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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE HISTRIA
MORGANA VIEIRA MODOLON
A DITADURA MILITAR EM CRICIMA: ASPECTOS DA REPRESSO E
RESISTNCIA
CRICIMA
2013
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MORGANA VIEIRA MODOLON
A DITADURA MILITAR EM CRICIMA: ASPECTOS DA REPRESSO E
RESISTNCIA
Trabalho de Concluso de Curso, apresentado para
obteno do grau de Licenciatura e Bacharelado, no
curso de Histria da Universidade do Extremo Sul
Catarinense, UNESC.
Orientador: Prof. Msc. Tiago da Silva Coelho
CRICIMA
2013
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MORGANA VIEIRA MODOLON
A DITADURA MILITAR EM CRICIMA: ASPECTOS DA REPRESSO E
RESISTNCIA
Trabalho de Concluso de Curso aprovado pela
Banca Examinadora para obteno do Grau de
Licenciatura e Bacharelado, no Curso de Histria da
Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Cricima, 10 de Dezembro de 2013.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Tiago da Silva Coelho Mestre (UNESC) Orientador
Prof.(a) Marli de Oliveira Costa Doutora (UNESC)
Prof.(a) Marli Paulina Vitali Mestra (SATC)
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RESUMO
O presente trabalho busca analisar alguns aspectos das represses e das resistncias existentes
em Cricima entre 1964 e 1975, perodo que vai do golpe militar at a Operao Barriga
Verde (OBV). A cidade de Cricima sempre teve grande atuao poltica e social, muito por
canta das lutas travadas entre operrios e donos de mineradoras. Durante o golpe a cidade
respondeu ao chamado de resistncia e decretou greve geral, porm o que ocorreu aps este
perodo pouco trabalhado e discutido. Volta-se a falar de Cricima somente no que tange a
OBV. Assim sendo, os acontecimentos deste entretempo ficam silenciados, como se a
represso tivesse acabado com as resistncias na cidade. Assim, o presente trabalho tem por
objetivo dar visibilidade s personagens que foram emudecidos durante o regime por meio da
represso. Buscando demonstrar que mesmo com a perseguio e represso por parte do
Estado, havia aqueles que se opunham ao regime vigente e defendiam outros ideais. Nesse
sentido, investigado alguns momentos da resistncia, durante o golpe at a implementao
da OBV, tentando compreender as razes do interesse do regime militar por Cricima. Para
cumprir tal tarefa utilizado fontes bibliogrficas, jornais e entrevistas. A perseguio aos
membros do Sindicato dos Mineiros de Cricima e tambm aos militantes comunistas filiados
ao Partido Comunistas Brasileiro (PCB), exps a cidade nvel nacional como a Cuba
brasileira. Tal fato trouxe ateno especial regio durante um dos momentos mais violentos
do perodo militar, foram presos 42 militantes comunistas na OBV, sendo que destes 13
tinham vnculo direto com a cidade do carvo.
Palavras-chave: Operao Barriga Verde. Ditadura Militar. Cricima. Resistncia.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI-1
AI-5
ALN
AP
ARENA
CBCA
CGT
CLT
CSN
DNPM
ESG
EUA
IBAD
IPES
MDB
MNR
MR8
OBV
PCB
PC do B
PTB
UESC
UDN
VPR
Ato Institucional 1
Ato Institucional 5
Aliana Libertadora Nacional
Ao Popular
Aliana Renovadora Nacional
Companhia Brasileira Carbonfera Ararangu
Central Geral dos Trabalhadores
Cdigo de Legislao Trabalhista
Companhia Siderrgica Nacional
Departamento Nacional de Produo Mineral
Escola Superior de Guerra
Estados Unidos da Amrica
Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
Movimento Democrtico Brasileiro
Movimento Nacionalista Rural
Movimento Revolucionrio 8 de Outubro
Operao Barriga Verde
Partido Comunista Brasileiro
Partido Comunista do Brasil
Partido Trabalhista Brasileiro
Unio de Estudantes Secundaristas de Cricima
Unio Democrtica Nacional
Vanguarda Popular Revolucionria
http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Brasileiro_de_A%C3%A7%C3%A3o_Democr%C3%A1ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_de_Pesquisas_e_Estudos_Sociais
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SUMRIO
INTRODUO .......................................................ERRO! INDICADOR NO DEFINIDO.
1. OS AGENTES ARTICULADORES E O GOLPE DE 1964 ........................................ 18
1.1. O PR-GOLPE NA CAPITAL DO CARVO .............................................................. 25
2. AS RESISTNCIAS POSTERIORES AO GOLPE ..................................................... 30
2.1. AS RESISTNCIAS NA CIDADE DE CRICIMA ..................................................... 37
3. A OPERAO BARRIGA VERDE ............................................................................. 45
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 57
REFERNCIAS ................................................................................................................. 60
ANEXOS..................................................................................................................................64
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11
INTRODUO
Nos ltimos tempos se encontram em destaque nos veculos miditicos
especialmente aqueles disseminados via internet acontecimentos que suscitam uma reflexo
histrica voltada a 1964. Tais reflexes foram intensificadas com a criao da Comisso
Nacional da Verdade (CNV), criada pela Lei 12.528/2011 e instituda em 16 de maio de 2012,
que trouxe para debate assuntos voltados ditadura civil militar brasileira1.
Isso se deu, especialmente, devido aos objetivos da Comisso Nacional da Verdade,
que tem por finalidade apurar violaes de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro
de 1946 e 5 de outubro de 19882, perodo em que abrange a ditadura militar, instaurada no
Brasil em primeiro de abril de 1964 e depois de um processo de abertura gradual, chegou ao
fim em 1984.
A histria pode ser contada de diversas formas. Sabendo-se que entre 1964 e 1984 o
Brasil viveu um perodo de ditadura, onde havia censura em grande escala e o regime buscava
imprimir controle sobre o imaginrio e o cotidiano, pode-se compreender que a histria desse
perodo tende a ser fortemente vinculada ao Estado e limitada por ele, se enquadrando nos
paradigmas de uma histria tradicional, no sentido de que tem sempre se concentrado nos
grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente eclesisticos. Ao
resto da humanidade foi destinado um papel secundrio no drama da histria3. Assim sendo,
as representaes construdas sobre o perodo da ditadura militar precisam e vm sendo
reconstrudas na busca de visibilizar sujeitos at ento esquecidos.
Nesse sentido, a Comisso Nacional da Verdade mais do que investigar as violaes
de direitos humanos, busca construir novas as representaes sobre o perodo da ditadura
militar, visibilizando sujeitos muitas vezes negligenciados pela histria, ou lembrados apenas
como agitadores, ou terroristas e subversivos. Renegando a outro papel, tambm os
responsveis pela tortura e morte daqueles que divergiam da forma de pensar do regime e que
ainda hoje se encontram impunes, amparados pela Lei de Anistia, elaborada logo no fim do
perodo ditatorial, uma das vantagens da abertura gradual.4
1COMISSO Nacional da Verdade. Disponvel em: http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-
informacao/a-cnv. Acessado em: 15 de novembro de 2013. 2Ibidem. 3BURKE, Peter. A escrita da histria: novas perspectivas. So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1992, p. 12. 4LEI de Anistia. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm. Acessado em: 17 de
dezembro de 2013.
http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-informacao/a-cnvhttp://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-informacao/a-cnvhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm
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Tais acontecimentos da atualidade remetem a reflexes voltadas ao perodo ditatorial,
trazendo tona a necessidade de novas pesquisas, que busquem preencher as lacunas e
visibilizar indivduos que foram calados pela ditadura.
Partindo dessa perspectiva, o presente trabalho se faz necessrio, pois pode-se
observar que o perodo da ditadura civil militar brasileira um tema um tanto esquecido pela
historiografia em Santa Catarina e Cricima. Em geral, as obras existentes sobre a ditadura
militar em Cricima concentram-se nos eventos que envolvem o golpe civil militar e a
Operao Barriga Verde5 (OBV), deixando de lado os acontecimentos entre um episdio e
outro. Nesse sentido, o presente trabalho busca responder qual a relao existente entre os
acontecimentos que se sucederam ao golpe militar de 1964 em Cricima e a perseguio aos
comunistas na OBV, visto que nesse perodo a Cidade de Cricima foi vista como a Cuba
brasileira6.
Motivados por essa problemtica, o presente trabalho tem como objetivo, dar
visibilidade a esse perodo to importante e sombrio da histria brasileira, na cidade de
Cricima. Trazendo tona personagens que foram silenciados durante o regime por meio da
represso, mostrando alguns aspectos de sua resistncia. Para isso, tendo em vista a existncia
de alguns trabalhos que abordam alguns aspectos do golpe e a OBV, este trabalho busca
investigar, como se deu a relao entre resistncia e opresso em Cricima, entre o golpe e a
OBV, tentando compreender quais razes levou a ditadura a se interessar por Cricima
prendendo um grande nmero de militantes polticos da cidade durante a OBV.
Para isso, preciso pesquisar os sujeitos reprimidos pela ditadura e ampliar a
compreenso desse perodo, no se limitando a documentos oficiais, pois esses expressam
uma viso tambm oficial dos fatos, colocando sob os holofotes, grandes estadistas e
militares. Dialogar com fontes diversificadas se faz necessrio para retirar de um papel
secundrio milhares de brasileiros, cuja histria ainda hoje incerta. Afinal a ampliao do
conceito de histria e da compreenso do sujeito, tambm se reflete nas fontes a serem
utilizadas, como afirma Burke:
5A OBV foi uma operao militar desencadeada por rgo do Estado para investigar e prender os responsveis
pela reestruturao do PCB em Santa Catarina. 6Tal expresso foi retirada da entrevista do senhor Ciro Manoel Pacheco para afirmar que a cidade de Cricima
era um lugar de luta de classes e encontra-se subentendida em documentos oficiais, como o processo jurdico (ACE 019108/89) onde os responsveis pela investigao afirmam que Cricima um reduto de comunistas
devido a extrema explorao e as precrias condies de vida em que os trabalhadores se encontram. Nesse
sentido, importante perceber a ambigidade nas origens do termo, cabendo questionar se o termo Cuba
brasileira partiu dos movimentos resistentes ou foi imposto pela direita de forma pejorativa.
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13
O movimento da histria vista de baixo tambm reflete uma nova determinao para
considerar mais seriamente as opinies das pessoas comuns sobre seu prprio
passado do que costumavam fazer os historiadores profissionais. O mesmo acontece
com algumas formas de histria oral. Neste sentido, tambm a heteroglossia
essencial nova histria.7
Devido a isso, neste trabalho, sero utilizadas alm de fontes bibliogrficas, fontes
documentais e orais. Uma vez que se busca visibilizar movimentos silenciados por
instituies oficiais, recursos como a histria oral so de suma importncia, pois apesar de a
histria oral no ser a histria vivida, ela consiste no registro de um depoimento da histria
vivida, um registro de experincias de pessoas comuns. A histria oral um procedimento
metodolgico que busca, pela construo de fontes e documentos, registrar, atravs de
narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos8, configurando um meio de se compreender
a histria e pode, por tanto, exibir a perspectiva dos sujeitos esquecidos pelos registros
oficiais.
Alm disso, ao refletir sobre a ditadura civil militar brasileira indispensvel a
compreenso de alguns conceitos, pois os conceitos norteiam a abordagem terica implcita
em cada anlise histrica. Nesse sentido, faz-se necessrio compreender primeiramente o que
define uma ditadura, o que nos leva a adentrar nos campos da histria poltica.
A histria poltica entre o sculo XIX e XX desfrutou de grande prestgio, no
entanto, com as renovaes nos paradigmas da histria, a histria poltica sofreu profundas
crticas e passou por um perodo de descrdito. Posteriormente, com a valorizao da histria
cultural, a histria poltica ampliou seu campo de pesquisa, se apropriando de novos
conceitos, como por exemplo, o imaginrio, penetrando nos costumes e comportamentos, e
fugindo de uma histria apena factual que era centrada apenas nos agentes mais evidentes de
processos significativamente complexos. Segundo Ren Remond A esfera do poltico
absorve problemas ou questes que no se colocavam antes e que alis, em alguns casos,
tornam a sair dela. Os contornos so pouco ntidos, mas hoje em dia poucos domnios
escapam da poltica9.
Nesse universo ampliado, uma das perspectivas apresentadas a de cultura poltica,
que pode ser compreendida como algo alm de simples nmeros, eleies e figuras, mas
perceptvel nas prticas cotidianas de sujeitos onde compartilham ideologias e experincias de
7BURKE, op. cit., p. 16. 8DELGADO, Luclia de Almeida Neves. Histria oral memria, tempo, identidades. Belo Horizonte:
Autentica, 2006, p. 15. 9REMOND, Ren. LINHARES, Maria Yedda (Trad.). Por que a histria poltica? Conferencia. Revista de
Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, p. 7-19, 1994, p. 17.
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14
pessoas comuns, visto que, a experincia surge porque homens e mulheres (e no apenas
filsofos) so racionais e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo10
. E apesar de
ser um conceito polissmico, Rodrigo Pato S Mota, define cultura poltica como sendo,
Um conjunto de valores, tradies, prticas e representaes polticas partilhado por
determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras
comuns do passado, assim como fornece inspiraes para projetos polticos
direcionados ao futuro.11
Dentro dessa perspectiva, acredita-se que os agentes polticos so movidos por mais
do que simplesmente idias e interesses, de acordo com Rodrigo Pato S Mota:
A aplicao do conceito de cultura poltica supe a convico de que os homens
agem tambm movidos por paixes e sentimentos, como medo, dio e esperana;
so mobilizados por meio de representaes e imaginrios que constroem mitos e
heris exemplares, bem como inimigos odientos; e tomam decises por influencia de
valores construdos em torno da famlia, nao ou religio.12
Por meio desta concepo, levam-se em considerao os mais diversos sujeitos e
vozes em sua totalidade e como produtos da cultura em que esto inseridos, permitindo uma
compreenso mais ampla do perodo da ditadura civil militar brasileira.
Para isso, deve-se compreender que o conceito de ditadura muito mais amplo, do
que tido pelo senso comum, onde visto simplesmente como o modelo antagnico
democracia. Tal conceito maior do que um simples antagonismo e pode se estender para
alm da poltica. Segundo Marilena Chau, por exemplo, o autoritarismo produto da
sociedade e possui diversas manifestaes polticas, tendo como uma de suas utilidades,
encobrir as divises sociais, naturalizando-as.
A diviso social das classes naturalizada por um conjunto de prticas que ocultam
a determinao histrica ou material da explorao, da discriminao e da
dominao, e que, imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nao
una e indivisa, sobreposta como um manto protetor que recobre as divises reais que
a constituem. Porque temos o hbito de supor que o autoritarismo um fenmeno
poltico que, periodicamente, afeta o Estado, tendemos a no perceber que a
sociedade brasileira que autoritria e que dela provm as diversas manifestaes
do autoritarismo poltico.13
10THOMPSON, E. P. A misria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. p.16. 11MOTTA, Rodrigo Patto S. Culturas polticas na Histria: novos estudos. Belo Horizonte: Fino Trao, 2009,
p. 21. 12MOTTA, Rodrigo Patto S. Ruptura e continuidade na ditadura brasileira. In. Autoritarismo e cultura poltica.
ABREU, Luciano Amarone. MOTTA, Rodrigo Patto S. (Org). Porto Alegre: Edipucrs, 2013, p. 11. 13CHAU, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritria. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2000,
p. 57.
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15
No caso da ditadura civil militar brasileira, um regime autoritrio, onde os dirigentes
do Estado eram os controladores das armas ao invs de imbudos de autoridade legitimada
democraticamente, o conceito de ditadura pode ser compreendido a partir de uma reflexo
sobre o poder, como um modelo de governo que, por no possuir um poder legitimo e
reconhecido socialmente, utiliza a violncia para se legitimar, empreendendo-a contra seus
inimigos. Como afirma Hannah Arendt Politicamente falando, insuficiente dizer no serem
o poder e a violncia a mesma coisa. O poder e a violncia se opem: onde um domina de
forma absoluta, o outro est ausente. A violncia aparece onde o poder esteja em perigo.14
No perodo ditatorial brasileiro a violncia foi uma caracterstica efetiva, dirigida
contra os inimigos criados pelo prprio Estado e que supostamente ameaavam a Ptria (a
democracia, a cristandade e a famlia) e se personificavam no comunismo e em todos aqueles
que contestavam de algum modo o governo vigente.
No entanto, o regime sempre se manteve atrs de mscaras, apresentando-se como
guardio da democracia e da paz social, de modo que, apesar de a violncia ser calamitosa a
mesma no se fazia notria, aparecia de formas veladas ou sendo encoberta. Isso porque o
regime desenvolveu mecanismos de controle que configuravam atravs da represso, o
autoritarismo do Estado.
A represso vai alm dos efeitos do poder, reunindo em si vigilncia e punio de
modo imperceptvel, que ao mesmo tempo amedronta e persuade. Segundo Michel Foucault, a
represso parte das relaes que permeiam o poder, indo alm de uma conseqncia
indissocivel do poder. Para Foucault, o poder no somente repressivo, mas consiste em
rede produtiva, que alm de reprimir produz saberes que a legitima:
O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito simplesmente que ele
no pesa s como uma fora que diz no, mas que de fato ele permeia, produz
coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se consider-lo como
uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma
instncia negativa que tem por funo reprimir.15
Nesse sentido, a represso encontra-se em meio s relaes de poder como o
simples efeito e a simples continuao de uma relao de dominao. A represso seria a
prtica, no interior desta pseudo-paz, de uma relao perptua de fora16
.
Por tanto, durante a ditadura foram desenvolvidos mecanismo e engrenagens,
visveis ou no, que permitiam o controle. A violncia empreendida contra aqueles que se
14
ARENDT, Hannah. Da violncia. So Paulo: tica, 1988, p. 30. 15FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1979, p.174. 16Ibidem, p.100.
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16
contrapunham ao sistema gerava terror e o medo, que j eram suficientes e eficientes
enquanto mecanismos de controle e como uma forma de represso. A imagem criada do
Brasil como pas em desenvolvimento tambm faziam parte das relaes de poder que
desenvolviam a represso, pois mostravam a nao que as atitudes violentas adotadas pelo
governo estavam dando resultado.
No entanto, mesmo dentro deste contexto onde o terror, a violncia e a alienao
imperavam, houve grupos que se organizaram em instituies oficiais e/ou clandestinas para
resistir, possvel compreender tambm que a partir do momento em que h uma relao de
poder, h uma possibilidade de resistncia. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos
sempre modificar sua dominao em condies determinadas e segundo uma estratgia
precisa17
. Assim, no Brasil e em particular na cidade de Cricima, existe a possibilidade de
observar essas aes de opresso e resistncia a partir dos desdobramentos do golpe at os
eventos empreendidos pela Operao Barriga Verde.
Com base em tais conceitos, para atingir os objetivos propostos, o presente trabalho
no captulo inicial, intitulado Os agentes articuladores do golpe de 1964, ir ambientar em
cenrio nacional alguns fatores essenciais para a compreenso do golpe de 1964, identificando
os setores envolvidos no mesmo e sua motivao, fazendo uso apenas de fontes bibliogrficas.
Para a partir de ento, apontar como a ditadura comandou o Brasil durante seus 21 anos,
analisando seus momentos de maior notoriedade, como sua legitimao com a implantao do
Ato Institucional18
1 (AI-1), seu endurecimento, buscando reprimir as resistncias existentes,
no pensamento comunista, na figura do Partido Comunista e nas esquerdas armadas, at seu
enrijecimento, com o Ato Institucional 5 (AI-5).
No subttulo O pr-golpe na capital do carvo, sero apontados aspectos da
construo do imaginrio anticomunista em Cricima a partir da analises de artigos do jornal
Tribuna Criciumense no perodo em que foi articulado o golpe, buscando identificar os
interesses existentes por de trs dessa construo.
No segundo captulo, tambm subdividido em duas partes: As resistncias
posteriores ao golpe e As resistncias na cidade de Cricima, primeiramente ser descrita
a repercusso nacional do golpe, identificando os movimentos de resistncias que ganharam
visibilidade nacionalmente e a represso que se seguiu aos mesmo. E em seguida, ser
analisada a repercusso do golpe na cidade de Cricima, atravs das tenses, da represso e
17
FOUCALT, (1979) op. cit., p. 241. 18Os Atos Institucionais foram decretos de natureza jurdica que vigoravam acima da constituio podendo
modificar ou anular leis estabelecidas pela mesma.
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17
das resistncias, dando destaque a atuao do Sindicato dos Mineiros de Cricima e a atuao
de sujeitos ligados ao mesmo. No entanto, sem esquecer outros movimentos sociais. Para isso,
alm das fontes bibliogrficas, sero utilizadas duas entrevistas com militantes polticos
ligados a esquerda na cidade e um processo judicial.
No captulo final do trabalho, as anlises se focaro no processo mais violento da
represso em Santa Catarina, a Operao Barriga Verde, nesse momento ser analisado o
processo que desencadeou OBV e as prises, para isso sero utilizadas fontes bibliogrficas,
fontes orais e atas de apurao das eleies de 1974.
-
18
1. OS AGENTES ARTICULADORES E O GOLPE DE 1964
H aproximadamente 49 anos, o Brasil viveu um dos mais turbulentos episdios de
sua histria. Entre 1964 e 1984 estabeleceu-se no Brasil uma ditadura militar, apoiada por
setores da sociedade civil.
O golpe de 1964 no aconteceu casualmente, foi parte de um processo, que em
anlises mais profundas, levaria em considerao o comportamento de alguns grupos e a
estrutura da sociedade brasileira, desde 1930, ou antes. Contudo, mesmo nas anlises mais
simplistas, ao discutir o golpe de 1964 e a ditadura preciso levar em considerao a atuao
de diversos elementos, compostos por mais de um grupo social, civil e militar, com atuao
direta ou indireta ao longo do processo.
Primeiramente, preciso levar em considerao a penetrao do capital estrangeiro
na economia brasileira. A partir da dcada de 1950, o governo brasileiro passou a possuir um
modelo econmico mais dependente. Mesmo em momentos anteriores, a dependncia do
capital estrangeiro, principalmente norte-americano, foi ameaada poucas vezes, de forma que
nunca chegou a representar um perigo de fato.
Exemplos desses perodos podem ser observados, por exemplo, no governo de
Vargas durante o Estado Novo (1937-1945), quando aps instaurar uma ditadura com o apoio
militar, ao adotar medidas de nacionalizao, Vargas passou a sofrer presso externa e de
agentes conservadores, at sua deposio. Desse modo,
Mesmo diminutas e incipientes, as conquistas nacionalistas que o Estado Novo
trouxera feriam os interesses norte-americanos. Setores afinados com os Estados
Unidos passaram a conspirar para a deposio de Getlio.19
No entanto, importante salientar que no contexto do golpe de 1964 e da guerra fria,
os nacionalistas, apesar de representarem um impasse aos interesses estrangeiros, no se
enquadravam como um problema. Afinal, os nacionalistas tambm possuam uma postura
fortemente anticomunista.
Para os nacionalistas, o comunismo representava a dominao do Brasil por
ideologias estrangeiras, que tinham suas bases firmadas na luta entre duas classes dentro de
uma nao, pois na ideologia comunista no de grande relevncia a unidade nacional, mas
sim o prevalecimento de uma classe sobre outra atravs da revoluo proletria.
Assim, a luta de classe no era admitida em um estado totalmente nacionalista; os
19Brasil nunca mais. Petrpolis: Vozes, 1987, p. 56.
-
19
brasileiros integralmente deveriam construir uma nao sem cises, e qualquer ameaa de
destruir essa hegemonia deveria ser considerada uma ameaa de destruir a ptria20
. Por tanto,
para os nacionalistas, o comunismo conduziria a nao perda da identidade nacional, atravs
da diviso da nao em classes antagnicas e conflitantes. Nessa perspectiva, em 1964,
tambm os nacionalistas foram aliados dos militares.
Entre 1950 e 1954, Vargas voltou ao poder eleito democraticamente, mais uma vez
apoiado em propostas nacionalistas, mas os interesses norte americanos j tinham cravado
em solo brasileiro uma pesada ancora, de difcil remoo21
.
A postura nacionalista de Vargas, novamente trouxe uma srie de presses sobre o
seu governo, desta vez as tenses eram conduzidas por um comando militar, que outrora o
havia apoiado e que nesse contexto planejava novamente sua deposio. No entanto, em um
gesto imprevisto, Vargas no abriu mo do controle do Estado, resistindo at as ltimas
conseqncias. Optou por tirar sua prpria vida, desencadeando reaes populares que
retardaram um golpe militar apoiado pela direita conservadora, que j estava articulado. De
acordo com as anlises apresentadas no livro Brasil nunca mais:
O ato inesperado desencadeou enrgicas manifestaes populares em todo o pas,
dirigidas contra smbolos da presena do capital norte-americano no Brasil. A
indignao popular amedrontou a direita militar, que se viu obrigada a interromper
sua conspirao e aguardar nova oportunidade.22
Dez anos depois, no contexto do golpe de 1964, a dependncia econmica brasileira
ainda era significativa, grandes companhias multinacionais e mesmo nacionais dominavam
a economia, sendo que, os interesses americanos formavam o maior grupo individual de
investidores estrangeiros, com aproximadamente a tera parte do total do capital
transnacional23
. Ou seja, a dependncia econmica brasileira ainda se apoiava
principalmente em capital norte americano.
O modelo dependente favoreceu a formao de uma elite orgnica composta por
indivduos que ocupavam cargos de diretoria, gerncia ou atuavam como tcnicos nas
indstrias principalmente multinacionais e pelo poder econmico que detinham, possuam
influncia sobre o governo. Eles se tornariam tambm a vanguarda da classe capitalista,
20TORRES, Mateus Gamba. "A Justia nem ao Diabo se h de negar": A represso aos membros do Partido
Comunista Brasileiro na Operao Barriga Verde (1975-1978). 2009.188 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianpolis, p. 46. 21Brasil nunca mais, op. cit., p. 56. 22Ibidem, p. 57. 23DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrpolis: Vozes, 1981, p. 57.
-
20
sistematizando interesses particulares em termos gerais, isto , tornando-os nacionais24
.
Eram,
elites locais ligadas organicamente por laos scio-culturais, padro de vida,
aspiraes profissionais, interesses decorrentes da sua condio de acionista e
atitudes econmico-polticas. Estabelecia-se como resultado uma liderana
internacional de empresrios e membros das diretorias das empresas, dependentes
dos centros transnacionais e afastados, por tanto, dos presentes problemas sociais de
seus pases de origem e de suas solues bsicas. Como membros de uma burguesia
internacional, eles se preocupavam como o crescimento, e no com a independncia nacional.25
Associados a essa elite, estavam os militares e alguns intelectuais. Esses grupos,
contavam com veculos essenciais de disseminao ideolgica, sendo eles a Escola Superior
de Guerra26
(ESG) e o complexo composto pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais27
(IPES) e o Instituto Brasileiro de Ao Democrtica28
(IBAD).
A Escola Superior de Guerra, criada desde 1948, defendia idias favorveis
estabilizao do Estado pelo autoritarismo, um dos pontos de sustentao de suas teorias
encontrava-se na Doutrina de Segurana Nacional, que tinha suas bases na ameaa que a
subverso comunista representava e, portanto, precisava ser contida. Alm disso, defendia a
abertura da economia aos capitais estrangeiros, pois era fortemente influenciada pelo
pensamento norte-americano. O pensamento desenvolvido e disseminado pela ESG exclua
teoricamente e evitava qualquer mudana estrutural, permitindo, no entanto, uma
modernizao conservadora29
.
A ESG possuiu um papel importante no golpe de 1964, pois a partir de 1963, ESG
transformou-se na clula pensante aglutinadora das foras que deram o golpe30
, excluindo
qualquer participao das camadas populares, a ESG representava uma ligao entre os
militares brasileiros e a elite, simultaneamente ligando-os aos interesses norte-americanos:
24DREIFUSS, op. cit., p.72. 25Ibidem, p.72.
26A Escola Superior de Guerra criada desde 1948 um instituto de altos estudos de poltica, estratgia e defesa,
integrante da estrutura do Ministrio da Defesa. A Escola Superior de Guerra possua uma estreita relao com o
governo norte americano, fazendo treinamentos nos EUA e recebendo apoio financeiro, nivelando sua forma de
pensar com os interesses estadunidenses. 27O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais fundado oficialmente em 1962 foi resultado da fuso de grupos de
empresrios organizados no Rio e em So Paulo e rapidamente ganhou a adeso de empresrios de outros
estados, representava um elemento aglutinador do pensamento anti Goulart, promoveu e financiou campanhas
anti Goulart. 28O Instituto Brasileiro de Ao Democrtica foi um instrumentos utilizado pelos EUA para promover a
disseminao da cultura norte americana. Criado em 1959, recebia doaes de empresrios brasileiros e norte americanos. O objetivo era combater o comunismo no Brasil e influir nos rumos do debate econmico, poltico e
social do pas.
29Ibidem, p.80. 30CHIAVENATO, Jlio Jos. O golpe de 64 e a ditadura militar. So Paulo: Moderna. 1995, p. 45.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_de_Pesquisas_e_Estudos_Sociaishttp://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Brasileiro_de_A%C3%A7%C3%A3o_Democr%C3%A1tica
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21
A ESG como centro nodular de doutrinao para os militares de uma forma
especifica de desenvolvimento e segurana nacional baseado nas premissas do capitalismo, era tambm um instrumento para o estabelecimento de ligaes
orgnicas entre militares e civis, tanto no aparelho estatal quanto nas empresas
privadas. Os industriais e tecno-empresrios ligados estrutura multinacional
transmitiam e recebiam treinamento em administrao poltica e objetivos
empresariais. (...) Compartilhando a ideologia de segurana nacional de seus
equivalentes, esses empresrios via a disciplina e a hierarquia como componentes
essenciais de um sistema industrial.31
Assim como a ESG e sua doutrina de segurana nacional, o complexo IPES-IBAD,
teve grande importncia no processo que desencadearia o golpe de 1964, visto que, foi forjado
com o intuito de difundir material ideolgico anticomunista e contrrio as polticas
trabalhistas, sendo conduzida pelas elites.
O IBAD se expunha nas campanhas de forma mais direta que o IPES, mas as duas
instituies atuavam com interesses em comum. O IPES era composto por dirigentes de
empresas e profissionais liberais com as mais distintas convices, o que os unificava, no
entanto, eram suas relaes econmicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento
anticomunista e a sua ambio de readequar e reformular o Estado32
, do mesmo modo, o
IBAD era um grupo de ao expressando os interesses da elite.
Ambos funcionavam como um meio de organizao da elite contra as polticas
trabalhistas e sociais do governo Joo Goulart, infiltrando-se politicamente, fazendo
propaganda e desmobilizando as camadas populares e a classe mdia. Assim,
A elite orgnica se empenhava na fuso dos militantes grupos antigovernistas que se
encontravam dispersos. Ela instituiu organizaes de cobertura para operaes
encobertas (penetrao e conteno) dentro dos movimentos estudantis e operrios e
desencorajou a mobilizao dos camponeses. Estabeleceu ainda uma bem
organizada presena poltica no Congresso e coordenou esforos de todas as faces
centro-direita em oposio ao governo e esquerda trabalhista. A elite orgnica
tambm estabeleceu o que pode ser considerado como efetivo controle da mdia
audiovisual e da imprensa de todo o pas. No curso de sua oposio s estruturas
populistas, ao Executivo nacional-reformista e as foras sociais populares, o
complexo IPES/IBAD se tornava o verdadeiro partido da burguesia e seu estado
maior para ao ideolgica, poltica e militar.33
A classe mdia no pertencia nem a elite e nem ao operariado, mas via no
desenvolvimento do capitalismo brasileiro uma possibilidade de ascender economicamente e
manter estvel e seguro seu modo de vida. Eram habitantes comuns de uma cidade da
31
DREIFUSS, op. cit., p.80. 32Ibidem, p.163. 33Ibidem, p.164.
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22
Amrica Latina, porm no operrios ou as elites, mas sim a classe mdia, a classe que os
altos poderes do pas costumam chamar de a opinio publica34
. De certa forma, a opinio
pblica se moldava de acordo com o pensamento das elites disseminado efetivamente por seus
veculos de propaganda, unindo-se a seus interesses. Desse modo, as elites insuflavam uma
forte mobilizao entre os membros da classe mdia em defesa do anticomunismo e seus
prprios interesses.
Esse grupo de pessoas de poder aquisitivo razovel, mostrava-se importante para a
manuteno da economia dependente, pois era responsvel pelo consumo dos bens suprfluos
produzidos na indstria, como afirma Dreifuss:
Contrariamente ao modelo de investimentos dos Estados Unidos em muitos outros
pases latino americanos, as aes americanas em companhias de utilidade pblica e
companhias de minerao no Brasil eram relativamente poucas em relao aos
investimentos americanos na produo de maquinrio, automotores e utilidades domesticas. [...] Esses investimentos eram feitos em sua maior parte em indstrias
cuja produo ajustava-se a um mercado consumidor de classe mdia e no tanto
para exportao.35
Globalmente, o mundo ainda encontrava-se em meio a Guerra Fria, bipolarizado
pelas foras capitalistas e socialistas, EUA e Unio Sovitica respectivamente. O avano da
ideologia socialista e a Revoluo Cubana, recente e vitoriosa, aumentavam o interesse e a
presena norte-americana na Amrica Latina.
Em 1964, no panorama em que aconteceu o golpe, encontrava-se no poder Joo
Goulart com a proposta das reformas de base, que longe de representar um perigo ordem
vigente, propunham criar condies para a acelerao do estabelecimento do capitalismo no
Brasil, com pequenas melhorias para a populao mais pobre e sua maior participao em
alguns setores da economia.
As reformas de base eram amplamente apoiadas por diversos movimentos sociais,
mas principalmente pelos trabalhadores organizados nos sindicatos que passaram a se
articular ainda mais consistentemente com a criao da Central Geral dos Trabalhadores
(CGT). Esse CGT foi recebido pela direita afastada do governo como um espantalho que
comprovava a iminncia da revoluo comunista no Brasil.36
Aes como, por exemplo, a reforma agrria, a nacionalizao e desapropriao de
alguns setores da indstria, como o caso das refinarias de petrleo, acabaram por amedrontar
34
TORRES, op. cit., p.40. 35DREIFUSS, op. cit., p.57. 36Brasil nunca mais, op. cit., p. 57.
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23
ainda mais a elite e a classe mdia em seu conservadorismo. Esses grupos percebiam tais
medidas como indicativos de um governo comunista. Alm disso, em um pas de herana
rural, a redistribuio das terras independente de como acontecesse ameaava o poder poltico
de quem as possua at ento. Assim, esses grupos se colocavam contra o governo
principalmente por medo de alteraes na ordem estabelecida e perda de seus privilgios:
A burguesia financeira e industrial, por sua vez, aderiu a essa posio retrgrada por
recear alteraes no modelo de economia dependente brasileiro. [...] Ora, essa
burguesia estava aliada aos interesses externos e satisfeita com seus privilgios.37
Somando-se a isso, na Igreja Catlica iniciavam-se tambm movimentos contrrios
ao governo e suas reformas. Em So Paulo, a materializao disso se deu com a tomada das
ruas pela Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade. Era uma forma de expor que um
grupo razoavelmente grande da sociedade era favorvel a mudanas no governo, ou seja,
cerca de 500 mil pessoas desfilaram pelas ruas da cidade em 19 de maro, em uma
demonstrao de que os partidrios de um golpe poderiam contar com uma significativa base
de apoio38
.
Desse modo, pode-se entender que a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade
foi uma resposta, uma forma dos agentes articuladores do golpe medirem foras com aqueles
que representavam uma ameaa a hegemonia das elites e a vertiginosa escalada da classe
mdia, foi uma forma de conter a ameaa comunista. A fasca que incendiou o movimento
conservador saiu do pronunciamento de Joo Goulart, durante o comcio das reformas39
, ou
seja, o estopim para o desencadeamento da Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade se
originou do impacto causado pelas propostas de base anunciadas no pronunciamento de Joo
Goulart de 13 de maro de 1964 e na afronta que ele/elas representavam as elites.
Isso porque, para a Igreja Catlica, o comunismo era colocado em uma balana de
juzo de valores e avaliado como uma representao do mal, inclusive associado ao diabo, ao
atesmo e a destruio da instituio familiar patriarcal. Quando na realidade, representava
uma ameaa ao poder da Igreja Catlica apenas por se apresentar como um novo conjunto de
regras morais, o que limitaria a atuao e, conseqentemente, o poder da Igreja Catlica na
sociedade. Ou seja:
publico e notrio que a Igreja Catlica um dos grupos de poder que possuem,
37
CHIAVENATO, op. cit., p. 18. 38FAUSTO, Boris. Histria concisa do Brasil. So Paulo: Edusp, 2002, p. 255. 39TORRES, op. cit., p.41.
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24
desde a poca colonial, maior influencia na vida social e poltica brasileira. O
comunismo seria um conjunto de idias que poderia contrapor a todo o sistema de
crenas que possuam os catlicos, constitua-se em um sistema de valores que
fomentava uma nova moral a ser instituda na sociedade e no deixaria a religio
encontrar espao para se expandir.40
Nesse contexto, os militares se viam e eram vistos pelos segmentos da sociedade
civil que os apoiavam, como os nicos capazes de salvar a ptria da desordem comunista,
vvida na gesto de Joo Goulart e nos movimentos sociais das camadas populares. Nesse
sentindo, fazendo uso da ideologia da segurana nacional, desenvolvida e propagada pela
ESG, implantando o terror com base na ameaa comunista, os militares apresentavam-se
como os nicos portadores de integridade moral e capacidade de organizao suficiente para
salvar a ptria e o povo. Segundo Mateus Gamba Torres, a considerao do militar como
grupo mais preparado a assumir o comando de uma nao pode ser analisado como um dos
aspectos fundamentais para a tomada do poder pelas armas em 196441
.
Todos esses agentes atuaram na consolidao do golpe, o presidente Goulart no
mediu bem as consequncias de sua ao no comcio de 13 de maro, desagradando os
interesses econmicos da elite e dos EUA. Tambm deixando descontentes os militares que
temiam pela quebra de hierarquias dentro da sociedade, fato intensificando pela atuao do
presidente durante a revolta de marinheiros. Onde marinheiros e fuzileiros navais se
organizaram para protestar contra a priso de companheiros por razes polticas. O
movimento era considerado inadmissvel e foi reprimido pelos militares, no entanto, o
Presidente anistiou os rebeldes, tal prtica foi interpretada como um sinal de que o Presidente
pretendia enfraquecer as Foras Armadas um dos mais tradicionais argumentos
anticomunistas era que a ao revolucionria pressupunha a destruio das instituies
militares42
.
A ideologia anticomunista, que j englobava esses dois grupos mobilizou tambm a
Igreja Catlica, que por sua vez contribuiu para uma articulao maior da oposio. Alm
disso, a elevada inflao da poca e a instabilidade do quadro poltico favoreciam a pregao
da direita junto s classes mdias, em favor de mudanas profundas que trouxessem um
governo forte43
, um governo que defendesse seus interesses e lhes permitisse maiores
condies de ascender social e economicamente.
40Ibidem, p.44. 41
TORRES, op. cit., p.27. 42Ibidem, p.27. 43Brasil nunca mais, op. cit., p. 58.
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25
1.1. O PR-GOLPE NA CAPITAL DO CARVO
A histria do Golpe Militar em Cricima se confunde com a histria do carvo, pois
a cidade possuiu por muito tempo uma forte relao e dependncia econmica com o
desenvolvimento da indstria carbonfera e seus trabalhadores e trabalhadoras. As duas
atividades que deram base economia da cidade at 1960 foram basicamente a agricultura e a
minerao, apenas a partir de 1960 que esse quadro comea a mudar. Segundo Terezinha
Gascho Volpato,
A vida econmico-produtiva de Cricima comeou a se diversificar nos anos de 1960. Outros ramos industriais, inexpressivos at ento passaram a ter significado
econmico e social junto com as duas atividades tradicionais a agricultura e a
minerao. Comearam a se desenvolver as indstrias cermicas de pisos e azulejos,
dos quais Cricima hoje o maior produtor da Amrica Latina. Alm deste, o ramo
de calados e de couro; mecnicos-metalrgicos; de coque; de transporte; de
alimentos; da construo civil; de servios; de plsticos.44
A indstria carbonfera sempre foi extremamente dependente das polticas pblicas
nacionais, configurando um sistema patrimonialista de dominao, o que atraia muitos
mineradores para o meio poltico. Como afirma Jos Paulo Teixeira, indicando que os donos
da cidade entre 1930 e 1980 eram os mineradores:
As carbonferas CBCA Companhia Brasileira Carbonfera Ararangu e Prospera
(ex-CSN e atual Nova Prospera) so as que melhor expressam o modelo de
dominao que predominou na cidade, durante dcadas. Mesmo se tratando de
empresas com regime jurdico diferentes (uma publica e outra privada), ambas se
desenvolveram sob o sistema patrimonialista de dominao, isto , pela forte
presena do Estado e suas ligaes com os interesses privados e polticos locais.45
Em contrapartida ao engajamento poltico dos mineradores, durante algum tempo,
perpassando o perodo do golpe militar, Cricima tambm foi conhecida, segundo Ciro
Pacheco, como a Cuba Brasileira. Isso porque equivalentemente ao engajamento poltico
dos mineradores, os mineiros de Cricima se articulavam poltica e socialmente dentro de seu
sindicato, o Sindicato dos Mineiros de Cricima, tornando-o um cone de luta, resistncia e
militncia.
Entre 1957 e 1964 o Sindicato dos Mineiros de Cricima vivenciou uma fase de
militncia combativa, segundo Terezinha Gascho Volpato:
44
VOLPATO, Terezinha Gascho. Vidas marcadas: Trabalhadores do carvo. Tubaro, SC: Ed. UNISUL, 2001,
p. 20. 45TEIXEIRA, Jos Paulo. Os donos da cidade. Florianpolis, SC: Ed. Insular, 1996, p. 112.
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26
O perodo compreendido entre dezembro de 1957 31 de maro de 1964
representou, na histria do trabalhismo sindical dos mineiros de Cricima, a fase de
militncia na defesa dos interesses imediatos da classe operria.46
A fase de militncia do Sindicato dos Mineiros de Cricima no foi um fenmeno
isolado, apesar de o sindicalismo brasileiro ter sido mantido fortemente sob a vigilncia e
tutela do Estado. De acordo com Volpato, o Sindicato dos Mineiros de Cricima seguia uma
tendncia nacional, pois os sindicatos, em mbito nacional, passaram a ser ocupados por
lderes operrios que contestavam a estrutura sindical garantida pela CLT47
.
Em Cricima, em simetria com o que acontecia nas demais localidades brasileiras,
no perodo que antecedeu o golpe civil militar, a imprensa, que em geral era controlada por
membros da elite, como por exemplo, o Jornal Tribuna Criciumense e a Rdio Eldorado,
realizaram um importante papel na construo do imaginrio coletivo, apontando para a
existncia do inimigo comunista. Nessa abordagem, entende-se que o imaginrio faz parte de
um campo de representaes e, como expresso do pensamento, se manifesta por imagens e
discursos que pretendem dar uma definio da realidade48
. Desse modo, o imaginrio no o
real de fato, nesse sentido, o imaginrio uma relao entre o exposto e as entrelinhas, ou
entre o significante e o significado, um elemento que busca dar sentido ao real, como afirma
Sandra Jatahy Pesavento:
No domnio da representao, as coisas ditas, pensadas e expressas tem um outro
sentido, alm daquele manifesto. Enquanto representao do real, o imaginrio
sempre referencia a um outro ausente. O imaginrio enuncia, se reporta e evoca
outra coisa no explicita e no presente. 49
Assim, a imprensa criciumense teve um papel importante na construo de
representaes, alm do real, ou seja, um imaginrio que legitimasse a perseguio ao inimigo
do Estado e da ordem, que se personificava na figura do comunista, contribuindo tambm
para legitimar aes que se concretizariam posteriormente em prises e torturas.
Para construo desse imaginrio, algumas publicaes ganharam destaque no Jornal
Tribuna Criciumense, como por exemplo, o artigo datado de 26 de junho a 06 de Julho de
46VOLPATO, Terezinha Gascho. A pirita humana: os mineiros de Cricima. Florianpolis: Ed. UFSC,
Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina. 1984, p. 114. 47VOLPATO, (1984) op. cit., p. 121. 48
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Em busca de uma outra histria: imaginando o imaginrio. Revista Brasileira de
Histria: Representaes, v. 15, n. 29, p.9-27,1995. p. 15. 49Ibidem, p. 15.
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27
1963, intitulado O povo contra a reforma50
. O texto indicava que em sua totalidade, a
populao criciumense no aprovava as reformas de base do Presidente Goulart, cabendo
nesse aspecto, questionar qual povo o Jornal Tribuna Criciumense representava, ou qual parte
do povo havia sido consultada para que o Jornal afirmasse em seu ttulo que o povo era contra
as reformas de base.
Nesse artigo, o jornal se posicionava firmemente contra as reformas de base, dando a
entender que toda a populao criciumense compartilhava da mesma posio. Defendendo
que as reformas de base eram uma prerrogativa do comunismo e que partindo delas o Brasil
seguiria o exemplo de Cuba, tornando-se comunista. O texto d a entender que o comunismo
se efetiva custa da violao de direitos constitucionais e naturais da populao, deste modo,
sendo algo negativo e anticristo, como podemos observar no seguinte pargrafo:
Ora, perguntamos ao Sr. Goulart: Com que direito, ou, baseado em que lei (divina
ou humana) a terra deve pertencer a quem trabalha? Com essa lgica chegaramos
concluso de que as fabricas pertencem aos operrios, as casas aos pedreiros e
carpinteiros que as construram ou a seus inquilinos, maneira do que acontece em
Cuba no regime Castrista, no primeiro momento da revoluo. Dizemos num
primeiro momento porque logo a seguir tudo passou para as mos do Estado, como
no poderia deixar de acontecer em um regime comunista. Onde iramos com esse
raciocnio?51
Sabendo o Jornal Tribuna Criciumense durante a dcada de 1960 passou a pertencer
ao Sindicato dos Mineradores de Cricima52
, compostos pelos donos das mineradoras e
consequentemente considerados por Jos Paulo Teixeira os donos da cidade nesse perodo,
pode-se conjecturar que o Jornal Tribuna Criciumense pertencia a elite orgnica pensada
por Dreifuss, onde por medo das transformaes que o governo Goulart poderia representar,
foi partidria do golpe de 1964. Nesse sentido, pode-se perceber o carter tendencioso da
noticia em oposio ao governo Goulart ao tentar caracteriz-lo como comunista.
Alm disso, notria a imagem que o jornal Tribuna Criciumense tenta transmitir
dos mineradores, visto que a minerao era uma das principais atividades econmicas da
regio. possvel observar uma srie de artigos jornalsticos no decorrer de 1962 e 1963
sobre aumentos salariais dados espontaneamente pelos mineradores ou a busca para
oferecer aos mineiros melhores condies de trabalho e de vida, sem a necessidade de greve
50O povo contra a reforma. Jornal Tribuna Criciumense, 26 de junho a 06 de Julho de 1963. Disponvel em:
Arquivo Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 51O povo contra a reforma. Jornal Tribuna Criciumense, 26 de junho a 06 de Julho de 1963. Disponvel em:
Arquivo Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 52CAMPOS, Sebastio Netto. Uma biografia com um pouco da histria do carvo catarinense. Santa Catarina:
Insular, 2001, p. 114.
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28
por parte dos trabalhadores. O artigo do dia 05 de fevereiro de 1962 chamava ateno j no
titulo da noticia: Vinte por cento: Aumento aos mineiros. Bonificao espontnea concedida
aos mineiros com validade desde 1 de Dezembro de 196153
.
A sbita bondade noticiada dos donos das minas exclua outras formas de presso
dirigidas pelo Sindicato dos Trabalhadores do Carvo e pelos mineiros sobre os empresrios.
No entanto, esse no era um cenrio real, pois apesar de no haver paralisaes e greves, o
sindicato se mantinha atuante, por exemplo, segundo Volpato:
Em 1962 no houve sequer uma paralisao. Contudo, havia muita negociao e
tomadas de posio bem definidas da categoria. Houve realizao de muitas
assemblias gerais para tomadas de decises. Havia, em media, uma assemblia por
ms.54
Buscava-se construir a imagem do comunista inescrupuloso, anticristo e
antidemocrtico a exemplo dos acontecimentos em nvel nacional de modo que, j algum
tempo antes de 1964, preparava-se terreno para um golpe militar. A ttica usada, tanto em
Cricima como no resto do pas foi o exerccio de desmoralizao do governo que tinha
frente da Presidncia da Repblica Joo Goulart, enquadrando-o nesses quesitos.
O temor representado por Goulart pode ser percebido na nota publicada em 8 de
setembro de 1962, intitulado As foras militares no permitem o golpe55
. O texto aponta
para o perigo eminente de um suposto golpe inconstitucional que estaria sendo articulado e
que seria impedido pela interveno das foras armadas, de modo que, os militares
incorporaram o papel de salvadores da nao contra o perigo comunista. O texto um aviso,
de modo que no apresenta nenhum tipo de evidncia concreta da existncia de um golpe
comunista ou de um golpe militar como alternativa e tambm no cita o nome de Goulart,
deixando apenas subentendido.
Seguindo a mesma linha, em um artigo de 20 a 27 de julho de 1963, no qual o jornal
Tribuna Criciumense expe a entrevista do jornalista paulistano Jairo Pinto de Araujo
presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de So Paulo o ttulo
53VINTE por cento: Aumento aos mineiros. Bonificao espontnea concedida aos mineiros com validade desde
1 de Dezembro de 1961. Jornal Tribuna Criciumense, 26 de junho a 06 de Julho de 1963. Disponvel em:
Arquivo Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 54VOLPATO, Terezinha Gascho. A pirita humana: os mineiros de Cricima. Florianpolis: Ed. UFSC,
Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina. 1984. p. 120. 55AS foras militares no permitem o golpe. Jornal Tribuna Criciumense, 08 de setembro de 1962. Disponvel
em: Arquivo Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC.
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29
tambm chama ateno: Brasil democrtico vencer essa crise56
. No decorrer da matria, o
jornalista afirma que:
Estes homens que a esto, desgovernando o Brasil, passaro. Mas o Brasil eterno
e h de superar essas crises pr fabricadas com as quais eles procuram esconder a
realidade e justificar solues anti-democrticas e anti-crists que pretendem impor
ao povo.57
No texto acima citado, pode-se notar como o jornal percebia o governo do ento
presidente Joo Goulart, antidemocrtico e anticristo, transparecendo a imagem de um
governo prestes a dar um golpe antidemocrtico, posteriormente impedido pela
revoluo. Ao publicar o artigo, exaltando o entrevistado, conclui-se que o jornal
compartilhava de sua viso, nesse sentido, o artigo funciona como um aviso para que a
populao ficasse atenta as intenes do governo: antidemocrtico, anticristo e comunista.
Alem disso, aps o golpe militar, a imprensa de Cricima na figura do jornal Tribuna
Criciumense, inicia um perodo de apoio ao regime, apresentando uma srie de matrias que
apontam para os benefcios trazidos pelos militares. Ttulos, como por exemplo, A fortuna
do presidente deposto58
, Governo foi moderado nas cassaes59
, A Revoluo tem
compromisso com a grandeza da ptria60
, Bom para o Brasil, bom para Cricima61
, 1964:
j pgina da histria62
ou A Revoluo e a paz social63
.
Contando com essas reflexes, no prximo capitulo ser desenvolvido um panorama,
a partir de uma reviso bibliogrfica, de aspectos da ditadura no Brasil aps o golpe, pensando
a partir da perspectiva dos movimentos sociais e da represso. Alm do cenrio nacional,
sero analisados ngulos das resistncias em Cricima no momento posterior ao golpe, tendo
como principal fonte a memrias de dois militantes polticos.
56BRASIL democrtico vencer essa crise. Jornal Tribuna Criciumense, 20 27 de julho de 1963. Disponvel
em: Arquivo Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 57Ibidem. 58A fortuna do presidente deposto. Jornal Tribuna Criciumense, 27 04 de julho de 1964. Disponvel em:
Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 59GOVERNO foi moderado nas cassaes. Jornal Tribuna Criciumense, 27 04 de julho de 1964. Disponvel
em: Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 60A Revoluo tem compromisso com a grandeza da ptria. Jornal Tribuna Criciumense, 06 13 de junho de
1964. Disponvel em: Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 61BOM para o Brasil, bom para Cricima. Jornal Tribuna Criciumense, 09 16 de janeiro de 1965. Disponvel
em: Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 621964: j pagina da histria. Jornal Tribuna Criciumense, 09 16 de janeiro de 1965. Disponvel em:
Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC. 63A Revoluo e a paz social. Jornal Tribuna Criciumense, 21 26 de dezembro de 1964. Disponvel em:
Histrico Municipal Pedro Milanez, Cricima, SC.
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30
2. AS RESISTNCIAS POSTERIORES AO GOLPE
O golpe aconteceu de fato em 31 de maro de 1964, com o deslocamento de tropas
militares de Minas Gerais para o Rio de Janeiro. As resistncias foram insuficientes para
cont-lo e o presidente se manteve inerte, segundo algumas verses, por ter conhecimento da
Operao Brother Sam, que consistia no apoio direto dos EUA por via martima aos golpistas.
A legitimao do golpe se deu apenas em 9 de abril de 1964, com a implantao do
Ato Institucional 1 (AI-1). O AI-1 reforava o Poder Executivo, cargo ocupado pelo Marechal
Humberto Castello Branco, dando incio a cassao de inmeros parlamentares
democraticamente eleitos e a suspenso de seus direitos polticos por dez anos. Apesar de
mais discreto que atos institucionais posteriores, o AI-1 deixa clara a ideia de reconstruo
nacional e de restaurao da ordem. Tudo isso a ser feito pelos comandos militares64
.
Estavam inauguradas a ditadura militar e suas diversas formas de represso.
Os Atos Institucionais serviram para legitimar uma ditadura que era inconstitucional.
O AI-1, o primeiro de um total de dezessete, demonstrava que inicialmente a inteno dos
militares, ou pelo menos uma parte deles, era tomar o poder, organizar a casa e sair de cena,
como j havia acontecido em outros momentos da histria, a exemplo da prpria proclamao
da Repblica. No entanto, o prazo do primeiro Ato Institucional expirou e outros foram
criados para substitu-lo e auxili-lo, demonstrando que a ideia inicial de devolver o poder a
sociedade civil em um regime democrtico estava longe de tornar-se realidade.
Alm disso, o AI-1 deixava transparecer uma preocupao da ditadura existente em
seus primeiros anos, demonstrando uma tentativa de parecer um regime constitucional, no
uma ditadura a revelia da Constituio. A ditadura era em seus primeiros anos, uma ditadura
mascarada. Havia em meio aos militares uma tenso entre a chamada linha dura e os
castelistas, inicialmente os castelistas estiveram no controle do Estado, na figura de
Castelo Branco, mas era preciso controlar as tenses que ainda existiam e a sucesso de
Castelo Branco, em 1967, abriu as portas para a linha dura. No entanto, tanto nos anos mais
brandos da ditadura, como na linha dura, a represso era a principal ferramenta que o Estado
utilizava para governar. Como analisa Elio Gaspari:
Durante os 21 anos de durao do ciclo militar, sucederam-se perodos de maior ou
menor racionalidade no trato das questes polticas. Foram duas dcadas de avanos e recuos, ou, como se dizia na poca, aberturas e endurecimentos. De 1964 a
1967 o presidente Castello Branco procurou exercer uma ditadura temporria. De
64TORRES, op. cit., p.39.
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31
1967 a 1968 o marechal Costa e Silva tentou governar dentro de um sistema
constitucional, e de 1968 a 1974 o pas esteve sob um regime escancaradamente
ditatorial. De 1974 a 1979, debaixo da mesma ditadura, dela comeou-se a sair. Em
todas essas fases o melhor termmetro da situao do pas foi a medida da prtica da
tortura pelo Estado. Como no primeiro dia da Criao, quando se tratava de separar
a luz das trevas, podia-se aferir a profundidade da ditadura pela sistemtica com que
se torturavam seus dissidentes.65
importante lembrar que a ditadura prendeu arbitrariamente e torturou desde o
primeiro momento, e no somente depois de 196866
. No entanto, de todos os momentos
decorridos da ditadura, o ano de 1968 representou um perodo de grande importncia,
especialmente por sua carga de violncia.
Segundo Mateus Gamba Torres, o movimento estudantil brasileiro no ano de 1968
associou-se a um combate mais organizado do regime, com protestos mais radicais67
. Alm
do quadro geral, onde a arbitrariedade do regime intervinha desmedidamente nas
universidades, com deposies e indicaes nas reitorias, demisses e punies de professores
e a proibio de discusses consideradas subversivas. Pode-se entender que, um dos fatores
que contribuiu para o fortalecimento dessa organizao foi a morte do estudante Edson Luis
decorrente de um enfrentamento entre a Polcia Militar e estudantes, em 28 de maro de 1968.
Os policiais invadiram o restaurante alegando que se tratava de um covil de
agitadores e estudantes profissionais quando, na realidade, era apenas um refgio de pessoas
que no tinham onde comer68
. Armados com pedras, os estudantes foram parados pelas balas
da policia. Edson Luis tornou-se um mrtir porque concentrou a indignao da populao,
ele haveria de se tornar encruzilhada de todas as raivas69
, mais especificamente, levou as
ruas as insatisfaes guardadas desde 1964:
Havia quatro anos a poltica brasileira estava torta, deformada pela ditadura e pelas
conseqentes presses que eram exercidas direita e esquerda pelas dissidncias
do regime e da oposio. A partir da morte de Edson Luis, a contrariedade foi para a
rua.70
A partir da morte do estudante Edson Luis sucederam-se agitaes em todo o Rio de
Janeiro, estendendo-se pelo restante do Brasil. O enterro do estudante mobilizou um grande
65GASPARI, Elio. Ditadura envergonhada. So Paulo: Companhia das Letras, 2002a. p. 129. 66FICCO, Carlos. Espionagem, polcia poltica, censura e propaganda: os pilares bsicos da represso. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves.O tempo da ditadura: regime militar e movimentos
sociais em fins do sculo XX. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. p. 169. 67 TORRES, op. cit., p.93 68
GASPARI, (2002a) op. cit., p. 277. 69Ibidem. p. 278. 70Ibidem. p. 278.
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numero de pessoas, sensibilizadas com o fato que trazia luz as barbries cometidas pela
ditadura, como afirma Zuenir Ventura:
Em 68, a morte de algum, mesmo a de um jovem desconhecido, podia levar o pas
a uma crise e o povo indignao, como levou naquela sexta feira, 29, em que 50
mil pessoas acompanharam o corpo de Edson Lus Lima Souto ao Cemitrio So
Joo Batista.71
O governo respondeu violentamente s manifestaes, a ponto de atacar na porta da
Igreja Catlica as pessoas que saam da missa de stimo dia de Edson Luis, causando ainda
mais indignao, fazendo com que aqueles que se haviam ofendido com o assassinato e se
fizeram respeitar no enterro foram humilhados na sada da missa72
.
A represso e a excessiva violncia empreendidas contra todas as agitaes e na
missa de stimo dia de Edson Lus, no foram suficientes para conter, naquele momento, o
movimento estudantil. Ao contrrio, serviram para dar mais visibilidade e apoio esquerda
pacfica. O ponto alto das manifestaes foi a Passeata dos Cem Mil, que tomou
significativamente as ruas do Rio de Janeiro, contando com apoio de alguns segmentos da
Igreja Catlica, polticos que outrora apoiaram a ditadura, artistas e no apenas estudantes
pobres e desconhecidos, mas a classe mdia, como descreve Elio Gaspari:
Havia nela a ala dos artistas, o bloco dos padres (150), a linha dos deputados. AIa
abenoada pelo cardeal do Rio de Janeiro, o arquiconservador d. Jaime Cmara, que
em abril de 1964 benzera a Marcha da Vitria. Muitas pessoas andavam de mos
dadas. Todo o Rio de Janeiro parecia estar na avenida. [...] Personagens sados da
crnica social misturavam-se com estudantes sados do DOPS.73
Havia um crescimento no apenas nas atividades do movimento estudantil, mas em
diversos movimentos sociais:
No movimento operrio a agitao comeou com uma greve dos metalrgicos em
Osasco, em meados do ano de 1968, a primeira greve operria desde o inicio do
regime militar. Tudo isso sinalizou aos linha dura que medidas mais enrgicas
deveriam ser tomadas para controlar as manifestaes de descontentamento de
qualquer ordem.74
Nesse contexto, a esquerda dividia-se: de um lado, estavam aqueles que sob a
influncia do Partido Comunista e de uma liderana de intelectuais esquerdistas procurava-se
71VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que no terminou. So Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008. p. 93. 72
GASPARI, (2002a) op. cit., p. 283. 73Ibidem, p. 296. 74TORRES, op. cit., p.93.
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manter a legalidade da mobilizao75
e um outro lado, onde no corao da esquerda, velhas
dissidncias e novas lideranas mostravam-se dispostas a brigar com a polcia76
, partindo
para a luta armada.
Alm disso, para reprimir os movimentos sociais que comeavam a se fazer
perceber, o governo brasileiro instaurou o Ato Institucional nmero 5, que impedia qualquer
possibilidade de atuao dos movimentos sociais, s restava o enfrentamento armado77
.
Com o AI-5, a ditadura se despiu de qualquer mscara de legalidade ou democracia e
demonstrou suas reais intenes, novamente o ditador passou a ter poderes ilimitados,
restabeleciam-se as demisses sumrias, cassaes de mandatos, suspenses de direitos
polticos [...] um artigo permitia que se proibisse ao cidado o exerccio de sua profisso.
Outro patrocinava o confisco de bens78
. O regime passou a se apresentar no mais como
temporrio, o AI-5 ao contrrio dos atos anteriores, no tinha prazo de vigncia79
. Eram os
Anos de Chumbo:
Escancarada, a ditadura firmou-se. A tortura foi o seu instrumento extremo de
coero e o extermnio, o ltimo recurso da represso poltica que o Ato
Institucional n 5 libertou das amarras da legalidade. A ditadura envergonhada foi
substituda por um regime a um s tempo anrquico nos quartis e violento nas prises. Foram os Anos de Chumbo.80
importante ressaltar, que a opo pela luta armada anterior a esse momento, j
em 1962 encontrava-se nas discusses do Partido Comunista. Segundo Denise Rollemberg,
No Brasil em 1962, havia ocorrido uma ciso no PCB, resultando na formao do
PC do B. Nas origens do conflito, o abandono do enfrentamento violento, as crticas
ao stalinismo e a defesa da luta armada.81
Houve tambm, uma tentativa comandada por Leonel Brizola, que se encontrava
exilado no Uruguai, de criar guerrilhas rurais para resistir ao Golpe. Contando com amplo
apoio Cubano e das Ligas Camponesas que existiam no Brasil antes de 1964 e principalmente
composto por ex-militares se consolidava o Movimento Nacionalista Rural, o MNR.
Baseando na teoria do foco guerrilheiro, suas aes:
75GASPARI, (2002a) op. cit., p. 282. 76Ibidem, p. 283. 77ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionrias e luta armada. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves.O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do sculo XX. Rio
de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. p. 48. 78 GASPARI, (2002a) op. cit., p. 340. 79
FAUSTO, op. cit. p. 265. 80GASPARI, Elio. Ditadura escancarada. So Paulo: Companhia das Letras, 2002b. p. 12. 81ROLLEMBERG, op. cit., p. 65.
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ensaiaram a implantao de cinco focos, com destaque para o de Capara, no
Esprito Santo. Isolados, a populao local ganhou a presena inexplicvel daqueles 14 homens na serra, denunciando-os para a polcia militar do estado. Em abril de
1967, sem que houvesse enfrentamento, a tentativa de foco tornou-se pblica e seus
integrantes foram presos. A partir da, Brizola desmobilizou o que seriam os outros
focos do MNR.82
Um fator importante na dissidncia da esquerda brasileira foi a grande divergncia de
idias, existiam inmeros grupos adeptos de diferentes correntes revolucionrias. Em 1968, o
que houve foi um fortalecimento da opo pela luta armada. A luta armada deve ser
compreendida alm de uma forma de resistncia ao golpe, pois a esquerda revolucionria
brasileira, de modo geral, se constituiu dentro de uma conjuntura que colocava a democracia
como um modelo burgus de governo, as tradies e a cultura poltica no haviam sido
gestadas segundo referncias democrticas83
.
A esquerda armada lutava pela derrubada de um sistema, fortemente influenciada por
tradies marxistas, defendia a implantao do socialismo atravs da revoluo e a derrubada
da classe burguesa e seu modelo desigual e dependente. Nesse sentido, a democracia existente
no Brasil no era vista como um modelo democrtico de fato, mas sim voltada a um seleto
grupo, negligenciando a maioria. Portanto, a democracia burguesa, liberal, era parte de um
sistema que se queria derrubar. Aps a revoluo, o socialismo seria o caminho para se chegar
verdadeira democracia, da maioria, do proletariado84
.
Ou seja: O sentido essencial da luta armada no estava na resistncia ditadura
militar; Era anterior a ela: tratava-se, antes de um projeto poltico de combate a ordem poltica
e econmica vigente antes de 1964.85
Devido ao caminho tomado pela esquerda revolucionria com base no pensamento
marxista, surgiu uma srie de organizaes que durante todo o perodo em que atuaram, o
fizeram na clandestinidade. Apareceram no cenrio nacional, grupos de resistncia armada de
ao principalmente na urbana, como a Ao Libertadora Nacional (ALN), a Ao Popular
(AP), a Vanguarda Popular Revolucionria (VPR) e o Movimento Revolucionrio 8 de
Outubro (MR-8), entre outros.
Todos esses grupos praticavam aes apontadas pelo Estado como terrorismo, ao
mesmo tempo em que o Estado praticava prises no comunicadas, seqestros, torturas,
82ROLLEMBERG, op. cit., p. 60. 83
Ibidem, p. 47. 84Ibidem, p. 48. 85Ibidem, p. 54.
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invases, etc. No entanto, o terrorismo dos grupos revolucionrios era encarado, em seu
interior como uma forma de resistncia e sobrevivncia em meio represso, alm de um
instrumento para a derrubada do regime, as aes nas cidades visavam desapropriao,
segundo o vocabulrio e as concepes das organizaes, de dinheiro e armas para preparar a
guerrilha rural e como meio de propaganda da luta86
. De modo que, devido ao Brasil ser
um pas de maioria agrria, para a grande parte desses grupos revolucionrios, havia uma
valorizao da guerrilha rural e as aes urbanas eram apenas meios de viabiliz-las.
Alm da prtica de desapropriao, era comum o justiamento, que consistia na
execuo de pessoas que representavam ou estavam ligadas ao Estado Militar e a represso.
Os seqestros ganharam destaque por ser uma forma de negociar com a Ditadura, uma
demonstrao de poder, que servia principalmente para libertar presos polticos e tornar
pblica a existncia da luta armada e dos presos polticos brasileiros. Pode-se dizer que os
seqestros eram uma forma simblica de derrotar o regime, pois:
A ousadia destas aes invertia ou aparentemente invertia a correlao de foras
entre represso e guerrilha, criando a iluso de que alguns guerrilheiros podiam
vencer os que estavam no poder e as suas potncias capitalistas, simbolizadas por
seus diplomatas.87
No entanto, o sucesso das aes armadas elevou o moral dos guerrilheiros e dos
dirigentes da luta armada, dando-lhes a sensao de possuir mais poder do que realmente
possuam. Os grupos de guerrilha urbana ainda no estavam prontos para conduzir a situao
que se seguiu a seus grandes feitos, pois com o crescimento das aes de luta armada tambm
cresceu a represso do Estado aos grupos que as empreenderam e a todos aqueles que
poderiam estar envolvidos, de modo que, a esquerda armada acabou sofrendo com a perda de
inmeros militantes, diminuindo o seu contingente que mesmo anteriormente j no era
extraordinariamente elevado. Desse modo,
As aes espetaculares davam esquerda armada uma iluso acerca das suas reais
condies no enfrentamento. Ao xito dos seqestros, seguiu-se uma represso
brutal s organizaes, desencadeando inmeras prises e morte de militantes.88
Aps o sucesso em uma srie de aes, o elemento surpresa com o qual contavam as
organizaes de luta armada comeou a desaparecer. Tornando-se conhecidos da represso, os
militantes da esquerda armada passaram a enfrentar as armadilhas que a represso impunha,
86
Ibidem, p. 67. 87Ibidem, p. 68. 88Ibidem, p. 69.
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tendo de prever e encarar a represso que j esperava por suas aes. Uma das consequncias
imediatas foi a diminuio do nmero de militantes, que bem verdade nunca foi altamente
significativo. O quadro comeava a mudar para os grupos da esquerda armada, como afirma
Elio Gaspari
Ao longo de 1969 as organizaes esquerdistas brasileiras que se lanaram em atos
terroristas foram submetidas ao primeiro grande teste que a existncia lhes reservava. Na infncia de sua formao, qualquer grupo revolucionrio beneficia-se
da falta de informaes da polcia, da capacidade de surpreender seus alvos e do
apoio de uma rede de militantes cuja fidelidade proporcional segurana que lhe
faculta a mstica de segredo da organizao. uma fase de esplendor, na qual o
romantismo dos primeiros tiros se confunde com a sensao de onipotncia
oferecida pela perplexidade do inimigo. Parece ser a prova factual da clarividncia
da opo poltica. Na fase seguinte, quando o governo consegue prender
combatentes, prevenir aes e intimidar o grande crculo da militncia desarmada,
d-se um teste de madureza para o grupo. Alguns no vivem alm dele, como o
Colina e o MR-8. Quase todos os outros, mesmo sobrevivendo, j no se organizam
como a revoluo precisa, mas como a represso condiciona, produzindo uma rotina de gato-e-rato.89
Ainda que a intensificao da represso ter contribudo para o silenciamento da
esquerda armada importante acrescentar, que sua derrota no foi decorrente apenas desse
fato, uma vez que, as vanguardas armadas forjaram-se isoladas, dissociadas das grandes
massas e do apoio popular, ou seja, a luta armada foi derrotada, uma vez que no houve uma
relao de identidade entre o seu projeto e os movimentos sociais90
.
Apesar disso, as aes de luta armada no cessaram ao final de 1968 com o AI-5, ao
contrrio, 1969 foi o ano de seus grandes feitos, como por exemplo, o seqestro do
embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. As atuaes da resistncia armada
somente diminuram consideravelmente no final de 1973, com o fim da Guerrilha do
Araguaia.
Em geral, o ano de 1968 deve ser compreendido em todo em seu visvel significado,
pela luta armada, que apesar de ser anterior, ganhou fora por ser a nica alternativa de
resistncia aps o AI-5. O AI-5 que por sua vez, desmascarou a ditadura dita democrtica, foi
considerado necessrio para conter os movimentos estudantis e seus mrtires; os movimentos
artsticos e suas produes que contagiavam os jovens; e todos os movimentos sociais que
tomavam as ruas pelas mais variadas razes. A violncia, as prises, os seqestros e as
torturas no comearam aps 1968, mas ali se institucionalizaram. O ano 1968 foi a resposta
das resistncias, violenta ou no, a violncia de Estado existente no Brasil desde o incio do
89
GASPARI, (2002b) op. cit., p. 57 90ROLLEMBERG, op. cit., p. 52.
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golpe.
2.1. AS RESISTNCIAS NA CIDADE DE CRICIMA
O golpe civil militar de 1964 repercutiu em todo o Brasil e na cidade de Cricima
no foi diferente. Houve aqui tambm resistncia do movimento estudantil e sindical, de
modo que at mesmo alguns reflexos da luta armada chegaram cidade. Para o presidente do
Sindicato dos Mineiros de Cricima, Jorge Feliciano, Cricima foi a cidade que resistiu ao
golpe at a ltima hora91
.
Com a deflagrao do golpe civil militar, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT)
decretou greve geral em todo o pas. O Sindicato dos Mineiros de Cricima acatou as ordens
da CGT, alm disso, apesar da censura aos meios de comunicao, em Cricima a Rdio
Difusora continuava funcionando ativamente, servindo como um instrumento de resistncia
da classe operria. Segundo entrevista concedida pelo senhor Ciro Pacheco,
No golpe de 64, o Sindicato de Cricima era um sindicato atuante. Isso conhecido a
nvel de Brasil. Inclusive, era considerado pelo militares, Cricima era uma Cuba,
era um regime de Fidel Castro, que no tinha nada disso, [sic]. Ento deram o golpe
e ns fizemos a greve geral... Quando se deu o golpe ns paramos. Enquanto o
Sindicato tinha voz ainda, a Rdio Difusora tava no ar, ns paramos. Ficou tudo
parado.92
Ciro Pacheco afirma que, no momento em que foi deflagrado o golpe, a Rdio
Difusora estava no ar convocando os trabalhadores para a greve geral. Como uma forma de
prevenir represso, ele e um companheiro, com o jipe do Sindicato foram em direo a
Tubaro averiguar a proximidade em que os militares estavam. Ciro afirma ainda, que para os
militares, os membros da direo do sindicato estavam aguardando armados pela chegada dos
militares cidade:
Difusora no ar. Convocando os trabalhadores [sic]. E ai a coisa fechou mesmo, eu
no era muito de poltica, eu estava na base. A eu peguei, eu e um primo, Vamos
Jorge?. Fomos a Jaguaruna ver se o Ernesto tava vindo, que era pra proteger os
companheiros. Que a gente no sabia [sic]. A chegamos em Jaguaruna, eles estavam
vindo, ns voltamos, o jipe quebrou na viagem, pegamos uma carona e viemos
embora. E a, tudo bem, entraram. Pra ele, ns estvamos todos armados dentro da
chapa. Viemos embora, cada um pra sua casa e a foi todo aquele barulho, da
revoluo, do golpe n.93
91FELICIANO, Jorge Joo. Entrevista concedida Janete Tichs. Em 20 de outubro de 1992, p. 2. 92
PACHECO, Ciro Manoel. Entrevista concedida Marli de Oliveira Costa. Balnerio Rinco, SC. Em 22 de
setembro de 2012, p. 11. 93Ibidem, p. 11.
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De acordo com a entrevista do sindicalista Jorge Feliciano, concedida a Terezinha
Gascho Volpato, alm do Sindicato, os mineiros que ouviram pela Rdio tambm aderiram a
greve. Segundo narra Jorge Feliciano:
O Sindicato dos Mineiros de Cricima acatou a palavra de ordem da CGT. Pela
manh do dia 1 de abril, quando o sindicato foi as empresas mineiras, a fim de fazer parar o trabalho, algumas delas cujo os operrios ouviram pela rdio a palavra de
ordem da CGT, j estavam paradas.94
Nota-se em todos os depoimentos, o valor dado rdio, sendo esta a Rdio
Difusora. Em entrevista, Ciro Pacheco afirma que a Rdio Difusora era uma rdio considerada
a rdio dos trabalhadores. A Rdio Eldorado era considerada a rdio dos patres, que de fato
era95. Segundo Rodrigo Garcia da Rosa, a Rdio Difusora foi criada como um veculo de
comunicao voltado ao operariado, uma alternativa a Radio Eldorado, que representava os
interesses elitistas dos mineradores da regio e transmitia isso em sua programao. Para
Rosa,
Na dcada de 1960, o municpio passou a possuir uma outra rdio que servia como
um elo de ligao entre os trabalhadores e a defesa de seus interesses. A rdio em
questo era Rdio Difusora de Cricima, que pertencia ao Deputado Federal Doutel
de Andrade do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).96
Durante o golpe, a Rdio Difusora no s estava no ar, mas serviu como um
mecanismo de resistncia. No caso do movimento estudantil em Cricima, segundo Ana
Maria Bristot em entrevista concedida Marli Paulina Vitali, na chegada da Revoluo
Cricima, um grupo de estudantes preparou uma recepo memorvel aos militares, que
chegavam de trem e eram recebidos com uma chuva de ovos lanados de cima do prdio da
Rdio Difusora. De acordo com os relatos de Ana Maria Bristot:
Quando os militares entraram em Cricima, eu fiquei em cima do prdio da Rdio
Difusora, que estava instalada ao lado da Igreja Matriz de So Jos. Ali tem at hoje
a Galeria Benjamin Bristot. No primeiro andar funcionava a Rdio Difusora.
Quando eclodiu a revoluo, que veio de Florianpolis, depois Tubaro, depois
Cricima, eu via os milicos saltando dos trens. Ns fizemos uma espcie de
94FELICIANO apud VOLPATO, Terezinha Gascho. A pirita humana: os mineiros de Cricima. Florianpolis: Ed. UFSC, Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina. 1984, p. 120. 95
PACHECO, op. cit., p. 22. 96ROSA, Rodrigo Garcia da. A mais popular: histria da Rdio Difusora de Cricima 1962-1977.50f.
Monografia (Ps-Graduao em Histria) Universidade do Extremo Sul Catarinense. Cricima, p. 16.
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barricada l na Rdio Difusora. Cada um levou um monte de ovos e jogvamos nos
milicos.97
Enquanto a Rdio Difusora se posicionava em favor dos operrios, havia a Rdio
Eldorado em defesa dos interesses patronais. As duas Rdios disputavam alm da audincia,
espaos polticos. A Rdio Eldorado pertencia ao minerador udenista Diomcio Freitas98
,
segundo Rodrigo Garcia da Rasa, este veculo de comunicao se apresentou para a cidade
de Cricima como uma emissora elitista, atrelada aos interesses dos mineradores99
.
Em entrevista, ao narrar a greve geral que se seguiu ao golpe, Jorge Feliciano afirma
que quando chegou a notcia do golpe, aglomeraram-se no centro da cidade somente entre
mineiros ativos e aposentados cerca de seis mil pessoas. Contando com o apoio da Rdio
Difusora, o Sindicato seguia articulando a greve. Um dos objetivos da greve era resistir ao
golpe na cidade, mantendo os movimentos sociais vivos e os militares afastados, para
aguardar o apoio de Leonel Brizola e dos exrcitos vindos de Porto Alegre. De acordo com
Jorge Feliciano, a greve foi comandada da Rdio Difusora que havia sido tomada por
trabalhadores.
Tomamos conta da Rdio e ficamos comandando a greve da Rdio. A polcia pedia
pra ns no deixar fazer desordem. [...] A cidade estava sob nosso controle. A
polcia achava que ns tnhamos armas, mas ns no tnhamos. que na assemblia
eu havia dito que ns tnhamos armas. E a foi um deus nos acuda porque todo mundo queria arma. Eu dizia que no estava na hora. Foi uma obra pra segurar o
pessoal. Eu disse que tnhamos armas porque se a polcia descobrisse que ns no
tnhamos e dentro da assemblia sempre tinha um policial infiltrado ela invadia o
sindicato. Dez policiais nos colocariam correr. Tive que blefar, fui obrigado. Para
manter o movimento de p. Nossa esperana era que o exercito de Porto Alegre
chegasse, repetindo o episdio de 1961. Por isso aguardvamos, por isso resistimos,
os trabalhadores ficavam no sindicato, em frente a Rdio Difusora, na praa.100
Nem a polcia nem o Exrcito invadiram a cidade e acabaram com a manifestao,
pois acreditavam que era uma manifestao armada e que os militantes polticos possuam
ligaes com o presidente Joo Goulart. Isso configura mais um elemento que aponta para o
quanto a cidade de Cricima era reconhecida no que diz respeito a resistncia, indicando que
as pessoas envolvidas no movimento se disponham a resistir at as ltimas consequncias,
97BRISTOT Apud VITALI, Marli Paulina. Unio dos estudantes secundrios de cricima (UESC): entre o
conservadorismo e a resistncia. 154f. Dissertao (Mestrado em educao Universidade do Extremo Sul
Catarinense. Cricima, p. 122. 98 Diomicio de Freitas foi um importante poltico da direita criciumense filiado a Aliana Liberal, foi um dos membros fundadores da UDN em Cricima e durante o regime militar atuou pela ARENA, um grande
empresrio e dono de um significativo nmero de minas de carvo na regio sul catarinense. 99ROSA, op. cit., p. 16. 100FELICIANO, op. cit., p. 4.
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enfrentando o regime e seu exrcito.
Jorge Feliciano afirma que Cricima esperava que o exrcito de Porto Alegre
repetisse o feito da campanha da legalidade que havia acontecido anos antes, logo aps a
renncia de Jnio Quadros, quando os exrcitos de Porto Alegre fizeram trincheira entre
Cricima e Iara. Segundo Jorge Feliciano:
O exrcito de Tubaro se deslocou at Jaguaruna. De l, eles mandavam emissrios,
pedindo que fechssemos a Rdio. Ns devolvamos pedindo que eles viessem
fechar. Eles no vinham porque achavam que ns estvamos armados. A greve, s
de mineiro, que com aposentado juntava perto de seis mil pessoas na Praa.
Ficamos nessa at dia 02 de abril. Man
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