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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
METODOLOGIA DIDÁTICA PARA O
DESENVOLVIMENTO DE UMA DOCÊNCIA
TRANSDISCIPLINAR
Autora: Lucicleide Araújo de Sousa Alves
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Cândida Moraes
Brasília - DF
2010
LUCICLEIDE ARAÚJO DE SOUSA ALVES
METODOLOGIA DIDÁTICA PARA O
DESENVOLVIMENTO DE UMA DOCÊNCIA
TRANSDISCIPLINAR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial à obtenção do Título de
Mestre em Ensino-Aprendizagem.
Orientadora: Dr.ª Maria Cândida Moraes
Brasília 2010
Dissertação de autoria de Lucicleide Araújo de Sousa Alves, intitulada
“METODOLOGIA DIDÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA DOCÊNCIA
TRANSDISCIPLINAR”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
em (Educação) da Universidade Católica de Brasília, em 4 de Outubro, defendida e aprovada
pela banca examinadora abaixo assinada:
________________________________________________________
Profª. Drª. Maria Cândida Moraes
Orientadora
________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Síveres
Examinador Interno
________________________________________________________
Profª. Drª. Rosamaria de Medeiros Arnt
Examinadora Externa
Brasília
2010
Ao amor de minha vida, Otávio Alves
Ferreira, por ter exercido o dom da
compreensão, respeitando-me e legitimando-
me, ao me debruçar em busca de meus sonhos
e ideais, dedico este trabalho.
E a todas as crianças, adolescentes, adultos
para que, ao serem educados nesta nova
concepção de educação, amem o dom da vida;
sendo felizes, levem a felicidade aos outros
também, dedico.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pelo dom da vida e pelo constante renascimento.
À minha família, em especial à minha mãe, fonte de luz, vida e refrigério.
A todos os professores e professoras que contribuíram, com seus conhecimentos, para
esta tessitura complexa de conhecimento e vida, com meu carinho e meu muito obrigada. Em
especial, à minha orientadora, Profª. Drª. Maria Cândida Moraes, que, ao tocar profundo em
minha vida, soube respeitar meu processo de construção de conhecimento. A você serei
eternamente grata!
Ao Prof. Dr. Luiz Síveres, ser humano muito especial para mim, meu muito obrigada
por aceitar fazer parte da banca examinadora, por escutar com sensibilidade, carinho, atenção
e palavras de sabedoria. A você, querido Professor, minha eterna admiração e respeito.
À Profª Drª Rosamaria de Medeiros Arnt, por aceitar o convite em integrar a banca
examinadora, meu carinho e meu muito obrigada.
A todos os estudantes, desde o Ensino Fundamental ao Superior das instituições
públicas e privadas, meu muito obrigada, pois é no exercício constante de minha profissão
que estou sempre aprendendo, desaprendendo e reaprendendo.
A todos os colegas da Universidade Católica de Brasília, em especial aos que
participaram da pesquisa.
Aos amigos e às amigas, em especial a Karine Xavier, por ter me ajudado a ver novas
possibilidades de caminhos para que eu pudesse chegar aonde cheguei.
À amiga Carla Cristie, pela amizade, pelo carinho, pela paciência e pelas palavras de
força para eu continuar minha caminhada não permitindo que eu desistisse, sou muito grata.
A Denise Fetter pelos vários momentos de alegria e vida, meus agradecimentos
sinceros. A Kalina Lígia pelas palavras de sabedoria, meu muito obrigada. A Gilsa Gisele, a
Ana Paula Del Bosco, pelas palavras de carinho, compreensão e respeito, minha gratidão.
À Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal e à Universidade Católica pelo
incentivo à formação continuada no âmbito da pesquisa.
6
Enfim, obrigada a todos e todas por existirem, pois, sem vocês cruzando e
entrecruzando meus caminhos, eu não teria conseguido atingir meus objetivos. Sintam-se
fortemente abraçados, como expressão de meu carinhoso agradecimento.
Minha reverência a todos vocês. Obrigada por tudo.
“O ser produz o seu próprio processo e o
processo produz o seu próprio ser.” (MORIN)
“Viver de morte, morrer de vida.” (MORIN)
“Nada impedirá à humanidade e ao potencial
humano de evoluir, a partir de um caos
renovado, em direção a algo magnífico.” (D.
H. Lawrence, apud D‟AMBRÓSIO).
RESUMO
Referência: ARAÚJO, Lucicleide Araújo de Sousa Alves. Metodologia didática para o
desenvolvimento de uma docência transdisciplinar. 2010. 168 páginas. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
O problema desta pesquisa acadêmica era investigar a ocorrência de processos didáticos de
construção do conhecimento em ambientes presenciais de ensino e aprendizagem, a partir da
complexidade e da transdisciplinaridade. Buscamos identificar, na prática educativa
desenvolvida, os elementos caracterizadores de uma didática transdisciplinar, examinando o
potencial das estratégias utilizadas para o desenvolvimento de um pensar complexo e
transdisciplinar. Trata-se de pesquisa qualitativa tipificada como estudo de caso sobre a
prática docente desenvolvida em uma disciplina de um programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu de uma instituição particular do Distrito Federal. A pesquisa se desenvolveu a partir das
gravações de aulas realizadas pela pesquisadora, durante um semestre, tendo também como
instrumentos utilizados a ementa do curso, com seus objetivos, conteúdos e procedimentos
estabelecidos, bem como o ambiente virtual de aprendizagem. Para análise, utilizamos, como
categorias, os operadores cognitivos da complexidade e as subcategorias epistemo-
metodológicas da transdisciplinaridade. Os estudos desenvolvidos revelaram que é possível
uma metodologia didática transdisciplinar em todos os níveis de ensino. A metodologia
didática transdisciplinar apresentou-se como prática transformadora. Desenvolve-se mediante
o movimento de um tetrângulo inspirado por Edgar Morin e constituído de teoria, prática,
teorização, teoria, resultante da superposição de dois triângulos – o da Dimensão Teórica,
proposta por Nicolescu, e o da Dimensão Prática, proposta por Moraes. Esse é o símbolo
metafórico do processo de ensino e aprendizagem a partir de uma docência que se faz
mediante uma metodologia didática, de natureza complexa e transdisciplinar, capaz de
permitir o resgate do sujeito com ênfase em sua essência humana. Procuramos, à luz das
interpretações dos dados e das teorias estudadas, propor algumas recomendações rumo à
ressignificação da didática.
Palavras-chave: Metodologia didática. Complexidade. Trandisciplinaridade. Ambientes de
aprendizagem. Conhecimento.
ABSTRACT
Reference: ARAÚJO, Lucicleide Araújo de Sousa Alves. Didactic methodology for the
development of transdisciplinary teaching. 2010. 168 pages. Dissertation (Masters in
Education) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
The issue in this academic research attempted to investigate the occurrence of didactic
processes in the construction of knowledge in presence teaching and learning environments
from Complexity and Transdisciplinarity. It tried to identify, within the educational practice,
the characterizing elements of a transdisciplinary didactics by examining the potential of used
strategies for the development of a complex and transdisciplinary thought. It is a qualitative
research classified as a study case about the teaching practice developed in a subject in the
Stricto-Sensu Graduation Program in a private institution in the Federal District. The research
was developed from the recording of classes by the researcher during one semester, having as
instruments the program of the course, its objectives, syllabus, and established procedures as
well as the distance learning environment. For the analyses, the cognitive operators of
complexity and the epistemic-methodological subcategories of Transdisciplinarity were used
as categories. The studies revealed that a transdisciplinary didactic methodology is possible in
all levels of teaching. The transdisciplinary didactic practice presented itself as a transforming
practice. It was developed through the movement of a polygon inspired by Edgar Morin and
composed by theory, practice, theorization, theory, resulting from the superposition of two
triangles – the one of the theoretical dimension proposed by Nicolescu and the one of the
practice dimension proposed by Moraes. This is the metaphoric symbol of the teaching and
learning process started by a didactic methodology, complex and transdisciplinary in nature,
capable of allowing the rescue of the subject with emphasis on his human essence. Some
recommendations were proposed, under the light of the interpretations of data and theories
studied, towards a new meaning of Didactics.
Keywords: Didactic methodology. Complexity. Transdisciplinarity. Learning environments.
Knowledge.
LISTA DE SIGLAS
API – Trabalho por projetos integradores
AVA – Ambientes virtuais de aprendizagem
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação
EAPE – Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Distrito Federal
PUC – Pontifícia Universidade Católica
MEC – Ministério da Educação
NTEDF – Núcleo de Tecnologia do Distrito Federal
SEEDF – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Dimensão teórica e Dimensão prática dos processos de ensino e
aprendizagem............................................................................................................................51
Figura 2. Símbolo metafórico dos processos de ensino e aprendizagem numa perspectiva
complexa e transdisciplinar.......................................................................................................51
Figura 3. Proposta de um novo cenário didático para processos de ensino e aprendizagem
numa perspectiva complexa e transdisciplinar..........................................................................68
Figura 4. Imagem utilizada pelo estudante D durante a apresentação do Grupo de Trabalho
(G 6)........................................................................................................................................107
Figura 5. Ambiente virtual utilizado na disciplina Complexidade, Transdisciplinaridade e
Educação e criado pelo estudante G.......................................................................................128
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 14
ORIGEM DO PROBLEMA.......................................................................................... 17
PROBLEMA DE PESQUISA....................................................................................... 27
OBJETIVOS.................................................................................................................. 28
DELIMITAÇÃO DA PESQUISA................................................................................. 29
RELEVÂNCIA DA PESQUISA................................................................................... 30
METODOLOGIA.......................................................................................................... 33
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO....................................................................... 37
CAPÍTULO 1 RESSIGNIFICANDO A DIDÁTICA - REVISÃO DE
LITERATURA.............................................................................................................
40
1.1 PARADIGMA CLÁSSICO..................................................................................... 40
1.2 VELHO CENÁRIO................................................................................................. 41
1.3 DIDÁTICA E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS....................................... 45
1.4 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE NOVA DIDÁTICA.................................. 46
1.5 DIMENSÃO TEÓRICA DA NOVA DIDÁTICA................................................... 52
1.5.1Complexidade e transdisciplinaridade............................................................... 52
1.5.2Operadores cognitivos dos pensamentos complexo e
ecossistêmico.................................................................................................................
54
1.5.2.1 Princípio sistêmico-organizacional.................................................................... 56
1.5.2.2 Princípio Hologramático.................................................................................... 57
1.5.2.3 Princípio retroativo............................................................................................ 58
1.5.2.4 Princípio ecológico da ação............................................................................... 58
1.5.2.5 Princípio recursivo............................................................................................. 59
1.5.2.6 Princípio dialógico............................................................................................. 60
1.5.2.7 Princípio da auto-eco-organização..................................................................... 61
1.5.2.8 Princípio da reintrodução do sujeito cognoscente.............................................. 62
1.5.2.9 Princípio da enação............................................................................................ 63
1.5.2.10 Princípio ético.................................................................................................. 63
1.5.3Trandisciplinaridade........................................................................................... 64
1.5.3.1 Pilares da transdisciplinaridade.......................................................................... 65
1.5.3.2 Metodologia didática transdisciplinar................................................................ 67
1.6 NOVO CENÁRIO................................................................................................... 68
1.6.1 Subjetividade e seus papéis................................................................................ 69
1.6.2 Objetos do conhecimento (os conteúdos).......................................................... 75
1.6.3 Ambiente (espaço)............................................................................................... 79
1.7 DIMENSÃO PRÁTICA DA NOVA DIDÁTICA................................................... 81
1.7.1 Estratégias didáticas transdisciplinares............................................................ 81
1.7.1.1 Aprendizagem por projetos................................................................................ 85
1.7.1.2 Contratos didáticos............................................................................................. 87
1.7.1.3 Histórias de Vida................................................................................................ 89
1.7.1.4 Metáfora............................................................................................................. 90
1.7.1.5 Aprendizagem pela pesquisa.............................................................................. 91
1.7.1.6 Diálogos/perguntas mediadoras......................................................................... 92
1.7.1.7 Aprendizagem por problemas ou situação-problema......................................... 93
1.7.1.8 Sentipensar: estratégia transdisciplinar para uma escuta sensível..................... 94
1.7.1.9 Ambientes virtuais de aprendizagem................................................................. 96
1.7.1.10 Registros reflexivos ou sistematização das experiências ou protocolos
interacionais...................................................................................................................
97
CAPÍTULO 2 PESQUISA PROPRIAMENTE DITA.............................................. 99
2.1 CONTEXTO............................................................................................................. 99
2.2 SUJEITOS................................................................................................................ 100
2.3 PROCEDIMENTOS................................................................................................. 100
2.4 CATEGORIAS DE ANÁLISE................................................................................. 101
CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS RESULTADOS....................................................... 106
3.1 COMPLEXIDADE.................................................................................................. 106
3.2 NÍVEIS DE REALIDADE...................................................................................... 119
3.3 LÓGICA TERNÁRIA............................................................................................. 127
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 137
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 154
ANEXOS....................................................................................................................... 159
ANEXO A - Ementa da Disciplina............................................................................. 159
ANEXO B - Autorização e cessão de Áudio.............................................................. 168
14
INTRODUÇÃO
Na dinâmica do mundo natural, segundo as novas concepções da Biologia e da Física
Quântica, tudo no Universo se relaciona, interliga-se, está em constante movimento e
transformação. Nada está separado. Isso nos possibilita dizer que, para nos sentirmos parte
constitutiva do mundo, precisamos estar em interação permanente e em congruência com todo
esse movimento. Nossos pensamentos e ações estão imbricados, entrelaçados por uma mesma
trama.
Com base nesse princípio, nossa forma de viver e de nos perceber diante da
complexidade do mundo requer melhor compreensão da realidade, dos processos de ensino e
aprendizagem e necessidade contínua de evolução pessoal e profissional. Nosso completo
envolvimento nessa dinâmica nos possibilita mudanças e transformações, com base em nossas
interações durante a vida e constante aprendizado.
Diante desse processo evolutivo de aprendizagem, que é, ao mesmo tempo, circular e
recursivo, tanto nós quanto o meio assumimos posição de co-dependência, pois, enquanto o
mundo se constrói, somos também construídos por ele, enquanto também nos
autoconstruímos. Assim, vida e aprendizagem não se separam, entrelaçam-se em um processo
dinâmico cada vez mais circular/espiralado, ascendente/evolutivo que nos conduz à incessante
busca pelo desconhecido e pela evolução humana.
Desse modo, compreendemos que todo conhecimento apreendido e percebido da
realidade não é algo por nós extraído de fora para dentro, tampouco colhido como fruto
maduro, mas interpretado com base no movimento de construção, desconstrução e
reconstrução durante todas as fases de nossa vida; isso fica mais claro ao compreendermos o
que nos ensinam Maturana e Varela (2001) e Moraes (2003) quando nos dizem que viver é
aprender e vida é processo de conhecimento.
Com base nesse pressuposto, podemos inferir que, por meio de nosso viver/conviver,
estamos sempre aprendendo, pois todos os dias experimentamos algo novo, mediante as
diferentes e complexas relações de convivência com os outros que requerem, sobretudo,
constante abertura para “aceitação do outro em seu legítimo outro” (MATURANA &
VARELA, 2001, p. 46; MORAES, 2003, p. 49).
15
Essa maneira de viver e compreender a realidade, respeitando e legitimando o outro,
implica também posturas e atitudes transdisciplinares que possibilitam a fluência de diálogos
de confiança, cumplicidade, respeito e aprendizagem emocionalmente mais saudáveis e
congruentes com a dinâmica da vida, em quaisquer espaços destinados a processos de
aprendizagem, sejam eles presenciais sejam virtuais, formais ou informais.
Isso pressupõe uma aprendizagem que se estabelece durante toda a nossa trajetória de
vida, dia após dia, por meio de escolhas e decisões feitas nos vários pontos de bifurcação da
vida. Uma rota que se constrói e reconstrói durante o viver, entrelaçada por relações, trocas de
informações e experiências.
Portanto, tudo o que vivemos implica aprendizagem. E esta não ocorre apenas no
espaço-tempo da escola, mas também nos diferentes espaços nos quais vamos acumulando
experiências, tudo isso em congruência com nossa história de vida contextualizada. Ela
representa processo contínuo de construção do conhecimento, em que o ser e o fazer
necessitam estar imbricados, a fim de que encontremos, no decurso dos diferentes processos
de aprendizagem, o verdadeiro sentido de nossa existência.
Reconhecer o entrelaçamento entre vida e conhecimento em contextos educativos
requer mudanças de posturas e, sobretudo, atitudes por parte dos sujeitos envolvidos nessa
trama, tendo em vista possibilitar possíveis ressignificações nas práticas educativas atuais.
Assim, atitude de abertura é o que esperamos dos profissionais da educação por meio da
criação de processos inovadores desenvolvidos nos ambientes de ensino e aprendizagem, para
que possíveis transformações ocorram e a aprendizagem aconteça, conforme Moraes (2003, p.
109) a considera, ou seja, como “uma expressão do acoplamento estrutural, da congruência
existente entre o operar do organismo e o seu meio”.
Essa ideia de um mundo construído na coletividade, por meio da relação com o outro e
na co-dependência, por meio de processos incessantes e interativos, é um desafio, uma vez
que boa parte de nós, educadores, fomos formados com uma concepção de educação
tradicional de ensino que se traduzia na simples transmissão de informações. Nesse sentido,
são necessárias atitudes que visem a ações mais efetivas e atuantes, rumo à construção de
educação mais humana, sensível, de alteridade, que reconheça o sujeito como principal ator
de sua história e não como objeto, com capacidade para intervir no mundo e transformar a
realidade, sem desconsiderar seu passado, mas com olhos voltados para o futuro,
16
possibilitando, sobretudo, a construção de sua autonomia para que esse sujeito/aprendiz
caminhe rumo ao encontro dos próprios sonhos, com liberdade.
Diante desse mundo em constante mudança, que se cria e recria a todo instante,
provisório, imprevisível, é fundamental, além disso, construir uma educação que propicie
momentos reflexivos e críticos voltados ao desenvolvimento da autoria do aprendiz, da
criatividade e da solidariedade, que parta de seu cotidiano, para que este compreenda ainda
melhor o sentido da vida. Uma educação concebida dentro de um tempo educativo a serviço
da produção do saber, em espaços que ofereçam e oportunizem múltiplas possibilidades de
ensino e aprendizagem, em clima saudável, aberto, prazeroso, plural e, acima de tudo,
respeitoso (FREIRE, 2008; MORAES, 2004a). Espaços permeados por tecnologias de modo
que permitam ao educando o fluir da aprendizagem por meio do criar e do recriar. Além
disso, uma educação acompanhada por mediação pedagógica bem desenvolvida e
fundamentada nos princípios ontológicos, epistemológicos e metodológicos da ciência atual,
pois tudo isso pressupõe processos significativos de construção do conhecimento (FREIRE,
2008; MORAES, 2004a).
Essa concepção de educação constituída sob o enfoque de novo paradigma requer
profissionais comprometidos, criativos, dispostos a inovar para ressignificar os processos de
ensino e aprendizagem por meio da criação de situações mais inovadoras e criativas, a fim de
que ocorram processos significativos de produção do saber intelectual, emocionalmente
saudáveis, abertos às emergências, nutridos pela confiança que possibilitem a educadores e
educandos experimentar e viver uma “experiência ótima”, como diz Csikszentmihalyi (1999b
apud MORAES, 2003), de vivência de construção e reconstrução do conhecimento.
Além disso, torna-se essencial que educadores e educandos possam aprender e crescer
juntos, com base no pressuposto teórico de que quem ensina, aprende ao ensinar e de que
quem aprende, ensina porque também aprendeu, como nos dizia Paulo Freire (1996, 2008).
Tudo isso é apoiado no paradigma da Complexidade de Edgar Morin (2007) e do Pensamento
Ecossistêmico, de M. C. Moraes (2004a, 2008a).
Consciente dos desafios da sociedade contemporânea e certa de minha presença e
participação nessa aventura da humanidade, na qualidade de fio dessa tessitura maior da “teia
da vida”, que também construiu, constrói e construirá conhecimento até que meu ser se
desintegre deste mundo, compartilho parte da minha trajetória de vida e dos passos que me
17
levaram à origem do problema, motivada pela escolha e pelo interesse por este objeto de
estudo, bem como pela escolha e pela opção por esses referenciais teóricos que fundamentam
esta pesquisa, sua relevância e seus objetivos.
ORIGEM DO PROBLEMA
Para tecer o fio de minha história de vida, como ser autopoiético (MATURANA &
VARELA, 2001) – autocriativo, autoprodutivo -, e os “nós” da tessitura que me conduziram a
um processo evolutivo cheio de pontos de bifurcação e desafios constantes, remeto ao passado
para relatar as etapas que considero relevantes e marcantes em minha trajetória pessoal e
profissional.
Tecendo o fio...
Comecei meu período escolar aos seis anos de idade. De seis a dez anos (1975-1979),
vida e escola eram realidades bem distintas, pois, ao chegar à escola, entrava numa redoma de
vidro e me sentia engessada e impedida de atuar. Ao sair, liberdade pura!
Nessa fase da infância, como toda criança dita normal, adorava brincar, ouvir histórias,
cantar, desenhar à mão livre... Recordo-me até hoje dos momentos em volta da fogueira ao
lado de crianças e adultos, ouvindo histórias e cantando músicas ao som do violão.
As brincadeiras de rua deixaram saudades e muito contribuíram para meu
desenvolvimento individual e social. Peralta como sempre fui, liderava em quase todas as
brincadeiras, sentia-me livre, sem medo de me expressar, opinar, decidir, escolher,
comportamento bem diferente do que assumia quando estava no espaço da sala de aula, onde
pouco me expressava.
Na escola, mais precisamente nas aulas de educação artística, era destaque. Foram
muitas as experiências, durante essa fase da infância, que deixaram marcas importantes em
minha vida.
Em relação à leitura, tive pouco contato em casa. O contato foi mesmo na escola, onde
lia, porém, sem muito encantamento pela leitura. Talvez essa tenha sido a grande lacuna que
venho buscando suprir em toda a minha trajetória de vida acadêmica.
18
Apesar de ter recebido de meus pais educação permeada por tabus, normas e
autoritarismos, não fui restringida de contatos sociais.
Ao voltar a essa fase de meu passado, percebo como aprendi pelas brincadeiras, pois,
em meu constante convívio com outras crianças, relacionava-me, discutia, tomava decisões,
fazia escolhas, tudo isso de maneira espontânea e livre, de respeito e convivência coletiva
agradável.
Nessa fase da infância, já é possível perceber que a aprendizagem extrapola o espaço-
tempo da escola, acontecendo naturalmente a partir das relações estabelecidas e construídas
durante o viver/conviver. Aprendemos sempre, independentemente da idade cronológica. O
simples fato de estarmos vivos já nos basta para entrar em processo de aprendizagem, quer
consciente quer inconscientemente. Até mesmo pelo fato da vida em si e de todo o planeta,
implicar processos autopoiéticos, sistemas vivos que se autoproduzem (MORAES, 2003).
O ensino tradicional, pelo qual fui educada, tinha seu foco de atenção centrado na
transmissão de conteúdos. Não havia ligações do aprendizado escolar com as experiências que
trazia da vida. Mas destaco que, entre as brincadeiras infantis, foi brincando de escolinha, na
fase de adolescência, e assumindo a função de professora, que surgiu o desejo e a vontade de
ser educadora.
Esse forte desejo me levou a fazer o Curso Normal - antigo curso preparatório para
formação de professores - em uma instituição pública de ensino do Distrito Federal, para atuar
em séries iniciais do Ensino Fundamental e turmas do Jardim. Concluí a formação em 1986.
Em 1987, comecei a exercer a profissão. Minha primeira experiência foi em um
Jardim de Infância particular, que atendia crianças de dois a seis anos. Trabalhei durante dois
anos como alfabetizadora nessa escola, com turmas de seis anos. O sonho tinha começado a
se realizar, pois queria ser “professora de verdade”. Esta expressão me remetia à conquista
real do sonho projetado, o de ser professora concursada da escola pública do Distrito Federal.
Em 1989, sonho realizado. Passei no concurso e fui chamada pela Fundação
Educacional do DF, hoje, Secretaria de Estado de Educação, para assumir o cargo de
professora, em uma escola da rede pública do DF. Essa conquista foi resultado de muita
renúncia e dedicação.
19
Ao assumir a profissão, a longa caminhada de novos desejos e realizações começava a
emergir, alimentada por minha responsabilidade e compromisso de transmitir uma educação
diferente da qual havia recebido. Como nos dizia Paulo Freire (2008, p. 71), “não existe
educação, [...] sem sonho”.
Esse compromisso me conduzia em busca de situações de aprendizagem envolventes,
já que pretendia criar e exercer uma prática educativa diferente da que havia sido recebido.
Tentava, diante da pouca experiência que tinha, possibilitar aos estudantes vivenciar
processos construtivos de conhecimento mediante as múltiplas linguagens artísticas, ou seja,
levá-los a criar, expressar-se com liberdade, sem medo, sem limitações e bloqueios, até
mesmo pela forte presença da arte em minha vida e pelo sentido que esta me proporcionava e
ainda o faz. Por isso, investia em um processo no qual os estudantes pudessem se encantar
pela escola, pela busca do saber por prazer e não por pressão, “uma educação pela arte”, como
nos sugeria Freire (2008, p. 89), unindo razão e emoção, como defende Moraes (2003).
Minha prática educativa exprimia sempre esse desejo e essa vontade de tornar a sala
de aula um espaço de momentos prazerosos e saudáveis de ensino e aprendizagem. Por isso,
investia em aulas em que os estudantes pudessem produzir, dançar, dramatizar, criar,
expressar-se com liberdade, com base nos pressupostos teóricos construtivistas, de modo mais
claro, hoje, fundamentados em Moraes (2008a, p. 77), para quem ensinar é criar
“circunstâncias energéticas, materiais e informacionais para que a aprendizagem aconteça”.
Essa minha forte relação com a arte me remetia à idéia e à certeza de que poderia
oferecer aos estudantes vivências de aprendizagem muito mais prazerosas, nas quais
pudessem experimentar, refletir, registrar, enfim, pensar sobre o próprio pensar e, acima de
tudo, ser produtores e autores, assim como acontecia comigo quando produzia um objeto, um
desenho, uma criação artística, para a formação de pensamento sem restrições, sem barreiras e
sem limites. Tinha a preocupação em criar aulas mais dinâmicas, tirando o estudante da
condição de ser passivo, colocando-o como protagonista da própria história de construção do
conhecimento.
Ao reviver toda a minha trajetória profissional, percebo hoje mais claramente que
avançava em busca de uma educação que, sobretudo, entendesse o ser humano em toda a sua
multidimensionalidade, que o ajudasse a pensar criticamente para escolher soluções
20
condizentes com sua realidade e, assim, pudesse desfrutar a vida em plenitude, como nos
ensina Moraes (2003).
Diante das habilidades que possuo em trabalhos artísticos e dos meus constantes
contato e envolvimento com a arte que não permite reproduzir, mas criar algo diferente, ela
foi uma das áreas do conhecimento que muito me ajudou a ampliar as reflexões em relação a
meu fazer pedagógico, motivando-me a criar situações de ensino e aprendizagem mais
envolventes, prazerosas e emocionalmente saudáveis.
Para Martins (1998, p. 23), “a arte não imita objetos, idéias ou conceitos. Ela cria algo
novo, porque não é cópia ou pura reprodução, mas a representação simbólica de objetos e
ideias – que também podem ser visuais, sonoras, gestuais, corporais [...]”. Por isso, o trabalho
artístico me envolvia completamente.
A arte conduzia-me a pensar, construir, desconstruir para reconstruir. Por mais que
elaborasse vários objetos, nenhum deles ficava igual ao outro, apesar de, aparentemente,
parecerem iguais. Lembro-me que passava horas e horas produzindo trabalhos manuais, não
me importava com o tempo que levava, só parava quando os via prontos.
No exercício da profissão, uma questão que muito me instigava diz respeito à seguinte
indagação: por que na escola os estudantes tinham que reproduzir, ao invés de criar? A
relação da arte com os processos de ensino e aprendizagem levava-me também a questionar
sobre minha prática pedagógica, o papel da escola e a formação que havia recebido. Vários
eram os questionamentos, dentre eles, por que todos os alunos tinham que fazer a mesma
atividade, do mesmo jeito, no mesmo tempo? Que tipo de sujeito a escola pretendia formar?
Esses questionamentos sempre me traziam várias inquietações e serviam de motor para que eu
pudesse ir à busca de educar, cada vez mais, na perspectiva de abordagem mais construtivista,
desafiadora, nutrida pela teoria, tendo em vista melhorar, continuamente, minha prática.
Caminhava em busca de sentido naquilo que estudava, tentando compreender o porquê
de uma educação voltada para uma concepção reprodutora dos conteúdos e não o contrário.
Por que repetir o “aprendido” na escola em vez de compreendê-lo? Realmente era algo que
não conseguia entender e que até hoje me incomoda bastante, porque vejo que nós,
educadores, ainda temos muito que avançar em busca de uma educação que garanta mais
qualidade à aprendizagem de nossos estudantes, em conformidade com os pressupostos
21
teóricos da complexidade e transdisciplinaridade, como pretendem Moraes (2008a), Morin
(2004, 2007), Nicolescu (1999) e outros pesquisadores transdisciplinares.
Como formar o aprendiz para exercer, com autonomia, sua criatividade, para dar a
própria opinião, ainda que provisória, expressando-se com liberdade, obtendo a informação
necessária para transformá-la em conhecimento, transpondo-a para a vida, mediante o ensino
que não permite ao aluno perguntar, pesquisar, produzir? Essas inquietações me conduziam a
constante busca, na tentativa de reversão desse caótico cenário, ressignificando minha prática
educativa a todo momento, numa perspectiva de educação mais humana e libertária. Moraes
(2004b, p. 116) reforça que “a busca pelo sentido no estudo, no trabalho, nas relações, faz
com que a vida se converta em algo valioso e gratificante”.
Participante ativa de cursos de formação continuada oferecidos pela Escola de
Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Distrito Federal (EAPE/DF) desde 1989,
ia aos poucos me atualizando e ampliando meu olhar, tudo isso em busca de aperfeiçoar
minha prática educativa aliada à teoria, no intuito de exercê-la com mais segurança e
qualidade.
Além dos inúmeros cursos, participei, e até hoje participo, de congressos, seminários,
palestras, para “beber na fonte” os conhecimentos mais atualizados, pois acredito em prática
alimentada e enriquecida pela teoria, uma complementando a outra. Tinha sede de uma teoria
que sustentasse minhas ações profissionais ecologizadas que iam se construindo durante meu
caminhar, para intervir cada vez mais de maneira segura e ajudar, principalmente, estudantes
a se desenvolverem, terem acesso ao conhecimento e, sobretudo, permanecerem na escola.
Tinha e tenho consciência da importância do diálogo entre teoria/prática; por isso, estava e
estou sempre envolvida em cursos de formação de professores. Hoje, com muito mais clareza,
percebo a importância da necessidade de nós, educadores, investirmos no conhecimento dos
fundamentos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da ciência atual, sinalizados por
Moraes (2008a), pois estes muito podem contribuir e dar suporte às ações educativas, com
mais sentido.
Continuando a tecer o fio...
Formei-me em Pedagogia em 1993, concluí o curso de especialização em
Administração Escolar em 1995 e em Tecnologias em Educação em 2007. Esses cursos
22
ampliaram, de maneira considerável, meus horizontes, amadurecendo-me pessoal e
profissionalmente.
O estágio do curso de Pedagogia possibilitou-me o exercício da profissão em outros
espaços, com outros grupos. Novos projetos e sonhos renasciam, desafiando-me e instigando-
me a exercer outros cargos, novos trabalhos, experimentar outras possibilidades de atuação
pedagógica. Comecei a projetar, a partir de então, um trabalho com formação de professores.
Novo desafio instaurava-se.
Como nos diz Moraes (2004b, p. 114), “os sonhos e projetos são os elementos
impulsionadores da vida”. “Ter projetos é uma maneira de dar sentido à própria vida”. Para
mim, os sonhos são sempre nutrientes que me fazem mover em busca de contribuir para a
construção de educação melhor, porque sei que é possível, bem como Freire nos dizia.
Após 11 anos de experiência profissional, participei de um processo seletivo para o
cargo de gestora escolar, em uma escola em Taguatinga. Em janeiro de 2000, fui nomeada.
Essa foi uma das experiências mais ricas e um de meus maiores desafios, pois enfrentei, com
a equipe gestora, muitas resistências até ter o trabalho reconhecido e entendido. Exerci o
cargo durante três anos, tempo que considero suficiente para possibilitar novas mudanças em
uma escola, para que esta não caia no comodismo e mantenha sua dinâmica contínua e
renovadora.
Foi momento de constantes aprendizados e fase também de amadurecimento,
propiciando-me mudanças em minha forma de ver, sentir e compreender a realidade. Nesse
processo também cresci muito, pessoal e profissionalmente, e posso dizer que valeu a pena.
Conquistamos ideais, projetos foram postos em prática, pois a gestão se voltou muito mais a
uma perspectiva democrática e participativa, renascendo nova escola, apesar de sua estrutura
física completamente condenada pela engenharia civil.
Tive o prazer de experimentar e fazer renascer o trabalho em equipe, mostrar a
importância da figura do gestor frente o processo pedagógico, o compromisso com a
formação integral do educando, bem como implementar estudos e dinâmicas de grupo para
fortalecimento e manutenção dos elos de convivência na escola. Enfim, passei de uma visão
micro para uma visão macro sobre o processo educativo, pois aos poucos ia compreendendo a
importância de cada um na construção da escola dos sonhos, bem como a da unicidade na
diversidade dita por Paulo Freire, a congruência do ser com o fazer atribuída por Moraes e
23
Maturana e a importância da soma de cada uma das partes para a composição do todo,
considerada por Edgar Morin. Essa fase foi um dos momentos de organização da desordem,
para o resgate da própria identidade escolar.
Com base nessa experiência como gestora, minha autonomia foi aos poucos se
revelando. Então, comecei a experimentar o “aprender a aprender”. Resolvi desafiar-me a
experimentar, na prática, minha autonomia e fui à busca do conhecimento necessário para
produzir um projeto de pesquisa que me possibilitasse obter as chaves para adentrar o mundo
acadêmico.
Por volta de 2002, comecei a estudar por conta própria na tentativa de construir um
conhecimento significativo, capaz de responder às minhas inquietações. Curiosa e inquieta
como sempre fui, ia à deriva, construindo e ressignificando meus conhecimentos e
informações ora fragmentados, unindo minha experiência profissional com a teoria que estava
estudando; aos poucos, o projeto de pesquisa foi tomando forma e se constituindo.
Esse processo de religar os conhecimentos formais e não-formais, estudar a
epistemologia, aprender a aprender, não foi fácil, uma vez que é difícil romper paradigmas.
Mas, apesar de ter sido formada numa concepção tradicional de educação, que não nos
preparava para a pesquisa, para o exercício da autonomia, mas para o imobilismo e o não
incomodar, ainda assim fui movida por minha curiosidade, meu desejo pela pesquisa e pela
formação profissional e essa busca por conquistar meu espaço no Mestrado. Minha autonomia
me fez alçar novos voos, levando-me a ir à busca de outro sonho, o de cursar o Mestrado. Em
muitos momentos, até achava distante, impossível, mas tudo foi girando, fluindo e aconteceu.
Aqui estou!
Hoje, percebo, por meio de toda essa trajetória, o quanto meu ser e meu fazer estão
imbricados, resultado das várias ações ecologizadas que meu ser foi, aos poucos, constituindo
e modificando, pois, ao aprender com os “erros”, meu conhecimento ia aos poucos fazendo
sentido. Reconstruía-se durante meu caminhar, fora também do espaço-tempo da escola.
Foi a maturidade pessoal e a profissional que me levaram a perceber que os
conhecimentos construídos em minhas relações com o meio, em consonância com os
apreendidos na escola, na minha família, foram importantes para a constante transformação e
a inferência que o conhecimento não ocorre apenas pelo intelecto, no espaço-tempo da escola,
mas pela nossa inserção no mundo de forma ativa, uma vez que, como seres humanos, somos
24
inteligência, espírito, intuição e emoção. Isso não pode ser desconsiderado, lembrando que
somos ser integral e não partes fragmentadas.
Após a experiência como gestora escolar, voltei a trabalhar com turmas de 2ª série -
oito anos. Em 2004 realizei um trabalho com base em projetos, ligado ao tema “Valores”, que
era o eixo central da proposta político-pedagógica da escola. Participei do prêmio professor
Nota Dez, da Fundação Victor Civita, com o projeto intitulado “Aquarela das virtudes”,
quando o Ministério da Educação me conferiu o diploma de honra ao mérito, por ter realizado
experiência de relevante valor pedagógico voltada à melhoria da qualidade do ensino no País
em 2004. Após esse trabalho, senti que a sala de aula não me cabia mais e que poderia
contribuir mais, e para além da sala de aula presencial, em outros espaços concebidos na
virtualidade.
No segundo semestre desse mesmo ano, fui convidada para trabalhar no Núcleo de
Tecnologia Educacional. O universo tecnológico foi a chave para o início de novo trabalho
com formação de professores e gestores para o uso pedagógico da tecnologia na educação.
Durante essa nova experiência, participei como aluna virtual da validação do curso
Mídias na Educação de um dos Programas do Ministério da Educação, que visa proporcionar
formação continuada aos professores para uso pedagógico das diferentes tecnologias de
informação e comunicação. Em seguida, participei, como formanda, do curso Gestão Escolar
e Tecnologias da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Logo após essa formação, assumi a função de professora/tutora deste mesmo curso
com turmas formadas por equipes diretivas das escolas públicas do Distrito Federal. Esse
curso de formação foi desenvolvido em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de
Educação (CONSED), a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) e o
Núcleo de Tecnologia Educacional do Distrito Federal (NTE-DF).
Por meio dessa experiência, consegui visualizar a luz para uma educação mais voltada
à emancipação humana, concebida no espaço da virtualidade, capaz de propiciar o
desenvolvimento da autonomia do sujeito aprendente por meio da produção de saberes
construídos individual e coletivamente. Tive a oportunidade de experimentar uma educação
que há muito almejava, que “escuta o outro”, oportuniza a participação de todos, propicia
transformação.
25
Uma educação desenvolvida em parceria com o outro pela troca de saberes era as asas
que buscava para voar, crescer, amadurecer, aprofundar, refletir, discutir, propor soluções em
conjunto com outros educadores, ao mesmo tempo em que unia a teoria com a prática
educativa. Diferente da “pedagogia da transmissão” (SILVA, 2003), percebia aos poucos que
essa experiência poderia favorecer outras possibilidades para se pensar uma educação mais
libertadora, como almejada por Freire, e condição para “um pensar certo” (FREIRE, 1996) e
“uma cabeça bem feita”, como pretende Morin (2007).
Nesses vinte e um anos de exercício profissional, já estive em sala de aula como
regente em turmas de educação infantil a 4ª série, de educação de jovens e adultos; fui
coordenadora pedagógica, supervisora pedagógica, diretora, bibliotecária - desenvolvendo
trabalhos com literatura, dinamizadora, formação de professores e gestores para o uso das
tecnologias na educação. Fui também professora/tutora na modalidade de ensino e
aprendizagem a distância, em turmas de graduação e pós-graduação e docência superior, na
modalidade de ensino e aprendizagem presencial, em turmas de graduação.
Foram muitos desafios e conhecimentos aprendidos durante todo esse tempo de vida
que foram se acoplando e provocando mudanças estruturais em minha vida pessoal e
profissional.
Sempre defendi e defendo uma educação que possibilite aos aprendizes serem pessoas
libertas mentalmente, com capacidade para pensar, expressar opiniões, pensamentos,
emoções, desejos, sentimentos e construir conhecimentos realmente significativos para sua
vida. Almejo um ensino que os leve a ser pessoas confiantes, fortes, capazes de resolver os
problemas da vida, que, diante de um problema, não recuem, mas possam enfrentar, com
segurança, os fatos. Sempre busquei trabalhar no sentido de ajudar os estudantes a serem
pessoas aptas a compreender a realidade, expressando livremente suas opiniões. A escola dos
meus sonhos se materializava em cada ação que buscava e busco implementar.
Como borboleta, só preciso de asas para voar. O conhecimento singular seria as asas
para exercer a prática educativa com mais segurança e consciência, pois percebo, cada vez
mais, a importância, nos dias atuais, do casamento entre teoria e prática, caso contrário, as
mudanças na educação podem até acontecer, mas a passos lentos.
Sou consciente da necessidade de tecermos uma rede de conhecimentos nos diferentes
espaços destinados aos processos de ensino e aprendizagem, mas, como nos diz Moraes
26
(2004c), que ela seja tecida com novo paradigma, nutrida por fundamentos ontológicos,
epistemológicos, metodológicos condizentes com a evolução da ciência atual.
É interessante poder fazer todo esse percurso e compreender que nós não somos
somente cérebro e que os conhecimentos que produzimos durante toda a nossa trajetória não
se constituem apenas pelos saberes repassados pela escola. Somos inteligência, espírito,
intuição e emoção; por isso, em tudo que fazemos é importante que nos coloquemos por
inteiro. Isso demonstra que não somos neutros e imparciais frente a essa realidade dinâmica,
pois nessa constante relação entre o sujeito do conhecimento e o meio, tanto o observador
quanto o objeto observado sofrem modificações, transformações, conforme evoluem suas
percepções e compreensões da realidade, em seus diferentes níveis.
Em constante trajetória marcada pela busca de uma educação com mais qualidade,
inovadora, criativa e diferente da educação tradicional pela qual fui formada, esta pesquisa
nasce da minha vontade e do compromisso de tentar contribuir com uma educação que
conduza o estudante a gostar de aprender, estar sempre se atualizando e, principalmente,
ajudar o outro também a crescer. Nasce da vontade de construir e poder fazer renascer uma
educação diferente, pautada nos valores humanos de solidariedade e fraternidade e menos
competitiva. Assim, considero este o fio condutor dessa minha incessante busca por
autonomia e independência no mundo.
Assim, percebo com clareza que meu objeto de pesquisa emerge do meu compromisso
de fazer uma educação muito mais voltada a como se aprende do que a como se ensina, que
valoriza o pensar, que insere o aprendiz no mundo, para adaptar-se e poder interferir,
modificando sua realidade, seu contexto, assumindo assim “o centro", ocupando o lugar do
“eu” (MORIN, 2007, p. 65).
Por isso, essa minha busca constante por estar sempre me aperfeiçoando, melhorando
minha prática em prol de um agir em consonância com minhas escolhas teóricas, para
compreender, cada vez mais, que é possível investir e possibilitar situações de aprendizagem
que garantam ao sujeito/aprendiz pensar, refletir, criar, tudo isso em consonância com suas
experiências de vida. Essa condição é fundamental para que ele possa ser sujeito autônomo,
produtor e co-produtor do conhecimento, a fim de que assuma o palco, o papel principal de
seu processo de construção do conhecimento, tendo em vista construir as próprias trajetórias
27
pessoais e profissionais com mais sentido e em consonância com sua história de vida. Ao
mesmo tempo, sem que se permita ser repetidor, mas, sim, produtor de conhecimento.
PROBLEMA DE PESQUISA
Ainda hoje, apesar das várias mudanças ocorridas em todas as esferas da vida social,
com a chegada das tecnologias da informação e comunicação (TICs), possibilitando ensino
mais aberto ao contexto educacional, é forte a manutenção da concepção reprodutora,
hierárquica e vertical nos processos de ensino e aprendizagem nos diferentes ambientes de
aprendizagem. Segundo Moraes (2008c), propostas pedagógicas, tanto presenciais como
virtuais, ainda se esbarram e ancoram em paradigmas tradicionais de natureza positivista.
Nesse sentido, vários teóricos, especialmente Moraes, Maturana, Morin, Nicolescu,
anunciam, para os tempos atuais, necessidade de mudanças nas práticas pedagógicas e novo
modo de “aprender” e “ensinar”, não-linear e determinista, mas nutrido por uma dinâmica
não-linear, criativa e emocionalmente saudável, com interações e trocas mútuas, em que cada
um “aprende”, ao mesmo tempo em que também “ensina”, em processo dialógico e
colaborativo.
Desse modo, práticas pedagógicas que imobilizam, impedem os alunos de produzir e
aprender com liberdade, na convivência com o outro, e promover sua autonomia, não
condizem mais com as exigências da sociedade contemporânea.
Urge, portanto, a ressignificação nos espaços educativos e formativos, acompanhada
por nova abordagem didática fundamentada, para que os processos de ensino e aprendizagem
sejam compreendidos como propostas abertas, flexíveis e dinâmicas, capazes de suscitar o
fluir de experiências de aprendizagem e harmonia com a vida.
Além disso, que essas propostas superem o pensamento reducionista e simplificador,
tanto de quem ensina quanto daquele que aprende, tudo isso em relação ao pensar, sentir, agir
e viver/conviver. Almeja-se a reconfiguração das propostas didáticas em ambientes de
aprendizagem para a educação do presente, apoiados nos fundamentos teóricos da
Complexidade e da Transdisciplinaridade, que tenham como pilares os Níveis de Realidade, a
Lógica Ternária e a Complexidade, propostos por Basarab Nicolescu (1999), perpassados
pelos sete eixos para a educação do futuro, no presente, apresentados por Edgar Morin (2004),
atendendo a solicitação da UNESCO.
28
Essa abordagem, segundo Nicolescu (1999), é indispensável para a formação de um
“ser incessantemente re-ligado”, aprendiz flexível, eficaz e autônomo, pessoa capaz de
estabelecer as pontes necessárias entre os diferentes saberes, de enfrentar novas e
imprevisíveis demandas de aprendizagem, tendo em vista se apropriar de um conhecimento
com qualidade e nutrido por uma concepção transdisciplinar.
A ressignificação das práticas pedagógicas é um dos grandes desafios a ser enfrentado
na atualidade educacional, com vistas à transição da didática tradicional para a fundamentada
na metodologia transdisciplinar. Assim, com base nos pressupostos teóricos do Pensamento
Complexo e Transdisciplinar, esta pesquisa visa encontrar possíveis respostas para os
seguintes questionamentos:
É possível uma didática transdisciplinar em curso de Pós-Graduação? Como essa
didática se materializa em uma prática transformadora?
Quais seriam seus desdobramentos, se comparada a uma didática tradicional e
conservadora?
Que estratégias didáticas podem contribuir para a construção de conhecimento
em ambientes de ensino e aprendizagem que favoreçam o pensar complexo e
transdisciplinar?
OBJETIVOS
GERAL
O objetivo geral desta pesquisa é investigar os processos didáticos de construção do
conhecimento em ambientes presenciais de ensino e aprendizagem em pós-graduação, a partir
da Complexidade e da Transdisciplinaridade, identificando os elementos caracterizadores de
uma didática transdisciplinar e examinando o potencial das estratégias utilizadas para o
desenvolvimento do pensar complexo e transdisciplinar.
ESPECÍFICOS
Em termos específicos, com esta pesquisa pretendemos:
29
- Identificar os processos didáticos de construção do conhecimento ocorrentes em
determinada disciplina de Pós-Graduação, no sentido de explicitar elementos constitutivos da
metodologia didática desenvolvida a partir da Complexidade e da Transdisciplinaridade;
- Caracterizar o que é didática transdisciplinar;
- Identificar possíveis estratégias didáticas transdisciplinares em ambientes de
aprendizagem que favoreçam os processos de construção do conhecimento para o pensar
complexo e transdisciplinar;
- Analisar como os operadores cognitivos do Pensamento Complexo e o uso da lógica
ternária podem contribuir para ressignificar a didática, ampliando os processos de percepção e
de humanização dos alunos associados ao domínio de um campo de conhecimento.
DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
Focalizaremos a investigação mais precisamente nos processos didáticos
transdisciplinares utilizados pela docente, em disciplina do Programa de Pós-Graduação
Stricto-sensu, em busca de mais aprofundamento e conhecimento do caso em si.
Procuraremos explicitar elementos constitutivos e caracterizadores de uma
metodologia didática transdisciplinar, nutrida pela complexidade, que favoreça processos de
construção de conhecimento voltados ao pensar complexo e transdisciplinar.
Além disso, almejamos compreender como os operadores cognitivos presentes no
desenvolvimento desses processos podem contribuir para a ressignificação das práticas
pedagógicas em ambientes de aprendizagem, bem como para a ampliação dos níveis de
percepção e de realidade dos alunos envolvidos.
Destacamos o fato de que esta disciplina, do Programa de Pós-Graduação, trabalha
com a temática Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação, motivo pelo qual a
selecionamos. Essa é temática considerada inovadora e ainda pouco trabalhada nos ambientes
acadêmicos, embora vários núcleos de pesquisa sobre ela venham surgindo em vários âmbitos
universitários.
30
Outro aspecto fundamental a ser esclarecido é que esta pesquisa não tem a pretensão
de avaliar o trabalho realizado pela docente, mas procura encontrar, em sua prática, aspectos
caracterizadores de uma didática transdisciplinar, analisando e teorizando sobre ela.
Procuramos compreender os fenômenos educativos presentes nesse ambiente de
aprendizagem com base nos três pilares constitutivos da metodologia transdisciplinar: os
níveis de realidade, a lógica ternária e a complexidade.
Em função do tempo razoavelmente limitado para transcrição e análise de todas as
aulas gravadas, transcreveremos apenas os excertos que tenham correspondência com as
categorias e as subcategorias selecionadas para o propósito desta pesquisa.
RELEVÂNCIA DA PESQUISA
Durante minha vida profissional, o trabalho desenvolvido com a formação de
professores me permitiu verificar a ocorrência de resistências, insatisfações, falta de
motivação e pouca inovação nos processos de ensino e aprendizagem. Isso me inquietava, ao
mesmo tempo em que também me fortalecia, injetando-me ânimo para criar espaços de
discussão e construção de situações que envolvessem professores/gestores para que pudessem
encontrar saídas plausíveis, no sentido de propiciar mudança nos contextos escolares,
potencializando o uso das tecnologias disponíveis nas escolas associadas às mais diferentes
linguagens, como múltiplas possibilidades de dinamizar e ressignificar a prática educativa,
atribuindo-lhe vida.
Em virtude dessas minhas inquietações, optei por este estudo, na esperança de
contribuir para possíveis mudanças significativas nos espaços formativos, quer presenciais
quer digitais, a fim de apresentar propostas que ressignifiquem os ambientes de aprendizagem
baseadas na metodologia didática transdisciplinar. Acredito que essa nova abordagem pode
transformar os ambientes de aprendizagem em espaços potenciais para o desenvolvimento de
processos construtivos e inovadores de construção e reconstrução de conhecimento. É outro
caminho, nova ótica que exige mudança de postura por parte de nós, educadores, em relação
ao conhecimento e, principalmente, às possibilidades de criação de situações de aprendizagem
mais compatíveis de acordo com os interesses do educando. Implica, portanto, atitude no
sentido de promover avanços na educação.
31
A metodologia transdisciplinar possibilita a construção de uma educação mais voltada
à compreensão dos níveis de realidade e percepção dos estudantes, para o desenvolvimento de
processos colaborativos, fazendo o resgate do sujeito aprendente e não somente se
preocupando com o “como” se ensina, mas, sobretudo, com o “como” o aluno melhor aprende
e o “como” ajudá-lo a encontrar os próprios caminhos para estar sempre em processo de
aprendizagem. Preocupa-se com o ser como totalidade, percebendo-o em toda a sua
multidimensionalidade, mediante processos de ensino e aprendizagem que não acontecem de
maneira opressora, mas que se constituem por meio de processos reflexivos, vivências de
liberdade e momentos de transcendência.
O conhecimento, na visão clássica, por muito tempo e até hoje continua destruindo a
complexidade dos fenômenos, revelando a ordem simples a que obedecem (MORIN, 2007).
Em virtude disso, para tentar superar essa visão limitada, necessitamos, como nos aponta
Morin (1999, 2007) e Moraes (2003, 2008a), de um pensamento mais abrangente e articulado,
para buscarmos compreender melhor o sujeito/aprendiz, os seus processos de aprendizagem,
bem como o conhecimento, a natureza, a sociedade. Enfim, a própria tessitura da vida.
Portanto, pretendemos educar a partir de um pensamento complexo e transdisciplinar.
Como nos ensina Moraes (2008a), o pensamento complexo implica nova maneira de
pensarmos a realidade munidos por “novas lupas”, ou seja, por nova ótica capaz de
compreender como as coisas se influenciam mutuamente por meio de interações e
interconexões, como, por exemplo, os binômios sujeito/objeto, educador/educando,
estratégias lineares/não lineares, dentre outros.
Diante dessas considerações, julgo que esta pesquisa seja relevante por apresentar
discussões teóricas que muito podem contribuir para a ampliação de espaços para diálogos
sobre o fazer pedagógico do educador em ambientes de aprendizagem presenciais ou virtuais.
O desafio é atuar segundo uma lógica diferente da ciência clássica e conformista, ou seja, a
partir de uma lógica ternária que possibilite a compreensão dos fenômenos em outro nível de
realidade, além do que é possível ver e perceber.
Sua relevância social está também na apresentação de algumas possibilidades de
caminhos para a ressignificação da prática educativa em contextos universitários, bem como
em seus mais diversos níveis de ensino. Além disso, contribuir como sinalizador, alerta aos
educadores para a compreensão da importância de mudanças na docência conservadora, em
32
direção a uma prática pedagógica mais inovadora e fundamentada na complexidade e na
transdisciplinaridade.
A relevância científica desta pesquisa está na possibilidade de este trabalho vir a
contribuir para a ressignificação das práticas pedagógicas, em contextos educativos, por serem
fundamentadas a partir de princípios ontológicos, epistemológicos e metodológicos da ciência
atual. Está também na busca por ampliação dessas reflexões nos mais diferentes espaços
destinados ao aprender, mais precisamente em centros universitários, instituições públicas e
particulares de ensino do Distrito Federal, em seus diferentes níveis de ensino.
Pretendemos construir e comunicar a possibilidade de fornecer uma proposta de
metodologia didática para o desenvolvimento de docência de natureza complexa e
transdisciplinar, tendo em vista provocar ruptura epistemológica com o modelo da ciência
moderna e, possivelmente, catalisar processos para mudanças nos currículos educacionais.
Os campos científicos da educação, como anunciam pesquisadores transdisciplinares
como Moraes (2008a), Nicolescu (1999), Santos & Sommerman (2009), D‟Ambrósio (2009)
e tantos outros, necessitam com urgência de novos estudos, para que as mudanças ocorram
tanto em nível epistemológico como também ontológico e metodológico, pois, de acordo com
os fundamentos biológicos desse novo paradigma, ao mudar o conhecer, mudamos também o
ser e o seu fazer.
Almejamos também que esta pesquisa dê margem a outras pesquisas nesse campo,
proporcionando várias outras reflexões capazes de vislumbrar novas possibilidades de
pesquisa nessa área, fundamentadas na metodologia didática transdisciplinar, visando à
ressignificação das atuais práticas educativas de processos de ensino e aprendizagem mais
voltados à construção do conhecimento do que à simples transmissão de informações.
A base conceitual dessa pesquisa está fundamentada nos novos referenciais teóricos
derivados da Física Quântica, da Nova Biologia e da Cibernética e suas implicações
ontológicas, epistemológicas e metodológicas na educação. Ou seja, estão fundamentados no
tema da Complexidade (Morin), no Pensamento Ecossistêmico (Moraes) e na
Transdisciplinaridade (Nicolescu) e na Didática (Vera Candau e Libâneo).
33
Os estudos aqui apresentados implicam processos abertos capazes de acolher outras
conexões que possam ampliar cada vez mais esse campo conceitual, para que as mudanças
esperadas em âmbito educacional possam, de fato, acontecer.
METODOLOGIA
Em todo processo de investigação, o pesquisador busca compreender determinado
objeto da realidade para explicar a construção teórica utilizada, os caminhos percorridos e os
conhecimentos produzidos (MORAES & VALENTE, 2008b).
Toda essa formalização sucede por meio de um método, cujo significado, para Moraes
e Valente (2008b), diz respeito a caminho, percurso em que se atua como iluminador de
processos de pesquisa e possibilita ao pesquisador a compreensão do estudo, bem como, dos
seus limites.
Em Moraes e Valente (2008b), encontramos que o método deve ser compreendido
como referência e não como roteiro fixo, inflexível, que não se importa com os ruídos e as
emergências ocorrentes durante a pesquisa, uma vez que “a realidade já não é tão previsível
ou mesmo controlada por este ou aquele pesquisador mais ingênuo ou desavisado”
(MORAES & VALENTE, 2008b, p. 54). Vemos o método como processo transformador da
realidade, como algo que se constrói e reconstrói durante o desenvolvimento da pesquisa.
Método compreendido como fenômeno complexo, auto-eco-organizador, que valoriza
a autonomia do sujeito pesquisador e é capaz de levá-lo à construção e à apropriação de
conhecimento pertinente, “produto de uma atividade pensante do sujeito pesquisador, de um
sujeito capaz de aprender, de inventar, de refletir e de criar durante a sua caminhada”
(MORAES & VALENTE, 2008b, p. 54).
Método que nasce com o problema de pesquisa e se consolida no caminho,
formalizando-se ao final do processo, sendo este ponto para o recomeço de nova viagem
(LAVILLE & DIONNE, 1999; MORAES & VALENTE, 2008b). Caminho não-linear, com
possíveis pontos de bifurcação, construído em forma de espiral, em que pesquisador e objeto
constroem processos marcados por constantes diálogos e interações contínuas, tendo em vista
possibilidades para retificações, sempre que for necessário (MORAES & VALENTE, 2008b).
Segundo esses autores (2008b), esse processo de investigação complexo, auto-eco-
reorganizador, pressupõe princípios de abertura, circularidade, recursividade, dialogicidade
34
processual que se preocupa com o surgimento de emergências, com a complementaridade dos
processos e implicações, mudanças e transformações que muito podem facilitar a presença do
incerto, do acaso, do inesperado e influenciar, de maneira considerável, a interpretação dos
dados e os resultados da pesquisa. Para melhor compreensão desses princípios, eles são
desenvolvidos com mais profundidade no Capítulo 1. Destacamos que um bom pesquisador
precisa estar atento a todos esses aspectos no desenvolvimento de sua pesquisa (MORAES &
VALENTE, 2008b).
Baseada na metodologia transdisciplinar, que se fundamenta nos três elementos
constitutivos, a complexidade, os níveis de realidade e a lógica do terceiro incluído, esta
pesquisa, de natureza qualitativa, buscou compreender a dinâmica dos processos de
construção do conhecimento em ambientes de aprendizagem presenciais, operacionalização
desses pilares na prática, por meio de novo paradigma, concomitante aos objetivos propostos
para esta investigação.
A pesquisa qualitativa ou naturalística, segundo Bogdan e Biklen (1982, apud LÜDKE
& ANDRÉ, 1986), estuda o problema no local em que ocorre o fenômeno, tendo mais
preocupação com o processo do que com o produto. Exige, por parte do pesquisador, contato
direto e prolongado com o ambiente e a situação a ser estudada, como observador participante
do contexto.
Para Stake (2007), a característica mais importante dos estudos qualitativos é a ênfase
na interpretação. No caso desta pesquisa, o pesquisador procura interpretar o que acontece no
ambiente da sala de aula, examinando com mais objetividade possível o que está acontecendo.
ESTUDO DE CASO DO TIPO ETNOGRÁFICO
Para esta investigação, optamos pelo estudo de caso, pois este, de natureza qualitativa,
tem como proposta compreender um caso singular, uma representação da realidade
multidimensional, historicamente situada. Esse tipo de pesquisa compreende o conhecimento
não como algo acabado, mas construção que se faz e refaz constantemente, em que aspectos
não previstos a priori, pela pesquisadora, levam a buscar novas respostas e indagações
durante todo o desenvolvimento da pesquisa. Além disso, nesse tipo de pesquisa, elementos
novos podem emergir, cabendo ao pesquisador ficar em constante alerta e atenção (LAVILLE
& DIONNE, 1999; MORAES & VALENTE, 2008b).
35
Para Laville e Dionne (1999), o estudo de caso analisa um caso delimitado, de valor
singular. Pode ser uma pessoa, uma criança ou um grupo de alunos, uma comunidade, um
programa, um projeto inovador ou um ambiente ou, ainda, pode ser um acontecimento
especial, uma mudança política ou um conflito qualquer. O importante é perceber que um
caso é um sistema integrado, embora não seja necessário que todas as partes funcionem bem,
segundo Stake (2007).
Esse tipo de pesquisa possibilita ao pesquisador tecer inúmeras reflexões sobre o
próprio fazer pedagógico, enseja melhorias em suas práticas pedagógicas por meio dos
referenciais dos quais vai se apropriando, o que permite atuação mais consciente e pautada no
processo da pesquisa, sob a ótica da nova ciência, com vistas à ressignificação dos processos
de aprendizagem e construção do conhecimento.
Permite também a compreensão dos fatos decorrentes da construção e da produção dos
dados, além de oferecer oportunidades ao pesquisador de experimentar processos precisos,
esclarecedores, de profundidade e destaque ao conhecimento construído, segundo Laville &
Dionne (1999).
Uma das vantagens desse tipo de pesquisa, segundo esses autores (1999), incide na
possibilidade de um caso ser examinado em profundidade, porém sem a intenção de compará-
lo com outros. Mas apenas de compreender o fenômeno dentro de contexto maior que o
caracteriza.
Todavia, concordando com André (2005, p. 19), usaremos a denominação „estudo de
caso do tipo etnográfico‟, por se tratar de “um estudo em profundidade de um fenômeno
educacional, com ênfase na sua singularidade e levando em conta os princípios e métodos da
etnografia”. Também porque essa não acentua a dicotomia qualitativo-quantitativa, uma vez
que qualidade e quantidade estão associadas.
Stake (1995 apud ANDRÉ, 2005) cita três tipos de estudo de caso do tipo etnográfico:
intrínseco, instrumental e coletivo. Optaremos pelo estudo de caso de caráter intrínseco, pois
este visa investigar os elementos caracterizadores que emergem no decurso de
desenvolvimento da prática docente de uma professora, tendo em vista obter melhor
conhecimento do caso em si e ser o foco desta investigação.
36
A etnografia, tradicionalmente usada pelos antropólogos, foi recentemente incorporada
à literatura educacional como uma das possibilidades para o estudo de um caso. Porém, nem
todos os tipos de estudo de caso se incluem dentro dessa perspectiva.
A palavra etno vem do grego ethnos e significa povo, pessoas. Assim, uma pesquisa
etnográfica tem o interesse voltado a compreender relações socioculturais em organização
determinada. Preocupa-se, primordialmente, com os processos que constituem o ser humano
social e culturalmente falando. Para André (2005), o termo etnografia significa “descrição
cultural”. Porém, há dois sentidos: conjunto de técnicas para coletar dados e relato escrito
resultante desse processo.
Caso o foco de interesse do pesquisador etnógrafo seja a descrição, sua preocupação
volta-se muito mais ao processo educativo do que à preocupação com o produto. Há
diferenças de enfoque entre etnografia e estudo de caso do tipo etnográfico.
Na verdade, segundo André (2005), foi realizada adaptação da etnografia à educação.
Assim, no âmbito educacional, fazem-se estudos do tipo etnográfico e não etnografia no seu
sentido estrito. É importante que o pesquisador se mantenha em constante vigilância para não
impor seus pontos de vista, crenças e preconceitos, mas esforçar-se para se colocar no lugar
do outro, como tentativa de ver e sentir as categorias de pensamento e sua lógica.
Merriam apresenta três qualidades do pesquisador que deseja realizar um estudo de
caso. A primeira é a tolerância à ambigüidade, ou seja, saber conviver com dúvidas e
incertezas inerentes a essa abordagem de pesquisa; abertura e flexibilidade nas decisões
tomadas no momento em que forem necessárias. “Essa estrutura flexível e aberta torna o
estudo de caso atrativo, principalmente para aqueles [...] que gostam de trabalhar em
condições pouco estruturadas e que aceitam o desafio do incerto, do impreciso”. (Merriam,
1988 apud ANDRÉ, 2005, p. 39)
A sensibilidade é outra qualidade para identificar variáveis relacionadas ao ambiente,
às pessoas, aos comportamentos, ao contexto como um todo. Além disso, também será
necessário recorrer à intuição, às percepções e às emoções para explorar e fazer a “leitura”
interpretativa dos dados, ao mesmo tempo em que se recorre aos pressupostos teóricos do
estudo. Há ainda atenção ao movimento circular e recursivo entre a teoria e a prática, visando
possibilitar a produção de novos conhecimentos.
37
Outra característica é ser comunicativo, como também empático, ser capaz de fazer
boas perguntas e saber ouvir atentamente. É importante saber colocar-se no lugar do outro
para tentar compreender melhor o que ele diz, sente e pensa.
Por último, André (2005) destaca a expressão escrita como importante habilidade para
o registro das fases do estudo de caso, pois, segundo essa autora, pesquisadores que optam por
esse método, realizam o trabalho de campo com todo cuidado, mas nem sempre conseguem
expressar pela escrita tudo o que observaram, ouviram, sentiram.
Segundo Nóvoa (2004), esse movimento metodológico faz da pesquisa um
entrelaçamento de oportunidades de autoformação ao pesquisador, ao mesmo tempo em que
se compreende o fenômeno.
As transformações ocorridas possibilitam ao pesquisador a ampliação de sua visão
sobre o objeto em estudo, para produzir um pensamento mais elaborado de acordo com os
propósitos de sua investigação.
Nessa dinâmica, vários ajustes são realizados para a obtenção de fundamentos válidos
para o alcance dos objetivos esperados. Mas, para tanto, também será necessário o exercício
da escuta sensível, por parte do pesquisador, para melhor perceber a realidade, estabelecer
conexões, refletir sobre ela, em consonância com os objetivos pretendidos pela pesquisa,
tendo em vista aprofundar-se para apropriação de conhecimento reconstrutor, como sugere
D‟Ambrósio (2009), e não apenas sua simples reprodução.
A busca por um processo reconstrutor em prol de um saber mais elaborado com mais
sentido em relação ao processo investigativo requer do pesquisador mudança de ótica e nova
atitude. Essa atitude será uma das marcas da pesquisadora, até mesmo porque esta pesquisa
pretende contribuir e possibilitar avanços e melhorias nas práticas educativas.
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
Para facilitar a compreensão lógica do estudo, apresentamos a estrutura que comporá
esta dissertação:
Na INTRODUÇÃO, apresentamos ao leitor, em linhas gerais, a dissertação, situando-
a no tema da investigação. Também será apresentada a origem da pesquisa por meio do relato
da história de vida da pesquisadora, ao mesmo tempo em que serão delineados o tema da
38
pesquisa, o problema que lhe deu origem, a sua delimitação, os objetivos - geral e específicos,
a justificativa deste estudo, bem como a sua relevância científica e social e a metodologia.
No CAPÍTULO 1, desenvolvemos a fundamentação teórica que sustentará a pesquisa.
Iniciamos efetuando a contextualização sobre a concepção do Paradigma Clássico e do
Complexo em relação aos processos de ensino e aprendizagem. Para tanto, apresentamos o
velho e o novo cenário educativo. Abordamos, em seguida, o conceito de Didática, os
elementos constitutivos de uma didática tradicional e uma didática complexa, bem como os
aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem, aos sujeitos e aos seus papéis, os
conteúdos e as estratégias rumo à construção de nova didática. Também aprofundamos as
dimensões teórico-práticas de nova didática.
Na dimensão teórica, trabalhamos a complexidade e a transdisciplinaridade, os
operadores cognitivos, a partir dos pensamentos complexo e ecossistêmico, em diálogo,
principalmente, com Maria Cândida Moraes, Edgar Morin, Basarab Nicolescu. Apresentamos
também algumas categorias e subcategorias decorrentes dos fundamentos epistemo-
metodológicos da Transdisciplinaridade propostos por Moraes (2010b).
Além disso, tratamos dos pilares constitutivos da metodologia didática transdisciplinar
- diferentes níveis de realidade, complexidade e lógica do terceiro incluído, propostos por
Basarab Nicolescu, para o desenvolvimento de uma docência transdisciplinar. Para melhor
compreensão do que seja a aprendizagem e o processo de construção do conhecimento,
trabalhamos as teorias de Humberto Maturana e Francisco Varela, a partir da biologia do
conhecer e do conceito de enação.
Na dimensão prática apresentamos o novo cenário educativo: subjetividades e seus
papéis, objetos do conhecimento, o ambiente. Expomos também algumas estratégias didáticas
inovadoras capazes de promover ambiências emocionalmente saudáveis de construção e
reconstrução do conhecimento, na perspectiva da abordagem transdisciplinar. Essa parte
teórica será desenvolvida com base nos pressupostos teóricos de Maria Cândida Moraes,
Edgar Morin, José Carlos Libâneo, Vera Candau.
Ressaltamos não ter o intuito de oferecer receitas, mas suscitar a curiosidade na busca
por mais aprofundamento teórico no campo educacional, visando à ampliação dos
fundamentos ontológicos, epistemológicos e metodológicos do Paradigma da Complexidade,
para possível construção e ressignificação das práticas pedagógicas atuais.
39
No CAPÍTULO 2, apresentamos a pesquisa propriamente dita, o movimento
metodológico: o contexto em que ocorrerá a pesquisa, a descrição dos sujeitos envolvidos
nela, os procedimentos a serem utilizados durante o processo de investigação, as categorias e
as subcategorias para análise dos dados.
No CAPÍTULO 3, analisamos e discutimos os resultados a partir das categorias e das
subcategorias selecionadas com base nos Princípios da Complexidade e nos três eixos
constitutivos da transdisciplinaridade: níveis de realidade, lógica ternária e complexidade, de
acordo com os objetivos desta pesquisa.
Na CONCLUSÃO, buscamos retomar o objeto de investigação, com vistas a oferecer
contribuição à comunidade educacional, apresentando as considerações finais da pesquisa, as
conclusões e as recomendações aos futuros professores pesquisadores que tenham interesse
em aprofundar-se nos fundamentos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da ciência
atual, para investigar novos caminhos que descortinem possibilidades para um fazer
pedagógico mais condizente com as necessidades da sociedade contemporânea, a partir de
perspectiva transdisciplinar. Também efetuamos algumas recomendações rumo à construção
da metodologia didática transdisciplinar.
40
CAPÍTULO 1 RESSIGNIFICANDO A DIDÁTICA – REVISÃO DA LITERATURA
1.1 PARADIGMA CLÁSSICO
O paradigma clássico prevalece desde o século XVII como o controlador do
pensamento ocidental. Muitas foram suas contribuições para o progresso do conhecimento
científico e para a reflexão filosófica (MORIN, 2007a).
No entanto, toda essa evolução histórica vem também trazendo outras consequências,
como a fome, o desemprego, a violência, o preconceito, o conhecimento fragmentado,
exemplos de uma realidade contemporânea cada dia mais preocupante. Esse cenário atual
apoia-se em uma inteligência cega marcada por princípios cartesianos e fragmentação,
linearidade, descontextualização, simplificação, redução, objetivismo e dualismo revelados a
partir do século XX.
Para Morin (2007a), isso se deve ao “pensamento simplificador” ainda presente como
o modo de pensar predominante da atualidade, com o qual concordam Moraes (2003, 2008) e
muitos outros pesquisadores transdisciplinares da atualidade.
Esse pensamento cartesiano continua alienando e distanciando cada vez mais os seres
humanos, separando-os da vida, da natureza, do trabalho, do próprio mundo interior e
exterior, excluindo-os do próprio sentipensar, à medida que separa sujeito e objeto do
processo de construção de conhecimento, fazendo-os acreditar que passado e projetos futuros
são insignificantes em relação ao que vivem no presente (MORAES, 2003, 2008a; MORIN,
1999, 2007a).
Essa inteligência cega, segundo Edgar Morin (2007a, p.12) “destrói os conjuntos e as
totalidades, isola todos os seus objetos do seu meio ambiente”, por não permitir a ligação
entre os conhecimentos ainda não apreendidos com os já conhecidos, bem como pela
incapacidade de se conceber a conjunção entre parte e todo, entre uno e múltiplo (unitat
multiplex). Essa disjunção provoca o isolamento de áreas do conhecimento científico como a
física, a biologia e a ciência do homem, quando, na verdade, deveriam estar imbricadas.
41
As ciências humanas, ao desconhecer a existência do sujeito e a sua relação com o
objeto e insistir na especialização das disciplinas, acabam produzindo cérebros como se
fossem produtos industriais. As tecnologias de comunicação e informação de massa, por sua
vez, também reforçam essa visão e as universidades, lugar onde pesquisa é um dos seus
principais objetivos, acabam por contribuir, de certa forma, para essa produção, ao formar, em
grande escala, profissionais que associam a competência à simples obtenção de um diploma
(DEMO, 2003).
A educação como parte constitutiva dessa realidade não apresenta cenário muito
diferente, deixando prevalecer em seus contextos uma didática tradicional, determinista, na
qual o sujeito é desconsiderado, bem como sua consciência e sua autonomia. Privilegiam-se
as técnicas, os conteúdos fechados em grades, sem preocupação com a qualidade da
aprendizagem. Esse é o velho cenário há tempos conhecido por educadores, complexo, que
não é tão simples assim de ser revertido.
1.2 VELHO CENÁRIO
Diante de velho cenário educativo, condicionado por pensamentos lineares e
deterministas, o professor assume a postura de detentor do saber, aquele que deposita
informações, enquanto o aluno passa a ser como um “banco de dados a ser abarrotado de
informações desnecessárias e inúteis” (MORAES, 2010a, p. 25) nesse aluno que,
passivamente, “escuta”, toma nota, para em seguida “prestar contas” sobre o que fora
depositado. Esse tratamento dado ao conhecimento como mercadoria, como depósito, não
possibilita inovações e reconstruções, mas a simples reprodução (DEMO, 2003).
Nessa concepção bancária da educação, o professor é tido como o centro, o principal
sujeito dos processos de ensino e aprendizagem e os alunos, meros objetos, seres sem luz,
incapazes de pensar, aprender e criar (FREIRE, 2005). Seres passivos que recebem os
conteúdos para arquivá-los na memória. Sim, conteúdos “arquivados, porque, fora da busca,
fora da práxis, os homens não podem ser”, segundo Freire (2005, p.66).
Memorização, repetição mecânica do conteúdo pelo aluno, sem questionamentos e
diálogos sobre o que este realmente significa para sua vida, é o modo pelo qual se espera que
ocorra a aprendizagem (FREIRE, 2005). Nesse sentido, importa muito mais o produto final, a
42
nota obtida pelo estudante, sem levar em conta as dinâmicas ocorrentes durante o processo.
Preocupa-se muito mais com partes isoladas apreendidas sobre esses conteúdos sem que se
permita aos sujeitos/aprendizes a construção de um pensamento mais elaborado e capaz de
perceber o movimento todo/parte ou vice versa em relação ao conhecimento.
Assim, nesse processo se atribui excessiva importância à matéria sem preocupar-se em
deixá-la com sentido e significado para a vida dos alunos. A ênfase recai sobre o volume de
informações sem preocupação com construir uma aprendizagem sólida e duradoura, como
observado por Libâneo (1994). Não há compromisso em desenvolver o pensamento crítico-
reflexivo dos estudantes, mas encher suas cabeças com informações muitas vezes inúteis que,
necessariamente, não se traduzem em conhecimentos. Muitas são desnecessárias e sem
conexão com a própria vida do aluno.
Em relação ao espaço, a sala de aula é considerada como o único ambiente para o
estudante se apropriar do saber, cientificamente elaborado. Nesse espaço, não há abertura para
momentos de diálogos sobre dúvidas, incertezas ou emergências, ocorrentes na sala de aula,
até mesmo porque o conhecimento, nessa perspectiva de ensino tradicionalista, é
compreendido como absoluto e unidimensional. Prevalece a „cultura do silêncio‟ estimulada
pela contradição, configurando-se, desse modo, ambiente antidialógico, com um professor
que exerce sua autoridade de conhecedor do saber e os alunos, sujeitos passivos e
subordinados que não interagem, não dialogam (FREIRE, 2005). Assim, os sujeitos se
apresentam apáticos, invisíveis, fora da própria realidade. A transmissão de informação
predomina sobre o processo de construção do conhecimento.
Esse ensino transmissivo, com base no paradigma clássico, segundo Libâneo (1994),
não permite ao educador desenvolver a sensibilidade para perceber e detectar as dificuldades
dos estudantes, bem como para exercer pensamento complexo, capaz de organizar ações que
permitam aos alunos não interromperem seu processo de construção de conhecimentos.
Já em relação aos procedimentos didáticos utilizados, estes consistem em estratégias
lineares e deterministas que privilegiam a memorização, a cópia e a simples reprodução.
Agem como controladores que sancionam erros e inibem acertos, reduzindo-se a
aprendizagem ao simples conhecimento que privilegia a lógica binária, ou seja, a do acerto ou
do erro (MORAES, 2008a). Predominam ações que acabam por nivelar as realidades
43
subjetivas presentes nos ambientes de aprendizagem a um conhecimento objetivo e
unidimensional.
A perpetuação do paradigma clássico nos mais diferentes contextos educativos,
mediante ações fortemente impregnadas por uma didática tradicionalista, mostra o espaço
educativo como mais um cenário atingido pela concepção mecanicista que fragmenta o
conhecimento, tornando-o sem sentido e significado.
Nesse desenho pedagógico, vida e conhecimento são também compreendidos como
realidades distintas, em que objetividade e subjetividade não se encontram e os
conhecimentos, nessa perspectiva de ensino, são simplesmente informações a serem
reproduzidas, sem a necessidade de serem refletidas e muito menos registradas (MORIN,
1999, 2007a; DEMO, 2003).
Essa linearidade em relação aos processos didáticos construtivos de conhecimento
reduz o papel da escola à de simples colaboradora e reprodutora de informações, muitas das
vezes sem sentido para a vida prática e profissional do aluno. Além disso, desconsidera as
emoções, os sentimentos, a intuição, a sensibilidade e a corporeidade, como outras expressões
para apropriação de um “conhecimento pertinente” por parte do sujeito/aprendiz, ou seja, um
conhecimento capaz de levá-lo a uma compreensão melhor da vida e, principalmente, de se
reconhecer como agente ativo, centro da própria tessitura construtiva de conhecimento e não,
como objeto (MORIN, 2004, 2007a).
Baseada nos estudos de Morin (2004, 2007a, 2008), Nicolescu (1999) e Moraes
(2008a), essa concepção de pensamento que compreende o sujeito como um ser dotado
apenas de razão e totalmente desintegrado da realidade, que valoriza o pensamento
simplificado e reducionista em relação ao conhecimento, já não mais atende às reais
necessidades dos alunos e da sociedade contemporânea.
Muito menos deve ser disseminada pelo mundo como o único pensamento capaz de
interpretar o real, pois, ao assumir essa visão unilateral e determinista, essa maneira de pensar
e compreender a realidade só contribui para levar cada vez mais a humanidade à cegueira,
bem como a uma doença planetária (MORIN, 2007a, 2004).
Assim, diante de um mundo que se configura cada vez mais complexo, dinâmico,
imprevisível, como Morin (2007a) e Moraes (2008a) nos apresentam, não há mais como
44
sobreviver apenas sob o reinado desse paradigma clássico, pois só estaremos contribuindo
para a “formação” de pessoas cada vez mais inconscientes e incompetentes para trabalhar em
um mundo complexo, diverso e plural, colocando em risco a vida do planeta (MORAES,
2008a; MORIN, 1999, 2007a; NICOLESCU, 1999).
Até mesmo porque um ensino a partir de um “pensamento simplificador” - que isola,
separa e oculta tudo o que religa, interage, interfere, que desintegra a complexidade do real,
separando a parte do todo, bem como o todo das partes - já não mais condiz com os
pressupostos teóricos da ciência atual.
Além disso, metodologias didáticas que não permitem ao sujeito refletir, criar,
produzir conhecimento, auto-eco-transformar-se, não favorecem a aprendizagem. Só existe
saber quando os sujeitos se inventam e reinventam o tempo todo, por sua inquietude e sua
busca esperançosa, impaciente, em estado permanente, em que ambos se fazem no mundo,
com o mundo e nas relações com outros (FREIRE, 2005).
Com base nesse já tão conhecido e velho cenário constituído que ainda se faz presente
em muitos dos ambientes educativos de aprendizagem, urge, como Moraes e Morin
anunciam, a necessidade de um modo diferente de concepção de educação que perceba o ser
humano como ser integrado e integral e não mais descontextualizado da própria realidade em
que vive. Para Edgar Morin (1999), tudo aquilo que isola o sujeito de seu objeto de
conhecimento produz conhecimentos fragmentados e incomunicáveis. Reforça ainda que um
conhecimento mutilado, ao mesmo tempo em que mutila, conduz o sujeito a práticas sociais e
culturais também mutiladoras e fragmentadoras da realidade.
Diante dessas considerações, Morin e Moraes apresentam a complexidade e o
pensamento ecossistêmico como novas abordagens em relação ao conhecimento, capazes de
levar o sujeito a pensar e repensar realidades sob nova ótica, visando resgatar o elo perdido
entre sujeito e objeto, unindo a parte ao todo, bem como o todo às partes, sem a crença e a
preocupação de querer dar conta de todos os problemas da vida ou da educação (MORAES,
2008a; MORIN, 2007a; SANTOS & SOMMERMAN, 2009).
Assim, concordamos com Moraes (2008a) e Candau (2008) sobre a necessidade de
mudança na educação. De modo mais específico e foco desta pesquisa, urge ressignificar os
métodos didáticos utilizados nos ambientes de ensino e aprendizagem, tanto no modo
45
presencial como digital, sem que sejam desconsiderados, do velho cenário educativo, todos os
seus elementos constitutivos.
1.3 DIDÁTICA E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
Segundo Moraes (2008a), na primeira metade do século XVII, desde a Didática
Magna de Comênio, inúmeros são os conceitos atribuídos à palavra didática. Na maioria,
porém, são comuns: ensino, aprendizagem, instrução e formação.
Para essa autora, essas definições, de certa maneira, representam processos-chave em
torno dos quais a didática desenvolve suas práticas. Seu foco central, todavia, consiste em
regular, na ação educativa, os momentos de ensino e aprendizagem, mediante processos
realistas, factíveis e adaptáveis aos diferentes contextos educacionais (MORAES, 2008a).
Para Mallart (2001), a palavra ensino significa apresentar algo a alguém a fim de que
este se aproprie intelectualmente do ainda não conhecido. Para esse autor ensinar é, portanto,
oferecer as condições possíveis para que o sujeito aprenda, estando à frente do próprio
processo de aprendizagem.
Moraes (2008d, p. 50), por sua vez, diz que ensinar “implica a criação de
circunstâncias de aprendizagem que possibilitam vivências significativas para que a
aprendizagem aconteça, a partir de ações efetivas dos sujeitos aprendentes”. Com base nos
conceitos desses autores, compreendemos o sujeito aprendiz/aprendente como o centro
configurador de todo o processo didático e a aprendizagem como sua principal tônica.
Aprendizagem, originada do latim, aprehendere, significa adquirir, apoderar-se,
processo pelo qual se esperam mudanças de comportamento por parte do sujeito/aprendiz, à
medida que se aproxima do objeto cognoscível, para atribuir sentido, ainda que
provisoriamente (MALLART, 2001). Assim, podemos dizer que a aprendizagem acontece por
meio da relação entre sujeito e objeto mediante constantes interações e sob a mediação do
educador que ora se distancia, ora se aproxima.
Um processo de aprendizagem que se traduz como expressão do acoplamento
estrutural que ocorre entre ambos e expressa a congruência entre o operar do organismo e o
46
do seu meio, mediante experiências ecologizadas durante o processo de viver/conviver, como
nos ensina Maturana e Varela (2001) e Moraes (2003, 2010a).
Essa dinâmica autopoiética em relação à aprendizagem em contextos escolares
consiste em movimento circular e recursivo entre o mundo interior e exterior do sujeito, de
modo, reconstrutor, interpretativo e jamais reprodutivo. Processo que vai além do captar algo
externo, que implica fenômeno de transformação na convivência, em que a aprendizagem se
processa por meio de transformações estruturalmente decorrentes do sujeito, a partir de suas
interações sociais. Até mesmo porque o que se passa a um indivíduo depende de sua estrutura,
de sua ação e sua atuação sobre o meio que o cerca (MORAES, 2008c; MORAES, 2010a).
Assim, consideramos os conceitos ensino e aprendizagem como momentos distintos e
complementares, cujos sujeitos envolvidos assumem papéis diferenciados, alterando-se à
medida que caminham. Dinamismo que envolve as dimensões teórico-práticas que se
coadunam em função dos caminhos em busca dos elementos constitutivos e caracterizadores
de nova metodologia didática.
Dessa forma, acreditamos que a finalidade maior da didática consiste na formação
intelectual, emocional, espiritual do sujeito aprendiz, a partir do diálogo com suas
experiências de vida, em processo evolutivo, para que possa atingir outros níveis de
conhecimento à medida que caminha (MALLART, 2001; MORAES, 2008c).
1.4 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE NOVA DIDÁTICA
No “1º Seminário: A didática em questão”, promovido pelo Departamento de
Educação da PUC/RJ, em novembro de 1982, Candau (2008, 2009) apresentou a trajetória da
didática no Brasil, nos últimos vinte anos, e apontou como um dos maiores desafios da
didática, hoje, a superação de seu modo instrumental presente no velho cenário e a busca pela
construção de nova didática em diálogo com esse cenário tradicional.
Para ampliar caminhos que contribuam para a construção ou a reconstrução dos
elementos constitutivos a partir do velho modelo tradicional de ensino, rumo à nova didática,
Candau (2008) explicita alguns elementos que podem proporcionar resultados mais concretos
e possíveis avanços no que se refere à ressignificação da didática.
47
Um dos primeiros elementos considerados por Candau (2008) diz respeito à
necessidade de superação da didática exclusivamente instrumental, visto que a antiga é
concebida mediante conhecimentos puramente técnicos sobre „o fazer‟ pedagógico,
conhecimentos muitas vezes desvinculados dos fins da educação, dos conteúdos específicos,
bem como do contexto sociocultural em que foram gerados. Ou seja, a prática pedagógica
necessita estar articulada com os mais diferentes contextos e não pretender, como em
Comênio, universalizar um método único para ensinar tudo a todos.
Essa autora também sugere a necessidade de se definirem as principais características
da didática. Como ponto de partida para essa construção ou reconstrução, Candau (2008,
p.14) cita a “multidimensionalidade dos processos de ensino e aprendizagem”.
Concordamos, porém, que sejam considerados a partir da articulação com as duas
dimensões, a teórica e a prática, como encontramos em Moraes (2008a), como um dos
esforços a serem empreendidos no centro configurador da nova didática, sob a mediação do
professor que pensa e cria estratégias ou ressignifica as já existentes congruentes com o
método escolhido.
Outra característica que ela aponta diz respeito à explicitação dos pressupostos
teóricos, do contexto, da visão de homem, de sociedade, de conhecimento e de educação que
veiculam, a partir da análise das diferentes abordagens metodológicas existentes. Isso exige
que a nova didática seja construída conforme as necessidades locais concretas de cada
realidade.
Candau (2008) nos informa que um dos grandes desafios está na articulação entre as
diferentes abordagens pedagógicas existentes para a construção de novo método didático
capaz de ressignificar as práticas pedagógicas dos ambientes de aprendizagem, a partir de um
dinamismo que não privilegie este ou aquele elemento estruturante, mas que os considere, ao
mesmo tempo, complementares.
Moraes (2008a) acrescenta que esses elementos estruturantes, citados por Candau
(2008), ao atuarem em sinergia, podem permitir mais dinamismo nos ambientes de
aprendizagem. Além disso, visões dicotômicas e dualistas, como processo ou produto,
presencial versus virtual, teoria versus prática, dimensão cognitiva versus dimensão afetiva,
dentre outras, segundo essa autora, não condizem com os pressupostos teóricos da
complexidade e da transdisciplinaridade. Por isso, não devem ser consideradas durante a
48
elaboração dos elementos constitutivos para a construção da nova didática, complexa e
transdisciplinar, de ensino e aprendizagem.
O objetivo da didática atual constitui a superação do formalismo subjetivista centrado
nas atividades do sujeito e nas sequências de competências e habilidades a serem aprendidas.
Assim, Moraes (2008a) considera que elementos estruturantes, como o sujeito, os conteúdos e
o contexto, devem ser levados em consideração, porém em um processo dinâmico de inter-
relações, sem reduzir ou tornar exclusivo um ou outro.
Diante das análises realizadas por essa autora (2008a) sobre os mais variados textos
que envolvem estratégias didáticas, constatamos, na maioria das vezes, a presença de certo
formalismo estrutural, de organização lógica do processo instrucionista, sem levar em conta
esses elementos estruturantes.
Dessa maneira, Moraes (2008a) e Candau (2008, 2009) destacam a necessidade de
superação da visão meramente instrumental e reducionista, concebida pelo método didático
tradicional, para uma visão multidimensional em relação aos processos de ensino e
aprendizagem, com ênfase no relacional, na articulação e no diálogo entre os diferentes
elementos, levando em conta as diferentes relações subjetivas e a constante presença das
emergências surgidas nos ambientes de ensino e aprendizagem.
Como educadora e pesquisadora, Moraes (2008a) ainda alerta para a importância de se
assumir que o método didático tem diferentes estruturantes que precisam atuar em sinergia,
sem exclusivizá-los, mas buscar dinâmicas que possam superar a dicotomia entre ensino e
aprendizagem, tendo em vista promover possibilidades de transformações no sujeito/aprendiz.
Aprender a lidar com os elementos estruturantes (os sujeitos, o ambiente, o conteúdo,
as estratégias), no sentido de se construírem ambientes de aprendizagem agradáveis, ricos em
elementos significativos e desafiadores, capazes de resgatar a alegria e o prazer dos estudantes
em aprender, é, atualmente, o grande desafio sinalizado por Moraes (2008a) e Candau (2008,
2009) em relação à construção de método didático complexo e transdisciplinar.
Até mesmo porque, em concordância com essas autoras, é importante considerar que,
diante do velho cenário apresentado, a perpetuação dessa didática tradicional, forjada, na qual
o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende, já não mais condiz nem mesmo
atende aos anseios e às necessidades da sociedade contemporânea.
49
Todavia, como nos lembra Morin (2007a), mudanças só são possíveis se estivermos
munidos de ferramentas conceituais adequadas. Nesse sentido, Morin (2007a) e Moraes
(2008a) citam os operadores cognitivos, instrumentos que muito podem contribuir para um
pensar complexo sobre os elementos que emergem dos meandros entre os sujeitos e os
conteúdos nos processos de ensino e aprendizagem ocorrentes em ambientes digitais ou
presenciais e serão apresentados posteriormente.
A utilização desses princípios reguladores do pensamento pode ajudar educadores a
estabelecer a articulação entre a teoria e a prática, expressando desse modo mais congruência
entre o que são e o que fazem, no decurso da própria ação educativa (MORAES, 2008a).
Trata-se, portanto, da busca por melhor compreensão dos processos de ensino e
aprendizagem e sua morfogênese (formas de conhecer) na prática pedagógica, para que, a
partir do método didático utilizado pelo educador, sejam contemplados seus objetivos maiores
resumidos em “como fazer”, ”para quem fazer”, “para que fazer” e “por que fazer”
(CANDAU, 2008).
Assim, o desafio em relação à ocorrência entre a transição de uma didática tradicional,
rumo a nova didática, Candau (2008) assegura que não consiste em rejeitar aquele velho
cenário, anteriormente apresentado - as tendências pedagógicas, as estratégias metodológicas
até então existentes - em função de uma didática salvadora que vá solucionar todos os
problemas decorrentes nos contextos escolares, em específico para este estudo, no ambiente
de aprendizagem presencial. Esse modo de pensamento também traz em si um pensar limitado
e reducionista, que vai de encontro ao que buscamos como proposta e, segundo Mariotti
(2007), retroage para ações simplistas e reducionistas que dizem respeito ao pensamento
clássico.
Entretanto, buscar possibilidades diferenciadas de caminhos alternativos ainda não
trilhados, a partir do diálogo com o já conhecido tendo em vista estabelecer as pontes
necessárias que possibilitem a travessia e o morrer da velha didática tradicional para o
ressurgir da didática voltada à complexidade e à transdisciplinaridade.
Esse cenário ultrapassado já não atende mais aos anseios da atual sociedade, que se
mantêm velada, imobilizada pela incapacidade de se assumir sujeito, ou seja, de colocar-se no
centro de novo palco, com cenário, evidentemente, a se construir, desconstruir e reconstruir
novamente, reconfigurando-o e ressignificando-o sempre, pois esse dinamismo é mais
50
compatível com os princípios epistemológicos, ontológicos e metodológicos da complexidade
e do pensamento ecossistêmico sugerido por Moraes (2008a), Morin (2007a) e da
transdisciplinaridade e seus três pilares, considerados por Nicolescu (1999) como pano de
fundo que embasará toda essa construção para possibilidades que possam atender aos reais
interesses e necessidades dos estudantes, com ênfase na qualidade da aprendizagem e não
somente no ensino.
Tudo isso mediante o diálogo constante entre as duas dimensões que, na lógica binária
parecem se excluir: a teórica e a prática (Figura 1), tendo em vista construir um conhecimento
pertinente, ou seja, transdisciplinar, capaz de levar o sujeito a ir além da ordem já estabelecida
nos ambientes de ensino e aprendizagem, alimentado por uma teoria que se liga à prática e,
colocada em prática, é teorizada, levando a novas teorias.
Portanto, teoria/prática/teorização/teoria, formando, desse modo, um tetrângulo,
resultante da superposição dos dois triângulos – a Dimensão Teórica proposta por Nicolescu e
a Dimensão Prática proposta por Moraes -, acrescidas a estas duas dimensões a teorização,
reconduzirão à teoria (Figura 2).
O elemento da teorização foi constatado por meio desta pesquisa e propomos como o
símbolo metafórico dos processos de ensino e aprendizagem (Figura 2) a partir de uma
docência que se faz mediante a metodologia didática, de natureza complexa e transdisciplinar,
capaz de permitir o resgate do sujeito com ênfase em sua essência humana para alcançar uma
vida plena.
51
Figura 1. Dimensão teórica e dimensão prática dos processos de ensino e
aprendizagem.
Figura 2. Símbolo metafórico dos processos de ensino e aprendizagem numa
perspectiva complexa e transdisciplinar.
52
1.5 DIMENSÃO TEÓRICA DE NOVA DIDÁTICA
1.5.1 Complexidade e transdisciplinaridade
A complexidade, segundo Edgar Morin (2007a), traz consigo confusão, incerteza e
desordem.
No final dos anos 60, a partir da Teoria da Informação, da Cibernética, da Teoria dos
Sistemas, do conceito de auto-organização, essa concepção, compreendida e disseminada de
modo equivocado, desvinculou-se do sentido comum a ela atribuído como complicação e
confusão, para integrar o discurso central de Edgar Morin (2007a) como macroconceito que
traz consigo outros conceitos para melhor compreensão.
Ao partir desse macroconceito, Morin (2007a, p. 6) faz um alerta, ao dizer que
“complexidade é uma palavra-problema e não uma palavra-solução”. Problema, pois, onde
não é possível ver ou perceber o real, é lá que ele se encontra. Surge justamente onde o
pensamento falha, integrando em si tudo o que confere ordem, clareza, distinção, precisão ao
conhecimento.
Na metáfora de Morin (2007a, p. 13), complexidade “é um tecido”. Origina-se da
palavra complexus, que significa aquilo que é tecido junto, pelo paradoxo do uno (parte) e do
múltiplo (todo), efetivado por acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações,
acasos, aspectos inerentes ao mundo. Esse autor reforça que é no emaranhado do tecido que a
complexidade se apresenta.
Moraes (2003, p.198), mediante suas experiências de formação, diz que, no primeiro
contato com a palavra complexidade, é comum relacioná-la à ideia de algo complicado,
confuso, difícil de ser compreendido. Essa autora, no entanto, diz que essa tradução está longe
de seu real sentido, pois a complexidade é algo muito mais profundo, incapaz de ser
compreendida por um pensamento simplificado e reducionista. Além disso, é categórica ao
dizer que “por mais que compreendamos as partes de um sistema complexo, fica difícil
compreender as propriedades do todo que o caracteriza” (Op. Cit., 2003).
53
No intuito de tentar compreender essa tessitura complexa, constituída nos mais
diferentes espaços da vida, Moraes (2003) considera como inseparavelmente associados o
indivíduo e o meio, a ordem e a desordem, o sujeito e o objeto, o educador e o educando, a
teoria e a prática. Enfim, todos os fios que tecem a trama da vida, mediante os processos
complexos e dinâmicos decorrentes dessas relações, à medida que, contrapondo-se,
apresentam-se como antagônicos e, ao mesmo tempo, complementares.
É Morin (2007a), entretanto, quem nos lembra que a complexidade não se traduz em
remédio para a cura dos problemas da humanidade, mas outro modo, outra lógica, capaz de
pensar a realidade sob a ótica da dialógica e da negociação, sem a crença e a preocupação de
querer dominá-la.
Diz ainda que, “se a complexidade não é a chave do mundo, mas o desafio a enfrentar,
por sua vez, o pensamento complexo não é o que evita ou suprime o desafio, mas o que ajuda
a revelá-lo e, às vezes, mesmo a superá-lo” (MORIN, 2007a, p. 8).
Assim, é um possível caminho, anúncio a ser divulgado, possibilidade de partida em
busca da superação da inteligência cega que a cada dia tende a simplificar o pensamento da
humanidade, mediante ações simplificadoras da realidade que tendem a se tornar mais
desumanizantes.
Para essa aventura em busca da superação do pensamento fragmentado, simplista,
mutilador, dentro de contextos educativos, Morin (2007a) e Moraes (2008a) sugerem o uso de
operadores cognitivos dos pensamentos complexo e ecossistêmico como ferramentas
conceituais capazes de contribuir para a retirada das películas que, há tempos, têm embaçado
os olhos dos sujeitos, ofuscando e desviando seu olhar para apenas o que é possível de se
“ver” e se “perceber”.
Esses operadores, também denominados por Edgar Morin de ferramentas conceituais,
têm como propósito facilitar e operacionalizar o pensar complexo mediante o uso de tais
instrumentos operacionais. Ajudam os sujeitos a colocarem em prática a complexidade e a
reconhecê-la nos diferentes espaços e dimensões da vida cotidiana (MARIOTTI, 2007;
MORAES, 2008a; MORIN, 2007a, 2008).
54
1.5.2 Operadores cognitivos dos pensamentos complexo e ecossistêmico
Tanto o pensamento complexo como o ecossistêmico recolocam o sujeito como
protagonista na construção do próprio conhecimento, ajudando-o a articular pensamento,
conhecimento e realidade. Tais pensamentos são contrários ao pensamento clássico,
cartesiano e simplificador, que isola, separa e oculta tudo o que precisa ser religado. São
modos de pensar que reintegram o sujeito ao próprio processo de construção de
conhecimento, à medida que recusam pensamentos mutiladores, reducionistas e
unidimensionais (MORIN, 2007a).
A lógica do pensamento complexo consiste no estabelecimento de pontes, fronteiras e
conexões entre os saberes desmembrados pelo pensamento reducionista, simplificador. Ou
seja, busca articulá-los e integrá-los, à medida que se alimentam de tensões permanentes entre
polos aparentemente opostos, tendo em vista obter um conhecimento que realmente faça
sentido. Procura, desse modo, um conhecimento multidimensional, mesmo consciente de que
essa busca seja impossível, pois os pensamentos complexo e ecossistêmico reconhecem o
Princípio da Incerteza de Heisenberg na realidade, bem como nos processos de construção do
conhecimento e na aprendizagem (MORAES, 2008c; MORIN, 2007a).
Moraes (2008a) alerta que os pensamentos complexo e ecossistêmico não substituem
certezas por incertezas, separatividade por inseparatividade, ordem por desordem, mas
buscam uma sensibilização que permita o diálogo com o que é aparentemente contraditório,
no seio de uma organização.
Nos ambientes de ensino e aprendizagem, a complexidade necessita ser compreendida
como lógica capaz de ajudar o enfrentamento da incerteza, do acaso e do inesperado, aspectos
presentes na dinâmica da vida educacional.
Os princípios constitutivos do pensamento complexo e do pensamento ecossistêmico
são instrumentos conceituais de articulação do raciocínio e ajudam a compreender e pôr em
prática o pensar complexo. Sua utilização possibilita ao sujeito o deslocamento de ótica, o uso
de uma lógica diferente da Binária, saindo de um nível de visão linear para uma visão mais
complexa da realidade (MARIOTTI, 2007; MORIN, 2007a; MORAES, 2008a).
55
Esses instrumentos, também chamados por Edgar Morin de operadores cognitivos,
operadores de religação, também considerados princípios, ajudam a conectar os saberes
fragmentados, tendo em vista melhor interpretação e compreensão da realidade. Além disso,
eles ajudam o pensamento a ir além dos conhecimentos disciplinares, bem como permitem a
criação de metodologias para lidar com a complexidade e a circularidade entre elementos
aparentemente contraditórios, como análise e síntese, sujeito e objeto, dentre outros.
Reconhecem a unicidade na diversidade; a circularidade entre todo e parte e ajudam a
lidar com incertezas, aleatoriedade, imprevisibilidade, enfim, com as contradições presentes
na vida e nos contextos de ensino e aprendizagem. Concebem a dialógica, a auto-organização,
a intersubjetividade, a causalidade circular de natureza recursiva e retroativa.
Além do mais, segundo Humberto Mariotti (2007, p. 137), esses “operadores
cognitivos [...] facilitam a compreensão e a prática do pensamento complexo” porque
permitem o deslocamento da visão linear para uma ótica mais ecossistêmica, mais relacional,
possibilitando raciocínios e resultados diferentes dos habituais. Enriquecem a capacidade do
sujeito de buscar novas soluções e reconstruir novos espaços para os processos de ensino e
aprendizagem, pois, à medida que o sujeito vai percebendo a vida com novas “lupas”, vai se
libertando, também, das próprias “gaiolas epistemológicas”, ou seja, ampliando visões a partir
do uso de outra lógica diferente da binária, como assim nos ensina Moraes (2008a).
A utilização dos operadores cognitivos permite o estabelecimento de conexões entre
os diferentes saberes. Um aprofundamento de visão que não exclui o pensamento linear,
simplificador, mas utiliza-se dele, incluindo-o e complementando-o, permitindo, desse modo,
a ocorrência de diálogos entre elementos aparentemente antagônicos, mas que na verdade são
interdependentes. Permite a busca de um conhecimento que se encontra em outra lógica, outra
dimensão, outro nível de realidade. Por isso, segundo Mariotti (2007), esses princípios são
também chamados de operadores de religação.
Essa compreensão da realidade permite, segundo Mariotti (2007), raciocínios
diferentes dos habituais e resulta em conhecimentos mais bem elaborados. Aperfeiçoa
também olhares em busca de uma prática educativa mais segura e diferenciada. Os operadores
cognitivos servem, nesse sentido, como instrumentos de autoconhecimento e capacitam o
sujeito a pensar e refletir sobre os múltiplos aspectos da mesma realidade (MARIOTTI, 2007;
MORIN, 2007a; MORAES, 2004, 2008a).
56
A prática dos operadores cognitivos, segundo Mariotti (2007), Moraes (2008a), Morin
(2007a), ajuda a fazer escolhas e opções metodológicas mais conscientes, mediante novas
concepções e abordagens paradigmáticas, a partir de um olhar mais diferenciado sobre o
problema em questão. Auxilia também a tomada de decisões com mais segurança, a
experimentação de novas rotas, a saída da linearidade, enfim, a visão da realidade sob nova
ótica.
Ademais, esses operadores também colaboram para a proposição de estratégias
educacionais mais inovadoras. Ajudam educadores a repensarem o currículo, a didática, para
a qual este estudo se volta, bem como os processos de avaliação e pesquisa, além da
compreensão e da fundamentação dos processos de construção do conhecimento em
ambientes de aprendizagem (MORAES & BATALLOSO, 2010a)
Para Morin (2007a) e Moraes (2008a), esses operadores podem ser definidos como
dez princípios que podem ajudar a pensar a complexidade existente em quaisquer ambientes
que envolvam processos relacionais de vida e conhecimento. Apesar de apresentados aqui em
separado, não significa que haja entre eles hierarquia. Em muitas situações eles se apresentam
interligados uns aos outros. Estão interligados, à medida que os processos de ensino e
aprendizagem vão sendo estabelecidos, atuando em sinergia, embora um ou outro possa ser
mais ou menos utilizado, dependendo das circunstâncias ocorrentes em cada experiência
vivida. São eles sistêmico-organizacional, hologramático, retroativo, ecológico da ação,
recursivo, dialógico, da auto-eco-organização, da reintrodução do sujeito cognoscente, da
enação, ético.
1.5.2.1 Princípio sistêmico-organizacional
Este princípio, segundo Moraes (2008a, p. 97), ajuda “a ligar o conhecimento das
partes ao conhecimento do todo”, pois esse todo só funciona se as partes funcionarem como
partes.
Nesse sentido, esse princípio nos ajuda a compreender não somente cada uma das
partes que compõe o todo de um sistema qualquer, mas, sobretudo, a dinâmica relacional que
se estabelece entre o todo e as respectivas partes, bem como as relações contextuais que os
englobam e também os restringem (MORAES & VALENTE, 2008b).
57
Em ambientes de aprendizagem, Batalloso (2010a) diz que, se a relação entre
educadores e educandos ou entre os próprios educandos forem coercitivas, limitadoras, que
não permitam autonomia, situações cooperativas e dialógicas, o nível de aprendizagem dos
alunos tenderá a ser menor, ocorrendo assim pouco interesse por novos aprendizados.
Ao contrário disso, existindo interações de confiança, parceria e colaboração, é
provável que o resultado seja de melhor qualidade. Portanto, a qualidade do conhecimento
produzido dependerá dos processos relacionais estabelecidos entre os sujeitos envolvidos
nesse processo (MORAES & VALENTE, 2008b).
1.5.2.2 Princípio hologramático
Por entender o universo como dinâmico e constituído como um holograma, o princípio
hologramático afirma que a parte não somente está no todo, como o todo está também em
cada uma das partes, em relação de interdependência. Esse princípio ensina que tudo está
ligado a tudo, pois tal operador cognitivo coloca em diálogo pares binários como simples-
complexo, local-global, parte-todo, aluno-professor, unidade-diversidade, aparentemente
justapostos na concepção cartesiana (MORIN, 2007a; SANTOS, 2009).
Segundo Petraglia (1995 apud SANTOS, 2009), a disjunção desses termos na
modernidade provocou perda de significado do conhecimento, concretizando-se na educação
por meio da estrutura disciplinar de ensino. Para exemplificar essa disjunção, Santos (2009)
cita a sequência de múltiplas disciplinas compartimentadas e listadas nas grades curriculares,
que, para o professor, tem se traduzido como o todo do conhecimento.
A estrutura organizativa do conhecimento em grades dificulta aos sujeitos aprendizes
estabelecerem os elos necessários entre os saberes. Isso se deve ao fato de um processo de
ensino que se preocupa em encher a cabeça dos alunos de informações sem sentido, mais
voltado à apropriação de conhecimentos justapostos, quando deveria estar voltado à busca por
conhecimentos integradores (SANTOS, 2009).
Segundo Santos (2009), o princípio hologramático é a chave que abre novas
perspectivas em relação à educação e possibilita aos pesquisadores renovação das esperanças
na área educacional para atuarem em busca de possíveis mudanças. Essa autora ainda afirma
que a mudança na educação não consiste apenas na inversão daqueles pares binários, mas,
58
sobretudo, da importância da religação entre eles à totalidade fragmentada, no intuito de se
compor a totalidade do holograma. Acrescenta ainda que se trata de atuar em duas direções
opostas: contexto e unidade simples (todo e parte /parte e todo), estabelecendo a interligação
dinâmica.
Esse duplo movimento é necessário para explicar e conferir mais sentido aos
fenômenos isolados, pois, para se compreender o todo, é importante compreendermos cada
uma das partes que o compõe, bem como, para conhecer cada uma das partes, necessitamos
conhecer o todo, em contextos de multiplicidade de elementos que interagem e agem
diferentemente uns dos outros, a partir dos diferentes níveis de realidade, tendo em vista
favorecer a abertura para novas visões sobre a mesma realidade (SANTOS, 2009).
1.5.2.3 Princípio retroativo
Segundo Morin (2000 apud MORAES, 2008a), o princípio retroativo rompe com a
causalidade linear, ao informar que toda causa age sobre o efeito e este retroage, voltando-se
para o que provocou a causa.
Para ilustrar, essa autora cita o feedback, como o fenômeno da retroação, pois este
reflete uma causalidade circular de natureza não espiralada. Esse princípio ensina que
determinada ação pode provocar reação inesperada, ocasionando outros desdobramentos
imprevisíveis que retroagem sobre a causa provocadora do movimento (MORAES, 2008a).
É o que acontece, por exemplo, com algumas intervenções didáticas que são sempre
dinâmicas, pois produzem efeitos sutis, parciais ou diferentes dos inicialmente esperados
(NERICI, 1973 apud BATALLOSO, 2010a).
Então, Batalloso diz que os resultados da docência e da discência dependerão ou não
das relações estabelecidas entre ambos.
1.5.2.4 Princípio ecológico da ação
O princípio ecológico da ação diz que toda ação é ecologizada, porque ela entra no
jogo das inter-retroações que ocorrem em qualquer ambiente de aprendizagem. Para Morin
59
(2004), ação implica decisões, escolhas, apostas, que se atrelam a uma tomada de consciência
por parte do sujeito, tornando-o capaz de enfrentar riscos e incertezas.
Numa sala de aula, por exemplo, Moraes (2008a) diz que, diante de escolhas, decisões
tomadas a priori, por educadores e educandos, estas correm o risco de entrar no jogo das
inter-retroações com o ambiente, incorporando-se a novos sistemas de inter-relações que
emergem no processo, inicialmente não previstas, podendo vir a contrariar ou não as
intenções iniciais.
Outro exemplo de ecologia da ação citado pela mesma autora refere-se à atuação dos
professores em ambientes virtuais de aprendizagem. Diante de perguntas ou intervenções
feitas nos fóruns de discussões, estas entram no jogo das inter-retroações não previstas e
acabam sendo absorvidas por meio de processos auto-eco-reorganizadores ocorrentes entre os
sujeitos envolvidos nesses ambientes. Nesse sentido, a ação iniciada escapa à vontade de seu
autor e passa a pertencer ao grupo de pessoas em processos interativos (MORAES, 2008a).
Assim, concordamos com Moraes (2008a) que esse princípio ajuda a perceber que
toda ação educacional traz imprevisibilidade, incerteza e indeterminismo. Traz também a
possibilidade de derivas e transformações nos ambientes de aprendizagem.
Para Moraes & Batalloso (2010a), o princípio é de transcendental importância para a
formação docente, haja vista que uma das qualidades a ser atribuída a educadores é saber
enfrentar emergências e imprevistos ocorrentes nesses ambientes, convertendo dificuldades
em possibilidades, por meio de ações que as redirecionem e integrem e reintegrem, em
benefício do próprio processo educativo.
1.5.2.5 Princípio recursivo
O princípio recursivo caracteriza-se por ações auto-organizadoras do sistema em um
processo circular evolutivo em forma de espiral. Ajuda na compreensão de que indivíduo e
sociedade são, ao mesmo tempo, produtos e produtores do sistema que produzem, ou seja, o
indivíduo produz a sociedade e por ela é produzido, tudo isso no que diz respeito à cultura, às
linguagens e aos códigos sociais.
60
Assim, esse princípio rompe com a linearidade causa-efeito dos processos. “Produtos e
efeitos são, eles próprios, produtores e causadores daquilo que os produz” (MORIN, 2000
apud MORAES, 2008a, p. 100), uma vez que tudo aquilo que é produzido, volta-se para seu
produtor, retroalimentando-o.
Em Mariotti (2007), encontramos que as relações entre os seres vivos são sempre
circulares, não-lineares, pois tudo se articula mediante processos dinâmicos e contínuos,
regidos por uma ordem circular em forma de espiral.
Para esse autor (Ibidem, p. 141), circularidade “traduz a capacidade de um sistema
manter-se em equilíbrio diante das variações do meio”. Tal princípio possibilita a comparação
entre os resultados de uma ação a partir de hipóteses pré-estabelecidas inicialmente.
1.5.2.6 Princípio dialógico
O princípio dialógico permite a união de idéias aparentemente antagônicas, mediante
processos dialógicos estabelecidos além da dialética. Consiste em “lidar com as contradições
que não podem ser superadas dialeticamente” sem, portanto, negá-las ou racionalizá-las
(Mariotti, 2007, p. 151).
Segundo Mariotti (2007, p. 150-151), dialética significa “conversação, diálogo entre
posições contrárias”, a partir de duas idéias opostas. Discussão estabelecida entre paradoxos
para fazer surgir sínteses, resultantes da superação de tensões ocorrentes entre tese (ideia) e
antítese (ideia oposta). Já a dialógica significa que sempre haverá “contradições que não se
resolvem, mas que devem ser reconhecidas e respeitadas”.
Morin, citado por Mariotti (2007, p. 150), diz que nem sempre será possível e
necessário resolver todas as contradições ocorrentes. Em muitos casos, será preciso até
mesmo conviver com elas, visto que ideias contrárias compõem a complexidade, são
contradições que, necessariamente, não necessitam ser resolvidas, pois há opostos que podem
atuar ora como antagônicos, ora como complementares.
Para exemplificar, Mariotti (2007) acrescenta que, nas diferentes organizações,
instituições humanas, a diversidade de opiniões produz certo grau de desconforto e de
conflituosidade. Estar atento a esse termômetro de entrechoques de ideias, opiniões e
61
comportamentos ocorrentes nos grupos é “uma das principais fontes de inspiração para a
criatividade e a resolução dos problemas de convivência” (MARIOTTI, 2007, p. 151).
Paradoxos muitas vezes vistos como insuperáveis traduzem a complexidade que não
se resolve apenas em síntese, mas necessita de alternativas e possibilidade de se conviver com
eles, pois opiniões que aparentemente se apresentam opostas podem permitir ao grupo ir ao
encontro de soluções viáveis para as dificuldades, encontrando possibilidades de novos
caminhos, sem que seja necessário assumir posturas autoritárias, rejeição, torturas, punições e
repressões (MARIOTTI, 2007).
Com base nesse modo dialógico de pensar, paradoxos podem andar juntos, estar em
oposição, em tensão. Mariotti (2007, p. 152) afirma que “não há síntese possível entre eles,
pois a manutenção das características de cada um é indispensável ao equilíbrio e à
manutenção da ordem natural das coisas e da integridade dos sistemas vivos”. São,
simultaneamente, antagônicos e complementares.
A dialógica lida com variáveis e incertezas que não podem ser eliminadas. Mostra
como identificar possibilidades e limitações da objetividade, da lógica linear e da
quantificação. Saber quando utilizar a dialética e quando utilizar a dialógica “é uma
habilidade de alto valor estratégico” (Mariotti, 2007, p. 154).
Moraes (2008a) alerta os educadores quanto aos processos de ensino e aprendizagem,
tendo em vista melhor compreensão da importância da relação dialógica e recursiva em
ambientes de aprendizagem, visto que teoria e prática, razão e emoção, sentir, pensar e agir
dialoguem com intuição, imaginação e sensibilidade para que esses aspectos sejam
reconhecidos como importantes para o conhecimento da realidade, tanto no plano de vida
pessoal como no social.
1.5.2.7 Princípio da auto-eco-reorganização
O princípio da auto-eco-reorganização diz que sistemas vivos são seres autônomos,
autoprodutores, autorreorganizadores e dependentes de fatores provindos do ambiente em que
vivem. Nessa relação, ser vivo e ambiente mantêm dependência mútua. São autônomos, mas
não independentes, pois, para sobreviver, dependem dos elementos externos: ar, água,
alimentos, informação e convivência com todos os seres vivos (MARIOTTI, 2007).
62
Esse paradoxo autonomia-dependência implica relações ao mesmo tempo autônomas e
dependentes entre sujeito e meio. Ou seja, o meio produz alterações contínuas na estrutura dos
sistemas e estes, por sua vez, atuam sobre o meio e o modificam também de modo incessante.
Nesse sentido, tanto o indivíduo depende da sociedade como esta depende do indivíduo para
evoluir (MATURANA, 1999; MARIOTTI, 2007).
Segundo Moraes (2008a, p. 105), essa autonomia relativa expressa a capacidade que
os sistemas vivos possuem de se autorreorganizarem relacionalmente, viverem experiências
sempre únicas e intransferíveis.
1.5.2.8 Princípio da reintrodução do sujeito cognoscente
O princípio da reintrodução do sujeito cognoscente efetua o resgate do protagonismo
do sujeito em relação ao próprio processo de construção do conhecimento. “Reintroduz
epistemológica e metodologicamente o sujeito esquecido pelas epistemologias tradicionais”
(MORAES, 2008a, p. 105). É o princípio-guia que ajuda a estabelecer o elo perdido entre o
sujeito e a própria vida, reintegrando-o por meio da complexidade e ajudando-o a assumir-se
como autor e construtor de sua história e também co-autor de histórias coletivas.
Para Batalloso (2010a), a reintrodução desse sujeito esquecido nos processos de ensino
e aprendizagem significa dizer que em qualquer situação, seja ela individual, seja coletiva,
estamos sempre aprendendo com toda a inteireza humana.
Esse autor também diz que é preciso colocar o sujeito no centro das atividades
educativas, dando-lhe o máximo de condições para desenvolver-se. Implica uma abordagem
didático-estratégica que vai além dos limites impostos nos livros de receitas. O trabalho por
meio de autobiografia, histórias de vida e jornais possibilita processos dialógicos e reflexivos
capazes de gerar conhecimento a partir das experiências dos sujeitos com os conteúdos em
questão. Além de serem fontes inesgotáveis de investigação, autoconhecimento e educação.
63
1.5.2.9 Princípio da enação
Em Varela et al., (1997, apud MORAES, 2008a, p. 108, grifo da autora) encontramos
que „toda ação cognitiva é uma ação perceptivamente guiada‟, surge na interação entre o
sujeito e seu mundo macrofísico (exterior) e microfísico (interior), mediante o
desenvolvimento de ações estruturalmente acopladas em termos de energia, matéria e
informação. Essa mesma ação perceptivamente guiada modela o sujeito em função das
atividades que realiza ao observar, apreender o conhecimento, tudo isso em um processo de
acoplamento estrutural com o contexto em que se insere.
No processo de pesquisa, o sujeito pesquisador e o objeto em estudo vivenciam
processos de interdependência. Tanto aquele quanto este assumem um estado de dependência
ecológica. Assim, nesse processo, que ocorre mediante momentos de construção e
reconstrução do conhecimento vivido, percepção e ação são inseparáveis. Sujeito e mundo,
nesse sentido, participam verdadeiramente co-imbricados da realidade e do mundo do outro.
Ambos emergem e, ao emergirem, evoluem juntos (MORAES, 2008a).
1.5.2.10 Princípio ético
Segundo Moraes (2008a) o princípio ético deve perpassar os processos educativos e
constituir-se como essência da prática pedagógica de todo educador. “Uma ética que se revela
a partir do respeito pelo outro, apesar das diferenças, na solidariedade com o outro, na
cooperação e na preservação de uma cultura ética comum a todos” (Ibidem, p. 110).
Ética concebida mediante uma ótica que, segundo Morin (2007a), não pode ser
ensinada por meio de lições de moral, mas implica formação pela consciência de que o
humano é, ao mesmo tempo, um indivíduo, que é parte da sociedade e da espécie.
Uma ética numa perspectiva altruísta, ou seja, que permita a religação que pressupõe
abertura ao outro, a sua compreensão, legitimando-o. Até mesmo porque o processo de
conhecer exige abertura e fechamento, vivência de experiências e, ao mesmo tempo, de
separação e ligação, tudo isso em equilíbrio, pois, segundo Morin (2007b, p. 104), “a
64
religação é um imperativo ético primordial que comanda os demais imperativos em relação ao
outro, à comunidade, à sociedade, à humanidade”.
1.5.3 Transdisciplinaridade
Para Nicolescu (1999, p.53), “transdisciplinaridade, diz respeito àquilo que está ao
mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer
disciplina.” Objetiva a compreensão da realidade, integrando os diferentes saberes em busca
da unicidade do conhecimento.
Sob o ponto de vista do pensamento clássico, Nicolescu (1999) diz que, entre, por
meio de e além das disciplinas, não há nada, apenas um espaço vazio. Sob o ponto de vista do
pensamento transdisciplinar, porém, com base em seus três pilares: níveis de realidade, lógica
do terceiro incluído e complexidade, esse autor é categórico em dizer que este mesmo espaço
vazio está cheio. Afirma ainda que é nesse espaço vazio/cheio que emerge a complexidade.
Para Moraes (2008a), a transdisciplinaridade é compreendida como atitude de abertura
frente ao conhecimento construído, maneira mais elaborada, refinada e depurada de o sujeito
pensar e perceber a realidade. Para tanto, ela sugere os operadores cognitivos da
complexidade como possibilidade para operar mentalmente a partir de outra lógica, a ternária,
a fim de que o sujeito perceba o conhecimento que permeia os diferentes níveis de realidade.
Isso pressupõe atitude, rigor, tolerância, abertura em relação ao conhecimento a se construir,
no intuito de que a realidade possa ser pensada e compreendida. Nesse contexto, atitude
requer sensibilidade e proposição de ações mais compatíveis com cada realidade e os mais
diferentes contextos.
É mediante o conhecimento de diferentes disciplinas que o conhecimento
transdisciplinar constrói algo mais integrado, tecido nos interstícios. Por isso, Basarab
Nicolescu (1999) diz que a transdisciplinaridade está “entre”, “através” e “além” das
disciplinas. Ou seja, o conhecimento transdisciplinar atravessa, vai além do visível, que se faz
visível aos olhos do pensamento complexo.
Reconhecida como princípio epistemológico, a transdisciplinaridade implica, segundo
Moraes (2008a), nova abordagem do conhecimento, que pode ajudar os sujeitos implicados a
uma compreensão da realidade mais profunda e abrangente. Ajuda também a perceber, com
65
mais sensibilidade, o que está "entre" e além de dois polos, aparentemente antagônicos, mas
que na realidade são complementares.
Assim, a transdisciplinaridade permite aos envolvidos em processos de ensino e
aprendizagem assumirem posturas e lógicas diferentes dos modelos que, habitualmente, estão
acostumados a seguir. A atitude transdisciplinar pressupõe a superação das fendas
disciplinares existentes entre os diferentes tipos de conhecimento.
Ela implica nova abordagem para se repensar a realidade e recoloca o
sujeito como centro da dinâmica da vida, percebendo-o não como ser dotado apenas de razão,
mas também de emoções, intuições, sentimentos e afetos. Compreende o sujeito em sua
totalidade e o reconhece como ser inteligente, singular e único, sempre em busca de sua
autonomia de ser e existir (MORAES, 2003, 2004c, 2008a; MORIN, 2007a; NICOLESCU,
1999).
Nicolescu (1999) e Morin (2007a) alertam que é justamente no espaço vazio
caracterizado pelo pensamento simplificador que se encontra a cegueira da humanidade diante
do conhecimento. É justamente nesse espaço onde estão as respostas para os problemas do
mundo, da educação, da política de que a humanidade tanto precisa. Respostas que podem
surgir da desordem, do caos, do acaso, do aleatório, do imprevisto e do determinismo.
1.5.3.1 Pilares da transdisciplinaridade
De acordo com a Carta da Transdisciplinaridade, “o reconhecimento da existência de
diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas diferentes, é inerente à atitude
transdisciplinar” (NICOLESCU, 1999, p. 162). Nesse sentido, há, pelo menos, três níveis de
realidade: a realidade macrofísica, a microfísica e a virtual. Cada uma delas traz consigo as
próprias leis, lógicas e valores diferentes.
A partir da existência desses três níveis de realidade, é possível perceber que a
realidade é multidimensional, pois se revela segundo a capacidade do sujeito de ver,
interpretar, construir, desconstruir e reconstruir. Essa multidimensionalidade da realidade é
fruto, portanto, da coexistência de mundos diferentes, regidos por leis diferentes.
66
Pela estrutura perceptiva dos cinco sentidos, podemos ver apenas o nível de realidade
macrofísica, embora saibamos que existe a microfísica, revelada por instrumentos
tecnológicos mais potentes. Nesta, a separatividade não existiria entre sujeito e objeto.
Existiria a interpretação sistêmica entre ambos, em termos de energia, matéria e informação
(MORAES, 2008a).
Segundo Nicolescu (1999), para cada nível de realidade existe um nível de percepção
correspondente. Moraes (2008a) afirma que, entre os diferentes níveis de realidade e
percepção dos sujeitos, circulam informações e conhecimentos.
A passagem de um nível de realidade a outro acontece mediante o terceiro incluído, ou
seja, o uso de uma lógica ternária, segundo Nicolescu (1995 apud MORAES, 2008a). E o
conhecimento que emerge a partir dessa lógica é o conhecimento T, Transdisciplinar.
A existência dessa terceira possibilidade de representação do conhecimento
transdisciplinar, pela letra T, indica que o que antes era desunido, contraditório, com a nova
lógica do terceiro incluído, passa a ser complementar.
Consoante Nicolescu, (1999, p. 40) “a lógica do terceiro incluído é uma lógica da
complexidade”, pois permite dialogar com os diferentes campos do conhecimento, articulando
contrários, ao mesmo tempo em que opostos se unem sem se anularem, configurando um
conhecimento em outro nível de realidade.
Para esse autor (Op. Cit.apud MORAES, 2008a), a existência de diferentes níveis de
realidade é importante na história do conhecimento. A atração do pensamento a partir de dois
níveis de realidade diferentes possibilita a exploração do conhecimento sob novos ângulos, a
partir de diferentes olhares como produtos têm uma ecologia de saberes em relação ao
conhecimento, o que possibilita a valorização da existência de outros tipos de percepção e
conhecimento, além do visível.
Para tanto, a complexidade insere-se como um dos principais eixos da metodologia
didática transdisciplinar, apresentando-se como nova maneira de se pensar a realidade a partir
de novas “lupas” e novos instrumentos de pensamento. Representa nova ótica para se
compreender como as coisas influenciam umas às outras por meio das interações e das
interconexões ocorrentes entre os binômios sujeito/objeto, professor/aluno, estratégias
67
lineares/não-lineares. Implica, portanto, novo modo de se compreenderem as relações
constitutivas na própria dinâmica da vida (MORAES, 2008a).
De acordo com Santos e Sommerman (2009), a prática pedagógica na visão
transdisciplinar supera a prática educativa tradicional, tornando os momentos de
aprendizagem vivências únicas e resgatando, no sujeito, o prazer pela aventura rumo ao
conhecimento, ao mundo das ideias. Explorar o imaginário, usar metáforas, mitos, arte,
literatura, canções, são algumas das possibilidades para se trabalhar transdisciplinarmente o
conhecimento da realidade.
1.5.3.2 Metodologia didática transdisciplinar
Segundo Santos (2005, p. 2), a metodologia transdisciplinar leva educador e educando
a uma melhor compreensão da vida, da natureza e da humanidade, a partir dos diferentes
ângulos, que envolvem a dimensão triádica: indivíduo, natureza, conhecimento. Ela "busca a
unidade do conhecimento para encontrar um sentido para a existência do universo, da vida e
da espécie humana”.
Essa autora (2009, p. 24) acrescenta que a metodologia transdisciplinar, quando
utilizada nos ambientes de ensino e aprendizagem, promove a vivência de experiências
estimulantes e prazerosas, pois, à medida que o saber é contextualizado, ele vai propiciando o
resgate ao sujeito do sentido do conhecimento, perdido há séculos em função da lógica
clássica. Esse resgate do sujeito cognoscente é hoje, contudo, um dos maiores imperativos e
um dos maiores desafios à educação, pois a inclusão do sujeito como protagonista é fazê-lo
perceber-se como principal autor e construtor do próprio processo de construção do
conhecimento, a fim de que o conhecer-se se transforme “num ato de afirmação do ser” que se
constrói mediante relação simbiótica com a vida que não é dicotômica.
Uma das possibilidades de se trabalhar a transdisciplinaridade na educação acontece
por meio dos temas transversais. Uma experiência realizada em diferentes escolas do Brasil
com esses temas demonstrou, por meio de relatos, que a experiência nutrida por uma
metodologia transdisciplinar extrapola o ensino memorístico, abstrato e teórico. O trabalho
com os temas transversais, portanto, transgride limites e possibilita interação aberta e solidária
entre os sujeitos (SANTOS & SOMMERMAN, 2009).
68
Em geral, a vivência dos temas transversais nas escolas extrapola a comunidade
escolar, por contar com a participação da família, das autoridades locais, dos representantes
de instituições comunitárias. A propriedade emergente, como uma das características da
transdisciplinaridade, fica implícita, por se tratar de fenômeno de percepção individualizada.
O termo interdisciplinaridade é utilizado, muitas vezes, como sinônimo de
transdisciplinaridade, o que é um erro. O diálogo com o diferente é obstaculizado por olhares
condicionados pela cultura (SANTOS & SOMMERMAN 2009).
Para Santos e Sommerman (2009), complexidade e transdisciplinaridade se entrelaçam
como ontologia, epistemologia e metodologia. Como princípio epistemológico, materializam-
se a partir da interdependência relacional entre seus três pilares constitutivos: níveis de
realidade, lógica do terceiro incluído e complexidade, propostos por Nicolescu (2000 apud
MORAES, 2008a).
1.6 NOVO CENÁRIO
69
Figura 3. Proposta de novo cenário didático para processos de ensino e aprendizagem
numa perspectiva complexa e transdisciplinar.
De modo bem simples, na dinâmica processual de ensino e aprendizagem, Paulo Freire
(2008) nos diria que a tarefa do educador é ensinar e a do estudante, aprender. Ambos,
portanto, assumem papéis distintos nessa relação.
Nesse sentido, compreendemos que, para o desenvolvimento de uma didática
complexa e transdisciplinar, necessitamos dos sujeitos, da sinergia entre educador e educando,
do espaço-tempo disponível para a promoção desse encontro, a fim de que os processos de
ensino e aprendizagem se desenvolvam tanto no modo presencial como no virtual, além dos
conteúdos, das estratégias e das sistemáticas de avaliação.
Necessitamos, portanto, de um espaço pedagógico, como assim Paulo Freire (2008)
denominava, que deve se constituir em um estado de constante movimento de abertura e
centramento, durante o próprio decurso dos processos de ensino e aprendizagem ocorrentes,
como nos leciona Moraes.
Esse espaço é compreendido como lugar para encontro de pessoas que desejam
aprender, produzir saberes elaborados, movidas por desejos, ideias e sonhos, em uma
dinâmica processual dialógica, de transformação na convivência, em congruência com o
método utilizado, e mediado por pensamentos reflexivos ocorrentes entre os sujeitos
envolvidos, antes, durante e após cada experiência vivida; espaço instrumentalizado por
processos avaliativos e reavaliativos. Sujeito, conteúdo, ambiente, método e avaliação, todos
atuando em sinergia (FREIRE, 2008). Imbricados a esses elementos constitutivos estão os
princípios epistemo-metodológicos considerados por Moraes (2010b), apresentados no
Capítulo 2. Esses elementos tais como abertura, flexibilidade, multirreferencialidade e outros,
surgem nos entremeios das relações entre os sujeitos e o objeto (conteúdos), a partir de uma
tessitura dialógica processual construtiva de conhecimentos, que acontecem a partir da
convivência e do acoplamento estrutural ocorrentes entre eles.
1.56.1 Subjetividades e seus papéis
Morin (2004) caracteriza o humano como ser, ao mesmo tempo, único e múltiplo.
Como espécie é ser único; como humano, é plenamente biológico, plenamente cultural e
70
espiritual. Por isso, está sempre em busca de conhecimento, pois sua realização plena
acontece pela e na cultura.
Esse sujeito aprendiz/aprendente, como Moraes (2004) o caracteriza, é um ser que se
auto-eco-reorganiza, a partir das relações estabelecidas com o meio. É um sujeito
contextualizado, que está no mundo e com o mundo e se revela mediante construções
individuais e coletivas.
Para Moraes (2004c), é um ser, sobretudo, indiviso, que deseja ser compreendido em
sua inteireza. Como espécie é um ser inteligente, original, singular, diferente e único. Ao
mesmo tempo, inconcluso, inacabado, dotado de inteligências múltiplas, que constrói
conhecimento, consoante o próprio jeito de aprender. Sujeito autônomo e dependente, ao
mesmo tempo em busca de ser e existir. Não sendo objeto, esse sujeito sente necessidade de
se educar, permanentemente, como sujeito que sente, pensa, e sobretudo se transforma.
Nos espaços para processos de construção do conhecimento, esse sujeito se utiliza da
razão, mas também de linguagens sensíveis e emocionais, em um processo simbiótico de
construção e reconstrução de conhecimentos, mediante relações indissociáveis ocorrentes
entre a mente e o corpo (MORAES, 2004c).
Morin (1999) diz que o verdadeiro caráter da individualidade humana está na sua
condição egocêntrica de ocupar-se como centro do universo, pois, como únicos, são seres
computantes não entendi o sentido para si. Essa estrutura egocêntrica autorreferente o
qualifica como sujeito e o difere dos outros seres.
Assim, são seres dotados de consciência, linguagem e cultura, indivíduos-sujeitos
computantes/cogitantes, capazes de fazer escolhas, tomar decisões, elaborar estratégias,
porém livres e, ao mesmo tempo, dependentes e criativos. Seres em evolução, capazes de
questionar e opinar, sem se deixar dominar.
Para Morin (1999), não há como se negar no sujeito, mediante suas ações ou suas
reações, a animalidade. Para esse autor, no entanto, é somente na comunicação amável que ele
encontra o sentido subjetivo da própria vida.
Assim, é de fundamental importância que, durante os processos de ensino e
aprendizagem, este sujeito aprendiz/aprendente se sinta à vontade para abrir-se ao diálogo e
fechar-se para se autorreorganizar em busca de sentido nos conhecimentos a serem
71
apreendidos. Tal processo se dá mediante convivência dialógica e relacional consigo e com o
outro, circunstanciado, ao mesmo tempo, pela abertura e pela clausura operacional, no intuito
de estimular o sujeito a ir a busca de seus próprios conhecimentos (MORAES, 2004c;
MORIN, 2004), pois é somente pelas relações intersubjetivas que os sujeitos são capazes de
dar sentido à própria vida.
No âmbito educacional, Moraes (2004c) caracteriza o educador como um sujeito que
está sempre aprendendo, que, ao se comprometer com o futuro no presente, está em constante
atualização. É um ser que já não tem mais certeza das coisas e aceita o indeterminismo, o
aleatório e o acaso como processos inerentes à vida, reconhecendo-os como presentes nos
ambientes de ensino e aprendizagem. Sujeito, ao mesmo tempo, educador-educando,
educando-educador, mais pesquisador que transmissor, que compreende a complexidade
implícita no ato educacional e na vida, que sabe respeitar o ritmo individual e coletivo dos
seus estudantes.
Moraes (2004c) diz que essa unidualidade existente na relação educador-educando e
educando-educador é atribuída ao fato de que ora o educador assume papel de educando, ora,
de educador, que se constitui mediante relações interdependentes e, ao mesmo tempo,
complementares ocorrentes entre ambos.
Assim, compreendemos o educador como aquele que, no decorrer de seu processo
educativo, também aprende e se transforma. Esse processo permite ao sujeito
aprendiz/aprendente se enriquecer a partir de sua capacidade de ação e reflexão, ao mesmo
tempo em que se desenvolve em parceria com outros seres.
Esse duplo movimento permite a reintrodução do sujeito/aprendiz como autor e
construtor do próprio processo de construção de conhecimento, ao mesmo tempo em que
também se compromete com a co-construção e o desenvolvimento intelectual do outro.
Assim, reafirmamos que, na relação educador e educando, “um não existe sem o outro, ambos
existem em relação” (MORAES, 2003, p.213) e que esta acontece sob a mediação do
educador.
Mediar significa estar entre dois pontos. Nesse sentido, tanto o educador como os
estudantes são elementos importantes na construção e na reconstrução da teia de significados,
em que a qualidade dos processos construtivos dependerá da manutenção dos fluxos
72
interativos, durante os diálogos co-estabelecidos, pois ambos assumem uma co-dependência,
à medida que ora assumem papéis de co-autores, ora de co-produtores (MORAES, 2003).
Sob a ótica da complexidade e da transdisciplinaridade, a mediação pedagógica,
segundo Moraes (2003), traduz-se em processo comunicacional, de co-construção de
significados produzidos a partir de práticas, relações e identidades. Objetiva criar condições
para abertura de caminhos, constituição de diálogos mais flexíveis, tolerantes e respeitosos,
entre educador-estudante e/ou estudante-estudante, mediante negociação entre os processos
didáticos e os conteúdos a serem trabalhados nos ambientes de aprendizagem. Toda mediação
deve incentivar a construção e a reconstrução de conhecimentos, por meio das relações
interativas entre os sujeitos em um processo permanente e co-evolutivo.
Em Moraes (2010), encontramos que educador que somente dá aula está em vias de
desaparecer. Ele será eterno e insubstituível, por sua vez, quando cuida, assume seu papel,
para que a aprendizagem dos alunos aconteça. Este, sim, deixará sua marca na vida dos
estudantes.
Desse modo, fica claro compreendermos que o papel do educador é estabelecer a
unidade didática entre o que é necessário ensinar e o que é importante e necessário que o
estudante aprenda, como assim ensina Libâneo (2009). Tudo isso ocorre a partir de uma
dinâmica coerente e congruente com as necessidades individuais dos discentes; portanto, é um
processo que exige planejamento flexível e dinamizador.
Planejar faz parte da natureza humana, pois diariamente planejamos, consciente ou
inconscientemente, nos enfrentamentos de situações emergentes que ocorrem cotidianamente
em nossa vida (GIL, 2009).
Assim, ações docentes também requerem planejamento. Sob o olhar do paradigma
complexo e transdisciplinar, o ato de planejar exige racionalidade, organização e
coordenação. Para tanto, o planejamento se constitui como elemento antecessor à vivência da
experiência didática. É ponto de partida que possibilita ao educador prever ações, direção,
objetivos, conteúdos, procedimentos didáticos de ensino e aprendizagem, avaliação, a fim de
que a rotina ocorrente nos ambientes de aprendizagem não se deixe levar por uma prática
pedagógica espontaneísta, como alerta Libâneo (2006). Planejar também requer conhecimento
da realidade, sondagem do contexto com o qual o educador irá trabalhar, antes mesmo de
serem previstas suas ações, isso tudo em negociação com os estudantes.
73
Do ponto de vista didático, Libâneo (2009) define planejamento como uma atividade
consciente, que envolve reflexão por parte do educador sobre as ações a serem desenvolvidas
ao longo do processo letivo e fundamentadas em princípios político-pedagógicos para o
alcance dos melhores resultados. É atividade consciente que exige flexibilidade em função das
emergências ocorrentes nos ambientes de ensino e aprendizagem.
Os processos de planejamento do ensino e da aprendizagem envolvem formulação dos
objetivos (para que ensinar?), organização dos conteúdos (o que ensinar?) e escolha de
métodos (como ensinar?), de modo a permitir o encontro entre os objetivos da disciplina com
os dos estudantes (GIL, 2009; LIBÂNEO, 1994).
Numa visão mais complexa, para Moraes (2008a), esse planejamento necessita ser
pensado como um roteiro, um guia sempre aberto à inserção de novos elementos que,
porventura, não foram inicialmente pensados. Representa um norteador de processos a serem
reconstruídos durante o próprio percurso dos processos de ensino e aprendizagem.
Moraes (2008a) ainda alerta que todo planejamento de ensino não deve jamais ser
visto como modelo rígido a ser seguido, mas como roteiro, caminhos possíveis e organizados
em determinada sequência lógica, mas que, ao mesmo tempo, estão sujeitos a bifurcações, a
partir de processos auto-eco-reorganizadores. Configura um planejamento que requer
coerência entre todos os elementos considerados nos processos de ensino e aprendizagem,
bem como congruente com a metodologia escolhida pelo educador.
O planejamento necessita, portanto, ser compreendido como roteiro aberto às
mudanças, visto que os processos de ensino e aprendizagem “estão sempre em movimento,
sempre sofrendo modificações face às condições reais” (LIBÂNEO, 1994, p. 223). Além
disso, é importante considerar que seu principal valor está no caráter pessoal de quem o
executa, quem o está pilotando, como ensinam Moraes & Valente (2008b).
Libâneo (1994) alerta sobre a importância de o educador registrar a própria prática
pedagógica, ou seja, os conhecimentos, bem como as experiências aprendidas durante o
desenvolvimento da própria ação educativa.
Essa postura possibilita ao educador oportunidade para refletir e avaliar
constantemente o próprio fazer pedagógico, no intuito de inová-lo, cotidianamente, mediante
os constantes diálogos estabelecidos entre o pensar e o agir no ato educativo possibilitando
74
uma prática em movimentos de construção, desconstrução e reconstrução. Ademais, a
reflexão sobre os constantes registros realizados pode funcionar como termômetro para
educadores sempre reverem sua docência.
No que se refere aos procedimentos avaliativos, compreendemos que estes funcionam
como instrumentos valiosos e importantes à prática docente, pois servem para o
acompanhamento processual do ensino e da aprendizagem, tanto dos educadores como dos
educandos. Nesse sentido, o registro reflexivo em sala de aula pode funcionar como um dos
procedimentos avaliativos a serem utilizados para mensurar os processos de construção do
conhecimento dos estudantes e servir como ferramenta para o professor redimensionar a
prática sempre que possível, tendo em vista possibilitar a ocorrência de processos de
aprendizagem com qualidade.
Para Moraes (2008a), os procedimentos avaliativos colaboram tanto para melhorar a
qualidade da aprendizagem, como permitir ao educador compreender dificuldades
encontradas durante o desenvolvimento do processo didático e identificar elementos que
podem facilitar esses processos. Tem como função formadora facilitar a ocorrência de
processos de auto-organização dos sujeitos aprendentes, bem como colaborar no
desenvolvimento das capacidades do sujeito para aprender a aprender.
Avaliar é fazer “uma leitura orientada de uma realidade que é complexa” (MORAES,
2008a, p. 234), que requer interpretação do ponto de vista subjetivo e das práticas
intersubjetivas sobre a construção de conhecimentos produzidos pelo sujeito que envolvem
outras dimensões a serem analisadas que vão além da razão.
Avaliar implica, portanto, reflexão sobre o nível de qualidade dos trabalhos
desenvolvidos durante os processos de ensino e aprendizagem, tanto pelo educador como
pelos educandos. Devem, então, ser estabelecidos em conjunto, por envolver uma
complexidade de fatores que não se resumem à simples realização de provas e atribuição de
notas (LIBÂNEO, 2009), como únicos procedimentos a serem considerados, como estratégias
de verificação da aprendizagem.
Dinâmica processual de natureza complexa e multidimensional, a avaliação também
está sujeita ao acaso, às flutuações e às bifurcações ocorrentes no processo, uma vez que não
se limita apenas a delineamentos lógicos e previsíveis. Por isso, precisa ser compreendida
75
como atividade relacional, interdependente, e estar coerente com os demais elementos
constitutivos do método didático escolhido (MORAES, 2008a).
Moraes (2008a) ainda observa que a avaliação faz parte de todo processo educacional
e que, ao mesmo tempo em que a engloba, também a restringe. Assim, é preciso compreender
a avaliação numa perspectiva mais abrangente, à medida que a relacionamos ao processo
educativo como um todo, pois dele é parte intrínseca. Ou seja, se as estratégias utilizadas pelo
educador durante os processos de ensino e aprendizagem forem diversificadas, os
procedimentos avaliativos precisam ser coerentes e congruentes com elas.
De acordo com Moraes (2008a), não há mais como aceitar uma proposta de prática
educativa inovadora, nutrida por procedimentos avaliativos tradicionais. Esse tipo de postura
não traduz a mudança teórico-epistemológica esperada dos processos de ensino e
aprendizagem a partir dos novos fundamentos da Ciência atual.
1.6.2 Objetos do conhecimento (os conteúdos)
Em relação aos objetos de conhecimento, numa perspectiva complexa e
transdisciplinar de ensino e aprendizagem, o conhecimento a ser construído vai além do
proposto no programa da disciplina, não se limita à preocupação de se “vencer” o conteúdo
programático por parte do sujeito/aprendiz, embora isso seja também importante (LIBÂNEO,
1994), mas almeja-se sobretudo processos construtivos de conhecimento com sentido,
capazes de permitir ao sujeito implicado em toda a dinâmica de estabelecer relações do
conteúdo apreendido com a própria vida.
Por isso, é importante que o conteúdo, ou seja, o conhecimento a ser apreendido seja
colocado a serviço dos estudantes, para que, ao se apropriarem dele, possam assimilá-lo e
transformá-lo em instrumentos teóricos e práticos para sua vida, tanto em nível pessoal como
profissional, como observado por Freire (2008).
Com base na teoria de Maturana e Varela (2001), a partir de uma visão complexa e
transdisciplinar de ensino e aprendizagem, esse conhecimento implica processo construtivo e
reconstrutivo, cujo protagonista é o sujeito/aprendiz, que constrói conhecimentos mediante
relações dinâmicas e contínuas consigo, com o outro e com o ambiente, durante o complexo
processo de viver e conhecer, em qualquer espaço educativo, seja este formal seja informal.
76
Para esse processo de construir conhecimento, ou seja, de “computar”, conforme
explica Edgar Morin (2007a), o sujeito precisa aprender as próprias formas que o levem a
construir conhecimento. No que diz respeito à educação, é fundamental o educador conhecer
o estudante e os seus processos de como apreende melhor o conhecimento, para que aquele
possa criar condições mais favoráveis à construção da aprendizagem por parte do educando,
garantindo melhor qualidade ao saber.
Em Morin (2007a), encontramos que conhecer implica captar a informação do meio,
para interpretá-la, organizá-la mediante questionamentos e reflexões, ao mesmo tempo em
que são integradas à vida, a fim de que haja sentido no conhecimento que se deseja ser
assimilado e conhecido.
Esse captar a informação vai além do processo reprodutivo e consiste em cada sujeito
ser capaz de validar, de modo particular, a própria informação, descrevendo-a, ao mesmo
tempo em que reflete sobre ela, em um processo circular que vai entrelaçando-se mediante o
movimento que se dá entre a informação captada pelo sujeito/aprendente e as suas
experiências de vida (MATURANA & VARELA, 2001; MORIN, 2007a).
Conforme Morin (2007a), durante o processo de captação de dados e informações do
meio, não necessariamente se está construindo conhecimento, mas, sim, captando informação.
Esse seria um dos subsídios dos processos de construção do conhecimento. A reflexão sobre
as informações, em diálogos com os conhecimentos já apreendidos, à medida que se vão
organizando, em associação com o próprio processo de vida do sujeito, gera, possivelmente,
conhecimentos imbricados com o processo de viver, portanto mais pertinentes, capazes de
levar os sujeitos a experimentarem outras dimensões para além do que é possível ver e
perceber, tendo em vista a apropriação do conhecimento transdisciplinar.
Tal conhecimento, para Moraes (2004a) e Morin (2007a), é capaz de promover
processos de transformação interior, transformação social e cultural, pois, a partir do
momento em que o indivíduo interpreta a realidade, ele a apreende e aprende. E esse
aprendizado lhe possibilita produzir algo novo no sentido de reconstrução de sua realidade.
Esse processo de construção e reconstrução para a apropriação desse conhecimento pertinente
permite ao indivíduo a passagem de um nível de realidade a outro, bem como de percepção,
fazendo-o sentir-se, dessa maneira, um sujeito mais ativo e participante da sociedade e,
77
sobretudo, preocupado com o compromisso para com a evolução da sociedade, atuando como
autor e conhecedor do próprio mundo.
É nesse sentido que concordamos com Maturana e Varela (2001) e Moraes (2003),
quando nos dizem que vida e conhecimento são indissociáveis no processo de aprender e
conhecer a realidade, pois juntos podem promover aprendizagens mais integradas e com mais
sentido. Também dizem que não podemos mais permitir que se separem as histórias de vida
das ações – biológicas e sociais – bem como dos conteúdos a serem disponibilizados aos
sujeitos/aprendizes, pois o ser e o fazer estão imbricados com o ambiente em que se vive. É a
partir dessa indissociabilidade que o sujeito constrói o mundo à própria imagem e semelhança
(MORAES, 2003).
Nesse sentido, concordamos com Libâneo (1994) ao dizer que os conteúdos devem ter
caráter relevante, em termos socioculturais, para se tornarem “vivos” na experiência social
concreta dos estudantes.
Por isso, é importante que o educador conheça o contexto com o qual irá trabalhar,
extraindo informações importantes sobre a vida do estudante, mediante diagnóstico inicial,
para que, ao apropriar-se desses conhecimentos, ele possa pensar em possibilidades que
permitam o confronto entre os conhecimentos informais trazidos pelo sujeito e os
conhecimentos formais previstos para a disciplina (LIBÂNEO, 1994). Conhecer o estudante
é de fundamental relevância para que o educador possa criar estratégias mais adequadas às
suas formas de aprender. Isso lhe permite apropriar-se de conhecimentos pertinentes e com
mais sentido para o próprio viver.
Estudos realizados por Moraes (2003) apontam que a aprendizagem é uma questão que
já vem sendo discutida há mais de 50 anos por diferentes autores. Mais recentemente, por
Maturana e Varela, com sua teoria da autopoiese, que explica o padrão de organização dos
sistemas vivos e como a aprendizagem humana acontece.
Ainda assim, urge que se retome, nos âmbitos educacionais, a discussão, pois,
segundo essa autora, cada vez mais a educação e a escola se distanciam da vida, tudo isso em
virtude do paradigma clássico descrito no capítulo anterior, que separa o mundo do sujeito do
mundo do objeto, a cognição da vida, a razão da emoção, o indivíduo do meio e tantas outras
coisas mais, e que, ainda hoje, faz-se presente na maioria das escolas, como o modo único de
se pensar e conhecer a realidade.
78
Na visão dos biólogos Maturana e Varela (1995 apud MORAES, 2003), a
aprendizagem vai além do captar algo externo, até porque o que se passa a um indivíduo
depende de sua estrutura, sua ação e sua atuação sobre o meio que o cerca.
Assim, apoiadas nessas ideias e nesses autores, compreendemos que a aprendizagem
nos contextos escolares deve ser compreendida como fenômeno de transformação na
convivência, a partir do acoplamento estrutural ocorrente entre os conhecimentos trazidos
pelo sujeito com os conhecimentos da disciplina. Isso tudo ocorre mediante processos
dialógicos intersubjetivos. Portanto, consiste numa aprendizagem resultante do acoplamento
estrutural, da congruência entre o operar do organismo e o seu meio, processo que se
estabelece no viver, mediante a participação do sujeito/aprendiz nas mais diferentes
experiências.
A possibilidade de se perceber o mundo para além das grades e dos enquadramentos
do olhar, compreendendo o outro em seu legítimo outro por meio de atitudes mais tolerantes e
sensíveis, como nos ensina Maturana e Varela, permite dizer que a aprendizagem lida com
outras maneiras de percepção do mundo além da razão e daquele pensamento simplificador,
considerado por Morin (2007a).
Nesse sentido, para que o processo de ensino não seja apenas momento para se encher
a cabeça do estudante com informações desnecessárias, é importante que o educador tenha
domínio sobre o programa da disciplina e saiba selecionar o conteúdo indispensável, o que
contribuirá para o desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo dos seus estudantes e a
promoção de processos auto-eco-reorganizadores que os levem a ascender a outros níveis de
conhecimento, mediante novos níveis de percepção.
A proposição de alternativas viáveis de situações de aprendizagem que motivem os
alunos a pesquisarem, experimentarem, ousarem cada vez mais, aliadas à constituição de um
ambiente saudável e prazeroso de aprendizagem, possibilita caminhos para processos
dinâmicos e cíclicos que envolvem a ressignificação das práticas pedagógicas. Assim, toda a
prática educativa é permeada, com rigor, tolerância e abertura, como proposto na Carta da
Transdisciplinaridade (NICOLESCU, 1999).
No que se refere ao desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem, a partir
de métodos congruentes com a metodologia estabelecida, concordamos com Assmann (2001),
ao observar que o mais importante são as experiências vividas pelos sujeitos, com sentido
79
para todos. Assim, melhorar a qualidade do ensino não basta. O fundamental é investir na
busca por melhorias na qualidade das experiências de aprendizagem, ressignificando-as, como
sugerem Candau (2008, 2009) e Moraes (2008a).
1.6.3 Ambiente (espaço)
Em relação à organização dos ambientes para processos de ensino e aprendizagem,
seja presencial seja virtual, em uma concepção complexa e transdisciplinar de educação, é
importante que esses espaços sejam pensados e repensados, como sistemas abertos, para os
estudantes expressarem com liberdade emoções, sentimentos e pensamentos (MORAES,
2008).
Para o estabelecimento desse encontro, a construção desses ambientes de
aprendizagem precisa ser permeada por encanto, poder e magia, fascinação e inventividade.
Lugar onde haja entusiasmo e alegria, a fim de que os processos de aprender aconteçam a
partir da integração de todos os sentidos. Um encontro de sinergia, pois, segundo Moraes
(2003), o processo de conhecer é autopoiético e envolve a totalidade humana, toda a
corporeidade e, portanto, indissociável da vida.
Para Assmann (2001) e Moraes (2004), todo processo de construção do conhecimento
envolve uma inscrição corporal, constituído por um corpo dinâmico em estado de constante
aprendizado e movimento. Assim, permitir que a aprendizagem venha acompanhada de prazer
e alegria não é, de modo algum, consoante esses autores, aspecto secundário.
Além disso, Moraes (2003, 2008) ainda sugere que esses espaços sejam permeados por
desafios, músicas, projetos de aprendizagem ou situações-problema, como outras linguagens
possíveis de ser trabalhadas, criando-se, desse modo, contextos mais dinâmicos e flexíveis a
fim de que os estudantes possam viver experiências ótimas, de fluxo. Isso pressupõe
caminhos e possibilidades para a construção de conhecimentos integrados com sentido.
Assim, esperamos que esses ambientes de aprendizagem sejam espaços cooperativos,
solidários e abertos, pois tudo isso pode conspirar em favor da inteireza humana e garantir ao
educando um aprender contínuo e com mais qualidade de vida.
Nesse sentido, Moraes (2008) concorda com Candau (2009) quando esta comenta
sobre a importância de se construírem espaços educacionais como ecossistemas, pois
80
favorecem conhecimentos mais integrados e integradores, bem como possibilidades para o
convívio em seus mais diferentes aspectos.
Portanto, os processos de ensino e aprendizagem a serem desenvolvidos necessitam se
constituir em processos que possam contribuir para o desenvolvimento de uma “cabeça bem
feita”, como deseja Morin (2008). Por isso, é fundamental que o educador saiba escolher, com
segurança, os conteúdos a serem disponibilizados, pois estes permitem ao sujeito ir ao
encontro dos próprios conhecimentos, dando-lhe mais sentido tanto para a sua vida pessoal,
como profissional.
Desse modo, é importante que o tempo para a aprendizagem também seja previsto
pelo educador na prática de seu dia a dia, visando garantir a assimilação dos conteúdos pelos
estudantes e, dentro desse mesmo espaço-tempo, possa favorecer as transformações
esperadas.
Atrelado a isso, é importante que o professor exercite uma escuta sensível, ficando
atento aos diversos níveis de realidade presentes nos ambientes de aprendizagem e ao que
emerge entre eles, pois isso possibilita ao educador redimensionar práticas, corrigir rotas,
promover estratégias, agregando novos obstáculos a serem superados pelos estudantes, de
modo a favorecer novos encontros, novos desafios.
Barbier, citado por Moraes (2003), diz- nos que uma escuta sensível possibilita ao
educador redimensionar rotas, tendo em vista atender aos interesses de seus alunos, pois cada
um que compõe o todo do ambiente pois cada um se encontra em diferentes movimentos de
aprendizado, bem como possui interesses diversificados.
Segundo Freire (2008), um professor atento é um profissional desperto, que não só
aprende por meio de livros, mas durante a própria ação educativa, fazendo leituras dos
olhares, do movimento do corpo, buscando avaliar constantemente o processo de construção
do conhecimento por parte dos sujeitos envolvidos, com vistas a voltar, rever, pensar novas
alternativas. Portanto, uma teoria, que se coloca em prática a todo tempo, à medida que o
educador a teoriza na própria ação educativa, é inovada e renovada. Desse modo, é uma
prática em constante movimento de criação e recriação de teorias.
81
Tudo isso visa garantir a reintegração do sujeito/aprendiz ao próprio processo de
construção de sua história em relação ao conhecimento. Exige uma leitura sensível por parte
do educador que ocorre ao mesmo tempo no exercício de sua docência.
1.7 DIMENSÃO PRÁTICA DA NOVA DIDÁTICA
1.7.1 Estratégias didáticas transdisciplinares
Para Torre (2002), estratégias docentes são processos que podem facilitar a ação
formativa, a capacitação, a reflexão crítica, o ensino criativo, a interrogação didática, o
debate, a discussão dirigida, bem como a aprendizagem compartilhada, a metacognição, a
utilização didática do erro, e outras. Essas estratégias de ensino delineiam os processos de
ensino e aprendizagem.
É importante lembrar, porém, que, dependendo das situações propostas em diferentes
contextos, elas poderão mudar, pois as estratégias atuam em conformidade com as finalidades
a que servirão. Assim, Torre (2002, 93) diz que estratégia “é a organização seqüenciada da
ação”. Essa organização pressupõe atividade consciente, intencional e planejada, em uma
sequência de situações de aprendizagem a serem seguidas, em busca da eficácia ou do bom
resultado da ação.
Para complementar a ideia de Torre (2002), Morin (2007a) informa que ação implica
decisão, escolha e desafio. E, diante de desafios, há a consciência do risco assumido e das
incertezas inerentes. Portanto, para esse autor, ação é estratégia.
Morin (2007a) define estratégia não como um programa predeterminado, pronto para
ser aplicado, mas como uma tomada de decisão inicial em que são previstas várias
possibilidades de cenário para a ação, até porque algo já programado impede inovação. Ao
contrário, permite construções e reconstruções de novas rotas, anteriormente não imaginadas,
o que pressupõe sempre novos movimentos no próprio curso da ação. A estratégia
funcionaria, nesse sentido, como aquilo que possibilita o movimento.
82
Para esse autor, ações, inicialmente pensadas, podem sofrer modificações conforme
seu desenvolvimento, em que informações e acasos entram em jogo provocando perturbações.
Trabalhar a partir do não programado, do surgido no momento da ação, implica trabalhar com
um pensamento mais elaborado, nutrido pelos operadores cognitivos, para que, perante o
novo, o inusitado, o inesperado, o sujeito seja capaz de responder às exigências surgidas,
movido por um pensamento complexo capaz de ajudá-lo a transcender de um nível de
conhecimento a outro.
O pensamento complexo ensina que não há como se programar a descoberta, o
conhecimento, a ação, até porque estratégias programadas se impõem desde que sobrevenha o
inesperado, ou até que apareça o “problema importante” (MORIN, 2007a).
Nos espaços concebidos para processos de ensino e aprendizagem em contextos
educativos, tanto no modo presencial como no digital, as presenças do acaso, do aleatório, do
inesperado também surgem, a partir do momento em que se colocam em evidências as ações,
porque estas propiciam ao sujeito aproveitar-se ou não do ocorrido (MORIN, 2007a),
utilizando-as ou não como possibilidades de transformação. Isso exige, por parte do educador,
maior grau de consciência e constantes reflexões sobre esses processos que envolvem olhares
mais complexos e transdisciplinares. Eliminá-los, possivelmente, seria desperdiçar chances de
se obterem avanços significativos em relação ao conhecimento, de superação de um nível de
conhecimento em direção a outro, deixando-se até mesmo de experimentar a possibilidade de
transcendência, como propõe D‟Ambrósio (2009).
É importante que os educadores saibam lidar com a complexidade surgida durante o
desenvolvimento de processos construtivos de conhecimentos, para ajudar os estudantes a
trabalhar esses conflitos, essas tensões, em benefício individual e coletivo. Isso requer o
reconhecimento da importância de se aproveitarem as emergências surgidas, pois estas muito
podem contribuir para que o sujeito/aprendiz possa transcender de um nível de percepção a
outro.
Para Moraes (2008), as estratégias didáticas funcionam como pontos de convergência
para os quais pensamentos, olhares e falas são atraídos, criando-se campos energéticos
favoráveis à construção de ambientes de aprendizagem, como anteriormente apresentados.
Quanto mais estratégias forem criadas para ativação dos processos cognitivos, emocionais,
intuitivos, imaginativos, espirituais, mais haverá possibilidades para uma aprendizagem
83
significativa, integrada e em processo evolutivo. Quanto mais ambientes de aprendizagem
saudáveis forem criados, mais existirão possibilidades para a ocorrência de transformações. E
quanto mais forem ativados processos neurocerebrais, mais possibilidades de o educando
construir conhecimentos com mais sentido para sua vida.
A expressão corporal, plástica, gráfica e musical, juntamente com a palavra, são
caminhos considerados por Moraes & Torre (2004), que podem levar os educadores à
construção de uma prática docente significativa, a partir de uma visão complexa e
transdisciplinar.
Essa visão possivelmente é capaz de transformar os espaços educativos em campos
energéticos e vibracionais, em oficinas de aprendizagem emocionalmente saudáveis para a
construção de conhecimentos pertinentes. Assim, quanto mais estratégias forem criadas, mais
possibilidades os estudantes terão de construírem conhecimentos com sentido e se
envolverem mais ativamente nos processos de ensino e aprendizagem.
As estratégias utilizadas no projeto “sentipensar”, desenvolvido por Moraes & Torre
(2004), tem como um de seus propósitos levar os educandos a perceberem que a
aprendizagem engloba outras dimensões, além da cognitiva. As estratégias propostas pelo
“sentipensar” permitem sejam ativados processos para o desenvolvimento do pensamento e
do raciocínio, tomando por base as emoções e os sentimentos presentes na corporeidade
humana. Afirmam esses autores que a vivência de tais processos favorece o fortalecimento
dos vínculos entre educadores e educandos, além de propiciar o desenvolvimento de
aprendizagens significativas por parte dos sujeitos/aprendizes.
Em tal contexto, Moraes (2008) diz que educar para sentipensar “é educar para
restabelecer a aliança perdida entre pensamento, sentimento e ação[...]” (MORAES, 2008, p.
169).
É importante que o educador, ao optar por estratégias metodológicas
transdisciplinares, tenha conhecimentos suficientes para potencializá-las, ressignificando-as,
mediante o olhar dos operadores cognitivos sugeridos por Morin (2008) e Moraes (2007).
Ao fazer uso desses princípios, novos olhares sobre processos de ensinar e aprender
poderão emergir, possibilitando, assim, melhores resultados no que diz respeito à
aprendizagem e ao desenvolvimento do sujeito como um todo.
84
Portanto, como educadores comprometidos com o processo de aprendizagem dos
educandos, precisamos estar em permanente processo de criação e recriação de circunstâncias
conforme cada contexto, pois Moraes (2004, p. 267) adverte que “por mais que nos
preocupemos em criar circunstâncias semelhantes às já vividas, não existe nenhuma garantia
de que os processos de aprendizagem se repitam ou se multipliquem”. Afirma ainda a autora
que “as circunstâncias presentes em cada momento de aprendizagem são sempre únicas e
peculiares [...]” (Moraes, 2004, p. 290).
Segundo Libâneo (1994), é de fundamental importância que haja reciprocidade entre a
atividade do educador (o ensino) e a de estudo dos educandos (a aprendizagem), no que se
refere aos conteúdos, por meio de processos dinâmicos e indissociáveis a serem
desenvolvidos no espaço-tempo destinado à produção do conhecimento na relação entre os
sujeitos.
Nesse sentido, estratégias didático-transdisciplinares oferecem novas possibilidades de
caminhos a serem experimentados por educadores e educandos, como propostas de
aprendizagem que podem dar mais sentido aos conhecimentos buscados pelos
sujeitos/aprendizes nos mais variados contextos educativos.
As estratégias apresentadas devem integrar-se umas às outras, sinergicamente falando,
pois entre uma e outra há interdependência, sendo, portanto, complementares entre si. É
importante, porém, que seja considerado o contexto no qual irão se inserir.
Desse modo, apresentamos, logo adiante, algumas sugestões de estratégias
transdisciplinares que podem ativar processos de construção de conhecimento. Elas não se
traduzem, contudo, em receitas prontas, tampouco devem ser colocadas em prática de maneira
isolada como aqui as apresentamos. A opção por essa escolha foi para melhor compreendê-las
e perceber o que elas têm suscitado nos ambientes de ensino e aprendizagem.
Ressaltamos que essas estratégias dependem umas das outras, bem como de todos os
elementos estruturantes propostos para uma didática complexa e transdisciplinar, no intuito de
facilitar os processos de aprendizagem dos sujeitos envolvidos na dinâmica de ensino e
aprendizagem.
Todas foram selecionadas com base em estudos e experiências vividas por docentes
pesquisadores da Universidade de Barcelona, da Universidade Católica de Brasília, da
85
Universidade Católica do Paraná, da Universidade Católica do Rio de Janeiro que, há
décadas, investigam essa área. Tais pesquisadores constataram que estratégias
transdisciplinares são alguns caminhos possíveis que muito podem contribuir para
transformações estruturais nos indivíduos, para processos de auto-organização, de
desvelamento de talentos, atitudes, crenças e valores.
Em harmonia com os pressupostos teóricos da complexidade e da transdisciplinaridade
que as fundamentam, não há aqui a intenção de propormos modelos a serem seguidos, ou
receitas prontas, mas apresentar algumas possibilidades de caminhos didáticos
transdisciplinares que possam favorecer o construir e o reconstruir dos processos educacionais
vividos, ressignificando-os, à medida que pesquisadores aceitem o desafio de aventurar-se por
caminhos desconhecidos. São faróis que podem iluminar novas possibilidades de rotas a
serem construídas ou ressignificadas, a partir do sentido que a elas for dado.
As estratégias propostas devem ser trabalhadas em sinergia e escolhidas consoante os
objetivos propostos, levando em consideração os mais diferentes contextos, para que possam
favorecer a aprendizagem integrada.
Conforme Moraes e Torre (2004b), ao serem trabalhadas em sinergia, elas estimulam
os diferentes sentidos, explorando outras dimensões além da cognitiva, pois englobam
imaginação, intuição e colaboração, permitindo aos sujeitos experimentarem vivências
intelectual e emocionalmente saudáveis.
1.7.1.1 Aprendizagem por projetos
O trabalho por projetos leva educadores e educandos a trilharem caminhos nunca antes
pensados, pois, a cada ponto de bifurcação, novas aventuras iniciam.
Projetos, como estratégias didáticas, sugerem planejamentos mais flexíveis, pois,
como afirma Perrenoud (1999, p. 64) “os projetos invadem outras partes do currículo e
exigem do professor uma grande flexibilidade”.
Aprendizagem por projetos, para Moraes (2003), inicia-se a partir da formulação de
questões pelo próprio autor, que nessa dinâmica atua como o principal responsável pelo
próprio processo de construção do conhecimento. Questões-problema e desafios implícitos
86
remetem os estudantes a quererem pesquisar para solucionar o problema, mediante o
esclarecimento de dúvidas temporárias e confirmação ou não de suas certezas provisórias.
Tudo é movido pela curiosidade, pela motivação intrínseca, que, de certa forma, impulsiona o
sujeito a avançar cada vez mais em busca do próprio conhecimento.
No trabalho por projetos ou por problemas, é possível saber quando a atividade
começa, mas raramente se sabe quando e como acabará, pois essa situação didática traz
consigo um dinamismo que lhe é próprio (PERRENOUD, 1999).
Behrens (2008) destaca que a metodologia de aprendizagem por projetos contempla o
paradigma da complexidade, e seus procedimentos têm trazido benefícios relevantes para o
trabalho docente. O trabalho por projetos integradores (API) desenvolvido na Universidade de
Barcelona desde 2001, em uma disciplina dirigida a estudantes de Pedagogia, tem levado os
estudantes a momentos de reflexão e vivências pessoais importantes e significativas.
Ao incorporar novos parâmetros no ensino e vivenciar processos integrados de
aprendizagem em um contexto de complexidade, estudantes da Faculdade de Pedagogia da
Universidade de Barcelona viveram uma experiência inovadora nas formas de mediação do
educador e na aprendizagem do educando, consoante relato de S. de La Torre (2008). Este
autor informa que, à medida que estudantes fazem parte de um contexto de relações
complexas, incertas, gratificantes e motivadoras, os momentos de aprendizagem convertem-se
em aventuras, o que favorece a integração do aprendiz com o mundo educativo e o
acadêmico. Acrescenta o fato de que, nessa jornada, o caminho e o erro são vistos como
meios de aprendizagem viva, complexa e incerta, e assumem valor agregado ao trabalho por
projetos integradores.
Apesar de ser uma estratégia ainda pouco utilizada no Ensino Superior, o trabalho por
projetos tem sido considerado por Torre (2008) como um dos caminhos possíveis que pode
facilitar a docência universitária.
Concordamos com Moraes (2003), ao dizer que uma metodologia de aprendizagem
voltada a projetos ou resolução de problemas, ao ser bem desenvolvida, favorece momentos
prazerosos de desfrute de aprendizagem pelos estudantes, sem que sejam necessárias
imposições verticais, haja vista que atitudes como estas não condizem com os pressupostos
teóricos baseados em uma visão complexa e transdisciplinar.
87
1.7.1.2 Contratos didáticos
Uma experiência realizada por Behrens (2008) e colaboradores, na Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, para investigar a necessidade de ajudar educadores na
mudança metodológica da prática docente e buscar superação das críticas quanto à sua
maneira de atuar em sala de aula no ensino universitário, apresentou os contratos didáticos
como sendo um dos possíveis caminhos metodológicos a ser trilhado pelo educador, para
auxiliar o aprendiz no próprio processo de aprender a aprender. É uma opção relevante na
organização da ação docente.
Chamado de contrato didático ou plano de trabalho, ou ainda plano de organização
didática, o contrato didático é uma estratégia proposta por Phillipe Perrenoud (1999), para
melhor organização da ação docente, em negociação com os discentes. “Trata-se de proposta
a ser discutida, explorada e realimentada durante o processo de aprendizagem” (BEHRENS,
2008, p. 76).
Com base nessa estratégia, o educador, em parceria com os estudantes, traça os
caminhos a serem percorridos durante todos os processos de ensino e aprendizagem,
adequando-se ao tempo disponível, à realidade com a qual irá trabalhar, fazendo escolhas
pelos melhores recursos a serem utilizados, a fim de garantir o envolvimento contínuo dos
aprendizes no processo de aprender a aprender.
O contrato didático para a construção das atividades propostas é construído e discutido
entre o mediador e o estudante, momento em que ambos chegam a consenso sobre os
seguintes tópicos: a temática que envolve conhecimentos e conteúdos; a problematização; as
competências a serem desenvolvidas; a contextualização; a metodologia proposta, incluindo
pesquisa, produção individual e coletiva; a produção final e a avaliação dos projetos
desenvolvidos (BEHRENS, 2008).
O objetivo do contrato didático, de acordo com Behrens (2008, p. 76), “não é gerar
posições irredutíveis que venham criar impasses em nível jurídico, mas, ao contrário, deve ser
o caminho para propiciar negociações, frente ao planejamento proposto em relação às
atividades didáticas a serem desenvolvidas junto com os alunos”.
88
O contrato didático necessita ser muito bem entendido por educadores e educandos
como guia, norteador de processos, com características flexíveis, para possibilitar ao
educador, frente ao acaso, ao inusitado, possíveis redirecionamentos, caso necessário. Por
isso, é importante que o contrato didático seja construído em cooperação e compreendido
como algo sempre aberto a novas negociações. Isso evita transformar o contrato didático em
uma gaiola, em instrumento fechado. É preciso, porém, rigor em seu desenvolvimento,
garantindo o mínimo do acordado no contrato. Diante do proposto e do contexto trabalhado,
espera-se melhor desempenho de todos os sujeitos envolvidos na dinâmica, a fim de que os
objetivos do curso sejam alcançados.
Para Behrens (2008), é importante incluir no contrato didático o sistema avaliativo
gradual e contínuo, com critérios claros e bem definidos, podendo ser por meio de portfólio
ou outros procedimentos avaliativos. É relevante inserir indicações de materiais a serem
consultados durante a investigação, com sugestões de bibliografias e linkografias, descrição
dos encontros, inclusive temas a serem discutidos e debatidos, além da indicação de leituras e
atividades em sala de aula e fora dela.
O contrato didático exige mais coerência e continuidade de uma aula para outra, de um
esforço constante de explicitação e de ajuste às propostas de ações (PERRENOUD, 1999, p.
65; BEHRENS, 2008, p. 77).
A experiência vivenciada na elaboração de contratos didáticos com os docentes da
Educação Superior ofertados no Mestrado em Educação, da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUC/PR), por mais de dez anos, permitiu inferir que a vivência desse
procedimento leva os alunos a se dedicarem mais aos trabalhos, apresentando nível maior de
interesse na aprendizagem (Behrens, 2008).
Pela implementação dessa proposta, Behrens (2008) ressalta que o mais importante
durante todo o processo de construção do conhecimento, por meio do contrato didático, é a
aprendizagem do estudante e não a simples atribuição de notas. Assim, fica claro que a
preocupação com o processo de construção e aprendizagem do educando constitui o ápice
dessa estratégia didática.
89
1.7.1.3 Histórias de vida
Para Pineau (2002, apud Fazenda, 2008), “as histórias de vida definem-se como
pesquisa e construção de sentido, ampliando não apenas o espaço da grafia, mas o da palavra,
da comunicação oral, da vida”. Na sociedade contemporânea, essa prática se amplia por meio
da fotografia, do teatro, do rádio, do vídeo, do cinema, da televisão e da Internet e tem levado
estudantes a nova forma de conhecimento - a do conhecimento vivenciado.
Nesse contexto, Moraes (2003) é categórica em dizer que a história de vida do sujeito
e as suas experiências acumuladas durante o viver necessitam ser consideradas durante todo o
seu processo de construção do conhecimento e, sobretudo, respeitadas em quaisquer espaços
destinados ao aprender, pois, para essa autora, cada ser carrega consigo o próprio mundo em
que vive e em que deseja viver e as experiências vividas são sempre únicas e intransferíveis.
Integrar, desse modo, a história de vida do sujeito aprendiz, os seus conhecimentos
prévios com os saberes construídos em espaços formais educativos é um desafio desde a
década de 80, época em que essa prática eclodiu nos mais diferentes contextos educativos de
formação. A estratégia, ao ser aplicada nos contextos educativos, pode diminuir a fenda que
distancia a educação da própria vida, possibilitando processos construtivos de conhecimento
mais integrados e transdisciplinares, que privilegiam a reflexão, a criatividade e a autonomia
dos sujeitos aprendizes/aprendentes. Assim, Moraes (2003) sugere as histórias de vida como
importante estratégia metodológica em cursos de formação.
Pineau (2006) propõe, com base em sua Teoria Tripolar de Formação, que haja uma
articulação entre ecoformação, que consiste na formação do ser humano na sua relação com o
mundo, e formação com os outros (hetero-formação) e consigo (autoformação) e também com
os conhecimentos formais e não formais.
A utilização da estratégia sob o olhar dessa teoria permite aos sujeitos, segundo Pineau
(2006), tomarem a própria direção de sua vida, assumirem-se. Ao escrever suas histórias de
vida, os sujeitos buscam o real sentido disso. Desse modo, constroem saberes com
protagonismo na medida em que há o encontro do sujeito com seu objeto de conhecimento.
90
Assim, Pineau (2006, p. 337) observa que “a vida que busca entrar na história não é
mais somente a dos notáveis, mas a de todos aqueles que, querendo tomar sua vida na mão, se
lançam nesse exercício [...].”
1.7.1.4 Metáfora
Conforme Moraes & Torre (2004, p. 93), a metáfora “é uma das mais poderosas
ferramentas do conhecimento” que possibilita ao sujeito/aprendiz abrir-se ao diálogo e à
criação, bem como inserir-se nos mais diferentes contextos. O termo é de origem grega e
significa transposição, translação. Seu uso consiste em substituir alguma coisa por outra, por
comparação (MARTINS & PICOSQUE & GUERRA, et al, 1998).
Como estratégia de ensino, proporciona entre os sujeitos trocas diversas de
experiências e os ajuda a se desenvolverem em outros níveis de percepção e de realidade
conhecimentos. Por fazer uso de linguagem metafórica que não somente envolve criatividade
como também conhecimento científico, esse “atrator didático” apresenta a vantagem de ser
estimulante, motivador e eficiente, pois permite aos sujeitos/aprendizes dialogarem,
expressando-se livremente a partir do que já sabem e do que já viveram (MORAES, 2004),
contribuindo, assim, com múltiplas possibilidades de olhares e conceitos sobre o mesmo
objeto de conhecimento. Acerca do valor mental dessa estratégia didática, Moraes &Torre
(2004) citam o pensamento de Aristóteles ao dizer que o domínio da metáfora é a marca do
gênio.
Na educação, segundo Vasquez (2009), seu uso começou no final dos anos setenta e
no início dos anos oitenta. Em artigo intitulado “Las metáforas: Objeto e instrumento de
estudio. Aportaciones a la investigación educativa”, a autora apresenta o potencial da
metáfora no ensino, sob duas vertentes - como objeto de estudo e como instrumento de
análise. Nesse sentido, a metáfora apresenta implicações epistemológicas voltadas à
compreensão da realidade educacional e possibilidades de conhecer como os sujeitos
elaboram os próprios processos de conhecimento e como pensam e compreendem a realidade
como um todo.
Em estudos realizados por Fazenda (2008), há mais de trinta anos, em cursos
desenvolvidos para professores dos ensinos Fundamental, Médio e Superior, essa autora
91
informa que, para a formação do professor pesquisador, o trabalho com relatos de histórias de
vida possibilita-lhe encontrar-se com sua metáfora interior, ou seja, com a marca que o
identifica. É um encontro com o próprio eu que o obriga a perceber, em totalidade, a
importância de seu papel, como professor pesquisador, no mundo, bem como reconhecer a
importância do papel dos outros com os quais interage. Em aproximação com os estudos de
Gauthier, Fazenda (2008) confirma a importância da metáfora como referência tanto para o
sujeito pesquisador como para o grupo que a compartilha.
A utilização dessa estratégia em ambientes de aprendizagem pode favorecer o
desenvolvimento do pensamento imagético, bem como ser fonte rica de estímulos em relação
aos dois hemisférios do cérebro. O reconhecimento de seu valor imagético representativo,
como instrumento de pensamento, permite aberturas que podem aproximar o conteúdo
curricular do mundo real, segundo Moraes & Torre (2004).
1.7.1.5 Aprendizagem pela pesquisa
Para Demo, a pesquisa é um modo de educar e não construção técnica de
conhecimento. Ao assim compreendê-la, esse autor é categórico em dizer que não podemos
aceitar uma educação puramente instrucionista, em que o professor fala e o aluno escuta, para
linearmente reproduzir o “ensinado” (DEMO, 2009). Os processos de ensino e aprendizagem
necessitam ser permeados por momentos questionadores, com propostas que levem o
indivíduo a saber pensar.
Demo (2009) defende a pesquisa em quaisquer níveis de ensino, como princípio de
todo o trajeto educativo, desde que tenha em seu bojo o cultivo do saber pensar. Baseado
nesse modo de pensar a pesquisa, esse autor defende que sejam inseridas, nas propostas
educativas, situações de aprendizagem capazes de desenvolver a autonomia do indivíduo
mediante o desenvolvimento de sua consciência crítica, incrementando sua capacidade de
atuar e fazer as próprias propostas.
Demo (2009) argumenta que, a partir do momento em que se investe no saber pensar,
logo se tem o saber intervir. Essa perspectiva aproxima a dimensão teórica da prática. O
grande desafio, então, consiste em conferir sentido real à aprendizagem de qualidade. Os
92
estudantes precisam aprender superando níveis de informação, construindo uma
aprendizagem pela pesquisa e pela elaboração própria.
Pedro Demo (2009) informa que, ainda que a escola tenha de cuidar da aprendizagem
do aluno, dar aula não é despejar o conhecimento no estudante. Isso é muito fácil. O difícil e
desafiador é fazer o aluno aprender. Aí reside a grande arte do educador. Seu papel consiste
em levar seu aluno a gostar de aprender, sentir-se seduzido, ter vontade de pesquisar, de
reconstruir ao invés de simplesmente copiar, reproduzir, levando-o a sentir o gosto de
produzir algo de sua autoria, de pensar sobre o próprio pensar, de deixar sua marca para as
futuras gerações. O papel do educador é motivar os alunos para a elaboração própria, buscar a
informação, ter iniciativa. O desafio da educação é levar o aluno a apropriar-se do
conhecimento e aprender coisas novas, reconstruir e buscar a informação sempre que
necessário.
Conforme Demo, é preciso ensinar os estudantes a pensarem além do texto, inserindo-
se nos contextos educativos situações de aprendizagem que trabalhem o texto, a imagem, a
música, enfim, diferentes linguagens que possam ajudar o estudante a aprender utilizando as
próprias formas de conhecer, para que, mais dispostos e motivados, possam agir em busca do
próprio conhecimento.
O educador, por sua vez, deve assumir seu papel principal, o de formar pensadores
para compreender a realidade, ajudando os alunos a retirarem as vendas que os impedem de
ver além do que é possível ver, para enxergar nova luz, traçar novos caminhos que lhes
possibilitem construir com esperança um mundo novo, para que possam enfrentar os
inúmeros desafios presentes. E essa atitude também pode ser conseguida por intermédio da
aprendizagem pela pesquisa.
1.7.1.6 Diálogos/perguntas mediadoras
“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-
reflexão” (FREIRE, 2005, p. 90). Compreendemos a prática do diálogo como caminho
possível, capaz de permitir ao sujeito assumir-se como autor e construtor, na com-vivência
com os outros sujeitos.
93
É um processo mediante o qual o sujeito se comunica pela linguagem, porque tem algo
a dizer, porque se sente sujeito e não objeto nessa relação.
Como diria Freire (2005), é um ato, sobretudo, de coragem, um ato criativo e de
libertação. Ao mesmo tempo, acrescenta Moraes citando Freire, nutrido pelo amor, pelo
respeito, pela humildade, pela confiança, pela esperança e pela fé (MORAES, 2008a).
Em ambientes educativos, o diálogo integrado com perguntas mediadoras (MORAES,
2008) permite que a interlocução entre os sujeitos/aprendizes aconteça sob o teor da teoria
com a prática. Isso possibilita o encontro entre esses saberes e o reconhecimento e a
valorização da diversidade de opiniões, das multirreferencialidades e dos múltiplos olhares
sobre o mesmo objeto de conhecimento. Até porque, segundo Vieira (2008, p. 56), o diálogo
só existe na diferença do pensar construído, do logos, e partilhado no respeito, na escuta, no
acolhimento.
O diálogo, para David Bohm, citado por Moraes (2004), sugere a “existência de uma
corrente de significados que flui entre, dentre e através dos implicados” (SANTOS &
SOMERMMAN, 2009, p. 117). Para Moraes (2008a, p. 159), a construção desse tipo de
ambiente de aprendizagem “pressupõe abertura, aceitação do outro como interlocutor,
capacidade de apreender o outro em seu legítimo outro e a existência de processos de co-
transformação, a partir das interações que ocorrem”, nas quais é preciso também humildade
para construir, desconstruir e reconstruir conhecimentos, a partir da apreensão do sentido
sobre o que se está aprendendo, em um meio contextualizado. Processo que se solidariza,
humaniza o outro, abrindo-lhe novas possibilidades para a construção de um conhecimento
mais pertinente, contextualizado, interconectado com a própria vida, como Morin (2004)
sugere para a educação do presente.
1.7.1.7 Aprendizagem por problemas ou situação-problema
“No campo dos aprendizados gerais, um estudante será levado a construir
competências de alto nível somente confrontando-se, regular e intensamente, com problemas
numerosos, complexos e realistas, que mobilizem diversos tipos de recursos cognitivos”,
consoante Perrenoud (1999, p.57).
94
Para este autor (1999), aprendizagem por problemas são situações intencionalmente
criadas pelos educadores, para colocar os estudantes em situação de identificar e resolver
problemas. Esse tipo de estratégia permite “encorajar uma progressão na assimilação dos
conhecimentos e na construção das competências”, segundo Tardif (1999, apud
PERRENOUD, 1999).
Uma situação-problema não pode ser compreendida como qualquer situação, pois tal
estratégia didática coloca o aprendiz diante de uma série de decisões a serem tomadas para o
alcance de um objetivo escolhido por ele mesmo ou traçado pelo educador (PERRENOUD,
1999).
Entre as dez características apresentadas por Astolfi, (1993 apud PERRENOUD,
1999), o autor destaca apenas duas: a situação-problema (organiza-se em torno da superação
de um obstáculo previamente identificado pela classe) e a a situação didática (na qual se deve
oferecer resistência suficiente, levando o aprendiz a buscar seus conhecimentos prévios, suas
representações, de maneira a levá-lo a questionamentos e elaboração de novas ideias).
O mais importante na implementação desse tipo de estratégia diz respeito ao
obstáculo, que, para Perrenoud (1999), diferencia-se de dificuldade. Obstáculo compreendido
como convicção errônea, fortemente estruturada na mente do estudante, que age como
bloqueio ao aprendizado. Dificuldade entendida como a falta de conhecimento ou de técnica
não-estruturada, a priori, como verdade. Segundo Étienne e Lorouge (1997 apud
PERRENOUD, 1999), o processamento de um obstáculo necessita, geralmente, da criação de
uma situação-problema.
1.7.1.8 Sentipensar: estratégia transdisciplinar para uma escuta sensível
O sentipensar, segundo Moraes & Torre (2008a), é neologismo que implica processos
mediante os quais sentimento, pensamento, emoção e razão trabalham juntos, com vistas ao
resgate do elemento significativo e implicativo para o processo de aprendizagem do sujeito, a
dimensão emocional. “Falar do sentipensar é falar de processos, de relações, de interações
entre o mundo interior subjetivo e exterior objetivo” (MORAES & TORRE, 2008a, p.164).
São dinâmicas que permitem ao sujeito/aprendiz entrar em contato com as próprias
emoções, sentimentos e verdades interiores. Estratégias para o sentipensar levam o sujeito a
95
perceber o quanto ações e reflexões são nutridas pelas correntes de energia que circulam em
todo o corpo, ativadas por emoções ou sentimentos escondidos (MORAES, 2008).
Segundo Moraes (2008a, p.171), essa estratégia “parte de situações concretas,
contextualizadas, cotidianas e enriquecedoras do nosso dia a dia”. A depender das
circunstâncias criadas, os ambientes de aprendizagem emanam uma energia vibracional que
facilita, ou não, o acoplamento estrutural do aprendiz.
Moraes (2004, 2008a) é categórica ao dizer que, mediante a integração das várias
linguagens multissensoriais, é possível vivenciar a complexidade e a transdisciplinaridade na
educação. Para a autora, emoções e sentimentos podem expandir ou restringir as capacidades
de reflexão e ação dos sujeitos/aprendizes e, dependendo de sua finalidade, prejudicar, ou não,
os processos de desenvolvimento e aprendizagem.
Criar espaços agradáveis, mais acolhedores, criativos e não competitivos, que
permitam aos estudantes experimentarem o diálogo entre o fazer e o ser, em um processo
contínuo e evolutivo, é um dos caminhos para a educação na perspectiva do sentipensar. Ou
seja, “é educar para restabelecer a aliança entre pensamento, sentimento e ação [...] É educar
para o resgate da sensibilidade, para o encontro da beleza, para a busca da plenitude e
elevação da consciência humana” (MORAES, 2008a, p. 169).
As estratégias para o sentipensar ajudam educadores e educandos a fugirem da lógica
binária para trilharem caminhos com base em um dos eixos constitutivos da metodologia
transdisciplinar, a lógica ternária e integradora do terceiro incluído, que revela outras
possibilidades ou potencialidades em relação ao conhecimento (MORAES, 2008a).
A incorporação da vertente emocional no processo educacional torna-se de
fundamental importância para a formação, não só de pessoas competentes para o mercado de
trabalho, mas, sobretudo, eticamente formadas, sadias física e emocionalmente e,
principalmente, um pouco mais felizes (MORAES, 2008a) nos ambientes educacionais.
As estratégias utilizadas no projeto “sentipensar”, desenvolvido por Moraes & Torre
(2004), têm como propósito levar os educandos a perceberem que a aprendizagem engloba
outras dimensões além da cognitiva.
Nesse contexto, Moraes (2008a) explica que educar para sentipensar “é educar para
restabelecer a aliança perdida entre pensamento, sentimento e ação [...]” (MORAES, 200a, p.
96
169). A escuta sensível é importante estratégia reconhecida por Moraes (2008) que muito
pode possibilitar a religação do sujeito consigo, com o outro, com a natureza ou com o
sagrado presente em cada um.
Para Barbier (2002 apud MORAES, 2008a), a escuta sensível apoia-se na empatia, ou
seja, na compreensão do outro em seu legítimo outro, a partir de seu universo afetivo,
imaginário e cognitivo, à medida que os sujeitos interpretam atitudes, comportamentos, idéias
e valores vivenciados.
Para Moraes (2008a), esse tipo de escuta ajuda a compreender melhor o outro, a partir
dele mesmo, sem julgamentos, comparações e medidas, mediante as experiências vividas
pelos sujeitos, sempre únicas e intransferíveis.
Para essa estratégia, a autora recomenda a utilização de diferentes recursos musicais,
de práticas meditativas, ou mesmo a observação silenciosa para uma escuta sensível na qual
prevalece o autoconhecimento, bem como mais sensibilidade nas relações com o outro.
1.7.1.9 Ambientes virtuais de aprendizagem
O mundo globalizado conecta as pessoas, possibilita troca de informações,
experiências, interações, favorecendo processos de aprendizagem a qualquer hora e em
qualquer lugar. Nesse sentido, a sala de aula não pode mais ser o único ambiente de
aprendizagem, tampouco o único espaço para o aluno ter contato com os saberes. De acordo
com Moran (2003), com acesso à Internet, os momentos de sala de aula e os de aprendizagem
virtual podem ser flexibilizados de forma integrada e alternada.
Assim, outra estratégia que muito pode contribuir para a expansão da sala de aula
presencial é a utilização dos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), como apoio ao
ensino presencial. Segundo Moran (2003), essa prática vem crescendo nos mais diversificados
contextos educativos, possibilitando processos de ensino e aprendizagem mais centrados no
aluno e no “aprender a aprender”. Além disso, possibilita novo modo de “aprender”, e
“ensinar” não-linear, multidirecional, com interações e trocas mútuas, em que cada um
“aprende” ao mesmo tempo em que também “ensina”, em processo colaborativo, tendo em
vista superar o pensamento reducionista e simplificador, tanto de quem ensina quanto de
quem aprende, em relação a pensar, sentir, agir e viver/conviver.
97
Esses ambientes permitem a formação de aprendizes mais competentes, autônomos,
capazes de estabelecer as pontes necessárias entre os diferentes saberes, de enfrentar novas e
imprevisíveis demandas de aprendizagem, à medida que vão se apropriando de um
conhecimento com qualidade e nutrido por uma abordagem transdisciplinar, que, segundo
Nicolescu (1999, p. 145, grifo do autor), é indispensável à formação de um “ser
incessantemente re-ligado”.
1.7.1.10 Registros reflexivos ou sistematização das experiências ou protocolos interacionais
O registro reflexivo é uma das estratégias de que o educador pode fazer uso nos
processos de ensino e aprendizagem para facilitar o acompanhamento do progresso da
aprendizagem do estudante, bem como para este acompanhar o próprio processo de
construção de conhecimento (FREIRE, 2008).
O registro da própria prática constitui instrumental valioso para o educador ficar atento
aos ruídos surgidos e, caso necessário, redimensionar o planejamento prévia e
intencionalmente pensado, bem como instrumento capaz de avaliar a própria prática do
educador e a do educando (LIBÂNEO, 2009; FREIRE, 2008).
Esse exercício permite ao educador e aos estudantes perceberem seus processos e seus
níveis de desenvolvimento e crescimento ocorridos durante o desenvolvimento da disciplina.
A reflexão na prática, tanto pelo aluno quanto pelo professor, possibilita novos olhares a uma
prática diferenciada que conduz o aluno a busca da própria autonomia e também possibilita o
exercício da própria autoria e tomada de consciência dos próprios limites, ou seja, tanto
daquele que conduz o processo (o educador) quanto daquele que experimenta a prática (o
estudante). Tudo isto ocorre em busca de um conhecimento significativo com sentido para a
vida pessoal e a profissional dos envolvidos (FREIRE, 2008).
Para tanto, é necessário que a prática democrática seja inserida nos contextos de
aprendizagem apoiados por situações provocadoras, para que o educando, ao realizar o
registro, não o faça por obrigação, mas porque deseja, tem vontade de dizer, assumir-se,
verbalizar, registrar, porque não quer apenas apropriação de informações, mas construção de
conhecimento significativo, registrado na memória (o sentido do que viveu), já que o que foi
98
vivido vale a pena ser dito e registrado, como marca de seu processo de construção e
reconstrução na história da humanidade.
Esse processo de aprender, a partir do conhecimento trazido pelo sujeito, em
consonância com os conhecimentos a serem apreendidos na escola, alimentado pela relação
com o outro, com a vida, a partir do registro e da reflexão do não conhecido sobre o próprio
conhecer, configura prática que possibilita o constante morrer e renascer do sujeito-aprendiz.
Isso demonstra o próprio ciclo natural da vida, compreendido por Moraes (2008a) e Morin
(2007).
Diante da construção de todo esse cenário, a partir de uma visão complexa e
transdisciplinar em relação à didática, é preciso que o cenário velho se desintegre para que o
novo cenário seja ressignificado e possa nascer, fazendo-se e refazendo-se a todo momento.
Morte e vida em movimento, em consonância com as circunstâncias vividas nos ambientes de
ensino e aprendizagem entre os sujeitos da práxis, em constante diálogo entre teoria, prática,
teorização e teoria.
99
CAPÍTULO 2 PESQUISA PROPRIAMENTE DITA
2.1 CONTEXTO
O contexto em que ocorreu esta investigação foi uma instituição superior de ensino
particular, situada em uma cidade satélite do Distrito Federal, que tem como política de gestão
a pesquisa científica e como objetivo o estímulo à atividade acadêmica, ao desenvolvimento
do pensamento crítico, ao aperfeiçoamento de práticas didático-pedagógicas e ao
desenvolvimento de atividades inovadoras.
Recomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
CAPES/Ministério da Educação – MEC, o curso de pós-graduação, com conceito 4, visa à
formação de pesquisadores nas áreas de políticas educacionais, administração da educação,
dinâmica curricular e atividades do processo de ensino-aprendizagem. Tem como público-
alvo docentes, pesquisadores e gestores que desejam aperfeiçoar-se, aprofundar seus
conhecimentos e preparar-se, em nível de pós-graduação, para o exercício de suas funções.
O Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação dessa instituição não
exige dos alunos o afastamento completo de suas atividades profissionais. A dinâmica
desenvolve-se a partir das experiências profissionais dos estudantes em Educação, para se
repensar a própria prática profissional. Espera-se, dos acadêmicos, participação assídua e
ativa nos eventos promovidos pelo Programa, com exigência de 75% de frequência.
Recomenda-se, além disso, a produção de artigos, resenhas e monografias, bem como a
participação em pesquisa, sob a coordenação dos membros do corpo docente. Estudantes
oriundos de diferentes estados brasileiros também são atendidos.
De modo mais específico, esta pesquisa foi desenvolvida em nível de pós-graduação,
com estudantes da disciplina Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação, na
modalidade presencial. A disciplina começou a integrar a grade curricular do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, a partir do segundo semestre de 2008, e trabalha
os novos fundamentos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da educação, a partir de
uma visão complexa, ecossistêmica e transdisciplinar.
100
2.2 SUJEITOS
O universo dos sujeitos que participaram da pesquisa compõe o total de vinte e cinco
estudantes, dentre eles mestrandos e doutorandos matriculados na disciplina Complexidade,
Transdisciplinaridade e Educação, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação, no 2º semestre de 2009.
Desse total, quinze são do sexo masculino e dez, do feminino, sendo dez doutorandos
e quinze mestrandos. Dos dez doutorandos, nove estavam fazendo a disciplina como
estudantes especiais e somente um estava na condição de estudante regular do Programa. Dos
quinze mestrandos, cinco eram regulares e dez, especiais. Porém, neste estudo, foi trabalhada
uma amostra composta por 15 estudantes, entre os que cursaram a disciplina, mediante
consentimento informado e cessão de direito das falas dos vídeos gravados em aula (Anexo
B).
A escolha dessa turma foi intencional, por ser a mais representativa e adequada para
o estudo, tendo em vista o próprio conteúdo do curso e os objetivos almejados, bem como o
fato de esta temática Complexidade e Transdisciplinaridade e Educação ser trabalhada nesta
disciplina, não apenas neste Programa, mas nesta instituição.
2.3 PROCEDIMENTOS
A escolha do método requer do pesquisador nova etapa, a do planejamento dos
procedimentos de pesquisa, que permitem ao pesquisador dialogar com as circunstâncias,
levando-o à compreensão das variáveis envolvidas na pesquisa.
Consoante Moraes e Valente (2008b), procedimentos são ações adaptáveis à
realidade que ajudam o pesquisador a organizar seu pensamento e suas atividades para
alcance dos objetivos propostos.
Os procedimentos possibilitam ao pesquisador construir as próprias rotas rumo à
construção do conhecimento, no intuito de experimentar, possivelmente, processos de
101
“experiência ótima”, segundo Csikszentmihalyi (1999b apud MORAES, 2003), com mais
sentido para seu viver e conhecer.
Para este processo de pesquisa, utilizamos como subsídios para obtenção dos dados:
a ementa da disciplina (Anexo A), a plataforma virtual de aprendizagem disponibilizada como
estratégia de apoio à disciplina presencial e excertos das falas das videoaulas ministradas pela
docente que foram gravadas pela pesquisadora durante o segundo semestre de 2009 e
arquivadas em mídia digital.
A escolha desses procedimentos se justifica pelo fato de esta pesquisa ser estudo de
caso do tipo etnográfico e estes, para André (2005), se constituírem meios eficazes de
aproximação do pesquisador dos sistemas de representação, classificação e organização do
universo em estudo.
Além disso, permitiu ao pesquisador mergulhar com profundidade no processo de
investigação científica como participante da realidade a qual se propôs investigar, com vistas
a responder as seguintes indagações: é possível uma didática transdisciplinar em um curso de
Pós-Graduação? Como essa didática se materializa em uma prática transformadora? Quais
seriam seus desdobramentos se comparada a uma didática tradicional e conservadora? Que
estratégias didáticas podem contribuir para a construção de conhecimento em ambientes de
ensino e aprendizagem que favoreçam um pensar complexo e transdisciplinar?
2.4 CATEGORIAS DE ANÁLISE
Posteriormente à obtenção de dados e informações, analisamos e interpretamos os
dados à luz do que diz a teoria, tentando perceber como esta se fundamenta e se contextualiza
na prática docente. Quanto à análise das informações, optamos pela análise de discurso a
partir dos dados obtidos mediante os procedimentos selecionados. Essa análise é feita após
codificação das falas em categorias (BAUER; GASKELL, 2002). Para essa pesquisa
utilizamos como categorias os operadores cognitivos e algumas subcategorias decorrentes dos
fundamentos epistemo-metodológicos da Transdisciplinaridade.
Morin (2007a) definiu sete operadores e Moraes (2008a, 2008b) acrescentou três
outros julgados importantes para um pensar complexo. São princípios-guia do pensamento ou
102
categorias que podem ajudar educadores a pensar sobre a complexidade existente em
quaisquer ambientes que envolvam processos relacionais de vida.
Assim, utilizaremos os operadores cognitivos da complexidade, o sistêmico-
organizacional, o hologramático, o retroativo, o recursivo, o dialógico, o da auto-eco-
organização, o da re-introdução do sujeito cognoscente, o ecológico da ação, o da enação e o
ético, como categorias de análise, pois eles nos ajudam a pôr em prática o pensamento
complexo. Esses instrumentos, também chamados de operadores de religação, por Edgar
Morin (MARIOTTI, 2007), são capazes de estabelecer conexões entre os saberes e nos
ajudam a interpretar a realidade docente/discente sob a ótica da Complexidade e da
Transdisciplinaridade, com vistas a possíveis ressignificações (MARIOTTI, 2007; MORAES,
2008a; MORIN, 2007a, 2008).
Pensar de forma complexa é pensar a realidade de modo diferente, é buscar entender
a partir de processos dialógicos processuais hologramáticos, a partir de interações,
examinando as influências do meio, as relações sujeito/objeto, ao mesmo tempo em que novas
idéias emergem.
Dentre os operadores cognitivos do Pensamento Complexo de Edgar Morin e do
Pensamento Ecossistêmico de Moraes, trabalhamos os seguintes: o sistêmico-organizacional,
que religa o conhecimento das partes ao conhecimento do todo. Esse operador cognitivo só
funciona se as partes que o constituem funcionarem como partes.
O hologramático, operador que evidencia o paradoxo dos sistemas complexos em
que não somente as partes necessitam de sua integração com o todo, mas compreende o todo a
partir de uma visão mais ampla sobre o que acontece em cada uma das partes.
O Retroativo é compreendido como aquele em que as causas retroagem sobre seus
efeitos e se transformam mutuamente. Esse princípio rompe com a causalidade linear dos
processos autorreguladores que acontecem no sistema que atuam a partir de uma causalidade
circular, não linear.
O Recursivo compreende que causa e efeito são, ao mesmo tempo, processo e
produto. Esse princípio também rompe com a ideia linear de causa/efeito, produto/produtor,
educador/educando, uma vez que somos ao mesmo tempo produtos e produtores daquilo que
produzimos, daquilo que se volta para nós mesmos, em um ciclo autoconstrutivo, auto-
103
organizador e autoprodutor. Ultrapassa a noção de autorregulagem, entrando na fase de auto-
organização por meio de um processo espiral evolutivo do sistema.
O princípio Dialógico corresponde à relação biunívoca entre dois elementos
antagônicos, cuja existência de um e outro se justifica pela associação de interdependência e
complementaridade entre ambos.
A Auto-eco-reorganização acontece em todo sistema vivo a partir da relação
indissociável entre sistema e meio. Dele decorre a autonomia/dependência do sujeito com seu
contexto, por meio de sua capacidade contínua, autoprodutiva e autocriadora. A partir de tais
processos, o sistema se reorganiza, se reestrutura como um sistema vivo.
O princípio de Reintrodução do sujeito cognoscente diz respeito ao resgate do
sujeito como protagonista no próprio processo de construção do conhecimento. A partir desse
princípio, todo conhecimento é sempre reconstrução/tradução, interpretação feita pelo
espírito/cérebro humano.
O princípio Ecológico da ação diz que todas as ações são ecologizadas, ou seja, toda
ação entra no jogo das inter-retroações que ocorrem nos ambientes, possibilitando que não
haja controle sobre elas.
A partir do operador cognitivo da Enação, compreendemos que “toda ação cognitiva
é uma ação perceptivamente guiada” (Varela et al., apud MORAES, 2008a, p. 108), indicando
que ação e percepção são inseparáveis nos processos cognitivos e emocionais. Isso tudo
indica, segundo Moraes e Valente (2008b), que sujeito pesquisador e realidade pesquisada
emergem e evoluem juntos. Existe dependência ecológica entre ambos. Enação significa algo
“emergente”.
O princípio Ético desponta como essência e nutriente para todo ato educativo. Esse
princípio é operador importante e deve estar presente em todo ato educativo e na prática do
pesquisador. A ética pautada no respeito ao outro, apesar das diferenças, na construção de
uma cultura ética comum, na qual os valores devem, sempre que possível, ser consensuais.
A aplicação dos operadores cognitivos como categorias de análise será utilizada
durante todo o processo da investigação. Eles funcionarão como ferramentas para
compreendermos os processos que envolvem a pesquisa e os fenômenos educativos
emergentes nos ambientes de aprendizagem, bem como o método didático em questão.
104
Além disso, utilizamos algumas subcategorias decorrentes dos fundamentos
epistemo-metodológicos da Transdisciplinaridade. Segundo Moraes (2010b), são eles
abertura, flexibilidade, contextualização, multirreferencialidade, subjetividade e
intersubjetividade, auto-eco-reorganização, emergência, autonomia relativa, ecologia da ação
dialogicidade processual. Assim, esses operadores cognitivos não se apresentam linearmente
durante o desenvolvimento dos processos intersubjetivos, mas são interdependentes:
abertura - no que diz respeito aos processos de aprendizagem e formação
docente, faz-se necessária uma metodologia aberta, viva e criativa de construção do
conhecimento. Um processo que se desenvolve em espaço contínuo de reflexões dialógicas,
de auto-eco-heteroformação, aberto às circunstâncias que emergem da própria vida;
flexibilidade – característica importante, pois possibilita ao sistema se auto-
eco-reorganizar e se autorregular de forma processual, sempre que necessário. Essa
flexibilização permite ao sujeito experimentar processos recursivos, retroativos e
regenerativos em relação às informações que circulam no ambiente, condição importante para
a ocorrência de processos auto-organizadores produtores de equilíbrio no sistema;
contextualização - nada faz sentido sem um contexto. Também no processo
educacional, tanto o conteúdo como os processos vivenciados, para fazerem sentido, precisam
ser contextualizados;
multirreferencialidade – este princípio implica a aceitação do diferente, o
acolhimento da pluralidade, da diversidade de olhares, opiniões e experiências. Possibilita a
abertura de espaços para a alteridade, para os diferentes diálogos, para a solidariedade, a
inclusão e a aceitação dos diferentes olhares sobre um mesmo fenômeno;
subjetividade e intersubjetividade – duas subcategorias importantes que
revelam a interdependência existente entre sujeito e objeto, durante o processo de construção
do conhecimento. Também são processos de acoplamento estrutural entre os sujeitos dos
processos de transformação ocorrentes, em função das circunstâncias vivenciadas;
auto-eco-reorganização – capacidade do sistema vivo de se auto-eco-
reorganizar, se autoproduzir e se autotransformar a partir do contexto. Situações difíceis,
conflituosas, desafiadoras requerem, por parte do sujeito aprendente, processos auto-eco-
reorganizadores recorrentes, para que a aprendizagem e as transformações aconteçam;
105
emergência – algo qualitativamente novo que surge sem ser determinado pelo
passado, como produto de processos autopoiéticos e auto-eco-organizadores;
autonomia relativa – também decorre de processos auto-eco-reorganizadores
e emergentes, a partir de relações interdependentes entre sujeito e meio;
ecologia da ação – todas as ações são ecologizadas e implicam inter-retroações
que ocorrem nos ambientes de aprendizagem, por meio de atos voluntários ou involuntários
ocorrentes no sistema. Assim, todo início de um processo de formação é sempre muito
importante e deve ser bem planejado, para não cair no jogo das inter-retroações que possam
desviar dos objetivos e das metas planejadas;
dialogicidade processual – considerado um dos operadores mais importantes
para o pensar complexo e a compreensão dos fenômenos de natureza complexa. Esse
operador cognitivo ajuda a unir opostos aparentemente antagônicos, reconhecendo a
unidualidade no meio da diversidade.
106
CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Procuramos compreender os fenômenos educativos presentes no ambiente de
aprendizagem com base nos três pilares constitutivos da metodologia transdisciplinar: níveis
de realidade, lógica ternária e complexidade.
3.1 COMPLEXIDADE
Enfocaremos a seguir a contribuição dos operadores cognitivos e dos fundamentos
epistemo-metodológicos da transdisciplinaridade para ressignificação da didática a partir de
um pensar complexo e transdisciplinar e a presença desses elementos como constitutivos e
caracterizadores da didática complexa e transdisciplinar.
Apresentação dos Grupos Temáticos - Formação Docente e Transdisciplinaridade
(Grupo 6)
Excerto 1
Contexto de escrita
Conforme consta na Ementa da Disciplina (Anexo 1), foram formados 7 grupos
temáticos para o desenvolvimento de trabalhos em grupo baseados na pesquisa. Essa foi uma
das metodologias didáticas utilizadas pela docente a partir de temas propostos pelos
estudantes em parceria com a professora, no início do semestre, com base na temática geral da
disciplina. Os grupos se constituíram de, no máximo, cinco participantes (Anexo 1) e visaram
atender os interesses dos estudantes com os objetivos da disciplina (interesses coletivos). As
apresentações dos grupos se desenvolveram a partir das mais diferentes linguagens, incluindo-
se imagens, músicas, dinâmicas de grupo, dentre outras, ou seja, trabalhando razão, emoção,
intuição, imaginação. As apresentações dos grupos temáticos ocorreram em dois momentos:
um de apresentação parcial dos trabalhos e outro de apresentação final, este acompanhado por
um relatório final ou um artigo a ser publicado, dependendo da qualidade do trabalho
apresentado. Para esse contexto, utilizaremos o momento de apresentação final do Grupo 6
107
(G6) intitulado “Formação Docente e Transdisciplinaridade” (Anexo 1). Para a apresentação,
o grupo utilizou o projetor multimídia como recurso didático.
Critério de seleção
O excerto a seguir foi selecionado pelo fato de a temática estar voltada à construção de
novas metodologias didáticas de ensino e aprendizagem e ter sido o momento de apresentação
final dos projetos de pesquisa construídos e desenvolvidos em pequenos grupos, durante a
disciplina. O método baseado em processos de aprendizagem autorregulada em pequenos
grupos, durante o processo de desenvolvimento da disciplina, fez emergir as seguintes
categorias e subcategorias: a recursividade, a dialogicidade processual, o hologramático, a
abertura à reintrodução do sujeito cognoscitivo, a auto-eco-reorganização e a
recursividade, elementos constitutivos da metodologia didática desenvolvida a partir da
Complexidade e da Transdisciplinaridade.
Figura 4. Imagem utilizada pelo estudante D durante a apresentação do Grupo de
Trabalho – (G 6).
Excerto
[...] então eu queria, agora, como último momento de nossa exposição, que
a gente olhasse para essa figura aqui (Figura 1), que a gente tá falando de
cotidiano, então como é o nosso cotidiano? Formado a partir da trans?
Então se a gente imaginar uma analogia entre esse barco e a quantidade de conceitos, de entendimentos, de aprendizagens que a gente teve até mesmo
ao longo da nossa disciplina, se a gente imaginasse esse barco aqui com se
fossem todos esses conceitos, ainda, assim, todos esses nossos conceitos estão sujeitos a mudanças, a mudança do vento, a mudança do novo
momento histórico, quer dizer, isso aqui que a gente aprendeu está aberto,
Cotidiano do docente
formado a partir do
pensamento eco-
sistêmico...
108
isso não se fecha, é nesse sentido que eu quero fazer a analogia. Se a gente
pensar no nosso dia a dia, no nosso cotidiano, a partir da trans, (barulho alto), a gente pode imaginar essas ondas aqui, (apontando para imagem das
ondas do mar apresentado em data show), é cheio de conflitos, é cheio de
interesses, o mundo da academia, o mundo da sala de aula, então, a gente tá
sempre nesse meio ponto, então, isso aqui é como se fosse nosso dia a dia, mudança de rumos, estamos sujeitos a novos tempos, a novos ventos, a
novas teorias” (Estudante D).
A partir do momento que a gente vai bebendo desses conhecimentos, a gente vai também tendo dilemas. Em um momento você está no caos, no outro,
você tá na incerteza, no outro momento, você tá na reorganização. É um
momento assim que você fica até com crise de identidade, (risos), vamos dizer assim, sem saber mais o que pensa, se o que você está pensando é
correto, se não é mais, se não é mais uma verdade. (Estudante B).
[...] e aí eu comecei me questionando na aula retrasada, aí eu falei, falei,
falei, e a prof. perguntou: “Mas onde você quer chegar com isso?” Nossa será se eu fiquei tão complexa assim que eu já nem mais consigo me
expressar e deixar as coisas mais claras, bem dentro dessa preocupação que
me deu a oportunidade de vivenciar paralelo a essa disciplina a formação e especialização em São Luis, visualizar isso que eu tenho aprendido, isso que
eu tenho vivido e colocar o agir. Aí eu posso realmente me avaliar, como
que eu tenho vivido isso? Como que eu tenho sentido isso? Como estou
pensando e sentindo essa história? O real, a realidade, o concreto, diante das pessoas. E eu tive a oportunidade de fazer isso, fiz com eles e dei aquele
passo, e cheguei aqui, fiquei meio que faço, não faço, continuo nessa
dinâmica, não continuo, o que é interessante, correndo o risco de levar o cartão vermelho pelo tempo que é pouco, e me veio a idéia, durante essa
aula, de trazer uma proposta... de me colocar e colocar a turma dentro da
imagem. Se o data show não funcionasse, não teria problema a imagem continuaria com a gente. Então, a idéia não é trazer a imagem para cá e,
sim, levar todo mundo até a imagem, por quê? Porque o que é mais
significativo, dentro do que eu vou falar, está dentro de cada um de nós.
Como que eu vou estabelecer esse link? Primeiro, eu peço a vocês para que possam enxergar melhor depois de ter visto a figura aqui, com vários
apontamentos, com vários caminhos que falam da minha vida, da minha
formação, da minha história de vida pessoal, da minha trajetória profissional, eu estou em formação continuada, por isso eu estou aqui, eu
estou vivendo todos esses três pólos, nós estamos nesse caminho juntos,
sociedade, homem, ambiente, consciência, interrogações, exclamações, interrogações, e aí eu me lembro de uma entrevista que um grupo fez
comigo, e eu só, questionamento, questionamento, desequilíbrio, caos,
nossa, então, eu pretendo colocar aqui uma vivência rápida [...] para que a
gente enxergue melhor, nós precisamos fechar os olhos, para que a gente enxergue melhor, nós precisamos fechar os olhos. (Estudante C).
A fim de salientar a presença dessas categorias e subcategorias, ou seja, a
circularidade, a reintrodução do sujeito cognoscente, a auto-eco-organização, a abertura
e a recursividade, utilizaremos, durante toda a análise interpretativa, o recurso negrito,
chamando a atenção do leitor para esses elementos constitutivos que emergem de uma prática
que se desenvolve baseada nos princípios da complexidade e da transdisciplinaridade.
109
Análise interpretativa
Nos três excertos, constatamos que a estratégia didática de ensino e aprendizagem
autorregulada em pequenos grupos, mediante projetos de pesquisa coletivos, ajudou os
estudantes a superarem seus medos, a construírem e desconstruírem conceitos fortemente
enraizados pela lógica clássica e a encontrarem algo novo e significativo durante o processo
de construção da pesquisa.
A utilização dessa estratégia contribuiu para o desenvolvimento de um pensamento
mais complexo por parte dos sujeitos implicados nessa dinâmica, a partir da elaboração de
questionamentos sobre o próprio pensar e, principalmente, o agir, visando colocar em prática
os conhecimentos apreendidos. Isso se evidencia no excerto apresentado abaixo, quando a
estudante levanta uma questão já feita em aula anterior e obtém, como resposta, outro
questionamento sobre o próprio questionamento, levando-a a pensar sobre o próprio pensar e
ainda a elaborar outras perguntas para pensar a própria realidade.
Além disso, também permitiu aos estudantes vivenciarem processos de rupturas
paradigmáticas, fazendo ressurgir novas possibilidades de caminhos, novos desejos, sonhos,
novos olhares, ressurgindo um novo ser. Permitiu, aos sujeitos envolvidos, abertura para nova
epistemologia, novos paradigmas, mudanças de postura em relação ao ser e ao fazer e
experimentação da teoria na prática cotidiana.
[...] e aí eu comecei me questionando na aula retrasada., Aí, eu falei, falei,
falei, e a prof. perguntou: “Mas onde vc quer chegar com isso?” Nossa será
que eu fiquei tão complexa assim, que eu já nem mais consigo me expressar e deixar as coisas mais claras? Bem dentro dessa preocupação que me deu a
oportunidade de vivenciar algo em, paralelo a essa disciplina, a formação e
especialização em São Luis, visualizar isso que eu tenho aprendido, isso que eu tenho vivido e colocar o agir, aí eu posso realmente me avaliar, como
que eu tenho vivido isso? Como estou sentido isso? Como estou pensando e
sentindo essa história? O real, a realidade, o concreto, diante das pessoas.
(Estudante C).
Durante esse processo de construção e desconstrução de conhecimentos, mediante o
desenvolvimento dos projetos de pesquisa, o operador cognitivo da recursividade emerge,
como um dos elementos constitutivos dessa prática, a partir das constantes provocações
propiciadas pelas dialogias processuais intersubjetivas recorrentes na dinâmica da disciplina,
favorecidas pelo constante movimento teórico/prático que se entrelaçava a todo tempo,
buscando-se levar os estudantes a compreenderem a teoria e a sua aplicabilidade na prática
profissional.
110
As dialogias processuais provocadas e mediadas por constantes perguntas
possibilitaram que a parte teórica, representada pelo conteúdo formal previsto para a
disciplina, fosse sendo desenvolvida em diálogo com a área de interesse dos discentes. À
medida que a turma (o todo) era alimentada pelos conteúdos da disciplina, cada uma das
partes (os estudantes) que formava esse todo ia sendo alimentada pelos conhecimentos de
suas áreas de interesse, buscando unir os conhecimentos dos sujeitos pelo aprofundamento
nas pesquisas de áreas de seus interesses, pelo aprofundamento do olhar em relação às
pesquisas realizadas, em congruência com os da disciplina, tendo em vista possibilitar as
pontes que poderiam fazer a fusão, promover o conhecimento mais integrado, conectado e
com mais sentido tanto no plano individual como no coletivo.
Tudo isso foi baseado em uma lógica diferente da lógica clássica, formando-se um
holograma, em que o todo e a parte iam como em um movimento contínuo, integrando-se e
desintegrando-se à medida que produziam, dialogavam, fechavam-se para novas
organizações, se auto-eco-organizavam, em constante movimento de abertura e fechamento,
de aproximação e distanciamento em relação ao conhecimento.
Esse aprofundamento do olhar pela pesquisa, buscando fazer o encontro, as pontes
necessárias entre os diferentes saberes, possibilitou aos estudantes participarem, gradual e
ativamente, das discussões, ensejando-se desse modo um grau de maior qualidade nos
processos de aprendizagem.
Evidenciou-se, nesse sentido, a presença do operador cognitivo hologramático, pois
nesse processo não somente as partes (os conteúdos do sujeito) necessitavam de sua
integração com o todo (conteúdos da disciplina), bem como o seu contrário, funcionando
desse modo como uma espiral de conexões que se ligava à idéia recursiva, na medida em que
era reforçada a todo momento pelas dialogias processuais bem como pela inserção de
diferentes atratores didáticos, fazendo emergir a todo tempo em sinergia esses elementos em
destaque.
A busca pelo conhecimento, mediante o desenvolvimento dos projetos de pesquisas,
intensificava e fortalecia os diálogos. Além disto, ampliou possibilidades de abertura por
parte dos sujeitos, visando a sua participação nos processos de construção e reconstrução de
conhecimentos, mediante a convivência com o outro. Além de se responsabilizarem, como
partes, os pequenos grupos de pesquisa agiam em relação ao todo, contribuindo cada qual
111
com os conhecimentos já anteriormente trazidos, bem como com aqueles construídos nos
pequenos grupos de estudo e discussão, promovidos durante a disciplina.
O princípio recursivo, presente a todo momento, materializado mediante as constantes
trocas dialógicas intersubjetivas ocorrentes, segundo Moraes (2008a), caracteriza-se pelas
ações auto-eco-reorganizadoras dos sujeitos. À medida que os sujeitos iam resolvendo os
problemas surgidos, participavam de uma circularidade de construção de conhecimento
evolutiva, que tomou a forma de espiral, em que cada sujeito/aprendiz implicado na dinâmica,
ao ser alimentado, passou a alcançar mentalmente outros níveis de realidade, em relação aos
conhecimentos que processados.
O surgimento desse princípio nos ambientes de ensino e aprendizagem leva ao
rompimento com a linearidade causa-efeito hoje ainda tão presente nos processos de ensino e
aprendizagem, promovendo processos de construção do conhecimento para além dessa
dualidade, tendo em vista compreender que “produtos e efeitos são, eles próprios, produtores
e causadores daquilo que os produz”, uma vez que tudo aquilo que se produz se volta para o
seu produtor, retroalimentando-o, como ensina Morin (2000, apud MORAES, 2008a, p. 100).
Processos de trocas de saberes constantemente nutridos por intervenções, críticas,
debates e diálogos “traduzem a capacidade de um sistema manter-se em equilíbrio diante das
variações do meio” (MARIOTTI, 2007, p. 141). Ou seja, a circularidade ou o feedback entre o
educador e os sujeitos/aprendizes pode oportunizar de maneira favorável o crescimento do
grupo como um todo, permitindo que ideias e trocas de experiências retroajam umas sobre as
outras, realimentando-as. Um processo de autoavaliação e auto-eco-reorganização contínua
e sem cessar, como encontramos em Mariotti (2007), aqui expresso pelos seguintes excertos:
[...] Primeiro, eu peço a vocês para que possam enxergar melhor depois de
ter visto a figura aqui, com vários apontamentos, com vários caminhos que
falam da minha vida, da minha formação, da minha história de vida pessoal, da minha trajetória profissional; eu estou em formação continuada, por isso
eu estou aqui, eu estou vivendo todos esses três pólos, nós estamos nesse
caminho juntos, sociedade, homem, ambiente, consciência, interrogações,
exclamações, interrogações, e aí eu me lembro de uma entrevista que um grupo fez comigo, e eu era só, questionamento, questionamento,
desequilíbrio, cão, Nossa! então, eu pretendo colocar aqui uma vivência
rápida (...) para que a gente enxergue melhor, nós precisamos fechar os olhos, para que a gente enxergue melhor, nós precisamos fechar os olhos.
(Estudante C).
A partir do momento que a gente vai bebendo desses conhecimentos, a gente
vai também tendo dilemas, em momento você está no caos, no outro você tá
112
na incerteza, no outro momento você tá na reorganização, é um momento
assim que você fica até com crise de identidade, (risos), vamos dizer assim, sem saber mais o que pensa, se o que você está pensando é correto, se não é
mais, se não é mais uma verdade (Estudante B).
As falas das estudantes B e C revelam encontros com o próprio eu e as próprias
convicções, reencontros também com o que está ao redor, bem como com os conceitos
fortemente acoplados durante sua trajetória de vida, tanto pessoal como profissional, com
desencadeamentos de processos de equilíbrio e desequilíbrio vivenciados perante o novo, o
desconhecido, o emergente, ocasionando processos desconstrutivos e, ao mesmo tempo, de
auto-eco-reorganização, ou seja, de desordem e também de ordem, a partir de sucessivas
reorganizações no sistema. Um reencontro com o próprio processo de formação na
convivência consigo, com o outro e com o meio.
A utilização da metodologia de projetos de aprendizagem autorregulada em pequenos
grupos, nesse contexto educativo, também permitiu ao educador certo distanciamento, saindo
do foco, para dar lugar aos principais atores de todo esse processo de construção e
reconstrução do conhecimento: os estudantes. Ele, porém, permaneceu em constante
vigilância, como encontramos em Moraes (2008a), citando Fazenda, no que diz respeito à
escuta vigiada, como atitude predominante.
A atitude do educador nesse contexto, constituído pelos trabalhos de grupo e pelos
projetos de pesquisa, foi assumir seu papel muito mais de mediador de processos, do que de
transmissor de informações.
Assim, compreendemos que o educador é aquele que sabe apresentar novos caminhos,
sugerir, criar diferentes situações de aprendizagem, a fim de que olhares se direcionem a
momentos de abertura e fechamento em relação ao conhecimento, para que, movidos pela
curiosidade, os estudantes caminhem em busca de novos horizontes, do conhecimento
almejado.
Essa postura de não somente preocupar-se em ensinar o conteúdo, mas também fazer
os estudantes aprenderem a aprender, ajudando-os a encontrar os próprios caminhos que os
levem ao encontro de seus próprios conhecimentos, possibilitou a emersão de outro elemento
importante na prática docente investigada, a reintrodução do sujeito cognoscitivo. Ou seja, à
medida que o educador propiciou oportunidades para os estudantes participarem ativamente
do próprio processo de construção de conhecimento, dando-lhe as condições necessárias,
113
mediante a inserção de diferentes metodologias didáticas, eles passaram a assumir seu devido
lugar, o de construtor de processos, principal ator e autor, atuando ao encontro do centro de
seu “eu”, devolvendo-lhes a responsabilidade e o compromisso com o próprio conhecimento,
bem como com os processos de construção de conhecimentos do outro.
Essa postura traduz a compreensão de um ensino no qual a preocupação do educador
se volta muito mais à qualidade da aprendizagem do estudante, do que à simples transmissão
de informações. Á medida que se tenta retirar o estudante da condição passiva para assumir
condição mais ativa e participante, busca-se o resgate do sujeito cognoscitivo, daquele sujeito
adormecido pelas epistemologias clássicas, no sentido de assumir a direção de seu processo
de construção de conhecimentos.
Nesse mesmo processo de resgate, emerge a vontade, o desejo, a superação, a
incerteza, a coragem e o medo, a insegurança, bem como a esperança, ou seja, toda a
complexidade humana que envolve vários outros processos. Busca-se, a vida como principal
razão de estar no e com o mundo. Além disso, nesse emaranhado constituído por certezas e
incertezas, surge, por parte do sujeito, a consciência de que irá deparar com momentos de
indecisões, de riscos, que requerem coragem para assumir as emergências que poderão surgir,
para se colocar o agir, no sentido de experimentar, pela vontade de querer ousar, caminhar por
possibilidades de rotas dantes não experimentadas, que poderão permitir novas formas de
aprendizagem, para além da razão. Para ilustrar, citamos o seguinte excerto da estudante C:
[...], e cheguei aqui fiquei meio que, faço, não faço, continuo nessa dinâmica, não continuo, o que é interessante, correndo o risco de levar o
cartão vermelho pelo tempo que é pouco, e me veio a idéia, durante essa
aula, de trazer uma proposta de me colocar e colocar a turma dentro da imagem, se o datashow não funcionasse, não teria problema a imagem
continuaria com a gente. Então, a idéia não é trazer a imagem para cá, e
sim levar todo mundo até a imagem, por quê? Porque o que é mais
significativo dentro do que eu vou falar, está dentro de cada um de nós. (Estudante C).
Nesse movimento de idas e vindas, de pensar e repensar, de certezas e incertezas,
incidem movimentos de clausura e abertura diante do conhecimento, por parte dos
sujeitos/aprendizes. Como ensinam Santos e Sommerman (2009), um conflito que se instaura
entre a clausura e a abertura mental. Clausura, entendida aqui como defesa entrincheirada na
crença da ordem e da certeza constituída; abertura, que gera medo, incerteza e desordem. É
importante considerarmos que a clausura é necessária ao ser humano para situar-se na
sociedade; porém, quando se torna dogma, passa a ser prejudicial.
114
Ainda com base na fala da estudante C, o sujeito, como podemos encontrar em Morin
(2007a), é ser capaz de fazer escolhas, de decidir em meio a situações ambíguas, incertas.
Essas decisões e escolhas que emergem, segundo Morin (1999) e Moraes (2008a), são
produtos da auto-eco-reorganização, pois, ao sentir-se livre de seus processos
neurocerebrais, o sujeito/aprendiz é capaz de encontrar as condições mais favoráveis e
adequadas para elaborar estratégias (de conhecimento, de ação) para solucionar as
emergências surgidas. É Morin (1999, p. 326) quem diz que “é próprio da estratégia
transformar uma circunstância desfavorável em favorável”.
Assim, quanto mais elucidativo for o pensamento desse ser vivo, melhores condições
terá para fazer escolhas, elaborar estratégias, enfim, para deixar a condição de ser passivo, à
margem da realidade, para assumir sua condição de sujeito ativo, ocupar o centro do mundo,
construir o seu “eu”, como encontramos em Morin (2007a).
Desse modo, ao ser reintroduzido como principal dirigente dos próprios processos de
vida e cognição, desponta um sujeito mais consciente, mais preocupado com a própria vida,
mais disposto a agir e contribuir para promover possíveis mudanças também na vida de outros
que estão a seu redor. Nesse sentido, ser sujeito é ser autônomo e, ao mesmo tempo,
dependente, provisório, vacilante, incerto. É ser quase tudo para si e quase nada para o
universo (MORIN, 2007a)
Vivenciar experiências de processos de interiorização, de momentos de abertura ao
emergente (o novo), de enfrentamento das próprias gaiolas epistemológicas, como expõe
Moraes (2008a) e D‟Ambrósio (2009), permite a vivência de processos circunstanciais de
morte e vida, tal qual explana Morin (2007a), que poderão levar o sujeito/aprendiz a nova
maneira de ver e perceber e realizar novas leituras da realidade, a partir do pensamento
baseado nos princípios da complexidade e da transdisciplinaridade. Tudo isso lhe permite
construir um pensamento para além do que pode ver e perceber, para além do visível.
Vejamos:
[...] então eu queria agora como último momento de nossa exposição, que a
gente olhasse para essa figura aqui, que a gente tá falando de cotidiano...
Então como é o nosso cotidiano? Formado a partir da trans? Então se a gente imaginar uma analogia entre esse barco e a quantidade de conceitos,
de entendimentos, de aprendizagens que a gente teve até mesmo ao longo da
nossa disciplina, se a gente imaginasse esse barco aqui com se fossem todos
esses conceitos, ainda assim todos os esses nossos conceitos estão sujeitos a mudanças, a mudança do vento, a mudança do novo momento histórico,
115
quer dizer, isso aqui que a gente aprendeu está aberto, isso não se fecha, é
nesse sentido que eu quero fazer a analogia, se a gente pensar no nosso dia a dia, no nosso cotidiano, a partir da trans, (barulho alto) a gente pode
imaginar essas ondas aqui, (apontando para imagem das ondas do mar
apresentado em data show), é cheio de conflitos, é cheio de interesses, o
mundo da academia, o mundo da sala de aula, então, a gente tá sempre nesse meio ponto, então isso aqui é como se fosse nosso dia a dia, mudança
de rumos, estamos sujeitos a novos tempos, novos ventos, novas teorias.
(Estudante D).
A utilização de imagem, de simbologia, é, segundo Galvani (2002 apud AKIKO &
SOMMERMAN, 2009, p. 71), “essencialmente multirreferencial, antes de tudo, por ser
experiencial, representa síntese do conhecimento humano”.
Utilizada como estratégia em ambientes de aprendizagem, o uso da metáfora pode
favorecer o desenvolvimento do pensamento visual, bem como proporcionar fonte rica de
estímulos aos dois hemisférios cerebrais. O reconhecimento de seu valor visual
representativo, como instrumento de pensamento, favorece aberturas que podem aproximar o
conteúdo curricular do mundo real (MORAES & TORRE, 2004).
Assim, compreendemos, como nos diria Paulo Freire (2008), que mudar não é fácil,
mas, quando munidos de determinadas ferramentas conceituais, podemos concluir, apoiados
em Morin (2007a) e Moraes(2008a), que isso é possível. É possível ressignificar as práticas
pedagógicas a partir de nova metodologia que aceita e acolhe os diferentes níveis de realidade
dos estudantes, que dialoga sob o olhar de uma lógica ternária não excludente, que busca unir
ideias opostas, ainda que saibamos não ser sempre possível que isso aconteça.
A metodologia didática que trabalha com a lógica ternária visa encontrar uma terceira
possibilidade nos entremeios dos conceitos opostos, mediante diálogos que permitam o
encontro e o distanciamento. E tudo é sempre um desafio, pois é movido por processos
complexos que permeiam, durante todo o tempo, os processos de ensino e aprendizagem,
tendo em vista suscitar e fazer emergir “os problemas importantes”, ou seja, o visível no que,
aparentemente, está invisível. Aquilo que se encontra no entremeio, entrelaçado por uma
trama que requer, por parte do sujeito, atitude não individual, mas coletiva, para o
estabelecimento do encontro do sujeito com o próprio caos, possibilita a emergência de novos
valores necessários a partir de desconstruções e reconstruções de novas possibilidades, de
novos diálogos e novos movimentos de desequilíbrio.
116
Consoante Moraes (2008a), porém, isso só é possível de ser percebido por um
pensamento complexo, mais elaborado e apoiado em uma teoria que a fundamente e a
justifique. Segundo Santos e Sommerman (2009), a teoria traz na sua essência a completude e
também a incompletude no que diz respeito à sua operacionalização, faces abertas para a
renovação. Essa natureza dinâmica permite que a teoria e a prática, em um processo de
holomovimento, estejam sempre se construindo e se desconstruindo na prática da ação
docente, em um processo contínuo de renovação. Para Morin (1999, p. 336), “a teoria não é o
fim do conhecimento, mas um meio-fim inscrito em permanente recorrência”.
Nesse contexto, pudemos constatar, mediante os processos de ensaio e apresentação
final dos grupos temáticos, representado aqui pelos excertos, que teoria e prática devem
caminhar juntas, pois, à medida que os estudantes foram nutridos pelos conhecimentos
formais propostos na ementa da disciplina (Anexo 1), mediante a integração de variadas
estratégias e o uso de diferentes linguagens, os grupos eram provocados a buscar cada vez
mais conhecimentos. E a constante busca para melhor conhecer o desconhecido foi o que
possibilitou aos estudantes novas aberturas para trilhar outros caminhos, possibilidades e
desafios, o que exigiu processos de auto-eco-reorganização, no intuito de tentarem construir
os próprios caminhos, mediante a resolução dos problemas emergentes e peculiares a cada
grupo de trabalho.
A auto-eco-reorganização emerge, portanto, como outro elemento constitutivo dessa
prática docente. Em contrapartida, é importante que o educador busque conhecer os interesses
de seus estudantes com profundidade, a fim de que possa ajudá-los a se aproximarem de seu
objeto de conhecimento.
Além disso, sem se deixar levar por questões dogmáticas, a disciplina permitiu aos
estudantes que experimentassem momentos de clausura e abertura. A abertura também
constitui outro elemento característico dos processos didáticos em contextos educativos
transdisciplinares.
Estados de clausura permitem que os estudantes se organizem sobre os conhecimentos
ainda desconhecidos e apreendidos, para que, em outros momentos, possibilitem a abertura
para os diálogos intersubjetivos sobre os conhecimentos apreendidos na clausura operacional.
Essa experiência atribuiu sentido aos conhecimentos apreendidos e assimilados durante o
desenvolvimento da disciplina, tanto no que diz respeito à vida pessoal como à profissional
117
dos estudantes. Esse encontro do sujeito com o próprio conhecimento significativo,
propiciado pela disciplina, permitiu o estabelecimento de elos entre os conhecimentos trazidos
por aquele com os conhecimentos oferecidos pela disciplina. Esse encontro, por sua vez,
propiciou momentos de entropia no sujeito. Podemos perceber isso na fala da Estudante B:
A partir do momento que a gente vai bebendo desses conhecimentos, a gente
vai também tendo dilemas, em momento você está no caos, no outro você tá na incerteza, no outro momento você tá na reorganização, é um momento
assim que você fica até com crise de identidade, (risos), vamos dizer assim,
sem saber mais o que pensa, se o que você está pensando é correto, se não é
mais, se não é mais uma verdade. (Estudante B).
Segundo Morin (2007a), são os momentos de abertura e fechamento em relação à
busca pelo conhecimento, na clausura operacional, que podem provocar nos sujeitos ora
desequilíbrios, ora reequilíbrios. Esses movimentos de abertura e de fechamento, de equilíbrio
e de reequilíbrio são importantes, pois esse permanente estado permite que os
sujeitos/aprendizes estejam sempre em processo constante de aprendizagem, instiga-os a estar
sempre buscando para conhecerem cada vez mais, bem como possibilita experimentar a
transcendência considerada por D‟Ambrósio (2009). Esse exercício é próprio da natureza
humana, daquele que se reconhece como sujeito e não objeto. Até porque os estudantes
trazem consigo as próprias ideias e rompem com as próprias convicções, para assumir novos
desafios, incertezas, trilhando caminhos ainda não experienciados, ainda não construídos,
desafio constante.
Frente ao novo, ao ainda não experimentado, é natural que impere o medo, o
nervosismo e a vontade ao mesmo tempo de ir, mas também de ficar. Essa entrega não é fácil
e pudemos constatar melhor esse processo de transformação e desafio, com a vitória dos
próprios medos e incertezas em prol de um agir, no excerto da estudante C.
Enfrentar o novo não é fácil. Navegar por rotas ainda não experimentadas é sempre
um desafio, pois o medo pode imobilizar potenciais humanos. Esse querer superar-se nasce no
próprio decurso dos processos de ensino e aprendizagem e tentar ajudar o estudante a superá-
lo é permitir ao sujeito/aprendiz retomar a própria direção de seu processo de construção do
conhecimento, tendo em vista superar o “problema importante”, pois este é que pode permitir
a ascensão do sujeito a diferentes níveis de realidade, para enfrentar o “atual problema” ou
aprender a lidar com outros.
118
Esse representa um processo que acontece em movimento espiral ascendente e
necessita estar em processo permanente e evolutivo. Saber lidar com esse “problema”
importante, transformando conflitos, medos, tensões em benefício de si, em benefício do
estudante, requer o reconhecimento, por parte do educador, da importância de se aproveitarem
todas as possibilidades emergentes, todos os elementos epistemo-metodológicos surgidos.
Isso pressupõe aprendizagem e transformação; por isso, a necessidade e a importância desses
processos serem apoiados pelas ferramentas conceituais propostas por Morin (2007a) para o
exercício de um pensamento mais elaborado diante da complexidade e do caos que se instaura
nesses ambientes de aprendizagem.
Visto que a lógica do pensamento complexo consiste no estabelecimento de pontes,
fronteiras e conexões entre os saberes desmembrados pelo pensamento reducionista,
simplificador, cabe articulá-los e integrá-los à medida que se alimentam de tensões
permanentes, na tentativa de obter um conhecimento que realmente faça sentido. Além disso,
a busca pelo conhecimento multidimensional, mesmo conscientes de que ela seja impossível,
pois os pensamentos complexo e ecossistêmico reconhecem o Princípio da Incerteza de
Heisenberg presente na realidade.
A prática dos operadores cognitivos, de acordo com Mariotti (2007), Moraes (2008a) e
Morin (2007a), ajuda na mudança de caminhos, nas escolhas, nas opções metodológicas mais
conscientes, mediante novas concepções e abordagens paradigmáticas. Ajuda-nos a tomar
decisões com mais segurança, experimentar novas rotas, sair da linearidade, enxergar a
realidade sob nova ótica, indo além de nossas sombras.
Nesse sentido, compreendemos o educador como o que vai ser capaz de levar o sujeito
a apropriar-se, intelectualmente, do que ainda não lhe é conhecido, oferecendo as condições
para que aprenda, possibilitando-lhe estar à frente do próprio processo de aprendizagem,
como visto em Mallart (2001), bem como criar circunstâncias que possibilitem vivências
significativas para que a aprendizagem aconteça a partir de ações efetivas (2008d) com
qualidade.
Assim, reforçamos a ideia do sujeito aprendiz/aprendente como o centro configurador
de todo o processo didático, sendo a aprendizagem como principal tônica.
Diante dos excertos selecionados nas páginas 107 e 108, constatamos que ensinar não
é transferir conhecimentos, nem formar é ação pela qual se enforma, mas, sim, o próprio
119
sujeito/aprendiz, consciente das próprias fraquezas, necessidades, incertezas, assumir a
direção do próprio processo de construção e transformação, percebendo-se como principal
protagonista do processo de construção do conhecimento.
Dessa forma, compreendemos que a disciplina propiciou processo de transformação
ontológica como consequência da epistemologia e da metodologia utilizadas, permitindo ao
sujeito/aprendiz o restabelecimento do elo perdido entre ele próprio com seu objeto de
conhecimento, que há muito se manteve e ainda se mantém distante. Tudo ocorre em função
da perpetuação, por séculos, do paradigma cartesiano que, em vez de libertar a mente humana,
deixa-a cada vez mais cega, imobilizando-a para não pensar, continuar assumindo a vida com
olhares simplificadores, fragmentadores da própria realidade.
Para tanto, o elemento do autoconhecimento emerge e é constatado mediante esta
pesquisa como mais uma subcategoria epistemo-metodológica de fundamental importância a
ser considerada durante os processos de ensino e aprendizagem, para que o sujeito, ao voltar o
olhar para si, possa se colocar no centro de seu “eu”, tendo em vista ascender a outros níveis
de realidade e percepção, enfrentando os próprios medos e os problemas das vidas pessoal e
profissional com mais segurança e responsabilidade.
3.2 NÍVEIS DE REALIDADE
Grupos Temáticos – Currículo, complexidade e transdisciplinaridade (G5)
Contexto
Apresentação dos Grupos Temáticos. Cada grupo teve um momento para apresentação
parcial dos trabalhos e outro para a apresentação final, acompanhados dos relatórios finais. A
apresentação se desenvolveu com o projetor multimídia como recurso didático.
Critério de seleção
120
O excerto a seguir foi selecionado por constituir um momento de apresentação final
dos trabalhos de grupos desenvolvidos durante a disciplina, intitulado “Currículo,
complexidade e transdisciplinaridade” (G5), em que o grupo desenvolveu a dinâmica da rede
representada pelos sujeitos os quais, ao lançarem os barbantes uns para os outros, constroem a
tessitura complexa com a qual educadores e educandos convivem diariamente nos ambientes
de aprendizagem. A dinâmica desenvolveu-se à medida que um dos sujeitos envolvidos nela
recebia o barbante do colega e conceituava o termo transdisciplinaridade.
A utilização dessa técnica pelo grupo permitiu perceber a diversidade de olhares sobre
o mesmo objeto de conhecimento, justamente porque as experiências vividas por esses
sujeitos são únicas e intransferíveis. Isso mostra os diferentes níveis de realidade presentes em
uma sala de aula, bem como a constituição de conhecimentos pertinentes trazidos por cada
um deles e o conhecimento construído sobre essa epistemologia. Emergem, desse modo, as
seguintes categorias e subcategorias: a multirreferencialidade, o hologramático, a
recursividade, a dialogicidade processual, o sistêmico-organizacional, a
multidimensionalidade, revelando o encontro dos saberes da disciplina com os dos sujeitos e
gerando um conhecimento pertinente a partir da reintrodução do sujeito transdisciplinar em
toda essa tessitura complexa de ensino e aprendizagem.
Excerto
[...] bom, o que nós vamos fazer então é, passar esse cordão aqui
para uma outra pessoa, só que antes de passá-lo, cada pessoa coloca
em uma frase ou o que é transdisciplinaridade para ela, ou que fale
uma frase que tenha a ver com Transdisciplinaridade, então vamos
assim, gerando conceitos, um pensamento seu a respeito disso... Aí a
pessoa que recebe o cordão dá uma enrolada na ponta do dedo e tira
um pedaço assim(mostra o tamanho do pedaço do barbante a ser
desenrolado) para poder jogar para outra pessoa e assim a gente vai
rodando todo mundo, tá certo? É, [...]. (Estudante H).
eu acho que a Transdisciplinaridade é alegria de ser consciente [...].
(Estudante F).
A Transdisciplinaridade para mim é um olhar, um sentir e uma
prática que me permite viver mais plenamente todas as energias da
vida corporal, mental e também [...]. (Estudante J).
Trans para mim ela se constituiu por meio de uma auto reflexão, de
uma possibilidade de transformação, de uma tranqüilidade maior de
uma vida em relação aos outros, ao controle, principalmente, ao
controle e, enfim, acho que é isso. (Estudante G).
121
Bom, para mim, transdisciplinaridade é ir além, é poder também
sentir a vida com as múltiplas dimensões e compreender também
tranqüilidade também de no meu agir, no meu dia a dia, poder sentir
e também com bastante sabedoria, desfrutar desse poder ir além.
(Estudante K)
Transdisciplinaridade é a vida, viver é ser transdisciplinar.
(Estudante L).
[...] simplesmente transformação da consciência, do sentir humano
no ser imbricado. (Docente).
Transdisciplinaridade é a abertura do ser para a vida, para o
conhecimento, para o outro. (Estudante B).
Transdisciplinaridade é assumir, aceitar, permitir a existência,
existência humana. (Estudante I).
Eu acho que transdisciplinaridade ela tem um referencial (barulho) e
esse referencial eu considero esse referencial um arado, mais eu
considero esse referencial um farol iluminado, então a partir desse
referencial para mim hoje, transdisciplinaridade é a luz que emitida
do farol, ela reflete nos olhos do barco que está sendo por ele guiado,
isso para mim é transdisciplinaridade. (Estudante C)
Bom, transdisciplinaridade para mim é experimentar o caos e o medo
do caos, mais isso tudo não com um final, né? Mas como uma
possibilidade de novos começos. (Estudante E).
Nesse excerto representado pela dinâmica da rede, foi possível constatar a diversidade
de olhares, opiniões e experiências dos sujeitos/aprendizes sobre o mesmo objeto de
conhecimento. Isso pressupõe a multirreferencialidade implicada nos contextos educativos,
ou seja, demonstra quão diferentes são vivências e experiências construídas e trazidas pelos
estudantes, antes mesmo de adentrarem o espaço educativo.
Os conceitos apresentados pelos estudantes H, F, J, G, K, L, B, I, C e E demonstram o
processo autopoiético ocorrente em cada um deles. Representa os níveis de conhecimento e
percepção que cada um tem da realidade, em consonância com suas trajetórias de vida e as
relações estabelecidas durante suas vivências, que são, para cada um, sempre únicas e
intransferíveis, como encontramos em Moraes (2003).
Para essa autora, carregamos dentro de nós o mundo em que vivemos e em que
desejamos viver, e as experiências acumuladas pelos sujeitos, durante seu viver, necessitam
ser consideradas durante todo o processo de construção do conhecimento e, sobretudo,
respeitadas em quaisquer espaços destinados ao aprender.
122
Concordamos com Maturana e Varela (2001) e Moraes (2003), quando dizem que vida
e conhecimento são indissociáveis no processo de aprender e conhecer a realidade e que não
podemos separar a história de vida das ações – biológicas e sociais – pois, por meio desse
imbricamento do ser com o ambiente em que vive, construímos o mundo à nossa imagem e
semelhança (MORAES, 2003). Assim, compreendemos que as experiências trazidas pelos
estudantes não podem ser renegadas nos espaços destinados aos processos de construção do
conhecimento, mas acolhidas para serem legitimadas. Isso exige a criação, por parte do
educador, de contextos mais dinâmicos e flexíveis, cooperativos, solidários e abertos, pois,
conforme Moraes (2008a), a mediação pedagógica, sob o olhar da complexidade, enfatiza e
valoriza a presença enriquecedora do outro, a humildade e a abertura. Reconhece a
multidimensionalidade presente nos processos de ensino-aprendizagem, a efemeridade do
conhecimento, acolhe a presença do acaso, bem como valoriza a humildade diante da
realidade, como porta de entrada para a sabedoria.
Integrar a unidade (saber particular) na diversidade (saber da disciplina) e a
diversidade na unidade é movimento que não permite pensamentos reducionistas,
mutiladores, mas raciocínio complexo, capaz de dar conta de atender aos interesses tanto
individuais como coletivos.
Possibilitar, nesse sentido, a integração dos saberes informais com os saberes formais
propostos pela disciplina em contextos educativos requer o respeito às diversidades culturais,
a aceitação do diferente, o acolhimento da pluralidade, para permitir a legitimidade dos
sujeitos implicados nesses processos, bem como a compreensão de que os saberes individuais
(as partes) necessitam ser contextualizados com os conhecimentos formais (o todo) da
disciplina, permitindo aos sujeitos aprendizes visão mais ampla do conhecimento, a partir do
olhar de cada uma das partes que compõe esse todo, bem como o contrário.
Isso nos permite compreender que essa troca intersubjetiva de conhecimentos se liga a
mais um dos princípios da complexidade denominado hologramático, categoria que emerge
como um dos elementos constitutivos e caracterizadores de uma prática construída sobre o
olhar da complexidade e da transdisciplinaridade, durante o desenvolvimento dessa dinâmica.
O surgimento desse elemento permite-nos pressupor a construção de uma prática que
se preocupa em formar o estudante para um pensar complexo, para ter uma cabeça bem feita,
123
como Morin e Paulo Freire sugerem, ter uma visão mais ampla, mediatizada pelas constantes
recursividades ocorrentes e pelas trocas relacionais de saberes entre os sujeitos, pelo diálogo.
É possível dizer, então, a partir desse excerto, que este grupo de sujeitos é parte
representativa de um organismo sistêmico-organizacional, ao religarem parte de um
conhecimento ao conhecimento do todo. Isso também nos possibilita dizer que a construção
de conhecimentos e trocas de saberes, mediante a dinâmica da rede, só foi possível, porque
cada um fez sua parte como grupo, cumprindo com responsabilidade seus papéis, como partes
representativas de um todo bem maior que os engloba.
É possível verificarmos, mediante esse excerto, a representatividade dos processos
vividos por cada um desses sujeitos e ainda afirmarmos que cada uma dessas falas
reconstruídas é produto dos processos produzidos não somente no espaço-tempo da sala de
aula em que os fatos ocorreram, mas durante as inter-relações constituídas entre vida e
cognição.
Nos processos de construção de conhecimentos, Moraes, Maturana & Varela nos
dizem que somos produto daquilo que nós mesmos produzimos e o que produzimos reflete
aquilo que somos e o nível em que nos encontramos no momento.
Dessa forma, todo ato cognitivo revela a maneira particular de cada ser humano
perceber a vida, como parte de uma tessitura muito mais complexa. A percepção que os
sujeitos têm da realidade traduz o recorte de seus mundos. Esse recorte não pode ser
considerado como expressão absoluta e única de um mundo único e igual para todos os seres
humanos.
Com base nos pressupostos teóricos de Maturana e Varela (2001), também podemos
dizer que todo conhecimento é relacional, pois comporta a bagagem do sujeito observador, e a
reflexão sobre o objeto a ser conhecido faz surgir um mundo refletido por alguém, em algum
lugar. Assim, tanto os conhecimentos produzidos nesta dissertação como os apresentados por
este excerto são visões traduzidas, pontos de vista de alguém sobre realidades vividas.
Destacamos que essa multiplicidade de experiências presentes em contextos escolares
revela a diversidade de realidades com as quais os educadores convivem, cotidianamente,
quer nos ambientes de aprendizagem presenciais quer nos virtuais.
124
Saber lidar com essa diversidade é sempre um desafio a ser enfrentado, pois esta
pluralidade cultural traz consigo uma complexidade que requer constante cuidado e escuta
sensível, por parte dos educadores.
Além disso, nessa dinâmica representada pela metáfora da rede, também é possível
constatar a importância da palavra, da linguagem, quando os sujeitos se revelam, se assumem,
pelo seu dizer, pelo seu pensar e pelo seu modo de perceber e interpretar a realidade. Como
nos diria Freire (2005, p. 90), ”não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão”.
Assim, podemos constatar a importância do diálogo nos espaços educativos para a
promoção de transformações pelo pensar construído mediante as diferenças e, ao mesmo
tempo, a semelhança entre os saberes partilhados, no respeito, na escuta, no acolhimento,
como Vieira (2008) nos ensina. Compreendemos que é somente pela palavra que os sujeitos
podem se conhecer e se reconhecer, pois, à medida que cada sujeito vai construindo seu saber,
este vai se acoplando e se incorporando.
Reforçamos, para Edgar Morin, que é somente pela comunicação amável que os
sujeitos se comunicam, se relacionam, se integram e conseguem se conectar, estabelecendo o
encontro entre o conhecimento formal proposto pela disciplina com a própria vida. Quando o
educador permite que haja esse encontro, é possível inferir que possivelmente houve
aprendizagem por parte desses sujeitos; ao mesmo tempo também se pode dizer que
possivelmente é porque houve ensino.
Isso traduz o nível de conhecimento de cada um desses sujeitos que se vai construindo
a todo tempo, em consonância com o grau de relações que estabelece consigo e com o mundo
exterior. Revelam-se, portanto, a partir do imbricamento entre o seu ser, o seu fazer e o seu
conhecer.
Relevamos a importância de estar sempre prontos a enfrentar as incertezas do
conhecimento, pois toda tradução é um ponto de vista que pode ou não pressupor erro. Nesse
sentido, é essencial se ater à importância de se ensinar a condição humana em qualquer
espaço educativo, ajudando o outro a reconhecer-se como parte de um universo maior,
reconhecendo-se pelas experiências vividas aliadas às maneiras próprias de cada um perceber
e apreender a realidade, para, em seguida, atuar sobre ela. Essas experiências cognitivas
vividas nos espaços relacionais serão sempre únicas, não se repetirão e possibilitam recolocar
125
os sujeitos como protagonistas centrais da própria história, em construção consigo e com o
outro. Essa é a razão que justifica a existência do humano no mundo em busca de
sobrevivência e transcendência (MORAES, 2003; DAMBRÓSIO, 2009).
De acordo com as Teorias Enativa e Autopoiética, não podemos separar o corpo da
mente, pois ambos são interdependentes. Assim, também não podemos separar vida e
conhecimento, pois estes são processos indissociáveis, sem possibilidade de existirem
separadamente. Estabelecer, cada vez mais, o encontro entre razão e emoção, em contextos
educativos complexos, é o imperativo para a construção de conhecimentos mais integrados e
pertinentes, tanto no que se refere à vida pessoal do sujeito, como à sua vida profissional.
Com base nesse excerto, compreendemos que integrar os conhecimentos já vividos
pelos sujeitos com os objetos cognoscíveis da disciplina permite a construção de ambiências
mais favoráveis à ocorrência das interações dialógicas subjetivas e intersubjetivas, bem como
possibilita a formação de pessoas mais críticas, esperançosas, livres, capazes de irem além, de
não terem medo dos desafios, sentindo prazer pela busca constante do conhecimento.
Criar espaços para diálogos, troca de saberes, como representado pelo excerto, é
permitir ao sujeito dizer, participar ativamente na construção do próprio processo de aprender,
pois, à medida que os sujeitos vivenciam experiências na convivência com o outro mediante
constantes trocas de saberes, as dialogias processuais vão possibilitando encontros cada vez
maiores entre os sujeitos no que diz respeito aos aspectos emocionais, cognitivos e
relacionais. Assim, à proporção que as conexões vão se estabelecendo, no encontro dos
sujeitos com seus saberes, estes se tornam capazes, ao mesmo tempo, de fazer observações,
análises, para em seguida sintetizar sobre o objeto apreendido.
É somente na convivência, mediante o desenvolvimento de processos dialógicos, que
os sujeitos podem ser capazes de construir sua autonomia, outro elemento importante dessa
construção teórica, ou seja, eles se capacitam a construir o próprio conhecimento,
direcionando a própria vida, pois sistemas vivos se constituem a partir de suas relações.
Assim, reforçamos que somente mediante relações intersubjetivas, construídas a partir
de climas de confiança, abertura, respeito, amor, os sujeitos podem ser capazes de se assumir,
dizer quem são, expressar livremente seu modo de ser, perceber e enxergar a realidade e,
sobretudo, construir conhecimentos com mais sentido, além de poder, possivelmente,
experimentar a transcendência, como D‟Ambrósio (2009) sugere. Dessa forma, concordamos
126
com Morin (2007a), quando afirma que é somente na comunicação amável que os sujeitos se
comunicam.
Os vários pontos de vista apresentam-se, à medida que os sujeitos vão construindo seu
saber sobre o objeto a ser desvelado. Isso demonstra a incorporação dos saberes da disciplina
e o sentido que ela provocou na vida de cada um desses estudantes. As múltiplas visões de
experiências sobre o mesmo objeto de conhecimento costuram o tecido complexo constituído
pelas multirreferencialidades representadas pelos diferentes níveis de percepção e realidade
com os quais se convive cotidianamente nos ambientes de ensino e aprendizagem.
Importa reconhecer, contudo, que essa multiplicidade de olhares estimula várias
percepções sobre o mesmo objeto de conhecimento e contribui para a autoformação, a
heteroformação e a eco-formação dos sujeitos envolvidos nesse contexto. Essa riqueza de
opiniões, conhecimentos informais permite aos sujeitos conectarem-se com mais facilidade
aos saberes formais propostos pela disciplina.
As dialogias processuais facilitam que as experiências de vida, reveladas por cada um
dos envolvidos, contribuam para que o objeto, ainda não revelado, seja compreendido para
além das palavras expressas no texto. O compartilhamento de ideias, de conceitos entre os
sujeitos implica que os sujeitos/aprendizes, envolvidos na dinâmica educativa, contribuam
para o próprio aprendizado, bem como para a aprendizagem e o crescimento do outro.
Portanto, são espaços de relações que se constituem a partir do exercício dialógico
presente nas trocas de experiências e saberes, nas quais as relações de alteridade são logo
reconhecidas; o respeito, a compaixão, a solidariedade, a compreensão emergem a todo
instante. Essas virtudes acabam integrando todo esse processo de construção de conhecimento
que ocorre na convivência. E são essas virtudes que permitem aos sujeitos envolvidos nesses
processos, mediante escutas sensíveis, serem capazes de compreender o outro em seu legítimo
outro, como explanam Maturana & Varela (2001), Moraes (2003) e tantos outros
pesquisadores.
Essa construção, a partir de compreensão mais ampla, propicia ambientes de constante
tolerância para com o olhar do outro, bem como possibilita transformações mediante
comunicação mais amável. Tudo isso acontece na convivência, como nos ensina Morin
(2007a).
127
Para reforçar, Vieira (2008, p.56) observa que “o diálogo só existe na diferença do
pensar construído, do logos, e partilhado no respeito, na escuta, no acolhimento”.
Portanto, é na convivência amorosa, no respeito e nas relações de alteridade que os
sujeitos se transformam. Tal processo se estabelece de modo intersubjetivo, dialógico,
mediante como cada um se identifica com o outro enquanto o sujeito se projeta no seu lugar
pela comunicação interior e exterior e pelo autoconhecimento.
Esse processo requer o fechar o olho para ver melhor, reconhecer o próprio mundo
interior, permitindo escuta capaz de projetar-se, ou seja, compreensão que parta, inicialmente,
do eu (da escuta de si) para o tu (o outro), legitimando-o, como Maturana & Varela (1999),
Moraes (2003) e Morin (2007a) defendem. Isso é importante para que os educadores possam
repensar processos de ensino e aprendizagem intelectual e emocionalmente mais saudáveis,
condição fundamental para uma educação mais humana e solidária.
3.3 LÓGICA TERNÁRIA
Analisaremos a contribuição do uso da lógica ternária para ressignificação da didática
e ampliação dos processos de percepção e de humanização dos estudantes e os elementos
caracterizadores de uma metodologia didática transdisciplinar.
Uso da lógica ternária como metodologia didática – Excerto 3
Ambiente virtual como apoio ao ensino presencial
Contexto
Espaço criado e administrado por um dos estudantes da turma para ser utilizado como
apoio ao ensino presencial.
Critério de seleção
128
O excerto a seguir foi selecionado por representar uma sala de aula virtual, estratégia
utilizada e criada em outro nível de realidade como apoio ao ensino presencial, espaço a mais
para a ocorrência de momentos de interação e construção/reconstrução de conhecimentos
entre os estudantes. Essa estratégia, prevista na ementa (Anexo 1), foi utilizada durante todo
o semestre de desenvolvimento da disciplina. Possibilitou aos estudantes se conhecerem,
ampliou os momentos de interação para além dos muros da instituição, permitiu continuidade
às discussões e aos diálogos iniciados na sala de aula presencial, bem como fortaleceu laços
entre os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem e construção de ambiente mais
harmônico, prazeroso e confiável. Essa estratégia utilizada na disciplina buscou um olhar a
partir de nova lógica, que concebe a dialogia entre duas ideias aparentemente opostas mas que
na realidade são complementares. Seu uso fez emergir as seguintes categorias e subcategorias:
a subjetividade e a intersubjetividade, o hologramático, a dialogicidade processual, a
abertura à reintrodução do sujeito cognoscente, a auto-eco-reorganização e a
recursividade.
Figura 5. Ambiente virtual utilizado na disciplina Complexidade,
Transdisciplinaridade e Educação e criado pelo estudante G.
Excerto
129
Este espaço foi construído com o intuito de nos apresentarmos. Como
passaremos muito tempo juntos, nada mais saudável do que
conhecermos os hobbies, gostos e manias de cada um. (Estudante G)
Parabens pelo espaço! Obrigado pelo retorno no e-mail, achei a
inscrição no curso muito simples e intuitiva, vejo que voce também se
esmerou nos recursos do moodle, parabéns pelo trabalho e iniciativa,
com este grupo temos muito a aprender! Forte Abraço! (Estudante E)
Olá Gente Querida.
Acho que depois da aula de terça-feira passada, o negócio é me
apresentar a partir da metáfora...O tecido tem a ver com a
capacidade que temos de tecer a vida. A partir dos fios da história
pessoal, do tempo em que nascemos e vivemos ... das experiências que
temos, das relações e contextos vou tecendo minha vida... Nasci em
Canoas-RS, no dia 25 de março de 1971. O mais velho e único homem
de uma família de três filhos. Estudei em escola pública até a 4ª. Série
e depois numa escola particular. Foi durante o final do Ensino
Fundamental que decidi ser professor. Cursei o Magistério, depois
Teologia Pastoral, Filosofia, Formação Humana e Vocação Cristã
(pós graduação) e fiz Mestrado em Educação. [...] Estou muito
empolgado com esta disciplina e com a turma. Acho que vamos fazer
grandes aventuras epistemológicas. Abraço, [...] (Estudante I)
Olá @ todos!
Sou graduado em Ciências Biológicas e especialização em Educação
a Distância. Comecei a estudar, pesquisar e experimentar a EAD em
2006, com o objetivo de “verificar se funcionava mesmo” e, desde
então, fui reduzindo minhas resistências e me apaixonando
pelas potencialidades e desafios dessa modalidade de
ensino.Trabalho nos Correios há 21 anos, sendo 14 na área de
educação. Atuei na instrutoria (modalidade presencial) por 10 anos,
em Belo Horizonte. Em 2007 participei de um processo seletivo
interno e vim trabalhar em Brasília, na Universidade Corporativa dos
Correios (UNICO), cujas Unidades Regionais de Educação estão
presentes em todos os Estados brasileiros, onde estão localizados
aproximadamente 110 mil profissionais da
Empresa. Minhas atividades atuais estão relacionadas ao
desenvolvimento de projetos e ações educacionais, principalmente nas
modalidades a distância e semipresencial. Entre outros, tenho
interesse em assuntos relativos a design instrucional , metodologias
de ensino e abordagens pedagógicas e andragógicas.
Estou muito motivado para estudar esta disciplina! Na interação com
vocês e com a Profª eu espero aperfeiçoar e compartilhar saberes,
ampliar horizontes, aprender e, quando necessário, desaprender e
aprender novamente. Gosto de curtir minha família, amigos, leituras,
cinema, música, viagens e fazer novas amizades. E tenho verdadeira
paixão pelo teatro! Abraços, [...] (Estudante M)
130
Olá!
Gostaria de agradecer o estudante G por disponibilizar o ambiente
virtual para que possamos "encher" e "esvaziar" nossas " mochilas"...
sempre com muito aprendizado! Bom, eu nasci e cresci no interior de
SP, mais precisamente em Bauru-SP. Portanto, não me peçam para
"abriRR a poRRRta", pois o sotaque ainda resiste "foRRRtemente"
aos 7 anos que moro em Brasília. Estudei o ensino fundamental em
escola pública, me formei em Odontologia em Bauru, bem como
meu mestrado também foi na minha área de formação. Sou filho de
professores, minha mãe do ensino fundamental e meu pai do ensino
superior. Portanto observem que seja o caráter hereditário ou
ambiental, o fato é que fui "contaminado" por esse ofício... Além
disso,tenho 2 filhos pequenos e a cada dia aprendemos muitas coisas
juntos.[...] participo de encontros e discussões da ABENO
(Associação Brasileira de Ensino Odontológico) onde encontrei um
campo muito promissor e fértil para estudos envolvendo a Educação.
Tenho certeza que nossos encontros serão muito valiosos pela
diversidade encontrada em nosso grupo. Hoje consigo ver que no
mundo existem várias teias interconectadas, com múltiplas
possibilidades de aprendizado. Espero aprender muito!
Abraços, [...] (Estudante K)
Olá pessoal!
Fico feliz em perceber que o espaço está sendo utilizado. Sugestões
para o ambiente sempre serão bem-vindas! Vamos à apresentação:
sou mineiro (de Patos de Minas) e moro em Brasília desde 1993. Sou
casado e tenho três filhas (a gente faz o que gosta uai ), [...]
completando 1 mês de vida no dia 18/08. Tenho como hobby o
plastimodelismo (apesar de haver algum tempo que não pratico), as
corridas de F1 e de kart (quando a $$$ permite). Leitura e tecnologia
se misturam entre lazer e trabalho. [...] Em relação ao meu trabalho,
estou no UniCEUB há 13 anos. Nesse semestre, leciono as disciplinas
de Administração de Sistemas de Informação, Filosofia e Orientação
de Monografia, mas ocasionalmente me vinculo às disciplinas de
Ética I e II, Técnicas de Negociação e Informática. [...] Um grande
abraço, Estudante C. Tenho certeza que nossos encontros serão muito
valiosos pela diversidade encontrada em nosso grupo. (Estudante G)
Como podemos constatar a partir desse excerto, os ambientes virtuais de
aprendizagem são espaços a mais que surgem na rede mundial de computadores para serem
explorados e potencializados nos processos de construção e reconstrução de conhecimentos.
Seu uso ajuda educadores e educandos a ultrapassar barreiras, facilita relações e possibilita
diversas construções e apreensão da realidade por meio de uma rede colaborativa de
aprendizagem, em que cada sujeito ajuda o outro a desenvolver-se, ao mesmo tempo em que
também se desenvolve, construindo cada qual sua trajetória de conhecimentos, mediante
relações subjetivas e intersubjetivas que possam ocorrer nesse espaço.
131
O processo de ensino e aprendizagem acontece num sentido hologramático, no qual o
todo, informacionalmente, estaria nas partes e as partes no todo, este constituído a partir de
uma ecologia de saberes, de riqueza de trocas de experiências a partir de múltiplas visões
estabelecidas nesses contextos.
A ampliação dos espaços pedagógicos e as possibilidades de acesso à informação e à
comunicação, sem a necessidade de educadores e educandos partilharem os mesmos espaços
geográficos, permitem que a sala de aula presencial se estenda em direção a outros espaços,
além dos tradicionalmente constituídos, ampliando-se, desse modo, novas possibilidades de
apropriação e dialogias processuais sobre qualquer temática iniciada na sala de aula
presencial.
Isso amplia os espaços de ensino e aprendizagem, que já não se limitam ao espaço-
tempo institucional, bem como à figura única e exclusiva do educador como mediador do
processo. Isso pode ser percebido já na primeira fala do estudante G.
Este espaço foi construído com o intuito de nos apresentarmos. Como
passaremos muito tempo juntos, nada mais saudável do que
conhecermos os hobbies, gostos e manias de cada um. (Estudante G)
Parabens pelo espaço! Obrigado pelo retorno no e-mail, achei a
inscrição no curso muito simples e intuitiva, vejo que voce também se
esmerou nos recursos do moodle, parabéns pelo trabalho e iniciativa,
com este grupo temos muito a aprender! (Estudante E)
Tenho certeza que nossos encontros serão muito valiosos pela
diversidade encontrada em nosso grupo. (Estudante G)
A utilização da sala de aula virtual, nesse contexto educativo, permitiu que as
discussões iniciadas em sala de aula se complementassem para além dos muros acadêmicos,
propiciando a ampliação do tempo por parte dos sujeitos/aprendizes na busca por
aprofundamento da temática colocada em discussão, possibilitando mais trocas e interações.
Além disso, favoreceu o espaço de abertura, não somente para os estudantes
acessarem os textos da disciplina, bem como facilitou a troca de sugestões de referências entre
os estudantes/educadora e entre os próprios estudantes. Esse espaço também permitiu a
criação de outros espaços para construção colaborativa dos projetos de pesquisa e dos
registros das produções sobre os estudos temáticos, como as wikis utilizadas pelo grupo 3 -
Docência Transdisciplinar em Ambientes Virtuais de Aprendizagem - e pelo grupo 5 -
Currículo, Complexidade e Transdisciplinaridade, como podemos constatar pela imagem do
132
ambiente virtual apresentada. Foi um processo que ocorreu de modo recursivo e evolutivo,
mediante construções e elaborações dos relatórios finais pelos integrantes dos grupos que iam
sendo apresentados durante o decurso da disciplina, nesse outro espaço.
A troca de saber entre os estudantes, mediante a utilização do espaço virtual,
possibilitou aprendizagens mais ricas e produtivas. D‟Ambrósio (2009, p. 27) assevera que “o
conhecimento é o substrato da ação comportamental, permitindo a qualquer ser vivo interagir
com seu meio ambiente”. Essa interação foi, portanto, a essência dos processos educacionais
nos ambientes virtuais vivenciados.
Portanto, saber interagir e conviver no ambiente virtual são atitudes importantes a
serem despertadas entre os sujeitos/aprendizes, para que ocorram construções de
conhecimentos significativas, suscitadas por climas favoráveis de convivência, para a
ocorrência de processos de aprendizagem emocionalmente saudáveis e criativos. O diálogo
passa a ser também fundamental nesses processos
Nesse sentido, é importante a utilização e a criação de espaços para o aprender que
favoreçam a troca de saberes, em um clima de convivência agradável, prazeroso e criativo,
para que educadores e educandos possam se sentir à vontade, livres, seguros e confiantes para
participarem e experimentarem vivências autopoiéticas dialógicas de ensino e aprendizagem.
Em qualquer contexto educativo, seja no modo presencial seja no digital, muitas são
as realidades com as quais os educadores deparam. Cada sujeito tem o próprio sonho, desejo e
necessidade de realizá-lo, inclusive porque essa sede de conhecimento, como nos explica
Moraes (2003), é própria do ser humano, que busca encontrar sentido naquilo que faz, para
sentir-se realizado, integrado e vivo diante das experiências. Muitas são as trazidas pelos
sujeitos, trajetórias de vida que não podem ser desconsideradas, o que podemos verificar
pelos excertos abaixo:
Sou graduado em Ciências Biológicas e com especialização em Educação a
Distância. Comecei a estudar, pesquisar e experimentar a EAD em 2006, com o objetivo de “verificar se funcionava mesmo” e, desde então, fui
reduzindo minhas resistências e me apaixonando pelas potencialidades e
desafios dessa modalidade de ensino. Trabalho nos Correios há 21 anos, sendo 14 na área de educação. Atuei na instrutoria (modalidade presencial)
por 10 anos, em Belo Horizonte [...] (Estudante M)
Estudei o ensino fundamental em escola pública, me formei em
Odontologia em Bauru, bem como meu mestrado também foi na
133
minha área de formação.[...] participo de encontros e discussões da
ABENO (Associação Brasileira de Ensino Odontológico) onde
encontrei um campo muito promissor e fértil para estudos envolvendo
a Educação.(Estudante K)
Estou no UniCEUB há 13 anos. Neste semestre, leciono as disciplinas
de Administração de Sistemas de Informação, Filosofia e Orientação
de Monografia, mas ocasionalmente me vinculo às disciplinas de
Ética I e II, Técnicas de Negociação e Informática [...] (Estudante G)
Saber trabalhar com essa diversidade de experiências sem olhar diretamente no olho
do outro, sem estar presente fisicamente, mas se fazer virtualmente presente, constitui grande
desafio, que requer mudança de postura frente às novas formas de se construir e reconstruir
conhecimentos em rede colaborativa, a partir de convivência harmônica, solidária, mediante
trocas constantes de saberes. Exige atitude para saber respeitar a diversidade de olhares
presentes nesses ambientes de aprendizagem e disposição para compreender o outro em seu
legítimo outro, como nos ensina Maturana e Varela (2001) e Moraes (2003).
Numa perspectiva complexa e transdisciplinar, Moraes (2008a) observa que os
ambientes de aprendizagem, sejam eles presenciais sejam digitais, devem ser pensados e
repensados como sistemas abertos, para que os estudantes possam expressar, com liberdade,
emoções e pensamentos, sem restrições.
Espaços que integrem variadas linguagens e possibilitem encontros de sinergias
favorecedoras de novas ecologias de saberes, à proporção que o sujeito, ao se sentir tocado
por conversações dialógicas, interage com o outro, alimentando-se e realimentando-se sempre
que necessário. Trata-se de um processo recursivo que se desenvolve e necessita estar em
permanente evolução.
Assim, para ressignificação dos métodos didáticos ocorrentes em ambientes de
aprendizagem, tanto presenciais como digitais, para Moraes (2008a) e Candau (2008, 2009), é
importante que sejam vivenciadas novas linguagens nesses espaços, trabalhados novos
conceitos epistemológicos e metodológicos, para que ocorra o encontro entre vida e cognição.
E isso acontece mediante a reintrodução do sujeito/aprendiz como principal autor do próprio
processo de construção do conhecimento e do reconhecimento da multidimensionalidade
humana envolvida nesses processos.
A integração de estratégias lineares com estratégias não-lineares, como, por exemplo,
sala de aula virtual/sala de aula presencial, trabalhos individuais/grupais, leituras de
134
textos/leituras de imagens, histórias de vida/biografias, conhecimentos
formais/conhecimentos informais, são alguns caminhos para a ocorrência de possíveis
transformações nos espaços de ensino e aprendizagem, numa perspectiva de trabalho que
envolve a complexidade e a transdisciplinaridade, sob o olhar da lógica ternária, pois, como
nos lembra Assmann (2001, p. 26), “onde não se propiciam processos vitais tampouco se
favorecem processos de conhecimento”.
A utilização de salas de aula virtual como apoio ao ensino presencial, porém, ainda
representa desafio a ser inserido nos contextos educativos. Se existe, no entanto, essa
possibilidade de novos espaços para processos de construção de conhecimentos, a partir de
outro nível de realidade, a realidade virtual, então, como educadores, não há mais como dar as
costas a essa alternativa, mas buscar a formação necessária capaz de promover mais essa
possibilidade de apropriação dessa área de conhecimento e desse modo de ensino e
aprendizagem, possibilitando aos estudantes sua inserção em mais um contexto de construção
e reconstrução de conhecimentos, que vai além e perpassa os muros da escola. São espaços
abertos para expansão de novas formas de apropriação dos saberes pelas dialogias
intersubjetivas, que acontecem na virtualidade.
Assim, concordamos com Demo (2009), quando esclarece que, diante da ascensão das
novas tecnologias na educação, vai ser difícil o educador propor situações de aprendizagem
que não sejam, em parte, virtuais.
As dialogias processuais subjetivas e intersubjetivas ocorrentes, tanto nos espaços
presenciais como nos de sala de aula virtual, propiciaram entrelaçamentos entre os
conhecimentos teóricos e práticos que se mesclaram a todo tempo durante o processo de
construção do conhecimento. Saberes relacionalmente gerados a partir do diálogo entre
pensamentos e ações, circunscritos e contextualizados às situações ocorrentes no ambiente de
aprendizagem presencial.
A construção dos saberes, mediante as dialogias processuais, promovidas nos dois
espaços de construção de conhecimento, tanto no modo presencial como no virtual, permitiu
que educadores e educandos se influenciassem mutuamente, a partir de ideias e trocas de
conhecimentos, bem como de relatos de experiências, transformando-se e autotransformando-
se. Os constantes diálogos reflexivos disseminados nesses dois espaços possibilitaram aos
sujeitos/aprendizes a ampliação de conhecimentos sob os mais diferentes olhares e aberturas
135
cada vez maiores para a socialização, a dialogia entre ideias opostas. Além disso, propiciaram
integração, interação, formação de comunidades a partir de diferentes áreas de interesses e
estabelecimento de laços entre os sujeitos para além das relações iniciadas em sala de aula
presencial, mediante respeito, incentivo e confiança.
Nesses dois espaços, foi possível constatarmos também que o papel do educador não
consistiu em apresentar ou dar respostas prontas aos educandos, mas de instigá-los e ajudá-los
a construir novas perguntas, fazendo-os ir ao encontro de seus sonhos, visto que os sonhos,
como afirma Moraes (2003), são os nutrientes necessários à constante busca do
conhecimento.
Assim, compreendemos que o papel do educador não é dizer ao estudante o que ele
tem que aprender, mas apresentar novos caminhos. É alguém que sugere e se preocupa em
como levar o educando a desenvolver o próprio processo de construção de conhecimento. É
aquele educador que vai à busca de novas possibilidades para os processos de ensino e
aprendizagem que oportunizem ao estudante pensar e repensar a própria realidade, à luz de
um pensamento complexo. É um processo em que, juntos, educador e educando, podem
descobrir novas formas de pensar um problema, sob as mais diferentes vertentes, a partir de
um olhar mais ampliado, em um movimento em que ambos, como nos ensina Moraes (2003),
transformam-se, inventam-se e reinventam-se a todo momento.
Nesse sentido, concordamos com Meirieu (1998), quando explica que os processos de
ensino e aprendizagem dependem muito mais da maneira como o educador pensa e coloca em
prática aquilo que sabe muito bem na teoria; quando confere à sua prática o objetivo para
alcance da aprendizagem. Vai além do simplesmente “dar aula”, portanto. É necessário,
entretanto, que o processo conte com planejamento flexível e dinamizador.
Assim, podemos concluir que o uso da lógica ternária como um dos pilares da
construção de uma docência com base em metodologia complexa e transdisciplinar permite
que os sujeitos dialoguem, respeitando os diferentes olhares que se cruzam e entrecruzam nos
mais diferentes campos de conhecimento, tendo em vista possibilitar avanços rumo a outros
níveis de realidade e percepção sobre objetos do conhecimento, mediante a reintrodução do
sujeito cognoscente no processo de construção do conhecimento. Este, ao atuar como
principal construtor e autor do próprio processo de construção e reconstrução de
conhecimentos, assume a direção para dar sentido à própria vida.
136
Para tanto, é importante que os processos de ensino e aprendizagem sejam mais
abertos e criativos, capazes de permitir a presença do inusitado, do novo e do desconhecido,
provocadores de desequilíbrios importantes e necessários ao sujeito, para que, à medida que
se mostre aberto a essa tessitura complexa de construção de conhecimento, possa ser capaz de
articular os processos, os saberes em prol das transformações humanas necessárias.
Isso exige criação e busca por contextos mais dinâmicos e flexíveis, cooperativos,
solidários e abertos, pois,, segundo Moraes (2008c), a mediação pedagógica, sob o olhar da
complexidade, enfatiza e valoriza a presença enriquecedora do outro, a humildade e a abertura
ao novo. Reconhece a multidimensionalidade presente nos processos de ensino e
aprendizagem, a efemeridade do conhecimento, acolhe a presença do acaso, bem como
valoriza a humildade diante da realidade e do conhecimento, como porta de entrada para
expressão da sabedoria.
137
CONCLUSÃO
Com base nos estudos realizados, concluímos, mesmo inicialmente, que a metodologia
didática de natureza complexa e transdisciplinar se materializa como prática que pode
promover transformações durante o desenvolvimento dos processos de ensino e
aprendizagem, nos espaços destinados à construção e à reconstrução de conhecimentos.
Materializa-se, portanto, como prática transformadora, complexa e transdisciplinar, a se
desenvolver mediante a escolha de um método a ser definido a partir dos aspectos
ontológicos, epistemológicos e metodológicos desse referencial teórico.
Constitui método congruente com todos os seus elementos estruturantes, tomando-se
por base os pressupostos teóricos da transdisciplinaridade constituídos sob os três pilares:
níveis de realidade, lógica ternária e complexidade. Pressupõe uma didática a ser constituída
de forma aberta, flexível, que respeite a multidimensionalidade de olhares e a
multirreferencialidade dos sujeitos implicados na dinâmica do conhecer.
Prática, portanto, congruente com o ser e o fazer do educador, em sua relação com o
educando, que se desenvolve mediante o estabelecimento de relações indissociáveis e
contínuas entre teoria e prática. Prática a ser teorizada na ação educativa, a partir da
ressignificação de práticas já existentes, que possam ser capazes de ir ao encontro das
necessidades dos estudantes, aproximando-se de sua realidade, dos contextos com os quais se
vai trabalhar, a fim de que essas experiências possam subsidiar novos olhares que permitam o
construir e o reconstruir de novas teorias.
É um processo dinâmico, circular e recursivo. Ou seja, é uma teoria que se alimenta de
uma prática pensada, a ser teorizada na ação, mediante constantes registros para,
posteriormente, ser pensada e repensada, tendo em vista a geração de teorias. Assim,
compreendemos que essa metodologia transdisciplinar se desenvolve mediante o movimento
do tetrângulo, inspirado por Edgar Morin, constituído de teoria, prática, teorização, teoria.
Esse tetrângulo resulta da superposição de dois triângulos – o da dimensão Teórica, proposta
por Nicolescu, e o da dimensão Prática, proposta por Moraes. Acrescentamos às duas
dimensões o elemento da teorização, que se volta novamente à reconstrução de teoria, o que
foi constatado mediante o desenvolvimento desta pesquisa. É, portanto, o símbolo metafórico
dos processos de ensino e aprendizagem a partir de uma docência transdisciplinar que se faz
138
mediante uma metodologia didática, de natureza complexa, capaz de permitir o resgate do
sujeito com ênfase em sua essência humana.
É, pois, uma prática desafiadora, porquanto está aberta ao aleatório, ao imprevisível,
ao novo e ao emergente. Esse novo entendido como o que emerge, ou seja, o que se apresenta
como oportunidade, “problema importante” a se instaurar, capaz de fornecer as condições
necessárias para os sujeitos/aprendizes estabelecerem, cada vez mais, a aproximação dos
propósitos da disciplina com os seus interesses tanto no plano de vida prática, como na
profissional, conhecimento que possa servir para toda a sua vida.
É uma metodologia que se constrói a partir de uma prática desenvolvida nos mais
diferentes ambientes, que se constitui e se revela mediante constantes diálogos
intersubjetivos, que ocorrem a partir de convivência harmoniosa, de prazer e respeito, com
experiências intelectuais e emocionalmente saudáveis, apoiadas no amor, na cumplicidade e,
principalmente, na confiança e na esperança de que algo é possível de ser transformado.
Consiste em processo de ensino e aprendizagem em que os sujeitos, à medida que se
sentem profundamente tocados pelas dialogias processuais intersubjetivas, construídas pelas
trocas de conhecimentos que se cruzam e entrecruzam a todo momento, sentem a força nas
palavras, nos gestos, no olhar, no encontro com o outro.
Desse modo, passam a não se sentir sós, a perceber que não são os únicos a vivenciar
problemas, dificuldades, medos. Esse movimento de projetar-se em direção ao outro,
mediante a diversidade de experiências compartilhadas e oportunizadas durante os processos
de construção de conhecimentos, permite que os sujeitos/aprendizes se sintam também mais
encorajados por um movimento que vai se processando por ações estrategicamente pensadas e
inseridas pelo educador, de modo a permitir que se amplie, cada vez mais, o diálogo constante
entre a teoria e a prática. Prática a ser teorizada na ação, registrada, para em seguida ser
refletida e novamente teorizada, em constante movimento.
Assim, a metodologia didática complexa e transdisciplinar materializa-se a partir da
vivência de experiências que se concretizam no decurso do desenvolvimento dos processos de
ensino e aprendizagem, por meio de ações que se constroem apoiadas em uma teoria que traz
consigo práticas integradoras a serem teorizadas. Estas visam à construção de novas teorias,
que novamente a elas se voltam numa espiral evolutiva, para que essas didáticas propostas, ao
139
serem teorizadas na ação, possam gerar teorias, compreendidas como conhecimento vivo,
sempre em movimento e em estado de constante ressignificação.
Esse é o papel a ser exercido pelo educador na e durante sua ação educativa, o que lhe
permite agir com mais autoridade e autonomia para escolher “atratores” mais compatíveis
com os interesses dos educandos, na tentativa de aproximar o conteúdo formal do
conhecimento desejado pelos estudantes. Ou seja, aproximar o conteúdo da disciplina das
necessidades dos estudantes, mediante contextualização.
Tal atitude exige, por parte dos educandos, sensibilidade e olhar atento aos ruídos
ocorrentes no desenvolvimento da ação educativa, a fim de que a prática se dinamize em
função do que emerge em cada contexto, para que, congruente com este, e a todo tempo a
serviço de mais qualidade da aprendizagem dos estudantes, esteja voltada ao estabelecimento
do encontro da razão com a emoção, união indissociável entre corpo e pensamento, em busca
de um conhecimento mais pertinente, em permanente estado evolutivo e de transformações.
Como se constitui em prática constantemente dinamizada, ela exige mudanças de
postura por parte do educador, sempre em constante busca por metodologias que permitam
inovação, criatividade, utilizando-se das mais diferentes linguagens, além da razão.
Aliado a tudo isso, também se busca constante aprofundamento teórico sobre a própria
prática vivenciada, mediante ações pensadas a serem colocadas em prática, complementando-
a com constantes reflexões e registros, antes, durante e após cada uma das ações a serem
desenvolvidas.
Em relação à postura do sujeito/aprendiz, esta acontece pelo reconhecimento deste
como principal ator e autor do próprio processo de construção de conhecimentos, passando a
agir com mais autonomia e autoridade diante dos problemas a ele pertinentes, enfrentando-os
e encarando-os de forma segura, equilibrada e destemida, pela consciência que se vai
construindo em relação a seu papel perante a vida, a sociedade, a educação, enfim, a partir do
próprio processo sócio-histórico evolutivo. Isso permite ao sujeito/aprendiz inserir-se, de
modo mais integrado e integral, nos processos que envolvem o construir e o reconstruir de
conhecimentos.
Para tanto, muitas são as estratégias que podem ser utilizadas nos ambientes de
aprendizagem e sejam capazes de levar o estudante a se abrir ao desconhecido ou a se fechar
140
para novas reorganizações, buscando, assim, dentro de si, a força, a luz, a razão, a esperança,
o conhecimento integrado, para fazer emergir nova ordem interior e exterior, capaz de motivá-
lo a querer entrar e sair de uma situação de caos, de morte, de estado fragmentado do
pensamento em relação ao conhecimento, para apostar na própria vida, no conhecimento a ser
desvelado. Ou seja, nova ordem que o ajude a assumir a própria condição de ator e autor do
próprio processo de construção de conhecimento.
Essa prática educativa requer proposição de didáticas criativas e mais integradoras nos
espaços destinados aos processos de ensino e aprendizagem, o que pressupõe a exigência de
mudança de postura dos educadores frente ao conhecimento, busca de maior compromisso
com a formação de sujeitos mais críticos e seguros. E isso é, e será sempre, um dos grandes
desafios do educador: ajudar o estudante a construir pensamento mais elaborado, levando-o a
caminhos que lhe permitam apropriar-se de conhecimentos pertinentes, mediante busca por
melhoria na qualidade da aprendizagem para que possa assumir seu mundo interior, seu
próprio “eu”, sendo autor e ator ao mesmo tempo.
É um processo de ensino e aprendizagem que se desenvolve de modo circular e
recursivo em constante evolução, capaz de permitir e levar estudantes a atingirem níveis mais
elevados de conhecimento e percepção, a partir das interações ocorrentes entre as mais
diferentes realidades presentes em uma sala de aula, quer no modo presencial quer no digital.
Tudo isso será apoiado em ferramentas conceituais propostas por Edgar Morin e M. C.
Moraes a partir da construção de um pensar complexo que permita, tanto ao educador como
ao educando, pensar sobre o próprio pensar, a fim de que, no momento exato da desordem, ou
das dificuldades, juntos, educador e educando, possam enfrentar da melhor forma imprevistos
ou problemas nunca antes pensados, no sentido de possibilitar as possíveis e melhores
escolhas capazes de atender à situação emergente. Essa condição é importante para que ambos
possam evoluir tanto no aspecto individual quanto no coletivo, superar desafios, de modo a
sentirem-se cada vez mais dispostos a irem ao encontro da vida em sua plenitude máxima. É
prática a ser concebida, para além das disciplinas, da razão, dos muros escolares.
Nesse contexto, essa metodologia envolve processos estrategicamente pensados por
educadores que possam levar os sujeitos/aprendizes a transcenderem a outras dimensões e
formas de conhecimento, além daquilo que se encontra aparentemente visível.
141
É metodologia capaz de permitir intuir conhecimentos que estão na ordem implicada,
contida no emaranhado da espiral evolutiva que se apresenta. Para tanto, é preciso
sensibilidade quanto aos sinais surgidos, para que os estudantes, sob a mediação do educador,
possam conseguir reverter o caos em benefício dos próprios processos de desenvolvimento.
Esse tipo de postura requer visão ampliada, sensível, constituída mediante relações
fortemente estabelecidas nos mais diferentes espaços educativos e compreendidas a partir dos
mais diferentes contextos educativos que se desdobram como processos relacionais e
emocionalmente saudáveis para todos os sujeitos.
A metodologia didática transdisciplinar é uma prática a se constituir pela confiança,
que se revela pelo olhar, pelo exemplo de vida, pelas relações estabelecidas e pelo assumir de
papéis atribuídos a cada um dos sujeitos envolvidos na práxis pedagógica. Ou seja, o
educador assume seu papel de ensinar e o educando o de aprendiz e aprendente. Fica claro
que ambos assumem papéis distintos em todo esse processo, embora possam se alterar
enquanto caminham. Isso implica relação na qual um não existe sem o outro, ambos se
complementam, pois, à proporção que constroem juntos os próprios caminhos, aprendem,
transformam-se e, ao aprender e ser transformados, podem também promover transformações
no mundo à sua volta.
O papel do educador na metodologia transdisciplinar consiste, portanto, em preparar o
campo energético e vibracional para expandir a luz, a força capaz de energizar, iluminar,
possibilitar o estabelecimento de conexões com a realidade, fazer o encontro com as vidas
presentes nos diferentes contextos nos quais estão inseridos. No exato momento em que se
percebe conectado com seus estudantes, o educador estabelece o elo, fortalece os vínculos,
não por meio de ações que promovam desequilíbrios emocionais nos estudantes, mas por
aquelas nutridas pelo amor, pela sabedoria, fazendo valer sua autoridade para que cada um
assuma a própria autonomia em relação à sua vida pessoal e à profissional.
Nessa relação, muitas vezes constituída pelo caos, o educador age como aquele que
prepara o campo, irradia luz, traz energia e refrigério, ao mesmo tempo capaz de ajudar o
estudante a conectar-se consigo, dando-lhe vida e ajudando-o a sonhar novamente em busca
de novo sentido para sua vida. Um ser que traz consigo a força e a fé capazes de levar os
estudantes a acreditarem em seu restabelecimento e reconexão com o mundo interior, a partir
da confiança que se resgata pelo exemplo a todo tempo presente no exercício da ação docente.
142
Assim, nos processos de ensino e aprendizagem voltados a essa metodologia, o
educador transdisciplinar é um sábio, um amigo, uma pessoa humilde que se desprende, se
dedica, se envolve com o todo e se reconhece no outro pelo simples olhar inserido no coração
de cada estudante. É um sujeito atento, desinteressado, comprometido em exercer, com
responsabilidade, seu papel de educador transdisciplinar. É o que propicia a transcendência, à
medida que utiliza estratégias que contemplam a pesquisa, a coletividade, a produção, a auto-
eco-reorganização, as mais diferentes linguagens (música, teatro, poesia, dança), e
compreende que as estratégias utilizadas podem possibilitar, aos sujeitos/aprendizes, o
autoconhecimento, o qual permita aos estudantes ir além dos conteúdos previstos pela
disciplina. O docente se torna, então, sujeito mais pesquisador do que transmissor, que cuida,
sabe ouvir, tem sensibilidade para perceber os sinais que emergem no próprio decurso de sua
prática, capaz de colocar nova ordem, quando necessário, e promover o encontro entre razão e
emoção, cognição e vida.
Nessa metodologia voltada aos princípios da complexidade e da transdisciplinaridade,
o educando, com consciência transdisciplinar, é aquele sujeito que encontra no educador a
energia, a luz, a força capaz de ajudá-lo a avançar sempre que necessário, a fim de que possa
expandir seu nível de percepção e conhecimento da realidade, para além da ordem já
estabelecida, para alcance de respostas mais favoráveis aos problemas emergentes. Ambos
nesse processo estão envolvidos, sobretudo, em ato de fé e esperança.
A metodologia didática complexa e transdisciplinar, em tal contexto, desenvolve-se a
partir da lógica ternária, que articula saberes aparentemente opostos que, ao serem colocados
em diálogo mediante estratégias lineares e não-lineares, são capazes de permitir novas
possibilidades para os sujeitos/aprendizes construírem e reconstruírem novos caminhos em
seus processos construtivos e reconstrutivos de conhecimento.
Ela é concebida a partir de situações de aprendizagem que levem os
sujeitos/aprendizes a terem uma visão mais ampliada e diferente da lógica binária presente no
paradigma clássico; uma visão baseada nos pressupostos teóricos da complexidade e da
transdisciplinaridade a se constituir sob os três pilares da transdisciplinaridade: níveis de
realidade, lógica ternária e complexidade. Implica uma metodologia didática que pressupõe
abertura, flexibilidade e respeita a multidimensionalidade humana, bem como as
multirreferencialidades dos sujeitos inseridos na dinâmica do conhece e do aprender.
143
Contrária ao pensamento clássico, que promove a fragmentação do conhecimento sob
ótica excludente, a metodologia transdisciplinar, com base nesse três pilares, promove um
conhecimento que reintegra, une, religa, estabelece pontes e conexões entre as partes e o todo
do conhecimento e entre o todo e as suas partes. Apresenta-se, portanto, nova ótica em relação
aos processos construtivos do conhecimento, nova forma de se compreender e apreender a
realidade.
Com apoio nessas considerações, compreendemos como é necessário e urgente que o
velho cenário didático vá, aos poucos, sendo substituído para que o outro renasça, materialize-
se, a partir dos elementos estruturantes do velho cenário que emergem ressignificados, a fim
de que os processos de ensino e aprendizagem possam estar sempre ligados à própria
dinâmica da vida. A metodologia didática transdisciplinar permite ao sujeito/aprendiz
construir e reconstruir a própria história em relação ao conhecimento e à própria vida. Vida e
conhecimento caminham juntos, nessa abordagem metodológica, sem dissociar-se um do
outro, mas, ao mesmo tempo, atrelando-se e entrelaçando-se, pois esse reencontro possibilita
a formação de um sujeito mais integral e integrado, crítico, responsável e acima de tudo
religado, comprometido com a própria vida e com a vida do outro.
O educador, nesse sentido, desempenha importante papel na vida do educando,
enquanto consegue estabelecer o elo entre os conhecimentos formais e os conhecimentos
informais do estudante, atua escolhendo os melhores caminhos para que o sujeito vá ao
encontro de seu projeto de vida, de algo que o faça feliz e disposto a querer estar sempre
aprendendo.
Para essa aventura rumo ao conhecimento sob o olhar dessa nova ótica, os operadores
cognitivos atuam como princípios reguladores para o educador pensar e repensar, à luz do
pensamento complexo, as situações didáticas de aprendizagem nos contextos educativos, a
fim de que possa elaborar situações de aprendizagem com qualidade, que levem os estudantes
a construírem conhecimento com mais sentido. Esses princípios contribuem e favorecem
momentos reflexivos para se pensar sobre o próprio fazer pedagógico, bem como contribuem
para a tomada de decisões e a escolha de diversificadas propostas de ações mais adaptadas e
adequadas às realidades com as quais o educador deparará no exercício de sua função
educativa.
144
Esse compromisso com o aprendizado e o processo de construção do conhecimento do
aprendiz exige iniciativa, decisão, consciência dos movimentos dos estudantes, complexidade
de fatores que contam com o acaso, o imprevisto e o emergente, no intuito de possibilitar a
vivência de experiências únicas e, consequentemente, favorecer as transformações esperadas
durante os processos de construção de conhecimentos.
Paralelo a tudo isso, as estratégias metodológicas transdisciplinares podem atuar como
fios condutores que, se bem planejados pelo educador e desenvolvidos de forma integrada nos
ambientes de aprendizagem, sob o olhar sensível estando a todo momento atento aos ruídos
surgidos no processo de ensino e aprendizagem, podem suscitar o fluir de emoções e
sentimentos, o acoplamento estrutural entre o sujeito e o seu objeto de conhecimento.
A criação de estratégias integrando as mais diferentes linguagens nos espaços
educativos, como, por exemplo, a música, a imagem e a palavra, facilitam a construção de
ambientes de aprendizagem energéticos e criativos, bem como permite que o educando
participe ativamente, contribuindo com suas experiências de vida, trocando idéias, fazendo
anotações, ou mesmo, com o próprio cultivo do silêncio para reflexão mais aprofundada.
Tudo isso promove aprendizagens mais sólidas e com mais sentido tanto para a vida pessoal
como a profissional.
Essas variadas linguagens ajudam ou favorecem processos mais adequados à
construção de caminhos que se cruzam e entrecruzam, mediante a formação de redes
relacionais intersubjetivas, pelo diálogo, que se tornam fonte de apoio pelas quais muitos dos
estudantes podem ou não encontrar as saídas para novos caminhos rumo ao conhecimento.
Essas estratégias que integram diferentes linguagens, sob o olhar do pensamento
complexo, são denominadas metodologias didáticas transdisciplinares. São alguns possíveis
caminhos que podem ajudar os educadores na ressignificação de suas ações pedagógicas e,
consequentemente, propiciar as mudanças esperadas no âmbito educativo que possam
provocar ou não possíveis desequilíbrios capazes de motivar e ampliar o desejo nos
estudantes de participação ativa, para atuarem como protagonistas de seu processo de
conhecimento, tendo em vista serem construtores da própria história, bem como co-
construtores da história do outro.
Por isso, o “holomovimento” entre a dimensão teórica e a prática, acrescentada a essas
duas a teorização, pois a relação entre esses três elementos pode atuar como base fundamental
145
para se gerarem teorias e possibilitarem processos de ensino e aprendizagem com mais
qualidade, expõe o dinamismo gerado pelos constantes movimentos de construção,
desconstrução e reconstrução nos ambientes de aprendizagem.
Saber estabelecer a integração entre as diferentes metodologias didáticas
transdisciplinares permite ao educador a construção de práticas inovadoras capazes de levar
os sujeitos/aprendizes a experimentarem processos de construção de conhecimento a partir de
diferentes caminhos e das próprias formas de conhecimento que melhor os levem a aprender.
Assim, concluímos ser possível uma didática transdisciplinar não somente em curso de
pós-graduação, como nos mais diferentes níveis de ensino. Para tanto, são necessárias
mudanças de postura por parte dos educadores em relação ao conhecimento, para busca de
construção de inovadoras metodologias de ensino e aprendizagem, capazes de fazer diferença
em relação aos processos de aprendizagem e à promoção de mais qualidade nas
aprendizagens. Não há mais como se admitirem práticas pedagógicas voltadas a um ensino
formatado e empacotado, no qual educadores apenas preocupados em ensinar não se dão
conta do que fazem os estudantes enquanto se está “ensinando”.
Por intermédio desta pesquisa, também foi possível compreendermos que muitas são
as práticas a serem adotadas em sala de aula, tanto no modo presencial como no digital.
Portanto, muitos são os caminhos, muitas as possibilidades para o desenvolvimento de
práticas educativas mais dinâmicas, envolventes e criativas, que tenham, como foco principal,
a preocupação com a qualidade da aprendizagem dos estudantes. O mais importante é que o
educador compreenda que já não dá mais para apenas ensinar. O mais importante é criar
condições favoráveis que permitam ao estudante aprender a aprender, aprender a fazer,
aprender a ser, a viver junto, tudo isso em um espaço de aprendizagem construído na
convivência harmoniosa, intelectual e emocionalmente saudável.
A metodologia didática transdisciplinar, baseada na lógica ternária, permite que
opiniões opostas dialoguem e se complementem, bem como leva o sujeito/aprendiz a
encontrar novos caminhos em busca do conhecimento ainda não revelado, em um processo
circular e recursivo que possibilita as constantes construção e reconstrução do conhecimento.
Assim, foi possível constatarmos que uma mudança paradigmática é urgente e
necessária. No aspecto metodológico é mais urgente ainda a construção de propostas
inovadoras de caminhos que permitam mudanças nos contextos educativos em relação às
146
novas formas de ensinar e aprender. Almejamos mudança de postura por parte dos
educadores, a partir da autorreflexão sobre o próprio fazer pedagógico.
Concluímos, com base em toda essa tessitura complexa de construção de
conhecimentos e vida, que é preciso promover processos didáticos mais criativos e
inovadores, capazes de formar pessoas que busquem soluções criativas para os problemas da
vida social com autonomia intelectual e moral. Pessoas que tenham paixão pela pesquisa, pela
busca do conhecimento e se sintam sujeitos envolvidos e comprometidos com o futuro da
humanidade, sem desconsiderar o passado, mas sobretudo atuar no presente com olhos
voltados ao futuro.
Para tanto, necessitamos de pessoas mais ousadas e, acima de tudo, corajosas, para
lidar com as incertezas do mundo contemporâneo; capazes de criar caminhos, alicerçados por
estratégias metodológicas congruentes com as exigências da sociedade do conhecimento, para
superação do velho cenário de ensino tradicional.
Precisamos de mudança paradigmática nos processos de ensino e aprendizagem em
contextos educativos e isso foi o que tentamos propor nesta pesquisa, para o início de longa
caminhada de construção e reconstrução de novos cenários educativos mais voltados à
promoção de uma aprendizagem com sentido, tanto para a vida pessoal como a profissional
dos sujeitos envolvidos nessa dinâmica.
As instituições de ensino, em todos os seus níveis, são espaços que podem contribuir
para a formação de pessoas capazes de pensar diferente, perceber além do visível, construir a
própria autonomia, pessoas mais criativas e aptas a se assumir diante das oportunidades deste
mundo novo. Para tanto, é fundamental a criação de propostas didáticas mais favoráveis à
emancipação do ser humano, para que interpretem a realidade sob nova ótica, alimentada por
novos fundamentos teóricos, princípios ontológicos, epistemológicos e metodológicos que
consideramos mais compatíveis coma construção da educação do futuro a partir do presente.
A prática educativa que se apoia nesses novos princípios, de natureza complexa e
transdisciplinar, com ênfase no estudante e na qualidade de sua aprendizagem, coerente com a
metodologia adotada, caracteriza-se como uma docência transdisciplinar.
Com base nesses pressupostos teóricos, a metodologia didática de natureza complexa
e transdisciplinar é um dos caminhos possíveis para a promoção de mudanças nas práticas
147
pedagógicas desenvolvidas em ambientes de aprendizagem, um dos possíveis sinais capazes
de oferecer resposta mais positivo à qualidade da educação das futuras gerações, visto que,
esta metodologia trabalha no sentido de fazer o resgate do principal protagonista do processo
educacional ocorrente nos ambientes de ensino e de aprendizagem, tanto no modo presencial
como digital: o sujeito transdisciplinar.
Assim, se é preciso que o velho cenário se desintegre para que outro se constitua,
então, que venha a morte, em razão da própria vida.
No sentido de colaborar para a ampliação desta discussão no que diz respeito aos
pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos para a reconstrução de nova
didática baseada na complexidade e na transdisciplinaridade, elaboramos algumas
recomendações que poderão auxiliar pesquisadores que queiram se aventurar por caminhos
incertos, porém sempre enriquecedores e capazes de promover desafios a todo o momento.
Numa perspectiva complexa e transdisciplinar no que diz respeito à dimensão teórica
nos processos de ensino e aprendizagem, propomos que sejam usadas as ferramentas
conceituais propostas por Morin (2007a) e Moraes (2008a), pois estas possibilitam ao
educador olhares mais profundos e abrangentes sobre o processo de construção de
conhecimento e o contexto educativo a ser trabalhado, possibilitando ao educador um fazer
pedagógico com mais segurança, bem como fazer escolhas mais competentes no que se refere
à docência. Estratégias utilizadas de forma isolada não promovem resultados tão
significativos como quando utilizadas de maneira combinada e em harmonia com os
fundamentos teórico-epistemológicos a serem adotados. Entendemos que os processos de
cognição e vida devem ser percebidos e compreendidos de modo integrado, em que um não
exclua o outro, mas ambos se complementem no sentido de trazer mais vida e alegria aos
ambientes educacionais.
É importante que os processos de ensino e aprendizagem levem o educando a gostar
da própria vida, sentindo verdadeiro prazer de vivê-la. Por isso, a importância e a urgência de
uma ressignificação nas práticas pedagógicas, tendo em vista propiciar melhorias na
qualidade das propostas visando à ocorrência de aprendizagens mais consistentes e
significativas.
Para a possível ressignificação nas práticas docentes, recomendamos a metodologia
didática complexa e transdisciplinar nutrida pelos operadores cognitivos para um pensar
148
complexo, pois essas ferramentas conceituais são capazes de contribuir para um olhar
diferenciado sobre o que constantemente ocorre nos ambientes de ensino e aprendizagem.
São princípios reguladores para um pensar complexo sobre as diferentes realidades presentes
em ambientes de aprendizagem que também podem ajudar os educadores na escolha de
situações didáticas que favoreçam processos de construção de conhecimentos com mais
sentido tanto no que se refere à vida prática quanto à profissional dos sujeitos.
Já no que diz respeito à dimensão prática, tendo em vista contemplar uma docência
voltada a uma abordagem transdisciplinar, torna-se necessário a criação de práticas mais
flexíveis, nas quais as relações dialógicas intersubjetivas sejam o principal foco para
processos de aprendizagem, como marca predominante da mediação pedagógica. A
construção de práticas docentes voltadas a uma didática complexa e transdisciplinar
possibilita aos educadores irem além do simplesmente “dar aula” e dos elementos
estruturantes da didática tradicional, concebida a partir de uma visão reducionista,
transmissiva e simplificadora.
Para a construção de uma didática complexa e transdisciplinar, compreendemos a
importância de serem considerados todos os elementos estruturantes do método, pois uma
prática que traz consigo, sinergicamente, todos esses elementos poderá, possivelmente, se
constituir naquela que realize sonhos, não somente para quem ensina, mas também para quem
aprende.
Integrar várias linguagens em contextos educativos, como, por exemplo, imagens,
textos, músicas, permite que os estudantes se apropriem de um conhecimento mais pertinente
e transdisciplinar, pois cada ser aprende a seu modo e dentro de determinado tempo. Saber
esperar esse tempo do sujeito/aprendiz é respeitar seu modo de ser e aprender.
É importante considerarmos que estratégias isoladas não promovem resultados tão
significativos para os processos de aprendizagem, como as de forma integrada, ou seja, as
metodologias didáticas transdisciplinares. Portanto, a integração das diferentes metodologias
transdisciplinares propostas por esta pesquisa permite processos de construção do
conhecimento capaz pelos mais diferentes caminhos.
A utilização de uma lógica diferente da lógica clássica possibilita que visões opostas
dialoguem, favorecendo nova leitura ou novos caminhos ainda não revelados, em um
processo circular e recursivo que permite aos sujeitos/aprendizes estarem em constante
149
processo de busca e crescimento em relação ao conhecimento. Permite o desenvolvimento de
uma docência transdisciplinar nutrida pela complexidade presente nas discussões e nas
interações ocorrentes.
Em relação à organização dos espaços educativos, para construção do conhecimento
com base na complexidade e na transdisciplinaridade, é importante que os educadores sejam
capazes de pensar e repensar esses espaços educacionais como lugares propícios a processos
de aprendizagem mais emancipatórios, criativos e voltados principalmente ao despertar da
dignidade do ser humano como sujeito do próprio futuro.
Nesse sentido, recomendamos a construção de ecossistemas educacionais mais
abertos, multidimensionais e criativos, que permitam aos sujeitos envolvidos construírem
conhecimentos com mais sentido, tanto para a vida profissional como para a pessoal, quer em
ambientes presenciais quer digitais.
Consideramos que os ambientes destinados aos processos de ensino e aprendizagem
devam ser percebidos como campos vibracionais, locais onde ocorre intercâmbio de energia e
informação, permeado por emoções e sentimentos que influenciam a qualidade do
conhecimento construído e da aprendizagem desenvolvida.
Que os ambientes de ensino e aprendizagem sejam construídos de forma a que os
estudantes se sintam à vontade, livres, seguros e, sobretudo, confiantes para participarem dos
momentos de construção do conhecimento, de modo que possam experimentar verdadeiras
experiências de aprendizagem e vida. E mais, que esses espaços se constituam a partir de
ambiências autopoiéticas, em que o respeito ao outro em seu legítimo outro seja um de seus
maiores imperativos.
Além disso, que os espaços para processos de construção e reconstrução do
conhecimento sejam potencializados mediante a integração de estratégias nas mais diferentes
linguagens, a fim de que permitam aos sujeitos implicados aprendizagens construtivas e
reconstrutivas, favorecendo-se, desse modo, a reconstrução de educação mais humana e
solidária.
Que os ambientes de aprendizagem, presenciais ou virtuais, sejam pensados e
constituídos como espaços propícios à produção de conhecimentos com mais sentido e
significado, de modo que os educandos, ao terem acesso aos dois espaços, possam trocar
150
experiências e informações, estabelecendo-se assim a construção de pontes entre o que já se
conhece e o que ainda deseja ser conhecido, mediante diálogos ocorrentes no momentos da
sala de aula presencial e virtual.
A construção de comunidades de aprendizagem para além da sala de aula presencial
propicia laços entre os sujeitos/aprendizes, bem como mais possibilidades de um ensino na
coletividade, em que tanto um quanto o outro se preocupam com o crescimento do outro,
criando-se desse modo uma aprendizagem colaborativa, integrada, global, com possibilidades
de conceitos e visões menos fragmentadas em relação ao conhecimento e à vida. Seres mais
sociais e menos individualistas, comprometidos com a própria vida e a vida do outro.
Recomendamos o desenvolvimento de processos didáticos que se constituam a partir
de uma docência transdisciplinar, capaz de permitir a compreensão dos diferentes níveis de
realidade presentes nos contextos educativos, e que as propostas de situações de
aprendizagem permitam aos sujeitos refletir, discutir, pesquisar em colaboração com o outro,
sem negar seu pensamento, sua emoção, sua criatividade e sua consciência em evolução.
Além disso, que facilitem o diálogo entre os diversos saberes a partir de diferentes pontos de
vista, sejam eles científicos, filosóficos, sejam educacionais. Uma docência que aceita o
inesperado e acolhe o imprevisível, bem como incentiva discussões saudáveis e permite a
livre expressão dos diferentes pontos de vista dos sujeitos, mediante diálogos integradores e
construtivos.
Que os processos de ensino e aprendizagem concebidos, tanto em âmbito presencial
como digital, sejam contemplados nas mais diferentes linguagens, tendo em vista garantir o
encontro entre o sujeito/aprendiz com os objetos a serem conhecidos, mediante a promoção de
espaços mais abertos e plurais de construção de conhecimento nutridos pelo prazer, de modo
que os envolvidos possam se sentir sujeitos ativos em relação aos próprios processos de
construção do conhecimento, tendo em vista experimentarem e degustarem o “sabor do
saber”, como deseja Rubem Alves, sem restrições nem reservas.
A docência, numa visão complexa, não compreende os processos de ensino como
simples transferência de conteúdos da cabeça do educador para a cabeça do educando, mas
como possibilidades que se abrem para novas leituras dos elementos que emergem dessa
prática, tendo em vista construir situações didáticas que permitam ao aluno criar, refletir,
desenvolver-se com seus pares e realizar-se como pessoa.
151
Nesse sentido, aconselhamos que os educadores possam construir ambiências para o
desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem que possam comungar os interesses
dos alunos com os propostos pela disciplina, mediante inserção de estratégias metodológicas e
propostas de projetos educativos que levem o educando a gostar da escola, a apreciar a vida,
sentindo prazer pelo aprender.
Que os educadores possam se utilizar dos operadores cognitivos para pensar na
escolha de estratégias didáticas mais favoráveis de acordo com as realidades educativas, ou
seja, aquelas que possam permitir aos sujeitos envolvidos nos processos de ensino e
aprendizagem estabelecerem as pontes necessárias para ascenderem em termos de
conhecimentos, minimizando cada vez mais o distanciamento entre o que se deseja e é
necessário ensinar com o que é necessário que o estudante aprenda, tendo em vista evoluir
para outros planos em termos de conhecimento.
Durante os processos de ensino e aprendizagem voltados a uma metodologia didática
complexa e transdisciplinar, que os educadores sejam muito mais pesquisadores que
transmissores de informações, utilizando-se da própria prática como objeto para análise
constante dos elementos que dela emergem, de modo a teorizá-la a fim de que possa encontrar
soluções mais compatíveis para os problemas da realidade educativa, tendo em vista encontrar
respostas mais favoráveis à realidade atual.
Na ressignificação das práticas pedagógicas, que os educadores possam criar
estratégias que permitam aos estudantes serem desafiados a não apenas assistirem a aulas,
mas serem sujeitos participantes, protagonistas de sua formação, construtores da própria
história, vivenciando experiências ótimas de aprendizagem.
Que os educadores possam possibilitar condições para a inserção de situações de
aprendizagem que sejam favoráveis aos educandos e não lhes permitam ser medíocres, mas
que os ajudem a revelar sua grandeza humana, preservando sua capacidade de sonhar e
transcender, como sugere Moraes (2004).
É essencial que as práticas docentes se desenvolvam com base na metodologia
complexa transdisciplinar e possibilitem mais oportunidades para a construção de uma
educação voltada para o como se aprende, focando-se no estudante e nos processos a serem
desenvolvidos, tanto de forma individual como colaborativa. Uma docência preocupada com
a formação do ser como totalidade, visando resgatar as multidimensionalidades presentes nos
152
ambientes de aprendizagem, a partir da criação de situações de aprendizagem menos
opressoras e mais voltadas a vivências de liberdade para o favorecimento de processos de
transcendência.
Que os educadores possam verdadeiramente atuar como mediadores de processos,
tendo em vista possibilitar as aproximações necessárias entre os saberes já elaborados pelos
estudantes e os saberes a serem ainda construídos, visando à produção de conhecimentos
significativos a partir da criação de contextos mais dinâmicos e flexíveis pelo uso de desafios,
músicas, projetos de aprendizagem ou situações-problema, criando-se, assim, ambientes de
aprendizagem mais cooperativos, solidários, abertos e criativos.
Que sejam promovidos momentos intersubjetivos entre educador e educandos quer em
ambientes presenciais quer virtuais, a fim de que, juntos, educadores e estudantes, possam
participar de vivências de aprendizagem prazerosas, capazes de levar os estudantes a
experimentar experiências ótimas de fluxo.
Que o processo do autoconhecimento constatado por esta pesquisa seja considerado
como mais um dos elementos pertencentes à subcategoria epistemo-metodológica durante os
processos de ensino e aprendizagem, para que o sujeito, ao voltar o olhar para si, possa se
colocar no centro de seu “eu” e, assim, ascender a outros níveis de realidade e percepção,
enfrentando os próprios medos e problemas da vida pessoal e da profissional, com mais
segurança e responsabilidade.
Recomendamos ainda o uso de novas dinâmicas, estratégias e projetos de
aprendizagem, tanto no modo presencial como no digital, pois estas podem permitir que os
papéis entre educador e educandos sejam alterados durante o desenvolvimento da disciplina,
quando ora um assume o papel de educando ora passa a assumir o papel de educador e vice-
versa, num espaço-tempo em que as trocas e as alterações favoreçam o crescimento, tanto no
plano individual quanto no plano coletivo. Nesse sentido, compreendemos que tanto o
educador como o educando podem ensinar, assim como também aprender juntos,
colaborativamente.
Para cursos de formação continuada promovidos pelo Ministério da Educação,
ofertados pela Escola de Aperfeiçoamento da Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal, bem como de outros estados do Brasil, propomos que sejam contemplados com os
pressupostos teóricos da complexidade e da transdisciplinaridade, para apropriação dos novos
153
conceitos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da ciência atual. A pesquisa do tipo
etnográfica deve ser considerada como uma das metodologias didáticas para o
aprofundamento, por parte dos educadores, no que se refere às questões conceituais deste
campo, bem como para compreensão de como esses fundamentos se relacionam com o fazer
pedagógico, a partir das relações constitutivos entre teoria-prática-teorização-teoria.
Enfim, que sejam criados nos contextos educativos espaços para reflexões e
discussões sobre o fazer pedagógico e as trocas de experiências, apoiados em ambientes
virtuais de aprendizagem para os educadores, porém que esses momentos possam ser
desfrutados dentro de seu horário de trabalho, já que o professor tem muitas outras atribuições
pessoais que também requerem tempo e dedicação.
Que a metodologia didática complexa e transdisciplinar seja ponto de destaque nos
cursos de formação de professores, para a tomada de consciência sobre a necessidade de mais
aproximação entre a dimensão teórica e a prática. Tudo isso pode ocorrer por processos
reflexivos e registros constantes sobre a própria prática desenvolvida, para que o educador, ao
teorizar sua prática docente, possa pensá-la segundo o tetrângulo teoria, prática, teorização,
teoria, de modo a gerar teorias, movimentos de abertura e de clausura operacional no que diz
respeito aos processos de construção de conhecimento e ao ressurgir do sujeito
transdisciplinar.
154
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159
ANEXOS
ANEXO A
EMENTA DA DISCIPLINA
COMPLEXIDADE, TRANSDISCIPLINARIDADE E EDUCAÇÃO
2º semestre de 2009
EMENTA
O pensamento científico atual sinaliza a configuração de uma estrutura paradigmática de
natureza complexa para melhor compreensão da realidade. Em suas explicações ontológicas
sobre o funcionamento do mundo e da vida, o atual pensamento científico dá ênfase aos
processos de auto-organização, emergência, interatividade, autonomia, criatividade,
recursividade e dinâmica não-linear que caracterizam as relações constitutivas dos sistemas
vivos. Tais processos configuram um novo referencial teórico para compreensão da
realidade educacional e que requer novas configurações epistemológicas que permitem
uma melhor compreensão dos processos interpretativos, construtivos, interativos,
reflexivos, dialógicos, cooperativos e criativos que surgem nos ambientes de aprendizagem,
sejam eles presenciais ou virtuais.
Esta nova reconfiguração do cenário epistemológico, porém, apresenta novos
desdobramentos e implicações didáticas, curriculares e metodológicas que levam ao
questionamento das atuais estratégias de intervenção educacional, apoiadas nos marcos
científicos de natureza positivista e comportamentalista que ainda prevalecem nos ambientes
de ensino e de aprendizagem. O pensamento linear e determinista e a compreensão da
realidade como sendo estável, homogênea e previsível já não atende às nossas necessidades
vivenciais mais prementes e, muito menos explica a dinâmica dos processos de
aprendizagem que acontecem nos ambientes virtuais ou presenciais.
Assim, a partir de uma visão complexa e ecossistêmica da realidade, pautada no
reconhecimento da complexidade, da interdependência, da interatividade entre fenômenos,
eventos e processos, bem como entre sujeito, objeto, tecnologias e instituições,
pretende-se analisar princípios e macro-conceitos estruturantes dos Pensamentos
Complexo e Transdisciplinar que colaboram para o desenvolvimento de estratégias
educacionais inovadoras, mais adequadas à evolução do pensamento científico atual.
Pretende-se, também, aprofundar os marcos teóricos da Transdisciplinaridade,
160
reconhecendo-a como principio epistemológico constitutivo dos processos de construção
do conhecimento e da aprendizagem e que, por sua vez, requer uma atitude de
abertura do espírito humano em relação à vida e aos processos que lhe são inerentes. Uma
atitude que envolve uma lógica diferente, uma maneira de pensar complexa, uma percepção
mais apurada da realidade que nos permite ir além dos limites estabelecidos ou fronteiras
conhecidas.
O conhecimento transdisciplinar, produto de uma tessitura complexa e auto-eco-
organizadora da realidade, é tecido nos interstícios, nas tramas da intersubjetividade, nos
meandros da pluralidade das percepções e de significados emergentes, a partir de uma
dinâmica complexa presente nos fenômenos, eventos e processos constitutivos dos
diferentes níveis de realidade. É, portanto, produto do que acontece entre níveis de
realidade e de percepção, e a consciência do sujeito transdisciplinar.
A relevância científica deste enfoque está no fato de que a educação não pode ignorar este
arcabouço conceitual que trabalha a complexidade como constitutiva de nossa realidade
e, portanto, presente em todas as dimensões da vida. Ela nos traz uma nova
compreensão de sua dinâmica funcional e, ao mesmo tempo, evidencia uma visão mais
desafiadora e esclarecedora da bio-psico-sociogênese do conhecimento humano que se
materializa, entre outros aspectos, a partir da transdisciplinaridade.
OBJETIVOS
1. Refletir sobre as mudanças na sociedade, bem como sobre a
problemática atual relacionada às questões da globalização, da
violência, da ecologia e da necessidade urgente de um pensamento
complexo e transdisciplinar para o encontro de possíveis soluções aos
problemas mais emergentes.
2. Discutir os fundamentos ontológicos e epistemológicos do
pensamento científico atual, aprofundando a perspectiva teórica
comprometida com os pressupostos da complexidade e da
transdisciplinaridade presentes nos processos de construção do
conhecimento e na aprendizagem.
161
3. Identificar e propor estratégias didáticas inovadoras, bem
como novas sistemáticas de avaliação e novas maneiras de se
elaborar propostas curriculares mais inovadoras e criativas.
4. Analisar essas estratégias, bem como a mediação pedagógica que
acontece nos ambientes presenciais e/ou digitais, sob a luz da
complexidade e da transdisciplinaridade.
Modalidade do curso: presencial, com suporte de plataforma virtual para o
desenvolvimento de debates, fóruns, chats e disponibilização de relatórios e textos sobre
temas e necessidades emergentes na sala de aula.
Sugestão de Agenda provisória
Semana 01, em 4/8 - Apresentação dos alunos e discussão da ementa da disciplina. Para
tanto, cada aluno deverá responder às seguintes perguntas: Quem eu sou? O que faço? O que
pesquiso? O que desejaria aprender nesta disciplina? Levantamento de interesses e
necessidades dos alunos, bem como a familiaridade ou não com o tema. A seguir, será
feira uma nova apresentação mediante o uso de metáforas (Dinâmica não-linear).
Posteriormente, daremos inicio a realização de um contrato didático. O que é um contrato
didático? É possível se estabelecer um contrato didático em nesta disciplina? Como? Por quê?
Quando?
Semana 02, em 11/08 – Discussão a respeito da complementaridade das apresentações
realizadas e a necessidade de se pensar na multidimensionalidade humana como requisito
para um pensar complexo e transdisciplinar. Continuidade do levantamento de interesse e
necessidades discentes visando a elaboração do contrato didático. Leitura da Introdução do
livro: Ecologia dos Saberes: Complexidade, transdisciplinaridade e educação, de autoria
de M. C. Moraes (2008) e discussão sobre a importância de um contrato didático.
Semana 03, em 18/8 – Apresentação da ementa para viabilização do contrato didático e
discussão metodológica. Divisão dos grupos temáticos. Discussão sobre as dimensões
ontológicas e epistemológicas caracterizadoras da complexidade e da transdisciplinaridade e
suas conseqüências metodológicas. Trabalhar os conceitos de Interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade.
162
Semana 04, em 25/8 - Eixos constitutivos da transdisciplinaridade.
Semanas 05, 06 e 07, em 01/9, 08/9, 15/9, – Desenvolvimento de estudos e pesquisa
bibliográfica a partir dos grupos temáticos.
Semana 08, em 22/9 – Reunião plenária com apresentação dos relatórios de todos os
grupos e avaliação parcial dos trabalhos. Os relatórios parciais deverão ser disponibilizados
nos ambiente virtual.
Semanas 09, 10 e 11- 29/9, 6/10 e 13/10 - Desenvolvimento de estudos e pesquisa
bibliográfica a partir dos grupos temáticos.
Semana 12, em 20/10 - Reunião plenária com relatoria dos grupos e avaliação parcial dos
trabalhos. Os relatórios parciais deverão ser disponibilizados nos ambiente virtual.
Semanas 13 e 14, em 27/10, 3/11 – Finalização dos trabalhos em grupo e elaboração de
relatórios.
Semanas 15 e 16, em 10/11 e 17/11 – Apresentação dos relatórios e avaliação dos
resultados. O relatório final de cada grupo deverá ser disponibilizado no ambiente virtual.
Produção de textos individuais ou coletivos sobre a temática trabalhada no grupo.
Metodologia: Como desenvolver uma proposta coerente com a temática em estudo?
Como desenvolver uma prática docente transdisciplinar na Pós-Graduação levando em
consideração os diferentes níveis de realidade e de percepção existentes? Como
trabalhar a lógica do terceiro incluído para que a disciplina possa incluir a todos
participantes? É possível um método de aprendizagem auto-regulado pelo próprio aluno
ou grupos de alunos, capaz de atender aos interesses individuais e coletivos?
Assim, estamos optando por desenvolver um método baseado em processos de
aprendizagem auto-regulada em pequenos grupos. Para tanto, recomenda-se a constituição
de grupos temáticos, com no máximo cinco alunos por tema, para trabalhar colaborativamente
em equipes de estudo. Os temas propostos foram selecionados pelos próprios alunos a partir
163
da temática geral da disciplina: Complexidade, transdisciplinaridade e educação. Para tanto,
foram sugeridos os seguintes temas:
01- Novas perspectivas ontológicas, epistemológicas e metodológicas a partir da
complexidade e da transdisciplinaridade. (G1)
02- Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade em educação. (G2)
03- Docência transdisciplinar em ambientes virtuais de aprendizagem. (G3)
04- Transdisciplinaridade e implicações na didática. (G4)
05- Currículo, complexidade e transdisciplinaridade. (G5)
06- Formação docente e transdisciplinaridade. (G6)
07- Avaliação a partir da transdisciplinaridade. (G7)
A partir de uma apresentação geral da temática Complexidade e transdisciplinaridade a ser
feita pela docente e indicações de textos mais significativos, os grupos deverão se organizar e
iniciar os trabalhos. Para tanto, os grupos deverão trabalhar durante três semanas sobre
a temática escolhida e na quarta semana será feito um encontro presencial de todos os grupos,
onde o relator deverá apresentar um resumo do trabalho realizado, expondo as
dificuldades encontradas e maneiras em que foram superadas. A docente estará
disponível supervisionando os trabalhos e percorrendo os diferentes grupos no dia da aula.
Cada grupo deverá ter um relator que poderá ou não ser trocado após a reunião presencial
grupal do mês, a critério do grupo. Esta reunião mensal será feita para esclarecer aspectos
de conteúdos abordados, sua pertinência e relevância, para relatar os avanços dos
grupos em relação á temática escolhida e para avaliar o andamento e a qualidade dos
trabalhos que estão sendo desenvolvidos.
Paralelamente às reuniões presenciais grupais, estamos também disponibilizando um
ambiente virtual de aprendizagem, onde estarão disponíveis novos espaços de diálogos
professor/alunos e alunos entre si, bem como os textos de leituras recomendadas e que
deverão estar disponíveis para todos os alunos da disciplina, independente do grupo ao
qual pertença. Estaremos assim viabilizando a construção de novas realidades
educativas a partir da criação de novos tempos e espaços diversificados, mais adequados às
necessidades de todos. Pretende-se levar em conta tanto as demandas individuais como as
coletivas, rompendo, portanto, com a dimensão de objeto e sujeitos separados, bem
164
como as relações docente/discente, privilegiando a construção de rede de relações com
possibilidades de participação e integração de todos elementos participantes desta disciplina.
Estamos assim, vivenciando, na prática, os conceitos de complexidade e
transdisciplinaridade, buscando dar um novo sentido à função que a Pós-Graduação poderá
assumir, a partir de novas metodologias e recursos de ensino-aprendizagem, onde
predominem processos dialógicos, recursivos e hologramáticos na prática docente. Para
tanto, é fundamental, a participação de todos, bem como a constituição dos grupos de
interesse na formulação, execução e avaliação de novas propostas de formação docente
nutridas pelas perspectivas, necessidades, desejos e interesses dos sujeitos aprendentes.
CONTEÚDOS TEMÁTICOS: Cada tema deverá ser subdividido em sub-temas, cuja
estrutura deverá emergir do próprio grupo após as leituras dos livros e artigos recomendados.
Por exemplo, em relação ao tema 01 - Novas perspectivas ontológicas, epistemológicas e
metodológicas a partir da complexidade e da transdisciplinaridade, recomenda-se que
sejam enfocados os seguintes sub-temas: Conceito de paradigma, paradigmas científicos e
respectivas perspectivas ontológicas, epistemológicas e metodológicas, mudanças
paradigmáticas, fundamentos científicos do novo paradigma e princípios e valores
do paradigma emergente. O grupo deverá analisar os sub-temas apresentados e, se
necessário, apresentar e trabalhar outros.
Os demais grupos temáticos deverão estruturar seus trabalhos a partir de sub-temas ou
perguntas consideradas relevantes, congruentes e coerentes com a temática estudada. 5
165
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168
ANEXO B
AUTORIZAÇÃO E CESSÃO DE ÁUDIO
Eu, ______________________________________________________________________,
portador(a) da carteira de identidade nº __________________, CPF nº
________________________________, autorizo a mestranda Lucicleide Araújo de Sousa
Alves, RG Nº 1049893 – DF, CPF 490687171-20 junto à Universidade Católica de Brasília,
portadora do CNPJ 00.331.801/0004-82, a utilizar para efeito de pesquisa e publicação
científica, os áudios (falas) das gravações realizadas durante o 2º semestre de 2009, na
disciplina Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Maria
Cândida Moraes, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Estou ciente de
que a presente cessão é gratuita e isenta de ônus para ambas as partes.
Brasília/DF, ______de _______________ de 2010
__________________________________________
Assinatura
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