sobre o trabalho em sala de
aula:
Silvana: Eu acho que nós, os brasileiros, estamos tentando, não seise estamos conseguindo, mas a educação está tentando fazer comque as crianças formulem as questões, para que elas busquem assoluções e cheguem a uma conclusão, mais do que olhar o livroapenas e responder a uma questão. Acho que estamos tentando.Acho que, quando fazemos isso, estamos trabalhando também acomunicação. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:14:36 a 0:15:20).
Quando Silvana menciona “a educação está tentando fazer com que as
crianças formulem as questões, para que elas busquem as soluções e
cheguem a uma conclusão, mais do que olhar o livro apenas e responder a
uma questão”, está em sintonia com a abordagem de um trabalho com
resolução de problemas, que, segundo Lopes (2011, p. 1), ao abordar a
Estatística e a Probabilidade, envolve “a elaboração de questões para
responder a uma investigação sobre a realidade, que possibilita o fazer
conjecturas, formular hipóteses, estabelecer relações e tirar conclusões”. Ainda
segundo Lopes (2011, p. 1), um trabalho nesse sentido, em Estatística e
Probabilidade, deve contribuir para que “a escola cumpra seu papel de
preparar os estudantes para a realidade à medida que promove o
desenvolvimento do raciocínio crítico através da análise de situações diversas
que envolvem a incerteza”. Nesse sentido, Lopes (2011, p. 1) considera a
metodologia da resolução de problemas recomendada para o trabalho com
Estatística e Probabilidade, “por torná-lo mais significativo, de forma a viabilizar
ao estudante o estabelecimento de relações entre os conceitos matemáticos e
estatísticos”.
Ainda no trecho transcrito, Silvana afirmou julgar que, ao desenvolver
atividades nesse sentido, estamos, pelo menos, tentando trabalhar a
comunicação. De acordo com nossa interpretação, há indícios também de uma
abordagem interdisciplinar nas aulas, o que, de acordo com Lopes (2011, p. 1),
“poderá proporcionar aos alunos uma aquisição de conhecimentos menos
compartimentalizados, através de experiências que lhe[s] permitam o
desenvolvimento de habilidades essenciais ao pensar científico, fundamental
para sua formação”.
Ainda discutindo o tópico de Van de Walle (2009), “Coletando dados
para responder questões”, encontramos menção ao NCTM (2008, p. 48)46,
expressando que os estudantes devem “formular questões que possam ser
tratadas com dados e coletar, organizar e expor [comunicar] os dados
relevantes para respondê-las”. Algo que nos chamou atenção também foi a
ênfase dada por Van de Walle (2009, p. 486) ao propósito de situações
pedagógicas que trabalhem com o tratamento da informação: “a coleção de
dados deve ter um propósito, responder a uma questão, da mesma maneira
que no mundo real”. E o autor completa: “evite reunir dados simplesmente para
construir um gráfico”. Nesse sentido, Watson (2006) complementa que a ideia
de que o gráfico é o início e o fim de um trabalho com análise de dados deve
desaparecer do trabalho do professor. Esse propósito da realização de
situações pedagógicas foi discutido e, inclusive, continuou nas discussões nos
encontros posteriores, como forma de crítica às situações pedagógicas que
encontramos em livros didáticos.
Outro aspecto que nos chamou atenção e foi apontado por Silvana foi
justamente a menção aos livros didáticos e ao que frequentemente apontam
para ser desenvolvido com os estudantes:
Os livros didáticos geralmente fornecem aos estudantes as questõesa que devem responder como também os dados com os quaisrespondê-las. Embora esses possam ser contextos interessantespara a Análise de Dados, as questões não são necessariamente deinteresse para seus alunos. Os estudantes devem ter oportunidadepara gerar suas próprias questões, decidir-se por dados apropriadospara ajudar a responder a essas questões, e determinar os métodospara coletar os dados. (VAN DE WALLE, 2009, p. 486)
Comentei que o autor também traz o estudante como protagonista no
processo de coleta e exploração dos dados. Sobre esse fato, uma das
participantes comentou:
Roseli: Você construir é mais interessante. Não querer tudo pronto eolhar a resposta. Traz uma autoestima maior também. (Arquivo devídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:17:46 a 0:17:59).
46 O termo era desconhecido e foi explicado aos participantes: National Council of Teachers ofMathematics (Conselho Nacional de Professores de Matemática).
Sobre isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 56)
também apontam que a finalidade do trabalho com o Tratamento da
Informação é “fazer com que o aluno venha a construir procedimentos para
coletar, organizar, comunicar e interpretar dados, utilizando tabelas, gráficos e
representações que aparecem frequentemente em seu dia-a-dia”.
Silvana comentou que, se o conteúdo for significativo, o estudante não
vai esquecer quando sair da sala, pois o que for trabalhado tem significado
para ele. Rosana opinou que isso também pode contribuir positivamente para a
melhora na autoestima da criança, porque ele vai interagir com questões mais
próximas à sua realidade, não será aquele conteúdo imposto pelo material
didático e que obrigatoriamente tem que ser reproduzido. Exemplificando essa
situação, Rosana também expôs que se deparou com uma experiência em que
uma professora precisou abordar uma temática que não fez muito sentido para
as crianças de 4 anos, da escola em que estagiava, o “caranguejo eremita”.
Mas o desenvolvimento dessa situação pedagógica envolvendo o tal
caranguejo foi algo que o material do tipo apostilado e adotado pela escola
apresentou e a professora teve que trabalhar. Nesse caso, Rosana considerou
que, se as questões partissem das crianças e dos seus interesses naquele
momento, possivelmente as situações pedagógicas teriam mais sentido e
seriam mais significativas para elas.
Nessa parte do encontro observamos que, assim como já havíamos
vivenciado em outros grupos de que participamos, como o GdS, e como já
relatado por Fiorentini (2004), é habitual os professores levarem suas
expectativas, angústias e dilemas da prática profissional para compartilhar com
o grupo, sem se restringir ao tema em estudo – no nosso caso, a Estatística –,
mas referindo-se a coisas que vivenciam no dia a dia, nas aulas, como a
angústia de trabalhar com questões ou situações pedagógicas com as quais
não concorda ou que poderão não ser significativas para as crianças.
Dando continuidade às discussões, apontamos o trecho de Van de Walle
em que são apresentadas algumas sugestões para a sala de aula,
considerando que “as questões mais fáceis de abordar são aquelas que podem
ser respondidas com cada membro da turma contribuindo com uma parte dos
dados” (VAN DE WALLE, 2009, p. 486). Algumas sugestões apresentadas por
ele foram mencionadas pelos participantes, lendo no texto:
Favoritos: Shows de televisão, jogos, filmes, sorvetes, plataformas dejogos de vídeo, times esportivos, CDs de música (Quando existiremmuitas possibilidades, sugira que os alunos restrinjam o número deescolhas).
Quantidades: o número de animais de estimação, irmãs ou irmãos;horas assistindo TV ou horas de sono; aniversários (mês ou dia demês); hora de dormir; tempo gasto no computador.
Medidas: altura, antebraço, área do pé, distância em salto emdistância, comprimento da sombra, segundos para percorrer umcaminho, minutos gastos no ônibus. (VAN DE WALLE, 2009, p. 486)
Para finalizar, Silvana concluiu que acredita que não estamos muito
distantes de um bom encaminhamento do ensino de Estatística, de acordo com
sua leitura de Van de Walle, pois considera que já realizamos pesquisas com
nossos crianças sobre “favoritos” (times, programas a que assistem),
“quantidade de coisas que temos” (número de irmãos, tempo de estudo), por
exemplo. Mas concluiu que não é muito comum vermos trabalhos na temática
referente a “medidas” – medida do pé, do antebraço, por exemplo. De acordo
com Cochran-Smith e Lytle (1999), percebemos indícios de que, na sua
conclusão, Silvana estaria considerando o conhecimento e a teoria produzidos
por outros, material gerador para o questionamento e a interpretação e, ao
mesmo tempo, considerando sua sala de aula, local para investigação
intencional.
Para finalizar, alguns participantes se manifestaram, mencionando
impressões sobre nossos estudos. Consideramos que, nesse momento, o que
estava em foco era o desenvolvimento profissional, como desenvolvimento de
si mesmo, ou seja, o momento em que as crenças, os pensamentos e as
atitudes, muito importantes na reflexão, revelaram que as experiências
negativas de uma formação mecanicista, enquanto estudante da escola básica,
influenciaram no relacionamento do professor com a Estatística, com a própria
Matemática e com a escola, de modo geral.
Silvana: Se eu tivesse um professor que tivesse falado isso quandoeu estava estudando...
Eduardo: Seria tão mais fácil!
Silvana: Eu iria pegar gosto por esse negócio!
Keli: Pega agora!
Silvana: Vou pegar agora! Mas a gente sofreu tanto. Eu sofri tanto naescola!
Rosana: Falo que hoje eu consigo perceber isso, mas a escola,muitas vezes, foi tempo perdido. Faça, decore, faça 50 contas pordia. Você não sabe nem por que estava fazendo. Eu decorava afórmula e fazia a prova. Hoje eu reflito mais, vejo as coisas de outraforma, de um outro papel.
Roseli: Eu acho que tem que fazer como você já fez conosco,descobrir qual a relação com a Matemática, para poder trabalhar comos alunos melhor. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo detempo 0:09:42 a 0:10:52).
Finalizamos o encontro, decidindo quem iria coordenar o encontro
seguinte: Eduardo. Numa negociação de responsabilidades e fazendo um
rodízio nessa função, voluntariamente, coordenaria dando continuidade ao
estudo do texto de Van de Walle (2009). Fiorentini (2004, p. 56) utiliza o termo
“liderança compartilhada” para denominar essa prática em que o próprio grupo
define quem coordena a atividade, mencionando a possibilidade de rodízio na
tarefa, como ocorreu no Estatisticando.
5.7 Estudo de conceitos básicos II
Dando início ao encontro, foram compartilhados no grupo a pasta de
materiais que estávamos organizando para o grupo e para a pesquisa, com os
arquivos em áudio e vídeo, gravados em CDs e DVDs; os textos estudados; os
materiais que foram trazidos por Roseli (cartazes); e o diário de pesquisa. Esse
momento reforçou o contexto colaborativo que estava se instaurando, pois,
segundo Fiorentini (2004, p. 60), “os participantes compartilham significados
acerca do que estão fazendo e aprendendo e o que isso significa para suas
vidas e prática profissional”.
Depois desse momento de compartilhamento, demos continuidade às
discussões, usando como base o texto de Van de Walle (2009). Quem
coordenou o encontro foi Eduardo, como combinado.
O foco de nosso estudo nesse encontro foram as representações
gráficas. Segundo apontado por Eduardo em Van de Walle (2009, p. 491),
“como os dados são organizados deveria estar, em primeiro lugar, diretamente
relacionado à questão que fez você coletar dados”. Completando, Eduardo
também apontou a seguinte afirmação da mesma página: “diferentes técnicas
gráficas ou tipos de gráficos podem fornecer uma imagem instantânea diferente
dos dados como um todo”. Para exemplificar, Eduardo apontou uma imagem
(Figura 14) apresentada por Van de Walle (2009, p. 492, grifo do autor),
mencionando “como um gráfico de pizza mostra as informações diferentemente
de um gráfico de imagens?”
Figura 14: Gráficos apontados por Eduardo.
Fonte: Van de Walle (2009, p. 492).
Eduardo mencionou que o autor aponta esses gráficos como
disparadores de discussão sobre a mensagem ou sobre informações que cada
um fornece para responder a questão “Qual a fruta de que mais gostamos?”.
Avaliando os gráficos, Eduardo considerou que o gráfico de pizza ou
setores não seria muito adequado para representar a quantidade de crianças
que gostam de cada fruta, preferindo, para isso o gráfico de barras (terceiro
gráfico, da esquerda para a direita, que aparece na imagem). Silvana comentou
que, para crianças menores, como as da Educação Infantil, o gráfico de setores
também dificultaria a leitura pelos estudantes, que ainda teriam dificuldades de
lidar com a legenda. E complementou que talvez fosse melhor que as imagens
das frutas aparecessem dentro do círculo:
Eduardo: Eu achei o gráfico de barras mais interessante para osalunos entenderem essa pergunta: “Quantas crianças gostam decada fruta?” do que o gráfico de setores.
Silvana: Na Educação Infantil, se tivesse essa figurinha dentro degráfico de setores, eles visualizariam melhor, porque elesentenderiam pelo tamanho. A legenda ainda seria difícil para eles.(Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:8:30 a0:9:35).
Complementei, informando que o gráfico de setores permite a
comparação parte-todo. Eduardo considera ter compreendido a questão de
trabalhar com uma figura que permite ao estudante entender o quanto daquela
turma prefere determinada fruta. Silvana acredita que, para uma primeira
experiência das crianças, ainda seria um pouco complicado o uso dessa
representação, ao invés do uso do gráfico de barras.
Ainda discutindo o texto conforme transcrição de arquivo de vídeo a
seguir, focamos na questão da construção do gráfico e nas questões de
análise. Consideramos estas últimas, assim como destaca Van de Walle
(2009), mais importantes, chamando a atenção para a questão de que letrar,
no sentido mais geral, não é só ensinar a técnica e, no nosso caso específico,
letrar estatisticamente não é só ensinar a técnica de construção de gráfico.
Eduardo: Eu acho legal essa construção coletiva do gráfico, com aparticipação, o aluno participando. Isso é bem mais interessante doque o aluno ficar fazendo no papel quadriculado no caderno dele.
...
Eduardo: O que não deveríamos fazer: "ficar ansiosos demais sobreos detalhes tediosos da construção de gráficos. As questões deanálise e de comunicação são as agendas principais de trabalho esão muito mais importantes do que a técnica" (VAN DE WALLE,2009, p. 491). Eu achei isso magnífico!
Keli: O que está por trás da técnica é o mais importante!
Eduardo: E às vezes não é essa a intenção que a gente vê na sala deaula. Às vezes a intenção é que eles construam perfeitamente ográfico, mas o mais importante é sobre o que está se falando!
Keli: Isso nos lembra da primeira coisa que a gente estudou:letramento estatístico.
Eduardo: Exatamente. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalode tempo 0:14:43 a 0:15:40).
Em um dos trechos do texto aparecem os termos “média”, “mediana”
“dispersão” e “desvio padrão”, e, pelo silêncio do grupo, notei que aquilo não
fazia muito sentido para eles. Expliquei que média aritmética, mediana e moda
são chamadas medidas de tendência central e se resumem em apenas uma
informação: características dos dados. Como forma de tornar aquilo mais
significativo, resolvi propor que trabalhássemos com as idades dos presentes
naquele encontro. Como ninguém se opôs, perguntei a idade de cada um e
anotei no diário de pesquisa, organizando-as numa tabela, que foi preenchida,
etapa a etapa. Cada participante recebeu como identificação uma letra (A, por
exemplo), e as idades não foram organizadas em ordem crescente ou
decrescente, mas na ordem em que cada participante falou, conforme registro
no meu diário de pesquisa (Tabela 1):
Tabela 1: Idade dos participantes para cálculo envolvendo a média
Participante Idade (anos)
A 28
B 40
C 46
D 22
E 32
F 34
Total 202
Fonte: Elaborada pela pesquisadora.
Fui explicando que, para encontrarmos a média, fizemos a somatória
das idades (202) e dividimos pelo número de participantes naquele dia (6); ao
encontrarmos um valor com várias casas decimais, fiz a aproximação, o que foi
considerado tranquilo pelos presentes, pois já haviam trabalhado com o
conceito de média, principalmente no cálculo de média da nota (bimestral, por
exemplo), e com os critérios de aproximação. Também comentei que havia
idades menores e maiores que a média, que era 34 anos. O que nos chamou
atenção foi o fato de inicialmente esse conhecimento parecer algo “novo” e, ao
mesmo tempo, ser algo que já haviam feito em algum momento da vida, como
estudantes da escola básica ou como professores (cálculo de média).
Acreditamos que detinham esse conhecimento de Estatística como algo
mecânico, que repetiam, sem ter oportunidade de refletir sobre ele.
Passei, então, para a explicação da mediana, mencionando que nesse
caso estávamos interessados em um valor central do conjunto de valores que,
no nosso caso, ficariam organizados em ordem crescente, para que
pudéssemos encontrar o valor que estivesse no centro da distribuição.
Expliquei também que, como tínhamos um número par de idades, para
encontrar a mediana, faríamos a média entre os dois valores centrais – no
nosso caso, 33 anos. Essas informações estão anotadas no diário de pesquisa
(Quadro 6).
Quadro 6: Cálculo de mediana das idades dos participantes
Campinas, 18 de novembro de 2010.
22 28 32 34 40 46
33Diário de pesquisa
Complementei, dizendo que, se nossa quantidade de valores fosse
ímpar, não seria necessário o cálculo da média entre os valores centrais, pois o
valor central já dividiria nosso conjunto em dois blocos. Exemplifiquei,
acrescentando mais um valor ao nosso conjunto, apenas para constatar que
localizariam a mediana, como técnica ou cálculo. A transcrição revela indícios
de que Silvana ainda não tinha uma boa percepção do conceito:
Silvana: Quando você calcula a mediana, você faz ... Divide aquantidade...
Keli: Pode ver que eu deixei organizado na ordem.
Silvana: É o meio da quantidade e não o meio da ... quantia.
Keli. Eu tenho um, dois, três, quatro, cinco, seis. O meio desseconjunto de valores, desses seis valores, três para um lado, três parao outro. Se fossem sete valores, iria sobrar um valor no meio, queseria a mediana, como temos seis valores, junto esses dois valorescentrais e divido por dois. O valor encontrado é a mediana. (Arquivode vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:27:03 a 0:28:40).
Embora a palavra “moda” não aparecesse no trecho do capítulo que
estávamos lendo, aproveitei e mencionei mais essa medida, dizendo que se
tratava do valor que mais aparecia em nosso conjunto de dados. Como no
nosso caso não se repetia nenhuma idade, tratava-se de um caso em que não
havia moda, ou amodal.
Explicado algo sobre as medidas de tendência central, levantei a
discussão a respeito do que seria mais justo ou deveria ser utilizado, pois, se
tivéssemos dois valores de “salários” para fazer a média, como, por exemplo,
10 e 100, a média, seria 55, o que está muito distante dos “salários recebidos”
e poderia nos levar a uma análise equivocada. Teríamos, então, que olhar para
o desvio padrão, ou seja, o valor que mostra a dispersão dos dados em relação
à média. Quanto maior o valor de desvio padrão, maior é a variabilidade dos
dados, isto é, quanto os dados se distanciam da média.
Considerado por Shulman (1987) como conhecimento de conteúdo
específico, o conhecimento estatístico – uma das bases do letramento
estatístico, que as pessoas deveriam possuir para utilizar na vida – ainda era
algo mecânico, abordado sem reflexão pelos participantes do grupo.
Como não houve tempo suficiente para maiores discussões a esse
respeito nesse encontro realizado em 18/11/2010, comprometemo-nos a
retomar o assunto – e o fizemos no encontro realizado em 15/04/2011.
5.8 Momento de avaliar
Com o final de nosso primeiro semestre de estudos, depois de sete
encontros, consideramos que seria necessária uma avaliação mais formal,
embora os participantes tivessem escolhido as temáticas e os materiais e, na
dinâmica de nossos trabalhos, tivéssemos percebido indícios de relações
colaborativas. Consideramos a avaliação mais formal, pelo fato de ser escrita e
de ser entregue a mim, pesquisadora. Ela foi composta por três expressões:
Parabenizo, Critico e Sugiro. Nosso objetivo era que servisse diretamente aos
participantes, ou seja, informações avaliativas que fossem úteis para, ao
mesmo tempo, melhorar nosso processo de estudo e comprometer o
participante com seu próprio processo de desenvolvimento profissional.
Recebemos seis avaliações. Todos foram unânimes em elogiar a
proposta da criação do grupo de estudos, e os professores que já atuavam
consideraram que era algo de que sentiam necessidade e que as “formações
de professores” nos moldes que conheciam não davam conta de suas
necessidades profissionais. Na avalição feita pelos futuros professores,
apareceu a expressão “oportunidade de aprender mais” (Roseli), além da
afirmação que esse conhecimento seria usado com seus futuros alunos,
projetando possíveis mudanças no desenvolvimento dos conteúdos de
Estatística. Quatro participantes também apontaram como positiva a escolha
do autor que estávamos utilizando nos nossos estudos, Van de Walle (2009),
ou seja, responderam ao estudo teórico positivamente.
Julgamos adequada a sistemática reflexiva gerada nos encontros do
grupo, principalmente por considerarmos cada um como evento de
letramentos. Foram trazidos ora aportes teóricos, ora aportes práticos, ligados
à sala de aula, o que fornece indícios de que contribuíram para o
desenvolvimento do trabalho colaborativo. Também entendemos que os
encontros contribuíram para articular teoria e prática, mobilizando ou
ressignificando os saberes docentes, contribuindo para o desenvolvimento
profissional dos participantes. Avaliamos que, nos encontros, houve ênfase
tanto na questão do desenvolvimento de conhecimento de Estatística
(conteúdo específico) quanto no conhecimento pedagógico da Estatística.
Nesse sentido, os participantes estavam mais confiantes após os encontros,
indicando a criação de um clima de colaboração no grupo.
5.9 Reinício dos trabalhos – 2011
O encontro de 18/02/2011 marcou o reinício dos trabalhos no ano.
Tivemos a participação de seis estudantes do curso de Matemática
(ingressantes no 1.º semestre do curso) e de mais uma participante do curso
de Pedagogia: Cíntia, além de Rosana, Mie, Roseli, Eduardo e eu. Os
estudantes do curso de Matemática não continuaram no grupo. São múltiplos
os fatores que mobilizam pessoas a querer fazer parte de um grupo, mas
levantamos a hipótese de que não houve identificação inicial. Alguns deles até
apresentaram a justificativa de que houve um compromisso de última hora e
não puderam comparecer. Nessa situação, preferimos não provocar
constrangimentos com interrogatórios.
Começamos as discussões, especialmente considerando os
participantes novos, expondo novamente nossos objetivos como grupo de
estudos e nosso interesse no estudo da Estatística; apresentando os
participantes que já compunham o grupo, as temáticas que tínhamos estudado,
os materiais que já tínhamos arquivado em pastas físicas, como, por exemplo,
diários, textos, gravações em áudio e vídeo. Expusemos também as questões
éticas envolvidas, visto que a filmadora e o gravador de voz estavam ligados.
Uma das perguntas que surgiu foi a respeito da periodicidade dos encontros.
Foi explicado por mim que aconteciam de acordo com as possibilidades dos
participantes, mas que a proposta inicial era nos encontrarmos de 15 em 15
dias.
Passamos para a reapresentação dos participantes que já eram
membros do grupo e a apresentação de uma nova integrante47, Cíntia:
Rosana: Meu nome é Rosana, estou no último ano de Pedagogia.Estou desde o ano passado nesse trabalho, buscando conhecer maisa Matemática e a Estatística. Vocês [novos participantes] sãoestudantes de Matemática, mas, para nós, Matemática é uma coisaestranha. Na minha época de estudo, a Matemática não era bemtrabalhada, e a Keli trouxe, nas aulas, uma outra visão da Matemática
47 Embora todos que estiveram presentes se tivessem apresentado, optamos por não trazer astranscrições dos que não permaneceram no grupo ou compareceram apenas a um dosencontros.
para a gente. E agora, nos encontros, temos também uma outra visãoda Estatística.
Cíntia: Meu nome é Cíntia, estou no 2.º ano de Pedagogia e eu vimpor curiosidade, para saber como é, como funciona, e eu queria umsuporte, um reforço para poder ensinar... esse é o meu interesse.
Mie: Meu nome é Mie, sou japonesa, sou estrangeira aqui. Sou do 3.ºde Pedagogia. Já estudei muito com a Keli. Há muita diferença entrea forma de ensinar às crianças. Embora a Matemática seja universal,há muita diferença. E eu quero estudar mais.
Roseli: Meu nome é Roseli. Estou no grupo de estudos com opessoal, o que me estimula a pensar como passar a Estatística paraas crianças. É difícil? É, mas todos podem aprender. E queroaprender mais ainda.
Eduardo: Meu nome é Eduardo. Terminei a Pedagogia em 2009.Atualmente faço pós-graduação em Educação Infantil eAlfabetização. Trabalho na rede municipal aqui de Atibaia, dando aulapara um 3.º ano e trabalho aqui na FAAT na oficina pedagógica ecomo monitor da graduação. Comecei o ano passado no grupo deestudos. Eu vim com o intuito de ...assim, o Tratamento daInformação, a questão da Estatística, vejo que ela fica um pouco delado. Dá-se muita importância aos números e operações e otratamento da informação é um bloco que acaba... vejo osprofessores que não têm muita dinâmica, que não gostam detrabalhar muito com essa área. Vim aprofundar o que já aprendi naPedagogia [curso].
Keli: Todos você já me conhecem, sou a Keli e trabalho na área daPedagogia e da Matemática. Trabalho nos dois cursos. Bom, a minhaproposta nesse grupo de estudos é nos reunirmos para estudar aEstatística. Uma das coisas que estudamos foi o letramentoestatístico. Alguém já ouviu essa palavra?
Participantes novos: Não.
Keli: Letramento... alguém já ouviu? [silêncio]. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:08:21 a 0:16:55).
Resolvemos trazer aqui as reapresentações dos participantes que
haviam frequentado o grupo porque notamos, em suas falas, indícios de já se
sentirem parte dele. Temos como exemplo o sentimento de pertença,
evidenciando o contexto colaborativo, mostrado na fala de Rosana e de Roseli,
quando mencionaram o grupo e o fato de fazerem parte dele. No caminho já
percorrido pelo grupo, o aprendizado para a mudança, com a ampliação, o
aprofundamento e a ressignificação dos próprios saberes, também foi
mencionado com as expressões “buscando conhecer mais” (Rosana), “Vim
aprofundar o que aprendi” (Eduardo), “quero estudar mais ainda” (Roseli),
“Nova visão” (Rosana), evidências do desenvolvimento do professor, como
desenvolvimento pessoal, e da valorização do desenvolvimento do professor,
como desenvolvimento de conhecimento. Ainda percebemos indícios da
consciência da diferença entre conhecimento de Estatística e conhecimento
pedagógico da Estatística e da importância de seu entrelaçamento, nas
expressões “há muita diferença entre a forma de ensinar às crianças” (Mie),
“pensar como passar a Estatística às crianças (Roseli) e “os professores não
têm muita dinâmica” (Eduardo).
Também a fala de Cíntia, que cursava Pedagogia e passou a fazer parte
do grupo, quando menciona que buscava “um suporte, um reforço para poder
ensinar”, revela indícios do que Perrenoud (2002) chama de “ilusão”, ou seja, a
ilusão, por parte dos estudantes que querem se tornar professores, de que
devem apenas dominar os conteúdos e saberes para transmiti-los aos seus
aprendizes e de que isso seria garantia de sucesso.
Conversamos um pouco sobre conceitos que já havíamos estudado e
sobre nossa perspectiva de estudos sobre letramento estatístico. Definimos
que as questões da Estatística devem ser compreendidas e utilizadas na
prática diária, sem restringir o conhecimento ao conteúdo da sala de aula, mas,
principalmente, colocando em prática esse conhecimento, interligado às outras
bases de conhecimento apontadas por Shulman (1987).
Nessa ocasião aproveitei e fiz propaganda de um evento que ocorreria
em 2011 e poderia ser de interesse dos participantes (Congresso de Leitura do
Brasil – COLE)48. Aproveitamos também para planejar os próximos encontros,
definindo o dia da semana que seria melhor aos participantes (no caso desse
semestre, as sextas-feiras) e as datas. Também me comprometi em
providenciar cópias do material que estávamos estudando (VAN DE WALE,
2009) para os interessados e a enviar um convite para fazer parte de nosso
“grupo de e-mails”.
Durante o encontro procuramos não enfatizar questões como: “novos”
participantes e participantes “antigos”, professores iniciantes ou experientes,
48 Esse evento acabou não ocorrendo em 2011, mas foi realizado em 2012, com aapresentação de trabalho por um dos integrantes do grupo.
porque estávamos reforçando o contexto colaborativo, entendendo que todos
aprendem juntos. Entendemos que a situação “novos” e “antigos” pode ser
complicada algumas vezes e o desafio num trabalho em grupos de contexto
colaborativos pode ser envolver os considerados “novos”, sem desmotivas os
participantes mais “antigos.
5.10 Estudo de conceitos básicos III
O objetivo deste encontro foi retomar algumas questões que já tínhamos
abordado e desejávamos retomar, em razão da participação de pessoas novas
no grupo, mas infelizmente nenhum dos estudantes do curso de Matemática
presentes no encontro anterior pôde estar presente.
Durante a nossa conversa inicial, assuntos não diretamente relacionados
a nossa temática acabaram surgindo. São temas não menos importantes, pois,
de acordo com Fiorentini (2004, p. 59), “há momentos durante os encontros,
para bate-papo informal, reciprocidade afetiva, confraternização e comentários
sobre experiências e episódios da prática escolar ocorridos durante a semana”.
O primeiro assunto foi levantado por Silvana, nos contando que estava tendo
uma experiência na Educação a Distância e, conversando com uma colega,
descobriu que ela não sabia que, na mistura de cores, a mistura do azul com
amarelo dava verde. Isso a surpreendeu negativamente, pois uma pessoa que
iria ensinar na Educação Infantil deveria possuir certa experiência com essa
mistura de cores. E, para concluir, Silvana disse que tem sido incentivado esse
tipo de capacitação para os professores.
Aproveitando o rumo da conversa, pedi licença para refletirmos
exatamente sobre uma palavra: “capacitação”. Mencionei que estava tendo
contato com estudiosos contrários ao uso dessa palavra. Que esses estudiosos
preferiam pensar em “formação”, “formação continuada”. Antes tínhamos muito
o uso de “treinamento”, “reciclagem” “capacitação”, e essas palavras tinham o
sentido de “ensinar fazer”, como se fosse uma fábrica, capacitando o
profissional para operar uma máquina. Houve um período em que se usava
muito a palavra “reciclagem”, atualmente associada à “reciclagem do lixo”, por
exemplo. Mencionei que, muitas vezes, a mudança do termo não faz com que
as formas de trabalho sejam diferentes, mas hoje se prefere usar o termo
“formação”, para indicar um estudo baseado na reflexão e na investigação
sobre a prática. Nesse sentido de formação, concordamos com Azevedo e
Passos (2014, p. 58) que as experiências no grupo evidenciam que “a
formação continuada é uma necessidade para o trabalho docente e deveria ser
uma condição de trabalho do professor” e complementam que tal formação
“não só pode suprir possíveis lacunas da formação do professor, mas também
ajudá-lo a fundamentalmente nos problemas, nos dilemas e nas dificuldades do
cotidiano docente”.
Quando retomamos o estudo a partir do texto de Van de Walle (2009),
nos detivemos no trecho em que o autor apontava novamente os estudantes
como protagonistas em seu processo de aprendizagem, assim como
almejávamos que os participantes do grupo fossem:
Os alunos devem estar envolvidos em decidir como eles queremapresentar seus dados. Porém, crianças com pouca experiência comos vários métodos de visualizar dados não estarão cientes das muitasopções que estão disponíveis. Às vezes você pode sugerir um novomodo de apresentar e comunicar os dados e orientar as crianças naaprendizagem da construção daquele tipo de gráfico ou quadro. [...]A ênfase ou objetivos desse ensino deve ser ajudar as crianças aperceber o que os gráficos e quadros comunicam sobre asinformações e que tipos diferentes de representações informamcoisas diferentes sobre os mesmos dados. O valor de orientar osalunos a construir seus próprios gráficos não é tanto que aprendamas técnicas, mas que eles estejam pessoalmente envolvidos com osdados e que eles aprendam como um gráfico pode comunicarinformações (VAN DE WALLE, 2009, p. 491, grifos nossos).
Depois de nossos comentários a respeito do protagonismo do estudante
e de seu envolvimento com os dados, comentamos também sobre o livro
didático, que, num sentido contrário, às vezes, apresenta não só as questões,
mas os dados com os quais os estudantes devem respondê-las. Com isso,
outro assunto acabou surgindo, pois Rosana quis relatar um episódio escolar,
ocorrido durante a semana, no acompanhamento que realiza, com um
estudante com necessidade especial, numa sala de aula do 2.º ano do Ensino
Fundamental. Em circunstâncias como esta, de acordo com Fiorentini (2004),
no contexto colaborativo, os participantes sentem-se à vontade para expor
seus pensamentos e sentimentos.
Rosana mencionou que não houve tempo para perguntar ou saber mais
sobre uma situação pedagógica que a professora da turma desenvolveu, mas a
situação que estava presente no livro didático da turma consistia em colocar
cinco peças azuis e dez peças amarelas dentro de um saco. A professora
também fez um quadro para registrar qual das duas equipes em que a classe
foi dividida (azul e amarelo), atingiria primeiro dez pontos. Retirava-se
aleatoriamente uma peça de dentro do saco e registrava-se um ponto para a
equipe correspondente. Havia a devolução da peça retirada.
Rosana mencionou que, muito provavelmente, a “equipe amarela” iria
ganhar, ou seja, a probabilidade de o amarelo ser sorteado era maior, fazendo
dez pontos. Mas ela considerou que não entendeu a lógica da situação
pedagógica desenvolvida, pois ela foi conduzida de forma a seguir instruções
de execução e, após a realização de uma rodada, os estudantes não
compreenderam a finalidade, tornando-se um jogo “aparentemente sem
sentido”. Eles preencheram as questões do livro didático sobre a situação
pedagógica, seguindo as instruções da professora, mas Rosana considerou
que não foi algo significativo para a turma ou que permitisse envolvimento,
discussões e tomada de decisão, levantados pelo autor que estávamos
estudando: Van de Walle (2009).
Rosana: No livro está dez amarelas e cinco azuis. Ela [a professorada turma] colocou dentro de um saquinho. Eu vi que estava no livro,pedindo para fazer isso, colocar as pecinhas, dez de uma cor e cincode outra, e desenhar, no caso, na lousa, dez colunas para cadaequipe e aí eles iam sorteando para ver quem iria ganhar. Mas...
Silvana: Sempre vai ganhar o amarelo!
Keli: Acho que, nesse caso, o objetivo era que eles percebessem quea chance maior era do amarelo.
Rosana: Mas no final das contas ela não explicou isso. Eu estavacom um aluno com necessidade especial, que eu trabalho comatividades diferenciadas e, quando vi, fiquei pensando... Mas não tivetempo de perguntar para ela [a professora da turma], qual era a lógicadaquela atividade. Será que é buscar que o aluno perceba que dejeito nenhum uma equipe vai ganhar?
Keli: De jeito nenhum, nem sempre. Pode ter uma chance bempequena...depende...
Rosana: Mesmo só tendo cinco peças?
Rosana: Porque você vai ter que tirar até chegar no final.
Eduardo: Eu estou entendo o que a Rosana está falando, porque vaitirar todas as peças até acabar. [não considerando a reposição].
Rosana: Equipe Azul e equipe Amarela, só que eu tenho cinco peçasazuis e dez amarelas. Quem chega primeiro aqui [ao final do quadrocom dez lacunas]? Se vai tirando a peça até chegar aqui, não vejo apossibilidade do azul ganhar...
Keli: Tira e devolve para o saquinho?
Silvana: Aí realmente precisava ver a estrutura da atividade.
Rosana: Agora a Keli falou uma coisa, é verdade, como ela devolvia apeça...
Eduardo: Isso faz diferença.
Rosana: Ah, entendi. Mas eu não entendi a lógica daquilo.
Keli: A chance é menor, mas pode acontecer.
Silvana: É uma boa questão de probabilidade.
Rosana: Eu lembrei de nossos encontros, na hora. A oportunidade detransformar aquilo, como a gente vem trabalhando aqui! Mas não estásendo um jogo justo, na minha visão.
Keli: Mas talvez seja exatamente para isso, para eles perceberemque, jogando várias vezes o azul, provavelmente estava comvantagem.
Rosana: Então, o certo seria ela ter trabalhado dessa forma?Perguntando, por exemplo, "qual a chance do azul ganhar?" Porqueficou no ar.
Roseli: Ela quis facilitar para as crianças.
Rosana: A aula foi superagitada, o amarelo ganhou, todo mundo dogrupo feliz. Mas, como não teve essa intervenção da professora, paramim, ficou no ar...
Keli: Se puder, tira uma cópia dessa página e traz para a genteconhecer melhor. Com relação a essa questão que eu acabei defazer, responder uma questão, ter um objetivo. Ela pode ter feitoapenas para cumprir o que estava no livro ou ela pode transformaraquilo numa investigação. Perguntar por quê, fazer de novo.
Roseli: Despertar a curiosidade!
Keli: Ir lançando umas perguntinhas assim... Senão a criança faz semsaber porque faz aquela atividade. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:15:00 a 0:19:43).
Ainda sobre a discussão levantada por Rosana, Watson (2006, p. 170)
apresenta que as conexões entre “chance e justiça” podem ser mais complexas
do que esperamos. Segundo a autora, nesse contexto de jogos, ser justo
“significa que cada jogador tem a mesma chance teórica de ganhar o jogo”.
Possivelmente o jogo era exatamente propiciar uma discussão sobre esses
termos, “chance” e “justiça”, e possibilitar a apresentação das crenças das
crianças. As experiências são consideradas importantes nesse processo de
compreensão dos conceitos probabilísticos.
Compartilhar esse episódio proporcionou não só a Rosana, mas também
aos outros participantes, a oportunidade de refletir sobre a situação e, a partir
de então, começar a olhá-la de forma diferente, pois novas hipóteses passaram
a surgir, como, por exemplo, a devolução ou não da peça ao saquinho. Ou
seja, os participantes ampliaram seu conhecimento pedagógico do conteúdo.
Percebemos também indícios da preocupação em promover mudanças
na prática de sala de aula em benefício dos estudantes e não apenas para
enriquecimento pessoal do professor, ou seja, o desenvolvimento profissional
estava passando pelo desenvolvimento de conhecimento, pelo
desenvolvimento pessoal do professor. Um bom exemplo disso é a fala de
Rosana, principalmente no trecho “A oportunidade de transformar aquilo, como
a gente vem trabalhando aqui”, que também apresenta indícios do contexto
colaborativo.
Essa discussão acabou levando a outra, sobre os conteúdos, o currículo
e a proposta de escolas públicas e particulares, ou seja, de acordo com
Shulman (1987), sobre o conhecimento do currículo; o conhecimento dos
estudantes e de suas características; o conhecimento dos contextos educativos
e dos objetivos, metas e valores educacionais. Rosana, ainda comentando a
questão da situação pedagógica que mencionou, justificou que, muitas vezes,
por ter que cumprir certa quantidade planejada de conteúdos, as situações
pedagógica são desenvolvidas sem considerar a qualidade:
Rosana: Não sei como é dar aula no lugar dela [a professora daturma], mas a [escola] particular é muito amarrada a aquele... aqueleplano de aula. Então não dá tempo de você fazer um trabalho que acriança entenda o real significado, mas você tem que cumprir aqueleplano de aula rigorosamente. (Arquivo de vídeo da pesquisadora.Intervalo de tempo 0:22:39 a 0:22:51).
Nesse sentido, Rosana também comentou que questões como “plano de
aula” e “contexto de escola particular”, são novas para ela, pois está iniciando
sua carreira. Sobre a questão das apostilas usadas em escolas particulares,
Silvana comentou:
Silvana: Daí o professor tem uma ideia iluminada na hora que ele vêaquela criança com os olhinhos brilhando, mas não dá tempo. Vocênão tem o que fazer... Ou o aluno entende o que o livro explicou oufica sem entender... (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo detempo 0:24:50 a 0:25:10).
Novamente surgiram nas discussões temas muito importantes, como o
relato ocorrido em sala de aula, currículo, contexto de escola particular e escola
pública, início de carreira. Os participantes quiseram se desculpar por levantar
outros assuntos, mas acreditamos que eles tenham surgido justamente pelas
relações colaborativas que foram se instaurando no grupo. Completamos,
dizendo que, se as pessoas não encontram um espaço como esse para falar e
discutir sobre suas angústias com relação ao desenvolvimento de sua
profissão, onde o farão? Na escola, em geral, não há essa possibilidade, e
devemos, sim, aproveitar e discutir esses assuntos quando eles surgem! Nesse
sentido, Jimenez Espinosa (2002, p. 49) afirma, sobre seu trabalho em que
analisa um grupo colaborativo:
Embora essa não fosse a preocupação inicial do Grupo, percebeu-secom o tempo que o professor tem necessidade de compartilhar comseus colegas, suas preocupações, incertezas e dúvidas, pois essasperpassam toda a vida profissional dos professores e portantoacabam refletindo no trabalho grupal (JIMENEZ ESPINOSA, 2002, p.49)
Ressaltamos, mais uma vez, que o desenvolvimento profissional estava
centrado no grupo e nos processos interativos que buscávamos promover nos
encontros. Observamos também que ainda há muito que aprender
relativamente ao Tratamento da Informação, em especial no que diz respeito à
probabilidade (conhecimento de conteúdo específico). Como exemplo,
podemos citar esta fala da Rosana: “Não vejo a possibilidade do azul
ganhar...”.
Tivemos a oportunidade de discutir novamente sobre essa situação
pedagógica, no encontro realizado em 15/06/201149. Assumi a condução desse
debate justamente para poder aprofundar nossas discussões, que serão
apresentadas adiante.
5.11 Estudo de conceitos básicos IV
A responsável pela coordenação desse encontro foi Rosana, e nosso
objetivo foi começar a discutir sobre os tipos de gráficos e, especialmente,
conhecer um deles, chamado de ramo e folhas, desconhecido de todos.
No momento inicial, nos concentramos em entender o que foi
apresentado por Van de Walle (2009, p. 494), ou seja, primeiro nosso olhar
estava na construção do gráfico em si.
Logo de início comentamos que a expressão “forma popular de gráfico
de barras” provavelmente está ligada ao contexto do autor (americano), pois
esse não é um gráfico que costuma aparecer no “nosso” cotidiano, ou seja, no
cotidiano dos participantes do grupo. Watson (2006) apresenta também que o
gráfico de ramo e folhas, embora esteja se tornando mais comum50, inclusive
nas avaliações, ainda não é popular nos meios de comunicação. Esse tipo de
gráfico é indicado pelo NCTM (2008) como uma expectativa de aprendizagem
por estudantes do 6.º ao 8.º ano, mas nos PCN que data de 1997, ele não
aparece.
No exemplo apresentado pelo autor, encontramos uma suposta lista de
resultados da Liga Americana de Beisebol (Figura 15).
49 Veja sessão 5.16 Situações pedagógicas que levantaram dúvidas. Contexto australiano.
Figura 15: Dados geradores do gráfico de ramos e folhas
Fonte: Van de Walle (2009, p. 494).
Logo em seguida, Van de Walle descreve a forma como o gráfico foi
construído, apresentando a seguinte figura:
Figura 16: Gráfico de ramos e folhas
Fonte: Van de Walle (2009, p. 494).
Fomos, então, entendendo o que foi apresentado, olhando a lista e o
gráfico e acompanhando a descrição do autor:
Os gráficos de ramo e folhas são significativamente mais fáceis paraos alunos construírem do que os gráficos de barras, pois todos osdados são mantidos, eles fornecem um método eficiente de ordenaros dados e os elementos individuais dos dados podem seridentificados (VAN DE WALLE, 2009, p. 494).
Após a leitura coletiva do trecho, nossas discussões continuaram,
envolvendo sua interpretação e ampliadas pela possível utilização com
crianças, conforme revela a transcrição seguinte:
Keli: O que vocês acham disso?
Eduardo: Com todo o respeito, como é mesmo o nome dele?[o autor]Eu discordo.
Rosana: Eu acho que foge, confunde as crianças. Se a criança aindanão sabe "unidade, dezena, centena"...
Eduardo: Até faz sentido a organização do gráfico, mas ele não émais fácil que o gráfico de barras.
Rosana: Para mim perde o sentido. A primeira vez que eu bati o olho,eu li noventa e quatro mil, cento e sessenta e um [se referindo aográfico apresentado por Van de Walle como “b” – Veja Figura 16].
Keli: Esse seria o ramo principal e aqui, as folhas.
Rosana: Mas a tabela é que está nos orientando.
Cíntia: Se não tivesse a tabela, não sei se entenderia.
Rosana: Talvez construir seja mais fácil, mas você vai ficar ensinandoapenas a técnica? (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo detempo 0:18:30 a 0:19:43).
O contato com o novo, o desconhecido, como esse tipo de gráfico, gera
ainda insegurança. Quando são mencionadas as dificuldades que as crianças
poderiam ter, talvez haja indícios da dificuldade dos próprios professores na
compreensão, o que se refletiria no trabalho com as crianças. De acordo com
Souza, Mendonça e Lopes (2013, p. 124), esse é um dos desafios da
Educação Estatística, pois ensinar Estatística não é tarefa fácil,
[...] principalmente porque não é suficiente apresentar diferentesmodelos e mostrar suas aplicações [...] é necessário aprofundar cadaquestão, pensando em como obter conhecimento através dos dadose como ajudar os alunos a desenvolver uma intuição coerente, deacordo com ideias controversas, como aleatoriedade e causalidade.
Nesse sentido, segundo Watson (2006), enquanto esperamos que esse
e outros tipos de representação sejam mais frequentes na mídia, há muitas
oportunidades para desenvolver o letramento estatístico, usando gráficos de
barras, mais frequentes nos meios de comunicação.
5.12 Estudo de conceitos básicos V
Nesse encontro coordenado por Eduardo, nosso objetivo foi dar
continuidade ao estudo sobre os tipos de gráfico, apresentados por Van de
Walle (2009) no capítulo intitulado “Conceitos em Análise de Dados”.
Analisando previamente com Eduardo o que o autor apresentava sobre
gráficos de segmentos (ou linhas), histogramas e de círculo (setores/pizza),
consideramos que tínhamos um bom material para discussão sobre o gráfico
de segmentos e de setores. Entretanto, concluímos que o trecho que aborda
histograma não seria ideal para nosso estudo, pois o autor apresentava um
histograma construído a partir de uma calculadora gráfica. Embora
considerássemos importante o uso da tecnologia, como não dispúnhamos
desse recurso, poderia ficar muito limitado apenas olhar a figura produzida
numa calculadora gráfica, pois também não foram apresentados os dados
geradores.
Watson (2006) menciona que os recursos tecnológicos, assim como
pacotes de softwares, estão se tornando cada mais fáceis de usar e adaptados
para o uso de crianças cada vez mais novas, mas adverte que os estudantes
precisam ter experiências na criação de gráficos e aponta que apenas a
exposição a uma tela de computador pode ser limitante, pois os estudantes
precisam criar suas próprias representações para contar sobre os dados que
coletaram. Além disso, é desejável que atribuam significado para os símbolos
utilizados na elaboração dos gráficos, de forma a discutir sobre os rótulos e a
escala apropriada. A autora menciona também, como um fator importante, o
equilíbrio, a partir do contexto, entre o uso da tecnologia e a experiência na
criação dos próprios gráficos.
Escolhemos, então, utilizar um histograma que eu já havia trabalhado
com uma turma do Ensino Fundamental, levando para o encontro cópias do
material (Figura 17).
Figura 17: Histograma levado para o encontro
Fonte: Pires e Pietropaulo (2002).
Começamos nossas reflexões a partir de interpretação do histograma
apresentado, iniciando pela tabela e conferindo o gráfico. Conforme as dúvidas
foram surgindo, fomos discutindo, como revela a transcrição:
Silvana: Se eu quisesse, por exemplo, identificar esses três alunosaqui [apontando para o intervalo 1,55 a 1,60, cuja frequência era 3] efaz de conta que um mede 1,59. Eu teria que fazer um pontinho bemlá pertinho do 1,60?
Keli: Não tem como. Se eu só tenho o histograma e os intervalos jáprontos assim, você só consegue saber que há três alunos nesseintervalo, por exemplo, pode ser que tenha um que meça 1,55, 1,56,1,57, 1,58 ou 1,59. Pode ser até que ninguém meça 1,59 ou mesmodois com a mesma altura. É separado em intervalos, porque senão eupoderia até ter que fazer uma coluna para cada aluno. São 30 alunosaqui, e eu poderia ter até 30 alturas diferentes ou no máximo 2 ou 3com a mesma altura. Eu conseguiria identificar, caso eu tivesse osdados brutos, aluno por aluno e sua altura.
Roseli: Fazer por aluno ficaria enorme!
Keli: Se eu quero identificar de cada aluno, o ideal seria que eufizesse uma tabela.
Eduardo: Acho que o histograma existe justamente por conta disso,porque é difícil a gente fazer um gráfico medindo um a um.
Keli: E peso, então? Isso seria um enrosco! Já pensou? Quem pesa,30 quilos, 31,5 quilos, 31,6 quilos... Então você faz "grupos". Issotambém envolve a criança fazer classificação: esse faz parte dessegrupo, esse faz parte de outro grupo e assim por diante. Você separaem intervalos do mesmo "tamanho", chamados de classes. E eutambém escolho como vou separar essas classes. Pode ter classesmaiores ou menores. Nesse caso, o intervalo é de 5 centímetros.Quando falamos do peso, por exemplo, poderia ser um intervalo de 5quilos. Quando eu faço os grupos, eu não posso fazer assim: quemmede de 1,55 a 1,57 e de 1,57 a 1,67. Tem que ter o que chamamosde mesma amplitude. Eu tenho que verificar o que vai ser maisadequado. O ideal é que a gente tenha no mínimo 5 e no máximo 10classes.
Eduardo: É importante entender a diferença dele com o gráfico debarras.
Keli: Depende também dos dados com os quais eu estoutrabalhando. Se eu faço uma pesquisa sobre time de futebolpreferido, você não vai ter esse intervalo, ou você escolhe o time A outime B e assim por diante. Percebe o tipo de dado? São maisadequados para variáveis quantitativas contínuas, como peso, altura,idade, embora possa ser utilizada para variáveis discretas, como, porexemplo, pontuação, número de filhos, mas é raro. (Arquivo de vídeoda pesquisadora. Intervalo de tempo 0:12:45 a 0:19:14).
Um ponto de destaque nesse encontro também foi a tentativa de
diferenciação entre o gráfico de colunas e o histograma, pois é comum vermos
em livros didáticos um gráfico de colunas, mas formadas por retângulos
contíguos (característica do histograma). O histograma usa barras verticais ou
colunas, como o gráfico de colunas, mas a diferença é que elas representam
intervalos. Esse conhecimento de Estatística e esse conhecimento pedagógico
da Estatística são muito importantes no trabalho de sala de aula.
Continuando nossos estudos, as discussões passaram a ser sobre
gráfico de linha ou segmentos. O que nos chamou a atenção foi justamente um
gráfico apresentado como inadequado (Figura 18) para o uso com valores
discretos, como o número de irmãos (exemplo apresentado pelo autor). Van de
Walle (2009, p. 496) aponta que “todo ponto na linha deve ter um valor” e
questiona: “quais são os valores onde as setas estão apontando?”. Também
concluímos que o ideal para a representação desse tipo de dados seria o
gráfico de barras.
Figura 18: Gráfico de linha usado inadequadamente
Fonte: Van de Walle (2009, p. 495).
Esse tipo de gráfico, o de linha, pareceu mais rotineiro para os
participantes, talvez pela frequência com que costuma aparecer nos materiais
didáticos e nos meios de comunicação. Sendo assim, não foram levantados
outros questionamentos ou outras dúvidas.
Passamos, a seguir, para a discussão do gráfico de setores, ou círculos,
como era apontado por Van de Walle (2009):
Keli: Eu disse que ia trazer um modelo do gráfico de círculo, de pizzaou de setores. Vocês já viram isso?
Silvana: Vou esperar você mostrar porque não sei se eu vi.
Keli: Aqui o autor fala em software, usar um programa, mas eletambém fala de aproveitar o conhecimento de fração. Com isso aqui acriança não precisa ter conhecimentos tão avançados como pré-requisitos, como por exemplo, de grau, de porcentagem, paratrabalhar com esse gráfico.
Roseli: Quando eu vi, eu pensei ou fração ou relógio.
Keli: Então são dois círculos coloridos, com um corte no raio [Figura19 ]
Figura 19: Círculos para a confecção de gráfico de setores
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Silvana: Nooosssa! Que legal! Não tinha visto, não! Recortadinho! Agente sempre fez...
Keli: Isso permite que eu possa ir mexendo nele [Figura 20].Independente de eu saber exatamente a porcentagem ou ângulo, euconsigo ir mexendo nele, por exemplo, quantidade de meninos emeninas, 10 meninos e 10 meninas, então eu deixaria ele assim[Figura 21] e também faria uma legenda. Se tem um menino a maisque menina, eu poderia deixar assim, se o menino fosserepresentado pelo verde [Figura 22].
Figura 20: Montagem do gráfico de setores usando círculos
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Figura 21: Gráfico de setores apresentando a quantidade de meninos e meninas
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Figura 22: Gráfico de setores representando uma quantidade maior demeninos (verde) em relação ao número de meninas (vermelho)
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Silvana: Que jeito prático! Quanto tempo eu sofri com isso!
Keli: Pode colocar quantos círculos você quiser, mas vai ficando maiscomplexo para a criança [Figura 23]. Eu posso até trabalhar com aporcentagem depois, mas não necessariamente a criança tem quesaber calcular essa porcentagem para saber trabalhar.
Figura 23: Ampliação do número de círculos para construção do gráfico de setores
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Silvana: Mas isso aqui é muito legal!
Eduardo: No Ensino Médio eu quase morri para fazer esses gráficoscom o transferidor.
Keli: O importante é a criança entender o que vem expresso atravésdaquele gráfico, e não apenas elementos matemáticos como grau eporcentagem. Acho que isso até ajuda na compreensão desseselementos futuramente. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalode tempo 0:24:03 a 0:28:03).
Eduardo também chamou a atenção do grupo para o exemplo que o
autor apresentava, chamado de “Gráfico de ‘pizza’ humano” (Figura 24). Nesse
tipo de trabalho, que deve ser realizado num local com espaço, cada criança
faria sua escolha e seriam agrupadas de acordo com essa escolha. O grupo
todo formaria um círculo e, para evidenciar os grupos, mostrando as divisões
de acordo com as escolhas, seriam usadas cordas no chão, do centro até o
local em que as crianças estivessem. De acordo com Van de Walle (2009),
com um disco de centésimos, ou seja, um disco dividido em 100 partes,
colocado no centro desse gráfico “humano”, seria possível observar as
porcentagens aproximadas. Assim como no modelo apresentado
anteriormente, um “gráfico de pizza muito bom e sem medida e nem
porcentagem” e, segundo os participantes, possível de ser trabalhado com as
crianças dos anos iniciais.
Figura 24: Gráfico de pizza “humano”.
Fonte: Van de Walle (2009, p. 496)
No que diz respeito ao gráfico de setores, nossas discussões se
centraram no conhecimento pedagógico da Estatística (conhecimento
pedagógico do conteúdo, segundo Shulman [1987]). Notamos que houve uma
participação empolgada pela descoberta de Silvana, ao analisar o seu percurso
como professora, refletindo sobre o que realizou comas crianças, já que ela é
uma professora que pode ser considerada experiente. Indícios desse fato
podem ser percebidos na expressão: “Que jeito prático! Quanto tempo eu sofri
com isso!”.
Também podemos notar indícios de um ensino centrado nas técnicas
para construir um gráfico sem o uso de tecnologia ou de instrumentos, como
apresentado por Eduardo, na fala: “No Ensino Médio eu quase morri para fazer
esses gráficos com transferidor”.
Watson (2006) aponta que o gráfico de setores é usado nos meios de
comunicação porque dá uma visão de parte-todo e de seus tamanhos relativos.
Segundo a autora, alguns currículos têm diminuído a recomendação da criação
de gráfico de setores, devido às complexas exigências relacionadas a
proporção e a cálculos baseados em 360º em um círculo. Concordamos com
Watson (2006) que a utilização do gráfico de setores na mídia significa que ele
deve ser trabalhado, mesmo que as habilidades técnicas para criá-los ainda
estejam ausentes. Nesse sentido, nossas propostas e a indicação de Van de
Walle (2009) sinalizam que é possível um trabalho com esse tipo de
representação, mesmo com crianças dos anos iniciais, envolvendo não só a
apresentação dos dados, mas a coleta, a construção e sua interpretação.
5.13 Estudo de conceitos básicos VI
Esse encontro coordenado por mim encerrou um ciclo de seis encontros
em que estudamos o capítulo intitulado “Conceitos em Análise de Dados”, de
Van de Walle (2009). O trecho explorado no encontro seria uma retomada de
algo que já havia sido estudado por alguns dos membros do grupo num dos
encontros realizados anteriormente. Mas constatamos que poderia ser algo
ainda a ser construído para os participantes que começaram a fazer parte do
grupo em 2011. Na primeira sondagem sobre o conhecimento a respeito de
média, pudemos sentir a influência da forma de calcular a média que
comumente temos na escola ou faculdade: a somatória das notas de provas,
que em geral são duas, dividida por dois. Watson (2006) menciona que essa
associação, como medida empregada na escola para o cálculo da nota, reflete
a história da média no currículo e sua ligação diária às avaliações, pelos
estudantes.
Concordamos com Gitirana et al. (2010, p. 105), quando afirmam que,
“apesar de sua constante utilização, o conhecimento de média aritmética ainda
está baseado no domínio do algoritmo de cálculo”. Esses autores ainda
completam que, mesmo conhecendo o algoritmo para o cálculo, as pessoas
apresentam dificuldade, principalmente, na interpretação do valor encontrado.
Nesse sentido, Watson (2006) apresenta que a média não deve ser concebida
apenas como uma série de valores descritos e resumidos como algo que é a
soma de suas partes. Tampouco deve ser simplificada como um algoritmo
numérico que, se for memorizado e aplicado, reflete pouca necessidade de
entender as informações que podem estar contidas ou ser interessantes no
conjunto de números. Podemos encontrar indícios disso nas transcrições:
Keli: Se eu quisesse calcular a média simples desses númerosapresentados pelo autor 1,1, 3, 5, 6, 7, 8, 9 (VAN DE WALLE, 2009,p. 497), como eu faria?
Cíntia: Somava tudo isso e dividiria por 2?
Keli: Por que por dois?
Érica: Por oito?
Keli: Por que por oito?
Cíntia: Quantidade de números apresentada? (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:02:46 a 0:03:08).
Depois de discutirmos as definições apresentadas por Van de Walle
(2009, p. 499), nossa atenção se concentrou nas discussões a respeito da
média “como um conceito de equilíbrio”. Segui a indicação do autor, utilizando
“notas adesivas” para montar um gráfico de colunas para acompanhar as
variações ou não da média em diversas situações, conforme será detalhado a
seguir. Watson (2006) também afirma que, para consolidar a ligação entre
gráficos e médias, uma boa proposta é mover os valores dos dados individuais
e observar o que acontece com a média e as outras medidas, no processo,
considerando também que o aspecto visual pode ser um reforço melhor do que
apenas o cálculo. Assim transcorreu o diálogo videogravado:
Keli: Fiz um parecido com o dele [Figura 25 ]
Figura 25: Eixos para a confecção de um gráfico de colunas
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Keli: Eles estão falando de animais de estimação. Quantos animaisde estimação tem cada família. Como eu penso que foi feita apesquisa? Eles devem ter perguntado: Quantos animais de estimaçãovocê tem? Perguntaram para várias pessoas, e o gráfico foi sendoconstruído assim: tinha cinco pessoas que tinham um animal, tinhacinco pessoas aqui. Uma pessoa tinha três, duas pessoas tinhamcinco animais e duas pessoas tinham seis animais. Aí, se eu fossecalcular a média de animais, eu faria assim: essa pessoa tem umanimal, 1 mais 1, mais 1, mais 1, mais 1, são 5 animais. Essa tem trêsanimais. Essa tem 5 e essa tem 5, ou seja, mais 10 animais. Mais 6,mais 6. Então deu 30 animais. Quantas pessoas participaram dapesquisa?
Rosana: Dez pessoas.
Keli: Então eu tenho 30 animais, 10 pessoas. 30 dividido por 10, dáuma média de 3 animais por pessoas. Mas estão vendo aqui: só umapessoa tem 3 animais [Figura 26]. O que essa média está dizendo?
Figura 26: Gráfico da quantidade de animais de estimação, por família I
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Rosana: A média é perigosa!
Keli: Num dos sentidos da média, ela representa o conjunto de dadoscomo se eles fossem “iguais”, ou seja, nesse exemplo, três. (Arquivode vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:09:40 a 0:12:03).
...
Keli: Vamos trocar os papeizinhos de lugar para ver o que acontece.Tem uma pessoa que tem oito, ou duas pessoas que têm oito [...].Vamos ver o que vai acontecer com a média agora? [Figura 27 ]
Figura 27: Gráfico da quantidade de animais de estimação, por família II
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Keli: Embora com quantidades diferentes de animais por família, elase manteve igual, ou seja, três. Eu mudei os papéis de lugar, masequilibrando, pois houve papéis que foram para o oito, mas, emcompensação, outros foram trazidos para o dois e três, por exemplo.
Rosana: Por isso que ele [o autor], coloca aquelas flechinhas lá [sereferindo à figura apresentada no material de estudo]. (Arquivo devídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:12:20 a 0:13:04).
...
Keli: Já nesse caso [figura 28], o que acontece? Puxou a média umpouquinho para cima. Foi por causa dessas pessoas que têm maisanimais de estimação. Nossa média aqui é 3,4.
Figura 28: Gráfico da quantidade de animais de estimação, por família III
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Keli: Isso pode acontecer, principalmente, com um conjunto pequenode dados. A média pode ser afetada por esse valor mais alto, que nonosso caso é o oito.
Rosana: Verdade. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo detempo 0:14:39 a 0:15:15).
Consideramos que a premissa de que o conceito de média é um
conceito fácil deveria ser revisto. Concordamos com Gitirana et al. (2010, p.
118) que é importante também “conectar o trabalho com as várias formas de
representação de um conceito, neste caso o de média”, pois nosso processo
de ensino e aprendizagem centrado no algoritmo tem contribuído pouco para
seu uso com compreensão, e a média tem acabado sendo definida pelo seu
algoritmo de cálculo. A utilização de situações problema e a apresentação dos
dados na forma de gráfico, em consonância com o que é apresentado por
Watson (2006), parecem indicar uma abordagem útil. Ou seja, o foco sobre o
algoritmo para o cálculo da média precisa ser substituído pelo foco em
discussões significativas dentro de um contexto.
Segundo Watson (2006), também deve ser ressaltada a ideia de
equilíbrio incorporada na de média. A autora argumenta que o trabalho
criterioso com gráficos para a visualização dos dados, em conjunto com o
cálculo da média, pode ser útil para analisar a variação presente na história
que aqueles dados contam. E complementa que, posteriormente, o desvio
padrão ajuda a combater a crença de que, quando a média é calculada, o
trabalho de resumir os dados está acabado.
Ainda discutimos a respeito dos conceitos de moda e de mediana. Com
essas discussões, consideramos que havíamos terminado o que nos
propusemos a estudar em interlocução com Van de Walle (2009).
Ressaltamos que nosso objetivo, nesses encontros em que pudemos
discutir conceitos, não foi verificar o conhecimento anterior dos participantes,
mas identificar os eventos de letramento que contribuíram para o seu
desenvolvimento profissional, no que diz respeito ao conhecimento. E
enfatizamos o letramento estatístico como forma de desenvolvimento pessoal,
para que pudéssemos criar situações em que nossos estudantes venham a
ampliar seu letramento estatístico.
5.14 Análise de situação pedagógica de livro didático
Para este encontro, havíamos previsto a discussão de situações
pedagógicas a respeito de probabilidade, presentes em um material apostilado
e que seria disponibilizado por Rosana, mas devido a problemas de saúde, ela
não teve tempo hábil para providenciar o material. Substituímos aquelas
propostas por duas situações pedagógicas destinadas a crianças do 2.º Ano do
Ensino Fundamental (crianças de 7 anos), encontradas em livros didáticos
adotados pela rede municipal de Atibaia. Foram disponibilizadas cópias aos
participantes na hora do encontro.
Acabamos nos interessando mais pela segunda situação didática
selecionada, que aborda gráfico de colunas e tem a seguinte redação (Quadro
7):
Quadro 7: Número do calçado mais comum
O número de calçado mais comumEsta é uma pesquisa estatística para descobrir qual é o número de calçado mais comum naturma.A professora desenhará colunas de retângulos no quadro-de-giz.Você e seus colegas vão ao quadro e cada um preenche com giz um retângulo na coluna emque está o número de seu calçado.
Fonte: Milani, Imenes e Lellis (2008b, p. 193)
A seguir, passamos à discussão, da qual transcrevemos um excerto:
Keli: Como será que foi feita a escolha desses valores? Menor que27, 27 ou 28...[referindo-se ao número do calçado do aluno].
Eduardo: Por conta da idade deles, né? Possivelmente eles usamesses números.
Keli: Caso eu perceba que há crianças que usam números maiores,eu posso ampliá-lo mais para cá [direita].
Cíntia: Tem alguma ordem no preenchimento? Cada um pode ir nalousa e preencher?
Keli: O que você acha?
Cíntia: Nesse exemplo, o número mais alto ficou no meio [sereferindo à coluna dos números 31 ou 32]- [Figura 29]. Isso que euestou pensando: se não haveria problema, da sequência.
Figura 29: Exemplo de preenchimento de gráfico
Fonte: Milani, Imenes e Lellis (2008 b, p. 193)
Keli: Aqui embaixo foi colocado na sequência, menor que 27, 27 ou28, 29 ou 30... Vamos imaginar... Ou melhor, escolhe uma opção denúmero do calçado para você, fazendo de conta que você é uma dascrianças da classe. Eu vou escolher um e o Eduardo vai escolher um.Vamos pegar essa apresentação do livro e fazer de conta que é alousa [Figura 30 – exemplo do que deveria ser apresentado às
crianças para a construção do gráfico do número do calçado maiscomum]. Eu venho aqui e digo: “Eu tenho o pé pequeno, calçonúmero 28” [e hachurei o primeiro quadrinhos desta coluna]. E você,Cíntia?
Figura 30: Exemplo de como deveria ser apresentado o gráfico no quadro degiz
Fonte: Milani, Imenes e Lellis (2008b, p. 193)
Cíntia: Menor que 27.
Keli: E aí, teve problema de você pintar antes do meu?
Cíntia: Não.
Keli: Eduardo, qual que você escolheu?
Eduardo: Maior que 34. Rs...
Keli: Aí ele vem e pinta aqui. E a gente vai perguntando para todos ascrianças e vamos supor que muitas crianças calcem 27 e 28. Tinhacomo prever que a maioria estaria aqui?
Cíntia: Não.
Keli: Fiz essa organização aqui embaixo [eixo horizontal], mas ascolunas não precisam estar na ordem crescente de tamanho, porexemplo, a coluna que teve o menor número de "votos" primeiro, atéa coluna que teve o maior número de "votos" por último. Às vezesisso pode acontecer, como uma coincidência e depende também comquais variáveis estou trabalhando. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:05:30 a 0:8:50).
Sobre a situação pedagógica também comentamos que, devido ao rótulo
da coluna trazer o número de dois calçados, o gráfico não mostraria o número
mais comum, mas os números mais comuns, como por exemplo, 31 ou 32.
Nesse encontro pudemos perceber indícios de crenças sobre a forma de
apresentação dos dados num gráfico de colunas, a ideia equivocada de que as
colunas devem estar em ordem crescente, a partir da fala da Cíntia, que
menciona: “Nesse exemplo, o número mais alto ficou no meio [se referindo à
coluna dos números 31 ou 32]. Isso que eu estou pensando se não haveria
problema, da sequência”. Algumas vezes isso pode acontecer, em função da
frequência, mas nem sempre. Foi suposto que os exemplos ou situações que
Cíntia tivesse vivenciado ou com que tivesse tido contato, mostrassem essa
situação, em que as colunas tinham frequências crescentes. No exemplo que
estudamos, uma questão importante na organização estava em representar os
rótulos das colunas em ordem crescente, por estarmos trabalhando com uma
variável quantitativa discreta e para facilitar a representação dos dados e,
posteriormente, sua interpretação.
Constatamos no grupo, durante o estudo da situação pedagógica, que
as “orientações aos professores”, apresentadas pelos autores do livro didático,
não auxiliariam o professor, caso ele tivesse dúvidas no desenvolvimento da
proposta, pois trazem a seguinte orientação:
A Ação da página 193 é uma pesquisa estatística. As crianças devemser avisadas com antecedência para se informarem sobre o númerode sapato que usam. A professora deve desenhar as colunas depequenos retângulos no quadro-de-giz, parecidas com as que semostram no livro, para possibilitar a construção do gráfico (MILANI;IMENES; LELLIS, 2008b, p. 52, grifo dos autores).
Em oposição ao que é apresentado nas orientações aos professores por
Milani, Imenes e Lellis (2008b), Watson (2006) afirma que uma característica
importante no desenvolvimento de habilidades gráficas dos estudantes é dar-
lhes oportunidades para criar seus próprios gráficos, ainda que sem regras
rígidas e usando muitas vezes desenhos, ligando pessoas aos gráficos ou
utilizando blocos, pois isso pode criar conexões mais significativas para os
estudantes do que o preenchimento de caixas em uma grade ou numa planilha.
Mais uma vez, o contexto colaborativo possibilitou a exposição e o
esclarecimento de dúvidas que possivelmente nem imaginaríamos que
pudessem existir e poderiam ser deixadas de lado, durante o trabalho com os
estudantes, como a questão da ordem das colunas.
Cíntia, embora faça parte do grupo há menos tempo que seus colegas,
pois começou a participar dos encontros no segundo semestre, mostra que se
sente à vontade para se expressar, apresentar suas dúvidas e aprender com
os outros, no contexto colaborativo.
Nessa situação, podemos também evidenciar o desenvolvimento
profissional do professor como desenvolvimento de conhecimento, em que a
compreensão e a ampliação dos conceitos pode dar suporte e segurança para
a construção de um ambiente de aprendizagem capaz de proporcionar uma
formação mais efetiva, no que diz respeito ao letramento estatístico.
5.15 Análise da circulação de ideias estatísticas em sala de aula
O objetivo deste encontro foi assistir a um vídeo que intitulamos
“Comemorando aniversários no 3.º ano do Ensino Fundamental” e discuti-lo. A
situação pedagógica levada aos estudantes foi planejada por Eduardo em
parceria comigo. O vídeo foi feito de forma bastante artesanal, contando com a
colaboração da coordenadora de uma escola municipal da cidade de Atibaia
(SP) em que Eduardo leciona, e procura mostrar o desenvolvimento de uma
situação pedagógica de construção de gráfico, por ele e sua turma. Eduardo
disponibilizou-nos um DVD com o vídeo e autorizou seu uso de forma irrestrita
no grupo e por mim.
Nessa ocasião, usamos outra sala, também cedida pela instituição que
nos acolhia, em que havia uma TV grande e equipamentos de DVD e de som.
Para nossa discussão, foram selecionados por mim, como pesquisadora,
alguns trechos do vídeo, que tinha duração total de 1 hora e 40 minutos e seria
muito longo para o tempo disponível em nosso encontro. Pude assistir ao vídeo
previamente, como pesquisadora, e selecionar, em especial, a apresentação
da situação pedagógica por Eduardo à turma, parte do desenvolvimento e as
análises realizadas pela turma, por considerá-los os momentos mais
importantes do trabalho desenvolvido.
No vídeo, Eduardo começa a apresentar a proposta aos estudantes,
mencionando que irão montar o “Gráfico dos Aniversariantes do 3.º ano”51. Ele
também menciona o motivo da realização do gráfico, ou seja, seu objetivo com
a proposta: comemorar os aniversários dos estudantes durante o ano.
Eduardo, desejando garantir que a situação pedagógica tivesse significado
para os estudantes, também indaga a eles do que se trata, quando se
menciona a “data de aniversário”.
As crianças demonstravam-se motivadas e participando da situação
pedagógica. Um dos primeiros comentários dos participantes do grupo foi em
relação ao número de crianças da turma de Eduardo, pois esse foi considerado
um fator que influencia o desenvolvimento da situação pedagógica:
Rosana: São numerosos, Eduardo!!!
Eduardo: 35 alunos. Nesse dia faltaram quatro alunos, mas é umaturma grande, sim.
Rosana: Olha, eles participam! (Arquivo de vídeo da pesquisadora.Intervalo de tempo 0:04:40 a 0:04:52).
Também percebemos receio, demonstrado por uma das participantes do
grupo, em relação à presença de uma outra pessoa na sala de aula, durante a
realização da situação pedagógica:
Rosana: Quem é que estava filmando?
Eduardo: A coordenadora... que foi professora deles no ano passado.
Rosana: A coordenadora estava filmando? Que beleza, Eduardo![com certa ironia].
Eduardo: Já que eu ia desenvolver uma atividade para o grupo, elaaproveitou e fez um registro de aula.
Rosana: Que "responsa", Eduardo!
Eduardo: Ela acompanha aula... faz relatório... (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:05:54 a 0:06:15).
51 Detalhes sobre a situação pedagógica podem ser encontrados no capítulo 6, na seção 6.3 –As análises narrativas de Eduardo.
Notamos que mostrar a prática da sala de aula ao grupo não gerava
receio, mas a presença da coordenadora da escola, sim, causava
constrangimento, possivelmente gerado pelas relações desenvolvidas no
espaço da escola. O episódio revela mais um indício de respeito mútuo,
aspecto característico da colaboração, pois, sabendo que podem contar com o
apoio dos colegas, os participantes não temem partilhar com o grupo tentativas
de mudança na prática escolar ou, mesmo, alguma situação mais difícil, como
aparece nos trechos a seguir, em que podemos notar, na fala de Eduardo,
indícios da mudança de comportamento das crianças e do professor:
Rosana: Deve ser uma emoção para as crianças... Filmando...
Eduardo: Eles ficam todo todo... A coordenadora junto! E eles sãodanados, tem um que falou: “Que tanto está pedindo desculpahoje?”, por que tudo eu falo: "Gente, perdão, eu errei", e daí ele falou:“Que tanto está pedindo desculpa hoje?” e olhava para a cara dacoordenadora!
Rosana: Eles são!
Keli: Não é fácil, você dando aula e a coordenadora lá, filmando!
Rosana: É tenso! (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo detempo 0:12:20 a 0:13:14).
Também pudemos discutir nossas percepções a respeito das
discussões levantadas pelas crianças, com relação às ideias estatísticas
que estavam circulando. Nesse momento, a partir das intervenções que
Eduardo estava fazendo durante a realização da situação pedagógica,
levantávamos hipóteses sobre as ideias apresentadas pelas crianças.
Erica: Errou ali. Você falou "onde"? Rs... Você até se confundiu!
Keli: O que será que eles estão dizendo? Ele pôs até o seis ali [eixovertical – Figura 31 ] e as crianças se invocaram com aquele seis!
Rosana: Por que ela reclamou?
Mie: Acho que eles relacionaram o número apenas à primeira coluna,que ele foi fazendo coluna a coluna e marcando.
Keli: Acho que eles acharam que o número estava errado porque emfevereiro só tinha cinco.
Rosana: Ah, tá!
...Keli: Eles ainda não ficaram satisfeitos com o desfecho.(Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:19:34 a0:21:15).
Figura 31: Parte do gráfico que suscitou discussão entre as crianças
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Keli: Por que será que as crianças estão tão invocadas com esse"seis"? Eles retomaram a discussão!52
Rosana: Elas estão indo pela referência do eixo vertical.
Eduardo: Sim.
Rosana: Elas não se conformavam!
52 No decorrer do vídeo feito com os estudantes de Eduardo, notamos que a estudante estavaassociando o eixo vertical (que tinha a variável “quantidade de alunos” e tinha como valormáximo “6”) apenas com a primeira coluna (que tinha “5” aniversariantes). Para ela, portanto,havia um erro, pois considerou que ambas deveriam ir até o “5”. O equívoco foi desfeito peloprofessor Eduardo, associando novamente, no decorrer da aula, cada coluna à quantidadecorrespondente no eixo vertical, mostrou seu objetivo, a escala utilizada.
Roseli: Precisou levantar para mostrar!! [com relação a uma criançaque levantou do seu lugar e foi à lousa mostrar o suposto equívoco].
Rosana: Para nós está claro, mas para elas, não.
...
Rosana: O legal é que ele está insistindo em explicar!
(Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:24:07 a0:24:40).
De acordo com Watson (2006), o gráfico de barras é utilizado com mais
frequência nos anos iniciais, pois tem ligações com outros aspectos do
currículo de Matemática, como, por exemplo, correspondência termo a termo,
adição, subtração, que estarão envolvidos na interpretação básica desse tipo
de representação dos dados. Outro aspecto apontado por Watson (2006, p. 89)
é “o orgulho de propriedade do gráfico que os estudantes criam para si”,
acrescentando que isso, além de motivá-los, incentiva-os a continuarem a se
desenvolver, no que diz respeito ao letramento estatístico.
O contexto colaborativo possibilitou essas discussões a respeito da
situação pedagógica desenvolvida por Eduardo com sua turma. Destacamos
também o trecho em que busquei problematizar a situação, pensando no
desenvolvimento dessa mesma proposta pelos participantes do grupo com
outras turmas:
Keli: O que será que o Eduardo poderia falar para facilitar para ascrianças?
Rosana: Ele até falou que era para contar, mas não falou "contar ográfico inteiro".
Mie: Será que colocar no início seria melhor? Colocar até 10, será?
Eduardo: É que, dessa forma, a gente vai contando com eles... Se eucolocasse até 10, não seria pior? Pois ali só teve no máximo seis...
Mie: Acho que tem que deixar mais explícito, falando eixo barra. Um,está aqui, dois, até aqui... [mostrando com as mãos o eixo e a barrado gráfico]. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:25:30 a 0:26:18).
Concluímos que seria necessário, num futuro desenvolvimento de uma
situação semelhante, que a construção dos eixos fosse mais explorada e
problematizada, minimizando possíveis dúvidas das crianças. Concordamos
que devemos propor mais situações como essas, em que se busque o
protagonismo dos estudantes, a atuação deles na construção e a possibilidade
de levantarem os questionamentos, não só sobre a análise dos dados, mas
também a partir da construção de gráficos, que pode, inclusive, influenciar na
própria interpretação.
Também opinamos a respeito da duração da situação, conforme
transcrição de arquivo de vídeo. Sobre esse assunto, duração da situação
pedagógica, já havíamos ressaltado a importância da sua adequação ao
contexto, quando discutimos o texto “Adivinhe quem vem para ficar?”
(JONSSON, 2002).
Keli: Talvez uma sugestão fosse, pois quando eu trabalhei com ospequenininhos que eu mostrei para vocês, eu levei cinco dias parafazer a situação. Então, talvez se houvesse um intervalo no meio.Isso acontece não só com uma situação de Estatística.
Eduardo: Sim.
Keli: Conforme vai passando o tempo, eles vão cansando.
Eduardo: Uma sugestão até que a coordenadora deu, seria um diamontar o gráfico e no outro, a interpretação.
Roseli: Porque, senão, fica cansativo para eles mesmo!
Keli: Eles começam a dispersar um pouco.
Roseli: Acho que, se fizer uma parte num dia e no outro darcontinuidade, pode deixá-los mais interessados. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:36:29 a 0:38:15).
Para finalizarmos o encontro, realizamos uma pequena avaliação da
proposta de análise de vídeo. E embora, nem todos expressassem sua opinião,
a proposta foi considerada positiva!
Keli: E aí? Vale a pena investir nessa questão de vídeos? A gente jáestudou bastante...
Rosana: Aproxima da realidade. Dá uma ideia... Corrige...
Eduardo: É!
Rosana: A gente faz uma autocorreção!
Keli: Não é uma crítica ao trabalho dele, mas para pensarmos.
Rosana: Nós temos receio do vídeo, mas ele é importante!
Eduardo: É meu primeiro ano [como professor efetivo na redemunicipal] e eu estou aprendendo muito!
Keli: E isso é bom!
Eduardo: Eu já não tenho mais receio da coordenadora. E eu gostoque falem, "seria mais legal isso", "chega, me fala". Eu também estouaprendendo! (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:38:29 a 0:39:38).
No trecho anterior também podemos destacar indícios da colegialidade
na escola, nas relações de Eduardo e sua coordenadora, que, de acordo com
Hargreaves (1998), apresentam princípios cooperativos, mas as relações são
reguladas administrativamente e não são espontâneas ou voluntárias.
Depois dessa conversa, tivemos uma candidata para o desenvolvimento
de outra proposta com os estudantes, para que pudéssemos continuar a
aprender:
Mie: Vou fazer estágio no 1.º ano. Preciso ver, conversar com adiretora, mas eu quero!
Keli: Eu posso emprestar a câmera!
Mie: Sim! (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:40:19 a 0:40:39).
Embora o vídeo ofereça limitações, e tenhamos selecionado
previamente alguns trechos, acreditamos que tivemos uma rica oportunidade,
no que tange a nosso desenvolvimento profissional, conforme evidências
apontadas por Nacarato e Grando (2013, p. 259): “aprendizagens com o outro,
a partir da sua própria prática e da prática do outro” e a “captação de ideias
matemáticas dos alunos e de práticas docentes” – no nosso caso, as ideias
estatísticas dos estudantes e de práticas docentes. No que diz respeito às
aprendizagens com o outro, podemos destacar também, de acordo com as
autoras, a possibilidade de refletir sobre o que deu certo e o que não deu, a
prática de sala de aula, a identificação com determinadas situações, como, por
exemplo, semelhanças com seus próprios estudantes, segurança para
desenvolver situações com outras crianças, autoavaliação do professor e
possibilidade de refletir sobre sua própria prática. Acreditamos que isso se
tornou possível pela presença do grupo e pelas relações estabelecidas entre os
participantes. Também consideramos que foi importante, observar as ideias
estatísticas que as crianças apresentaram, assim como a forma como foram
conduzidas pelo professor as intervenções e a comunicação entre as crianças,
entre o professor e as crianças, pois, de acordo com Nacarato e Grando (2013,
p. 259), “nesse movimento de se ver e ver o colega em ação na sala de aula,
representou momentos de aprendizagem e metarreflexão das prática
docentes”.
Buscamos ressaltar também, nesse processo, o professor e seu papel
na geração de conhecimento (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999). Foi possível
investir também, no caso dessa situação pedagógica, no registro escrito e no
compartilhamento com outros professores, pois pudemos produzir uma análise
narrativa que foi apresentada num evento (PEREIRA, E. L.; CONTI, 2011) e
posteriormente rediscutida e reescrita para uma publicação PEREIRA; CONTI;
CARVALHO, 2013).
5.16 Situações didáticas que levantaram dúvidas
Em 15/06/2011, pudemos ter um encontro mais longo, em relação ao
que normalmente tínhamos, pois havia a disponibilidade de todos os
participantes (Figura 32), em função do início do período de férias. Preferimos
dividir o encontro em duas partes, para facilitar a análise.
Figura 32: Participantes presentes no encontro de 15/06/2011
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Na primeira parte do encontro, pudemos discutir dúvidas a partir de um
material didático disponibilizado por Rosana. A temática foi selecionada em
função de um e-mail enviado por ela em 29/04/2011. As situações didáticas
mencionadas no e-mail também foram anexadas e são apresentadas durante a
descrição do encontro.
Quadro 8: E-mail enviado ao grupo
Boa tarde pessoal
Primeiramente, quero pedir desculpas, pois não enviei o scan do livro, mas fiquei doente e tiveque devolver o livro, somente hoje consegui pegá-lo novamente.
Selecionei algumas atividades em que observei dificuldade dos alunos em entender, ou talvez,do professor em explicar:
2º ANOClassificação: Dificuldade para entender o que contém nos dois grupos.Números até 20: Dificuldade para explicar aos alunos, ou seja, uma maneira didática maisadequada.Estimativa: Dificuldade de entendimento.Corrida até dez: Esta é a atividade que eu comentei sobre a probabilidade do vermelhoganhar pelo número de fichas, gostaria de saber como tratar esta atividade, pois a impressãoé que foi dada, mas o objetivo não foi alcançado.Corrida Tartaruga: Segue o mesmo princípio da anterior, só que neste caso é usada umaroleta de modelos diferentes, em que, dependendo do modelo trabalhado a probabilidade deganhar é diferente.Gráfico de Roleta: Como explicar?Gráfico de Peixe: ExplicaçãoGráfico Dinossauro: Explicação
Abraços,RosanaFonte: Arquivo da pesquisadora.
Os participantes decidiram que esse poderia ser um bom material para
estudo. Notamos indícios de iniciativa para colaborar com o grupo, a
responsabilidade e o compromisso assumidos e a justificativa por demorar um
pouco mais para cumpri-lo, pois inicialmente a proposta era de que
trabalhássemos com esse material em 29/04, mas, devido ao problema de
saúde de Rosana, optamos por analisar uma situação pedagógica de livro
didático na ocasião e nesse momento posterior discutir o material
disponibilizado. Consideramos que nesse caso, de acordo com Fiorentini
(2004), o ponto de partida foi um problema ou desafio encontrado pela
participante nas suas práticas profissionais na escola, e o problema foi trazido
para o grupo para a reflexão coletiva.
Além disso, a escolha do material revela uma preocupação com a
prática, no contexto em que ela acorre, no sentido de querer melhorar também
a qualidade das experiências de aprendizagem dos estudantes.
Rosana iniciou o encontro, expondo mais uma vez o motivo para a
sugestão do material a ser estudado pelo grupo:
Rosana: Todas as atividades que eu trouxe, percebi a nãocompreensão mesmo da atividade. A dificuldade para entender. Paranós, adultos, você vai fazendo e vai entendendo, mas para elesentenderem, eu acho que ficou a desejar. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:1:24 a 0:1:50).
A primeira situação pedagógica discutida aborda a classificação (Figura
33). Iniciamos realizando a situação pedagógica proposta aos estudantes do
1.º ano (crianças de 6 anos).
Figura 33: Situação pedagógica discutida pelos participantes do grupo I
Fonte: Ferrari et al. (2006, p. 8)
Embora já tivesse sido discutida a temática, notei que duas
participantes, que haviam iniciado no grupo depois de nossas discussões, não
haviam entendido muito bem a proposta. Usei como recurso auxiliar um
conjunto de blocos lógicos, de forma a fazer outras classificações semelhantes,
como, por exemplo, o conjunto dos blocos vermelhos, o conjunto dos triângulos
e a intersecção entre eles (blocos vermelhos e que fossem triângulos). Depois
dessa parte usando o material, fiz perguntas a respeito da situação didática,
para ter certeza de que haviam entendido a proposta. Perguntei, por exemplo,
o que poderia ser desenhado pelas crianças, em resposta a cada uma das
propostas da situação pedagógica: “Desenhe outra roupa que pertença ao
primeiro conjunto”, “Desenhe outra roupa que pertença aos dois conjuntos” e
“Desenhe outra roupa que pertença ao segundo conjunto” (FERRARI et al.,
2006, p. 8).
Rosana concluiu que o objetivo da situação pedagógica era realizar
classificações, identificando o que fazia cada elemento pertencer a cada
conjunto e sua importância no que diz respeito à Estatística. Já havíamos
discutido a temática, pois, segundo Van de Walle (2009), a tomada de decisões
sobre como categorizar coisas é fundamental para a análise dos dados,
incluindo a formulação de questões e a representação dos dados coletados.
Nos trechos a seguir, transcritos do arquivo de vídeo do encontro, há indícios
da preocupação com melhorias na prática e o benefício dos estudantes e
também da mudança da participante, ou seja, do desenvolvimento do professor
como desenvolvimento pessoal.
Rosana: Essa foi uma atividade dada, porém não compreendidapelos alunos! Percebo que nessas séries [crianças de 6 anos] a gentetem que trabalhar muita coisa concreta. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:8:36 a 0:8:42).
...
Rosana: Hoje eu já tenho uma visão diferente da época em queacompanhei o trabalho da professora. E eu me pergunto, mas comoque a professora vai trabalhar essa classificação? Pois para mim amaneira que foi passado não foi compreendido. Acho que teria quetrazer algum material para eles entenderem mesmo e nãopraticamente contar a resposta a eles. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:8:57 a 0:9:28).
Evidências da mudança de Rosana podem ser percebidas na afirmação
“Hoje eu tenho uma visão diferente da época em que acompanhei o trabalho da
professora” e nas situações em que levanta questionamentos como “Como que
a professora vai trabalhar essa classificação?”, além da preocupação com
melhorias na prática: “Pois para mim a maneira que foi passado não foi
compreendido”. Ela também apresenta possíveis caminhos para auxiliar o
professor nos desafios da profissão docente: “Acho que teria que trazer algum
material para eles entenderem mesmo”.
Ainda nesse dia, discutimos também duas situações pedagógicas que
envolviam probabilidade. Uma delas já havia sido comentada por Rosana num
dos encontros, mas, dessa vez, pudemos conhecer as instruções que a
acompanham (Figura 34).
Figura 34: Situação pedagógica discutida pelos participantes do grupo II
Fonte: Ferrari et al. (2006, p. 94)
Além da descrição, por Rosana, da sua experiência com a aplicação da
situação pedagógica com crianças do 2.º ano, também surgiram várias
problematizações a respeito da situação:
Rosana: As crianças não perceberam, e eu achava que o objetivo eraa criança perceber quem ia ganhar. Na realidade, a chance dovermelho ganhar era maior que a do azul. Não foi explorado isso. Aturminha achou que... Fizeram várias vezes e o vermelho sempreganhava. E a professora não chegou a explorar isso. Teria que terexplicado? Que a probabilidade de ganhar era maior? (Arquivo devídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:17:21 a 0:18:16).
...
Rosana: Essa questão da quantidade não foi tratada. E depois, naapostila das crianças, havia a resposta "por que sim".
Mie: Fazer a atividade para quê? Qual o motivo?
Rosana: A professora não teria, ao final, que ter mostrado que aprobabilidade de um deles era maior?
Silvana: Acho que a atividade foi desenvolvida sem planejamento.(Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:21:21 a0:22:00).
Como sugestão de trabalho, usamos peças de blocos lógicos, para
simular a situação proposta pelo material e a fim de apresentar alternativas,
para a professora, quando se deparar com uma situação de trabalho similar.
Concluímos que, realizando a correspondência termo a termo com as peças,
levantamos a hipótese de que, talvez devido ao apelo visual, as crianças
poderiam compreender mais facilmente que, com um número maior de peças,
havia uma chance maior de vitória para uma das cores. Também refletimos
sobre as questões: “com devolução das fichas ao saco” e “sem devolução das
fichas ao saco”, que se referem a situações nas quais temos medidas de
chances diferentes.
Durante o encontro, houve indícios de mudança nas concepções de
Rosana com relação a termos como “chance de ganhar maior”, ao invés de
“nunca vai ganhar”, usado num dos encontros anteriores para a situação com
devolução da ficha ao saquinho e no contexto em que as fichas não eram
devolvidas, revelando que suas ideias sobre eventos certos, possíveis e
impossíveis já haviam sido reelaboradas e ressignificadas. Nesse sentido,
Watson (2006) considera que se trata da transição da probabilidade subjetiva
(como por exemplo, na fala de Rosana “nunca vai ganhar”) para a
probabilidade baseada na frequência e na probabilidade teórica e explicita que
isso é um dos objetivos do currículo escolar, como oportunidade de
aprendizagem. Segundo a autora, crenças como essas são comuns, e o
contexto pode oportunizar o aprendizado.
Novamente consideramos que o desenvolvimento profissional como
desenvolvimento de conhecimento, principalmente no que diz respeito ao
conteúdo, contribuiu com o desenvolvimento profissional de Rosana como
desenvolvimento pessoal.
A outra situação pedagógica a respeito de probabilidade que também
discutimos, era intitulada “A corrida da tartaruga e da lebre” e pedia que o
estudante escolhesse entre três roletas (Figura 35), escrevendo “T” para
representar a Tartaruga e “L” para representar a Lebre em cada parte da roleta
a escolher.
Figura 35: Modelos de roletas usadas no jogo
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
A partir da escolha da roleta, a criança dava continuidade à proposta,
registrando o resultado e refletindo sobre ele (Figura 37).
Figura 36: Situação pedagógica discutida pelos participantes do grupo III
Fonte: Ferrari et al. (2006, p. 95)
Nessa situação as crianças poderiam visualizar mais facilmente a parte
relativa do todo atribuída a cada cor. Nossas discussões se centraram, mais
uma vez, no entendimento da criança:
Rosana: Esse segue a mesma lógica [que a situação “Corrida até oDez”]. Eles confeccionaram uma roleta. Eles caíram na mesmacoisa... rss... Ou seja, não entenderam. Na época eu ficavaindignada, porque a criança não entendia.
...
Cíntia: E nessa atividade eles perceberam?
Rosana: Não. Eu fiquei intrigada com a forma de trabalho.
Keli: Se eu já trabalhei na atividade anterior. Já se chegou aconclusão que havia uma probabilidade maior para uma cor. Essaatividade seria um complemento, para constatar se as criançascompreenderam.
Mie: Quando eles compreendem, todos iriam querer colocar seupalpite na parte maior, por quê? Porque ganha! Isso mostraria queestavam entendendo. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalode tempo 0:32:20 a 0:33:40).
Em nossas discussões, procuramos levantar questões que auxiliassem o
professor no seu papel de mediação da situação pedagógica, como por
exemplo:
- Qual cor ganhou mais vezes? Por quê?
- Se você jogar novamente, o que acha que vai acontecer? Por quê?
- Que cor você escolheria para ganhar? Por quê?
Também pensamos, a partir das roletas, nos eventos certos, nos muito
possíveis ou até mesmo nos impossíveis, a fim de desenvolver a ideia da
probabilidade como uma quantidade contínua. Reforçamos as ideias de
Watson (2006) de que a discussão com as crianças é necessária, a fim de ter
evidências de que os modelos foram entendidos no contexto e as crenças
foram retomadas e ressignificadas.
Novamente podemos apontar indícios da mudança de Rosana, no
desenvolvimento profissional de si mesma, marcados pela questão do tempo
(passado), como, por exemplo, nas frases “Na época eu fiquei indignada, por
que a criança não entendia” ou “eu fiquei intrigada com a forma de trabalho”,
em que consideramos, mais uma vez, indícios da insatisfação com a forma de
trabalho, mas, ao mesmo tempo, o desejo de propor de outra forma, em
benefício do estudante e sua aprendizagem, a partir de nossos estudos.
Demos continuidade ao encontro, discutindo duas situações a respeito
de gráficos (Figuras 37 e 38):
Figura 37: Situação pedagógica discutida pelos participantes IV
Fonte: Ferrari et al. (2006, p. 101 e 104)
Figura 38: Situação pedagógica discutida pelos participantes V
Fonte: Ferrari et al. (2006, p. 101 e 104)
As situações pedagógicas apresentavam propostas opostas. Numa
delas, a criança teria que classificar os dados contidos em três grupos: listras,
pintas e bigodes, para realizar uma contagem de peixes e finalizar com um
gráfico. Na outra, o gráfico de barras já estava montado, com o tema
“dinossauros”, e o foco seria na sua interpretação.
Logo de início, o tema “dinossauros” despertou mais atenção e gerou
comentários de que as crianças gostam muito desse tema e de que analisar os
dados é bastante importante no que diz respeito ao desenvolvimento do
letramento estatístico. De maneira geral, concluímos que ambas as situações
não apresentam um propósito, embora tenham questões a serem respondidas.
Em ambas, também, a criança recebe a maior parte pronta: os dados já estão
indicados, a tabela já está pronta, o gráfico já delimitado (caso dos peixes) ou
construído (caso dos dinossauros). Temos estudado indicações que vão
justamente em sentido contrário: os estudantes devem ter oportunidade para
gerar suas questões, tomar decisões, determinar os métodos e coletar dados,
discutir como organizá-los e analisá-los. Esse protagonismo é que pode tornar
as propostas mais significativas para eles, e não apenas reunir dados ou
cumprir páginas de livros ou apostilas.
Outra questão que parece estar presente é o uso do livro didático ou
material didático. Esses recursos têm importância na prática pedagógica diária,
pois constituem um apoio para o professor e para o estudante, auxiliando na
organização do conteúdo estudado. Em algumas situações, pode até ser
considerado único suporte, devido à escassez de recursos, mas muitas vezes
pode ameaçar a autonomia do professor, quando se obriga o professor a seguir
as situações pedagógicas à risca, sempre na ordenação em que são
propostas; a esgotar todo o material didático; ou a realizar exclusivamente as
situações propostas pelo livro ou material de ensino. O material didático não
prevê cada contexto/turma, mas visualiza um professor com competências que
muitas vezes não existem. Podemos dizer também que, muitas vezes, o
problema não é o material ou livro didático, mas a forma de trabalho imposta
pelas instituições ou por falta de preparo do professor. Nesse sentido, o
professor também é visto como alguém que reproduz o conhecimento, e não
alguém capaz de produzir conhecimento. Embora o livro didático não seja
nosso foco de estudo e análise, seu uso precisa ser discutido, uma vez que
gera tensões prejudiciais à prática profissional do professor. Consideramos
também que os livros didáticos melhoraram muito após o Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD).
5.17 Discussão do trabalho realizado por Mie
Dando continuidade ao encontro de 15/06/2011, passamos a discutir o
trabalho de Mie. A partir da apresentação de Eduardo, ela se entusiasmou em
realizar também uma situação pedagógica com crianças.
Bastante empolgada, Mie começou informando aos participantes que
realizou essa proposta com crianças do 1.º ano do Ensino Fundamental na
escola particular em que realizava suas atividades de estágio. Elaboramos um
plano de aula que foi discutido previamente por Mie e por mim. Em maio de
2011 foi realizada a situação pedagógica, também registrada em imagens e
vídeo, com autorização da direção da escola, para que pudéssemos discuti-la
no grupo. Infelizmente, por problemas técnicos apenas a primeira parte da aula
foi filmada, pois as configurações adotadas reduziram o tempo de gravação. A
aula teve como tema os “animais de estimação”53 e como objetivos:
1) Conhecimento e domínio, pelo estudante, de um gráfico de colunas,
de forma a saber interpretá-lo, contar e comparar números, utilizando o
gráfico.
2) Integração com Língua Portuguesa, bastante enfatizada nos anos
iniciais do Ensino Fundamental.
3) Aprendizado de Inglês.
4) Aprendizado de elementos de outra cultura, a japonesa.
53 Mais detalhes sobre a proposta podem ser encontrados no Capítulo 6, na seção 6.1 – Asanálises narrativas de Mie.
Logo nas primeiras cenas selecionadas para discussão, vimos Mie,
começando a aula, apresentando o trabalho com gráficos, dizendo: “Hoje
vamos aprender a fazer um gráfico”. Para dar continuidade à situação, foram
feitas as seguintes perguntas, relacionadas ao tema “animais de estimação”,
escolhido por Mie, por julgar de interesse das crianças:
- Vocês têm animais em casa?
- Que animal vocês têm?
Em relação à proposta de Mie de “fazer um gráfico”, as crianças
pareceram não estar entendendo muito bem do que se tratava, talvez porque
não houvessem tido experiências com esse conteúdo ou, se o tivessem
conhecido, o termo não havia sido apresentado ou tornado significativo. Um
dos episódios que o grupo considerou mais revelador da ausência de contato
das crianças com os gráficos foi quando percebemos, na transcrição do vídeo,
o instante em que Mie abriu uma folha de papel na qual montariam o gráfico e,
com olhares atentos e curiosos, as crianças manifestaram decepção por não
encontrarem o “tal gráfico” no papel.
Indícios disso podem ser percebidos nos trechos das transcrições de
vídeo:
Silvana: Olha, as crianças perguntaram "o que é gráfico".
Mie: Eu já vou responder a eles.
Silvana: Acho que eles nunca tinham visto...
...
Keli: Agora mostra a Mie abrindo o papel [em que havia feito os eixospreviamente].
Crianças do vídeo: "Nossa", "Oh", "Cadê", "Não tem nada".
Participantes: Não tem nada!!! risos.
Rosana: Papel sem nada Mie... rs
Roseli: Eles já queriam ver o tal gráfico que ela falou tanto!
Keli: Eles devem ter se perguntado: "é isso um gráfico?".(Arquivo devídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:24:28 a 0:26:04).
Depois do ocorrido, com a folha de papel, Mie explicou às crianças que
iriam construir o gráfico juntos. Pudemos refletir, a partir do que Mie relatou,
sobre a realidade da sala de aula, o que ocorreu fora do planejado – quando as
crianças resolveram que gostariam de escrever os nomes de seus animais de
estimação. Refletimos, também, sobre ser aquela uma oportunidade adequada
ao trabalho com a escrita, ao mesmo tempo em que era uma proposta
complexa, pois os nomes dos animais, algumas vezes, apresentavam
“estrangeirismos” como “Shake”, “Minney” e “Michey”.
Como não pudemos acompanhar todo o desenvolvimento da aula em
vídeo, Mie trouxe o gráfico montado junto com as crianças, para que
pudéssemos ver (Figuras 39 e 40).
Figura 39: Alguns participantes do grupo e o gráfico apresentado por Mie
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Figura 40: Gráfico construído pelas crianças com Mie
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Ela também quis dar destaque para o momento da discussão a respeito
do gráfico, como podemos constatar:
Mie: Não precisei explicar, porque eles já disseram "Cachorro" [comoanimal com maior frequência]. Perguntei porque e um menino disse:"Por que sim!", apontando para a coluna e para o 10 aqui [no gráfico].Talvez ele quisesse falar: Não precisa explicar, já está visível, éóbvio! (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:31:05a 0:31:29).
Assim como no trabalho apresentado por Eduardo, Mie nos relatou da
motivação das crianças durante a realização da situação pedagógica, ou seja,
o que Watson (2006) aponta como orgulho da propriedade do gráfico que as
crianças criaram. Mie também organizou um quadro com as quantidades de
cada animal e constatou que as crianças também não tiveram dificuldade
nessa fase (Figura 41). Segundo Mie, uma das alunas até antecipou os dados
do quadro, colocando oralmente as colunas em ordem, conforme a quantidade
de animais. Concluímos que a construção do quadro ajudou as crianças a
entenderem melhor as frequências de cada animal, pois, no outro trabalho que
discutimos, o de Eduardo, os estudantes tiveram dificuldade justamente nisso,
em relacionar o eixo das quantidades de estudantes com as colunas.
Figura 41: Quadro construído por Mie e as crianças, sistematizando os dados
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Percebemos também que devido à idade das crianças, o fator tempo
influenciou, pois elas acabaram levando mais tempo que o previsto nos
desenhos, por exemplo, e em anotar os dados do quadro, o que tornou a
situação longa para crianças de 6 anos. Nossa sugestão foi, mais uma vez,
realizar a proposta em dois dias, mas, infelizmente, isso só seria possível, caso
a professora que Mie acompanhava no estágio, cedesse os dois momentos ou
duas aulas.
Rosana: Eles são pequenos! Cada dia um pouquinho numa dasaulas. Por que eles não aguentam.
Roseli: Pode, inclusive, despertar mais curiosidade.
Mie: É, no final eles ficaram um pouco impacientes. (Arquivo de vídeoda pesquisadora. Intervalo de tempo 0:36:10 a 0:36:34).
Finalizamos o encontro, com Rosana me procurando para sinalizar que
gostaria também de realizar uma situação pedagógica com suas crianças:
Rosana: Vamos ver se no próximo semestre eu faço um também! ?
Keli: Se você quiser, inclusive, a gente pode tentar o apoio de algumadas pessoas do grupo para te ajudar.
(Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:37:26 a0:37:54).
Principalmente nesse trecho, fica claro que a questão do
desenvolvimento profissional como desenvolvimento de conhecimento vai
favorecendo o desenvolvimento profissional como desenvolvimento de si
mesmo, e isso vai dando segurança à participante, num contexto colaborativo,
para levar a prática para sua turma e revelá-la aos seus colegas,
compartilhando os conhecimentos produzidos.
5.18 Planejamento do segundo semestre de 2011
Para que pudéssemos planejar os encontros do grupo para o próximo
semestre, considerando necessidades formativas e anseios e, ao mesmo
tempo, buscando indícios de mudanças nas concepções e nas práticas, propus
uma pequena avaliação, centrada principalmente nos trabalhos compartilhados
pelos participantes Mie, Rosana e Eduardo. Essa avaliação foi feita de forma
escrita, proposta no encontro de 15/06/2011, para envio posterior, e depois
relembrada por e-mail. Este excerto do arquivo de pesquisa, de 23/07/2011
(Quadro 9), revela esse procedimento:
Quadro 9: E-mail enviado aos participantes do grupo
Olá, pessoal!
Espero que estejam aproveitando as férias (para quem está de férias!!!) e que ela estejasendo produtiva (professor sempre aproveita as férias para preparar atividades para ospróximos momentos....)!
Estou enviando uma de nossas fotos, aquela pequena tarefa de avaliação (para lembrá-los) etambém algumas coisas que estudamos logo no início de nossos encontros (para quemchegou depois).
Fico aguardando a tarefa de vocês e também indicações de "coisas" ou temas de estatísticaque gostariam de estudar no próximo semestre. Ainda estou esperando o fechamento dohorário para sabermos quando serão os encontros.
AbraçãoKeli
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Embora não tenha havido uma leitura compartilhada das avaliações, por
e-mail ou mesmo durante o encontro, o que consideramos que seria importante
para o grupo, todos os participantes ressaltaram que foi um semestre muito
proveitoso, em especial os trabalhos dos colegas, pois o foco esteve nas
situações pedagógicas de sala de aula, conforme demonstram trechos das
avaliações escritas:
O trabalho do Eduardo me trouxe um olhar diferente em relação a“dar aula”, pois através da dinâmica desenvolvida por ele, houve aconstrução do conhecimento não só teórico. Os questionamentos dosalunos trouxeram um enriquecimento muito grande à proposta dele epara mim.[...] Sobre o trabalho da Mie, gostei muito da participaçãoefetiva dos alunos e da maneira como as crianças interagiram namontagem da atividade. Dúvidas e questionamentos das criançasenriqueceram muito a aula. (Trechos da avaliação enviada porRosana em 04/08/2011)
As propostas trazidas pela Rosana foram muito legais! Foi muito boaa oportunidade para pensar sobre os conceitos das crianças e nossossobre Probabilidade.[...] Sobre o vídeo do trabalho do Eduardo, foimuito bom, me senti mais segura em como apresentar um conteúdona frente da sala de aula, questionar os alunos, levantar problemas,pensar junto com as crianças e chegar a algo junto com elas. Asatitudes do Eduardo foram ótimas![...] Agradeço muito por ter tidooportunidade de desenvolver também uma atividade!(Trechos daavaliação enviada por Mie em 25/07/2011)
Os vídeos me despertaram para pensar em outras formas detrabalhar com as crianças. Será uma valiosa experiência para mim,quando começar a lecionar. Pude ver uma forma mais dinâmica decativar as crianças. O semestre foi muito bom, aprendi muito com ogrupo! (Trechos da avaliação entregue em mãos por Roseli em12/08/2011).
O trabalho trouxe um novo olhar para a temática Estatística,apresentando novas e diversas possibilidades de trabalho em sala deaula, mas possibilidades significativas para o aluno. (Trechos daavaliação entregue em mãos por Eduardo em 12/08/2011).
As atividades discutidas foram muito estimulantes no sentido de levaros alunos a pensar, a partir de algo que eles gostam como animais,comemoração dos aniversários. A forma com que o Eduardo e a Mieapresentaram e conduziram as atividades também foi muitointeressante. (Trechos da avaliação entregue em mãos por Érica em26/08/2011).
Também gostaria de destacar nesses trechos a importante participação
das crianças da Escola Básica e o ambiente potencializador da sala de aula.
Os maiores “encantamentos” foram justamente os momentos em que víamos
as crianças participando, levantando questionamentos, a condução da situação
pelo professor e sua mediação. Pudemos perceber sinais de que todos
aprenderam: as crianças que participaram das situações pedagógicas, o
professor que teve sua aula filmada – e, com isso, a oportunidade de rever sua
prática (metarreflexão) – e os demais participantes, na aprendizagem com o
outro. Vários participantes revelaram marcas de seu desenvolvimento
profissional como desenvolvimento de si mesmos: afirmaram que estavam
diferentes ou se modificaram em algum sentido, a partir do trabalho no grupo:
“me trouxe um olhar diferente sobre ‘dar aula’” (Rosana), “me senti mais
segura” (Mie), “me despertaram para pensar em outras formas de trabalhar”
(Roseli), “um novo olhar para a temática” (Eduardo).
Acreditamos que o contexto colaborativo no grupo tenha contribuído
para a prática reflexiva, em um processo necessariamente coletivo, que, de
acordo com Pimenta (2002), pode possibilitar respostas às situações novas,
incertas e indefinidas. Também acreditamos que os currículos de formação dos
profissionais da educação deveriam propiciar o desenvolvimento dessa
capacidade de refletir, porém importa destacar dois aspectos: um treinamento
apenas não é suficiente para tornar o professor reflexivo; a produção do saber
a partir da prática é de enorme relevância.
O ensino como prática reflexiva tem se estabelecido como umatendência significativa nas pesquisas em educação, apontando para avalorização dos processos de produção do saber docente a partir daprática e situando a pesquisa como um instrumento de formação deprofessores, em que o ensino é tomado como ponto de partida e dechegada da pesquisa (PIMENTA, 2002, p. 22).
Concordamos com Pimenta (2002, p. 24) sobre a importância da prática
e principalmente quando afirma também que “o saber docente não é formado
apenas da prática, sendo também nutrido pelas teorias da educação”. A autora
também enfatiza a relevância da teoria na formação dos docentes,
complementando que ela “dota os sujeitos de variados pontos de vista para
uma ação contextualizada, oferecendo perspectivas de análise para que os
professores compreendam os contextos históricos, sociais, culturais
organizacionais e de si próprios como profissionais” (PIMENTA, 2002, p. 24).
Nesse sentido, Kilpatrick (1996, p. 118) também menciona o papel da
pesquisa e da prática:
Educação é uma profissão na qual o hiato entre pesquisa e prática éespecialmente grande, então os pesquisadores têm umaresponsabilidade particular em assegurar que o trabalho que elesestão fazendo esteja relacionado à prática e informado por ela.
Além de o contexto colaborativo contribuir com a prática reflexiva, os
aportes teóricos que temos estudado no grupo é que têm dotado os
participantes de “variados pontos de vista para uma ação contextualizada,
oferecendo perspectivas de análise”, como apontado anteriormente por
Pimenta (2002, p. 24), identificando o potencial transformador das práticas,
sem deixar de lado a teoria e a importância do desenvolvimento profissional do
professor como desenvolvimento de conhecimento na perspectiva do
letramento estatístico.
Quanto à sugestão de temáticas e de metodologia para o próximo
semestre, as avaliações reforçaram o desejo de trabalhar, estudar, discutir a
sala de aula e as situações pedagógicas para serem ali desenvolvidas, ligadas
ao currículo. Ou seja, ficou clara a importância, para os membros do grupo, de
desenvolver o conhecimento do currículo (SHULMAN, 1987), próximo à cultura
escolar (conhecimento dos contextos educativos, também de acordo com
Shulman [1987]), pois consideraram ser este um desafio do professor: conduzir
uma proposta ligada às temáticas que temos estudado, embasadas por aportes
teóricos, de forma a realmente construir conhecimento. Tal propósito revelou
indícios da influência do grupo no desenvolvimento profissional, como
desenvolvimento de conhecimento na perspectiva do letramento estatístico e
como desenvolvimento de si mesmo ou pessoal.
5.19 Situações pedagógicas para a sala de aula I
Esse encontro foi realizado em 26/08/2011, com a presença de Mie,
Erica, Roseli, Cintia, além de mim. O texto escolhido por e-mail para discussão
foi “Crianças, máscaras, eleições municipais e gráficos ... tudo a ver?”, de
Figueiredo (2002). É um relato que busca contemplar a prática de sala de aula,
em especial na Educação Infantil, temática solicitada pelos participantes. Logo
notamos uma sintonia com o que temos estudado e tentado colocar em prática:
o trabalho com dados, com um propósito definido, para responder a uma
questão. O texto traz o relato de uma professora que propôs à turma, construir
máscaras de personagens, aproveitando caixas de sapato. Diante do universo
de possibilidades envolvendo personagens, levantado pelas crianças (23
crianças e cerca de 20 escolhas de personagens diferentes), a professora
iniciou um processo que considerou fortemente ligado ao momento que
estavam vivendo: eleições municipais. Iniciou-se, então, o processo de eleição
do personagem preferido, para a confecção de máscaras.
Para a dinâmica do encontro, propusemos a leitura prévia do texto e,
quando nos encontramos, procuramos relembrar as ideias gerais da história
relatada pela professora. Logo surgiram comentários – alguns aqui transcritos,
a partir das videogravações – a respeito de vivência parecida dos participantes
do grupo:
Keli: É importante a criança sentir que teve esse poder de decisão.Nós escolhemos e depois realizamos.
Roseli: Na escola onde estou fazendo o estágio, fizeram um gráficocom chá. Foi um projeto. Fizeram pesquisa, e, aliás, vai ter de novoesse projeto. Fizeram uma pesquisa em casa, que chá eles maistomavam. Depois disso, conseguiram as mudas para a horta, paraplantar de acordo com o consumo.
Keli: E quais foram os chás escolhidos?
Roseli: Guaco, poejo, hortelã e tinha mais um... Camomila! E depoisfoi exposto no Fruto da Terra [evento promovido pela Diretoria deEducação do município, em que as escolas expõem seus trabalhos].
Keli: Percebe que implica em outras coisas? Não é só fazer o gráfico.
Mie: Muito legal esse projeto.
Roseli: O interessante também é que o gráfico foi feito com as folhasmesmo, de verdade.
Keli: E até para a criança com deficiência visual, a coluna pode sertátil.
Roseli: Fizeram mudinhas para as famílias.
Keli: Foram ligando os projetos da própria escola com as ideiasestatísticas! (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:11:90 a 0:14:44).
Mie, empolgada com resultados que encontrou em sua experiência com
as crianças e a construção de gráfico, se voluntariou para desenvolver mais
uma situação pedagógica na escola e informou que o contexto da escola
naquele momento era a “Festa das Nações”. Nossas sugestões ficaram em
torno da escolha de um país e de algo que gostariam de pesquisar sobre ele,
como, por exemplo, música, culinária, cultura. Também pensamos que, caso os
estudantes quisessem pesquisar sobre culinária, poderíamos ter vários
desdobramentos: levantamento de preços, quantidade, proporção, fração.
Lembramo-nos também do relato estudado no nosso terceiro encontro, a
respeito de “possível” e “impossível” (“Adivinhe quem vem para ficar?”, de
Jonsson [2002]), pois também poderia ser discutido com os estudantes a
respeito do que seria possível fazer na escola ou não, de acordo com a
infraestrutura.
Tais fatos parecem revelar que, segundo a Pedagogia dos
Multiletramentos (ROJO, 2010; BEVILAQUA, 2013), já construímos um novo
design, a partir de um disponível, fazendo surgir nova fonte de construção de
sentido, que possa atender às necessidades do contexto, além de motivar os
estudantes.
Duas participantes que, em geral, falam pouco durante os encontros,
também manifestaram vontade de realizar trabalhos semelhantes no estágio. É
possível perceber oscilam entre a vontade de realizar a situação pedagógica e
a insegurança, o que é próprio da formação inicial.
Cíntia: No estágio, quando a gente vai fazer regência, a gente elaborauma aula, não é? Pra gente seria interessante, não é, Erica?
Erica: Sim.
Keli: E quando vocês vão começar a regência?
Cíntia: A gente vai começar o estágio na próxima semana. Mas aminha turma será de crianças abaixo de 3 anos, de acordo com aprofessora que eu escolhi. É bem difícil, entre 1 ano e meio e dois,então é bem limitado. Mas eu posso tentar fazer alguma coisa.(Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:21:45 a0:22:22).
Keli: Será que alguma coisa com suco ou fruta?
Cíntia: Se eu fizer, por exemplo, na segunda, será que eles vãoentender que não é hoje, é amanhã? Será que se eu falo: banana ...banana, eles vão querer na hora?
Keli: O que vocês acham?
Mie: Eu também acho que eles não têm essa noção ainda. Se falaramanhã, já é muito tempo, para eles tão pequenos. Hoje é melhor.
Cíntia: Eu acho melhor pensar nesse contexto. Naquele momento.
Mie: Precisa planejar antes, será que dá?
Keli: E se a gente pensar numa brincadeira? Eles brincam, nãobrincam?
Cíntia: Brincam, mas são bem individualistas ainda. (Arquivo de vídeoda pesquisadora. Intervalo de tempo 0:22:30 a 0:23:57).
O importante, que podemos destacar, é que alguns aspectos, como a
participação e a vontade de realizar situações pedagógicas com suas crianças
ou futuros estudantes, já se faziam diferentes, para essas participantes. O
desenvolvimento profissional como desenvolvimento de conhecimento já
começava a modificar o futuro professor, no desenvolvimento de si mesmo.
5.20 Situações pedagógicas para a sala de aula II
No encontro realizado em 23/09/2011, estiveram presentes Erica,
Rosana, Thaynara, Mie e eu. Como os participantes não puderam fazer a
leitura prévia do relato “De olho na Mamãe” (CAPP, 2002), Rosana sugeriu que
ele fosse lido no próprio encontro. O objetivo do relato é contar uma situação
pedagógica desenvolvida com crianças da Educação Infantil da Escola
Comunitária de Campinas (SP), no projeto “Dia das Mães”, em que as crianças
recolheram dados a respeito da cor dos olhos de suas mães e os organizaram
em uma tabela e, posteriormente, num gráfico de colunas.
O que nos chamou atenção no texto é que as crianças tinham uma
participação efetiva em todo o trabalho; por exemplo, elas registravam na lousa
a contagem. A todo momento, a condução da professora possibilitava que as
crianças fossem ouvidas, dessem sugestões, discutissem qual o melhor
encaminhamento para a situação.
Algumas dúvidas foram surgindo, durante a leitura:
Erica: Será que foi fácil de diferenciar castanho de castanhoesverdeado? Por que é difícil para a criança pequena... castanhoescuro, castanho esverdeado. Será que ela fez alguma coisa? [sobreas cores apresentadas pelas crianças como cores dos olhos de suasmães]
Rosana: Pelo relato, eles pesquisaram em casa e aí trouxeram. Achoque foi a mãe que falou. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalode tempo 0:6:01 a 0:06:19).
Esse questionamento nos fez olhar para os olhos de nossos colegas,
para entender o universo de cores apresentado pelas crianças (azul, cor de
mel, verde, castanho escuro, preto, castanho esverdeado).
Outro ponto referido por Rosana como interessante foi que as crianças
que já tinham alguma experiência com situações pedagógicas envolvendo
organização de informação notaram que havia divergência entre o gráfico e a
tabela e concluíram que alguma criança havia registrado incorretamente no
gráfico a cor dos olhos da mãe. As crianças conseguiram, inclusive, detectar
quais colunas apresentavam as divergências, o que motivou, em nosso grupo,
comentários que aqui transcrevemos. Em Watson (2006), essa observação
feita pelas crianças encontra uma justificativa: o autor afirma que tal relação é
possível devido às conexões realizadas entre a coleta de dados, as
representações gráficas e a interpretação.
Rosana: Acho que o interessante foi exatamente a divergência. Eeles perceberam o erro, comparando a tabela e o gráfico.
Keli: Se está na tabela...
Rosana: Tem que estar no gráfico!
Mie: Acho que é fácil as crianças se perderem nas contagens.
Rosana: Muito, muito! (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalode tempo 0:16:40 a 0:17:10).
...
Rosana: Virou o interessante da atividade!
Keli: Mesmo quando acontece um erro, a professora aproveitou paraexplorar.
Mie: Fazer alguma coisa!
Rosana: Nos outros dois textos desse livro, não tinha a presença databela ainda, agora já apareceu. E as crianças ainda foram capazesde perceber a diferença [entre a tabela e o gráfico]. (Arquivo de vídeoda pesquisadora. Intervalo de tempo 0:17:45 a 0:19:10).
Novamente Rosana demonstrou querer realizar situações pedagógicas
desse tipo com sua turma, ter um registro sistemático para poder refletir sobre
sua prática:
Rosana: Eu estava pensando aqui. No próximo ano, já começar comesse tipo de registro, gravar. Esse ano é um pouco complicado, mas,no próximo, vou ver se consigo fazer esse registro histórico, poisprecisa de tempo, e o próximo ano, terminando a faculdade vai ficarmais fácil. Começar com aquele registro do aniversário, conhecermelhor os amigos, preferências... Não sei que turma nem que sérieeu vou pegar o ano que vem, mas fazer do começo. Como nós temosmais folga no início do ano letivo, fica mais fácil programar algumacoisa assim.
Keli: Sim. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:19:40 a 0:20:20).
Esperamos que essas experiências possam acontecer em breve com a
turma de Rosana. Também aqui, podemos destacar o desenvolvimento
profissional da participante, como desenvolvimento de si mesma e como
desenvolvimento de conhecimento, pois ela já está projetando seu
planejamento, projetando mudanças na sua prática.
5.21 Situações pedagógicas de Estatística num livro didático de 1.ºano do Ensino Fundamental
Para esse encontro realizado em 21/10/2011, para atender ao pedido
dos participantes, selecionamos situações pedagógicas envolvendo gráficos e
tabelas, presentes em livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
adotados pela rede municipal de Atibaia. Foram discutidas duas situações
pedagógicas destinadas ao 1.º ano do Ensino Fundamental.
A primeira delas, segundo as orientações dos autores (MILANI;
IMENES; LELLIS, 2008a, p. 42), tinha como objetivos:
Construir a noção de gráfico; Exercitar a contagem de 1 a 10 e seguintes; Propiciar contato com a escrita numérica de dez, onze e doze; Trabalhar com a correspondência um a um; Comparar números por meio da relação entre quantidades e sua
representação geométrica.
Os autores apresentavam uma situação desenvolvida numa classe
imaginária, em que crianças haviam votado nas opções “bola-queimada, pega-
pega, pula-macaco e estátua” (MILANI; IMENES; LELLIS, 2008a, p. 42) e
propunham algumas questões a respeito do gráfico. A partir disso, as crianças
seriam motivadas a construir o gráfico que mostrasse a preferência de sua
classe (Figura 42).
Figura 42: Matriz para a construção de um gráfico com a turma
Fonte: Milani, Imenes e Lellis (2008a, p. 43)
Embora tivéssemos lido os objetivos apresentados pelos autores,
questionamos o proposto na situação:Roseli: Por que vamos selecionar a brincadeira preferida?
Mie: Para quê?
Keli: Senão fica uma coisa assim: constatamos que a brincadeirapreferida da turma é pega-pega [fazendo referência ao gráficoapresentado pelos autores de livro didático]. Muito bem, vamospassar para a próxima atividade!
Mie: Qual o motivo da escolha, para que eu vou escolher?
Keli: Eu acho importante escolher e implicar em alguma coisa, senãofica uma atividade para cumprir o conteúdo, uma estatística pelaEstatística. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:06:36 a 0:07:18).
Concluímos que, para nós, o que faltaria no desenvolvimento da
situação seria a implicação de algo, como por exemplo, diante da pergunta:
“Qual sua brincadeira preferida?”, seria feita a escolha e isso implicaria no
desenvolvimento dessa brincadeira na escola, entre as crianças. Outra
indicação foi a inclusão da questão: “Quantos estudantes participaram da
pesquisa?”. Watson (2006) também reforça que, quando os estudantes
produzem suas próprias representações com base num conjunto de dados,
ocorre outro grau de envolvimento, criatividade e conexões, além de possibilitar
um contexto motivador e de interesse dos estudantes.
A segunda proposta discutida abordava o mês de aniversário das
crianças, o que nos fez lembrar da situação pedagógica apresentada por
Eduardo, mas o registro dessa situação se dava com um gráfico de barras.
Seus objetivos, de acordo com Milani, Imenes e Lellis (2008a, p. 120), eram:
“Fazer enquetes e organizar dados; Construir gráfico de barras”. Em sua
comanda, a proposta trazia:
A professora pergunta:
- Quem faz aniversário em Janeiro?
Aí, os aniversariantes de Janeiro levantam a mão.
Você pinta um quadradinho para cada um deles na linhacorrespondente a Janeiro. Depois ela faz a mesma pergunta para osoutros meses e você repete o procedimento.
Ao final terá construído um gráfico (MILANI; IMENES; LELLIS, 2008a,p. 120).
Roseli assim apresentou suas impressões, baseada no que tinha visto
no seu estágio:
Roseli: Esse gráfico fica confuso para os alunos! [apontando para ailustração do livro didático]. Fica melhor esse do Eduardo. Sabe porquê? Eu substituí uma professora, no primeiro ano, e vi no materialde atividades esse gráfico e lembrei na hora e vi que não deu muitocerto. Havia vários lugares apagados.(Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo 0:24:45 a0:25:22).
Concluímos que talvez fosse melhor a criança ter experiências com o
gráfico de colunas antes do gráfico de barras (Figura 43), pois isso poderia
melhorar seu entendimento. Nesse sentido, mais uma vez, Watson (2006)
aponta para o protagonismo do estudante, para sua liberdade na escolha da
forma como deseja representar os dados, além da criatividade, mesmo que
isso não satisfaça ainda as convenções estatísticas.
Figura 43: Gráfico de barras
Fonte: Milani, Imenes e Lellis (2008a, p. 120)
Ao final do encontro, Roseli compartilhou um pouco do trabalho que vem
desenvolvendo na escola em que realiza o estágio e sua iniciação científica,
que toma como base o livro didático ali adotado para o 5.º ano do Ensino
Fundamental54. A participante mostrou também algumas fotos da escola,
revelando seu contexto (rural), para que selecionássemos as que poderiam ser
usadas no texto que está escrevendo, como, por exemplo, as que não
mostravam diretamente o rosto das crianças.
Mie também contou um fato que nos deixou contentes: os comentários
de que seu trabalho teve uma boa repercussão na escola em que foi realizado,
conforme transcrição de vídeo:
Mie: A professora me contou que começou a incluir nas suas aulas,gráficos. Ela fez e uma amiga dela do 3.º ano fez também!
Keli e Roseli: Que legal!
54 Mais detalhes sobre isso podem ser encontrados no Capítulo 6, seção 6.2, O Trabalho deRoseli.
Mie: E a professora também contou que as crianças perguntam:”Cadê a Mie?” E eles se lembram da atividade que eu fiz. Eu achoque eles estão lembrando do que aprenderam. (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:20:26 a 0:21:09).
A proposta refletiu, inclusive, em início de mudança de práticas na
escola, a partir da produção de Mie e do grupo.
5.22 Situações pedagógicas de Estatística num livro didático de 1.ºe 2.º anos do Ensino Fundamental
Esse encontro foi realizado em 04/11/2011, e estivemos presentes Mie,
Rosana, Roseli e eu. Foram discutidas quatro situações pedagógicas
destinadas às crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo uma
destinada ao 1º ano e três ao 2.º ano.
A primeira delas apresenta um gráfico já montado, representando os
pontos de um torneiro de boliche. Mie quis saber por que o eixo horizontal do
gráfico, que apresentava os pontos obtidos no boliche ia de “dois em dois”.
Investigando a situação pedagógica no contexto do livro didático (MILANI;
IMENES; LELLIS, 2008a), notamos que, nas páginas anteriores, era
apresentado um jogo de boliche, e havia imagens e comandas que faziam
menção a um torneio em que cada pino valia dois pontos. Nas orientações,
havia indicação dos autores para que o jogo realizado pelas crianças fosse
construído com garrafas PET. Nossas discussões nos levaram a concluir que
as situações pedagógicas apresentadas no livro para serem realizadas pelas
crianças não implicavam na realização do jogo, ficavam mais como uma
sugestão ao professor. Sabemos do potencial do uso dos jogos no
desenvolvimento dos estudantes, mas, infelizmente, ainda há preconceito na
realização desse tipo de situação, tido como algo sem importância ou também
que vá tomar muito tempo da rotina escolar, gerar agitação e mais trabalho
para o professor.
Na sequência proposta pelo livro didático, quando chegava a hora da
análise do gráfico, os autores o apresentavam pronto, acompanhado de
perguntas do tipo: “Quantos alunos fizeram 16 pontos?”, que se repetia com
outras quantidades; ou “Quem fez mais pontos nesse torneio?” (MILANI;
IMENES; LELLIS, 2008a, p. 149).
Considerando nossa interlocução com os textos estudados, caso a
situação pedagógica seja desenvolvida exatamente da forma como é
apresentada no livro didático, mais uma vez as crianças não decidem sobre o
que querem pesquisar e não são protagonistas, não produzem dados, não os
classificam e nem escolhem a forma como poderão apresentá-los. Para nós o
ideal seria que as crianças construíssem seu jogo de boliche, jogassem,
assistissem às jogadas de seus colegas, escolhessem como poderiam registrar
seus pontos e como poderiam organizá-los, de forma a responder questões
levantadas por eles próprios a respeito desses dados. Ou seja, concordamos
com Watson (2006) sobre o papel fundamental da criação e da interpretação
dos gráficos como componentes do letramento estatístico. O diálogo aqui
transcrito reitera esta afirmação.
Roseli: Essa interpretação está tão pobre.
Rosana: Eles não poderiam jogar mesmo, fazer o torneio de boliche?Por ser primeiro ano, seria ideal, acho que deveriam fazer!
Keli: Poderiam! Podia virar o Torneio de Boliche da turma do PrimeiroAno da Escola Tal!
Mie: Se fosse na sala deles seria mais legal! (Arquivo de vídeo dapesquisadora. Intervalo de tempo 0:03:52 a 0:04:29).
A segunda e a terceira situações pedagógicas discutidas foram
destinadas ao 2.º ano (MILANI; IMENES; LELLIS, 2008b) e seguiam a mesma
ideia da anterior, ou seja, apresentava-se uma situação em que um gráfico
estava montado e depois se sugeria que as crianças montassem um novo,
cujos eixos já estavam definidos e traçados, e as questões a serem
respondidas, prontas. O assunto de uma das situações foi o brinquedo
preferido de uma classe fictícia e o da outra foi o número de irmãos. No gráfico
a respeito do número de irmãos, o recurso usado e reproduzido no livro
didático foi a montagem das colunas com caixinhas de fósforo. Nossas
discussões apontaram, mais uma vez, para um trabalho de transformação da
situação pedagógica, a ser desenvolvido pelo professor:
Keli: Quando eu vejo assim no livro, acho que fica meio maçante paraas crianças.
Rosana: Eu estava pensando nisso. Que chato ver no livro! Eu achomuito chato!
Roseli: Por quê?
Rosana: Na realidade, tudo o que tem nas fichas de trabalho, tem quedar um jeito de mudar pro concreto.
Mie: Huum.
Keli: Se eu fosse a professora do 2.º ano, o que eu faria?
Rosana: Eu pediria para eles trazerem caixinha [de fósforo], faziacom eles e depois ilustrava isso aqui [falando da representação jápronta do livro didático].
Mie: E trazia fotos dos irmãos, da família, mostrava.
Rosana: Na realidade, eu faço assim: tem o material, ele é bemassim, colorido, para criança mesmo, mas eu faço sem eles olharemo material. Faço na prática. E aí depois eu só vou e registro.
Mie: Hã, hã.
Rosana: Eles têm uma concentração para as fichas de dois minutosno máximo. O que vale é a construção. O tocar, o ver, o agir. Apenasolhar assim é até chato. (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalode tempo 0:08:42 a 0:09:48).
Nossa quarta situação pedagógica discutida indicava um trabalho com “o
peso da turma toda” (MILANI; IMENES; LELLIS, 2008b, p. 178). Pedia que as
crianças construíssem uma tabela em que cada criança diria seu peso55.
Depois eles eram desafiados a resolver a seguinte questão: “Imagine que toda
a turma suba em uma balança. Quanto marcará essa balança? Para descobrir,
é preciso fazer uma conta. Nesse caso, como a conta tem muitos números
convém usar uma calculadora”. Depois disso, as crianças deveriam construir
um gráfico em que a variável contínua massa havia sido separada em faixas
(menos que 16, de 16 a 19, de 20 a 23, de 24 a 27, de 28 a 31 e mais de 31
quilogramas). Isso logo desencadeou no grupo uma discussão a respeito de
discriminação que o professor pode promover entre as crianças se houver
algum obeso.
55 Embora essa tenha sido a palavra usada pelos autores – possivelmente, para facilitar oentendimento dos estudantes –, o correto seria “massa”, ou seja, a quantidade de matériapresente em um corpo, medida pela balança em quilogramas.
Mie: Peso... Quantos quilos você pesa? Ah, não! Porque criança, àsvezes...
Roseli: Já teve isso na sua escola, não teve?
Mie: É. A filha da minha amiga é meio gordinha, não vai querer falarquantos quilos pesa.
Roseli: Pode constranger.
Rosana: Você tem que analisar o público que você tem, antes, parafazer uma atividade dessa?
Keli: Eu penso que na Estatística a gente classifica.
Rosana: Pesa outra coisa, então!
Keli: Pesa a mochila!
Rosana: Acho que tudo que envolve o físico é complicado.
Keli: Na Estatística classificamos os dados e os resultados e nossasperguntas ressaltam, quem é o mais pesado?
Mie: Nossa! Rs. Não dá!
Rosana: Lembrei numa atividade que fiz logo no início com minhaturma. Falava: “Quem é alto?”, “Quem é baixo? Começaram a brincare eu já mudei o foco e comecei a pegar os objetos da sala. Mochila,enfim, porque começou a ficar ruim.
Keli: Se você tem o cartão da criança e ela vai marcar para ela, eusou tal, tenho tantos anos... E ela marca para ela é uma coisa, maspor uma tabela assim.
Rosana: Eu já ia surtar! Não quero que me pesem porque eu estounum momento muito difícil... rs... Terminando a faculdade... A gentecome muita porcaria, dorme pouco...
Todos: Rs... (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo de tempo0:27:02 a 0:29:43).
Outro ponto que merece destaque é que os dados para a construção
desse tipo de gráfico poderiam propiciar ótimas discussões a respeito de como
organizá-los e apresentá-los, mas, mais uma vez, isso não ficou a cargo das
crianças.
As propostas discutidas até aqui procuraram permitir a reflexão e a
produção de novos significados para a prática dos professores, buscando uma
sintonia com a realidade, com o contexto.
5.23 A finalização do ano
Para finalizar os encontros desse ano, tivemos a participação de alguns
integrantes do grupo no I Encontro de Educação Matemática nos Anos Iniciais
(EEMAI), realizado na Universidade Federal de São Carlos nos dias 18 e 19 de
novembro de 2011. Participamos desse evento Eduardo, Rosana e eu, além de
duas alunas da instituição – M. e P. –, que também eram minhas alunas, mas
não faziam parte do grupo. Eduardo apresentou o trabalho “O trabalho com
Estatística no 3.º ano do Ensino Fundamental: a construção do gráfico de
aniversariantes”56. Mie não pôde comparecer, por isso a apresentação do
trabalho “Animais de estimação: a primeira experiência com a construção de
gráfico”57 ficou sob minha responsabilidade. Rosana expôs, em parceria com
M. e P., o trabalho “Experiência de inclusão na Educação Infantil: criando um
recurso para ensinar Matemática”58, que não tinha relação com o trabalho do
grupo, embora fosse orientado por mim.
Todos os que participaram ficaram muito empolgados, gostaram de
conhecer outras pessoas e outros trabalhos, mas, principalmente, sentiram-se
valorizados e produtores de conhecimento.
Depois desse evento, o último encontro do ano foi realizado em
08/12/2011. Estivemos presentes Cíntia, Erica, Mie, Roseli, Rosana, Eduardo e
eu. Nesse encontro tratamos da avaliação do semestre e de algumas questões
éticas da pesquisa.
Na avaliação do semestre, feita por escrito pelos que estavam presentes
ou enviadas por e-mail pelos que não puderam estar presentes, novamente
tivemos observações positivas, como nos trechos a seguir:
56 Mais detalhes sobre o trabalho podem ser encontrados no capítulo 6, na seção 6.3 Asanálises narrativas de Eduardo.57 Mais detalhes sobre o trabalho podem ser encontrados no capítulo 6, seção 6.1 As análisesnarrativa de Mie.58 Mais detalhes sobre o trabalho podem ser encontrados no capítulo 6, na seção 6.4 Asanálises narrativas de Rosana.
Vi que muitos já estão no último ano da faculdade ou já sãoprofessores e atuam em sala de aula e eu ainda estou no 2.º ano docurso, mas isso não foi um problema, pude aprender muito com aexperiência deles. Foi ótimo, cada um dando sua contribuição,pudemos aprender com as dúvidas e com as experiências doscolegas (Trechos da avaliação realizada por Cíntia em 08/12/2011).
Vejo o trabalho do grupo como de extrema importância. Melhorouminha relação com a temática, sempre que escuto a palavra“Estatística” logo me recordo de nossas discussões e hoje já vejo issocomo uma coisa mais simples. A contribuição para minha formaçãofoi muito boa, pois ampliou meus conhecimentos e como futuraeducadora, entendo que isso fará diferença para os meus alunos(Trechos da avaliação realizada por Erica em 08/12/2011).
O trabalho do grupo trouxe muitas contribuições, trazendo um novoolhar para o tema e apresentando diversas possibilidades de trabalhoem sala de aula. Todos os encontros que eu pude participarcontribuíram com minha prática em sala de aula, além dos textoslidos e discutidos durante o encontro. Lamentei muito quando nãopude comparecer, devido ao meu trabalho na escola e o horário dosencontros (Trechos da avaliação realizada por Rosana em08/12/2011).
O que mais me motivou a participar foi a dinâmica dos encontros, aforma que estudamos juntos, todo mundo aprendendo junto, dividindotarefas, compartilhando. Além disso, contribuiu com a prática para asala de aula, o que eu aprendi aqui podia levar para o meu estágio etambém para o futuro. O melhor dos encontros foi o que foiapresentado aqui, a prática que eles tiveram na escola e trouxerampara a gente, o trabalho da Mie, do Eduardo, por exemplo. Aprendimuitas coisas, fui superando minhas dificuldades (Trecho dedepoimento dado por Roseli à pesquisadora em 08/11/2011).
Aprendi muita coisa prática, não só o teórico. Tirei dúvidas, eu podiaperguntar e falar sem ter vergonha, isso é importante, pois isso nãoacontece em todos os lugares. Em alguns lugares temos até queesconder nossas dúvidas, mas aqui, não; posso perguntar a qualquerhora. Tive a oportunidade de desenvolver o que aprendi aqui no meuestágio, refleti durante todo o tempo, antes e depois, avaliando o quedeu certo e o que não saiu direito e com o apoio dos meus colegas.Apenas nosso horário é que foi um problema, pois nós queríamosconversar mais, mas não havia tempo, acabava rápido (Trecho dedepoimento dado por Mie à pesquisadora em 08/11/2011).
Todo o trabalho desenvolvido foi muito produtivo!!! O tempo quededicávamos aos estudos revertia-se em conhecimento teórico eprático desse tema tão importante. Foi possível também ter contatocom diversas e diferentes atividades possíveis de seremdesenvolvidas com os alunos. Com as contribuições dos colegasconsegui tirar dúvidas que tinha para poder ensina melhor meusalunos, sem contar que é muito bom partilhar dificuldades eproblemas com colegas, contando com contribuições que ajudem asuperá-los (Trecho de avaliação realizada por Eduardo em09/01/2012).
Trabalhando em escolas públicas e municipais, sempre meincomodou o fato do conteúdo matemático ser na maioria das vezesapresentado em forma de observação, leitura ou questões paraserem respondidas apenas no papel. Por isso, participar do grupoEstatisticando foi a alternativa escolhida para mudar esta realidade.Acredito que fomos estimulados não só pela Keli a comunicar e
argumentar ideias, investigar e explorar diversas atividades, tirardúvidas, compreender diferentes formas de pensar, ampliando orepertório textual individual e coletivo, compartilhando as vitórias edificuldades vivenciadas pelos colegas. No decorrer dos encontros,foi marcante para mim o que chamarei de “transferências” –procedimentos e/ou retificações que fiz no meu trabalho baseada nasolução encontrada pela experiência de outro colega em situaçãosemelhante (Trecho de avaliação realizada por Silvana, s.d.).
Nas avaliações podemos notar vários indícios do contexto colaborativo
que foi se criando e se consolidando, com confiança mútua e vontade de
compartilhar a experiência vivida. Como exemplo, podemos citar os trechos:
“Cada um dando sua contribuição” (Cíntia), “Todo mundo aprendendo juntos,
dividindo tarefas, compartilhando” (Roseli), “Eu podia perguntar e falar sem
vergonha” (Mie), “Com as contribuições dos colegas, consegui tirar dúvidas”
(Eduardo), “Compartilhando as vitórias e dificuldades vivenciadas pelos
colegas” (Silvana).
No que diz respeito ao desenvolvimento profissional, podemos perceber
indícios que nos fazem refletir sobre o desenvolvimento de conhecimento, que
envolveu a teoria e a prática, como o que foi apresentado por alguns
participantes: “Ampliou meus conhecimentos” (Érica), “O tempo que
dedicávamos aos estudos revertia-se em conhecimento teórico e prático”
(Eduardo), “Aprendi muita coisa prática, não só o teórico” (Mie), No que diz
respeito ao desenvolvimento profissional como desenvolvimento de si mesmo,
notamos indícios nos trechos: “Aprendi muitas coisas, fui superando minhas
dificuldades” (Roseli), “Melhorou minha relação com a temática” (Érica),
“Desenvolveu nosso raciocínio dedutivo, indutivo, lógico e crítico, ampliando
nosso repertório individual e coletivo” (Silvana). Também nestes trechos há
evidências de mudanças que ocorreram ou poderão ocorrer nas práticas:
“Entendo que isso fará diferença com meus alunos” (Érica), “Atividades
possíveis de serem desenvolvidas pelos alunos” (Eduardo), “Apresentando
diversas possibilidades de trabalho em sala de aula. Todos os encontros que
eu pude participar contribuíram com minha prática em sala de aula” (Rosana),
“Tive a oportunidade de desenvolver o que aprendi aqui no meu estágio” (Mie),
“a prática que eles tiveram na escola e trouxeram para a gente” (Roseli), “Foi
marcante para mim o que chamarei de ‘transferências’ – procedimentos e/ou
retificações que fiz no meu trabalho baseada na solução encontrada pela
experiência de outro colega em situação semelhante” (Silvana). E também foi
apontado o que os participantes consideram “problema”, nos encontros – a
questão do tempo: “Lamentei muito quando não pude comparecer, devido ao
meu trabalho na escola e o horário dos encontros” (Rosana) e “Apenas nosso
horário é que foi um problema, pois nós queríamos conversar mais, mas não
havia tempo, acabava rápido” (Mie). Essas situações apontadas com relação
ao tempo revelam a rotina da vida do professor, com muitas tarefas que
acabam por não permitir que ele dedique tempo – ou tempo suficiente – para
sua formação, como apontou Rosana, e mostram também que o envolvimento
e o sentimento de pertença ao grupo fazem com que o tempo dedicado a isso
não seja um tempo penoso, mas, sim, prazeroso, de dedicação a sua
formação, como apontado por Mie.
Com relação às questões éticas, apresentei o termo de autorização dos
dados – fotografias, entrevistas, depoimentos e gravações em áudio e vídeo
(Apêndice A). Todos os participantes autorizaram o uso de seu primeiro nome
ou de seu nome completo na pesquisa. Os que não estiveram presentes
enviaram posteriormente seus dados.
Com a finalização do ano, decidimos que a coleta de dados para a
pesquisa também terminaria. Embora houvesse o desejo de que os encontros
do grupo continuassem a acontecer, isso acabou não sendo possível.
Para além dos encontros do grupo, também demos início, mais ao final
do segundo semestre de 2011, a um processo de escrita que acreditamos ter-
se tornado potencializador do desenvolvimento profissional dos participantes.
Esse processo se estendeu por todo o ano de 2012, mas foi desenvolvido
principalmente via correio eletrônico, entre mim e cada um dos participantes
em alguns momentos; ou entre as pesquisadoras e o participante, em outros
momentos. Esse processo de escrita desencadeou a publicação de
textualizações narrativas que se aproximam de análises narrativas e de um
artigo, bem como a participação em eventos da área da educação e de
formação de professores, que passaremos a apresentar e discutir no capítulo
6.
5.24 Retomada dos eixos de análise
Tentamos enfatizar os indícios de desenvolvimento profissional dos
professores e futuros professores ao longo das narrativas do trabalho de
campo, destacando-os a partir dos nossos três eixos de análise, ao apresentar
suas falas; evidenciando o que os professores e futuros professores já sabiam
sobre a temática, as novas aprendizagens, as ressignificações e as
transformações no processo de estudo no contexto colaborativo; e também
usando as práticas de letramento para destacar os eventos de letramento que
se constituíram no contexto colaborativo e evidenciando os aspectos do
letramento estatístico. Buscamos também dar destaque à confiança revelada
pelos professores e futuros professores, ao desenvolver, com as crianças dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, propostas que abordaram a Estatística e
propiciaram a transformação desses participantes em produtores de
conhecimento.
Apresentamos agora, sistematicamente, nossos eixos de análise
(Quadro 10) e a seguir seus entrelaçamentos nas transcrições das falas dos
participantes durante os encontros (Quadros 11, 12,13 e 14).
Quadro 10: Eixos de análise – percurso do grupo
Eixo 1: Complexidade do desenvolvimento profissional
Desenvolvimentoprofissional doprofessor comodesenvolvimento deconhecimento naperspectiva doletramentoestatístico
A partir da base do conhecimento para o ensino, ouseja, os conhecimentos apontados por Shulman (1987)– o conhecimento de conteúdo específico; oconhecimento pedagógico geral; o conhecimento docurrículo; o conhecimento pedagógico do conteúdo; oconhecimento dos estudantes e suas características; oconhecimento dos contextos educativos; e oconhecimento dos objetivos, metas e valoreseducacionais –, consideramos que se manifestaramfortemente nos estudos dos textos, tanto nos de
referencial teórico (CONTI, 2009), quanto nos deconteúdo de Estatística e Matemática (VAN DE WALLE,2009), na discussão de situações pedagógicas de livrosdidáticos (MILANI; IMENES; LELLIS, 2008) ou materialapostilado (FERRARI et al., 2006), no currículo(BRASIL, 1997), nos trabalhos desenvolvidos pelosparticipantes e na escrita.
O processo de desenvolvimento profissional envolveu aconstrução de novos conhecimentos para o ensino, taiscomo: conceitos básicos de Estatística, planejamento deuma pesquisa estatística, coleta de dados, organizaçãodos dados e sua apresentação, média, moda emediana, medida da chance (probabilidade) eporcentagem, que foram, de maneira gradativa, fazendoparte do discurso, dos saberes e da prática doprofessor. Consideramos que isso contribuiu com asegurança do professor e com seu desejo de realizarsituações pedagógicas nesse sentido.
O processo foi contínuo, com constantes reflexõessobre as práticas, promovendo o aprofundamento doconhecimento para o ensino, ou seja, não houvedissociação entre as questões práticas e as teóricas.
A reflexão, especialmente sobre o próprio trabalhodocente, ajudou os participantes a problematizar, acompreender e a ressignificar suas crenças, seussaberes e concepções. Essa reflexão foi potencializadano contexto colaborativo, passando a ser coletiva.Podemos citar como principais ressignificações nodesenvolvimento de conhecimento na perspectiva doletramento estatístico, a concepção do que é Estatísticae seus elementos, as implicações de uma pesquisa,letramento, letramento estatístico, eventos certos,possíveis e impossíveis e medida da chance.
Desenvolvimentoprofissional doprofessor comodesenvolvimento desi mesmo oupessoal
O planejamento dos encontros e os encontros do grupolevaram em conta cada participante, com sua história devida social e cultural, seus sonhos e crenças pessoais,representando um processo complexo e singular.
Ocorreu de diferentes formas: para alguns participantesapós sua formação inicial; para outros, durante a
formação inicial.
Os participantes puderam ser protagonistas de seudesenvolvimento profissional, com apoio dos parceirosdo grupo.
Os professores e futuros professores mostraram-secríticos em relação a materiais didáticos e também asuas próprias produções (aulas, narrativas orais eanálises narrativas).
Houve possibilidade de transformar a insegurança emsegurança, para a realização de situações pedagógicascom estudantes ou mesmo sua participação no grupo.
Eixo 2: Colaboração
Contexto decolaboração
Exigiu tempo para que seus participantes se sentissemparte do grupo.
Foi considerado potencializador do desenvolvimentoprofissional.
O grupo, com o tempo, tornou-se um espaço decompartilhamento de estudo, experiências e reflexõesdos professores e futuros professores sobre ensinarEstatística na perspectiva do letramento. Além disso, foipossível produzir, ampliar e desenvolver diferentes tiposde conhecimento.
No contexto colaborativo, a fundamentação teórica emetodológica sobre o letramento estatístico possibilitoua produção de teoria sobre a prática pedagógica e aformação de professores.
A procura por um grupo e sua permanência nelerefletem a busca pelo desenvolvimento profissional.
Eixo 3: Letramento(s)
Indícios doletramentoestatístico
Pudemos, pela disponibilização de designs (narrativasde sala de aula, por exemplo, com foco no letramentoestatístico), fazer a reconstrução do conhecimento,transformando-o em um novo design disponível(Pedagogia dos multiletramentos).
A partir dos textos estudados, pudemos perceber o
experienciamento do novo, a apropriação da teoria edos conceitos, enquadrando-a criticamente a partir deperspectivas, interesses e motivações dos própriosparticipantes, e a aplicação aos estudantes (Gestosdidáticos).
Práticas deletramento
Apoiaram-se tanto no mundo individual como no socialdos participantes do Estatisticando.
Todos os encontros constituíram eventos letrados;portanto, mediados pela escrita (de autores ou dospróprios participantes).
Houve vários indícios do que fizemos com o letramento,implicando também valores atitudes, sentimentos erelações sociais.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
A seguir, destacamos alguns indícios do entrelaçamento do
desenvolvimento profissional dos participantes, o contexto colaborativo e as
práticas de letramento que consideramos presentes nos encontros do grupo,
trazendo novamente uma transcrição da fala de Silvana (Quadro 11), de
Eduardo (Quadro 12) e de Rosana (Quadro 13), além da fala de Silvana, Mie,
Roseli, Eduardo, Rosana, Érica e Cíntia (Quadro 14).
Quadro 11: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala de Silvana
Práticas de letramento O autor também menciona que, desdea Educação Infantil até a 3.ª série,eles fazem análise de dados.
Contexto colaborativo Esse é o bloco que a gente já viu,chamado Tratamento da Informação.
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento deconhecimento na perspectiva doletramento estatístico e de si mesmoou pessoal.
De início eu não havia feito essaassociação; para mim Análise deDados era uma coisa e Tratamento daInformação era outra coisa e agora euvi que são sinônimos, com relaçãoaos currículos.
Práticas de letramento Olha só, sem querer, passei lá napagina 496 [VAN DE WALLE, 2009] eo gráfico de pizza chama gráfico desetores [risos].
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento de simesmo ou pessoal
Sem querer descobri isso!
Fonte: Transcrições do encontro de 04/11/2010. Grifos nossos.
Quadro 12: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala de Eduardo
Práticas de letramento O que mais me chamou a atenção [notexto] foi um pouco do que as criançastrabalharam.
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento de simesmo ou pessoal
Isso para mim serve um pouco porque a vivência que eu tive de escola,do contato com outros professoresera de que o Tratamento daInformação era GRÁFICO, GRÁFICO,GRÁFICO.
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento deconhecimento na perspectiva doletramento estatístico
Essa questão de que não é só aelaboração de gráfico e eu achei quenessa atividade apresentada não tema elaboração de gráfico.
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento deconhecimento na perspectiva doletramento estatístico e de si mesmoou pessoal.
Foi diferente, pois trabalhou comoutras coisas.
Fonte: Transcrições do encontro de 23/09/2010. Grifos nossos.
Quadro 13: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala de Rosana
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento de simesmo ou pessoal
Hoje eu já tenho uma visão diferenteda época em que acompanhei otrabalho da professora. E eu mepergunto, mas como que a professoravai trabalhar essa classificação?
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento deconhecimento na perspectiva doletramento estatístico e de si mesmoou pessoal.
Pois para mim a maneira que foipassado não foi compreendido.
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento deconhecimento na perspectiva doletramento estatístico
Acho que teria que trazer algummaterial para eles entenderemmesmo e não praticamente contar aresposta a eles.
Fonte: Transcrições do encontro de 15/06/2011. Grifos nossos.
Quadro 14: Entrelaçamentos dos eixos de análise – Transcrição da fala dos participantesPráticas de letramento edesenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento deconhecimento na perspectiva doletramento estatístico
Silvana: Eu queria ter lido essa frasequando a gente estava lá na aula docurso de Pedagogia. Olha queresposta linda: “Que as medidas quedescrevem dados com números sãochamadas estatísticas”59 (risos).(04/11/2010)
Silvana: Eu achei legal a forma comoeles abordaram, eles usaram apropaganda “9 entre 10 dentistasrecomendam a pasta de dente ‘tal’”.Achei ótimo! Quantas vezes a genteestá dentro da sala de aula e podetrabalhar com isso de uma maneiratão gostosa e acaba não ligando, nãoassociando a conteúdos importantes!Achei esse comentário muitointeressante. (04/11/2010)
Eduardo: Eu achei o gráfico de barrasmais interessante para os alunosentenderem essa pergunta: “Quantascrianças gostam de cada fruta?” doque o gráfico de setores. (18/11/2010)
Eduardo: E às vezes não é essa aintenção que a gente vê na sala deaula. Às vezes a intenção é que elesconstruam perfeitamente o gráfico,mas o mais importante é sobre o queestá se falando! (18/11/2010)
Rosana: Talvez construir seja maisfácil, mas você vai ficar ensinandoapenas a técnica? (25/02/2011)
Mie: Acho que tem que deixar maisexplícito falando eixo barra. Um, estáaqui, dois, até aqui... [mostrando comas mãos o eixo e a barra do gráfico].(06/05/2011)
59 Leitura de Van de Walle (2009, p. 485).
Rosana: Nos outros dois textos desselivro, não tinha a presença da tabelaainda, agora já apareceu. E ascrianças ainda foram capazes deperceber a diferença [entre a tabela eo gráfico]. (26/08/2011)
Roseli: Acho que, se fizer uma partenum dia e no outro dar continuidade,pode deixá-los mais interessados.(06/05/2011)
Roseli: Essa interpretação está tãopobre. (21/10/2011).
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento de simesmo ou pessoal
Silvana: Agora ficou claro que é bemdiferente. Como faz diferençaentender o significado da palavra! Agente compreende! (04/11/2010)
Rosana: Falo que hoje eu consigoperceber isso, mas a escola muitasvezes foi tempo perdido. Faça,decore, faça 50 contas por dia. Vocênão sabe nem por que estavafazendo. Eu decorava a fórmula efazia a prova. Hoje eu reflito mais, vejoas coisas de outra forma, de um outropapel. (04/11/2010)
Eduardo: É meu primeiro ano [comoprofessor efetivo na rede municipal] eeu estou aprendendo muito!(06/05/2011)
Cíntia: A gente vai começar o estágiona próxima semana. Mas a minhaturma será de crianças abaixo de 3anos, de acordo com a professora queeu escolhi. É bem difícil, entre 1 ano emeio e 2, então é bem limitado. Maseu posso tentar fazer alguma coisa.(26/08/2011)
Contexto colaborativo Silvana: Você mandou o convite, euachei a ideia muito legal, e na realidadeé a primeira vez que eu participo deuma coisa assim, não conheço, não seicomo é, não sei como funciona nada.(02/09/2010).
Rosana: Eu lembrei de nossosencontros, na hora. A oportunidade detransformar aquilo, como a gente vemtrabalhando aqui! Mas não está sendoum jogo justo, na minha visão.(25/02/2011)
Rosana: Lamentei muito quando nãopude comparecer, devido ao meutrabalho na escola e o horário dosencontros. (Avaliação, 08/12/2011)
Indícios do letramento estatístico Erica: Será que foi fácil de diferenciarcastanho de castanho esverdeado? Porque é difícil para a criança pequena...castanho escuro, castanhoesverdeado. Será que ela fez algumacoisa? [sobre as cores apresentadaspelas crianças como cores dos olhosde suas mães]. (26/08/2011)
Mie: se tem seis pessoas, três já são50%. É preciso saber quantaspessoas. (09/09/2010)
Fonte: Transcrições dos encontros. Grifos nossos.
Ainda sobre o aprendizado do professor e as concepções apresentadas
por Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 249), que impulsionam muitas vezes as
iniciativas de formação de professores, não quisemos caminhar em direção ao
que as autoras concebem como “conhecimento para a prática” e
“conhecimento em prática”, mas para o “conhecimento da prática”. No
conhecimento para a prática, segundo Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 253),
parte-se do pressuposto de que o conhecimento formal e as teorias são
gerados pelos pesquisadores para que os professores usem para melhorar sua
prática, ou seja, “ensinar é, portanto entendido como um processo de aplicação
de um conhecimento recebido em uma situação prática”. Os professores, de
acordo com essa concepção, não são geradores de conhecimento. A
concepção de conhecimento em prática considera que o conhecimento que os
professores precisam ter para ensinar bem está numa prática exemplar dos
professores mais experientes. Já o conhecimento da prática, de acordo com
Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 274), “parte do pressuposto de que o ensino
que os professores devem ter para ensinar bem emana da investigação
sistemática do ensino, dos estudantes e do aprendizado, bem como da
matéria, do currículo e da escola”. Essas pesquisadoras também enfatizam a
importância da construção colaborativa do conhecimento. Ousamos afirmar
que nosso processo de desenvolvimento profissional, num contexto
colaborativo, pode ter influências do conhecimento para a prática e em prática,
mas procurou privilegiar o conhecimento da prática, acreditando que a
“investigação como postura” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999) pode oferecer
oportunidade de desenvolvimento profissional aos participantes.
A ideia sobre “investigação como postura” tem como objetivo, de acordo
com as autoras, “perceber um pouco da natureza do quanto os que ensinam e
aprendem com o ensino, ao participar de uma investigação, são capazes de
interpretar e teorizar o que estão fazendo” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999,
p. 291). Nesse sentido, temos uma concepção diferente de professor: o que
“aprende ao longo de sua via profissional, que não cabe distinção entre
novatos e peritos” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999, p. 293).
Cochran-Smith e Lytle (1999) também apontam a fala e a escrita como
uma forma tornar visível o conhecimento tácito de professores e futuros
professores. Após apresentar alguns indícios do desenvolvimento profissional
dos participantes do Estatisticando em suas falas, passaremos a apresentar
outros indícios, a partir de suas escritas.
CAPÍTULO 6
Análises Narrativas dos professores e futurosprofessores – potencializando o desenvolvimento
profissional
O registro da práticaé o fio que vai tecendo
a história de nosso processo.É através dele que ficamos
para os outros.(FREIRE, 2008, p. 55)
De acordo com Nacarato, Gomes e Grando (2008, p.18), “o professor é
apaixonado por contar seus ‘causos’, suas histórias de aulas”. Por isso, as
narrativas e análises narrativas foram bastante utilizadas no nosso grupo. São
exemplos deste fato os relatos narrativos “Adivinhe quem vem para ficar”
(JONSSON, 2002), “Crianças, máscaras, eleições municipais e gráficos... tudo
a ver” (FIGUEIREDO, 2002) e “De olho na Mamãe” (CAPP, 2002). Já nos
encontros, as narrativas mais presentes eram as orais. Sobre estas, Nacarato,
Gomes e Grando (2008, p.18) defendem que “falta-lhes a escrita dessas
histórias para que possam ser (re)pensadas, (com)partilhadas e possam
contribuir com a formação de novos professores”.
Fiorentini e Miorim (2001, p. 22) destacam que as narrativas
[...] dizem respeito a histórias que ocorrem num determinado tempo (devida estudantil ou profissional ou, mesmo, durante um curso ou umaaula) e lugar (na escola, na universidade, ou na sala de aula), sendo oprofessor o autor, o narrador e o protagonista principal da trama. Asnarrativas, portanto, representam um modo de produzir significados aexperiências passadas e presentes, tendo em vista a possibilidadefutura de novas experiências.
As narrativas também são apontadas por Nacarato, Gomes e Grando,
como potencializadoras do desenvolvimento profissional, e concordamos com
seu destaque como estratégia formativa, no grupo Estatisticando:
As narrativas, por constituírem uma escrita de si e por revelar o modocomo nós, seres humanos, experienciamos o mundo, sãopotencializadoras de desenvolvimento profissional, além depossibilitarem o compartilhamento de nossas histórias e de nossaprática (NACARATO; GOMES; GRANDO, 2008, p. 18).
As narrativas escritas também são consideradas importantes para os
futuros professores, pois, de acordo com Alarcão (2003, p. 53), esse hábito, “se
adquirido na formação inicial, tem grande probabilidades de perdurar pela vida
profissional adentro”. E complementa que “ajudará a analisar a vida,
desdobrará o percurso profissional, revelará filosofias e padrões de actuação,
registrará aspectos conseguidos e aspectos a melhorar, constituirá um
manancial de reflexão profissional a partilhar com os colegas”.
Concordamos também com Nacarato (2013, p. 29) que é “de
fundamental importância que as narrativas sejam publicadas, para que outros
professores tenham acesso a elas”, pois “tais publicações constituem um
incentivo ao professor para registrar suas práticas e o colocam como
protagonista de seu currículo”.
Embora almejássemos que os participantes pudessem escrever e
compartilhar suas experiências, essa não foi uma exigência para a participação
no grupo e acreditamos que, se isso fosse apresentado de início, poderia
afastar os professores que não se sentiam capazes de produzir saberes a partir
da prática de suas salas de aula. Então, procurando incentivar a escrita, sem
exigi-la, esse processo ganhou força no segundo semestre de 2011, quando o
grupo já se reunia por mais de dois semestres. Também se prolongou para
além dos encontros do grupo, ocorrendo principalmente via e-mail. Assim como
apontado por Nacarato, Gomes e Grando (2008, p. 41), essas transformações
ocorreram de forma diferente para cada participante: “para alguns, elas são
mais rápidas e visíveis; para outros, ficam veladas e só se tornam visíveis pelo
processo de escrita; e para outros, são muito lentas”. Enfatizamos que isso foi
respeitado no nosso contexto colaborativo, assim como a opção de não
produzir uma narrativa escrita ou análise narrativa naquele momento.
Consideramos que os estudos realizados no contexto colaborativo do
Estatisticando incentivaram a investigação da prática pedagógica, inicialmente
em momentos em que o destaque era para o ensino e a aprendizagem da
Estatística com estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. Os
resultados, assim como acontece no Grupo de Sábado (GdS), foram
textualizados em forma de narrativas. De acordo com Carvalho e Fiorentini
(2013), essa modalidade de investigação, assim como no caso do GdS, se
aproxima mais de uma análise narrativa. Esses autores afirmam que as
“análises narrativas”
[...] expressam um conhecimento da prática, pois, embora geralmentetenham origem na prática, as situações foram problematizadas,analisadas e sistematizadas narrativamente, tendo como mediaçãoleituras dos campos acadêmico e profissional e as múltiplaspercepções e interpretações de parceiros críticos[...] (p.22, grifo dosautores).
Ainda sobre as textualizações narrativas que se aproximam de análises
narrativas, de acordo com Carvalho e Fiorentini (2013, p. 17, grifo nosso),
“mais que a conceitualização de um gênero textual, esta afirmação nos remete
a um processo”, complementando que nesse processo são gerados textos que
são “ouvidos/lidos/vistos”. Nesse contexto, pensando no processo vivenciado,
passaremos a chamar as textualizações narrativas produzidas pelos
participantes de “análises narrativas de situações de sala de aula”.
Consideramos então que, assim como acontece no Grupo de Sábado, esse
processo de produção ou essa dinâmica de produção “tem sido significativa
para cada autor, em relação à sua formação enquanto escritor, à
transformação de suas aulas e à sua constituição profissional” (FIORENTINI;
CARVALHO, 2013, p. 17).
Nesse sentido, foram produzidos onze textos, dos quais participei como
coautora, fazendo parceria com um dos participantes, buscando atuar como
parceira crítica: dez análises narrativas de situações de sala de aula e um
artigo, fruto de iniciação científica. Oito análises narrativas de situações de sala
de aula foram produzidas em parceria com dois participantes do grupo
Estatisticando, Mie e Eduardo, exclusivamente sobre a temática ali estudada; o
artigo foi escrito em parceria com Roseli, também com temática versando sobre
a Estatística, com destaque para o livro didático; e duas análises narrativas
foram feitas em parceria com Rosana, contando também com a colaboração de
duas outras estudantes de Pedagogia, sobre temática que não era o foco
principal de nossos estudos, mas sempre almejando, como defende Kilpatrick
(1996, p. 118), o “professor como pesquisador”, mais do que simplesmente
sujeito da pesquisa. Importante mencionar, também, que os trabalhos
produzidos pelos integrantes do Estatisticando foram apresentados em eventos
da área de Educação e de Educação Matemática, como forma de discutir com
a comunidade acadêmica a prática de sala de aula e a do grupo. Quatro deles
foram publicados em periódicos, quatro nos anais dos eventos e outros dois
também nos anais dos eventos, mas na forma de e-book. Um constituiu um
capítulo de livro. Nossa produção, assim, tornou-se pública, como recomenda
Kilpatrick (1996, p.106-107): “pesquisa deve ser pública; ela deve ser
compartilhada”.
Apresentamos aqui os títulos das publicações e, mais adiante,
apontamentos a respeito de cada autor/participante, procurando revelar as
transformações dos professores e futuros professores, que, além de estudarem
e trabalharem, participavam dos encontros do grupo (o que também
demandava tempo extra para leituras e preparações) e ainda disponibilizavam
tempo para o processo de escrita.
Análises narrativas produzidas em parceria com Mie e Eduardo e
trabalho produzido em parceria com Roseli:
1) “Animais de Estimação: primeira experiência com a construção de
gráfico” (KATO60; CONTI, 2011). Trabalho apresentado e publicado
nos Anais do I Encontro de Educação Matemática nos Anos Iniciais
(EEMAI), realizado na UFSCar em 2011.
2) “Primeira experiência com a construção de gráfico: os animais de
estimação dos alunos do 1º. ano do Ensino Fundamental”
(YOKOMIZO; CONTI; CARVALHO, 2012). Trabalho publicado em um
periódico.
60 A partir de 2012, Kato passou a utilizar o sobrenome de casada, passando a ser Yokomizo.
3) “O Tratamento da Informação presente em livro didático de
Matemática do 5.º ano do Ensino Fundamental” (PEREIRA, R. F.;
CONTI, 2011). Trabalho publicado em periódico.
4) “O trabalho com estatística no 3° ano do Ensino Fundamental: a
construção do gráfico de aniversariantes” (PEREIRA, E. L.; CONTI,
2011). Trabalho apresentado e publicado nos Anais do I Encontro de
Educação Matemática nos Anos Iniciais (EEMAI), realizado na
UFSCar em 2011.
5) “Auxiliando o desenvolvimento do pensamento estatístico através de
uma sequência de ensino: matéria escolar preferida” (CONTI;
PEREIRA, 2012a). Trabalho publicado em periódico.
6) “Interpretando tabelas e construindo gráficos com alunos do 3.º ano
do Ensino Fundamental” (PEREIRA; CONTI, 2012). Trabalho
apresentado e publicado no e-book dos Anais do XVI Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), realizado na
Unicamp em 2012.
7) “Auxiliando o desenvolvimento do pensamento estatístico de alunos
do 4º ano do Ensino Fundamental: construindo o gráfico dos
aniversariantes” (CONTI; PEREIRA, 2012b). Trabalho apresentado e
publicado nos Anais do I Seminário de Escritas e Leituras em
Educação Matemática (SELEM), realizado na Universidade São
Francisco em 2012.
8) “Comemorando aniversários e trabalhando com Estatística no 3.º ano
do Ensino Fundamental” (PEREIRA; CONTI; CARVALHO, 2013).
Publicado na forma de capítulo de livro.
9) “Auxiliando alunos do 4.º ano do Ensino Fundamental no
desenvolvimento do pensamento estatístico” (CONTI; PEREIRA;
CARVALHO; CARVALHO, 2013). Trabalho publicado no e-book das
“Actas de las Jornadas Virtuales em Didáctica de la Estadística,
Probabilidad y Combinatória” promovidas pelo Departamento de
Didáctica de la Matemática de la Universidade de Granada em 2012.
Análises narrativas produzidas em parceria com Rosana, contando com
a participação de outras estudantes de Pedagogia:
1) “Experiência de inclusão na Educação Infantil: criando um recurso
para ensinar Matemática” (SILVA; GUIMARÃES; DANTAS; CONTI,
2011). Trabalho apresentado e publicado nos Anais do I Encontro de
Educação Matemática nos Anos Iniciais (EEMAI), realizado na
UFSCar em 2011.
2) “Elaborando uma história infantil para ensinar Matemática:
experiências de inclusão na Educação Infantil” (SILVA; GUIMARÃES;
DANTAS; CONTI, 2012). Trabalho publicado em periódico.
Acreditamos que a leitura de narrativas e análises narrativas de outros
professores nos encontros possa ter motivado e potencializado as reflexões
sobre as práticas docentes que são narradas nos textos produzidos.
Concordamos com Nacarato (2013, p. 29) que os espaços compartilhados
como o grupo são mais eficientes na promoção de aprendizagens, pois “neles
os professores podem compartilhar práticas e construir colaborativamente
conhecimentos da prática docente, assumindo-se como protagonistas do
desenvolvimento pessoal e curricular”.
Embora haja indícios da influência do grupo Estatisticando nas
produções escritas, infelizmente não foi possível a participação do grupo como
um todo, a retomada dessas produções com a participação dos integrantes,
para discussões, aprofundamentos e reescritas. Algumas delas também foram
escritas após o encerramento dos encontros.
6.1 As análises narrativas de Mie
Dentre as análises narrativas de situações de sala de aula de Mie,
escolhemos detalhar sua primeira experiência com a construção de gráfico em
sala de aula, na qual atuou como professora, embora também apresentemos
sua segunda análise narrativa. Avaliamos essas análises narrativas como
interessantes para serem exploradas, pois Mie se encontrava em fase de
transição – concluindo sua formação inicial e começando na vida profissional
propriamente dita –, numa etapa em que já poderia decidir o que propor às
crianças. Mie estava mais confiante em trabalhar com uma temática
relacionada à Estatística devido à qualidade de sua participação no grupo,
desde o início. Além disso, sua proposta de realização de uma situação
pedagógica com crianças surgiu depois da apresentação e da discussão do
trabalho realizado por Eduardo com crianças do 3.º ano do Ensino
Fundamental. No momento em que assistíamos ao vídeo produzido durante a
realização da situação pedagógica de Eduardo com suas crianças, com o
objetivo de comemorar aniversários, propus aos participantes a realização de
outros vídeos e Mie, ainda timidamente, informou que realizaria estágio com
crianças do 1.º ano do Ensino Fundamental e também mostrou preocupação
com o número de crianças (nove). Sua postura aparentemente mudou depois
de o grupo propor ajuda no planejamento da situação pedagógica, conforme se
verifica na transcrição de trecho do registro em vídeo feito em junho de 2011:
Keli: A Mie pode conversar com a professora, se ela disser “ok”...
Mie: O número de alunos é só nove. Nove alunos!
Eduardo: Ai, que inveja!
Keli: Tudo bem! A gente pode ajudar a Mie a planejar o que ela vailevar!
Mie: Oba! (festejando)
Keli: O que podemos fazer com nove crianças?
Rosana: É verdade!
Keli: A gente planeja e a pessoa vai mais segura para lá. Não precisacair de paraquedas... Mie, se você se sentir à vontade, você podeanotar tudo o que vai fazer. O que vai perguntar... E aí você vaimarcando... E aí você já chega lá mais...
Rosana: Preparada!
Keli: Preparada! (Arquivo de vídeo da pesquisadora. Intervalo detempo 0:41:00 a 0:41:57).
Mie, motivada pelas discussões, pelas apresentações de trabalhos de
seus colegas e apoiada pelo grupo, se sentiu mais segura para elaborar e
propor uma situação pedagógica para a turma do 1.º ano do Ensino
Fundamental (crianças de 6 anos) da escola Instituto Educacional Portal do
Saber, de Atibaia (SP), onde realizava seu estágio obrigatório, em 2011. O
tempo de participação no grupo contribuiu para essa segurança, pois, nessa
época, o grupo já se reunia há aproximadamente um ano. Consideramos que a
disponibilidade, a segurança e a motivação para realizar a situação pedagógica
com as crianças são indícios da contribuição do grupo para o desenvolvimento
profissional de Mie como conhecimento e como desenvolvimento pessoal.
Para o planejamento, tomamos como documento básico de referência os
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1997), visto que
apresentam o bloco de conteúdo chamado “Tratamento da Informação”, que
contempla o estudo da Estatística.
Inicialmente, Mie colocou algumas ideias no papel e enviou por correio
eletrônico ao grupo. Tratava-se ainda de ideias gerais, sem a preocupação de
utilizar termos adequados e precisos (Quadro 15), que ela nomeou “Plano de
Aula”:
Quadro 15: Trecho da primeira versão do plano de aula apresentado por Mie.PLANO DE AULATEMA: gráfico - quantidade de animais de estimaçãoSÉRIE: 1.º ano do Ensino FundamentalCONTEÚDO: contar números, fazer gráfico, comparar os númerosTEMPO ESTIMADO: 2 aulas
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Depois da discussão no grupo e de mais um envio, via e-mail, para a
pesquisadora, o plano foi reelaborado, apresentando mudanças com relação à
nomeação do tipo de gráfico a ser trabalhado, com a expressão “construção do
gráfico de colunas” e da utilização de termos como “quantificação” e
“comparação de frequências”, em substituição às expressões “contar números”
e “comparar números”, respectivamente (Quadro 16).
Quadro 16: Trecho da versão final do plano de aula apresentado por Mie.
PLANO DE AULA
TEMA: Construção de gráfico de barras - quantidade e tipos de animais de estimaçãoSÉRIE: 1.º ano de Ensino FundamentalCONTEÚDO: quantificação, construção do gráfico, comparação das frequênciasTEMPO ESTIMADO: 2 aulas
OBJETIVOS:1) Levar o estudante a conhecer um gráfico de colunas, bem como saber interpretá-lo,contar e comparar números utilizando o gráfico;2) Integração com Língua Portuguesa, bastante enfatizada nos anos iniciais do EnsinoFundamental;3) Aprender Inglês;4) Aprender elementos de outra cultura, a japonesa.
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Mais uma vez motivada pelo grupo, que já havia incentivado a realização
da situação pedagógica com as crianças, bem como sua filmagem, Mie
resolveu escrever uma análise narrativa sobre sua experiência. Consideramos
a produção, de acordo com Freitas e Fiorentini (2007, p. 63), sob duas
perspectivas: “como modo de refletir, relatar e representar a experiência,
produzindo sentido ao que somos, fazemos, pensamos, sentimos e dizemos” e
também “como modo de estudar/investigar a experiência, isto é, como um
modo especial de interpretar e compreender a experiência humana, levando
em consideração a perspectiva e interpretação de seus participantes”. De
acordo com essas perspectivas, para Mie, a escrita foi o modo de produzir
sentido à experiência e para nós, como pesquisadoras, o modo de investigar a
experiência.
A primeira versão da análise narrativa de Mie foi enviada via e-mail
unicamente para mim (Quadro 17), pois consideramos que nesse momento, ela
se sentia mais à vontade com isso do que em compartilhar com o grupo. Seu e-
mail revela ainda indícios de insegurança em relação ao que se esperava dela,
presente na expressão “eu acho que preciso reescrever”. Esse pedido de ajuda
traduz o quanto Mie considerava importante, para sua atividade profissional de
professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental, refletir sobre sua prática
de sala de aula.
Quadro 17: Apresentação da primeira proposta de escrita de Mie
Estou mandando o relatório de aula sobre a construção de gráfico no Ensino Fundamental.Eu acho que preciso reescrever, mas quero mostrar o meu relatório.É melhor colocar mais comentário? Talvez.Então, até mais!Muito obrigada como sempre!
Primeiro e-mail enviado por Mie à pesquisadora em 09/09/2011.Fonte: Arquivo da pesquisadora.
A proposta anexada ao e-mail por Mie recebeu o nome de “Relatório de
aula” (Quadro 18). O texto ainda apresentava indícios da pouca vivência com
esse tipo de escrita narrativa, uma vez que ela enumerou os acontecimentos
vividos em sala de aula, como se fossem tópicos de um relatório. Um dos
objetivos do grupo e das propostas de desenvolvimento profissional era auxiliá-
la nesse desenvolvimento.
Quadro 18: Primeiro arquivo com a proposta de escrita de Mie
Relatório de Aula
1ª ETAPA:1-1 Apresentei o tema de hoje dizendo “Hoje, vamos aprender o gráfico.” Todos os alunospareceram não estar entendendo.1-2 Perguntei para as crianças, [Vocês têm animais em casa?] [Qual animal vocês têm?] Elasresponderam [cachorro, gato, peixe, passarinho e tartaruga].Pedi para levantar as mãos e perguntei [Quem tem cachorro?][Quem tem gato?][Quem tempássaro?][Quem tem peixe?].
Primeiro arquivo enviado por Mie à pesquisadora – 09/09/2011Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Essa proposta foi sendo discutida e reelaborada, utilizando-se,
principalmente, o meio eletrônico, entre nós duas – Mie e eu –, de modo a
enriquecer a análise narrativa e, ao mesmo tempo, contribuir para a reflexão
crítica sobre os acontecimentos vividos em sala de aula, almejando, como
defende Kilpatrick (1996, p. 118), o “professor como pesquisador”, mais do que
sujeito da pesquisa. Com isso, a primeira análise narrativa intitulada “Animais
de estimação: primeira experiência com a construção de gráfico” (KATO;
CONTI, 2011) foi apresentada no I Encontro de Matemática nos Anos Iniciais (I
EEMAI – UFSCar) e publicada nos anais do evento.
Essa primeira análise narrativa serviu de embrião para sua reescrita,
para novas reflexões a partir das experiências de realizar a situação
pedagógica com as crianças e da sua escrita.
No Quadro 19 encontra-se trecho da segunda análise narrativa
publicada, em que podemos perceber avanços tanto da escrita em si, quanto
da reflexão. Podemos citar, como exemplo, a informação presente nas duas
produções – “hoje vamos aprender a fazer um gráfico” e “os alunos pareceram
não estar entendendo” – que foi ampliada na reescrita, com a interpretação
“talvez dando indícios de que não haviam tido experiências com esse conteúdo
ou, se tiveram, o termo não foi apresentado ou tornado significativo”.
Quadro 19: Trecho da análise narrativa publicada
1ª etapa: começando a aulaMie, que já conhecia as oito crianças da turma, que estava completa naquele dia, começou aaula apresentando o trabalho com gráficos, dizendo: “Hoje vamos aprender a fazer umgráfico”. Os alunos pareceram não estar entendendo muito bem do que se tratava, talvezdando indícios de que não haviam tido experiências com esse conteúdo ou, se tiveram, otermo não foi apresentado ou tornado significativo.Para dar continuidade à atividade, foram feitas as seguintes perguntas, relacionadas ao tema“animais de estimação”, escolhido por Mie, por julgar de interesse dos alunos:- Vocês têm animais em casa?- Que animal vocês têm?As respostas vieram todas de uma vez: “cachorro”, “gato”, “peixe”, “passarinho” e “tartaruga”.Para organizar a participação das crianças, pedimos que levantassem as mãos quem possuíacada animal mencionado.Fonte: Yokomizo, Conti e Carvalho (2012).
Do ponto de vista do tempo de desenvolvimento dessa situação
pedagógica de construção de gráfico de barras com as crianças,
Essa proposta durou apenas uma aula e até se estendeu um poucomais que o disponibilizado pela professora, mas foi muito proveitosa,os alunos mostraram-se motivados e envolvidos, comentando quegostaram da proposta, que a atividade “foi legal”, e até mesmoantecipando resultados.Acreditamos que pudemos proporcionar um bom contato inicial com aEstatística. Os alunos foram incentivados a observar, levantarhipóteses, levantar os dados, organizá-los (tratando-os) e realizar aleitura e interpretação dos mesmos, organizados no gráfico e natabela. Podemos considerar que a escolha do tema “animais deestimação” também foi importante, buscando partir do interesse e da“vida real”, incentivando os alunos a observarem os fenômenos queocorrem à sua volta (YOKOMIZO; CONTI; CARVALHO, 2012).
Quanto ao desenvolvimento profissional de Mie, de acordo com Passos,
Oliveira e Gama (2009, p. 148), percebemos, pelo percurso de escrita da
análise narrativa, sinais de “processos de tomada de consciência de seus
saberes, em uma perspectiva contínua que compreende desde sua trajetória
estudantil até sua fase de busca de autonomia profissional” e sua evolução,
assim como de outros professores, participantes do grupo, quando “assumem a
responsabilidade de seu próprio desenvolvimento profissional”. Podemos
encontrar marcas dessa autonomia e confiança em e-mail enviado por Mie às
pesquisadoras (Quadro 20), praticamente um ano depois de essa experiência
ter ocorrido:
Quadro 20: Último e-mail enviado por Mie às pesquisadoras
Gostaria de agradecer muito por esta oportunidade e orientações de vocês.A primeira experiência de construir gráfico com as crianças me levou a primeira experiência deassinar a autorização de publicação!Que boa experiência!
E-mail enviado por Mie à pesquisadora 18/05/2012
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
O professor, nesse processo, segundo Fiorentini (2009, p. 253), “adquire
autonomia, torna-se sujeito de sua profissão” e, com isso, “habilita-se a
participar do debate público e a desenvolver projetos e grupos de estudo dentro
e fora da escola, produzindo inovações curriculares a partir da prática escolar”,
ou seja, torna-se mais competente, real “fazedor de estatística”.
6.2 O trabalho de Roseli
Embora tenhamos enfatizado o potencial da narrativa e da análise
narrativa, Roseli optou por desenvolver uma pesquisa a respeito de um livro
didático adotado pela rede municipal de Atibaia. Essa pesquisa fez parte da
sua Iniciação Científica, na mesma instituição de ensino superior que cedeu o
espaço para a realização dos encontros do grupo Estatisticando. Embora ela
tivesse apoio do grupo para a realização de situações pedagógicas na escola,
provavelmente não encontrou espaço suficiente ali, naquele momento para a
realização de uma experiência com crianças, durante seu estágio. Outro ponto
que também merece ser mencionado é que Roseli se sentia mais segura em
caminhar nesse sentido, ou seja, trabalhar com documentação (livro didático) e
produzir um texto, ao invés de uma narrativa ou análise narrativa. Embora a
prática de sala de aula estivesse destacada naquele momento no grupo e
houvesse o incentivo para sua escrita, ela não era a única produção aceita.
Inicialmente nossa proposta na iniciação científica era analisar o que
poderia ser desenvolvido com crianças do 1.º ano do Ensino Fundamental, no
que tange à Estatística, a partir do uso do livro didático adotado pela escola em
que Roseli realizava suas atividades de estágio. Devido às dificuldades para a
disponibilização do livro utilizado pelos professores do 1.º ano, nosso objetivo
teve que ser revisto, passando a ter como foco o livro didático do 5.º ano, esse,
sim, disponibilizado pelos professores que atuavam com essas turmas. Nossos
objetivos passaram, então, a ter a delimitação das questões de investigação
centradas na Estatística e na formação do estudante (Quadro 21):
Quadro 21: Primeiro Relatório de Iniciação Científica de Roseli
ObjetivosO objetivo desta iniciação científica é analisar o Tratamento da Informação presente em
um livro didático de Matemática do 5.º ano do Ensino Fundamental como forma de ampliar oconhecimento sobre a temática e responder à questão: Que conteúdos são propostos pelolivro didático do 5.º ano do Ensino Fundamental com relação à Estatística? Esses conteúdospropiciam uma formação adequada aos estudantes?Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Grande parte de nossas discussões (Roseli e Keli) se deram de forma
presencial, trabalhando em arquivos impressos, pois Roseli preferia que
ocorressem dessa forma. A análise do livro Matemática do Cotidiano & suas
Conexões (BIGODE; GIMENEZ, 2008), destinado ao 5.º ano do Ensino
Fundamental, adotado pelos professores da escola onde foram realizadas as
atividades de estágio, se deu à luz do que é defendido pelos PCN (BRASIL,
1997) e pelo Guia de livros didáticos (BRASIL, 2009). Como resultados
preliminares, Roseli apresentou a seguinte redação em seu segundo relatório.
Quadro 22: Segundo relatório de Iniciação Científica de Roseli
Resultados preliminaresAcredito que, com os dados, poderemos afirmar se os livros têm contribuído para a
mudança do quadro lamentável da população brasileira com relação à compreensão deinformações contendo as temáticas.Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Embora ainda sem finalização, seus resultados preliminares puderam ser
apresentados no 11.º Congresso Nacional de Iniciação Científica (CONIC), em
201161, na forma de pôster (Figura 44). Na elaboração do pôster, Roseli usou
as fotos com o apoio do grupo no encontro de 21/10/11. Foram usadas também
imagens do livro didático analisado.
61 Esse evento foi realizado nos dias 18 e 19 de novembro de 2011, pelo Sindicato dasEntidades Mantenedoras de Ensino Superior (SEMESP), em parceria com a UniversidadeSanta Cecília (Unisanta), em Santos-SP.
Figura 44: Pôster apresentado por Roseli em Congresso de Iniciação Científica
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
As fotos do evento e os resultados de sua apresentação motivaram Roseli
a dar continuidade à escrita, e o que tinha um caráter mais de relatório passou
por um movimento de reescrita e foi submetido à revista Momentum e aceito
para publicação62. As análises, que eram preliminares e tinham apenas poucas
linhas, passaram a ser bem mais abrangentes e aprofundadas:
Quadro 23: Resultados da IC de Roseli, publicada
Resultados da análiseBuscando retomar a questão proposta: “Que conteúdos são propostos pelos livros
didáticos do 5.º ano do Ensino Fundamental com relação à Estatística? Esses conteúdospropiciam uma formação adequada?”, depois da análise do livro didático indicado ao 5.º Anodo Ensino Fundamental, é possível levantar alguns apontamentos:
Do ponto de vista do documento PCN, é clara a indicação da temática “Tratamento daInformação” e dos conteúdos “Estatística”, “Probabilidade” e “Combinatória”. Do ponto de vistado Guia de livros didáticos PNLD 2010, é claro o critério de aprovação, a presença dos quartoblocos de conteúdos e entre eles o Tratamento da Informação. Ainda do ponto de vista doGuia, podemos constatar a proporção relativamente menor de capítulos ou temas relativos aoTratamento da Informação em comparação com os outros blocos.
Já do ponto de vista do livro didático, este apresenta sete páginas destinadasexplicitamente à temática, mas não contempla a temática Combinatória, e essa quantidade depáginas sobre a temática representa algo em torno de 5% do total de páginas do livro, mastambém são apresentadas tabelas ao longo do mesmo.
São propostas atividades de leitura e interpretação de dados, ainda que de formaincipiente, mas não identificamos atividades de coleta e organização de dados, nem oincentivo da escrita de suas conclusões ou produção de texto.
Acredito que, com os dados apresentados, podemos afirmar que o livro didático, comoauxiliar no planejamento e na gestão das aulas, tem contribuído pouco para a mudança doquadro lamentável, apresentado por Fonseca (2004), que aponta a situação da populaçãobrasileira em relação à compreensão e à utilização do Tratamento da Informação:
A indicação de que apenas 21% da população brasileira consegue compreenderinformações a partir de gráfico e tabelas, frequentemente estampados nos veículos decomunicação, é absolutamente aflitiva, na medida em que sugere que a maior parte dosbrasileiros encontra-se privada de uma participação efetiva na vida social, por nãoacessar dados e relações que podem ser importantes na avaliação de situações e natomada de decisões (FONSECA, 2004, p. 23).
Como já foi mencionado, baseado no Guia de livros didáticos, que o livro didático é umrecurso importante, mas não único no processo, mesmo assim, poderia trazer mais subsídiospara a melhoria da prática dos professores, pois, da forma com que são apresentados, osconteúdos ainda não propiciam uma formação adequada.
Fonte: Pereira, R. F. e Conti (2011, p. 132-133)
Infelizmente constatamos que, embora atendendo o Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD) (BRASIL, 2009), o livro analisado tem contribuído
pouco para a formação estatística do estudante, como vínhamos estudando no
62 Revista técnico-científica das Faculdades Atibaia.
grupo. Mais uma vez, o trabalho recai inteiramente sobre o professor, que deve
estar preparado para produzir seu próprio material e desenvolver situações
pedagógicas que possam contribuir com a formação de suas crianças na
perspectiva do letramento estatístico.
6.3 As análises narrativas de Eduardo
Eduardo escreveu, desde sua participação no grupo, seis análises
narrativas, quatro delas, frutos de seu trabalho com crianças do 3.º ano e duas,
resultantes de seu trabalho com a turma do 4.º ano, ambos do Ensino
Fundamental. Novamente de acordo com Freitas e Fiorentini (2007), as
produções tiveram duas perspectivas: para Eduardo, como modo de produzir
sentido à experiência; e para nós, como pesquisadoras, como modo de
investigar a experiência.
Começamos por apresentar sua primeira análise narrativa (PEREIRA, E.
L.; CONTI, 2011), que surgiu a partir de uma situação pedagógica desenvolvida
com suas crianças do 3.º ano do Ensino Fundamental, filmada e
posteriormente assistida e discutida no Estatisticando. A ideia da escrita surgiu
durante tais discussões e foi reforçada pelo incentivo à participação de
Eduardo no I Encontro de Educação Matemática nos Anos Iniciais (I EEMAI),
na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)63.
Inicialmente, podemos destacar a insegurança no processo de escrita, a
partir dos e-mails trocados entre mim e Eduardo:
Quadro 24: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 06/10/2011
Boa noite Keli!!!
Estou com um sério problema: já tenho mais de uma página escrita, e ainda não conseguifalar de como foi a aula, pois contei um pouco de mim, da minha experiência e justifiquei aaula utilizando os Parâmetros.Por favor dê uma olhada. Será que não pode ser mais de uma página?Ah, tb já fucei o word mas não acho onde acrescentar notas de rodapé. Depois vc poderia memostrar?
Grande abraço
63 18 e 19 de novembro de 2011.
Eduardo
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Sabemos que escrever não é processo simples, principalmente para o
professor com uma rotina sobrecarregada de trabalho. Além disso, para revelar
suas dificuldades e inseguranças, é necessária uma relação de colaboração,
além de vínculos de amizade e companheirismo. É nítida, na escrita de
Eduardo, a influência das narrativas que discutimos no grupo, como, por
exemplo, a de Jonsson (2002), em que a autora começa se apresentando e
falando de sua experiência (primeiro parágrafo), apresenta sua turma (segundo
parágrafo) e suas crenças em relação ao seu papel de educadora (terceiro
parágrafo).
Espelhando-se nessa narrativa, possivelmente devido às experiências
positivas decorrentes dela do ponto de vista do que foi vivido pela autora, do
sucesso desta na escrita e também na situação idealizada pelos participantes,
Eduardo também se apresenta e fala de sua experiência, da escola, de sua
turma e de suas crenças (Quadro 25). Infelizmente, isso revela indícios da
ausência de práticas dessa natureza em sua formação, ou seja, ausência de
oportunidades de lidar com a escrita por meio de narrativas ou análises
narrativas como um modo de “produzir significados às experiências passadas e
presentes, tendo em vista a possibilidade futura de novas experiências”
(FIORENTINI; MIORIM, 2001, p. 22). Mas isso tem sido possibilitado agora,
com a participação no grupo Estatisticando.
Quadro 25: Apresentação da primeira proposta de análise narrativa por Eduardo
O TRABALHO COM ESTATÍSTICA NO 3° ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: ACONSTRUÇÃO DO GRÁFICO DE ANIVERSARIANTES
Keli Cristina ContiEduardo de Lucas Pereira
Meu nome é Eduardo e sou professor efetivo da Rede Municipal de Atibaia, uma cidadeótima para se viver e que fica localizada no interior do estado de São Paulo. Apesar de jáatuar na educação desde os meus 16 anos, como voluntário e estagiário, este é o meuprimeiro ano de docência. Atuo em uma escola localizada na área central da cidade, ondetrabalho com uma sala de terceiro ano do Ensino Fundamental, composta por 35 alunosque estão me ensinando muito, fazendo com que eu precise estar em constanteaprendizado e estudo para rever e conhecer novas metodologias para ensiná-los. Alémdisso, posso dizer que eles estão tornando minha vida mais dinâmica e feliz, deixandograndes marcas e lembranças, e assim espero também estar fazendo com eles.
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Mais uma vez, no processo de escrita, é evidenciado, em e-mail trocado
entre mim e Eduardo (Quadro 26), que é necessário dar voz ao professor,
incentivá-lo na escrita, mas também construir uma relação colaborativa que
possibilite a orientação, de forma a auxiliá-lo a adentrar nesse caminho novo e
a acreditar que é possível segui-lo. Exemplos desse fato são as expressões
presentes nas mensagens “estou precisando de uma orientação” e “se vc
pudesse me fornecer algumas questões”.
Quadro 26: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 14/10/2011 (I)
Boa noite Keli!!!
Segue o que fiz até o momento, mas estou precisando de uma orientação no sentido daênfase que poderia dar em alguns momentos. Acredito que se vc pudesse me forneceralgumas questões a serem contempladas no artigo me ajudaria, pois acho que estouescrevendo, escrevendo mas sem conteúdo interessante.
Abraço,Eduardo
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Outro ponto importante se revela nesse e-mail (Quadro 26): a
insegurança de Eduardo na sua capacidade de produzir conhecimento, de
considerar sua sala de aula um local para investigação, segundo Cochran-
Smith e Lytle (1999). Essa insegurança está expressa em “acho que estou
escrevendo, escrevendo, mas sem conteúdo interessante”, considerando,
possivelmente, que não vá produzir conhecimento e ainda iniciando o percurso
de escrita, leitura, reescrita, releitura, reescrita...
Aos poucos esse processo de releitura e reescrita vai aparecendo, com
ajuda do outro (parceiro na leitura e na escrita), assim como o aumento na
segurança para contar a história de sua aula, de forma reflexiva (Quadro 27).
Quadro 27: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 14/10/2011(II)
Boa noite Keli! Tudo bem?
Segue em anexo o que consegui produzir do artigo. Graças às suas orientações, já conseguiescrever bem mais. Muito obrigado!!!Gostaria, por gentileza, que você verificasse alguns aspectos:
- Fucei no word, mas não consegui colocar as duas notas de rodapé para os nossos nomes;
- Não sei se consegui ligar bem o artigo com o texto que você enviou, e se fiz a referênciacorreta no texto;- Gostaria de umas sugestões de que aspectos poderia abordar nas conclusões.
Muito grato!!!
Grande abraço,Eduardo
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Nesse trecho do e-mail trocado entre mim e Eduardo, revelam-se
dificuldades em lidar com algumas questões tecnológicas do uso de
computador e também com questões técnicas da redação, e a vontade de se
aprimorar nesse sentido.
Ao longo da escrita também pudemos perceber como vai se
transformando e refletindo a experiência vivida, movimento que se evidencia no
confronto das versões enviadas da primeira análise narrativa (Quadro 28).
A versão final, que recebeu o acréscimo de alguns trechos, evidencia as
reflexões, tentando dar sentido à experiência, e a lapidação de trechos no
decorrer da escrita e da reescrita. Por exemplo, nestes destaques: “até porque
já haviam sido trabalhadas atividades semelhantes sugeridas pelo livro
didático”, “neste momento, algumas questões interessantes foram tratadas com
relação à organização dos dados e à estética exigida no trabalho com
estatística”, e “chegou-se rapidamente ao entendimento de que...”. Essas
reflexões foram sendo ampliadas no processo de escrita, leitura, reescrita,
releitura.
Quadro 28: Movimento de escrita e reescrita da primeira análise narrativa de Eduardo
Versão preliminar enviada à pesquisadora Versão final enviada à pesquisadora
Para iniciar a atividade, colei a folha depapel pardo na lousa e questionei osalunos sobre o que eles achavam queiríamos fazer. Surgiu a ideia de mural equadro, mas não demorou para quedissessem que se tratava da construçãode um gráfico.
Para iniciar a atividade, colei a folha depapel pardo na lousa e questionei osalunos sobre o que eles viam desenhadono papel e o que achavam que iríamosfazer. De imediato disseram que viamduas linhas desenhadas, surgindo a ideiade mural e quadro, mas não demorou paraque dissessem que se tratava daconstrução de um gráfico, até porque jáhaviam sido trabalhadas atividadessemelhantes sugeridas pelo livro didático.
Após este questionamento, entreguei umquadrado feito com o color set a cadaaluno, solicitando que escrevessem seunome e o dia em que faziam aniversário.Surgiu o questionamento do porque nãodeveriam colocar o mês e o ano. Sobre oano, chegamos à conclusão de que nãoera necessário, pois não se tratava desaber a data de nascimento; à respeito domês, pedi para que aguardassem paravermos se realmente seria necessáriocolocarmos esta informação.
Foi neste momento que anunciei queiríamos construir um gráfico deaniversariantes da sala. Diante disto,entreguei um quadrado a cada aluno,solicitando que escrevessem seu nome eo dia em que faziam aniversário. Surgiu oquestionamento do porque não deveriamcolocar o mês e o ano. Sobre o ano,chegamos à conclusão de que não eranecessário, pois não se tratava de saber adata de nascimento; a respeito do mês,pedi para que aguardassem para vermosse realmente seria necessário colocarmosesta informação.
Depois que todos já haviam escrito,construí com os alunos o eixo y,relembrando os meses do ano que jáhavíamos estudado. A partir de então, elescompreenderam o motivo de não termoscolocado o mês no papel quepreencheram.
Depois que todos já haviam escritoconstruí com os alunos o eixo x,relembrando os meses do ano que jáhavíamos estudado, considerando querepresentamos cada um deles com ainicial de seus nomes. A partir de então,eles compreenderam o motivo de nãotermos colocado o mês no papel quepreencheram. Como se tratava daconstrução dinâmica do gráfico com osalunos, chamei cada um para colar seuquadrado no mês que fazia aniversário(Figura 2). Neste momento, algumasquestões interessantes foram tratadascom relação à organização dos dados e àestética exigida no trabalho comestatística, como quem deveria colarprimeiro em cada mês e como poderíamosfazer quando tivéssemos duas criançasque faziam aniversário no mesmo dia. Asrespostas não demoraram a surgir: para aprimeira questão, prontamenteentenderam que a coluna de cada mêsdeveria ser confeccionada em ordemcrescente de dia de aniversário; sobre asegunda, chegou-se rapidamente aoentendimento de que, quando tivéssemosduas pessoas que fizessem aniversário nomesmo dia, deveríamos levar em conta aordem alfabética dos nomes (acredito queisto surgiu rápido pois estávamos, naépoca, trabalhando este conteúdo emLíngua Portuguesa).
Fonte: Arquivo da pesquisadora. Grifos nossos.
Essa versão final da análise narrativa foi publicada nos anais do I EEMAI
e transformou-se num embrião para a escrita da análise narrativa
“Comemorando aniversários e trabalhando com Estatística no 3.º ano do
Ensino Fundamental” (PEREIRA; CONTI; CARVALHO, 2013), publicada no
livro Discussões sobre o ensino e a aprendizagem da Probabilidade e da
Estatística na Escola Básica (COUTINHO, 2013).
Eduardo continuou o trabalho com sua turma do 3.º ano do Ensino
Fundamental, possivelmente motivado pelos resultados encontrados e pelo
apoio do grupo, embora seu projeto não passasse pela discussão no grupo. Ele
adotou a prática do registro (fotográfico, do material produzido pelas crianças e
por ele próprio), então pudemos produzir uma nova análise narrativa, com o
objetivo de compartilhar com nossos pares no 18.º Congresso de Leitura do
Brasil (COLE)64.
Em e-mail enviado a mim (Quadro 29), Eduardo fala da importância de
experiências anteriores com a escrita, principalmente no trecho “não escrevi
com tantos detalhes, procurei ser mais objetivo”, faz sua própria avaliação do
desempenho de sua turma: “aquelas dúvidas do primeiro gráfico não
apareceram mais, foi bem melhor a compreensão dos alunos na construção
deste gráfico” e avalia o trabalho desenvolvido no grupo Estatisticando: “Quer
dizer que o trabalho com estatística está dando certo, valeu a pena!”.
Quadro 29: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 20/02/2012.
Boa noite Keli! Tudo bem?
Segue, em anexo, o artigo com o desenvolvimento da atividade. Parabéns pela ideia deescrevermos sobre a atividade como uma sequência de ensino!!! Adorei!!! Isso nem haviapassado pela minha cabeça.Não escrevi com tantos detalhes, procurei ser mais objetivo. Não coloquei tantas informaçõescomo no artigo da UFSCAR, pois, como já estávamos no final do ano, aquelas dúvidas doprimeiro gráfico não apareceram mais, foi bem melhor a compreensão dos alunos naconstrução deste gráfico. Estava pensando sobre isso... bacana, né? Quer dizer que otrabalho com estatística está dando certo, valeu a pena!Caso queira que eu complete melhor alguma informação é só pedir.
Fico no aguardo das próximas parcerias.
Grande abraço,Eduardo
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
64 Evento realizado de 16 a 20 de julho de 2012 na Unicamp – Campinas. O evento já tinhasido divulgado no grupo no início de 2011, mas não se realizou na ocasião, e foi novamentedivulgado no início de 2012, na ocasião do anúncio oficial do evento pela internet.
A análise narrativa, intitulada “Auxiliando o desenvolvimento do
pensamento estatístico através de uma sequência de ensino: matéria escolar
preferida” (CONTI; PEREIRA, 2012a), foi apresentada no evento e selecionada
para ser publicada. A situação pedagógica ali descrita foi realizada em
08/12/2011, com a mesma turma que participou da construção do gráfico de
aniversariantes, ou seja, estudantes do 3.º ano do Ensino Fundamental, que
tiveram sua atuação registrada em vídeo e posteriormente discutida no grupo.
Selecionamos um dos registros fotográficos do trabalho em sala de aula
(Figura 45), por considerarmos um reflexo do que vínhamos discutindo no
Estatisticando, ou seja, os estudantes são protagonistas de seu processo de
aprendizagem, tendo oportunidades de coletar dados, discutir como organizá-
los e colocar em prática a organização deles, além de discutir os resultados.
Figura 45: Participação das crianças na construção do gráfico
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
A análise narrativa expõe uma escrita que ampliou a reflexão sobre a
experiência vivenciada e revela a influência dos estudos no grupo
Estatisticando.
Quadro 30: Trecho de análise narrativa publicada
Essa não foi a primeira experiência dos alunos dessa turma de 3º ano do EnsinoFundamental com atividades que contribuem para o letramento estatístico. Devido a isso,consideramos que pudemos desenvolver a proposta mais dinamicamente, com maiorparticipação dos alunos e também pudemos avançar nas formas de interpretação do que foiproduzido.
Consideramos também que, dentro dos limites da idade e escolaridade dos alunosenvolvidos, contribuímos para a motivação para se aprender Estatística, bem como aconscientização de sua importância em nossas vidas, a participação na geração dos dados, oentendimento de conceitos básicos de Estatística como os eixos, seus elementos, aconstrução das colunas do gráfico, a oportunidade de interpretar os resultados encontrados ea oportunidade de comunicar os resultados a outra pessoa, através da escrita.
As atividades nesse sentido não se esgotaram com essa proposta, temos estudado,preparando outras atividades para que possamos cada vez mais desenvolver o pensamentoestatístico, instrumentalizando-os para exercer sua cidadania no mundo que nos cerca.
Fonte: Conti e Pereira (2012a, p. 8).
Na reflexão sobre a experiência, destacamos o trecho: “consideramos que
pudemos desenvolver a proposta mais dinamicamente, com maior participação
dos alunos e também pudemos avançar nas formas de interpretação do que foi
produzido”. Além disso, percebemos o desenvolvimento profissional de
Eduardo, com ênfase no desenvolvimento de conhecimento na perspectiva do
letramento estatístico e o seu desenvolvimento pessoal, potencializado pelo
contexto colaborativo. Esse desenvolvimento refletiu-se no próprio
desenvolvimento das crianças, à medida que lhes foram propiciadas outras
experiências que caminhavam para o letramento estatístico.
Com a realização de outro evento na região, o XVI Encontro Nacional de
Didática e Prática de Ensino (ENDIPE)65, tivemos novamente uma parceria
para planejar a situação pedagógica, desenvolvê-la com as crianças, e
escrever a respeito dela. Iniciou-se, mais uma vez, a troca de e-mails para
produção da análise narrativa (Quadro 31).
65 Realizado na Faculdade de Educação da Unicamp (Campinas – SP), de 23 a 26 de julho de2012.
Quadro 31: E-mail enviado por Eduardo à pesquisadora em 16/03/2012
Boa noite Keli!!!
Segue, em anexo, o artigo. Infelizmente, não consegui ajudar muito, apenas li, corrigi algumascoisas e completei com as informações das notas. Esta atividade não teve aspectos quechamassem tanta atenção como o gráfico de aniversariantes e a produção da carta sobre ográfico das matérias preferidas. Acredito que o texto está bastante completo, e acho quedeveríamos investir mais na teoria, principalmente com relação ao letramento estatístico. Oque você acha?[...]Abraço,Eduardo
Nesse período, podemos destacar a preocupação de Eduardo com a
questão teórica, no trecho “acho que deveríamos investir mais na teoria,
principalmente com relação ao letramento estatístico”. Novamente se
evidenciou a influência do estudo no grupo e o papel da teoria influenciando as
práticas e as reflexões sobre elas.
Essa análise narrativa foi intitulada “Interpretando tabelas e construindo
gráficos com alunos do 3º ano do Ensino Fundamental”. Os estudantes foram
incentivados a trabalhar com dados que não foram gerados por eles, buscando
um equilíbrio entre a geração de dados e o desenvolvimento de uma postura
crítica em relação aos dados de outros (Watson, 2006). Os estudantes
trabalharam com a interpretação de uma tabela de dupla entrada e, a partir
disso, chegaram a um consenso sobre a forma de organizar esses dados,
conforme demonstra o (Quadro 32):
Quadro 32: Trecho de narrativa publicada
Devido a essa e outras atividades, pudemos realizar uma proposta que consistia nainterpretação de uma tabela de dupla entrada, inspirada na proposta de um Guia deOrientações didáticas ao professor (SÃO PAULO, 2007, p. 148-149). Nela, os alunosprecisavam analisar e responder algumas perguntas referentes a uma tabela que apresentavaa quantidade de crianças que possuíam idades diferentes (menos de 8 anos, entre 8 e 9 anose mais de 9 anos), considerando que a quantidade de cada idade era dividida por gênero(meninas e meninos), conforme quadro 1. Nesse caso, os alunos já começavam a trabalharcom um conjunto de dados pequenos, que não foram gerados por eles, buscando ampliar umpouco o contexto e priorizar uma situação que fizesse sentido a eles (idade de uma turma dealunos). A tabela de dupla entrada ou de contingência serve para relacionar duas variáveis; nonosso caso, uma quantitativa contínua (idade) e outra qualitativa (gênero).
Fonte: Pereira e Conti (2012, p. 5298)
Nesse evento, o ENDIPE, a apresentação se deu em forma de pôster,
que constituiu mais uma oportunidade para compartilharmos o que vínhamos
desenvolvendo, para que outros professores pudessem ter acesso a essas
situações pedagógicas, incentivando o professor a registrar suas práticas
(NACARATO, 2013).
No ano de 2012, Eduardo passou a atuar com a turma do 4.º ano do
Ensino Fundamental, e com isso pudemos planejar e desenvolver algumas
situações pedagógicas com esses estudantes e, posteriormente, narrar a
experiência vivida. Essas experiências constituíram a análise narrativa
“Auxiliando o desenvolvimento do pensamento estatístico de alunos do 4º ano
do Ensino Fundamental: construindo o gráfico dos aniversariantes” (CONTI;
PEREIRA, 2012b), apresentada no I Seminário de Leituras e Escritas em
Educação Matemática (SELEM)66. Nessa situação pedagógica com as
crianças, demos destaque à escrita delas. Ao final dela, produziram uma carta,
destinada a mim, pesquisadora, em que contavam suas experiências. As
experiências de Eduardo com a escrita começaram a influenciar sua prática,
valorizando a escrita com sua turma, incentivando-os a também contar suas
histórias (Quadro 33), na forma de carta, destinadas à pesquisadora.
Quadro 33: Carta produzida pelo estudante M.(sic)
Atibaia, 02 de maio de 2012.
Querida Keli
O professor Eduardo ensinou pra gente tudo sobre um gráfico, a gente observou bem ográfico. O gráfico se tratava dos aniversariantes da nossa sala.
A primeira coisa que o professor fez no gráfico foi desenhar os eixos na vertical e nahorizontal. A segunda foi colocar os meses. A terceira coisa foram os alunos que fizeram,a gente colou no gráfico o dia que fazemos aniversário. A quarta coisa foi fazer aquantidade de alunos. A quinta foi colocar o título do gráfico e a última coisa foi colocar adata em que começamos a construir o gráfico.
Foi muito legal aprender a fazer um.
Um abraço do aluno M.Fonte: Conti e Pereira (2012b, p. 9).
66 Realizado pela Universidade São Francisco, Campus Itatiba, nos dias 01 e 02 de junho de2012.
Essa análise narrativa, mais uma vez, serviu para novas reflexões, e a
reescrita, dessa vez, contou com a parceria de duas outras pesquisadoras. A
análise narrativa foi intitulada “Auxiliando alunos do 4.º ano do Ensino
Fundamental no desenvolvimento do pensamento estatístico” (CONTI et al.,
2013) e foi apresentada num evento internacional, as “Jornadas Virtuales em
Didáctica de la Estadística, Probabilidad y Combinatória”67.
Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 72) enfatizam que “ninguém parece
discordar que o professor ao refletir e sistematizar sua prática escolar, produz e
renova saberes”. A esse fato, convém acrescentar que essa experiência abriu
possibilidades para outras, novas, futuras, pois Eduardo continuou a narrar
suas experiências mesmo depois da finalização dos encontros do
Estatisticando e para além da temática estudada.
6.4 As análises narrativas de Rosana e suas parceiras
Escolhemos trazer para esta análise as produções de Rosana, pois,
embora não tivessem como foco a temática estudada pelo grupo, revelam
indícios de colaboração: foram desenvolvidas junto com outras colegas do
curso de Pedagogia, o que possibilitou a reflexão coletiva e, possivelmente, a
segurança que a teoria trouxe à sua prática, pois, naquele momento, Rosana
também se dedicava a estudar a temática “inclusão” para a realização de seu
trabalho de conclusão de curso (TCC). Consideramos que se trata de uma
produção indiretamente relacionada com o Estatisticando.
Sua primeira análise narrativa foi apresentada no I Encontro de
Educação Matemática nos Anos Iniciais (I EEMAI), na Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar), juntamente com suas colegas de curso, Michele e
Pâmella. A experiência relatada partiu da produção do livro infantil, pelas
próprias autoras, Nino e suas aventuras na Ilha Encantada, com o objetivo de
utilizá-lo como recurso pedagógico para situações pedagógicas em sala de
67 Organizada pelo Departamento de Didática da Matemática, da Universidade de Granada(Espanha).
aula, envolvendo a Matemática, na Educação Infantil. Buscavam contemplar,
em especial, as crianças com necessidades visuais, através da transcrição do
texto em braile; e as crianças com necessidades auditivas, por meio da
apresentação em Libras, utilizando recurso multimidiático. Rosana relata que
apresentou o livro à uma turma do 2.º ano do Ensino Fundamental, na escola
em que realizava seu estágio obrigatório, durante a “roda de leitura” com as
crianças, que se dispuseram a realizar as atividades propostas nas páginas,
além de, posteriormente, experienciar a escrita em braile com o tato (Quadro
34)
Quadro 34: Trecho da primeira análise narrativa produzida por Rosana e suas parceiras I
Foi realizada a leitura em roda com os alunos, e durante a execução das propostas daspáginas, todos quiseram participar. Os alunos apreciaram as formas, e realizaram comentusiasmo as atividades propostas. Após a leitura os alunos puderam explorar o livro. Cadacriança fechou os olhos para experimentar a leitura do Braille, e passaram a expressar suasopiniões: “Muito legal, mas não consigo ler”, “Diferente”.
Fonte: Silva et al. (2012, p. 9)
Como experiência pessoal, Rosana também apresentou o livro a uma
criança de 6 anos, deficiente visual. Segundo Rosana, ela foi a inspiração para
o livro (Quadro 35).
Quadro 35: Trecho da primeira narrativa produzida por Rosana e suas parceiras II
Ele gostou muito do livro, do contato com os materiais, os sapinhos e as formas geométricas.Como ainda está em fase de alfabetização e não tem domínio do braille, apenas tateou o livroe ouviu a história.
Fonte: Silva et al. (2012, p. 10).
Essa primeira análise narrativa, assim como no caso de Mie, Roseli e
Eduardo, tornou-se a base para a elaboração de uma nova produção, intitulada
“Elaborando uma história infantil para ensinar Matemática: experiências de
inclusão na Educação Infantil” (SILVA et al., 2012). Nesse processo de
reescrita, com a interlocução com suas colegas de escrita, foi possível ampliar
os detalhes e também suas reflexões (Quadro 36)
Quadro 36: Trecho da segunda análise narrativa produzida por Rosana e suas parceirasDurante sua experiência de estágio no Externato São José, localizada no município de Atibaia,Rosana relata que apresentou o livro aos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, cuja faixaetária é de 7 anos. Embora o livro tenha sido elaborado para a Educação Infantil, foi possívelutilizá-lo também com outras faixas etárias.A leitura foi realizada com os alunos em roda e, durante a execução das propostas feitas emcada página, todos quiseram participar. Os alunos apreciaram as formas, e realizaram comentusiasmo as atividades. Após a leitura, também puderam explorar o livro. Cada criançafechou os olhos para experimentar a escrita em Braille, e, depois, passaram a expressar suasopiniões: “Muito legal, mas não consigo ler”, “Diferente”. Numa experiência pessoal, Rosanarelata que apresentou o livro ao garotinho Gabriel Spera Lozasso, de 6 anos, que apresentanecessidades visuais – uma de nossas inspirações para criação do livro. Ele gostou muito dahistória, do contato com os materiais, dos sapinhos e das formas geométricas. Como aindaestá em fase de alfabetização e não tem domínio do Braille, apenas tateou o livro e ouviu ahistória, passando por um processo similar ao das crianças em fase de alfabetização, queobservam as letras e figuras impressas num livro, ouvem a história contada pelo professor ecriam novas histórias a partir dessas informações.Fonte: Silva et al. (2012, p. 9-10).
Novamente consideramos as produções sob duas perspectivas – a
escrita foi o modo de produzir sentido à experiência e, para nós, como
pesquisadoras, o modo de investigar a experiência.
6.5Potencializando o desenvolvimento profissional
Sempre tivemos o cuidado de valorizar todas as experiências trazidas e
relatadas no grupo, fossem elas orais ou escritas. Sabíamos do papel das
narrativas e das análises narrativas como potencializadoras do
desenvolvimento profissional do professor e futuro professor, no que diz
respeito tanto ao desenvolvimento de conhecimento na perspectiva do
letramento estatístico, consoante com os estudos realizados no grupo
Estatisticando, quanto ao desenvolvimento pessoal, mas produzi-las não foi
uma exigência para participação no grupo.
Apresentamos novamente, sistematicamente, nossos eixos de análise, a
partir da escrita (Quadro 37) e a seguir seus entrelaçamentos nas escritas dos
participantes durante o percurso de escrita (Quadro 38).
Quadro 37: Eixos de análise – escrita dos participantes do Estatisticando
Eixo 1: Complexidade do desenvolvimento profissional
Desenvolvimentoprofissional doprofessor comodesenvolvimento deconhecimento naperspectiva doletramentoestatístico
Consideramos que os estudos dos textos, tanto os dereferencial teórico (CONTI, 2009), quanto os deconteúdo de Estatística e Matemática (VAN DE WALLE,2009), na discussão de situações pedagógicas de livrosdidáticos (MILANI; IMENES; LELLIS, 2008) ou materialapostilado (FERRARI et al., 2006), no currículo(BRASIL, 1997) e principalmente as narrativas e asanálises narrativas de outros professores, como, porexemplo, Jonsson (2002) e Capp (2002), motivaram epotencializaram as reflexões sobre a prática docente,contribuindo também para aumentar a segurança doprofessor em seu processo de escrita.
Desenvolvimentoprofissional doprofessor comodesenvolvimento desi mesmo oupessoal
O processo de escrita e reescrita de análises narrativasde situações de sala de aula foi evidenciando astransformações e as reflexões dos professores e futurosprofessores sobre ensinar e aprender Estatística naperspectiva do letramento.
Ultrapassou os encontros do grupo, atingindo eventosda área da Educação e Educação Matemática.
Os participantes puderam ser protagonistas, com apoiode alguém mais experiente no processo de escrita.
Eixo 2: Colaboração
Contexto decolaboração
Foi considerado potencializador do desenvolvimentoprofissional.
No contexto colaborativo, a fundamentação teórica emetodológica sobre o letramento estatístico possibilitoua produção de teoria sobre a prática pedagógica e aformação de professores e sua apresentação na formade análises narrativas de situações de sala aulas outexto.
Respeitamos, no nosso contexto colaborativo, a opçãode escrever uma análise narrativa de sala de aula, bemcomo a opção de não produzir uma análise narrativa.
Eixo 3: Letramento(s)
Indícios doletramentoestatístico
Pudemos, pela disponibilização de narrativas de aulascom foco no letramento estatístico (designs disponíveis)fazer a reconstrução do conhecimento, transformando-oem um novo design disponível (Pedagogia dosmultiletramentos), que pôde ser compartilhado comoutros professores e futuros professores a partir daescrita e da publicação das análises narrativas desituações de sala de aula e texto.
Práticas deletramento
Apoiaram-se tanto no mundo individual como no socialdos participantes do Estatisticando.
As escritas de análises narrativas também constituírameventos letrados; portanto, mediados pela escrita (deautores ou dos próprios participantes).
Houve vários indícios do que fizemos com o letramento,implicando também valores, atitudes, sentimentos erelações sociais.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
A seguir, destacamos alguns indícios do entrelaçamento do
desenvolvimento profissional dos participantes, o contexto colaborativo e as
práticas de letramento que consideramos presentes em seus percursos de
escrita, trazendo novamente trechos das suas escritas (Quadro 38).
Quadro 38: Entrelaçamentos dos eixos de análises – escrita dos professores
Práticas de letramento edesenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento deconhecimento na perspectiva doletramento estatístico
Já do ponto de vista do livro didático,este apresenta sete páginasdestinadas explicitamente à temática,mas não contempla a temáticaCombinatória, e essa quantidade depáginas sobre a temática representaalgo em torno de 5% do total depáginas do livro, mas também sãoapresentadas tabelas ao longo domesmo.São propostas atividades de leitura einterpretação de dados, ainda que de
forma incipiente, mas nãoidentificamos atividades de coleta eorganização de dados, nem oincentivo da escrita de suasconclusões ou produção de texto.(Resultados da Iniciação Científica deRoseli publicada – PEREIRA, R. F.;CONTI, 2011).
Acho que deveríamos investir mais nateoria, principalmente com relação aoletramento estatístico. O que vocêacha? (E-mail enviado por Eduardo àpesquisadora em 16/03/2012.
Desenvolvimento profissional doprofessor como desenvolvimento de simesmo ou pessoal
A primeira experiência de construirgráfico com as crianças me levou aprimeira experiência de assinar aautorização de publicação!Que boa experiência!(E-mail enviado por Mie àpesquisadora em 18/05/2012).
Contexto colaborativo Segue o que fiz até o momento, masestou precisando de uma orientaçãono sentido da ênfase que poderia darem alguns momentos. Acredito que sevc pudesse me fornecer algumasquestões a serem contempladas noartigo me ajudaria, pois acho queestou escrevendo, escrevendo massem conteúdo interessante. (E-mailenviado por Eduardo à pesquisadora e14/10/2011).
Segue em anexo o que conseguiproduzir do artigo. Graças às suasorientações, já consegui escrever bemmais. Muito obrigado!!! (E-mailenviado por Eduardo à pesquisadoraem 14/10/2011).
Indícios do letramento estatístico Mie: Para dar continuidade à situaçãopedagógica, foram feitas as seguintesperguntas, relacionadas ao tema“animais de estimação”, escolhido porMie, por julgar de interesse dosalunos:- Vocês têm animais em casa?- Que animal vocês têm? (Trecho denarrativa publicada – YOKOMIZO;CONTI; CARVALHO, 2012)
As análises narrativas de situações de sala de aula puderam dar
significado às experiências vividas, possibilitaram a avaliação dessa
experiência e do seu modo de atuar com as crianças, além de revelar suas
concepções e as contribuições do contexto colaborativo.
Temos a expectativa, assim como Nacarato, Gomes e Grando (2008, p.
43), de que essa produção “possa contribuir para o debate sobre as pesquisas
que o professor escolar realiza em sua sala de aula”, ou seja, de que possa
ampliar a literatura produzida por professores para professores, em especial,
contribuindo para o letramento estatístico de professores, futuros professores e
estudantes e para o desenvolvimento de uma cultura profissional pautada no
conhecimento da prática.
Considerações finais sobre o desenvolvimento profissional – Ocaso do Estatisticando
Lê e relê o escrito,tira e acrescenta, enxerta,
recompõe.Começa de novo,
ensaiando com outra voz,com outro tom.
Começar a escreveré criar uma voz,
deixar-se levar por ela eexperimentar as suas possibilidades.
(LARROSA, 2003, p. 75)
Quisemos compreender as aprendizagens e o desenvolvimento
profissional de professores e futuros professores da Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental, quando estão num contexto colaborativo e
foram instigados a trabalhar com a Estatística numa perspectiva de
letramento(s), caminhando em direção ao letramento estatístico.
Muito antes do envio do convite aos professores e futuros professores a
formar comigo um grupo de estudos num contexto colaborativo, para estudar a
Estatística, iniciaram-se os desafios a mim, como formadora e pesquisadora.
Entendemos que esse não foi qualquer convite, mas um convite situado numa
cidade pequena, numa instituição particular, no ano de 2010. E, além disso, a
possibilidade de estudar assuntos de Estatística pode não ter sido atrativo para
muitos professores e futuros professores. Consideramos que minha figura de
professora por trás do convite também possa ter influenciado o aceite ou não.
Como formadora, os desafios foram mobilizar os professores e futuros
professores a quererem fazer parte de um grupo aberto, com participação
voluntária, sem compromissos formais estabelecidos por um programa ou
currículo; instigá-los a trabalhar colaborativamente numa perspectiva de
letramento(s); adotar estratégias formativas e de liderança, que, além de
instaurarem o grupo, o sustentassem; liderar, de forma a possibilitar a liderança
compartilhada; atuar também em função das demandas dos participantes,
negociando-as. Como pesquisadora, além de registrar e coletar os dados para
a pesquisa, sendo ao mesmo tempo participante do grupo Estatisticando, o
desafio foi dosar os momentos em que devia assumir mais o papel de
pesquisadora, formadora, professora e participante do grupo. No início do
grupo, por exemplo, eu tinha um papel mais de pesquisadora, ao expor meus
objetivos de pesquisa. Ao apresentar alguns materiais para estudo, assumia o
papel de formadora, atuando em função das demandas; no contexto
colaborativo que foi se desenvolvendo, era uma participante do grupo e, junto
com os demais participantes, discutia os temas de estudo. Em outros
momentos, éramos todos professores que compartilhámos dos mesmos
dilemas profissionais, relativos ao uso do livro didático, ao material apostilado,
às políticas educacionais. Além disso, também assumi o papel de parceira
crítica, no processo de escrita dos participantes, momento em que, mais do
que dar sugestões para ultrapassar as dificuldades, também tive oportunidades
de refletir e de organizar essas reflexões.
No início da realização da pesquisa de campo, nos primeiros encontros
do grupo, percebemos nos professores e futuros professores pouca
familiaridade com a temática, pois seus conhecimentos para trabalhar com o
Tratamento da Informação, basicamente, não foram construídos de forma
significativa, que contribuísse para o letramento estatístico, enquanto eram
alunos da Escola Básica, do Ensino Superior (para os que já haviam concluído
essa etapa) ou ainda ao longo de suas carreiras (no caso dos que já tinham
mais tempo de magistério). Tais indícios foram percebidos em seus relatos:
alguns deles nem se lembravam de ter tido contato com a temática, como foi o
caso de Rosana, que revelou, no encontro de 09/09/2010: “Eu acho que não
estudei estatística na escola. Eu fico aqui cavando para ver se eu lembro
coisas, mas contato com Estatística foi no trabalho, quando precisei montar
gráfico”; ou, como ocorreu com as práticas reveladas por Eduardo no encontro
de 18/03/2011: “No Ensino Médio eu quase morri para fazer esses gráficos
com o transferidor”. Ressaltamos que não quisemos dar destaque, ao longo do
trabalho, ao que o participante não sabia, mas buscamos evidenciar,
justamente, o que mudou no desenvolvimento profissional, em consequência
da participação num contexto colaborativo. Coletamos dados com os
participantes e não sobre eles, pois nossa intenção era que participassem de
um processo significativo e que se desenvolvessem profissionalmente.
Retomando a questão que nos propusemos a responder:
Que indícios de desenvolvimento profissional apresentam os professores
e os futuros professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino
Fundamental em contextos colaborativos em práticas de letramento estatístico?
Para responder a essa questão, descrevemos as aprendizagens e o
desenvolvimento profissional das participantes do grupo Estatisticando, desde
sua criação e no percurso dos 20 encontros realizados de setembro de 2010 a
dezembro de 2011, a partir de nossos três eixos de análise: 1) Complexidade
do desenvolvimento profissional. 2) Colaboração. 3) Letramento(s).
Durante o percurso do grupo, indícios do desenvolvimento profissional
dos participantes foram aparecendo. Em relação à complexidade, o
desenvolvimento profissional do professor como desenvolvimento do
conhecimento na perspectiva do letramento estatístico passou pela
reconstrução de seus conhecimentos e a construção de saberes para ensinar e
aprender estatística nessa perspectiva. Nesse sentido, buscamos contemplar
os conhecimentos elencados por Shulman (1987): o conhecimento do conteúdo
da Estatística, o conhecimento pedagógico geral e da Estatística, o
conhecimento dos estudantes e de suas características, o conhecimento dos
contextos educativos, o conhecimento do currículo referente à Estatística e o
conhecimento dos objetivos, das metas e dos valores educacionais que se
entrelaçavam nos materiais que estudamos. Nesses estudos também foi
possível vislumbrar diferentes formas de ensinar e aprender Estatística no
espaço da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois
procuramos não dissociar a teoria da prática. O desenvolvimento profissional
do professor como desenvolvimento de si mesmo ou pessoal foi entendido
como um processo pessoal, e o tempo de cada um foi respeitado. Embora
alguns participantes ainda não tivessem experiência docente ou estivessem
iniciando docência por meio dos estágios, buscavam, a partir de suas
memórias, refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem, contribuindo
com depoimentos e reflexões sobre suas experiências como estudantes.
Consideramos também que isso contribuiu para que os participantes
passassem a dirigir outros olhares para a prática de sala de aula e para os
materiais utilizados.
No nosso contexto colaborativo, que foi se constituindo aos poucos, era
permitido perguntar e também errar, e isso se constituía em momentos de
aprendizagem. O sentimento de pertença também foi se desenvolvendo; e o
tempo disponibilizado pelos participantes, ao quererem fazer parte do grupo,
também foi fundamental, pois disponibilizavam tempo para comparecer aos
encontros; para ler; para compartilhar materiais e informações via e-mail; e,
mesmo depois de os encontros terem sido finalizados, para desenvolver o
processo de escrita e socializar seu trabalho, com a participação em eventos.
Isso também envolveu disponibilidade financeira para inscrições, hospedagem
e produção de pôsteres. Consideramos também que, como almejávamos o
professor como investigador da própria prática, isoladamente essa seria uma
perspectiva difícil de ser alcançada, mas no contexto colaborativo houve
alicerce para reflexões/ressignificações compartilhadas.
Quanto ao(s) letramento(s), consideramos que o letramento estatístico
faz parte do(s) letramento(s), constituindo uma forma de situar a leitura e a
escrita em seus contextos sociais e chamando a atenção para uma situação
específica, a da Estatística. Consideramos que os encontros constituíram
práticas de letramento, pois nossas concepções de ensinar e aprender
Estatística na perspectiva do letramento estatístico são observáveis nos
eventos de letramento mediados pela escrita, pelo texto, em cada encontro.
Podemos afirmar também que a pesquisa contribuiu de forma decisiva
para o meu desenvolvimento profissional, pois visávamos a uma postura
reflexiva não apenas por parte dos participantes, mas da minha própria parte,
como formadora e pesquisadora. No contexto colaborativo foi possível superar
os desafios como formadora e pesquisadora e, até mesmo, como professora,
amadurecer, transformar concepções sobre a formação docente, valorizar o
trabalho coletivo, respeitar as diferenças, criar um ambiente de aprendizagem,
orientar a escrita, nos transformar.
Mais algumas palavras...
Foi possível criar um grupo, num contexto colaborativo, que permitiu
uma significativa formação no que diz respeito à Estatística, na perspectiva do
letramento estatístico, e ir além deste, contribuindo para o desenvolvimento
profissional dos professores envolvidos. Os diferentes participantes – futuros
professores, professores com diferentes experiências, pesquisadora – tiveram
oportunidade de, no contexto colaborativo, estudar, problematizar, refletir,
investigar e escrever sobre a complexidade de ensinar e aprender Estatística
nas escolas. Os professores traziam problemas e desafios da prática docente;
os futuros professores aprenderam, junto com os professores, a problematizar
as situações do dia a dia escolar, tentando superar os desafios e os problemas;
e eu, pesquisadora, atuei em função das demandas, apresentando subsídio
teórico, problematizando as situações e incentivando a escrita, aprendendo a,
juntos, trabalhar colaborativamente.
Esse contexto colaborativo e o percurso do grupo de estudos também
evidenciaram que esta modalidade de formação continuada, mais do que uma
necessidade para o trabalho do professor, constitui uma condição de trabalho,
ajudando-o nas práticas do cotidiano docente, seja nos problemas, nos dilemas
ou nas dificuldades; auxiliando a suprir possíveis lacunas na sua formação;
reconhecendo a prática pedagógica do professor como ponto de partida;
valorizando sua formação e, em especial, a Estatística; respeitando suas
singularidades e potencialidades; possibilitando a ampliação dos
conhecimentos; e considerando suas necessidades num contexto colaborativo.
Diante dos indícios de desenvolvimento profissional possibilitados pela
participação no grupo Estatisticando, defendemos o reconhecimento e a
valorização da participação de professores, futuros professores e
pesquisadores em grupos de contexto colaborativos. E concordamos com
Grando e Nacarato (2014) sobre a importância de ações que possibilitem que
mais professores participem de grupos num contexto colaborativo, apontando
para políticas públicas que valorizem a formação de professores, de forma que
A participação no grupo seja considerada como tempo deformação para o professor;
Sejam atribuídas bolsas para professores da Educação Básica queassume o papel de parceiros de pesquisa;
Sejam concedidas bolsas para pós-graduando que tomam aprópria prática como objeto de investigação;
Haja financiamento de projetos dessa natureza (parceriauniversidade-escola, grupos no interior da escola, etc.);
Seja incentivada e promovida a participação dos professores emeventos e reuniões para divulgação das experiências e daspesquisas;
Sejam facilitados os trâmites burocráticos na realização dapesquisa em sala de aula (comitê de ética, videogravação eaudiogravação de aulas etc.). (GRANDO; NACARATO, 2014, p.85-86).
De acordo com as autoras (p. 86), essas ações ainda tornariam o
“trabalho do professor menos solitário e com uma visibilidade e respeito pelas
suas práticas construídas no cotidiano da sala de aula”. Ressaltamos que a
participação em grupos colaborativos não deve constituir uma nova obrigação
para os professores, mas, sim, uma opção formativa.
As experiências que tivemos no grupo Estatisticando e no percurso da
pesquisa reforçam o sentimento de que temos que continuar, pois foi possível
desenvolver-nos profissionalmente, num contexto colaborativo, tanto na
perspectiva do letramento estatístico quanto pessoalmente. A educação e a
educação estatística são áreas que carecem dessas estratégias fundamentais
para a formação de professores e futuros professores.
Referências bibliográficas
ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo:
Cortez, 2003.
ALMEIDA, M. T. S. N. G. F. Desafios ao desenvolvimento profissional: do
trabalho colaborativo ao nível da escola a um grupo sobre a escrita. 2011. Tese
(Doutorado em Educação) – Instituto de Educação, Universidade de Lisboa,
Lisboa.
ALVES, F. C. Diário: um contributo para o desenvolvimento profissional dos
professores e estudo dos seus dilemas. Educação, Ciência e Tecnologia,
Millenium, Viseu, n. 29, p. 222-239, jun. 2004. Disponível em:
www.ipv.pt/millenium/Millenium29/30.pdf. Acesso em: 12 jan. 2014.
ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional.
Brasília: Liberlivros, 2005. p. 7-70.
AZEVEDO, P. D.; PASSOS, C. L. B. Grupo de Estudo Outros Olhares para a
Matemática: práticas colaborativas com professoras da educação infantil. In:
GONÇALVEZ JÚNIOR, M.; CRISTOVÃO, E. M.; LIMA, R. C. R. (Org.). Grupos
colaborativos e de aprendizagem do professor que ensina Matemática:
repensar a formação de professores é preciso!. 1. ed.Campinas: FE/UNICAMP,
2014. p. 50-59.
AZEVEDO, P. D. O conhecimento matemático na Educação Infantil: o
movimento de um grupo de professoras em processo de formação continuada.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012.
BARTON, D.; HAMILTON, M. La literacidad entendida como práctica social. In:
ZAVALA, V.; NIÑO-MURCIA, M.; AMES, P. (Ed.). Escritura y sociedad: nuevas
perspectivas teóricas y etnográficas. Lima: Red para el DESARROLLO DE LAS
CIENCIAS SOCIALES EN EL PERU, 2004. p. 109-139.
BATANERO, C. Didáctica de la Estadística. Granada: Servicio de Reprografia
de la Facultad de Ciencias. Universidad de Granada, 2001. Disponível em:
<http://www.ugr.es/~batanero/proyecto.html>. Acesso em: 19 set. 2004.
BATANERO, C. Los retos de la cultura estadística. In: JORNADAS
INTERAMERICANAS DE ENSEÑANZA DE LA ESTADÍSTICA, 2002, Buenos
Aires. Conferência inaugural. Buenos Aires, 2002. p. 1-11. Disponível em:
http://www.ugr.es/~batanero/ARTICULOS/CULTURA.pdf Acesso em: 15 out.
2012.
BATANERO, C. Sentido estadístico: componentes y desarrollo. In:
CONTRERAS, J. M. et al. Actas de las 1.ª Jornadas Virtuales em Didáctica de
la Estadística, Probabilidad y Combinatoria – SEIEM, Granada, ano I, v. 2, n. 1,
p. 1-8, 2013.
BEVILAQUA, R. Novos estudos do letramento e multiletramentos: divergências
e confluências. RevLet: Revista Virtual de Letras, Jataí, v. 5, p. 99-114, 2013.
BIGODE, G. J. L; GIMENEZ, J. Matemática do cotidiano & suas conexões, 5º
ano, São Paulo: FTD, 2008.
BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigações qualitativa em Educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto: Editora Porto, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de educação
fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação
Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Brasília: 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC,
2000.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2010: Alfabetização Matemática e
Matemática. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação.
Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais da Educação Básica, Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. Disponível em:
<
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=293&It
emid=810>. Acesso em: 11 jan. 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto
nacional pela alfabetização na idade certa: Educação Estatística / Diretoria de
Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2014.
BUDGETT, S.; PFANNKUCH M. Assessing Students’ Statistical Literacy.
International Association for Statistical Education (IASE/ISI Satellite, 2007
Portugal), 2007. Disponível em::
http://www.StatLit.org/pdf/2007BudgettPfannkuchIAS.pdf. Acesso em: 05 nov.
2014.
CAPP, S. F. K. De olho na mamãe. In: LOPES, C. A. E.; MOURA, A. R. L.
(Org.). Encontro das crianças com o acaso: as possibilidades, os gráficos e as
tabelas. Campinas, SP: Graf; FE Unicamp – Cempem, 2002. p. 37-42.
CARVALHO, C.; SOLOMON, Y. Supporting statistical literacy: what do
culturally relevant/realistic tasks show us about the nature of pupil
engagemente with statistics? International Journal of Educational Research, n.
55, p. 57-65, 2012. Disponível e: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijer.2012.06.006
Acesso em: 09 out. 2012.
CARVALHO, D. L.; CONTI, K. C. (Org.). Histórias de colaboração e
investigação na prática pedagógica em Matemática. 1. ed. Campinas: Alínea,
2009.
CARVALHO, D. L.; FIORENTINI, D. Refletir e investigar a própria prática de
ensinaraprender matemática na escola. In: CARVALHO, D. et al. Análises
narrativas de aulas de matemática. 1.ed. São Carlos: Pedro & João Editores,
2013.
CAZORLA, I.; UTSUMI, M. C. Reflexões sobre o ensino de Estatística na
Educação Básica. In: CAZORLA, I; SANTANA, E. (Org.). Do tratamento da
informação ao letramento estatístico. Itabuna: Via Litterarum, 2010. p. 09-21.
COCHRAN-SMITH, M.; LYTLE, S. L. Relationships of knowledge and practice:
teacher learning in communities. Review of Research in Education,
Washington, DC, n. 24, p. 249–305, 1999. Tradução para uso do PRAPEM
(Prática Pedagógica em Matemática).
COELHO, M. A. Os saberes profissionais dos professores: a problematização
das práticas pedagógicas em estatística mediadas pelas práticas colaborativas.
Tese (Doutorado) – Campinas: Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2010.
CONTI, K. C. O papel da Estatística na inclusão de alunos da Educação de
Jovens e Adultos em atividades letradas. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2009.
CONTI, K. C.; PEREIRA, E. L. Auxiliando o desenvolvimento do pensamento
estatístico através de uma sequência de ensino: matéria escolar preferida.
Leitura: Teoria & Prática – Associação de Leitura do Brasil, Campinas, SP, n.,
p. 680-686, 2012a .
CONTI, K. C.; PEREIRA, E. L. Auxiliando o desenvolvimento do pensamento
estatístico de alunos do 4º ano do Ensino Fundamental: construindo o gráfico
dos aniversariantes. In: SEMINÁRIO DE ESCRITAS E LEITURAS EM
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 1., 2012b, Itatiba/SP.
CONTI, K. C. et al. Auxiliando alunos do 4.º ano do Ensino Fundamental no
desenvolvimento do pensamento estatístico. In: CONTRERAS, J. M. et al.
(Ed.). Actas de las Jornadas Virtuales em Didáctica de la Estadística,
Probabilidad y Combinatoria Granada: Departamento de Didáctica de la
Matemática de la Universidad de Granada, 2013. p. 129-135.
COPE, B.; KALANTZIS, M. (Ed.). Multiliteracies: Literacy learning and the
design of social futures. London: Routledge, 2000.
COPE, B.; KALANTZIS, M. Multiliteracies: New literacies, new learning.
Pedagogies: An International Journal, Nanyang Walk, v. 4, n. 3, p. 1-30, 2009.
COUTINHO, C. Q. S. (Org.) Discussões sobre o ensino e a aprendizagem da
Probabilidade e da Estatística na Escola Básica. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2013.
D’AMBROSIO, U. Educação Matemática: da teoria à prática. Campinas:
Papirus, 1996.
DAY, C. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da
aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora, 2001.
FERRARI, A. et al. Matemática faz sentido B – Ensino Fundamental I – 2.º ano.
1. ed. Curitiba: Fundamento Didática, 2006.
FERREIRA, A. C. Metacognição e desenvolvimento profissional de professores
de matemática: uma experiência de trabalho colaborativo. Tese (Doutorado) –
Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas-SP, 2003.
FERREIRA, A. C. O trabalho colaborativo como ferramenta e contexto para
desenvolvimento profissional: compartilhando experiências. In: NACARATO, A.
M.; PAIVA, M. A. V. (Org.). A formação do professor que ensina Matemática:
perspectivas e pesquisas. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 149-166.
FERREIRA, A. C. Desenvolvimento profissional e trabalho coletivo:
experiências envolvendo pesquisadores, professores de Matemática e futuros
professores de Ouro Preto. In: LOPES. C. E.; NACARATO, A. (Org.). Educação
Matemática, leitura e escrita: armadilhas, utopias e realidades. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2009. p. 259-276.
FIGUEIREDO, R. B. Crianças, máscaras, eleições municipais e gráficos... tudo
a ver? In: LOPES, C. A. E.; MOURA, A. R. L. (Org.). Encontro das crianças
com o acaso: as possibilidades, os gráficos e as tabelas. Campinas: Editora
Graf. FE Unicamp; Cempem, 2002. p. 21-25.
FIORENTINI, D. Pesquisar práticas colaborativas ou pesquisar
colaborativamente? In: BORBA, M. C.; ARAÚJO, J. L. Pesquisa qualitativa em
Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 47-76.
FIORENTINI, D. Quando acadêmicos da universidade e professores da escola
básica constituem uma comunidade de prática reflexiva e investigativa. In:
FIORENTINI, D.; GRANDO, R. C.; MISKULIN, R. G. S. (Org.). Práticas de
formação de pesquisas de professores que ensina matemática. Campinas:
Mercado de Letras, 2009. p. 233-255.
FIORENTINI, D. Desenvolvimento profissional e comunidades investigativas.
In: DALBEN, A. et al. (Org.). Convergências e tensões no campo da formação e
do trabalho docente: Educação ambiental – Educação em ciências – Educação
em espaços não escolares – Educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. p. 570-590.
FIORENTINI, D. (Coord.). A investigação em educação matemática desde a
perspectiva acadêmica e profissional: desafios e possibilidades de
aproximação. In: CONFERÊNCIA INTERAMERICANA DE EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA, 13., 26 a 30 de junho 2011, Recife: Universidade Federal de
Pernambuco, 2011. p. 01-19. Disponível em: http://www.cimm.
ucr.ac.cr/ocs/index.php/xiii_ciaem/xiii_ciaem/paper/viewFile/2910/1225 Acesso
em: 25 nov. 2012.
FIORENTINI, D. et al. Interrelations between teacher development and
curricular change: a research program. In: BEDNARZ, N., FIORENTINI, D.;
HUANG, R. (Ed.). International Approaches to Professional Development for
Mathematics Teachers: Explorations of innovative approaches to the
professional development of math teachers from around the world. Ottawa, Ca:
University of Ottawa Press, 2011. p. 213-222.
FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática:
percursos teóricos e metodológicos. Campinas-SP: Autores Associados, 2006.
(Coleção Formação de Professor).
FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A. (Org.). Por trás da porta, que matemática
acontece?. 1. ed. Campinas: Gráfica da Faculdade de Educação, 2001.
FIORENTINI, D.; NACARATO, A. M. (Org.). Cultura, formação e
desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática:
investigando e teorizando a partir da pratica. São Paulo: Musa Editora, 2005.
FONSECA, M. C. F. R. A educação matemática e a ampliação das demandas
de leitura e escrita da população brasileira. In: FONSECA, M. C. F. R. (Org.).
Letramento no Brasil: habilidades matemáticas: reflexões a partir do Inaf 2002.
São Paulo: Global; Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação,
Instituto Paulo Montenegro, 2004. p. 11-28.
FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
37. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 31. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2005.
FREITAS, M. T. M.; FIORENTINI, D. As possibilidades formativas e
investigativas da narrativa em Educação Matemática. Horizontes, Bragança
Paulista, v. 25, n. 1, p. 63-71, 2007. Disponível em: <
http://webp.usf.edu.br/itatiba/mestrado/educacao/uploadAddress/Horizontes_25
_1_06%5B11067%5D.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2014.
FULLAN, M.; HARGREAVES, A. Porque é que vale a pena lutar? Porto: Porto
Editora, 2001.
GAJARDO, M. Pesquisa participante na América Latina. Tradução de Tania
Pellegrini. São Paulo: Brasiliense, 1986.
GAL, I. Adult’s statistical literacy: meanings, components, responsabilities.
International Statistical Review, Netherlands, n. 70, p. 1-25, 2002.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e historia. Tradução de
Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
GITIRANA, V. et al. Média aritmética no Ensino Fundamental. In: LOPES, C.
E.; COUTINHO, C. Q. S.; ALMOULOUD, S. A. Estudos e reflexões em
Educação Estatística. Campinas: Mercado de Letras, 2010. p. 105-131.
GODINO, J. D.; BATANERO, C.; FLORES, P. El análisis didáctico del conteúdo
matemático como recurso en la formación de professores de matemáticas. In:
DEPARTAMENTO DE DIDÁCTICA Y ORGANIZACIÓN ESCOLAR. Libro
Homenaje al Profesor Oscar Sáenz Barrio. Granada, 1998. p. 165-185.
GRANDO, R. C.; NACARATO, A. GRUCOMAT como uma comunidade de
aprendizagens e de investigações compartilhadas. In: GONÇALVEZ JÚNIOR,
M.; CRISTOVÃO, E. M.; LIMA, R. C. R. (Org.). Grupos colaborativos e de
aprendizagem do professor que ensina Matemática: repensar a formação de
professores é preciso!. 1. ed.Campinas: FE/UNICAMP, 2014. p. 78-86.
HARGREAVES, A. Os professores em tempo de mudança. Porto: Edições
ASA, 1998.
INAF. 4˚ Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional: Um diagnóstico para a
inclusão social pela Educação. São Paulo: Instituto Paulo Montenegro, Ação
Educativa, 2004.
JIMÉNEZ ESPINOSA, A. Quando professores de Matemática da escola e da
universidade se encontram: re-significação e reciprocidade de saberes. 2002.
237p. Tese (Doutorado em Educação: Educação Matemática) — FE, Unicamp,
Campinas (SP).
JONSSON, G. F. Adivinhe quem vem para ficar. In: LOPES, Celi A. E.;
MOURA, Ana R. L. (Org.). Encontro das crianças com o acaso: as
possibilidades, os gráficos e as tabelas. Campinas-SP: Editora Graf. FE
Unicamp; Cempem, 2002.
KATO, M.; CONTI, K. C. Animais de estimação: primeira experiência com a
construção de gráfico. In: ENCONTRO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NOS
ANOS INICIAIS,1., São Carlos, 2011.
KILPATRICK, J. Fincando estacas: uma tentativa de demarcar a educação
matemática como campo profissional e científico. In: Zetetiké –Revista do
Círculo de Estudo, Memória e Pesquisa em Educação Matemática (CEMPEM)
da Faculdade de Educação da UNICAMP, Campinas, v. 4, n. 5, jan./jun. 1996,
p. 99-120. .
KLEIMAN, A. B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na
escola. In: ______. (Org.) Os significados do letramento: Uma nova perspectiva
sobre a prática social da escrita. Campinas-SP: Mercado de Letras, 1995. p.
15-64.
LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. Pesquisa pedagógica: do projeto à
implementação. Porto Alegre: Artmed. 2008.
LARROSA, J. Estudar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
LOPES, C. A. E. A probabilidade e a estatística no ensino fundamental: uma
análise curricular. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1998.
LOPES, C. A. E. Literacia estatística e o INAF 2002. In: FONSECA, M. C. F. R.
(Org.). Letramento no Brasil: habilidades matemáticas: reflexões a partir do
INAF 2002. São Paulo: Global; Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e
Informação. Instituto Paulo Montenegro, 2004. p. 187-197.
LOPES, C. A. E. Reflexões teórico-metodológicas para a educação estatística.
In: ______; CURI, E. (Org.). Pesquisas em educação matemática: um encontro
entre a teoria e a prática. São Carlos: Pedro e João Editores, 2008a.
LOPES, C. A. E. O ensino da estatística e da probabilidade na educação
básica e a formação dos professores. Cad. CEDES [online]. v. 28, n. 74, p. 57-
73. ISSN 0101-3262, 2008b. Disponível em: em
http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v28n74/v28n74a05.pdf Acesso em: 30 nov.
2012.
LOPES, C. A. E. Os desafios para Educação Estatística no currículo de
Matemática. In: LOPES, C. E.; COUTINHO, C. Q. S.; ALMOULOUD, S. A .
Estudos e reflexões em Educação Estatística. Campinas: Mercado de Letras,
2010.
LOPES, C. A. E. A Estocástica no currículo de Matemática e a resolução de
problemas. In: SEMINÁRIO EM RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS, 2., 2011, Rio
Claro. Anais do II SERP. Rio Claro: UNESP, 2011. v. 1. p. 1-10.
LOPES, C. A. E.; MOURA, A. R. L. (Org.). Encontro das crianças com o acaso:
as possibilidades, os gráficos e as tabelas. Campinas: Editora Graf. FE
Unicamp; Cempem, 2002.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: EPU, 1986.
MARCELO, C. G. Desenvolvimento profissional: passado e futuro. Sísifo –
Revista das Ciências da Educação, Lisboa, n. 08, p. 7-22, jan./abr. 2009.
MILANI, E.; IMENES, L. M.; LELLIS, M. Projeto Conviver. 1.º ano. 1. ed. São
Paulo: Moderna, 2008a.
MILANI, E.; IMENES, L. M.; LELLIS, M. Projeto Conviver. 2.° ano. 1. ed. São
Paulo: Moderna, 2008b.
MIZUKAMI, M. G. N. Aprendizagem da docência: algumas contribuições de L.
S. Shulman. Revista do Centro de Educação da UFSM, Viçosa, v. 29, n. 2,
2004. p. 01-13. Disponível em: <http://www.ufsm.br/ce/revista/>. Acesso em: 22
set. 2014.
NACARATO, A. M. Educação continuada sob a perspectiva da pesquisa-ação:
currículo em ação de um grupo de professoras ao aprender ensinando
geometria. 2000. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação, Campinas, 2000.
NACARATO, A. M. O grupo como espaço para aprendizagem docente e
compartilhamento de práticas de ensino de Matemática. In: NACARATO, A. M.
(Org.). Práticas docentes em Educação Matemática nos anos iniciais do ensino
fundamental. 1. ed. Curitiba: Appris, 2013. v. 1. 165p.
NACARATO, A. M.; GOMES, A. A. M.; GRANDO, R. C. (Org.). Grupo
Colaborativo em Geometria: uma trajetória... uma produção coletiva. In:
Experiências com Geometria na Escola Básica: narrativas de professores em
(trans)formação. 1. ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2008.
NACARATO, A. M.; GRANDO, R. C. As potencialidades do trabalho
colaborativo para o ensino e a aprendizagem em estocástica. In: NACARATO,
A. M.; GRANDO, R. C.(Org.). Estatística e probabilidade na educação básica:
professores narrando suas experiências. Campinas-SP: Mercado de Letras,
2013.
NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS. Princípios e
normas para a matemática escolar. 2. ed. Tradução da Associação de
Professores de Matemática. Lisboa: APM, 2008. Obra original publicada em
2000.
NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
OLIVEIRA, D. As aprendizagens dos professores que ensinam matemática
para crianças ao se inserirem em um espaço formativo sobre estocástica.
2013. 139f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) –
Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo.
OLIVEIRA, D. A. Políticas de formação e desenvolvimento profissional docente:
da intenção às práticas. In: LEITE, Y. U. F. et al. (Org.). Políticas de formação
inicial e continuada de professores [recurso eletrônico]. Araraquara-SP :
Junqueira & Marin, 2012.
OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. Desenvolvimento profissional dos professores.
In: FORMOSINHO, J. (Coord.), Formação de professores. Aprendizagem
profissional e acção docente. Porto: Porto Editora, 2009.
PASSOS, C. L. B. et al. Desenvolvimento profissional do professor que ensina
matemática: uma meta-análise dos estudos brasileiros. Quadrante, Lisboa, v.
XV-1e2, p. 193-219, 2006.
PASSOS, C. L. B.; OLIVEIRA, R. M. M. A.; GAMA, R. P. Práticas
potencializadoras do desenvolvimento profissional docente: atividade de
ensino, pesquisa e extensão. In: FIORENTINI, D.; GRANDO, R. C.;
MISKULIN, R. G. S. (Org.). Práticas de formação de pesquisas de professores
que ensinam matemática. Campinas: Mercado de Letras, 2009.
PEREIRA, E. L.; CONTI, K. C. O trabalho com Estatística no 3.º ano do Ensino
Fundamental: a construção do gráfico de aniversariantes. In: I ENCONTRO DE
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS, 1., 2011, São Carlos.
PEREIRA, E. L.; CONTI, K. C. Interpretando tabelas e construindo gráficos com
alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. In: TOMASIELLO, M. G. C. et al.
(Org.). Didática e práticas de ensino na realidade escolar contemporânea:
constatações, análises e proposições. Araraquara: Junqueira & Marin, 2012. p.
5294-5302. (e-book).
PEREIRA, E. L.; CONTI, K.; CARVALHO, D. L. Comemorando aniversários e
trabalhando com Estatística no 3º. ano do Ensino Fundamental. In:
COUTINHO, C. Q. S. (Org.) Discussões sobre o ensino e a aprendizagem da
Probabilidade e da Estatística na Escola Básica. Campinas-SP: Mercado de
Letras, 2013.
PEREIRA, R. F.; CONTI, K. C. O Tratamento da Informação presente em livro
didático de Matemática do 5.º ano do Ensino Fundamental. Momentum, Atibaia,
v. 1, p. 121-134, 2011.
PERRENOUD, P. A formação dos professores no século XXI. In:
PERRENOUD, P et al. As competências para ensinar no século XXI: a
formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed,
2002.
PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S.
G.; GHEDIN, E.(Org.) Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um
conceito. São Paulo: Cortez, 2002.
PIRES, C. C.; PIETROPAULO, R. Educação Matemática 6.ª Série. São Paulo:
Atual, 2002.
PONTE, J. P. Perspectivas de desenvolvimento profissional de professores de
Matemática. In: PONTE, J. P. et al. (Ed.). Desenvolvimento profissional de
professores de Matemática: Que formação? Lisboa: SEM-SPCE, 1995. p. 193-
211.
PONTE, J. P. Da formação ao desenvolvimento profissional. Actas do ProfMat
98 Lisboa: APM, 1998. p. 27-44. Disponível em:
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/artigos-por-temas.htm. Acesso em: 12
jan. 2014.
PONTE, J. P. Estudos de caso em educação matemática. Bolema –
Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006, n. 25, p. 105-132.
PONTE, J. P. Preparing Teachers to Meet the Challenges of Statistics
Education. In: C. BATANERO, G.; BURRILL, G.; READING, C. (Ed.). Teaching
statistics in school mathematics- Challenges for teaching and teacher
education: A Joint ICMI/IASE Study. New York, NY: Springer, 2011.
PORTUGAL. Ministério da Educação e Ciências. Programa e Metas
Curriculares Matemática: Ensino Básico. Lisboa, 2013.
POWELL, A.; FRANCISCO, J.; MAHER, C. Uma abordagem à análise de
dados de vídeo para investigar o desenvolvimento de ideias e raciocínios
matemáticos de estudantes. Tradução de Antônio Olímpio Junior. Bolema:
Boletim de Educação Matemática – UNESP, Rio Claro-SP, ano 17, n. 21, p. 81-
140, 2004.
RÉGNIER, J.-C. Formação do espírito estatístico e cidadania: instrumentos
matemáticos para a leitura do mundo. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE
PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (SIPEMAT). Anais do SIPEMAT.
Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2006. CD-ROM.
ROCHA, L. P. (Re)constituição dos saberes de professores de Matemática nos
primeiros anos de docência. 175p. Dissertação (Mestrado em Educação) —
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2005.
ROJO, R. H. R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo:
Parábola, 2009.
ROJO, R. H. R. Alfabetização e letramentos múltiplos: como alfabetizar
letrando. In: RANGEL, E. O.; ROJO, R. H. R. (Org.) Língua Portuguesa no
Ensino Fundamental de 9 anos e materiais didáticos. Brasília-DF: MEC, 2010.
(Coleção Explorando o Ensino). Disponível em: portal.mec.gov.br . Acesso em:
06 jan. 2014.
SHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of the new reform.
Harvard Educational Review, Cambridge, v. 57, n. 1, p. 1-22, 1987.
SILVA, M. A. et al. Experiência de inclusão na Educação infantil: criando um
recurso para ensinar Matemática. In: ENCONTRO DE EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS, 1., 2011, São Carlos.
SILVA, M. A. et al. Elaborando uma história infantil para ensinar Matemática:
experiência de inclusão na educação infantil. Cadernos da Pedagogia, São
Carlos, ano 6, v. 6, n. 11, p. 74-84, jul./dez. 2012.
SIMÃO, A. et al. Formação de professores em contextos colaborativos. Um
projecto de investigação em curso. Sísifo: Revista de Ciências da Educação,
Lisboa, n. 8, p. 61-74, 2009. Disponível em: http://sisifo.fpce.ul.pt. Acesso em:
31 mar. 2014.
SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (Org.).
Letramento no Brasil. São Paulo: Global; Ação Educativa Assessoria, Pesquisa
e Informação, Instituto Paulo Montenegro, 2003. p. 89-113.
SOARES, M. Literacy assessment and its implications for statistic
measurement. Paris: Unesco, 1992. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0009/000928/092880eb.pdf. Acesso em: 27
mar. 2014.
SOUZA, L. O.; MENDONÇA, L. O.; LOPES, C. E. A ação pedagógica e o
desenvolvimento profissional de professores em educação Estocástica. In:
COUTINHO, C. (Org). Discussões sobre o ensino e a aprendizagem da
probabilidade e da Estatística na escola básica. Campinas-SP: Mercado de
Letras, 2013.
STREET, B. V. What’s "new" in New Literacy Studies? Critical approaches to
literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education –
Teachers College, Columbia University, Columbia, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003.
STREET, B. V. Los nuevos estudios de literacidad. In: ZAVALA, V.; NIÑO-
MURCIA, M.; AMES, P. (Ed.). Escritura y sociedad: nuevas perspectivas
teóricas y etnográficas. Lima: Red para el Desarrollo de las Ciencias Sociales
en el Perú, 2004. p. 81-107.
STREET, B. V. Nuevas alfabetizaciones, nuevos tiempos ¿Cómo describimos y
enseñamos los conocimientos, las habilidades y los valores acordes con las
formas de alfabetización que las personas necesitan para los nuevos tiempos?
Revista Interamericana de Educación de Adultos, Pátzcuaro, Michoacán,
México, p.41-69, 2008.
STREET, B. V. Literacy and multimodality. 2012. Disponível em:
http://arquivos.lingtec.org/stis/STIS-LectureLitandMMMarch2012.pdf> Acesso
em: 08 jan. 2013.
TERRA, M. R. Letramentos & Letramentos: uma perspectiva sócio-cultural dos
usos da escrita. D.E.L.T.A. [online]. v. 29, n. 1, p. 29-58, 2013.
VAN DE WALLE, J. Matemática no ensino fundamental: formação de
professores e aplicação em sala de aula. Tradução de Paulo Henrique
Colonese. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
WATSON, J. Discussion: statistical literacy before adulthood. International
Statistical Review, Netherlands, n. 70, p. 26-30, 2002.
WATSON, J. M. Statistical literacy at school: Growth and goals. Mahwah-NJ:
Lawrence Erlbaum, 2006.
YOKOMIZO, M. K.; CONTI, K. C.; CARVALHO, D. L. Primeira experiência com
a construção de gráfico: os animais de estimação dos alunos do 1.º ano do
Ensino Fundamental. Revista Eletrônica de Educação – UFSCar, São Carlos,
v. 6, p. 312-321, 2012.
APÊNDICE ATERMO DE CONSENTIMENTO
Eu, ________________________________________________________________,
RG:_______________________, autorizo, a título gratuito, mantido o sigilo cabível eticamente
em trabalhos dessa natureza, a utilização de dados que forneci durante os encontros do grupo
de estudos “Estatisticando”, para publicação, reprodução, exposição, comunicação ao público,
edição, adaptação, arranjo, transcrição, divulgação, produção audiovisual, inclusão em base de
dados, armazenamento em quaisquer meios, digitalização e outras transformações em
FOTOGRAFIAS, ENTREVISTAS, DEPOIMENTOS e GRAVAÇÕES DE AUDIO E VÍDEO, pela
professora Keli Cristina Conti, e-mail keli.conti@gmail.com, telefone para contato: (19) 3722-
2716/ 9178-5231, para âmbito de sua tese de doutorado, sobre a Estatística e formação de
professores, orientada pela Prof.ª Dr.ª Dione Lucchesi de Carvalho, junto à Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Declaro estar ciente de que os direitos autorais do material acima citado serão de
propriedade da professora e que esse material não poderá ser reproduzido, a qualquer título,
sem a autorização prévia e por escrito da professora Keli Cristina Conti.
Expresso minha concordância com relação à reutilização do material acima citado nos
termos citados, sendo certo que, em nenhum caso, a utilização ou reutilização dependerá da
autorização prévia ou de remuneração.
Por estarem de acordo, as partes firmam o presente em 2 (duas) vias de igual teor.
Atibaia, 08 de dezembro 2011.
( ) Autorizo a utilização de meu primeiro nome.
( ) Autorizo a utilização de meu nome completo.
( ) Autorizo a utilização de um pseudônimo, mantido em sigilo meu nome.
_______________________________ _______________________________
Participante Professora
Recebi cópia do documento Keli Cristina Conti
APÊNDICE B
ENVIADO
APÊNDICE CFICHA DE IDENTIFICAÇÃO
APÊNDICE D
Letramento estatístico
Excertos de: CONTI, Keli Cristina. O papel da Estatística na inclusão de alunos daEducação de Jovens e Adultos em atividades letradas. Dissertação (Mestrado emEducação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,Campinas, 2009.
O termo “letramento” tornou-se comum atualmente, mas surge a
necessidade de refletir um pouco mais sobre a questão de letramento,
aprofundando a concepção desenvolvida por Soares (2003b), professora titular
da Universidade Federal de Minas Gerais, a fim de discutir o letramento
estatístico.
Letramento é assim explicado pela autora:
Embora correndo o risco de uma excessiva simplificação, pode-se dizer que a inserção no mundo da escrita se dá por meio daaquisição de uma tecnologia – a isso se chama alfabetização, epor meio do desenvolvimento de competências (habilidades,conhecimentos, atitudes) de uso efetivo dessa tecnologia empráticas sociais que envolvem a língua escrita – a isso se chamaletramento (SOARES, 2003b, p. 90, grifos da autora).
Soares (2003b) aponta para a importância de conceituar o que é
letramento justamente pela necessidade de avaliar ou medir o quanto uma
pessoa pode ser considerada letrada ou não.
Para ampliar esta discussão, gostaria de trazer a definição da Unesco,
de 1958, para “padronizar as estatísticas em educação”:
É letrada a pessoa que consegue tanto ler quanto escrever comcompreensão uma frase simples e curta sobre sua vidacotidiana.
É iletrada a pessoa que não consegue ler nem escrever comcompreensão uma frase simples e curta sobre sua vida cotidiana(UNESCO, 1958, apud SOARES, 2003b, p. 71).
Concordo com Soares (2003a, p. 71): essa definição chama a atenção
apenas para a “dimensão individual do letramento”. De acordo com a autora,
temos a “dimensão individual” e a “dimensão social” do letramento:
Quando o foco é posto na dimensão individual, o letramento é vistocomo atributo pessoal, parecendo referir-se, como afirma Wagner(1983, p. 5), à “simples posse individual das tecnologias mentaiscomplementares de ler e escrever”. Quando o foco se desloca para adimensão social, o letramento é visto como um fenômeno cultural, umconjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita e deexigências sociais de uso da língua escrita (SOARES, 2003a, p.66).
Penso ser essa segunda perspectiva apresentada por Soares (2003a) a
que mais contribui para as análises que realizarei. É possível aproximá-la da
utilização que faz Gal (2002, p. 2, tradução minha), da Universidade de Haifa
(Israel): para ele, o termo letramento tem sido “combinado com termos que
denotam domínios de conhecimento específico”, como letramento escolar,
letramento social ou não escolar, letramento computacional, letramento
científico, letramento cultural, letramento visual, letramento estatístico (que este
trabalho vai explorar), entre outros.
Gal (2002, p. 01, tradução minha) considera o letramento estatístico
como “uma habilidade-chave esperada de cidadãos em sociedades
sobrecarregadas de informação, frequentemente vista como um resultado
esperado da escolaridade e como componente necessário do letramento e da
numeracia de adultos”. O autor pondera também que o letramento estatístico
apresenta dois componentes inter-relacionados:
(a) Habilidade de interpretar criticamente e avaliar a informaçãoestatística; os argumentos relativos aos dados; ou os fenômenosestocásticos que se encontrarem em contextos diversos; e, quando forde relevância, (b) a capacidade de discutir ou comunicar suas reaçõesfrente a tais informações estatísticas, assim como o entendimento dosignificado da informação; suas opiniões sobre as implicações dessainformação; ou seus vínculos com respeito à aceitabilidade dasconclusões dadas (GAL, 2002, p. 02-03, grifos do autor. Traduçãominha).
Watson (1997, apud GAL, 2002), da Universidade da Tasmânia
(Austrália), apresenta uma estrutura do letramento estatístico, “constituída por
três camadas com crescente sofisticação”, que listo abaixo:
Uma compreensão básica da terminologia estatística eprobabilística.
Um entendimento da linguagem estatística e de seusconceitos, na medida em que estão presentes no contexto deuma discussão social mais ampla.
Uma atitude de questionamento que se pode assumir aoaplicar conceitos para contradizer afirmações feitas sem ofundamento estatístico apropriado (WATSON, 1997, apud GAL,2002, p. 02. Tradução minha).
Gal (2002) propõe o que chama de “um modelo de letramento
estatístico” (Quadro 2), ou seja, um modelo das bases de conhecimento que os
adultos e também os estudantes em processo de formação deveriam ter
disponíveis, para poderem compreender, analisar e criticar as estatísticas que
nos cercam.
Quadro 2 : Um modelo de letramento estatísticoElementos
deconhecimento
Elementosde
disposiçãoHabilidades de letramentoConhecimento estatísticoConhecimento matemáticoConhecimento contextualQuestionamento crítico
Crenças e atitudesPosicionamento crítico
Letramento estatísticoGal (2002, p.4, tradução minha)
Explorando o que Gal (2002) classifica como “elementos de
conhecimento”, vale destacar que eles não ocorrem separadamente e, muitas
vezes, são até confundidos por isso, mas são descritos separadamente para
facilitar a apresentação. A necessidade de “habilidades de letramento” –
letramento compreendido em seu sentido mais geral e próximo do que eu
trouxe com Soares (2003b) – surge pelo fato de as mensagens estatísticas
apresentarem-se em textos orais ou escritos e por estar a informação
estatística, muitas vezes, inserida em textos complexos; ou seja, tais
habilidades são essenciais para a competência de ler e escrever em práticas
sociais. Gal (2002, tradução minha) aponta ainda que “o letramento estatístico
e o letramento geral estão interligados”. O “conhecimento estatístico” implica
saber como os dados podem ser produzidos e por que são necessários;
familiarizar-se com os termos básicos, com ideias da estatística descritiva, com
representações em gráficos e tabelas, incluindo sua interpretação, com noções
básicas de probabilidade; e conhecer como as conclusões são alcançadas.
Com relação ao “conhecimento estatístico”, Gal (2002) ainda completa que
incluir em um curso uma grande quantidade de conteúdo estatístico não é
suficiente para garantir o letramento estatístico.
Com relação ao “conhecimento matemático”, destaco o papel de apoio
que este vem dar não só ao letramento estatístico, mas ao conhecimento
estatístico; entretanto, ele, o conhecimento matemático, não pode ser o centro
do processo, pois existem recursos tecnológicos de apoio, como calculadoras e
computadores. O “conhecimento contextual”, segundo Gal (2002, p. 15, ,
tradução minha), “é a fonte de significado e a base para a interpretação dos
resultados obtidos”. E o “questionamento crítico” aparece como forma de
avaliação crítica das informações estatísticas, principalmente devido à forma
como, muitas vezes, essas informações podem se apresentar – por exemplo,
com abuso intencional dos dados, apresentados de forma sensacionalista.
Quanto ao que Gal (2002, p. 18) chama de “elementos de disposição”,
há uma ênfase no fato de os conceitos de posição crítica, crenças e atitudes
estarem interligados. A posição crítica está relacionada à atitude de
questionamento às informações que nos chegam, pois certas crenças e
atitudes estão “na base de posição crítica das pessoas”, e estas devem
acreditar em seu poder de ação crítica.
Em síntese, Gal (2002, p. 19) afirma que o “comportamento letrado
estatísticamente” precisa da ativação inter-relacionada dessas cinco bases de
conhecimento, mencionadas no Quadro 2, na presença da disposição crítica
com apoio de crenças e atitudes, e realça “o papel-chave que fatores e
componentes não-estatísticos desempenham no letramento estatístico e
refletem a natureza abrangente freqüentemente multifacetada das situações
nas quais o letramento estatístico pode ser ativado” (GAL, 2002, p. 19,
tradução minha). Ainda segundo Gal informa nessa mesma página, não
necessariamente a pessoa tem que possuir plenamente todos esses elementos
de conhecimento e disposição para ter condições de lidar com as informações
estatísticas, e o letramento estatístico deveria ser visto “como um conjunto de
capacidades que podem existir em graus diversos no mesmo indivíduo,
dependendo dos contextos em que é invocado ou aplicado”.
Bibliografia
GAL, Iddo. Adult’s statistical literacy: meanings, components, responsabilities.International Statistical Review, Netherlands, n. 70, p. 1-25 , 2002.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. BeloHorizonte: Autêntica, 2003a.
SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera M. (Org.).Letramento no Brasil. São Paulo: Global; Ação Educativa Assessoria, Pesquisae Informação, Instituto Paulo Montenegro, 2003b. p. 89-113.
WATSON, Jane. Discussion: statistical literacy before adulthood. InternationalStatistical Review, Netherlands, n. 70, p. 26-30, 2002.
ANEXO 1Metas curriculares - Portugal
No currículo de Portugal, são apresentadas Metas curriculares
(PORTUGAL, 2013), que estabelecem aquilo que pode ser considerado como
a aprendizagem essencial dos estudantes, em cada um dos anos de
escolaridade ou ciclos do ensino básico, com relação à Estatística (Quadro 1).
Quadro 1: Escolaridade obrigatória no ensino básico – Portugal
Níveis Anos de escolaridade Idade
1º Ciclo 1.º - 4.º 6-10 anos2º Ciclo 5.º - 6.º 10-12 anos3º Ciclo 7.º - 9.º 12-15 anos
Fonte: http://www.gepe.min-edu.pt/np4/9.html
No 1º ciclo, são considerados “domínios de conteúdos” Números e
Operações, Geometria e Medida, Organização e Tratamento de Dados. No
tratamento de dados, há, segundo o documento, a inserção de vocabulário
básico da Teoria de Conjuntos. No 2.º ciclo, passam a ser quatro “Domínios de
Conteúdos” (2013), com o acréscimo de “Álgebra”. O documento aponta como
importante a introdução de noção de gráfico cartesiano de uma
correspondência, para ser aprofundado no 3.º ciclo, no trabalho com funções,
no domínio da Organização e Tratamento de dados. Para o 3.º ciclo,
acrescenta-se mais um domínio de conteúdo, o de Funções, Sequências e
Sucessões. No domínio de conteúdos Organização e Tratamento de Dados, é
feita uma iniciação às probabilidades e aos fenômenos aleatórios. De acordo
com as Metas Curriculares (PORTUGAL, 2013), são apresentados:
1.º Ciclo:Escolaridade Conteúdos1.º ano Representação de conjuntos
- Conjunto, elemento pertencente a um conjunto, cardinal de um conjunto;- Diagramas de Venn com conjuntos disjuntos.Representação de dados- Gráfico de pontos e pictograma em que cada figura representa umaunidade.
2.º ano Representação de conjuntos- Reunião e interseção de conjuntos;- Diagramas de Vem e Carroll.Representação de dados
- Tabelas de frequências absolutas, gráficos de pontos, de barras epictogramas em diferentes escalas;- Esquemas de contagem (tally charts).
3.º ano Representação e tratamento de dados- Diagramas de caule-e-folhas;- Frequência absoluta;- Moda;- Mínimo, máximo e amplitude;- Problemas envolvendo análise e organização de dados, frequênciaabsoluta, moda e amplitude.
4.º ano Tratamento de dados- Frequência relativa;- Noção de percentagem;- Problemas envolvendo o cálculo e a comparação de frequênciasrelativas.
Fonte: PORTUGAL. Programa e Metas Curriculares Matemática: Ensino Básico, 2013
2.º Ciclo
Escolaridade Conteúdos5.º ano Gráficos cartesianos
- Referenciais cartesianos, ortogonais e monométricos;- Abscissas, ordenadas e coordenadas;- Gráficos cartesianos.Representação e tratamento de dados- Tabelas de frequências absolutas e relativas;- Gráficos de barras e de linhas;- Média aritmética;- Problemas envolvendo a média e a moda;- Problemas envolvendo dados em tabelas, diagramas e gráficos.
6.º ano Representação e tratamento de dados- População e unidade estatística;- Variáveis quantitativas e qualitativas;- Gráficos circulares;- Análise de conjuntos de dados a partir da média, moda e amplitude;- Problemas envolvendo dados representados de diferentes formas.
Fonte: PORTUGAL. Programa e Metas Curriculares Matemática: Ensino Básico, 2013
3.º Ciclo:
Escolaridade Conteúdos7.º ano Medidas de localização
- Sequência ordenada dos dados;- Mediana de um conjunto de dados; definição e propriedades;- Problemas envolvendo tabelas, gráficos e medidas de localização.
8.º ano Diagramas de extremos e quartis- Noção de quartil;- Diagramas de extremos e quartis;- Amplitude interquartil;- Problemas envolvendo gráficos diversos e diagramas de extremos equartis.
9.º ano Histogramas- Variáveis estatísticas discretas e contínuas; classes determinadas porintervalos numéricos; agrupamento de dados em classes da mesma
amplitude;- Histogramas; propriedades;- Problemas envolvendo a representação de dados em tabelas defrequência e histogramas.Probabilidade- Experiências deterministas e aleatórias; universo dos resultados ouespaço amostral; casos possíveis;- Acontecimentos: casos favoráveis, acontecimento elementar, composto,certo, impossível;- Acontecimentos disjuntos ou incompatíveis e complementares;- Experiências aleatórias com acontecimentos elementares equiprováveis;- Definição de Laplace de probabilidade; propriedades e exemplos;- Problemas envolvendo a noção de probabilidade e a comparação deprobabilidades de diferentes acontecimentos compostos, utilizandotabelas de dupla entrada e diagramas em árvore;- Comparação de probabilidades com frequências relativas emexperiências aleatórias em que se presume equiprobabilidade dos casospossíveis.
Fonte: PORTUGAL. Programa e Metas Curriculares Matemática: Ensino Básico, 2013
ANEXO 2
Expectativas de aprendizagem - NCTMDe acordo com o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM),
na publicação Princípios e Normas para a Matemática Escolar (NCTM, 2008),
são apresentadas as seguintes expectativas da aprendizagem, do pré-escolar
ao 5.º ano de escolaridade. Os alunos, segundo os autores, deverão:Normas ExpectativasDeverão habilitar todosos alunos para:
Pré-escolar ao 2.º ano Do 3.º ao 5.º ano
Formular questões quepossam ser abordadaspor meio de dados erecolher, organizar eapresentar dadosrelevantes quepermitam responder aessas questões;
Colocar questões e reunir dadosacerca de si próprios e do seumeio circundante;Agrupar e classificar objetos deacordo com os seus atributos eorganizar dados relativos aosobjetos;Representar dados através deobjetos concretos, imagens egráficos.
Conceber investigações paraabordar uma determinadaquestão e compreender o modocomo os métodos de recolha dedados influenciam a naturezado conjunto dos dados;Representar dados utilizandotabelas e gráficos, comodiagramas de pontos, gráficosde barras e de linhas;Reconhecer as diferenças entreas representações de dadosquantitativos e qualitativos.
Selecionar e usarmétodos estatísticosadequados à análise dedados
Descrever partes de dados e oconjunto total dos dados,enquanto um todo, paradeterminar o que os dadosmostram.
Descrever a forma e ascaracterísticas maisimportantes de um conjunto dedados, e comparar conjuntos dedados relacionados, dandoênfase ao modo como os dadosse encontram distribuídos;Usar medidas de tendênciacentral, principalmente amediana, e compreender o quecada uma indica, ou não,acerca do conjunto de dados.
Desenvolver e avaliarinferências e previsõesbaseadas em dados;
Discutir acontecimentosrelacionados com as experiênciasdos alunos e descrevê-los comoprováveis ou improváveis.
Propor e justificar conclusões eprevisões baseadas em dadose conceber formas de asinvestigar mais profundamente.
Compreender e aplicarconceitos básicos deprobabilidade
Descrever os acontecimentoscomo prováveis ou improváveise discutir o seu grau deincerteza, usando termos comocerto, igualmente provável ouimpossível;Prever a probabilidade deresultados de experiênciassimples e testar as suasprevisões;Perceber que a medida daprobabilidade de umacontecimento pode serrepresentada por um número
compreendido entre zero e um.Fonte: NCTM (2008, p. 464)
Do 6.º ao 12.º ano de escolaridade, são propostos
Normas ExpectativasDeverão habilitar todosos alunos para:
Do 6.º ao 8.º ano Do 9.º ao 12.º ano
Formular questões quepossam ser abordadaspor meio de dados erecolher, organizar eapresentar dadosrelevantes quepermitam responder aessas questões;
Formular questões, conceberestudos e recolher dadosrelativos a uma característicapartilhada por duas populações,ou a diferentes característicasdentro de uma única população;Selecionar, criar e usar asrepresentações gráficas maisadequadas, incluindohistogramas, diagramas deextremos e quartis e diagramasde dispersão.
Compreender diferenças enteestudos e inferir o que pode serfeito a partir de cada um;Saber como são ascaracterísticas de estudos bemplanejados, e o papel doaleatório nas sondagens eexperiências;Compreender o significado dedados quantitativos equalitativos, de dadosunivariados e bivariados, e dotermo variável;Compreender e usarhistogramas, diagramas deextremos e quartis e diagramasde dispersão;Calcular medidas elementarese distinguir uma medida de umparâmetro.
Selecionar e usarmétodos estatísticosadequados à análise dedados
Identificar, usar e interpretarmedidas de localização emedidas de dispersão, incluindo amédia e a amplitude inter-quartil;Discutir e compreender acorrespondência entre osconjuntos de dados e as suasrepresentações gráficas,sobretudo histogramas,diagramas de caule-e-folhas,diagramas de extremos e quartise diagramas de dispersão.
Apresentar a distribuição dedados quantitativos univariados,descrever a sua forma eselecionar e calcular asmedidas que os definem;Apresentar e analisar, paradados quantitativos, bivariados,um diagrama de dispersão edeterminar coeficientes eequações de regressão ecoeficientes de correlação,usando a tecnologia;Apresentar e discutir dadosbivariados, com variáveisquantitativas;Reconhecer como é quetransformações lineares dedados univariados afetam a suaforma, centro e dispersão;Identificar tendências nosdados bivariados e encontrarfunções que os modelem outransformá-los para poderemser modelados.
Desenvolver e avaliarinferências e previsõesbaseadas em dados;
Usar observações acerca dasdiferenças existentes entre duasou mais amostras, para fazerprevisões sobre as populações de
Usar simulações para explorara variabilidade das medidasestatísticas de amostras econstruir distribuições
onde as amostras foramretiradas;Formular conjecturas acerca depossíveis relações entre duascaracterísticas de uma amostra,baseando-se em diagramas dedispersão dos dados e em retasde regressão;Usar conjecturas na formulaçãode novas questões e noplanejamento de novos estudospara lhes dar respostas.
amostrais;Compreender como as medidasdas amostras refletem osvalores dos parâmetros dapopulação e usar asdistribuições amostrais;Avaliar relatórios publicados dedados, através da análise doseu plano, da adequação daanálise dos dados e davariabilidade das conclusões;Compreender como usartécnicas estatísticas no controlede qualidade.
Compreender e aplicarconceitos básicos deprobabilidade
Compreender e usar aterminologia apropriada nadescrição de conceitos relativos aacontecimentos complementarese mutuamente exclusivos;Usar a proporcionalidade e umacompreensão básica deprobabilidade para formular etestar conjecturas acerca dosresultados de experiências esimulações;Calcular a probabilidade deacontecimentos compostoselementares, utilizando métodoscomo listas organizadas,diagramas em árvore e modelosde área.
Compreender o conceito deespaço amostral e distribuiçãode probabilidades;Usar simulações para criardistribuições de probabilidadeempíricas;Calcular e interpretar o valoresperado de variáveisaleatórias;Compreender os conceitos deprobabilidade condicionada ede acontecimentosindependentes;Compreender como calcular aprobabilidade de umacontecimento composto.
Fonte: NCTM (2008, p. 465)
top related