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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE HISTOacuteRIA ndash LICENCIATURA E BACHARELADO
HEacuteROM SILVA DE CEZARO
OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE
UMA PERSPECTIVA ETNOHISTOacuteRICA E HISTOacuteRICA
Criciuacutema
2013
HEacuteROM SILVA DE CEZARO
OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE
UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA
Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para
obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria
ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do
Extremo Sul Catarinense UNESC
Orientador(a)Prof Me Juliano Bitencourt Campos
Orientador(a)Prof Me Marcos C Pereira Santos
Criciuacutema
2013
HEacuteROM SILVA DE CEZARO
OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE
UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA
Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para
obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria
ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do
Extremo Sul Catarinense UNESC com Linha de
Pesquisa em Histoacuteria Local e Regional
Criciuacutema 27 de novembro de 20013
BANCA EXAMINADORA
Prof Juliano Bitencourt Campos - Mestre - (UNESC) - Orientador
Prof Marlon Borges Pestana - Mestre - (UNISINOS)
Prof Tiago da Silva Coelho - Mestre - (UNESC)
Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a
minha Tety que entenderam as minhas loucuras e
angustias nesse processo de aprendizagem
AGRADECIMENTOS
Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha
vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu
Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha
vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles
sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que
me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao
meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e
natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente
em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas
afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui
compreensiva e atenciosa
Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de
alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos
Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego
D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G
Marcelina Jessica R e Breno S Cruz
Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos
primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente
em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu
tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu
trabalho e pesquisa
Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar
Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que
me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos
bons momentos de descontraccedilatildeo
ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam
de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente
suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm
um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real
vale dizer sua forma de contribuir para a
harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de
sua cultura eacute criar belezardquo
(RIBEIRO Darcy 1999160)
RESUMO
O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma
o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do
extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade
existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos
representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta
problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial
teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas
afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o
dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo
Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em
contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas
pertencentes ao Macro Jecirc
Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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46
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RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
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_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
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_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
HEacuteROM SILVA DE CEZARO
OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE
UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA
Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para
obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria
ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do
Extremo Sul Catarinense UNESC
Orientador(a)Prof Me Juliano Bitencourt Campos
Orientador(a)Prof Me Marcos C Pereira Santos
Criciuacutema
2013
HEacuteROM SILVA DE CEZARO
OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE
UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA
Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para
obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria
ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do
Extremo Sul Catarinense UNESC com Linha de
Pesquisa em Histoacuteria Local e Regional
Criciuacutema 27 de novembro de 20013
BANCA EXAMINADORA
Prof Juliano Bitencourt Campos - Mestre - (UNESC) - Orientador
Prof Marlon Borges Pestana - Mestre - (UNISINOS)
Prof Tiago da Silva Coelho - Mestre - (UNESC)
Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a
minha Tety que entenderam as minhas loucuras e
angustias nesse processo de aprendizagem
AGRADECIMENTOS
Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha
vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu
Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha
vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles
sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que
me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao
meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e
natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente
em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas
afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui
compreensiva e atenciosa
Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de
alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos
Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego
D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G
Marcelina Jessica R e Breno S Cruz
Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos
primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente
em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu
tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu
trabalho e pesquisa
Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar
Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que
me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos
bons momentos de descontraccedilatildeo
ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam
de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente
suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm
um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real
vale dizer sua forma de contribuir para a
harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de
sua cultura eacute criar belezardquo
(RIBEIRO Darcy 1999160)
RESUMO
O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma
o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do
extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade
existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos
representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta
problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial
teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas
afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o
dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo
Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em
contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas
pertencentes ao Macro Jecirc
Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
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SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
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Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
HEacuteROM SILVA DE CEZARO
OS GRAFISMOS INDIGENAS DO POVO JEcirc DO EXTREMO SUL CATARINENSE
UMA PERSPECTIVA ETNOHISTORICA E HISTOacuteRICA
Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para
obtenccedilatildeo do grau de Historiador no curso de Histoacuteria
ndash Licenciatura e Bacharelado da Universidade do
Extremo Sul Catarinense UNESC com Linha de
Pesquisa em Histoacuteria Local e Regional
Criciuacutema 27 de novembro de 20013
BANCA EXAMINADORA
Prof Juliano Bitencourt Campos - Mestre - (UNESC) - Orientador
Prof Marlon Borges Pestana - Mestre - (UNISINOS)
Prof Tiago da Silva Coelho - Mestre - (UNESC)
Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a
minha Tety que entenderam as minhas loucuras e
angustias nesse processo de aprendizagem
AGRADECIMENTOS
Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha
vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu
Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha
vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles
sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que
me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao
meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e
natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente
em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas
afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui
compreensiva e atenciosa
Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de
alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos
Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego
D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G
Marcelina Jessica R e Breno S Cruz
Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos
primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente
em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu
tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu
trabalho e pesquisa
Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar
Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que
me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos
bons momentos de descontraccedilatildeo
ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam
de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente
suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm
um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real
vale dizer sua forma de contribuir para a
harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de
sua cultura eacute criar belezardquo
(RIBEIRO Darcy 1999160)
RESUMO
O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma
o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do
extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade
existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos
representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta
problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial
teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas
afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o
dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo
Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em
contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas
pertencentes ao Macro Jecirc
Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
Agradeccedilo a todos os meus amigos familiares e a
minha Tety que entenderam as minhas loucuras e
angustias nesse processo de aprendizagem
AGRADECIMENTOS
Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha
vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu
Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha
vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles
sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que
me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao
meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e
natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente
em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas
afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui
compreensiva e atenciosa
Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de
alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos
Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego
D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G
Marcelina Jessica R e Breno S Cruz
Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos
primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente
em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu
tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu
trabalho e pesquisa
Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar
Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que
me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos
bons momentos de descontraccedilatildeo
ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam
de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente
suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm
um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real
vale dizer sua forma de contribuir para a
harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de
sua cultura eacute criar belezardquo
(RIBEIRO Darcy 1999160)
RESUMO
O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma
o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do
extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade
existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos
representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta
problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial
teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas
afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o
dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo
Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em
contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas
pertencentes ao Macro Jecirc
Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
AGRADECIMENTOS
Primeiramente devo agradecer aqui as duas pessoas mais importante de minha
vida e que fizeram de mim o homem que sou minha matildee Carla Renata Silva de Cezaro e meu
Pai Mauro de Cezaro que me apoiaram em todos os momentos e escolhas difiacuteceis da minha
vida e ainda o fazem em seguida agradeccedilo meus Avos Joatildeo e Ivonete que da forma deles
sempre estiveram presentes ao meu lado me apoiando a minha Irma Jady Silva de Cezaro que
me aturou por muito tempo e por mais que brigaacutessemos ela sempre esteve junto a mim ao
meu mais novo irmatildeo o Joatildeo Pedro - tchuti de mamatildee que veio para alegrar nossas vidas e
natildeo menos importante a minha ldquonamoridardquo Istefany Oliveira Rodrigues que esteve presente
em todo o processo de formaccedilatildeo do meu trabalho e pode observar minhas angustias minhas
afliccedilotildees e por mais que eu estivesse estressado ou de mau humor ela sempre esteve aqui
compreensiva e atenciosa
Aos meus amigos e colegas de trabalho que estiveram presentes tambeacutem de
alguma forma no decorrer do meu trabalho e da minha vida Guilherme B Souza Josiel dos
Santos Richard V Ronconi Juliano G Costa Dioneacuteia M Cardoso Rafael C da Rosa Diego
D Pavei Mayla S Toi Alan Sezara Dionatan Guisso James W Menegini Francieli G
Marcelina Jessica R e Breno S Cruz
Agradeccedilo ao meu amigo e Orientador Professor Me Juliano Bitencourt Campos
primeiramente por ter me dado agrave oportunidade de crescer profissionalmente e cientificamente
em seguida pela compreensatildeo nos momentos difiacuteceis da pesquisa por ter disponibilizado seu
tempo e o Laboratoacuterio de Arqueologia do Ipat para que eu pudesse dar segmento ao meu
trabalho e pesquisa
Agradeccedilo tambeacutem ao meu coorientador e grande Amigo Me Marcos Cesar
Pereira dos Santos por ter aceitado a difiacutecil tarefa de me coorientar pelos momentos em que
me aturou nesse aacuterduo processo de aprendizado tanto cientificamente quanto pessoal e nos
bons momentos de descontraccedilatildeo
ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam
de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente
suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm
um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real
vale dizer sua forma de contribuir para a
harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de
sua cultura eacute criar belezardquo
(RIBEIRO Darcy 1999160)
RESUMO
O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma
o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do
extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade
existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos
representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta
problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial
teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas
afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o
dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo
Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em
contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas
pertencentes ao Macro Jecirc
Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
ldquoA verdadeira funccedilatildeo que os iacutendios esperam
de tudo que fazem eacute a beleza Incidentalmente
suas belas flechas e sua preciosa ceracircmica tecircm
um valor de utilidade Mas sua funccedilatildeo real
vale dizer sua forma de contribuir para a
harmonia da vida coletiva e para expressatildeo de
sua cultura eacute criar belezardquo
(RIBEIRO Darcy 1999160)
RESUMO
O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma
o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do
extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade
existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos
representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta
problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial
teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas
afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o
dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo
Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em
contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas
pertencentes ao Macro Jecirc
Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
RESUMO
O presente trabalho de conclusatildeo de curso tem como objetivo principal perceber de que forma
o mundo simboacutelico religioso dos grupos indiacutegenas pertencentes agrave matriz cultural Macro Jecirc do
extremo sul catarinense refletem-se na cultura material desses grupos Dentro da diversidade
existente na cultura material optamos pelos grafismos corporais pois acreditamos
representarem parte fundamental nas relaccedilotildees sociais e culturais humanas Com base nesta
problemaacutetica escolhemos trabalhar utilizando uma metodologia ancorada em um referencial
teoacuterico diversificado optando natildeo apenas pelos referenciais histoacutericos mas tambeacutem de aacutereas
afins como antropologia etno-histoacuteria arqueologia pois acreditamos serem necessaacuterios o
dialogo entre essas varias vertentes teoacutericas para uma maior compreensatildeo da questatildeo
Propomos aqui tambeacutem uma abordagem da arte que leve em conta a agencia dos materiais em
contato como o mundo imageacutetico (Sonhos Mundo dos Mortos) dos grupos indiacutegenas
pertencentes ao Macro Jecirc
Palavras-chave Xokleng Kaigang Mundo Simboacutelico Grafismos indiacutegenas
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO 9
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL 11
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 12
211 Os Mitos e os Ritos 15
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO 18
221 Mitos e Ritos 21
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA 24
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA 27
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS 30
41 OS GRAFISMOS XOKLENG 32
42 OS GRAFISMOS KAIGANG 33
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas 36
5 CONCLUSAtildeO 42
6 REFEREcircNCIAS 44
ANEXO 48
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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46
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SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
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47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
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2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
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ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
9
1 INTRODUCcedilAtildeO
Na presente pesquisa abordaremos os aspectos simboacutelicos referentes aos grupos
indiacutegenas pertencentes ao grupo eacutetnico Macro-Jecirc que povoaram a regiatildeo do extremo sul
catarinense Conhecidos como Xokleng e Kaigang esses povos deixaram marcas indeleacuteveis na
paisagem nessa perspectiva dividimos este Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC em trecircs
capiacutetulos cada um deles abordando uma temaacutetica relacionada ao objetivo principal
No primeiro capitulo um breve histoacuterico do povo Jecirc Meridional localizado no
territoacuterio do extremo Sul Catarinense Conhecidos historicamente como Xokleng e Kaigang
onde seratildeo abordadas algumas questotildees da ocupaccedilatildeo e da cultura desses grupos eacutetnicos
A origem da populaccedilatildeo (Xokleng e Kaigang) eacute atribuiacuteda pelo linguista Greg
Urban ao planalto Central brasileiro1 De acordo com Schimitz (2011) a partir do planalto
central eles teriam comeccedilado a se dispersar deslocando-se um grupo em direccedilatildeo o Sul haacute
cerca de trecircs mil anos
Falantes de liacutenguas distintas da famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos
culturalmente2 Na gradual ocupaccedilatildeo do territoacuterio diversificado ambientalmente os Kaigang
natildeo apenas se distinguiram e se separaram dos Xokleng mas formaram cinco dialetos
regionais os dois mais antigos estatildeo localizados no Rio Grande do Sul o terceiro em Santa
Catarina o quarto no Paranaacute e o mais recente em Satildeo Paulo3
[] ali foram desenvolvidas duas liacutenguas a mais antiga na parte oriental do
territoacuterio onde estatildeo os Xokleng a mais nova na parte central onde estatildeo os
Kaingang esta se teria diversificado em cinco dialetos regionais assim distribuiacutedos
os dois mais antigos no Rio Grande do Sul depois sucessivamente o de Santa
Catarina do Paranaacute e de Satildeo Paulo4
As relaccedilotildees linguiacutesticas existentes dentro do tronco linguiacutestico Jecirc colocam o
Kaigang no que segundo Noelli (2000) dentro do conjunto Akweacuten composto pelos povos
Xakribaacute Xavante e Xerente Estes grupos estatildeo localizados desde as terras mais altas do
Planalto Brasileiro tendo como divisores naturais agraves bacias do Satildeo Francisco Tocantins e
1URBAN 1992 apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense
Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 2NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia Debates e Perspectivas
1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269 dezfev 1999-2000 p 240 3WIESEMANN (1872) apud SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste
Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 365 p p 244 4SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian (Orgs) Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC
Argos 2011 365 p p185
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
10
Paranaacute os Xokleng por sua vez estatildeo locados dentro do conjunto linguiacutestico Kayapoacute
Timbira Kren-akarocircre e Suyaacute espalhados desde o Xingu Paranaacute Baixo Rio Tocantins
A organizaccedilatildeo social dos dois grupos manteacutem semelhanccedilas e padrotildees do grupo Jecirc
ldquocomo sistemas duais metades exocircgamicas e seccedilotildees hierarquicamente dispostas
uxorilocalidade bem como outros elementos poliacuteticosrdquo5
No segundo capitulo traremos como principal objetivo levantar as questotildees
teoacutericas envolvendo o mundo simboacutelico indiacutegena onde posteriormente buscaremos
correlacionar este mundo com a arte indiacutegena para isso tomaram-se como referenciais
teoacutericos principais as vertente teoacutericas o estruturalismo e etnografia aqui representadas por
Andreacute Leroi-Gourhan e Claude Leacutevi-Strauss
No terceiro capitulo traremos como principal objetivo realizar uma correlaccedilatildeo
entre o mundo simboacutelico6 (rituais e mitos) e a cultura material (grafismos) desses dois grupos
distintos para isso buscaremos com um olhar etno-arqueoloacutegico compreender os motivos
simboacutelicos dos grafismos Kaigang e Xokleng articulando as bibliografias etnograacuteficas etno-
histoacutericas arqueoloacutegicas em conjunto com uma abordagem filosoacutefica (Semioacutetica7) pois
acreditamos que por ldquoexistirem inuacutemeras coisas fora do alcance da compreensatildeo humana eacute
que frequentemente utilizamos termos simboacutelicos como representaccedilatildeo de conceitos que natildeo
podemos definir ou compreender integralmenterdquo 8 assim segundo Oliveira (2008) a Semioacutetica
estudaria todos os tipos possiacuteveis de accedilotildees dos Signos ou seja buscando a ldquovoltardquo ao Objeto
real
Quando estudamos arte rupestre buscamos uma ldquovoltardquo ao Objeto que soacute eacute
possiacutevel atraveacutes dos Signos que os representam e que permearam seu Mundo assim a
ldquocompreensatildeordquo atual dos grafismos soacute seraacute possiacutevel atraveacutes de analises comparativas dos
siacutembolos e signos dos grupos Indiacutegenas atuais
5NOELLI 1999-2000 op cit p 241
6Procuramos definir como siacutembolos os objetos materiais que em uma determinada sociedade por convenccedilatildeo
representa ou define uma realidade social ldquoO siacutembolo eacute importante porque ele permanece sobrevive dentro de
noacutes guarda seu significado Pelo siacutembolo se adquire um conhecimento que podemos chamar de indireto Neste
caso especiacutefico objetos que remetem agrave identidade eacutetnica e a histoacuteria do povo Xokleng e Kaigangrdquo (VIEIRA
2004 p 03) 7A Semioacutetica eacute uma teoria do conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-lo atraveacutes de signos pois um signo
sempre representa alguma coisa seu objeto Tudo pode ser representado atraveacutes de signos Charles Peirce (apud
LEFEBVRE sd) essa discussatildeo ocorrera no segundo capitulo 8 JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Editora Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo 2008 p21
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
11
2 O MACRO JEcirc NO SUL DO BRASIL
Para compreender quem foram os antigos habitantes do sul do Brasil precisamos
primeiramente voltar a um passado mais longiacutenquo a colonizaccedilatildeo europeacuteia do Brasil a um
passado preacute-histoacuterico onde talvez natildeo caiba diretamente ao historiador remontaacute-lo pois estes
povos natildeo deixaram documentos escritos - fonte primaria de estudo dos historiadores mas
sim atraveacutes de um trabalho em conjunto entre o historiador e o arqueoacutelogo que ldquousando os
restos que a populaccedilatildeo foi deixando em seu lento peregrinarrdquo9 possam reescrevecirc-la juntos
As pesquisas arqueoloacutegicas apontam para trecircs grandes levas de ocupaccedilatildeo da
regiatildeo sul do Brasil todas a partir de 12000 ou 13000AP essa dispersatildeo populacional
segundo algumas teorias teria se originado possivelmente da Amazocircnia uma das teorias mais
aceitas eacute a hipoacutetese de Lathrap (1970 1977) e Brochado (1984 Brochado e Lathrap 1982)
afirma que teria havido um grande crescimento demograacutefico na Amazocircnia devido ao suporte
dado pelo desenvolvimento da agricultura e de inovaccedilotildees tecnoloacutegicas associadas agrave
alimentaccedilatildeo tendo ocasionado sucessivas levas humanas para fora da regiatildeo amazocircnica10
Nessa perspectiva de evasatildeo populacional da Amazocircnia o Sul teria sido ocupado pelos
troncos linguiacutesticos Macro-Jecirc e Tupi por volta de 2500AP
A dispersatildeo geograacutefica do Macro Jecirc corresponde quase que coincidentemente em
todo o planalto Brasileiro dentro do troco linguiacutestico Macro Jecirc11
aparecem famiacutelias
linguiacutesticas diferenciadas do tronco Jecirc12
contudo apresentam algumas similaridades culturais
e materiais os Jecirc do sul tambeacutem conhecidos como Jecirc Meridionais apresentam duas liacutenguas
diferenciadas o Kaigang e o Xokleng
Os Jecirc Meridionais da matriz cultural Macro Jecirc falantes de liacutenguas distintas da
famiacutelia Jecirc constituem-se de dois povos distintos Culturalmente biologicamente e
linguisticamente no entanto contendo similaridades em sua cultura material e social
9SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011 p
244 10
NOELLI 1999 - 2000 op cit p228 11
A divisatildeo linguumliacutestica dos grupos indiacutegenas utilizada aqui eacute a mesma de Juacutelio Cesar Melatti (2007) na qual ldquoA
classificaccedilatildeo do tipo Geneacutetica (que nada tem haver com o ramo Bioloacutegico) consiste em reunir em uma soacute classe
as liacutenguas que tenham tido em comum a origem em uma liacutengua anterior Esta liacutengua anterior e reconstituiacuteda
pelos linguistas de maneira que de seus vocaacutebulos possam derivar por meio de leis foneacuteticas os vocaacutebulos das
liacutenguas atuais que constituem a referida classerdquo (MELATTI 2009 p 59) Exemplo o Macro Jecirc (tronco
linguiacutestico) Jecirc (famiacutelia) Kaigang e Xokleng (liacutengua) 12
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007p 66
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
12
21 OS XOKLENG ndash CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
Mais ao sul do Brasil nos estados de Santa Catarina e Paranaacute a floresta de mata
atlacircntica alcanccedila terrenos e clima diferenciado (subtropical) assumindo assim mudanccedilas que
traratildeo novas caracteriacutesticas como a predominacircncia da araucaacuteria Essa mata eacute o habitat de uma
outro grupo indiacutegena Kaigang os Botocudo ou Coroado de Santa Catarina conhecidos na
literatura etnoloacutegica como Xokleng ou Aweikoma13
[] pertencem ao tronco linguiacutestico Macro-Jecirc sendo caccediladores coletores
seminocircmades com uma organizaccedilatildeo social que se caracterizava pelo constante
fracionamento do grupo pela divisatildeo natural do trabalho e por um sistema religioso
centrado na figura dos espiacuteritos encantados dos mortos14
Os iacutendios Xokleng dominaram os territoacuterios que iam desde as florestas que
cobriam as encostas das montanhas os vales litoracircneos e as extremidades do planalto no Sul
do Brasil (Figura 1)
Figura 1 Mapa da Regiatildeo Sul ndash Adaptado de Santos (1973)
Fonte IPATUNESC
13
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009p126 14
MANIZER 1919 apud CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992p37
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
13
Este territoacuterio que os Xokleng ocupavam natildeo tinha uma delimitaccedilatildeo bem
formada pois as aacutereas que esse grupo frequentavam estavam ligadas diretamente ao seu
potencial para suprir suas necessidades alimentares15
dependendo de um sistema sazonal de
mobilidade
Por serem um grupo nocircmade e dependerem da caccedila e coleta os Xokleng eles se
subdividiam em grupos menores e exploravam largas aacutereas em busca de alimentos para a
sobrevivecircncia O grupo indiacutegena Xokleng era constituiacutedo por diversos grupos familiares
esses grupos tinham em meacutedia cerca de 50 a 300 indiviacuteduos16
Incursotildees de caccedila de coleta ou de reconhecimento deveriam ser feitas em aacutereas
relativamente grades [] A dependecircncia total da caccedila e da coleta obrigava aos
Xoklengs a dominar um enorme territoacuterio17
As relaccedilotildees que mantinham com os outros grupos tanto da mesma famiacutelia
etnoloacutegica quanto das outras etnologias eram sempre de disputas e hostilidades
A divisatildeo do trabalho na cultura Xokleng garantia a ordem dentro do grupo aos
homens cabia agrave tarefa da caccedila e da fabricaccedilatildeo de instrumentos necessaacuterios para o cotidiano do
grupo (arco flecha lanccedilas etc) as mulheres cabiam agraves atividades familiares
[] teciam com fibra de urtiga mantas que serviam de agasalho nas noites de
inverno cuidavam das crianccedilas faziam pequenas panelas de barro e cestos de
taquara para a guarda de alimentos limpavam animais e aves cuidavam do preparo
da comida colhiam estocavam e maceravam o pinhatildeo e com ele faziam um tipo de
farinha cozinhavam ou moqueavam peccedilas de carne dos animais e aves abatidos
preparavam bebidas fermentadas com mel e xaxim fabricavam as casas18
Na falta de homens por motivos de guerras e outros as mulheres tambeacutem
poderiam caccedilar contanto que fossem pequenos animais os instrumentos de caccedila eram
especiacuteficos para as mulheres19
Durante a eacutepoca da coleta do pinhatildeo tanto homens quanto as mulheres o faziam
Ao homem cabia retirar os frutos da araucaacuteria e elas as recolhiam e as armazenavam em
15
SANTOS Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1997 310 p p 15 16
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos Xoklengs
Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973 p 32 17
SANTOS 1973 op cit p33 18
SANTOS Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica Vol VII (2)
2003 p 431-448 p 434 19
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004 P112
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p
31
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
14
cestas para manter sua conservaccedilatildeo tinham no pinhatildeo uma das principais fontes de recursos
alimentares20
Como nocircmades eles dependiam das condiccedilotildees climaacuteticas como soluccedilatildeo a essa
dependecircncia eles perambulavam pelo territoacuterio em busca de condiccedilotildees climaacuteticas favoraacuteveis
em busca de melhores frutos e caccedilas quando a regiatildeo fornecia alimentaccedilatildeo suficiente21
construiacuteam um acampamento durante esse periacuteodo de coleta do pinhatildeo os acampamentos se
mantinham por mais tempo podendo permanecer instalados em um mesmo local por ateacute trecircs
meses
O nomadismo Xokleng consistia no deslocamento de duas ateacute oito famiacutelias para
diferentes partes do territoacuterio buscando assim intensificar a caccedila e a coleta tanto
vegetal como animal Estes pequenos bandos familiares podiam reunir-se a outros
no litoral para realizar ataques a colonos22
As construccedilotildees das casas eram sempre feitas as pressas pois seguindo a loacutegica do
nomadismo23
eles natildeo teriam tempo suficiente baseando-se num informante Xokleng Lavina
(1994) apud Entres (1929) fala que em cada local que eles escolhiam para pernoitar apoacutes o
dia de caminhada era montado um acampamento
Em locais ricos em caccedila o acampamento poderia ficar montado por vaacuterias semanas
No caso de acampamento mais estaacutevel como na ocasiatildeo das festividades de
perfuraccedilatildeo dos laacutebios das crianccedilas constituiacuteam-se tambeacutem mundeacuteus e estacas para a
defesa24
Este era teoricamente um serviccedilo feminino mas na expectativa da chuva
repentina homens e mulheres colaboravam na confecccedilatildeo Havia dois tipos baacutesicos de moradia
uma para estadas mais duradouras ndash que consistia em estacas fincadas em ciacuterculos cobertas
com folhas e galhos - e outra para estadias mas raacutepidas ndash composta da galhos de palmeiras
airi-mirim (Bactris setosa Mart) enterrados no chatildeo amarrados em cima para formar uma
espeacutecie de arcada25
20
VIEIRA 2004 op cit p 33 21
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em Santa Catarina
(1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de
Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina p 48 22
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os arqueoacutelogos 1994 p
166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo Estudos Ibero-Americanos Universidade do
Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo p 51 23
VIEIRA 2004 op cit p 35 24
ENTRESS 1929 apud LAVINA R 1994 op cit p 53 25
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras
1992 p 423
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
15
As caracteriacutesticas fiacutesicas segundo Vieira (2004) chamavam a atenccedilatildeo sendo
descritos como indiviacuteduos de estatura mediana poreacutem bastante fortes e resistentes assim
como as mulheres apesar de sua baixa estatura
Era um povo que tinha sua proacutepria liacutengua cultura e territoacuterio que os
diferenciavam dos outros povos indiacutegenas tais como os Guarani e os Kaingang26
211 Os Mitos e os Ritos
Ao revermos os mitos e os rituais Xokleng percebemos a importacircncia desses
acontecimentos dentro do grupo familiar pois este mundo ldquoimaterial e simboacutelicordquo passa a se
refletir dentro da cultura material criada pelos integrantes da famiacutelia Xokleng portanto
tornando se imprescindiacutevel para a compreensatildeo do grupo e o estudo do mundo simboacutelico
No ciclo de vida dos Xoklengs existem trecircs atividades simboacutelicas de grande
importacircncia elas satildeo o nascimento a perfuraccedilatildeo dos laacutebios (a tatuagem feminina) e a morte27
que simbolizam algumas das mais importantes transiccedilotildees que ocorrerem no ciclo de vida
desses povos
O nascimento para os Xokleng eacute o inicio da vida da crianccedila dentro do grupo
ldquofamiliarrdquo ldquosimbolizava o momento em que a tribo conferia agrave crianccedila sua socializaccedilatildeo no
grupo ou seja atraveacutes desse rito de incorporaccedilatildeo o pai assumia a paternidade e reconhecia
ao receacutem-nascido um lugar na sociedade indiacutegena como homem ou mulherrdquo28
Para o preparo
do ritual caberia ao pai e ao cunhado irem caccedilar e coletar os alimentos que seriam servidos
para todos os parentes que vieram testemunhar o nascimento da crianccedila29
funccedilatildeo muito
importante nesse momento especial para a famiacutelia
O ritual de nascimento pra os Xoklengs era um momento muito importante que
teria uma duraccedilatildeo maior que o proacuteprio parto em si afirma Lavina (1994)
Quando a crianccedila nascia a placenta e o cordatildeo umbilical eram esfregados com ervas
e postos em um cesto que seria colocado ocultamente pelo irmatildeo da matildee dentro de
um curso drsquoaacutegua O irmatildeo da matildee e sua esposa tornavam-se neste momento os pais
cerimoniais da crianccedila A seguir os tornozelos da crianccedila eram envolvidos com vinte
voltas de cordel que seriam conservados por cerca de duas semanas quando entatildeo a
crianccedila receberia seu primeiro alimento cozido
26
RIBEIRO 2009 op cit p126 27
PERES 2009 op cit p 48 28
SANTOS 2000 op cit p 26
29VIEIRA 2004 op cit p 171
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
16
O ritual de perfuraccedilatildeo do laacutebio dos meninos e da ldquotatuagemrdquo para as meninas era
considerado pelos Xokleng como um dos rituais mais importantes do grupo pois envolvia
toda a aldeia nesse processo quanto agrave cultura material dos perfuradores havia uma enorme
variabilidade nos tipos de tembeta que servia para identificar os membros das famiacutelias mais
extensas (J HENRY 1964) (Figura 2)
Figura 2 Tembetas Xoklengndash Museu Paranaense ndash Curitiba - PR
Fonte Zig Koch (2007)
Os preparativos para a cerimocircnia era um processo que poderia levar muito
tempo30
pois envolvia vaacuterios afazeres especiacuteficos como o preparo da bebida que seria
consumida durante o ritual e que poderia levar ateacute um mecircs para ser preparada O inicio da
festa era marcado segundo Lavina (1994) por cantigas e danccedilas ao redor de uma fogueira que
tinha sido preparada no meio da aldeia (figura 3)
Durante estas danccedilas era consumida uma grande quantidade de bebida alcooacutelica
sendo tambeacutem as crianccedilas obrigadas a beber ateacute a insensibilidade Para aumentar o
efeito da bebida estas eram ainda sacudidas e arremessadas de uma pessoa para
outra Era nesse estaacutegio que os laacutebios eram perfurados sendo introduzido no orifiacutecio
um pequeno labrete31
de madeira32
30
LAVINA 1994 op cit p110 31
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um tipo de adorno que se prende a um furo no laacutebio inferior feito de
materiais diversos (ossos conchas resina endurecida madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem distinto do
tembetaacute e do botoque 32
PERES 2009 op cit p 64
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
17
Figura 3 Festa de Iniciaccedilatildeo para a perfuraccedilatildeo dos laacutebios e
introduccedilatildeo do ldquotembetardquo
Fonte SANTOS 1997 p 66
O ritual das meninas ocorria em conjunto com o da perfuraccedilatildeo dos laacutebios dos
meninos e consistia de criar uma marca na perna que como o Tembeta tinha a funccedilatildeo de
identificar a comunidade a qual famiacutelia essa crianccedila pertencia (LAVINA 1994) e mesmo que
a crianccedila fosse separada do seu grupo familiar ela seria reconhecida posteriormente
Podemos dizer que por intermeacutedio da inserccedilatildeo desses siacutembolos no corpo da
crianccedila eacute indicada a existecircncia de ldquoum sistema de significados e valores que
comunica a identidade pessoal e social do indiviacuteduo transformando o proacuteprio corpo
no palco simboacutelico sobre o qual o drama da socializaccedilatildeo eacute encenado33
O ritual de cremaccedilatildeo e do luto era considerado muito importante na cultura
Xokleng pois acreditavam que ao serem cremados vocecirc retornaria ao ventre da matildee para
renascer os Xokleng tambeacutem cremavam os objetos pessoais do individuo tarefa que era feita
geralmente pelos afilhados do morto34
O ritual de sepultamento ocorria com a colaboraccedilatildeo dos parentes do membro que
falecera Eles quebravam os arcos e as flechas que pertenciam ao morto e colocavam
ao seu lado Logo cobriam o corpo com madeira ateacute a pilha alcanccedilar a altura de um
homem Em seguida ateavam fogo recolhendo o resto dos ossos para enterraacute-los em
cestas forradas com folhas de xaxim35
33
RIBEIRO 1996 apud VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng
2004 P112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC
Santa Catarina p28 34
VIEIRA 2004 op cit p 34 35
PERES 2009 op cit p 50
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
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BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
18
Apoacutes o sepultamento do individuo o cocircnjuge deveria afastar-se da tribo e deveria
obedecer a uma rigorosa restriccedilatildeo alimentar e a diversos rituais de purificaccedilatildeo
Apoacutes a cremaccedilatildeo do morto o (a) viuacutevo (a) era afastado (a) da aldeia visto que a
alma do (a) falecido (a) tornava-se um perigo para o cocircnjuge e para a comunidade
Eles deviam seguir alguns procedimentos para que o espiacuterito do (a) morto (a)
seguisse sua viagem36
O retorno da viuacuteva (o) ao conviacutevio com o grupo requeria ainda outro processo
ritualiacutestico que consistia37
no corte dos cabelos e unhas e na realizaccedilatildeo de cacircnticos danccedilas e
pinturas corporais envolvendo a comunidade
22 KAIGANG CULTURA E OCUPACcedilAtildeO
O grupo indiacutegena conhecido da literatura mais antiga como sendo os Guaiana ou
Coroados passaram em 1882 a serem denominados por Telecircmaco Moricenes Borba como
Kaigang nomenclatura designada a todos os grupos natildeo pertencentes agrave famiacutelia linguiacutestica
Tupi-Guarani38
nesse processo ateacute mesmo os grupos pertencentes agrave liacutengua matriz Jecirc tambeacutem
foram denominados como Kaigang pois apresentavam similaridades linguiacutesticas
posteriormente os linguistas atraveacutes de estudos mais aprofundados iriam perceber e identificar
diferenccedilas linguiacutesticas existentes entre os grupos pertencentes ao tronco linguiacutestico Macro Jecirc
corrigindo esse equivoco
A ocupaccedilatildeo histoacuterica territorial desse grupo indiacutegena haacute pelo menos dois seacuteculos
compreende a zona entre o Rio Tietecirc (SP) e o Rio Ijuiacute (norte do RS) No seacuteculo XIX seus
domiacutenios se estendiam para oeste ateacute San Pedro na proviacutencia argentina de Missiones (Figura
4)
36
VIEIRA 2004 op cit p 34 37
RIBEIRO 2009 op cit p 35 38
METRAUX 1963 apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p37
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
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47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
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Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
19
Figura 4 Possiacutevel Territoacuterio Kaigang do Seacuteculo XIX
Fonte SANTOS 1973 p 36
As aldeias Kaigang apresentavam em media uma populaccedilatildeo composta de 150 a
200 indiviacuteduos em seus grupos39
O assentamento desse grupo indiacutegena poderia ser composto
por ldquocasasrdquo mais simples ldquoconstruiacutedas com materiais pereciacuteveis na superfiacutecie do solo [] ou
podiam implicar movimentaccedilatildeo intensa da terra rebaixando o piso de suas habitaccedilotildees
aterrando seus arredores acumulando terra para formar montiacuteculos de diversos tamanhos e
finalidades construindo taipas de terra para fechar grandes recintos de uso comunitaacuteriordquo 40
denominadas pelos arqueoacutelogos como sendo casas subterracircneas (Figura 5 e 6) tiacutepicas desse
grupo indiacutegena
39
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913 40
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash SC Argos 2011
365 p p244
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
20
Figura 5 Vista da Casa Subterracircnea Kaigang ndash Sitio Arqueoloacutegico ndash (SC-CL-56)
Fonte SCHMITZ 2010 p37
Figura 6 Esquema de Casa Subterracircnea Kaigang
Fonte SCHMITZ 2011 p248
A organizaccedilatildeo social Kaigang partia de um dualismo onde haacute uma concepccedilatildeo
dual do universo ndash uma cosmologia apresentada atraveacutes de ldquoum dualismo Kaingang visiacutevel
mais concretamente na organizaccedilatildeo social que se caracteriza pela existecircncia de duas metades
exogacircmicas patrilineares complementares e assimeacutetricas designadas como Kameacute e Kainru-
kreacuterdquo41
estaacute ligada diretamente a figura complementar de cada entidade o Kainru ldquoeacute de caraacuteter
41
SILVA Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta Horizontes
Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209 p 190
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
21
fogoso capaz de decisotildees raacutepidas mas eacute instaacutevel seu corpo eacute esbelto e leverdquo Kameacute ldquoeacute []
pesado de corpo como de espiacuterito mas eacute perseveranterdquo42
221 Mitos e Ritos
Atraveacutes das analises bibliograacuteficas referentes ao mundo simboacutelico religioso dos
Kaigang Nimuendaju (1993) Baldus (1937) Becker (1995 1999) Veiga (1994) Silva
(2001 2002) percebemos que o estudo tornasse tatildeo importante quanto agraves questotildees de caraacuteter
econocircmico poliacutetico territorial e etc jaacute tatildeo discutidas pois se trata do cerne estrutural social
da sociedade Kaigang trazendo consigo inuacutemeras informaccedilotildees sociais e culturais Dentro da
diversidade existente no mundo imaginaacuterio religioso dos Kaigang optamos por relatar as
questotildees que tem envolvimento na divisatildeo social do grupo e tambeacutem as questotildees envolvidas
nos funerais por ser fonte de grande importacircncia para as questotildees culturais Baldus (1979)
apud Veiga (2004) jaacute afirmava que ldquodeve-se apontar o culto aos mortos como a base e
expressatildeo mais forte da cultura espiritual dos Kaingang porque o poder sobrenatural dos
mortos tornou-se para esses iacutendios mais do que qualquer coisa um acontecimento miacutestico e
por isso objeto de crenccedilardquo43
Organizaccedilatildeo Social
A organizaccedilatildeo social Kaigang estaacute fortemente ligada ao mito de origem da etnia
onde segundo Nimuendaju (1993) os primeiros Kaigang teriam saiacutedo do chatildeo - por esta razatildeo
apresentariam coloraccedilatildeo correspondente agrave cor de terra e seriam chefiados por dois irmatildeos
gecircmeos Kaneruacute e Kameacute (representados pela Lua e pelo Sol) onde cada um teria trazido com
sigo um grupo de indiviacuteduos de ambos os sexos
Kaneruacute e Kameacute teriam criado todos os seres do mundo
Foram esses dois irmatildeos gecircmeos que criaram todas as plantas e os animais e
povoaram a terra com seus descendentes por isso todos os seres manifestam a sua
descendecircncia tanto no temperamento quanto no aspecto fiacutesico
Nimuendaju (1993) aponta ainda tambeacutem que os Kaigang reconhecem as
caracteriacutesticas de seus grupos exogamicos natildeo apenas nos seres humanos mas tambeacutem
42
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da religiatildeo dos
Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros de Castro Satildeo Paulo Hucitec
Edusp 1987 p 122 43
BALDUS (1979) apud VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES
n04 2004 p 59 ndash 70 p 62
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
22
reconhecem os seus traccedilos fiacutesicos no couro dos animais nas penas das aves nas folhas ou na
madeira das plantas assim durante a caccedila os ldquoKairu natildeo poderiam matar a onccedila acanguccedilu
porque pertenceriam ao mesmo clatilderdquo estaacute divisatildeo tambeacutem pode ser percebida em outras
atividades sociais do grupo como no caso do casamento e dos enterramentos
O casamento na concepccedilatildeo dos Kaigang seriam exogamicos ou seja o indiviacuteduo
de uma metade deve casar-se com o indiviacuteduos de outra metade Mas tambeacutem podendo casar-
se com outros grupos indiacutegenas ou indiviacuteduos das sociedades envolventes44
mesmo tendo
essa divisatildeo bem delimitada em tempos mais antigos segundo Hensel (1928) a poligamia era
um ato permitido porem esta pratica era permitida apenas ao cacicado45
Com relaccedilatildeo aos mortos os Kaigang iram apresentar alguns rituais que
envolveriam todo o grupo como o ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo e a festa do Kikikoi
Ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo
O ritual de Purificaccedilatildeo do Viuacutevo era composto por diversos momentos o primeiro
passo seria um periacuteodo de reclusatildeo e purificaccedilatildeo que dependia a qual metade o individuo
pertencia ldquoSe o morto eacute Kameacute o tempo de purificaccedilatildeo eacute mais longo porque seu espiacuterito eacute
mais forte e ele demora mais tempo para se esquecer dos seus o tempo de reclusatildeo pode
chegar ateacute 40 dias se o morto eacute Kairu o viuacutevo pode fazer apenas 8 dias de reclusatildeordquo46
Ao
final desse tempo de reclusatildeo cabia ao kuiacirc (xama) realizar uma espeacutecie de ritual em que o
viuacutevo seria lavado com ldquovaacuterios tipos ervas que satildeo socadas e misturadas com aacuteguardquo47
para que
possa se livrar de qualquer vestiacutegio do morto ao mesmo tempo ele o kuiacirc tambeacutem iria fazer
uma espeacutecie de ritual em toda a aldeia para purificar todos os lugares pelos quais o morto
passou para que ele possa ir ldquoviver com aqueles que estatildeo na aldeia dos espiacuteritos dos mortos
ldquo48
Apoacutes esse periacuteodo o viuacutevo(a) estaria apto a voltarem a seus afazeres na aldeia
Festa do Kikikoi
A festa do Kikikoi foi definida por Baldus (1937) como sendo uma festa de culto
aos mortos pois consistia de um ritual em homenagem aos mortos mais recentes da aldeia
feita pelos seus parentes consanguiacuteneos Esse ritual tinha inicio no inverno pois segundo
44
NIMUENDAJUacute C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993 45
HENSERL (1928) apud BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash
RS UNISINOS 1995 333 p p17 46
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04 2004 p 59 ndash 70 p
63 47
VEIGA 2004 op cit p64 48
NIMUENDAJUacute 1993 opcit
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
23
Veiga (2004) a abundancia de alimentos como o pinhatildeo o milho e o mel eram muito
importantes para dar seguimento agraves festividades ldquoO mel eacute fundamental para a fabricaccedilatildeo do
kiki a bebida produzida a base de aacutegua e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo que eacute servida
durante a festardquo49
A preparaccedilatildeo do ritual poderia demorar alguns meses pois implicava na coleta de
mel e pinhotildees alem tambeacutem de terem de recolher os noacutes de pinho necessaacuterios para a
fabricaccedilatildeo das fogueiras ainda era necessaacuterio agrave presenccedila dos kuiacirc 50
Satildeo eles que dirigem toda a preparaccedilatildeo do ritual a designaccedilatildeo dos peacutein para coletar
o mel a derrubada de um pinheiro para fazer o konkeacutei onde seraacute fermentada bebida
A preparaccedilatildeo da bebida com aacutegua mel e agraves vezes milho uma espeacutecie de cerveja o
kiki
Apoacutes ser dado o inicio do ritual ele natildeo poderia ser interrompido ateacute ser
finalizado
Basicamente o ritual de purificaccedilatildeo estava dividido em trecircs momentos o primeiro
momento era conhecido pelos Kaigang como o Primeiro Fogo e consistia da escolha de um
pinheiro que seria limpo e preparado para as festividades neste mesmo local seria construiacuteda
uma espeacutecie de cabana utilizada para armazenar o konkeacutei ate que a bebida (kiki) estivesse
pronta
Para ser efetuada a retirada do pinheiro segundo Veiga (2004)
[] os rezadores vatildeo juntamente com os peacutein51
ateacute a aacutervore escolhida e rezam
falando com o espiacuterito da aacutervore que dela necessitam para realizar o kiki que os
jovens estatildeo querendo comer o kiki Depois cantam ao seu redor para enfraquecer o
seu espiacuterito Apenas quando o espiacuterito da aacutervore estaacute fraco eacute que ela poderaacute ser
derrubada Quando isso acontece rezam sobre ela da mesma forma que rezam sobre
uma pessoa morta os rezadores Kameacute iniciam a reza com seus chocalhos sagrados
(xygxy) do lado da raiz da aacutervore ateacute o seu meio (metaforicamente da cabeccedila ateacute o
umbigo) enquanto os rezadores Kairu rezam do meio em direccedilatildeo agrave ponta (do
umbigo ateacute os peacutes)52
Apoacutes a retirada do pinheiro cabe aos peacutein agrave tarefa de dar a forma necessaacuteria para a
fabricaccedilatildeo do konkeacutei em seguida os ingredientes necessaacuterios para a confecccedilatildeo do kiki seratildeo
ldquobenzidosrdquo e colocados dentro do konkeacutei dando seguimento ao ritual O Segundo Fogo teraacute
inicio na noite seguinte e consistia de rezas danccedilas e bebidas
49
VEIGA 2004 op cit p 67 50
Na cultura Kaigang os kuiacirc satildeo (xamatildes) muito especializados donos de oraccedilotildees poderosas (NIMUENDAJU
1993) 51
Os peacutein que em funccedilatildeo do nome que recebem (jiji koreacuteg = nome ruim ou forte) possuem espiacuterito mais forte e
podem lidar com os mortos de qualquer uma das metades Kaingang (VEIGA 2004 p 68) 52
VEIGA 2004 op cit p 67
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
24
O Terceiro Fogo e o momento mais importante do ritual pois como afirma Veiga
(2004) durante os acontecimentos anteriores apenas os moradores da aldeia estavam
envolvidas no processo da festividade porem neste momento ldquoos convidados das outras
aldeias inclusive os do weinkupring iamaacute (aldeia dos espiacuteritos dos mortos)rdquo estaratildeo presentes
e envolvidos Nesse momento crucial do ritual a ultima noite todos os convidados e os
moradores da aldeia antes de irem ao cemiteacuterio no dia seguinte devem permanecer juntos e
proacuteximos da fogueira sob os cuidados dos rezadores
Na manhatilde seguinte antes da ida ao cemiteacuterio os convidados eram
[] pintadas com suas marcas clacircnicas como uma proteccedilatildeo contra os espiacuteritos []
Estando pintados os rezadores podem verificar se algum espiacuterito estaacute convencendo
algum vivo a ir com ele para sua aldeia e com isso impedir o roubo dos vivos pelo
espiacuterito dos mortos53
A metade Kame e a primeira a dar entrada ao cemiteacuterio e a rezar sobre as
sepulturas dos Kairu jaacute previamente demarcadas
Essas sepulturas estatildeo previamente marcadas por galhos de sete-sangria colocados
sobre elas enquanto as sepulturas dos mortos Kameacute satildeo marcadas com ramos de
pinheiro Esses galhos satildeo chamados potildekri e constituem como que uma tampa da
sepultura54
Em seguida os peacutein da metade Kame retiram os galhos dos tuacutemulos ldquoenquanto os
rezadores cantam e danccedilam sobre ou ao redor da sepultura encaminhando os mortos de volta
ao weacuteinkupring iamaacute e fechando com sua oraccedilatildeo a sepultura ou a passagem do mundo dos
mortos ao mundo dos vivos55
rdquo dando encerramento as festividades apoacutes a metade Kairu
realizarem o mesmo procedimento
3 O MUNDO SIMBOLICO INDIGENA
O objetivo ao propor o estudo do mundo simboacutelico eacute perceber como essas
comunidades relacionavam o meio simboacutelico-religioso atraveacutes da confecccedilatildeo dos objetos que
eram utilizados em seus rituais religiosos Dentro da diversidade material existente na cultura
Xokleng e Kaigang buscamos destacar a cultura material ligada de alguma forma a cultura
simboacutelica dessas sociedades aqui proposto por nos na forma e sentido dos grafismos
53
VEIGA 2004 op cit p 68 54
NIMUENDAJUacute 1993 opcit 55
NIMUENDAJUacute 1987 opcit p 69
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
25
corporais buscando responder algumas lacunas entre a cultura material e a simbologia dos
grupos Xokleng e Kaigang
Ao referirmos a cultura material Xokleng eacute bom lembrar o que diz VIEIRA
(2004) apud Hoerhann56
analisando o contexto de tribos histoacutericas a uma preocupaccedilatildeo pelos
iacutendios na questatildeo esteacutetica de materiais do uso diaacuterio pois
Verifica-se jaacute a manifestaccedilatildeo de gosto artiacutestico entre os botocudos no esmerado
enfeite dos tranccedilados aacute roda do encastoado das suas lanccedilas na confecccedilatildeo de suas
flechas e nos embelezamentos com que enfeitam o tranccedilado dos seus pequenos
cestos impermeaacuteveis para o uso interno dos seus ranchos Nota-se tambeacutem nos
enfeites de cores diferentes em desenhos lineares e nas franjas de suas tangas bem
como em vaacuterios outros enfeites
O estudo do mundo simboacutelico indiacutegena deixa claro que a religiatildeo e o mundo
imageacutetico representado aqui pela magia estatildeo intimamente ligados Gourhan (1964) afirma
que haacute uma religiosidade natildeo soacute feita da religiatildeo mas sim ldquo[] englobado em um bloco um
cortejo de factos fisioloacutegicos e psicoloacutegicos que criam um campo emocional []rdquo57
que
transcende as explicaccedilotildees racionais dos acontecimentos do cotidiano humano a magia entatildeo
estaria ldquoligada a uma espeacutecie de maquinardquo que permeia as explicaccedilotildees do universo ditando o
ritmo a e orientaccedilatildeo das sociedades Nessa perspectiva Levi Strauss (1989) traacutes um relato
apontando que a magia esta claramente ligada aos relacionamentos sociais das sociedades
indiacutegenas atuais e preacute-histoacutericas orientando-as em todos os momentos
[] um individuo consciente de ser objeto de um malefiacutecio eacute intimamente
persuadido pelas mais solenes tradiccedilotildees de seu grupo de que esta condenado
parentes e amigos partilham desta certeza Desde entatildeo a comunidade se retrai
afasta-se do maldito conduz-se a seu respeito como se fosse natildeo apenas morto mas
fonte de perigo para seu circulo []58
Apoacutes essa ldquoexclusatildeordquo do grupo o individuo passa por uma gama de sentimentos
complexos (medo solidatildeo e etc) que acarretam em transformaccedilotildees no individuo apontadas
por Cannon (1942)
Esta atividade e normalmente uacutetil acarretando modificaccedilotildees orgacircnicas que
possibilitam ao individuo se adaptar a uma nova situaccedilatildeo mas se o individuo natildeo
dispotildeem de nem uma resposta instintiva ou adquirida para uma situaccedilatildeo
extraordinaacuteria ou que ele considere como tal a atividade do simpaacutetico se amplia e
56
VIEIRA 2004 op cit p 55 57
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1964 145 p p127 58
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p p 193
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
26
se desorganiza e pode em algumas horas agraves vezes determinar uma diminuiccedilatildeo do
volume sanguiacuteneo e uma queda de pressatildeo concomitante tendo como resultado
desgastes irreparaacuteveis para os oacutergatildeos de circulaccedilatildeo 59
Tornando-nos claro aqui pelo relato de Cannon (1942) em que o efeito ldquomaacutegicordquo
natildeo esta ligado diretamente a um estado sobrenatural mas sim se compreende atraveacutes da
crenccedila empregada tanto pelo feiticeiro que acredita nos seus poderes quanto no enfeiticcedilado
que tem plena confianccedila nos poderes do feiticeiro ldquofinalmente a confianccedila e as exigecircncias e
opiniatildeo coletiva que formam a cada instante uma espeacutecie de campo gravitacional [] entre o
feiticeiro e aqueles que ele enfeiticcedilardquo60
Portanto a arte tambeacutem natildeo seria diferente das outras relaccedilotildees sociais pelo
contraacuterio segundo Velthem (2010) apud Guss (1990) observa-se que a maestria teacutecnica e
artiacutestica estaacute invariavelmente acompanhada de profundo conhecimento das narrativas miacuteticas
e das praacuteticas ritualiacutesticas constituindo domiacutenios estreitamente associados podendo ser
observados no relato as seguir
ldquoPara muitos povos da Amazocircnia a origem miacutetica da arte graacutefica eacute atestada
evidenciando sua vinculaccedilatildeo com seres especiacuteficos que remetem agraves cosmologias e
teorias nativas globalizantesrdquo 61
Tornando-se entatildeo impossiacutevel separar o ldquomeacutetodo de fazer arterdquo e os conceitos
ldquomaacutegicosrdquo empregados pelos grupos indiacutegenas no processo assim a arte passaria a ser
empregada tambeacutem como uma espeacutecie de mecanismo cognitivo que serve ldquosobretudo para
ordenar e definir o universo social e o natildeo social o humano e o natildeo humanordquo constituindo
assim segundo Velthem (2010)
[] meio para o armazenamento e a transmissatildeo de informaccedilotildees que se caracteriza
por ser compartilhado pois os elementos esteacuteticos possuem uma loacutegica que eacute
compreendida pelo artista e pelo grupo ao qual pertence acarretando o
desenvolvimento de um ldquoestilo proacutepriordquo peculiar a cada povo indiacutegena62
59
CANNON (1942) apud LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p 193 60
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p196 61
GUSS (1990) apud VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65 2010 p 60 62
VELTHEM 2010 opcit p61
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
27
31 A ARTE INDIacuteGENA NUMA PERSPECTIVA ESTRUTURALISTA E
ETNOGRAacuteFICA
Para tratar da arte indiacutegena optamos por duas vertentes teoacutericas a arte indiacutegena
numa perspectiva estruturalista de Leacutevi-Strauss e da etnografia comparada de Leroi-
Gourhan63
A antropologia estrutural de Leacutevi-Strauss (1989) traz como discussatildeo principal os
estudos etnoloacutegicos da arte primitiva comparada pois segundo o mesmo os ldquoestudos desta
ordem tenderam quase que exclusivamente a provar contatos culturais fenocircmenos de difusatildeo
e empreacutestimosrdquo64
causando certa repugnacircncia aos estudiosos a esse tema
Nessa perspectiva Leacutevi-Strauss aponta alguns dos motivos principais de tal
repugnacircncia estando ligados agrave forma com que sucederam os estudos comparados das pinturas
preacute-histoacutericas
Um detalhe decorativo uma forma singular natildeo precisavam mais do que se
apresentar em duas partes do mundo para que qualquer que fosse o afastamento
geograacutefico e a separaccedilatildeo histoacuterica [] entusiastas proclamassem logo a unidade de
sua origem e a existecircncia indubitaacutevel de relaccedilotildees preacute-histoacutericas []
No entanto comparaccedilotildees satildeo necessaacuterias pois haacute semelhanccedilas entre as teacutecnicas e
os motivos das pinturas de grupos histoacutericos e preacute-histoacutericos jaacute documentados em distintas
partes do mundo assim Leacutevi-Strauss traz questotildees a acrescentar nesse processo onde buscou
delimitar primeiramente como aacuterea de pesquisa a Ameacuterica do Norte a China a Sibeacuteria a
Nova Zelacircndia a Iacutendia e a Peacutersia pois trata-se de locais com semelhanccedilas entre teacutecnicas e
motivos pintados
[] os documentos invocados se referem aos periacuteodos mais diferentes seacuteculos
XVIII e XIX de nossa era para o Alasca Iordm ao IIordm milecircnio para a China a arte preacute-
histoacuterica para a regiatildeo de Amur e um periacuteodo que vai do seacuteculo XIV ao XVIII para
a Nova Zelacircndia []
Porem as dificuldades quase que insuperaacuteveis encontradas nas analises de
hipoacuteteses de contato preacute-colombiano entre o Alasca e a Nova Zelacircndia ndash geograacutefica e
historicamente tendem a descartar estas comparaccedilotildees sem duvida este problema torna-se
bem mais simples na comparaccedilatildeo entre a Sibeacuteria e a China com o norte da Ameacuterica pois ldquoas
63
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS 2010 303p p 63 64
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p279
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
28
distancias tornam-se razoaacuteveis e trata-se apenas de superar o obstaacuteculo de um ou dois
milecircniosrdquo65
no entanto mesmo estas suposiccedilotildees natildeo teratildeo aparecircncia necessaacuteria para construir
uma solida teoria uma vez que tomamos como aspectos principais o afastamento geograacutefico
No entanto Leacutevi-Strauss afirma que
As conclusotildees deste trabalho natildeo prejulgam em nada as descobertas sempre
possiacuteveis de conexotildees histoacutericas ainda insuspeitadas Ainda se coloca a questatildeo de
saber se estas sociedades hierarquizadas e fundadas sobre o prestigio apareceram
independentemente em pontos diferentes do mundo ou se algumas entre elas natildeo
possuem em alguma parte um berccedilo em comum66
Jaacute Andreacute Leroi-Gourhan (1964) traacutes um panorama dos estudos da arte paleoliacutetica67
na Europa demonstrando alguns percalccedilos ocorridos durante o processo de reconhecimento
da Arte Preacute-histoacuterica paleoliacutetica Segundo Gourhan (1964) a partir de 1895 a arte preacute-histoacuterica
seria aceita pela comunidade cientifica em dois modelos a parietal e mobiliar e a partir de
1900 atraveacutes do abade Breuil a disseminaccedilatildeo ocorreria em maior escala
Poreacutem a grande questatildeo discutida gira entorno da religiosidade da arte preacute-
histoacuterica e as analises referentes a ela
Desde o fim do seacuteculo XIX que sustentou o caraacuteter religioso da arte preacute-histoacuterica
foram sobretudo razotildees ideoloacutegicas proacuteprias da eacutepoca que dividiram tanto os
partidaacuterios do homem preacute-histoacuterico sem religiatildeo praticando a arte pela arte como os
que defendiam que os Paleoliacuteticos praticavam uma arte maacutegica agrave semelhanccedila dos
primitivos atuais
Sobretudo nota-se neste relato um problema recorrente nas primeiras anaacutelises
feitas da arte preacute-histoacuterica
A separaccedilatildeo do artista que soacute representaria formas aleatoacuterias
E do homem religioso que representaria somente deuses
Nesse sentido Velthem afirma que
[] concepccedilotildees subjacentes acerca da humanidade permitindo agraves artes indiacutegenas
apresentarem-se como culturalmente densas De modo paralelo evidencia-se o fato
65
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p280 66
LEacuteVI-STARAUSS 1989 opcit p304 67
O Periacuteodo Paleoliacutetico compreende ndash se historicamente como sendo a era mais extensa da humanidade abrange
por volta de 3 milhotildees de anos atraacutes ateacute cerca de 10000 aC Foi nesse periacuteodo em que os grupos humanos
comeccedilaram a utilizar utensiacutelios de rochas para desenvolverem a caccedila formando objetos pontudos - ou lascas ndash
que deram margem para que essa era tambeacutem ficasse conhecida como Idade da Pedra Lascada
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
29
de que algumas formas graacuteficas parecem abstratas a um olhar desatento mas na
realidade configuram representaccedilotildees iconograacuteficas68
Mesmo nas obras menos figurativas segundo Gourhan (1964) e mais desprovidas
de sentido religioso o artista eacute criador de uma mensagem e portanto exerce uma funccedilatildeo
simbolizadora que penetra mais longe que a musica e a linguagem No entanto Gourhan natildeo
descarta o fato de que um dos possiacuteveis motivos das analises precipitadas estejam
relacionadas com um processo de ldquoVaacuterios milecircnios de racionalismo que levaram a Europa
afazer cortes nas formas de aprender a ordem universal atraveacutes da miacutestica da magia do
dogma do direito da ciecircncia das teacutecnicas e da filosofiardquo69
e tambeacutem pela necessidade do
estudo da arte paleoliacutetica que estava toda por fazer
No entanto Gourhan natildeo compreende como que mesmo haacute cerca de 50 anos atraacutes
ainda teriam se tomado como certo que as religiotildees preacute-histoacutericas fossem ldquoinferiores a
religiosidade atual praticas de feiticcedilaria caccediladas imitadas danccedilas de iniciaccedilatildeo cenas de
acasalamento [] acreditando ele que se tratavam de analises empregadas atraveacutes de coleta de
informaccedilotildees ao acaso nas narrativas dos viajantes Pois quais seriam entatildeo os motivos para
negar que o homem do paleoliacutetico superior teria praticado ou natildeo praticado diversos tipos de
rituais maacutegicos
Nessa perspectiva Gourhan nos leva a perceber o mundo simboacutelico e religioso
atraveacutes de um feiticeiro do paleoliacutetico para que possamos compreender algumas questotildees
deste mundo imaginaacuterio e material
Imaginamos um Madalenense grande feiticeiro da sua pequena tribo que depois de
ter coberto uma placa de xisto com uma mistura de sangue de cavalo e sebo de
bisonte tivesse gravado uma imagem destes doacutei animais Soprar-lhe-ia em cima
grunhindo e relinchando colocando-a depois no fundo do abrigo sobre uma pele de
raposa enfeitada com algumas flores da estaccedilatildeo Vestido com os despojos de um
cabrito-montes danccedilaria balindo ate finalmente plantar no solo uma azagaia
simboacutelica para reter os rebanhos durante toda campanha de caccedila
Infelizmente o gesto peles encantamentos danccedila tudo jaacute desaparecera e o que
resta afinal Segundo Gourhan apenas resta agrave placa de xisto gravada no fundo da caverna que
prova o indiscutiacutevel a existecircncia de um pratica ldquoritualiacutesticardquo
68
VELTHEM 2010 opcit p61 69
GOURHAN-LEROI 1964 opcit p82
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
30
4 O CORPO HUMANO E OS GRAFISMOS INDIacuteGENAS
Pode se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica - Gourhan-Leroi (1964) Leacutevi-
Starauss (1989) Gallois (2006) Velthem (2010) que o estudo envolvendo os aspectos
artiacutesticos corporais indiacutegenas sempre esteve agrave margem das pesquisas portanto necessitam de
estudos mais aprofundados Nesta perspectiva nos propomos aqui a tentar contribuir para este
cenaacuterio pois segundo Gallois (2006) a uma necessidade da preservaccedilatildeo do patrimocircnio
Imaterial da cultura indiacutegena70
A questatildeo da corporalidade eacute central na vida indiacutegena e estaacute vinculada a um sistema
de relaccedilotildees entre corpos bem como ao pensamento de que a humanidade de um
corpo natildeo eacute inata mas deve ser construiacuteda culturalmente de modo contiacutenuo
(VILACcedilA 2005)
Observa-se com relaccedilatildeo agraves questotildees corporais humanas que nas sociedades
indiacutegenas brasileiras a uma percepccedilatildeo totalmente diferenciada da sociedade contemporacircnea
ocidental ou seja existem outras caracteriacutesticas empregadas para o corpo humano (sociais
culturais etc) ldquo[] as sociedades do Alto Xingu por exemplo natildeo fazem distinccedilatildeo de
processos fisioloacutegicos de processos socioloacutegicos [] Na concepccedilatildeo desta sociedade o corpo
humano precisa ser submetido a processos intencionais perioacutedicos de fabricaccedilatildeordquo71
A decoraccedilatildeo portanto passa a ser tomada em sentido amplo ldquoconstitui uma
intervenccedilatildeo que eacute tanto teacutecnica quanto simboacutelica e objetiva o embelezamento e a impressatildeo
de determinada marca social em pessoas e coisasrdquo72
(figura 7) Podemos observar por
exemplo nas sociedades do Alto-Xingu as conhecidas mudanccedilas sociais ocorridas durante o
decorrer da vida do grupo seguindo a mesma logica para a pintura corporal ldquorequerer toda
uma tecnologia de corpo atraveacutes da intervenccedilatildeo da sociedade sobre o individuo submetendo-
o a uma normalizaccedilatildeo soacutecio fisioloacutegicardquo73
Os propoacutesitos especiacuteficos da decoraccedilatildeo satildeo variados podendo direcionar-se para a
identificaccedilatildeo eacutetnica e da condiccedilatildeo humana ou entatildeo para a apropriaccedilatildeo de qualidades
desejaacuteveis um meio de interaccedilatildeo com o mundo sobrenatural ou como uma
possibilidade de expansatildeo visual para que sejam percebidos atraveacutes dos grafismos
aspectos ocultos da visatildeo ordinaacuteria74
70
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas exemplos no Amapaacute
e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95p 71
CASTRO 1979 apud SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia
Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pg 209 72
VELTHEM 2010 opcit p62 73
SILVA 2001 opcit p 209 74
VELTHEM 2010 opcit p63
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
31
Figura 7 Motivo ipirajuak ldquopintura de peixerdquo- Tribo
Asurini Xingu
Fonte Renato Dalore
75
Seguindo esta mesma logica Da Mata (1976) iraacute descrever e destacar dentro da
cultura Jecirc dois aspectos que norteariam a vida social e consequentemente nortearia as pinturas
corporais76
1 ndash As relaccedilotildees fisioloacutegicas (fiacutesicas) esta relacionadas basicamente
com agrave famiacutelia cuja linguagem eacute a do corpo e cuja logica eacute a mistura e
da geraccedilatildeo fiacutesica
2 - As relaccedilotildees cerimoniais (mitos siacutembolos) estatildeo caracterizadas
basicamente pelas relaccedilotildees de transmissatildeo de status de uma geraccedilatildeo
para outra confere a seu possuidor papeacuteis rituais e o pertencimento a
uma das duas metades cerimoniais
75
DALORE apud CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo em Desenho
Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio p 17 76
DA MATTA 1976 apud SILVA 2001 opcit p 210
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
32
41 OS GRAFISMOS XOKLENG
No que tange os grafismos e as pinturas corporais dos Xokleng destacamos a
pouca quantidade de informaccedilotildees bibliograacuteficas levando-nos a crer que os antropoacutelogos e
etnoacutelogos da eacutepoca talvez natildeo tivessem acesso a esses costumes ou que essas informaccedilotildees natildeo
teriam sido documentadas amplamente trabalhamos aqui com duas informaccedilotildees relevantes ao
assunto Jules Henry (1964) e Sergio Batista (2001)
O relato de Jules Henry (1964) ndash Antropoacutelogo norte americano que fez pesquisas
entre os Xokleng de 1932 a 1934 - afirma que
Eacute certo que os xocleng se dividiam em cinco grupos cada qual com seu elenco de
nomes pessoais e com a sua pintura de corpo Esta se constituiacutea de modos diferentes
de traccedilar o ciacuterculo para trecircs grupos e variaccedilotildees no traccedilo de linhas verticais para os
outros dois Entretanto tais grupos natildeo guardavam nenhuma regra unilinear e seus
desenhos corporais tinham como uacutenico objetivo afugentar as almas dos mortos 77
Podemos perceber com o relato de Henry (1964) o forte apelo religioso simboacutelico
empregado na cultura material (grafismos) e tambeacutem a presente divisatildeo social do grupo
predominante nas pinturas corporais
A segunda informaccedilatildeo foi retirada da Tese de Doutorado do Sergio Batista da
Silva (2001) que faz referencia a Mabilde (1836-1866) - Pierre Franccedilois Alphonse Mabilde
foi um engenheiro jornalista e antropoacutelogo belga que imigrou para o Brasil em 1806 onde
segundo Silva (2001) ele faz referencia as marcas pintadas de vermelho nas flechas dos
ldquobotocudos que habitam a parte nordeste das matas desta proviacutenciardquo referindo-se aqui a
colocircnia de Santa Cruz no estado do Rio Grande do Sul (figura 8)
77
HENRY 1964 apud MELATTI Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011 p 175
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
33
Figura 8 Grafismos em Flechas Xokleng
Fonte MABILD 1836 -1866 apud SILVA 2001 199p
Porem Mabilde (1836-1866) natildeo discorre com relaccedilatildeo aos significados de tais
pinturas
42 OS GRAFISMOS KAIGANG
No que tange os grafismos corporais Kaigang destacamos uma quantidade
significativa de informaccedilotildees bibliograacuteficas relevantes ao grupo levando-nos a crer que as
informaccedilotildees estariam mais acessiacuteveis aos antropoacutelogos e etnoacutelogos No entanto optamos por
trabalhar aqui como referencial teoacuterico principal Sergio Batista da Silva (2001)78
pois traz
informaccedilotildees relevantes para a aacuterea de estudo (Santa Catarina)
Os grupos indiacutegenas abordados por Silva (2001) estatildeo localizados desde os
estados do RS SC PR e SP sendo um deles a atual comunidade indiacutegena Kaigang de
Xanxerecirc ndash SC o grupo de danccedila de guerreiros Kaigang do Rio Grande do Sul e os Kaigang de
Irai ndash RS e Nonoai ndash RS
Em suas pesquisas Silva (2001) deixa claro que o grupo de Santa Catarina jaacute
sofreram alteraccedilotildees em seus costumes ocasionando uma perda simboacutelica grande devido agraves
releituras de seus rituais ldquo[] uma simplificaccedilatildeo graacutefica draacutestica do sistema classificatoacuterio
dual parece ter acontecidordquo79
segundo o mesmo a rica variedade de grafismos existentes
teriam sido reduzidas visualmente a dois padrotildees graacuteficos principais o Kongar-gatilder ndash lsquorsquo e lsquoorsquo
(traccedilo e ponto) tambeacutem apresentam um sub-padratildeo linear reto e linear curvo para representar
a seccedilatildeo kameacute e um padratildeo circular cheio e a um sub-padratildeo circular vazado para representar a
seccedilotildees kainru-kreacute80
posterior mente Silva (2001) ira identificar mais um padratildeo considerado
78
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para compreensatildeo das
sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em Antropologia Social) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 79
SILVA 2001 opcit p 211 80
SILVA 2001 opcit p 213
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
34
como ldquomarcas misturadasrdquo ndash ra iaatildenhiaacute (Figura 9) estas marcas segundo o mesmo teriam
varias funccedilotildees uma delas seriam utilizadas pelo cocircnjuge viuacutevo ou viuacuteva durante a realizaccedilatildeo
do ritual do kiki para que fosse reconhecido durante a festa e tambeacutem esta fusatildeo de grafismos
poderia estar presente em pessoas que tem autoridade sobre as duas metades do grupo81
Figura 9 Exemplos e Variedades de Pinturas Corporais - Kaigang
Fonte JAENISCH 2010 p142
Tanto agraves pinturas corporais quanto as faciais (veim Kongat) satildeo constantes na
cultura Kaingang estes grafismos estatildeo quase sempre vinculados diretamente agraves duas metades
exogacircmicas existentes na cultura estas representaccedilotildees duais estatildeo representadas na linguagem
oral Kaingang atraveacutes de duas categorias teacutei e ror 82
Silva (2001) destaca os grupos Kaigang de Nonoai e Irai do Rio Grande do Sul
por apresentarem pinturas corporais que se aproximam dos grafismos preacute-histoacutericos
apresentando uma variedade de motivos abertos e fechados (Figura 10)
81
SILVA 2001 opcit p 214 82
SILVA 2001 opcit p 213
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
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Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
35
Figura 10 Grafismo Corporal Kameacute ndash Aldeia
de Agonomia
Fonte SILVA 2001 p213
No entanto como o ritual do kiki natildeo eacute mais praticado entre os Kaigang do RS
Silva (2001) destaca que durante apresentaccedilotildees dos grupos Kaigang ldquoNelas muitos homens
apresentam grafismos corporais que podem ser classificados como ra iaatildenhiaacute83rdquo (figura 11)
no mesmo grupo haviam crianccedilas e mulheres no entanto os grafismos apresentados para eles
estavam relacionados as metades as quais pertenciam (ra teacutei ou ra ror)
Figura 11 Grafismos considerados teacutei (Kameacute) Observe o segundo
Fonte SILVA 2001 p215
83
SILVA 2001 opcit p 215
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
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Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
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Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
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2004 p 59 ndash 70
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artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
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Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
36
Silva (2001) ainda destaca que as semelhanccedilas existentes entre os padrotildees graacuteficos
das pinturas corporais e dos motivos gravados em ceracircmicas encontradas nas tradiccedilotildees
planaacutelticas encaradas como oriundas de Proto-Jecirc meridional pela arqueologia bem como os
grafismos rupestres do sul do Brasil pelos estudiosos de arte rupestre Segundo Silva (2001) a
semelhanccedila entre os grafismos registrados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com as
inscriccedilotildees rupestres registradas no planalto e encostas da Serra Geral dos estados do Paranaacute
Santa Catarina e Rio Grande do Sul satildeo possivelmente pertencentes aos grupos Proto-Jecirc
associado aos Kaingang e Xokleng histoacutericos
421 Grafismos Rupestres e suas Semelhanccedilas
A comparaccedilatildeo entre as pinturas corporais e as gravuras rupestres teve como
objetivo principal fazer do ponto de vista metodoloacutegico a transiccedilatildeo entre os materiais
histoacutericos e os arqueoloacutegicos onde buscamos enfatizar as semelhanccedilas entre os mesmos
pinturas corporais e grafismos rupestres Para uma compreensatildeo do tema torna-se necessaacuterio a
compreender algumas caracteriacutesticas da arte rupestre do Sul do Brasil (figura 12)
Figura 12 Mapa com a distribuiccedilatildeo das tradiccedilotildees de
Arte Rupestre do Brasil
Fonte GASPAR 2003 p57
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
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Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
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httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
37
Segundo Prous (2007) a regiatildeo sul do Brasil eacute talvez uma das mais conhecidas e
estudadas pelos Preacute-historiadores no entanto no que concerne a Arte Rupestre seus siacutetios satildeo
diminutos em relaccedilatildeo agraves outras regiotildees do Brasil As caracteriacutesticas dos siacutetios arqueoloacutegicos e
os motivos rupestres diferem dos encontrados em outras regiotildees do continente onde a pintura
predomina Os siacutetios arqueoloacutegicos localizam-se na encosta do Planalto Meridional sul-rio-
grandense no litoral e no Planalto de Lajes em Santa Catarina84
Schmitz (2007) destaca ainda que o fato da regiatildeo Sul do Brasil apresentar poucas
pinturas rupestres pode ser causado pela pouca inclinaccedilatildeo que tais povos preacute-histoacutericos
tinham em gravar ou pintar em matacotildees e paredotildees E tambeacutem pela formaccedilatildeo geoloacutegica
caracteriacutestica da regiatildeo sul que eacute formada por gnaisses ou granitos com ocorrecircncia de diques
de diabaacutesio e no interior por grandes derrames basaacutelticos que penetraram os arenitos
metamorfizados pouco propiacutecias ao desenvolvimento de grutas e abrigos
De certa forma essas caracteriacutesticas poderiam ser a razatildeo da regiatildeo sul do Brasil
apresentar poucos exemplares de arte ou que pode ser apenas um remanescente de
um grande conjunto existente do passado85
Para o sul foram estabelecidas trecircs tradiccedilotildees rupestres na deacutecada de 1970
Tradiccedilatildeo Planalto Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas e Tradiccedilatildeo Litoracircnea descritas por Nieacutede
Guidon e Andreacute Prous (1978)
Ao longo da encosta do Planalto Meridional encontram-se gravuras em lajes e
matacotildees isolados a ceacuteu aberto aleacutem de alguns paredotildees verticais em pequenos abrigos
denominada como Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas Destacam-se nesses siacutetios uma quantidade
variaacutevel de figuras que evocam rastros de animais A maioria dos grafismos sugere ldquopisadasrdquo
de aves (trecircs traccedilos divergentes) havendo ldquorastrosrdquo de porco-do-mato e veado (dois traccedilos
curtos e paralelos)86
conhecida na arqueologia como sendo a Tradiccedilatildeo Meridional de Pisadas
Aleacutem de ldquopisadasrdquo de animais observam-se nos siacutetios sul-rio-grandenses
grafismos geralmente compostos por traccedilos retos paralelos ou cruzados formando grades ou
alinhamentos de pequenas depressotildees hemisfeacutericas As gravuras foram realizadas por incisatildeo
ou picoteamento em suportes areniacuteticos posteriormente raspadas e polidas Em alguns
abrigos restos de tinta ndash geralmente preta mas tambeacutem branca ou vermelha ndash permanecem
84
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre a Arte Preacute-
Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p 85
SCHMITZ 2007 opcit 86
SCHMITZ 2007 opcit p147
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
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O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913
_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas
exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
38
nos sulcos Gravuras similares satildeo encontradas ateacute as terras baixas do sul da Boliacutevia onde as
ldquopisadas de avesrdquo transformam-se agraves vezes em ldquovulvasrdquo 87
Segundo Gaspar (2003) 88
no estado de Santa Catarina desde Porto Belo ateacute o
farol de Santa Marta encontram-se gravuras rupestres Prous (1992) destaca que os paineacuteis
todos gravados e de acesso difiacutecil por vezes perigoso estatildeo localizados exclusivamente em
ilhas ateacute quinze quilocircmetros distantes do continente e se orientam para o alto mar Nem
todas as ilhas do litoral centro-catarinense foram decoradas mas somente algumas
regularmente separadas por distacircncias de 20-25 km como se cada uma delas correspondesse
ao ponto lsquoritualrsquo mariacutetimo de uma etnia continental conhecida pelos arqueoacutelogos como sendo
a Tradiccedilatildeo Litoral
Prous (1992) determinou a existecircncia de quatorze temas dos quais dois de
biomorfos (representaccedilatildeo humana duvidosa) muito pouco representados e bem geomeacutetricos e
doze tipos puramente geomeacutetricos Cada siacutetio apresenta onze alguns tipos satildeo privativos das
ilhas mais meridionais outros das ilhas setentrionais o que deve permitir estudar a difusatildeo de
influecircncias
As gravaccedilotildees polidas no granito tecircm ateacute trecircs centiacutemetros de profundidade mas
podem ter sido mais profundas jaacute que a erosatildeo deve ter desgastado as paredes
diretamente expostas ao intemperismo mariacutetimo Os traccedilos tecircm ateacute quatro
centiacutemetros de largura Esta tradiccedilatildeo muito bem limitada pois eacute encontrada soacute no
litoral catarinense e os uacutenicos jaacute conhecidos no litoral Brasileiro natildeo podem ser
comparados com nenhum outro conjunto rupestre conhecido atualmente trata-se
certamente de uma criaccedilatildeo local89
Novas pesquisas de Arte Rupestre Campos et al(2012)90
e Cezaro et al(2011)91
demonstram a existecircncia de siacutetios arqueoloacutegicos ineacuteditos com gravuras Rupestres no Extremo
Sul Catarinense no municiacutepio de Timbeacute do Sul e Praia Grande92
apresentando novas
perspectivas e questotildees com relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo geografia dos siacutetios de Arte Rupestre pois
estes apresentam um misto das duas tradiccedilotildees aqui descritas para o extremo sul catarinense
Sergio Batista observou semelhanccedilas geomeacutetricas entre pinturas corporais Kaingang e
motivos geomeacutetricos expostos em 3 siacutetios arqueoloacutegicos do estado de Santa Catarina
87
SCHMITZ 2007 opcit p147 88
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003 89
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992 p613 p512 90
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ As gravuras
Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina ARKEOS Portugal v 1 n 32 p
121-132 setembro 2012 91
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte rupestre do
Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil Revista de Tecnologia e Ambiente
v 17 p 133-149 2011 92
CEZARO H S 2011 opcit
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
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_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
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GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
39
O primeiro sitio arqueoloacutegico a ser destacado por Silva (2001) eacute o sitio de arte
rupestre Morro do Avencal 1 localizado no municiacutepio de Urubici ndash SC pois apresentam na
configuraccedilatildeo de suas formas (figura 13) e caracteriacutesticas recorrentes na pintura corporal e
ceracircmica indiacutegena Kaigang ldquoos grafismos formados por conjuntos de linhas paralelas que
interceptam outro conjunto de linhas tambeacutem paralelas formando pequenos quadrilaacuteteros ou
losangos [] eacute muito comum no material etnograacutefico e na pintura corporal Kaigang
Figura 13 Sitio Morro do Avencal ndash Urubici ndash Painel 1
Fonte SILVA 2001 p284
Ainda no mesmo painel ele destaca outras caracteriacutesticas existentes na pintura
corporal representada na arte rupestre como
[] o painel comentado traz dois exemplos de pinturas faciais Agrave
direita na zona central um rosto apresenta-se com grafismos na regia
da face Tratam-se de grafismos lineares abertos [] designados
atualmente de ra ionior pelos Kaigang representando a metade kameacute
[] um pouco mais abaixo tem outro rosto com pintura facial dois
pontos grossos embaixo da boca e do queixo Estes grafismos
circulares fechados satildeo atualmente representaccedilotildees graacuteficas da metade
Kaigang Kainru-kreacute93
Outro sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) eacute o sitio localizado na Ilha do
Campeche ndash SC onde destacamos aqui como caracteriacutestica a grande quantidade de grafismos
em forma de triangulo e losango e as linhas em zigue-zague ou onduladas (figura 13) Onde o
93
SILVA 2001 opcit p 285
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913
_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas
exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
40
mesmo destaca a conexatildeo destes grafismos com a pintura corporal do atual grupo Kaigang do
RS (Figuras 14 e 15)
Figura 14 Grafismo ndash Ilha do Campeche ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
Figura 15 A) Grafismo ndash Ilha do Campeche B) Pintura Corporal Kaigang ndash IraiRS
Fonte SILVA 2001 p289
O proacuteximo sitio arqueoloacutegico destacado por Silva (2001) e o sitio Praia do
Santinho localizada no litoral Catarinense este sitio segundo o mesmo apresenta
caracteriacutesticas geomeacutetricas como losangos (arredondados) grafismos circulares e
quadrangulares Alguns desses motivos foram registrados na pintura corporal Kaigang ndash RS e
da ceracircmica Proto-Jecirc do sul
[] estatildeo presentes grafismos circulares um possiacutevel antropomorfo estilizado e
grafismos quadrangulares formalmente idecircntico as representaccedilotildees graacuteficas da
ceracircmica Proto-Jecirc meridional94
94
SILVA 2001 opcit p 287
A B
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913
_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas
exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
41
Figura 15 Grafismo ndash Praia do Santinho ndash SC
Fonte SILVA 2001 p290
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913
_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas
exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
42
5 CONCLUSAtildeO
Os grafismos corporais indiacutegenas Kaigang apresentam uma distinccedilatildeo e
classificaccedilatildeo clara dos seus motivos corporais pintados geomeacutetricos a partir do discurso da
divisatildeo exogacircmica KameacuteKairu uacutenica opccedilatildeo de significados apontados por Silva (2001)
analisando os grupos indiacutegenas atuais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina O mundo
simboacutelico indiacutegena entatildeo torna-se fonte principal das analises dos grafismos corporais pois
constatamos atraveacutes da analise bibliograacutefica que em seus rituais estavam presentes os motivos
pintados exogamicos KameacuteKairu do grupo Kaigang motivos responsaacuteveis pela distinccedilatildeo
(social) e pelas ldquofunccedilotildeesrdquo dos seus membros durante o mesmo processo natildeo pode ser
observado e constatado outros tipos de motivos durante os rituais apenas as variaccedilotildees dos
motivos pintados exogamicos (Pontos e Linhas) podendo ser utilizado em diversos momentos
e rituais para reconhecer ou diferenciar indiviacuteduos ldquoespeciaisrdquo do grupo Seguindo esta loacutegica
(Silva 2001) a oposiccedilatildeo-diferenciaccedilatildeo cosmoloacutegica KameacuteKairu limitaria e nortearia o
discurso Kaigang com relaccedilatildeo aos padrotildees graacuteficos de suas pinturas corporais ou seja a
classificaccedilatildeo destes grafismos partiria dos opostos pontolinha abertofechado que
representariam as duas metades Kaigang KameacuteKairu
Outra questatildeo a ser destacada para a pouca quantidade de informaccedilotildees nas
questotildees da variabilidade e dos grafismos corporais possivelmente estaria ligada a perda
cultural indiacutegena que segundo Possuelo (2010) se compreenderia atraveacutes do processo do
contato entre os grupos indiacutegenas com os colonizadores e atraveacutes de uma poliacutetica de
aldeamento este contato ocasionou a ldquoquebra da espinha dorsal cultural dos grupos
indiacutegenasrdquo Nessa perspectiva Silva (2001) acredita que teriam sido este um dos motivos e um
dos pontos principais para perda da variedade graacutefica dos grupos indiacutegenas Kaigang atuais
No que tange as comparaccedilotildees entre os grafismos indiacutegenas Kaigang e as gravuras
rupestres pode-se perceber atraveacutes da analise bibliograacutefica que haacute semelhanccedilas entre os siacutetios
arqueoloacutegicos aqui destacados tanto entre si quanto com relaccedilatildeo aos grafismos corporais do
grupo indiacutegena Kaigang atual nos levando a crer que poderiam pertencer a um uacutenico e
homogecircneo sistema de representaccedilotildees visuais com continuidade clara possivelmente advindo
de uma mesma matriz cultural levantando questotildees com relaccedilatildeo agrave continuidade dos grupos
humanos na regiatildeo de estudo e a sua dispersatildeo geograacutefica no estado de Santa Catarina o
Macro Jecirc
Com relaccedilatildeo aos grafismos dos Xokleng do Extremo Sul catarinense natildeo podem
ser inferidas nem um tipo de analise referente ao mundo simboacutelico e seus grafismos pois natildeo
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913
_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas
exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
43
foram constatadas nas pesquisas bibliograacuteficas informaccedilotildees suficientes sobre as questotildees
graacuteficas para qualquer tipo de analise nota-se apenas uma correlaccedilatildeo entre os grafismos
Kaigang e os Xokleng quanto aos seus motivos (pontos e linhas) pois apresentam
similaridades nas formas No entanto no siacutetio arqueoloacutegico Toca do Tatu existem motivos
gravados similares aos grafismos associado a grupos Macro-Jecirc aqui apresentado (pontos
linhas formas circulares e zig e zag)
Sendo assim constatou-se que a regiatildeo do extremo sul catarinense foi permeada
por grupos humanos em periacuteodos cronoloacutegicos distintos pertencentes agrave matriz linguiacutestica
Macro-Jecirc Dentro dessa perspectiva observou-se que os motivos graacuteficos produzidos por tais
grupos satildeo predominantemente permeados de elementos geomeacutetricos que representam seu
cotidiano natural e simboacutelico (sonhos mundo dos mortos) Como perspectiva futura sobre o
tema da pesquisa vecirc-se nos siacutetios arqueoloacutegicos rupestres fonte de mateacuterias de identificaccedilatildeo e
correlaccedilatildeo que possa auxiliar na elucidaccedilatildeo das lacunas do passado indiacutegena da regiatildeo do
extremo sul catarinense
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913
_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas
exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
44
6 REFEREcircNCIAS
BECKER Iacutetala Irene Basile Iacutendio Kaigaacuteng no Rio Grande do Sul Satildeo Leopoldo ndash RS
UNISINOS 1995 333 p
_______ Iacutetala Irene Basile O Iacutendio Kaigaacuteng do Paranaacute Satildeo Leopoldo ndash RS UNISINOS
1999 344 p
BOAS Orlando Villas BOAS Claudio Villas Xingu os Iacutendios e seus Mitos Satildeo Paulo ndash
SP Edibolso 1975 232p
CAMPOS JB RIBEIRO LS RICKEN C ROSA RC SAVI CN ZOCCHE JJ
As gravuras Rupestres do Projeto Encosta da Serra no Sul do Estado de Santa Catarina
ARKEOS Portugal v 1 n 32 p 121-132 setembro 2012
CARVALHO Ricardo Artur Pereira Grafismo Indiacutegena compreendendo a representaccedilatildeo
abstrata na pintura corporal Asurini 2010 p 51 Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Graduaccedilatildeo
em Desenho Industrial) - Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro PUC-Rio
CEZARO H S BRAGA A S SANTOS M C P ZOCCHE J J CAMPOS J B A arte
rupestre do Extremo Sul Catarinense O caso do siacutetio Malacara I Santa Catarina Brasil
Revista de Tecnologia e Ambiente v 17 p 133-149 2011
CORTELETTI Rafael Projeto Arqueoloacutegico Alto Canoas ndash PARCA um estudo da
Presenccedila Jecirc no planalto catarinense 2012 p342 Tese (Doutorado em Arqueologia) ndash
Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
CUNHA Manuela Carneiro (Org) Histoacuteria dos Iacutendios no Brasil Satildeo Paulo ndash SP
Companhia das Letras 1992
DrsquoANGELIS Wilmar da Rocha O Avanccedilo Luso-Brasileiro sobre as Terras Kaigang do Oeste
Catarinense Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006 Disponiacutevel em
httpwwwportalkaingangorgindex_historia_3htm Acesso em 230913
_______ Wilmar da Rocha A Liacutengua Kaigang Portal Kaigang Satildeo Paulo 2006
Disponiacutevel em httpwwwportalkaingangorgindex_lingua_2_1htm Acesso em 190913
GALLOIS Dominique Tilking (org) Patrimocircnio Cultura Imaterial e Povos Indiacutegenas
exemplos no Amapaacute e norte do Para Satildeo Paulo ndash SP Iepeacute 2006 95 p
GASPAR Madu A Arte Rupestre no Brasil Rio de Janeiro Ed Jorge Zahar 2003
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
45
GOURHAN-LEROI Andreacute As religiotildees da Preacute-Histoacuteria Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70
1964
JAENISCH Damiana Bregalda A Arte Kaigang da Produccedilatildeo de Objetos Corpos e
Pessoas Imagens de relaccedilotildees nos territoacuterios das Bacias do Lago Guaiacuteba e Rio dos Sinos
2010 p 176 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio
Grande do Sul Porto Alegre
JUNG Carl G O Homem e seus Siacutembolos Rio de Janeiro ndash RJ Nova Fronteira 6ordf ediccedilatildeo
2008 p 316
LAVINA R O Xokleng de Santa Catarina uma etnohistoacuteria e sugestotildees para os
arqueoacutelogos 1994 p 166 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) - Aacuterea de Concentraccedilatildeo
Estudos Ibero-Americanos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ndash RS Satildeo Leopoldo
LEacuteVI-STARAUSS Claude Antropologia Social Tradutores Chaim Samuel Katz e Eginardo
Pires 3ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 456p
MELATTI Juacutelio Cesar Iacutendios do Brasil Satildeo Paulo ndash SP USP 2007
_______ Juacutelio Cesar Atlanto ndash Platina Jecirc Brasiacutelia ndash DF UNB p 01- 13 2011
MEMORIAS de Sydney Possuelo Produccedilatildeo de Pedro Caetano Brasiacutelia ndash DF TV cacircmara
2010 Disponiacutevel em
httpwww2camaralegbrcamaranoticiastvmateriasDOCUMENTARIOS195552-
MEMORIAS-SYDNEY-POSSUELO-UMA-VIDA-AMAZONICAhtml
MUSEU PARANAENSE Disponiacutevel em
httpwwwmuseuparanaenseprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=173
Acesso em 27de jul2013
NIMUENDAJUacute C As lendas da criaccedilatildeo e destruiccedilatildeo do mundo como fundamentos da
religiatildeo dos Apapocuacuteva Guarani Traduccedilatildeo de Charlotte Emmerich e Eduardo B Viveiros
de Castro Satildeo Paulo Hucitec Edusp 1987
_______ C Etnografia e indigenismo Campinas Unicamp 1993
NOELLI Francisco Silva A Ocupaccedilatildeo Humana na Regiatildeo Sul do Brasil Arqueologia
Debates e Perspectivas 1872-2000 Revista da USP Satildeo Paulo ndash SP n44 p 218-269
dezfev 1999-2000
PERES Jackson Alexandro Entre as Matas decircs Araucaacuteria cultura e historia Xokleng em
Santa Catarina (1850-1914) Setembro de 2009 p159 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash UFSC Santa Catarina
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
46
PROUS Andreacute Arqueologia Brasileira Brasiacutelia ndash DF Ed Universidade de Brasiacutelia 1992
p613
REIS Joseacute Alberione dos ldquoNatildeo pensa Muito Que Doacuteirdquo Porto Alegre ndash RS ediPUCRS
2010 303p
RIBEIRO BG Dicionaacuterio do Artesanato Indiacutegena Satildeo Paulo Ed da Universidade de Satildeo
Paulo vol 4 1988
RIBEIRO Darcy Os Iacutendios e a Civilizaccedilatildeo Satildeo Paulo ndash SP Companhia das Letras 2009
SANTOS Silvio Coelho Iacutendios e Brancos do Sul do Brasil a dramaacutetica experiecircncia dos
Xoklengs Florianoacutepolis ndash SC UFSC 1973
_______ Silvio Coelho O Homem Iacutendio Sobrevivente do Sul Porto Alegre ndash RS
Garatuja 1975
_______ Silvio Coelho Os Iacutendios Xokleng Memoacuteria Visual Florianoacutepolis ndash SC UFSC
1997 310 p
_______ Silvio Coelho Encontro de Estranhos Aleacutem do ldquoMAR OCEANOrdquo Etnograacutefica
Vol VII (2) 2003 p 431-448
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio De pedras e Homens In PROUS Andreacute (Org) Brasil Rupestre
a Arte Preacute-Histoacuterica Brasileira Curitiba zencraneLivros 2007 272 p
SCHMITZ Pedro Ignaacutecio CARBONERA Mirian Antes do Oeste Catarinense Chapecoacute ndash
SC Argos 2011 365 p
________ Pedro Ignaacutecio ARNT Fuacutelvio Vinicius BEBER Marcus Vinicius ROSA Andreacute
Osorio DEISI Sculnderlik de Farias Casas Subterracircneas no Planalto de Santa Catarina
Satildeo Joseacute do Serrito Pesquisas Antropologia Satildeo Leopoldo ndash RS Nordm68 p 07-78 2010
SILVA Andrea F NOELLI Francisco S Para uma Siacutentese dos Jecirc do Sul igualdade
diferenccedilas e duvidas para a etno-grafia etno-histoacuteria e arqueologia Estudos Ibero-
Americanos Rio Grande do Sul V22 n-01 p5-12 1996
SILVA Sergio Batista Etnoarqueologia dos Grafismos Kaigang um modelo para
compreensatildeo das sociedades Proto-Jecirc meridionais Junho de 2001 p366 Tese (Doutorado em
Antropologia Social) ndash Universidade Federal de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
______ Sergio Batista Dualismo e Cosmologia Kaigang o Xamatilde e o domiacutenio da Floresta
Horizontes Antropoloacutegicos Porto Alegre ndash RS ano 8 n18 2002 p 189 -209
VEIGA Juracilda Os Kaigang e os Xokleng no panorama dos Povos Jecirc LIAMES n04
2004 p 59 ndash 70
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
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ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
47
VELTHEM Lucia Hussak Van Artes indiacutegenas notas sobre a loacutegica dos corpos e dos
artefatos Textos escolhidos de cultura e arte populares Rio de Janeiro v7 n1 p 56-65
2010
VIEIRA Edna Elza Simbolismo e Reelaboraratildeo na Cultura Material dos Xokleng 2004
p112 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Cultural) Universidade Federal de Santa Catarina ndash
UFSC Santa Catarina
ZIG KOCH Banco de dados Disponiacutevel em
httpwwwnaturezabrasileiracombrfotos1366historiaaspxp=10ampfiltro=acervo|ampt=4
Acesso em 27 de jul2013
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
48
ANEXO
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
49
GLOSSAacuteRIO
Kiki
Bebida alcooacutelica produzida agrave base de aacutegua
e meacuteis diversos das abelhas sem ferratildeo
utilizada nos rituais Kaigang
Kuiacirc
E a nomenclatura dada o Xamatilde na cultura
Kaigang
Peacutein
Nomenclatura dada agravequeles que possuem
espiacuterito mais forte e podem lidar com os
mortos de qualquer uma das metades
exogamicas Kaingang Sempre os serviccedilos
fuacutenebres satildeo prestados pelos peacutein das duas
metades
Weinkupring
Considerada pelos Kaigang como aldeia
dos espiacuteritos dos mortos
teacutei e ror
Nomenclatura utilizada pelos Kaigag para
representar as pinturas corporais e as
metades exogacircmica
Konkei
E uma espeacutecie de grande gamela ou canoa
que seria traduccedilatildeo literal
Labrete
Entre os iacutendios brasileiros o labrete e um
tipo de adorno que se prende a um furo no
laacutebio inferior feito de materiais diversos
(ossos conchas resina endurecida
madeira) e com formatos variaacuteveis poreacutem
distinto do tembetaacute e do botoque
Semioacutetica
A Semioacutetica eacute uma teoria do
conhecimento Conhecer algo eacute representaacute-
lo atraveacutes de signos pois um signo sempre
representa alguma coisa seu objeto Tudo
pode ser representado atraveacutes de signos
veim Kongat
Nomenclatura utilizada pelos Kaigang para
dar nome agraves pinturas faciais
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