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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Faculdade de Educação
David Santos Pereira Chaves
Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da escola pública no
município do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”
Rio de Janeiro
2012
David Santos Pereira Chaves
Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da escola pública no município
do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”
Dissertação apresentada, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em Políticas Públicas e
Formação Humana, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
Orientadora: Prof.a Dra. Vânia Cardoso da Motta
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese.
___________________________________ ___________________
Assinatura Data
C512 Chaves, David Santos Pereira.
Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da
escola pública no município do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil” / David Santos Pereira Chaves. – 2012.
232 f.
Orientadora: Vânia Cardoso da Motta. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Educação.
1. Educação – Políticas públicas – Teses. 2. Educação – Administração – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 3. Instituto Ayrton
Senna. 4. Rio de Janeiro (RJ). Secretaria Municipal de Educação. I.
Motta, Vânia Cardoso da. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. III. Título.
rc CDU 37.014.5
CDU XXXX
David Santos Pereira Chaves
Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da escola pública no município
do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”
Dissertação apresentada, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em Políticas Públicas e
Formação Humana, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
Aprovada em 11 de outubro de 2012.
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof.a Dra. Vânia Cardoso da Motta (Orientadora)
Faculdade de Educação - UERJ
_____________________________________________
Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto
Faculdade de Educação - UERJ
_____________________________________________
Prof. Dr. Aparecida de Fatima Tiradentes dos Santos
Fundação Oswaldo Cruz
Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA
À Kelly Chaves
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao menino que nos nasceu, ao filho que se nos deu, cujo nome é maravilhoso,
conselheiro, pais da eternidade, príncipe da paz. Sem essa paz que excede a todo o
entendimento jamais conseguiria concluir mais uma árdua etapa da vida acadêmica. Ao que
era, e é, e há de vir...
Agradeço a todos os familiares, principalmente da ascendência direta (Adelino e Sylvia),
que sempre estiveram do meu lado, compadecendo-se das noites mal dormidas, das
madrugadas de leitura e do esgotamento físico e mental que são partes do sofrimento da vida
de um trabalhador brasileiro que decide se dedicar à pesquisa...
Agradeço à cidade de São Gonçalo, “namorada de NÓS os fluminenses”, minha cidade
natal, mais especificamente a todos os profissionais do Colégio Municipal Presidente Castello
Branco, local onde fui alfabetizado e conclui o ensino médio; enfim, uma segunda casa...
Doze anos de convivência com mestres, pessoal de apoio, colegas de turma...
À CAPES pela bolsa de estudos que me possibilitou ter acesso às literaturas que
compuseram esse trabalho e no financiamento dos deslocamentos para outros centros de
pesquisa que contribuíram muito para o acesso mais amplo ao campo de investigação
científica.
Agradeço a todo o pessoal da Secretaria do Programa de Pós-Graduação de Políticas
Públicas e Formação Humana, principalmente ao Felipe que sempre me atendeu em todas as
questões com todo empenho e excelência profissional. Da mesma forma, agradeço a todos os
professores do programa que contribuíram para a realização desse trabalho: Gaudêncio
Frigotto (grande fornecedor de materiais para leitura e alguém que me cativou pela
simplicidade), Emir Sader, Pablo Gentili, Esther e Ritto (discordâncias teóricas que me
fizeram amadurecer), Zacarias Gama (sábios conselhos).
Não poderia deixar de mencionar o professor Roberto Leher e o grupo de estudos que ele
coordena na Universidade Federal do Rio de Janeiro onde participamos de acalorados debates
que nos ajudaram a construir um referencial teórico-metodológico. Assim como não poderia
ficar de fora da lista de agradecimentos a professora Vera Peroni que nos forneceu um
excelente relatório realizado pelo grupo de estudos que ela coordena na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.
À minha orientadora Vânia Cardoso da Motta que é uma das pessoas mais incríveis que
conheci na minha vida. A liberdade de pensamento e expressão que ela permitiu que eu
tivesse foi determinante para que desenvolvesse um trabalho de pesquisa em que pudesse me
posicionar com efetividade, independentemente das discordâncias teóricas. Grande figura
humana!
Aos colegas de turma que dividiram comigo momentos de angústia, cansaço, decepções,
euforias e acalorados debates nas disciplinas cursadas ao longo desses dois anos.
Por fim, à Kelly Chaves: amor da minha vida!
[...] ao vencedor, as batatas.
Machado de Assis
RESUMO
CHAVES, David Santos Pereira. Instituto Ayrton Senna: ressignificando a função social da
escola pública no município do Rio de Janeiro através do “Programa Acelera Brasil”. 2012.
232f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Faculdade de
Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Esta dissertação tem o objetivo geral de analisar o protagonismo que o Instituto
Ayrton Senna (organização do “Terceiro Setor”) tem alcançado na escola pública ao
funcionar como braço operativo do empresariado com “responsabilidade social” na difusão da
concepção burguesa de mundo, num contexto histórico do “Neoliberalismo da Terceira Via”.
Esta penetração dos valores empresariais na escola pública se dá através do consenso em
torno da falência do Estado na prestação do serviço público que, por sua vez, deveria ser
prestado por organizações da sociedade civil (ONGs) em função de sua suposta maior
eficiência (pautada nos moldes do mercado). O objetivo específico é identificar como o
Instituto Ayrton Senna (IAS), através da concepção de cidadania burguesa pode ressignificar
o papel social da escola pública no município do Rio de Janeiro através do desenvolvimento
do “Programa Acelera Brasil” (“PAB”). A hipótese central é que o IAS, ao aplicar o “PAB”,
ressignifica o papel social da escola pública, atuando como operador do capital ao incorporar
a lógica fabril nas escolas públicas, (identificação da “qualidade” na educação com
certificação e treinamento para a realização de avaliações como condição de cidadania)
associada a uma face mais “humana” do capital, introduzindo elementos da “noção de capital
social”, que insere, entre outros, uma relação harmoniosa entre o Estado, a sociedade civil
(entendida como “Terceiro Setor”) e o mercado.
Palavras-chave: Instituto Ayrton Senna. Programa Acelera Brasil. Cidadania. Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
This paper aims to examine the general role that the Instituto Ayrton Senna (the
organization "Third Sector") has reached the public school to function as operational arm of
the business with "social responsibility" in spreading the bourgeois conception of the world,
in a context history "Neoliberalism Third Way". This penetration of business values in public
schools is through the consensus on the failure of the State in the provision of public service
that, in turn, should be provided by civil society organizations (NGOs) because of its
supposed greater efficiency (guided molds in the market). The specific objective is to identify
how the Instituto Ayrton Senna (IAS) through the bourgeois conception of citizenship can
reframe the social role of public schools in the municipality of Rio de Janeiro through the
development of "Program Accelerates Brazil". The central hypothesis is that the IAS, in
applying the "Program Accelerates Brazil" reframes the social role of the public school,
serving as operator of capital to incorporate the logic manufacturing in public schools
(identification of "quality" in education with certification and training conducting assessments
as a condition of citizenship) associated with a face more "human" capital, introducing
elements of the "notion of social capital," which operates, among others, a harmonious
relationship between the State, civil society (understood as "third Sector ") and the market.
Keywords: Instituto Ayrton Senna. Brazil Accelerates Program. Citizenship. Municipal
Education Secretariat of Rio de Janeiro.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Panorama Histórico IAS .................................................................... 66
Quadro 2 – Conselheiros IAS ............................................................................... 122
Figura 1 – Abrangência do Programa Acelera Brasil .......................................... 188
Quadro 3 – Critérios de Enturmação ..................................................................... 204
Figura 2 – Pesquisas Acadêmicas ........................................................................ 230
Figura 3 – Anexo da Portaria E/DGED Nº41 ...................................................... 232
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANEB Avaliação Nacional da Educação Básica.
ANRESC Avaliação Nacional do Rendimento Escolar.
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento.
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento.
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
CDES Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
CETEB Centro Tecnológico Educacional de Brasília.
FGV Fundação Getúlio Vargas.
FHC Fernando Henrique Cardoso.
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
IAS Instituto Ayrton Senna.
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
MTPE Movimento Todos Pela Educação.
MCB Movimento Brasil Competitivo.
MEC Ministério da Educação.
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
ODM Objetivos do Milênio.
OIT Organização Internacional do Trabalho.
ONG Organização Não Governamental.
ONU Organização das Nações Unidas.
OS Organização Social.
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
PAB Programa Acelera Brasil.
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
PPP Parceria Público-Privada.
PREAL Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe.
SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
SEDES Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
SME/RJ Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 16
1
CAPTANDO A ESSÊNCIA DO TODO E SUAS CONEXÕES
INTERNAS EM PERMANENTE MUTAÇÃO ............................................
22
1.1 Détour: a busca pela essência das coisas ......................................................... 26
1.2
Concepção gramsciana de Estado e Sociedade Civil: contraponto à noção
de “Terceiro Setor” e à noção de “Capital Humano rejuvenecido pela
noção de Capital Social” ...................................................................................
28
1.3
Intelectuais orgânicos: função essencial, para além do âmbito econômico,
organizar e dirigir uma vontade social coletiva tendo em vista o caráter
de classe na sociedade capitalista .....................................................................
31
1.4 Indivíduo: ser social por excelência a que as políticas públicas se destinam 33
1.5
Cidadania burguesa: ordenamento social e negação da categoria
totalidade ............................................................................................................
36
1.5.1 A noção de cidadania e sua conexão com a noção de “responsabilidade social” 38
1.5.2
Identificação liberal do conceito de cidadania com a democracia enquanto
categoria política e jurídica .................................................................................
40
1.6
Terceiro Setor e sua função ideológica: “hiato” entre o Estado e o
mercado ..............................................................................................................
42
1.6.1
Inconsistências do termo “Terceiro Setor” e seu uso ideológico em favor da
manutenção do capital enquanto relação .............................................................
44
1.7
Mudanças de perspectivas das ONGs no processo de reestruturação do
capital: de articuladoras e captadoras de recursos para os movimentos
sociais de enfrentamento ao Estado à composição com o ente público na
forma de parceria público-privada .................................................................
46
1.8
Rejuvenescimento da noção de “Capital humano”: ofensiva do capital ao
trabalho e perpetuação das desigualdades sociais .........................................
47
1.8.1
“Capital social”: noção de sociedade civil voltada para a cooperação e
atenuação dos efeitos da pobreza ........................................................................
50
1.9 “Programa Acelera Brasil”: a ressurreição de Comênius ............................. 52
1.10
Emancipação humana: ideal perseguido pelos socialistas versus
mistificação dos programas oficiais de educação da existência de uma
“democracia capitalista” ..................................................................................
56
1.11 Pricipais documentos a serem analisados ....................................................... 58
2
INSTITUTO AYRTON SENNA: CONSTRUINDO SEUS
REFERENCIAIS TEÓRICOS E DE AÇÃO EM CONSONÂNCIA COM
A REFORMA GERENCIAL DE ESTADO ...................................................
63
2.1
Contexto histórico de surgimento do Instituto Ayrton Senna: Reforma
Gerencial ............................................................................................................
64
2.1.1
Ratificação da Reforma Gerencial: normatização das parcerias público-
privadas e qualificação das organizações sociais ................................................
76
2.1.2
Influências internacionais na construção da imagem de um capitalismo “mais
humano” e “socialmente responsável” ................................................................
83
2.2
“Terceira Via”: nova face do neoliberalismo na suposta resposta às novas
expressões da questão social na virada do milênio .........................................
88
2.2.1
“Terceiro Setor”: a transferência da lógica das lutas dos movimentos sociais
pela construção de consensos e negociação entre as ONGs e o Estado ..............
93
2.2.2
“Responsabilidade Social” e trabalho “voluntário”: a participação do
empresariado na educação pública ......................................................................
97
2.3 Reconfiguração do Estado: entre o público e o privado ................................ 99
2.4 Considerações preliminares ............................................................................. 102
3
INSTITUTO AYRTON SENNA: OPERACIONALIZANDO O
CAPITAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS .........................................................
104
3.1
Avaliação: caminho para a transparência e revelador da “realidade da
educação pública” .............................................................................................
105
3.2 Missão do Instituto Ayrton Senna: promoção da cidadania ......................... 115
3.3
A atuação do Instituto Ayrton Senna como operador do capital na
sedimentação da hegemonia burguesa: cidadania como ordenamento
social ...................................................................................................................
119
3.4
Bases política e ideológica do Instituto Ayrton Senna: Movimento Brasil
Competitivo e Movimento Todos Pela Educação ...........................................
123
3.4.1
“Capital Humano Rejuvenescido” pelas noções de “capital social”,
“empreendedorismo”, “flexibilidade” e “qualidade total”: Movimento Brasil
Competitivo preparando o terreno para a criação do Movimento Todos Pela
Educação .............................................................................................................
123
3.4.2
Instituto Ayrton Senna e o Movimento Todos Pela Educação (MTPE):
sintonia fina .........................................................................................................
125
3.5 O Instituto Ayrton Senna e suas fontes de financiamento ............................ 128
3.6 Educação para o Desenvolvimento Humano .................................................. 133
3.7
Influências externas na construção do consenso da identificação da
educação de “qualidade”: correção do fluxo escolar, política de
premiações por mérito, uniformização das avaliações ..................................
139
3.8 Penetração do Instituto Ayrton Senna na sociedade política ........................ 142
3.9 Considerações preliminares ............................................................................. 148
4
“PROGRAMA ACELERA BRASIL”: A “FÓRMULA DO SUCESSO”
ESTÁ PRONTA ................................................................................................
152
4.1
Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações (SIASI): ferramenta
essencial para o gerenciamento dos programas educacionais
desenvolvidos pelo IAS .....................................................................................
152
4.2
Programas educacionais do Instituto Ayrton Senna: base para o pleno
desenvolvimento do “Acelera Brasil” ..............................................................
156
4.2.1 Programa Educacional “Se Liga” ........................................................................ 157
4.2.2 Circuito Campeão ............................................................................................... 157
4.2.3 Gestão Nota 10 .................................................................................................... 158
4.2.4 Fórmula da Vitória .............................................................................................. 159
4.3 Programa “Acelera Brasil”: antecedentes da proposta ................................. 159
4.3.1 “Acelera Brasil”: estruturação interna e funcionamento ..................................... 164
4.3.2
Acelerar para economizar: adequação à Reforma Gerencial e ataque à
composição sindical ............................................................................................
165
4.3.3
Subsunção real do trabalhador ao capital expresso na educação minimalista do
Programa “Acelera Brasil” ..................................................................................
168
4.3.4 Novo papel do professor no “Programa Acelera Brasil” .................................... 171
4.3.5 Dialética unilateral do “Programa Acelera Brasil” ............................................. 178
4.3.6
“Programa Acelera Brasil” é político: ataque à autonomia da escola na
elaboração de seu projeto político-pedagógico ...................................................
181
4.3.7
Gerenciamento profissional: supervisão e avaliação como produto e não como
meio de construção do conhecimento .................................................................
183
4.3.8
Abrangência do “Programa Acelera Brasil” e os parceiros filantrópicos
específicos para esse programa educacional .......................................................
187
4.4 Acelera Brasil e Fundação Roberto Marinho: sintonia metodológica ......... 189
4.4.1 Trabalho docente e formação continuada no Telecurso ...................................... 191
4.4.2
Formação dos educadores que utilizam o “Telecurso”: adequação à
metodologia estabelecida ....................................................................................
193
4.5
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro: novo fundamento
político-administrativo nas escolas (parcerias público-privadas) ................
197
4.6
Critérios de enturmação do Programa Acelera Brasil nas escolas
municipais de ensino fundamental da cidade do Rio de Janeiro ..................
203
4.7 Considerações preliminares ............................................................................. 205
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 208
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 218
ANEXO A - Comitê de ética em pesquisa ......................................................... 230
ANEXO B – Anexo da Portaria E/DGED n. 41 ................................................. 232
16
INTRODUÇÃO
A dissertação dividida em quatro capítulos procura problematizar a permissão dada
pelo poder legislativo municipal ao poder Executivo, representado pela Secretaria Municipal
de Educação da Cidade do Rio de Janeiro para estabelecer parecerias público-privadas na
execução dos programas de aceleração da aprendizagem para os alunos defasados na relação
série-idade. Com a eleição de Eduardo Paes no fim de 2008, uma nova concepção política-
administrativa foi sendo construída por intelectuais orgânicos ligados ao capital,
principalmente através dos meios de comunicação. Essa nova concepção parte do
reconhecimento do próprio Estado de sua ineficiência na prestação do serviço público e, em
função de suas limitações gerenciais, seria necessário chamar quem entende do assunto para
implementar e executar os programas de reforço escolar e aceleração da aprendizagem:
Instituto Ayrton Senna com o apoio filantrópico e intelectual dos empresários com
“responsabilidade social”.
Na concepção dos gestores do município do Rio de Janeiro (Prefeito Eduardo Paes e a
Secretaria Municipal de Educação Claudia Costin), o foco nodal do ataque à suposta má
qualidade da educação pública deveria começar por combater a repetência em massa e
promover a equalização do fluxo idade-série que é um dos componentes do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica no Brasil e do Índice de Desenvolvimento Humano.
Como alternativa ao problema da grande quantidade de repetentes na rede municipal de
educação do Rio de Janeiro foi implementado, ainda no ano de 2009, o “Programa Acelera
Brasil” sob a execução do Instituto Ayrton Senna e forte protagonismo intelectual-empresarial
na formulação da política pública de aceleração da aprendizagem através de alianças
estratégicas entre o Instituto Ayrton Senna, o Movimento Todos Pela Educação e a Fundação
Roberto Marinho, que são ONGs que possuem forte vinculação com o mundo empresarial
com “responsabilidade social”.
Ao longo dos quatro capítulos buscamos as respostas para duas questões que nos
intrigaram e foram o motor dessa pesquisa. Se encontramos, não sei. Mas realizamos um
esforço intelectual na direção de buscar as respostas. Em que medida o Instituto Ayrton Senna
tem ressignificado o papel social da escola pública, através do “Programa Acelera Brasil”,
atuado como um operador do capital dentro da escola pública no município do Rio de
Janeiro? Em que medida a missão do Instituto Ayrton Senna (“levar cidadania”) contribui
17
para criar um ethos de educação para o conformismo na maior rede de ensino público da
América Latina? (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f).
É fundamental esclarecermos que a pesquisa não se deu numa escola específica da
rede municipal, até mesmo porque nos três anos de execução do “Programa Acelera Brasil”
não teríamos elementos suficientes para analisar sua aplicabilidade; contudo, temos exemplos
da execução desse formato de programa em outras redes de ensino pública, não só no Brasil,
que nos dão pistas do processo de refuncionalização da escola pública através da adoção desse
programa educacional.
No Capítulo 1 “CAPTANDO A ESSÊNCIA DO TODO E SUAS CONEXÕES
INTERNAS EM PERMANENTE MUTAÇÃO”, fizemos uma revisão de literatura e
delineamos os caminhos a serem percorridos na construção dos demais capítulos no que diz
respeito aos referenciais teóricos e metodológicos a serem utilizados. Nesse primeiro capítulo
são elencadas as principais categorias, conceitos e noções que nos ajudarão a buscar a
essência dos fenômenos, o que está por trás da aparência imediata, numa análise dialética
materialista-histórica do movimento do capital para se manter hegemônico mesmo nos tempos
de crise.
O détour proposto nos permite compreender o falseamento da realidade e a
compreensão de uma concepção de Estado funcional ao capital através da difusão, por parte
de intelectuais orgânicos do capital de um “Terceiro Setor” que “representaria” a própria
sociedade civil, cheia de virtude em contraposição ao “Estado”. Ainda no primeiro capítulo,
utilizamos alguns documentos emitidos por organismos internacionais que orientam as ações
de governos que assumem o “Neoliberalismo da Terceira Via” (NEVES, 2005), e cujas
orientações são ressignificadas pelas burguesias locais para serem postos em prática em
função das resistências oferecidas pelos movimentos de base.
No capítulo 2 “INSTITUTO AYRTON SENNA: CONSTRUINDO SEUS
REFERENCIAIS TEÓRICOS E DE AÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A REFORMA
GERENCIAL DE ESTADO”, abordaremos o momento histórico em que se deu o surgimento
do Instituto Ayrton Senna e em que bases conceituais foram desenvolvidos seus referenciais
teórico-metodológicos ou ideológico-políticos. Partimos da análise da Reforma Gerencial do
Estado Brasileiro que se efetivou no ano de 1995, mas já vinha sendo discutida desde o fim da
década de 1980 com o Tratado de Washington (1989). Nesse momento histórico, o Instituto
Ayrton Senna é criado, em 1994, em consonância com as propostas do governo federal,
autoproclamado socialdemocracia brasileira, que via a necessidade de se reformar a prestação
do serviço público das áreas tidas como não típicas de Estado, dentre elas a área social.
18
Nesse contexto, o Instituto Ayrton Senna aparece como um dos principais parceiros do
Estado na prestação do serviço público na área educacional, tendo como referencial maior a
lógica da produtividade mercantil. O Instituto surge como uma Organização da Sociedade
Civil Sem Fins Lucrativos que passa a assinar contratos de prestação de serviço público com
o Estado em função do processo de “publicização” iniciado na Reforma Gerencial da década
de 1990. Dentro da lógica da Reforma Gerencial do Estado brasileiro, com pitadas de
atendimentos pontuais à questão social na virada do milênio, o Instituto Ayrton Senna adota
os preceitos da chamada “Terceira Via” que já vinham sendo implementados principalmente
na Inglaterra com a chegada do partido trabalhista inglês ao governo, numa tentativa de dar
uma face menos cruel do capitalismo através do atendimento pontual de serviços na área
social objetivando evitar rupturas sociais por parte dos desfavorecidos na distribuição da
riqueza.
A delegação da construção dessa nova hegemonia do capital, já na virada do milênio,
(menos cruel, chamada por Lúcia Neves de “Neoliberalismo da Terceira Via”) que
incorporava atuações pontuais na “questão social” marca uma mudança de delegação de
competência: a burguesia nacional não deixava apenas nas mãos do Estado a produção da
hegemonia. Agora, uma “sociedade civil” virtuosa (identificada como “Terceiro Setor”)
estaria mais capacitada para promover essa nova hegemonia, mesmo que a burguesia recorra
ao Estado quando há necessidade do uso da força para se manter hegemônica. Dentre as
organizações da sociedade civil que ganham destaque na produção da nova hegemonia do
capital destacamos o Instituto Ayrton Senna que atua num lócus privilegiado: a escola
pública.
No capítulo 3 “INSTITUTO AYRTON SENNA: OPERACIONALIZANDO O
CAPITAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS”, analisamos como as políticas de avaliação
introduzidas pelo Ministério da Educação têm servido para sedimentar o consenso em torno
da “má qualidade” da educação pública. Critérios escolhidos arbitrariamente que selecionam
as habilidades a serem avaliadas revelam o óbvio na educação pública: sem investimentos na
equalização da distribuição da riqueza, os “pobres” cada vez mais veem menos significado na
escola e são muitas das vezes obrigados a deixar a escola para ingressar prematuramente no
mercado para garantir a sobrevivência. É a avaliação que atua como determinante do discurso
do fracasso do Estado em levar cidadania de forma igualitária a todos os indivíduos; nesse
caso, a concepção de cidadania é aquela que englobaria um conjunto de direitos e deveres a
serem gozados e cumpridos pelos indivíduos, dentre eles, o direito a ter uma educação de
“qualidade”.
19
A partir da constatação de que a educação pública não ofereceria “qualidade” aos
cidadãos que dependem dela, discutimos a concepção de “qualidade” adotada pelo Instituto
Ayrton Senna nos seus programas educacionais que a identifica como apreensão de um
conhecimento básico: ler, escrever e contar, que se realiza por meio de pacotes e treinamentos
para fazer avaliações externas, visando resultados por produtividade. Dessa forma, treinar
alunos para fazer as provas do INEP e acelerar os alunos com defasagem de idade-série,
diplomando-os numa reprodução da lógica fabril, é a educação de “qualidade” que o Instituto
Ayrton Senna leva aos indivíduos que estariam alijados do gozo de um dos direitos
compreendidos em torno da noção de cidadania.
Nesse ponto, problematizamos a questão da missão do Instituto Ayrton Senna: levar
cidadania às crianças e jovens pobres. Abordamos a concepção de cidadania levantada pelo
Instituto Ayrton Senna como uma forma de ordenamento social à medida que incorpora os
preceitos defendidos pela UNESCO para o Desenvolvimento Humano, focado em metas que
habilitariam aos pobres saberem conviver com as dificuldades do capitalismo em crise.
Os quatro pilares da UNESCO para o Desenvolvimento Humano incorporam a noção de
“capital humano rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “flexibilidade”,
“empreendedorismo”, “qualidade total” como forma de oferecer as ferramentas para os
cidadãos terem a possibilidade de sobreviver ao capital. Contudo, o discurso e a ação do
Instituto Ayrton Senna vão ao encontro do consenso que se formou em torno do Estado falido
e da sociedade civil virtuosa (transmutada num “Terceiro Setor”) que teria o mercado como
modelo a ser seguido nas escolas públicas. A educação deveria ser encarada como qualquer
outra mercadoria e administrada por quem entende de negócios: os empresários.
É nessa aproximação do Instituto Ayrton Senna com os empresários ditos filantrópicos
(não podemos esquecer que se não há incentivos fiscais, não há filantropia), organizados
principalmente em torno do “Movimento Todos Pela Educação” que o Instituto atua como
difusor da hegemonia empresarial em seus programas educacionais dentro da escola pública,
sob o manto da “responsabilidade social” dos empresários em levar cidadania aos “pobres”
através de sua concepção de educação de “qualidade”. Nesse movimento da atuação na escola
do bairro ao estabelecimento de parcerias com o Ministério da Educação e Cultura, a
penetração dos valores que acompanham o Instituto Ayrton Senna e os empresários
“filantrópicos”, que compõem a maior parte dos integrantes do “Movimento Todos Pela
Educação”, está se constituindo na referência de como deve ser a escola pública, os elementos
a serem problematizados.
20
Enquanto isso, a função social da escola de elevar as massas aos níveis mais elevados da
cultura e o acesso aos bens produzidos pela humanidade vai sendo substituída pela velha
lógica fabril capitalista de “treinamento” das habilidades que serão exigidas pelo INEP
(principalmente na “Prova Brasil”) e de diplomar a maior quantidade de indivíduos na menor
quantidade de tempo e ao menor custo possível. Essa lógica fabril ganha novo contorno ao dar
uma face mais “humana” ao capital, introduzindo elementos da “noção de capital social”, que
insere, entre outros, uma relação harmoniosa entre o Estado, a sociedade civil (entendida
como “Terceiro Setor”) e o mercado.
No capítulo 4 “PROGRAMA ACELERA BRASIL”: A “FÓRMULA DO SUCESSO”
ESTÁ PRONTA, analisamos os programas educacionais do Instituto Ayrton Senna que
servem de suporte para o funcionamento do “Programa Acelera Brasil” (carro-chefe do
Instituto). A discussão em torno do funcionamento do “Programa Acelera Brasil” passa
necessariamente pela adoção do pacote de conhecimentos planificados chamado de
“Pedagogia do Sucesso” que é adotado pelo Instituto Ayrton Senna quando implementa seu
programa de aceleração da aprendizagem.
A problemática desenvolvida nesse capítulo gira em torno de como o “Programa Acelera
Brasil” funciona, destacando-se as contribuições da “Pedagogia do Sucesso” desenvolvida
pelo CETEB e incorporada pelo Instituto Ayrton Senna no programa e as metodologias de
ensino do “Telecurso” da Fundação Roberto Marinho. A discussão circunscreve a forma
como o conhecimento é construído, pois é apresentado pelo Instituto Ayrton Senna, através
do “Programa Acelera Brasil”, como pronto e acabado, que deve ser posto em prática
seguindo o manual prescrito na “Pedagogia do Sucesso” sob pena de por “tudo a perder” no
plano de diplomação dos indivíduos com defasagem idade-série. A questão trabalhada nesse
capítulo é o “novo” papel que o professor deverá ocupar na sala de aula: cuidar que o material
de ensino seja cumprido, sem problematizações consideradas “invencionices” sob o pretexto
de atividades criadoras.
Uma das questões centrais adotadas pela gestão do Prefeito Eduardo Paes e pela Secretaria
Municipal de Educação Claudia Costin foi o ataque aos índices elevados de repetência desde
o primeiro ano de mandato em 2009. O novo fundamento político-administrativo
implementado pela dupla Paes-Costin entre 2009 e 2012 foi-se construindo baseado num
consenso construído na sociedade civil da necessidade de um maior protagonismo da
sociedade civil (“Terceiro Setor”) com direção intelectual e moral do empresariado
“filantrópico” e responsável socialmente em função de sua eficácia gerencial.
21
O capítulo confronta a concepção de indivíduo adotada pelo novo fundamento político-
administrativo imposto na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro ao adotar
critérios de enturmação arbitrários que desconsideram as condições emocionais, históricas,
psicológicas dos alunos-indivíduos que são tratados como produtos de uma fábrica de
diplomas.
Por fim, tecemos as considerações finais sobre a pesquisa desenvolvida e levantamos a
questão da necessidade de uma ciência comprometida com os interesses dos trabalhadores e a
necessidade de “descolonização” do Estado capitalista com vistas à promoção da
emancipação humana.
22
1 CAPTANDO A ESSÊNCIA DO TODO E SUAS CONEXÕES INTERNAS EM
PERMANENTE MUTAÇÃO.
Nesse primeiro capítulo pretendemos fazer uma ampla revisão de literatura, necessária
para nos indicar como olharemos teoricamente para as categorias, conceitos e noções chaves,
desenvolvidas ao longo de nosso trabalho, e o método utilizado na apropriação da teoria e sua
colocação em prática visando à transformação da realidade. Esse capítulo além de revisão
teórico-metodológica pretende fazer uma introdução geral da pesquisa.
O referencial teórico-metodológico a ser utilizado é o marxista como condutor de
investigação e análises, uma vez que a escola (que é uma instituição social) ao ser analisada,
deve ser levada em consideração em sua historicidade e base material. Tomaremos a escola
como instituição mediadora dentro da sociedade regulada pelo capital, entendendo que a
educação pode ser um importante instrumento na construção de uma nova hegemonia,
visando à superação do capital, uma vez que não nos propomos a reduzir a escola a um mero
instrumento de reprodução do capital.
[...] escola que não é por natureza capitalista no interior desse modo de produção tende a ser articulada com os interesses do capital, mas exatamente por não ser inerente ou orgânica deste modo de produção, pode articular-se com outros interesses antagônicos ao capital. (FRIGOTTO, 2010, p. 35).
Adotar o materialismo histórico como referencial teórico-metodológico implica buscar
o que está por trás da aparência de um fenômeno e buscar uma ciência que esteja a serviço
dos trabalhadores. Nessa direção, tomamos o conhecimento como a possibilidade de
compreensão da realidade em sua concretude, através das conexões internas objetivas
(materiais) dos processos a serem estudados, visando à contradição, o conflito. Implica
rejeitar o que se apresenta como verdadeiro a priori e rejeitar a reificação do existente.
(KOSIK, 1976).
Analisar a escola pública, como quaisquer outros processos, sobre a ótica do
materialismo histórico é identificar que toda essência é produto histórico de relações sociais.
Daí a preocupação em identificar os processos históricos que têm levado parcelas
significativas da sociedade civil a aderir ao discurso que afirma ser de qualidade máxima a
essência do serviço prestado pelo mercado, em razão do alto grau competitividade em que se
dá, e que a essência do serviço prestado pelo Estado seria o burocratismo e a falta de
compromisso com a qualidade e os resultados.
23
Quando a ciência é utilizada a serviço do capital, sua preocupação central é atuar de
maneira focalizada para resolver um problema identificado, ou seja, atacam-se as
consequências oriundas de um determinado processo ao invés de buscar as determinações
históricas que levaram ao seu surgimento. Nega-se a história e a totalidade da produção das
relações sociais com o objetivo de ocultar que o surgimento de determinados problemas
sociais (como a falta de investimentos na escola pública) têm sua origem dentro do próprio
sistema de reprodução do capital.
Uma análise dialética da parceria público/privada (PPP) entre a Secretária Municipal
de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o Instituto Ayrton Senna (IAS) para a prestação
do serviço educacional de aceleração da aprendizagem dos alunos do ensino fundamental
pressupõe conceber que a realidade não existe fora de si mesma, considerando que a própria
razão, historicamente, possui limitações. A análise dialética não busca a relação causa-efeito
como produto final de um fenômeno, mas parte da revisão desse fenômeno em direção à
busca pela sua essência na construção e desenvolvimento do conhecimento.
Caso venhamos a partir de verdades absolutas, submetendo o conhecimento à “camisa
de força” de determinados elementos fundamentais da teoria, negamos a proposta dialética de
reconhecer nos objetos que nem tudo é pura positividade nem tudo é pura negatividade. Nosso
objetivo não é discutir somente a relação causa-efeito da PPP na educação pública do ensino
fundamental no município do Rio de Janeiro, mas pensar os elementos culturais, econômicos,
simbólicos, políticos que levaram à adoção desse modelo de execução da política pública
educacional e sua legitimação diante de parte dos profissionais da educação e dos indivíduos
atendidos pelo programa educacional “Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna.
Miriam Limoeiro Cardoso (1971, p. 3) ao afirmar que “a realidade que a pesquisa
pretende conhecer permanece sempre mais rica do que a teoria a que ela se refere”, nos indica
que há um papel de destaque para o sujeito na realização da pesquisa no que tange à escolha
da teoria a ser adotada e escolha perceptiva dos critérios considerados mais relevantes, e os
que são secundários para nos guiar na apreensão e interpretação do real. Não há neutralidade,
mas intervenção crítica do pesquisador nas análises do objeto de estudo.
Elegemos como ponto de partida fundamental para compreensão do nosso objeto de
estudo a adoção de uma ciência comprometida com os interesses da classe trabalhadora,
ligada à prática e revolucionária, com a finalidade de modificar o real. Entendemos ser
necessário dar o devido destaque ao indivíduo, como o ator central a quem as políticas
públicas devem se dirigir e não a sobrepujança dos interesses das relações sociais que
24
perpetuam o sistema capitalista de produção, sem perder de vista a condição histórica de
sujeito numa sociedade de classes.
Em nossa busca pela compreensão da parceria público-privada (PPP) celebrada entre a
Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o Instituto Ayrton
Senna (IAS) na prestação de serviços de reforço educacional de aceleração da aprendizagem,
verificamos a necessidade de ir além do que se nos apresenta aparentemente, ir em busca da
essência do fenômeno.
Concebemos o método materialista histórico como uma forma de compreender o
mundo em sua totalidade concreta no conjunto de suas manifestações, seja no campo cultural,
simbólico, econômico, político. Como Marx pensou sua crítica ao que havia de mais
contemporâneo em sua época, que era a economia política clássica, nossa análise partirá do
que há de mais contemporâneo em termos de conhecimento: a ciência burguesa, inscrita no
contexto histórico de reestruturação do capital a partir da década de 1970.
Adotaremos uma hierarquia teórica baseada, não no surgimento sequencial dos fatos
na história, mas em função da importância em que as categorias, conceitos e noções irão
aparecendo em nosso trabalho.
Cuidando não cair em abstrações esvaziadas de significado no processo de
generalizações e naturalizar o que é histórico, constatamos a importância de estabelecer àquilo
que denominaremos de categoria, de conceito e de noção. Por categoria entenderemos
“aquelas que têm profundidade teórica, porque encaminham justamente para as
especificidades. Ajudam a localizar as diferenças e é nelas que ganham o seu sentido”.
(CARDOSO, 1990, p.8). As categorias que nos ajudarão na busca pelo real em nosso
trabalho, para análise da PPP entre a SME/RJ e o Instituto Ayrton Senna, serão a totalidade,
contradição, Estado Ampliado, alienação e práxis em função da profundidade teórica que
apresentam.
Por sua vez, os conceitos serão entendidos como generalizações do real que não
possuem a mesma profundidade teórica que as categorias e em razão disso “camuflam as
diferenças e uniformizam a diversidade. Deformam e bloqueiam a compreensão, em lugar de
favorecê-la”. (CARDOSO, 1990, p. 8). Os conceitos que utilizaremos em nosso trabalho serão
o de cidadania e indivíduo, em função da ciência burguesa os utilizar com a finalidade de
camuflar as contradições internas existentes no todo social e dar-lhes um novo significado
descolado da concretude histórica da sociedade - entendida como a totalidade das relações
sociais, com suas contradições, e não como a soma de partes autônomas.
25
Na hierarquia teórica que pretendemos seguir, recorreremos, por fim, às noções que
entenderemos como generalizações que buscam elaborar constructos teóricos, porém são mais
frágeis do que as categorias e conceitos no movimento contraditório de apreensão da essência
da realidade. As noções reproduzirem espontaneamente na consciência humana como
verdades imediatas o que se apresenta como aparente, sem as mediações que nos permitirão
chegar à raiz das determinações do real. Recorreremos a importantes noções na compreensão
dos pressupostos teóricos seguidos pelo Instituto Ayrton Senna no que diz respeito à
concepção utilitarista da educação e à noção de sociedade civil como local de cooperação e
harmonia. Uma noção central em nossa análise será a de “Terceiro Setor” (identificado na
imediaticidade como a própria sociedade civil) como promotor da noção de “capital humano
rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “flexibilidade”,
“qualidade total”.
Contudo, essas categorias, conceitos e noções têm de ser saturadas de historicidade
(FRIGOTTO, 1994), pois sozinhos não dão conta de explicar a realidade; logo, faz-se
necessário estabelecer conexões internas aos fenômenos num terreno objetivo - material -
determinado, recorrer às mediações no campo econômico, político, simbólico, cultural com o
escopo de se chegar às particularidades e a uma concepção de realidade no seu conjunto.
Chamando a atenção para o papel fundamental do historicismo na formulação dos problemas
investigativos, Kosik (1976, p. 138) nos aponta a necessidade de “captar e determinar sua
relação íntima com outros problemas”. É a busca por procurar entender, por exemplo, como
um modelo educacional tecnocrático e funcionalista ao mercado, cuja característica maior é a
suplantação da autonomia didático-pedagógica, é tomado por padrão de qualidade por
profissionais da educação pública que durante décadas lutaram por maior autonomia didático-
pedagógica.
Conforme nos adverte Barata-Moura (1997), a saturação de historicidade das
categorias é fundamental na compreensão dos sistemas não como totalidades conclusas, que
colocariam a história como elemento exterior e ocultaria a ação dos homens na construção
desses sistemas. Assim, a tentativa de apresentar o sistema capitalista como etapa inevitável e
exterior à ação dos homens é um valioso argumento utilizado pelos intelectuais orgânicos do
capital com o objetivo de desmobilizar a ação revolucionária alternativa a esse sistema.
Dessa forma, utilizaremos o método dialético do materialismo histórico com a
finalidade de se chegar à raiz das determinações da realidade, procurando suas contradições,
um ir além das aparências imediatas que se nos apresentam como verdades explicativas, é
26
buscar a interpretação do mundo real sem desconsiderar que o conhecimento é produzido
historicamente, portanto, é parcial.
A dialética trata da ‘coisa em si’. Mas a ‘coisa em si’ não se manifesta imediatamente ao homem [...] Portanto, a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um aspecto que cumpre instruir, analisar e compreender teoricamente, cujo pólo oposto e complementar seja justamente o sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e apartado do
mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade. (KOSIK, 1976, p. 13-14).
Nossa preocupação ao adotar o método dialético materialista histórico começa por não
identificar o concreto com o ponto de partida, como procuraram fazer os pesquisadores que
veem nos dados coletados e tratados, através de técnicas específicas, o maior afastamento do
sujeito e, por conseguinte, maior objetividade no achado, o que levaria ao real. Assim,
identificam o resultado de uma pesquisa baseada em dados abstratos com uma realidade
concreta1.
Objetivando evitar confusão teórico-metodológica entre o ponto de partida e concreto,
nos concentraremos a realizar o détour proposto por Kosik (1976) e que está presente também
no texto de Mirian Limoeiro Cardoso (1990). Sabendo que a ideologia é parte do problema
científico e que a soma das partes, pode até captar elementos da realidade, mas não capta suas
determinações na totalidade.
1.1 Détour: a busca pela essência das coisas.
Esse détour (KOSIK, 1976) entende o concreto como uma representação imediata do
todo na forma de caos que se torna compreensível através da mediação das abstrações,
afastando-se, cada vez mais, do que é dado a priori, submetendo à critica os conceitos e
noções que se pretendem originados na realidade. Nesse processo científico que se dá no
plano abstrato buscam-se as determinações, que partindo das mais simples às mais complexas
nos municiarão a fazer as criticas no processo inverso, repensando o que se nos apresentou
como verdade imediata.
Sabendo que o pensamento não é capaz de reproduzir a realidade em si, ressaltamos
que esse détour, como movimento contraditório nos planos concreto e abstrato, não produz a
1 Anotações de aula feitas por mim, no dia 13 de maio de 2011, das discussões coordenadas pelo professor Dr. Roberto Leher
no grupo de pesquisa em educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
27
realidade, mas nos permite a percepção de parte da realidade por aproximações; caso
contrário, corremos o risco de cair numa concepção idealista de ciência e identificar a
realidade com o pensamento. Não pretendemos identificar o pensamento como anterior à
realidade, mas, ao contrário, o pensamento parte da realidade na busca pela compreensão de
sua essência.
A utilização do método dialético marxista nos fornece subsídios para submeter à
crítica aquilo que se apresenta na imediaticidade como a manifestação naturalizada da
verdade. Assim, esse método nos ajuda a submeter à crítica o conceito de indivíduo
naturalizado pela concepção atomizada dentro da sociedade burguesa, reificada pela
concepção liberal – desde os contratualistas clássicos até os neoconservadores -, a crítica à
utilização ideológica do termo “Terceiro Setor” e a crítica à noção de “capital humano
rejuvenescido”.
Partindo desses conceitos e noções que se apresentam como verdades reveladas,
submetendo-os à análise, buscaremos, no plano das abstrações, identificar os determinantes
que, ao longo dos anos, procuram naturalizar os conceitos e noções que postulam o discurso
do fracasso do Estado na prestação do serviço público de qualidade e a necessidade da
contratação, via PPP, de parceiros privados mais “capazes e eficazes” na prestação desse
serviço público.
No momento posterior, munidos das determinações que podem legitimar o discurso da
necessidade da PPP, alcançadas através da utilização da teoria no plano abstrato, buscaremos
compreender as conexões internas que ligam essas determinações e voltaremos ao que nos foi
dado a priori como conceitos e noções verdadeiras da realidade com a finalidade de voltar ao
concreto inicial como um concreto pensado no plano teórico-abstrato e tratar os conceitos e
noções legitimadores da PPP sob o prisma de uma nova forma de metabolismo do capital, não
mais como a soma de partes desconexas, mas como totalidade concreta que é apreendida,
mesmo que aproximadamente, através da indagação – que é o motor da ciência.
Utilizar o método dialético do materialismo histórico é situar o debate envolvendo a
penetração do “Terceiro Setor” na prestação de serviços públicos na área social num contexto
da totalidade da reestruturação que o sistema capitalista tem passado nos últimos 40 anos. É
compreender que a ciência não se apresenta como neutra, mas, pelo contrário, está envolta às
lutas de classes, das contradições no interior da sociedade expressas nos interesses
econômicos classistas, a partir dos quais se elaboram os interesses ideológicos, simbólicos,
culturais e políticos.
28
A opção por utilizar esse método de pesquisa é a busca de desenvolver uma ciência
voltada aos interesses da classe trabalhadora e seus filhos, objetivando interpretar as novas
estratégias que o capital tem se utilizado para o desenvolvimento de uma educação para o
consenso em torno da possível “inevitabilidade” do capital e da naturalização das
desigualdades sociais, apresentadas como pertencentes à essência humana. Daí a necessidade
de se pensar o método dialético materialista histórico em função da práxis revolucionária,
cujo objetivo maior seria a busca pelo fim das desigualdades sociais, transitar para um novo
modo de produção.
Como nosso trabalho trata especificamente da PPP estabelecida entre a SME/RJ e o
Instituto Ayrton Senna, através do programa de aceleração da aprendizagem “Programa
Acelera Brasil”, nosso objetivo é chegar à raiz da determinação do discurso envolvendo essa
PPP e a concepção de fazer ciência que ela tem difundido entre milhares de estudantes do
ensino fundamental das escolas municipais da cidade do Rio de Janeiro. Pretendemos realizar
o détour na busca por compreender como os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB), apresentados de forma isolada das conexões internas dos fatores
históricos e sociais, não representam a essência da realidade. (INEP, 2012).
1.2 Concepção gramsciana de Estado e Sociedade Civil: contraponto à noção de
“Terceiro Setor” e à noção de “Capital Humano Rejuvenescido pela noção de Capital
Social”
Seguindo a hierarquia do aparecimento das categorias com maior amplitude teórica em
nosso trabalho, as concepções de Estado e sociedade civil ganham destaque ao adotarmos as
reflexões gramscianas como referencial teórico.
A instituição escolar será analisada pela categoria gramsciana de Estado Ampliado
(GRAMSCI, 1968), ou seja, o somatório da sociedade política (aparelhos coercitivos de
Estado) com a sociedade civil (local onde os aparelhos privados de hegemonia disputam a
produção da ideologia dominante). Dessa forma, a escola é entendida como um desses
aparelhos privados de hegemonia e como espaço necessário à formação da nova ordem
intelectual e moral.
Entendemos que fica patente o uso do método marxista por Gramsci quando amplia a
teoria da concepção de Estado identificado não apenas como um comitê executivo da
29
burguesia, mas utiliza-se da história para analisar o desenvolvimento da articulação da
sociedade civil, composta por aparelhos privados de hegemonia, com os aparelhos repressivos
do Estado – sociedade política.
Percebemos que Gramsci satura de historicidade a categoria Estado e dá-lhe um novo
significado, cuja ampliação se deu em função dos contornos históricos compatíveis com as
transformações pelas quais passavam os países ocidentais2, ou seja, esse movimento de
saturação de historicidade da categoria Estado exigiu de Gramsci um détour, cujo ponto de
partida se dá no abstrato e executa um movimento do pensamento em busca das
determinações e suas conexões internas com o objetivo de entender e captar o movimento de
como se dá a passagem de uma forma de organização estatal menos complexa para uma forma
mais complexa.
Coutinho (2007) nos indica que Gramsci estabelece um elemento primeiro que lhe
permite elaborar as categorias mais complexas e ricas de seus estudos, tais como ideologia,
hegemonia, sociedade civil e sociedade política. Esse elemento primeiro seria a distinção ente
as classes sociais antagônicas e complementares entre si. Antagônicas na distinção entre
governados e governantes e complementares porque cada uma só tem sua existência em
função da outra.
A partir desse elemento primeiro, Gramsci procura nessas distinções entre as classes
sociais antagônicas, diferenciações dentro da esfera política (superestrutural), buscando,
através da dialética materialista histórica, as determinações e suas conexões internas que
possibilitam aos aparelhos privados de hegemonia influir e perpassarem a esfera política
(aparelhos estatais de coação).
É importante observarmos que a concepção de Estado elaborada por Gramsci não
contradiz a essência da contradição entre as classes e o aparato repressivo do Estado; contudo,
em função do momento histórico em que estava vivendo, saturou de historicidade a categoria
Estado e percebeu que “a sociedade civil vai se tornando uma esfera de relativa autonomia
frente à esfera econômica e aos aparatos repressivos de Estado” (MOTTA, 2007, p. 101).
Em relação a essa reflexão, cabe ressaltar que Gramsci não só adota o método
marxista de análise da realidade como entende que o Estado é classista; portanto, o Estado
capitalista é o responsável pela manutenção do capital enquanto relação, ele não é o Estado da
burguesia industrial ou da burguesia financeira, mas é o Estado capitalista que vai garantir a
manutenção desse modo de produção, embora haja disputas intra-classistas no campo
2 Para Gramsci a divisão entre Estado ocidental e Estado oriental não possuía uma caráter geográfico, mas sim do
desenvolvimento das relações sociais do sistema capitalista de produção. Para maiores esclarecimentos, Cf. Coutinho (2007).
30
ideológico entre diferentes frações da burguesia, desde que o capital enquanto relação esteja
mantida.
A gênese do Estado reside na divisão da sociedade em classes, razão por que ele só existe quando e enquanto existir essa divisão (que decorre, por sua vez, das relações sociais de produção); e a função do Estado é precisamente a de conservar e reproduzir tal divisão, garantindo assim que os interesses comuns de uma classe particular se imponham como o
interesse geral da sociedade. (COUTINHO, 2007, p. 125-126).
Na mesma direção da citação anterior, O’Donnel (1981) tem como tese fundamental
que o Estado de classes funciona como fiador da manutenção do modo de produção da classe
que domina economicamente, política e ideologicamente as demais. Nesse caso, o Estado
burguês é a garantia para a classe dominante burguesa que o capital, enquanto relação, estará
garantido pela esfera política; todavia, há uma disputa ideológica intra e extraclasse visando à
obtenção do consenso das demais classes em torno do projeto de uma classe particular
específica. Conforme observa Coutinho:
De acordo com o método dialético, Gramsci vê o movimento social como um campo de alternativas, como uma luta de tendências, cujo desenlace não está assegurado por nenhum ‘determinismo econômico’ de sentido unívoco, mas depende do resultado da luta entre vontades coletivas organizadas (COUTINHO, 2007, p.43).
A sociedade civil, vista por Gramsci com suas determinações próprias, ao conseguir
certa autonomia em relação à sociedade política, funciona como um verdadeiro campo de
batalha política e ideológica na busca pelo consenso em torno de um projeto societário
hegemônico de uma classe, mediando, através dos aparelhos privados de hegemonia, a
estrutura econômica e o Estado na sua função coercitiva.
Nossa opção pela utilização da concepção gramsciana de Estado como síntese da
sociedade política com a sociedade civil nos permite concluir que enquanto a sociedade
política funciona como o aparato de coação, a sociedade civil tem certa independência em
relação à sociedade política; entretanto, a sociedade civil perpassa a sociedade política num
funcionamento simbiótico, cuja síntese se traduz na concepção ampliada de Estado
desenvolvida por Gramsci.
Analisar a categoria gramsciana de Estado ampliado, sob a ótica do método marxista,
nos permite contrapor ao conceito de um “Terceiro Setor”, situado entre o Estado (1º setor) e
o mercado (2º setor) que seriam independentes e não comunicáveis entre si; como se a
sociedade civil não perpassasse a sociedade política, além da tentativa de se hegemonizar a
31
ideia de um “Terceiro Setor” sem quaisquer ligações com os “outros dois”, como se fosse a
própria sociedade civil.
Ao adotarmos como referencial teórico a concepção de Estado ampliado de Gramsci,
realizamos um détour em busca da captura dos elementos que “legitimam” a noção de
sociedade civil como local de harmonia e cooperação, ao invés de uma arena de batalhas
ideológicas classistas. É a busca da essência da noção de “Terceiro Setor” e da noção de
“capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital social”, é um ir além das aparências
fenomênicas em busca dos mecanismos utilizados pelos intelectuais orgânicos burgueses no
movimento de ocultação do fato da sociedade política e a sociedade civil serem classistas,
intercambiáveis, simbióticas.
O estudo da forma como se constroem, na sociedade, ideologias geradoras de
consenso em torno de projetos societários hegemônicos de uma classe não caminham
separado do conceito de intelectual orgânico desenvolvido por Gramsci em uma de suas obras
clássicas: “Os intelectuais e a formação da cultura”. Nessa obra, ele procura analisar a
importância dos intelectuais não só no campo econômico, mas como possuem influência no
campo superestrutural, no tocante ao papel dos indivíduos e aparelhos privados de hegemonia
na construção, manutenção e crítica da ordem social vigente.
1.3 Intelectuais orgânicos: função essencial, para além do âmbito econômico, organizar
e dirigir uma vontade social coletiva tendo em vista o caráter de classe na sociedade
capitalista.
O conceito de intelectual orgânico desenvolvido por Gramsci vai além do de uma
teoria economicista reducionista, pois ressalta que os intelectuais orgânicos têm uma função
específica da construção na consciência dos indivíduos buscando dar homogeneidade a
determinada forma de compreender o mundo. Cabe frisar que os intelectuais orgânicos são
indivíduos ou grupos sociais que estão na sociedade civil atuando como aparelhos privados de
hegemonia.
Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo e de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista
32
cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc., etc. (GRAMSCI, 1982, p.3).
Por estar tão próxima das classes menos favorecidas, a escola é vista, por Gramsci,
como aparelho privado de hegemonia fundamental para instrumentalizá-las na conquista do
acesso ao saber científico e da leitura crítica da realidade afim de que as classes populares
sejam preparadas politicamente para a conquista do poder. Afinal, segundo ele, todos devem
ter direito ao papel de direção política na sociedade, por isso defende que a elevação cultural é
fundamental na superação da divisão social entre governantes e governados, dirigentes e
dirigidos.
Por isso, analisaremos a escola pública (aparelho de hegemonia) como um espaço
privilegiado para formação de uma nova hegemonia que represente a concepção de mundo
(ideologia) das camadas subalternas. Essa nova hegemonia propiciada também pela escola é
chamada por Gramsci de reforma intelectual e moral, pois promove a transformação da
sociedade através do exercício da democracia política com a participação ativa dessas
camadas na gestão do Estado.
Da mesma forma, o capital possui seus intelectuais orgânicos na construção de
concepções de mundo particularistas (ideologias) que funcionam como legitimadores dessa
relação social de expropriação. Analisaremos o Instituto Ayrton Senna, através de seu carro-
chefe na área educacional, que é programa “Acelera Brasil”, partindo da hipótese dessa
instituição estar cada vez mais se tornando um operador do capital no cenário da educação
brasileiro e internacional, ou seja, difundindo as ideias do empresariado, que financia seus
projetos educacionais, da naturalização do capital enquanto relação social. O conceito de
intelectual orgânico nos ajudará a pensar a hipótese que levantamos estabelecendo as
conexões que o Instituto Ayrton Senna e sua presidenta (Viviane Senna) possuem como
membros de destacados movimentos da sociedade civil, como o Movimento Todos pela
Educação (MTE) e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).
Em virtude da importância dos intelectuais na organização da cultura, o conceito de
ideologia ganha importância vital na construção de uma concepção particularista de mundo.
Gramsci dá destaque à vitalidade do conceito de ideologia que consiste em uma concepção de
mundo que precisa estar cada vez mais consolidada e coerente para tornar-se referência para a
ação e para a vontade coletiva.
Segundo Gramsci,
33
[...] cada um transforma a si mesmo, se modifica na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é ponto central. Neste sentido o verdadeiro filósofo é
– e não poderia deixar de ser - nada mais do que o político, isto é, o homem ativo que modifica o ambiente, entendido por ambiente o conjunto das relações de que o indivíduo faz parte. (GRAMSCI, 1978, p.40).
Também são ressaltados nesse estudo os conceitos de conformismo e consciência
política, procurando situar a análise de Gramsci sobre o problema da educação e da escola no
âmbito de sua reflexão sobre a hegemonia, articulando-a a formulação de um programa
escolar, que culmina na proposição da escola cuja finalidade é promover a emancipação
política do homem a partir da formação dos intelectuais.
Gramsci (2000, p.24) afirma que “todos os homens são intelectuais, mas nem todos os
homens exercem a função intelectual”, por isso os que a exercem tais como os educadores, os
partidos políticos, os organizadores e divulgadores de hegemonias e ideologias,
respectivamente, e os intelectuais têm a função e a oportunidade de promoverem a “elevação
cultural” das grandes massas como estratégia de poder para transformá-la em poder real. Isso
se dá porque a elevação cultural significa conquistar uma consciência crítica do mundo e
compreender-se como uma força social.
Na luta contra o conformismo social propagado pelos intelectuais orgânicos do capital,
contra a naturalização da adequação das massas à relação de expropriação de sua força de
trabalho, consentida, mesmo que despercebidamente, Gramsci nos diz:
Questão do ‘homem coletivo’ ou do ‘conformismo social’: Tarefa educativa e formativa do Estado, cujo fim é sempre o de criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a “civilização” e a moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção e, portanto, de elaborar também
fisicamente tipos novos de humanidade. (GRAMSCI, 2000, p. 23).
As categorias gramscianas nos permitem fazer a contraposição com as e à “noção do
capital humano rejuvenescido" pela noção de “capital social". Temos em Gramsci o
contraponto à ideia de que a sociedade civil é local onde as classes têm a função de
solidariedade mútua em prol da superação da pobreza e do atraso econômico causados em
grande parte pela falta de escolaridade e investimento pessoal em treinamentos para o
exercício de tarefas necessárias ao mercado.
1.4 Indivíduo: ser social por excelência a que as políticas públicas se destinam.
34
Adam Shaff (1966), Barata-Moura (1997), Karel Kosik (1976) e Miriam Limoeiro
Cardoso (1990) demonstram como as relações sociais de produção criam o homem com seus
valores, ideias e formas de agir, destacando que ele é muito mais do que uma parte da
natureza, vulnerável às ações transcendentais do destino, mas sim o principal autor da história
de vida que ele escreve. Essas análises nos ajudarão a compreender quem são os indivíduos
para quem as políticas públicas são dirigidas, ou seja, um ser concreto e não idealizado por
alguém que não conhece as condições reais em que se dá sua existência. O programa “Acelera
Brasil” do Instituto Ayrton Senna apresenta uma fórmula pronta de educação formal para todo
e quaisquer indivíduos, de qualquer parte do país, atomizando-os da totalidade das relações
sociais concretas, desconsiderando suas condições históricas, sociais, culturais.
Esse conceito ganha destaca ao longo do trabalho à medida que demarcarmos a
concepção de indivíduos como aqueles que mudam a história. Portanto, procuramos situar o
indivíduo como seres que vivem e produzem em sociedade, contrapondo à ideia contratualista
desenvolvida pela ciência burguesa da existência anterior do indivíduo à sociedade.
O indivíduo é o sujeito entendido como um fenômeno concreto, como produto da
sociedade existente. Nossa pesquisa procurará situar os indivíduos como agentes concretos e
históricos e, portanto, negação do homem abstrato e idealizado pelos promotores e executores
do “Programa Acelera Brasil” na área educacional. Dessa forma, o indivíduo
[...] pertence às totalidades que tem estrutura mais complexa. Se se faz abstração daqueles elementos que compõem esta complexa estrutura material e espiritual, o termo ‘homem’ ou ‘indivíduo’ torna-se extremamente abstrato e, na sua generalidade, de escassa utilidade. (SCHAFF, 1966, p. 84).
O caminho epistemológico que percorremos aponta a condição do ser humano como
sujeito que viver em sociedade, conforme aponta Mirian Limoeiro Cardoso ao afirmar
[...] que o pensamento não existe independente de alguém que pense, ao mesmo tempo só
existe como coisa pensada. O sujeito que pensa aprende a pensar dentro da sociedade em que se encontra, antes de se descobrir como ser pensante. (CARDOSO, 1971, p. 4).
As reflexões de Karel Kosik (1976) e Miriam Limoeiro Cardoso (1990), nos ajudarão
a compreender o indivíduo definido por meio das relações sociais que o envolvem,
contrapondo a ideia de um indivíduo isolado, fora do todo social, apresentada pelas correntes
liberais, tanto na sua face mais progressista quanto na conservadora.
A esse respeito, Mirian Limoeiro Cardoso nos instrui a evitarmos o equívoco
epistemológico de dar ao conceito de indivíduo uma conotação de isolamento do todo social,
35
generalizando uma noção de indivíduo atomizado, isolado da totalidade social, como produto
natural das relações sociais.
Nesse sentido pensando essa sociedade como natural, pensam-se suas relações como naturais e o produto dessas relações como natural. Assim é que o indivíduo não é concebido como criação da história, mas como dado natural […]. (CARDOSO, 1971, p. 5).
Ainda nessa direção, Karel Kosik (1976, p. 194) afirma que “o ser social determina a
consciência dos homens, mas disto não resulta que o ser social se revele adequadamente na
consciência dos homens”. O homem, pensado enquanto indivíduo, é parte de uma totalidade
social ao mesmo tempo em que a reproduz na sua consciência, não se encerrando numa
subjetividade que o separaria do resto do mundo.
Enfim, o indivíduo é o sujeito uno na multiplicidade das relações sociais, ou seja, o
sujeito não desaparece como querem alguns críticos à concepção marxista que supostamente
acabaria com o indivíduo em prol da coletividade. De acordo com Barata-Moura:
Os indivíduos que concorrem para a realização de um colectivo não deixam, nesse marco de actuação, de ser indivíduos. Constroem é uma nova dimensão – o coletivo – no e pelo seu relacionamento, conjuntamente produtivo ou criador. E por isso eles são os portadores do colectivo, não enquanto multiplicidade de indivíduos isolados, mas precisamente enquanto actores/autores, realizadores, do colectivo (BARATA-MOURA, 1997, p.312.
A compreensão do papel do indivíduo na totalidade social nos permitirá analisar como
contrato de parceria público-privado assinado entre a Secretaria Municipal de Educação da
Cidade do Rio de Janeiro e o Instituto Ayrton Senna numa perspectiva que considera a
totalidade social não apenas como a soma das partes, mas como essas partes se conectam
internamente na construção da coletividade, onde os indivíduos são seres históricos dessa
totalidade social.
Assim, as políticas públicas na área educacional da cidade do Rio de Janeiro, através
do programa “Acelera Brasil”, que defendem avaliações e gestões planificadoras negam a
existência de um ser concreto, histórico e elegem um tipo de indivíduo ideal, deslocado da
totalidade social, que tem no discurso da cidadania o ordenamento social. Conforme Abreu:
Indivíduo e sociedade assumem, então, a aparência de entes distintos entre si, cujas mediações
e interdependência não são apreensíveis a partir da experiência imediata. Se a totalidade histórico-social é unilateralmente suprimida da existência individual, as complexas condições que permitem o desenvolvimento da individualidade ficam reduzidas às suas circunstâncias particulares e imediatas, assumindo a aparência de uma esfera autônoma de ação (ABREU, 2008, p.29-30).
36
1.5 Cidadania burguesa: ordenamento social e negação da categoria totalidade.
Pensar a cidadania moderna desenvolvida na sociedade que se reproduz seguindo a
lógica do capital é buscar entender a passagem de uma concepção de indivíduo liberal
individualista para uma concepção de indivíduo liberal regulado pelas ações contratuais,
pautadas na positividade do direito. Conforme indica O’Donnell:
Historicamente, a cidadania desenvolveu-se conjuntamente com o capitalismo, o Estado Moderno e o Direito racional – formal. Isto não é casual: o cidadão corresponde exatamente
ao sujeito jurídico capaz de contrair obrigações livres (O’DONNELL, 1981, p.73).
Enquanto a concepção liberal individualista, ou liberalismo ético vitoriano (1840-
1880), vê no indivíduo o homem capaz de produzir seu próprio wellfare, sem maiores
intervenções do Estado, em função de se acreditar que seu próprio desenvolvimento é o de
todos da sociedade a que pertence, a receita do sucesso individual seria o mérito; por sua vez,
a concepção liberal de indivíduo regulado por um contrato com maior intervenção estatal, a
partir de 1880 (no caso inglês), vê que alguns indivíduos por seu maior “mérito” alcançaram a
riqueza, contudo, uma parcela significativa dos indivíduos vivia em condições degradantes e
ameaçavam com uma ruptura social; daí a necessidade de uma maior intervenção estatal para
garantir as condições mínimas de sobrevivência e atenuar os efeitos da pobreza crescente,
garantindo a manutenção das relações sociais existentes (BELLAMY, 1994).
Sob o manto da igualdade político-jurídica e de algumas conquistas que garantiriam as
condições mínimas de sobrevivência sob a forma exploratória do capital, o conceito de
cidadania obscurece as desigualdades econômicas (WOOD, 2003), uma vez que há uma
separação entre o momento econômico e o político-jurídico, o que não ocorrera, por exemplo,
à luz da história, na Atenas clássica quando da elevação dos camponeses à condição de
cidadãos, pois o fato de não ter que enriquecer nenhum tirano era condição de cidadania, ou
seja, o camponês não era obrigado pelo sistema de relações sociais vigentes a vender sua
força de trabalho.
A negação da categoria totalidade, muito bem desenvolvida por Kosik (1976),
encontra expressão justamente na separação entre essas esferas político-jurídica e econômica,
ou seja, buscam-se explicações e interpretações da sociedade apenas numa parte do todo,
como se essa parte fosse a representação do todo concreto ou como se a soma de partes
isoladas, sem conexões internas dessem origem ao todo concreto. Assim, nega-se a totalidade
37
das relações sociais quando se analisa uma sociedade apenas pelo aspecto pseudoaparente da
cidadania como conquista da igualdade; entretanto, quando recorremos ao método de análise
marxista entendemos que a essência da cidadania é justamente a manutenção da desigualdade.
Trabalharemos com o conceito de cidadania, desenvolvida pela corrente liberal nos
últimos 200 anos, como transformação em direito positivo a garantia da manutenção dos
meios de (re)produção social da relação capital, cuja garantia fica a cargo de um ente exterior
aos indivíduos (o Estado)3 que funciona como o garantidor da manutenção da relação capital,
utilizando a força policial quando necessária à manutenção da “paz social” contra as
insatisfações do sistema de carências produzidas pela relação capital. Assim, são criados
direitos e deveres individuais que possibilitam o livre desenvolvimento do indivíduo privado e
proprietário, mas que no fundo atinge a todos os demais indivíduos.
Diante disso, faz-se necessário, na ótica burguesa liberal, levar cidadania aos “pobres”,
cujo ente público não conseguiria cumprir esse papel com eficiência. Nesse contexto, a noção
de cidadania funcionaria como um fator atenuador da ameaça de ruptura social por parte dos
indivíduos “pobres” através da elaboração de um conjunto de medidas que lhes garantissem
igualdade política e jurídica, associadas a algumas conquistas sociais. A cidadania ganhava
contornos de elemento de garantia do ordenamento e manutenção da “paz” social, mesmo
com disputas por hegemonias na construção de projetos societários, pois se davam dentro da
ordem do capital.
Abreu (2008), Tonet (2009) e Wood (2003) nos fornecem reflexões importantes para a
compreensão da noção de cidadania como selo legitimador das relações sociais do sistema
capitalista de produção, através da aceitação pelo próprio homem de um viver em condições
que são estranhas às suas próprias vontades, permitindo que seja subsumido à lógica do
capital. Nessa noção de cidadania, nosso trabalho encontra as formulações teóricas
necessárias à compreensão da cidadania proposta pelo Instituto Ayrton Senna, através do
programa educacional “Acelera Brasil”, e como suas propostas teórico-metodológicas e
pedagógicas contribuem na formação do processo hegemônico de reprodução do capital, sem
que disso decorra uma tomada de consciência da subsunção real dos indivíduos à relação
capital, pois as conquistas sociais difundidas no manual que constitui o “Acelera Brasil” (o
livro “A Pedagogia do Sucesso”) não são problematizadas sob ao ótica do conceito de
cidadania para além dos limites do capital.
3 A finalidade do Estado não é o benefício de uma capitalista específico, mas a manutenção da relação capital. Portanto,
haverá casos em as instituições políticas e jurídicas do Estado de orientação capitalista emitirão parecer favorável a um operário numa disputa trabalhista contra um empregador burguês. Mas o que chamamos a atenção é que mesmo se um
operário tem um ganho político-jurídico momentâneo, a relação capital está mantida. Cf. O’Donnel (1981).
38
O método materialista histórico dialético nos possibilitará fazer um détour em torno do
conceito de cidadania e buscar compreender a realidade para além do que nos é apresentado
como dado verdadeiro da realidade, dissociado da totalidade concreta. Por exemplo, a ideia de
“pobreza” e “exclusão” quando tomadas apenas por indicadores econômicos, estão
representando uma parte da sociedade que não revela a totalidade das relações sociais ali
existentes. O conceito de cidadania quando questionada pelo pesquisador, no processo de
abstração da busca de seus determinantes e na volta ao concreto pensado, aparece não
somente como elo de igualdade jurídica e política, mas como um conceito que mascara as
desigualdades econômicas e as legitima ideologicamente, sem o uso da força.
1.5.1 A noção de cidadania e sua conexão com a noção de “responsabilidade social”
O conceito de cidadania abordado anteriormente, que tomaremos por referencial
teórico, está intimamente ligado à ideia de atenuação dos efeitos da “pobreza” promovida pelo
empresariado em geral, mas nos ateremos ao caso brasileiro, na perspectiva da
“responsabilidade social”.
Nosso recorte temporal, para falar do exercício da “responsabilidade social” por parte
do empresariado capitalista, tem início na década de 1990 (durante a Reforma Gerencial) e
continua durante os governos Lula (2003-2010) inscrita num movimento necessário de se
pensar não só a “responsabilidade social”, mas o movimento de desresponsabilização do
Estado na prestação de alguns serviços públicos, principalmente na área social,
destacadamente na educação.
Tomaremos por referencial teórico a ideia do movimento da “responsabilidade social”
como uma forma de organização do empresariado em torno da conquista de elementos
fundamentais para a manutenção da hegemonia das organizações empresariais, visando maior
atuação dessas organizações na sociedade civil. Essa maior penetração do empresariado na
sociedade civil se dá através de instituições orgânicas que são responsáveis pela disseminação
das concepções hegemônicas do empresariado na sociedade civil:
[...] propagação e disseminação dos valores relativos à unidade de conduta ética e social que as empresas devem possuir, interna e externamente, vêm sendo assumidas por um conjunto de instituições consideradas catalisadoras e orientadoras das ações sociais do empresariado [...] Tais instituições assessoram , motivam, analisam, mensuram o conjunto de ações no campo da “responsabilidade social empresarial” (CÉSAR, 2010, p.185).
39
Diante dessa constatação, o empresariado tem entrado com força nas escolas públicas,
sob o rótulo da “responsabilidade social”, buscando a construção de uma concepção
hegemônica de “inserção cidadã” e dando novos contornos à ideia de sociedade civil, como
local harmonioso de combate à “pobreza” com vistas evitar quaisquer possibilidades de
ruptura social por parte dos desfavorecidos na distribuição da riqueza.
Olharemos para a questão da “responsabilidade social” como um arranjo dos
intelectuais orgânicos da classe empresarial na promoção de um diferencial competitivo das
empresas no mercado, através da adoção de selos de qualificação e “comprometimento
ambiental”. César (2010) e Paoli (2003) nos fornecem os elementos analíticos do percurso da
ação social das empresas no Brasil e como essa ação vem acompanhada do discurso da
necessidade de se levar a cidadania aos “pobres” (igual ao discurso do Instituto Ayrton
Senna).
Essas “empresas cidadãs” têm como foco principal a acumulação de mais-valia como
quaisquer outras empresas capitalistas; logo, sua entrada na área social, destacadamente na
educação, teria a função de promover a maior penetração do empresariado na formação e
conformação intelectual dos alunos de escolas públicas atendidos pelos programas
educacionais que são patrocinados pelas empresas com “responsabilidade social”.
Prosseguiremos destacando a importância de se realizar uma distinção entre o espaço
público e os interesses privados nesse movimento de “combate à miséria”, onde a cidadania
recebe um novo significado: identificação da “solidariedade” partindo de indivíduos e
empresas altruístas.
A palavra cidadania, circulando como linguagem conotativa de civilidade e integração social, e, portanto aparecendo como uma alternativa de segurança e ordem incapaz de ser fornecida pelos tradicionais modos autoritários de agir e pensar esses problemas, gerou na opinião pública uma demanda por responsabilidade apenas secundariamente dirigida ao governo. (PAOLI, 2003, p. 377).
Algumas noções ganham corpo com a atuação incisiva do empresariado quando ocupa
o lugar do Estado na prestação do serviço público, principalmente a noção de “capital humano
rejuvenescido” pela noção de “capital social”. Essa noção é fundamental para empresariado
com “responsabilidade social” na difusão da ideia em torno de uma sociedade civil como
local de cooperação e harmonia na luta contra a “miséria”, levando cidadania aos “pobres”.
A noção de “capital humano” já não passa somente pelo investimento em
escolaridade e treinamento, mas também pelo envolvimento do candidato a uma vaga no
mercado de trabalho (formal ou informalmente) com algum tipo de ações voltadas à
40
solidariedade e voluntariedade; já os que estão inseridos no mercado de trabalho, com a
possibilidade de perder sua vaga, envolvem-se, “voluntariamente”, em programas
filantrópicos patrocinados pela instituição que trabalham. (SOUZA, 2008).
Para analisarmos essa mudança de agenda do capital de sua face neoliberal, marcada
pela Reforma Gerencial do Estado brasileiro (desresponsabilização do Estado pela questão
social) para a face do capital com “responsabilidade social” chamada por seus ideólogos de
“Terceira Via”, utilizaremos as reflexões do coletivo organizado por Lúcia Maria Wanderley
Neves (2005) para pensar a forma metabólica encontrada pelo capital para se manter
hegemônico diante do aumento da pobreza e das crescentes insatisfações dos “pobres” em
função do processo de esvaziamento da atuação do Estado na assistência social.
O subsídio teórico que esse coletivo de pesquisadores coordenados por Lúcia Neves
nos dá está assentado principalmente na percepção da manutenção dos pressupostos do
neoliberalismo no novo pacto social proposto pelos ideólogos da “Terceira Via” que contaria
com incrementos de medidas paliativas para aliviar os efeitos da “pobreza” e manter a coesão
social. Essa nova face do capitalismo identificada pelo coletivo como “Neoliberalismo da
Terceira Via” seria um “refinamento teórico e prático” da doutrina neoliberal. (NEVES,
2010b).
1.5.2 Identificação liberal do conceito de cidadania com a democracia enquanto categoria
política e jurídica
Para fazer a crítica ao conceito de cidadania enquanto igualdade política e jurídica,
seguiremos na trilha de Ellen Wood (2003), defendendo a ideia de que o direito de cidadania
só ganha sentido quando afeta, na democracia moderna, as desigualdades econômicas, ou
seja, quando o indivíduo-cidadão se torna livre da obrigatoriedade da venda de sua força de
trabalho para enriquecimento de um tirano qualquer.
O falseamento da realidade produzida pela ciência burguesa procura identificar
democracia com sufrágio (emancipação política) e igualdade positivada no direito. Entretanto,
assim como Wood (2003) nos indica, enquanto a relação capital prevalecer como objetivo
primário dessa democracia formal (igualdade política e jurídica) é impossível a ocorrência da
democracia em seu sentido stricto. Nessa forma de pensar a democracia e identificá-la com o
conceito de cidadania, o indivíduo não é o foco principal: não há uma substituição da lógica
41
do mercado por uma nova lógica de relações sociais em que o indivíduo se vê livre da
obrigatoriedade de vender sua força de trabalho, na forma de subsunção real à relação capital
como forma de regulação da vida social.
Tomaremos como referencial teórico para analisar a categoria democracia as
concepções de Coutinho (2008), Wood (2003) e Tonet (2005), que a identifica como o
momento em que “a democracia é soberania popular” (COUTINHO, 2008, p. 151), é a
superação da alienação e a consequente “tomada de consciência por parte dos indivíduos de
sua subsunção real ao capital e a superação dessa lógica econômica de regular a vida dos
indivíduos em sociedade” (WOOD, 2003, p. 248); seria a liberdade humana que “supõe o
domínio consciente do indivíduo sobre o processo de autoconstrução genérica e sobre o
conjunto do processo histórico, significando a superação da alienação”. (TONET, 2005, p.
15).
A categoria democracia é o momento em que o indivíduo passa a ser o objetivo
primeiro das políticas públicas organizadas pelo Estado e momento da superação da alienação
do processo de autoconstrução do homem e sua subsunção ao capital. Esse posicionamento
epistemológico nos ajudará a compreender, através do método marxista, a incompatibilidade
entre o conceito de cidadania e a categoria democracia (entendida como a liberdade plena),
que tem como ponto nefrálgico “o próprio direito de propriedade que não é negado por Marx
e pelos marxistas, mas sim requalificados: para que esse direito se torne efetivamente
universal [...]”. (COUTINHO, 2008, p. 58-59).
Em função do exposto, entendemos que a lógica do capital é incompatível com a
ampliação do direito de cidadania para a esfera econômica uma vez que toca no ponto
essencial para a reprodução do capital enquanto relação social: propriedade privada e
exploração. Os autores citados nos conduzem à reflexão que a democracia só se daria numa
sociedade cuja emancipação humana (a superação da alienação) é o fio condutor das relações
sociais, cuja finalidade seria a liberdade do homem em relação ao capital.
Nossa intenção não é cair numa análise teórica descolada da realidade, numa discussão
teórica por si, portanto, pretendemos uma análise do material didático-pedagógico utilizado
pelo programa “Acelera Brasil”4 objetivando entender os limites entre a concepção de
cidadania burguesa e a categoria democracia que muitas vezes são identificadas como
sinônimos, no programa “Acelera Brasil”, e suas limitações à circunferência do capital.
4 Apostilas de orientação didático-metodológica e matrizes de exercícios.
42
1.6 Terceiro Setor e sua função ideológica: “hiato” entre o Estado e o mercado
A “Terceira Via” seria identificada por intelectuais ligados à socialdemocracia como
um caminho alternativo ao neoliberalismo, embora reconheçam a importância das reformas
neoliberais. Essa ideologia da “Terceira Via” entende que a sociedade está dividida em
setores independentes e incomunicáveis entre si. Nessa perspectiva, teríamos o primeiro setor
identificado como o Estado; o segundo setor seriam as organizações do mercado; enquanto
que o “Terceiro Setor” seria composto por uma gama de organizações da sociedade civil que
não teriam fins lucrativos e nem caráter governamental. Identificado muitas vezes como a
sociedade civil em si, o “Terceiro Setor” teria por função ocupar os espaços deixados pelo
Estado no trato da questão social e que não interessassem ao mercado.
O teórico que nos tem dado o suporte dos conceitos envolvendo a “Terceira Via” é o
sociólogo inglês Anthony Giddens (2001a, 2001b) que centra suas análises na conciliação de
uma economia dinâmica num mundo globalizado, gerenciamento estatal em detrimento de um
burocratismo pouco eficiente (ganhando destaque a ideia de qualidade, cuja fonte de
inspiração seria o mercado), descentralização e solidariedade social.
Giddens (2001b) aponta as reformas neoliberais como fundamentais para o processo
de modernização de alguns países, mas destaca que o fato dos neoliberais terem ignorado os
problemas sociais aumentava o risco de uma ruptura social, o que causaria sérios problemas,
inclusive, para o pleno desenvolvimento do mercado. Em função do crescente aumento da
pobreza e das mazelas sociais, o autor defende a tese de que o Estado “pouco eficiente”
deveria passar para o mercado os serviços que este tivesse interesse em executar e transferir
para outra via alternativa de execução dos serviços públicos, cuja marca principal seria a
eficiência e o não comprometimento com o lucro, aqueles serviços que o mercado rejeitasse.
Dessa forma, a prestação dos serviços públicos deveria ser executada por uma via
alternativa: A “Terceira Via”. Essa “nova” via de prestação de serviços públicos se
materializa em organizações do chamado “Terceiro Setor” por estarem mais aptas a dar
respostas rápidas e de maior qualidade nos serviços prestados. Essas organizações do
“Terceiro Setor” teriam a capacidade de atrair investimentos não só do poder público, mas
também do empresariado movido pela “responsabilidade social”, fazendo girar a roda do
“capital social”.
A questão central, para Giddens, é a igualdade de oportunidades e não a de renda,
onde os incentivos fiscais, a noção de “capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital
43
social”, “flexibilidade”, “empreendedorismo”, “qualidade total” seria fundamental para o
crescimento econômico. Essa igualdade de oportunidades, ou dos pontos de partida,
defendida por Giddens passa pelo estabelecimento de parcerias entre o Estado e organizações
do chamado “Terceiro Setor”. É importante ressaltarmos que para Giddens, a “Terceira Via” é
uma via do capitalismo oposta ao neoliberalismo e que não guardam relações: seriam pactos
diferentes.
Bresser Pereira5 nos fornece noções centrais a respeito das parcerias público/privadas
(PPP), da Reforma Gerencial do Estado brasileiro e a noção de “publicização”, o que nos
servirá de referencial teórico para análise do movimento real das PPPs no decorrer dos
últimos 15 anos, utilizando o método de análise marxista com o fulcro de passear do abstrato
ao concreto e vice-versa com a finalidade de compreender a PPP, como adaptações do
contrato social do sistema capitalista que passa por um processo de reestruturação desde a
década de 1970 e ganha força a partir da década de 1990 em meio à devastação social
provocada pelo neoliberalismo.
A celebração de contratos de parceria público-privada entre o ente público e
Organizações Privadas Sem Fins Lucrativos e Não Governamentais (ONGs) para prestação de
serviços públicos seria definida como a transferência de recursos públicos para entidades
privadas executarem o serviço. A ideia base do estabelecimento desses contratos seria a
descentralização (Estado Gerenciador das relações sociais vigentes). A Reforma Gerencial se
definiria pela substituição do burocratismo pela administração pautada em resultados e na
qualidade. Já a publicização é definida como a “transformação de serviços não exclusivos de
Estado em propriedade pública não estatal e sua declaração como organização social”.
(BRESSER PEREIRA, 1998, p. 246).
Essa “noção de um Terceiro Setor” nos permitirá compreender os elementos que
levam à legitimação do Instituto Ayrton Senna como instituição desse setor e, portanto, como
organização capaz de estabelecer PPP com o Estado na prestação do serviço público,
principalmente na área social. Baseada nessa concepção, a Secretaria Municipal de Educação
do Rio de Janeiro chegou à constatação que o Instituto Ayrton Senna seria mais eficaz na
prestação do serviço público nos projetos de aceleração da aprendizagem para alunos com
defasagem idade/série do ensino fundamental.
5 Bresser Pereira é ex-ministro do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e foi responsável pela execução do
Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado promovida durante a década de 1990.
44
1.6.1 Inconsistências do termo “Terceiro Setor” e seu uso ideológico em favor da
manutenção do capital enquanto relação
Nossas análises envolvendo as parcerias público-privadas entre o Estado e as
organizações sem fins lucrativos do chamado “Terceiro Setor” identificam nessa noção uma
importante função ideológica na consolidação da nova fase de reestruturação do sistema
capitalista. Dessa forma, nos sustentamos em autores (FONTES, 2010; MONTAÑO, 2002,
2008; NEVES, 2005, 2010a, 2010b; PERONI, 2006, 2008) que fizeram uma crítica
pormenorizada ao conceito de “Terceiro Setor”, indicando seu caráter ideológico e
instrumental ao capital.
A minuciosa análise de Montaño (2002) nos permite identificar o porquê do uso do
termo “Terceiro Setor” apresentar inconsistências teóricas partindo da negação da totalidade
social, uma vez que divide o todo social em partes autônomas e incomunicáveis, depois
analisando sua funcionalidade à reestruturação do capital a partir da década de 1970, numa
forte ofensiva contra o trabalho e, por fim, trazendo à ordem do dia a discussão em torno do
caráter “não governamental” e “sem fins lucrativos”.
As críticas feitas por Montaño ao analisar cada item citado anteriormente, nos
fornecem o arcabouço teórico para desenvolver a pesquisa em torno do Instituto Ayrton Senna
(organização se intitula como uma ONG pertencente ao “Terceiro Setor”). Nossa análise parte
do debate envolvendo a generalidade dada ao termo “Terceiro Setor”, no qual o IAS se diz
pertencente em seu sítio oficial, onde várias organizações com atividades e finalidades
diversas estão inseridas. Discutiremos como esse conceito de “Terceiro Setor” se apresenta
numa perspectiva que nega as divergências classistas e nega o comensalismo existente entre o
Estado, mercado e a sociedade civil, como se um vivesse sem ser perpassado pelo outro,
como se os interesse de um fosse totalmente antagônicos ao do outro.
Prosseguimos analisando como surge o Instituto Ayrton Senna, dentro de um contexto
de reestruturação da sociedade capitalista, a partir da década de 1970, com a tempestade
neoliberal que desmontou o wellfare nos países industrializados e aumentou a concentração
de renda nos países pobres. Nesse contexto histórico abordaremos o surgimento da ideia de
um “Neoliberalismo da Terceira Via”, defendida por intelectuais dentro dos próprios
governos neoliberais, com a finalidade de atenuar os efeitos da pobreza através da entrada de
ONGs na prestação de serviços em que o Estado era “ineficaz” ou o mercado não
demonstrasse interesse.
45
O surgimento do Instituto Ayrton Senna e seu programa educacional de aceleração da
aprendizagem (“Acelera Brasil”), cuja principal promessa é a maior eficiência e economia do
dinheiro “mal” gasto pelo Estado na prestação do serviço público, será analisado dentro desse
processo histórico vivido pelo sistema capitalista, no Brasil, ganhando destaque a partir da
década de 1990. Nosso debate passa pela identificação do conceito de eficiência educacional
com eficiência produtiva de mercadorias, que requer o mínimo gasto e tempo possível na
produção.
Em seguida problematizaremos a questão de o Instituto Ayrton Senna ter o caráter
“não governamental”, uma vez que os contratos de PPP assinado com a Secretaria Municipal
do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o instituto são firmados com base no artigo 24º da lei de
licitações (lei 8666/93) que isenta do certame licitatório a contratação da ONG, o que pode
levá-la a incorporar o discurso do governo contratante como verdade absoluta nos programas
educacionais, sob pena de perder os contratos de PPP.
Já a característica de “não possuir fins lucrativos” será problematizada pensando as
fontes de financiamento do programa educacional “Acelera Brasil”: governo e principalmente
o empresariado (de ramos de atuação diversos). Não podemos nos esquecer da questão
envolvendo a venda de materiais didáticos em larga escala para as prefeituras e os Estados.
Além disso, o Instituto Ayrton Senna, como qualquer organização necessita de recursos para
manter seus quadros em pleno funcionamento; logo, quanto mais recurso obtiver, melhor para
o instituto e para seu parceiro filantrópico privado que obterá maior a isenção de impostos
pagos e maior lucratividade com a associação das marcas de suas empresas com a
“responsabilidade social”, o que representaria um diferencial competitivo no mercado.
Por fim, propomos uma análise empírica do material didático e pedagógico utilizado
no programa “Acelera Brasil” e, em conclusões preliminares, constamos que material
utilizado, composto basicamente por apostilas, apresenta como soluções à questão social que
está posta, a necessidade do desenvolvimento das noções de “capital humano rejuvenescido”,
inclusive com “capital social”, através da assinatura de um novo pacto social, nos termos
defendidos por Giddens (2001b): investimento em “capital humano”, responsabilização
individual e empresarial, além do desenvolvimento da noção da solidariedade no combate às
ameaças desse novo pacto, identificadas como a “pobreza” e a “exclusão”.
46
1.7 Mudanças de perspectivas das ONGs no processo de reestruturação do capital: de
articuladoras e captadoras de recursos para os movimentos sociais de enfrentamento ao
Estado à composição com o ente público na forma de parceria público-privada
Entendemos que é importante a compreensão da mudança de atuação das ONGs que
durante as décadas de 1960-70 atuavam na captação de recursos para os movimentos sociais
que atuavam na luta por direitos humanos durante o período da ditadura militar. A partir da
década de 1970 ganham destaque os movimentos sociais voltados para o acesso ao consumo
(acionistas), os que são voltados para questões pontuais de gênero, sexualidade, etnia (pós-
modernos) e os que têm uma perspectiva de emancipação humana (marxistas).
Embasados nas análises de Montaño & Duriguetto (2011) sobre as mudanças do papel
das ONGs e dos movimentos sociais, teremos o apoio teórico para compreender a fusão dos
movimentos acionista e pós-moderno numa perspectiva culturalista de negação da categoria
totalidade. Esses movimentos sociais de cunho culturalista das décadas de 1960 a 1980
tinham nas ONGs seus principais braços captadores de recursos e vinculação ideológica.
Muitas dessas ONGs tinham o papel de enfretamento ao Estado, juntamente com os
movimentos sociais na cobrança pelo atendimento de suas questões pontuais, tais como defesa
dos direitos dos negros, das mulheres, de valorização cultural. É interessante destacar que
esses movimentos sociais com ações focalizadas, compensatórias e particularistas de
valorização cultural, de forma geral, recusam à composição sindical como forma de luta
representativa dos interesses da classe trabalhadora numa perspectiva de totalidade das
relações sociais na construção de uma nova hegemonia.
Fontes (2010) numa leitura perspectiva do papel desempenhado pelas ONGs no raiar
do século XXI nos indica que o processo de “onguização”6 possibilitou a transformação da
militância dos movimentos sociais em funcionários dessas ONGs. Nesse contexto, Virginia
Fontes analisa a penetração do empresariado em áreas sociais estratégicas, como a educação,
via financiamento de ONGs que funcionariam como operadoras de um consenso em torno da
suposta “má qualidade” do serviço prestado diretamente pelo estado, quando de sua
associação em parcerias público-privadas para a execução de serviços públicos, dando uma
face menos cruel ao capitalismo em função da atuação empresarial. De acordo com Fontes
(2010, p. 257), “[...] o processo infletiu em um processo da cidadania da miséria, convertendo
6 Cristalização dos movimentos sociais em ONGs.
47
as organizações populares em instâncias de ‘inclusão cidadã’ sob instância governamental e
crescente direção empresarial”.
Essa discussão envolvendo os “Novos Movimentos Sociais”7 nos fornece o suporte
teórico para debater a atuação do Instituto Ayrton Senna como organização “não
governamental” que capta recursos junto a empresários de ramos de atividades diversificados
e compõe com o ente público na prestação do serviço público, rejeitando a composição
sindical de enfrentamento ao Estado. Esse movimento histórico de criação e influência das
ONGs nos movimentos sociais da sociedade civil, ao longo da história do Brasil nos últimos
40 anos, nos ajuda a refletir sobre a necessidade de se pensar a atuação de cada ONG dentro
de seu contexto histórico de formação; caso contrário, corremos o risco de taxar todas as
organizações não governamentais da sociedade civil como braço ideológico do empresariado
em seus diversos ramos de atuação. Portanto, saturar de historicidade a atuação da ONG que é
o objeto de nosso estudo (Instituto Ayrton Senna) é condição para não cairmos em
generalizações apressadas e reducionistas ao igualarmos esse Instituto vinculado ao meio
empresarial com organizações da sociedade civil que ainda mantém o caráter combativo à
forma de organização estrutural da sociedade capitalista e sua face mais destruidora das forças
humanas.
1.8 Rejuvenescimento da “noção de Capital humano”: ofensiva do capital ao trabalho e
perpetuação das desigualdades sociais
A “noção de capital humano” que adotaremos como referencial teórico é aquela
apresentada por Gaudêncio Frigotto em suas diversas publicações, cuja ênfase não é a
pseudoteoria apresentada a partir da década de 1950, onde a “noção de capital humano” era
definida em linhas gerais como uma noção onde os “investimentos em educação redundariam
taxas de retornos sociais e individuais”. (FRIGOTTO, 1986, p. 136). Nesse período histórico,
com o perigo da expansão do socialismo para outras nações latino-americanas, como ocorrera
em Cuba (1959), a “noção de capital humano” era apresentada como forma de mobilidade
social e desenvolvimento econômico de forma geral de uma nação.
7 Chamamos de “Novos Movimentos Sociais” àqueles que surgiram nas últimas quatro décadas.
48
Contudo, a “noção de capital humano”, que adotaremos como referencial teórico,
sustenta-se nas análises de Gaudêncio Frigotto (2011) desenvolvidas nos últimos 40 anos,
num contexto de reestruturação do sistema capitalista de produção, desde a década de 1970,
onde essa noção incorpora mistificações com as noções de “sociedade do conhecimento”,
“qualidade total”, “pedagogia das competências” e “empregabilidade”, “empreendedorismo”
e “capital social”.
Essas novas roupagens da “noção de Capital Humano” nos fornecem os elementos
utilizados para a compreensão das reformas que a educação tem passado nos últimos 40 anos
e a concepção de formação humana que a acompanha. Essas mistificações citadas
anteriormente nos fornecem a base de discussão de como o Instituto Ayrton Senna, com o
projeto de aceleração da aprendizagem (“Acelera Brasil”), tem se apropriado dessas noções
como ideologias que atendem ao mercado e ao aumento da exploração do trabalho.
A noção de sociedade do conhecimento tem sido bandeira de que a tecnologia é o
caminho para a superação da divisão de classes. Essa concepção nos interessa para iniciarmos
o debate envolvendo a construção de um consenso em torno da ideia que a tecnologia é cada
vez mais propriedade privada de alguns, uma ofensiva contra o trabalho à medida que os
trabalhadores remanescentes estão cada vez mais reféns da informalidade.
Outro pilar de sustentação do programa “Acelera Brasil” é a “noção de qualidade
total” que tem sido difundida entre os profissionais da educação, onde a “qualidade” do
trabalho pedagógico é medida em razão da quantidade de alunos aprovados e “acelerados” no
menor tempo possível e com o menor custo possível. Nesse particular, entendemos que cabe
uma discussão da identificação da formação humana dos indivíduos com a produção de
mercadorias.
As noções de “empregabilidade” e “empreendedorismo” são incorporadas pelo
material didático (principalmente as apostilas) nos dando suporte para uma discussão mais
profunda em torno da ideia da necessidade do trabalhador investir no próprio negócio, uma
vez que a noção do emprego estaria em crise e os poucos trabalhadores empregados deveriam
ter a flexibilidade que o mercado exige. Cabe destacar que numa análise preliminar das
apostilas do programa “Acelera Brasil 2” e “Acelera Brasil 3”8, foi observado que nem sequer
há menção da questão do direito ao trabalho e às contradições inerentes às relações sociais
8 O programa “Acelera Brasil 2” têm o objetivo de acelerar os alunos com defasagem série /idade e corrigi-la ainda no segundo segmento do ensino fundamental. Já o “Acelera Brasil 3” tem o objetivo de corrigir o fluxo série /idade promovendo o aluno ao primeiro ano do ensino médio.
49
que o perpassam, destacando apenas as transformações que o mundo do trabalho tem passado
e a necessidade de “adaptação” aos “novos tempos”.
Essa discussão passa pela difusão da ideia funcionalista, que interessa às empresas que
financiam o programa “Acelera Brasil”, cujo objetivo é naturalizar a ideia do fim do trabalho
por se constituir numa etapa inevitável da história da humanidade, numa análise a-histórica.
Nesse sentido, pensar a categoria trabalho como processo em que o homem produz e se
modifica (MARX, 1983) nos permite compreender sua função como princípio educativo
fundamental que objetiva esclarecer que o trabalho é necessário à sobrevivência e deve ser
executado por todos os homens9.
Compreender essa categoria e levá-la à discussão nas escolas, que é uma instituição
mediadora, é um importante passo na conscientização da comunidade escolar no que diz
respeito ao caráter exploratório que o capital atribui ao trabalho e à criação de focos de
resistência ao sistema capitalista.
Por fim, a “noção de pedagogia das competências” funciona como a coluna vertebral
do programa “Acelera Brasil”, uma vez que tem por pressuposto estruturante a
responsabilidade individual do professor no ato de buscar as competências exigidas pelo
mercado para “fazer o aluno dar certo” (OLIVEIRA, 2005).
Essa “noção de pedagogia das competências” presume que o professor esteja apto às
necessidades postas pelo mercado, principalmente através da busca de qualificação
profissional. A esse respeito, Ramos (2006, p. 36) nos indica que “ao se falar de qualificação
profissional há de se considerar sua multidimensionalidade e as tendências do trabalho frente
à nova materialidade produtiva”. Em outras palavras, é o capital impondo formas de
intensificar a exploração da força de trabalho, inclusive na carreira do magistério.
Essa intensificação da exploração da força de trabalho ganha destaque no debate
teórico à medida que tem levado aos professores a assumirem o processo pedagógico, dentro
dessa nova configuração do capital, isoladamente dos demais profissionais da mesma
categoria, através de premiações em função das metas estabelecidas pelas instituições, como o
Instituto Ayrton Senna, que entendem que defendem o trinômio educação-treinamento-
produtividade como fator essencial para se produzir mais-valia realtiva para capital.
(FRIGOTTO, 2011). Nesse caso, o Instituto Ayrton Senna, em seus referenciais teóricos na
construção do programa de aceleração da aprendizagem defende essa política de premiações
individuais e esvaziamento das negociações coletivas.
9 Os ensinamentos passados através das gerações têm naturalizado algo que não é natural: a existência de homens que vivem
do trabalho de outros homens.
50
Na discussão envolvendo a “pedagogia das competências”, o Instituto Ayrton Senna,
considera competente o professor que melhor se adaptou à necessidade do mercado, em
função do maior ou menor quantidade de aprovações. Assim, com o objetivo de conquistar
premiações individuais, os professores se desdobram nas múltiplas dimensões com o fim de
atingir as metas estabelecidas por um ente estranho ao processo pedagógico.
Essa discussão é fundamental em nosso trabalho à medida que as “noções” abordadas
anteriormente ajudam as instituições comprometidas com o capital na construção daquilo que
Neves (2005) denominou de uma “Nova Pedagogia da Hegemonia”. Nosso debate envolve o
programa “Acelera Brasil” como expressão da “noção de Pedagogia das Competências”,
através do processo de intensificação da exploração do professor com a desvalorização dos
salários e imposição do atingimento de metas exteriores, idealizados por instituições que
planificam os indivíduos e desconsideram os processos histórico-sociais de formação.
No plano pedagógico escolar e da formação profissional, a adequação reprodutora das relações sociais do capitalismo tardia dá-se pelo deslocamento da luta por uma educação básica e unitária (síntese do diverso), pública e universal, para a concepção e prática pedagógica centrada na noção de competência, oriunda de um neopragmatismo e reificadora do individualismo. (FRIGOTTO, 2009, p. 68).
1.8.1 “Capital social”: noção de sociedade civil voltada para a cooperação e atenuação dos
efeitos da pobreza
Robert Putnam10
em seus estudos dos governos regionais da Itália moderna concluiu
que as associações locais têm um papel crucial nas estratégias de desenvolvimento e de
combate à pobreza, sendo, portanto, necessário o fortalecimento dessas associações locais
também nos Estados Unidos, pois “contribuem para a eficiência e estabilidade do governo
democrático [...] incutem em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito
público”. (PUTNAM, 2002, p. 103).
Esse autor é fundamental para a compreensão da sociedade civil como local de
solidariedade e desenvolvimento de uma nova consciência cívica, pautada na responsabilidade
individual e social, inclusive do empresariado que atuaria diretamente no financiamento de
políticas locais e fragmentadas de alívio da pobreza e manutenção da coesão social.
10 Robert Putnam foi assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e contribuiu para o avanço dos debates envolvendo o capital social e o poder local. O partido democrata estadunidense, durante o governo Clinton, procurou atenuar
os problemas sociais que se multiplicaram durante o período de instalação do neoliberalismo na década de 1980.
51
Lúcia Neves (2005) nos indica que as ideias desse autor se constituíram em elementos-
chave para a compreensão da formação da “Nova Pedagogia da Hegemonia” baseada na
possibilidade de se criar um capitalismo menos cruel e mais preocupado com as causas
humanas.
Outro autor que nos fornece importante referencial teórico a respeito da “noção de
capital social” é Francis Fukuyama que centra suas análises na ideia de capitalismo
democrático através da aproximação e complementaridade entre as esferas políticas e
econômicas com a finalidade de diminuir a possibilidade de ruptura da coesão social e
garantir o desenvolvimento das economias capitalistas num mundo cada vez mais
globalizado. Nesse contexto, fez-se necessário investir em uma sociedade civil forte que
pudesse assegurar “estruturas familiares fortes e estáveis e instituições sociais perduráveis”.
(FUKUYAMA, 1996, p.16). Esse autor nos ajuda a pensar a ideia da responsabilidade social
do empresariado. Diante dessa constatação, abrem-se as portas para a entrada das chamadas
empresas cidadãs na execução e elaboração de políticas públicas na área educacional.
A “noção de capital social” foi amplamente discutida por MOTTA (2007) que
identifica a funcionalidade dessa noção à manutenção do capital à medida que procura ocultar
a relação classista que perpassa a sociedade civil e o Estado, trazendo consigo uma noção de
sociedade civil como local de cooperação e não de disputas por projetos societários entre
classes antagônicas. Essa concepção de sociedade civil será analisada como ideologia que
vêm se tornando hegemônica em torno da necessidade de difusão da ideia de um
“empresariado responsável” no tocante a financiamento filantrópico de serviços sociais e do
Estado “incapaz” de prestar o serviço público de qualidade.
Para tanto, dentro dessa “noção de capital social”, a ideia de solidariedade e civilidade
(tem funcionado como diferencial competitivo na conquista de um emprego) que emoldura a
penetração do empresariado, em campos antes restritos ao Estado, sob o manto da vinculação
de sua marca à “responsabilidade individual” e da “responsabilidade social”. Nossa análise,
busca no détour, os determinantes que têm permitido ao Instituto Ayrton Senna, com seu
projeto de aceleração da aprendizagem, se tornar um importante operador do capital nas
escolas ligado a intelectuais orgânicos do empresariado, à medida que fica refém de sua fonte
de financiamento, com a difusão em seus materiais didáticos e concepções pedagógicas dessa
identificação de sociedade civil como local de solidariedade, ocultando o caráter exploratório
do capital e criando um consenso em torno da ideia de capitalismo com justiça social.
52
1.9 Programa “Acelera Brasil”: a ressurreição de Comênius
Adotaremos como referencial teórico para trabalhar especificamente o programa
“Acelera Brasil” as concepções pedagógicas do professor João Batista Araujo e Oliveira,
intelectual ligado ao primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, onde exerceu o cargo de
secretário executivo do Ministério da Educação e integrou quadros de organismos
internacionais como o Instituto de Desenvolvimento Econômico do Banco Mundial e a
Organização Internacional do Trabalho.
O programa de aceleração da aprendizagem idealizado por esse intelectual identifica o
problema da repetência e da distorção série-idade como uma questão de “má qualidade do
ensino público”. Pensando a superação desses problemas, João Batista Araújo e Oliveira,
escreve o livro “a Pedagogia do Sucesso”, no formato de uma cartilha, ensinando como fazer
um “aluno dar certo”.
As bases de sustentação teórica da “Pedagogia do Sucesso” que inspirou a criação do
programa “Acelera Brasil” está calcada nos seguintes pilares:
a) Novo papel do professor;
b) O gerenciamento deve ser profissional;
c) A solução está na aplicação dos métodos e técnicas pedagógicas
estabelecidas pelo programa de aceleração;
d) O aluno é o foco;
e) Fontes de inspiração: concepção pragmática da educação focada nos
resultados;
f) O programa é político;
Analisaremos cada item apontado acima como solução para as “causas do fracasso do
ensino público”, problematizando os seguintes aspectos:
a) O professor é tomado como um “sacerdote” que, tido como indivíduo
egoísta e isolado da totalidade social seria capaz de resolver os problemas do
“fracasso da educação pública”, independentemente de quaisquer
circunstâncias históricas, econômicas e sociais, cujo objetivo é “fazer o aluno
dar certo”. (OLIVEIRA, 2005, p. 76). Bastaria ter mais “dedicação e boa
53
vontade” e aplicar o que está previsto no material selecionado pelo programa
de aceleração. Nossa análise se foca na crítica que vê no professor cada vez
mais um mero executor de atividades previamente estabelecidas, numa
concepção idealizada de sujeito pelos fornecedores do material didático. É a
clara separação de quem concebe e quem executa as atividades pedagógicas.
b) O mercado é o modelo de gerenciamento eficaz do Instituto Ayrton
Senna. É justamente nessa concepção de que a solução está fora do âmbito
público que “as empresas cidadãs” têm entrado com força no financiamento de
projetos desenvolvidos por ONGs, o que nos permite fazer a crítica do
comprometimento teórico-metodológico dessas organizações com as empresas
que fazem a filantropia e a crítica ao fato da isenção de impostos, em função da
filantropia empresarial, permitir aos “empresários cidadãos” decidirem a
localidade do município aonde o dinheiro que viria da arrecadação
compulsória dos impostos será investido.
c) Segundo o autor da “Pedagogia do Sucesso”, o grande segredo para
acabar com o fracasso é o cuidado que o professor tem que ter em seguir
rigorosamente a método, a teoria e as técnicas apontadas no livro, pois “a
criatividade é essencial para o êxito de um programa de aceleração. No
entanto, o fundamental é fazer bem feito o que está prescrito no programa e
não desviar-se do que está previsto [...]”. (OLIVEIRA, 2005, p. 13). Nossa
análise se centrará na idealização de um modelo único de ensinar tudo a todos,
atomizando os indivíduos que são concebidos numa perspectiva a-histórica e
positivista que identifica o caminho percorrido pautado no rigor metodológico,
cuja neutralidade permitiria ao pesquisador chegar à verdade através da
aplicação correta das técnicas11
.
d) O fato de o aluno ser considerado o foco do trabalho pedagógico
desenvolvido pelo “Programa Acelera Brasil”, nos leva a questionar a
identificação da aprovação por si só como a conclusão que um “aluno deu
certo”. A esse respeito, Oliveira (2005, p. 135) nos afirma que “o aluno não
aprende porque a escola não ensina de forma adequada”. Uma questão que
11 Nossas anotações das reflexões desenvolvidas no grupo de estudo “Pesquisa em educação”, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, coordenada pelo professor Dr. Roberto Leher.
54
levantamos é a seguinte: já que o programa de aceleração foi estruturado para o
aluno dar certo, perguntamos quem é esse sujeito idealizado, planificado,
chamado aluno? Problematizaremos a que tipo de indivíduo essa política
educacional é destinada, partindo de uma concepção de um indivíduo como ser
social por excelência e não como sujeitos isolados que um programa
educacional desconsidera suas condições históricas, culturais e o acaso.
e) “[...] não há espaço no programa, para condescendência, para tolerância
para tarefas mal feitas, para meia-culpa, para deveres de casa não realizados ou
desculpas de qualquer natureza” (OLIVEIRA, 2005, p. 75).
f) O programa “Acelera Brasil” se autodenomina de “pragmático” no
livro “Pedagogia do Sucesso” e “vale-se de recursos conceituais,
metodológicos, técnicos e práticos que ajudem aos alunos multirrepetentes a
sair da condição de ‘fracassados’ para a de pessoas normais [...]" (OLIVEIRA,
2005, p. 67). O debate gira em torno do pragmatismo do “Acelera Brasil” que
estabelece um parâmetro de anormalidade aos sujeitos que não se enquadram
nos modelos e técnicas pedagógicas estabelecidos pelas apostilas do programa.
Mais uma vez, problematizamos a questão envolvendo a concepção idealizada
de indivíduo a que se destina esse programa educacional. Uma das condições
que o Instituto Ayrton Senna estabelece para o “sucesso” do programa de
aceleração está ligada aos resultados baseados em avaliações objetivas, mas
desconsidera os resultados objetivos do IDEB dos alunos envolvidos no
programa; logo, juntam-se os alunos “anormais” numa classe de aceleração
para que seu desempenho não apareça no IDEB e ocorra o falseamento do
resultado das avaliações objetivas da educação municipal da cidade do Rio de
Janeiro, segundo os próprios parâmetros de verdade estabelecidos pela ciência
burguesa através do IDEB.
g) Ao identificar o programa “Acelera Brasil” como um programa político
à medida que necessita da adesão de prefeitos, governadores e secretários de
educação, nossa análise passa pelo questionamento do fato dos alunos inscritos
no programa não participarem das avaliações do IDEB; portanto, os índices de
medição da “qualidade” da educação divulgada pelos políticos e intelectuais
55
orgânicos do capital não refletem a “realidade” da educação num determinado
município ou Estado, já que a ideia é separar os alunos multirrepetentes dos
demais nas avaliações externas do IDEB. Utilizando o método de análise
marxista, percebemos que o próprio IDEB isolado do restante da totalidade
social é pura abstração, assim como a análise da população sem as conexões
internas da totalidade social foi o grande problema de método dos economistas
políticos, tal como Marx definiu na “Crítica à economia política”.
Na matriz de habilidades de estudos específicos desenvolvido do programa de
aceleração da aprendizagem para a área de estudos sociais se estabelece a importância da
vivência da cidadania, por isso é fundamental a problematização do conceito de cidadania
como instrumento organizador da sociedade capitalista.
Outro ponto de destaque dessa matriz é o reconhecimento dos aspectos econômicos,
sociais, políticos e culturais do Município, Estado, Região e País. Numa observação
preliminar do material didático destinado aos programas “Acelera 2” e “Acelera 3”,
percebemos a vinculação entre as medidas econômicas, sociais, políticas e culturais com as
orientações dos organismos internacionais de defesa do capital como as diretrizes do Banco
Mundial para a economia dos países que vivem no capitalismo dependente e da UNESCO
para a educação - como a necessidade da melhoria do IDEB desvinculadas de equalização
social.
As análises minuciosas de Motta (2007) das diretrizes dos organismos internacionais
de defesa do capital para a virada do milênio nos ajudam a compreender como essas diretrizes
estão em consonância com a preocupação dos intelectuais orgânicos do capital com a
possibilidade de ruptura do pacto social em razão do aumento considerável da pobreza e das
desigualdades sociais, sob o risco da ocorrência de uma crise estrutural de proporção mundial.
Nesse sentido que pontuamos o “Programa Acelera Brasil” como instrumental às
diretrizes estabelecidas pela UNESCO para a educação, pois o próprio idealizador do
programa de aceleração da aprendizagem no Brasil, depois de uma passagem no Banco
Mundial e na Organização Internacional Trabalho, reconhece o problema da repetência é
antes de tudo um problema econômico, pois aumenta o gasto público com a questão social,
especificamente a educação.
Quando um aluno avança até quatro séries num ano, isso representa economia com os
gastos sociais, ou seja, a prioridade é a retenção de mais-valia por parte do Estado para pagar
juros da dívida externa e não a formação humana que se está estabelecendo para os
56
indivíduos. Portanto, defendemos que a educação eficaz é aquela que rompe com os
resultados esperados pelo capital, baseada na alienação da reprodução das relações sociais de
produção capitalista, e tem como foco principal a emancipação humana.
1.10 Emancipação humana: ideal perseguido pelos socialistas versus mistificação dos
programas oficiais de educação da existência de uma “democracia capitalista”.
Após análise do programa “Acelera Brasil”, defenderemos em nosso debate a
educação que tenha por prioridade a formação e emancipação humana dos sujeitos. Alguns
autores nos dão o suporte teórico necessário para a crítica da impossibilidade da priorização
do ser humano dentro do sistema de produção capitalista, pois o capital enquanto relação não
permite que os interesses do sujeito se sobreponham à busca pelo lucro.
A emancipação humana é um conceito central em nossas análises à medida que a
identificamos como cidadania plena e, conforme Ellen Wood (2003) só se dará no socialismo.
O conceito de cidadania nesse caso possui um enfoque diferente do utilizado pelos liberais12
.
O conceito de cidadania plena, defendido pela autora, ampliaria a igualdade, antes restrita às
esferas política e jurídica, para a esfera econômica, o que só se dará quando todos os homens
puderem gozar dos benefícios das riquezas socialmente criadas13
.
Ainda pensando a concepção de cidadania plena, o filósofo Ivo Tonet (2005) nos ajuda
a compreender a função de uma educação que priorize a cidadania plena. Dessa forma, a
cidadania plena teria por objetivo “formar pessoas que tivessem consciência dos direitos e
deveres inerentes a uma sociedade democrática; que adotassem uma postura crítica diante das
desigualdades sociais e se engajassem na sua superação [...]”. (TONET, 2005, p. 240). Nossa
proposta para o desenvolvimento de uma educação cidadã vai ao encontro da proposição de
Ivo Tonet de emancipação humana “como um momento histórico para além do capital”.
(2005, p. 241).
O conceito de emancipação humana requer o desenvolvimento da concepção marxista
de indivíduo, pois é fundamental tomá-lo como ponto de partida de nossas análises, situando-
12 O liberalismo clássico vê na cidadania uma inserção de um indivíduo como membro de uma comunidade política e jurídica. Cf. Bellamy (1994). 13 Esse conceito é fundamental para se pensar uma educação para além do capital e romper com a ideia da educação voltada para a conformação, baseada na noção de “capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital social”, incorporadas pelo Instituto Ayrton Senna em seus programas educacionais.
57
o como parte da natureza, dotado de inteligência para modificá-la e a si próprio, um ser social,
histórico, concreto, membro de uma classe que possui valores e ideias.
A definição de democracia como “desafio ao governo de classes”, utilizada por Ellen
Wood (2003, p.7) nos permite não somente analisar o conceito de cidadania e a categoria
democracia imbricadas nas políticas públicas da educação municipal do Rio de Janeiro, mas
também indicar que os conceitos de cidadania plena e a categoria democracia (stricto sensu)
só têm aplicabilidade numa sociedade socialista, à luz da história, pois, para que ocorram, é
necessário que a população esteja colocada em primeiro plano, ao contrário do que ocorre na
sociedade capitalista, onde o lucro está acima de tudo e todos.
Quando o homem não compreende que aquilo que dá sentido à vida é o trabalho,
animaliza-se, ou seja, não se vê como sujeito do processo; assim, dá origem ao processo de
alienação que só pode ser superado através da prática revolucionária dos homens.
(MÉSZAROS, 1981). A categoria alienação nos ajuda a perceber em que medida em que os
próprios profissionais da educação, que participam do programa “Acelera Brasil”, se
percebem como sujeitos do processo educativo de formação de indivíduos quando da adoção
dos referenciais didático, teórico e metodológico implementados pelo Instituto Ayrton Senna
através do programa educacional “Acelera Brasil”.
Conforme salienta Barata Moura (1997), para Marx, a cientificidade não se encontra
totalmente separada do horizonte ideológico. Assim, o discurso científico tanto pode ser
utilizado a serviço da emancipação humana como para legitimar práticas fascistas; dessa
forma, é mister uma profunda análise dos discursos que apontam a inevitabilidade da
competição e desigualdades econômicas entre os homens, pelo fato de fazer parte de sua
suposta essência constitutiva.
Mészáros, ao analisar como se formou o ethos capitalista na vida cotidiana procura
desmistificar a ideia da possibilidade de um “capitalismo democrático e menos selvagem”,
como defendem os intelectuais da “Terceira Via” (dentre eles João Batista Araujo e Oliveira)
ao afirmar que:
Tudo isso é parte integrante da educação capitalista pela qual os indivíduos particulares são diariamente e por toda a parte embebidos nos valores da sociedade de mercadorias, como algo lógico e natural. (MÉSZÁROS, 2008, p. 82).
Em função do exposto acima, a práxis, enquanto categoria que concilia a teoria e a
prática no processo do conhecimento, desempenha um importante papel na ação
revolucionária com vistas à transformação da realidade, sendo essencial para se alcançar a
58
emancipação humana, ao denunciar as falsas consciências produzidas e disseminadas pela
ciência burguesa. Não basta denunciar as ideologias que estão a serviço do capital, é também
necessário apresentar formas de superá-las e apresentar alternativas ao que está dado: a
emancipação humana.
1.11 Principais documentos a serem analisados
Analisaremos o documento que deu origem ao Plano Diretor da Reforma do Estado
Brasileiro com a finalidade de compreender a chamada passagem do Estado burocrático para
o Estado Gerencial, pautado na desregulação da relação capital-trabalho e o esvaziamento da
atuação do Estado na área social.
Observaremos os arranjos normativos consubstanciados nas leis 9.637/98 (qualifica as
Organizações Sociais), 9.790/99 (qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem
fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e
disciplina o Termo de Parceria) e 11.079/2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas) como
momento metabólico do neoliberalismo para se manter hegemônico mesmo diante das
brechas deixadas pelo Estado na prestação do serviço social. Nossa proposta é observar como
esses arranjos normativos são funcionais à criação do consenso em torno da criação de um
aspecto menos cruel do capitalismo que atenderia pontualmente às questões sociais através de
ONGs como o Instituto Ayrton Senna.
No âmbito do município do Rio de Janeiro, basicamente analisaremos a lei 5.026/2009
municipal do Rio de Janeiro que dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações
Sociais que poderiam assinar contratos de parceria com o poder público. Essa lei é que serviu
de amparo legal para a contratação do Instituto Ayrton Senna para prestar serviço público de
aceleração da aprendizagem, pois em seu artigo 5º, §2 estabelece que a contratação de
organizações do “Terceiro Setor” se daria em conformidade com a lei federal das licitações.
(BRASIL, 1993). A lei de licitações, em seu artigo 24º, prevê a contratação de organizações
da sociedade civil (sem fins lucrativos) sem a necessidade de licitação para a prestação de
serviços públicos na área educacional, desde que a entidade contratada possua inquestionável
reputação ético-profissional. Portanto, caberá uma breve análise do artigo 24º da lei das
licitações.
59
Outros documentos importantes a serem analisados serão os “Comunicados 104 do
IPEA”, de 4 de agosto de 2011, que trata da “natureza e dinâmica das mudanças recentes na
renda e na estrutura ocupacional brasileiras” e o “Comunicado 123 do IPEA”, de 06 de
dezembro de 2011, que trata especificamente do aumento da participação das ONGs como
protagonistas na elaboração e execução de serviços públicos ao longo dos governos Lula da
Silva (2003-2010). (IPEA, 2011a, 2011b).
Analisaremos alguns documentos emitidos por organismos internacionais e pela
presidência da república que julgamos influentes ao momento histórico de metabolismo do
neoliberalismo com uma pitada de “responsabilidade social”. Contudo, entendemos que é
importante frisar que esses documentos não são incorporados pela burguesia nacional
passivamente, mas são ressignificados em função das correlações de forças locais. Dentre os
documentos que elegemos, destacamos:
a) Documento do Banco Mundial intitulado “Atingindo uma educação
de nível mundial no Brasil: próximos passos”, apresentado por Pedro
Carneiro. Esse documento no ajuda a pensar o referencial de “qualidade” na
educação defendido pelo Banco Mundial. Esse documento dá destaque ao salto
de qualidade da educação brasileira que teria conseguido reduzir em 1 ano o
tempo de conclusão da educação básica. Esse documento nos ajudará a pensar
a atuação do “Programa Acelera Brasil” como estratégico para governos
municipais, estaduais e federal, pois atuaria como instrumento de “aceleração”
do nível de “qualidade” das redes de ensino. Outro fator de destaque desse
documento seria a associação da elevação do nível da qualidade no Brasil com
a adoção de uma política de avaliação nacional e planificada. Os professores
que ajudassem nessa elevação de nível deveriam receber bônus por seu
desempenho individual. (BANCO MUNDIAL, 2010, grifos nossos).
b) Documento do Banco Mundial, emitido em 2011, disponível no sítio do
Banco Mundial, ensinando como o poder público estabelecer parcerias com
organizações privadas. (BANCO MUNDIAL, 2011, grifos nossos).
c) Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Projeto de
Cooperação Técnica BRA/99/004 - “Melhoria da Qualidade do Ensino
Fundamental e Educação Infantil” - está voltado para a implementação, no
60
quadriênio 1999/2002, de um dos objetivos primordiais da política nacional de
educação: a melhoria da qualidade do ensino fundamental. (PNUD, 2009,
grifos nossos).
d) Documento das Nações Unidas denominado “Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio: uma visão a partir da América Latina e do
Caribe”. Esse documento é fundamental para pensar a educação e o combate à
pobreza como objetos que deveriam ser atingidos rapidamente sob o risco de
uma ruptura do pacto social vigente. (CEPAL, 2005, grifos nossos).
e) WORLD BANK. Learning for All: Investing in People’s
Knowledge and Skills to Promote Development. World Bank Education
Strategy 2020 – Discussed at the Board of Directors. Esse documento nos
ajudar a compreender a incorporação do preceito que associa a educação como
promotora de desenvolvimento, promotora da distribuição de reanda e da
redução das desigualdades. (WORLD BANK, 2011, grifos nossos).
f) PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Termo de Referência para a
formação da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (SEDES) e do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (CDES). Documento fundamental na percepção do maior
protagonismo do empresário nas decisões das políticas públicas durante os
governos Lula da Silva. (BRASIL, 2008, grifos nossos).
g) Quinta Carta de Concertação: Caminhos para um Novo Contrato
Social. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Documento chave
na compreensão da formação do consenso em torno da necessidade de se criar
um “Novo Pacto Social” (conforme os preceitos defendidos pelos ideólogos do
“Neoliberalismo da Terceira Via”) baseado na construção de parcerias do
poder público com organizações privadas. (BRASIL, 2003b, grifos nossos).
Uma observação importante a ser feita é a mudança de rumos que tivemos que
tomar em nossa pesquisa em função do das inúmeras dificuldades encontradas para ter acesso
ao contrato da parceria público-privada entre o Instituto Ayrton Senna e a Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro para executar serviços de aceleração da
61
aprendizagem. Num primeiro momento, entre junho de 2010 e janeiro de 2012 tentamos de
todas as formas encontrar o referido contrato nas prestações de contas do site “transparência”
da Prefeitura do Rio de Janeiro. Nada foi encontrado durante o período citado acima.
Mudamos de postura e entramos em contato por e-mails com a finalidade de obter uma cópia
do contrato na qualidade de cidadão fiscal das contas públicas e recebemos uma negativa
oficial.
No corpo do e-mail da negativa, foi-nos informado que só conseguiríamos esse
documento, caso protocolássemos uma petição solicitando a permissão para pesquisas nas
unidades escolares de acordo com o anexo E/DGED nº 41 de fevereiro de 2009 do
Departamento Geral de Educação. No referido e-mail estava anexado um arquivo contendo
um formulário de solicitação de contratos para fins de pesquisa que ficaria a cargo da
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro julgar se a pesquisa poderia ser feita. Diante dessa
postura patrimonialista, questionamos essa situação e nos foi sugerido preencher o formulário
e dar entrada num processo administrativo solicitando permissão para a pesquisa. Assim o
fizemos, conforme protocolo 005857 de 09 de maio de 2012 e ficamos aguardando a resposta
que nunca vinha por parte da Comissão que avaliaria a possibilidade da pesquisa poder ser
feita.
Voltamos a informar que não tínhamos o interesse em fazer uma pesquisa de campo;
apenas gostaríamos de ter acesso ao contrato de prestação de serviços assinado entre o
Instituto Ayrton Senna e a Secretaria Municipal de Educação, pois o mesmo não se encontra
disponível no site “transparência” da prefeitura do Rio de Janeiro. De posse documento de
solicitação do contrato14
, os seguintes campos nos eram exigidos para o preenchimento:
a) Item 4 - Questiona se o pesquisador ou a pessoa que quer ter acesso ao
contrato é servidor municipal.
b) Item 6 - Síntese da pesquisa indicando o cunho e a metodologia da
pesquisa.
c) Item 11 - Para que o contrato seja disponibilizado e a pesquisa seja
efetivada, há a necessidade do parecer do Comitê de Ética da prefeitura.
d) Item 13 - Previsão para apresentação das conclusões da pesquisa para o
Departamento Geral de Educação.
14 Disponível nos anexos.
62
Os itens apresentados nos trouxeram o temor de algum tipo de retaliação pelo fato
de pertencer ao quadro de servidores ativos da Secretaria Municipal de Educação do Rio de
Janeiro. Além desse fato, não entendemos o porquê do contrato de prestação do serviço
público não estar disponível para os cidadãos poderem fiscalizar seu cumprimento e
execução. Outro fato que chama a atenção é a disponibilização do contrato mediante um
parecer de uma comissão sobre a validade ou não de sua pesquisa, do método utilizado. Será
que a Prefeitura do Rio de Janeiro teria algo a esconder sobre os contratos de prestação do
serviço público pela Organização do “Terceiro Setor” (Instituto Ayrton Senna)? Qual seria a
necessidade de um parecer da comissão de ética do Departamento Geral de Educação para
que um cidadão faça uma simples consulta ou uma complexa pesquisa da parceria público-
privada com o Instituto Ayrton Senna?
Diante de tal postura patrimonialista, decidimos nos centrar nos aspectos
filosóficos do programa de aceleração da aprendizagem e deixamos de analisar os valores do
contrato, comparando-os com o s valores gastos por aluno da rede municipal regular de
ensino. Para nossa surpresa, quando foi promulgada a lei de acesso à informação (BRASIL,
2011) recebemos um telefonema de um servidor da Prefeitura nos perguntando se ainda
tínhamos interesse em ter acesso ao contrato. Como esse contato por telefone se deu há
apenas dois meses para o prazo da conclusão de nossa dissertação, decidimos não abordar os
termos do contrato em si, mas como foram construídos os aspectos teóricos, didáticos e
metodológicos do programa de aceleração da aprendizagem do Instituto Ayrton Senna
denominado “Programa Acelera Brasil” e como esse programa pode ser instrumental para
ressignificar o papel social da escola pública no município do Rio de Janeiro.
63
2 INSTITUTO AYRTON SENNA: CONSTRUINDO SEUS REFERENCIAIS
TEÓRICOS E DE AÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A REFORMA GERENCIAL DE
ESTADO
Nesse capítulo apresentaremos a fundação do Instituto Ayrton Senna no contexto
histórico das discussões envolvendo a “necessidade” de se promover uma Reforma Gerencial
do Estado brasileiro, iniciada na primeira metade da década de 1990. Nessa direção, a noção
de “Estado Mínimo” ganha espaço e os serviços básicos de assistência social passam a ser
executados, cada vez com maior frequência, por organizações da sociedade civil, cujas
principais características são o fato de serem não governamentais e sem fins lucrativos
(ONGs).
A partir de então, ONGs como o Instituto Ayrton Senna ganham um protagonismo na
execução de serviços públicos na área social, destacadamente na educação, através dos
arranjos normativos das leis 9.637/98 que dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos
e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá
outras providências e da lei 9.790/99 que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de
direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público, institui e disciplina o Termo de Parceria. Esses arranjos normativos foram
fundamentais para sedimentar na Reforma Gerencial a transferência para organizações de
direito privado (“sem fins lucrativos”) os serviços que anteriormente eram executados
diretamente pelo Estado.
Dando sequência a esse processo de publicização, através do estabelecimento de
parcerias público-privadas com o Estado, normatizadas pela lei 11.079/2004, o Instituto
Ayrton Senna celebra parcerias com o MEC, Secretarias Municipais e Estaduais de Educação
focando seus programas educacionais na otimização dos recursos públicos e na introdução de
uma cultura avaliativa de larga escala, visando obter êxito nas avaliações promovidas pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Em seguida, apresentaremos como algumas organizações internacionais e da
sociedade civil brasileira têm contribuído para a formação de uma concepção teórica e
metodológica dos programas educacionais desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna na
construção do que é entendido como educação de “qualidade” e quais as competências que
um indivíduo deve adquirir ao longo da vida.
64
2.1 Contexto Histórico de Surgimento do Instituto Ayrton Senna: Reforma Gerencial
A criação do instituto, em 1994, está inserida nesse momento histórico de debate
envolvendo a Reforma Gerencial do Estado, identificada com a necessidade de o Estado se
concentrar nas atividades reguladoras e transferir para a iniciativa privada, quer seja
diretamente ao mercado, quer seja a ONGs, através de parcerias público-privadas (PPP) os
serviços anteriormente executados pelo Estado. Nesse ambiente de questionamento das
atividades que o Estado deveria se concentrar, os meios de comunicação formam importantes
canais de disseminação do consenso em torno da “falência” do serviço público e da maior
efetividade da prestação do serviço público, destacadamente na área social, por organizações
não governamentais.
Dentro desse conjunto de questões é criado o Instituto Ayrton Senna (IAS), em 1994,
que se define como uma Organização Não Governamental, Sem Fins Lucrativos, cujo
objetivo principal é proporcionar o desenvolvimento humano de jovens e adolescentes em
parceria com municípios, estados, empresas privadas, universidades, ONGs. (INSTITUTO
AYRTON SENNA, 2011m). O IAS é presidido por Viviane Senna15
desde sua fundação e
apresenta um grupo de conselheiros, que juntamente com a presidenta, definem as diretrizes
das propostas políticas e pedagógicas a serem adotadas pelo instituto.
Na comemoração do aniversário de 14 anos de fundação do IAS, no ano de 2008,
Tatiana Filgueiras16
destaca que as metas estabelecidas pelo compromisso “Todos pela
Educação” que visaria à obtenção da educação pública de “qualidade” até 202217
, só seria
possível com vontade política e adequação da administração pública ao modelo gerencial
implementado na burocracia estatal na década de 1990.
O aprendizado acumulado pelo Instituto Ayrton Senna ao longo dos seus 14 anos de atuação nos mostra que a educação de qualidade só acontece com investimentos articulados em três frentes: a estruturação de políticas públicas, a qualificação gerencial e o apoio pedagógico aos profissionais da educação. (FILGUEIRAS, 2008, p. 48).
15
Irmã de Ayrton Senna e membro dos seguintes comitês: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES);
Conselho Consultivo da febraban e Citbank Brasil; Conselho de Administração do banco Santander; Conselho de Educação da CNI e FIESP; Energias do Brasil (EDP), ADVB, World Trade Center e todos pela Educação; Comitê de investimento dos bancos Itaú e Unibanco; Nomeada um dos líderes para o Novo Milênio (CNN/Revista Time); Única brasileira membro do grupo “Amigos Adultos do Prêmio das Crianças do Mundo” ao lado da Rainha Silvia da Suécia, Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, e José Ramos Horta, Prêmio Nobel da Paz. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011b).
16 Tatiana Filgueiras, coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna.
17 Ano emblemático em função do bicentenário da Independência política do Brasil.
65
A ideia de qualidade na educação pública estaria ligada, principalmente, à correção da
distorção série-idade, além da diminuição da evasão escolar e da repetência; ou seja, uma
determinada rede pública seria “bem” gerenciada quando os alunos conseguissem a
progressão de série e a consequente conclusão dos estudos.
O acompanhamento gerencial e o apoio pedagógico, visando à reversão positiva de taxas como acesso à escola, aprovação e conclusão dos estudos, alfabetização e aprendizagem na idade correta, é a estratégia capaz de possibilitar a tomada de decisão em tempo real e de reverter os resultados negativos, melhorando a eficiência dos sistemas. (FILGUEIRAS, 2008, p. 49).
Percebemos que o IAS concebe seus programas educacionais como tecnologias
sociais, cuja atuação na educação formal seria o motor propulsor da superação do chamado
fracasso escolar18
. Dessa forma, o programa educacional “Acelera Brasil”19
é o fio condutor
das ações desenvolvidas pelo IAS na aplicação das políticas públicas na área educacional,
recebendo suporte dos demais programas educacionais desenvolvidos na educação formal20
.
Objetivando dar suporte ao “Programa Acelera Brasil”, foram desenvolvidos outros
programas educacionais voltados ao gerenciamento das redes de ensino, no que diz respeito à
educação formal, com alto grau de defasagem idade/série, tais como programas de suporte de
alfabetização aos alunos considerados analfabetos funcionais, com o objetivo de lhes fornecer
as mínimas condições de ingressar nos programa de correção de fluxo, ou seja, aceleração da
aprendizagem (“Acelera Brasil”).
Abaixo apresentamos um breve painel histórico disponibilizado pelo IAS, desde sua
fundação em 1994, com a finalidade de mostrar que, embora os primeiros programas
educacionais do instituto tenham se desenvolvido na educação não formal, quando o IAS
concentrou suas forças na execução de políticas públicas da educação formal, o “Programa
Acelera Brasil” passou a ditar os rumos dos demais programas que seriam desenvolvidos para
servir-lhe de suporte.
18 O fracasso escolar, segundo a visão do IAS, estaria ligado à repetência, ao abandono escolar e à distorção série idade. 19 Programa concebido para a correção da distorção série/idade. 20 Faremos a exposição dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna mais adiante.
66
QUADRO 1 – Panorama Histórico IAS.
1994 – Ayrton Senna lança o personagem Senninha em fevereiro.
Fundação do Instituto Ayrton Senna em novembro. 1995 – Começa o atendimento a crianças e jovens com o Programa Educação pelo Esporte. 1996 - Início da estratégia de atuação em escala, aliando criação de soluções educacionais e mobilização da sociedade. 1997 – Lançado o Programa Acelera Brasil.
1998 – Início da aliança com a imprensa: 1º Grande Prêmio Ayrton Senna de jornalismo. 1999 – A base da construção do conhecimento e das ações educacionais passa a ser o Paradigma do Desenvolvimento Humano e os Quatro Pilares da Educação. Criação do portal www.senna.org.br. Lançados os programas Educação pela Arte e SuperAção Jovem. 2001 – Lançado o Programa Se Liga.
Criação do SIASI – Sistema Ayrton Senna de Informação. 2002 – As soluções educacionais são adotadas em quase todos os Estados brasileiros. Lançado o Programa Gestão Nota 10. 2003 – A UNESCO concede a chancela para a Cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano.
Fonte: Instituto Ayrton Senna (2011m).
Mais adiante abordaremos cada programa da educação formal, como são funcionais e
servem de suporte ao pleno desenvolvimento do programa “Acelera Brasil” (PAB). Antes
mesmo de apresentarmos o “PAB”, entendemos que é necessário fazer uma retomada
histórica do surgimento do IAS num momento de reformas políticas em que o Brasil passava
para situar alguns referenciais desse instituto quando da adoção do PAB como “fórmula do
sucesso” no ataque à má “qualidade” do ensino ministrado nas escolas públicas brasileiras.
No decorrer da década de 1980, segundo Leher (1999), ocorreram reformas
educacionais nos países latino-americanos em “desenvolvimento” de modo a se criar um
consenso em torno da ideia de qualidade unitária da educação em detrimento das
especificidades locais. A adoção, por esses países, de medidas educacionais direcionadas pelo
Banco Mundial (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento) calcado na
ideologia da globalização seria uma forma de impedir a “marginalidade econômica, política e
cultural desses países”.
Com o colapso do socialismo real, o neoliberalismo passa a figurar como “teoria
dominante” e o BIRD assume o papel de “ministro da educação” dos países periféricos no
capitalismo, desfocando a ideia de que o caminho a ser percorrido pelos países da América
Latina para superar o atraso industrial seria o “desenvolvimento keynesiano”. A proposta
neoliberal, encabeçada pelo BIRD, passaria a não mais focar o combate à pobreza, mas sim a
tomada de medidas de aliviamento da pobreza extrema. (LEHER, 1999).
67
É interessante destacarmos que o neoliberalismo é adotado como política econômica
de aliviamento da pobreza que crescia cada vez mais nos países em desenvolvimento (como o
Brasil, por exemplo); contudo, a agenda neoliberal não apontava para um fator determinante
no crescimento da pobreza: a própria lógica de reprodução do capital, com cortes acentuados
nos gastos públicos com a assistência social por parte dos governos. A primeira vista, o
combate à pobreza extrema seria uma forma menos predadora do sistema capitalista em sua
face neoliberal, mas quando procuramos os determinantes da situação da pobreza percebemos
que há uma tentativa de negação da totalidade das relações sociais de exploração produzidas
pela forma como o capital se reproduz, ou seja, ao olharmos para a história, percebemos que
aquilo que o neoliberalismo se propõe a combater é gerada dentro de sua lógica de
funcionamento.
Nesse contexto, de implementação da lógica neoliberal, a divisão internacional do
trabalho se refletiria plenamente na divisão internacional nos níveis de educação dos países
capitalistas. Enquanto o foco do BIRD, desde 1984 (quando assumiu o papel da UNESCO nos
assuntos concernentes à direção da educação), para os países desenvolvidos residia em
empréstimos voltados para a área de ciência e tecnologia, os países em desenvolvimento
deveriam focar-se no ensino fundamental21
, buscando uma nova forma de inserção no
mercado, na política e cultura mundial que já não passava mais pelo desenvolvimentismo,
mas pela inserção um mundo globalizado através da educação, retomando os preceitos da
“noção de capital humano”.
O mesmo movimento que leva o neoliberalismo à condição de teoria dominante faz a teoria do capital humano ser retomada. Com ela, o alto retorno econômico do ensino fundamental é ressaltado e sua difusão é tida como o principal passaporte para uma melhor inserção do país na chamada globalização. (LEHER, 1999, p.2).
A “noção do capital humano”, amplamente divulgada entre as décadas de 1950 até
início da década de 1970, postulava a ideia de que “investimentos em educação redundariam
taxas de retorno sociais e individuais” (FRIGOTTO, 1986, p. 136). Assim, as possibilidades
de aumento da renda de uma pessoa estariam relacionadas à maior qualificação, o que seria o
resultado de investimentos em educação e treinamentos e proporcionaria, também, ganhos
sociais através do aumento da produtividade e da geração de riqueza para um país,
independentemente da forma estrutural como o sistema capitalista de produção está
21
Um bom exemplo foi a criação, no Brasil, do Fundef (Fundo para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e para Valorização do Magistério) na década de 1990.
68
organizado. Na “noção do capital humano”, a educação é concebida como elemento
fundamental de redução da pobreza e das grandes diferenças de renda entre as classes sociais
Nessa direção, a educação foi se tornando assunto de negócio e principalmente de
segurança, uma vez que poderia funcionar perfeitamente como produtora de ideologia, onde o
desemprego em tempos de globalização nada teria a ver com as condições estruturais do
capitalismo, mas com a falta de “qualificação” do indivíduo que não foi capaz de se adequar
as exigências do mercado de trabalho. Dessa forma, atribuindo ao indivíduo a
responsabilidade por seu sucesso ou fracasso no mercado de trabalho, muda-se o foco da crise
estrutural e desenvolvem-se mecanismos de aliviamento da pobreza, colocados como
fundamentais para manter a coesão social e a segurança dos investidores.
Em meio à implementação dos preceitos neoliberais, no Brasil, que o Instituto Ayrton
Senna começa a ser pensado como uma Organização da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos
para atuar prioritariamente desenvolvendo tecnologias sociais voltadas para a educação
formal, com destaque para o “Programa de Aceleração da Aprendizagem” (PAB) cujo
objetivo principal é atacar a defasagem idade-série e a repetência no ensino fundamental. A
ideia seria certificar a maior quantidade de alunos no ensino fundamental para que (aqueles
que “possivelmente” não dariam prosseguimento nos estudos) adquirissem o mínimo de
“capital humano” para inserção no mercado de trabalho e isso se refletiria na inserção do país
na divisão internacional do trabalho num contexto de ideologia da globalização. Essa proposta
de aceleração da aprendizagem que estava sendo estruturada pelo Instituto Ayrton Senna ia ao
encontro da efetivação, no Brasil, da Reforma Administrativa de Estado e incorporação dos
ideais defendidos pelo BIRD (expansão do ensino fundamental nos países em
desenvolvimento).
Em nossa proposta dialética de análise, não nos preocupamos em estabelecer uma
relação causa-efeito no que diz respeito à determinação do sucesso ou fracasso de indivíduo
estar relacionado à quantidade de investimento em educação que cada um faz em si próprio,
mas procurando analisar essa noção de “capital humano”, que a priori se apresenta como
verdade absoluta, como ponto de partida de um fenômeno. Entendemos que a qualificação
pessoal e o constante aperfeiçoamento dos indivíduos são fundamentais para o
desenvolvimento pessoal e tecnológico de um país. Concordamos, ainda, que alguns
indivíduos, por situações diversas, não conseguiriam terminar o ensino fundamental e seriam
excluídos do mercado de trabalho (na sociedade capitalista) em função de seu “pouco”
estoque de “capital humano” e que medidas urgentes deveriam ser tomadas para mudar esse
quadro.
69
O passo dado pelo Instituto Ayrton Senna foi importante porque os indivíduos que
repetem muitas vezes a mesma série podem se sentir desestimulados e, consequentemente,
abandonar a escola. Algo precisava ser feito! Todavia, num aprofundamento de nossas
reflexões ao longo desse trabalho nos questionaremos se a forma como foi pensado o “PAB”
seria a mais adequada possível para promover não apenas o acúmulo de “capital humano”,
mas também as ferramentas para formar indivíduos que busquem a crítica às relações sociais
que estão postas, dentro de uma concepção de “qualidade” na educação, atrelada às lutas
históricas defendidas pelos profissionais da educação pública.
Pensando nessa ideologia que afirma que o indivíduo deve acumular “capital humano”
ao longo de sua vida como garantia de sucesso profissional e ascensão social, deparamo-nos
com as seguintes indagações: Como um indivíduo que não tem acesso (ou o tem em
condições precárias) a serviços como saneamento básico, atendimento médico e não tem
acesso às condições mínimas necessárias de manter-se a si próprio e à sua família poderia
priorizar o investimento em educação, uma vez que seu objetivo mais imediato seria sua
subsistência? Aprofundando mais ainda nossas reflexões, indagamos: trazer para o debate a
noção de “capital humano” poderia ser uma estratégia de responsabilização do indivíduo pelo
seu sucesso ou fracasso profissional e desresponsabilização do Estado capitalista pelas crises
sistêmicas, quer sejam estruturais quer sejam conjunturais? Determinar que os investimentos
em assistência social são os causadores das crises econômicas “conjunturais” poderia ser uma
forma de naturalizar o que é histórico? Por enquanto, temos apenas questões para tentar
compreender o fenômeno que conjuga a dicotômica diminuição drástica dos investimentos na
assistência social e o ataque à pobreza extrema (proposta pelo neoliberalismo para os países
em desenvolvimento desde o final da década de 1980).
Um elemento de análise que nos chama a atenção é a naturalização daquilo que é
histórico (produzido pelas sociedades ao longo dos anos). Responsabilizar um indivíduo, e
somente ele, por seu sucesso ou fracasso na vida profissional seria uma forma de negar a
totalidade das relações sociais que se dão no capital. Para evitarmos cair nessa abstração rasa
procuramos entender a historicidade na qual a concepção de indivíduo está inserida numa
sociedade de classes. É fundamental termos o cuidado de não colocarmos o indivíduo como
exterior à história, o que ocultaria suas ações e relações com outros indivíduos no sistema
capitalista.
Realizando o détour, proposto no capítulo anterior, pensamos o indivíduo como um
fenômeno concreto, uma complexa estrutura material e espiritual, produto da sociedade
existente. (SHAFF, 1966). Portanto, quando pensamos um sistema de produção de riqueza de
70
forma fechada (conclusa), o indivíduo pode ser pensado como produto exterior à história e
idealizado de forma a ser pensado como tendo sua existência anterior à própria sociedade. O
indivíduo pensado na ciência burguesa, em suas faces liberal e conservadora, está fora do todo
social, é idealizado como alguém que não está envolto às relações sociais em que se dão sua
existência, ou seja, é o único responsável pelo seu destino. Questionando essa concepção de
indivíduo nos deparamos com a negação, por parte da ciência burguesa, do princípio básico
do pensamento: o indivíduo quando nasce aprende a pensar na sociedade em que está
inserido, mesmo antes de se perceber como sujeito que pensa (CARDOSO, 1990), ou seja, as
verdades que permeiam àquela sociedade se revelam na sua consciência, mesmo que esse
pensamento se mostre no nível da aparência das coisas.
Como o “PAB” foi concebido e passou a ser executado em 1997, em meio às
concepções (neo)liberais de indivíduo, percebemos que o programa ao criar um modelo
padrão de educação, uma fórmula aplicável a qualquer indivíduo de quaisquer partes do
Brasil, revela, a priori (aparência), o indivíduo como um ser existente antes mesmo da
sociedade em que está inserida e a ciência que o empodera de “capital humano” como sendo
neutra (não estaria ligada a nenhum projeto societário de uma classe específica).
Questionando os caminhos seguidos pelo “PAB” na sua concepção de indivíduo, percebemos
que num primeiro momento (nível da aparência) um programa educacional voltado para
levantar a autoestima e possibilitar a aquisição de “capital humano” seria uma medida
interessante para inserção no mercado de trabalho.
Contudo, numa etapa posterior de abstração do pensamento, identificamos que um
modelo padrão que colocaria todos os indivíduos numa modelo pronto de certificar alunos
para a conclusão do ensino fundamental seria negar a história de cada ser e suas
particularidades culturais, espirituais e as condições materiais em que esse aluno está inserido.
Mais afundo em nossas abstrações nos perguntamos: a que grupos, que buscam a hegemonia
na sociedade civil, estaria ligado o IAS e sua concepção de indivíduo? Voltando ao que se
apresentou inicialmente como verdade (nível da aparência), pensamos que o “PAB” é um
importante instrumento da burguesia na manutenção da paz e coesão social à medida que
confere diploma indivíduos que em tese não prosseguiriam nos estudos e fornecem mão de
obra barata e obediente para os empresários que investem nos programas educacionais do IAS
(que recusam a composição sindical, a emancipação humana e investem na aquisição de
“capital humano” para sobreviver em tempos de globalização).
Noções, como a de “capital humano”, tendem a reproduzir na mente humana, de forma
espontânea, aquilo que se apresenta imediatamente como se fosse uma verdade absoluta.
71
Determinar que um indivíduo não alcançou o sucesso profissional em função de sua falta de
esforço é desconsiderar as mediações simbólicas, políticas, econômicas e culturais que o
conduziram a uma determinada posição social, é negar que essas mediações são fundamentais
para a compreensão da realidade (ainda que por proximidade). O neoliberalismo ao se
apresentar como a face mais viável da salvação do sistema capitalista de produção (que
passava por uma crise conjuntural/estrutural, desde a década de 1970) fundamentava seu
argumento na necessidade de ajuste econômico, principalmente na área fiscal, através de
estudos econômicos que indicavam que os gastos sociais eram muito elevados e deveriam ser
os primeiros a serem cortados pelos governos e, em tempos de crise econômica, teria maior
capacidade de sobrevivência quem tivesse mais “capital humano”.
Seguindo essa linha de raciocínio, ao se somar os gastos sociais à falta de pagamento
das dívidas públicas e à falta de um maior comprometimento dos governos na gestão dos
recursos públicos, teríamos o porquê da situação de crise que assolava o sistema capitalista.
Entretanto, conforme Kosik (1976), a soma das partes do problema científico até podem
captar elementos da realidade, mas não captam suas determinações na realidade. Determinar
que a crise sistêmica iniciada nos anos 1970 se deu por esse ou aquele motivo é de um
cinismo tamanho à medida que tenta ocultar que o capital, entendido como relação social,
permite que um grupo de indivíduos explore a maior parte dos demais, proporcionando o
aumento da pobreza e das mazelas sociais. Dessa forma, o gasto público com serviços na área
social se dá justamente para suprir uma lacuna proporcionada pelo próprio sistema capitalista
de gerar a riqueza e promover a exploração, o desemprego e a miséria.
Dentro dessa perspectiva neoliberal de deslocamento do epicentro do problema do
desemprego, aumento da pobreza e das mazelas sociais, um mecanismo que começou a ser
empregado em larga escala tanto nos Estados Unidos de Clinton quanto na Inglaterra de Blair,
na década de 1990, foi a transferência de parte das obrigações sociais do Estado para
entidades privadas sem fins lucrativos (pelo menos teoricamente). Para tanto, seriam
necessárias reformas que possibilitassem a essas organizações da sociedade civil sem fins
lucrativos, contratadas pelo Estado, a funcionarem como operadoras do capital. No caso
brasileiro, a solução encontrada foi a realização de uma ampla reforma administrativa nos
quadros do Estado.
Adotando a dialética materialista histórica, não cremos na neutralidade da ciência;
pelo contrário, entendemos que a ciência está envolta a interesses e lutas de classes. Dessa
forma, nossa análise nos conduz à busca da contradição com o objetivo de perceber as
disputas por projetos societários que se dão na suposta necessidade de reformar o Estado
72
brasileiro, principalmente nos aspectos ligados às conquistas de alguns direitos na área da
assistência social (mesmo que dentro dos limites da sociedade burguesa) oriundos de lutas
históricas e mobilizações dos trabalhadores em seus diversos órgãos de representação.
A questão da suposta necessidade de operacionalizar uma Reforma Administrativa no
Estado brasileiro, tido como ineficiente e engessado pelas “amarras patrimonialistas”
construídas pela constituição de 1988 que começara a se redesenhar no ano de 1985 (no
período de “redemocratização” dentro dos limites da sociedade burguesa), estava na ordem do
dia como expediente a ser adotado pelos países em desenvolvimento. Nos anos de 1990 e
1991, Fernando Collor de Mello no seu discurso de posse já afirmava que era impossível
governar em conformidade com aquela constituição e que reformas seriam necessárias.
A equipe de governança de Collor não teve a habilidade necessária para operar o
desmonte da constituição de 1988, que, segundo ele, o impedia de governar o país, e foi
deposto numa produção hollywoodiana que colocava em questão a capacidade de governança
de seu grupo político como operadores e garantidores do capital no Brasil22
e como
garantidores das condições mínimas de execução dos serviços públicos, principalmente na
área social visando evitar uma possível ruptura social. Guardando similaridades com a
proposta de Collor que clamava por mudanças na administração pública burocrática, o grupo
político liderado por Itamar Franco assume o governo em 1992 com a proposta da
necessidade de reformas constitucionais que permitiriam o exercício da governança.
Nesse contexto, a constituição de 1988 era vista pelo grupo hegemônico que operava
nos governos Itamar Franco e, posteriormente, Fernando Henrique Cardoso (FHC), entre
1992 e 1995, como um retrocesso na tentativa de promover uma Reforma Gerencial na
Administração Pública que fora implantada, no modelo burocrático, ainda baseado nos
padrões de administração da década de 1930. O retrocesso estaria assentado principalmente
no loteamento de órgãos da administração indireta como empresas públicas, autarquias e
fundações. Por mais que possa parecer estranho, a vitória sobre a ditadura daria aos partidos a
possibilidades de arranjos políticos em troca de alianças por cargos públicos.
Outra questão vista como retrocesso pelo grupo hegemônico Itamar-FHC era a questão
envolvendo o surgimento de um regime jurídico único para os servidores públicos da União,
dos Estados e dos Municípios. Era uma questão de engessamento do quadro dos servidores,
principalmente da administração indireta (destacadamente Autarquias e Fundações Públicas),
pois em muitos casos a questão não envolvia o número de servidores num determinado órgão,
22
Para O’Donnel (1981) o Estado de classes funciona como fiador da classe que domina a economia, a política e a ideologia.
73
mas a possibilidade de uma redistribuição, contratação temporária para acelerar atividades
específicas em atraso e, por fim, a demissão no caso de órgãos com excesso de servidores.
A nova Constituição determinou a perda da autonomia do Poder Executivo para tratar da estruturação dos órgãos públicos, instituiu a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores civis da União, dos Estados membros e dos Municípios, e retirou da administração indireta a sua flexibilidade operacional, ao atribuir às fundações e autarquias públicas normas
de funcionamento idênticas às que regem a administração direta. (BRASIL, 1995, p.21).
Diante dessas discussões envolvendo a “necessidade de se reformar a administração
burocrática”, o governo FHC e seu grupo político23
que operou com habilidade o desmonte da
constituição de 1988, elaboraram o Plano Diretor da Reforma de Reforma do Aparelho de
Estado de 1995, cuja proposta seria a passagem de uma administração pública burocrática
para uma administração pública gerencial, cuja característica mais marcante seria a
“flexibilização das relações trabalhistas”, do enxugamento da máquina pública e
desvalorização da máquina dos servidores públicos.
As questões levantadas pelo grupo hegemônico liderado por FHC ente os anos de
1994 e 1995 foram:
O Estado deve permanecer realizando as mesmas atividades? Algumas delas podem ser
eliminadas? Ou devem ser transferidas da União para os estados ou para os municípios? Ou ainda, devem ser transferidas para o setor público não estatal? Ou então para o setor privado? Por outro lado, dadas as novas funções, antes reguladoras que executoras, deve o Estado criar novas instituições? Para exercer as suas funções o Estado necessita do contingente de funcionários existente? A qualidade e a motivação dos servidores são satisfatórias? Dispõe-se de uma política de recursos humanos adequada? As organizações públicas operam com qualidade e eficiência? Seus serviços estão voltados prioritariamente para o atendimento do cidadão, entendido como um cliente, ou estão mais orientadas para o simples controle do próprio Estado? (BRASIL, 1995, p.25-26).
Essas questões foram fundamentais para pensar um novo modelo de administração
pública (gerencial), com a possibilidade de transferência para o mercado de serviços que este
tivesse interesse, ou para o setor público Não Estatal (formado principalmente por
Organizações da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos e Não Governamentais) que se ateria
aos serviços em que o mercado não tivesse interesse em assumir, como algumas formas de
prestação de serviços na área social.
Outro ponto que merece destaque no Plano Diretor da Reforma seria o questionamento
da eficiência do serviço público prestado pelo Estado. Essa questão é fundamental para a
23 Luiz Carlos Bresser Pereira - Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado; Paulo Paiva - Ministro do Trabalho; Pedro Malan - Ministro da Fazenda; José Serra - Ministro do Planejamento e Orçamento; Gen. Benedito Onofre Bezerra Leonel - Ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Cf. Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995, p. 2).
74
construção do consenso em torno da validade da eficiência do serviço prestado pelas
organizações privadas com ou sem fins lucrativos; já por outro lado o serviço público
prestado pelo Estado é questionado como pouco eficiente e pesado à sociedade. Ficava claro
que a dissociação entre Estado e sociedade civil, como instâncias estanques e independentes,
seria fundamental para legitimar o argumento em torno da suposta ineficiência estatal,
independentemente da influência do grupo hegemônico que está no governo e os grupos da
sociedade civil que o perpassavam.
Seguindo uma linha de análise gramsciana, observamos que criar um consenso na
sociedade civil (arena de disputas por projetos societários) em torno da inevitabilidade do
esvaziamento do Estado nas atividades era o foco do grupo liderado por FHC que entendia
que o Estado deveria se concentrar nas atividades policiais, fiscalizadoras e de estipular
diretrizes macroeconômicas que garantissem a estabilidade de crescimento econômico. Para
sedimentar esse consenso, alguns intelectuais orgânicos do capital foram fundamentais para
legitimar esse argumento diante da sociedade civil e da sociedade política, dando forma à
consciência e formatando a maneira como se vê o mundo. Dentre os intelectuais orgânicos
que autuaram na direção da argumentação do esvaziamento do Estado, destacamos os ex-
ministros Bresser Pereira e Claudia Costin (atual secretária de educação do município do Rio
de Janeiro).
Embora a reforma tenha sido aprovada e sancionada pelo presidente FHC em
novembro de 1995, esse tema dominou as discussões sobre a efetividade do serviço público
desde a chegada de Collor ao governo em 1990. Nesse contexto, surgem organizações não
governamentais com o propósito de suprir as lacunas deixadas pelo poder público na
prestação de determinados serviços, principalmente na área social. Uma ONG (público não
estatal) que surge nesse momento com a proposta de oferecer um serviço público de
“qualidade” na área educacional é o Instituto Ayrton Senna, cuja origem remonta ao ano de
1994.
Reformar o aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas. Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em “agências autônomas”, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em organizações públicas não
estatais de um tipo especial: as organizações sociais. (BRASIL, 1995, p.44-45).
A ideia era colocar era desonerar o Estado da execução de determinados serviços, com
destaque para a área social, permitindo-lhe exercer as suas “funções inerentes”: policial,
legislativa e jurídica. Dessa forma, o Estado deveria se concentrar em questões que
75
proporcionaram à economia as condições necessárias para o seu desenvolvimento econômico
e estabilização política, além de criar autarquias especiais (agências reguladoras) com o
objetivo de controlar e regular os serviços que seriam passados para o particular, seja na
forma de privatização diretamente para o mercado ou através da criação de Organizações
Sociais (OS’s) que não visariam o lucro, mas seriam mais eficientes na execução do serviço
público.
Segundo Bresser Pereira (1999, p. 6), a Reforma Gerencial deveria se concentrar em
delimitar as atividades exclusivas do Estado (aquelas que envolvem tanto a soberania
econômica, política e de segurança do país, por serem atividades estratégicas) daquelas que
poderiam ser passadas para o mercado ou para o chamado “quase mercado” (ONGs).
Estabelecendo-se essa linha divisória das atividades exclusivas de Estado das que não são,
ficaria mais fácil saber os órgãos onde se poderia implantar com a flexibilidade na contratação
dos servidores, fortalecendo a ideia da precarização das relações de trabalho, principalmente
na área social.
A Reforma Gerencial de 1995 foi definida inicialmente no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995). Neste documento, após constatar a ineficiência do serviço público existente no Brasil, desenvolve-se um quadro teórico para a reforma, inspirado nas reformas gerenciais que estão sendo implementadas desde a década de 80 em certos países da OCDE, e
particularmente na Grã-Bretanha. A reforma envolve: a) a descentralização dos serviços sociais para estados e municípios; b) a delimitação mais precisa da área de atuação do Estado, estabelecendo-se uma distinção entre as atividades exclusivas que envolvem o poder do Estado e devem permanecer no seu âmbito, as atividades sociais e científicas que não lhe pertencem e devem ser transferidas para o setor público não estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado; c) a distinção entre as atividades do núcleo estratégico, que devem ser efetuadas por políticos e altos funcionários, e as atividades de serviços, que podem ser objeto de contratações externas; d) a separação entre a formulação de políticas e sua execução; e) maior autonomia e para as atividades executivas exclusivas do Estado que
adotarão a forma de “agências executivas”; f) maior autonomia ainda para os serviços sociais e científicos que o Estado presta, que deverão ser transferidos para (na prática, transformados em) “organizações sociais”, isto é, um tipo particular de organização pública não estatal, sem fins lucrativos, contemplada no orçamento do Estado (como no caso de hospitais, universidades, escolas, centros de pesquisa, museus, etc.); g) assegurar a responsabilização (accountability) através da administração por objetivos, da criação de quase-mercados [...] (BRESSER PEREIRA, 1999, p.6).
Entendemos que a Reforma Gerencial, que teve origem no Plano Diretor elaborado
pelo grupo hegemônico liderado por FHC, continua nos governos do Partido dos
Trabalhadores (2003-2012) graças à atuação dos intelectuais orgânicos que são fundamentais
para dar homogeneidade ao pensamento duma concepção particularista de mundo, que precisa
ser cada vez mais sedimentada, consolidada e coerente para as ações da coletividade
(ideologia). Nesse aspecto, o argumento legitimador da necessidade de se realizar a Reforma
do Estado estaria no fato dos direitos agrupados em torno da concepção de cidadania não
76
estarem sendo prestados na forma de serviços públicos de “qualidade” em função da
ineficiência do Estado.
Cabe destacar também que o que estava sendo posto como problema na administração
burocrática era o fato dos cidadãos não serem tratados como clientes e consumidores do
serviço público. Esse debate surgia em função não da falta de “capacidade” do funcionalismo,
mas em função da administração burocrática não ter “capacidade” de gerenciar com eficiência
os recursos humanos que dispõe. É nesse contexto que o grupo liderado por FHC propõe e
aprova com habilidade, no congresso nacional, a chamada transição da chamada Reforma
Administrativa de Estado, com a passagem da administração burocrática para uma
administração gerencial.
Observando o histórico das atividades executadas pelo Instituto Ayrton Senna até
1995, observamos que seus programas educacionais eram voltados para a educação não
formal, principalmente para o esporte. Contudo, a partir de 1996 quando começam a ser
disputados na esfera política o consenso da sociedade civil em torno da necessidade de maior
participação da sociedade civil na prestação de serviços públicos, via Organizações Sociais
Sem Fins Lucrativos, o foco do instituto muda para a educação formal. É nesse contexto que
em fins dos anos 1990 foram normatizadas a participação de organizações da sociedade civil
sem fins lucrativos na prestação do serviço público e, em 1997, o IAS começa a desenvolver
tecnologias de intervenção social na área da educação formal em larga escala com a criação
do “PAB”, vislumbrando estabelecer parcerias com o Estado para implementação desses
programas educacionais.
2.1.1 Ratificação da Reforma Gerencial: normatização das parcerias público-privadas e
qualificação das Organizações Sociais
O grupo político dirigente durante o governo FHC efetivou o processo de
“publicização” e da qualificação das organizações sociais de direito privado que estariam
habilitadas a executarem serviços públicos na área social e na área da pesquisa científica
através da lei 9.637 de 15 de maio de 1998. O processo de “publicização”, segundo Bresser
Pereira (1998), seria a transferência dos serviços que não seriam típicos do Estado (como
seriam os serviços de fiscalização, polícia e regulação) para organizações da sociedade civil
que seriam públicas, porém não estatais. Seriam públicas porque desenvolveriam serviços
77
voltados para o público (cidadão-cliente) sem objetivar o lucro e teriam financiamento estatal
e seriam não estatais porque seriam organizações privadas não controladas pelo Estado
diretamente.
A lei 9.637/98, em seu artigo 1º, estabelece os critérios que o poder público exigirá
para qualificar uma entidade como “Organização Social”. Essas organizações deveriam ser
privadas e atuar na área social, tecnológica e de preservação do meio ambiente, nas lacunas
deixadas pelo Estado,
O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica,
ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei. (BRASIL, 1998, p.93).
Esse arranjo normativo (Lei 9.637/98, artigo 3º) traz como característica marcante o
fato das “Organizações Sociais” terem, necessariamente, que conter de “20 a 40% (vinte a
quarenta por cento) de membros natos representantes do Poder Público, definidos pelo
estatuto da entidade”. (BRASIL, 1998, p.93). As Organizações Sociais, criadas pelo próprio
poder público para suprir a vacância de alguns órgãos que seriam extintos, atuariam na
prestação do serviço público e poderiam dispor de recursos orçamentários, dos bens e
instalações materiais do Estado (Lei 9.637/98, artigo 12º), além de servidores que seriam
cedidos com ônus para a origem (Lei 9.637/98, artigo 14º). Essa transferência de
responsabilidade para a organização social vem sobre o manto da eficiência na prestação do
serviço público através do estabelecimento de metas objetivas a serem atingidas.
Ratificando as diretrizes da Reforma Gerencial, a lei 9637/98 (Artigo 20º, incisos I e
II) estabelece o foco no cidadão-cliente e na ênfase dos resultados quantitativos e qualitativos
para que as Organizações Sociais pudessem desempenham com eficiência o seu papel de
executoras do serviço público. O que nos chama a atenção é o fato de os intelectuais
orgânicos do capital terem obtido êxito na construção do consenso, em grande parte da
sociedade civil brasileira, em torno da maior eficiência das Organizações Sociais na prestação
do serviço público e do “despreparado” do Estado nessa tarefa. A tese desenvolvida por
Bresser Pereira (1998) é a que entende que as Organizações Sociais executam o serviço
público com maior eficiência em função de olhar para o cidadão como cliente, nos mesmos
moldes da iniciativa privada e ter maior flexibilidade, ou seja, não terem o “peso” da
burocracia que o Estado “carregaria” consigo.
Mais uma vez, aprofundando nosso olhar para essa tese, nos deparamos com algumas
indagações: Alguns órgãos públicos estatais foram extintos porque “não” ofereciam um
78
serviço de “qualidade”; mas, esses órgãos recebiam os investimentos necessários para prestar
um serviço público de “qualidade”? Caso recebessem os recursos necessários, por que esses
órgãos não “funcionavam” bem? Seria a “falta” de compromisso dos servidores?
Entrementes, muitos desses mesmos servidores foram cedidos para as Organizações Sociais.
Como culpar os servidores se eles não servem para o Estado, mas servem para as OS’s? Como
explicar os salários maiores que o poder público paga para os funcionários das Organizações
Sociais do que salário pago aos servidores estatutários de carreira para executarem o mesmo
trabalho?
Entendemos que a promulgação da lei das Organizações Sociais (OS’s) é mais uma
receita neoliberal que estava sendo adotada no Brasil com o objetivo de esvaziar o papel do
Estado na prestação de serviços públicos na área social, passando à iniciativa privada os
serviços que o mercado tivesse interesse e às OS’s os serviços voltados para a área social,
cultural, pesquisa tecnológica. A criação das OS’s vai ao encontro da lógica neoliberal de
flexibilização dos vínculos empregatícios à medida que a lei não define o regime de
contratação dos trabalhadores das OS’s, o que pode gerar uma precariedade nas condições de
trabalho, tais como a contratação temporária, desamparo aos trabalhadores em relação à
previdência e a resignação diante do achatamento salarial diante do medo da perda do
trabalho.
Na contramão dessa história, quando os servidores eram admitidos via concursos
públicos (para os órgãos que foram extintos), a possibilidade de focos de resistência à política
de achatamento salarial e a composição sindical tinham maior possibilidade de obter êxito nas
lutas por melhores condições de trabalho e salários, quer fosse pela via das paralisações, quer
fosse pela entrada efetiva em greve.
Na direção de efetivar a Reforma Gerencial do Estado brasileiro, o presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC) assinou a lei 9.790 em 23 de março de 1999 que dispõe
sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), institui e disciplina o Termo
de Parceria. Essa lei foi um importante instrumento utilizado por FHC e seu grupo político
para efetivar o processo de transferência para a iniciativa privada a execução de políticas
públicas, principalmente na área social. Contudo, não bastava ser pessoa jurídica de direito
privado e sem fins lucrativos, mas possuir algumas características voltadas à assistência
social, solidariedade, promoção da cidadania, incentivo ao voluntariado, conforme estabelece
o artigo terceiro da lei 9790/99.
79
A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será
conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: I – promoção da assistência social [...] III – promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei [...] VII – promoção do voluntariado; VIII – promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX – experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito [...] XI – promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais [...]. (BRASIL, 1999, p. 134).
A lei da qualificação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público dá
seqüência ao processo da chamada Reforma Gerencial através da transferência para as
organizações privadas sem fins lucrativos a atuação no campo da assistência social, em áreas
específicas como educação e saúde. O Instituto Ayrton Senna é uma dessas OSCIP’s que atua
na promoção da educação gratuita, recebendo financiamento de organizações privadas e
financiamento público (através de parcerias público-privadas) para desenvolver seus
programas educacionais que têm por eixo articulador o estímulo ao voluntariado, à
“responsabilidade social” de todos os membros da sociedade, principalmente das empresas,
no combate à pobreza extrema.
Falamos dessas das leis 9.637/98 e 9.790/99 em função de pontuarmos os
metabolismos que o neoliberalismo sofria para se estabelecer e manter hegemônico no Brasil
com o atendimento às demandas sociais no nível mínimo, evitando a pobreza extrema e uma
possível ruptura do pacto social por parte dos excluídos da distribuição da riqueza gerada pela
sociedade. Dessa forma, algumas organizações sociais sem fins lucrativos e sem vinculação a
movimentos sociais históricos de fiscalização e combate ao Estado, como é o caso do Instituto
Ayrton Senna, se proliferavam a partir da década de 1990, como entidades que viriam a
ocupar espaços deixados pelo Estado de orientação neoliberal na prestação do serviço na área
social, cultural, pesquisa.
Cabe ressaltarmos a diferença entre a OSCIP e a OS. A primeira diz respeito às
organizações que já são privadas e estabelecem contratos de parceria para a gestão e execução
de determinado serviço com o Estado; a segunda é organização privada criada pelo poder
público já incumbida de administrar um patrimônio público. (CURY, 2007). A criação de OS
e o estabelecimento de parcerias com OSCIP’s tem marcado as políticas dos governos federal,
estaduais e municipais nas últimas décadas como outro mecanismo de desresponsabilização
do Estado nas formas de enfrentamento da “questão social”. (MONTAÑO, 2002). Todavia
não queremos incorrer na falácia “generalização apressada” ao identificarmos o surgimento
80
das Organizações Sociais Sem Fins Lucrativos com as leis que qualificam as OS’s e OSCIP’s
como parceiras do Estado na execução do serviço público.
A atuação de organizações, de direito privado, não governamentais e sem fins
lucrativos na sociedade civil vem muito antes da lei que as qualifica como OS’s ou como
OSCIP’s. Durante as décadas de 1960 e 1970, algumas dessas organizações (que se
autodenominavam ONGs) começaram a se destacar na promoção dos direitos humanos, de
valorização da cultura local e de valores universais como a igualdade entre etnias, geralmente
ligadas a movimentos sociais. Portanto, é importante percebemos que algumas dessas
organizações já atuavam preenchendo as lacunas deixadas pelo poder público na prestação da
assistência social, como já ocorria em favelas que se proliferavam na cidade do Rio de Janeiro
durante as décadas de 1970/80. (SODRÉ, 2005). Entretanto, essas organizações funcionavam
como captadoras de recursos para os “Novos Movimentos Sociais”, e não como parceiras do
Estado na execução de políticas públicas, constituindo-se em núcleos de enfrentamento e
cobrança ao Estado na realização de políticas públicas.
No tocante ao papel político dos diferentes movimentos sociais no decorrer da
reestruturação do sistema capitalista a partir da década de 1970, Montaño & Duriguetto
(2011) nos fornecem os elementos centrais para a compreensão dos chamados “Novos
Movimentos Sociais” nas suas múltiplas dimensões: aqueles voltados para o acesso ao
consumo (acionistas), os que são voltados para questões pontuais de gênero, sexualidade,
etnia (pós-modernos) e os que têm uma perspectiva de emancipação humana (marxistas).
Essas análises nos permitem compreender como a fusão dos movimentos acionista e pós-
moderno têm criado uma perspectiva culturalista de negação da categoria totalidade.
Esses movimentos sociais de cunho culturalista das décadas de 1960 a 1980,
geralmente negavam a composição sindical, tinham nas ONGs seus principais braços
captadores de recursos, o que nos permite identificar a vinculação ideológica entre alguns
movimentos sociais e determinadas ONGs.
É nesse cenário, de forte ofensiva do capital contra o trabalho (crise da década de
1970), que emergem os chamados “Novos Movimentos Sociais” (MONTAÑO;
DURIGUETTO, op.cit.) na Europa e nos Estados Unidos com propostas de enfrentamento da
“questão social” que já não passavam pela dimensão econômica e política (nos limites da
exploração da força de trabalho e pela superação do sistema capitalista), mas pelo combate da
“exclusão” que incorporaria a luta para o acesso ao consumo, pela defesa de direitos
humanos, políticos e sociais. Esses movimentos fundados em “identidades particulares” de
seus membros foram incorporados no Brasil e tiveram nas ONGs seu braço funcional na
81
captação de financiamento, inclusive, com organizações internacionais de defesa dos direitos
humanos, com a finalidade de contestar as demandas que “estariam fora da contradição
capital-trabalho”. Cabe ressaltarmos que no Brasil24
e no restante da América Latina25
, desde
o desencadeamento de golpes militares a partir da década de 1960, estiveram presentes dentre
os “Novos Movimentos Sociais” (NMS) aqueles que mantêm uma leitura marxista. Muitos
desses movimentos estiveram ligados ao enfrentamento da “questão agrária”, às “questões
étnicas e culturais”, mas sem perder o horizonte que o problema não se reduzia à esfera do
particularista da produção de identidades. Dessa forma, o elemento estruturador do
pensamento desses “NMS”, com leitura marxista, passava pelo enfrentamento da contradição
capital-trabalho como fonte da exploração, seja no campo ou na cidade, para se chegar aos
objetivos perseguidos: reformas no limite da exploração e, posteriormente, superação do
ordenamento estabelecido pelo sistema capitalista na geração e distribuição da riqueza.
É interessante destacar que os “Novos Movimentos Sociais” (NMS), que não possuem
orientação marxista no Brasil e na América Latina, recusam à composição sindical como
forma de luta representativa dos interesses da classe trabalhadora numa perspectiva de
totalidade das relações sociais na construção de uma nova hegemonia, ganhando destaque
ações focalizadas, compensatórias e particularistas de valorização cultural. É justamente nesse
contexto de leitura culturalista dos “Novos Movimentos Sociais” que o Instituto Ayrton Senna
centra seus valores, deixando de lado, contudo, o horizonte de superação da ordem vigente no
capital. A problemática tratada pelo Instituto Ayrton Senna envolve questões ligadas à
promoção da cidadania dentro dos limites burgueses (igualdade política-jurídica e alguns
direitos sociais de caráter compensatório e focalizados).
24 Nas décadas de 1960/70 vários grupos de guerrilhas urbanas e rurais no Brasil se formavam com o intuito de combate às ditaduras militares, com a finalidade de instaurar uma democracia nos moldes de uma sociedade socialista. Dentre os movimentos guerrilheiros de maior destaque no Brasil temos: MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro, a (ALN)
“Ação Libertadora Nacional”, a (VPR) “Vanguarda Popular Revolucionária”, e outros. Já durante as décadas de 1980 e 1990, ganha destaque, no Brasil, o “Movimentos dos Sem Terra” (MST) que tem tratado a “questão agrária” para além dos interesses corporativistas e sindicais (embora sua base seja campesina), mas tem dimensionado o movimento como conversão da luta pela terra numa luta de classes antagônicas, ou seja, identificado que o problemas da desigual distribuição de terra se dá em função das desigualdades promovidas pelo sistema capitalista de produção da riqueza. Cf. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 273-280).
25 Movimentos camponeses influenciados por questões lingüísticas, étnicas, culturais, geográficas, nacionalistas, têm
inspiração numa leitura marxista de que questões importantes como essas estão inscritas no movimento do sistema capitalista de expropriação material e espiritual dos povos visando à concentração de renda e de terras nas mãos de poucas pessoas. Podemos destacar o movimento indígena na Bolívia que proporcionou as bases para a chegada de Evo Morales ao governo, o “Movimento Zapatista”, organizado pelos camponeses mexicanos desde a década de 1960, que teve atuação fundamental no enfrentamento à imposição sistêmica do capital e subsunção real dos povos indígenas que viviam em propriedades coletivas na região do Chiapas quando o governo daquele país, ao aderir ao NAFTA, reformou a constituição e tornou possível a venda de propriedades coletivas indígenas ao capital privado. Enfrentar a privatização das terras coletivas significa mais que uma luta local e particularista, expõe o propósito do próprio movimento que é o combate à propriedade privada da terra e,
conseqüentemente, ao sistema capitalista de produzir as riquezas. Cf. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 280-282).
82
Com o fulcro de analisar o processo de “onguização” dos movimentos sociais
ocorrido, principalmente na aurora do século XXI, Virginia Fontes (2010) e Paoli (2003) nos
fornecem caminhos de análise da importância do empresariado com “responsabilidade social”
na construção do consenso em torno da “falência” do serviço prestado pelo Estado, utilizando,
para tanto, a mídia, revistas especializadas em educação e ONGs que recebem apoio
filantrópico dessas empresas.
Mesmo com o processo de “onguização” dos movimentos sociais (transformação dos
movimentos sociais em cabides de empregos institucionalizados em ONGs parcerias do poder
público), cabe-nos ressaltar que ainda existem movimentos sociais que lutam pela
emancipação humana e têm sua trajetória histórica ligada às lutas dos trabalhadores contra a
exploração a que os seres humanos são submetidos na produção da riqueza do sistema
capitalista de produção (FONTES, 2010).
No nosso caso específico, o Instituto Ayrton Senna não tem sua criação ligada a um
movimento social específico, mas já desde seu nascituro se autodenominava ONG voltada
para a conquista da educação de “qualidade” e promoção da cidadania e do Desenvolvimento
Humano. Como Instituto Ayrton Senna não foi criado pelo Estado, mas realiza trabalhos em
parceria com o mesmo, é uma OSCIP que tem despontado no cenário nacional devido à
grande penetração de seus programas educacionais nos Estados e Municípios do Brasil.
Entender o Instituto Ayrton Senna como uma OSCIP que não possui seu nascimento
vinculado com algum movimento social de atuação combativa ao Estado autoritário dos
tempos da ditadura militar, ou a movimentos sociais ligados a questões étnicas e culturais, não
o exime de estabelecer parcerias com movimentos sociais mais recentes (aurora do século
XXI) que coadunam com as propostas neoliberais como são o “Movimento Brasil
Competitivo” e o “Movimento Todos Pela Educação”, criados e vinculados à manifestação
dos interesses dos empresários de ramos de atividades diversificadas na arena de disputas por
projetos societários.
Embora o regime de contratação de parcerias público-privadas obedeça aos princípios
da lei de licitações (BRASIL, 1993), governo Lula deu sequência à política de repasses de
verbas públicas às ONGs, consolidada na lei das parcerias público-privadas (BRASIL, 2004),
o que vem ampliando relevância desses atores na formulação e execução de políticas públicas.
(IPEA, 2011b). Do ponto de vista normativo, a lei 11.079/2004 busca diminuir práticas de
contratação de entidades privadas pautadas no clientelismo, o que poderia perpetuar uma
única Organização Não governamental (OS ou OSCIP) na prestação do serviço público em
parceria com o Estado.
83
A criação de OS’s e OSCIP’s, segundo Bresser Pereira (1999), atenderia nesse
contexto de Reforma Gerencial que vinha sendo implementado desde 1995, aos interesses
mais imediatos da população uma vez que ambas, por serem privadas, teriam por finalidade
alcançar a chamada “qualidade total”, perseguida por empresas privadas na busca pelo lucro
no mercado; contudo, na prestação do serviço público na área social o objetivo não seria o
lucro, mas alcançar a “qualidade total” e atender aos anseios do “cidadão-cliente”. É
interessante ressaltar, como destaca Roberto Leher (2010) que as propostas da lei de parceria
público-privada foram encampadas, não apenas pelo grupo político de FHC, mas também
pelo primeiro governo Lula da Silva através do Ministro da Educação Tarso Genro e seu
secretário executivo Fernando Haddad, o que causou grande decepção em parcelas do Partido
dos Trabalhadores e em movimentos sociais que esperavam uma ruptura com a lógica do
controle por meio da avaliação e da adesão ao relatório de Jacques Delors para
UNESCO/OCDE.
2.1.2 Influências internacionais na construção da imagem de um capitalismo “mais humano”
e “socialmente responsável”
Antes mesmo de expormos algumas influências de organismos internacionais na
construção de um capitalismo menos cruel, Roberto Leher (2010, p. 372) nos adverte quanto à
armadilha do pensamento crítico cair em análises rasas e associar imediatamente as
recomendações desses organismos à colocação em prática da burguesia nacional. As
recomendações são recontextualizadas pela burguesia local em função de determinantes
históricos, políticos, culturais, econômicos e pela correlação de forças. Portanto, quando
falamos de recomendações do Banco Mundial, do PREAL, da OCDE, entre outros
organismos internacionais, não os reconheceremos como os únicos “vilões” donos de um
receituário neoliberal, desconsiderando o protagonismo das frações burguesas locais.
O Banco Mundial em seu sítio oficial dá dicas da melhor forma do ente público
estabelecer parcerias com organizações privadas para atender minimamente as questões
sociais dos pobres. (BANCO MUNDIAL, 2011). O Estado, segundo o Banco Mundial, seria o
responsável por ser o definidor das políticas públicas, responsável por “mobilizar recursos”,
além de promover um maior envolvimento da população que receberá o serviço público com
a organização privada que o prestará. No âmbito municipal, o Estado deveria ser o promotor
84
de amplas discussões a respeito do serviço público a ser prestado pelo particular e
proporcionar situações de mobilização dos atores diretamente envolvidos, como fiscais da
qualidade do serviço prestado pela organização privada.
No caso brasileiro, a burguesia local recontextualizou as recomendações de como
deveriam ser estabelecidas as parcerias público-privadas no que diz respeito à atuação dos
cidadãos-clientes como fiscais da “qualidade” do serviço prestado pela ONG, pois os arranjos
normativos (lei 9.637/98 e 9.790/99) citados anteriormente não estabeleciam claramente como
se daria a mobilização e o controle do serviço prestado por essas organizações, conforme
recomendação do Banco Mundial. Foram recontextualizadas aos determinantes históricos da
pouca participação popular nos movimentos políticos da sociedade civil e pela truculência do
Estado nos momentos de participação de frações da sociedade civil (como os sindicatos) das
discussões envolvendo as parcerias.
Um dos argumentos centrais em favor das parcerias do Estado com organizações
privadas sem fins lucrativos se deve ao fato de estarem mais próximas do público a ser
atendido, serem mais céleres na prestação do serviço e facilitarem o controle da qualidade por
parte da população diretamente envolvida. (IPEA, 2011b). Observando o artigo 15º da lei
11.079/2004 (lei da PPP), vemos que compete aos Ministérios e às Agências Reguladoras a
fiscalização dos contratos de parceria público-privada nas suas áreas de competência. Diante
desse artigo da lei nos indagamos: como a qualidade do serviço seria avaliada diretamente
pela população diretamente afetada, uma vez que a lei prevê que o controle e fiscalização
caberiam ao Estado na figura dos Ministérios ou das Agências Reguladoras? Qual o espaço
reservado para a população diretamente envolvida no serviço público prestado avaliar o
desempenho da ONG? Qual o espaço de decisão que a população teria em escolher se deseja
que o serviço público seja realizado via parceria público-privada?
Em nosso entender a lei silencia sobre as questões levantadas acima e o Estado de
orientação neoliberal atua reconhecendo que é incapaz de prestar um serviço público de
“qualidade”, o que lhe estimularia a assinar parcerias público-privadas sem mesmo consultar
diretamente a população que receberá esse serviço sobre o conceito de “qualidade” que a
comunidade deseja. Como nosso objeto é uma parceria público-privada na área educacional,
analisaremos mais adiante a concepção de “qualidade” que o Instituto Ayrton Senna, que é
parceira do Estado, tem levado às escolas públicas do município do Rio de Janeiro.
Como grande promotor do consenso em torno da necessidade da aquisição de “capital
humano” adquirido ao longo da vida, o Banco Mundial promoveu uma discussão no mês de
junho de 2009, no Brasil, onde o destaque ficava por conta de como a influência que uma
85
educação básica de “qualidade” atuaria decisivamente para o investimento em novos
conhecimentos e habilidades que seriam a garantia de um futuro profissional promissor,
independentemente das condições estruturais e conjunturais da economia. (BANCO
MUNDIAL, 2010). As organizações privadas seriam “mais eficazes” na promoção de uma
educação básica de “qualidade”, principalmente para as camadas mais desfavorecidas que não
teriam acesso a conhecimentos “sólidos” se o serviço fosse prestado diretamente pelo Estado.
Em função dessa linha de pensamento, estabelecer parcerias público-privadas com
organizações privadas, tais como as OSCIP’s e as OS’s seriam medidas “salutares” para o
Estado. Como Claudia Costin, atual Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro,
atuou nos quadros do Banco Mundial na década de 1990, trouxe consigo as mesmas
concepções de “qualidade” defendidas pelo Banco Mundial: melhoria nos indicadores da
educação. Esses indicadores se baseavam nas avaliações (Prova Brasil e SAEB) promovidas
em âmbito nacional pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), mas com forte inspiração internacional do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento no final do século passado.
Com o objetivo de melhorar os indicadores de “qualidade” na educação, o governo
FHC, em 1999, assinou contrato com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) para a execução de Projetos de Cooperação Técnica26
na gestão e na
disseminação de uma cultura pedagógica baseada em materiais didáticos de referência
internacional, outrora adotados em países que objetivavam melhorar seu Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Como a educação é uma dos pilares da avaliação do IDH,
passou a ser o foco de políticas públicas sociais, inclusive no governo Lula da Silva que
continuou a priorizar esse projeto (assinado por FHC) que foi encerrado em 2007.
Tendo como um de seus eixos norteadores de ação a elevação do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o Instituto Ayrton Senna tem estabelecido
parcerias com o Estado, desde a segunda metade da década de 1990, com a função de preparar
os alunos das escolas públicas para ingressarem em projetos específicos de reforço escolar,
onde os alunos são retirados da rede regular de ensino e quando são reinterados
“apresentariam” um rendimento escolar melhor, o que ajudaria a melhorar o IDEB que é um
dos índices que compõe o cálculo do IDH.
26 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. “Melhoria da Qualidade do Ensino Fundamental e Educação Infantil” - está voltado para a implementação, no quadriênio 1999/2002, de um dos objetivos
primordiais da política nacional de educação: a melhoria da qualidade do ensino fundamental. (PNUD, 2009).
86
Inserir o Instituto Ayrton Senna no debate da Reforma Gerencial, que teve início na
década de 1990, nos permite pensar dois eixos sistemáticos que articulariam a concepção de
“qualidade” estabelecida pelos organismos internacionais. O primeiro eixo seria a necessidade
de se acelerar os alunos que estariam em defasagem idade-série, o que viria a ser atacado pelo
Instituto Ayrton Senna, a partir de 1997, através do programa educacional “Acelera Brasil”,
ou seja, a correção de fluxo idade-série; já o segundo eixo seria o treinamento dos alunos na
rede regular de ensino que viriam a fazer as provas do INEP de língua portuguesa e
matemática, pois servem de base para cálculo do IDEB. As duas medidas no nosso entender
traduziriam a minimização do conhecimento e hierarquização das disciplinas.
Uma das OSCIP’s que participou dessas discussões promovidas pelo Banco Mundial
sobre a educação no Brasil em 2009, conforme citado anteriormente, foi o Instituto Ayrton
Senna que vê como uma questão de garantia dos “direitos de cidadania” a oportunidade de um
aluno receber uma educação de “qualidade”, adotando materiais didáticos de referência
internacional em seus programas educacionais e a forte presença dos referenciais teóricos e
metodológicos da UNESCO elaborados por Jacques Delors27
.
Esse momento metabólico do sistema capitalista de produção marca a forte presença
de captadores de recursos junto empresariado com “responsabilidade social” atuando em áreas
estratégicas, como a educação, para elevar o IDH de um país através da sensibilização dos
homens de negócio na construção de parcerias para se chegar a uma sociedade mais justa, o
que além de garantir a coesão social do pacto vigente, agregaria valor às marcas de empresas
“socialmente responsáveis” que se preocupam com os pobres. Uma OSCIP de destaque desde
o ano de sua criação (1998) é o Instituo Ethos, pois tem funcionado como importante captador
de recursos, junto às empresas “socialmente responsáveis” tanto no Brasil quanto no exterior,
que são direcionados ao Instituto Ayrton Senna para execução de programas educacionais.
Criado em 1998 por um grupo de empresários e executivos oriundos da iniciativa privada, o Instituto Ethos é um polo de organização de conhecimento, troca de experiências e desenvolvimento de ferramentas para auxiliar as empresas a analisar suas práticas de gestão e aprofundar seu compromisso com a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável. É também uma referência internacional nesses assuntos, desenvolvendo projetos em parceria com diversas entidades no mundo todo (INSTITUTO ETHOS, 2012, p1.).
O Instituto Ethos tem sido uma referência internacional nos assuntos atinentes à
“responsabilidade social” porque funciona como um interlocutor junto ao mundo empresarial
de diversos ramos de atividades na captação de recursos para que organizações do “Terceiro
27
Desenvolveremos mais adiante.
87
Setor” que atuem no combate à “má qualidade da educação”, à fome e à pobreza extrema, o
que possibilitaria ao mundo empresarial obter mão de obra mais qualificada e manter coeso o
pacto social (ao ajudar a “eliminar” a pobreza extrema). Caminhar na direção de combate a
pobreza seria caminhar na mesma direção dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”
estabelecidos pelas Nações Unidas no ano 2000 e colocar as “políticas sociais no centro da
estratégia de desenvolvimento”.
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram adotados em 2000 pelos governos de 189 países como um compromisso para combater a desigualdade e melhorar o desenvolvimento humano no mundo. Trata-se de uma carta de navegação – com um horizonte fixado em 2015 – para erradicar a pobreza extrema e a fome, universalizar o ensino
fundamental, promover a igualdade entre os sexos, melhorar a saúde, reverter a deterioração ambiental e fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento. (CEPAL, 2005, p.2).
Em 16 de junho de 2005, as Nações Unidas em seu boletim informativo específico
sobre a América Latina e o Caribe chamava a atenção para o fato de terem ocorrido avanços
no combate à fome, porém num ritmo mais lento do que se esperava e que a pobreza extrema
deveria ser totalmente exterminada em função do alto risco de ruptura social que
proporcionaria, caso os “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM) não fossem
plenamente cumpridos. (CEPAL, 2005). Um dos objetivos mais urgentes, além do ataque à
“pobreza extrema”, seria o investimento no ensino fundamental, gerando “capital humano”
mediante programas sociais de transferência de renda para que as metas estabelecidas para
ODM fossem atingidas mais rapidamente.
Diante da necessidade de se atacar a “pobreza extrema” e universalizar o ensino
fundamental, a participação de todos os membros da sociedade se fazia urgente para
juntamente com o Estado criar uma “rede de solidariedade” que teria a participação especial
dos empresários de diversos ramos de atividades na promoção da filantropia direcionada à
área social. Nesse ambiente de “solidariedade” de diversos grupos sociais, algumas OSCIP’s
ganham destaque, quer seja na execução direta dos serviços públicos da área social quer seja
na obtenção de recursos junto ao empresariado, para o funcionamento de outras OSCIP’s na
tentativa de mostrar “um sistema capitalista menos cruel” na resposta à “questão social”.
A atuação do Instituto Ayrton Senna na execução do serviço de aceleração da
aprendizagem no município do Rio de Janeiro guarda relação com a totalidade das
transformações que o sistema capitalista estava passando. O objeto de pesquisa, que é
específico para a cidade do Rio de Janeiro, guarda relação com o todo das relações sociais
capitalistas; muito embora essas orientações de organismos internacionais para a área social
não tenham aplicação imediata, pois precisam ser ressignificadas e colocadas à prova na
88
correlação de forças local. O que pretendemos chamar a atenção é que o momento (atuação do
IAS na SME/RJ) tem em si características da totalidade das relações sociais no mundo
capitalista, mesmo não o reproduzindo em sua totalidade, uma vez que a soma de partes
isoladas não representariam o todo.
2.2 “Terceira Via”: nova face do neoliberalismo na suposta resposta às novas expressões
da questão social na virada do milênio.
Centramos nossa análise do papel ideológico da “Terceira Via”, nas obras de Antony
Giddens (2001a, 2001b) por entendermos que se trata de um intelectual de grande
envergadura teórica na formulação de uma concepção de “Terceira Via”, como um caminho
alternativo ao modelo keynesiano e ao neoliberalismo, que não visaria o lucro e nem estaria
preso às amarras do burocratismo do Estado “ineficiente”, tampouco visaria o lucro do
mercado (“altamente eficiente”), para atendimento do serviço público às camadas sociais mais
“vulneráveis” no combate à pobreza extrema e na igualdade de oportunidades; melhor
dizendo, “igualdade de pontos de partida”.
A ideia de uma “Terceira Via” está intimamente ligada a uma divisão da sociedade em
setores autônomos e incomunicáveis entre si: Estado (1º setor), mercado (2º setor) e sociedade
civil (3º setor), como se eles não se interpenetrassem, fossem estanques, incomunicáveis e os
interesses de um setor não atravessasse o dos demais. Nesse cenário, alguns intelectuais
ligados à social democracia europeia e ganham destaque ao propor um novo modelo de “pacto
social” que identificava as reformas neoliberais como essenciais ao desenvolvimento
econômico, mas que também apontava na direção de associar desenvolvimento e estabilização
econômica com assistência social, prestada pelo Estado em conjunto com a sociedade civil.
A tese do sociólogo inglês Antony Giddens (2001a, 2001b) gira em torno da
necessidade de se dar uma resposta à “questão social”28
que se colocava na ordem do dia nos
países que haviam implementado as reformas neoliberais na década de 1980, como Estados
28
Compreendemos a “questão social” como expressões da problemática social constitutivas do Estado capitalista e resultantes da dinâmica das contradições que inserem uma sociedade de classes. Esse termo surge no século XIX “a partir da preocupação de um determinado setor da sociedade que via na pobreza acentuada e generalizada [....] advinda do processo de industrialização [....] o risco ou a ‘ameaça de fratura’ das instituições sociais existentes, tendo em vista o ingresso da classe operária no cenário político” (MOTTA, 2007, p. 241). Sendo a “questão social” constitutiva do modo de produção capitalista e situada na arena do poder, entendemos que tratar suas expressões – pobreza, desemprego, violência, etc. – separadamente retira o caráter político que lhes são inerentes e reforça um tipo de abordagem que as concebem como “disfunções sociais”
que podem ser normalizadas com aplicações técnicas ou ações sociais pontuais.
89
Unidos da América e Inglaterra, através da elaboração de um novo “pacto” social, sob o risco
de ameaça de ruptura do equilíbrio social. Essa resposta não deveria ficar a cargo somente do
Estado, mas passaria pela responsabilidade individual de cada cidadão na construção de seu
futuro e por um estabelecimento de uma corrente de solidariedade para atendimento dos
indivíduos mais “vulneráveis”.
Com a chegada do partido trabalhista inglês ao governo, através da eleição do primeiro
ministro Tony Blair, as bases para esse novo contrato social proposto por Giddens (2001b)
ganha corpo: a responsabilidade pelo enfrentamento da questão social implicaria na assinatura
de um novo pacto social baseado na conciliação de uma economia dinâmica num mundo
globalizado, gerenciamento estatal em detrimento de um burocratismo pouco eficiente
(ganhando destaque a ideia de “qualidade”, cuja fonte de inspiração seria o mercado),
descentralização e solidariedade social29
.
É importante destacarmos que os intelectuais defensores da chamada “Terceira Via”
não a identificavam como uma face metabólica do capitalismo que permitira ao
neoliberalismo se manter como forma hegemônica de reproduzir o capital. Pelo contrário,
para Giddens (2001a, p.7-8) a “Terceira Via” seria um esforço da social democracia em
(re)pensar a política de forma a atenuar os efeitos na área social causados pelo neoliberalismo,
proporcionando “solidariedade e prosperidade social” como opções ao fim do socialismo real
na Europa e a desmontagem do modelo keynesiano. Esse intelectual, cujo referencial
histórico-geográfico é a Grã Bretanha das décadas de 1970-80, identifica a “Terceira Via”
como uma opção dos governos capitalistas de se organizarem de forma a manter a coesão
social através do atendimento das necessidades básicas (o que não teria sido feito pelos
governos neoliberais) para evitar a pobreza extrema e permitir a continuidade da estabilização
econômica proporcionada pelos neoliberais.
Seguindo nossa proposta de realizar um détour (KOSIK, 1976), faremos uma análise
da concepção de uma “Terceira Via” que se apresenta a priori como caminho alternativo ao
neoliberalismo partindo de indagações (abstrações) que nos levarão novamente ao que se
apresentou como verdade inicialmente (“Terceira Via” oposta ao neoliberalismo), tendo,
porém, um novo olhar sobre essa tese. Levantamos a seguinte indagação: a “Terceira Via” ao
difundir o ideal de solidariedade entre as diferentes classes sociais, camuflando as disputas
por projetos societários entre os aparelhos privados de hegemonia, estaria criando um
29 Cf. GIDDENS, Antony. A Terceira Via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record: 2001b. Nessa obra o autor aponta as reformas neoliberais como fundamentais para o processo de modernização de alguns países, mas destaca que o fato dos neoliberais terem ignorado os problemas sociais aumentava o risco de uma ruptura social, o que causaria sérios problemas,
inclusive, para o pleno desenvolvimento do mercado.
90
consenso em torno de uma suposta harmonia dentro da sociedade civil, mesmo diante do
agravamento da pobreza com a adoção da doutrina neoliberal?
Um dos argumentos centrais dos defensores da doutrina neoliberal é a divisão da
sociedade em esferas autônomas e independentes, negando a categoria totalidade na sociedade
à medida que o isolamento em esferas (setores) mistificaria uma suposta homogeneidade na
sociedade civil. É a negação da sociedade civil como local de disputas por projetos societários
e a criação de um consenso em torno de uma suposta oposição entre Estado, Mercado e
Sociedade Civil (identificada como “Terceiro Setor”), fundamentada na concepção liberal de
Locke que via a sociedade civil como local de proprietários que tinham interesses antagônicos
aos interesses públicos. (BELLAMY, 1994).
Voltando ao que se apresentou a priori como verdade (“Terceira Via” como caminho
alternativo ao neoliberalismo), identificamos que a negação da categoria totalidade das
relações sociais pode falsear a interpenetração existente entre o Estado, Mercado e Sociedade
Civil, criando uma ideia de que são esferas estanques e opostas entre si, sem comunhão de
interesses. Essa tese é defendida tanto por neoliberais quanto pelos ideólogos da “Terceira
Via”. O’Donnel (1981) nos ajuda a compreender essa complexa relação de comensalismo que
existe entre o Estado garantidor (fiador) das relações sociais do grupo social hegemônico na
sociedade civil, desmistificando a ideia da sociedade civil como local de harmonia (coberta de
solidariedade). Dessa forma, após os questionamentos, aprofundando nossas reflexões sobre a
suposta dissociação de rotas apresentadas pelos ideólogos da “Terceira Via” e do
neoliberalismo, percebemos que as questões levantadas pela primeira têm sido um importante
instrumento de legitimação das ações adotadas pelos governos neoliberais para
implementação de sua doutrina30
.
O neoliberalismo seria identificado como a “nova direita”, cujos eixos estruturadores
seriam o Estado Mínimo, a Aceitação da Desigualdade, Sociedade Civil Autônoma e
Fundamentalismo do Mercado. Nessa perspectiva, a “Terceira Via” (segundo seus ideólogos)
seria um caminho alternativo ao neoliberalismo, mas que valorizava as ações implementadas
pelos neoliberais como necessárias para a garantia da estabilização econômica e diminuição
do tamanho do Estado, o que permitiria à sociedade civil ter uma participação mais ativa na
formulação e execução de políticas públicas, conforme preceitos defendidos pelos ideólogos
da “Terceira Via”. (GIDDENS, 2001a). É notório que se vistas como faces distintas do
30 Leda Paulani (2006) identifica o surgimento do neoliberalismo não como uma nova teoria, mas como uma doutrina nascida no seio liberal. Essa doutrina prescrevia medidas que deveriam diminuir o tamanho do Estado para evitar a regulações desnecessárias e estimular a competição entre os produtores internos; sua função deveria se concentrar no controle da
inflação e garantir a reprodução do capital.
91
capitalismo, “Neoliberalismo” e “Terceira Via” têm o entendimento que o grande vilão a ser
combatido é o Estado no sentido keynesiano (PERONI, 2008), quer por seu tamanho e
centralização das decisões, quer por sua “ineficiência” e custos gerados na prestação dos
serviços públicos.
O reconhecimento por parte dos ideólogos da “Terceira Via” da importância das
reformas neoliberais para o crescimento de uma nação estaria na direção de se criar um
consenso em torno da inevitabilidade da etapa histórica do capitalismo neoliberal? Mais uma
vez percebemos que, ao contrário do que é apresentado à primeira vista, identificamos que as
reformas neoliberais são reconhecidas pelos ideólogos da “Terceira Via” como fundamentais
para a diminuição do Estado e maior espaço de participação política da sociedade civil
(identificada como organizações do “Terceiro Setor”). A defesa da maior participação das
organizações do “Terceiro Setor” nas discussões e execução de serviços públicos se daria
graças à diminuição do espaço ocupado pelo Estado na área social, cultural, científica e
tecnológica. A proposta da “Terceira Via” de reconhecer a importância das reformas
neoliberais nos parece um instrumento legitimador dessas reformas, diante da opinião pública,
como uma etapa histórica inevitável de superação do Estado Capitalista Keynesiano.
Enquanto o Estado Keynesiano asseguraria a coesão social de cima para baixo,
promovendo o Wellfare State a cidadãos “passivos”, receptores de assistência social; por sua
vez, os neoliberais, aproveitando-se da “queda” do espectro que rondava a Europa
(socialismo), desmontaram o sistema de bem estar social em favor da “ditadura” do mercado.
Já os defensores da “Terceira Via” entendiam que os indivíduos não deveriam ser passivos
receptores de serviços públicos à espera da intervenção do Estado, mas corresponsáveis por
seu destino profissional, baseado em suas decisões, hábitos e envolvimento proativo na
sociedade civil.
Para Giddens (2001a, p.109-111) o princípio orientador da social democracia deveria
ser a Reforma do Estado pautada na maior participação da sociedade civil através do
estabelecimento de parcerias público-privadas com ONGs (identificadas como organizações
do “Terceiro Setor”) visando à proteção aos “vulneráveis”, aumentando o grau de autonomia
e liberdade da sociedade civil (o que estimularia a participação democrática).
Desenvolvimento de uma cultura de participação democrática estaria intimamente ligada à
concepção de descentralização da formulação e execução das políticas públicas: seria a
“devolução” do poder à esfera micro.
No nível local, os laços de solidariedade poderiam ser aperfeiçoados através de
trabalhos voluntários e o impulso ao empreendedorismo seria fundamental para atacar
92
problemas como o desemprego (através do autoemprego em tempos de crise) e desenvolver
uma cultura cívica de independência de um provedor centralizado. Associando-se o trabalho
dos empreendedores “socialmente responsáveis” com trabalhos voluntários, contribuiriam
para angariar os recursos materiais e humanos necessários para se manter a coesão social e
atender aos “vulneráveis” (pobreza extrema). Mais uma vez percebemos uma estrita relação
entre as proposições da “Terceira Via” com o Neoliberalismo na defesa do esvaziamento da
atuação social do Estado e no incentivo ao empreendedorismo (autoemprego) como
alternativa para inserção no mercado de trabalho em tempos de crise.
A questão central, para Giddens, é a igualdade de oportunidades e não a de renda,
onde os incentivos fiscais às empresas que financiassem projetos sociais desenvolvidos por
OS’s e OSCIP’s implementadas através da noção de “capital humano rejuvenescida” pelas
noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “flexibilização” e “qualidade total” que
seriam fundamentais para o crescimento econômico associado à manutenção da coesão social.
O investimento em “capital humano rejuvenescido” seria um eixo norteador da “Terceira
Via”, pois proporcionaria aos cidadãos as condições necessárias para que não se tornassem
reféns de programas assistencialistas do Estado em tempos de crise, onde somente os mais
qualificados teriam colocação no mercado de trabalho. (GIDDENS, 2001b, p. 167).
Outro aspecto importantíssimo no estabelecimento desse novo contrato social seria a
responsabilidade do Estado com os gastos sociais que deveriam ser estimados em relação às
suas consequências para a economia. Com uma política macroeconômica estabilizada,
dinamizada pela cultura empreendedora, Giddens (Ibid., p. 168-169) aponta que a concepção
de inclusão estaria necessariamente ligada à entrada dos indivíduos no mercado de trabalho,
mesmo que os vínculos empregatícios se dessem de forma precária (atendendo à
“flexibilização” exigida pelos novos tempos).
Diante dessa proposta de um novo contrato social, onde os indivíduos deveriam ser
corresponsáveis pelo seu destino profissional, levantamos mais um questionamento: o
estímulo da “Terceira Via” à aquisição de “capital humano”, revigorado pelas noções de
“capital social”, “empreendedorismo”, “qualidade total” e “flexibilização” poderia ser uma
forma legitimadora da suposta inevitabilidade de implementação das reformas neoliberais? A
defesa da aquisição de “capital humano” como instrumento promotor de ascensão social pode
nos conduzir a pensar que independentemente das condições estruturais da forma de gerar
riqueza, o sucesso de um indivíduo estaria na sua capacidade de investir ativos educacionais
em si.
93
Contudo, em tempos de crise, além da aquisição de “capital humano”, o diferencial
para uma pessoa obter uma colocação no mercado de trabalho seria sua disposição para o
trabalho voluntário, gerando solidariedade na sociedade civil, como instrumento de
atendimento aos “vulneráveis” através da prestação de serviços sociais. Outro diferencial
importante seria a capacidade dos indivíduos de se adaptarem aos novos tempos,
principalmente me épocas de crise, adaptando-se às novas exigências do mercado de trabalho,
que passaria pela “flexibilização” dos vínculos trabalhistas e pelo empenho em atingir a
“qualidade total” na tarefa executada, além da capacidade “empreendedora”, o que ajudaria a
diminuir o número de desempregados e estimularia os indivíduos a serem donos do próprio
negócio.
A nosso ver esses argumentos dos ideólogos da “Terceira Via” em favor do “capital
humano rejuvenescido” (pelas noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “qualidade
total” e “flexibilidade”) funcionam como perfeitos elementos de construção do consenso em
torno da responsabilização do indivíduo única e exclusivamente por sua colocação no
mercado de trabalho (através da aquisição de habilidades adquiridas na educação e da
capacidade de adaptação aos novos tempos); além disso esses argumentos favoreceriam a
desresponsabilização do Estado nas questões sociais que proporcionariam as condições dos
indivíduos menos favorecidos na distribuição da riqueza. Mais uma vez, percebemos a
ideologia da “Terceira Via” como criadora do consenso em torno da necessidade do
estabelecimento de um novo pacto social, moldado nas reformas neoliberais, mas que
atendesse minimamente aos indivíduos mais “vulneráveis”, sob o risco de ruptura social.
Em função das análises envolvendo a suposta dissociação entre as propostas da
“Terceira Via” e do Neoliberalismo, chegamos a conclusão que a primeira tem servido como
ideologia que atua no sentido de justificar as reformas neoliberais como importantes e que
deveriam ser apenas aprimoradas com um toque de atendimento das demandas sociais. É por
ser funcional às reformas neoliberais que Lúcia Neves (2005) passou a chamar esse momento
de manutenção dos ideais neoliberais com requintes de “responsabilidade social” de ideologia
do “Neoliberalismo da Terceira Via”.
2.2.1 “Terceiro Setor”: a transferência da lógica das lutas dos movimentos sociais pela
construção de consensos e negociação entre as ONGs e o Estado
94
Dentro da perspectiva da “Terceira Via”, a prestação dos serviços públicos deveria ser
passada para as organizações do chamado “Terceiro Setor” (identificadas pelo autor como
aquelas que não possuem caráter governamental e fins lucrativos) por estarem mais aptas a
dar respostas rápidas e de maior qualidade nos serviços prestados. Essas organizações do
“Terceiro Setor” teriam a capacidade de atrair investimentos não só do poder público, mas
também do empresariado, de diversos ramos de atuação, movido pela “responsabilidade
social”.
Carlos Montaño (2002) num exercício teórico de descortinar o que está por trás do
“Terceiro Setor” apresenta quatro debilidades desse termo que teriam por finalidade ocultar as
contradições inerentes ao processo de reestruturação do sistema capitalista desde a década de
1970.
A primeira grande debilidade seria conceitual, uma vez que haveria uma transmutação
da sociedade civil em um “Terceiro Setor”, oposto ao Estado, mais eficiente e que poderia dar
uma resposta às lacunas sociais deixadas pelo Estado e que o mercado não estivesse disposto
a dar. A falta de rigor está no fato de não se levar em conta que os interesses da sociedade
civil perpassam o Estado e o Mercado, pois as instituições são criadas a partir da sociedade
civil e, assim, ela deveria ser considerada como o “primeiro setor”, ou seja, aquele dá origem
aos demais setores, numa clara tentativa de negação da categoria totalidade (MONTAÑO,
2002, p.54-55). Entendemos que a soma das partes não necessariamente reproduz o todo;
assim, a junção de setores autônomos e estanques, incomunicáveis não revalaria a realidade
das relações sociais; pelo contrário, é funcional ao capital à medida que ocultaria a
contradição (capital/trabalho) existente no seio dessas relações sociais.
A segunda debilidade residiria no fato do termo “Terceiro Setor” abarcar um conjunto
diversificado de instituições e com interesses difusos. O que os reuniria no mesmo grupo seria
o fato de serem organizações da sociedade civil, não terem o caráter governamental e não
objetivarem fins lucrativos. Dentro dessa perspectiva teríamos movimentos sociais, Igrejas,
clubes, OSCIP’s, OS’s e fundações ligadas a grandes empresas dentro do “Terceiro Setor”. É
seguindo essa lógica classificatória que o Instituto Ayrton Senna se intitula como uma OSCIP
pertencente ao “Terceiro Setor” por ter sua origem na sociedade civil e possuir caráter não
governamental e sem fins lucrativos.
A terceira debilidade do termo “Terceiro Setor” seria a adoção da mesma
classificação, no mesmo espaço, para entidades formais e atividades informais, organizações
ou indivíduos com interesses políticos juntamente com organizações ou indivíduos com
interesses econômicos. Dessa forma, poderíamos ter no chamado “Terceiro Setor” entidades
95
como o Instituto Ayrton Senna e creches comunitárias; a FIESP e o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST); organizações representativas dos capitalistas e entidades
representativas dos trabalhadores.
A quarta debilidade do termo “Terceiro Setor” residiria no caráter “não
governamental” e “não lucrativo”. A questão envolvendo o caráter não governamental é
relativa à medida que uma ONG é escolhida para executar um serviço público em detrimento
de outra, recebe financiamento estatal em detrimento de outras, está inserida numa política
seletiva “a partir da política governamental, o que leva tendencialmente à presença e
permanência de certas ONGs e não outras e determinados projetos e não outros – aqueles
selecionados pelo(s) governo(s)” (MONTAÑO, 2002, p. 57). Dessa forma, o caráter não
governamental encobre a tendência de alinhamento aos projetos propostos pelo governo
contratante.
Por sua vez, o fato de serem Organizações Sem Fins Lucrativos é extremamente
questionável à medida que várias dessas instituições são fundações ligadas a grandes
empresas, como a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Itaú Social, a Fundação Vale do
Rio Doce, o que poderia agregar valor às marcas das empresas que as financiam,
proporcionando ganhos indiretos, pois as empresas “socialmente responsáveis” teriam melhor
aceitação no mercado pelos consumidores.
Alguns elementos estruturam e dão corpo à noção envolvendo o termo “Terceiro
Setor”; dentre eles, podemos destacar a não universalização dos serviços de proteção social,
pois as ONGs atuariam de maneira focalizada na prestação do serviço público, criando a
cultura do “possibilismo” ao invés do direito público subjetivo ao serviço. Seria a
naturalização dos preceitos defendidos pelos ideólogos da “Terceira Via”: a ascensão social
não deveria estar condicionada a nenhuma rede de proteção social universal, mas ao
investimento em “capital humano rejuvenescido”, justificando, assim, as reformas neoliberais
como necessárias.
O próprio sistema de contratação dos trabalhadores que atuarão nas ONGs parceiras
do Estado na execução do serviço público não está clara. Muitos dos trabalhadores das ONGs
possuem vínculos empregatícios precários (flexibilização), enquanto algumas dessas
organizações que recebem servidores públicos do governo contratante. Essa é uma questão
que tem suscitado muitas controvérsias entre os servidores públicos cedidas às ONGs, pois
passam a ser gerenciados por essas organizações privadas que tentam levar a lógica do
mercado para a esfera pública e atuam na tentativa da desmobilização sindical. O próprio
governo contratante da ONG pode utilizar a cessão para essas organizações uma forma de
96
punição aos servidores “baderneiros”, com forte atuação sindical e que lutam contra essa
política privatista.
Diante da nova realidade acirramento da contradição capital/trabalho, as próprias
ONGs que assinam parcerias com o Estado estimulam ao empreendedorismo como forma de
atenuação ao desemprego e o investimento em “capital social” como marca distintiva dos
indivíduos para entrada no mercado de trabalho, pois as empresas teriam o interesse em ter
sua imagem ligada a pessoas que se empenham em trabalhos voluntários de assistência aos
“vulneráveis”.
Entendemos que a “Terceira Via” ao dividir a sociedade em setores independestes e
incomunicáveis entre si, mistifica a funcionalidade do chamado “Terceiro Setor” ao projeto
político neoliberal do capital que passa por uma reestruturação desde a década de 1970, pois
ocultaria a contradição capital/trabalho (socialização da produção e a apropriação privada do
produto) que se acirrou ainda mais no neoliberalismo e atuaria na justificação da desregulação
dos vínculos empregatícios, esvaziamento dos preceitos democráticos (universalização dos
serviços públicos), anulação da perspectiva de superação da ordem, precarização do trabalho e
do sistema de proteção social (estatal) ao cidadão “vulnerável”.
É importante destacarmos que os governos Lula da Silva são em sua essência a
continuidade do projeto político do grupo liderado por FHC. Todavia, quando o grupo
político de Lula da Silva assume o governo, encontra a estrutura econômica, jurídica e política
que fora montada pelo grupo político de FHC, possibilitando a colocação em prática do
projeto neoliberal da “Terceira Via” com maior proximidade do Estado com os “vulneráveis”,
conforme já vinha sendo proposto pelo Bando Mundial em seus documentos orientadores para
as “Políticas de Desenvolvimento do Milênio”.
Em suma, as ONGs, em substituição aos movimentos sociais, passam a ser as
interlocutoras tanto do Estado como dos Organismos Internacionais no que diz respeito ao
trato da “questão social”. Esse processo traz como consequência a despolitização do Estado e
o favorecimento da formatação de sujeitos alienados da forma como a lógica empresarial vai
dominando os espaços públicos de resistência ao capital. É nesse contexto de supressão dos
locais de resistência à ordem do capital que o Instituo Ayrton Senna vai formando sua
orientação ideológica e construindo seus referenciais teóricos, tendo por base alguns dos
documentos emitidos por organismos internacionais, focando sua atuação na cultura do
“possibilismo” e no atendimento pontual de um problema gerado pela própria lógica interna
de funcionamento do capital: acelerar alunos com defasagem de idade-idade que passam a
integrar o exército gerador de mais-valia cada vez mais cedo para conquistar a sobrevivência.
97
2.2.2 “Responsabilidade Social” e trabalho “voluntário”: a participação do empresariado na
educação pública
Na defesa da participação do empresariado no enfrentamento da “questão social”,
Francis Fukuyama (1996) centra suas análises na ideia de um capitalismo democrático através
da aproximação e complementaridade entre as esferas políticas (Estado) e econômicas
(empresas) com a finalidade de diminuir a possibilidade de ruptura da coesão social e garantir
o desenvolvimento das economias capitalistas num mundo cada vez mais globalizado. Nesse
contexto, fez-se necessário investir em uma sociedade civil forte que pudesse assegurar
“estruturas familiares fortes e estáveis e instituições sociais perduráveis” (FUKUYAMA,
1996, p. 16).
Esse momento de transformação que o sistema capitalista passava para se manter
hegemônico em nível global também se refletiu no Brasil com a incorporação dos preceitos
defendidos pelos socialdemocratas nos governos de Tony Blair na Inglaterra e, em menor
escala, pelos democratas estadunidenses no governo de Bill Clinton. A instituição das Leis
9.637/98 e 9.790/99 foram ao encontro da proposta de intelectuais como Giddens e Fukuyama
que defendiam maior participação da sociedade civil financiando as OS’s e OSCIP’s, para
atendimento da área social que cada vez mais dependia de dinheiro oriundo de empresas
privadas para oferecer a cobertura mínima aos excluídos da distribuição da riqueza gerada.
Segundo Fukuyama (1996), com a queda do muro de Berlim, e o quase
desaparecimento do socialismo real, os governos das sociedades capitalistas deveriam
compreender o mundo não mais pela lógica da luta de classes, mas sim por um crescente
conflito cultural. Portanto, seria importante reforçar os laços de “solidariedade” da sociedade
civil para num sistema de colaboração entre Estado, empresas privadas e organizações sem
fins lucrativos, conseguir angariar recursos para superar as crises que o sistema de produção
capitalista passava (apresentadas como conjunturais) e atender às demandas sociais (nos seus
níveis mínimos) juntamente com crescimento econômico.
O reforço dos laços de solidariedade é um dos elementos estruturadores do argumento
que defende que a atuação das associações cívicas, tais como as organizações do “Terceiro
Setor”, criam uma conexão entre os costumes e a prática política. Seguindo a linha de
pensamento de Robert Putnam (2002), quanto maior fosse o envolvimento da sociedade civil
na execução dos serviços públicos, maior seria a participação dos cidadãos nas decisões locais
quanto ao caminho que deve ser adotado na execução de um serviço público, criando uma
98
cultura política ativa em função da maior proximidade dos cidadãos com a organização do
“Terceiro Setor” para poder, inclusive, ter um maior poder de fiscalização no que diz respeito
ao serviço prestado.
Nesse ambiente da suposta necessidade da transferência do serviço público,
principalmente na área social, para a iniciativa privada com o fulcro de lograr a “qualidade”
na educação pública, oferecendo as “mesmas oportunidades” de conhecimento que os alunos
que estudam em escolas particulares, algumas OS’s e OSCIP’s passam a estabelecer parcerias
público-privadas com o Estado, que juntamente com a iniciativa privada, teriam o “dever” de
financiar essas organizações sem fins lucrativos, oferecendo as condições técnicas para o
êxito na prestação do serviço público.
Utilizando Antônio Gramsci para ampliarmos nosso olhar sobre a concepção de uma
sociedade civil como espaço de lutas por projetos societários, percebemos que a atuação das
ONGs (identificadas como a sociedade civil pelos ideólogos da “Terceira Via”) na construção
da hegemonia do capital referendava uma relação de dependência da população por ações
focalizadas e sob a direção neoliberal, o direito público subjetivo do cidadão passa ao “direito
do possível”, com indicações claras da desoneração do capital no que diz respeito às suas
responsabilidades sociais (recolhimento compulsivo de impostos).
O Instituto Ayrton Senna, que é uma OSCIP31
, nesse momento de Reforma Gerencial
do Estado de reconhecimento (por parte desse Estado) de sua incapacidade de prestação de
um serviço público de “qualidade”, passa a assinar parcerias público/privadas visando
executar seus programas educacionais nas redes públicas de ensino, implementando-os como
tecnologias sociais que utilizam ferramentas essenciais à superação da evasão escolar, da
distorção série/idade e da “falta” de uma política de avaliação que possibilitasse aos alunos
das escolas públicas terem o mesmo “desempenho” que “teriam” os alunos das escolas
privadas, principalmente em avaliações realizadas em larga escala pelo governo federal
(Prova Brasil e SAEB), objetivando aumentar o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB).
Para se alcançar a tão sonhada educação de “qualidade” na rede pública de ensino, o
Instituto Ayrton Senna, ainda no contexto de Reforma Gerencial do Estado brasileiro que teve
continuidade no governo Lula da Silva32
, conclama a sociedade civil a contribuir com doações
31 O Instituto Ayrton Senna se autointitula como uma ONG; contudo, de acordo com a lei 9.790/99, o instituto é qualificado como OSCIP apta a estabelecer parcerias com o poder público para elaboração e execução de serviços voltados à área social (educação, saúde) e desenvolvimento tecnológico.
32 Bons exemplos dessa continuidade são o relatório do IPEA 123/2011 relatando as transferências de dinheiro público para
OS’s e OSCIP’s no período 2003-2010 e a Lei 11.079/2004 que trata das Parcerias Público-Privadas. (IPEA, 2011a).
99
filantrópicas àqueles que acreditam em seus programas educacionais, como forma de
atenuação das desigualdades sociais e encontram num grupo de importantes empresários parte
dos recursos que necessitam para implementação de seus programas, pois outra fonte de renda
viria do próprio Estado no estabelecimento de parcerias público-privadas.
2.3 Reconfiguração do Estado: entre o público e o privado.
Seguindo a lógica neoliberal que a crise não residia no capitalismo, mas no Estado
(PERONI, 2008), a administração pública deveria ser orientada pelo mercado, tomado como
padrão eficiência nos moldes da Reforma Gerencial. O Estado em si seria um dos vilões da
crise do capital desde a década de 1970, pois gastava mais do que poderia com políticas de
assistência social e não sobraria para cobrir os rombos nas contas públicas causados pela
financeirização do capital.
Como apontado anteriormente, a partir da Reforma Gerencial a “Terceira Via” é a face
do neoliberalismo que identifica o Estado como ineficiente e proclamava a necessidade da
sociedade civil tomar as rédeas da situação e passasse a ser a grande responsável pela
execução das políticas sociais. É nesse particular que gostaríamos de nos ater para procurar
entender a mudança de papel da sociedade civil em relação ao Estado quando suas
organizações passaram de fiscais e conselheiras na definição de políticas públicas a parceiras.
Em defesa da nova face neoliberal, Bresser Pereira (1999, p. 5) indica que o
argumento defendido pelo governo FHC e seu grupo político era a de que os cidadãos
apoiavam a Reforma Gerencial, pois “clamavam” por serviços públicos que fossem prestados
com a mesma “eficiência” dos que eram prestados pelas empresas privadas (2º setor),
conforme os resultados de “várias pesquisas de opinião”. Aponta ainda que não só a maior
parte da população entrevistada apoiaria a Reforma Gerencial, mas também os funcionários
do “alto escalão”, ou seja, aqueles que desempenham atividades exclusivas de Estado (fiscal e
policial).
A assistência social não fora considerada como área estratégica e típica do Estado, o
que permitiria passar a execução de serviços da área social para organizações privadas não
governamentais e sem fins lucrativos (identificadas genericamente como “Terceiro Setor”).
Essa transferência da execução dos serviços públicos para a iniciativa privada seria
concretizada através da implementação de um programa de “publicização” definida como a
100
“transformação de serviços não exclusivos de Estado em propriedade pública não estatal e sua
declaração como organização social” (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 246).
As organizações sociais que fizeram parte desse processo de “publicização” são
“entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo, obtêm autorização
legislativa para celebrar contrato de gestão com o poder público, e assim ter direito à dotação
orçamentária” (BRASIL, 1995, p. 60). Os contratos de gestão seriam celebrados num modelo
de parcerias público-privadas com a finalidade de lograr uma maior descentralização dos
serviços públicos e alcançar a chamada “qualidade total”, desburocratizando a concepção e
realização dos serviços pelas OS’s ou pelas OSCIP’s.
As justificativas para se chegar à “qualidade total” passariam pela maior autonomia
dessas OS’s e OSCIP’s na execução dos serviços, livre das amarras da burocracia, o que
permitiria uma maior mobilidade e rapidez na prestação do serviço ao cidadão-cliente.
Portanto, “lograr, assim, uma maior autonomia e uma consequente maior responsabilidade
para os dirigentes desses serviços” (BRASIL, 1995, p.47) permitiria identificar, julgar e punir
os “maus” dirigentes, proporcionando um maior controle da sociedade no que diz respeito ao
desempenho da organização social.
Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por parte da sociedade através dos seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do desempenho da organização social, viabilizando o controle social (BRASIL, 1995, p. 47).
Analisando a concepção de controle social defendida por Bresser Pereira através dos
conselhos de administração percebemos que o Plano Diretor da Reforma do Estado não prevê
como se dariam os mecanismos que privilegiam a participação da sociedade na formulação e
avaliação da Organização Social que presta o serviço público. Indagamos: como viabilizar a
maior participação democrática da população na escolha de quem prestará determinado
serviço público se essa mesma população não participa do processo de escolha direta da
organização social? O Estado escolhe a Organização Social (OS ou OSCIP) que irá prestar o
serviço e a impõe à comunidade local, que não é ouvida diretamente através de conselhos e
debates locais, frustrando a teoria dos ideólogos do “Neoliberalismo da Terceira Via”, como
Robert Putnam, que defendiam maior participação da sociedade civil nas decisões cívicas e
políticas.
Voltando ao que se apresentou inicialmente como verdade concreta, que seria a
possibilidade de uma maior proximidade da população que receberia o serviço público com a
101
OS ou OSCIP executora, percebemos que na maior parte dos casos, como o Instituto Ayrton
Senna (por exemplo), a comunidade local não possuí vinculação histórica de lutas sociais com
essa entidade, muito em função do Instituto Ayrton Senna não ter sua origem ligada a
movimentos sociais com atuações na comunidade. Então, que tipo de proximidade poderia
haver entre a ONG (OS ou OSCIP) e a comunidade a que atende prestando serviço público?
Uma possível reposta a essa indagação seria que a ONG por não ser tão burocratizada
quanto o Estado poderia fornecer respostas mais rápidas às questões sociais de uma
determinada comunidade. Mas, poderíamos contra-argumentar que o Estado de orientação
neoliberal não dá uma resposta satisfatória e rápida à questão social em função de não ser a
sua prioridade; pelo contrário, seu foco é o esvaziamento de sua atuação na área social,
criando brechas (habilmente preenchidas pelas ONGs). Pela falta de atuação efetiva e pronta
resposta do Estado neoliberal, devido a alguns fatores, dentre eles a desvalorização material e
espiritual dos servidores públicos, a redução drástica de investimentos que possibilitariam
uma resposta mais rápida e eficaz, além da legislação que privilegia os arranjos políticos, cada
vez mais se abrem brechas a serem preenchidas por ONGs.
Entretanto, cabe ressaltar que os problemas do burocratismo estatal, a desvalorização
dos servidores públicos e a falta de respostas eficazes à questão social que se apresenta têm
sua origem dentro do próprio modo de reprodução do sistema capitalista em sua face
neoliberal que vê o investimento em assistência social como gasto desnecessário (e não como
investimento) e necessita de manter o status quo que movimenta o sistema capitalista:
desemprego estrutural e combate à pobreza extrema a fim de eliminar focos de ruptura social.
No que diz respeito ao financiamento, o Estado continuaria a “financiar a instituição,
a própria organização social, e a sociedade a que serve e que deverá também participar
minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações”. (BRASIL, 1995,
p. 47). Esse momento de efetivação da Reforma Gerencial, que ganhou corpo com a sanção
da lei 9.790/99 (que qualifica as Organizações Sociais de Interesse Público) marca uma
participação mais efetiva de segmentos da sociedade civil, junto com o Estado, no
financiamento dessas organizações sociais para que possam ter as condições técnicas
necessárias para seu funcionamento, visando “aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos
serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor”. (Ibid., p. 47).
O atendimento ao cidadão-cliente através da prestação do serviço pelas organizações
do “Terceiro Setor” atuaria na reconfiguração do Estado à medida que percebemos algumas
mudanças na forma de execução da política social estatal. As principais diferenças residiriam
na focalização dos serviços prestados pelas ONGs em oposição à universalização do serviço
102
público; transformação do direito público subjetivo na cultura do possibilismo (favor);
precarização dos vínculos trabalhistas dos empregados das ONGs em substituição dos
vínculos empregatícios estatutário dos servidores com o Estado.
A reconfiguração da relação Estado/sociedade civil residiria justamente no papel
desempenhado por ambos na proposição, controle e execução das políticas sociais. O Estado
passava de elaborador e executor do serviço público para fiscal das ONGs que com ele
assinam parcerias público-privadas. Por outro lado, as ONGs que se notabilizaram como
captadoras de recursos para os movimentos sociais no enfrentamento ao Estado no período do
governo militar em defesa de uma política de defesa dos direitos humanos, que se
notabilizaram pela captação de recursos para cobrar do Estado a defesa de políticas públicas
de inclusão étnica e de gênero, agora, atuam como parceiras do Estado e não mais como
contraponto da sociedade civil na proposição e cobrança no planejamento e execução de
políticas públicas por parte do Estado.
2.4 Considerações preliminares
Enfim, o contexto político e histórico do surgimento do Instituto Ayrton Senna está
situado nos debates e execução da Reforma Gerencial ocorrida no Brasil na década de 1990.
Foi dentro dos preceitos de construção do consenso em torno da “incapacidade” do Estado em
prestar um serviço público de “qualidade” (nos moldes estabelecidos pelo mercado) que a
burguesia brasileira passa a utilizar as organizações da sociedade civil a ela ligadas como as
novas organizadoras do consenso em torno de uma nova hegemonia.
Se até a primeira metade da década de 1990 a burguesia delegava esse papel, em
grande parte ao aparelho Estatal, a partir da segunda metade dessa década, caberia às
organizações da sociedade civil alinhadas com o projeto burguês a construção do consenso em
torno da necessidade de um novo pacto social, de um Estado de novo tipo, cuja característica
mais marcante seria a delegação de algumas de suas atribuições a uma “sociedade civil ativa e
harmônica”, transmutada numa noção setorizada (“Terceiro Setor”). Esse projeto da burguesia
se materializaria no projeto social democrata do “Neoliberalismo da Terceira Via” que se
sustentava na ação pedagógica de alguns operadores do capital, dentre eles, destacamos o
Instituto Ayrton Senna que se autodenomina ONG do “Terceiro Setor” que não teria a
103
finalidade lucrativa (que o mercado teria) e também não teria comprometimento político-
governamental (exclusividade do estado).
Atuando pedagogicamente como operador da hegemonia das relações capitalistas de
produção, o Instituto Ayrton Senna construiu seus fundamentos teóricos e metodológicos
inspirado na concepção social democrata da “Terceira Via” como uma alternativa aos
governos neoliberais. Contudo, conforme analisamos a construção teórica da “Terceira Via”,
percebemos que é uma estratégia do próprio neoliberalismo para se manter hegemônico, sem
o risco de rupturas sociais. É o que Lúcia Neves (2011) denominou de “Neoliberalismo da
Terceira Via”, que associaria os fundamentos do capitalismo neoliberal com ações focalizadas
para atenuar os efeitos da pobreza e garantir a coesão social.
Em seu trabalho pedagógico de difundir essa nova concepção de sociedade civil e de
reafirmar a noção de “capital humano rejuvenescido” pelas noções de “capital social”,
“empreendedorismo”, “flexibilização” e “qualidade total”, o Instituto Ayrton Senna tem sido
um dos principais operadores do capital na escola pública, assimilando e implementando a
ideologia dos empresários com “responsabilidade social” na construção do consenso em torno
da “Terceira Via” como alternativa do capital mais preocupado com as questões sociais (se
comparado ao neoliberalismo). É o processo de manutenção do consenso em torno de uma
face mais humanizada do sistema capitalista, justamente no momento de acirramento das
contradições capital/trabalho, o que Lucia Neves (2005) denominou de “Pedagogia da
Hegemonia”.
104
3 INSTITUTO AYRTON SENNA: OPERACIONALIZANDO O CAPITAL NAS
ESCOLAS PÚBLICAS
Nesse capítulo, abordaremos a vinculação da concepção de cidadania ligada a um
conjunto de direitos e obrigações contraídas pelos indivíduos dentro dos limites da sociedade
burguesa; um desses direitos agrupados em torno da concepção de cidadania seria o acesso a
uma educação de “qualidade” para todos os cidadãos. As avaliações instituídas pelo INEP
(Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), para o ensino fundamental, que a nosso
ver estão em conformidade com parâmetros estabelecidos por organizações internacionais
(como a UNESCO), teriam por objetivo levar cidadania às camadas da classe trabalhadora
mais pobres, sustentado na ideia de “revelar a realidade”33
da “má” “qualidade” da educação
pública brasileira. (FERNANDES, 2008). Os resultados obtidos nas avaliações do INEP
passariam a definir as ações das políticas públicas para a área educacional onde o Instituto
Ayrton Senna atua como parceiro privado do Estado.
Este processo de avaliação da educação incorpora tanto a instrumentalidade e os
preceitos defendidos pelo Estado de orientação neoliberal, ao determinar as habilidades que os
indivíduos deveriam desenvolver em conformidade com as exigências do mercado de
trabalho, quanto imprime elementos que insere o novo consenso social, a exemplo das teses
defendidas pelos ideólogos da “Terceira Via” – que na nossa concepção trata-se de uma
repaginada do neoliberalismo com uma pitada mais humanizante, através de ações
empresariais “socialmente responsáveis” focalizadas em torno de alguns direitos agrupados
em torno da concepção de cidadania, sob a roupagem da preocupação com o desenvolvimento
humano.
Em seguida veremos a vinculação dos preceitos teóricos e metodológicos de avaliação
educacional, aplicada pelo Instituto Ayrton Senna a fim de mensurar a “qualidade” da
educação que está sendo oferecida nas escolas públicas. Essa ideia de educação de
“qualidade” dentro dos parâmetros seguidos pelo Instituto Ayrton Senna norteará a missão da
entidade que privilegia o pleno gozo dos direitos agrupados em torno da noção de cidadania
nos limites da sociedade burguesa. A “qualidade” da educação estaria diretamente relacionada
33
Entrevista concedida por Reynaldo Fernandes, presidente do INEP, à Revista Educação em Cena (do Instituto Ayrton Senna). Nessa entrevista, na página 40, A Revista Educação Em Cena questiona o porquê da avaliação censitária proposta pelo INEP, pois a Revista afirma que a avaliação amostral materializada pelo SAEB já revelaria a realidade da educação brasileira. (FERNANDES, 2008).
105
aos pilares definidos pela UNESCO (aprender a ser, conviver, fazer e conhecer) e à correção
da distorção do fluxo série-idade, combatendo a repetência e a evasão escolar (identificadas
como problemas geradores de custos para o Estado).
Para conseguir cumprir sua missão, o Instituto Ayrton Senna contaria com a
contribuição filantrópica de empresas e dinheiro público recebido diretamente do Estado no
estabelecimento de parcerias público-privadas. Dentro da análise das empresas ditas
filantrópicas, dissertamos sobre a efetivação dos preceitos defendidos pelo “Neoliberalismo
da Terceira Via” no tocante a necessidade de os empresários assumirem seu papel de
partícipes da elaboração de políticas públicas para a área educacional, fundada na
“responsabilidade social”. A maior atuação do empresariado na definição das políticas
públicas sociais (dentre elas a educação) se materializa no “Movimento Todos Pela
Educação” e pelas parcerias com setores estratégicos do Estado como o “Conselho Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social” e a “Secretaria de Assuntos Estratégicos” (ligada à
Presidência da República)34
.
3.1 Avaliação: caminho para transparência e revelador da “realidade da educação
pública”
No ano de 1990, em conformidade com a proposta do Consenso de Washington35
, o
governo Collor criou um Sistema que permitia a Avaliação da Educação Básica com a
finalidade de identificar as causas da “má qualidade” da educação pública no país e traçar
metas objetivas visando alcançar o padrão de “qualidade” nas competências relacionadas à
leitura, escrita e a resolução de problemas matemáticos para se chegar aos mesmos níveis dos
países desenvolvidos.
34
Desenvolveremos mais adiante esse maior protagonismo do empresariado tanto na sociedade civil quanto na sociedade política. 35 É um conjunto de medidas - que se compõe de dez regras básicas - formulado em novembro de 1989, por economistas de
instituições financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacionalem 1990, quando passou a ser ‘receitado’ para promover o’ajustamento macroeconômico’ dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades”. As 10 regras estavam baseadas na Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Juros de mercado; Câmbio de mercado; Abertura comercial; Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; Privatização das estatais; Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); Direito à propriedade intelectual. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Consenso_de_Washington>. Acesso em: 21 de março de 2012.
106
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é uma avaliação externa em larga escala aplicada a cada dois anos. Seu objetivo é realizar um diagnóstico do sistema educacional
brasileiro e de alguns fatores que possam interferir no desempenho do aluno, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As informações produzidas visam subsidiar a formulação, reformulação e o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da qualidade, equidade e eficiência do ensino (INEP, 2010, p.1).
É oportuno ressaltarmos que durante a década de 1980, no período de algumas
conquistas sociais e políticas, os movimentos de base discutiam medidas para se chegar a uma
educação pública de qualidade no Brasil; contudo, o governo Collor ressignificou essa
demanda na forma de uma avaliação padronizada e minimalista (SAEB), reforçando a ideia
de uma hierarquia disciplinar em nome da suposta “eficiência” e “habilidades” mais
importantes a serem apreendidas pelos alunos.
Uma das preocupações centrais do governo Collor seria “promover a equidade” da
“qualidade” do ensino em todo o país; para tanto criou uma avaliação padronizada que nos
seus primeiros anos era realizada bienalmente e forneceria os subsídios às três esferas de
governo para adotarem políticas públicas educacionais objetivando “bons” resultados no
SAEB. Enfim, as secretarias de educação passaram a redimensionar suas políticas públicas,
no ensino fundamental, para alcançar resultados objetivos no SAEB, mesmo que para isso
fosse necessário supervalorizar as disciplinas avaliadas (Língua Portuguesa, Matemática e,
nos primeiros 3 anos, Ciências Biológicas) e diminuir o tempo de aula e a importância de
outras disciplinas como História, Geografia, Educação Física, Educação Artística, Educação
Musical que passaram a patamar de “menos” importantes por não serem avaliadas pelo
SAEB.
A primeira aplicação do Saeb aconteceu em 1990 com a participação de uma amostra de escolas que ofertavam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas da rede urbana. Os alunos foram avaliados em língua portuguesa, matemática e ciências. As 5ª e 7ª séries também foram avaliadas em redação. Este formato se manteve na edição de 1993 (INEP, 2010, p.1).
Essas avaliações promovidas pelo SAEB até 1993, realizadas em caráter amostral,
produziram resultados que “revelariam” a “realidade” educacional dos Estados, Regiões e do
país. Os primeiros resultados identificaram defasagem de aprendizagem dos conhecimentos
mínimos exigidos para a disciplina avaliada e defasagem de idade relacionada com a série
cursada, o que gerava um custo muito elevado para a educação em função de um mesmo
aluno cursar duas ou mais vezes a mesma série. A partir de 1994, o SAEB passou a concentrar
a avaliação nas disciplinas Língua Portuguesa e Matemática. (INEP, 2010).
107
Essas habilidades estariam inscritas na função primordial da educação aos olhos do
BIRD: estimular, nos países “em desenvolvimento”, a ampliação de acesso no ensino
fundamental, o que se refletiria no aumento da competitividade na inserção do país na divisão
internacional do trabalho (preparação de indivíduos para inserção no trabalho simples que
nesse contexto de reestruturação produtiva inseria alguma habilidade ou competência
tecnológica). A criação do SAEB estaria na direção da construção de uma hegemonia
neoliberal, atendendo aos interesses da burguesia que delegava ao Estado a construção do
consenso em torno da necessidade de reformas na administração pública, em função dos
gastos do Estado com educação não se refletirem na “qualidade” da educação definido pelo
BIRD e pela UNESCO.
Diante dessa constatação, como pensar uma avaliação padronizada, proposta pelo
SAEB, sem levar em conta os condicionantes históricos e sociais das escolas e alunos
avaliados? Aprofundando nossas questões percebemos que a construção de um discurso
neoliberal em torno do “fracasso” e da “ineficiência” da educação pública passava pela
idealização dos indivíduos, tanto alunos quanto professores, sem levar em consideração as
condições histórico-sociais em que se dá o processo educativo, tanto em seus aspectos
materiais quanto espirituais. A criação de uma forma padronizada da educação seria uma
percepção orientada pela unilateralidade e negação da contradição dialética.
Será que os alunos/professores da zona urbana de uma cidade do interior do Maranhão
e os alunos/professores de uma escola urbana da cidade do Rio de Janeiro têm acesso aos
mesmos meios materiais e humanos para aquisição das habilidades exigidas no SAEB?
Voltando ao que se apresentou na aparência imediata como uma proposta de “equidade” da
educação de “qualidade” para todo o país, identificamos que a proposta do SAEB é a negação
da valorização da história e cultura local à medida que a ideia de “qualidade” estaria associada
somente à aquisição das habilidades de domínio da leitura, escrita e resolução de cálculos
matemáticos, juntamente com a economia de gastos públicos com alunos repetentes. A
justificativa de se “levar equidade” na sua imediaticidade poderia nos induzir, pela lógica
formal, a reproduzir no pensamento a criação de uma categoria ideológica: cidadania
universal. (KOFLER, 2010).
Nessa ótica, educação de “qualidade” seria aquela em que os alunos passam de série e
tiram notas boas em português e matemática. Essa noção de “qualidade” deveria ser
expandida para todos os cantos do país como política de Estado, em sua função educativa e
formativa (“Estado Educador”), com o aval da burguesia local que delega ao Estado o papel
108
de produtor de hegemonia, criador de um “conformismo social” que seja útil ao grupo
dirigente36
.
Segundo Gramsci
A revolução provocada pela classe burguesa (...) na função do Estado consiste especialmente na vontade de conformismo (...). As classes dominantes precedentes eram essencialmente conservadoras, no sentido de que não tendiam a assimilar organicamente as outras classes: a concepção de castas fechadas. A classe burguesa põe-se a si mesma como um organismo em contínuo movimento, capaz de absorver toda a sociedade, assimilando-a a seu nível cultural e econômico; toda a função do Estado é transformada: o Estado torna-se ‘educador’...
(GRAMSCI, 2000, p.271; grifos nossos).
Ao nos questionarmos sobre quais princípios nortearam a escolha das disciplinas
língua portuguesa e matemática como as únicas merecedoras de serem aferidas pelo SAEB,
percebemos um arranjo político-educacional com o objetivo de negar a história e a totalidade
das relações sociais em que se dá o processo educativo. É funcional ao modelo neoliberal ao
ocultar o acirramento da contradição capital/trabalho, inclusive dentro da própria escola,
através da desregulamentação das atividades sociais, do afrouxamento dos vínculos
empregatícios e o conequente medo dos profissionais da educação com vínculos precários de
problematizarem questões que poderiam colocar em risco o consenso em torno da
legitimidade do projeto neoliberal para a educação.
O SAEB, além de eleger somente as disciplinas de língua portuguesa e matemática,
criando uma espécie de hierarquia de importância das disciplinas funcionais à aquisição de
habilidades minimalistas exigidas pelo papel que o Brasil ocuparia na divisão internacional do
trabalho, aguçou uma competição entre as escolas e professores para atingir melhores
resultados na avaliação marcando o “momento num interior da totalidade mais ampla”
(KOFLER, 2010, p.58) da inserção na ideologia competitiva da globalização.
A competição para alcançar notas boas no SAEB foi um dos elementos determinantes
para a inibição da composição sindical por parte dos profissionais da educação pública à
medida que o desempenho no SAEB se traduzia também em maiores investimentos nas
escolas com notas mais altas e em bonificações para os profissionais dessas escolas,
desagregando o horizonte da escola pública como local que poderia funcionar como produtora
de uma nova hegemonia com a construção de um ethos em torno de uma nova modalidade de
conquistas salariais que não passariam pelas lutas históricas coletivas, mas pela ação
36 Concepção de Gramsci sobre o Estado burguês, cuja finalidade de criar permanentemente novos tipos de civilização e a moralidade das mais amplas massas populares serviria às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção. (Cf. NEVES, 2005; MOTTA, 2007).
109
individual de cada um (mérito) em substituição à ação coletiva; sendo, contudo, pautada em
ganhos flexíveis e precários: gratificações.
O Instituto Ayrton Senna ao desenvolver seus programas educacionais em
consonância com as quatro metas estabelecidas pela UNESCO visava lograr uma educação de
“qualidade”, utilizado-se dos resultados obtidos no SAEB, aplicado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) com a finalidade de se obter um
maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), não apenas de uma rede de
ensino, mas “revelar a realidade” da qualidade da educação de cada escola.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e equidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral (INEP, 2011, p.1).
Como o Instituto Ayrton Senna poderia chegar à realidade da educação pública
brasileira utilizando-se dos dados obtidos no SAEB? Uma avaliação padronizada que
desconsidera as mediações políticas, culturais e históricas pode até revelar na aparência da
imediaticidade que a educação pública é definida como tendo boa ou má “qualidade” baseada
em domínios de habilidades mínimas como a leitura, escrita e resolução de problemas
matemáticos. É uma conclusão precipitada que a priori até parece ser uma medida
interessante na tentativa de “equalizar” a “qualidade” na educação; entretanto, observamos
que há uma análise rasa e com uma concepção de “qualidade” também minimalista (educação
minimalista: ler, escrever e contar) para atender aos interesses da burguesia nacional visando
uma inserção mais competitiva do Brasil na divisão internacional do trabalho no mundo
globalizado.
Cuidando não cair em análises mecanicistas, procuramos, também, apreender as
contradições de processo de ampliação do acesso ao ensino fundamental como, também, uma
demanda das bases. Um dos grandes debates na década de 1980, no seio da efervescente
sociedade civil, envolvendo a educação pública foi a democratização do acesso ao ensino
fundamental defendida pelas bases. O problema é que essa demanda quando é “supostamente”
atendida, sob a direção da burguesia, realiza-se numa educação minimalista. Na década de
1990, essa mesma sociedade civil complexa e ativa nas lutas pela educação pública, vai sendo
golpeada, inclusive com a ressignificação de suas bandeiras. A burguesia, por sua capacidade
de assimilar e ressignificar as demandas das outras classes e “desassimilar uma parte de si
mesma” (GRAMSCI, 1968, p.147) permite ao Estado atuar operando o conformismo da
110
forma como as aspirações de base vão sendo assimiladas pela sociedade civil, de acordo com
a ideologia burguesa.
A avaliação, segundo o INEP, seria uma arma fundamental não só para diagnosticar os
motivos do “sucesso” ou “fracasso” do ensino de uma escola, mas vai além: a avaliação daria
maior transparência ao processo educativo e estaria em consonância com as novas exigências
do mercado de trabalho e da nova sociedade que tem sido construída baseada no
conhecimento.
[...] os programas educacionais desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna têm na avaliação constante um de seus elementos estruturais. Por isso, o caráter avaliativo está presente desde a
concepção de cada um dos programas, acompanhando sua efetivação e a checagem dos resultados, seguido pela disseminação das informações obtidas (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2008a, p.18).
Em entrevista à revista “Educação em Cena”, o pesquisador Reynaldo Fernandes,
presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
autarquia do Ministério da Educação (MEC), falou sobre os mecanismos de avaliação
adotados pelo governo federal e como os resultados, ao serem mensurados, podem oferecer
subsídios para a implementação de políticas públicas para a melhoria da educação no Brasil
(FERNANDES, 2008).
Ampliar o alcance dos resultados nos permitiu dar um salto qualitativo importante em relação à avaliação: a divulgação intensa de resultados individualizados. Esse mecanismo de divulgação dos resultados agregou à avaliação o componente da mobilização social e possibilitou o envolvimento de toda a sociedade no acompanhamento da qualidade da educação (FERNANDES, 2008, p.39).
Seguindo a mesma linha ideológica adotada pelo INEP, João Batista Araújo e Oliveira
(2005)37
indica que o SAEB é um importante instrumento de aferição do que o aluno
aprendeu nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática na 4ª e 8ª séries do ensino
fundamental regular e 3º ano do ensino médio regular. Dessa forma, os resultados objetivos
obtidos no SAEB têm orientado as políticas públicas para educação dos Estados e Municípios
do país, uma vez que é o desempenho dos alunos da 4ª e 8ª séries38
que fornecem os subsídios
para constatação do “sucesso” ou “fracasso” do modelo de educação, cuja ênfase recai no
domínio das competências “ler”, “escrever” e “fazer contas”.
37
Consultor do Instituto Ayrton Senna e Idealizador da chamada “Pedagogia do Sucesso” (manual que serve de base para a implementação do “Programa Acelera Brasil”). No capítulo IV discorrermos sobre sua formação e influência na construção teórica e metodológica dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna. 38 No nosso caso específico nos atermos ao ensino fundamental regular e, portanto, não abordaremos os resultados e importância do SAEB para os alunos do ensino médio.
111
Os dados, obtidos com a aplicação de provas aos alunos e de questionários a alunos, professores e diretores, permitem acompanhar a evolução do desempenho e dos diversos
fatores associados à qualidade e à efetividade do ensino ministrado nas escolas. A partir das informações do SAEB, o Ministério da Educação – MEC e as Secretarias Estaduais e Municipais podem definir ações voltadas para a correção das distorções e debilidades identificadas e dirigir seu apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento e a redução das desigualdades ainda existentes no sistema educacional brasileiro. Além disso, realizar avaliações e divulgar seus resultados é uma forma do poder público prestar contas da sua atuação a alunos, professores, pais e à sociedade em geral, proporcionando uma visão clara do processo de ensino e das condições em que ele é desenvolvido. Assim, o SAEB tem como
principal objetivo oferecer subsídios para a formulação, reformulação e monitoramento de políticas públicas, contribuindo, dessa maneira, para a universalização do acesso e a ampliação da qualidade, da eqüidade e da eficiência da educação brasileira39 (INEP, 2012, p. 1).
Desde sua concepção até ano de 2004, quando processados pelo sistema
computacional, os dados obtidos pelo SAEB não levavam em consideração as condições
materiais em que se encontram as escolas avaliadas, falta de professores da disciplina
avaliada, falta de material didático e, principalmente, trabalhos desenvolvidos nas demais
disciplinas de valorização da cultura local e das condições históricas de existência da
comunidade escolar. Dessa forma, objetivando chegar à “realidade” de cada escola, conforme
afirmou Reynaldo Teixeira, no ano de 2005, o SAEB foi remodelado e dividido em duas
partes: uma avaliação que mantém as características amostrais e outra que avalia de forma
censitária cada escola.
Em 2005 o SAEB foi reestruturado pela Portaria Ministerial nº 931, de 21 de março de 2005, passando a ser composto por duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil. A Aneb manteve os procedimentos da avaliação amostral (atendendo aos critérios estatísticos de no mínimo 10 estudantes por turma), das redes públicas e privadas, com foco na gestão da educação básica que até então vinha sendo realizada no SAEB. A Prova Brasil (Anresc), por sua vez, passou a avaliar de forma censitária as escolas que atendessem a critérios de
quantidade mínima de estudantes na série avaliada, permitindo gerar resultados por escola. A Prova Brasil foi idealizada para atender a demanda dos gestores públicos, educadores, pesquisadores e da sociedade em geral por informações sobre o ensino oferecido em cada município e escola. O objetivo da avaliação é auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar, no estabelecimento de metas e na implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do ensino. Na edição de 2005, o público alvo da Prova Brasil foram as escolas públicas com no mínimo 30 estudantes matriculados na última etapa dos anos iniciais
(5º ano) ou dos anos finais (9º ano) do Ensino Fundamental. A metodologia utilizada nessa avaliação foi similar à utilizada na avaliação amostral, com testes de Língua Portuguesa e Matemática, com foco, respectivamente, em leitura e resolução de problemas. (INEP, 2010, p.1).
Entrementes, mais uma vez as disciplinas avaliadas foram Língua Portuguesa e
Matemática com foco na leitura e resolução de problemas (educação minimalista). Uma
39 O Ministério da Educação (MEC), através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) divulgou um estudo comparativo dos dados obtidos no SAEB entre os anos 1995 e 2005 com base nas amostragens das avaliações de Língua Portuguesa e Matemáticas aplicadas aos alunos da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental regular, além dos alunos do 3º ano do ensino médio regular (INEP, 2012).
112
indagação que nos apresenta diante desse modelo de avaliação: qual o espaço reservado aos
conhecimentos corporais, históricos, espaciais, artísticos, humanísticos que nos auxiliam na
atividade criativa e problematizadora da formação humana nas avaliações promovidas pelo
INEP e nos modelos de educação “planificadas/minimalistas” desenvolvidos pelo IAS?
As atividades criativas e que problematizam a sociedade em que nos (re)produzimos
são fundamentais para pensarmos diversos aspectos da vida, como por exemplo, a criação de
seres humanos em laboratório, o que poderia levar a uma espécie de eugenia; a
problematização do aumento dos bolsões de pobreza e a forma como pretendemos tratar a
“questão social” que está posta na agenda do dia. Observamos que a falta de espaço para a
problematização dos aspectos humanos e sociais em que o homem se (re)produz contribui
para o processo de alienação desse processo perverso reprodução da lógica fabril dentro das
escolas públicas e escamoteia a luta de classe.
Enfim, mensurar a qualidade da educação, para o INEP, passaria pelo domínio das
competências voltadas para a leitura e resolução de cálculos matemáticos (expressos na
quantidade acertos nas avaliações do INEP), relegando ao esquecimento quaisquer formas de
problematização das expressões das questões sociais. Portanto, para o INEP, seria necessário
criar um Índice que medisse o Desenvolvimento Humano, no quesito educação, a partir dos
dados coletados no SAEB.
O IDEB foi criado em 2007 e um bom desempenho nas avaliações que compõem seu
índice medidor passou a ser perseguido e identificado como padrão de “qualidade” da
educação pública. Sua importância estaria no fato de poder traçar estratégias para a superação
da defasagem série-idade, do abandono escolar e se chegar à “qualidade” no domínio das
competências ler, escrever e fazer contas. (INEP, 2012).
Ainda segundo Reynaldo Teixeira, a criação do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) tem permitido uma maior intervenção social nas escolas que
apresentam baixos rendimentos, a partir dos resultados recebidos do repaginado SAEB, que é
mesurado através das avaliações da “Prova Brasil” e dos dados amostrais, de acordo com o
desempenho dos alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio.
Um dos argumentos centrais do Instituto Ayrton Senna, no que concerne à avaliação
na educação, é que os alunos que participam de seus programas educacionais de aceleração da
aprendizagem e reforço escolar e voltam à rede regular de ensino têm um desempenho mais
satisfatório nas avaliações promovidas pelo INEP, como a “Prova Brasil” (visando relatar a
“realidade” de cada escola), e o ANEB (que trabalha por amostragens e foca sua atenção na
113
“realidade” das redes de ensino), o que, consequentemente, aumentaria o IDEB. (INSTITUTO
AYRTON SENNA, 2011a).
O IDEB é calculado através de um indicador que conjuga os dados do censo escolar,
dos resultados da Prova Brasil40
e da ANEB41
da rede pública de ensino. A proposta do
Instituto Ayrton Senna é elevar o IDEB nas redes de educação em que atua como parceiro
privado na execução de políticas públicas. Contudo, é importante ressaltar que os alunos
participantes da “Prova Brasil” e da ANEB são apenas os que estão inscritos na rede regular
de ensino, ou seja, aqueles que não estão participando de projetos educacionais, como é caso
da “aceleração da aprendizagem” do Instituto Ayrton Senna. (INEP, 2010).
Seguindo essa linha de argumentação, o IAS apresenta dados estatísticos que os alunos
que participaram de seus programas educacionais, quando reintegrados à rede regular,
apresentam melhor desempenho nessas avaliações planificadas feitas em âmbito nacional que
servem de base para cálculo do IDEB. Para ratificar a melhora do IDEB de uma rede pública
de ensino que tenha adotado suas tecnologias sociais como políticas públicas, o Instituto
Ayrton Senna divulga em seu sítio oficial números que comprovariam uma melhor posição no
ranking do IDEB. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f).
Se os alunos participantes dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna estão
fora da rede regular de ensino, como o Instituto ajudaria a elevar o IDEB de uma escola ou
rede de ensino? A informação difundida pelo instituto a priori é que sua atuação na execução
das políticas públicas ajuda a elevar o IDEB. Pensemos! Os alunos com distorção idade-série
ou que apresentam dificuldades no domínio da leitura e da escrita são inscritos em programas
educacionais do Instituto Ayrton Senna e, portanto, não realizam as avaliações que compõem
o IDEB (por estarem fora da rede regular de ensino). Retirados esses alunos com desempenho
“fraco” e com idade avançada42
, a possibilidade do desempenho no IDEB aumentar é grande,
pois os alunos que têm os melhores desempenhos e idade regular à série cursada realizarão as
avaliações.
Após a realização das avaliações e do censo escolar, o IDEB das escolas e das redes
regulares de ensino tende a aumentar em função da separação dos “maus” alunos e com
“idade avançada”. Voltando ao que se apresentou inicialmente como uma proposta
revolucionária do Instituto Ayrton Senna, percebemos que o IDEB pode melhorar em função
40 Para os municípios. 41 Para os Estados e para o próprio país. 42 A relação idade-série é um dos componentes no cálculo do IDEB. Quanto maior for a idade de um aluno em relação à série
cursada, menor será o IDEB.
114
da estratégia de separar os alunos que tenderiam a baixar o índice e colocá-los em programas
de reforço escolar voltados para a alfabetização e correção da defasagem idade-série.
Quanto ao argumento de que os alunos participantes de programas educacionais do
Instituto Ayrton Senna melhoram seu desempenho nas avaliações promovidas pelo INEP,
quando retornam à rede regular de ensino, devemos ter o cuidado de analisar os elementos
determinantes dessa afirmativa. Num primeiro momento, é importante destacarmos que os
programas do Instituto Ayrton Senna contam com turmas que têm entre 15 e 25 alunos, algo
bem diferente do que observamos nas salas de aula das escolas da rede pública. Aprofundando
nossa análise, percebemos que o mesmo governo que permite uma sala de aula superlotada na
rede regular de ensino irá pagar ao Instituto Ayrton Senna e ceder seus professores para
desenvolver seus programas educacionais com número reduzido de alunos e com material
escolar apropriado para treinar os alunos a fazer as avaliações do INEP.
Outra questão que levantamos é o fato do Instituto Ayrton Senna priorizar o
treinamento dos alunos em seus programas educacionais para realizarem as avaliações do
INEP. Entendemos que a escola pública instituída na sociedade capitalista, apresenta,
predominantemente, a concepção liberal econômica de educação. Daí que sob a direção
cultural dos empresários ou de seus intelectuais orgânicos busca-se reproduzir a lógica de
funcionamento “fabril”, produtivista, cujos operários (professores) têm que atender aos
critérios da maior quantidade de aprovações no menor espaço de tempo possível. Contudo,
pelo próprio caráter de sociedade de classe, contraditoriamente a escola ainda é local que
apresenta espaços para a construção de uma nova hegemonia, situa-se numa arena do poder.
Nesse sentido, por funcionar como um verdadeiro campo de batalha das ideias, a escola passa
permanentemente por processos de ressignificação de seus procedimentos político-
pedagógicos, conforme necessidades políticas e econômicas de conjuntura e correlações de
forças políticas.
Diante do exposto, questionamos: qual seria o motivo, especificamente atual, de os
últimos governos não investirem na melhoria das condições de trabalho dos professores das
redes públicas regulares de ensino, por exemplo, reduzindo o número de alunos em sala de
aula ou criando programas específicos voltados para os alunos com algum tipo de dificuldade
de aprendizagem, preferindo repassar essa responsabilidade para organizações do “Terceiro
Setor”? Entendemos que esse ciclo vicioso faz parte de uma estratégia do “Neoliberalismo da
Terceira Via” (NEVES, 2005) de repasse à iniciativa privada de recursos públicos para a
execução de serviços na área social (desresponsabilização do Estado) partindo da suposta
ineficiência do Estado no atendimento da “questão social”.
115
O não tratamento dos cidadãos como clientes por parte do Estado de orientação
neoliberal seria a negação de uma educação de “qualidade”, identificada como um dos
direitos agrupados em torno da concepção de cidadania. Portanto, os programas educacionais
do Instituto Ayrton Senna teriam por finalidade proporcionar aos cidadãos-clientes uma
educação de “qualidade”, levando cidadania para esses indivíduos. Com isso, instaura um
processo de privatização que não se limita à extração de valor, mas consolida a velha lógica
capitalista produtivista (projeto empresarial) de uma fábrica de robôs treinados a realizar as
avaliações promovidas pelo INEP e não ter o acesso irrestrito aos bens culturais
desenvolvidos pela humanidade ao longo da história.
Envolta, ideologicamente, por um processo de ampliação da democratização do acesso
à escola, o que passa a valer para a escola pública de massa na lógica do “Neoliberalismo da
Terceira Via” é “fabricar” alunos que tirem notas boas em língua portuguesa e matemática,
nos limites do ler, escrever e contar. Minimizando, ainda, a autonomia pedagógica e os
espaços de discussão dos profissionais da educação no que diz respeito à sua concepção de
educação de “qualidade” e à composição sindical, através de mecanismos de controle de
avaliação, imposição de metodologias de ensino, política de bonificações baseada nas notas
alcançadas pelas escolas nas avaliações do INEP. Tudo isso tem incentivado a competição
alienada entre escolas e professores, baseada no mérito individual.
3.2 Missão do Instituto Ayrton Senna: promoção da cidadania
Com vistas a oferecer respostas à questão social que se agravava com o crescimento da
pobreza e a falta de atenção dos governos neoliberais à assistência social, o IAS divulga que
sua principal missão é “[...] interferir positivamente nas realidades de crianças e adolescentes
brasileiros, dando-lhes condições e oportunidades para o desenvolvimento pleno como
pessoas, cidadãos e futuros profissionais” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011a, p.1). O
Instituto Ayrton Senna tem como foco prioritário o desenvolvimento de parcerias com entes
públicos e privados buscando melhorias nos índices educacionais, principalmente o IDEB das
escolas públicas brasileiras, como expressão da responsabilidade social dos empresários e
banqueiros brasileiros. Nesse sentido,
116
Para dar a sua contribuição concreta ao desafio de melhoria do atual cenário da educação brasileira, desde 1994, o IAS atua em três áreas distintas. A primeira, chamada de Área de
Educação Formal, acontece por meio de programas desenvolvidos em parceria com redes de ensino municipais e estaduais, adotados como políticas públicas. Nesse grupo, estão os programas Se Liga (alfabetização de alunos defasados), Acelera Brasil (correção de fluxo), Gestão Nota 10 (gestão das redes) e Circuito Campeão (gestão das primeiras séries), uma gama de soluções educacionais voltadas à gestão, oferecendo instrumentos e metodologias de acompanhamento e avaliação para melhorar a qualidade do ensino e garantir o sucesso do aluno (FILGUEIRAS, 2008, p. 49).
Os entraves para que o Brasil garantisse uma educação de “qualidade” a todos os
cidadãos, diagnosticados pelo Instituto Ayrton Senna, centrar-se-iam principalmente na falta
de capacidade gerencial dos administradores educacionais e do alto grau de distorção série-
idade, o que levaria à evasão escolar, maior gasto público por aluno multirrepetente, alto grau
de analfabetismo e baixa qualidade na aprendizagem. (FILGUEIRAS, 2008).
A tese central do Instituto Ayrton Senna é a que defende que o rigor e métodos
avaliativos deveriam funcionar nos mesmos parâmetros de eficiência da iniciativa privada e
“revelar” a “realidade” da educação que é oferecida aos indivíduos mais pobres, que precisam
da escola pública e, assim, o problema não seria apenas daquele indivíduo isolado, mas de
toda a sociedade, pois uma educação pública de “qualidade” poderia igualar os pontos de
partida tanto dos pobres quanto da classe média e do ricos. O lema seria igualdade do ponto
de partida e não igualdade econômica.
Dentre os direitos agrupados em torno da noção de cidadania, destacamos a ideia de
educação pública de “qualidade” com um desses direitos. Como o Estado de orientação
neoliberal se reconhece como incapaz de assistir ao indivíduo na prestação do serviço de
educação de “qualidade”, o empresariado com “responsabilidade social” vê nessa brecha
deixada pelo Estado uma boa forma de penetração na escola pública, via financiamento de
ONGs (OS e OSCIP) parceiras do Estado na execução do serviço público, para difusão de sua
concepção particularista de mundo como se essa fosse a única válida para toda a sociedade –
universal.
Sob o argumento de levar cidadania aos pobres, as empresas com ação social, ao
financiarem OSCIPs como Instituto Ayrton Senna, estariam cumprindo sua parte no ataque às
desigualdades de oportunidades e fortalecendo o argumento que a “responsabilidade social”
seria uma demonstração de solidariedade por parte dos empresários. O Instituto Ayrton Senna
ao executar seus programas educacionais, com destaque para o “Programa Acelera Brasil”, dá
ênfase à concepção de uma sociedade civil como local de solidariedade e união de esforços
por uma educação “melhor” e ressignificando a ideia de uma sociedade civil como arena de
117
disputas por projetos societários por uma noção de sociedade civil como local de harmonia,
cooperação e paz social, escamoteando o conflito de classes.
A ênfase pedagógica dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna recai
sobre a escrita, a leitura e a repetição de cálculos matemáticos, identificados como os grandes
“vilões” da “má qualidade” do serviço educacional prestado pelo Estado. Tatiana Filgueiras
(2008, p. 51) afirma que a avaliação constante é um dos pilares do Instituto Ayrton Senna e
que os alunos que participam do “Programa Acelera Brasil” realizam avaliações constantes
promovidas pela Fundação Carlos Chagas, baseada nos resultados do SAEB da rede regular
de ensino. Tatiana Filgueiras afirma:
A constatação foi de que os alunos multi-repetentes atendidos pelo Acelera Brasil apresentavam o mesmo resultado das demais crianças que não haviam repetido anteriormente. O Programa estava, portanto, apto para ser implantado nas redes de ensino que assim o
desejassem (FILGUEIRAS, 2008, p. 51).
O parâmetro das avaliações externas promovidas pelo Instituto Ayrton Senna no
“Programa Acelera Brasil” é o SAEB. Como as avaliações do SAEB concentram-se nas
disciplinas de língua portuguesa e matemática, o “Programa Acelera Brasil” concede um peso
maior à leitura e escrita, pois parte da premissa que os alunos não aprendem os conteúdos das
demais áreas do conhecimento, inclusive a interpretação dos problemas matemáticos, porque
são mal alfabetizados e o programa educacional
Acelera Brasil garante o direito á educação que passa pelo direito a ler, escrever (combate ao analfabetismo), aprender, passar de ano e cursar a série correspondente a sua idade (correção
de fluxo) para dar continuidade à trajetória escolar (sucesso do aluno). (FILGUEIRAS, 2008, p. 50).
Esses alunos, por não terem a aquisição de certas habilidades (como a leitura, a escrita
e a resolução de cálculos matemáticos), teriam o direito à educação de “qualidade” negada
(um dos direitos, agrupados em torno da noção de cidadania). É nessa perspectiva que o
Instituto Ayrton Senna se apresenta como expressão da responsabilidade social empresarial e
foi vista como uma ótima OSCIP para receber investimento do empresariado filantrópico e
difundir a concepção de mundo burguesa: igualando-se os pontos de partida (educação de
“qualidade” para todos), as demais diferenças sociais residiriam no talento e esforços
individuais.
118
A igualdade dos pontos de partidas seria, também, fundamental para a promoção de
mudança de “classe social”43
, ascensão econômica social, uma vez que essa ascensão se
justificaria apenas pelo esforço individual de cada cidadão (mérito), pois, ao se igualar o
acesso ao conhecimento, a diferença residiria justamente no talento, nas qualidades e nos
esforços individuais para que se possa lograr numa sociedade onde a competição por postos
de trabalho está cada vez mais acirrada.
Os indivíduos ao receberem uma educação defasada em termos de conhecimentos
científicos e tecnológicos estariam em desvantagem competitiva e tenderiam a ocupar os
postos de trabalho que exigem menor qualificação no mercado de trabalho. Dessa forma, toda
a sociedade sairia perdendo, pois dentre os direitos agrupados em torno da concepção
burguesa de cidadania está o do acesso aos níveis mais elevados do conhecimento científico e
tecnológico. Esses saberes da sociedade do conhecimento, da informação automática, seriam
de grande utilidade para a superação de trabalhos degradantes e seriam a pedra de toque que
colocaria fim ao abismo social, diminuindo as desigualdades.
Em suas várias análises sobre a ideia de a aquisição de habilidades tecnológicas seriam
a ponte para a salvação de trabalhos degradantes e a superação do abismo social, Gaudêncio
Frigotto (2003, 2009, 2011) refuta tal ideologia assentada na noção de “capital humano
rejuvenescido” pela noção de “sociedade do conhecimento”, uma vez que o desenvolvimento
tecnológico não trouxe soluções para o desemprego e a promessa da diminuição do abismo
social não foi cumprida; ao contrário, as disparidades sociais continuam a aumentar, pois os
poucos postos de trabalho com valor tecnológico agregado são ocupados por uma minoria,
formando cinturões de setores de capitalismo avançado envoltos por uma massa que se
mantém na informalidade/desempregados.
A análise de Márcio Pochmann sobre as bases da economia brasileira na atualidade
(commodities, setor de serviço – campeão de informalidades – e desindustrialização) mostra o
quanto estamos longe do que é colocado como sociedade do conhecimento no tocante à
produção; predominantemente nossos postos de trabalho, para a grande massa de
trabalhadores, não possuem valor tecnológico agregado. Como também o maior índice de
desemprego está entre os jovens. (IPEA, 2011a).
Em síntese: as missões do Instituto Ayrton Senna estariam voltadas, justamente, para
dar uma resposta social na questão do ensino básico, oferecendo materiais didáticos de
43
Utilizo o termo “classe social” entre aspas em função de o Instituto Ayrton Senna identificar esse termo com o de estratificação social, ou seja, uma classificação burguesa baseada no poder de compra dos indivíduos e não da contradição
capital/trabalho.
119
“qualidade” e propostas educacionais de superação da cultura da repetência e instauração da
“Pedagogia do Sucesso”, atacando a repetência, a evasão escolar e “dando oportunidades” aos
pobres continuarem os estudos, saindo de uma condição de “pobreza extrema” e conquistando
seu espaço no mercado de trabalho em função do “capital humano” que conseguiram
acumular ao concluir a educação básica. O porvir dependeria do talento e esforços individuais
de cada um (mérito). A necessidade de levar cidadania aos indivíduos pobres seria um dos
eixos estruturadores dos referenciais teóricos do Instituto Ayrton Senna desde sua criação em
1994, em meio às discussões sobre a Reforma Gerencial brasileira.
3.3 A atuação do Instituto Ayrton Senna como operador do capital na sedimentação da
hegemonia burguesa: cidadania como ordenamento social
O Instituto Ayrton Senna desenvolve seus programas educacionais padronizados de
modo a serem adotados em qualquer lugar do Brasil seguindo a mesma cartilha. O importante
seria seguir o modelo do programa, independentemente das condições históricas em que se
(re)produzem os indivíduos que serão atendidos. Na experiência imediata, a concepção de
indivíduo pode se manifestar na consciência de forma independente da sociedade, mas quando
analisamos as condições históricas em que se dá a cidadania, percebemos que ela se
desenvolve conjuntamente com o capitalismo que vê na transformação do indivíduo um
sujeito jurídico capaz de contrair obrigações (cidadão). Através de mediações como a
positividade do direito que se consubstancia no do Estado Moderno, identificamos a
interdependência do indivíduo jurídico (cidadão) com as relações sociais de produção da
riqueza.
Atuando como operador do capital nas escolas públicas em que atua como parceiro
privado do Estado, o Instituto Ayrton Senna focaliza sua atuação na preparação dos alunos
para a aquisição das habilidades ler, escrever e fazer contas como condição de “levar
cidadania aos pobres”. Como o Instituto Ayrton Senna traça metas para que os alunos
oriundos de seus programas educacionais, ao retornarem à rede regular, possam conseguir
notas melhores nas avaliações que darão origem ao IDEB, a ênfase recai em treinamentos nas
disciplinas língua portuguesa e matemática. Essa ênfase no treinamento reforça o argumento
de que quanto maior o IDEB, maior seria a “qualidade” da educação (um dos direitos
agrupados em torno da noção de cidadania). Levar cidadania aos pobres, nesse contexto dos
120
programas do Instituto Ayrton Senna, seria levar uma educação de “qualidade” que os
permitisse tirar notas boas nas avaliações que dão origem ao IDEB (velha concepção
capitalista de educação de qualidade; porém, agora, ganha requintes de “capital social” graças
aos empresários filantrópicos, dando uma face mais humanizada ao capital).
Analisando a missão do Instituto Ayrton Senna, ganha destaque a ideia de que levar
cidadania e estimular a democracia seria proporcionar aos cidadãos os mesmos pontos de
partida. Explico! Segundo essa lógica, se os alunos das redes públicas de ensino tivessem o
mesmo treinamento que os alunos das escolas privadas de “sucesso”, teriam as mesmas
possibilidades de “sucesso” nas avaliações planificadas aplicadas pelo INEP. A partir daí o
diferencial seria o empenho individual (mérito) que determinaria a colocação de cada no
mercado de trabalho de trabalho, pois a promessa de inserção do diplomado seria substituída
pela ideia da formação para ser postulante a uma vaga no mercado em tempos de crise.
Como falado anteriormente, o cidadão é o indivíduo capaz de contrair obrigações
legitimadas pela positividade do direito e que teria em troca dessas obrigações o
reconhecimento da coletividade da igualdade política e jurídica das concessões que o capital
permite para a manutenção das condições mínimas de existência dos indivíduos explorados.
Dessa forma, o argumento que gira em torno da necessidade de se proporcionar a igualdade
dos pontos de partida, defendido pelos ideólogos do “Neoliberalismo da Terceira Via” como
“igualdade de oportunidades” e incorporado pelo Instituto Ayrton Senna, mascara o fato da
transformação do indivíduo em cidadão ser uma forma de naturalizar as desigualdades
econômicas, à luz do clássico pensamento liberal.
A naturalização da concepção de cidadania como a separação do indivíduo político e
jurídico do indivíduo econômico é a negação da categoria totalidade, pois a cidadania
contribuiria para perpetuação da naturalização daquilo que é histórico: o desenvolvimento do
indivíduo privado e proprietário. Negar que as mediações econômicas fazem parte do todo
social é funcional ao capital como legitimação das desigualdades sociais. Vejamos a
contradição. A transformação do indivíduo em cidadão que em tese teria a função de lhe
garantir igualdade diante dos demais indivíduos é a fator legitimador das desigualdades
econômicas entre eles.
A cidadania difundida pelo Instituto Ayrton Senna reside justamente no fato de todos
os cidadãos terem acesso à mesma “qualidade” na educação promotora de Desenvolvimento
Humano, o que se refletiria nas avaliações que compõem o IDEB. Como o cálculo do IDEB
tem como base a aferição das habilidades de domínio da língua portuguesa e da resolução de
cálculos matemáticos, o Instituto Ayrton Senna restringe a problematização da concepção de
121
cidadania na sociedade regulada pelo capital; a nosso ver, por dois motivos principais. O
primeiro motivo seria porque a discussão da concepção de cidadania não ajudaria a elevar
diretamente o IDEB de uma escola ou rede de ensino; já o segundo estaria no fato do Instituto
Ayrton Senna contar com parceiros filantrópicos e com parceiros produtores de hegemonia
(Movimento Todos Pela Educação, Fundação Roberto Marinho) que não veriam com bons
olhos a discussão em torno da ampliação da concepção de cidadania para além da igualdade
política e jurídica, que vislumbrasse a produção de uma nova hegemonia em torno da
emancipação humana.
Atuando como disseminador dos valores dos empresários com “responsabilidade
social”, o Instituto Ayrton Senna, em seu sítio oficial, divulga que sua visão é o
estabelecimento de alianças estratégicas com o poder público e com empresários “com
responsabilidade social” que possam contribuir com doações filantrópicas para o investimento
em programas educacionais que proporcionem, aos indivíduos, o gozo do direito à educação
de “qualidade” (um dos direitos agrupados em torno da concepção burguesa de cidadania).
Alguns empresários que contribuem filantropicamente com os programas educacionais do
Instituto Ayrton Senna são chamados a ter atuação mais decisiva nas diretrizes que o Instituto
passará a dar aos seus programas educacionais através da participação em seu conselho
consultivo (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011a).
O conselho consultivo do Instituto Ayrton Senna tem a finalidade de determinar as
diretrizes e referencias ideológicos norteadores das ações do Instituto na execução de políticas
públicas. Portanto, é fundamental conhecer os conselheiros do Instituto Ayrton Senna e as
instituições a que estão ligados, conforme quadro abaixo:
122
QUADRO 2 – Conselheiros IAS.
Antonio Maciel Neto Presidente da Suzano Papel e Celulose
Antonio Roberto Beldi Presidente da Splice do Brasil Telecomunicações e Eletrônica
Chico Pinheiro Jornalista da Rede Globo de Televisão
David Barioni Neto Presidente do Grupo Facility
Élcio Aníbal de Lucca Fundador-presidente da LUCCRA – Lucro com Responsabilidade
Fábio Coletti Barbosa Presidente do Conselho do Santander
Gustavo Ioschpe Fundador-presidente e sócio-proprietário da G7 Cinema
Ives Gandra da Silva Martins Jurista
Jackson Schneider Presidente da ANFAVEA
Juscelino Fernandes Martins VP da Martins Comércio e Serviços de Distribuição S/A
Luiz Fernando Furlan Presidente do Conselho de Administração da Concórdia Holding
Osmar Elias Zogbi Presidente da EAZ Participações Ltda.
Philippe Prufer Area Director Europe da AMCHAM
Walter Piacsek VP Executivo do Banco Votorantim S/A
Fonte: Instituto Ayrton Senna (2011b).
O conselho consultivo do Instituto Ayrton Senna é composto por representantes da
sociedade civil, de diferentes áreas, mas com predomínio de empresários ligados a empresas
com “responsabilidade social” que estariam dispostas a ajudar filantropicamente o Instituto
Ayrton Senna para cumprir sua missão: “levar cidadania” aos jovens e adolescentes “pobres”.
Em função de sua concepção de cidadania restrita à igualdade política e jurídica,
fundamentada na igualdade dos pontos de partida de cidadãos de diferentes estratos sociais
(ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via”), o Instituto Ayrton Senna tem sido um
importante operador do capital no que diz respeito à difusão da hegemonia neoliberal, com
grande penetração na escola pública através de parcerias público-privadas difundindo que sua
missão é “levar cidadania” aos jovens e adolescentes “pobres”, mas contando com a ajuda dos
empresários que são “responsáveis socialmente”, que se “preocupam” com os desfavorecidos
na distribuição da riqueza.
Um aspecto muito forte nesse processo é colocar o empresariado como salvador, única
figura que reuniria as características fundamentais para promover uma sociedade mais
“igualitária”. Essa concepção de cidadania tem ajudado a fortalecer o consenso em torno da
igualdade dentro dos limites do capital, funcionando como elemento de ordenamento social,
garantia da “paz” social, pois os cidadãos são convencidos a procurar o sucesso dentro do
projeto societário do capital (apresentado como o único possível).
123
3.4 Bases política e ideológica do Instituto Ayrton Senna: Movimento Brasil
Competitivo e Movimento Todos Pela Educação
O Movimento Brasil Competitivo (MBC) e o Movimento Todos Pela Educação
(MTPE) têm sua origem na parcela da sociedade civil que disputa a hegemonia no campo das
ideias em favor dos grupos empresariais de diversos ramos de atividade.
Utilizando as análises de Antônio Gramsci (2011) a respeito da importância da
construção do consenso na produção de uma visão particular de mundo (que é apresentada
como se fosse a única alternativa), o MBC, atuando como intelectual orgânico (organizador
da cultura), defende a tese de que o caminho para o Brasil se tornar mais competitivo em
relação aos países que adotam o modo capitalista de produzir a riqueza passaria
necessariamente pela construção de uma cultura pautada na “noção de capital humano
rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “empreendedorismo”, “flexibilidade” e
“qualidade total”
A forma que os empresários conseguiriam disseminar seus ideais diretamente na área
da educação seria através da incorporação dos preceitos defendidos pelo MBC num
movimento da sociedade civil que os aplicasse e influenciasse as OS’s, OSCIP’s e mesmo a
Sociedade Política personificada na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República e no Ministério da Educação. Entendemos que a criação do MTPE é esse braço
operativo do MBC especificamente para a área da educação, uma forma de operacionalizar os
preceitos da “noção de capital humano rejuvenescido” dentro da escola pública.
3.4.1 “Capital Humano Rejuvenescido” pelas noções de “capital social”
“empreendedorismo”, “flexibilidade” e “qualidade total”: Movimento Brasil Competitivo
preparando o terreno para a criação do Movimento Todos pela Educação
Uma das OSCIPs mais proeminentes que surge no ano de 2001 é o Movimento Brasil
Competitivo (MBC), cujo principal objetivo seria aumentar a competitividade brasileira no
cenário internacional, visando contribuir para o desenvolvimento econômico do Brasil.
Entretanto, não bastaria haver uma iniciativa privada empreendedora para que o Brasil
124
alcançasse um patamar satisfatório de competitividade, mas seria fundamental o compromisso
político do Estado.
Para cumprir o papel de construtor de capital social, o MBC sustenta a ética, o foco em resultado e a transparência como valores fundamentais [...] Um dos objetivos do MBC é transformar a cultura empreendedora e competitiva [...] para a população brasileira. (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2011, passim).
Apresentando-se como construtor de “capital social” e difusor do ideal
“empreendedor” (autoemprego), o MBC informa que sua visão está voltada para a
implementação da cultura da gestão eficiente, adaptação aos tempos de crise (flexibilização
dos vínculos trabalhistas) e de uma cultura de avaliação permanente das instituições públicas,
incluindo premiações para aquelas que alcançarem as metas traçadas, com a finalidade de se
chegar à “qualidade total” do serviço prestado nas instituições públicas.
Uso disseminado de tecnologias de gestão nos setores público, privado e terceiro setor, com promoção do desenvolvimento sustentado [...] Sistema de avaliação da gestão obrigatório em todas as organizações federais; Sistema de reconhecimento do nível de gestão disseminado nas organizações públicas; Premiação da qualidade do governo federal difundida em todos os níveis de governo; Uso de mapas de benchmarking como ferramenta da competitividade em cadeias e arranjos produtivos locais e regionais; Cultura da medição e avaliação amplamente disseminadas [...] (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2011, passim).
Um dos projetos desenvolvidos pelo MBC, cuja finalidade é o aumento dos índices de
competitividade do Brasil, é o “Projeto Gestão Pública”. “Entre os principais objetivos desse
projeto está o aumento da receita, a redução dos gastos correntes e a melhoria de índices em
áreas como Saúde, Educação e Segurança Pública”. No estatuto social do MBC, em seu artigo
4º, incisos VII e VIII, fica clara a preocupação na difusão dos preceitos da “qualidade total”,
“competitividade” e “produtividade”; a área social escolhida para pôr em prática esses
preceitos seria a educação, com uma preocupação exclusiva de formar novos lideres difusores
desse pensamento. (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2011).
Esse movimento empresarial reúne um grupo de intelectuais orgânicos que pensam as
transformações que o sistema capitalista tem passado nas últimas quatro décadas. Alguns dos
intelectuais ligados ao MBC foram importantes construtores de consenso na formulação do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que conclama a todos os setores da sociedade
a enfrentar os problemas da educação básica como uma iniciativa da sociedade civil,
composta, em sua grande maioria, por um conjunto de empresários de ramos de atividades
diferentes por meio da filantropia empresarial (“responsabilidade social das empresas”),
difundindo seus ideais como sendo os de interesse do público através de algumas instituições
125
operativas, como é o caso do Instituto Ayrton Senna, da Fundação Roberto Marinho, da
fundação Victor Civita e do Grupo Gerdau. (LEHER, 2010).
Nessa direção de redução dos gastos sociais e maior ênfase na adoção de uma
administração eficiente preconizada pelo governo FHC durante a Reforma Gerencial, o MBC,
presidido por Jorge Gerdau Johannpeter44
, começava a pensar na forma de constituir um braço
operativo da classe empresarial na educação: “Movimento Todos Pela Educação”.
3.4.2 Instituto Ayrton Senna e o Movimento Todos pela Educação (MTPE): sintonia fina
Embora não seja nosso objetivo principal analisar o “Movimento Todos Pela
Educação” em por menores, entendemos ser necessário pontuarmos seu surgimento como um
processo de desdobramento da Reforma Administrativa do Estado brasileiro, ocorrida ainda
na década de 1990, à medida que identificava o Estado como pouco eficiente na prestação de
serviços públicos, principalmente na área social como a educação; porém, acrescido de
“responsabilidade social” de quem sabe administrar: os empresários.
O processo de maior controle e aferição da “qualidade” da educação tem passado por
um aprimoramento dos processos avaliativos da educação básica que foram sendo
implementados no Brasil desde a década de 1990 e culminou com o IDEB em 2007. Esse
processo de controle da “qualidade” da educação veio acompanhado pela Reforma
Administrativa que passava o Estado brasileiro em meio ao vento neoliberal que predominou
durante a década de 1990.
A concepção de parcerias público-privadas origina-se, no Brasil, da Reforma
Gerencial do Estado conduzida pelo então Ministro Bresser Pereira, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, através das Leis nº 9.637/1998 e nº 9.790/99, e de um novo arranjo
normatizado realizado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, através da Lei nº 11.079, de
30 de novembro de 2004, que trata diretamente das parcerias público-privadas.
Nesse contexto histórico, em setembro de 2006, foi criado o “Movimento Todos Pela
Educação” (MTPE), surgido por iniciativa de parcelas da sociedade civil (majoritariamente
pelo empresariado) com a finalidade de garantir um maior protagonismo da sociedade civil
(transmutada em organizações do “Terceiro Setor”) no sentido de atuar como fiscal dos gastos
44
Presidente do grupo empresarial Gerdal e presidente do Movimento Todos Pela Educação.
126
públicos na gestão dos recursos destinados à educação básica, visando alcançar aos padrões
de “qualidade” estabelecidos para o bicentenário da independência do Brasil. Dessa forma, a
missão do MTPE é “contribuir para a efetivação do direito de todas as crianças e jovens à
Educação Básica de qualidade até 2022”.
O MTPE, presidido por Jorge Gerdau Johannpeter, define-se como um movimento
nascido por iniciativa da própria da sociedade civil, sem vínculos diretos com quaisquer
governos, tendo financiamento de cidadãos e “empresas cidadãs”, “socialmente
responsáveis”, preocupados com o alcance de uma educação básica de “qualidade”.
[...] financiado exclusivamente pela iniciativa privada, que congrega sociedade civil organizada, educadores e gestores públicos que tem como objetivo contribuir para que o Brasil garanta a todas as crianças e jovens o direito à Educação Básica de qualidade (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2011a, p.1).
Com a finalidade de alcançar a “qualidade” na educação, foram traçadas cinco metas
pelo “MTPE”, baseadas nos indicadores educacionais coletados das avaliações da educação
básica realizadas ao longo das últimas duas décadas. As cinco metas visam servir de
monitoramento, pela sociedade, e servir de parâmetros de “qualidade” para a educação do
século XXI.
Meta 1: Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2: Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; Meta 3: Todo aluno com aprendizado adequado à sua série; Meta 4: Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; Meta 5: Investimento em
Educação ampliado e bem gerido (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2011b, p.1).
Como a questão da qualidade da educação é um tema bastante complexo, o “MTPE”
entende que concentrar apenas nas mãos do Estado essa tarefa não seria suficiente para mudar
o atual quadro de “fracasso” na educação pública. Para tanto, seria necessária uma maior
participação da esfera privada nos debates envolvendo os rumos que a educação básica
deveria tomar para tornar o Brasil, inclusive, um país mais competitivo no quadro da
economia capitalista mundial.
A questão que sobressalta aos olhos é como se daria essa melhoria na “qualidade” da
educação básica. A resposta estaria nas metas anteriormente citadas para estar de acordo com
os parâmetros de “qualidade” na educação estabelecidos durante a Reforma Gerencial da
década de 1990 que vê na regularização do fluxo série-idade e gestão profissional os quesitos
fundamentais para determinar a “qualidade” de uma rede de educação. Os programas de
aceleração da aprendizagem seriam fundamentais para o alcance dessas metas, associados
127
com administração gerencial nas escolas por quem entende do assunto: os empreendedores do
setor privado.
Seguindo essa linha de pensamento, o MTPE informa em seu sítio oficial quais são as
organizações que partilham dos mesmos objetivos que ele e fazem acontecer as ações do
movimento. (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇAO, 2011c). São apresentados os
patrocinadores, os parceiros e os apoiadores do MTPE na seguinte sequência:
a) Patrocinadores: Fundação Itaú Social, Fundação Bradesco, Banco
Santander, Instituo Unibanco, Grupo Odebecht, Grupo Gerdau, Grupo
Dpaschoal, Instituo Camargo Correia, Suzano Papel e Celulose.
b) Parceiros: Grupo ABC de Marketing, Rede Globo de Televisão,
Instituto Ayrton Senna, Grupo DD9 Propaganda e Marketing (uma das
maiores empresas de marketing do mundo), Rede Sinergia (uma das maiores
empresas de energia elétrica do Brasil).
c) Aliados: Grupo SM (é um grupo de Educação de referência na Espanha
e na América Latina liderado pela Fundação SM), Fundação Victor Civita,
Rede Record de Televisão, Microsoft, Canal futura, Fundação Santillana,
Amigos da Escola, Instituto Paulo Montenegro (ação social do IBOPE).
Os patrocinadores são as organizações privadas que financiam projetos e pesquisas
voltadas para área da educação com a finalidade de proporcionar as condições técnicas
necessárias para o funcionamento do MTPE. Os parceiros seriam aqueles que ajudam a
aplicar e divulgar efetivamente as ações do MTPE; já os aliados seriam organizações capazes
de difundir os ideais do MTPE entre os membros da sociedade civil, atuando como
organizadores da cultura.
No nosso caso específico, muito nos interessa conhecer a parceria entre que o Instituto
Ayrton Senna e o “MTPE” desenvolvem com o fulcro de se atingir a chamada “educação de
qualidade” para o século XXI.
Observando a estrutura hierárquica organizacional do MTPE, abaixo da presidência
vem o conselho de governança (responsável por traçar diretrizes para as ações do
movimento). (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2011d). Dentre os ilustres
conselheiros, destaca-se Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna que, no dia 28
de abril de 2011, em regime de parceria com o MTPE lançou o site o site
www.paramelhoraroaprendizado.org.br.
O portal faz parte do projeto ‘Caminhos para melhorar o aprendizado’ que tem o objetivo de contribuir para a implementação de políticas públicas possíveis e positivamente impactantes
128
no aprendizado. O evento aconteceu no SESC Vila Mariana e contou com a apresentação da representante do Banco Mundial para programas educacionais na América Latina, Barbara
Bruns e o pesquisador Ricardo Paes de Barros, coordenador do projeto (MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO 2011e, p.1).
Essa interatividade entre o “MTPE”, o Instituto Ayrton Senna e as diretrizes
educacionais de organizações internacionais, como é o caso do Banco Mundial, dá-se em
função do compartilhamento de pesquisas nacionais e internacionais sobre as práticas
pedagógicas e modelos de gestão que deveriam ser adotadas nas escolas públicas brasileiras.
A sintonia entre as propostas do “Movimento Todos Pela Educação” (forte protagonismo
empresarial na definição das políticas públicas para a educação) e o Instituto Ayrton Senna se
dá na formulação de um receituário para se chegar à “qualidade”, focando-se nas metas
estabelecidas pelos empresários para a educação até 2022: o importante seria a certificação de
indivíduos, acabar com a “cultura da repetência” e “acelerar” os alunos que estariam com
idade avançada em relação à série cursada. Promover a aceleração de indivíduos defasados e
acabar com a “cultura da repetência” seria, antes de tudo, uma questão de economia de gastos
do Estado com a educação.
3.5 O Instituto Ayrton Senna e suas fontes de financiamento
Segundo seu sítio oficial, o IAS tem por principais fontes de financiamento as rendas
oriundas dos licenciamentos das marcas Senna, Seninha e da Imagem do piloto Ayrton Senna,
cujos royalties são totalmente doados pela família do piloto ao instituto. Além dessas fontes
de financiamento, o IAS divulga em seu sítio que recebe doações de pessoas físicas e
empresas com “responsabilidade social”, preocupadas com o Desenvolvimento Humano de
futuras gerações (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011c).
O Instituto Ayrton Senna possui parceiros sociais (empresas ou pessoas físicas que
financiam seus programas educacionais) e aliados (empresas ou grupo de empresários capazes
de mobilizar parcelas de empresariado com “responsabilidade social” para a captação de
recursos) que são fundamentais para proporcionar o suporte financeiro para o funcionamento
dessa ONG.
Um importante aliado do Instituto Ayrton Senna na captação de recursos junto aos
empresários com “responsabilidade social” é o LIDE – Grupo de Líderes Empresariais /
Desenvolvimento Humano que se define como um “grupo de líderes empresariais de
129
organizações de origem, porte e setores bastante distintos e que, no seu conjunto, representam
uma fração importante da economia nacional” (LIDE, 2011). A forma encontrada pelo grupo
LIDE para intervir na “questão social” que se apresenta no Brasil do século XXI foi a ação
conjunta de várias empresas no financiamento de ONGs voltadas para a educação em virtude
da complexidade e do tamanho do desafio a ser encarado na atenuação do crescimento da
“pobreza”. Por isso “a magnitude e a complexidade da questão social em nosso país
ultrapassam a capacidade de qualquer organização empresarial que se proponha a agir
isoladamente” (LIDE, 2011).
O grupo LIDE- Líderes Empresariais / Empresários pelo Desenvolvimento Humano
tem como grande desafio “trabalhar e lutar para que o mundo empresarial brasileiro ascenda a
um patamar inédito de participação proativa, construtiva e solidária de contribuição para o
enfrentamento do desafio social brasileiro”. (Ibid., p.1). Trata-se de se por em prática em novo
contrato social, onde a responsabilidade pelas mazelas sociais deve ser enfrentada por todos,
inclusive pelos empresários em colaboração com o Estado, visando conter a ameaça de quebra
do contrato social pela classe expropriadas dos meios de produção. Essas ideias vão ao
encontro de alguns dos ideólogos do “Neoliberalismo da Terceira Via”, dentre eles
destacamos Fukuyama (1996).
Nessa perspectiva de união de esforços para responder à “questão social” que se
apresenta como uma ameaça de ruptura social e, consequentemente de prejuízos da produção
econômica, o grupo LIDE defende um conceito de Aliança Social Estratégica que
[...] traduza o conceito de co-responsabilidade em que empresas, instituições públicas e
organizações do terceiro setor assumem o seu compromisso pelo futuro do país, visando o incremento e a busca de sinergia no desenvolvimento de ações voltadas ao desenvolvimento humano das novas gerações (LIDE, 2011. p.1).
O conceito de Aliança Social Estratégica que foi apresentado acima corrobora a
concepção de que o crescimento das “mazelas sociais” é antes de tudo um problema de todos
e deve ser enfrentado não só pelo Estado, mas também por empresários “socialmente
responsáveis” que atuariam no financiamento de instituições do chamado “Terceiro Setor”,
como é caso do Instituto Ayrton Senna. Financiar os programas educacionais do IAS é
entendido pelo grupo LIDE como resposta à “questão social”, pois o Instituto valorizaria o
pleno desenvolvimento humano dos jovens e adolescentes como pessoas produtivas, capazes
de desenvolverem seus potenciais em prol de sua ascensão econômica e social individual e
contribuição para uma sociedade mais proativa.
130
Os Programas educativos do Instituto Ayrton Senna são tecnologias sociais criadas, implementadas, avaliadas, sistematizadas e disseminadas por todo o Brasil. Com soluções
criativas, flexíveis, eficazes, aplicadas em escala, os Programas estão tornando possível a uma geração de crianças e jovens, dentro e fora da escola (na educação formal e na complementar) a redação da própria história como seres humanos capazes e plenos de potenciais. Estas tecnologias funcionam como ‘vacinas’ para os problemas que impedem o desenvolvimento humano do universo infanto-juvenil (LIDE, 2011, p.1).
O principal problema apontado pelo grupo LIDE para o Desenvolvimento Humano de
jovens e adolescentes seria a “má qualidade” da educação pública prestada pelo Estado. A
prova dessa “má qualidade” se refletiria nas altas taxas de repetência, o que traria como
consequências a distorção série-idade e o abandono escolar. A questão que está posta é, antes
de qualquer coisa, econômica: um aluno que repete vários anos gera mais custo para o Estado
e este repassa à sociedade civil através do aumento de impostos.
As crianças brasileiras conseguem entrar na escola. Porém, gastam mais tempo que o necessário para sair dela. O Brasil tem 34.438.000 crianças matriculadas de 1 a 8 a séries na rede pública de ensino; 7.438.000 estão fora da faixa etária adequada, de 7 a 14 anos. Em
média, estes alunos gastam 10,8 anos para concluir o ensino fundamental e apenas 3,4% terminam a 8 a série com 14 anos (LIDE, 2011, p.1).
A forma para combater esse grande problema seria a adoção dos programas de
aceleração da aprendizagem, destacadamente o programa educacional “Acelera Brasil”,
desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna desde 1997. É em torno desse argumento que o
grupo LIDE tem conseguido angariar recursos no meio empresarial, em seus diversos ramos,
para financiamento filantrópico dos programas educacionais desenvolvidos pelo Instituto
Ayrton Senna e adotados como políticas públicas em Estados e Municípios do Brasil.
Combater a defasagem escolar e fazer com que as crianças recuperem os anos perdidos em repetência é um dos maiores desafios do país. O movimento Grupo de Líderes Empresariais/Empresários pelo Desenvolvimento Humano, decidiu atacar o problema direto
na fonte – ou seja, na rede de ensino fundamental -, e foi buscar inspiração na experiência de trabalho bem-sucedida do Instituto Ayrton Senna. (Ibid., p.1).
Combater os males sociais, principalmente na educação, passa, também, por assumir
uma direção ideológica sobre o que se deve ensinar e problematizar nas escolas públicas. A
“responsabilidade social” vem acompanhada por investimentos em organizações do “Terceiro
Setor” que desenvolvem tecnologias de gestão alinhadas com a mesma visão ideológica
defendida pelas empresas filantropas.
Visão de que, mais do que financiar assistência a universos delimitados de destinatários, o importante é mobilizar recursos estruturais e intelectuais, como tecnologia de gestão de empreendimentos sociais, gerados a partir de ações conjuntas (LIDE, 2011, p.1).
131
O Instituto Ayrton Senna não menciona como fonte de renda a venda de material
didático às secretarias de educação e o financiamento de dinheiro público através da
celebração de parcerias público-privadas com prefeituras, governo estadual e federal. Dentre
os principais financiadores dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna, destacam-
se pessoas jurídicas com atuações em ramos de atividade diferenciados, conforme lista abaixo
de seus parceiros sociais (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011d):
a) Parceiros cinco estrelas:
Bradesco Capitalização, Credicard, LIDE-Educação, Nestlé.
b) Parceiros quatro estrelas:
Grupo HP, Itautec, Suzano Papel e Celulose.
c) Parceiros três estrelas:
Globo.com, Instituto Coca-Cola Brasil, Editora MOL, Droga Raia,
Copersucar – Açúcar e Etanol para um planeta sustentável, Renosa S/A
(empresa do Grupo Coca-Cola), JWT (ou J. W. Thompson) é uma agência
de publicidade multinacional, NC Energia – Grupo Neoenergia, Cosern –
Companhia Energética do Rio Grande do Norte, Coelba – Companhia de
Eletricidade do Estado da Bahia, Coelba – Companhia de Eletricidade do
Estado da Bahia, Celpe – Companhia Energética de Pernambuco.
d) Parceiros duas estrelas:
Grendene, Microsoft, Oracle, Nívea, Top Cau, Tecnol, Trousseaul, Proneer,
Umbigo do Mundo, Airis, Crystal Nordeste. O IAMAR – INSTITUTO
ALAIR MARTINS é uma instituição de natureza socioambiental,
cultural e educacional constituída sob a forma de associação civil, sem
fins econômicos e lucrativos, fundada em 08/06/2005, com a missão de
desenvolver o potencial de adolescentes e jovens para construir visões
do futuro e transformá-las em realidade por meio da Educação para o
Empreendedorismo, contribuindo para o seu crescimento nos campos
pessoal, social e produtivo e na promoção de uma cultura de
preservação ambiental, Hublot (famosa marca internacional de
relógios), Interbrilho S/A, representada pela marca Rodabrill (limpeza
132
automotiva e higiene de animais empresa com responsabilidade social e
ambiental), GUF Indústria Química e Farmacêutica S.A. (fabricante do
sabonete seninha), Minichamps, SennaStore, Avon.
e) Parceiros uma estrela:
Agropecuaria Schio, Alcatel-Lucent, Aloes Indústria, Apti Alimentos, Becker
& Mayer, Citale Brasil, Conecta, Divercenter, Editora Anotações, Galzerano,
Goodyear, IFA, Ind.Com.Cepera, Kalunga Com.Ind.Gráfica, Leading Hotéis,
Linka, Mexbras, Multiplus, Nortefrut, Petbril, Piziitoys, Republic Vix,
Shopping Cidade Jardim, Sid Mosca, Velocitá, Sanhidrel.
As empresas com “responsabilidade social”, acima citadas, como parceiras do Instituto
Ayrton Senna na captação de recursos, justificam a necessidade de adoção de um novo “pacto
social” cuja finalidade seja a promoção de uma educação voltada para o desenvolvimento
humano que prepare os indivíduos para enfrentar as dificuldades que o mercado de trabalho e
a sociedade da informação automática os impõem.
As diferentes gradações na parceria se devem à quantidade de recursos que um
parceiro investe diretamente ou atua como captador de recursos junto ao mundo empresarial,
em seus diversos ramos de atividades, visando o financiamento dos programas educacionais
do Instituto Ayrton Senna. Quanto maior a quantidade de recursos que uma empresa ou grupo
empresarial captador de recursos investe nos programas educacionais do instituto, mais
estrelas terá na relação de importância e “responsabilidade social” estabelecida pela ONG.
A filantropia empresarial que num primeiro olhar poderia parecer uma interessante
forma de suprimir as brechas sociais deixadas pelo Estado está inscrita no processo
metabólico do neoliberalismo para se manter hegemônico. Esse processo passaria pelo maior
protagonismo dos empresários com “responsabilidade social” atuando no financiamento às
organizações do “Terceiro Setor” para o atendimento pontual da “questão social” no lugar do
Estado através das parcerias público-privadas.
Aprofundando nossa reflexão, percebemos que o atendimento focalizado (pontual) da
“questão social” faz parte da ideologia do “Neoliberalismo da Terceira” para se manter
hegemônico. Dessa maneira, a filantropia empresarial teria por função manter a hegemonia
neoliberal sem que o sistema de produção capitalista como um todo corresse riscos de
rupturas sociais, devido às crescentes insatisfações com o esvaziamento da atuação do Estado
na área social, incorporando uma face mais humana ao capital.
133
A hegemonia do “Neoliberalismo da Terceira Via” se manteria com a participação de
intelectuais orgânicos capazes de difundir a importância do empresariado como mantenedor
de organizações do “Terceiro Setor” que atuariam prestando o serviço público de forma
pontual e focalizada nas camadas mais pobres da classe trabalhadora. Diante do exposto,
destacamos duas questões fundamentais a serem pensadas no que diz repeito à filantropia
empresarial: a agregação de valor às marcas das empresas filantrópicas e a questão da isenção
de impostos.
A empresa com “responsabilidade social” não deixa de ter a essência da busca pelo
lucro e a filantropia pode ser uma aliada no aumento das receitas de uma empresa. As
empresas que têm suas marcas associadas com ações filantrópicas de atendimento das ações
sociais tendem a ter maior aceitação dos consumidores, muito em função da forte ofensiva
propagandística dos meios de comunicação que atuam como aparelhos privados de hegemonia
e difusores de ideologia.
O outro ponto é a utilização da isenção de impostos como um instrumento de
desresponsabilização do capital na contribuição compulsória à medida que o Estado concede
incentivos fiscais às empresas filantrópicas e deixa de arrecadar diretamente os impostos. A
filantropia pode trazer sérios problemas para a universalização do atendimento do serviço
social, pois quem decide onde e como será investido o recurso filantrópico é o empresário
doador e não o Estado. Diante dessa constatação, o empresário filantrópico pode decidir
investir em programas educacionais que lhe proporcionarão maior visibilidade e alinhamento
ideológico da organização do “Terceiro Setor” que receberá o recurso e que presta o serviço
público.
3.6 Educação para o Desenvolvimento Humano
O foco do Instituto Ayrton Senna é a aplicação, em seus programas educacionais, das
noções de “responsabilidade pessoal” na construção de seu futuro, independentemente das
condições estruturais de como está organizada a sociedade e das crises conjunturais de oferta
do trabalho. O conceito de desenvolvimento humano adotado, no campo social, “corresponde
à expressão ‘desenvolvimento pessoal e social’, adotada pelo Instituto Ayrton Senna para
indicar seu compromisso com o desenvolvimento de potenciais das novas gerações como
visão e missão” (ANDRÉ; COSTA, 2004, p.25).
134
Antônio Carlos Gomes da Costa elaborou os Paradigmas do Desenvolvimento
Humano, tendo por base publicações do IPEA-EPNUD e na sua experiência e estudos sobre o
tema; dessa forma, procurou construir as concepções sustentadoras do Instituto Ayrton Senna
no que diz respeito ao Desenvolvimento Humano.
1) A vida é o mais básico e universal dos valores [...] 2) Nenhuma vida vale mais do que outra [...] 3) Toda pessoa nasce com potencial e tem direito de desenvolvê-la [...] 4) Para desenvolver seu potencial, as pessoas precisam de oportunidades[...] 5) O que uma pessoa se torna ao longo da vida depende de duas coisas: das oportunidades que teve e das escolhas que fez [...] 6) Além das oportunidades, as pessoas precisam ser preparadas para fazer escolhas [...] 7) Cada geração deve legar para as gerações vindouras um meio ambiente igual ou melhor do que recebido pelas gerações anteriores [...] 8) As pessoas, as organizações, as comunidades e as sociedades devem ser dotadas de poder de
participar nas decisões que as afetem [...] 9)A promoção e a defesa dos DIREITOS HUMANOS são o caminho para uma vida digna para todos [...]10) O exercício consciente da cidadania é a melhor forma de fazer os DIREITOS HUMANOS transitarem da intenção à realidade. Cidadania entendida como direito de ter direitos e dever de ter deveres; 11) A política do desenvolvimento deve basear-se em quatro pilares: liberdades democráticas, transformação produtiva, equidade social e sustentabilidade ambiental [...] 12) A ética necessária para por em prática o Paradigma do Desenvolvimento Humano é a Ética da co-responsabilidade [...] (ANDRÉ, COSTA,
2004, p. 26-27).
O Desenvolvimento Humano de um indivíduo passaria pelas escolhas que fez ao longo
de sua vida, tais como investimento em educação e treinamentos (“capital humano”); todavia,
uma pessoa só seria capaz de se desenvolver plenamente como ser produtivo apto a ocupar
um posto no mercado de trabalho caso tivesse as mesmas oportunidades de acesso a uma
educação de “qualidade” que os alunos das escolas privadas de “sucesso” teriam. O sucesso
estaria no desempenho das avaliações do INEP, o que por si só proporcionaria as mesmas
condições de concorrência por postos no mercado de trabalho. É a lógica da ideologia do
“Neoliberalismo da Terceira Via” de que se igualarmos os pontos de partida as diferenças se
dariam no desempenho individual (mérito).
Essa tese, além de reforçar que o “sucesso” só é capaz de ser alcançado dentro dos
limites do capital, desconsidera as condições sociais e históricas do indivíduo. Se, por
exemplo, um indivíduo tiver que entrar no mercado de trabalho prematuramente para ajudar
nas despesas de sua família, como concorrerá em pés de igualdade com os privilegiados na
distribuição da riqueza que poderão se concentrar apenas em estudar e se preparar para ocupar
os postos mais elevados no mercado de trabalho? Conforme Wood (2003), caso não haja
igualdade econômica, a cidadania baseada na igualdade política-jurídica legitimará as
desigualdades sociais sob a roupagem da suposta “igualdade de pontos de partida”.
Tatiana Filgueiras (Coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto
Ayrton Senna) afirma que o Instituto Ayrton Senna procura desenvolver seus programas
135
educacionais em consonância com as orientações da UNESCO para a realização de uma de
educação de “qualidade”. Para tanto, o Instituto desenvolveu os 12 itens citados anteriormente
e concentra-se em associá-los à promoção dos quatro pilares apontados pela UNESCO como
condição necessária para o pleno desenvolvimento das crianças: aprendera conhecer, aprender
a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
Aprender a SER você mesmo e construir o seu projeto de vida; Aprender a CONVIVER com as diferenças e com o meio em que vive, cultivando novas formas de participação social;
Aprender a FAZER atuando produtivamente para ingressar e permanecer no novo mundo do trabalho; Aprender a CONHECER apropriando-se dos próprios instrumentos de conhecimento e colocando-os a serviço do bem comum. (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011e, p. 1, grifos do autor).
As aprendizagens fundamentais definidas pelo relatório da UNESCO passaram a ser
adotadas em diversos países do mundo com o objetivo de se alcançar a “qualidade” na
educação. Conforme apresentação de Jorge Werthein, representante da UNESCO no Brasil,
do livro “Educação para o desenvolvimento humano”, a educação de “qualidade” passa por
um amplo envolvimento da sociedade civil “mediante uma política de alianças e parcerias”
(ANDRÉ, COSTA, 2004, p.9).
[...] fundamentada nos pilares do relatório de Delors, registra-se também o crescimento da participação da sociedade civil, com destaque para o setor empresarial que começou a organizar-se e dar forma ao que hoje chamamos de terceiro setor. (ANDRÉ, COSTA, 2004, p.9).
A concepção de desenvolvimento humano adotada pelo Instituto Ayrton Senna se
apóia numa necessidade de colaboração entre as 3 esferas da vida social: mercado, Estado,
organizações do “Terceiro Setor”. Essas três grandes esferas seriam independentes entre si e
corresponsáveis pelo desenvolvimento humano na garantia dos direitos humanos, da
diminuição das desigualdades sociais e na promoção do “processo de ampliação de
oportunidades e opções dadas a esses indivíduos para que ele possa de fato desenvolver seus
potenciais” (ANDRÉ, COSTA, 2004, p.14). Não poderíamos deixar de registrar o
protagonismo que o empresariado ganha na elaboração de concepções de mundo nessa
perspectiva de desenvolvimento humano proposto pela UNESCO.
Viviane Senna, presidenta do IAS, afirma que no campo educacional os quatro Pilares
da Educação para o século 21, desenvolvidos por Delors para UNESCO, possibilitam ao
Instituto empreender programas educacionais que tenham por norte o desenvolvimento dos
indicadores, competências e habilidades que são exigidas pelo mercado de trabalho,
136
possibilitando equidade no acesso ao conhecimento e, por conseguinte, “igualdades de
oportunidades”.
[...] grande balizador pedagógico do instituto foram os Quatro Pilares da Educação para o Século 21. O desafio do Instituto Ayrton Senna, aqui, consistiu em partindo da descrição um tanto genérica dos grandes campos de aprendizagem, chegar à definição de competências, atitudes e habilidades e à construção de um conjunto de indicadores capazes de dar conta de
sua mensuração (ANDRÉ, COSTA, 2004, p.14).
O comprometimento teórico, didático e metodológico do Instituto Ayrton Senna com
as diretrizes estabelecidas pela UNESCO para a educação possibilitou ao Instituto a conquista
da “Cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano, por ser uma referência mundial nessa
área como um centro de reflexão, de pesquisa e de produção de conhecimento. O título é
inédito para organizações não governamentais” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011e).
Com a conquista da referida Cátedra, o Instituto Ayrton Senna troca informações com outras
instituições ligadas à UNESCO e que atuam na área de educação, desenvolvimento humano,
pesquisa e intervenção social, trazendo experiências vivenciadas em outros países.
Assim, a meta “aprender a ser”, estabelecida pela UNESCO, tem por objetivo fornecer
aos cidadãos o discernimento necessário para que compreendam seus talentos e que são
senhores de seu destino, não importando as crises estruturais ou conjunturais da sociedade em
que estão inseridos. É a elaboração de um novo “pacto social”, onde os indivíduos são
responsáveis pelo seu futuro e não meras vítimas do acaso ou dos condicionantes sociais, e a
construção do futuro passa pela capacidade de iniciativa de cada um, não esperando
passivamente do Estado uma resposta para as questões sociais.
Jacques Delors, afirma que esse imperativo (“Aprender a Ser”) não é individualista,
mas pelo contrário é um importante motor para o desenvolvimento tecnológico de uma
sociedade à medida que “a diversidade das personalidades, a autonomia e o espírito de
iniciativa, até mesmo o gosto pela provocação, são os suportes da criatividade e da inovação”.
(DELORS, 1999, p. 89-102, passim). O que nos chama a atenção é o fato de Delors, no
mesmo texto, identificar a necessidade de se dar uma maior ênfase aos aspectos culturais do
que os aspectos utilitaristas que, segundo o autor, têm sido o foco da educação de muitos
países; entretanto, a preocupação de Delors com o desenvolvimento tecnológico revela que os
aspectos utilitaristas ganham peso nessa meta à medida que focam no espírito de iniciativa
(empreendedorismo), a necessidade dos indivíduos se adaptarem a um novo pacto social e
uma nova forma de viver e perceber o mundo do trabalho (flexibilização dos vínculos
trabalhistas para inserção no mercado de trabalho).
137
A segunda meta (“Aprender a Conviver”) está relacionada ao convívio com outros
seres vivos e novas formas de participação social. “Aprender a Conviver” representa uma
nova leitura do mundo pela humanidade à medida que o equilíbrio biológico e social do
planeta depende de ações de indivíduos preparados e conscientes de seu dever de atenuar as
rivalidades históricas entre as nações e as desigualdades sociais que, com o fim do socialismo
real, nos termos de Fukuyama (1996), seriam consideradas muito mais como desigualdades
culturais. Uma ruptura social provocada pelo descontentamento dos menos favorecidos
economicamente colocaria em risco a própria existência humana, uma vez que o ódio contra
os mais favorecidos desencadearia a violência generalizada e impediria o desenvolvimento
científico.
A solidariedade, neste contexto, ganha papel central como nova forma de participação
social dos indivíduos, pois além da responsabilidade pessoal de cada um na definição de seu
futuro; os indivíduos também são co-responsáveis por atenuar os sofrimentos da classe social
menos favorecida economicamente, seja através da doação de tempo aos projetos sociais
desenvolvidos em áreas pobres, seja através da doação de dinheiro para esses projetos. É
importante destacar que o indivíduo solidário, que possui atuação em projetos sociais, é visto
de forma diferenciada por uma parcela significativa de empresários quando concorre a uma
vaga no mercado de trabalho, pois há uma tendência mundial de associação da imagem das
“empresas socialmente responsáveis” com a imagem de funcionários, também, com
“responsabilidade social”. O funcionário refletiria a imagem da empresa.
A “responsabilidade social”, tanto do empregado quanto do empregador, faz a roda da
solidariedade e do espírito humanitário girar e gerar “capital social”, o que é fundamental para
atenuar a tensão existente entre as classes sociais e impedir uma ruptura social, o que levaria a
uma frenagem do desenvolvimento tecnológico da humanidade.
Graças a prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através de experiência e do prazer do esforço comum! A educação formal deve, pois, reservar tempo e ocasiões suficientes em seus programas para iniciar os jovens em projetos de cooperação, logo desde a infância, no campo das atividades desportivas e culturais, evidentemente, mas também estimulando a sua participação em atividades sociais: renovação de bairros, ajuda aos mais desfavorecidos,
ações humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações [...] (DELORS, 1999, p. 89-102, passim).
Percebemos nessa meta o incentivo à aquisição de “capital social” como fator
compensatório às desvantagens econômicas de determinados grupos e isso seria positivo,
ajudaria indivíduos sem “proteção social” a adquirirem “capital humano”. Esse movimento de
solidariedade seria muito bom não apenas para o indivíduo isoladamente, mas para toda a
138
sociedade, pois proporcionaria ganhos individuais e ascensão social àqueles que se
encontravam em situação de desvantagem econômica45
. É “capital social” atualizando a noção
de “capital humano” proposto entre as décadas de 1950-70 baseado no trinômio educação-
treinamento-produtividade, onde o sistema capitalista (em metabolismo nos últimos 40 anos)
não foi capaz de cumprir a promessa de inserção aos diplomados (GENTILI, 2002). Esse
requinte de solidariedade agregado ao “capital humano” poderia se constituir num diferencial
competitivo por um lugar no mercado.
A meta “Aprender a Fazer” conjuga uma gama de competências necessárias para
serem adquiridas por um indivíduo a fim de se adaptar às diferentes situações do mercado de
trabalho. A questão central é de como fazer um aluno por em prática os conhecimentos
adquiridos na educação formal e transportá-los para o mundo do trabalho de forma a se
adaptar às novas exigências de “flexibilidade”, capacidade de iniciativa,
“empreendedorismo”, “qualidade total” e dinamismo da economia informal, principalmente
dos países em desenvolvimento, propiciada pelo grande crescimento do setor de serviços.
Diante dessas novas exigências, as qualidades buscadas pelos empregadores no futuro
empregado vão além dos conhecimentos técnicos relacionados à atividade material em si. A
ideia de esse pilar incorporado pelo Instituto Ayrton Senna é criar uma atmosfera legitimadora
da precariedade das relações trabalhistas, do risco do desemprego como algo positivo, pois
desencadearia o espírito de inovação e o “empreendedorismo”, que dariam uma nova
roupagem à noção de “capital humano” baseada em educação-treinamento-produtividade e
“capital social”.
Os empregadores substituem, cada vez mais, a exigência de uma qualificação ainda muito ligada, de seu ver, à idéia de competência material, pela exigência de uma competência que se apresenta como uma espécie de coquetel individual, combinando a qualificação, em sentido
estrito, adquirida pela formação técnica e profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco [...] Noutros países em desenvolvimento existe, ao lado da agricultura e de um reduzido setor formal, um setor de economia ao mesmo tempo moderno e informal, por vezes bastante dinâmico, à base de artesanato, de comercio e de finanças que revela a existência de uma capacidade empreendedora bem adaptada às condições locais (DELORS, 1999, p. 89-102, passim).
Por fim, a meta “Aprender a Conhecer” se refere aos conhecimentos adquiridos ao
longo de toda a vida, contribuindo para a formação de um conhecimento geral essencial para
o enfrentamento das novas dificuldades impostas pela vida moderna através do estímulo à
criatividade e ao pensamento científico que abarque áreas diferentes do conhecimento.
45
Nossas anotações de aula da professora Drª Vânia Cardoso da Motta no grupo de estudos coordenado pelo professor Dr.
Roberto Leher na Universidade Federal do Rio de Janeiro em outubro de 2010.
139
Dentro dessa meta (“Aprender a Conhecer”), ganha destaque uma nova qualidade
(“Aprender a Aprender”) importante para o homem do século XXI superar as dificuldades e
se adaptar às novas realidades do mundo do trabalho. “Aprender a Aprender” é a qualidade
que o homem deve ter em saber utilizar os conhecimentos adquiridos ao longo da vida em
favor de seu futuro pessoal e profissional, uma vez que é o principal responsável pela
construção de seu futuro e da sociedade em que está inserido. Esse ethos que legitima a
responsabilidade individual, a nosso ver, é mais uma forma de o “Neoliberalismo da Terceira
Via” desresponsabilizar o Estado de sua atuação no ataque à questão social e intensificar a
hegemonia em torno da inevitabilidade da obtenção do “sucesso” profissional apenas dentro
dos limites do capital.
As metas apresentadas acima são as “vias para o desenvolvimento humano” que de
alguma forma deve ser medido por avaliações estruturadas por organismos internacionais
como a UNESCO, OCDE, PREAL e pelo próprio Banco Mundial. No item a seguir
apresentaremos a relação da avaliação com o momento vivido no sistema capitalista mundial
no que concerne à necessidade de o indivíduo adquirir “capital humano repaginado por capital
social” e o Estado gastar o mínimo possível com a “questão social”.
3.7 Influências Externas na construção do consenso da identificação da educação de
“qualidade”: correção do fluxo escolar, política de premiações por mérito,
uniformização das avaliações
É importante frisarmos, mais uma vez, que a burguesia nacional não recebe
passivamente os documentos emitidos pelos organismos internacionais que dão as diretrizes
para a educação no Brasil. Esses documentos são postos em prática pela burguesia nacional
ressignificados em função das correlações de forças. Por exemplo, a proposta de bonificações
aos professores que melhoram o IDEB das escolas estimulada pelo Banco Mundial tem sido
fortemente combatida pelo Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de
Janeiro (BANCO MUNDIAL, 2010).
A preocupação em atingir as metas nas avaliações promovidas pelo INEP em língua
portuguesa e matemática garantiu ao Brasil papel de destaque em relatório apresentado pelo
Banco Mundial em dezembro de 2010, pois apresenta o país como sendo um dos que mais
evoluíram no quesito universalização do ensino fundamental e aumento da cobertura do
140
ensino médio. Mas o que ganhou maior realce no relatório foi o fato do país ter dado
continuidade às políticas públicas implementadas, desde 1995, no momento da
(contra)Reforma Gerencial. Essas avaliações objetivas de língua portuguesa e matemática
“revelam” que o Brasil tem se tornado um líder global, se comparado aos países da América
Latina e Ásia membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico) no monitoramento do desempenho educacional, destacadamente com a criação
do SAEB e do IDEB (BANCO MUNDIAL, 2010).
O Brasil teria conseguido diminuir o tempo de cada aluno na escola para a conclusão
do ensino básico em um ano, contudo, os índices ainda eram baixos se comparados a outros
países da América Latina e com a China. Portanto, programas de aceleração da aprendizagem
(principalmente o “Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna) não só estariam ajudando o
país a diminuir o tempo de permanência do aluno na escola, como estaria reduzindo o custo
desse aluno para o Estado e aumentando o nível de escolaridade do futuro trabalhador (o que
não se refletiria em maiores salários e ascensão social). Enfim, a mudança mais radical não
seria o acesso ao ensino fundamental, mas a promoção de série ao invés da repetência. E essa
mudança proporcionou ao Brasil um salto de “qualidade” no ensino básico, segundo o
relatório citado acima.
Ainda de acordo com o estudo apresentado pelo Banco Mundial (BANCO
MUNDIAL, 2010), a receita para se obter uma educação de “qualidade” passaria por uma
ampla reforma que privilegiasse o sistema de bônus para os professores “realmente
comprometidos” com os resultados nas avaliações padronizadas promovidas em âmbito
federal, estadual e municipal, cuja metodologia e inspiração estão pressentes nos preceitos do
Banco Mundial sobre a concepção de uma “boa” educação.
A melhoria da qualidade dos professores no Brasil exigirá o recrutamento de indivíduos de mais alta capacidade, o apoio ao melhoramento contínuo da prática, e a recompensa pelo desempenho. Tanto o governo federal quanto alguns governos estaduais e locais já iniciaram reformas nessas áreas, com programas de bônus para professores nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo e no município do Rio de Janeiro. Com o apoio da equipe de educação do Banco Mundial, esses sistemas escolares também estão usando métodos padronizados de observação em sala de aula desenvolvidos nos países da OCDE para olhar dentro da “caixa-preta” da sala de aula e identificar quais são os exemplos de boas práticas de
professores que podem ancorar os seus programas de desenvolvimento profissional. Em Minas Gerais, Pernambuco e no município do Rio de Janeiro, dados mostram que enquanto a norma da OCDE para cada hora de instrução usada eficazmente com atividades de aprendizagem é de 85 por cento, nenhum dos sistemas brasileiros estudados passa de 66 por cento (BANCO MUNDIAL, 2010, p. 5).
O Banco Mundial continua ditando as normas do que seria uma educação de
“qualidade” na promoção do desenvolvimento econômico de um país. Em documento
141
apresentado pelo Banco Mundial, em 12 de abril de 2011, para discussão sobre estratégias
para a educação até 2020 (WORLD BANK, 2011), a “noção de capital humano
rejuvenescido” ganha destaque (como um investimento em indivíduos que se qualificam
constantemente para enfrentar os novos desafios do mercado de trabalho, tais como a
capacidade de se autoempregar, a flexibilização das relações trabalhistas e a aquisição de um
“estoque” de capital social) associada a uma ideia de crescimento produtivo (econômico). O
treinamento dos alunos, prioritariamente da educação básica, para os testes envolvendo a
língua nacional e noções de cálculo matemático se destacam como fatores que podem elevar o
patamar de desenvolvimento de uma educação de “qualidade” através dos indicadores do que
deve ser apreendido estabelecido por organizações internacionais com experiência em gestão,
como é o caso do Banco Mundial.
Adquirir “capital humano rejuvenescido” pelas noções de “capital social”,
“empreendedorismo” e “flexibilidade” seria fundamental para o indivíduo melhorar sua
condição financeira e ascensão social, o que melhoraria as condições de vida da sua família e
da nação com um todo com a diminuição da pobreza e do risco de uma ruptura social por
parte dos menos favorecidos na distribuição da riqueza gerada.
Education improves the quality of people‘s lives in ways that transcend benefits to
the individual and the family, including the benefits of economic prosperity and less
poverty and deprivation […] (WORLD BANK, 2011, p.1).
A idealização dos indivíduos nesses documentos orientadores emitidos por
organizações internacionais sedimentam a ideia de que teriam um tempo determinado para
concluir a educação básica, o que fundamenta as bases do programa de aceleração da
aprendizagem do Instituto Ayrton Senna defensor da tese de que o aluno não dá certo porque
o professor não foi suficientemente capaz de utilizar os materiais didáticos e nem aplicar a
metodologia com eficiência (OLIVEIRA, 2005, p. 76), ou seja, independentemente de
qualquer coisa, todos os alunos teriam o mesmo tempo de aprendizagem. Portanto, o
professor (que é o mesmo que está na rede pública) ao seguir a cartilha metodológica e o
material didático deveria receber bonificações pelo seu trabalho, pois contribuiu para a
otimização dos recursos públicos ao diminuir o tempo de permanência dos alunos na escola.
Essa prática de acelerar os alunos considerados defasados, mesmo que por um único
dia, são incluídos no “Programa Acelera Brasil” no município do Rio de Janeiro e a política
de bonificações defendida pelo Banco Mundial está em voga no município, condicionada aos
resultados obtidos no IDEB.
142
3.8 Penetração do Instituto Ayrton Senna na sociedade política
Da mesma forma que atua como importante articulador de grupos empresariais da
sociedade civil, como é o caso do “Movimento Todos pela Educação”, o Instituto Ayrton
Senna cresce em influência nas esferas governamentais, destacadamente na Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e no Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (CDES), representado através na figura de sua presidenta Viviane Senna.
Dentro dessa perspectiva de participação empresarial no enfrentamento da “questão
social”, a agenda “Pós-Neoliberal”46
teria por desafios conciliar a estabilização econômica
com a redução dos descontentamentos em função da redução de políticas sociais. Eli Diniz e
Renato Boschi (2007, p.10) atuando como intelectuais orgânicos difusores da ideologia
neoliberal da “Terceira Via” (ou agenda Pós-Neoliberal, assim por eles definida) identificam
que havia uma grande preocupação dos empresários brasileiros com a chegada de Lula ao
governo em 2003. A grande preocupação dos empresários se daria principalmente pelo fato da
agenda neoliberal ter esgotado sua capacidade de se manter hegemônica e pela desconfiança
da capacidade do grupo hegemônico liderado por Lula da Silva em conseguir congregar a
manutenção da estabilidade econômica com a “Nova Agenda Pós-Neoliberal” que era
“definida por uma preocupação com a retomada do crescimento, sob a égide do
desenvolvimento no qual as políticas sociais assumem papel estratégico”.
O governo Lula da Silva não decepcionou o empresariado brasileiro que, ao contrário
do que pensava e esperava parte considerável da sociedade civil, passou a ter papel
preponderante na definição de políticas públicas, inclusive na área social. O empresariado
passou a ter maior protagonismo em áreas decisórias, o que incluía não apenas no Congresso
Nacional, mas também nos Conselhos e Comissões econômicas, como o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), porém,
sem a tutela estatal e em sintonia com um discurso favorável do mercado sobre a política. Observa-se, portanto, certa mudança de lógica de ação coletiva do empresariado em direção a uma estratégia política de independência, porém sem isolamento do ator-empresário, mas, ao contrário, estreitando os vínculos e redefinindo alianças com os centros de poder (DINIZ; BOSCHI, 2007, p.95).
46 A chamada “agenda Pós-Neoliberal” é identificada por nós ao longo desse trabalho como “Neoliberalismo da Terceira Via”. Para maiores aprofundamentos da preocupação do empresariado no estabelecimento da “Agenda Pós-Neoliberal” para
o desenvolvimento brasileiro. Cf. Diniz e Boschi (2007).
143
O diálogo dos empresários com o governo se transformou num ponto importante na
construção de alianças empresário-governo. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social funcionaria como um órgão gerador de consenso com a finalidade de traças as
diretrizes a serem seguidas por áreas diferentes do governo. Observando sua composição,
percebemos que a maior parte dos membros do conselho até 2010 (fim do governo Lula da
Silva) é composta de empresários ou membros de ONGs que indiretamente tem algum tipo de
vinculação ideológica com as empresas filantrópicas que as patrocinam.
Esse estabelecimento de alianças do empresariado com o governo é identificado por
Maria Célia Paoli (2003) como um movimento de aproximação da filantropia empresarial
com a noção de uma cidadania estruturada na neutralidade ideológica e na convicção de que a
união de esforços seria fundamental para a garantia da harmonia e paz social no combate à
pobreza. Sob o argumento que o consenso diretor para as políticas públicas teria sido
construído no CDES (que supostamente teria representantes de diversos ramos da sociedade
civil), o empresariado “socialmente responsável” aponta para a harmonia existente nos
diferentes aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil, ocultando a “exclusão social”
como fruto das políticas públicas desenvolvidas pelo governo de orientação neoliberal.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) foi fundado em 2003
com o objetivo da criação de um “novo pacto social” buscando dar voz aos atores de
diferentes segmentos da sociedade civil como empresariado, movimentos sociais,
organizações do “Terceiro Setor” para debater os temas centrais que colocariam o Brasil na
rota do desenvolvimento econômico associado com maior distribuição de renda.
O Conselho é um órgão majoritariamente da sociedade civil, de caráter consultivo da Presidência da República, que relaciona o Executivo com distintas representações do empresariado, do terceiro setor, dos movimentos sociais e do mundo do trabalho. O Conselho
buscará propor políticas específicas e concertar ações sobre temas relevantes, para remover os entraves administrativos, legais e financeiros, para o desenvolvimento econômico e social do país (Brasil, 2008, p. 1).
O CDES é composto por 102 membros, sendo 90 da sociedade civil e 12 ministros e
poderá definir grupos Temáticos Permanentes ou Especiais. Os grupos temáticos sobre a
educação, que foram constituídos desde a fundação do CDES, seguiram na direção de
entender a educação como um importante veículo de mobilidade social à medida que
possibilita ao indivíduo acumular “capital humano”, como um importante fator de
competitividade no processo de desenvolvimento econômico do Brasil e de igualdade de
oportunidades no acesso e conclusão da educação básica (BRASIL, 2007).
144
Adotar a equidade como o critério a presidir toda e qualquer decisão dos poderes públicos. (...) Ampliar substancialmente a escolaridade média da população brasileira, com ênfase na
universalização do acesso e conclusão da educação básica (do infantil ao médio) abrindo possibilidades para a profissionalizante, mediante o estabelecimento de metas anuais progressivas de qualidade do ensino, submetidas a rigoroso processo de avaliação e amplo controle da sociedade e a implementação de ações que incidam sobre: a valorização do magistério (formação e remuneração); a transformação da escola em espaço físico atrativo (infra-estrutura, equipamentos); a promoção da inclusão digital, e a equalização das condições de permanência e rendimento escolar de alunos socialmente desfavorecidos (BRASIL, 2007, p. 23).
O programa de aceleração da aprendizagem do Instituto Ayrton Senna (que se vê
representado no CDES por sua presidenta Viviane Senna) identifica que o processo de
avaliação continua, conforme citado acima, permitiria à população brasileira ter um controle
efetivo sobre a “qualidade” da educação oferecida, principalmente, aos menos favorecidos na
distribuição da riqueza. A partir da cultura da avaliação em escala, poder-se-ia equalizar os
pontos de partidas no que tange à “qualidade da educação”, o que permitiria aos indivíduos
exercerem um dos direitos básicos da noção de cidadania: conclusão do ensino fundamental e
ingresso no ensino médio.
Um dos debates que o CDES influenciou decisivamente na ratificação do consenso em
torno da necessidade do estabelecimento de parcerias público-privadas se deu no Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE). Dentre essas parcerias, estão as que foram celebradas
pelo Instituto Ayrton Senna que se tronou referência até mesmo para a UNESCO na prestação
de serviços públicos na área educacional por organizações do “Terceiro Setor”.
[...] o PDE incorpora um dos principais consensos do CDES, qual seja a priorização da Educação como estruturante para o desenvolvimento, demandando articulação com outras políticas públicas e a responsabilização compartilhada entre governos e iniciativa privada (BRASIL, 2008, p.1).
Observando a composição do CDES percebemos que dos cento e dois conselheiros,
doze são ministros ligados à Presidência da República, contudo, dos noventa restantes, metade
deles são empresários de ramos de atividades diversificados. A outra metade esta dividida
entre pessoas ligadas aos seguintes setores da sociedade civil: movimentos sociais, entidades
do “Terceiro Setor” e personalidades do meio artístico-intelectual (BRASIL, 2007).
Muitos dos conselheiros do ramo empresarial e personalidades formadoras de opinião
vinculadas a organizações do “Terceiro Setor” estão ligados ao “Movimento Brasil
Competitivo”, ao “Movimento Todos pela Educação” e ao “Instituto Ayrton Senna”.
Podemos indicar pelo menos três conselheiros que se destacam na formulação de debates
envolvendo a educação: Viviane Senna (presidenta do Instituto Ayrton Senna), Jorge Gerdau
e Abílio Diniz (Empresários Cofundadores do “Movimento Todos Pela Educação”).
145
Tanto o MBC quanto o MTPE dão ênfase à educação como meio de promover mais
rapidamente o desenvolvimento econômico de um país através do investimento em mão de
obra qualificada. Para tanto, organizações do chamado “Terceiro Setor”, como o Instituto
Ayrton Senna, seriam o braço operativo dentro das escolas públicas proporcionando uma
educação de “qualidade” aos menos favorecidos na distribuição da riqueza e promovendo a
“equidade de oportunidades”.
Como o CDES não é nosso objeto de estudo específico, nos concentramos nos
documentos produzidos por seus conselheiros visando o desenvolvimento econômico e social
do país com centralidade na educação. Destacamos a 5ª Carta de Concertação (dezembro de
2003) que objetivava produzir uma “Agenda Nacional para o Desenvolvimento” através da
construção do consenso em torno da necessidade de se estabelecer Parcerias Público-Privadas
(PPPs) na execução de serviços públicos, o que veio a se materializar na lei 11.079/2004, que
caminhava na direção das leis de criação das OS’s (9.637/87) e OSCIP’S (9.790/99),
permitindo às organizações privadas do “Terceiro Setor” a execução do serviço público.
[...] deve caber também à própria sociedade assumir, mesmo que parcialmente, os
compromissos da agenda social. Muitas empresas já têm consciência de suas responsabilidades sociais, investindo em educação, meio ambiente, cultura e outros setores [...] Parte do desafio de hoje consiste em formar uma nova parceria, sem que o Estado se aliene das tarefas públicas. Em tal parceria, os investimentos requeridos pela sociedade, seja no campo da produção, seja nas áreas sociais ou de infraestrutura, devem ser de responsabilidade conjunta entre o governo e as empresas. E o advento da PPP (parceria público-privada) parece ser um bom caminho nesse sentido (BRASIL, 2003, p.1).
Uma recente parceria estabelecida pelo Estado com o Instituto Ayrton Senna foi a
celebrada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), ligada à presidência da República,
com o Instituto Ayrton Senna e o Movimento Todos pela Educação. Nessa parceria o
Ministro Moreira Franco (responsável pela SAE) ressaltou que o poder público necessita
dessas parcerias para construir uma sociedade melhor, nos moldes do referencial cidadão-
cliente implementado na Reforma Gerencial de Estado. O site “Caminhos para melhorar o
aprendizado” criado pelo Instituto Ayrton Senna, com apoio técnico em financeiro do
“Movimento Todos Pela Educação”, agora, contará com o a SAE para obter
[...] cooperação técnica e apoio para manutenção e atualização do site ‘Caminhos para melhorar o aprendizado’ e avaliação dos programas de educação nas escolas, originários do
Instituto Ayrton Senna são ações do IAS que passam a contar com o apoio da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República – SAE (GOUVEIA, 2011, p.1).
No site “Caminhos para melhorar o aprendizado”, o Instituto Ayrton Senna juntamente
com o MTPE “buscou reunir, sistematizar e compilar a literatura científica nacional e
146
internacional referente ao impacto de diversas variáveis relacionadas ao dia a dia das escolas e
das secretarias de educação sobre o aprendizado do aluno” (GOUVEIA, 2011, p.1). As
referências internacionais na busca pelo padrão de “qualidade” passam pela correção de fluxo
e ataque à repetência como os grandes vilões da “realidade” da educação pública de “má
qualidade” o que geraria a falta de equidade de oportunidades, conforme salienta Viviane
Senna em seu discurso na assinatura da parceria47
.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos inclusive passará a avaliar comparativamente as
secretarias de educação que adotam algum programa educacional do Instituto Ayrton Senna
com as que não adotam nenhum programa do Instituto, pois, segundo o secretário Ricardo
Paes de Barros, da subsecretaria de Assuntos Estratégicos da SAE, o Instituto Ayrton Senna
tem sido fundamental para discutir os grandes problemas envolvendo o país e tem se tornado
referencia no quesito “qualidade” na prestação de serviços educacionais48
.
A SAE também vai ajudar na avaliação do impacto dos programas desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna nas escolas, comparando o desempenho dos alunos dos municípios beneficiados por essas ações com outros, com características semelhantes, que não recebem nenhum programa do IAS (GOUVEIA, 2011, p.1).
Segundo o Ministro da SAE (Moreira Franco), avaliar e analisar os programas
educacionais que o Instituto Ayrton Senna desenvolve é fundamental para pensar as políticas
públicas voltadas para uma educação de “qualidade”. A SAE tem dedicado especial atenção a
congressos e discussões promovidas pelo Instituto Ayrton Senna e pelo MTPE sobre a
“qualidade” na educação pública, visando à propositura de políticas públicas focadas em
resultados “objetivos”, tais como “indicadores educacionais”, por meio de avaliações
“eficientes” que realmente identificam se um aluno detém ou não as competências básicas
esperadas, nos moldes das avaliações promovidas pelo INEP.
O Congresso Internacional ‘Educação: uma Agenda Urgente’ reuniu representantes49 das áreas educacional, acadêmica e política, além da sociedade civil, para debater importantes
temas da educação que possam ajudar o país a avançar em seus indicadores educacionais, por meio de políticas públicas mais direcionadas e eficientes (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2011b, p.1).
47 Cf. discurso de Viviane Senna na assinatura da parceria com a SAE em 28 de setembro de 2011. (GOUVEIA, 2011) 48 Discurso do secretário Ricardo Paes de Barros, da subsecretaria de Assuntos Estratégicos da SAE no ato da assinatura da parceria com o Instituto Ayrton Senna. (GOUVEIA, Ibid.,)
49 Cf. discurso do secretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Ricardo Paes de Barros na abertura do Congresso Internacional “Educação: uma Agenda Urgente”, promovido pelo movimento Todos pela Educação. (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2011b).
147
Essa parceria estabelecida pelo IAS e o Movimento Todos pela Educação com a SAE
já colhe seus primeiros frutos: estudos realizados pelo projeto “Caminho para Melhorar o
Aprendizado” que têm servido de subsídio para as ações a serem adotadas nas políticas
públicas na área educacional. Dois estudos têm servido de base para a SAE pensar as políticas
públicas voltadas para a educação: a “qualidade” dos professores e a quantidade de alunos por
turma.
Alunos que estudam com um professor que está entre os 20% melhores, durante um ano,
podem aprender 68% a mais do que aqueles que frequentam aulas de docentes que estão entre
os 20% piores. Esse é um dos resultados do estudo ‘Caminhos para Melhorar o Aprendizado’,
fruto de uma parceria entre a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
(SAE), o Instituto Ayrton Senna e o movimento Todos pela Educação. A pesquisa, que visa
subsidiar a elaboração de políticas públicas voltadas à promoção do aprendizado em escolas e
sistemas educacionais brasileiros [...] Também é possível perceber que há evidências
científicas de que a redução do tamanho da turma tem impacto profundo na proficiência dos
alunos. Uma turma com 15 alunos tem um aprendizado 44% maior do que se estivesse em
uma sala com 22 alunos (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2011a, p.1,
grifo do autor).
Esse entendimento em torno da necessidade da diminuição da quantidade de alunos
por turma é uma demanda das bases que vem sendo discutida desde a década de 1980 com o
fim da ditadura militar e a efervescência de projetos societários. O Instituto Ayrton Senna em
seus programas educacionais exige do ente público contratante que as turmas tenham poucos
alunos para que o trabalho pedagógico seja bem desenvolvido. O que nos chama a atenção
nesse caso é o fato das demandas das bases na luta contra a superlotação das turmas das
escolas públicas não são atendidas pelos governos de orientação neoliberal, mas quando a
exigência é feita por uma ONG, com a influência de seus parceiros filantrópicos, tudo muda.
Um bom exemplo é o que ocorre nas escolas públicas municipais do Rio de Janeiro que
adotaram o “Programa Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna.
Além da forte presença nas macropolíticas definidoras de políticas públicas voltadas
para a educação, o Instituto Ayrton Senna (contando com o auxílio do MTPE) também se faz
presente na sociedade política através da celebração de parcerias público-privadas com
secretarias municipais e estaduais de educação por todo o país. É nesse ponto específico que
situamos nosso objeto de interesse: a parceria estabelecida com a Secretaria Municipal de
Educação da cidade do Rio de Janeiro, que é a maior “rede de ensino público da América
148
Latina com 1068 escolas” (RIO DE JANEIRO, 2012, p.1), na prestação do serviço de
aceleração da aprendizagem.
3.9 Considerações preliminares
O que podemos extrair dessas análises é que a avaliação tem sido um elemento
balizador para os ideólogos do neoliberalismo na construção e difusão do consenso em torno
da ineficiência do Estado na administração da escola pública. Nessa direção, são criadas
avaliações planificadoras partindo do governo federal, cujo propósito (em tese) seria “levar
cidadania” a todos os brasileiros através “equalização” da “qualidade” da educação oferecida
nos diferentes cantos do Brasil.
À primeira vista, as avaliações do INEP “revelariam” a “realidade” da educação
pública brasileira: a negação da educação de “qualidade” aos cidadãos-clientes (entendida
como um dos direitos agrupados em torno da noção de cidadania). Portanto, as avaliações
promovidas pelo INEP seriam reveladoras daqueles que necessitariam “receber” cidadania,
pois o Estado ao não oferecer uma educação de “qualidade” estaria negando esse direito aos
indivíduos.
É nessa constatação da ineficiência do Estado, medido pelas avaliações promovidas
pelo INEP, que a direção intelectual e moral das escolas públicas deveriam passar para as
mãos de quem sabe administrar: os empresários. Contudo, esses empresários teriam atuação
de bastidores, pois atuariam como agentes filantrópicos das organizações do “Terceiro Setor”
prestadoras do serviço público educacional que coadunassem com sua forma particularista de
ver o mundo. É nesse sentido que os empresários se organizam em movimentos como MBC e
MTPE procurando operacionalizar seus ideais fabris dentro das escolas públicas: formar mão
de obra para o trabalho simples a fim de tornar o Brasil mais competitivo na divisão
internacional do trabalho.
Dessa forma, o Instituto Ayrton Senna é visto como parceiro ideal desses movimentos
empresariais à medida que incorpora os quatro pilares da UNESCO para a educação do século
XXI: “aprender a ser”, “aprender a fazer”, “aprender a conviver” e “aprender a conhecer”.
Esses pilares, cujo propósito seria promover o “Desenvolvimento Humano” dos indivíduos
em seus potenciais para entrada no mercado de trabalho e adaptação aos novos tempos de
crise.
149
A noção de “capital humano rejuvenescido” pela noção de “capital social” ganha
corpo no pilar “Aprender a Conviver” à medida que a formação de indivíduos dóceis,
solidários, é apontada como uma forma de minorar as desigualdades econômicas ao
proporcionar oportunidades aos indivíduos menos favorecidos de adquirirem “capital
humano”. O pilar “Aprender a ser” incorpora o preceito da corresponsabilidade dos
indivíduos na construção do seu futuro, juntamente com um Estado esvaziado na prestação do
serviço público na área social e com os membros da sociedade civil com “responsabilidade
social”. Já o pilar “Aprender a fazer” traz consigo duas noções extremamente funcionais ao
neoliberalismo: “flexibilidade” e “empreendedorismo”. Esse pilar destaca que os indivíduos
devem estar preparados para a nova realidade do mundo do trabalho (crises) e, por isso, têm
que desenvolver formas de adaptação para sobrevivência, quer seja na “flexibilização” das
relações trabalhistas, quer seja através do autoemprego (“empreendedorismo”). Por fim, o
pilar “Aprender a Conhecer” traz consigo uma nova qualidade (“Aprender a Aprender”) que
se traduz em aprender a utilizar todo o cabedal de “capital humano” adquirido ao longo da
vida como forma de estar apto a concorrer pela entrada na vida produtiva.
Como o Instituto Ayrton Senna incorpora em seus programas educacionais os quatro
pilares da UNESCO para o século XXI, que traz a reboque a noção de “capital humano
rejuvenescido” pelas noções de “capital social”, “flexibilidade”, “competitividade” e
“empreendedorismo”, o MBC e seu braço na educação o MTPE veem no Instituto Ayrton
Senna um importante organizador da cultura empresarial nas escolas públicas, atuando como
parceiro do Estado.
Diante disso, os empresários ligados ao MBC e ao MTPE conseguem no Instituto
Ayrton Senna um difusor do novo contrato social estabelecido pelos “Neoliberais da Terceira
Via”: associar desenvolvimento econômico com uma face mais humana ao capital. Esse novo
contrato social passaria pelo maior protagonismo do empresariado em conselhos decisórios do
Estado, ampliando espaços de interlocução do empresariado-governo, principalmente com
criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), com a chegada de
Lula da Silva ao governo federal em 2003.
O CDES é um espaço de interlocução, gerador de consensos (DINIZ; BOSCHI, 2007).
Tendo sua representante no CDES até 201050
, o Instituto Ayrton Senna atua como um
importante construtor de consenso e difusor da identificação da filantropia empresarial com a
promoção dos direitos agrupados em torno da noção de cidadania. O comprometimento
50 Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna desde o ano de sua fundação.
150
ideológico da noção de cidadania restrita a igualdade política e jurídica estrutura o programa
de aceleração da aprendizagem do Instituto (carro-chefe dos programas educacionais).
Essa identificação da noção de cidadania, inscrita nos preceitos da igualdade de
pontos de partida (dentro dos limites da sociedade burguesa) é a contradição básica que
legitima as desigualdades econômicas ao falsear a realidade, desconsiderando os
condicionantes históricos e sociais de cada indivíduo. Se um indivíduo não tem as mesmas
condições econômicas de permanecer estudando para ocupar os mais altos postos de trabalho
em função de sua entrada prematura no mercado de trabalho, não tem o mesmo ponto de
partida (não há igualdade). A igualdade só seria possível se não houvesse a dissociação da
esfera política-jurídica da esfera econômica (WOOD, 2003). Portanto, o conjunto de direitos
agrupados em torno da noção de cidadania, restritos à igualdade política e jurídica, funcionam
como elementos ordenadores do capital à proporção que divulgam que as desigualdades
sociais residem no mérito individual e não na distribuição da riqueza.
Em relação a questão envolvendo a “qualidade” da educação anteriormente debatida,
entendemos que a ampliação do atendimento do ensino fundamental foi um importante passo
para o exercício da cidadania (dentro dos limites da sociedade burguesa), mas essa ampliação
no nosso ponto de vista não pode se identificada como “qualidade” por ter alcançado a alguns
indivíduos outrora excluídos do ensino fundamental. Marx reconhecia a importância da
conquista da igualdade jurídica com o surgimento da sociedade moderna em substituição à
sociedade estamental (feudal) como passo para a próxima conquista que seria o direito ao
sufrágio universal; contudo, essas conquistas não poderiam mascarar o horizonte maior da
luta dos trabalhadores: a emancipação humana.
A educação de “qualidade” defendida pelo Instituto Ayrton Senna (dentro dos limites
da igualdade político-jurídica burguesa) estaria restrita à aquisição de habilidades
minimalistas para a inserção do indivíduo no dinamismo do mercado, como produtor e
consumidor em potencial. Essa concepção de “qualidade” que encontrou legitimação na
centralidade das avaliações promovidas pelo INEP tem modificado o papel social da escola
pública, pois embora esteja imersa na sociedade capitalista, a escola pública não é
essencialmente capitalista; há espaços para a discussão, para o debate envolvendo novas
formas de sociabilidade (antagônicas ao capital).
Dessa forma, a função social da escola pública é funcionar como espaço que prepara
os indivíduos para inserção na vida produtiva, mas também é o local de elevação intelectual
das massas com vistas a produzir uma nova hegemonia que tenha por horizonte máximo a
emancipação humana, um sujeito além do trabalhador alienado, além do indivíduo imerso nas
151
relações sociais que reificam a concepção de mundo burguesa. Passagem do sujeito unilateral
para o sujeito omnilateral.
O Instituto Ayrton Senna, ao desconsiderar a história, oculta que as avaliações
promovidas pelo INEP por si próprias são produções dos homens, com adoção de critérios
arbitrários, também escolhidos pelo homem, a serviço da ciência burguesa uma vez que seu
foco é o treinamento de alunos-indivíduos para realizarem provas, sem mexer nas estruturas
da sociedade regulada pelo capital, ao invés de pensar as contradições das relações sociais que
geram as próprias mazelas que rondam a escola pública, como a falta de investimento dos
governos capitalistas.
Dessa forma, o Instituto Ayrton Senna atua operando o conformismo social, nos
termos gramscianos, de forma a reificar o capital como natural, com ações focalizadas para
evitar rupturas sociais, dando ao capital uma face menos cruel, ao invés de buscar os
determinantes que levam uma escola, rede de ensino ou aluno a repetirem a série ou
abandonarem a escola pública. Enfim, o Instituto Ayrton Senna atua como operador dos ideais
empresariais nas escolas públicas, fortalecendo a ideia de que não há necessidade de se mexer
na estrutura do capital para que um indivíduo tenha “sucesso” e possa estar apto a ser inserido
no mercado. Pelo contrário, vê no mercado a saída para estabelecer uma “equidade de
oportunidades”; dos pontos de partida.
152
4 PROGRAMA ACELERA BRASIL: A FÓRMULA DO SUCESSO ESTÁ PRONTA
O programa educacional “Acelera Brasil” (PAB) é o carro-chefe dos programas da
educação formal que o Instituto Ayrton Senna tem adotado como política pública educacional
de aceleração da aprendizagem em vários Estados e Municípios do país. Esse capítulo se
propõe a analisar o PAB em sua dimensão teórica, didática e metodológica que foi sendo
construída juntamente com os referenciais do Instituto Ayrton Senna desde a década de 1990.
Entretanto, para compreender o funcionamento desse programa educacional, é mister
apresentarmos o SIASI (Sistema Ayrton Senna de Informações) que é o software responsável
por todo organizar as informações coletadas nas escolas e fornece os subsídios relativos a
frequência, desempenho nas avaliações, informações pessoais dos alunos (como data de
nascimento). É com base nas informações inseridas nesse sistema que o Instituto Ayrton
Senna identifica as carências a serem supridas para a introdução do “Programa Acelera
Brasil”.
Após a apresentação do SIASI, é importante termos, resumidamente, uma noção do
funcionamento e concepção dos demais programas educacionais do Instituto Ayrton Senna
como tecnologias de intervenção social “robustas” (assim denominadas pelo Instituto)
capazes de dar o suporte funcional necessário para o pleno desenvolvimento do “Programa
Acelera Brasil”.
4.1 Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações (SIASI): ferramenta essencial para
o gerenciamento dos programas educacionais desenvolvidos pelo IAS
A partir de 2001, quando o “Programa Acelera Brasil” passou a ser desenvolvido de
forma autônoma pelo IAS51
, o Instituto celebrou uma parceria para prestação de serviços de
informática com a empresa AUGE Tecnologia & Sistemas com o fulcro de utilizar
ferramentas tecnológicas para melhor gerenciamento de seus programas educacionais, o que
permitiria uma melhor visão da “realidade”, revelada nas avaliações do INEP, através dos
51
Mais adiante veremos que de 1997 até o ano 2000 o programa de aceleração da aprendizagem foi desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna com a colaboração do Centro Tecnológico Educacional de Brasília (CETEB) para obtenção do apoio técnico-educacional. A partir de 2001 o programa de aceleração da aprendizagem “Acelera Brasil” passou a se desenvolver
de forma autônoma.
153
dados coletados e armazenados em bancos de dados, o que auxiliaria na identificação dos
aspectos que precisam ser revistos. Sendo esse ponto, o gerenciamento eficiente, a grande
diferença dos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna para a gestão da
administração pública.
É fundamental destacar que esse importante diferencial do Instituto Ayrton Senna em
relação a outras organizações do chamado “Terceiro Setor” na execução de serviços públicos
voltados para a área educacional é a criação do Sistema Instituto Ayrton Senna de
Informações (SIASI), cuja finalidade é facilitar a coleta de dados que possibilitam o controle
da frequência, do desempenho e dos resultados dos programas educacionais desenvolvidos. O
objetivo é identificar as áreas de vulnerabilidade da prática educacional que impedem o
sucesso do aluno, sendo o SIASI essencial para o alcance das metas estabelecidas pelas
instituições que promovem a avaliação da educação básica (como o INEP, por exemplo), uma
vez que esse software armazenaria os dados que “reproduziriam” a “realidade” de sala de
aula.
O Sistema Ayrton Senna de Informações (SIASI), que reúne uma série de dados em uma plataforma eletrônica, permite recriar o perfil dos alunos atendidos pelo Instituto, bem como monitorar, à distância, todas as etapas percorridas por eles nas salas de aula, uma vez que todas as turmas atendidas têm suas informações nele inseridas [...] O SIASI transformou-se
em uma ferramenta essencial para o gerenciamento dos Programas desenvolvidos em parceria com o Instituto Ayrton Senna. Os dados nele reunidos retêm a realidade das salas de aula, as conquistas e dificuldades encontradas no caminho, o que o torna um elemento fundamental para o alcance das metas definidas para cada indicador do sucesso de todos os alunos (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2008c, p. 58-59).
Com base nos dados armazenados no SIASI “podem ser feitas comparações entre
diferentes turmas e diferentes escolas de uma mesma região, a fim de descobrir se
determinadas dificuldades ocorrem de maneira localizada ou generalizada” (INSTITUTO
AYRTON SENNA, 2008c, p. 58). O objetivo da criação de um sistema de armazenamento de
dados coletados de avaliações internas (feitas pelo próprio Instituto Ayrton Senna) e externas
(feitas por órgãos avaliadores da educação básica, como o INEP) é alcançar a “realidade” de
cada escola, na sua particularidade, revelando qual escola tem alcançado o padrão de
“qualidade” estabelecido pelos órgãos avaliadores oficiais da educação básica52
e pelos
organismos internacionais voltados para a educação e cultura como a UNESCO.
O diagnóstico da “realidade” escolar de determinada comunidade é realizada com base
nos dados coletados, tratados e interpretados a partir do SIASI, desenvolvido e aperfeiçoado
52
No nosso caso específico, o ensino fundamental.
154
pela empresa Auge Tecnologia e Sistemas que realiza a avaliação diagnóstica para o Instituto
Ayrton Senna.
Chamamos a atenção para construção do consenso em torno do qual os números falam
por si sós. Os números se tomados fora da totalidade social não apenas números não ajudam a
compreender as contradições que existem nas relações sociais de em que os homens se
(re)produzem. Trabalhar com números como “reveladores” da realidade é desconsiderar as
condições históricas em que esses números foram produzidos. Por exemplo, são
desconsiderados os determinantes na vida familiar que prejudicaram o desenvolvimento de
um aluno na escola que se refletiu na repetência da série cursada. Essa análise a-histórica é
clássica da ciência burguesa que defende sua origem na busca da neutralidade na coleta,
tratamento dos dados estatísticos e síntese daquilo que os dados numéricos falariam por si.
É importante pontuarmos que o software de controle de dados estatísticos pode ser
uma ferramenta facilitadora na identificação de alguns problemas vividos pela escola, tais
como o desempenho dos alunos nas atividades propostas, frequência e abandono escolar
desde que contextualizados historicamente, não tendo a pretensão de revelar a realidade pelos
dados em si, mas como ferramenta auxiliar. Destacamos esse ponto para não cairmos numa
análise “dialética” unilateral53
.
A empresa AUGE Tecnologia & Sistemas, que atua na gestão dos dados informados
ao SIASI, apresenta em seu sítio oficial os valores que norteiam a atuação da empresa no
mercado educacional, destacando-se a confiança na capacidade do indivíduo de contribuir
para o sucesso da empresa em que trabalha e para a sociedade como um todo, ao incorporar
“capital humano e social” sob as roupagens da qualificação profissional, como motor para a
ascensão social, a confiança, colaboração entre os indivíduos na promoção do
autodesenvolvimento, cujo objetivo final seria a promoção da cidadania e de uma sociedade
baseada em princípios “legais, morais e éticos”.
Instituições importantes, como a Fundação Banco do Brasil, o Instituto Ayrton Senna e diversos governos Estaduais e Municipais, também têm a AUGE em alto conceito, por reconhecerem que seus valores são sua marca registrada na condução de negócios e no relacionamento em todos os níveis. Um dos indicadores expressivos deste conceito é o
próprio crescimento do número de clientes da empresa na área pública, agregado por clientes da iniciativa privada (AUGE, 2012a, p.1).
Os principais objetivos da AUGE Tecnologia e Sistemas Ltda são “melhoria do ensino
e preservação ambiental, para oferecer a um enorme contingente de jovens brasileiros a
53
Nossas anotações de aulas do professor Dr. Zacarias Gama na disciplina Seminário de Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em outubro de 2010.
155
oportunidade de inclusão social, digital e de cidadania” (AUGE, 2012a, p.1). As ações da
empresa, que possui larga experiência em utilizar tecnologias em projetos educacionais, visam
à melhoria da “qualidade” do ensino “conciliando crescimento empresarial com o senso de
‘responsabilidade social’ e estímulo à participação de colaboradores e parceiros: isso é
cidadania” (AUGE, 2012a, p.1). A empresa estabelece que sua missão é
[...] contribuir para a melhoria do desempenho das instituições e empresas clientes, desenvolvendo, implantando, dando suporte e mantendo soluções de tecnologia da
informação, comunicação e gestão, com percepção de benefícios para a sociedade e oportunidades para os colaboradores. No segmento educacional [...] Atuar com soluções de colaboração, ensino a distância, gestão de rede de ensino, gestão de programas educacionais, melhoria de processos e gestão de projetos (AUGE, 2012b, p. 1; grifos nossos).
Interessante ressaltar que a empresa AUGE Tecnologia e Sistemas Ltda apresenta
soluções educacionais diferentes para escolas públicas e privadas. O foco da AUGE soluções
para a escola pública é o desenvolvimento de um “sistema dedicado aos programas de
melhoria educacional, tais como: redução de distorção idade-série, alfabetização e melhoria
de processos de gestão educacional” (AUGE, 2012d, p.1). A empresa parte da premissa que a
gestão educacional nas escolas públicas não é eficiente e o sistema público de ensino não
estaria promovendo a alfabetização adequada aos alunos, o que no futuro promoveria
defasagem do aluno mal alfabetizado, levando esse aluno à repetência e à distorção idade-
série, sendo, portanto, necessário desenvolver um sistema computacional voltado para a
superação dessa distorção.
A solução AUGE para instituições privadas é um sistema, que diferentemente da
solução prevista para as escolas públicas, não tem por foco a correção de fluxo série-idade,
mas o gerenciamento de pessoas e de fluxo financeiro (AUGE, 2012c, p.1). O software
desenvolvido pela AUGE para as escolas privadas parte da premissa de o que tem que ser
melhorado ou refeito não envolve a parte pedagógica, como gerenciamento de correções de
processos mal sucedidos de alfabetização e distorção, ou seja, o que precisa de melhoramento
é parte da gestão financeira e dos funcionários, incluindo os professores.
A importância de conhecer a visão empresarial defendida pela AUGE Tecnologia e
Sistemas Ltda vem ao encontro das teses defendidas pelo Instituto Ayrton Senna sobre a
necessidade de se gerenciar melhor a parte administrativa e pedagógica das escolas públicas
atendidas pelos seus programas educacionais. Dessa forma, o Sistema Instituto Ayrton Senna
de Informações (SIASI) é concebido a partir da noção de falência do ensino público (não só
do ponto de vista da gestão financeira, mas também da falência das diretrizes pedagógicas) e
156
da necessidade de correção do fluxo escolar em função de proporcionar altas taxas de evasão
escolar e maior gasto público, pois um mesmo aluno faria a mesma série uma ou várias vezes.
O SIASI é um software criado justamente para atender ao “Programa Acelera Brasil” à
medida que é pensado como ferramenta tecnológica “robusta” que atacaria dois pontos
fundamentais: a suposta “má” gestão da escola por servidores públicos e uma mudança de
ação pedagógica fundada na “cultura da repetência”.
4.2 Programas educacionais do Instituto Ayrton Senna: base para o pleno
desenvolvimento do “Acelera Brasil”.
Os programas educacionais do Instituto Ayrton Senna estão divididos entre aqueles
destinados à Educação Formal, à Educação Complementar e à Educação e Tecnologia.
Os programas educacionais desenvolvidos dentro da educação formal são o “Acelera
Brasil”, o “Se Liga”, o “Gestão Nota 10”, o “Circuito Campeão” e a “Fórmula da Vitória”.
Esses programas educacionais voltados para educação formal têm objetivo de
[...] superar os principais problemas que impedem o sucesso dos alunos, como o analfabetismo, a defasagem idade e série e o abandono escolar, através de propostas
organizacionais e ferramentas eficazes disponibilizadas às secretarias de educação e unidades escolares, de forma a otimizar os recursos humanos, materiais, financeiros e pedagógicos disponíveis (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011g, p.1).
Baseado nos Quatro Pilares da Educação, do Relatório da UNESCO elaborado por
Jacques Delors, o Instituto Ayrton Senna desenvolve seus programas da educação formal em
consonância com os preceitos da Reforma Gerencial da administração pública ocorrida no
Brasil no ano de 1995: os recursos devem ser otimizados e os cidadãos devem ser tratados
como clientes.
Embora a centralidade desse estudo esteja no programa “Acelera Brasil”, que será
desenvolvido detalhadamente, faremos uma breve exposição dos demais programas da
educação formal desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna com o intuito de entendermos
como os programas se interpenetram numa espécie de comensalismo pedagógico que dá
suporte ao funcionamento do programa de aceleração da aprendizagem (“Acelera Brasil”),
quando adotados como políticas públicas.
157
4.2.1 Programa Educacional “Se Liga”
O programa educacional “Se Liga” é destinado aos alunos do primeiro segmento do
ensino fundamental que não completaram o ciclo de alfabetização e não dominam a técnica da
leitura, além de contribuir com a diminuição da evasão escolar.
Esse programa tem relação direta com o “Acelera Brasil” (PAB), pois “em um ano,
alfabetiza crianças que repetem, porque não sabem ler nem escrever, para que possam
frequentar o ‘Acelera Brasil’ e, depois, retornar à rede regular”. O programa “Se Liga” atua
com o objetivo de alfabetizar os alunos para que tenham as condições mínimas de ingressar
no “PAB” e adquiram as condições necessárias para avançar de uma série para outra dentro
do primeiro segmento do ensino fundamental ou até mesmo avançar diretamente para o
segundo segmento do ensino fundamental.
Assim como o “PAB”, até o fim do ano de 2010, todos os estados do Brasil, exceto o
Acre, possuíam municípios que adotaram o programa “Se Liga” como política pública
executada pelo IAS. Isso nos remete à simbiose existente entre esses dois programas, uma vez
que o programa “Se Liga” prepara alunos com analfabetismo total ou funcional54
e com
defasagem de série-idade para ingressarem no “Acelera Brasil” (INSTITUTO AYRTON
SENNA, 2011f, 2011h).
O Se Liga é política pública nas redes de ensino da Paraíba, de Pernambuco, do
Piauí, de Roraima, do Rio Grande do Sul, de Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.
Está presente em 802 municípios de 25 Estados e DF [...] Números do Programa
em 2010: Crianças e jovens atendidos: 71.661; Educadores formados: 4.475;
Municípios atingidos: 802 de 25 Estados e Distrito Federal. (Id., 2011f, p.1, grifos do autor).
4.2.2 Circuito Campeão
Esse programa educacional está diretamente ligado à gestão do ensino com o fulcro de
se chegar à “qualidade” da educação, implantado nos primeiros anos do ensino fundamental
utiliza “ferramentas de gestão da aprendizagem como soluções concretas para estancar a má
qualidade de ensino” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011i).
54 Aqui entendidos os alunos que possuem graves deficiências no domínio da leitura e da escrita.
158
O programa tem como prioridade o primeiro segmento do ensino fundamental e atua
em consonância coma a Reforma Gerencial proposta pelo governo FHC, focando a
administração na gestão de resultados objetivos, tais como o número de alunos promovidos de
série, a diminuição da evasão e coordenação dos alunos que necessitam ser introduzidos nos
projetos “Se Liga” e “Acelera Brasil”.
O programa tem grande penetração no território brasileiro sendo “adotado como
política pública nos seguintes Estados: Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Roraima e
Tocantins. Está presente em 596 municípios de 22 Estados” (INSTITUTO AYRTON
SENNA, 2011i). Os estados que não adotam o programa como política pública são o Acre,
Roraima, Amapá e Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal.
Os números do programa, assim como do “Se Liga” impressionam pela abrangência até o fim
do ano de 2010. O programa apresenta os seguintes números: “crianças e jovens atendidos: 538.763; Educadores formados: 19.624” [...] (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011i, p.1; grifos do autor).
4.2.3 Gestão Nota 10
Esse programa educacional é dirigido aos diretores das escolas e tem a finalidade de
fornecer ferramentas tecnológicas para implantação de um modelo administrativo gerencial,
pautada em resultados objetivos, como o número de aprovados de determinada série, por
exemplo.
O objetivo é traçar metas para a superação do “fracasso” da gestão da educação
pública, o que tem gerado um elevado número de alunos repetentes e, por consequência,
aumentado a distorção série-idade e elevado os gastos públicos com a educação.
O Gestão Nota 10 trabalha com indicadores e estabelece metas a serem parceladas e cumpridas pelas escolas e secretarias de educação, devidamente ajustadas a cada ano letivo a partir da realidade dos resultados obtidos no ano anterior. Suas ações estão diretamente ligadas aos diretores de escola e equipes de secretaria de educação (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011j, p.1).
Esse programa fornece aos diretores de escola as diretrizes e metas que devem ser
perseguidas para se alcançar uma administração gerencial, ou seja, a regularização do
binômio idade-série e a superação da “cultura da repetência”, identificadas como a noção de
“qualidade” na educação. Nesse ponto, esse programa é extremamente funcional ao
desenvolvimento do programa educacional “Acelera Brasil”, pois uma de suas metas para se
159
chegar à “qualidade” na educação é a superação da distorção idade-série com o auxílio de
uma administração gerencial.
4.2.4 Fórmula da Vitória
Esse programa educacional é destinado aos alunos do segundo segmento do ensino
fundamental (6º ao 9º ano) que apresentam total ou parcial dificuldade no domínio da leitura e
da escrita. É fundamental para instrumentalizar os alunos que apresentam distorção série-
idade e que não dominam a leitura e a parte escrita para que possam ingressar no programa
“Acelera Brasil” específico do segundo segmento do ensino fundamental (INSTITUTO
AYRTON SENNA, 2011l). Os números do programa também são expressivos, uma vez que
atua somente em dois municípios: 3.569 jovens atendidos e 212 educadores formados.
O Fórmula da Vitória conta com material específico de Língua Portuguesa organizado a partir de gêneros textuais, que despertam a curiosidade, o interesse e o desejo de ler e escrever nos adolescentes e facilitam a aprendizagem da leitura e escrita por se tornarem objetos reais de comunicação. A proposta favorece a comunicação entre os alunos e o fácil envolvimento da família e da comunidade [...] o Fórmula da Vitória é política pública na rede de ensino dos municípios do Rio de Janeiro/RJ e de São Roque/SP (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011l, p.1).
Fórmula da Vitória tem sido importantíssimo para o desenvolvimento e
implementação do “PAB” no segundo segmento do ensino fundamental (6º ao 9ª ano), pois
tem servido de triagem para selecionar os alunos que estão preparados para participar do
programa de aceleração da aprendizagem, ou seja, aqueles que detenham o mínimo domínio
da leitura e da escrita, para que possam alcançar o “sucesso” ao invés do “fracasso”,
simbolizado pela repetência e pela evasão escolar.
4.3 Programa “Acelera Brasil”: antecedentes da proposta
O Instituto Ayrton Senna ao adotar a tese de João Batista Araújo e Oliveira (2005) de
que o suposto fracasso da educação pública era devido a problemas gerenciais, passou a
redimensionar a forma de gestão da educação, focando seus projetos educativos no resultado
160
dos alunos e na substituição da “pedagogia do fracasso” (repetência, evasão, distorção série-
idade) pela “pedagogia do sucesso” (correção da defasagem série-idade e superação da
“cultura da repetência”). A expressão maior dessa pedagogia se materializaria num manual
prático de funcionamento do programa de aceleração da aprendizagem para o CETEB,
posteriormente publicado como livro “A Pedagogia do Sucesso” pela Editora Saraiva e pelo
Instituto Ayrton Senna.
O professor João Batista, durante a década de 1990, integrou os quadros do Instituto
de Desenvolvimento Econômico do Banco Mundial, da Organização Internacional do
Trabalho, além de ter sido Secretário Executivo do Ministério da Educação e do Desporto
(MEC), no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Adotando como
referenciais de qualidade as metas estabelecidas por esses organismos internacionais, João
Batista desenvolveu sua proposta de um programa de aceleração da aprendizagem que não
apenas se propunha a corrigir a distorção idade-série, mas que atacasse os sintomas que
geravam a “má qualidade” do ensino na educação pública: a) o elevado índice de repetência;
b) a distorção série-idade; c) os baixos índices de aprendizagem “confirmados” através do
desempenho dos alunos no SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico)55
.
Esse modelo de “Pedagogia do Sucesso” proposto por João Batista Araújo e Oliveira
fortemente inspirado nas avaliações de larga escala pelo governo federal, numa tentativa de
planificar a “qualidade” da educação em todos os cantos do Brasil, iniciado no governo Collor
a partir de 1991, teve forte inspiração no modelo estadunidense implantado pelo presidente
George HW Bush entre 1991 e 1993 sob a direção Diane Ravtich, responsável pela
implantação das avaliações de larga escala naquele país, secretária-assistente de Educação e
Conselheira de Alexander Lamar (Secretario de Educação na administração do presidente
George HW Bush).
Ela foi responsável pelo Gabinete de Investigação em Educação e Aperfeiçoamento do
Departamento de Educação dos EUA. Como secretária adjunta, ela liderou o esforço federal para promover a criação do estado voluntário e nacionais padrões acadêmicos (RAVITCH, 2012, p.1; tradução nossa).
Diane Ravitch, após duas décadas da implementação dessas avaliações em escala pelo
governo federal estadunidense, veio a público e reconheceu, em entrevista ao jornal Estado de
São Paulo (IWASSO, 2010), que a política pública educacional estadunidense implementada
55 Quando a “Pedagogia do Sucesso” foi desenvolvida por João Batista Araujo e Oliveira, o INEP ainda não havia criado o IDEB, sendo o SAEB o único sistema de avaliação realizado em larga escala pelo MEC na educação básica.
161
durante sua gestão não apresentou melhorias qualitativas na educação, mas apenas
desenvolveu uma forma de treinamento para realizar avaliações. A premissa organizadora da
política pública educacional que fora adotada na década de 1990 nos Estados Unidos estava
baseada na mensuração do mérito conquistado em provas objetivas. Esse formato de política
pública educacional focado em atingir notas 10 tem influenciado vários países em
“desenvolvimento”, dentre eles o Brasil através de alguns programas educacionais que foram
e estão ainda em vigor nesses países como políticas públicas, como é o caso do programa
educacional “Nenhuma Criança a Menos”.
Secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação na administração de George Bush, Diane foi indicada pelo ex-presidente Bill Clinton para assumir o National Assessment Governing Board, instituto responsável pelos testes federais. Ajudou a implementar os programas No Child Left Behind e Accountability, que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas em medição e mérito, para melhorar a educação
(IWASSO, 2010, p.1).
Influenciado por essa ideia de “qualidade” pautada na mensuração de resultados de
provas objetivas, o IAS vem aprimorando o “PAB” com a finalidade de preparar os alunos
oriundos do programa para que, ao retornarem á rede regular de ensino, venham a atingir os
mesmos parâmetros de nota dos alunos que já cursam a serie correspondente à sua idade na
rede regular de ensino. Treinar alunos para fazer uma prova e “tirar nota 10” é a meta de
avaliação que norteia o “PAB”, pois quando o aluno retornar à rede regular de ensino deverá
ter condições de realizar esse treinamento recebido para obter notas “boas” nas avaliações
promovidas pelo INEP com a finalidade de aumentar o Índice da Educação Básica de uma
escola ou rede de ensino.
A “Pedagogia do Sucesso” desenvolvida por João Batista Araújo e Oliveira para o
“Programa Acelera Brasil”, como está alicerçada na obtenção de resultados da quantidade de
aprovações ao fim de cada letivo, encontrou na metodologia implantada nos Estados Unidos,
da década de 1990, uma fonte de inspiração para, junto com os empresários da sociedade
civil, modificar o quadro de “fracasso” das escolas públicas em função de não fazerem o
“aluno dar certo”. Essa expressão traz consigo muita significação, mas conota,
principalmente, aprovação acompanhada de domínio da leitura e do fazer cálculos
matemáticos.
Viviane Senna, na apresentação do livro escrito por João Batista Araújo e Oliveira em
sua 16ª edição (2005, p. 5) declara que a educação brasileira já tem apresentado evolução, no
que diz respeito à qualidade, em função da atuação de entidades privadas (como a Fundação
Roberto Marinho – ligada ao Grupo Globo de Comunicação – através do “Telecurso 2000”),
162
dos investimentos dos empresários com “responsabilidade social” e dos investimentos da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, pois essas organizações privadas já trariam
consigo desde seu nascimento “sua dedicação, sua ousadia de seu espírito inovador”.
Como presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna reconhece que a atuação
de empresas privadas, via fundações sem fins lucrativos por elas criadas, é um importante
caminho para a superação do fracasso escolar (distorção série-idade, repetência, abandono
escolar), pois as organizações privadas já nasceriam com o objetivo de atingir metas pré-
estabelecidas, principalmente a obtenção de altos índices em avaliações realizadas em escala,
como a “Prova Brasil” e as avaliações por amostragens do SAEB. Como outro ponto
importante, além da capacidade competitiva que as empresas privadas trazem consigo,
destaca-se, também, a virtude inovadora e a empreendedora (que o Estado não teria em sua
origem nem como objetivo final).
Destacamos que o programa “Acelera Brasil”, já nasce imbricado na noção de
“empreendedorismo” como fator de desenvolvimento da “qualidade” da educação pública
brasileira, pois o espírito inovador dos empreendedores privados possibilitaria investimentos
em programas educacionais “revolucionários” (como o “Acelera Brasil”), que desafiariam a
lógica da cultura do “fracasso” como sendo algo natural. O empreendedorismo seria um
caminho para a transposição das barreiras tidas como naturais e imutáveis: repetência,
abandono escolar e defasagem idade-série. Essa lógica seria a constatação de que a educação
teria um salto de “qualidade” se fosse administrada por quem entende do assunto: os
empresários empreendedores (dispostos a correr o risco no investimento), com espírito
inovador.
Com os resultados das provas que compõem o SAEB em mãos e com o apoio
financeiro de empresários “socialmente responsáveis”, preocupados com os rumores da
educação no Brasil, o Instituto Ayrton Senna procurou adotar a fórmula do sucesso
desenvolvida por João Batista Araújo e Oliveira: o programa educacional “Acelera Brasil”.
Contando com parcerias envolvendo a Petrobras, MEC/FNDE, BNDES, o Instituto Ayrton
Senna recorreu ao Centro Tecnológico Educacional de Brasília (CETEB) para obtenção do
apoio técnico-educacional para o funcionamento e implementação, no ano de 1997, do
programa “Acelera Brasil”.
Criado em 1968, o Centro de Ensino Tecnológico de Brasília – CETEB acumula mais de 44 anos de experiência no desenvolvimento de soluções educacionais diversas, com o emprego
de metodologias e tecnologias pioneiras no país. Filiado à Fundação Brasileira de Educação – FUBRAE, o CETEB oferece vários serviços educacionais por meio de suas escolas e de parceria com outras instituições, empresas e órgãos governamentais [...] (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012a, p.1).
163
Em seu sítio oficial o CETEB informa que ao longo desses mais de 40 anos de
experiência na área educacional, várias parcerias foram firmadas com instituições públicas
(secretarias de ensino) e privadas (com ou sem fins lucrativos), objetivando a “excelência” de
uma educação de qualidade nos diversos níveis de ensino através da oferta de capacitação
para profissionais da educação.
O CETEB oferece cursos de Ensino Fundamental e Médio, Técnicos Profissionalizantes, de Educação Continuada, de Pós-Graduação e de Preparatórios para Concursos [...]. Unindo
excelência acadêmica à prática profissional, o CETEB conta com Equipe Técnica constituída de Mestres e Especialistas para realização de consultoria nacional e internacional, para desenvolvimento de programas educacionais diversos e para capacitação de profissionais da Educação (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012a, p.1).
Após detectar que o “fracasso” na educação da escola pública residiria no alto grau de
repetência, o que por sua vez geraria a distorção série-idade e, por fim, o abandono escolar, o
CETEB desenvolveu um programa de aceleração da aprendizagem cujo foco seria atacar o
problema da defasagem e possibilitar aos alunos (antes fadados ao fracasso) que prossigam
até os graus mais elevados de instrução. O programa de aceleração da aprendizagem do
CETEB foi implementado no Brasil, sob a recomendação do MEC, a ser adotado como
política pública.
O Programa de Correção de Fluxo Escolar – Aceleração da Aprendizagem, desenvolvido desde 1995, em 23 estados brasileiros, no Distrito Federal (2005) em 4 países da América Latina – Colômbia (1999), El Salvador (1999), Venezuela (2002) e República Dominicana
(2004), visa resolver o problema da defasagem idade-série, consequência de reprovações sucessivas. Beneficiou aproximadamente 3 milhões de alunos, possibilitando a muitos deles a continuidade de estudos até o nível superior. Recomendado como tecnologia Educacional pelo MEC, em 2009, pelo êxito alcançado ao longo dos anos, o Programa possui material didático específico, aplica metodologia dinâmica, capaz de conduzir o aluno defasado de sua série original (1ª, 2ª ou 3ª) para a 5ª série, caracteriza-se como solução educacional inovadora e constitui uma das prioridades da Política Educacional do MEC, cujo objetivo consiste em reduzir a defasagem idade-ano (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE
BRASÍLIA, 2012b, p.1).
O programa de aceleração da aprendizagem desenvolvido pelo CETEB foi
implementado em 1995 nos Estado do Maranhão (governo Roseana Sarney) e de São Paulo
(governo Mário Covas), de forma autônoma e, a partir de 1996, passou a ser desenvolvido em
conjunto com o Instituto Ayrton Senna e recebeu a denominação de “Programa Acelera
Brasil”. O Instituto Ayrton Senna recorreu à experiência CETEB através de orientações
metodológicas e pedagógicas para o desenvolvimento do “Programa Acelera Brasil” durante o
período de 1997 até o ano 2000.
Com base nessa experiência e em materiais e orientações desenvolvidas nos anos de 1995 e 1996, foi consolidado o programa Acelera Brasil, lançado oficialmente no ano de 1996 com a
164
participação de 15 municípios localizados em diferentes pontos do país, e posteriormente expandido para 24 municípios e duas redes estaduais (OLIVEIRA, 2005, p.13).
O CETEB apresenta publicações relativas à aceleração da aprendizagem, no período
da parceria 1997-2000, atuando como agência formadora de recursos humanos através de
treinamentos e capacitações. Destacam-se as publicações bimestrais do “Jornal Sucesso, que
fora distribuído em todo o Brasil, no período de 1997 a 2000, em decorrência do Projeto
Acelera Brasil, em parceria com o Instituto Ayrton Senna” (CENTRO DE ENSINO
TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012c, p.1).
O CETEB informa ainda que possui uma equipe técnica especializada em fornecer
soluções educacionais para secretarias de educação (municipais e estaduais), para empresas
privadas com fins lucrativos e ONGs, através de consultoria e adoção de material didático,
como livros e apostilas orientadas pelo caráter multidisciplinar. Dentre as soluções propostas
pelo CETEB, a que ganhou maior destaque foi a “Pedagogia do Sucesso”, elaborada por João
Batista Araújo e Oliveira com o objetivo de superar a chamada “pedagogia do fracasso”, ou
seja, a repetência que geraria a distorção série-idade e seria um dos motivos do abandono
escolar.
A metodologia do Programa exige que os profissionais envolvidos: diretores, técnicos, pedagogos e professores estejam bem-preparados e dominem técnicas didáticas que possibilitem ao aluno reconstruir sua autoestima e sejam capazes de acelerá-lo para a série adequada à sua idade. O curso visa preparar teórica e metodologicamente os envolvidos no processo (CENTRO DE ENSINO TECNOLÓGICO DE BRASÍLIA, 2012d, p.1).
O PAB, em sua concepção, teve por referencial teórico e pedagógico a “fórmula do
sucesso” desenvolvida João Batista Araújo e Oliveira que a partir de 2001 passou a ser
consultor do Instituto Ayrton Senna. Em 2001, o PAB deixou ser oferecido na forma de
parceria com o CETEB e o Instituto Ayrton Senna começou a se aplicado de forma autônoma,
como tecnologia educacional para as secretarias de educação que contratavam o instituto na
forma de parceria público-privada para execução de serviços de aceleração da aprendizagem.
4.3.1 “Acelera Brasil”: estruturação interna e funcionamento
O “Programa Acelera Brasil” possui algumas premissas que garantem sua estruturação
e funcionamento como tecnologia de intervenção social. Dentre as principais, destacamos a
165
análise de sua dimensão econômica, a expressão da educação minialista na subsunção real do
trabalhador ao capital, o novo papel do professor na aceleração da aprendizagem, a “dialética”
unilateral, seu caráter “político” e gerencial.
Abordaremos como cada uma das premissas apontadas acima dá suporte estrutural ao
funcionamento do “Programa Acelera Brasil”. Em seguida, veremos como o “Telecurso” da
Fundação Roberto Marinho influencia diretamente no funcionamento do “Programa Acelera
Brasil” através do fornecimento de materiais didáticos e concepções de formação continuada
dos professores.
Por fim, um breve comentário sobre os critérios de enturmação estabelecidos pelo
Instituto Ayrton Senna, através do “Programa Acelera Brasil”, para as escolas públicas do
ensino fundamento do município do Rio de Janeiro. Nesse ponto, analisaremos a concepção
de indivíduo que perpassa os critérios de seleção dos alunos que comporão o “Programa
Acelera Brasil” no ano de 2012.
4.3.2 Acelerar para economizar: adequação à Reforma Gerencial e ataque à composição
sindical
Segundo Oliveira (2005, p.11), durante a década de 1990, em função do alto índice de
repetência que “variam de 15 a 50% [...] mais de 60% dos alunos do ensino fundamental
acumulam dois ou mais anos em relação à série que deveriam cursar”. Dentro desse enfoque o
autor destaca que a “má qualidade” do serviço público que era prestado gerava gastos
desnecessários e volumosos, ou seja, baseado na lógica da Reforma Gerencial, seria
inadmissível o desperdícios de dinheiro público com alunos repetentes. Algo deveria mudar
para “fazer esses alunos darem certo”: substituir a “cultura da repetência” como algo normal
pela “cultura do sucesso” (a promoção de série), além da concentração de recursos e
prioridades na correção do fluxo série-idade. O problema da repetência seria, antes de tudo,
um problema econômico à medida que aumentaria os gastos públicos.
Dessa forma, num contexto de Reforma Gerencial do Estado brasileiro, promovido
pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser
Pereira, o “Programa Acelera Brasil” que foi criado em 1996, em 15 municípios
(INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f, p.1), é pensado de forma diferenciada de programas
166
anteriores de aceleração da aprendizagem, pois, segundo o Instituto Ayrton Senna, a sua
preocupação central não reside na
[...] aceleração de alunos, que é a atitude mais comum na maioria de programas que foram desenvolvidos no país desde 1995. Trata-se, portanto, de um programa de mudança de vetor na política educacional, comprometido com resultados permanentes, e não de uma mera inovação ou intervenção pedagógica (OLIVEIRA, 2005, p.179).
O programa permite ao aluno a realização de duas a quatro séries num único ano letivo
e tem por objetivo “[...] contribuir para que o aluno, em um ano, alcance o nível de
conhecimento esperado para a primeira fase do Ensino Fundamental, de maneira que possa
avançar em sua escolaridade” (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f, p.1). Pensemos! Se
um aluno considerado defasado avançasse de duas até quatro séries num único ano, haveria
uma economia significativa com gastos públicos; contudo, a proposta do “Acelera Brasil”
para o primeiro segmento do ensino fundamental tem uma concepção de qualidade reduzida a
saber ler, escrever e fazer contas (educação minimalista). Segundo Tatiana Filgueiras (2008,
p. 59), que a é a coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna:
[...] o Acelera Brasil garante o direito à educação que passa pelo direito a ler, escrever (combate ao analfabetismo), aprender, passar de ano e cursar a série correspondente a sua
idade (correção de fluxo) para dar continuidade à trajetória escolar (sucesso do aluno).
É interessante ressaltarmos que o programa “Acelera Brasil”, a partir de 2011, no
município do Rio de Janeiro, não se restringiu apenas ao primeiro segmento do ensino
fundamental, uma vez que tem se voltado, também, para a aceleração de alunos com
defasagem no segundo segmento do ensino fundamental (5º ao 9º ano) e sua promoção ao
ensino médio, corrigindo o fluxo série-idade.
A tese de João Batista Araújo e Oliveira (2005) é que a “cultura” da repetência estaria
se naturalizando, causando enormes prejuízos para a economia de um país, pois o dinheiro
gasto com um aluno repetente poderia ser revertido em melhores salários para os profissionais
da educação e melhorias estruturais da escola. Apresentada, mais uma vez como um negócio,
a educação é vista pelo idealizador do “Programa Acelera Brasil” somente pela dimensão
econômica.
Indagamo-nos: será que a economia de dinheiro público com os alunos repetentes seria
revestida em melhorias salariais para os professores e/ou investimentos estruturais para as
escolas? Entendemos que o Estado de orientação neoliberal tem como um dos pressupostos a
redução dos investimentos em atividades que não seriam típicas de Estado (como a educação),
ou seja, poderiam ser repassadas para o mercado ou para organizações do “Terceiro Setor”. Se
167
a lógica da doutrina neoliberal é cortar custos na área social, seria contraditório o
investimento do dinheiro público com melhores salários e planos de carreiras do magistério e
estrutura física das escolas.
Gustavo Ioschpe, um destacado intelectual orgânico do capital, em entrevista ao Jornal
Nacional da Rede Globo de Televisão, declara a possível influência que os investimentos em
salários dos professores poderiam trazer para a melhoria da qualidade da educação:
Minha área de pesquisa é a economia da educação, que não se baseia em teorias ou opiniões e sim em resultados de estudos reais, com bancos de dados de milhares de casos e estabelecendo relações através de metodologias sofisticadas de estatística e econometria. E o que estes estudos revelam e são centenas, tanto no Brasil quanto no exterior, é que o salário do professor não é uma variável estatisticamente significativa ou relevante na determinação
do aprendizado dos alunos. A partir de um certo patamar de salário atingido, e acho que no Brasil já foi atingido desde a época do Fundef, mudanças salariais não tem se transformado em melhorias da qualidade da educação [...]Como política pública, o Brasil deveria estar mais preocupado em implantar medidas que tenhamos relativa certeza de que terão resultado e custo relativamente baixo do que continuar insistindo no caminho do aumento do salário dos professores, que até hoje não se mostrou efetivo nem na história recente da educação brasileira e nem na literatura especializada (IOSCHPE, 2011, p.1).
Tanto Gustavo Ioschpe (conselheiro do Instituto Ayrton Senna) quanto João Batista
Araújo e Oliveira (consultor do Instituto Ayrton Senna e idealizador do programa “Acelera
Brasil”), atuando como intelectuais orgânicos do capital (na função de consultores de ONGs),
têm se destacado como intelectuais que influenciam na formação política e escolar brasileira
em aparelhos privados produtores da “nova pedagogia da hegemonia”. Muitos dos estudantes
dos cursos de pós-graduação em políticas públicas voltadas para a educação têm sido nutridos
dessa concepção particularista de mundo, que atende ao projeto burguês de educação
produtivista: “produção” da maior quantidade de diplomados ao menor custo e tempo
possível.
A Fundação Getúlio Vargas56
(FGV), local onde Claudia Costin (atual Secretaria de
Educação do Município do Rio de Janeiro) fez mestrado em economia e doutorado em
políticas públicas, seria um aparelho privado de hegemonia fundamental na consolidação do
consenso em torno da disseminação da “responsabilidade social” dos empresários,
corporificados na ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via”: projeto político da direita
para o social (NEVES, 2010a).
São esses aparelhos privados de hegemonia do capital que procuram legitimar o
discurso da concepção de educação de “qualidade” que não passaria pela composição sindical
na busca por melhores salários e planos de carreiras que atendessem às demandas dos
56 Outro intelectual ligado à FGV é o condutor da Reforma Gerencial da década de 1990: o professor Luiz Carlos Bresser
Pereira.
168
profissionais da educação e nem por um projeto de pedagogia política. Mas, pelo contrário,
cada profissional da educação deveria melhorar seu salário individualmente (mérito),
trabalhando no treinamento de indivíduos para realizar provas planificadoras, esvaziadas de
historicidade e sentido crítico. É uma estratégia de negação da categoria totalidade das
relações sociais, ocultando as tensões de classe e transpondo para o professor a
responsabilidade pelo seu salário em função do desempenho de seus alunos nessas provas
planificadoras promovidas pelo INEP.
4.3.3 Subsunção real do trabalhador ao capital expresso na educação minimalista do
Programa “Acelera Brasil”
Seguindo a linha de pensamento, João Batista Araujo e Oliveira defende a urgência na
adoção de medidas que aumentassem a escolaridade dos cidadãos. Quanto menor o nível de
escolaridade, o cidadão “ganha menos e, dessa forma, afeta a produtividade da empresa e do
país”. (OLIVEIRA, 2005, p. 32). A noção de “capital humano” funciona como um dos eixos
estruturadores da tecnologia de intervenção social chamada “Programa Acelera Brasil” à
medida que defende que a repetência gera a exclusão da escola e, esta, por sua voz, gera a
exclusão do mundo do trabalho. Enfim, quanto maior investimento no nível de escolaridade, o
aluno-cidadão passaria a “ganhar mais” e ser “mais produtivo” para as empresas, o que
ajudaria a economia do país a crescer e ele a ter uma mudança de “classe social”.
Analisando a relação da educação com o mundo do trabalho, percebemos que o
“Programa Acelera Brasil” concebe a educação como elemento que deve ser subsumido aos
interesses do capital (reprodução da força de trabalho como mercadoria). Os conhecimentos
são apresentados em módulos prontos e compactados, cujo objetivo é permitir ao indivíduo a
aptidão a concorrer uma vaga no mercado de trabalho. Mínimo de conhecimento aos pobres:
apenas o essencial para a venda sua força de trabalho como mercadoria.
Numa análise perspectiva do projeto burguês para a educação do final século XVIII,
Marise Nogueira Ramos (2006, p. 31) identifica que o Estado deveria promover e incentivar
aos pobres a aquisição de conhecimentos essenciais, tais como: aprender a ler, escrever, fazer
contas e ter noções de geometria mecânica. Essa educação minimalista (ler, escrever, fazer
contas) guarda muita relação com a noção de “qualidade” da educação adotada pelo Instituto
Ayrton Senna, abordada no capítulo anterior, e que é levada para o “Programa Acelera
169
Brasil”. “Assim, a educação dos trabalhadores mais pobres teria por função discipliná-los para
a produção [...] para fazer do trabalhador um cidadão passivo, que apesar de tudo, tivesse
alguns poucos direitos”. É em torno dessa noção de cidadania restrita à positividade do direito
que o “Programa Acelera Brasil” se autojustifica como um meio eficaz de levar aos cidadãos
pobres, excluídos de uma educação de “qualidade”, o direito de concluir o ensino fundamental
e habilitá-lo a exercer determinadas funções no mercado.
A crítica que Marise Nogueira Ramos faz ao papel da educação no projeto burguês do
final do século XVIII poderia ser aplicada à concepção de educação do “Programa Acelera
Brasil”, uma vez que a preocupação central no combate à repetência é permitir ao aluno-
cidadão adquirir “capital humano” para torná-lo mais produtivo para as empresas e para a
sociedade em que está inserido. Em outras palavras, o foco é a formação para o mundo do
trabalho (como extração de mais-valia) e não a formação humana do sujeito para a
compreensão do trabalho como atividade ontocriativa.
A superação da repetência é o pilar maior da chamada “Pedagogia do Sucesso” (“fazer
o aluno dar certo”: passar de ano) que estrutura o funcionamento do “Programa Acelera
Brasil”, pois a repetência não estaria apenas criando um aluno fracassado, mas “cria
profissionais e cidadãos fracassados em todas as dimensões da cidadania, como eleitor,
consumidor, contribuinte e ser produtivo” (OLIVEIRA, 2005, p.31).
Quanto à concepção de “aluno fracassado”, o “Programa Acelera Brasil” identifica
como fracassados aqueles alunos que repetem o ano, gerando a distorção série-idade, ou
abandonam a escola (OLIVEIRA, 2005). Analisemos. Quais mediações estão sendo
consideradas para determinar que um aluno seja fracassado? Um aluno pode não ser aprovado
em um determinado ano por uma série de fatores, tais como: a) problemas psicológicos
causados pela perda de um ente querido; b) fatores culturais causados pela dificuldade de
adaptação de alunos que migram do interior para as grandes cidades c) fatores históricos
como a falta ou troca de professores de determinada disciplina no ano cursado. Defendemos
que decretar o “fracasso de um aluno” sem analisar as mediações simbólicas, históricas,
culturais, psicológicas é reduzir a totalidade das relações sociais que perpassam a educação a
uma questão de “negócio”, a uma questão de economia de gastos “desnecessários”, ou à falta
de mérito do aluno.
Um fato que nos chama a atenção é a relação causa-efeito estabelecida no programa ao
relacionar a repetência com surgimento de “cidadãos fracassados”. O que seria cidadão
fracassado na ótica do idealizador do “Programa Acelera Brasil”? Num primeiro olhar,
discernimos que a cidadania a que o autor do programa “Acelera Brasil” se refere é aquela
170
voltada para o gozo de alguns direitos (dentre eles a educação de “qualidade”) e a obrigação
de contrair alguns deveres, passando pela igualdade política e jurídica.
Como abordado no capítulo anterior, é o agrupamento de alguns direitos em torno da
noção de cidadania que organiza a sociedade capitalista, evitando rupturas sociais,
conformando os “pobres”, que recebem uma educação baseada em habilidades minimalistas,
preparando-os a estar apto a concorrer a uma vaga no mercado de trabalho (venda da força de
trabalho na forma de mercadoria). Dessa forma, o “cidadão de sucesso” seria aquele que
possui as habilidades mínimas para a entrada no mercado e se torna um indivíduo mais
produtivo para sua empresa e um consumidor potencial.
Como na concepção burguesa de cidadania, a igualdade entre os indivíduos se daria no
campo jurídico e político (nos limites da democracia burguesa), mas excluiria o campo
econômico, a educação voltada para aumentar a escolaridade dos pobres (defendida acima por
João Batista Araújo e Oliveira) não promoveria a chamada “igualdade dos pontos de partida”
(promessa não cumprida pelo “Neoliberalismo da Terceira via”) à medida que os pobres, ao
receberem as habilidades mínimas para inserção no mercado de trabalho, conformar-se-iam
com o “destino” reservado aqueles que não tiveram o mérito de “estudar mais” e ocupar
“melhores” postos de trabalho.
Como analisado no capítulo anterior, os pontos de partida não são iguais em função de
algumas mediações que não são consideradas pelo escritor do manual do “Programa Acelera
Brasil”. Uma mediação que não pode ficar de fora dessa análise é a desigualdade promovida
pelas diferenças econômicas que obrigam os “pobres” a entrar prematuramente no mercado de
trabalho e abandonar a escola; além disso, as habilidades minimalistas levadas pelo
“Programa Acelera Brasil” não tem por objetivo proporcionar às massas o acesso aos níveis
mais elevados da cultura, promovendo uma elevação cultural e maior conscientização política.
A proposta do “Acelera Brasil” é formar cidadãos com habilidades mínimas para se tornarem
candidatos a entrada no mercado de trabalho, para torná-los mais produtivos, entretanto cada
vez mais passivos na compreensão e enfrentamento da expropriação de suas forças materiais e
espirituais, conformando-os ao capital.
A alienação entendida como processo de perda da “essência humana” (MÉSZÁROS,
1981, p.16) é um dos componentes da ideologia chamada “Pedagogia do Sucesso”,
materializada no “Programa Acelera Brasil”, cuja proposta de formar seres produtivos, que
não se percebem como parte daquilo que produzem e aceitam passivamente a expropriação de
suas forças materiais e espirituais, é fundamental para que a reprodução metabólica do capital
se dê com poucas ranhuras (correlação de forças), sem grandes rupturas do pacto social
171
vigente. Nessa proposta pedagógica, a educação é vista como uma mercadoria reificada que
requer a padronização, que recusa os determinantes e contradições que perpassam sua
realização.
4.3.4 Novo papel do professor no “Programa Acelera Brasil”: despolitização do seu papel
político
Iniciaremos esse tópico apresentando o papel que o professor deve ocupar no processo
pedagógico que foi desenvolvido por João Batista Araújo e Oliveira (idealizador do
“Programa Acelera Brasil”) no livro “A Pedagogia do Sucesso”. Em seguida, dividiremos em
análises pontuais cada argumento utilizado por esse intelectual ao apontar o novo papel que o
professor deverá ocupar para fazer um aluno “dar certo”.
Algumas considerações a serem feitas no que diz respeito ao novo papel atribuído ao
professor pelo “Programa Acelera Brasil”.
a) Outro eixo estruturador do “Programa Acelera Brasil” é a
funcionalidade que o professor ganha como instrumento “capaz” de fazer um
aluno “dar certo”. Desenvolver o “Programa Acelera Brasil” com professores
“excepcionais” que seriam “capazes de operar milagres mesmo nas
circunstâncias mais difíceis” não é a meta do programa; mas, pelo contrário, a
meta é estabelecer estratégias que permitam a “pessoas ‘normais’ ou ‘médias’,
com uma formação adequada e dosagem moderada de competência e
motivação, consigam resultados satisfatórios de forma sistemática”
(OLIVEIRA, 2005, p. 55).
Questionamos: o que seria um professor excepcional? Existe alguma ligação direta
causa-efeito entre a concepção de professor excepcional e os resultados obtidos nas
avaliações? No que consistiria a operação de um milagre na “Pedagogia do Sucesso”?
Aprofundando nossas indagações sobre o que seria um professor excepcional, nos
questionamos sobre no que consistiria a concepção de pessoas normais ou médias.
Percebemos que existe uma ligação intrínseca entre a concepção de um professor
excepcional e a avaliação, uma vez que o “profissional milagroso” seria aquele capaz de
172
“fazer um aluno dar certo”. O aluno que dá certo nessa concepção pedagógica é aquele que
consegue executar tarefas previamente estabelecidas no manual (“Programa Acelera Brasil”)
e, depois de muitas repetições, seria capaz de fazer avaliações. Essa relação direta causa-
efeito entre professor excepcional e sucesso nas avaliações promovidas pelo “Programa
Acelera Brasil”, no nosso entender, pode ser uma forma de estimular o professor a ser um
“verdadeiro adestrador” para receber o título de “excepcional”.
Explico! O “Programa Acelera Brasil” ao fazer a leitura teórica do papel do professor
como aquele que treina alunos repetentes para realizarem avaliações, oculta um dos principais
papéis (numa perspectiva gramsciana) que é o de elevar o cabedal cultural das massas,
fornecendo-as os elementos teóricos necessários a pensar sua subsunção real ao capital, com o
objetivo de elaborar uma nova hegemonia (que atenderia aos interesses das massas).
Os chamados professores “normais ou médios”, por não serem excepcionais, para
conseguirem que seus alunos cheguem a resultados sistemáticos nas avaliações precisariam de
“uma dose moderada de competência e motivação”. Observando essa afirmativa percebemos
um equívoco conceitual na adoção da palavra competência usada como sinônimo de
capacidade. Todo o professor devidamente habilitado e em dia com suas obrigações
financeiras com os respectivos conselhos regionais a lecionar uma disciplina tem a
competência por força da positividade do direito de exercer a profissão do magistério. O
equivoco teórico reside na sinonímia identificadora da competência como a capacidade de
realizar uma determinada tarefa.
No que diz respeito à motivação, entendemos que quaisquer profissionais precisam
estar motivados para realizarem seu trabalho. Agora, o que nos chama a atenção é o fato da
motivação do professor, perspectiva do “Programa Acelera Brasil”, girar em torno da
necessidade de diplomar alunos e não de proporcionar aos alunos o acesso aos saberes
científicos e culturais produzidos por sua sociedade como ferramenta crítica na compreensão
do trabalho como extração de mais-valia. A motivação da compreensão da contradição
existente na categoria trabalho57
não aparece nas discussões do “Programa Acelera Brasil”,
está inscrita no campo da ideologia (como se não existisse o processo dual de extração de
mais-valia).
A motivação para as discussões e debates entre docentes e discentes reside no trabalho
como forma de o homem interagir com a natureza. A nosso ver a motivação é um
57 Classificamos “Trabalho” como categoria quando aparece numa perspectiva de contradição de classes, extração de mais-valia (onde existe um processo dual) baseados em nossas anotações de aula nas discussões do grupo de Pesquisa em Educação, coordenado pelo professor Dr. Roberto Leher, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em maio de 2011, tendo
por base o texto do capítulo 4 “o método da dialética”. Cf. KOFLER, 2010.
173
determinante que poderá indicar os caminhos que um programa educacional pretende seguir:
perpetuação das relações sociais existentes ou a criação de uma nova hegemonia criada a
partir da elevação cultural e consciência política das massas na compreensão do processo dual
de extração de mais-valia.
b) Para que a “cultura da repetência” fosse superada pela “cultura do
sucesso” (aprovação e regularização do fluxo série-idade), o programa de
aceleração da aprendizagem idealizado por João Batista Araújo e Oliveira para
o CETEB (“Acelera Brasil”) desenvolveu “estratégias programáticas para
ensinar o professor a dar certo” e com o apoio financeiro do MEC58
, através do
Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), passou a
priorizar a produção de um material didático que atacasse a repetência.
(OLIVEIRA, 2005, p.63).
Partimos do seguinte questionamento: o que seria “um professor dar certo” na concepção
pedagógica do “Programa Acelera Brasil”. Observando os argumentos defendidos por João
Batista de Araújo e Oliveira, percebemos, mais uma vez, a relação causa-efeito entre o
professor ser considerado “bom” quando o aluno está preparado para a realização das
avaliações propostas pelo programa “Acelera Brasil”. O que diríamos se um aluno não se saiu
bem nas avaliações propostas pelo programa em função de determinantes históricos,
socioeconômicos e psicológicos? Afirmaríamos com toda a convicção que o professor é ruim
ou fracassou na sua tarefa “sacerdotal” de “fazer o aluno dar certo”?
A exposição dos argumentos que dão sustentação ao “Programa Acelera Brasil”
comumente caem em análises rasas, com pouca profundidade teórica, estabelecendo relações
de causa-efeito e desconsiderando as mediações simbólicas, históricas, socioeconômicas, o
que dificulta um olhar crítico sobre a realidade. O aluno não é uma “coisa” idealizada, um
sujeito isolado. Numa pesquisa muitas vezes é necessário isolar alguns fatos do todo para
melhor captar suas determinações mais simples com a finalidade de compreender o conjunto
das relações do nosso objeto de estudo que compõem a totalidade. Embora podemos afirmar
58 Contando o apoio pessoal do Ministro Paulo Renato, um dos maiores entusiastas do governo Fernando Henrique Cardoso na priorização dos programas de aceleração da aprendizagem como instrumentos de superação da repetência e dos baixos índices coletados nas avaliações do INEP, como o SAEB, por exemplo. Em recente acordo assinado com o Instituto Ayrton Senna em maio de 2012, o Ministro Moreira Franco da Secretaria de Assuntos Estratégicos ligada à Presidência da República
se mostrou muito empolgado com os resultados obtidos pelo instituto.
174
que isolamos alguns fatos, não o isolamos, pois serão novamente incorporados à totalidade
social para elaboração da explicação.
Os fatos quando analisados isoladamente guardam relação com a totalidade das
relações sociais. É em função dessa constatação que criticamos o “Programa Acelera Brasil”
que isola os elementos mediadores da totalidade social, sem, contudo, incorporá-los
novamente ao todo na elaboração da explicação, visando a maior proximidade possível da
realidade. O “Programa Acelera Brasil” ao se ater no isolamento da constatação causa-efeito,
não consegue explicar a totalidade das relações sociais, pois desconsidera suas mediações.
c) O aluno só vai “dar certo” quando o professor assumir um novo papel.
“Seu desafio principal não é dar aulas ou cumprir o programa – é fazer o aluno
dar certo. O material de ensino cuida do programa. O professor cuida que o
aluno aprenda o material de ensino [...]” (OLIVEIRA, 2005, p. 76). O
professor não pode se deixar levar pelas circunstâncias, pois não há espaço
para “tarefas mal feitas ou desculpas para o não cumprimento das tarefas
propostas”, baseadas nos conteúdos mais relevantes centrados principalmente
nas competências ler e resolver problemas matemáticos.
Para cumprir o foco do programa (“fazer o aluno dar certo”) o professor também
precisaria “dar certo” e para tanto, contaria com uma ajuda imprescindível: material de ensino
que, se seguido à risca, cumpriria o foco do programa. O que nos chama a atenção é a
concepção do “Programa Acelera Brasil” idealizar um professor refém do material de ensino,
um mero executor de tarefas previamente estabelecidas no programa para qualquer aluno em
quaisquer partes do país. Sua função política problematizadora das relações sociais vigentes,
da forma como os homens se (re)produzem enquanto seres sociais, é, na ótica do “Programa
Acelera Brasil” “abandonada” ou vista por essa concepção particularista de mundo como uma
função específica de técnicos da educação, como por exemplo, Cláudia Costin (Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro), Gustavo Ioschpe, João Batista Araújo e Oliveira
(consultores de ONGs).
Entendemos que uma das finalidades de programas educacionais como o “Acelera
Brasil” (que o professor é concebido como executor de pacotes de conhecimento fechados) é
minar o processo de reflexão de como se produziu esse conhecimento, a qual interesse de
classe atenderia e em que circunstâncias históricas, mesmo em meio às resistências,
contradições, questionamentos à ideia da transmissão de saberes exteriores ao próprio
175
professor. Nesses pacotes teríamos um kit de conhecimentos gerais mínimos capazes de
permitir ao aluno (futuro trabalhador?) executar uma função simples no mercado de trabalho.
O professor nessa concepção de educação perderia seu caráter de intelectual orgânico
difusor e/ou construtor de uma nova hegemonia. Contudo, cabe-nos ressaltar que a educação
não se reduz ao ideológico (FRIGOTTO, 2010, p. 28), é prática mediadora do que se dá no
interior do sistema capitalista, onde se disputam espaços por interesses antagônicos. É
fundamental percebemos que tanto em relação às análises que estabelecem vinculações do
tipo causa-efeito entre educação e estrutura quanto a relação que dissocia essa vinculação
totalmente, abandonam a análise dialética.
Em função do exposto acima é importante captar a relação
[...] dialética entre infra e superestrutura; da expansão mais rápida do trabalho improdutivo
em face do trabalho produtivo como resultado do processo da dinâmica do processo de produção capitalista cujo objetivo não é satisfazer necessidades humanas, mas produzir para o lucro (FRIGOTTO, 2010, p.27).
A prática educativa estabelece mediações importantes com o modo capitalista de
produção à medida que estabelece a vinculação entre o comensalismo existente entre o
trabalho produtivo e o trabalho improdutivo na sociedade capitalista. Necessário é perceber
que essa interdependência do trabalho produtivo em relação ao trabalho improdutivo faz parte
de um movimento maior da totalidade das relações capitalista de produzir a riqueza59
.
O aumento da produção do trabalho produtivo passa pela nova instrumentalidade que
o trabalho improdutivo fornece ao capital à medida que o aumento da escolarização tanto em
sua dimensão de qualificação mínima para a entrada dos alunos (futuros trabalhadores?) no
mercado de trabalho na realização de trabalhos simples, quanto na sua dimensão mais
sofisticada dos conhecimentos elaborados pela humanidade para aqueles que ocuparão cargos
estratégicos na reprodução do capital. Ambas as dimensões estariam atendendo aos interesses
mais imediatos do capital, pois
A escola será um lócus que ocupa – para um trabalho ‘improdutivo forçado’ – cada vez mais gente e em maior tempo e que, embora não produza mais-valia, é extremamente necessária ao sistema capitalista monopolista para a realização da mais-valia; nesse sentido, ela será um trabalho produtivo (FRIGOTTO, 2010, p.38).
Após a exposição acima, percebemos que a afirmativa que o material de ensino cuida
do programa e o professor cuida que o aluno aprenda o material de ensino dos conteúdos mais
59 Nossas anotações das observações feitas pelo Professor Dr. Gaudêncio Frigotto após as discussões de nossa banca de
qualificação do projeto de pesquisa. Agosto de 2011.
176
relevantes é mais uma forma de ocultar a relação que se estabelece entre a escola que realiza
trabalho improdutivo gerando cada vez mais mão de obra geradora de mais-valia; ou seja,
indiretamente a escola está atuando produtivamente, ainda que não o esteja na forma imediata.
Será que o material de ensino fornecido pelo programa teria força tal que faria um
aluno aprender os conteúdos mais relevantes? Após a observação inicial, percebemos que o
material de ensino (coisa) passa a ser o foco do processo educativo, enquanto os indivíduos
(humanos) são deixados a um segundo plano. A relação entre seres humanos e coisas se
produz socialmente. Portanto, questionamos: será que os conteúdos considerados mais
relevantes pelos idealizadores do “Programa Acelera Brasil” deixam claro aos indivíduos que
estarão em contato com o material de ensino como foram selecionados os conteúdos ditos
mais relevantes? Observando mais uma vez, percebemos que os indivíduos receptores do
material de ensino até podem compreender que a própria produção do saber é construída
socialmente, nas correlações de força existentes na sociedade, mas, para tanto, a visão crítica
de um professor seria fundamental para intermediar o contato dos alunos com os
conhecimentos apresentados como verdades universais e imutáveis pelo “Programa Acelera
Brasil”.
Outra questão bastante relevante é a atuação do professor como fiscal que cuida para
que não haja brechas nem desculpas para tarefas mal feitas pelos alunos. Essa afirmativa nos
permite tecer um comentário. Estaria o “Programa Acelera Brasil” reduzindo as múltiplas
dimensões de atuação do professor (sua função intelectual formadora de opinião, seu papel
político) a uma função de burocrata, fiscal dos alunos que fazem os exercícios propostos pelo
material de ensino?
Não desconsideramos a importância dos exercícios no processo de apreensão de
determinados saberes, mas entendemos que o professor é mais do que um burocrata do ensino
que cuida que o aluno cumpra todas as tarefas propostas pelo programa. A sobrepujança que o
material de ensino ganha nesse processo é tão destacada que cada vez mais o professor se vê
obrigado a fiscalizar se o que foi programado para aquela aula pelo “Programa Acelera
Brasil” está sendo cumprido rigorosamente. Sua função problematizadora das relações sociais
em que os homens se (re)produzem, seu papel de intelectual formador e divulgador de visão
de mundo vai sendo subsumido à “nova função” de fiscal que não deve levar em consideração
quaisquer tipos de desculpas apresentadas pelos alunos, ao mesmo tempo em que também é
“fiscalizado”, controlado pelas avaliações ou resultados empreendidos.
Levantamos outra questão: ao desconsiderar as condições históricas, psicológicas,
socioeconômicas de um aluno para o não cumprimento de uma tarefa previamente
177
determinada no material de ensino, estaria o “Programa Acelera Brasil” criando um tipo ideal
de aluno? Pensamos que, mesmo com fiscalização dos superiores hierárquicos, há correlação
de forças entres os professores e a comissão supervisora que verifica se o programa está sendo
cumprido na íntegra. Os professores não são sujeitos passivos que incorporam os preceitos
defendidos pelo “Programa Acelera Brasil” sem quaisquer tipos de questionamentos (mesmo
que não os exponham).
Contudo, se não se perceberem como sujeitos políticos, agentes de formação e
divulgação de uma nova hegemonia (contrária à que serve de esteio ao “Programa Acelera
Brasil”), podem legitimar a cada dia mais o “novo tipo ideal” de professor que vem sendo
desenhado por alguns programas educacionais: desempenho de muitas atribuições
burocráticas e diminuição do tempo para reflexão de como o conhecimento é construído,
quais correlações de força, quais projetos societários estão envolvidos na produção do saber.
Perda de sua relativa autonomia polítco-didática.
d) A avaliação deverá ser adotada pelo professor não apenas como mais uma
mera formalidade a ser cumprida, mas como um instrumento de verificação de
domínio das competências básicas exigidas pela sociedade em que estamos
inseridos, além de saber se o produto de cada projeto se traduziu efetivamente
em conhecimentos adquiridos pelos alunos. Para que tanto a avaliação quanto o
novo papel do professor funcionem de modo a evitar “desvios do programa”, o
planejamento das atividades se torna condição fundamental para o sucesso do
“Programa Acelera Brasil”.
A nosso ver, a avaliação seria o fio condutor do processo de “refuncionalização” da
escola pública e do papel do professor, pois a velha lógica capitalista de certificação ao menor
custo e tempo possíveis estaria associada à ajuda de empresários filantrópicos que se
“preocupam” com o treinamento de indivíduos “pobres” para realizarem as avaliações, sob o
manto de levar cidadania. A tarefa de avaliar estaria restrita a verificar se o aluno domina as
competências exigidas pela sociedade regida pelo capital, fornecendo mão de obra com maior
qualificação para atender ao mercado de trabalho. O interessante desse ponto é que o
professor só cumpriria plenamente sua função se não se desviasse do programa, do que está
previsto para a avaliação das etapas do “Acelera Brasil”.
Quando adotamos o termo “refuncionalização” não estamos afirmando que o novo
papel do professor inserido no programa é ser um agente que contribui indiscriminadamente
178
para a reprodução do capital; cremos que há tensões na aplicação do “Programa Acelera
Brasil” por parte dos professores e é com base nisso que destacamos a preocupação do
idealizador do “Programa Acelera Brasil” com possíveis intervenções dos professores que
viessem a fugir do que estava prescrito no manual do programa. João Batista Araújo e
Oliveira (2005) relembra a todo o tempo a necessidade do professor fazer o aluno “dar certo”.
Entrementes, o professor que “abraça” o programa deve ser voluntário e estar preparado para
não desviar-se do foco do programa para possíveis intervenções criativas, “principalmente na
sessão da leitura, que é o carro-chefe do programa” (OLIVEIRA, 2005, p. 96).
O que seriam os desvios criativos que tanto preocupam o elaborador do “Programa
Acelera Brasil”? É nesse sentindo que acreditamos que mesmo sem funcionarem como braços
operativos do capital dentro da escola, esse processo vem acompanhado pela constituição de
um ethos definidor do professor como executor de tarefas previamente agendadas, cuja
preocupação principal é saber se o aluno domina as habilidades focais do programa: leitura e
resolução de cálculos. No “Programa Acelera Brasil” não teria espaços para discussões
promovidas por professores ou alunos que fugissem do previsto; dessa forma, muitos
professores (que não vislumbram a práxis revolucionária), mesmo compreendendo a essência
do programa (forma precípua de formação de mão de obra simples e certificação da maior
quantidade de indivíduos na menor quantidade de tempo possível), contribuem para a
penetração da lógica fabril na escola sem que necessariamente sejam agentes diretos
operadores do capital.
O que estamos tentando compreender é como o novo papel do professor, atribuído por
instituições operadoras do capital na escola (como o Instituto Ayrton Senna) tem contribuído
para a formação de um ethos legitimador dessa concepção única de atuação. É a construção de
uma pedagogia que teria por finalidade diminuir os espaços de debate de como é processado o
conhecimento: é a substituição da lógica da compreensão de como o saber é constituído
(processo) pelo empacotamento de conhecimentos prontos e acabados (produto).
4.3.5 “Dialética” unilateral do “Programa Acelera Brasil”
As políticas educacionais patrocinadas pelo MEC/FNDE, destacadamente as de
aceleração da aprendizagem não seriam atos de uma mente iluminada que descobrira o
179
caminho para o sucesso na educação, aquilo que pesquisadores levam anos tentando saber;
mas “são processos sociais, dialéticos e complexos” (OLIVEIRA, 2005, p.136).
É no que diz respeito ao caráter dialético da concepção do “Programam Acelera
Brasil” que gostaríamos de nos ater. Precisamos compreender o que o autor da “Pedagogia do
Sucesso” (manual teórico-metodológico do “Programa Acelera Brasil”) entende por processo
dialético na construção de sua teoria.
Observando a construção do argumento central que legitima a adoção do “Programa
Acelera Brasil” como tecnologia social capaz de fazer o aluno “dar certo”, percebemos que a
concepção da dialética adotada por João Batista Araújo e Oliveira é aquela que remonta à
“arte do diálogo” na Grécia Antiga que “aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo,
demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente
os conceitos envolvidos na discussão” (KONDER, 1986, p.7).
Entendemos que o “Programa Acelera Brasil” foi elaborado a partir de dois
argumentos centrais: defasagem idade-série e “cultura da repetência” (“cultura do fracasso”).
Esses argumentos se desenvolveriam em torno da premissa organizadora do discurso que
defende que tanto a defasagem idade-série quanto a “cultura da repetência” se dariam em
função da administração burocrática estatal ser muito ineficiente e não ter por finalidades o
alcance de metas objetivas, como teria a iniciativa privada (aqueles que em tese saberiam
administrar bem e conseguir bons resultados econômicos).
É através dessa premissa que a “Fórmula do Sucesso” é apresentada como uma tese a
ser comprovada no diálogo, com a exposição dos argumentos. Trata-se da luta por vencer
através da argumentação e não a tentativa de procurar as contradições daquilo que se
apresenta como verdade na busca pela realidade.
Na acepção moderna, entretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação (KONDER, 1986, p. 7).
Ao desconsiderar o todo na busca da realidade, a dialética que se dá na disputa por
argumentos mais aceitáveis pelo público, independentemente dos critérios de verdade na
construção desses argumentos, o “Programa Acelera Brasil” cai numa perigosa
“unilateralidade não dialética” (KOFLER, 2010, p. 55). Esse tipo de análise que vê no
argumento em si o critério de validade, que não procura as contradições que levam à
construção da suposta verdade apresentada através dos argumentos não captam a essência da
elaboração do conhecimento como construção histórica. Segundo Gaudêncio Frigotto (1994,
180
p. 73), “isso implica dizer que as categorias totalidade, contradição, mediação, alienação não
são apriorísticas, mas construídas historicamente”.
Quando o “Programa Acelera Brasil” é apresentado como uma “Fórmula de Sucesso”
para qualquer escola e alunos em realidades históricas, psicológica e social diferentes
desconsidera o papel que essas mediações têm na construção do conhecimento que é
oferecido como um “pacote” pronto a ser consumido (a verdade em si). Esse tipo de análise
que serviu de base para a elaboração do “Programa Acelera Brasil” conduz à adesão de sua
concepção de mundo baseada na “eficiência” e “responsabilidade social” dos empresários
(ideologia) transposta para as escolas públicas.
É com base na negação das categorias totalidade, alienação e mediação que
entendemos que a dialética adotada pelo “Programa Acelera Brasil” é uma via de mão única
que se sustenta em argumentos cujo critério de verdade está na aceitação do argumento
estruturador do programa pelo público, o que pode levar à adesão em prol de uma suposta
imparcialidade ideológica do “Programa Acelera Brasil” adotado como ferramenta de
intervenção social (num Estado fracassado na prestação do serviço público) pelo Instituto
Ayrton Senna. Na dialética adotada pelo programa, “a crítica não assume efetivo papel
histórico quando se constitui em mediação para travessia para novas formas de mediações
sociais” (FRIGOTTO, 2001, p.42).
É justamente por negar a condição histórica e as correlações de forças que atravessam
a construção desse saber “empacotado” (“Programa Acelera Brasil”) que a totalidade das
relações sociais é deixada de lado em prol de problematizações que dão destaque à
inevitabilidade do capital após a crise do socialismo real (FUKUYAMA, 1992), centrando as
análises em diferenças culturais, de etnia, de fatos da vida cotidiana; sem, contudo,
estabelecer as relações que esses aspectos possuem com as diferenças econômicas numa
perspectiva histórica ampliada, cujo objetivo é chegar à totalidade das relações sociais.
A afirmação desse ethos da inevitabilidade do capital e de sua não problematização
tem nos chamado a atenção, pois os indivíduos participantes do “Programa Acelera Brasil”
terão contado com materiais de ensino (“que são os responsáveis pelo ensino”) que atomizam
os indivíduos, não estabelecendo sua relação com a totalidade das relações sociais (inclusive a
econômica). Ao invés disso, a problemática recai nas diferentes formas de “enxergar” os
aspectos culturais, da vida cotidiana, dos fatos históricos, como querem os pesquisadores pós-
modernos (FRIGOTTO, 2001).
181
4.3.6 “Programa Acelera Brasil” é político: ataque à autonomia da escola na elaboração de
seu projeto político-pedagógico
Segundo João Batista Araújo e Oliveira (2005), antes de ser uma proposta pedagógica,
o programa de aceleração da aprendizagem (correção de fluxo escolar) é uma proposta de
política educacional que deve ser encampada como compromisso político de prefeitos,
governadores e secretários. Entretanto, não bastaria apenas compromisso político se o
gerenciamento das escolas não fosse profissional, ou seja, administrado por pessoas com
qualificação na área administrativa ao invés de professores readaptados que “quebrariam
galhos” nas secretarias das escolas. É a defesa da implantação dos pressupostos da Reforma
Gerencial que defendia a transferência da gestão e execução de atividades sociais (educação
pública) a instituições privadas (sem fins lucrativos) em razão de sua “maior” capacidade
administrativa na gestão dos recursos públicos.
Em função dessa suposta falta de compromisso político com o resultado das políticas
públicas, o “Programa Acelera Brasil” pretende atacar o problema no seu cerne: a “cultura
pedagógica” que vê na repetência algo normal, transformando-se numa cultura educacional.
Para tanto, o “Programa Acelera Brasil” deve se “concentrar, durante um tempo determinado
não superior a quatro anos, no foco da política educacional na regularização do fluxo escolar”
(OLIVEIRA, 2005, p. 56). Enfim, o “Programa Acelera Brasil” se apresenta como uma
tecnologia “robusta” de intervenção da “realidade” capaz de traçar uma estratégia cuja
finalidade é a regularização do fluxo escolar transformando a cultura do fracasso (repetência)
na cultura do sucesso (aprovação).
No que diz respeito ao conceito de “comprometimento político” do governo
contratante do serviço de aceleração da aprendizagem, prestado pelo Instituto Ayrton Senna,
observamos que esse conceito está intimamente ligado a uma política econômica em dois
aspectos fundamentais: a) Aporte financeiro dos governos contratantes à ONG executora do
“Programa Acelera Brasil” (Instituto Ayrton Senna); b) O programa estaria a serviço do
governo contratante como instrumento de economia de gastos públicos com a educação.
A “Cultura do Sucesso” seria implementada na rede pública de ensino contratante do
“Programa Acelera Brasil” à medida que o Instituto Ayrton Senna recebesse aporte financeiro
para pôr em prática a cartilha do programa, pois o dinheiro investido na aceleração da
aprendizagem se refletiria em economia para o governo contratante, pois os alunos
“fracassados” não teriam que cursar a mesma série duas ou mais vezes. Para que o programa
182
seja adotado com êxito, é necessário que haja comprometimento dos políticos contratantes na
adesão total dos métodos preconizados pelo “Programa Acelera Brasil”, uma vez que
quaisquer desvios do material de ensino poderiam pôr tudo a perder (OLIVEIRA, 2005).
Observando o argumento defendido pelo “Programa Acelera Brasil” de que a “cultura
do fracasso” (repetência) é tida como algo normal na rede pública de ensino, gostaríamos de
tecer alguns comentários. Na análise dialética (provar uma tese no e/ou pelo diálogo,
independentemente do critério de verdade) defendida por João Batista Araújo e Oliveira as
mediações das categorias totalidade, alienação e contradição, ao serem desconsideradas como
instrumentos de análise na busca da realidade conduzem o público a “comprar” a ideia de que
a escola pública gerenciada pelo Estado nada faz para que os alunos tenham acesso aos
saberes historicamente produzidos pelas sociedades.
É uma tentativa de camuflar que muitos dos problemas ocorridos na escola pública,
como a repetência e o abandono escolar não se dão numa relação direta causa-efeito entre
dedicação e falta de dedicação aos estudos pelos discentes ou pela relação que tenta se
estabelecer entre professores estatutários (com estabilidade probatória) com falta de vontade
de ensinar. Ao ignorar, por exemplo, a capacidade do capital em gerar miséria por ter
esgotado sua capacidade civilizatória60
, João Batista Araújo e Oliveira estaria
desconsiderando as contradições econômico-sociais que fazem com que o aluno que deveria
estar na sala de aula tenha que entrar prematuramente no mercado de trabalho para executar
trabalhos mal remunerados pelos próprios empresários com “responsabilidade social” que
financiam o “Programa Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna. Esses mesmos alunos
abandonam ou não são aprovados de série na escola porque os profissionais são ruins?
Acreditamos que não!
Numa perspectiva dialética materialista histórica, defendemos que o
comprometimento político dos governantes deve ser acompanhado com o sentido público,
entendido como bem comum, efetivamente universal, garantia aos sujeitos de gozar dos bens
culturais da educação, sem nenhuma restrição. Por sua vez, o Instituto Ayrton Senna exige
dos governos contratantes atenção total ao “Programa Acelera Brasil” que atua de maneira
focalizada, em algumas escolas; dessa forma, a atenção dos políticos no que diz respeito ao
financiamento poderia se concentrar apenas nas escolas em que o programa é desenvolvido.
Roseana Sarney, citada como exemplo de comprometimento político por João Batista
Araújo e Oliveira (2005), então candidata ao governo do estado do Maranhão em 1994,
60 Nossas anotações de aula do Professor Dr. Gaudêncio Frigotto. Agosto de 2010.
183
solicitou ao CETEB a elaboração de uma tecnologia de intervenção social na área educacional
cujo compromisso seria tirar o Maranhão do ranking negativo dos cinco piores Estados
brasileiros na avaliação realizada pelo SAEB. Após sua eleição, Roseana Sarney teria adotado
o programa de aceleração da aprendizagem como política pública prioritária no combate à
cultura da repetência, objetivando regularizar o fluxo escolar e economizar dinheiro público
com os custos gerados pela repetência.
O exemplo de comprometimento político defendido pelo “Programa Acelera Brasil” é
aquele que vê na vontade do político em melhorar o ranking de sua rede de ensino nas
avaliações promovidas pelo INEP. A questão não passa em saber o porquê da repetência ou
do abandono escolar, quais determinantes estão envolvidos nesse processo; mas pela
aprovação dos alunos com idade avançada para a série cursada e pelo treinamento dos alunos
da rede regular (aqueles que não participam de programas educacionais) para realizar as
provas do INEP. Nossa discussão centra-se no fato do entendimento em torno do
comprometimento político não passar por uma discussão mais ampla que envolveria a busca
pelos determinantes que levam a altos índices de repetência e abandono escolar e pela
autonomia política e pedagógica das escolas.
Por se tratar de um programa político que requer adesão total do governo contratante do
serviço, o “Programa Acelera Brasil” tem seu próprio projeto político pedagógico que
funciona paralelamente ao ensino regular, pois o programa tem seus objetivos pré-
determinados de forma uníssona para qualquer escola em qualquer Estado da federação.
Questionamos-nos: como possibilitar à escola ter a autonomia na formulação de seu projeto
político-pedagógico uma vez que o “Programa Acelera Brasil” já possuí o seu
independentemente dos anseios da comunidade escolar, das condições históricas, econômicas,
sociais, culturais da escola em que está sendo desenvolvido?
Concluímos que é a escola que têm que se adaptar ao programa e não o contrário. “A
Fórmula do sucesso está pronta”. Por isso, um dos pré-requisitos para a implementação do
“Programa Acelera Brasil” seria a adesão total de seus preceitos e fórmulas prontas pelo
governo contratante sob o manto do “comprometimento político com a educação”.
4.3.7 Gerenciamento profissional: supervisão e avaliação como produto e não como meio de
construção do conhecimento
184
Um gerenciamento profissional colocaria o aluno como foco das políticas públicas
voltadas para a educação. Através de uma concepção “pragmática”, o “Programa Acelera
Brasil” seleciona os conteúdos mais relevantes, como teria feito o Telecurso 2000 (que
fornece material didático ao programa) ao constatar que o “currículo pode e deve se limitar ao
essencial; o importante é ensinar pouco e bem” (OLIVEIRA, 2005, p.70). Ensinar aos alunos
as competências exigidas pela sociedade em que está inserido é uma forma de garantia de
direitos de ser uma pessoa “normal”.
O programa de aceleração da aprendizagem apoia-se de uma concepção pragmática.
Vale-se de recursos conceituais, metodológicos, técnicos e práticos que ajudem os
alunos multirrepetentes a sair da condição de ‘fracassados’ para a de pessoas
normais, competentes e bem sucedidas com todos os direitos e reconhecimento que
merecem (OLIVEIRA, 2005, p. 67).
A primeira questão que nos salta aos olhos é a concepção “pragmática” do “Programa
Acelera Brasil”. Diante da afirmativa de que o programa é “pragmático” levantamos a
questão: até que ponto esse pragmatismo confunde verdade com utilidade? Essa questão
muito nos inquieta à medida que percebemos a construção de um ethos produtivista para que a
escola passe a ter valor. Não estamos afirmando que a escola é um local de reprodução em si
do sistema capitalista; compreendemos a escola como local de cruzamentos de projetos
societários em disputas, mas que cada vez mais está voltada para atender às demandas do
capital mesmo que indiretamente.
À medida que o “Programa Acelera Brasil” tem por proposta pragmática certificar a
maior quantidade de alunos na menor proporção de tempo possível, mesmo enfrentando
resistências nas escolas, o capital (enquanto relação social) ocupa lugar especial nesse
programa educacional adotado como política pública, pois a escola para ser produtiva tem que
ser útil e sua utilidade estaria, não em gerar mais-valia, mas em diplomar geradores de mais-
valia. A identificação do pragmatismo com a utilidade da escola em formar mão de obra
encontra terreno fértil no senso comum; entrementes, isso pode gerar um grave problema: a
dissolução do “teórico no útil” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 241).
A identificação do pragmatismo do “Programa Acelera Brasil” como aquilo que é útil
se corporifica na negação da práxis enquanto categoria essencial para não apenas formular
teorias, mas atuar na prática com vistas a revolucionar a realidade que se apresenta. Esse
ponto é central na análise da identificação do “Programa Acelera Brasil” na manutenção e
reprodução do capital, pois o foco recai na utilidade que o ensino teria para que a engrenagem
do capital continue a funcionar, sem a perspectiva do que está além do imediatismo que se
185
revela no senso comum. Para tanto, o programa defende que se deve ensinar pouco, apenas o
“essencial”, sem que haja uma proposta de uma nova hegemonia em prol dos filhos dos
trabalhadores: ensinar apenas o mínimo possível para diplomar indivíduos, conformando-os
ao que o “destino” os reservaria.
A estrutura de funcionamento do “Programa Acelera Brasil” zela por um
gerenciamento profissional, para tanto, mantém uma equipe composta por um supervisor para
cada grupo com dez professores, cada município tem um coordenador diretamente ligado ao
prefeito e com bom trânsito na Secretaria de Educação, cada conjunto de municípios tem um
assessor, existe uma equipe técnica que dá suporte para que ocorra o bom funcionamento do
programa, além de o Instituto Ayrton Senna estabelecer compromissos e cobrar diretamente
do prefeito o seu cumprimento.
Cabe ressaltarmos que as avaliações que o “Programa Acelera Brasil” promove se
dividem entre as que são elaboradas pelos professores e as que já chegam num pacote,
elaboradas pela Fundação Carlos Chagas. Nas avaliações promovidas pelos professores que
executam o programa, há orientações de supervisores e coordenadores quanto ao que avaliar e
a forma de correção, uma vez que um único professor (multidisciplinar) é o responsável por
ministrar as aulas, ou seja, um professor polivalente.
Essa ideia do professor polivalente, que apenas cuida do material estabelecido pelo
“Programa Acelera Brasil” é outro eixo estruturante do funcionamento do programa que se
divide em vários projetos, cujo “desafio” é o elemento estimulador da curiosidade dos alunos.
Para o professor, o desafio “consiste em manter os alunos na rota do desafio – sem se desviar
em caminhos paralelos” (OLIVEIRA, 2005, p.81). O autor da “Pedagogia do Sucesso” chama
a atenção para o fato dos professores não caírem numa suposta criatividade que venha a
mudar os rumos já pré-estabelecidos pelo manual de um aluno que dá certo.
Há dois pontos importantes a serem abordados no tocante à estrutura funcional do
“Programa acelera Brasil”: a) a quantidade de supervisores e coordenadores à disposição do
programa; b) a ideia de um professor polivalente.
Chama a atenção o fato de o “Programa Acelera Brasil” contar com especialistas em
educação na área de supervisão e coordenação, atuando nas escolas públicas e toda essa
estrutura montada paga com o dinheiro público do governo que estabelece a parceria público-
privada. Levantamos outra questão: quais seriam os motivos desses mesmos governos
contratantes da ONG não abrirem concursos públicos para especialistas como supervisores e
coordenadores? Nesse particular encontramos características gerais do “Neoliberalismo da
186
Terceira Via” na particularidade do “Programa Acelera Brasil” justamente no esvaziamento61
do Estado na prestação do serviço público com a finalidade de passar às instituições do
“Terceiro Setor” (Instituto Ayrton Senna) a prestação do serviço público na área social.
Outro ponto a ser considerado é a relação da ideia de professor polivalente com a
ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via” que defende que os gastos com a área social
deveriam ser otimizados: cortar gastos. Dessa forma, um único professor lecionando várias
disciplinas ao mesmo tempo geraria economia salarial, uma vez que se evitaria pagar salários
a cada professor por disciplina. Nessa perspectiva do “Neoliberalismo da Terceira Via” a
lógica privada de que a escola deveria produzir ao menor custo possível deveria ser levada às
redes públicas de ensino.
Nos dois tópicos abordados acima, a particularidade do estudo (parceria público-
privada entre a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e o Instituto Ayrton
Senna para prestação de serviço público de aceleração da aprendizagem) guarda relação com
as doutrinas mais amplas da ideologia do “Neoliberalismo da Terceira Via”. Essa parceria
público-privada é um momento que está inscrita na totalidade das relações sociais capitalistas.
Em função de compreendermos essa relação “momento-todo”, procuramos não amarrar nossa
exposição apenas aos fatos sem antes observar e questionar os pressupostos teóricos que
englobam a concepção do “Programa Acelera Brasil” que busca a verdade na lógica formal da
exposição dos fatos em sua imediaticidade.
Ainda com relação a atuação dos supervisores, Vera Peroni (2011) identifica com
bastante propriedade que a autonomia dos professores em sala de aula é esvaziada à medida
que o “Programa Acelera Brasil” deve ser cumprido na íntegra; caso algo fuja no de que está
prescrito, o professor é penalizado pelo supervisor responsável por acompanhar suas aulas e
sua avaliação fica comprometida, o que viria a se refletir no salário pela lógica das
premiações das escolas e professores que seguem à risca o que está previsto no programa e
conseguem levá-lo até o fim sem “desvios”, certificando a maior quantidade de alunos no
menor tempo possível. Lógica fabril nas escolas!
Apontada como a elaboradora das avaliações externas que os alunos do programa
deverão passar, a Fundação Carlos Chagas, em seu sítio oficial, divulga que o Instituto Ayrton
Senna é um dos seus principais clientes no que diz respeito à confecção de provas para
verificar a eficácia dos programas educacionais do instituto (FUNDAÇÃO CARLOS
CHAGAS, 2012). Um dos argumentos estruturadores do “Programa Acelera Brasil” é que
61
Falta de concursos públicos, arrocho salarial, saída em massa de profissionais do magistério que migram para outras áreas
em busca de melhores salários e planos de carreira.
187
uma política constante de avaliação nas áreas de leitura, escrita e resolução de problemas
matemáticos seriam os melhores indicadores de aferição se um aluno recebeu ou não uma
educação de “qualidade”.
Uma questão que salta aos olhos no tocante à chamada “política constante de avaliação”
é o foco no produto final e não na forma como foi construído o conhecimento. Apresentado
como pacote fechado e que tem que ser cumprido à risca, as avaliações do “Programa Acelera
Brasil”, fornecidas pela Fundação Carlos Chagas, mede o produto final e não dá o devido
peso no processo avaliativo de como o conhecimento foi produzido, dentro de um sistema de
correlação de forças, mas é apresentado como verdade universal que precisa ser internalizada
pelos alunos, que após vários treinamentos, tenham um resultado final que “revelaria” a
própria realidade educacional.
Essa forma de avaliação planificadora elaborada pela Fundação Carlos Chagas, adotada
pelo “Programa Acelera Brasil” é arbitrária quanto ao que se deve ou não discutir na escola e
oculta a influência das desigualdades sociais (ideologia não orgânica)62
no que diz respeito às
condições socioeconômicas, históricas, culturais de cada aluno.
A aplicação de um teste padrão, partindo de qualquer escolha arbitrária , no caso feita com técnicos adestrados nos organismos internacionais que definem a qualidade (total!) esperada, vai mostrar uma brutal desigualdade que as pesquisas vêm apontando há décadas, no
desempenho de acordo com a materialidade de condições sociais (extra-escolares) e das condições institucionais (intra-escolares). No plano social, basta tomar os dados das disparidades da distribuição de renda no Brasil para saber que vamos encontrar alunos com condições de educabilidade profundamente desiguais (FRIGOTTO, 1995, p. 85-86).
4.3.8 Abrangência do “Programa Acelera Brasil” e os parceiros filantrópicos específicos para
esse programa educacional
O Instituto Ayrton Senna em seu site oficial divulga os dados do “Programa Acelera
Brasil”, quanto à sua abrangência apenas até dezembro de 2010 (INSTITUTO AYRTON
SENNA, 2011f). O programa está presente em 727 municípios de 25 estados e no Distrito
Federal e é adotado como política pública pelos estados do Espírito Santo, da Paraíba, de
Pernambuco, do Piauí, de Roraima, do Rio Grande do Sul, de Sergipe e do Distrito Federal. O
único estado brasileiro em que o “Programa Acelera Brasil” ainda não penetrou em nenhum
62 Frigotto (1995, p. 77) explica a diferença entre ideologia orgânica e não orgânica utilizando-se de uma análise gramsciana. A ideologia não orgânica seria aquela que procura ocultar interesses historicamente antagônicos entre classes, com a finalidade de perpetuação da dominação de uma classe sobre outra.
188
município é o estado do Acre. No ano de 2010, foram atendidos 63.944 alunos e
3.554 educadores treinados no programa em todo o país.
Figura 1 – Abrangência do Programa Acelera Brasil
Fonte: Instituto Ayrton Senna (2011f)
Os resultados do programa:
Em cinco anos, 52% dos alunos que estudaram no Acelera Brasil na Paraíba saltaram de série, ajudando a rede a corrigir o fluxo escolar. Em Pernambuco, a taxa de abandono no Acelera (3,2%) é menor que a média do Brasil (10,3%) e do Estado (14,8%). No Tocantins,
99,5% dos alunos que concluíram o Acelera Brasil foram promovidos em 2008 (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2011f, p.1).
Nossa intenção era mapear cada escola do município do Rio de Janeiro que adotou o
“Programa Acelera Brasil”, contudo, como explicado anteriormente, a Prefeitura Municipal
de Educação do Rio de Janeiro nos trouxe várias dificuldades para conseguirmos obter o
contrato de parceria público-privada da Secretaria Municipal de Educação com o Instituto
Ayrton Senna (executor do programa). Outra questão que gostaríamos de levantar é o fato de
o Instituto Ayrton Senna não disponibilizar em seus canais oficiais de comunicação os dados
do programa no ano de 2011.
O “Programa Acelera Brasil” tem uma penetração tão grande no território nacional
que possui parceiros filantrópicos específicos para o programa. Dentre eles destacamos o
LIDE – Educação, Nestlé, Instituto Coca-Cola Brasil, Suzano Papel e Celulose e Grupo
Renosa (integrante do grupo Coca-Cola). Todos os parceiros que financiam o programa se
intitulam como empresas ou grupo de líderes empresariais com “responsabilidade social” que
veem no “Programa Acelera Brasil” uma tecnologia de intervenção social capaz de reduzir as
desigualdades de oportunidades.
O capital não conseguiria acabar com as desigualdades de oportunidades uma vez que
igualar os pontos de partida não seria apenas certificar indivíduos em nove anos no ensino
189
fundamental com educação minimalista. Esses indivíduos teriam as mesmas condições de
saúde, saneamento básico, econômicas (distribuição da riqueza), acesso ao bem cultural
produzido pelos seres humanos ao longo da história e à forma como conhecimento é
produzido numa perspectiva classista? Acreditamos que essa é uma contradição que o capital
tenta ocultar para manter-se hegemônico, pois se os indivíduos desfavorecidos na distribuição
da riqueza tiverem acesso aos bens culturais e históricos, através de uma educação que tenha
por objetivo sua elevação cultural e formação política para a superação da ordem existente, o
capital teria um de seus pilares de sustentação ruído: a alienação.
Mais uma vez, a partir da particularidade do “Programa Acelera Brasil” encontramos
relações gerais que permeiam o sistema capitalista de produção no seu momento de
reestruturação (desde a década de 1970) com sua face do “Neoliberalismo da Terceira Via”:
“responsabilidade social” dos empresários com os pobres visando evitar o aumento das
insatisfações com a miséria, o que poderia originar uma ruptura do pacto social vigente. A
ideia é manter o capital hegemônico enquanto relação social, associando a velha lógica fabril
a toques de “capital social”, fortalecendo a imagem de um sistema capitalista menos cruel e
mais humanizado.
4.4 Acelera Brasil e Fundação Roberto Marinho: sintonia metodológica
O programa “Acelera Brasil”, tanto no primeiro quanto no segundo segmento do ensino
fundamental, utiliza-se de material didático e metodológico do “Telecurso” da Fundação
Roberto Marinho (livros, apostilas, cadernos pedagógicos e teleaulas) que tem como
“principal objetivo a construção de uma educação cidadã”63
(FUNDAÇÃO ROBERTO
MARINHO, 2010). É necessário pontuarmos a concepção de cidadania que estaria em jogo
no “Programa Acelera Brasil” e no “Telecurso” da Fundação Roberto Marinho. No capítulo
anterior, analisamos que noção de cidadania está envolta ao gozo de alguns direitos, dentre
eles o de educação de “qualidade” e que no modo de produção capitalista em sua face do
“Neoliberalismo da Terceira Via” muitas das vezes é confundida com filantropia, mas
63 O Caderno de Metodologia foi concebido e supervisionado pedagogicamente por Vilma Guimarães para a Fundação Roberto Marinho que tem servido de apoio didático e metodológico para os professores utilizarem, no programa “Acelera Brasil”, os livros apostilas, cadernos pedagógicos e teleaulas. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p.5).
190
principalmente defendemos a tese que atua como ferramenta de ordenamento social do
capital, evitando rupturas sociais.
A sintonia fina entre o Instituto Ayrton Senna e a fundação Roberto Marinho
(proporcionar cidadania) tem se destacado, também, no que tange à preocupação com a
evasão e a repetência dentro da escola pública e a consequente distorção idade-série. O
material pedagógico da Fundação Roberto Marinho tem sido de grande utilidade para o
desenvolvimento do “Programa Acelera Brasil” no combate ao “fracasso escolar”, uma vez
que é voltado “para o mundo do trabalho, para o desenvolvimento de competências, e para a
formação da cidadania, o que viabiliza o acesso à conclusão da Educação Básica e de forma
acelerada”64
(FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010).
O ideário da ciência burguesa vê a necessidade de ajustes para acompanhar o
desenvolvimento. Dentro dessa linha de pensamento, tanto o “Programa Acelera Brasil”
quanto o “Telecurso” defendem que o desenvolvimento de um país estaria intimamente ligado
a ajustes econômicos na área social (acelerar alunos para economizar), mas também formar
mão de obra geradora de mais-valia para o mundo do trabalho através de um conceito de
cidadania ligado à filantropia empresarial. Essa formação para o mundo do trabalho se dá
numa sociedade cheia de antagonismos e nesse ponto a “noção de capital humano” acrescida
de elementos da noção de “capital social” é funcional ao capital à medida que esconde as
relações de exclusão (FRIGOTTO, 2010) e aponta na direção das habilidades que cada
indivíduo deveria ter no mundo do trabalho e na sociedade.
As habilidades variariam de acordo com a classe social do indivíduo (RAMOS, 2006,
p.31). É aquela velha história “ensinar pouco e bem” (OLIVEIRA, 2005). Os filhos da classe
desfavorecida na distribuição da riqueza deveriam receber o mínimo possível de habilidades
(ler, escrever, calcular), sem ter por horizonte a elevação cultural das massas (numa
perspectiva gramsciana), contribuindo para formar trabalhadores dóceis, que não questionam
a forma de (re)produção das relações sociais vigentes.
Quando se refere aos processos de trabalhos desenvolvidos pelos professores, o caderno
de metodologia do “Telecurso” destaca que algumas competências devem ser desenvolvidas
com a finalidade de adaptação aos “novos” tempos do trabalho e da vida em sociedade na
virada para o século XXI, baseando sua estrutura teórico-metodológica nos quatro pilares para
uma educação de qualidade estabelecida pela UNESCO. É fundamental aos professores atuar
64 A Fundação Roberto marinho deixa claro sua preocupação com a formação de estudantes em risco de abandono da escola para o mundo do trabalho de forma acelerada. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010).
191
[...] promovendo o interesse pela pesquisa, o fortalecimento da autoestima, da iniciativa e da criatividade; viabilizam a aplicação imediata do conhecimento construído e o
desenvolvimento das competências voltadas para o ser saber fazer, o saber conviver e o saber empreender65 (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p. 7).
Essas habilidades prescritas nos referenciais teórico-metodológicos do “Telecurso”
vão na mesma direção dos defendidos pelo Instituto Ayrton Senna no “Programa Acelera
Brasil” à medida que defendem a formação adaptável às crises do capital: o
empreendedorismo (autoemprego), a formação polivalente (não só dos alunos, mas dos
professores também) que prepare para realizar as tarefas propostas pelo programa (saber
fazer), a formação para o convívio pacífico entre as diferentes classes sociais na construção
solidária do “desenvolvimento” de uma nação sem antagonismos (saber conviver). A lógica
da formação para a exclusão recebe toques de “capital humano rejuvenescido” pelas noções
de “capital social” e “empreendedorismo”, ganhando destaque o novo pacto proposto pelo
“Neoliberalismo da Terceira Via” que transfere para os indivíduos as responsabilidades para
sua inclusão e diminuição das responsabilidades do Estado na área social.
4.4.1 Trabalho docente e formação continuada no Telecurso
O trabalho docente passa pela formação continuada e pela atuação do professor como
mediador dos conhecimentos que os alunos já trazem consigo. Todo o processo de formação
continuada passa por treinamentos que combinam forma presencial e virtual. (FUNDAÇÃO
ROBERTO MARINHO, 2010).
[...] como mediador da aprendizagem na sala de aula e na consequente ampliação dessa prática [...] Todas as ações vivenciadas nesse processo tomam como referência a prática do professor na sala de aula e têm o firme propósito de possibilitar a compreensão e a utilização adequada da metodologia (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p.5).
A proposta metodológica do Telecurso é, antes de tudo, uma perfeita vinculação com
o “Programa Acelera Brasil”, uma vez que está voltada para superação da distorção série-
idade, pois é uma “proposta de inclusão, de valorização, de reconhecimento da dívida social
que o governo e a sociedade têm para com a parcela da população, cuja experiência escolar
carrega uma história de repetência e evasão dentro da escola pública” (FUNDAÇÃO
65 Nesse caso percebemos os elementos constitutivos do “capital humano” rejuvenescido pelas noções de “empreendedorismo”, de “capital social” e das noções estabelecidas pelos pilares da UNESCO: saber ser, saber fazer e saber
conviver.
192
ROBERTO MARINHO, 2010, p. 6). Cabe destacar que o Telecurso não foi concebido
somente para atuação no ensino fundamental, mas também está presente em programas
educacionais do ensino médio.
Os projetos de trabalho desenvolvidos pelo “Telecurso” passam pela adoção da
“transdisciplinaridade e pela interculturalidade” (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO,
2010, p.5), ou seja, um único professor é o responsável pela mediação de todas as áreas do
conhecimento, sendo o trabalho pedagógico elaborado em módulos e eixos temáticos. Essa
forma de transdisciplinaridade é adotada pelo “Programa Acelera Brasil” no projeto “Ginásio
Experimental Carioca”66
(GOMES, 2010). A “nova função” do professor é ser um mediador
entre o que os alunos já trazem consigo e o que podem aprender utilizando a metodologia do
programa (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2010, p. 14).
O que chama a atenção nesse processo de polivalência do professor é sua “nova
função” como mediador de uma sociedade sem antagonismos de classe social, mas a função
de um mediador dos conflitos culturais, de etnias, de gênero, ocultando o caráter exploratório
que o capital submete às pessoas, redução à educação a uma questão técnica dissociada de seu
papel político e social. O professor atua como mediador do capital, mas isso não quer dizer
que ele não tenha espaços nas escolas públicas para atuar na proposição de uma nova
hegemonia, pois a escola pública é local privilegiado de entrecruzamentos de projetos
societários.
Outro ponto importante a ser abordado é o esvaziamento dos saberes docente e
disciplinar, ocultando a ideia de que o conhecimento é um processo a ser construído, mas,
nesse caso, é apresentado como produto acabado; portanto, não haveria necessidade da
divisão disciplinar. O saber disciplinar é importante na captação de especificidades do saber,
mas sempre o relacionando com os antagonismos de classe que perpassam essa construção.
Graças ao saber disciplinar que os estudos da genética chegaram a resultados específicos e
complexos sobre as células-tronco, por exemplo.
Sob a roupagem dos termos “transdisciplinaridade” e “interdisciplinaridade” que estão
na moda, o professor é esvaziado de seu saber disciplinar e docente. O saber disciplinar é
abandonado em prol de uma suposta superação da divisão do conhecimento, o que justificaria
o fato do “Programa Acelera Brasil” adotar a ideia de um único professor (polivalente) que
66 O programa “Ginásio Carioca” está sendo implantado rede municipal de educação do Rio de Janeiro, ao longo de 2011, nos alunos do 6º ao 9º ano, visando que as escolas do “Ginásio Experimental Carioca atenderão jovens de todas as regiões da cidade, atuando como núcleo animador de um movimento de qualificação da educação no segundo segmento, sendo fonte de inovação em conteúdo, método e gestão”. Cf. GOMES, 2010.
193
atuaria nessa direção de ser um mediador de conflitos culturalistas. Já o saber “docente”
perderia espaço para os conhecimentos apresentado pelo “Programa Acelera Brasil” e pelo
“Telecurso” como pacotes prontos e acabados, bastando ao professor polivalente administrar
a aplicação do material de ensino, pois sua participação na construção do saber é descartada e
tida como inútil, como suposta criatividade que foge à fórmula do sucesso.
4.4.2 Formação dos educadores que utilizam o “Telecurso”: adequação á metodologia
estabelecida
A formação dos professores que irão utilizar o material didático do “Telecurso”, como
é o caso dos docentes que participam do “Programa Acelera Brasil”, está dividida em duas
partes: presencial e à distância. O processo de formação presencial “se desenvolve com foco
na estrutura e funcionamento da proposta, na fundamentação teórico-metodológica, no uso
das mídias pedagógicas e na avaliação da aprendizagem no processo” (FUNDAÇÃO
ROBERTO MARINHO, 2010, p. 7). Já a formação à distância tem o objetivo de fortalecer o
processo por meio de um ambiente virtual.
O treinamento dos professores passa pela adoção de eixos temáticos que valorizem
aprendizagens significativas e para o fortalecimento da simbiose entre o pedagógico e o
administrativo, onde os gestores das escolas devem discutir a proposta pedagógica ao fim de
cada módulo dos projetos de ensino. Ao longo dos projetos há uma supervalorização das
competências voltadas para a leitura e a resolução de cálculos matemáticos, o que se refletiria
numa melhora do aprendizado das demais áreas do conhecimento. Dessa forma, “a leitura e a
interpretação de textos, gráficos e tabelas é o foco principal desse trabalho” (FUNDAÇÃO
ROBERTO MARINHO, 2010, p.9).
A redução do aprendizado à captação das habilidades ler, escrever e fazer contas mais
uma vez é destacada como ponto de chegada do “Programa Acelera Brasil”, utilizando-se do
“Telecurso”. Essa “educação minimalista” traria consigo a promessa de certificação do
indivíduo (com certas habilidades) para inserção no mercado de trabalho. Contudo, conforme
analisou Pablo Gentili (2011, p.78), a partir da crise do capital que se iniciou na década de
1970, houve “uma alteração substantiva da função econômica da escolaridade”, a escola que
tinha por finalidade a formação de indivíduos para o emprego passou a formar para o
desemprego.
194
A ideia seria formar mão de obra, produtora de mais-valia, porém, a promessa
integradora da escola (inserção no mercado) atribuída ao Estado (aumento da renda individual
redundaria no aumento da riqueza social), no contexto do nacional-desenvolvimentismo,
estaria sendo substituída pela lógica de que o indivíduo que deveria adquirir as competências
necessárias para a “empregabilidade” (quer seja através da formação flexível, quer seja
através do autoemprego) e não mais a suposta garantia do trabalho. Seria a passagem da
lógica coletivista da proposta de formar indivíduos com stock de “capital humano”, que traria
retornos à sociedade como aumento da riqueza individual e, consequentemente coletiva, para
a lógica privada da empregabilidade (GENTILI, 2011, p.78-81).
A avaliação proposta pelo “Telecurso” para os cursos de aceleração da aprendizagem
está baseada numa matriz referencial desenvolvida pela equipe pedagógica da Fundação
Roberto Marinho que procura subsidiar professores e gestores nas diferentes formas de
utilização do material pedagógico buscando “garantir aos jovens e adultos brasileiros que não
acompanharam a educação básica na idade certa real oportunidade de participação na vida
social” (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2011, p.5) As habilidades exigidas aos alunos
no momento da avaliação estão no plano do “saber fazer” nos moldes da proposta de Jacques
Delors no relatório que fez para a UNESCO, conforme abordado no capítulo anterior.
A centralização no ataque à distorção idade-série é a característica mais marcante do
material didático fornecido pela Fundação Roberto Marinho (através do “Telecurso”) ao
Instituto Ayrton Senna na execução do programa de aceleração da aprendizagem. A
aceleração dos alunos defasados seria uma forma de garantia dos direitos agrupados em torno
da concepção de cidadania. Contudo, questionamos: o acesso a níveis mais elevados da
cultura e dos saberes da ciência por si só garante a apropriação desses saberes?
Entendemos que possibilitar aos indivíduos com idades avançada cursar o ensino
fundamental é urgente; todavia, conhecimento apresentado num “pacote” minimalista, sem a
problematização das contradições que envolvem seu próprio processo de produção não
proporcionaria a esses alunos uma formação política voltada para a superação dos direitos
agrupados em torno da concepção de cidadania e a caminhada na direção da superação da
exploração, na direção do regaste de sua humanidade (emancipação humana em relação ao
capital).
195
Além do material pedagógico do Telecurso, o “Programa Acelera Brasil” utiliza-se do
livro “Tecendo o Saber”67
(FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2006), cujo foco está no
primeiro segmento do ensino fundamental e sua base teórica está contida na educação de
jovens e adultos através da articulação trabalho, cultura e conhecimento, e é dividido em
módulos que se propõe a promover um maior intercâmbio de setores da sociedade civil na
discussão, formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a educação, com
base na educação problematizadora de Paulo Freire.
Tecendo o Saber é uma expressão metafórica que engendra, no conteúdo, no método e na forma, o núcleo central da concepção da ‘Pedagogia do Oprimido’ de Paulo Freire (1983), e visão gramsciana de educação e conhecimento [...] Não se trata, todavia, de uma relação linear e nem de subordinação [...] Nesse processo educativo e de construção do conhecimento, o ponto de partida é a centralidade do sujeito jovens e adultos no processo educativo e o ponto
de chegada é a ampliação e universalização do conhecimento que permita uma leitura crítica da realidade humana em todas as dimensões e a superação da situação de oprimidos (FRIGOTTO, 2006, p.24-25).
A identidade cultural nos processos de escolarização ganha destaque, no livro
“Tecendo o Saber”, à medida que se propõe a pensar “a construção da humanidade do ser
humano em suas diferentes feições” (SOUZA, 2006, p.32), levando-se em conta o caráter
histórico-cultural na busca pelos conhecimentos, que só teria sentido adquirir as habilidades
exigidas pela escola, caso viessem acompanhadas por mudanças sociais. Nessa perspectiva, o
domínio crítico dos conteúdos seria um importante instrumento para o ser humano
compreender sua situação dentro do contexto social e cultural em que está inserido,
subsidiando-o na luta pela transformação das relações sociais de dominação cultural e das
relações sociais que provocam a exploração associada à desigualdade social.
A premissa organizadora do livro “Tecendo o Saber” encontra-se na concepção de
diversidade cultural como “diálogo e a interação de culturas na construção de uma nova
cultura” (SOUZA, 2006, p.36). A Construção dessa nova cultura, através do diálogo entre as
diferenças, permitiria aos setores subalternizados das sociedades nacionais e até mesmo na
relação com outras nações dar uma resposta aos desafios colocados pela “pós-modernidade”.
A aquisição dos conteúdos de maneira crítica permitira aos indivíduos perceberem a condição
de submissão na sua formação humana, cultural, política e pedagógica inseridas na dominação
de classes.
67 A Fundação Roberto Marinho, em conjunto com a Fundação Vale do Rio Doce e colaboração do Instituto Paulo Freire, desenvolveu o programa educacional do Projeto Tecendo o Saber, visando escolarizarem jovens e adultos nos anos iniciais do ensino fundamental. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2006).
196
Diante das exposições acima sobre a questão envolvendo a “Pedagogia do Oprimido”
(superação da condição de oprimido ou colonizado), levantamos uma questão: como a
superação da condição de opressão, de colonização cultural (ideologia), são apropriadas pelo
“Programa Acelera Brasil” e desenvolvidas com o auxílio do material de ensino “Tecendo o
Saber”?
Na sua defesa de uma educação como instrumento de natureza política, Freire (1987)
aponta na direção da superação da “educação bancária” (professores são os donos do saber e
os transmitem a alunos passivos) pela concepção de uma educação libertadora onde há
espaços para educadores e educandos interagirem na construção do conhecimento, através de
uma educação problematizadora, de compartilhamento de experiências. Em face do exposto,
entendemos que há uma clara contradição na concepção metodológica do “Programa Acelera
Brasil” e a concepção teórica do material de ensino “Tecendo o Saber” à medida que no
primeiro (como visto anteriormente) nem educadores, nem educandos são construtores do
saber; pelo contrário, o saber vem pronto nos livros e apostilas do programa e o professor não
pode fugir do que está previsto nas matrizes referenciais sob o risco de levar o aluno ao
fracasso. Problematizações e discussões que fujam do previsto devem ser desconsideradas,
pois a fórmula do sucesso já estaria ponta!
Oura contradição que percebemos na incorporação pelo “Programa Acelera Brasil” do
material de ensino “Tecendo o Saber” é a questão envolvendo a superação da visão
ideologizada de mundo que o aluno-oprimido tem das relações sociais que o cercam. Em que
medida seria interessante ao “Programa Acelera Brasil”, cujos referenciais teóricos e
metodológicos estão alinhados ideologicamente com seus patrocinadores filantrópicos
(empresas) teria por finalidade a promoção de uma educação voltada para a superação da
alienação e proposição de uma nova hegemonia que valorizasse a humanidade dos indivíduos
ao invés do capital?
Observando que embora o material de ensino “Tecendo o Saber” divulgue em seu
caderno de apresentação teórica uma perspectiva crítica das relações sociais vigentes, o
“Programa Acelera Brasil” não deixa espaços para problematização do papel desumanizador
exercido pelo capital. A discussão de diferenças culturais é importante desde que não se perca
o horizonte maior da pedagogia libertadora: a compreensão do processo de desumanização do
sujeito e sua subsunção ao capital. É a partir dessa compreensão que se poderia desenvolver a
filosofia da práxis com vistas à elevação cultural e política dos sujeitos com o propósito de se
chegar à emancipação humana.
197
Essa contradição nos leva a pensar que o “Programa Acelera Brasil” está
ressignificando o material de ensino “Tecendo o Saber” e adaptando-o à sua formatação
teórica e metodológica. Dizer que o material de ensino tem uma proposta baseada nas
concepções de Paulo Freire e de Gramsci sobre a educação não significa que essas teorias são
postas em práticas pelo “Programa Acelera Brasil”; pelo contrário, se apropria de construções
históricas contra-hegemônicas no campo da educação e as ressignificam de forma
conservadora e autoritária.
Conforme Gramsci,
Toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjunto de civilizações nacionais e continentais
(GRAMSCI, 1978, p.37)
4.5 Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro: Novo fundamento político-
administrativo nas escolas (parcerias público-privadas)
A eleição de Eduardo Paes para a prefeitura do Rio de Janeiro em 2008 trouxe à tona a
concepção de Estado que já vinha se delineando desde a Reforma Administrativa do Estado
Brasileiro desde meados da década de 1990: a transferência das atividades executadas pelo
Estado na prestação do serviço público na área social, principalmente educação e saúde, para
organizações privadas do chamado “Terceiro Setor”.
Para o cargo de Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o prefeito
Eduardo Paes convidou Claudia Costin que houvera participado como Ministra na Reforma
Administrativa de Estado, conduzida por Bresser Pereira no governo Fernando Henrique
Cardoso e, posteriormente, como Secretaria Estadual de Cultura do Estado de São Paulo no
governo de Geraldo Alckmin.
Em matéria publicada no jornal “O Globo”, Cláudia Costin (Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro) enfatizou a necessidade de reformar a administração das escolas
do município e para tanto, as parcerias público-privadas com a sociedade civil seriam vitais
(COSTIN, 2009, p. 1). A lógica gerencial deveria ser levada às escolas com o objetivo de
economizar com os gastos “desnecessários”, baseando seu funcionamento na lógica gerencial
da empresa privada, conforme já vinha sendo delineado nos governos do Estado do Rio de
198
Janeiro (representado na figura de Sérgio Cabral Filho) e Federal (durante os dois governos de
Lula da Silva).
O processo de penetração das organizações do “Terceiro Setor” nas escolas municipais
do Rio de Janeiro fica clarividente à medida que já no início do ano letivo de 2009, a
Prefeitura contrata o Instituto Ayrton Senna, em convênio com o MEC, “para preparar
material didático, provas e avaliações dos alunos da rede pública de ensino” (COELHO, 2009,
p.1), com o objetivo de demonstrar a falência do serviço prestado pelo Estado e a premente
necessidade de organizações privadas prestarem o serviço público de educação com maior
“eficiência”.
A primeira medida de impacto adotada pelo Prefeito Eduardo Paes e sua Secretária de
Educação, Claudia Costin, foi pôr fim à chamada “aprovação automática” materializada no
sistema de ciclos nos dois segmentos do ensino fundamental. A gestão anterior do prefeito
César Maia havia estendido o sistema de ciclos dos três primeiros anos para todo o ensino
fundamental através do decreto 28.878/2007. O prefeito manteve o sistema de ciclos apenas
para os 3 primeiros anos do ensino fundamental, pois o argumento central dessa nova
proposta estaria no fato de que os alunos com idades entre 6 e 8 anos teriam tempos diferentes
de aprendizagem e mudou para o sistema de seriação do 4º ao 9º ano.
No início de 2009, o prefeito Eduardo Paes acabou com a aprovação automática [...] ao procurar fazer um diagnóstico da situação, com a primeira prova bimestral e uma avaliação
sobre o grau de alfabetização dos alunos de 4º a 6º anos, constatamos não apenas déficits sérios de aprendizagem, como cerca de 40% das crianças precisando de reforço de matemática, como a existência de 28 mil analfabetos funcionais na rede de escolas públicas da cidade do Rio. Frente a um dado tão triste, não podíamos ficar parados. Decidimos realfabetizar, inicialmente os de 4º e 5º anos, o que nos trouxe resultados impressionantes. Com a ajuda do Instituto Ayrton Senna, recomendado pelo MEC, nossos professores realfabetizaram com sucesso 12 mil crianças destas séries (COSTIN, 2010, p.1).
Outra medida que causou impacto no primeiro ano do governo de Eduardo Paes foi a
adesão da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro ao “Movimento Todos Pela
Educação” de maneira oficial, conforme fora noticiado no jornal “O Globo” publicado em 15
de janeiro de 2009.
O Rio de Janeiro é a primeira capital a aderir formalmente ao movimento. Segundo o presidente-executivo do movimento, Mozart Neves Ramos, o Todos pela Educação deverá atuar como agente facilitador da implementação dos projetos da secretaria, viabilizando, por exemplo, parcerias com institutos e fundações da iniciativa privada (JORNAL O GLOBO, 2009a, p.1).
Sob o argumento da convergência de interesses entre a Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) e o “Movimento Todos Pela Educação” (MTPE) –
199
alcançar uma educação de “qualidade” para todos os brasileiros através da elevação do IDEB
– a assinatura da adesão da SME/RJ ao MTPE pressupunha o comprometimento com as 5
metas estabelecidas pelo MTPE para o alcance dessa “qualidade” na educação no bicentenário
da independência do Brasil em 2022.
Com a assinatura, a cidade se compromete com as cinco metas para a educação, que devem ser alcançadas até setembro de 2022. São elas: Meta 1: Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2: Toda criança plenamente alfabetizada até 8 anos; Meta 3: Todo aluno com
aprendizado adequado a sua série; Meta 4: Todo jovem com Ensino Médio concluído até os 19 anos; Meta 5: Investimento em Educação ampliado e bem gerido. (JORNAL O GLOBO, 2009a, p.1).
O alcance dessa educação de “qualidade” nas escolas públicas do Rio de Janeiro se
daria através da execução dos serviços públicos por organizações privadas que teriam uma
maior eficiência na prestação do serviço público do que o Estado. Essa transferência para a
iniciativa privada (publicização) se deu no município do Rio de Janeiro graças a lei 5.026, de
19 de maio de 2009 que “Dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações
Sociais e dá outras providências”. Essa lei estava em consonância com a lei 11.079/2004 que
institui normas gerais para licitação e contratação de Parceria Público-Privada (PPP), no
âmbito da Administração Pública. Uma OSCIP que ganhou bastante espaço na SME/RJ em
função de um novo modelo de avaliação centralizada que seria adotada foi o Instituto Ayrton
Senna através da celebração de PPP.
A atuação do Instituto Ayrton Senna na execução de políticas públicas na cidade do
Rio de Janeiro tornou-se possível com a aprovação da lei municipal que dispõe sobre a
qualificação de entidades como Organizações Sociais. (RIO DE JANEIRO, 2009c). O Poder
Executivo Municipal do Rio de Janeiro foi autorizado a estabelecer contratos de parcerias
público-privadas para a atuação de entidades sem fins lucrativos na gestão e execução de
programas educacionais. A lei municipal 5.026, de 19 de maio de 2009 (art. 5º, §2º),
estabelece que o regime de contratação das Organizações Sociais dar-se-á em conformidade
com os casos especificados no artigo 24º da lei 8666/93 onde a licitação é dispensada (RIO
DE JANEIRO, 2009c).
Os critérios estabelecidos na legislação nacional (BRASIL, 1993) para dispensa da
licitação na contratação de instituições privadas, pelo ente público, para a execução de
serviços públicos são: as instituições privadas contratadas não podem ter fins lucrativos, os
serviços contratados devem ser voltados para o ensino, a pesquisa, para o desenvolvimento
científico, desde que detenham inquestionável reputação ético-profissional. Entendemos que é
necessário discutir os critérios adotados: a) a questão da organização do “Terceiro Setor” não
200
possuir fins lucrativos, estar voltada para a área do ensino, pesquisa e desenvolvimento
científico; b) A questão subjetiva quando se refere à inquestionável reputação ético-
profissional.
Conforme discutimos anteriormente, a questão da organização do “Terceiro Setor” não
ter fins lucrativos, é relativa à medida que algumas instituições são criadas, principalmente a
partir da década de 1990, com o objetivo específico de assinar parcerias público-privadas.
Não estamos caindo na falácia “generalização apressada” em afirmar que todas as instituições
do “Terceiro Setor” surgiram dissociadas dos movimentos sociais, com propósito específico
de funcionar como parceiras e prestadoras de serviço para o Estado. Existem exemplos de
ONGs que já atuavam na defesa dos direitos humanos no Brasil desde a década de 1960.
Entretanto, a partir da Reforma Gerencial brasileira e a introdução do processo de
“publicização” há uma “explosão” de ONGs que passam a assinar parcerias público-privadas
para executarem o serviço público; para tanto, recebem dinheiro do Estado e dos investidores
privados filantrópicos que acreditam e se identificam ideologicamente com a proposta da
ONG na execução do serviço público.
Nesse ponto específico, entendemos que o caráter “sem fins lucrativos” do Instituto
Ayrton Senna pode ser relativizado à medida que recebe dinheiro público e privado para a
execução do serviço público na área educacional. Montando uma forte estrutura empresarial,
o Instituto Ayrton Senna tem por modelo de gestão a lógica privada da maior produção ao
menor custo de dinheiro e tempo possível; daí, o “Programa Acelera Brasil” funcionar como
carro-chefe dos programas educacionais do Instituto. A vinculação ideológica com o mundo
empresarial estabelecida através do MTPE e do Grupo LIDE – Líderes empresariais, por
exemplo, são facetas do Instituto na captação de recursos cada vez em maior escala. A busca
por parcerias com Estado tem se consubstanciado em outra meta do Instituto que está presente
em praticamente todo o território nacional.
Entendemos que o critério ético-profissional, por ser subjetivo, não esclarece o porquê
da escolha de uma instituição privada em detrimento de outra na execução de um serviço
público em regime de parceria. Segundo Ferreira (1993, p. 235), “ética é o estudo dos juízos
de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal”; dessa forma,
a escolha de uma instituição poderá estabelecer como “boas parceiras” aquelas que estão de
acordo com as mesmas orientações políticas e econômicas do governo contratante, o que
poderá facilitar a perpetuação das mesmas instituições privadas na execução de serviços
públicos. Esse argumento em torno da boa reputação ético-profissional poderia funcionar
201
como legitimação da convergência ideológica da ONG executora do serviço público com o
governo contratante, possibilitando questionarmos o caráter não governamental da ONG.
No dia 04 de março de 2009, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro
(SME/RJ) publicava a Resolução SME 1010 que criava um novo formato para a avaliação dos
alunos da rede através da centralização na secretaria de uma prova bimestral de língua
portuguesa e matemática que teriam peso 2 na composição da avaliação final dos alunos em
cada bimestre, enquanto que as avaliações elaboradas pelo professor regente das turmas teria
peso 1. (RIO DE JANEIRO, 2009a). Essa resolução gerou uma repercussão muito negativa
junto ao Sindicado Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE/RJ) e a Secretaria
Municipal de educação do Rio de Janeiro, imediatamente, substituiu-a pela Resolução SME
1014 que retirava o artigo 3º da resolução 1010 que previa o peso dois nas avaliações
centralizadas que eram enviadas para as escolas (RIO DE JANEIRO, 2009b).
A reação do SEPE/RJ é um belo exemplo da escola como local de entrecruzamentos
de projetos societários de professores, alunos, do governo, de sindicatos, empresários
(parcelas da sociedade civil) e que as imposições do capital, por quaisquer vias, inclusive
organismos internacionais, para se chegar a chamada educação de “qualidade”, não são
assimiláveis sem quaisquer resistências. Ao contrário, a burguesia local (brasileira)
ressignifica essas orientações e se impõe pela hegemonia no campo das ideias e, se
necessário, pelos aparelhos policiais do Estado. Dessa forma, a proposta da Secretária
Municipal de Educação, Claudia Costin, de atribuir um valor menor às avaliações realizadas
pelo professor que está em sala de aula, após ampla resistência, foi ressignificada, sem,
contudo, perder a diretriz planificadora de avaliações direcionadas a alunos idealizados.
Essas provas centralizadas que a SME/RJ envia para as escolas foram elaboradas pelo
Instituto Ayrton Senna, numa parceria que contou com o apoio financeiro do MEC, baseada
nos moldes das avaliações nacionais aplicadas pelo INEP, o que resultou em médias abaixo
do nível esperado pelo próprio INEP gerando um consenso em torno da necessidade de se
aplicar reforço escolar para os alunos que não lograram nesse exame.
Conforme Frigotto (1995, p.85-87), a política avaliativa defendida pelo MEC nas
redes públicas de ensino se baseiam em escolhas arbitrárias de técnicos ligados aos
organismos internacionais em que são desconsideradas as condições históricas, culturais,
sociais da sociedade e dentro da própria escola. Essa diretriz avaliativa que contou com o
Instituto Ayrton Senna revelou o óbvio no que diz respeito ao desempenho dos alunos em
condições de desfavorecimento social na distribuição da riqueza.
202
O jornal “O Globo” publicava no dia 31 de março de 2009 que a Secretaria de
Educação do Município do Rio de Janeiro declarava que, após a avaliação diagnóstica
realizada pelo Instituto Ayrton Senna, o município teria “315 mil alunos que precisam de
reforço escolar”, ou seja, cerca de 70% dos alunos do 3º ao 9º ano do ensino fundamental que
obtiveram conceito regular ou insuficiente. Diante desse quadro, a SME/RJ, através de
simulados preparados pelo Instituto Ayrton Senna, passou a “treinar” ou alunos para fazer as
avaliações promovidas pelo INEP, principalmente a “Provas Brasil” e o SAEB que servem
para calcular o IDEB. A meta seria fazer o IDEB do Rio de Janeiro crescer e,
consequentemente “aumentar a qualidade” da educação, segundo Cláudia Costin.
Uma das estratégias criadas por Claudia Costin para melhorar o IDEB foi criar uma
índice similar que servisse para mensurar o desenvolvimento dos alunos SME/RJ que servisse
de treinamento para a realização das provas do INEP que servem de base para o calculo do
IDEB. Dessa forma, foi criado o IDE-Rio, no mês de maio de 2009, “baseado no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que é medido em todos os municípios
brasileiros através da Prova Brasil, aplicada pelo Ministério da Educação (MEC)”. (JORNAL
O GLOBO, 2009b). Os alunos selecionados para fazer as provas que servem para medir o
IDE-Rio foram os do 3º e 7º anos do ensino fundamental, pois segundo Claudia Costin,
[...] daqui a dois anos este grupo de alunos fará a Prova Brasil. Dessa maneira, a secretaria terá como acompanhar o desenvolvimento dessas crianças neste período, tendo assim subsídios para melhorar o ensino (JORNAL O GLOBO, 2009b, p.1).
O IDE-Rio, além de servir de treinamento para as provas promovidas pelo INEP, serve
como parâmetro de mensuração do esforço dos professores em melhorar os índices da
educação do município.
Estamos trabalhando para dar um salto de qualidade na Educação do Rio. Essa avaliação é fundamental para avaliar o desenvolvimento dos alunos e do nosso ensino. Vai mostrar, ainda, o quanto professores e as equipes de cada escola trabalharam para melhorar a aprendizagem
de nossas crianças – afirma a secretária Claudia Costin (JORNAL O GLOBO, 2009b, p. 1).
Objetivando aumentar o IDEB das escolas do município do Rio de Janeiro, a SME/RJ
constatou que o grande vilão dos baixos índices alcançados nas avaliações do INEP estaria na
cultura da repetência e no abandono escolar, conforme afirmação de Claudia Costin publicada
no jornal “o Globo” de 08 de maio de 2011.
A secretária municipal de Educação do Rio, Claudia Costin, diz que a defasagem idade-série contribui muito para que os estudantes decidam sair da escola. Para ela, fazer parte de uma turma com o qual não se identifica e aprender conteúdos sem linguagem apropriada à respectiva faixa etária deixa qualquer estudante infeliz: — Quando o aluno sente que não está
203
aprendendo, quando não percebe aquele conhecimento como útil para a sua vida, ele sai — diz Claudia (WEBER; BENEVIDES, 2011, p.1).
A melhoria da qualidade da educação passaria, “necessariamente”, na ótica de Claudia
Costin, em acordo com as metas estabelecidas pelo “MTPE”, pela superação da defasagem
série-idade através de programas de educacionais específicos de aceleração da aprendizagem.
É nesse cenário que o programa educacional “Acelera Brasil” desenvolvido pelo Instituto
Ayrton Senna passa a ser visto como a solução para a superação da “cultura da repetência”
pela “Pedagogia do Sucesso”.
Alunos que estivessem com defasagem de série/idade seriam enturmados no projeto
educacional “Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna para que pudessem avançar até 4
séries em um único ano letivo. Da mesma forma, os alunos identificados como analfabetos
funcionais participariam do programa “Se Liga” no primeiro segmento do ensino fundamental
e do “Realfabetização” no segundo segmento do Ensino fundamental. É importante frisar que
esses alunos incluídos nos programas educacionais do Instituto Ayrton Senna não
participariam das avaliações propostas pelo INEP, pois um dos requisitos estabelecidos pelo
próprio INEP é o aluno pertencer à rede regular de ensino.
4.6 Critérios de enturmação do Programa Acelera Brasil nas escolas municipais de
ensino fundamental da cidade do Rio de Janeiro
A Resolução SME nº 1161 de 10 de outubro de 2011 que define os projetos
estratégicos de correção de fluxo do Sistema Municipal de Ensino da Cidade do Rio de
Janeiro se concentra nos alunos defasados objetivando favorecer sua “inserção social”.
Reproduziremos na íntegra o artigo 2º da referida resolução por tratar dos critérios de
enturmação de cada aluno dos projetos estratégicos de correção de fluxo que o Instituto
Ayrton Senna desenvolve nas escolas da SME/RJ. “Consideram-se defasados os alunos que
não se enquadrarem nas situações abaixo descritas (data de nascimento) em relação ao ano de
escolaridade regular indicado para 2012, segundo seu resultado final” (RIO DE JANEIRO,
2011b, art.2º).
204
QUADRO 3 – Critérios de enturmação.
ANO DE ESCOLARIDADE OS NASCIDOS ATÉ
3º ANO 31/03/2002
4º ANO 31/03/2001
5º ANO 31/03/2000
6º ANO 31/03/1999
7º ANO 31/03/1998
8º ANO 31/03/1997
9º ANO 31/03/1996
Fonte: Rio de Janeiro (2011b, art.2º)
Observando os critérios de enturmação para os alunos no “Programa Acelera Brasil”
(chamado “Autonomia Carioca” na cidade do Rio de Janeiro e aplicado pelo Instituo Ayrton
Senna com apoio do material de ensino da Fundação Roberto Mainho) levantamos a questão
que nos parece mais estarrecedora: qual seria o critério para determinar que um aluno que
nasceu no dia 31 de março de um determinado ano é defasado em relação a um aluno que
nasceu em 01 de abril do mesmo ano?
Uma das justificativas para a contratação de ONGs para executar o serviço público
seria sua maior proximidade com a população atendida. Diante disso, nos questionamos se o
Instituto Ayrton Senna consultou a comunidade das escolas municipais do Rio de Janeiro na
hora de separar alunos que estudam juntos há vários anos e serão separados por questão de um
dia na sua data de nascimento. Parece-nos que os elementos emocionais, culturais, de história
de vida são desconsiderados em prol de uma fórmula pronta de enturmação, baseada nas
metas determinadas pela UNESCO e apropriada pelo MTPE para regularização de fluxo.
Questionamos-nos qual seria a concepção de indivíduo a que as políticas públicas da
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro são dirigidas. Percebemos que o
indivíduo não é o sujeito visto em sua concretude histórica, psicológica, espiritual, material;
ao contrário, é identificado como um sujeito capaz de representar dados estatísticos que
podem fazer ou não uma escola ou rede de ensino subir num ranking do IDEB, em função de
acertarem mais questões de português e matemática nas provas ou de estarem alunos cursando
a série correspondente ao ano, mês e dia de nascimento estabelecido por técnicos da educação
de forma arbitrária.
Os projetos de Aceleração da Aprendizagem no município do Rio de Janeiro recebem
o nome de Autonomia Carioca Aceleração pela Subsecretaria Municipal de Educação de
205
Ensino. A Gerência de Educação da 9ª Coordenadoria Regional de Educação (9ª CRE) emitiu
documento estabelecendo diretrizes de organização do “Projeto Autonomia Carioca”. Esse
comunicado chama a atenção para o fato de as duas primeiras semanas do Projeto serem
dedicadas à acolhida e à integração do aluno à metodologia do “Telecurso”, ao conhecimento
do professor sobre a turma e à avaliação diagnóstica de entrada, sendo utilizado o material
distribuído pela Fundação Roberto Marinho, durante formação realizada no período de 07 a
11 de fevereiro de 201168
(RIO DE JANEIRO, 2011c).
Em outro comunicado que se refere ao “Projeto Autonomia Carioca”, a Gerência de
Educação da 9ª CRE informa “que é imprescindível aos professores que atuam com a turma
[...] sigam a metodologia do projeto69
” (RIO DE JANEIRO, 2011d). Seguir a metodologia do
projeto é fundamental para o seu sucesso, pois quaisquer desvios metodológicos podem por a
perder a “fórmula organizacional” desenvolvida pelo Instituto Ayrton Senna para os Projetos
de Aceleração da Aprendizagem.
Esses comunicados cristalizam o desenvolvimento do “Programa Acelera Brasil” ma
rede municipal do Rio de Janeiro com as orientações para que os professores (estatutários
cedidos à ONG) sigam as diretrizes metodológicas do programa, pois caso haja algum desvio
do que está previsto, toda a “Pedagogia do Sucesso” poderia ser comprometida. Conforme
desenvolvemos nos capítulos anteriores, o programa vem empacotado e pronto para ser posto
em prática, com seu próprio projeto político-pedagógico (paralelamente ao da escola em que
está sendo aplicado).
4.7 Considerações preliminares
Concluímos em nossas análises sobre “Programa Acelera Brasil” e sua “fórmula do
sucesso” que, com a finalidade de criar um consenso na sociedade civil em torno da falência
da escola pública no município do Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes já no seu primeiro
ano de mandato (2009) contratou o Instituto Ayrton Senna para elaborar avaliações que
mensurassem o nível de aprendizado dos alunos da rede em língua portuguesa e matemática.
Esse consenso foi sendo construído com base nos resultados obtidos nessa avaliação e com
68 Recado distribuído a todos os diretores, diretores adjuntos, coordenadores pedagógicos e professores regentes do projeto de todas as escolas da que possuem programas de aceleração da aprendizagem. 69 Recado distribuído a todos os diretores, diretores adjuntos, coordenadores pedagógicos e professores regentes do projeto de
todas as escolas da que possuem programas de aceleração da aprendizagem.
206
discursos de intelectuais orgânicos do capital como Gustavo Ioschpe, João Batista Araújo e
Oliveira (idealizador da “Pedagogia do Sucesso”) e a Secretária de Educação do Município
(Claudia Costin) nos meios de comunicação ligados o grande capital, como os veículos
ligados ao Grupo Globo de Comunicação que atua filantropicamente através da Fundação
Roberto Marinho, idealizadora do “Telecurso” (fornecedor de material de ensino para o
“Programa Acelera Brasil”).
Diante da veiculação incessante na mídia do “fracasso” escolar no município do Rio
de Janeiro, a proposta apresentada pelo prefeito e aprovada pela Câmara que estabelecia os
critérios que definiam as Organizações Sociais que poderiam assinar contratos de parceria
público-privada para prestação do serviço público, dentre eles o de aceleração da
aprendizagem dos alunos com defasagem idade-série. Nesse contexto, o “Programa Acelera
Brasil” passa a ser adotado como política pública no município do Rio de Janeiro com vistas a
levar “cidadania” (possibilidade de término do ensino fundamental) aos indivíduos
“fracassados” na escola (repetentes).
Percebemos que de uma forma direta ou indireta, todos os demais programas
educacionais do Instituto Ayrton Senna atuam como suporte para o funcionamento do
“Programa Acelera Brasil” (carro-chefe do Instituto). Quer sejam criados para dar o suporte
na área do reforço escolar da escrita, da leitura e da resolução de cálculos matemáticos, quer
sejam criados para atender à área administrativa, os programas são desenvolvidos perseguindo
a “educação de qualidade”. Essa concepção de qualidade aborda uma educação minimalista,
intimamente ligada à ideia de “produtividade” fabril com retoques de “capital social” e de um
pragmatismo que confunde o que é prático ao que é útil.
Seguindo a direção da lógica fabril na escola baseada na maior produtividade de
diplomados na menor quantidade de tempo e ao menor custo possível, o Instituto Ayrton
Senna recorre aos preceitos defendidos pelo MTPE que é formado em sua maior parte por
empresas com “responsabilidade social”, ou seja, já tem experiência na maximização dos
lucros ou no corte dos gastos. Um dos argumentos para a implementação do “Programa
Acelera Brasil” é a redução dos gastos com alunos multirrepetentes, para tanto, o Instituto
Ayrton Senna recorreu à Fundação Roberto Marinho para a adoção do “Telecurso” como
material de ensino do “Programa Acelera Brasil” que incorporou a noção de professor
multicompetente ou polivalente (um professor lecionaria todas as disciplinas sob o manto de
uma suposta transdisciplinaridade ou interdisciplinaridade).
No “Programa Acelera Brasil”, o esvaziamento do saber disciplinar se junta à
desqualificação do saber docente que é relegado ao esquecimento em prol da aplicação do
207
material de ensino, tido como a “fórmula do sucesso” que deve ser seguida à risca, sem
quaisquer intervenções “criativas” dos professores sob o risco de por toda a metodologia
desenvolvida pelo programa a perder. Nesse sentido, o professor é visto pelo Instituto Ayrton
Senna como um indivíduo aplicador do material de ensino, idealizado como alguém que não
trás consigo uma concepção de mundo, valores e incapaz de atuar filosoficamente quer seja
difundindo ou elaborando uma visão de mundo contra a ideologia dominante.
Essa concepção de educação defendida pelo “Programa Acelera Brasil” está presente
em boa parte do território nacional e, finalmente chegou a maior rede pública de educação da
América Latina com 1064 (Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro). Uma das
medidas tomadas pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro para a
“regularização” do fluxo escolar foi o estabelecimento dos critérios de enturmação, ou seja,
definiram-se os critérios para que um aluno pudesse permanecer na rede regular de ensino ou
passar a integrar os quadros do “Programa Acelera Brasil”. O que chama a atenção é o fato de
indivíduos nascidos no mesmo ano terem classificações diferentes segundo o critério de
defasagem.
Esse fato nos remete à lógica fabril de produção de diplomados em massa no menor
tempo possível e ao menor custo, sem considerar os laços de amizade, culturais, psicológicos
que norteiam indivíduos que estudam juntos há vários anos, que construíram histórias juntos.
A imposição de separar alunos pelo mês de nascimento, mesmo que tenham nascido no
mesmo ano, é mais um determinante que um programa educacional que atende aos interesses
do capital à medida que se fixa na aparência exterior do fenômeno da ideia de “qualidade”
como “regularização de fluxo idade-série”, em índices arbitrariamente escolhidos para
melhorar a posição de uma rede num ranking (também arbitrário) e desconsidera a essência
da função social da escola: local de entrecruzamentos de projetos societários e elevação
cultural das massas, preparando-a para a elaboração de uma nova hegemonia, cujos aspectos
culturais, sociais e históricos dos indivíduos são levados em consideração.
208
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O “novo fundamento político-administrativo” da Secretaria Municipal de Educação do
Rio de Janeiro iniciado com a gestão do prefeito Eduardo Paes e da Secretaria Claudia Costin,
em 2009, fundamenta-se nas novas roupagens que o capital tem se revestido (“Neoliberalismo
da Terceira Via”) para superar a crise que se estende desde a década de 1970. Nesse contexto,
as parcerias público-privadas aparecem como “soluções” para se alcançar a chamada
educação de “qualidade”, principalmente com a correção do fluxo escolar (série-idade), em
consonância com os organismos internacionais e com as políticas educacionais conduzidas
nos últimos governos no plano federal.
Nossa discussão passa necessariamente pela análise do “Programa Acelera Brasil”,
executado nas escolas municipais do Rio de Janeiro pelo Instituto Ayrton Senna, procurando
perceber como o desenvolvimento desse programa pode ressignificar o papel social da escola
pública na medida em que, no contexto do “Neoliberalismo da Terceira Via”, tal concepção
econômica liberal tenta atribuir uma face mais humana ao capital, introduzindo elementos da
“noção de capital social”, que insere, entre outros, uma relação harmoniosa entre o Estado, a
sociedade civil (entendida como “Terceiro Setor”) e o mercado. Entendemos que o “Programa
Acelera Brasil”, também, cristaliza a tradicional concepção capitalista de que as diferentes
classes sociais devem receber educação de tipo diferente. A concepção de educação do
programa para os desfavorecidos na distribuição da riqueza é aquela pautada na aquisição de
habilidades minimalistas (ler, escrever e fazer contas).
Idealizada por intelectuais orgânicos ligados a movimentos empresariais com
“responsabilidade social”, a difusão dessa face mais humana do capital conta com o Instituto
Ayrton Senna (operador do capital) ao aplicar o “Programa Acelera Brasil” que atua como
operador do capital na escola pública à medida que difunde a visão particularista de mundo do
empresariado e desonerando o capital (política de incentivos fiscais às empresas com
“responsabilidade social”).
Ao defender a adoção de um novo pacto social calcado na ideologia do
“Neoliberalismo da Terceira Via”, o Instituto Ayrton Senna, na aplicação do “Programa
Acelera Brasil”, reafirma a cultura do “possibilismo” (do favor) e cristaliza o maior
protagonismo do empresariado na formulação e execução de políticas públicas para uma
educação voltada para o conformismo (tentar o sucesso dentro dos limites da cidadania
burguesa). É com base numa concepção de cidadania que englobaria alguns direitos, dentre
209
eles o de ter acesso a uma educação de “qualidade” (aumento dos índices medidores do IDEB
e que servem de base para os relatórios de organismos internacionais como o Banco Mundial)
que a avaliação legitima a atuação de quem entende de melhoria da gestão: os empresários.
Conceber a educação em função dos critérios que serão avaliados pelo IDEB é reduzir
o saber a critérios que são escolhidos arbitrariamente e desconsideram a materialidade em que
os dados foram produzidos. Treinar os alunos para se saírem bem nas avaliações promovidas
pelo INEP e acelerar os alunos com defasagem série-idade, adotando a “Pedagogia do
Sucesso” (certificação) subverte a concepção de como o saber é produzido e o apresenta como
um pacote pronto e acabado, representando a verdade em si (substituição do processo pelo
produto final).
Ter acesso à educação de “qualidade” (melhorar as notas do IDEB e aumentar a
quantidade de diplomados no ensino fundamental) passaria pela avaliação que atua na
sociedade burguesa como um elemento medidor do nível de cidadania que um indivíduo
estaria gozando. Dessa forma, vai-se criando um ethos na escola pública de que ela só seria
útil se fosse produtiva, se treinasse os alunos nas disciplinas que realmente fariam os índices
medidores da educação serem elevados; sua função problematizadora e de promover uma
nova moral, acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade sem restrições é
substituída pelo treinamento para a realização de avaliações que garantiriam o gozo da
cidadania.
Nessa perspectiva, a noção de “qualidade total” está intimamente ligada ao domínio de
certas habilidades para que o aluno com defasagem de idade-série tenha os requisitos mínimos
para estar apto a concorrer a uma vaga no mercado de trabalho. Todavia, como a “promessa”
de uma educação para a inserção não foi cumprida pelo Estado neoliberal, o “Programa
Acelera Brasil” objetiva não apenas fornecer “capital humano” como forma de superação das
desigualdades individuais, mas rejuvenescê-lo com elementos que os tornariam produtivos
mesmo em tempos de crise, quer seja pela noção de “flexibilidade” dos vínculos trabalhistas,
quer seja pela noção de “empreendedorismo” (autoemprego), quer seja (principalmente) pela
adoção da noção de “capital social” como diferencial competitivo para e entrada e
permanência no mercado.
É interessante percebermos que a noção de “capital humano rejuvenescido” não
abalaria a estrutura excludente do capital e sua capacidade em produzir miséria. É nesse
sentido que a noção de “capital social” é fundamental para manutenção do ordenamento
social; evitando, assim, rupturas sociais por parte dos desfavorecidos na distribuição da
riqueza. Essa educação defendida pelo “Programa Acelera Brasil”, cujo objetivo maior seria
210
certificar a maior quantidade de pessoas ao menor custo e no menor espaço de tempo, estaria
levando a lógica fabril para a escola pública.
Essa lógica fabril que o Instituto Ayrton Senna tem levado à escola pública através do
“Programa Acelera Brasil” nos ajuda a compreender que a expansão da oferta do ensino
àqueles se encontram com defasagem idade-série não implica necessariamente numa
educação, cujo sentido público seja efetivamente o gozo dos bens culturais realizados pela
humanidade, sem restrições impostas pelo capital para a manutenção da ordem capitalista.
Entendemos que essa lógica fabril de certificação de sujeitos que recebem uma
educação minimalista faz da escola pública (que em tese realizaria um trabalho improdutivo)
uma fábrica de produção de mão de obra geradora de mais-valia. Dessa forma, a escola que
recebe o “Programa Acelera Brasil” é identificada como produtiva à medida que fornece
diplomados com as mínimas habilidades exigidas pelo mercado, o que por si só não garante
sua “inserção”, mas os habilita a concorrer por uma vaga em tempos de crise. A ideia do
indivíduo produtivo está assentada na valorização exacerbada do individualismo exigido pelo
mundo empresarial e o mercado funcionaria como elemento organizador da vida social; nessa
situação não haveria espaços para formações alternativas de sociedade (FRIGOTTO,
CIAVATTA, 2003).
Dentro dessa perspectiva, estar certificado pelo “Programa Acelera Brasil” seria um
fator que daria igualdade de pontos de partida na ótica burguesa; contudo, ao se desconsiderar
as condições sociais, econômicas, históricas dos indivíduos desfavorecidos na distribuição da
riqueza, a responsabilidade pela inserção no mercado de trabalho passa a ser do indivíduo
(que deve estar preparado para autoemprego, para relações flexíveis de trabalho, ser detentor
de “capital social”, para diferenciá-lo nessa brutal concorrência), pois a noção de “capital
humano rejuvenescido” defende que a crise é conjuntural e não estrutural.
Na sua essência, o “Programa Acelera Brasil” do Instituto Ayrton Senna é mais um
operador dos ideais do “Neoliberalismo da Terceira Via” quando introduz nas escolas
públicas um pacote de conhecimentos prontos e acabados, apresentados como verdades
absolutas, a serem consumidos pelos indivíduos, cujo capital, enquanto relação social, é
apresentado como etapa inevitável da história da humanidade (naturalização do que é
histórico). O programa não aponta para a problematização da forma como os homens se
produzem e reproduzem, desconsiderando as desigualdades na distribuição da riqueza como
fator de manutenção da lógica vigente, pois o próprio saber é visto como uma sucessão de
fatos e processos verdadeiros.
211
Gramsci (1978) assinala que toda linguagem, mesmo a denominada científica, é
ideológica. Na direção oposta, em entrevista ao jornal “O Globo”, publicada em 21 de julho
de 2006, João Batista Araújo e Oliveira (elaborador da “Pedagogia do Sucesso”) afirma que
um “método adequado” por si só validaria uma concepção de mundo como verdadeira,
desconsiderando as condições históricas em que esse conhecimento foi elaborado.
[...] os cientistas têm ideias. Testam suas ideias seguindo métodos adequados. As ideias que
passam no teste são consideradas como fatos científicos. As outras viram história. No Brasil ficamos com a história e desprezamos os fatos (OLIVEIRA, 2006, p.1).
Temos uma preocupação muito grande com os rumos que educação do Município do
Rio de Janeiro pode seguir ao implementar o “Programa Acelera Brasil” que desconsidera a
essência da construção do conhecimento, eliminando a problematização de como se processa
o objeto desse saber, das contradições e até mesmo das correlações de forças nas disputas por
projetos societários. O conhecimento é apresentado como produto e não como processo;
verdades são apresentadas falseando a realidade dos fatos que por si só não são a expressão do
real.
Como a “fórmula do sucesso” já está pronta no “Programa Acelera Brasil”, o saber
docente e o saber disciplinar são relegados ao esquecimento em prol de uma metodologia dita
universal e de uma suposta “transdisciplinaridade” e/ou “interdisciplinaridade” do programa.
Não que sejamos contra a comunicação entre as diversas áreas do conhecimento, até mesmo
uma simbiose dos saberes, mas entendemos que o saber disciplinar é fundamental para o
aprofundamento do conhecimento. A questão é como esse saber disciplinar é reconduzido à
totalidade, intercambia-se com os demais saberes em prol de uma ciência comprometida com
os trabalhadores. Já o saber docente é visto pelo programa como “desvio” que pode por toda
a fórmula do sucesso a perder.
O saber docente e o saber disciplinar são postos de lado pelo “Programa Acelera
Brasil”, inclusive por uma adequação ao “Neoliberalismo da Terceira Via”: economizar com
os gatos públicos; sem, contudo, deixar de prestar o serviço em seus níveis mínimos. Como
no programa um único professor é o “mediador” do aluno com o material de ensino,
economiza-se com o pagamento de salários de outros professores. O programa prevê que o
professor é um aplicador do material de ensino e deve cuidar para que não haja desvios dele;
sua função política é considerada como nociva ao bom andamento do programa.
Considerando que a escola pública capitalista, pela própria natureza desse modo de
produção e civilizatório, é local onde se entrecruzam projetos societários, mesmo com as
212
tentativas de dominação das mentes, valores e concepções de mundo pelo capital, há espaços,
ainda, para a construção de um novo conhecimento como base crítica aos saberes postos como
prontos e acabados. E nesse caso, seguindo a linha do pensamento gramsciano, “todos os
homens são intelectuais” porque o próprio ato de pensar faz parte do ser humano, “mas nem
todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”; os professores, por
desempenharem uma função de intelectuais elaboradores e/ou difusores de concepções de
mundo, são sujeitos fundamentais na elaboração e/ou difusão de uma nova hegemonia, uma
ideologia contra a ideologia dominante no capital (GRAMSCI, 1982).
Não aceitar o modelo de empacotamento de saberes adotado pelo “Programa Acelera
Brasil” é fundamental, mas esse ato por si não muda a visão de mundo daqueles que são
desfavorecidos na distribuição da riqueza, pois “os filósofos têm apenas interpretado o mundo
de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (MARX, 1982, passim). Pensar
uma teoria com vistas a romper com a forma de sociabilidade dominante “se dá na e pela
práxis” (FRIGOTTO, 1994, p. 81), concebendo a ciência, o conhecimento, como útil à
medida que está a serviço da transformação da realidade (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007), em
contraposição ao “Programa Acelera Brasil” que identifica o útil com o prático.
Professores da educação básica podem atuar como formuladores de concepção de
mundo ou como divulgadores. Podem contribuir na mediação da consolidação da hegemonia
de um projeto conservador ou propor outra direção intelectual e moral. Uma mediação
fundamental da escola pública na proposição de uma nova hegemonia se dá justamente na
compreensão da concepção de cidadania como ordenamento social regulado pelo capital, pois
a tese fundamental do Instituto Ayrton Senna, concretizada no “Programa Acelera Brasil” é
que ao certificar indivíduos com defasagem idade-série, estaria levando cidadania aos
“pobres”, “desfavorecidos”, dando-lhes a igualdade no ponto de partida. Uma democratização
mínima, rasa, à luz da democracia burguesa.
A cidadania propagada pelo Instituto Ayrton Senna através do “Programa Acelera
Brasil” é aquela que a identifica com um conjunto de direitos e deveres que garantiriam a
igualdade política e jurídica, “legitimando” as desigualdades econômicas. Não estamos aqui
jogando no lixo a importância das conquistas, a duras penas pelos trabalhadores, no campo da
cidadania burguesa (igualdade política e jurídica); mas ressaltamos que a atividade
pedagógica não deve estar restrita a educar para a cidadania na concepção burguesa, pois as
desigualdades sociais se perpetuariam sob o manto da liberdade (burguesa) que os indivíduos
deveriam ter em buscar por seus próprios méritos o acúmulo de riqueza.
213
Nesse ponto, o “Programa Acelera Brasil” assenta uma de suas bases teóricas (educar
para a cidadania e a meritocracia) e serve como instrumento que contribui a favor da
alienação, pois a cidadania como igualdade política e jurídica não garante a participação dos
sujeitos de forma crítica na ordem social vigente, não garante a superação da alienação; a
cidadania assentada na igualdade jurídica e política é apresentada como condição natural que
se sobrepõe às condições históricas em que os homens produzem e se reproduzem em
sociedade, negando a categoria totalidade à medida que naturaliza aquilo que é histórico,
reifica as forças que fazem com que os seres humanos continuem a crer que o capital
transcende à ação dos indivíduos (produto da sociedade) e ocultam que as condições materiais
determinam a consciência dos homens, os valores que lhe são introjetados.
Defendemos a educação para além do capital, da igualdade formal, restrita aos campos
jurídico e político (MÉSZÁROS, 2008). Nosso compromisso é com a defesa da escola
pública mediadora de uma educação que apresente como projeto societário a emancipação
humana a partir da discussão da concepção de cidadania burguesa e sua função ideológica.
Como dito anteriormente, mesmo na sociedade capitalista, a escola pública é um local
privilegiado para a formação de uma ideologia contra a ideologia dominante, para a
proposição de uma nova hegemonia através da elevação cultural dos indivíduos concretos e
não idealizados por um projeto burguês operacionalizado nas escolas públicas por uma ONG.
Essa defesa da escola pública se choca com a concepção de educação difundida e
aplicada pelo Instituto Ayrton no “Programa Acelera Brasil” que difunde a tese de que a
escola só tem valor se for eficiente na produtividade de mão de obra geradora de mais valia.
Contudo, o programa não se propõe a formar cidadãos politizados e críticos da realidade que
os cerca; a educação de “qualidade” passaria pela certificação da maior quantidade de
indivíduos no menor espaço de tempo possível sob a promessa de “inserção social” no
mercado; como a promessa não é cumprida em função da própria essência do capital, o
“Programa Acelera Brasil” cumpre o papel de reforçar a quantidade de diplomados
“adaptados” aos novos tempos de crise do capital, atribuindo ao indivíduo a responsabilidade
pelo seu “fracasso” ou pelo seu “sucesso” nesses “novos tempos”.
A adoção da “Pedagogia do Sucesso” pelo Instituto Ayrton Senna teria por
justificativa maior “levar cidadania aos pobres” e contribuir para a consolidação do processo
democrático, pois os indivíduos “fracassados” na escola não estariam no pleno gozo dos
direitos agrupados em torno da concepção de cidadania. Para tanto, “certificar” esses
indivíduos seria uma oportunidade de fazê-los participantes plenos do processo democrático
dentro dos limites do capital. Mészáros (2008) nos dá os indícios necessários para pensarmos
214
que enquanto os valores do capital estiverem presentes nas mentes dos sujeitos e não houver
uma ruptura com a sociedade capitalista, a cidadania burguesa atuará como fonte legitimadora
do processo de aceitação passiva do capital.
Conforme analisa Ivo Tonet (2005, p. 89-124), para Marx, a cidadania se resumiria na
emancipação política, que tem sua importância nas conquistas dos trabalhadores ao longo da
história da humanidade, mas também teria o lado negativo ao reificar a alienação, uma vez
que a cidadania se constituiria num obstáculo à emancipação humana, chamada por Carlos
Nelson Coutinho (2008) de “cidadania plena”. A concepção de educação do “Programa
Acelera Brasil” contribui para a perpetuação do capital quando funciona como maquinaria de
transmissão dos valores da cidadania burguesa que legitimam a classe dominante
(MÉSZÁROS, 2008), que legitimam as desigualdades econômicas.
Entendemos que uma função social da escola é atuar como mediadora da cidadania,
sendo a emancipação política como etapa para conscientização dos sujeitos de sua
desumanização na execução de seu trabalho com vistas a chegar à emancipação humana. Por
exemplo, se o professor aplicador do “Programa Acelera Brasil” não se perceber como parte
do processo de repetição de conteúdos vazios de significados, apenas cumpre um protocolo
(alienado) e contribui para a reprodução do capital, através da transmissão de seus valores.
Mesmo os professores que vislumbram a mudança da concepção de mundo para além do
capital através da mediação da escola precisam ter em mente que a educação por si só não
cumpriria a função de “descolonizar” os Estado de orientação capitalista.
Compreendemos que a “descolonização” de um Estado regulado pelo capital não se dá
apenas numa vitória nas eleições para a efetivação da transição para um Estado socialista.
Partindo do princípio de que o Estado não está unicamente restrito ao governo, mas vai além
de sua manifestação material. A forma como o Estado se nos apresenta cauterizado em nossas
mentes se cristaliza num conjunto de instituições materiais “neutras” que regulariam as ações
da coletividade. É nesse ponto que Mirian Limoeiro (1990) e Kosik (1976) nos indicam que a
tarefa teórica dos movimentos sociais e dos partidos políticos é construir uma base de reflexão
que avance para além do que se apresenta como verdadeiro na imediaticidade das aparências.
Não presumimos que esta tarefa seja fácil, mas é necessária; sair dos níveis de
abstração mais baixos e avançar para níveis de abstrações mais profundos, mais distantes do
que se apresenta como concreto (realizando um verdadeiro détour) e construir uma nova
proposta hegemônica de sociedade que busque a construção de um novo concreto, só que não
mais aquele concreto inicial que se nos apresenta (inevitabilidade do capital enquanto relação
reguladora e organizadora da sociedade), mas um concreto pensado, procurando se aproximar
215
da realidade e identificar os determinantes que nos fazem sentir e compreender o Estado
contemporâneo como esse conjunto de instituições detentoras dessa suposta neutralidade
ideológica.
Alguns determinantes de nossa percepção, no exercício do détour, depois de
analisados segundo esse movimento do real, nos indicam que o Estado é muito maior que a
sua dimensão material. Portanto, o exercício teórico-metodológico é fundamental para um
governo de esquerda conquistar os espaços do Estado enquanto instância de manutenção das
relações capitalistas de produção não só no mundo material, mas também nas forças
espirituais que orientam nossa percepção das coisas.
O Estado em sua dimensão material é representado pelas instituições. Contudo, cabe
ressaltar que não se restringe a elas. Álvaro Garcia Linera70
(2010) nos indica que o Estado
também é estrutura ideal de concepções, correlação de forças e monopólio da força. Nesse
sentido, os políticos e partidos de orientação socialista e com base de apoio nos movimentos
sociais, ao assumirem o governo, devem ter em mente que não basta derrubar a máquina
institucional para implementação de políticas públicas com enfoque socialista, é necessária a
conquista da hegemonia, através do consenso, na arena de lutas por projetos societários que é
a sociedade civil.
As categorias gramscianas hegemonia, consenso e ideologia são fundamentais para a
compreensão desse dilema vivido pelos partidos socialistas. O Estado é idealizado por nós à
medida que ao longo dos anos, nas disputas pelo consenso na sociedade civil, criou-se em
nossas percepções uma forma hegemônica de ver o Estado como ele se apresenta na
sociedade capitalista: inevitável e garantidor do capital enquanto relação que organiza a
sociedade. Entendemos que Estado não é o fiador do capital, mas o garantidor do grupo
hegemônico que o opera, que detém o consenso.
Entendendo o Estado como relações de poder, para além de sua demarcação
geográfica, os partidos socialistas que conquistam o governo no jogo eleitoral não podem
desconsiderar a importância dos movimentos sociais associadas às ações do governo na
realização de transformações das bases materiais em que o Estado se manifesta. As condições
para essa transformação, conforme Coutinho (2008, p. 165), estão presentes quando a
promessa de um padrão de vida decente não se efetiva na realidade, ou seja, “há uma
contradição entre os valores introjetados e a experiência real do dia a dia. E isto traz a
desagregação social, a revolta inconsequente, o banditismo, etc”.
70 Vice-Presidente da Bolívia desde 2006 e responsável por pensar a teoria política do governo de Evo Morales.
216
Uma análise com pouca profundidade teórica apontaria a conquista do governo como a
consequente conquista do Estado. Através do exercício teórico-metodológico, percebemos
que o Estado é perpassado pela sociedade civil, local onde ocorrem as disputas pela direção
material e intelectual desse mesmo Estado. Numa tentativa de identificar o Estado como ente
estranho à sociedade civil, intelectuais como Antony Giddens e Francis Fukuyama numa
análise que nega a totalidade e interdependência das relações sociais - negam o comensalismo
entre o Estado, mercado e a sociedade civil e a identificam como local de colaboração e
solidariedade, ao invés de uma arena de disputas pelo controle material e ideológico do
Estado em suas múltiplas dimensões.
Numa análise metodológica, reduz-se a problemas ao nível de abstração mais baixo ao
estabelecer na imediaticidade a relação causa-consequência, desconsiderando as condições
históricas que levaram determinada escola a não funcionar como se esperava dela pela
sociedade civil. Realizar o détour é avançar para um nível de compreensão que se afaste cada
vez mais, no plano abstrato, daquilo que se nos é dado na imediaticidade. Assim, a busca dos
partidos socialistas não é identificar os males que o capitalismo causa à humanidade, mas
buscar os elementos determinantes que permitem ao sistema capitalista se manter como forma
de produção hegemônica mesmo quando um governo de esquerda (orientação socialista)
assume o poder.
É fundamental a conquista do governo, mas o dilema que se coloca é justamente como
se dará a conquista do Estado no modelo que nos está introjetado (mantenedor do da ordem
vigente). Essa necessidade de penetrar “as armaduras do Estado” com vistas à operação de
mudanças estruturais passa pela disputa hegemônica, na formação do consenso em aparelhos
privados de hegemonia, tais como a igreja, o exército, os partidos políticos, a escola, os
movimentos sociais (GRAMSCI, 1982).
É o processo de descolonização capitalista do Estado, ou seja, modificação das
ferramentas que o operaram internamente com o fulcro de analisar os movimentos sociais e
circunscrevê-los dentro de um sistema maior de reivindicações que também os abarcam, mas
que precisam se transformar na chamada “grande política”, nos termos gramscianos, para
promover uma efetiva transição das relações sociais em que a vida se produz e reproduz, onde
o ser humano seja colocado no primeiro plano na elaboração das políticas públicas.
Analisando a categoria gramsciana de Estado Ampliado, Virgínia Fontes (2010, p.
138-139) indica que o Estado incorpora demandas das classes subalternas como ocorrera com
a participação política; mantendo, contudo, a dominação de classe. Essa superação se daria
com a ruptura da lógica do capital de subsumir as pessoas não apenas economicamente, mas
217
em todos os aspectos da vida cultural71
, dos valores. O processo de “descolonização” (ruptura)
dos sujeitos em relação ao capital seria fundamental para a promoção da organização
intelectual com vistas à propositura de uma nova hegemonia que tivesse por objetivo a
emancipação humana.
A emancipação humana só se dará numa sociedade efetivamente democrática; não
naquela assentada na cultura do “possibilismo” da prestação do serviço público pelas ONGs.
Cabe frisarmos que nosso entendimento de democracia é aquele defendido por Ellen Wood
(2003, p.7) “desafio ao governo de classe”. Enquanto os indivíduos não forem postos como a
prioridade das políticas públicas, o capitalismo continuará ditando as normas da acumulação
da riqueza, colocando os indivíduos a quem as políticas públicas são dirigidas numa posição
de subalternidade aos seus interesses.
Como nossa proposta de trabalho não é apenas criticar as bases que sustentam a face
do capitalismo denominada “Neoliberalismo da Terceira Via”, aspiramos à democracia como
desafio ao capitalismo que tenta ocultar as contradições sociais através de um conjunto de
direitos e deveres pautados na positividade do direito (cidadania como ordenamento social),
identificado pelos burgueses como a maximização dos direitos democráticos; contudo, estão
restritos à esfera formal da igualdade política e jurídica. Nesse sentido, “a democracia pode
ser sumariamente definida como a mais exitosa tentativa até hoje inventada de superar a
alienação na esfera política” (COUTINHO, 2008, p. 50), é a conquista da “cidadania plena”:
extensão da igualdade política e jurídica para a esfera econômica, contribuindo para que todos
os indivíduos possam gozar os bens produzidos na sociedade.
A conquista da “cidadania plena” (COUTINHO, 2008, p.50) se realizaria na formação
de um novo coletivo, não um conjunto de indivíduos atomizados na sociedade, mas na
formação de um coletivo que seria a multiplicidade de indivíduos que já guardariam em si as
características do novo coletivo no seu relacionamento produtivo e criador (BARATA-
MOURA, 1997). Esse novo coletivo libertador da alienação permitiria ao indivíduo superar a
ideia de um conformismo social que se desenvolve através da introjeção de valores do capital
através do Estado Educador.
71
Campo privilegiado para a conquista da hegemonia. Cf. Coutinho (2010).
218
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Janeiro e dá outras providências. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, Poder
Executivo. Rio de Janeiro, 04 de março de 2009a.
______. Resolução SME nº 1014, de 17 de março de 2009. Dispõe sobre orientações relativas à
avaliação escolar na rede pública do Sistema Municipal de Ensino da Cidade do Rio de
Janeiro e dá outras providências. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, Poder
Executivo. Rio de Janeiro, 17 de março de 2009b.
______. LEI n.° 5.026, de 19 de maio de 2009. Dispõe sobre a qualificação de entidades
como Organizações Sociais e dá outras providências. Diário Oficial do Município do Rio de
Janeiro, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 19 mai. 2009c. Disponível em:
<http://doweb.rio.rj.gov.br/do_texto.asp?Id=205026>. Acesso em: 03 mai. 2010.
______. Anexo II da Portaria E/DGED n.º 41 de 12 de fevereiro de 2009. Departamento Geral
de Educação. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, Poder Executivo. Rio de
Janeiro, 12 de fevereiro de 2009d.
______. Secretaria Municipal de Educação. Recado E/SUBE/9ª CRE/GED nº4. Assunto:
Autonomia Carioca Aceleração 2 e 3. Rio de Janeiro, 17 de março de 2011a.
______. Resolução SME nº 1161 de 10 de outubro de 2011. Define os projetos estratégicos de
correção de fluxo na Rede Pública do Sistema Municipal de Ensino da Cidade do Rio de
Janeiro e dá outras providências. Diário oficial do Município do Rio de Janeiro, Poder
Executivo. Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2011b.
______. Recado nº. 24, emitido no dia 17 de março de 2011c. Subsecretaria de
Ensino/Gerência de Educação/9ª Coordenadoria Regional de Educação E/SUBE/9ªCRE/GED.
______. Recado nº. 30, emitido no dia 6 de abril de 2011d. Subsecretaria de Ensino/Gerência
de Educação/9ª Coordenadoria Regional de Educação E/SUBE/9ªCRE/GED.
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SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da Práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
229
SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS. Aprendizado é 68% maior entre
alunos com professores mais qualificados. Brasília, 2011a [atualizada em 8 de julho de
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______. Políticas Públicas voltadas para a educação são discutidas em seminário
[homepage na internet]. Brasília, 2011b [atualizada em 28 de setembro de 2011]. Disponível
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SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro:
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SOUZA, João Francisco de. Base teórica: A identidade cultural nos processos de
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SOUZA, Silvana Aparecida de. Trabalho voluntário e responsabilidade social da empresa na
educação: uma questão de boa vontade?. In: ADRIÃO, T.; PERONI, V. (Org). Público e
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TONET, Ivo. Educação, Cidadania e Emancipação Humana. Ijuí/RS: Unijui, 2005.
WEBER, Demétrio; BENEVIDES, Carolina. Mais de 50% concluem ensino médio com
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<http://oglobo.globo.com/blogs/educacao/posts/2011/05/08/maisde50concluemensinofundam
ental-medio-com-atraso-379164.asp>. Acesso em: 15 de maio de 2012.
WOOD, Ellen. M. Democracia contra o capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2003.
WORLD BANK. Learning for All: Investing in People’s Knowledge and Skills to
Promote Development. World Bank Education Strategy 2020 – Discussed at the Board of
Directors. Washington, DC. 2011.
230
ANEXO A - Pesquisas Acadêmicas
I- DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA:
1- Carta de Apresentação da Universidade (contendo o título e nome do Professor Orientador da pesquisa), assinada
pela Coordenação do curso ou professor orientador.
2- O PROJETO: Texto descritivo sobre a pesquisa contendo, no mínimo, os seguintes itens:
I-Título
II- Área de Abrangência
III- Objetivos
IV- Resumo da Pesquisa
V- Relevância do Estudo
VI- Metodologia
VII- Instrumentos que serão utilizados
VIII- Cronograma
IX- Motivo da escolha da Rede Pública Municipal de Ensino para a pesquisa
XI- Prazo para o retorno da conclusão da pesquisa à SME
3- Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa, quando o pesquisador utilizar
questionários e/ou entrevistas.
4- Anexo único da Portaria E/DGED n° 41 de 12/ 02/09. (O item 14, a data e assinatura devem ficar em branco, pois é a
parte que a Coordenadora da CED autoriza).
II- PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE:
1- Abrir processo com a documentação acima, preferencialmente na Coordenadoria de Educação (E/CRE) onde a
pesquisa vai ser realizada.
2- O processo será encaminhado para a SME / E/SUBE/CED, para análise da Equipe Técnica conforme temática
apresentada.
3- Se o parecer for favorável, o pesquisador será imediatamente contatado a fim de comparecer a E/SUBE/CED para
assinar a ciência do processo, o “Termo de Compromisso”, bem como receber o “Termo de Autorização para
Pesquisa” que deverá se levado a E/CRE correspondente, a fim de que sejam indicadas as Unidades Escolares que
participarão da pesquisa.
4- Caso a pesquisa não seja imediatamente autorizada, o pesquisador será chamado para ciência, bem como para
realizar possíveis ajustes para a consecução do trabalho.
5- A autorização será publicada em D.O.
6- Após este procedimento, o processo ficará sobrestado na Coordenadoria de Educação (E/SUBE/CED), até que a
pesquisa seja concluída. o pesquisador deverá apresentar relatório conclusivo que será encaminhado à Equipe
Técnica para ciência e, posteriormente, o processo será enviado à E/ SUBE/CRE de origem para arquivamento.
7- Caso os resultados da pesquisa sejam publicados através de Artigos ou em Congressos, o pesquisador deverá enviar
correspondência à SME, notificando sua publicação.
8- Os processos inaugurados nas E/SUBE/CRE também ficarão sobrestados na (E/SUBE/CED) até sua conclusão,
aguardando o relatório final.
231
OBSERVAÇÕES:
1- As pesquisas que envolvem seres humanos em entrevistas, filmagem e questionários, deverão, necessariamente,
ter parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da referida Universidade, de acordo com a resolução N. º 196/1996 do
Conselho Nacional de Saúde.
2- Caso a Universidade não tenha Comitê de Ética em Pesquisa, o parecer poderá ser obtido através do Comitê de
Ética em Pesquisa da PCRJ, através do site www.saúde.rio.rj.gov.br/cep
a. Este Comitê se manifestará quanto à possibilidade de inquérito ou filmagem com seres humanos,
mediante autorização da SME (sala 412) na FOLHA DE ROSTO impressa a partir do acesso ao site
citado acima.
3- Nosso contato – 2976-2296 faber.ced@gmail.com
Figura 2 – ANEXO A
Fonte: Rio de Janeiro (2009d).
232
ANEXO B - Anexo Da Portaria E/DGED Nº 41
DEPARTAMENTO GERAL DE EDUCAÇÃO
Solicitação para realização de pesquisa acadêmica nas Unidades Escolares da Rede Pública municipal de Ensino
1. Identificação da Instituição: ________________________________________ 2. Área de conhecimento da pesquisa: _________________________________
3. Nome do Pesquisador / Tel.: ______________________________________
4. Professor da Rede Municipal: ( ) Não ( ) Sim
5. Orientador da Pesquisa: __________________________________________
6. Síntese da Pesquisa: explicando o cunho e a metodologia da mesma. _______________________________________________________________
_______________________________________________________________
7. Carta de apresentação: ( ) Sim ( ) Não 8. Utilização de questionário: ( ) Não ( ) Sim
Em caso positivo, indicar em quem será aplicado ______________________
9. Do planejamento da pesquisa consta gravação ou filmagem?
( ) Não ( ) Sim - gravação
10. Os resultados serão individualizados por aluno? ( ) Não ( ) Sim
11. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP
( ) Não ( ) Sim
12. Tempo de realização: ________________________________________ 13. Previsão para apresentação das conclusões da pesquisa ao E/DGED:
__________________________________________________________
14. Parecer Final: ______________________________________________ __________________________________________________________
Rio de Janeiro, de de 2012.
Figura 3 – ANEXO B
Fonte: Rio de Janeiro (2009d).
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