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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS MULTIDISCIPLINARES – CEAM/UNB
NÚCLEO DE ESTUDOS DE SAÚDE PÚBLICA – NESP/UNB
Análise do acesso e da qualidade da Atenção Integral à Saúde da população LGBT
no Sistema Único de Saúde
Brasília/DF
Novembro de 2013
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RESUMO
Trata-se de uma análise do acesso e da qualidade da atenção integral à saúde da
população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis no Sistema Único de
Saúde. Para tanto, faz-se necessário o mapeamento das dimensões do acesso da
população lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nos serviços de atenção
básica, média e alta complexidade, na perspectiva dos usuários, profissionais e gestores;
a identificação e apreensão das dimensões da qualidade da atenção integral nos serviços
de atenção básica, média e alta complexidade, na perspectiva dos usuários, profissionais
e gestores; comparação dos elementos das dimensões do acesso e da qualidade
identificados com as ações preconizadas pela Política Nacional de Saúde Integral
LGBT; e a identificação das estratégias e das redes para a atenção à saúde acessadas
pela população LGBT. É uma pesquisa de natureza qualitativa, por entender que a
mesma circulará entre diversos movimentos e processos sócio-politico-histórico entre os
sujeitos do estudo. Será utilizada a triangulação de técnicas de coleta de dados, uma vez
que há diferentes sujeitos envolvidos no estudo e com isso é possível ampliar e
aprofundar as informações referentes ao objeto desta pesquisa, de modo a se ter maior
aproximação da realidade. Serão sujeitos da pesquisa a população LGBT, gestores
locais/municipais, gerentes das Unidades Básicas de Saúde, com foco nas Unidades
Básicas que operam na lógica organizativa da Estratégia Saúde da Família. O estudo
será de abrangência nacional que contemple as cinco regiões: no Norte, Pará: Belém,
Santarém; Amapá: Macapá; Acre: Rio Branco. No Nordeste, Bahia: Salvador, Feira de
Santana, Vitória da Conquista; Pernambuco: Recife; Paraíba: João Pessoa; Ceará:
Fortaleza e Juazeiro do Norte; Piauí: Teresina, Picos. No Centro-Oeste, Mato Grosso do
Sul: Campo Grande. Distrito Federal: Brasília; Ceilândia; Taguatinga; Sobradinho.
Goiás: Goiânia. No Sudeste, Rio de Janeiro: Rio de Janeiro; São Paulo: São Paulo e São
José do Rio Preto; Minas Gerais: Belo Horizonte e Uberlândia; Espírito Santo: Vitória.
No Sul, Paraná: Curitiba e Maringá; Rio Grande do Sul: Porto Alegre. A coleta dos
dados para esta pesquisa será realizada por meio de questionário eletrônico, entrevistas
individuais semiestruturadas, a serem aplicadas com os gestores dos municípios,
gerentes das Unidades Básicas de Saúde, profissionais das equipes de Saúde da Família,
e ainda Grupos Focais com a População LGBT. A análise dos dados será mediada pelo
uso dos softwares NVivo9 e Qualiquantisoftware do Discurso do Sujeito Coletivo.
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Palavras-chave: Política LGBT; Redes Integradas; Acesso; Atenção Básica; Estratégia
Saúde da Família.
Hipótese:
A população de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis não dispõe de ações e
serviços de saúde de qualidade na rede do Sistema Único de Saúde.
Riscos:
Consideramos que a aplicação do questionário não oferece riscos importantes ao
participante, contudo, o você poderá sentir desconforto físico devido ao tempo que será
necessário para preencher o instrumento (aproximadamente 30 minutos) e
constrangimento devido ao teor pessoal de algumas questões.
Benefícios:
Serão beneficiados com este projeto de pesquisa a população de lésbicas, gays,
bissexuais, transexuais e travestis, os trabalhadores da Estratégia Saúde da Família e os
gestores do Sistema Único de Saúde, no âmbito da implantação e institucionalização da
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e
Travestis. Seu benefício em participar desta pesquisa será de contribuir com a
construção de um melhor entendimento acerca das necessidades e recursos dos alunos
de graduação e pós-graduação das Instituições de Ensino Superior envolvidas, o que
poderá ser utilizado no planejamento e fomento de uma política de assistência
estudantil.
Desfecho primário (uma breve conclusão):
Ao seu final, pesquisa pretende ter identificadas as condições do acesso aos serviços de
saúde pela população de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, nas
dimensões do acolhimento, da humanização e da qualidade dos serviços prestados a
essa população de forma a assegurar os seus direitos de cidadania no tocante às ações e
serviços de básicos de saúde no âmbito da Atenção Básica por meio da Estratégia Saúde
da Família em redes integradas.
Tamanho da amostra - quantos participantes da pesquisa:
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Serão pesquisados 27 municípios com a seguinte distribuição por região do país: no
Norte quatro; no Nordeste nove; cinco no Centro-Oeste; no Sudeste seis e no Sul, dois.
A estimativa é de 100 pessoas incluindo a população LGBT, profissionais de saúde e
gestores.
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INTRODUÇÃO
A discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero incide na
determinação social da saúde ao desencadear processos de sofrimento, adoecimento e
morte prematura decorrentes do preconceito e do estigma social reservado às lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais.
A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais e Travestis - LGBT representa os esforços das três esferas de governo e da
sociedade civil organizada na promoção, atenção e no cuidado em saúde, priorizando a
redução das desigualdades por orientação sexual e identidade de gênero, assim como o
combate à homofobia, lesbofobia e transfobia, e à discriminação nas instituições e
serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). É constituída por um conjunto de princípios
éticos e políticos expressos em uma marca que reconhece os efeitos perversos dos
processos de discriminação e de exclusão sobre a saúde. Suas diretrizes e objetivos
estão, portanto, voltados para a promoção da equidade em saúde. Além disso, é uma
política transversal, com gestão e execução compartilhadas entre as três esferas de
governo, que deverá atuar articulada às demais políticas do Ministério da Saúde.
Estão voltados, ainda, para mudanças na determinação social da saúde, com
vistas à redução das desigualdades relacionadas à saúde destes grupos sociais. A
Política reafirma o compromisso do SUS com a universalidade, a integralidade e com a
efetiva participação da comunidade e, por isso, contempla ações voltadas para a
promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, além do incentivo à
produção de conhecimentos e o fortalecimento da representação do segmento nas
instâncias de participação popular.
Um dos cenários fundamentais para as ações da Política é a rede de serviços do
SUS, organizada no sentido de materializar o disposto nos princípios do Sistema, no
geral, e no particular, da Estratégia Saúde da Família/Atenção Básica. Entretanto, os
desafios na reestruturação de serviços, rotinas e procedimentos na rede do SUS sob a
perspectiva de superação do preconceito e da discriminação requer, de cada sujeito, dos
coletivos sociais e das instituições, mudanças de valores baseadas no respeito às
diferenças, o que ainda se constitui uma lacuna.
Na perspectiva de identificar quais as possibilidades de implantar na rede SUS
uma nova lógica para a organização de ações e serviços na direção de valores como a
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inclusão e a integralidade do cuidado, proporcionando acesso e qualidade na relação do
usuário/cidadão/cidadão com o sistema, apresenta-se este Projeto de Pesquisa, que se
caracteriza como dispositivo com capacidade para analisar as estratégias utilizadas para
enfrentar estes determinantes (preconceito e discriminação) do ponto de vista dos
sujeitos envolvidos, isto é, a população LGBT, trabalhadores e gestores do SUS.
ANTECEDENTES
A inclusão social como tema da agenda política nas democracias modernas,
principalmente de países latino-americanos, onde as desigualdades se fazem presentes
de forma veemente no cotidiano das pessoas, tem suscitado movimentos, tanto de
instituições governamentais, como da sociedade civil, no sentido da formulação
participativa de políticas afirmativas.
O Art. 196 da Constituição Federal de 1988 define que “saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
No Brasil, com o amadurecimento da democracia, vem se constituindo canais
de interlocução entre governo e os movimentos da sociedade civil, nos quais se incluem
os grupos social e historicamente excluídos como a população negra, do campo e da
floresta e grupos que emergem no processo de significação da cidadania, como o grupo
LGBT, ciganos e outros.
Foram instituídos órgãos como a Secretaria de Igualdade Racial, de Políticas
para Mulheres, de Direitos Humanos, como resposta institucional à plataforma
levantada no novo governo. No SUS, a Secretaria de Gestão Estratégia e Participativa
(SGEP) tem como responsabilidade a promoção da equidade em saúde de populações
socialmente vulneráveis.
Em 2003, o SUS promoveu a inclusão das lésbicas e mulheres bissexuais na
área técnica de Saúde da Mulher, com o objetivo de enfrentar as vulnerabilidades desses
segmentos, marcados pela invisibilidade em decorrência no que se refere aos serviços e
práticas de promoção e atenção à saúde.
Em 2004, foi instituído o Comitê Técnico de Saúde da População de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGTB), coordenado pelo Departamento de
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Apoio à Gestão Participativa (DAGEP), da SGEP, composto por representantes dos
coletivos LGBT e áreas técnicas do Ministério da Saúde, com a finalidade de promover
a equidade em saúde para LGBT, enfrentando as iniquidades em relação à
universalidade do acesso na oferta de ações e serviços de saúde no SUS e a
integralidade da atenção.
A instituição do “Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e
à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual”, pela
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2004, com o
objetivo de combater todas as formas de preconceito e discriminação, por meio da
consolidação de políticas públicas para a promoção da cidadania da população GLBT,
foi considerado avanço impar na história dos direitos dos cidadãos e cidadãs
brasileiro(a)s.
Em março de 2006, o Presidente da República criou a Comissão Nacional sobre
Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), seguindo recomendação da OMS, que
estabeleceu uma Comissão Global, um ano antes, em março de 2005.
A CNDSS, fortemente inspirada pelo Art. 196 da Constituição Federal, visa a
mobilizar a sociedade brasileira e o próprio Governo para entender e enfrentar de forma
mais efetiva as causas sociais das doenças e mortes que acometem a população, e
reforçar o que é socialmente benéfico para a saúde individual e coletiva.
Os Determinantes Sociais de Saúde são entendidos como fatores sociais,
econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam
a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. Foram
priorizadas três linhas de pesquisa:
1) desigualdades sociais, regionais, étnico-raciais e de gênero da
morbimortalidade e dos fatores de risco;
2) desigualdade no acesso e qualidade dos serviços de saúde e intervenções
sociais; e
3) aspectos metodológicos dos estudos sobre os determinantes sociais da
saúde.
Nesse mesmo ano os coletivos LGBT tiveram assento no Conselho Nacional de
Saúde (CNS) como representação desse segmento, consolidando um importante avanço
no processo de democratização da saúde pública brasileira e no controle social no SUS.
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No plano institucional a publicação da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde
reitera o direito ao atendimento humanizado e livre de discriminação por orientação
sexual e identidade de gênero, considerado importante instrumento legal na luta pela
efetivação do direito à saúde de LGBT.
A 13ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em novembro de 2007,
deliberou a inclusão das necessidades e especificidades decorrentes da orientação sexual
e identidade de gênero, por meio da implementação de uma política nacional de saúde
integral voltada para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que
contemple: a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos; o respeito ao direito à
intimidade e à individualidade; práticas de educação permanente em saúde e revisão dos
currículos escolares; incentivo à produção de pesquisas científicas, inovações
tecnológicas e compartilhamento dos avanços terapêuticos; protocolo de atenção contra
a violência; regulação não discriminatória da doação de sangue; e modificação nos
formulários, prontuários e sistemas de informação em saúde.
A partir destes marcos novos processos políticos e arranjos organizacionais
foram sendo introduzidos no SUS como a implementação do Plano Integrado de
Enfrentamento da Feminização da Epidemia de Aids e outras DST, contemplando ações
voltadas para as lésbicas, mulheres bissexuais e transexuais, o Plano Nacional de
Enfrentamento da Epidemia de Aids e das DST entre gays, outros Homens que fazem
Sexo com Homens (HSH) e Travestis e promoção da atenção à saúde das mulheres
lésbicas, bissexuais e transexuais como ação integrante da Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde da Mulher.
Em 2008, o Ministério da Saúde lançou o Programa Mais Saúde: Direito de
Todos, considerado o PAC da Saúde, define diretrizes estratégicas que norteiam os
eixos de Intervenção, as medidas adotadas, as metas-síntese e os investimentos. O Eixo
I – Promoção da Saúde, apresenta a medida “1.11. Promover ações de enfrentamento
das iniqüidades e desigualdades em saúde (para grupos populacionais de negros,
quilombolas, GLBTT, ciganos, prostitutas, população em situação de rua, entre
outros)”, tendo como meta “Formar 5.000 lideranças de movimentos sociais sobre os
determinantes e o direito à saúde e implantar e apoiar 27 equipes estaduais em todos
municípios acima de 100 mil habitantes para o planejamento e a execução de ações de
enfrentamento de iniquidades”
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No processo preparatório para a I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e Transexuais – GLBT – Direitos Humanos e Políticas Públicas: O
Caminho para Garantir a Cidadania de GLBT, realizada em junho de 2008, o Ministério
da Saúde apresentou um texto básico que esboçava os princípios da Política Nacional de
Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT. Em
seguida ocorre a publicação das Portarias GM nº 1707, de 18 de agosto de 2008, que
institui o Processo Transexualizador no âmbito do SUS a da Portaria SAS nº 457, de 19
de agosto de 2008, que aprova a regulamentação desse processo no âmbito do SUS.
Construído de forma compartilhada entre Ministério da Saúde e coletivos LGBT
o documento da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais – LGBT e finalizado e encaminhado para consulta pública, no
período de 26 de junho a 30 de julho de 2008, hospedado na ferramenta de consulta do
DATASUS, publicizado no DOU por meio da Portaria nº GM 1279, de 25 de junho de
2008.
Em 2009, ocorre o I Seminário Nacional Diversidade de Sujeitos e Igualdade de
Direitos no SUS realizado pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento de
Apoio à Gestão Participativa, com a participação de gestores e trabalhadores da saúde e
movimentos sociais (Negros, Ciganos, População em Situação de Rua, População do
Campo e da Floresta, População de Religiões de Matriz Africana e LGBT). O objetivo
deste seminário foi promover redes de diálogos entre os movimentos, gestores da saúde,
dos direitos humanos e de promoção de igualdade racial e representantes de governos
federal, estaduais e municipais, para o fortalecimento da ética da solidariedade entre os
setores e atores sociais presentes com o fim de construir uma ação política estratégica
que reconheça a diversidade dos sujeitos, suas necessidades em saúde e a
responsabilização compartilhada entre governo e sociedade por ações de promoção da
equidade.
Validada pelas bases sociais a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, é
aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em 2009 e publicada por meio da Portaria
nº 2.836, de 01 de dezembro de 2011, foi assinada durante a 14ª Conferência Nacional
de Saúde. Nesse mesmo dia também foi assinada a Resolução CIT nº 02, de 06 de
dezembro de 2011, que aprova seu Plano Operativo junto à Comissão Intergestores
Tripartite (CIT). Este Plano, pactuado na CIT, em novembro de 2011, apresenta
estratégias para as gestões federal, estadual e municipal, no processo de enfrentamento
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das iniquidades e desigualdades em saúde desta população. Sua operacionalização se
norteia pela articulação intra e intersetorial e uma das ações previstas no Plano
Operativo, no Eixo 3 – Educação permanente e educação popular em saúde com
foco na população LGBT é o fomento ao desenvolvimento de pesquisas com foco nas
prioridades em saúde da população LGBT.
Diante deste contexto, nos dias 17 e 18 de setembro de 2012, o Departamento de
Apoio à Gestão Participativa/SGEP/MS, em parceria com o Departamento de Ciência e
Tecnologia/SCTIE/MS, realizou a Oficina de Pesquisas em Saúde da população
LGBT e das populações do Campo e da Floresta. Esta Oficina teve como objetivo a
elaboração de linhas de pesquisa para projetos de pesquisa referentes ao tema da saúde
da população LGBT e das populações do campo e da floresta. Contou com a
participação de pesquisadores/as, gestores/as, lideranças dos movimentos sociais e
representantes do Comitê Técnico de Saúde Integral LGBT e Grupo da Terra.
Ao final da Oficina, foi definida a seguinte linha de pesquisa, no que se refere à
população LGBT: análise do acesso e da qualidade da atenção integral à saúde da
população LGBT no SUS.
À linha de pesquisa, foram incorporadas as seguintes recomendações: realizar
estudo multicêntrico de abrangência nacional que contemple as cinco regiões (PA, AP,
BA,PE, PB,CE, MS,DF, GO, PR, RS, RJ, SP E MG); a pesquisa deve englobar
unidades básicas de saúde, ambulatórios e serviços habilitados e serviços de urgência e
emergência; perfil que contemple informações de gênero, orientação sexual, identidade
de gênero, raça/cor, geração, classe, religião, deficiência e origem; a pesquisa deve
abranger profissionais de saúde, usuários e usuárias do SUS; acompanhamento da
pesquisa e realização de seminário final para a devolutiva dos resultados com
participação de gestores (as), representantes de movimento social, representantes de
comitês nacional e estaduais da política LGBT e Conselhos de Saúde; publicação
(cartilha, relatório, etc.) para divulgação dos resultados da pesquisa.
JUSTIFICATIVA
Em países de dimensões continentais como o Brasil que apresenta diferenças e
desigualdades regionais, culturais, econômicas e sociais promover a equidade mostra-se
um constante desafio em decorrência da existência de grupos sociais invisíveis às ações
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das políticas sociais, que permanecem excluídos em função de sua condição sócio-
geográfica, étnica, orientação sexual e identidade de gênero.
A promoção da equidade em saúde como política pública introduz a diferença no
interior da igualdade e universalidade conquistadas pela cidadania, implica o
compromisso com uma terceira geração de direitos, direitos culturais que se
caracterizam por serem direitos de definição difusa, de base coletiva e grupal,
apresentam a solidariedade, a tolerância e a confiança como princípios fundamentais e
necessitam serem discutidos e compreendidos pela sociedade para serem reconhecidos
como direitos.
A complexidade da situação de saúde do grupo LGBT e, especialmente, diante
das evidências que a orientação sexual e a identidade de gênero têm na determinação
social da saúde, impõe a construção de interfaces nas quais pode ocorrer ações
integradas para a promoção da inclusão social nas quais o acesso e a qualidade dos
serviços de saúde contribuem para o enfrentamento das iniquidades.
A condição de LGBT incorre em modos de viver construídos, às vezes como
estratégia de sobrevivência, às vezes como resistência e afirmação do ser, que se
caracterizam como práticas corporais, comportamentais e sexuais que possuem alguma
relação com o grau de vulnerabilidade destas pessoas, incluindo desde uso
indiscriminado de silicone, hormônios, artefatos eróticos contaminados, passando por
drogadição e mortes por causas externas.
Esta pesquisa procura identificar elementos se fazem presentes no maior e mais
profundo sofrimento que é decorrente da discriminação e preconceito a respeito desses
modos de viver construídos à margem. Como essas pessoas, cidadãos e cidadãs
promovem e produzem sua saúde e como os serviços de saúde da rede SUS integram
este processo. Interessa aqui não somente compreender o acesso como a entrada do
indivíduo no sistema, mas como estes modos de viver são percebidos, acolhidos pelos
profissionais de saúde e se expressam em práticas de saúde dialogadas, respeitosas e
singulares.
Conhecer por um lado as estratégias que essa população elabora e por outro lado
as possibilidades de respostas dos serviços justificam-se, no contexto de
operacionalização de uma política no âmbito da saúde, por contribuir com elementos
fundamentais para a construção dos Mapas de Saúde, tal como enunciado no Decreto
7508 de 2011 e da viabilidade de ações que sejam incorporadas ao cotidiano dos
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serviços de saúde, assumidos pela gestão como dever do Estado e validados pela
sociedade civil como direitos culturais legítimos numa sociedade democrata.
Este estudo também contribui para que a Política de Saúde Integral LGBT
articule um conjunto de ações e programas, produzindo medidas concretas a serem
implementadas, em todas as esferas de gestão do SUS, particularmente nas Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde, gerando informações para que a gestão fundamente as
ações a serem implementadas na forma de políticas e programas e para o exercício do
controle social pelas instâncias institucionalizadas e pela sociedade.
OBJETIVO GERAL
Analisar o acesso e da qualidade da atenção integral à saúde da população de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBT) no Sistema Único de Saúde (SUS).
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Mapear as dimensões do acesso da população lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais-LGBT nos serviços de atenção básica, média e alta
complexidade, na perspectiva dos usuários, profissionais e gestores.
2. Identificar e apreender as dimensões da qualidade da atenção integral nos
serviços de atenção básica, média e alta complexidade, na perspectiva dos
usuários, profissionais e gestores.
3. Comparar os elementos das dimensões do acesso e da qualidade
identificados com as ações preconizadas pela Política Nacional de Saúde
Integral LGBT.
4. Identificar as estratégias e as redes para a atenção à saúde acessadas pela
população LGBT.
METODOLOGIA
Esta pesquisa tem por objeto o acesso e a qualidade da atenção integral prestada
a população Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS). Assume-se que esta é uma pesquisa de natureza
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qualitativa, por entender que a mesma circulará entre diversos movimentos e processos
sócio-politico-histórico entre os sujeitos do estudo. Ou seja, os sujeitos dão significado
a suas ações e construções, dentro de uma racionalidade presente nas ações humanas, no
caso, as relacionadas ao processo saúde-doença-cuidado. Para Minayo (2013), na
pesquisa social existe uma identidade entre sujeito e objeto, revelando um substrato
comum de identidade com o investigador, tornando sujeitos e pesquisador imbricados e
comprometidos numa mesma ciência. Além disso, assume-se a não neutralidade diante
da implicação da visão de mundo do pesquisador em todo processo de conhecimento.
Diante da realidade social observada a abordagem qualitativa permite uma aproximação
à existência humana, ainda que de forma incompleta, por meio de instrumentos e teorias
que demonstrem o desafio do conhecimento.
No tocante as escolhas de técnicas e instrumentos de coleta dos dados será
utilizada a triangulação de técnicas de coleta de dados, uma vez que há diferentes
sujeitos envolvidos no estudo e com isso é possível ampliar e aprofundar as informações
referentes ao objeto desta pesquisa, de modo a se ter maior aproximação da realidade.
Segundo Minayo (1993), a abordagem qualitativa realiza uma aproximação fundamental
e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são de naturezas próximas.
Esta pesquisa busca estudar em diferentes municípios brasileiros a população
LGBT, considerando o objetivo de análise do acesso e da qualidade da atenção integral
à saúde da população LGBT no SUS. Neste sentido, compreender o acesso aos serviços
de saúde e sua qualidade segundo Sousa (2007) é uma “tarefa” de dimensões
complexas, sobretudo quando se colocam questões de natureza subjetiva do tipo
“afetivo”, em ambiência culturalmente instituída por uma outra racionalidade técnico-
organizativo. A principal razão é que cada um destes processos corresponde a um
modelo explicativo distinto, portanto o(s) conceito(s) tomam diversos sentidos, logo a
dimensão de análise de entrada nos serviços de saúde (porta de entrada), e uso desses
serviços podem ser uma medida de acesso, mas não se explica apenas por eles mesmos.
Nesse sentido, o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos,
focando-se em fenômenos contemporâneos que estão inseridos em algum contexto da
vida real. A pesquisa qualitativa permite ao pesquisador lidar com uma ampla variedade
de evidências, colhidas por diversas técnicas e instrumentos tais como questionário,
entrevistas e Grupos Focais, com os dados precisando convergir em um formato de
triângulo, beneficiando-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para
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conduzir a coleta e a análise dos dados, optou-se por utilizar este desenho metodológico
para abordar o objeto desta pesquisa.
Serão sujeitos da pesquisa: a população LGBT, gestores locais/municipais,
gerentes das Unidades Básicas de Saúde, com foco nas Unidades Básicas que operam na
lógica organizativa da Estratégia Saúde da Família.
Os critérios de seleção dos estados/municípios foram os seguintes: (a)
municípios que tenham a política de LGBT implementada; (b) municípios acima de 50
mil habitantes; (c) equipe das Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF) completa
com cadastro atualizado no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de
Saúde – SCNES; (d) equipe da UBSF que há pelo menos um ano conta com a mesma
composição de trabalhadores.
O estudo será de abrangência nacional que contemple as cinco regiões: no Norte,
Pará: Belém, Santarém; Amapá: Macapá; Acre: Rio Branco. No Nordeste, Bahia:
Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista; Pernambuco: Recife; Paraíba: João
Pessoa; Ceará: Fortaleza e Juazeiro do Norte; Piauí: Teresina, Picos. No Centro-Oeste,
Mato Grosso do Sul: Campo Grande. Distrito Federal: Brasília; Ceilândia; Taguatinga;
Sobradinho. Goiás: Goiânia. No Sudeste, Rio de Janeiro: Rio de Janeiro; São Paulo: São
Paulo, e São José do Rio Preto; Minas Gerais: Belo Horizonte, Uberlândia; Espírito
Santo: Vitória. No Sul, Paraná: Curitiba e Maringá; Rio Grande do Sul: Porto Alegre.
A coleta dos dados para esta pesquisa será realizada por meio de questionário
eletrônico a ser desenvolvido pelo Centro de Tecnologias Educacionais Interativas em
Saúde (CENTEIAS), com questões dirigidas aos gestores do SUS (vide Apêndice I).
Complementarão o estudo de campo com o uso
Entrevistas individuais semiestruturadas, a serem aplicadas com os gestores dos
municípios, gerentes das Unidades Básicas de Saúde, profissionais das equipes de
Saúde da Família (vide Apêndice II). A pesquisa deve englobar unidades básicas de
saúde, ambulatórios e serviços habilitados/credenciados (Hospital de Clínicas de Porto
Alegre – Porto Alegre/RS; HUPE Hospital Universitário Pedro Ernesto – Rio de
Janeiro/RJ; Fundação Faculdade de Medicina HCFMUSP Inst. de Psiquiatria –
Fundação Faculdade de Medicina MECPAS – São Paulo/SP; Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Goiás – Goiânia/GO) e de referência (Ambulatório para
Travestis e Transexuais da Universidade Federal de Uberlândia – UFU/MG e
Ambulatório para Travestis e Transexuais do CRT DST/Aids de São Paulo/SP). A
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pesquisa deve também considerar ambientes de convivência social da população LGBT:
Centros de referência LGBT e espaços sociais. Perfil que contemple informações de
gênero, orientação sexual, identidade de gênero, raça/cor, geração, classe, religião,
deficiência, origem, escolaridade, renda e ocupação. A pesquisa deve abranger
profissionais de saúde (equipe multiprofissional e ACS/ESF), usuários e usuárias do
SUS (incluindo municípios do interior e da capital)
Serão realizados ainda Grupos Focais (GF) com a População LGBT (Apêndice
III) com roteiro próprio por grupo de população, onde as discussões devem ser
registradas em meio eletrônico e, posteriormente, transcritas. Cada grupo contará com
uma participação média de seis sujeitos. As sessões do GF serão realizadas nos
municípios a serem pesquisados, moderadas e observadas pelos pesquisadores e/ou
auxiliares de pesquisa, num tempo médio de duas horas duração. A análise dos dados
será mediada pelo uso dos softwares NVivo9 e Qualiquantisoftware do Discurso do
Sujeito Coletivo (DSC). Todos os instrumentos serão submetidos ao Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). (Apêndice IV).
MARCO TEÓRICO
ATENÇÃO BÁSICA/ESTRATEGIA SAÚDE DA FAMILIA
Para distinguir a concepção seletiva da Atenção Primaria à Saúde, o Brasil
passou a utilizar o termo “Atenção Básica de Saúde”, definida como ações individuais e
coletivas, situadas no primeiro nível de atenção, para promover e proteger a saúde,
prevenir doenças e agravos, efetuar tratamento e reabilitação de acordo com as
necessidades da família e da comunidade (BRASIL, 2011).
O Programa Saúde da Família (PSF) surge como uma potencial estratégia á
mudanças do Modelo de Atenção á Saúde, contribuindo nos processos de reestruturação
e reorganização das ações e serviços de saúde, no âmbito do SUS, ampliando as
possibilidades dos sujeitos serem mais participativos e autônomos. Com isso, almejando
fortalecer os papéis e as práticas dos gestores, trabalhadores e usuários no cotidiano dos
seus processos de trabalho, instituindo vínculos entre os profissionais/equipes e os
indivíduos, família e comunidade.
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A respectiva dinâmica constrói-se a partir de problemas identificados na
população mais vulnerável ao risco de adoecer e morrer, e, sobretudo, num determinado
espaço político e geográfico, onde as relações cotidianas entre os atores sociais
estabelecem verdadeiros pactos para intervir na realidade e desenvolver projetos e ações
estratégicas e integradas à promoção do acesso à saúde, no seu sentido mais amplo.
Starfield (2002) sugere novas formas de organização da Atenção Primária à
Saúde (APS) com pactos entre diversos setores da sociedade na operacionalização das
ações intersetoriais com vistas à promoção da saúde, sublinhando a necessidade dos
esforços que vão além da atuação específica dos profissionais de saúde e gestores, com
responsabilização do autocuidado pelas próprias pessoas, famílias e comunidade na
construção da saúde, bem-estar e qualidade de vida. Portanto, o desenvolvimento da
Atenção Primária à Saúde está interrelacionado às discussões e à assimilação do
conceito ampliado de saúde entre os vários atores e setores do campo da saúde pública.
A Estratégia Saúde da Família alia os princípios do SUS aos pressupostos da
Atenção Primária à Saúde, definidos por Starfield (2002) como o primeiro contato,
longitudinalidade, abrangência do cuidado, coordenação e orientação à família e
comunidade. Consideradas as necessidades e complexidades desses sujeitos, a
Estratégia enfatiza a promoção de atenção à saúde que, para Connil et al (2007), busca
romper a ideia de uma atenção simplificada e de baixo custo.
Além disso, Sousa (2001), com relação às diretrizes organizativas da Estratégia
Saúde da Família (ESF), identifica que estas têm potencialidade de promoção da
equidade, da justiça social e diminuição das iniquidades e, por isso, atuam como um dos
princípios do SUS, e que a integralidade “significa articulação, integração e
planejamento unificados e de atuação intersetorial, ideias que subsidiam o modelo do
PSF”.
ACESSO E ACESSIBILIDADE
Segundo Sousa (2007) 0s termos acesso e acessibilidade são usados por alguns
autores de forma indistintas e geralmente imprecisa. Entre eles Millman (1993) definiu
acesso como “o uso oportuno de serviços pessoais de saúde para alcançar os melhores
resultados possíveis em saúde”. Enquanto que Starfield (2002) diferencia o acesso de
acessibilidade. Acessibilidade segundo a autora refere-se a características da oferta, e o
17
acesso é a forma como as pessoas percebem a acessibilidade. Por outro lado
Donabedian (2003) acrescenta ao conceito de acesso a ideia de não o restringir à entrada
nos serviços de saúde, trabalhando assim com acessibilidade na dimensão da oferta de
serviços relativo à capacidade de produzir serviços e de responder às necessidades de
saúde de uma determinada população.
Ainda segundo a autora, estes e outros autores, como Travassos e Martins (2004,
p.2), nos fazem ver que a terminologia usada para definir acesso é muito complexa, às
vezes confusa e imprecisa, indicando que seus referencias variam no tempo, espaço,
contextos e nos objetivos dirigidos por diferentes estudos. Por isto chamam atenção para
a importância das distinções entre acesso e uso de serviços de saúde, acesso e
continuidade do cuidado e acesso de efetividade dos cuidados prestados. A principal
razão é que cada um destes processos corresponde a um modelo explicativo distinto. O
uso de serviços pode ser uma medida de acesso, mas não se explica apenas por ele. A
despeito de o acesso ser um importante determinante do uso, o uso efetivo dos serviços
de saúde resulta de uma multiplicidade de fatores. Fatores individuais predisponentes,
fatores contextuais e relativos à qualidade do cuidado influenciam o uso e a efetividade
do cuidado.
Com isso, reconstrói o conceito de acesso como a inter-relação estabelecida
entre os indivíduos, famílias e comunidades, gestores e equipes do PSF permeada pelo
vínculo e pela corresponsabilidade, num exercício permanente de geração de
oportunidades e capacidades entre os sujeitos nos processos de cuidar da saúde-doença-
morte como expressões de respeito, autonomia e participação. (SOUSA, 2007, p. 35).
O conceito de acessibilidade surge a partir dos anos 60 em plena época do auge
do planejamento normativo e a tecnoburocracia sanitária e como conceito não possui
uma profundidade teórica importante já que sua utilização limitou-se preferentemente
aos cenários das práticas e com objetivo de medi-la. Os autores que se manifestaram
sobre a acessibilidade não expressam diferenças em suas definições, mais bem cada um
agrega matizes específicos a suas considerações.
Para começar a definir, temos um clássico, que é Barbara Starfield. Ela fala
sobre a diferença entre acesso e acessibilidade. Define acesso como a utilização
oportuna e adequada de serviços de saúde com o fim de chegar a melhores resultados na
própria saúde. (STARFIELD, 2004). Define acessibilidade como o que faz possível o
contato com os serviços de saúde. (STARFIELD, 2004). Então a acessibilidade é uma
18
possibilidade de contato que se faz efetiva com o acesso mas que pode não se efetivar
pela presença de obstáculos.
Ela diz que os serviços tem que ter disponibilidade (sem isso o problema não
seria do acesso senão de injustiça ou inequidade), mas tendo disponibilidade não
teríamos que ter obstáculos. Starfield (2004) pega de Donabedian os diferentes
obstáculos possíveis e ele expressa principalmente dois: um que chama sócio-
organizativo e outro de acesso geográfico. Com o obstáculo sócio-organizativo refere-se
aos aspectos e caraterísticas dos recursos dos centros assistenciais que obstaculizam ou
facilitam o acesso à atenção. Ele incorpora dentro desta categoria os obstáculos
organizativos, o cobro das prestações dentro do serviço e os prejuízos sociais baseados
na idade, raça ou classe social. O acesso geográfico refere-se ao tempo para chegar aos
serviços e a distância requerida (DONABEDIAN, 1973).
Fica então com claridade que no conceito de acessibilidade articulam-se dois
atores: os cidadãos e os serviços de saúde e dentro deles os profissionais e os gestores
que gerando a disponibilidade, do que se trata é de aceder aos serviços e resolver os
problemas de saúde. A acessibilidade se constrói entre a oferta de serviços (que tem de
estar) e a população que os utiliza baseados em seu direito à saúde. Neste sentido trata-
se de uma definição relacional.
Outros autores tem definições (COMES et al, 2007) mas chegam a conclusões
similares. O problema são os obstáculos que, muitos deles chamam de barreiras e que
têm uma categorização diversa. Já vimos que Starfield, pegando a Donabedian, chama
de sócio-organizativos e de aceso geográfico, Comes et al, chama de barreiras
económicas, geográficas, simbólicas e administrativas, a OMS em um documento
refere-se as barreiras como: a discriminação, a acessibilidade física, a económica e o
aceso à informação (ONU, 2000).
Existe certo consenso então, em categorizar as barreiras como:
1. Acessibilidade econômica que implica a liberação de obstáculos de pagos por
atenção, medicamentos, estudos e gastos de transporte
2. Acessibilidade geográfica que se refere à possibilidade do acesso saltando as
barreiras que tem a ver com os tempos para chegar ao serviço e a disponibilidade
de meios de transporte ou a possibilidade de chegar sem barreiras geográficas no
meio.
19
3. Acessibilidade organizativa: Tem que ver com a facilitação de horários para a
atenção e os recorridos dentro do sistema de saúde.
4. Acessibilidade simbólica: implica a possibilidade de uso dos serviços derivada
de atitudes originadas em construções simbólicas particulares dos sujeitos
(COMES et al, 2007).
QUALIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Em acordo com Nogueira (1994), a noção de serviço de saúde sustenta-se no
conceito mais amplo de serviço no capitalismo em geral e, cujo domínio relaciona-se a
utilidade imediata de consumo que um indivíduo queira usufruir, seja como
exterioridade (ao perceber a limpeza de um hospital) ou como usufruto pessoal (num
spa). Nesse contexto dos serviços em geral situa-se a prestação de serviços de saúde,
que se organiza como um ramo de atividade e que absorve grande parte de força de
trabalho no capitalismo.
O referido autor, aponta que dentre as transformações sofridas pela noção de
serviços, no capitalismo, os serviços de saúde, por um lado, podem ser observados
como atos tecnicamente orientados, que fazem uso de instrumentos e absorvem
materiais diversos. Atos empregados para uma transformação útil, mas como utilidade
mediatizada por atos parciais e por expectativas que nem sempre se realizam. Para ele,
"cada ato técnico [nos serviços de saúde] tem seu fim parcial e pode ter sua particular
transformação útil … mas a utilidade final (como expectativa do usuário) está separada
deles [dos atos parciais] pelo tempo e por um muro de subjetividades … o indivíduo
aparece como consumidor de cada um desses atos isolados" (NOGUEIRA, 1994. p. 77).
Por outro lado, o autor considera que a prestação de serviços de saúde tem como
marca registrada a cooperação no trabalho, cuja ótica organizacional impele à produção
(pelo menos aos moldes flexnerianos taylorista-fordista) uma multiplicidade incontida
de hierarquias funcionais e de categorias de agentes envolvidos no trabalho em saúde,
para se indagar em seguida o que acontecerá se os serviços de saúde abarcarem
definitivamente o compromisso com a qualidade? (NOGUEIRA, 1994, p. 79).
Mas então qual a natureza da qualidade requerida nos serviços de saúde que
sejam capazes de satisfazer o consumidor em geral e especificamente a população
usuária LGBT?
20
Observando os atos do Ministério da Saúde, segundo exposição do segundo
seminário internacional sobre qualidade em saúde e segurança do paciente, realizado em
agosto de 2013, verifica-se a existência de várias iniciativas em direção a produção de
ações e serviços de saúde com qualidade e segurança para o usuário. No Brasil, segundo
dados apresentados, os anos 50-70 foram marcados pelas auditorias médicas, normas de
licenciamento de unidades de saúde, controle de infecções, etc. (http://proqualis.net,
2013).
Os 80-90, a questão da qualidade ganha outra relevância, mais voltada para a
produtividade e enxugamento de processos e formas de terceirização de atividades. São
criados dispositivos, tais como, a comissão nacional de qualidade e produtividade em
saúde, além de se estabelecerem diretrizes da estratégia de garantia de qualidade, na
medida da criação de indicadores de resultado, de programa de acreditação hospitalar,
etc. A ênfase se deu em torno da noção de qualidade total e melhoria contínua da
qualidade, da criação de diretrizes clínicas por sociedades médicas, do controle
comunitário. Estabeleceu-se um prêmio de qualidade e a acreditação pela ONA visando
a regulação da qualidade do cuidado e a segurança do paciente (http://proqualis.net,
2013).
Nos anos 2000 em diante, surgem iniciativas mais ousadas sob o ponto de vista
do olhar para as relações humanas nos processos de trabalho em saúde. Propostas como
o de humanização no SUS e da rede sentinela são exemplos. Mais recentemente o
PROQUALIS, o IDSUS, o PMAQ-AB, o Qualisus Rede, o Portal Saúde Baseada em
Evidências, a Rede Cegonha, o SOS Emergências, o Qualiss (divulgação e indicadores),
o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) etc, iniciativas pelas quais
pretende-se ampliar as forças em direção a qualidade do cuidado e segurança do
paciente no SUS (http://proqualis.net, 2013).
A princípio são políticas e programas do Governo Federal, de forma negocial,
mais ou menos articulados e amplos em termos de concepção técnica, ética e estética
sobre os sentidos de qualidade e os modos de funcionamento de sistemas de gestão da
qualidade nos sistemas e serviços de saúde e no SUS (http://proqualis.net, 2013).
Em que pese também, numa caracterização geral de programas universais, as
cegueiras institucionais em suas singularidades e particularidades, na realização e
desejos de qualidade expressos pelas formas de culturas locais, tais iniciativas do
Ministério da Saúde visam, de modo geral, dentre outros aspectos objetivos tais como:
21
fortalecer o envolvimento do paciente e familiares nas ações de segurança nos serviços
de saúde. Ampliar o acesso da sociedade às informações relativas à segurança do
paciente. Produzir e difundir de forma sistematizada conhecimentos sobre segurança do
paciente. Fomentar a inclusão do tema segurança do paciente na formação de ensino
técnico, graduação e pós-graduação na área da saúde. Elaborar e apoiar a
implementação de protocolos, guias e manuais de segurança do paciente
(http://proqualis.net, 2013).
Continuando na linha de Nogueira (1994) e ampliando com noções sobre o
cuidado de si na filosofia de Foucault, compreende-se que para encontrar-se com uma
situação de qualidade nos serviços de saúde e com a população LGBT em especial, é
preciso revelar-se na heterogeneidade do processo de trabalho em saúde e nas diferenças
e diversidade entre trabalhadores e usuários no encontro das ações e serviços de saúde.
Neste sentido, pode-se apontar que:
O trabalho em serviços de saúde destaca-se por seu ato nos encontros,
envolvido em processos complexos, com raízes sociais concretas,
mediante o emprego das energias, destrezas, saberes, poderes e
pragmáticas de si de diversos trabalhadores e de usuários dos serviços e
cidadãs e cidadãos em situação de existência por mais e melhores
condições de vida e saúde, e especificamente na relação com a população
LGBT.
A noção de qualidade inscreve-se num conjunto de condições técnicas,
éticas e estéticas de gestão, de pedagogia e de infraestrutura do ato de
trabalho em saúde para atender a demandas sujeito-distinguidas.
Demandas como condição de realização da ação e mobilização de
recursos no enfrentamento de problemas de saúde da população LGBT.
Com isso explicita-se o modo de condução da ação, a distinção existente
e a marca da qualidade impressa. Resultado dos atos de saúde úteis para
seus beneficiários, seja individual e/ou coletivo, interno e externo a
organização do trabalho em serviços de saúde.
Reconhecer a natureza e o funcionamento das variadas formas de
processos de trabalho que se entrecruzam no espaço de um serviço de
saúde, mediado por expectativas de origem no saber, no poder e nas
práticas de si com o outro, entre grupos de trabalho em equipe, na
22
colaboração, na relação singular de envolvimento entre usuário e
trabalhador de saúde.
Por fim, compreender a noção de qualidade pelos padrões e seu significados
adotados, de uso contido da ação e serviço público de saúde, na relação justa entre o
trabalhador do serviço, a gestão, os movimentos sociais e LGBT, usuários do SUS.
Acostado em Nogueira (1994), acredita-se que compreender as formas pelas quais o
juízo do justo é manejado, pelas normas pactuadas, as formas de respeito à diversidade e
intolerância ao preconceito, em meio às circunstâncias do particular ao cotidiano, é o
que valoriza o cidadão e o exercício apropriado para o desempenho contínuo da
qualidade.
23
CRONOGRAMA
ATIVIDADES MÊS/ANO
Realização de oficina de trabalho para
alinhamento da pesquisa. Janeiro de 2014
Pesquisa formativa para ajuste dos
instrumentos: Formosa/GO 20 a 24 de Janeiro de 2014
I Oficina de Comunicação Científica: pacto
de autorias e estruturação do artigo
metodológico
Janeiro de 2014
Trabalho de campo (coleta de dados) em
João Pessoa/PB a partir do dia 10 de maio de 2014
Trabalho de campo (coleta de dados) demais
Estados Maio a Setembro de 2014
Análise de dados coletiva (construção de
uma matriz analítica e esqueleto do relatório) setembro/outubro de 2014
Análise dos dados outubro/novembro de 2014
Construção do Relatório (pacto da estrutura
do relatório) Dezembro de 2014
II Oficina de Comunicação Científica Janeiro de 2015
Comunicação dos resultados da pesquisa
(Video, livro, pôsteres, comunicação oral, 2015
Realização de Seminário para apresentação
dos resultados parciais e final do estudo. Abril de 2015
24
REFERÊNCIAS
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Acessado em: 14/11/2013
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