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ALBERTO DUMONT PINTO FERREIRA
Transporte Aquaviário:
A intervenção do Estado
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como
requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.
Orientador: Profª Maria Leonor da Silva Teixeira.
Rio de Janeiro
2015
1
C2015 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG.
_________________________________
Alberto Dumont Pinto Ferreira
Engenheiro Naval
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Ferreira, Alberto Dumont Pinto. Transporte Aquaviário: A intervenção do Estado / Engenheiro
Naval Alberto Dumont Pinto Ferreira. - Rio de Janeiro: RJ, 2015. 60 f.: il.
Orientador: Professora Maria Leonor da Silva Teixeira. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2015.
1. Transportes. 2. Transporte aquaviário. 3. Marinha mercante.
I.Título.
2
A Edgard e Helena.
3
AGRADECIMENTOS
Aos meus professores de todas as épocas por terem sido responsáveis por
parte considerável da minha formação e do meu aprendizado.
Aos estagiários da Turma Destinos do Brasil pelo convívio harmonioso de
todas as horas.
Ao Corpo Permanente da ESG pelos ensinamentos e orientações que me
fizeram refletir, cada vez mais, sobre a importância de se estudar o Brasil com a
responsabilidade implícita de ter que melhorar.
A Silvana, minha esposa... por tudo.
4
Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar O mar é das gaivotas
Que nele sabem voar O mar é das gaivotas E de quem sabe navegar.
Brigam Espanha e Holanda Pelos direitos do mar
Brigam Espanha e Holanda Porque não sabem que o mar É de quem o sabe amar..
Leila Diniz
5
RESUMO
Esta monografia aborda a ação do Estado na promoção da atividade do transporte
aquaviário, um serviço público fornecido por empresa pública ou por delegação à
iniciativa privada, nas suas cinco vertentes: longo curso, Cabotagem, Apoio
Marítimo, Apoio Portuário e navegação Interior, com ênfase nas duas primeiras.
Por meio de um roteiro histórico, revê-se a intervenção governamental ao longo dos
anos e, a seguir, é determinada a estrutura executiva da regulação do setor. A
atividade de transporte aquaviário é, então, caracterizada, bem como relatadas as
ordenações jurídicas nacional e internacional. Por fim, aborda-se a política atual
sobre a qual se tecem considerações e se propõem linhas de ação para o
aperfeiçoamento dessa política.
Palavras chave: Transportes. Transporte marítimo. Marinha mercante.
6
ABSTRACT
This monograph deals with the role of the State in promoting activity of shipping, a
public service provided by public companies or by delegation to the private sector, in
its five areas: long-haul, Cabotage, Maritime Offshore Support, Port Support and
Inland navigation, with emphasis the first two.
Through a historical script, review whether government intervention over the years,
then, is determined the executive structure of the sector regulation. The maritime
transport activity is then characterized the national and international legal ordinances
and reported. Finally, it approaches the current policy on which to make comments
and propose courses of action for the improvement of this policy.
Keywords: Transport. Maritime transport. Shipping. Merchant marine.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Política Marítima Brasileira ............................................................ 06
FIGURA 2 Produção da Construção Naval ..................................................... 08
FIGURA 3 Fretes no Longo Curso ................................................................. 09
FIGURA 4 Estrutura do Estado ....................................................................... ... 15 FIGURA 5 Cargas Transportadas no Longo Curso ............................................ 17
FIGURA 6 Tráfego de Cargas – Acordos Bilaterais ........................................ ... 19
FIGURA 7 Evolução da Frota por Tipo de Navegação .................................... .. 24
FIGURA 8 Evolução da Idade Média da Frota ................................................ 26
FIGURA 9 Frota Brasileira por Tipo de Navio ................................................. 27
FIGURA 10 Evolução da Quantidade de EBN .................................................. 28
FIGURA 11 Estrutura do Estado – Setor de Navegação .......................... ............ 29
FIGURA 12 Déficit da Conta Transportes .......................................................... 41 FIGURA 13 Evolução na Quantidade de Afretamentos .................................... 45
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Idade Média da Frota ............................................................................25
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEAM Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
AFRMM Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante
AHTS Anchor Handling Tug Supply
ANTAQ Agência Nacional de Transportes Aquaviários
B/L Bill of Ladind
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CBD Companhia Brasileira de Dragagem
CDFMM Conselho Diretor do Fundo de Marinha Mercante
CEMBRA Centro de Excelência para o Mar Brasileiro
CIF Cost, Insurance and Freight
CMM Comissão de Marinha Mercante
CONIT Conselho Nacioanl de Integração de Políticas de transportes
DOCENAVE Companhia de Navegação Vale do Rio Doce
EBN Empresa Brasileira de Navegação
FGCN Fundo de Garantia para a Construção Naval
FMM Fundo da Marinha Mercante
FOB Free on Board
FRONAPE Frota Nacional de Petroleiros
GATS Acordo Geral sobre Comércio de Serviços
GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
GEIPOT Empresa Brasileira de Planejamento dos Transportes
IMO International Maritime Organization
LESTA Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário
LH Line Handling
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
NMF Nação Mais Favorecida
OMC Organização Mundial do Comércio
OTM Operador de Transporte Multimodal
PCN Plano de Construção Naval
P&I Protection and Indemnity
PSV Plataform Supply Vessel
PNLT Plano Nacional de Logística de Transporte
9
REB Registro Especial Brasileiro
SDE Secretaria de Direito Econômico
SEAE Secretaria de Acompanhamento Econômico
SOLAS Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (em inglês: Safety of Life at Sea - SOLAS)
SUNAMAM Superintendência Nacional da Marinha Mercante
SSTA Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário
SYNDARMA Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima
TEU Twenty-Foot Equivalent Unit
TRANSPETRO Petrobras Transporte S.A.
TRMM Taxa de Renovação da Marinha Mercante
UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11
2 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO................................................. 15
3 O TRANSPORTE AQUAVIÁRIO NOS ÚLTIMOS 60 ANOS .......................... 17
3.1 A SUNAMAM .......................................................................................................... 18
3.2 DÉCADA DE 1980: RECESSÃO NO MERCADO ............................................ 20
3.3 SÉCULO 21............................................................................................................. 21
3.4 SITUAÇÃO ATUAL ................................................................................................ 25
4 TRANSPORTE AQUAVIÁRIO ............................................................................. 26
4.1 A ESTRUTURA EXECUTIVA DA REGULAÇÃO DO SETOR........................ 27
4.2 CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO.... 28
4.2.1 NAVEGAÇÃO DE LONGO CURSO ................................................................... 29
4.2.2 NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM ........................................................................ 32
4.2.3 NAVEGAÇÃO DE APOIO PORTUÁRIO ............................................................ 33
4.2.4 NAVEGAÇÃO DE APOIO MARÍTIMO................................................................ 34
4.2.5 NAVEGAÇÃO INTERIOR ..................................................................................... 35
4.2.6 A FROTA MERCANTE BRASILEIRA ................................................................. 36
4.2.7 A SITUAÇÃO ATUAL ............................................................................................ 40
5 A ORDENAÇÃO JURÍDICA ................................................................................. 42
5.1 A ORDENAÇÃO JURÍDICA NACIONAL ............................................................ 42
5.1.1 A REGULAÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO NO BRASIL.................. 43
5.1.2 O TRANSPORTE COMO SERVIÇO PÚBLICO................................................ 45
5.2 A ORDENAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL ................................................ 46
6 A POLÍTICA ATUAL............................................................................................... 47
7. ANÁLISE FINAL E CONCLUSÕES .................................................................... 51
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 61
APÊNDICE A - A formação de uma Nação Marítima: de 1500 à primeira metade do
século XX ............................................................................................................................... 63
APÊNDICE B - Características da navegação de longo curso ..................................... 71
APÊNDICE C - Características da navegação de Cabotagem ..................................... 76
APÊNDICE D – As diversas organizações envolvidas na regulação do transporte
aquaviário ............................................................................................................................... 80
APÊNDICE E - A ordenação jurídica nacional ................................................................. 99
APÊNDICE F – A ordenação jurídica Internacional ...................................................... 120
11
1 INTRODUÇÃO
O Brasil é uma nação marítima, com uma enorme fronteira oceânica e um
território continental permeado de rios e lagos navegáveis, utilizados por uma ampla
gama de negócios e lazer, tais como turismo, pesca, exploração mineral, esportes
náuticos, o emprego militar e o transporte aquaviário.
O transporte aquaviário é serviço público e, portanto, cabe ao estado
promovê-lo por meio de empresa pública ou por delegação à iniciativa privada.
Apenas no âmbito Federal, são cerca de 400 empresas brasileiras de navegação,
meia centena de portos públicos e mais de cem terminais privativos. O Brasil possui
7.400 km de litoral e 22.000 km de hidrovias interiores que alcançam todo seu
imenso território.
O tema tem grande relevância para o desenvolvimento nacional brasileiro e
manutenção de sua soberania. É um importante elo da cadeia logística e garante o
exercício do direito de ir e vir da população nas vastas regiões do país.
O PIB brasileiro de 2015 foi de R$ 5,2 trilhões. A maior parte de toda essa
riqueza em algum momento se serviu do transporte aquaviário.
Subdivide-se o transporte aquaviário em cinco tipos de navegação (Lei nº
9.432/97): Longo Curso, Cabotagem, Apoio Portuário, Apoio Marítimo e Interior,
sobre as quais pode-se tecer as seguintes considerações iniciais:
a) Navegação de Longo Curso:
É a utilizada no transporte marítimo internacional. A corrente comercial
brasileira em 2014 foi de cerca de US$ 450 bilhões e cerca de 95% deste
valor (ou seja, mais de um quarto do PIB) foi movimentado por via marítima,
correspondendo a 714 milhões de toneladas transportadas na navegação de
longo curso.
Estima-se que o mercado de fretes no longo curso é de mais de US$ 13
bilhões/ano (apenas a Petrobras gasta quase metade desse valor) sendo
que a frota brasileira de longo curso praticamente inexiste. A conta serviços
do balanço de pagamentos, onde se contabiliza a despesa com fretes,
registra gastos superiores a US$ 20 bilhões anuais.
12
Todos os anos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ)
expede milhares de autorizações, registros ou liberação de transporte em
navios de bandeira estrangeira para suprir o excesso de demanda por
transporte de cargas restrito a embarcações de bandeira brasileira mas que
não pode ser atendido pela frota atual.
Há um efetivo mercado a explorar no mercado internacional de transporte de
cargas, que onera o Balanço de pagamentos brasileiro, enviando bilhões de
dólares para o exterior.
b) Navegação de Cabotagem
É a utilizada no transporte de cargas ao longo da costa. A participação da
cabotagem no total da produção de transportes no Brasil em 2014 (cerca de
211 milhões de toneladas) foi de apenas 8%, enquanto que o modal
rodoviário, por décadas priorizado no país, respondeu por 52%, o que
representa um enorme potencial de crescimento a explorar.
O transporte na Cabotagem é reservado a empresas brasileiras,
empregando navios de bandeira brasileira, de modo que, parte considerável
do que é transportado está associado à navegação de Longo Curso,
atendendo portos concentradores de carga de exportação/importação.
c) Navegação de Apoio Portuário
É o segmento da navegação que apresenta maior estabilidade. A atividade
de apoio nos portos é proporcional ao movimento de cabotagem e de longo
curso. Muito embora apresente uma concorrência acirrada no setor, o perfil
das empresas de navegação nesse segmento é de investimento constante,
de modo que o número de empresas dobra a cada cinco anos, perfazendo,
atualmente mais de 260.
d) Navegação de Apoio Marítimo
A navegação de apoio marítimo é fruto da exploração de petróleo na
plataforma continental, que está em franco crescimento.
A disponibilidade de embarcações de bandeira brasileira para operar no
segmento é insuficiente e o mercado é suprido, também, com embarcações
13
estrangeiras afretadas, que estão sendo substituídas à medida que os
estaleiros nacionais concluem novas construções. Hoje, há 147 empresas
brasileiras de navegação operando no apoio marítimo (48 em 2005 e, em
2011, 109).
e) Navegação Interior
A navegação interior, em contraste com as outras modalidades de
navegação, difere consideravelmente de região para região do país, tanto
social quanto economicamente. Na bacia amazônica, a navegação é o
principal meio de transporte regional, tanto econômica quando socialmente,
carregando todo o tipo de carga e servindo de importante meio de transporte
de passageiros, em especial no rio Amazonas e seus afluentes. O tráfego de
cargas da zona franca de Manaus é de grande importância para a região
mas também para o país. Através da hidrovia do rio Madeira há um
significativo tráfego de escoamento da produção agrícola do norte do Mato
Grosso e nas hidrovias do Tocantins e do Solimões há um considerável
escoamento de minérios.
Apesar da diversidade do mercado e dos fatores regionais, há uma
expectativa de crescimento do transporte de granéis para o escoamento das
safras; na Amazônia onde esforços estão sendo feitos para a substituição
das embarcações de madeira construídas de forma artesanal por outras
mais seguras.
A hidrovia Tietê-Paraná está com um considerável crescimento no segmento
de cargas agrícolas e transporte de metanol, e na hidrovia de Paraguai
transporta-se mais e 20 milhões de toneladas de minério anualmente.
A proposta deste trabalho é de identificar como, porque e qual a atuação do
Estado na regulação do setor de transporte aquaviário. Também pretende-se
demonstrar que o Brasil é, essencialmente, uma nação marítima, considerando que
o País nasceu do mar, expandiu suas fronteiras a partir do mar, garantiu sua
integridade territorial pelo mar, transita suas riquezas através do mar e produz
considerável parte de sua energia do mar. Nesse sentido, tece-se considerações
14
sobre os cinco segmentos da navegação; no entanto é dada ênfase à navegação
marítima (Longo Curso e Cabotagem), de maior expressão econômica.
Para tal, foi necessário descrever a política do País para a navegação
marítima e os agentes envolvidos no planejamento e execução dessa política,
analisar os efeitos da política implementada e, por fim, propor ações para melhoria
na ação política para o setor.
15
2 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO
A discussão dá-se no plano da análise de políticas públicas; o marco teórico
é a Lei nº 10.233/01, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e
terrestre.
A pesquisa iniciou-se pela coleta de dados estatísticos sobre o transporte
aquaviário do Brasil nos últimos anos cuja melhor fonte foi a Agência Nacional de
Transportes Aquaviários – ANTAQ (2015).
Em passado recente, o transporte aquaviário passou por seu melhor período
nos anos 1970, sob a tutela do Estado por meio, principalmente, da SUNAMAM,
como bem demonstrado por SOUZA (1980) e CELIDÔNIO (1980). Após isso, nos
anos 1980 entrou em decadência e, após, ocorreu um período negro com a falência
de diversas empresas e a transferência do controle das sobreviventes para as mãos
de estrangeiros, como descrito no relatório da CEMBRA - Centro de Excelência para
o Mar Brasileiro (2014).
Na fase atual, o transporte aquaviário passa por um crescimento
significativo, alavancado pelo período de crescimento econômico da última década
mas muito dependente do escoamento das safras agrícolas e dos demais granéis
(petróleo e minerais), o que também é abordado pela CEMBRA (2014). Após ampla
desregulamentação nos anos 1990, surgiu novo arcabouço jurídico que suporta a
política que rege essa evolução na navegação, conforme reatado por CASTRO
JUNIOR (2014).
O transporte de bens no Longo Curso influencia fortemente o setor mas é
fragilizado por uma quase ausência de frota nacional. Um parâmetro que mostra
essa fragilização é o efeito negativo da atividade na conta serviços do Balanço de
Pagamentos, caracterizado por FADDA (1999) e CUNHA (2002).
Nesse trabalho, a partir de uma análise histórica e documental, pretende-se
desvendar a política, o arcabouço jurídico e a estrutura executiva que sustentam a
atividade de transporte aquaviário no País.
Por fim, analisar-se-á as consequências da política implementada, de
possível deficiência da legislação e da eficácia da estrutura executiva implantada
visando qualificar a atuação do governo da regulação do setor de transporte
16
aquaviário e identificar propostas para melhoria dessa atuação junto ao setor em
lide.
17
3 O TRANSPORTE AQUAVIÁRIO NOS ÚLTIMOS 60 ANOS
Por se tratar de uma nação essencialmente marítima, o Brasil sempre
dependeu de sua capacidade de transporte marítimo. Esse grau de compromisso
era (e é) tanto que o desenvolvimento do país andou, mais ou menos rápido, quanto
o setor de navegação evoluía, com maior ou menor sucesso dependendo da política
que era aplicava a cada momento. O Apêndice A relata os fatos mais relevantes
dessa trajetória até meados do século XX.
Existe o Estado regulador e o Estado desregulador. Os dois se alternam, ao
longo da história do país, conforme ciclos de crises sociais e econômicas, bem como
períodos de crescimento econômico e de estabilidade social. No passado recente,
quanto ao transporte aquaviário, o último grande ciclo iniciou-se com a estagnação
do mercado que o país viveu na década logo após a última Grande Guerra, quando
vivia-se um período desregulador.
O cenário, em 1957, era sombrio. Segundo a Comissão de Marinha
Mercante - CMM, o transporte no longo curso dependia exclusivamente de empresas
estatais (Lloyd Brasileiro e FRONAPE), enquanto que a idade média da frota
brasileira era de 40 anos.
O apoio e proteção governamental foram fundamentais para a implantação
de medidas de estímulo à navegação e à construção naval a partir do final da
década de 50. O Plano de Metas do governo Kubitschek vinculou esses dois setores
ao criar a taxa de renovação da Marinha Mercante e determinar a construção do
parque naval nacional.
O ponto de partida foi a criação do Fundo de Marinha Mercante (FMM)1,
destinado a prover recursos para a renovação, ampliação e recuperação da frota
mercante nacional, evitando a importação de embarcações e procurando diminuir as
despesas com afretamento de navios estrangeiros, que já então oneravam o balanço
de pagamentos do País, bem como assegurar a continuidade e regularidade das
encomendas à produção da indústria de construção naval e estimular a exportação
de embarcações.
1 Lei nº 3.381/58, conhecida como a Lei do Fundo de Marinha Mercante (FMM).
18
Em 1967, tem início o governo Costa e Silva. Aproveitando o espaço criado
na administração anterior, em que a adoção de políticas de estabilização havia
conseguido reduzir o patamar inflacionário e disciplinar as despesas públicas para,
de uma forma geral, controlar os déficits das contas do governo, a nova equipe
passou a promover o crescimento econômico. O PIB brasileiro cresceu em média
10,5% entre os anos de 1968 e 1974 e 6,8% entre 1975 e 1980. É nesse quadro que
se deve analisar a instauração de políticas explícitas de desenvolvimento do setor
naval.
3.1 A SUNAMAM
O grande momento na política nacional, para a marinha mercante, foi a
criação, em 1969, da Superintendência Nacional da Marinha Mercante (SUNAMAM),
em substituição à CMM, através da qual o governo assumiu amplo controle do setor.
A SUNAMAM administrava o FMM e passou a exercer uma gestão quase tirânica,
baseada no tripé: proteção à navegação nacional, apoio aos armadores nacionais e
fomento à indústria da construção naval.
Figura 1 – Política Marítima Brasileira
Fonte: ANTAQ
A proteção do mercado à navegação nacional ocorreu com o
estabelecimento de acordos comerciais bilaterais para a divisão do transporte de
cargas conferenciadas entre as marinhas mercantes dos países signatários, na
proporção 40/40/202, e dividindo as cargas não-conferenciadas na proporção 50/503,
2 Resolução CMM nº 3.131/67.
3 Resolução CMM nº 2.995/67.
19
assim como da reserva de mercado para a marinha mercante brasileira, que tinha
preferência no transporte das cargas de importação e de cargas de empresas
estatais ou ainda cargas financiadas com recursos públicos4. Como resultado dessa
política, observou-se a ampliação da participação dos navios com bandeira brasileira
(exportações e importações) de 34,6% em 1970 para 49,6% em 1980, maior
patamar alcançado no passado recente.
Já o apoio aos armadores nacionais se deu por meio do financiamento
subsidiado para a renovação e ampliação de suas frotas, da definição dos fretes e
da outorga das linhas a serem exploradas por cada empresa. Utilizando-se do poder
conferido por deter a gestão do FMM, promoveu a fusão de pequenas empresas de
navegação para formar outras maiores, capazes de participar do mercado de forma
mais agressiva e com ganhos de escala. Também determinava quais navios cada
empresa iria contratar junto aos estaleiros nacionais com recursos do FMM.
Quanto à construção naval, a SUNAMAM forneceu financiamento para a
implantação dos estaleiros, estabeleceu planos de construção de embarcações
garantindo uma demanda mínima de longo prazo, selecionou e determinou as séries
e tipo de navio que cada estaleiro deveria construir e estimulou a exportação
proporcionando a armadores estrangeiros financiamento da construção em
condições favoráveis de modo a garantir preços no nível dos praticados no mercado
internacional.
Com esse modelo de gestão, a SUNAMAM criou uma relação concreta entre
a marinha mercante, prestadora de serviços de transporte e de apoio, e construção
naval, produtora de bens industriais, grande geradora de empregos.
Ao longo da década de 1970, foram implementados dois grandes planos de
construção naval que atenderam tanto ao mercado interno quando ao de
exportação. O primeiro Plano de Construção Naval - PCN, orçado em US$ 1 bilhão,
envolveu a produção de cerca de 200 embarcações, enquanto o segundo (1975-
1979), com investimentos previstos de US$ 3,3 bilhões, esperava produzir o
significativo número de 765 navios.
Investidores japoneses, holandeses, alemães, ingleses trouxeram consigo
novas tecnologias e permitiram que brasileiros tivessem acesso aos modernos
4 Decretos-Lei nº 666 e 687/69.
20
conceitos do setor. Grandes conglomerados e outros investiram alto em estaleiros -
Ishibras, Verolme, Emaq, Caneco, Mauá -, estabelecendo-se no Brasil.
Figura 2 – produção da Construção Naval
Fonte: UFRJ
O Gráfico mostra o grande aumento da produção naval a partir do início da
década de 1970 e o posterior desaquecimento da indústria. Em 1999, a produção da
construção naval encontrava-se em níveis próximos daqueles do final de década de
1960.
3.2 DÉCADA DE 1980: RECESSÃO NO MERCADO
Com o segundo choque do petróleo (1979), ocorre uma retração da
economia mundial e uma perda significativa de divisas no Brasil. Adotando uma
postura protecionista, o Governo estabeleceu uma política que agravou a situação
do setor5, propiciando a perda de competitividade da bandeira brasileira, redução da
participação no tráfego marítimo internacional e elevação do valor dos fretes, com
consequentes perdas no comércio exterior brasileiro. O ano de 1990 marca a
abertura do mercado de navegação, com a extinção das chamadas conferências de
fretes. Não havia mais espaço para o governo manter as medidas protecionistas. A
liberalização do transporte aquaviário de longo curso6 significou a exposição dos
armadores brasileiros à concorrência internacional.
5 Resolução SUNAMAM 8.364/84.
6 Portaria MT 07/91.
21
Figura 3 – fretes no Longo Curso
Fonte: MT
Em pouco tempo, ficou claro que as desgastadas empresas domésticas não
tinham porte para enfrentar um mercado caracterizado pela presença de grandes
empresas de escala operacional mundial. Com isso, a maior parte das empresas
brasileiras de navegação, para sobreviver nesse mercado, adotou a participação de
sócios estrangeiros na sua composição.
3.3 SÉCULO 21
A virada do século trouxe um novo cenário. O transporte marítimo e,
principalmente, a construção naval entraram em recuperação. Os principais fatores
que determinaram essa nova conjuntura foram:
A. A ordenação do transporte aquaviário
Uma ampla legislação regulamenta a navegação, através de medidas tais
como:
a) Abertura do capital das empresas brasileiras de navegação a
investidores estrangeiros, sem qualquer restrição.
b) Prescrição de cargas a navios de bandeira brasileira no transporte
internacional provenientes de países que adotam mecanismos protecionistas para a
Marinha Mercante (reciprocidade).
22
c) Navegação de cabotagem, de apoio portuário e marítimo restrita às
empresas brasileiras de navegação, com afretamento de embarcações estrangeiras
sujeito à prévia aprovação.
d) Liberação do afretamento de embarcações estrangeiras na navegação
internacional, com prévia aprovação apenas quando do transporte de cargas
prescritas à bandeira brasileira.
e) Criação de Registro Especial Brasileiro - REB (“segundo registro”) para
as embarcações de bandeira brasileira, com as seguintes vantagens:
Embarcações em construção de empresas brasileiras de navegação,
pré-registradas no REB, passam a contar com financiamento oficial
com as mesmas taxas de juros que são utilizadas na exportação.
Embarcações registradas no REB podem contratar cobertura de
seguro e resseguros de cascos, máquinas e responsabilidades civis no
exterior.
Receita dos fretes gerados em navios registrados no REB fica isenta
das contribuições do PIS e COFINS.
Isenção de contribuição para o Fundo de Desenvolvimento do
Ensino Profissional Marítimo.
Equiparação às operações de exportação na construção,
modernização, conservação e reparo de embarcações.
B. Abertura do mercado de exploração de petróleo7
A Lei do Petróleo abriu o mercado de produção e refino do hidrocarboneto a
novas empresas além da Petrobras, acelerando a expansão da exploração de
petróleo offshore, que já vinha sendo observada desde o princípio da década, pela
atenção dada internamente ao objetivo de equilibrar a conta petróleo. A crescente
demanda pela Petrobras cristalizou-se em maciça contratação dos serviços de
embarcações de apoio marítimo (especialmente PSV, AHTS e LH) no início dos
anos 2000, via licitações, originando, cada uma delas, encomendas nos estaleiros
nacionais.
Posteriormente, as descobertas de petróleo do pré-sal em 2006 e a
estabilidade de preços do mercado internacional do petróleo, em um patamar
7 Lei nº 9.478/97 “Lei do Petróleo”.
23
superior a US$ 100 o barril, atraíram mais e mais capital estrangeiro e provocaram o
governo a estabelecer novas condições de exploração dessa nova fronteira. A
Petrobras foi instada a expandir sua atividade exploratória carregando consigo um
sem número de empresas e diversas instituições com correspondente crescimento
de investimento, incluído aí a navegação de apoio marítimo e a construção naval.
C. Os novos incentivos
O programa Navega Brasil, lançado pelo governo federal em novembro de
2000, trouxe modificações nas condições do crédito aos armadores e estaleiros. As
principais mudanças introduzidas envolvem o aumento da participação limite do
FMM nas operações da indústria naval de 85% para 90% do montante total a ser
aplicado nas obras e a dilatação do prazo máximo do empréstimo, de 15 para 20
anos.
O grande entrave era concretizar o mecanismo de garantia de execução por
parte dos estaleiros. Esse foi solucionado com a autorização da União a participar do
Fundo de Garantia para a Construção Naval (FGCN) 8, até o limite de R$ 5 bilhões.9
O mercado da construção naval encontrou um cenário muito propício para a
realização de investimentos nos estaleiros brasileiros, possibili tando a expansão da
indústria de navi-peças - máquinas, equipamentos e infraestrutura nos parques
industriais navais do País – mudando substancialmente o cenário prospectivo para o
setor.10
A publicação da Lei nº 8630/93, que dispõe sobre o regime jurídico da
exploração dos portos organizados e das instalações portuárias, possibilitou a
estabilidade necessária para que investimentos voltassem a ser realizados nos
8 Lei nº 11.786/2008.
9 Valor aumentado pela MP 462/2009.
10 Notícia, NetMarinha, 08/12/2009 - por Sérgio Barreto Motta Brasil terá mais seis estaleiros –
“Eufórico com a liberação de recursos pelo Governo Lula, o presidente do Sindicato da Construção Naval ( Sinaval), Ariovaldo Rocha, informa que, ainda este mês, possivelmente entre 14 e 18 de dezembro, será realizada a mais importante reunião da história do Fundo de Marinha Mercante
(FMM). Nela, deverão ser aprovados processos para construção de seis estaleiros, 23 navios da Transpetro e ainda diversos barcos de apoio, em valor aproximado de R$ 15 bilhões. Este ano, o Conselho Diretor do FMM não fez sequer uma reunião, pois seu caixa estava zerado. No entanto, o
presidente Lula acaba de aprovar R$ 15 bilhões para o FMM - o que irá garantir emprego para seus colegas metalúrgicos durante um bom tempo. Os novos estaleiros na bica, para serem aprovados, são: Eisa-Alagoas; Odebrecht-Bahia e OAS-Setal-Bahia; W. Torre-Rio Grande do Sul; Promar-Ceará
e ampliação do Corema-Bahia...”
24
portos e terminais portuários. Após 20 anos, ela foi aperfeiçoada e substituída pela
Lei nº 12.815/13.
D. Aquecimento do mercado de exportação/importação
A corrente comercial (exportação mais importação), desde 2005, foi superior
a US$ 200 bilhões e manteve considerável crescimento (US$ 371 bilhões em 2008,
US$ 390 bilhões em 2010, US$ 450 bilhões em 2014), correspondendo a um
considerável crescimento no mercado de transporte marítimo, onde mais de 90%
dessa riqueza é transportado, no longo curso, na cabotagem e na navegação
interior, o que leva, também, a uma maior demanda de serviços de apoio portuário.
O aquecimento da economia, com a forte entrada da China como
importadora de minérios e alimentos, e o escoamento da safra agrícola do centro-
oeste e oeste paulista levou, também, a uma maior demanda na navegação interior.
E. Renovação da frota de petroleiros
Em 2010 a idade média da frota nacional de petroleiros era superior a 23
anos, para uma expectativa de vida de 25 anos. A isso se somou a entrada em vigor
da exigência de operação com navios de casco duplo. Assim, a PETROBRAS, por
meio da TRANSPETRO, contratou a construção de 24 novos navios petroleiros.
F. Crescimento da participação da bandeira brasileira na frota de
apoio marítimo
A participação da bandeira brasileira no mercado de apoio marítimo (serviço)
é inferior a 50% - e é restrito a empresas brasileiras de navegação. A PETROBRAS
licitou a construção de 24 novos navios de apoio marítimo. Anuncia que seu plano é
de obter 146 embarcações. Outras construções para Empresas Brasileiras de
Navegação (EBN) estão em andamento ou com financiamento pedido ao FMM.
G. O PNLT e a multimodalidade
O Plano Nacional de Logística de transporte – PNLT prevê investimentos em
uma janela temporal de 25 anos. Estimula a multimodalidade, projetando a
necessidade imediata de aumento da frota de cabotagem.
25
H. Criação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(ANTAQ)11
A instalação da ANTAQ, em 2002, trouxe maior confiança ao mercado para
a realização de investimentos nos setores de navegação e de terminais portuários,
por minimizar a interferência de interesses políticos e tratar de forma isônoma
as empresas.
3.4 SITUAÇÃO ATUAL
A conjuntura econômica favorável dos últimos quinze anos, caracterizada
pelo crescimento do PIB e incrementos proporcionais do Balanço de Pagamentos,
favoreceu a realização de investimentos na renovação e ampliação da frota
mercante e quase todas as modalidades de navegação.
A exceção está na navegação de longo curso, ainda dependente de
empresas estrangeiras, o que compromete a conta serviços que, em 2014, a parcela
referente a gastos com transportes atingiu o total de US$ 21,234 bilhões, dos quais
mais de 70% pagos ao exterior. Esses números são mera ilustração para o presente
trabalho, pois se referem a diversos tipos de serviços e não refletem,
necessariamente, todos os gastos com frete, uma vez que dependendo se a
operação foi realizada em base CIF ou FOB pode ter sido lançado no balanço de
pagamentos do país exportador ou do país importador.
11
Criada pela Lei nº 10.233/2001, A Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ é
entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial, com personalidade jurídica de direito público, independência administrativa, autonomia financeira e funcional, mandato fixo de seus dirigentes, vinculada ao Ministério dos Transportes, com sede e foro
no Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais.
26
4 TRANSPORTE AQUAVIÁRIO
O transporte aquaviário é aquele realizado para a movimentação de cargas
e de passageiros por uma via navegável. Também se presta à execução de serviços
diversos, como rebocagem, apoio a outras embarcações e instalações em terra, bem
como o apoio a plataformas de petróleo. São operações de transporte e serviços de
apoio remunerados, que podem ser prestados em caráter nacional ou internacional,
e às empresas que prestam esses serviços chamamos de Marinha Mercante.
Marinha Mercante é um negócio do setor de transportes realizado com o
emprego de embarcações. O transporte aquaviário é um importante elo da cadeia
logística. Citando BRITO (2010), “logística é a administração de estoques em
movimento”.
A logística, no transporte aquaviário, é o conjunto de atividades necessárias
para levar uma carga (ou realizar um serviço) entre o ponto A e o ponto B, com
eficiência (qualidade, pontualidade). Assim, tem um custo considerável, agrega valor
significativo aos bens transportados sem agregar melhorias, diminuindo sua
atratividade ao mercado.
O transporte de pessoas e cargas é uma atividade vital para uma nação.
Sem ela não se preserva o direito de ir e vir, não se realizam as políticas sociais e
econômicas, não se promove o desenvolvimento. Por ser essencial, cabe ao estado
possibilitar sua existência. Assim, o transporte (em especial, o transporte aquaviário)
é um serviço público e, portanto, cabe ao estado promovê-lo por meio de empresa
pública ou por delegação à iniciativa privada.
Navegar sempre foi preciso... A rota marítima é uma via natural e, em um
país com tão vasto litoral e com milhares de quilômetros de rios e lagos navegáveis,
o transporte aquaviário promoveu a integração nacional, o abastecimento das
cidades, o serviço postal, o ir e vir da população, o escoamento da produção
agrícola e mineral, o contato com o resto do mundo. Finda a 2ª Grande Guerra, o
país carecia de uma política desenvolvimentista e, até a década de 1950, 90% da
população se concentrava na faixa de 100 quilômetros do litoral. Dependia-se
essencialmente do transporte aquaviário, as estradas de rodagem ainda eram
poucas e as ferrovias atendiam apenas áreas específicas do território.
27
Com a execução do plano de metas do governo Kubitscheck, a matriz do
transporte mudou substancialmente, deu-se grande ênfase à abertura de estradas e
à produção automobilística mas, também, se desenvolveu a construção naval e se
promoveu a expansão da navegação.
A extinção da SUNAMAM, em 1983, e a recessão econômica decorrente das
crises do petróleo de 1973 e 1978, na década de 1990 o transporte aquaviário no
país estagnou mas, dessa vez, sofrendo uma significativa concorrência do transporte
rodoviário. No governo Collor, já sob a influência da política neoliberal e a
globalização, ocorreu uma forte desregulamentação e o setor sentiu a falta de
políticas próprias, deixando de fazer investimentos. Sem incentivos e sem recursos,
a frota nacional envelheceu, reduziu, passou a gerar altos custos de manutenção,
não acompanhou as evoluções tecnológicas e o correspondente aumento do custo
operacional levou ao aumento de fretes.
A estabilização da economia, coincidente com a virada do século, trouxe o
retorno da intervenção do Estado com a promoção de política pública específica e a
regulamentação do setor. Em 2001, promoveu-se a reestruturação dos transportes
aquaviários, com a criação do Conselho Nacional de Integração de Políticas de
Transporte (CONIT) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ),
entre outros órgãos12.
4.1 A ESTRUTURA EXECUTIVA DA REGULAÇÃO DO SETOR
A regulação das atividades do transporte aquaviário, em suas várias
disciplinas, é realizada por uma diversidade de órgãos.
Na figura 4, a seguir, está representada a estrutura executiva do Governo
Federal com atuação direta no setor. Identificam-se três vertentes:
Política – a cargo do Ministério dos Transportes e da Secretaria de Portos.
Regulatória – ação de outorga e fiscalização, a cargo da ANTAQ.
Executiva – nos portos públicos, realizada pelas Companhias Docas e, nos
terminais privativos e no transporte aquaviário, pela iniciativa privada.
12
Lei nº. 10.233/01 (com alterações posteriores), que dispõe sobre a reestruração dos transportes
aquaviário e terrestre.
28
Figura 4 – Estrutura do Estado
Fonte: ANTAQ
Fora isso, diversas outras instituições atuam na regulação da exploração
econômica, na segurança e controle das embarcações empregadas, nas questões
ambiental e trabalhista, tanto no âmbito nacional quanto no internacional das quais
são apresentadas as características principais no Apêndice D.
4.2 CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO
Aqui serão consideradas apenas as atividades reconhecidas na Lei nº
10233/01, que diz que, à ANTAQ cabe “celebrar atos de outorga de permissão ou
autorização de prestação de serviços de transporte pelas empresas de navegação
fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e
longo curso, gerindo os respectivos contratos e demais instrumentos
administrativos”.
Os “serviços de transporte” citados são aplicáveis13:
I - aos armadores14, às empresas de navegação e às embarcações
brasileiras;
13
Lei nº 9.432/97 (Regulamentada pelo Decreto nº 2.256/97), que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário. 14
O Armador é aquele que apresta a embarcação, seja ele o seu proprietário ou o seu afretador. Já a Empresa Brasileira de Navegação (EBN) é necessariamente uma pessoa jurídica autorizada a operar no transporte aquaviário pela ANTAQ. Em suma:
Armador versus Empresa de Navegação
29
II - às embarcações estrangeiras afretadas por armadores brasileiros;
III - aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações
estrangeiras, quando amparados por acordos firmados pela União.
A legislação estabelece, também, que são cinco os tipos de navegação
comercial15, a saber: a navegação de Longo Curso, a Cabotagem, o Apoio Portuário,
o Apoio Marítimo e a navegação Interior, cujas características estão descritas a
seguir.
4.2.1 NAVEGAÇÃO DE LONGO CURSO
É a realizada entre portos brasileiros e estrangeiros. É essencialmente uma
operação de transporte de cargas, com embarcações SOLAS16, e aberta a
empresas de navegação estrangeiras.17
Existem três vertentes principais de rotas entre a costa atlântica da América
do Sul e os portos do resto do mundo: para a América do Norte, para a Europa e
para a Ásia.
As rotas para a América do Norte e para a Europa, partindo dos portos da
Argentina, do Uruguai e dos portos das regiões Sul e Sudeste do Brasil, seguem
paralelas até o Nordeste, enquanto as rotas para a Ásia seguem, em sua maioria,
pelo sul da África.
Hoje temos 19 empresas brasileiras de navegação autorizadas a operar na
navegação de longo curso18, com linhas para a América do Sul, Estados Unidos,
Europa, Caribe, África, Extremo Oriente, Oriente Médio e Oceania.
A distribuição de linhas depende das forças do mercado e varia
continuamente. Preocupante é que, tirando algum tráfego para a Argentina, Uruguai
Armador Empresa Brasileira de Navegação
Pode ser pessoa física ou jurídica Somente pessoa jurídica Tem registro no Tribunal Marítimo Precisa ser autorizada pela ANTAQ Só pode realizar a exploração do transporte
aquaviário se autorizado pela ANTAQ
Só pode ser autorizado a realizar a exploração do
transporte aquaviário se possuir embarcação Administra a embarcação Administra a operação de transporte aquaviário
15
Lei nº 9.432/97, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário. 16
Embarcação SOLAS (Safety of Life at Sea) é a que cumpre regras internacionais para a salvaguarda da vida humana no mar. 17
Lei nº 9.432/97, Art. 5º A operação ou exploração do transporte de mercadorias na navegação de longo curso é aberta aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações de todos os países, observados os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. 18
Consulta http://www.antaq.gov.br/Portal/Frota/ConsultarEmpresaAutorizada.aspx em 12/04/2015.
30
e Venezuela (petróleo e derivados), não se empregam embarcações brasileiras nas
demais linhas.
Na figura 5, os dados empregados estão em milhões de toneladas. Vê-se a
tendência de crescimento do movimento de cargas no longo curso, seguindo a
tendência do Balanço de Pagamentos, como era de se esperar. Também, como era
de se esperar, o movimento de importação é consideravelmente menor do que o de
exportação, até porque a carga de exportação é preponderantemente de granéis
(commodities) que são cargas de muito volume e peso.
Figura 5 – Cargas Transportadas no Longo Curso
Fonte: ANTAQ
Na navegação de Longo Curso, é prescrito19 às embarcações de bandeira
brasileira, operadas por empresas brasileiras de navegação, o transporte de
mercadorias importadas pela administração pública e aquelas que gozem de
financiamentos oficiais, ressalvada a reciprocidade. Caso não exista navio de
19
Decreto-lei nº 666/69, Institui a obrigatoriedade de transporte em navio de bandeira brasileira, Art.
2º Será feito, obrigatoriamente, em navios de bandeira brasileira, respeitado o princípio da reciprocidade, o transporte de mercadorias importadas por qualquer órgão da administração pública federal, estadual e municipal, direta ou indireta, inclusive empresas públicas e sociedades de
economia mista, bem como as importadas com quaisquer favores governamentais e, ainda, as adquiridas com financiamento, total ou parcial, de estabelecimento oficial de crédito, assim também com financiamentos externos, concedidos a órgãos da administração pública federal, direta ou
indireta.
31
bandeira brasileira disponível para realizar a operação, a ANTAQ pode liberar o
transporte em navio de bandeira estrangeira especificamente designado20.
Na prática, o procedimento da liberação do transporte de carga prescrita em
navio de bandeira estrangeira deveria ser eventual mas virou regra geral, uma vez
que o emprego de navios de bandeira brasileira na navegação de longo curso quase
não existe. De fato, trata-se de um mecanismo de incentivo à bandeira brasileira que
pouco efeito tem.
Como o Brasil não possui frota própria operando no longo curso em linhas
regulares (exceto para os países do MERCOSUL, que é um mercado protegido por
acordos bilaterais, e algum tráfego de produtos químicos), os donos das cargas
ficam suscetíveis ao serviço prestado por grandes empresas de navegação
transnacionais. Estas são fortemente influenciadas pelo mercado internacional, que
se caracteriza por ser sazonal, volátil, afetado por interesses outros.
A simples leitura das estatísticas da ANTAQ pode levar a uma interpretação
equivocada, pois aponta o registro de 67 embarcações aptas a operar no longo
curso, sendo 14 afretadas de empresas estrangeiras21. Isso se deve ao interesse
das empresas de manter junto à ANTAQ o registro de embarcações que podem ser
empregadas em operações para o MERCOSUL, bem como da TRANSPETRO, com
países do Caribe, sendo que as mesmas embarcações são, também, registradas
para a operação na Cabotagem, frequente e regular. Mas, observando a tabela a
seguir verifica-se que, mesmo no tráfego com países com os quais o Brasil tem
acordos bilaterais, os navios de bandeira brasileira respondem apenas com 5,1%
dos fretes.
Figura 6 – Tráfego de Cargas – Acordos Bilaterais
Fonte: ANTAQ
20
Resolução nº 2922 da ANTAQ. 21
Consulta em 12/04/2015 em http://www.antaq.gov.br/Portal/Frota/ConsultarFrotaGeral.aspx.
32
Outras características da navegação de longo curso são mostradas no
Apêndice B.
4.2.2 NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM
É a realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, utilizando a via
marítima ou esta e as vias navegáveis interiores. É essencialmente uma operação
de transporte de cargas, reservada a empresas brasileiras de navegação (EBN) e
embarcações de bandeira brasileira22. Hoje estão autorizadas 41 EBN na
cabotagem, operando 176 embarcações de registro brasileiro e diversas outras
estrangeiras afretadas, atendendo a todos os portos brasileiros.
A principal atividade econômica da navegação de cabotagem é o transporte
de cargas ao longo do litoral brasileiro e no percurso do rio Amazonas, ligando a
zona franca aos mercados consumidores domésticos, em linhas regulares. As
principais empresas que exploram esse segmento da cabotagem são as mesmas
autorizadas pela ANTAQ a operar no longo curso até porque algumas das linhas
exploradas possuem trechos que tocam portos no exterior.
Outra atividade de grande importância econômica é o serviço de
alimentação e alívio de portos concentradores de cargas (chamados de “hub ports”).
Esses portos concentram o recebimento de grandes quantidades de cargas, tanto
dos mercados produtores quanto dos consumidores, transportadas em navios de
grande porte, em geral, de linhas internacionais (de longo curso). Empresas
estrangeiras não podem operar na cabotagem e fazem operações de transbordo em
portos brasileiros, descarregando e recebendo cargas que serão obrigatoriamente
movimentadas entre os portos de destino/origem nacional por empresas brasileiras
de transporte.
Uma parte considerável da movimentação entre portos se refere a
contêineres vazios pois nos portos não há um balanço perfeito entre a quantidade de
contêineres cheios que entra e a quantidade que sai, de modo que sempre há
demanda de transporte de contêineres vazios dos portos onde eles estão sobrando
para os portos onde eles são solicitados. Segundo a ANTAQ o desbalanceamento
total de cofres cheios e vazios (em número de contêiner TEU – “Twenty Foot
22
Lei n° 9.432/97 Art. 7º As embarcações estrangeiras somente poderão participar do transporte de mercadorias na navegação de cabotagem... quando afretadas por empresas brasileiras de
navegação, observado o disposto nos arts. 9º e 10.”
33
Equivalent Unit”) pode ser verificado pelo número de contêineres transportados, que
ocorreu na proporção de 71,4% de cheios para 28,6% de vazios (ANTAQ - 2014).
Existe, ainda, um sem número de atividades de transporte de cabotagem,
empregando uma variedade de embarcações com porte menor para atender casos
específicos como, por exemplo:
Comboio empurrador-barcaça no transporte de cargas de projeto
Transporte de sal em Areia Branca – RN
Abastecimento de Fernando de Noronha
Dos exemplos acima, o primeiro é amplamente aplicado no transporte de
cargas especiais devido ao seu volume, peso e forma geométrica, características de
grandes peças industriais – geradores, vasos de pressão, partes de plataformas, etc.
– ou em casos bem específicos de linhas regulares dedicadas como o de transporte
de celulose e de bobinas de aço executados pela empresa Norsul. Os dois exemplos
seguintes são representativos de soluções específicas para questões regionais, um
de grande importância comercial e o outro com profundo impacto social.
A regulação do transporte de cabotagem permite, sob condições, o
afretamento de embarcações estrangeiras23 para viabilizar atender o crescimento e
os picos de demanda por frete. A obrigatoriedade de o afretamento ser realizado por
EBN garante o mercado para empresas brasileiras mas não evita ou reduz a
remessa de divisas ao exterior, onerando a conta serviços da balança de
pagamentos.
Picos de demanda, sazonais, são supridos por meio de “compra” de espaços
(afretamento) em navios estrangeiros que tocam o litoral brasileiro na operação de
longo curso, muitos deles operados por megaempresas de navegação
transnacionais, controladoras de EBN, as quais não necessariamente praticam frete
de valor do mercado interno mas, sim, valores regidos por questão de oportunidade.
Outras características da navegação de cabotagem são mostradas no
Apêndice C.
4.2.3 NAVEGAÇÃO DE APOIO PORTUÁRIO
É aquela realizada exclusivamente nos portos e terminais aquaviários, para
atendimento a embarcações e instalações portuárias. É essencialmente uma
23
Lei nº 9.432/97 e Resolução nº 2920 – ANTAQ.
34
operação de prestação de serviços de apoio, realizada por empresas brasileiras de
navegação utilizando embarcações de bandeira brasileira.
O mercado para as EBN de apoio portuário é crescente e cada vez mais
especializado. Há mais de 260 empresas espalhadas por todo o Brasil (eram cerca
de 80 em 2005 e 150 em 2011). Segundo a ANTAQ, elas operam cerca de 1.300
embarcações de registro brasileiro. Por regra, onde há porto organizado ou terminal
privativo, os serviços de apoio portuário são oferecidos, entre eles:
Reboque portuário (atracação, desatracação, assistência, auxílio à
manobra, etc.)
Transporte de tripulantes, passageiros e carga
Transporte de práticos
Manobra de espias
Coleta de lixo e resíduos de porão
Abastecimento de combustíveis, lubrificantes, sobressalentes, água
potável, víveres
Transbordo de carga
No apoio portuário, quando da necessidade de suprir picos de demanda,
pouco se emprega o afretamento de embarcações estrangeiras, pois este é
encarecido pelo custo da mobilização da embarcação (deslocamento e adaptação)
desde os portos de origem para portos no Brasil, e vice-versa, quando da reentrega
ao seu proprietário estrangeiro, e o mercado nacional possui uma ampla oferta de
embarcações (como relatado acima, são cerca de 1300). Se necessário, o
afretamento de embarcação estrangeira dependerá, sempre, da consulta de
disponibilidade de embarcações das demais EBN (processo chamado de
“circularização”) e posterior autorização do afretamento pela ANTAQ24.
O mercado, hoje, é de demanda crescente, proporcional ao incremento do
tráfego e do porte dos navios de longo curso e cabotagem. Com isso, o que se vê é
o crescimento e especialização do número de empresas, bem como de suas frotas.
4.2.4 NAVEGAÇÃO DE APOIO MARÍTIMO
É a modalidade de navegação realizada para o apoio logístico a
embarcações e instalações em águas territoriais nacionais e na Zona Econômica,
que atuem nas atividades de pesquisa e lavra de minerais e hidrocarbonetos. É
24
Lei nº 9.432/97 e Resolução nº 2921 – ANTAQ.
35
essencialmente uma operação de prestação de serviços de apoio, reservada a
empresas brasileiras de navegação e embarcações de bandeira brasileira.
A navegação de apoio marítimo é fruto da exploração de petróleo na
plataforma continental. A Lei do Petróleo abriu o mercado de exploração a novas
empresas além da Petrobras, acelerando a expansão da exploração de petróleo
offshore. Com isso, hoje há 147 empresas brasileiras de navegação operando no
apoio marítimo (em 2005, 48, e, em 2011, 109). Os principais serviços oferecidos
são:
Reboque e posicionamento de plataformas
Suprimento de insumos para a exploração de petróleo
Abastecimento de combustíveis, lubrificantes, sobressalentes, água
potável, víveres
Transporte de passageiros (petroleiros)
Manobra de espias
Apoio a operações de socorro e salvamento (“Stand-by”)
A ANTAQ registra 558 embarcações operadas no Apoio Marítimo, entre elas
um número considerável de pequenos rebocadores e lanchas, bem como
embarcações não propulsadas (barcaças), quase todas de registro brasileiro. Para
operações mais complexas, são empregadas embarcações sofisticadas (cerca de
300), de alto custo de obtenção, onde cerca de 10% delas é estrangeira operada a
casco nu com suspensão de bandeira. Já a ABEAM – Associação Brasileira das
Empresas de Apoio Marítimo informa que há 469 embarcações operando, 224 de
bandeira brasileira e 245 estrangeiras. Provavelmente, a diferença decorre de a
ABEAM relacionar apenas embarcações operadas por empresas a ela associadas.
4.2.5 NAVEGAÇÃO INTERIOR
É a realizada em hidrovias interiores, em percurso nacional ou internacional.
A navegação interior, em contraste com as outras modalidades de navegação, difere
consideravelmente de região para região do país, tanto social quanto
economicamente. São adequadas as seguintes classificações:
1) Geograficamente, por bacia e por hidrovia
2) Por percurso (nacional ou internacional)
3) Por características técnicas:
Navegação longitudinal de carga (133 empresas)
36
Transporte exclusivo de passageiros (5 empresas)
Transporte longitudinal misto - passageiros e carga (77 empresas)
Navegação de travessia (148 empresas)
O número de empresas foi obtido da ANTAQ25 e representa apenas as que
operam em área de jurisdição federal (internacional e interestadual).
A navegação interior transporta hoje, mais de 80 milhões de toneladas/ano
de carga, o que representa um crescimento de 4,3% no último ano, capacidade que
duplicou em 5 anos.
Ao contrário do que se observa nas principais regiões produtivas do país -
sul/sudeste - onde as hidrovias têm características técnicas que prejudicam sua
utilização econômica e a concorrência com outros modais, na região norte sua
importância é essencial, tanto econômica quanto socialmente, no transporte de
cargas e passageiros - em geral em rios de grande volume de água, bom calado,
pouca influência sazonal e quase nenhuma concorrência com outros modais.
4.2.6 A FROTA MERCANTE BRASILEIRA
A total desregulamentação do setor de transporte aquaviário na década de
1990 trouxe tal instabilidade ao mercado que os armadores pararam com qualquer
investimento na renovação de suas frotas.
Em especial, no longo curso e na cabotagem operava-se uma frota de idade
média avançada, sem perspectiva de substituição. Os navios deixaram de ser
competitivos por obsolescência, falta de equipamentos modernos de carga e
descarga, alto custo de manutenção, alto consumo de combustível, baixa
automação.
A partir de 2001, a frota remanescente utilizada no longo curso foi
integralmente transferida para a cabotagem onde encontrou uma sobrevida, uma
vez que, na cabotagem, não precisavam concorrer com a frota estrangeira, mais
moderna e eficaz.
A decisão dos armadores nacionais de não mais investir em suas frotas foi
terrível para o setor. Os efeitos adversos foram camuflados pela imediata ocupação
do mercado pelos operadores internacionais no longo curso e a reserva de mercado
25
http://www.antaq.gov.br/Portal/Frota/ConsultarEmpresaInteriorAutorizada.aspx , consultado em
12/04/2015.
37
da cabotagem que permitiu a utilização da frota, mesmo obsoleta, por um longo
tempo.
Figura 7 – Evolução da frota por Tipo de Navegação
Fonte: ANTAQ
Como consequência imediata da migração da frota de longo curso para a
cabotagem, ocorreu a transferência de divisas para o exterior, correspondente ao
frete na importação/exportação, e o aumento dos custos de transporte na
cabotagem (figura 7).
Outra consequência foi a transferência do controle das empresas brasileiras
para o capital estrangeiro26, uma vez que o clima de insegurança para a navegação
brasileira decorrente da desregulamentação não pode ser suportado pelo
empresário nacional, enquanto que os armadores estrangeiros que já operavam no
longo curso vislumbraram a possibilidade de entrar no mercado da cabotagem
brasileira com pouco investimento pois estavam absorvendo empresas altamente
endividadas (cabe lembrar que o custo de obtenção da frota dessas empresas ainda
estava sendo ressarcido ao governo pois os financiamentos da construção, à época,
eram de 15 anos).
O cenário de incerteza do mercado começou a se alterar com a Emenda
Constitucional n° 7, de 1995, que deu nova redação ao art. 178 da Constituição
26
A Emenda Constitucional n° 6, de 1995, eliminou o conceito de empresa brasileira de capital
nacional.
38
Federal, remetendo para a legislação ordinária a regulamentação do mercado de
navegação. Isso deu espaço ao retorno da regulação da navegação com a edição
da Lei n° 9.432/1997, sobre o ordenamento do transporte aquaviário, e da Lei nº
10.233/2001, que cria o CONIT e a ANTAQ.
Mesmo assim, protegidas pela reserva de mercado da cabotagem, que
garantia a sobrevida dos seus navios envelhecidos, as EBN relutaram em promover
a renovação de frota.
A tabela a seguir (frota de longo curso e cabotagem) mostra que apenas
recentemente essa renovação se iniciou.
Tabela 1 – Idade Média da Frota
Tipo de navio Idade Média
2011
Idade Média
2015
Carga Geral 12 11,6 Petroleiro 23 16,1 Graneleiro 24 18
Ro-Ro 18 - Porta-Contêiner 19 5,9
Multipropósito 09 - Químico 26 13,5
Fonte: ANTAQ
Pode-se ver que várias categorias de embarcações já ultrapassavam os
vinte anos de vida em 2011, fato muito relevante considerando que o parâmetro
técnico para a vida útil das embarcações é de 25~30 anos e que sua obsolescência,
em certos casos, pode chegar antes, com a evolução dos mercados, portos e
processos de transporte.
No quadro da figura 8 está apresentada a evolução da idade da frota por
segmento. Observa-se uma melhora tímida da idade média da frota de cabotagem,
como um todo, e uma maior obsolescência na frota de apoio portuário, que pouco
evolui. Nesse último caso, as embarcações empregadas tem menor sofisticação
tecnológica, o que explica, em parte, sua maior longevidade.
Há que se ter em mente que a definição dos requisitos operacionais da nova
embarcação, a seleção do seu projeto e a construção propriamente dita podem levar
alguns anos (2 a 5 anos, em média, dependendo da complexidade do
empreendimento). Os principais parâmetros técnicos considerados como indicadores
da necessidade de renovação da frota brasileira são:
39
Idade
Regulamentos de segurança e antipoluição
Novos parâmetros de velocidade
Sistemas de propulsão mais eficientes
Capacidade de carga
Atendimento a exigências de autoridades nacionais e de outros países
Figura 8 – Evolução da Idade Média da Frota
Fonte: ANTAQ
Aos parâmetros listados acima, essencialmente técnicos, se juntam os
requisitos operacionais, que decorrem da evolução dos sistemas portuários de
manuseio e armazenamento de carga, que são critérios de logística. A evolução
desses parâmetros determinou a obsolescência dos navios ro-ro (roll on / roll of)
onde as cargas embarcam/desembarcam em carretas, e dos navios multipropósito,
que permitem o transporte de cargas em diferentes formas de embalagem e
manuseio, sistemas abandonados em favor dos contêineres.
De fato, as empresas de cabotagem somente promoveram a renovação
quando o mercado passou a demandar serviços em quantidade e qualidade superior
ao que elas podiam atender. A figura 9 mostra a evolução da frota brasileira nos
últimos anos, onde as EBN reagiram na virada do século XXI, com reflexos
observados a partir de meados da sua primeira década.
40
Figura 9 – Frota Brasileira por Tipo de Navio
Fonte: ANTAQ
4.2.7 A SITUAÇÃO ATUAL
Figura 10 – Evolução da Quantidade de EBN
Fonte: ANTAQ
41
O país vem de uma década de crescimento da economia e saldos positivos
do balanço de pagamentos, onde o transporte aquaviário teve uma participação
essencial com correspondente crescimento. Isso pode ser comprovado na figura 10
acima, onde o número de EBN cresce ano a ano.
Em cada segmento da navegação observamos indicadores específicos.
Vejamos:
a) Longo Curso - a participação da bandeira brasileira é muito pequena
(de 3 a 5%, dependendo da fonte e do critério utilizado). O segmento é dominado
por megaempresas transnacionais, não há um controle efetivo do valor de frete
cobrado, o que é um risco para o comércio externo e, consequentemente, para o
desenvolvimento do país, o Balanço de Pagamentos no quesito “fretes” é totalmente
desfavorável, representando uma perda de divisas superior a US$ 10 milhões, a
ausência de uma frota nacional atendendo ao setor é um risco para a soberania
nacional.
b) Cabotagem - a concorrência com o transporte rodoviário é grande
mas, para percursos superiores a 500 km, as vantagens do modal marítimo tem
levado a um crescimento constante do transporte de cabotagem. O crescimento
constante do comércio exterior brasileiro nos últimos anos tem puxado o crescimento
do setor na distribuição de cargas entre os portos concentradores e os demais
portos.
c) Apoio portuário - cresce proporcionalmente à cabotagem e o longo
curso; portos mais modernos exigem embarcações de apoio melhores e empresas
especializadas.
d) Apoio marítimo - é um mercado certo, em expansão, dominado por
embarcações de bandeira estrangeira; a própria PETROBRAS retornou ao mercado,
como EBN, promovendo a construção de quase meia centena de embarcações de
apoio a plataformas. No entanto, devido ao indelével vínculo com a exploração de
petróleo em mar aberto, sua evolução é fortemente influenciada pelo preço
internacional do petróleo e ao plano de investimentos da Petrobras.
e) Interior - apesar da diversidade do mercado e dos fatores regionais, há
uma expectativa de crescimento do transporte de granéis, para o escoamento das
safras; na Amazônia, esforços estão sendo feitos para a substituição das
embarcações de madeira construídas de forma artesanal, por outras mais seguras.
42
5 A ORDENAÇÃO JURÍDICA27
O transporte aquaviário seu divide em uma multiplicidade de serviços a
serem prestados e explorados comercialmente, que tem, por paralelo, uma outra
multiplicidade de Leis, Decretos, Regulamentos, Convenções, que visam sua
ordenação nas mais diversas disciplinas. O tema se caracteriza por sua
multidisciplinaridade, abrangendo as áreas do Direito comercial, internacional,
administrativo, ambiental, processual e penal, que perfazem a política marítima.
5.1 A ORDENAÇÃO JURÍDICA NACIONAL
“Apesar de ocupar posição proeminente e ter seu
núcleo geohistórico assentado em torno do Atlântico
Sul, o Brasil não se constituiu em um Estado
marítimo, nem sequer desenvolveu uma política
sistemática para integrar o oceano na política
nacional brasileira, pelo menos até a década de 70.
Uma das razões foi a disposição de um imenso
espaço continental aberto à colonização de tal
forma, que as políticas nacionais não incluíram o
mar como elemento primordial ao desenvolvimento
da nação...”28
Em tempos de Brasil República, a regulamentação do setor de navegação
veio, inicialmente, por meio do Decreto-Lei nº 1.951/1939, onde estabelecia-se a
criação da Comissão de Marinha Mercante, ocorrida em 1941.29 Já nos anos 1980, o
27
Centro de Estudos, Pesquisa e Atualização em Direito, Curso de Direito Marítimo (2005) - Notas de aula. 28
Mendes, A Constituição das fronteiras Marítimas Brasileiras: do “Mar Territorial” à “Amazônia Azul” - Dissertação de Mestrado - ENCE (2006) - citando Penha, “Relações Brasil-África e Geopolítica do Atlântico Sul” - Tese de doutoramento, IG UFRJ (1998). 29
Botelho, ”Indústria de Construção Naval: Uma Necessidade Estratégica de Desenvolvimento”, Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval (2007) – “No Brasil, as primeiras medidas por parte do governo brasileiro, com o objetivo de regulamentar, de maneira sistemática, o setor marítimo
são anteriores à década de 50. Por meio do Decreto-Lei no 1.951 de 30 de dezembro de 1939, a União assumiu a responsabilidade de explorar ou dar concessões autorizadas e licenças para a exploração do transporte marítimo. Nesse Decreto-Lei, previa-se a criação de um órgão regulador do
setor que viria a ser efetivado, em 1941, por meio da Comissão de Marinha Mercante (CMM),cujas principais atribuições eram: fixar os fretes, definindo as linhas de navegação para cada empresa; subvencionar, mediante autorização do Presidente da República, serviços deficitários de Marinha
Mercante; autorizar a compra, venda e afretamento de embarcações no exterior, e estipular salários
43
setor era altamente regulado, sob rígido regime da SUNAMAM. Recentemente, essa
regulamentação se concretiza em uma série de Leis e Normas, mais flexíveis30(ver
Apêndice E).
5.1.1 A REGULAÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO NO BRASIL31
As agências reguladoras independentes constituem um modelo institucional
de Administração Pública a muito empregado nos EUA e que vem sendo adotado na
América Latina e na Europa, a partir da década de 80. A adoção dessa nova linha de
regulação não se deu por mera cópia do modelo americano mas em decorrência de
circunstâncias político-econômicas.
Na história recente da navegação mercante nacional, a partir de 1988
começa a desregulamentação do setor de navegação. Vimos o fim da SUNAMAM
(1988) e a extinção das chamadas conferências de fretes (1990).
A liberalização do transporte aquaviário de longo curso (governo Collor – 90
a 92) significou a exposição dos armadores brasileiros à concorrência internacional
(Portaria MT no 07/91). Em pouco tempo ficou claro que as incipientes empresas
domésticas não tinham porte para enfrentar um mercado caracterizado pela
presença de grandes empresas de escala operacional mundial. Com isso, a maior
parte das empresas brasileiras de navegação, para sobreviver nesse mercado,
adotou a participação de sócios estrangeiros na sua composição.
Veio o governo Fernando Henrique e a implantação de sua política
neoliberal, com a privatização de diversas empresas públicas e a busca pelo capital
estrangeiro. Entendeu-se que essa política somente teria sucesso com a
implantação de Agências Reguladoras independentes.
de estivadores e marítimos. A partir daí, houve uma sucessão de leis e decretos, associados à
criação e extinção de vários órgãos governamentais que visavam o estabelecimento de políticas e formas de incentivar e administrar o desenvolvimento da indústria naval e Marinha Mercante brasileiras.” 30
Nóbrega, Consultoria Legislativa do Senado Federal, Coordenação de Estudos – Evolução e Perspectivas de Desenvolvimento da Marinha Mercante Brasileira (2008) - “A liberalização do comércio de bens e serviços é uma meta mundial, acertada e discutida no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC), e diversos setores tiveram novas regras estabelecidas ao amparo do General Agreement on Tariffs and Trading (GATT). Outros, como a navegação marítima, estão com suas negociações paralisadas devido à alta complexidade do seu mercado e das suas relações
comerciais e estratégicas.” 31
Lei nº. 10.233/2001 -Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria ... a Agência Nacional de Transportes Aquaviários ...; Art. 27, V - Cabe à ANTAQ, em sua esfera de
atuação, celebrar atos de outorga de permissão ou autorização de prestação de serviços de transporte pelas empresas de navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e longo curso, observado o disposto nos arts. 13 e 14, gerindo os
respectivos contratos e demais instrumentos administrativos.
44
Mas, qual o modelo a seguir? Enquanto que, nos EUA em todo o último
século admitiu-se a prestação de serviços públicos com forte participação da
iniciativa privada, na América Latina/Europa o Estado optou por prestar ou explorar
diretamente a maior parte dos serviços públicos e atividades econômicas,
favorecendo que prevalecesse o interesse político sobre o interesse privado, muitas
vezes em prejuízo do interesse dos usuários.
Nos segmentos de prestação de serviços públicos onde tradicionalmente
participam empresas privadas (como o transporte aquaviário), a atuação do estado
interventor tinha uma vertente prejudicial. De fato, a intervenção estatal (por
exemplo, com o estabelecimento de uma política de preços) tendia a instabilizar
qualquer ação privada, quer por inviabilizar a prestação do serviço com um mínimo
de qualidade – preço abaixo do real de mercado – quer por desestímulo à melhoria
de produtividade – quando da política protecionista.
Na década de 90, o cenário brasileiro mudou radicalmente: a quebra de
monopólios do Estado, abertura de setores da economia à competição e o
movimento da desestatização, atrelados obrigatoriamente a uma busca de capital
para viabilizar as novas empresas concessionárias e seus planos de metas, obrigou
o Estado a adotar outra política regulatória.
Curiosamente, no hemisfério norte os EUA passavam por um momento
“desregulamentador”, com a extinção ou diminuição da regulação estatal em muitos
setores, que causou prejuízos tanto financeiros (por exemplo, por decorrência do
racionamento de energia elétrica no seu estado mais rico – a Califórnia) quanto
sociais (como o ocorrido na área de transportes para pequenas cidades e
propriedades rurais). Houve, por consequência, a necessária intervenção do Estado
– retorno à regulação - para possibilitar o restauro da situação de equilíbrio do
mercado.
O que constitui a essência do conceito das agências reguladoras, em
relação ao modelo tradicional da Administração Pública, é a independência em
relação ao Poder Executivo Central. Não por acaso, algumas Agências Reguladoras
adotam, em seu logotipo, a figura de um triângulo equilátero, símbolo do equilíbrio
que se pretende resguardar com sua atuação - equilíbrio entre o interesse político, o
interesse do usuário e o interesse privado – em suma, esse equilíbrio representa o
atendimento ao interesse público.
45
Nesse sentido, se revestem de especial importância conceitos como da
administração da Agência por um colegiado de Diretores nomeados pelo Chefe do
Executivo, após a aprovação de sua indicação pelos membros do Senado, bem
como os mandatos fixos e a não coincidência de mandatos.
Regular a atividade do transporte aquaviário do Brasil32 decorre de sua
importância socioeconômica, ou seja:
O transporte de passageiros é essencial - garante o direito do cidadão de
ir-e-vir e o acesso ao seu local de trabalho – é parte inseparável da cadeia
produtiva; e
O transporte de mercadorias possibilita o desenvolvimento da economia
do país; também possibilita a geração de riqueza e de bem estar.
Para atender essas necessidades, o Estado, através da Lei nº 10.233, de
2001, criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, visando não
somente implantar as políticas para o setor como, também, regular, supervisionar e
fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de
exploração da infraestrutura portuária e aquaviária, garantindo a movimentação de
pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto,
regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas, harmonizar os
interesses dos usuários com os das empresas prestadoras dos serviços, arbitrar
conflitos de interesse e impedir situações que configurem competição imperfeita ou
infração contra a ordem econômica.
5.1.2 O TRANSPORTE COMO SERVIÇO PÚBLICO
A Constituição Federal determina que cabe ao Estado explorar, diretamente
ou por outorga a terceiros, o serviço de transporte aquaviário e os portos, legislar
sobre o direito marítimo, o regime dos portos e da navegação e estabelecer a
política de transportes.33
32
Lei nº. 10.233/2001 -Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria ... a Agência Nacional de Transportes Aquaviários ...; Art. 27, V - Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação, celebrar atos de outorga de permissão ou autorização de prestação de serviços de
transporte pelas empresas de navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e longo curso, observado o disposto nos arts. 13 e 14, gerindo os respectivos contratos e demais instrumentos administrativos. 33
C. F. Art. 21 XI d) Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; “
46
São características do setor:
Infraestrutura portuária – grandes portos organizados administrados por
sociedades de economia mista (Companhias Docas) e Terminais
especializados, explorados pela iniciativa privada
Transporte aquaviário – Operação dominada por empresas privadas
Vê-se que o perfil do Setor sempre apresentou intensa participação da
iniciativa privada. Após a Crise do Petróleo, na década de 80, a navegação passou
por ampla desregulamentação e um “esvaziamento” da SUNAMAM, até sua extinção
em 1989. Nesse período ocorreu, também, a desmobilização de nossa indústria
naval.
5.2 A ORDENAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
Vários fatores determinam a instituição de uma ordenação jurídica
internacional, entre eles os relativos ao direito do mar, à soberania dos Estados, a
facilitação as comunicações internacionais, a promoção do uso pacífico dos mares e
oceanos, a utilização equitativa e eficiente dos seus recursos, a conservação dos
recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação do meio marinho, a ordem
econômica internacional, esses relacionados na Convenção das Nações Unidas
sobre o direito do mar, e outros como os decorrentes da exploração do transporte
aquaviário, a segurança da navegação e a preservação da vida humana no mar, a
prática de mecanismos protecionistas com imposição de poder econômico.
Essa diversidade de fatores determinou a criação de organismos onde
ocorre o estabelecimento de fóruns de discussão e de arbitragem de conflitos, bem
como as regras que regem a atuação dos países. A matéria é melhor explanada no
Apêndice F.
XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação; Art. 21 Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho; IX - diretrizes da política nacional de transportes; X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;
XI - trânsito e transporte
47
6 A POLÍTICA ATUAL
A política marítima é o conjunto de medidas diretas e indiretas, jurídicas,
econômicas e administrativas por meio das quais o Estado influi na situação de sua
frota nacional, na exploração da navegação e da infraestrutura portuária. Se situa
tanto no contexto internacional quanto no nacional e varia do liberalismo ao
protecionismo, de acordo com os interesses de cada nação. No Brasil é estabelecida
no âmbito da Casa Civil, Ministério dos Transportes, Comando da Marinha,
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério das
Relações Exteriores e Secretaria de Portos.
A política atual do transporte aquaviário no Brasil decorre da política
praticada nos últimos 20 anos do último século (dita política neoliberal), fruto da
teoria econômica produzida em razão de uma crise mundial. Até então, vivia-se a
era moderna onde vigorava a política baseada em mecanismos regulatórios de
proteção do mercado interno.
O mundo pós-moderno, que surgiu em reação à crise de 1988, se submeteu
a regras rígidas de política econômica liberal, desregulamentadora, cujo modelo foi
delineado no Consenso de Washington em 1989, em função do que se considerou
uma excessiva presença do Estado na economia - com políticas de protecionismo,
substituição das importações, excesso de regulamentação e de empresas estatais –
em conjunto com uma política social paternalista, geradora de déficit público. Essa
nova política tem por diretrizes a disciplina fiscal, a estabilidade monetária, o controle
de gastos públicos, a ampliação da base tributária, a liberdade das taxas de juros e
de câmbio, a liberdade das importações com taxas aduaneiras reduzidas, a
captação de recursos externos, a redução da presença do Estado na economia com
a privatização de empresas públicas e a desregulamentação da economia.
Como nos ensina SANDOVAL (palestra proferida na ESG – CAEPE2015,
26/06/15), mais de 80% do comércio mundial é realizado por empresas panacionais
que lutam contra a regulação dos mercados periféricos – são chamadas forças
deslimitadoras. É a estratégia das grandes potências – aplicar forças deslimitadoras
para eliminar a regulação dos mercados consumidores da periferia que restringem a
48
penetração das grandes empresas transnacionais nesses mercados – mundo pós-
moderno, política neoliberal.
A respeito da condição transnacional das megaempresas de navegação que
dominam o transporte de longo curso no Brasil, CASTRO JÚNIOR (2014), em sua
crítica ao emprego do estatuto da bandeira de conveniência34 para o registro das
embarcações, cita:
“A sociedade mercantil, cuja matriz é constituída
segundo as leis de determinado estado, na qual a
propriedade é distinta da gestão, que exerce
controle, acionário ou contratual, sob uma ou mais
organizações, todas atuando de forma concentrada,
sendo a finalidade de lucro perseguida mediante
atividade fabril e/ou comercial em dois ou mais
países, adotando estratégia de negócios
centralmente elaborada e supervisionada, voltada
para a otimização de oportunidades oferecidas pelos
respectivos mercados internos.”35
Quanto à política aplicada ao transporte aquaviário, as Emendas
Constitucionais 6 e 7 coadunam com a política neoliberal quando permitem o
controle de empresas brasileiras pelo capital estrangeiro, bem como liberam o
afretamento, por EBN, de embarcação de bandeira estrangeira no mercado interno
que, antes disso, era restrito à bandeira nacional.
Com isso, as megaempresas transnacionais aproveitaram para penetrar no
mercado interno, antes protegido, preservando seus interesses ao passar a controlar
as EBN de cabotagem e terminais de carga/descarga em portos públicos e/ou áreas
privadas, garantindo, com isso, a estabilidade necessária para a operação de seus
navios no longo curso, que passaram a ter prioridade de atracação nos terminais e
maior facilidade de afretamento na cabotagem.
O último ciclo de sucesso do transporte aquaviário, se caracterizava por:
Amplo controle do Estado exercido por meio da SUNAMAM
34
Bandeira de conveniência – é o registro do navio em país que oferece facilidades aos seus
armadores que resultam em redução de custos de operação, tais como no pagamento de tributos, taxas, custos de tripulação, segurança e manutenção. 35
CRETELLA NETO, José. Empresa Transnacional e Direito Internacional. Exame do Tema à luz
da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P.27.
49
Existência de grandes empresas estatais com frotas significativas nos 3
segmentos mais importantes do longo curso: carga geral – Lloyd
Brasileiro; Granel sólido – DOCENAVE; Granel líquido - FRONAPE
Controle financeiro
Gestão da construção naval
Esse ciclo foi encerrado de forma abrupta com a ampla desregulamentação
empreendida no governo Collor, que determinou a falência da indústria de
construção naval ao restringir o acesso ao crédito e regalias fiscais, praticamente
zerando o fluxo de novas encomendas e o acesso ao mercado de exportação.
Quanto ao transporte aquaviário, uma vez que a vida útil de um navio é de pelo
menos 20 anos, os efeitos da ausência de política para o setor foram sentidos
lentamente, a começar pela desmobilização da frota de longo curso, paulatinamente
transferida para a navegação de cabotagem ou vendida para empresas estrangeiras.
De fato, com o advento da política neoliberal, diversos órgãos da
administração federal foram extintos, inclusive os diretamente responsáveis pelos
setores de construção naval e transporte aquaviário - SUNAMAM, GEIPOT -, as
grandes empresas estatais foram privatizadas (com exceção da FRONAPE, para a
qual permaneceu a reserva de mercado de transporte de petróleo - monopólio), a
intervenção do Estado sobre a gestão do frete foi extinta, prevalecendo as regras de
mercado livre, os recursos financeiros da construção naval e da reparação naval
foram contingenciados.
Hoje prevalecem as regras de mercado e, excepcionalmente, os acordos
bilaterais e multilaterais com a definição de cotas de transporte de cargas e
privilégios para o transporte de cargas estratégicas, simplificação da documentação
exigível, liberação e/ou redução de taxas alfandegárias, firmatura de acordos
operacionais entre empresas de navegação, liberdade de fretes e custos de
serviços, baixa participação do Estado no mercado.
Considerando as assimetrias das relações econômicas internacionais, o
cenário é muito desvantajoso para países com fraca participação no mercado de
fretes (pouca frota própria, de sua bandeira) com consequente evasão de divisas e
fortemente influenciados pela flutuação do valor do frete no mercado internacional,
com reflexos na competitividade de seus produtos na exportação e penalizados na
importação de insumos, o que é o caso do Brasil. São falhas de um mercado
desequilibrado que impõe a atuação regulatória do governo de modo a minimizar os
50
efeitos adversos dessa situação. Cabe lembrar que o transporte aquaviário é um
serviço público e, embora proporcionado, em sua grande parte, por empresas
privadas, compete ao governo garantir a oferta desse serviço com qualidade e
eficiência compatíveis com o interesse público que visa atender.
51
7. ANÁLISE FINAL E CONCLUSÕES
Há quinhentos anos, a conquista do Atlântico por Vasco da Gama abriu um
novo capítulo na história do transporte marítimo, trazendo o conceito da globalização
da troca de mercadorias, que passou a alcançar todos os continentes com o
emprego de embarcações cada vez maiores. É o modal que permite, com maior
flexibilidade, o transporte de grandes quantidades de produtos ao mesmo tempo,
numa única viagem. Um único navio passou a poder saturar o mercado de uma
cidade pela grande capacidade de carga que representa, modificando, inclusive, as
regras de comércio ou o interesse por mercadorias exóticas.
O início da ordenação jurídica do Direito Marítimo se deu com Hugo Grócio
mas o fato que determinou a necessidade dessa ordenação foi a assinatura do
Tratado de Tordesilhas, tanto que, para o seu reconhecimento internacional, buscou-
se a única autoridade universal ocidental – o Papa – pois não havia um fórum ou
tribunal especializado que o fizesse.
Ressalta-se a evolução tecnológica, decorrente do interesse comercial, que
para garantir o sucesso das grandes navegações exigiu o emprego de embarcações
maiores, que possibilitassem se aventurar em águas abertas com um mínimo de
risco (ou com um risco aceitável). Navios maiores também eram um interesse para o
comércio, pois permitiam o transporte de maiores cargas. A entrada de grandes
cargas no mercado determinou novas regras de relação comercial, permitindo
expandir as relações de exportação/importação já que o mercado interno estaria
facilmente abastecido e o excedente de produto obrigatoriamente seria dirigido ao
mercado externo.
Desde o descobrimento do Brasil, o Estado quase sempre foi interventor no
mercado de transportes marítimos. Nas poucas vezes em que adotou uma postura
liberalizante, desreguladora, isso teve consequências negativas para a economia
nacional como um todo, provocando, em reação, o retorno à política interventora
para possibilitar a estabilidade econômica.
De fato, a cada momento nos debatemos com perguntas tais como: Qual o
modelo de desenvolvimento adequado para o Brasil? Qual a política e estratégia
adotadas para o setor de transporte? Onde o transporte aquaviário se insere nesse
modelo?
52
A atuação do Estado nos setores de navegação, portuário e de construção
naval é de regulamentador. Logo, não se tratam de mercados livres mas, sim,
regulados. A regulação deve, necessariamente, visar o interesse público e, nesse
contexto, se basear em planos que precisam ser implementados, reavaliados e
concluídos eficientemente. A ação do Estado tem sido e deve ser evolutiva.
Em contrapartida, os mercados em questão são explorados por empresas
privadas, com interesses privados, em parte conflitantes com o interesse público. Às
empresas estrangeiras que controlam empresas brasileiras, a renovação de sua
frota de registro brasileiro não é prioridade estratégica; elas se contentam em manter
a tonelagem para poder afretar navios estrangeiros e colocá-los no REB (Registro
Especial Brasileiro).
O vínculo da política para o desenvolvimento e o transporte aquaviário é
inegável e indiscutível. A falta de uma política eficaz para a formação de uma frota
significativa no longo curso tem um preço alto, que o país tem que pagar para
alcançar o grau de desenvolvimento socioeconômico compatível com suas
ambições.
Considerando que o prazo entre a decisão do armador de construir o navio e
a prontificação desse navio pelo estaleiro é longo (cerca de 5 anos, no Brasil) o
cenário econômico que levou à decisão de melhorar sua frota pode ter variado
significativamente; considerando também os consideráveis custos envolvidos, pode-
se dizer que o transporte aquaviário é uma operação de alto risco. Por outro lado,
como relatado, trata-se de um segmento com alto valor para o desenvolvimento
nacional, o que justifica a participação do governo promovendo medidas de fomento,
como também participando do risco do empreendimento.
No momento atual, onde o comércio exterior do país é sustentado pela
produção agrícola e mineral, característica de uma economia primário-exportadora, e
esses produtos, de baixo valor agregado, sofrem sensível influência do custo do
frete, sazonal e volátil, controlado em bolsas internacionais de acordo com a oferta
de navios que estão nas mãos de grandes corporações transnacionais, se torna
mais premente que o Brasil disponha de uma frota própria que permita um mínimo
de estabilidade de preços de frete. Há necessidade de se priorizar a composição de
uma frota de graneleiros, para suprir nossa demanda de exportação de commodities,
53
e de navios de carga geral (em especial, conteneiros) para suprir a demanda do
mercado importador.
Na cabotagem, a situação é um pouco melhor, mas também carece de uma
política específica para incrementar a participação do segmento na matriz de
transporte brasileira.
O transporte aquaviário é propiciado, em sua maior parte, por empresas
privadas, sob regime de economia de mercado, onde prevalece a lei da oferta e da
procura mas, no transporte de petróleo e seus derivados há um monopólio da
PETROBRAS.
Os cinco tipos de navegação que caracterizam o transporte aquaviário –
Longo Curso, Cabotagem, Apoio Portuário, Apoio Marítimo e Interior - são os
previstos em Lei e refletem os cinco mercados distintos que existem por razão
econômica. No caso da navegação interior, também importa a característica
geográfica e social de cada região do país.
Na carga geral, importação/exportação, dominam grandes empresas de
navegação transnacionais, muitas vezes operando em “joint ventures”, o que
favorece a formação de cartéis. O transporte interno de cargas (cabotagem) é
restrito a empresas brasileiras operando navios de bandeira brasileira e a
concorrência se dá entre poucas empresas. A proteção que representa essa reserva
de mercado não favorece a concorrência, tendendo a diminuir a eficiência das
operações e propiciando uma extensão da vida útil dos navios, mesmo que isso
acarrete na operação com maior custo operacional devido à obsolescência de seus
equipamentos, menos automação e maior consumo de combustível.
No apoio portuário, embora haja uma grande quantidade de empresas
operando, há também uma maior diversidade de serviços prestados, cada qual com
suas características específicas, de modo que poucas empresas prestam o mesmo
serviço e isso favorece o cartel.
A navegação de apoio marítimo é relativamente recente. Nasceu com a
exploração de petróleo no mar, prestando serviços de apoio logístico às instalações.
É crescente e moderna, com navios especializados, muitos ainda oriundos de
centros de exploração estrangeiros (Golfo do México, Mar do Norte, Venezuela,
etc.). Apesar da reserva de mercado para embarcações de bandeira brasileira, a
demanda por navios de apoio é maior do que a frota disponível no país, de modo
que o segmento ainda é muito dependente de utilizar navios estrangeiros, operados
54
por EBN no regime de afretamento. Aos poucos, esses estão sendo substituídos por
embarcações construídas no Brasil, mais modernas e de projeto melhor adequado à
navegação em mar aberto na nossa plataforma continental.
No longo curso não há reserva de mercado, exceto para petróleo e
derivados e em decorrência de acordos bilaterais no cone sul. O Balanço de
Pagamentos de 2014 foi de US$ 450 bilhões onde cerca de 95% dessa riqueza foi
transportada no longo curso (aproximadamente US$ 425 bilhões). Estima-se que o
frete pago nessa operação de transporte foi de US$ 13 bilhões, dependendo da
forma de cálculo (somente a PETROBRAS gasta US$ 2,5 bilhões/ano no
afretamento de embarcações de apoio marítimo e outro tanto no transporte de
petróleo e derivados).
Fonte: Banco Central
O gráfico mostra o crescimento do déficit da conta transportes (gastos com
fretes) nos últimos 15 anos. Observa-se que ele cresce quase que continuamente, o
que era de se esperar, uma vez que a frota de longo curso de bandeira nacional
apenas cresceu com a incorporação de uns poucos navios à frota da FRONAPE e o
PIB vem crescendo ano a ano. De fato, conforme publicado pelo Banco Central,
nesses últimos 15 anos, o déficit total da conta Transportes foi de US$ 72 bilhões
(somente em 2014, foi de US$ 8,94 bilhões).
A frota de embarcações brasileiras que participa desse segmento não
responde por mais de 5% do total de fretes, valor muito baixo, considerando que
essa participação já foi de mais de 50%. Mesmo na época em que prevalecia o
55
sistema de conferência de fretes, cabia à frota nacional um mínimo de 40% de
participação nesse mercado. Com o tempo, isso se perdeu.
O Brasil primário-exportador gasta muito em fretes na colocação de suas
cargas no mercado consumidor externo. Em geral, o preço dessas “commodities” é
volátil, definido nas bolsas internacionais, e as empresas exportadoras dependem
essencialmente da contratação do frete de navios no mercado externo, muitas vezes
em situação desvantajosa quando do pico de procura por esse tipo de navio. A
distância dos mercados consumidores é grande e o custo do frete sobressai. Esse
cenário gera vulnerabilidade para o exportador e mostra a importância de o país
dispor de frota própria que possibilite o controle do custo do frete no preço final do
produto exportado.
O exportador brasileiro também depende do navio contratado no mercado
“spot”36, onde o frete é maior, quando a demanda pela “commodity” também é maior.
Afreta-se o navio por alto custo reduzindo, assim, a margem de lucro da operação
para poder manter um preço final competitivo no mercado.
De certa forma, quando do mercado aquecido, o fretador fatura com um frete
cujo valor, muitas vezes, ultrapassa o da própria carga e sendo a frota estrangeira,
onera-se sobremaneira a conta serviços do Balanço de Pagamentos. Caso o Brasil
dispusesse de uma frota própria, parte desses recursos ficaria interna no país
aquecendo a economia interna e promovendo o desenvolvimento. Ao contrário, hoje
se dá a perda dessas divisas o que fortalece a economia de países concorrentes no
mercado externo.
Hoje, praticamente, não há incentivos (fomento) à navegação de longo curso
– ou, os poucos que existem não são efetivos para alterar o quadro -, que atua, do
ponto de vista do governo, apenas como o provedor principal de receita do AFRMM
à taxa de 25% do valor do frete de importação (o governo se alimenta, também, de
outros impostos como PIS/COFINS, SIDE, ICMS, etc.), o que coaduna com a política
neoliberal praticada quando da formulação da política em vigor para a navegação
mercante. Vislumbra-se, para solucionar a questão da evasão de divisas e ausência
de empresas brasileiras no longo curso (bem como da frota nacional), a volta do
Estado Interventor, a exemplo da política de sucesso praticada nas décadas de
36
Mercado “spot” é o de cunho imediato, não regular, onde o afretador freta um navio por viagem ou por um curto período de tempo. Em geral, atende a demandas não previsíveis de frete decorrentes de
oportunidade, tais como necessidades emergenciais ou excesso de produção de safras.
56
19870/80, conduzida pela SUNAMAM, com as necessárias correções de trajetória,
de modo a impedir a reincidência das medidas que levaram à falência do modelo à
época.
Poucas empresas dominam o transporte marítimo de longo curso no Brasil –
Maesrk, Hamburg Sud, CMA CGM e MSC são as principais do segmento de carga
geral conteinerizada. São, todas, megaempresas transnacionais que, atuando em
cartel ou mesmo individualmente, podem impactar sobremaneira o mercado de
fretes exercendo dumping, com claro prejuízo dos interesses nacionais. Nesse caso,
o país teria grande dificuldade em reagir prontamente, uma vez que não dispõe de
frota própria capaz de ofertar transporte concorrente para forçar o reequilíbrio do
mercado.
Quanto ao segmento de granéis, o escoamento da safra agrícola se faz
exclusivamente com navios de bandeira estrangeira, operando em rotas não
regulares, um mercado altamente vulnerável por ser sazonal. Na parte dos minérios,
com maior participação da empresa Vale, essa adquire seus navios no exterior,
utilizando-se de uma empresa subsidiária estrangeira que é a proprietária dos navios
e os mantém sob regime de bandeira de conveniência. Em suma, na operação de
exportação de minério a única parcela da venda que é internada no Brasil é a
referente à entrega da carga no porão do navio. Dali em diante, a remuneração
referente às demais atividades da cadeia produtiva fica no exterior.
Em ambos os casos (carga conteinerizada e granel), o fluxo de cargas é
primordialmente para o exterior, de modo que as operações pouco contribuem para
a receita do AFRMM. São parte significativa da perda de divisas decorrente de fretes
pagos. Assim, o país, nestes segmentos de transporte e no que diz respeito à conta
serviços do balanço de pagamentos, tem apenas ônus, não há qualquer bônus. As
empresas não constroem no Brasil, não utilizam materiais e equipamentos
nacionais, não realizam aqui a manutenção dos navios, não geram empregos, não
pagam taxas e impostos sobre o transporte, não internam no país suas receitas de
fretes.
O governo deve estabelecer mecanismos de fomento à formação de frota
brasileira de longo curso para melhorara o déficit da conta serviços do balanço de
pagamentos. Esses incentivos devem possibilitar às EBN concorrer com os grandes
players internacionais, com fretes semelhantes, sem que tenham risco de sofrer
57
dumping dessas grandes empresas, donas de frotas enormes e capazes de fornecer
linhas frequentes por meio de acordos de troca de espaço entre elas.
Podem-se apresentar, ao menos, dois motivos fortes para a concessão de
privilégios no transporte de longo curso:
1 – Melhora do balanço de pagamentos – conta serviços; e
2 – Controle, estabilização e redução do valor do frete, desonerando o valor
dos bens transportados, em especial os das cargas de exportação.
Não há como prescindir dos investimentos privados no setor de transportes
aquaviários, assim como não há como prescindir da regulação desse setor pelo
Estado. A atual política para o setor, refletida nas Leis nº 9.432/97, que regula o
transporte aquaviário e a exploração da infraestrutura portuária, e a Lei nº 10.233/01,
que cria a ANTAQ e o CONIT, encontram-se ultrapassadas e carecem de
aperfeiçoamento, a exemplo do que ocorreu com a Lei nº 8630/93, que dispõe sobre
o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias
que, após 20 anos, foi aperfeiçoada e substituída pela Lei nº 12.815/13.
Os seguintes pontos carecem de revisão:
1) Abertura do capital das empresas brasileiras de navegação a investidores
estrangeiros, sem qualquer restrição: a inexistência de limite de participação do
capital estrangeiro já serviu a seu propósito, de garantir uma sobrevida às EBN;
atualmente, representa um risco elevado de essas empresas estrangeiras,
controladoras de EBN, megaempresas transnacionais, agirem exclusivamente em
defesa de seus interesses promovendo atos que podem vir a ser prejudiciais ao
projeto nacional de promoção do comércio exterior, de fruição de bens transportados
e de desenvolvimento industrial.
2) O afretamento de embarcações estrangeiras para operarem nas
navegações de cabotagem, de apoio portuário e marítimo, restrita às empresas
brasileiras de navegação, deve continuar sujeito à prévia aprovação, em especial
para suprir picos de demanda, mas carece de um mecanismo adicional que impeça
que essas empresas perpetuem os afretamentos.
A figura a seguir mostra que o mecanismo de afretamento de embarcações
estrangeiras continua sendo amplamente empregado pelas EBN, com tendência a
crescimento.
58
Fonte: ANTAQ
Na situação atual, as empresas estrangeiras controlam as EBN e suprem
suas necessidades de mercado com o afretamento de navios oriundos de seus
pares no exterior, uma vez que o mercado interno de oferta de embarcações está
saturado e não há risco significativo de bloqueio de uma circularização. Por outro
lado, a facilidade de trazer navios do exterior por afretamento, mesmo com as
limitações regulatórias e o custo Brasil na construção naval, desestimulam a
renovação e modernização da frota nacional.
Uma solução que tem se mostrado eficaz é a adotada pela PETROBRAS
nos programas EBN e de contratação de serviços de apoio marítimo onde os
contratos de longa duração (de 4 a 8 anos) permitem às empresas contratadas a
iniciar a execução dos serviços com embarcações estrangeiras afretadas mas
determinam que essas sejam substituídas por outras nacionais, após um certo
prazo. Os contratos de longa duração tem sido eficientes como atrativo às empresas
que, dessa maneira, garantem uma receita que justifica a construção de novas
embarcações no Brasil. O governo pode adaptar tal solução para as licitações de
59
dragagem e passar a licitar a exploração de linhas de navegação com obrigações
semelhantes, quebrando o paradigma atual de que as EBN atuem com outorga na
modalidade de autorização.
3) A liberação do afretamento de embarcações estrangeiras na navegação
internacional, cuja única restrição é a prévia aprovação quando do transporte de
cargas prescritas à bandeira brasileira, provocou a quase extinção das EBN de
transporte no longo curso, com a consequente perda de divisas e do controle
estratégico desse segmento.
Faz-se necessária a criação de novos mecanismos de fomento, como tornar
os recursos da conta vinculada do AFRMM não contingenciáveis, de modo a tornar
efetivo o efeito desonerador do frete que representa a liberação desses recursos
financeiros, e dispensar as EBN de Longo curso do recolhimento do AFRMM, até
mesmo por que a parcela de contribuição dessas empresas, hoje, é muito pequena,
pois pouco participam do transporte no Longo Curso e a perda de receita com o
crescimento da participação dessas EBN no mercado externo pode ser compensada
pela entrada de dólares na conta serviços do balanço de pagamentos. É possível,
também, que ocorra uma queda do valor do frete uma vez que haverá maior
concorrência e, assim, os bens nacionais exportados terão preço mais competitivo
no mercado exterior.
4) A obrigação do transporte de cargas prescritas em navios de bandeira é
inócua uma vez que não existem esses navios, obrigando a Agência Reguladora
(ANTAQ) a aprovar praticamente todas as solicitações de transporte em navios de
bandeira estrangeira que lhe são apresentadas. Por outro lado, a quantidade de
carga prescrita transportada no comércio de importação não é significante a ponto
de estimular as empresas a criar uma frota de bandeira brasileira para suprir essa
demanda.
A perda de divisas e a fragilidade estratégica de o país não possuir uma
frota nacional de longo curso, por si só justificam a revisão desse dispositivo de
fomento para propiciar a reforma desse cenário desolador.
5) Considerando que vários mecanismos de fomento ao segundo registro no
Brasil não se mostraram viáveis (como a redução do custo de combustível da
cabotagem e dos custos trabalhistas), a criação de Registro Especial Brasileiro -
REB para as embarcações de bandeira brasileira, não surtiu os efeitos desejados,
quais sejam:
60
A realização do registro de novas embarcações no país, ao invés do
emprego de bandeiras de conveniência;
A transferência, para o país, do registro de embarcações que se
encontram sob regime de bandeira de conveniência; e
Secundariamente, o estímulo à cabotagem em comparação com o
transporte em outros modais.
É necessário que o Estado tenha a Marinha Mercante e a Indústria Naval
como necessidades estratégicas, bem como tenha vontade política para desenvolvê-
la37. De fato, há que se tratar ao transporte aquaviário como uma política de Estado.
No momento, falta ao país promover o caminho contrário ao que vem sendo
praticado, ou seja, estimular a existência de EBN com participação de capital
nacional tanto na cabotagem quanto no longo curso, com frota própria registrada no
Brasil, que possa atuar de modo a estabilizar o custo de fretes e estancar a perda de
divisas, atendendo aos anseios do interesse público acima daqueles do interesse
privado internacional.
Por fim, cabe ao governo reforçar a capacidade de atuação da ANTAQ,
garantindo que seus recursos sejam não contingenciáveis e ampliando seus poderes
de fiscalização da atuação de empresas de navegação estrangeiras.
37
CASTRO, Wellington. Os Navios Mercantes Brasileiros com potencial de Apoio nas
Operações Navais. Monografia. Rio de Janeiro: Escola de Guerra Naval, 2007. P.3.
61
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62
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SOUZA, Cláudio Loureiro. Os transportes marítimos e sua importância estratégica: uma análise do caso brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 1980.
63
APÊNDICE A - A formação de uma Nação Marítima: de 1500 à primeira metade
do século XX
Pode-se dizer que a história da navegação no Brasil começou em 9 de
março de 1500, quando a frota comandada por Cabral partiu de Portugal. Desde
então, Portugal controlou e explorou por várias décadas todo o transporte marítimo
do Atlântico ao sul do equador, garantindo interesses comerciais e a posse de novos
territórios.
Portugal tinha, como principal marco para assim proceder e resguardar seus
interesses, o tratado de Tordesilhas (assinado em 1494) que, como se sabe,
partilhava terras a partir da linha imaginária que passa a 370 léguas das ilhas de
Cabo Verde - as descobertas a leste dessa linha ficariam para Portugal e as
encontradas a oeste, para a Espanha.
Período pré-colonial – de 1500 a 1530
A viagem da frota de Cabral, segunda travessia portuguesa à fonte de
especiarias nas Índias, tinha caráter tanto comercial quanto político e militar. Após
uma escala de dez dias no lugar que chamou de Ilha de Vera cruz, seus navios
retomaram o rumo ao oriente em busca do comércio de especiarias, não sem antes
aproveitar para realizar alguma exploração visando identificar potenciais riquezas a
explorar.
Muito embora se vislumbrasse outra fronteira comercial, representada pelo
extrativismo na nova colônia, a sedução do rico tráfego com as índias e os altos
custos correspondentes, que endividaram a coroa portuguesa, restringiam a função
do Brasil a um simples ponto de apoio de manutenção e reabastecimento por cerca
de três décadas. Esse período ficou conhecido como pré-colonial onde,
esporadicamente, se extraía o pau-brasil, Item de boa atratividade no mercado
europeu.
Apenas em 1530, o rei de Portugal organizou uma expedição com objetivo
específico de iniciar a colonização do Brasil. Comandada por Martin Afonso de
Souza, visava, também, expulsar os invasores franceses e coibir as visitas de
ingleses e holandeses que questionavam a validade do Tratado de Tordesilhas, bem
como iniciar o cultivo de cana-de-açúcar.
Naquele momento, as expedições comerciais às Índias já não se mostravam
tão atrativas tendo-se em conta o considerável capital que era necessário para a
64
aventura, o total controle do Estado monopolista, o risco envolvido e o período de
retorno do investimento (cada viagem durava, no mínimo, 15 meses). Por outro lado,
a exploração do pau-brasil trazia bem menos lucro mas o investimento necessário
era muito menor, podia ser dividido entre vários parceiros e as viagens eram bem
mais curtas (3 a 4 meses).
O Estado português atuava como regulador com o emprego de Cartas
Régias, instrumentos que legitimavam os atos que seriam necessariamente
praticados para viabilizar tal empreendimento.38
Nos dois casos observamos que todo o tráfego de cargas passava
obrigatoriamente por portos portugueses, ou seja, nenhuma mercadoria trazida tanto
das colônias quanto dos entrepostos da África e do oriente podia ser negociada e
transportada diretamente para algum mercado consumidor sem antes passar pelas
cidades do Porto ou Lisboa onde se fazia a internação das cargas e se cumpriam os
ritos alfandegários. Essa obrigação ficou conhecida, posteriormente, como “Pacto
Colonial”.
O governo participava diretamente do transporte de cargas originadas no
Oriente através da Companhia das Índias Orientais. Quanto às cargas oriundas do
Brasil, essas, por serem de baixo valor agregado (Pau Brasil, principalmente),
davam menor retorno financeiro e a Coroa Portuguesa não atuava diretamente na
empreitada, apenas usufruía da receita dos impostos.
Brasil-Colônia
A decadência do comércio com o Oriente, a partir de meados do século XVI
onde passou a sofrer de ampla concorrência, levou Portugal a se voltar para a
exploração da sua principal colônia. Buscando viabilizar o plano das Capitanias
Hereditárias (de fato, uma política de transferência dos encargos para o setor
privado), plano esse que havia sido aplicado com sucesso em outras colônias, foi
autorizado o tráfego aquaviário entre pontos do litoral brasileiro, o que classificamos,
hoje, como navegação de cabotagem. No entanto, a exportação de produtos
continuava a ser realizada apenas para portos portugueses.
Com a implantação do sistema de Capitanias, o tráfego marítimo
rapidamente cresceu, tanto na rota para Portugal, levando produtos extraídos da
mata brasileira e o açúcar que despontava como principal fonte de riqueza, quanto
38
Maria Leonor Freire Costa - A Rota do Cabo e a As rotas do Brasil - Seminário “O mundo que o
Português criou”.
65
ao longo do litoral brasileiro, pois era a principal forma de locomoção entre as
feitorias instaladas. A colônia brasileira continuava a ser um importante ponto de
escala dos navios utilizados na rota das Índias mas, aos poucos, esses navios,
maiores, foram sendo utilizados na rota Brasil-Portugal no transporte de açúcar.
Em 1560, Portugal já não mais detinha o controle do tráfego marítimo no
Atlântico Sul. Outras nações passaram a disputar o mercado do oriente e também
nosso litoral. Aqui, enquanto a exploração do Pau Brasil, extrativista, se reduzia, as
plantações de tabaco e cana de açúcar floresciam. Na Ásia, ao contrário, Portugal
perdia espaço para a Inglaterra e a Holanda. Assim, o interesse comercial se
passou, aos poucos, para a colônia.
No Brasil não havia estradas e tanto o tráfego de pessoas quanto o de
cargas era essencialmente realizado por via marítima. Não por acaso as primeiras
povoações ao longo de tão vasto litoral surgiram em locais com facilidades de
fundeio e abrigo para as embarcações - baías, enseadas, foz de rios, angras...
Também a interiorização do continente dependeu fortemente da utilização de vias
navegáveis interiores, de modo que o espírito marítimo fazia parte da vida da
população. Toda a navegação era realizada exclusivamente por embarcações
portuguesas, uma vez que essa atividade era vedada a empresas estrangeiras.
Em todo o período colonial o Brasil continuou vivendo da produção agrícola,
oprimido pela proibição da instalação de manufaturas e com a economia sufocada
pela obrigação de escoar sua produção unicamente por portos portugueses.
Mesmo a descoberta do ouro em Minas Gerais, na virada do século XVII
para o século XVIII, não trouxe desenvolvimento para a colônia brasileira mas, sim,
financiou a nação portuguesa então empobrecida e cada vez mais dependente da
Inglaterra, e serviu, também, para possibilitar a reconstrução da cidade de Lisboa,
destruída pelo terremoto de 1755.
O grande passo para o progresso da colônia se deve à guerra continental
conduzida por Napoleão, que obrigava as demais nações europeias a se alinharem
à França ou Inglaterra. Portugal dependia economicamente da Inglaterra e, não
restando alternativa, em 1808 a corte portuguesa se mudou para o Brasil, onde
encontrou um ambiente de relativa tranquilidade, tendo sido reprimidas as invasões
francesa e holandesa e debelada a Inconfidência Mineira.
Naquele momento teve início uma nova era na História do Brasil. A colônia
foi a grande beneficiada com a transferência da Corte. A presença da administração
66
real criou, pouco a pouco, condições para sua futura emancipação política que, em
pouco tempo, tornou-se irreversível. De imediato, ocorreu a revogação do ato que
proibia a instalação de manufaturas e, em seguida, a abertura dos portos às nações
amigas (em 28 de janeiro de 1808) o quê, na prática, extinguiu o pacto colonial.
A navegação teve forte alento em uma época na qual os grandes
proprietários locais havia muito reivindicavam o livre comércio com as nações
estrangeiras. Deve-se lembrar que estavam obrigados a escoar suas mercadorias
através por Portos Portugueses, o que encarecia o produto final devido aos custos
adicionais de transporte, diminuindo sua competitividade e, com isso, os prazos para
entrega de mercadorias aos mercados consumidores aumentavam
consideravelmente. Por outro lado, os preços das mercadorias eram regulados pela
Coroa, que cobrava taxas nas operações de importação/exportação e essas não
revertiam, necessariamente, na melhoria das condições do comércio exterior
brasileiras.
O quadro a seguir, que descreve o movimento de navios no Rio de Janeiro
entre 1805 e 1820, retrata uma nova posição da economia da colônia após as
medidas adotadas pela Coroa, com significativo crescimento a partir de 1808:39
Ano\navios Portugueses Estrangeiros
1805 810 -
1806 642 -
1807 777 1
1808 765 90
1809 822 83
1810-1815 (média/ano) 1214 422
1819 1313 350
1820 1311 354
Período Brasil Império
1822 - o Brasil se tornou independente de Portugal - o “status” de Reino se
manteve e, quanto à navegação marítima, o tráfego permaneceu aberto a outras
nações. O primeiro e principal esforço de D. Pedro I foi de manter a integridade
39
Paulo Roberto de Almeida, coletânea “A Abertura dos Portos”, pp 264, citando R. Simonsen.
67
nacional40 e, nesse sentido, a navegação cumpriu um papel essencial, propiciando a
ligação dos centros produtivos e consumidores ao longo de todo o litoral brasileiro.
Não havia estradas, apenas trilhas de tropeiros. Os percursos, por terra,
eram arriscados, penosos, demorados. Nesse país, de dimensões continentais, o
melhor meio de transporte era o aquaviário, muito embora prestado por
embarcações pequenas e de propulsão à vela. De fato, a navegação possibilitou
manter a integridade da Nação e a ampliação dos territórios.
Em 1850, o governo de dom Pedro II extinguiu definitivamente o tráfico de
escravos. Aos poucos, os imigrantes europeus assalariados passaram a substituir os
escravos no mercado de trabalho, principalmente nas fazendas de café, em
expansão. O Brasil, ainda uma nação essencialmente agrícola, exportava açúcar,
café e tabaco, enquanto a produção de cacau se expandia. A extinção do tráfico de
escravos também coincidiu com a alta do café no mercado internacional. O País,
agora independente e passado o período de carência de recursos, promovia uma
política de expansão de manufaturas e crescimento agrícola. Essas riquezas
necessitavam ser escoadas, de modo que a navegação reagiu proporcionalmente.
A pesquisa em documentos históricos traz referências a grandes armadores,
investidores nesse segmento do transporte, setor de alto risco, dependente da
sazonalidade inerente à produção agrícola e que envolve grande aporte de recursos
financeiros para a obtenção e armação das embarcações. Em um mercado com
essas características, o governo estabelecido precisou se valer de recursos privados
para promover ações de estado, no caso em lide o estímulo à atividade de
transporte marítimo e, por associação, na promoção da construção e reparação
navais, na forma de concessão de incentivos fiscais e financiamentos à iniciativa
privada.
Nesse cenário, surgiram empresários de visão mais ampla, conhecedores
dos meandros da política e do sistema bancário, com estratégias empreendedoras.
Tanto na construção naval quanto na navegação, na segunda metade do século XIX
40
Laurentino Gomes – 1822 – Depois de 13 anos de permanência no Rio de Janeiro, o Rei D. João
VI havia raspado os cofres nacionais. O novo país nascia falido. Faltavam dinheiro, soldados, navios, armas e munição para sustentar a guerra contra os portugueses, que se prenunciava longa e sangrenta. As perspectivas de fracasso, portanto, pareciam bem maiores que as de sucesso. ..
“Quando se olha para trás, 1822 parece um milagre. É inacreditável como uma parte da elite brasileira conseguiu envolver o príncipe regente nos seus planos, separar-se de Portugal e, principalmente, manter o país unido quando tudo indicava que o caminho mais provável seria a
guerra civil e a fragmentação territorial.” (citando o VA(RRm-EN) Armando de Senna Bittencourt).
68
destacou-se um nome: Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, patrono da
Marinha Mercante Brasileira.
Em 1845, Mauá criou e instalou os estaleiros da Companhia Ponta de Areia,
Niterói, com o que iniciou a indústria naval brasileira onde, em 11 anos, foram
construídos 72 navios, a vapor e/ou a vela. Suas instalações foram destruídas por
um incêndio, em 1857, e sua reconstrução se fez com considerável investimento.
Contudo, com a promulgação da Lei que, em 1860, isentou de impostos a
importação de navios, a empresa faliu.
Ainda no período no qual gozava das boas graças do governo, Irineu
Evangelista foi convidado a montar uma linha de navegação no Amazonas, para que
essa área fosse ocupada e, ao mesmo tempo, evitar “uma possível invasão norte-
americana”41. Como incentivo, recebia uma subvenção anual e direito de exploração
de extensas linhas. Quando o Império brasileiro retirou privilégios e liberou a
navegação do rio Amazonas a todas as nações (1870), Mauá vendeu seu negócio
de transportes a empresários ingleses.
A República
1889 – Proclamada a República. A política econômica do novo Governo,
conduzida pelo Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, como não podia deixar de ser,
era profundamente nacionalista e favorecia a formação de empresas brasileiras de
navegação. As duas mais importantes foram o Lloyd Brasileiro (LB), empresa estatal
operadora no Longo Curso, e a Companhia Nacional de Navegação Costeira,
empresa privada operadora na Cabotagem e Longo Curso.
Criação do Lloyd Brasileiro
A empresa de navegação Lloyd Brasileiro foi criada em 1890, após a
Proclamação da República, quando o governo ordenou a fusão das empresas de
41
O Brasil e o mar no século XXI, Cembra, Pp xx-4 (www.cembra.org.br). Pode-se assinalar o ano de
1826 como o do primeiro conflito de interesses entre Brasil e Estados Unidos quanto ao Rio Amazonas. Naquele ano, o navio americano a vapor Amazon obteve autorização para descarregar no Pará e navegar a frete entre as povoações das margens do rio. Chegando ao destino, o vapor
pretendeu seguir rio acima com carga própria destinada a países estrangeiros, o que não lhe foi autorizado, uma vez que o rio era fechado à navegação, desde o tempo de Brasil Colônia. Tal foi o marco de amplo movimento político, orientado pelos Estados Unidos, tendente à abertura do Rio-Mar
à livre navegação, procurando envolver interesses preexistentes não só dos países ribeirinhos superiores (Peru, Equador, Venezuela, Nova Granada e Bolívia) como da Inglaterra e da França. Várias ações sucederam-se até a solução do assunto, em 1867 (mais de 40 anos após seu início,
portanto), quando decidiu o Brasil, por decreto, abrir o Rio Amazonas à navegação internacional, até Tabatinga; o Rio Madeira, até São Borja; o Rio Negro, até São João da Barra; e o Rio Tapajós, até Santarém.
69
quatro armadores privados que recebiam subsídios estatais. A intenção do governo
foi de manter controle do transporte de cargas para o mercado externo,
principalmente garantir o escoamento da produção agrícola nacional. Empregando
navios mistos (carga geral/passageiros), o LB atuou em linhas regulares para a
América do Norte, Europa e Bacia do Prata. Em 1939 sua frota comportava o
expressivo número de 122 navios.
Companhia Nacional de Navegação Costeira
Na esteira da influência nacionalista, considerando que o artigo 13 da
Constituição Brasileira de 1891 estabelecia que “a navegação de cabotagem será
feita por navios nacionais”, o pai de Henrique Lage fundou, ainda em 1891, a
Companhia Nacional de Navegação Costeira, um dos alicerces de um “império” que
durou 50 anos.42 Com recursos próprios, iniciou sua frota com a aquisição de
embarcações de empresas brasileiras em dificuldades financeiras e a encomenda de
navios no exterior. Em menos de 2 anos, a companhia adquiriu 12 navios, todos com
nome começando por “Ita” tornando-se, em pouco tempo, uma das principais
empresas de navegação do Brasil.
A direção da Costeira, em 1915, realizou gestões junto ao governo e
conseguiu que fossem aprovadas leis de incentivo à construção naval, o que
compôs o denominado “Plano Naval Wenceslau Braz”. As bases do plano foram43 a
abolição de impostos, a instituição de prêmios por navios construídos e a concessão
de empréstimo para a modernização e o aparelhamento dos seus estaleiros na Ilha
do Vianna.
Henrique Lage foi obrigado a assumir o controle dos negócios da família em
1918, após a morte de seu pai e, pouco tempo depois, de seus dois irmãos. No ano
seguinte, Lage obteve uma outra medida de apoio à construção naval nas
instalações da Costeira44: a concessão à Companhia, pelo prazo de dez anos, de
isenção de impostos de importação e de taxas de expediente.
42
Carlos Alberto Campello Ribeiro - Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2007 - Henrique Lage e a
Companhia Nacional de Navegação Costeira: a história da empresa e sua inserção social (1891-1942) - “..., no início da República, aproveitando as facilidades previstas na primeira Constituição republicana, que estabelece o monopólio da cabotagem nacional por navios brasileiros, e nas
medidas econômicas adotadas pelo então ministro da Fazenda Rui Barbosa, que facilitam a formação de sociedades anônimas, Antonio Martins Lage Filho, neto do primeiro Antonio Lage, funda, em 7 de fevereiro de 1891, a Companhia Nacional de Navegação Costeira, empresa gerada a partir do capital
familiar dos Lages, acumulado, principalmente, pela comercialização do carvão importado. Assim, é dado início ao conjunto de aproximadamente 30 empresas formado, mais tarde, por Henrique Lage.” 43
Lei nº 3.454/1918. 44
Decreto nº 13.700/1919.
70
Na tentativa de melhorar a condição das receitas provenientes dos fretes,
Henrique Lage fundou, em 1934, a Conferência de Navegação de Cabotagem,
formada pelas empresas Lloyd Brasileiro, Comércio e Navegação, Carbonífera
Riograndense e as controladas por Henrique Lage. Mais tarde, a Conferência deu
origem ao “Syndicato de Armadores Nacionais”, atual SYNDARMA.
Em julho de 1941, portanto, em plena guerra, morreu Henrique Lages cujo
único herdeiro era sua esposa, de nacionalidade italiana. A Itália estava em guerra
com o Brasil. Isso precipitou que, em 1942, as empresas do grupo fossem
incorporadas ao patrimônio nacional e seus navios transferidos para o LB.
A 2º Grande Guerra e o pós-guerra
O transporte aquaviário sempre foi reconhecido como uma atividade
estratégica. Durante a Guerra, a preocupação com essa atividade se tornou mais
premente, exigindo, do Governo, a definição de uma política própria para o setor.
Portanto, em 1941 foi criada a Comissão de Marinha Mercante – CMM, com a
obrigação de formular a política para os setores de navegação e construção naval.
O fim do conflito em 1945 desacelerou a ação governamental no setor sem
que se tivesse implantado uma solução concreta. A renovação da frota privada
continuou sendo realizada com a importação de navios e, no Governo Dutra, ocorreu
a encomenda, no Japão, de uma série de navios-tanques, que deu origem, em 1950,
à Frota Nacional de Petroleiros (Fronape).
71
APÊNDICE B - Características da navegação de longo curso
Transporta-se todo tipo de carga no longo curso. Cada operação tem
características distintas e soluções logísticas específicas. Por exemplo, os granéis
são cargas de baixo valor agregado, em geral com preço determinado no mercado
internacional e alta volatilidade, onde o frete afeta consideravelmente o valor final do
produto; portanto, são empregadas embarcações de grande capacidade de carga e
que trafegam a baixa velocidade para economia de combustível e correspondente
redução do custo operacional. Já os navios conteneiros transportam carga de maior
valor agregado onde o prazo de entrega passa a ser preponderante, de modo que
as embarcações trafegam a maior velocidade e investe-se muito em mecanismos de
redução do tempo no porto, em operação de carga e descarga.
A seguir, apresentam-se as operações de maior incidência.
A) Transporte de petróleo e seus derivados
Trata-se de uma operação que é monopólio da União e que tem por
características:
Transporte de granéis líquidos em navios tanque
Carga de baixo valor agregado
Atendido pelo mercado industrial em linhas regulares - ou pelo
mercado “spot”, em situação de pico de demanda45
As embarcações empregadas são classificadas por seu porte:
1. Handysize (10.000 a 30.000 TPB) – para portos de calado reduzido
2. Handymax (30.000 a 50.000 TPB) – transporte de derivados
3. Panamax (50.000 a 79.000 TPB) – Limite do Canal do Panamá: navio
com boca até 32.2 m, calado até 12,0 m, comprimento até 228,5 m
4. Aframax (80.000 a 105.000 TPB) – Limite dos portos africanos:navio
com boca até 44,0 m, calado até 15,0 m, comprimento até 250,0 m
5. Suezmax (120.000 a 150.000 TPB) – Limite do Canal Suez: navio
com boca até 48,0 m, calado até 16,0 m, comprimento até 275,0 m
6. VLCC – sigla para very large crude carrier (200.000 a 350.000 TPB)
7. ULCC– sigla para ultra large crude carrier (Acima 350.000 TPB)
45O mercado “spot” é eventual, não regular, realizado em navios afretados por viagem.
72
B) Transporte de Produtos Químicos (granel líquido)
Principais cargas:
GLP - em tanques não estruturais, pressurizados
Ácidos sulfúrico e fosfórico
Soda cáustica
Soluções de monopropilamina
Amônia
Dicloreto de etileno
Butil Glicol, etc.
C) Transporte de Granéis sólidos
Características da operação:
Transporte de Commodities
Rotas variáveis sob forte influência sazonal
Mercado por viagem (“spot”)
Navios negociados em Bolsas de Afretamento
Fretes negociados por tonelada com preços de frete de alta
volatilidade determinada por leis de mercado
Embarcações - classificação pelo tamanho:
1. Handysize – (10.000 a 30.000 TPB) – para portos de calado reduzido
2. Handymax - (30.000 a 50.000 TPB) – transporte de cargas reduzidas
3. Panamax – (50.000 a 80.000 TPB) - Limite do Canal do Panamá –
navio com boca até 32.2 m
4. Aframax– (80.000 a 105.000 TPB) – Limite determinado por portos
africanos
5. Cape Sized – (Acima de 120.000 TPB) - Rota do Cabo da Boa
Esperança
6. ULBC – (acima de 300.000 TPB) - rotas fixas no transporte de
minérios
7. Valemax – (até 400.000 TPB) – rota fixa Brasil/China, navios
utilizados pela empresa VALE
Principais rotas:
73
Minério de ferro e outros minérios:
De: Brasil, Austrália, Índia, Canadá, Peru, Chile e Venezuela
Para: China, Japão, EUA e Europa
Produtos agrícolas (grãos e farelo):
De: EUA, Brasil, Argentina, Austrália e Canadá
Para: todo o mundo, principalmente China e Europa
D) Transporte de Neo Granéis:
Veículos
Produtos siderúrgicos
Produtos florestais
Em geral, nesse caso são realizados contratos de Longo Prazo
empregando rota fixa.
E) Transporte de Carga geral
Características da operação:
Rotas fixas (“liners”)
Navios conferenciados ou independentes
Transporte de produtos manufaturados
Uso intensivo de contêineres
Pouca influência sazonal
Serviço controlado por grandes corporações transnacionais
Fretes negociados por tonelada, volume ou quantidade com preços de
baixa “volatilidade” determinada por leis de mercado
Tendências no mundo:
Serviços “round-world” entre grandes portos concentradores de carga
(“hub ports”) atendidos por linhas de navegação dedicadas (serviço “feeder”)
atingindo destinos secundários de cabotagem
Emprego de Acordos Operacionais (“Joint Services”) entre empresas de
navegação substituindo as conferências de frete tradicionais (“cross slot
charters”, etc.)
Influência crescente dos NVOCC (ver item E abaixo)
Tendências no Brasil:
74
Emprego de Terminais especializados (“portos concentradores”),
associado a serviços de cabotagem (“Feeder”)
Aumento do intermodalismo (operação conjunta com outros modais de
transporte, principalmente o ferroviário, o rodoviário e o de navegação
interior)
O operador NVOCC
A sigla NVOCC significa Non Vessel Operator Common Carrier ou, numa
tradução literal, transportador que não é operador de navio.
Os NVOCC são empresas consolidadoras de carga que foram criadas, nos
anos 80, pelos próprios armadores que preferiam não se dedicar a consolidar
pequenas cargas. A operação de consolidação de cargas é a de recolhimento de
cargas de clientes distintos, seu embalamento (em geral, em contêineres) e controle.
Os NVOCC, então, compravam espaço nos navios full-containers
(especializados para o transporte de contêineres) para embarcar seus contêineres
com cargas consolidadas de diversos clientes. Acontece que, com o tempo, os
NVOCC formaram carteiras de clientes próprios com grandes cargas tornando-se,
de certa forma, concorrentes dos próprios armadores.
Com o tempo, tornaram-se grandes operadores logísticos, operando com
contêineres em rotas determinadas, podendo compartilhar o espaço desse contêiner
com vários embarcadores e até mesmo com outros agentes NVOCC.
Essa atividade surgiu com a expansão dos navios porta-contêineres, que
criaram para os pequenos embarcadores o problema de ter que pagar por um
contêiner inteiro mesmo quando ocupava apenas pequena parte dele, ou senão se
sujeitar a aguardar novas cargas para que compensasse ao armador (proprietário de
navio) arcar com os custos da operação do contêiner e compartilhá-lo com dois ou
mais embarcadores. Um embarque em contêiner exige o trabalho de ovação
(carregamento) e, por se tratar de uma grande unidade de carga (um contêiner de 20
pés mede 2,20 x 2,20 x 6,00m e pode carregar até 24 toneladas) exige também
manuseio especializado e com equipamentos apropriados. Os contêineres são
geralmente alugados por viagem. Para o armador, o trabalho e os custos de
operação em terra do contêiner o obrigava a manter equipes especializadas em
logística e investimento de áreas de armazenagem e de equipamentos de manuseio
75
que fugiam da sua especialização, a de operar os navios, daí surgindo a
necessidade de empresas que se encarregassem dessa operação, cuidando de
todos os detalhes até seu embarque no navio.
Para o NVOCC operar, ele precisa ter um correspondente no porto de
destino, que faz o desmembramento do embarque, descarrega o contêiner e o
devolve ao armador, além de outros trabalhos relativos aos controles aduaneiros
demandados nessa operação e alguns aspectos relativos aos controles das
autoridades marítimas dos países envolvidos, incluindo-se seguros e garantias
relativas às multas aplicáveis quando ocorrem erros nessa operação.
O NVOCC é emissor de seu próprio Conhecimento de Transporte (B/L) e a
Lei Brasileira somente admite a emissão de Conhecimento de Transporte por
Empresa Brasileira de Navegação ou, no Longo Curso, na carga de importação. A
alternativa é o emprego de empresa de transporte registrada na ANTT – Agência
Nacional de Transportes Terrestres como OTM - Operador Multimodal.
Acordos Operacionais
O Acordo Operacional é aquele celebrado entre empresas brasileiras e
estrangeiras de navegação, com o propósito de racionalizar o emprego da frota em
serviços regulares, através da troca de espaços, segundo os princípios da
equivalência e reciprocidade, no transporte marítimo internacional de contêineres,
entre embarcações operadas por empresas estrangeiras e embarcações, próprias
ou afretadas, operadas por empresas brasileiras de navegação.
Caso o Acordo Operacional seja homologado pela ANTAQ, os espaços
disponibilizados para as empresas brasileiras participantes de Acordo poderão ser
considerados para bloquear solicitações de afretamento por viagem para transporte
de carga prescrita em navios de bandeira estrangeira, uma vez que o espaço em
navio estrangeiro trocado com o navio é considerado com as prerrogativas de
bandeira brasileira pelo princípio da reciprocidade.
Os Acordos Operacionais são “Joint Services” entre empresas de navegação
e é comum serem firmados entre grandes operadores estrangeiros de tráfego
internacional de modo a sempre poder garantir a oferta, em datas fixas, de espaços
para contêineres a bordo, mantendo a regularidade das linhas.
76
APÊNDICE C - Características da navegação de Cabotagem
A definição legal de navegação de cabotagem diz que é a realizada entre
portos ou pontos do território brasileiro, utilizando a via marítima ou esta e as vias
navegáveis interiores. Considerando uma classificação puramente geográfica, a
navegação de cabotagem pode ser definida como a que ocorre próximo à costa e
alcançando portos em vias interiores (rios, lagos, angras, baías, etc.). Nesse foco,
criou-se o conceito da “grande cabotagem” ou “cabotagem internacional”, realizada
na costa atlântica, indo da Venezuela aos países do MERCOSUL.
Historicamente, observa-se que o país sempre dependeu fortemente de sua
navegação de cabotagem para promover a circulação de mercadorias e de pessoas
ao longo de seu imenso território. Cita-se que, até meio século atrás, 90% da
população brasileira vivia a menos de cem quilômetros da costa. Tínhamos poucas
estradas e uma frota de veículos insipiente. Por outro lado, o país construiu mais de
meia centena de portos com movimentação considerável, o que é verificado nas
fotografias disponíveis onde impressiona a quantidade de navios, trapiches e
embarcações de carga e descarga.
Assim, em 1951, a navegação de cabotagem foi responsável por 27,5% da
produção de transportes no Brasil; a partir de então, com a política de investimentos
do governo em rodovias, a extinção da SUNAMAM (em 1988) e a
desregulamentação do setor de navegação (com a adoção dos conceitos
econômicos da política neoliberal), esse percentual veio caindo, alcançando seu
ponto mínimo em 1994, quando respondeu por apenas 10% da produção de
transportes.
Naquele momento, fatores como a degradação das estradas de rodagem, o
crescimento do roubo de cargas nobres, de alto valor agregado, transportadas por
rodovias, os aumentos de custos de transporte rodoviário em decorrência dos custos
de combustíveis, pedágio, manutenção, salários e seguros, em conjunto com a
defesa de interesses comerciais das empresas de navegação de cabotagem
associadas ao serviço “feeder” para a navegação de longo curso, em sua maior
parte suportadas com recursos estrangeiros aplicados em empresas de navegação
nacionais mas de capital externo, que forçaram o governo a estabelecer políticas de
estímulo ao setor da cabotagem e tornaram esse segmento mais competitivo.
77
Em um primeiro momento, o governo acenou com a publicação da Lei nº
8630/93, alterando o regime jurídico da exploração dos portos terminais portuários.
Desde 1997, o transporte de carga geral na cabotagem tem apresentado
crescimento significativo.
Cabe ressaltar que essa reação do setor de navegação se deve muito mais
ao clamor das empresas envolvidas, tanto na prestação dos serviços de transporte
quanto das usuárias desses serviços, do que da política governamental de fomento
à atividade como fator de desenvolvimento nacional, uma vez que o crescimento
econômico provocou uma maior atividade de transporte no longo curso que levou, a
reboque, o crescimento proporcional da cabotagem. Por conta disso, o governo
voltou a regular o mercado, propiciando um ambiente estável para o investimento
que se fez necessário.
Transporte de contêineres na cabotagem comparado aos demais modais
Atrativos Problemas
Custo do frete Carência de linhas regulares
Segurança da carga Grande número de tarifas
Menor avaria das mercadorias Ineficiência portuária
Elevado custo da estiva
Excesso de burocracia
Fonte: Pesquisa CNT – 2006
A concorrência com o modal rodoviário ainda é muito acentuada mas tende
a decrescer, com a maior especialização das empresas de logística, incremento da
infraestrutura portuária, menores custos e maior segurança do transporte aquaviário.
Isso afeta o planejamento estratégico das empresas de navegação, por envolver
grandes investimentos a médio e curto prazos.
O movimento de cargas na cabotagem tem crescido cerca de 3,5% ao ano,
acompanhando o crescimento do longo curso. A carga de maior volume é de granéis
líquidos, preponderantemente petróleo e seus derivados. Também competem nesse
segmento produtos químicos diversos, GLP e álcool. Em segundo lugar aparecem
os granéis sólidos, principalmente soja (de transbordo), milho, trigo e sal. O gráfico a
seguir mostra a proporção entre os vários tipos de carga, sendo a mais nobre, de
maior valor agregado, os contêineres.
78
Fonte: ANTAQ
A demanda pelo transporte de contêineres na cabotagem
Para a chamada “grande cabotagem”, há um considerável volume de
movimentação de contêineres na região do Caribe, por conta do tráfego com o maior
parceiro comercial do Brasil, os EUA, e o acesso ao canal do Panamá, onde também
se realiza um considerável volume de operações de transbordo.
A segunda maior movimentação de contêineres situa-se na costa leste da
América do Sul, na região compreendida entre os portos do Rio de Janeiro e de
Buenos Aires, onde há a maior concentração de atividade econômica.
No entanto, no ponto de vista da legislação brasileira, essas operações se
enquadram na navegação de longo curso, muito embora sejam complementares as
linhas regulares de cabotagem realizados pelas EBN. De fato, o Brasil é o principal
movimentador de contêineres na costa leste da América Latina, incluindo, aí, o
tráfego de cabotagem tanto de cargas locais quanto as cargas de transbordo das
operações “feeder” associadas à navegação de longo curso.
79
Fatores para o desenvolvimento do transporte marítimo de cabotagem
Extensão do litoral brasileiro - 7.400 km (8.000 km, se considerada a hidrovia do rio Amazonas até o porto de Manaus)
Atividade econômica com grande concentração junto ao litoral
Principais centros consumidores distribuídos ao longo do litoral
Considerável rede de portos e terminais
Modais rodoviário e ferroviário atendem com deficiência os centros econômicos dos
estados
Hidrovia é um excelente meio de acesso aos portos (exige poucos investimentos na sua implantação, manutenção e modernização)
Transporte marítimo
versus demais Modais (distâncias superiores a 500 km)
Menor custo de obtenção/operação por capacidade de
carga Menor frete de tonelada transportada por quilômetro Maior segurança contra roubos (menor prêmio de seguro)
Menor índice de avarias das mercadorias.
A análise da demanda pelo transporte de contêineres na cabotagem
considera que esta se divide em carga local e carga de transbordo, onde:
Carga local - é a que é coletada e tem destino final em território brasileiro;
é atendida por Linhas regulares, com clientes pulverizados e datas certas de
saída e chegada dos navios, numa maior variedade de portos; e
Carga de transbordo - a destinada ou vinda do exterior, em tese
temporariamente estocada em portos concentradores (“hub ports”); são
operações “feeder”, relacionadas a rotas internacionais (longo curso), em
especial com empresas estrangeiras que não podem operar na cabotagem
e, por isso, atendem uma menor quantidade de portos, por viagem.
De 2001 a 2006, a movimentação de contêineres nos portos brasileiros
aumentou à taxa de 15,4% ao ano, enquanto que, de 2006 a 2008, o crescimento
médio foi 7,5%. Desde então, o crescimento médio tem sido de 3,5%.
Trata-se de um mercado de transporte regular, onde cada vez mais as
empresas tem que oferecer o serviço porta a porta (“door-to-door”).
80
APÊNDICE D – As diversas organizações envolvidas na regulação do
transporte aquaviário
1 O Ministério dos Transportes46
Para realizar suas atribuições, o MT conta com a seguinte estrutura
organizacional:
Fonte: MT
São competências do MT, entre outras:
a) A formulação, coordenação e supervisão da política nacional de
transporte aquaviário (marinha mercante, portos e vias navegáveis);
46<www.transportes.gov.br>, acesso em 25/06/2015: “O Ministério dos Transportes é o órgão da administração pública federal direta que tem como áreas de atuação a política nacional de transportes dos modais ferroviário, rodoviário e aquaviário, além de realizar ações no âmbito da
marinha mercante, das vias navegáveis e dos portos fluviais e lacustres (excetuados os que estão sob a responsabilidade das companhias docas). O MT também possui competência para participar da coordenação dos transportes aeroviários e serviços portuários. ... Para que o órgão execute suas
competências e possa desenvolver programas e projetos, as ações e programas agem como ferramentas que auxiliam o ministério e os órgãos vinculados para as tomadas de decisão que definirão as ações do sistema de transportes do país.” 47
www.portosdobrasil.gov.br
81
b) A participação no planejamento estratégico, o estabelecimento de
diretrizes para sua implementação e a definição das prioridades dos
programas de investimentos;
c) A aprovação dos planos de outorgas;
d) O estabelecimento de diretrizes para a representação do Brasil nos
organismos internacionais e em convenções, acordos e tratados referentes
aos meios de transportes;
e) A formulação e supervisão da execução da política referente ao Fundo
de Marinha Mercante, destinado à renovação, recuperação e ampliação da
frota mercante nacional, em articulação com os Ministérios da Fazenda, do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Planejamento,
Orçamento e Gestão; e
f) O estabelecimento de diretrizes para afretamento de embarcações
estrangeiras por empresas brasileiras de navegação e para liberação do
transporte de cargas prescritas.
Atuam diretamente no transporte aquaviário:
i) A Secretaria de Política Nacional de Transportes:
Departamento de Planejamento de Transportes; e
Departamento de Informações em Transportes.
ii) A Secretaria de Gestão dos Programas de Transportes:
Departamento de Programas de Transportes Aquaviários; e
Departamento de Avaliação e Desenvolvimento Estratégico.
iii) A Secretaria de Fomento para Ações de Transportes:
Departamento da Marinha Mercante.
iv) A entidade vinculada:
Companhia Docas do Maranhão - CODOMAR.
2 A Secretaria de Portos 47
47
www.portosdobrasil.gov.br 48
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/sistema-portuario-nacional>, acesso em 15/06/2015: portos com administração exercida pela União, no caso das Companhias Docas, ou delegada a
municípios, estados ou consórcios públicos.
82
A Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR) é responsável
pela formulação de políticas e pela execução de medidas, programas e projetos de
apoio ao desenvolvimento da infra-estrutura dos portos marítimos. Compete, ainda,
à SEP, a participação no planejamento estratégico e a aprovação dos planos de
outorgas, tudo isso visando assegurar segurança e eficiência ao transporte marítimo
de cargas e de passageiros.
Dos 37 portos públicos marítimos sob gestão da SEP48, 18 encontram-se
delegados, concedidos ou tem sua operação autorizada aos governos estaduais e
municipais, aos quais se somam outros quatro portos fluviais delegados a estados e
municípios49. Os outros 19 portos públicos marítimos são administrados diretamente
pelas Companhias Docas, sociedades de economia mista, que tem como acionista
majoritário o Governo Federal e, portanto, estão diretamente vinculadas à Secretaria
Especial de Portos.
Ao todo, são sete Companhias Docas, assim distribuídas:
Companhia Docas do Pará (CDP) que administra os portos de
Belém, Santarém e Vila do Conde.
Companhia Docas do Ceará (CDC) que administra o Porto de
Fortaleza.
Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern) que
administra os portos de Natal e Maceió, além do Terminal Salineiro de
Areia Branca.
Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba) que administra
os portos de Salvador, Ilhéus e Aratu.
Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) que administra os
portos de Vitória e Barra do Riacho.
Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ) que administra os
portos do Rio de Janeiro, Niterói, Angra dos Reis e Itaguaí.
48
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/sistema-portuario-nacional>, acesso em 15/06/2015:
portos com administração exercida pela União, no caso das Companhias Docas, ou delegada a municípios, estados ou consórcios públicos. 49
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/sistema-portuario-nacional>, acesso em 15/06/2015: este levantamento não considera as Instalações Portuária Públicas de Pequeno Porte - IP4 - uma vez que a Lei 12.815 de 05/06/2013 passou estas instalações para a esfera de atuação do Ministério dos
Transportes... O anexo da Resolução 2969 da ANTAQ contem 235 instalações portuárias, públicas e privadas, tanto marítimas quanto fluviais... Excluindo-se dessa relação os portos públicos fluviais definidos na Portaria Interministerial 24 como sendo IP4, restam portanto 39 Portos Fluviais públicos
nas competências da SEP.
83
Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) que
administra o Porto de Santos.
A SEP é estruturada conforme o organograma a seguir:
Programas e Projetos do governo nos quais participa a SEP:
Plano Nacional de Logística Portuária - PNLP50
Plano Mestre51
50
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl>, acesso em 15/06/2015: instrumento de Estado de planejamento estratégico do setor portuário nacional, que visa identificar vocações dos diversos portos, conforme o conjunto de suas respectivas áreas de influência, definindo cenários de curto,
médio e longo prazo com alternativas de intervenção na infraestrutura e nos sistemas de gestão, garantindo a eficiente alocação de recursos a partir da priorização de investimentos, evitando a superposição de esforços e considerando as disposições do Conselho Nacional de Integração de
Políticas de Transporte - CONIT...A partir do PNLP, a Secretaria elabora diagnósticos e prognósticos do setor para a avaliação de cenários e a proposição de ações de médio e longo prazo que permitem a tomada de decisões em seis principais áreas temáticas: infraestrutura; superestrutura e operações;
logística e hinterlândia; economia e finanças; gestão; e meio ambiente... No âmbito da primeira fase do PNLP também foram desenvolvidos planos diretores estratégicos (Master Plans) para 15 portos públicos considerados de importância estratégica nacional. Os Planos Mestres trazem elementos,
ferramentas e alternativas para melhoria da gestão e para a expansão dos portos, tendo como objetivos: (i) analisar as melhorias operacionais necessárias; (ii) identificar as necessidades de investimentos no porto, tanto em superestrutura quanto em infraes trutura; e (iii) analisar a
concorrência do porto frente ao setor portuário. 51
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl>, acesso em 15/06/2015: instrumento de planejamento de Estado voltado à unidade portuária, considerando as perspectivas do planejamento
estratégico do setor portuário nacional constante do Plano Nacional de Logística Portuária - PNLP,
84
Plano de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ52
Plano Geral de Outorgas - PGO 53
Programa Nacional de Dragagem - PND54
Porto Sem Papel55
3 A Agência Nacional de Transportes Aquaviários- ANTAQ
A ANTAQ é uma agência federal criada para regular as atividades de
transporte aquaviário e exploração da infraestrutura portuária. Surge em sucessão,
quanto ao transporte aquaviário, ao Departamento de Marinha Mercante, órgão da
Administração Direta do Ministério dos Transportes. Surge, também, para possibilitar
o equilíbrio dos três núcleos que formam o mercado – governo, prestadores do
serviço e usuários.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, criada pela Lei nº
10.233/2001, é entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao
regime autárquico especial, com personalidade jurídica de direito público,
independência administrativa, autonomia financeira e funcional, e mandato fixo de
seus dirigentes. Inicialmente na esfera do Ministério dos Transportes, hoje está
vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República, com sede e foro no
Distrito Federal, podendo instalar unidades administrativas regionais.
que visa direcionar as ações, melhorias e investimentos de curto, médio e longo prazo no porto e em seus acessos. 52
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl>, acesso em 15/06/2015: instrumento de planejamento operacional da Administração Portuária, que compatibiliza as políticas de desenvolvimento urbano dos municípios, do estado e da região onde se localiza o porto, visando, no
horizonte temporal, o estabelecimento de ações e de metas para a expansão racional e a otimização do uso de áreas e instalações do porto, com aderência ao Plano Nacional de Logística Portuária - PNLP e respectivo Plano Mestre. 53
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl>, acesso em 15/06/2015: instrumento de planejamento de Estado que consiste em um plano de ação para a execução das outorgas de novos portos ou terminais públicos e privados, reunindo a relação de áreas a serem destinadas à exploração
portuária nas modalidades de arrendamento, concessão, autorização e delegação, com respectivos horizontes de implantação, tomando como base o planejamento do Poder Concedente, das Administrações Portuárias e da iniciativa privada. 54
<http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl>, acesso em 15/06/2015: foi criado para propor e desenvolver soluções para reduzir os gargalos que limitam os acessos marítimos aos portos
brasileiros. 55
< http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/inteligencia-logistica/porto-sem-papel-psp>, acesso em 15/06/2015: O Porto sem Papel é um sistema de informação que tem como objetivo principal
reunir em um único meio de gestão as informações e a documentação necessárias para agilizar a análise e a liberação das mercadorias no âmbito dos portos brasileiros. A SEP/PR já implantou o projeto nos 34 portos públicos, eliminando mais de 140 formulários em papel que foram convertidos
para um único documento eletrônico.
85
Estas três características – independência administrativa, autonomia
financeira e funcional, mandato fixo dos dirigentes – visam possibilitar a atuação da
Agência de forma autônoma, sem ter que se submeter pressão política ou dos
demais agentes do setor regulado.
Fonte: ANTAQ
A ANTAQ tem por finalidades:
I – Implementar, em sua esfera de atuação, as políticas formuladas pelo
Ministério dos Transportes e pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de
Transporte – CONIT, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na Lei nº
10.233, de 2001; e
II – Regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços
de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária,
exercida por terceiros, com vistas a:
a) Garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a
padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e
modicidade nos fretes e tarifas;
b) Harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas
concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de
entidades delegadas, preservando o interesse público; e arbitrar conflitos de
interesse e impedir situações que configurem competição imperfeita ou
infração contra a ordem econômica.
86
Forma de atuação:
Regula o setor por meio de Normas
Outorga empresas prestadoras de serviços
Fiscaliza a atuação das empresas e de seus usuários
Arbitra conflitos
Autoriza afretamento de embarcações estrangeiras
Interage com outros agentes do setor
Possibilita a formulação de políticas públicas
3.1 A outorga de Empresa Brasileira de Navegação (EBN) 56
A norma tem por objeto a outorga de autorização a pessoa jurídica que
tenha por objeto realizar o transporte aquaviário nas modalidades de longo curso e
de cabotagem, ou para operar nas navegações de apoio marítimo e de apoio
portuário.
A autorização para operar tem por características:
Outorgada a pessoa jurídica brasileira, com sede e administração no
País
A empresa deve ter por objeto o transporte aquaviário
A empresa deve atender os requisitos técnicos, econômicos e jurídicos
A empresa deve atender aos Tratados, Convenções e Acordos
Internacionais
É de caráter precário, intransferível, por prazo indeterminado
A empresa deve atender a requisitos técnicos, que são:
a) ser proprietária de pelo menos uma embarcação de bandeira
brasileira adequada à navegação pretendida e em condição de
operação comercial; ou
b) apresentar contrato de afretamento de embarcação de bandeira
brasileira, a casco nu, adequada à navegação pretendida, por prazo
superior a um ano; ou
56 <http://www.antaq.gov.br/Portal/Legislacao_Normas.asp#ancora>, acesso em 17/07/2015: Norma
da Resolução no 2510.
57 www.mre.gov.br
87
c) apresentar contrato e cronograma físico e financeiro da construção
de embarcação (ou reforma), adequada à navegação pretendida, em
estaleiro brasileiro, bem como comprovar que a obra está sendo
realizada como planejada.
A empresa candidata deve, também, atender a requisitos econômico-
financeiros e jurídicos-fiscais, que são:
I - patrimônio líquido mínimo de:
a) R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), para a navegação de longo
curso;
b) R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), para a navegação de
cabotagem; e
c) R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), para as
navegações de apoio portuário e de apoio marítimo.
II - índice de liquidez corrente igual ou superior a 1 (um).
III – prever, em seu objeto social, atividade adequada à modalidade de
navegação pretendida; e
VI – apresentar documentação comprobatória de sua regularidade fiscal e de
não possuir qualquer registro de ações ou execuções em que figure como réu, ou
ainda de processos de falência ou recuperação judicial e extrajudicial.
A continuidade da outorga para a empresa brasileira de navegação operar é
condicionada à verificação periódica das condições técnicas, econômicas,
financeiras, jurídico-fiscais ou administrativas indispensáveis para a exploração dos
serviços autorizados.
A operação pela empresa brasileira de navegação será exercida em regime
de liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes e em ambiente de livre e aberta
competição. A Agência, ao tomar conhecimento de fato que configure ou possa
configurar infração à ordem econômica, deverá comunicá-lo ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE, à Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça ou à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério
da Fazenda, conforme o caso.
88
A empresa se obriga a operar na navegação autorizada de forma a
satisfazer os requisitos de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atendimento ao interesse público e a preservação do meio ambiente.
Em 2005, eram 199 autorizações. Agora, já são 319 (21 no Longo Curso, 33
na Cabotagem, 93 no Apoio Marítimo, 21 no Apoio Portuário - dragagem e 151 no
Apoio Portuário).
4 O Ministério das Relações Exteriores57
O Ministério das Relações Exteriores é responsável por assessorar o
Presidente da República na formulação e execução da política externa brasileira. Em
sua atuação junto a Organismos Internacionais e na negociação de acordos bi e
multilaterais precisa recorrer a setores da administração do Estado ou mesmo a
representações da iniciativa privada, com emérito conhecimento de assuntos
específicos.
Os principais organismos internacionais cuja representação do País está a
cargo do MRE, são:
a) Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento -
UNCTAD
A UNCTAD é o fórum internacional para o debate de relações entre países a
respeito de acordos comerciais de divisão de cargas e de formação da consciência
marítima em países em desenvolvimento, através do seu Comitê de Transporte
Marítimo. Nos anos 1970 foi a principal arena de discussões das questões marítimas
internacionais, tendo tratado sobre:
Os invisíveis da Balança de Pagamentos
O Código de Conduta das Conferências de Frete (relação 40/40/20)
Operador de Transporte Multimodal
Propriedade e Hipotecas Marítimas
Criou o programa TRAIMAR que visa proporcionar apoio técnico a países
em desenvolvimento.
Atualmente, a União Européia defende que temas como as atividades sobre
transporte marítimo sejam deslocadas para outros Órgãos, como a OMC.
57
www.mre.gov.br
89
b) Organização Mundial do Comércio - OMC
Negociações entre nações após a 2ª Grande Guerra determinaram a criação
do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), um Fórum de Negociações
Tarifárias no seio do qual, nos anos 1970, foram criados os Códigos:
“Anti-dumping”
De Subsídios e Direitos Compensatórios
Barreiras Técnicas ao Comércio, etc.
Na Rodada Uruguai do GATT(1986), foram criados:
A Organização Mundial do Comércio (OMC)
O Acordo Geral sobre o Comércio de Serviço (GATS)
c) Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços - GATS
Estabelece as bases para os países negociarem concessões nos setores e
subsetores de serviços financeiros, de telecomunicações e de transportes aéreos e
marítimos.
São Princípios básicos:
Conceito de Nação Mais Favorecida (NMF)
Transparência
Integração Econômica
Balanço de Pagamentos
Compromissos específicos de:
Acesso aos mercados
Tratamento nacional
Os Serviços de Transportes Marítimos são tratados no GATS por um Grupo
de Negociações específico sendo, a cabotagem, excluída das discussões desde o
início.
Os assuntos mais tratados são:
Nação Mais Favorecida (NMF)
Isenção aos acordos bilaterais
Acesso aos mercados
Instalação de empresas no país
Presença dos navios (acabar com as reservas de carga)
90
Tratamento nacional
Acesso às instalações portuárias
d) Mercado Comum do Sul - MERCOSUL
Criado através do Tratado de Assunção (1991), inicialmente composto pelos
Estados-Parte Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Tem por objetivo:
Livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos (capital e mão-de-
obra)
Eliminação de direitos alfandegários, barreiras não tarifárias e
equivalentes
Estrutura Institucional
Órgão superior Conselho do Mercado Comum (CMC)
Presidentes e Ministros
Órgão Executivo Grupo Mercado Comum (GMC)
Chanceleres, Ministros da Área Econômica e
Presidentes dos Bancos Centrais
Órgãos Técnicos Subgrupos de Trabalho
(SGT)
Técnicos governamentais e
representantes da iniciativa privada
Transportes e Infraestrutura são tratados no Subgrupo de Trabalho SGT5.
Os principais temas tratados são:
Normas para o Transporte de Mercadorias Perigosas
Acordo para Facilitação do Transporte Multimodal
Acordo Internacional de Transporte Marítimo
Registro Comum de Embarcações
Quanto ao Acordo de Transporte Marítimo58, ainda não firmado, abrange o
transporte internacional intrazona e trata dos seguintes tópicos:
“Feeder service”
Reboque de mercadoria
Cargas excluídas
Cabotagem
58
<http://www.mercosul.gov.br/index.php/saiba-mais-sobre-o-MERCOSUL>, acesso em 17/07/2015:
91
Tratado da hidrovia Paraná-Paraguai
Petróleo e derivados produzidos no Brasil
Exclusividade para armadores nacionais com embarcações
Embarcações nacionais: pelo menos uma própria
Limitação para o emprego de embarcações afretadas
Quanto aos acordos bilaterais de transporte marítimo, esses têm por
princípios:
Reciprocidade de Tratamento
Direito de tráfego e atracação mútua, documentos de tripulantes,
certificados de navios, salvamento, etc.
Arbitragem de conflito de Leis de Reserva de Carga
Estender benefício ao Parceiro (“Equal Access”)
Restringir/impedir terceiras Bandeiras
Regular os Acordos de “Pool” (estabelecimento de cotas em Conferências
de Frete)
Tráfego Fechado: Proibição a armadores não nacionais (no Cone Sul)
5 O tribunal Marítimo59
O Tribunal Marítimo (TB) é um órgão autônomo auxiliar do Poder Judiciário
que tem como atribuições julgar os acidentes e fatos da navegação mas também de
atuar com finalidade cartorial de manter o registro da propriedade marítima. Seu
vínculo com o Comando da Marinha/MD existe apenas para o provimento de meios
– pessoal e material – para seu funcionamento.
É composto por:
Um juiz Presidente, oficial General do Corpo da Armada
Dois juízes militares, um Engenheiro e outro da Armada (Hidrógrafo)
Quatro juízes civis especialistas em:
Armação de navios e navegação comercial
Direito Marítimo
59
< https://www.mar.mil.br/tm/>, acesso em 17/07/2015: O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Comando da Marinha,
tem como atribuições de julgar os incidentes da navegação aquaviária mas também de atuar com finalidade cartorial de manter o Registro da Propriedade Marítima, de armadores de navios brasileiros, do Registro Especial Brasileiro (REB) e dos ônus que incidem sobre as embarcações
nacionais.
92
Direito Internacional Marítimo
Marinha Mercante (Capitão de Longo Curso)
O Tribunal Marítimo foi criado pela Lei nº 2.180/54; tem jurisdição sobre:
Embarcações mercantes de qualquer nacionalidade, em águas brasileiras
ou, quando em alto-mar, quando envolvidas em qualquer acidente marítimo
ou incidente de navegação, no qual tenha pessoa física, navios e instalações
brasileiras;
Embarcações mercantes brasileiras em alto-mar, ou em águas
estrangeiras;
Pessoal da Marinha Mercante brasileira e os marítimos estrangeiros, em
território ou águas territoriais brasileiras;
Proprietários de embarcações brasileiras e os agentes no Brasil de
empresa estrangeira de navegação; e
Proprietários de estaleiro.
Compete ao Tribunal Marítimo:
I – julgar os acidentes e fatos da navegação60:
a) Definindo-lhes a natureza e determinando-lhes as causas,
circunstâncias e extensão;
b) Indicando os responsáveis e aplicando-lhes as penas estabelecidas na
lei; e
c) Propondo medidas preventivas e de segurança da navegação.
II – manter o registro geral:
a) Da propriedade naval;
b) Da hipoteca naval e demais ônus sobre embarcações brasileiras; e
c) Dos armadores de navios brasileiros.
6 A Autoridade Marítima61
60
Fatos da navegação: Aqueles que, por falta de precaução, pode vir a ocasionar um acidente; por
exemplo, a embarcação ser operada sem estar devidamente aparelhada com equipamento de comunicação, de salvatagem, etc. 61
Lei Complementar nº 97/1999, Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares:
I - orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional; II - prover a segurança da navegação aquaviária;
III - contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar;
93
Cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução das
normas da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, com o
propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação,
no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte
de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.
A autoridade marítima é exercida pelo Ministério da Marinha (hoje, Marinha
do Brasil - Ministério da Defesa).62
São atribuições da autoridade marítima, entre outras:
I - Elaborar normas para:
Tráfego e permanência das embarcações nas águas sob jurisdição
nacional, bem como sua entrada e saída de portos, atracadouros,
fundeadouros e marinas;
Realização de inspeções navais e vistorias;
Arqueação, determinação da borda livre, lotação, identificação e
classificação das embarcações;
Inscrição das embarcações e fiscalização do Registro de Propriedade; e
Cadastramento de empresas de navegação, peritos e sociedades
classificadoras.
II - Estabelecer os limites da navegação interior;
III - Executar a inspeção naval; e
IV - Executar vistorias, diretamente ou por intermédio de delegação a
entidades especializadas.
6.1 Autoridade Marítima – Estrutura Executiva63
IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores,
em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer
necessária, em razão de competências específicas. V – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias,
na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução. Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como "Autoridade Marítima",
para esse fim. 62
Art. 39 da Lei nº 9.537/97, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. 63
Portaria nº 156/MB.
94
O Comandante da Marinha, no exercício da Autoridade Marítima, distribui
entre as organizações militares da estrutura administrativa do Comando da Marinha
atribuições conferidas pela LESTA.64
Utilizando-se do instrumento “delegação de competência” cria três figuras
distintas65:
Assessor – CEMA
Agente – DPC/DHN/ComDN/CNAO/SECIRM
Representante – DPC/DHN/ComDN/CNAO/SECIRM
6.1.1 A Diretoria de Portos e Costas
A Diretoria de Portos e Costas (DPC) é a principal organização militar a
regulamentar assuntos concernentes à Marinha Mercante, em especial quanto à:
Segurança da navegação
Salvaguarda da vida humana no mar
Prevenção da poluição por parte de embarcações
A ela compete:
Aprovar Normas da Autoridade Marítima – NORMAM
Promover a execução das atividades de vistorias de embarcações
Estabelecer os limites da navegação interior
Coordenar as ações decorrentes da aplicação da legislação ambiental
Certificados estatutários
Delegação da autoridade para as Sociedades Classificadoras
6.1.2 Os Comandos de Distritos Navais (ComDN/CNAO)
Os Distritos Navais (DN) e o Comando Naval da Amazônia Ocidental
(CNAO) são as principais organizações militares a promover as ações decorrentes
da ação da Autoridade Marítima quanto à Marinha Mercante, agindo por meio da
64
Lei no 9.537/97 que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição
nacional, conhecida pela sigla LESTA (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário). 65
CEMA – Chefe do Estado Maior da Armada DPC – Diretor de Portos e Costas
DHN – Diretor de Hidrografia e Navegação ComDN – Comandante de Distrito Naval CNAO – Comandante Naval da Amazônia Ocidental
SECIRM – Secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar
95
estrutura do Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário – SSTA, a rede de
Capitanias-dos-Portos, Delegacias e Agências.
A eles compete, por delegação da DPC:
Promover a inscrição das embarcações e a fiscalização do Registro de
Propriedade
Estabelecer os limites da navegação interior
Realizar o cadastramento de empresas de navegação
Por meio da rede da SSTA, a qual compete, também, agir como agentes da
Autoridade Marítima na:
Execução da inspeção naval
Fiscalização dos procedimentos para a segurança do transporte de
cargas perigosas e material nuclear
Fiscalização das embarcações quanto ao seguro obrigatório de danos
pessoais (DPEM)
Apuração das responsabilidades sobre os incidentes com embarcações
6.1.3 O Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo (COMCONTRAM)
O Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo (COMCONTRAM) é
uma organização militar subordinada ao Comando de Operações Navais – COM e
tem por missão contribuir para a segurança do tráfego marítimo de interesse do
Brasil e de atender à compromissos internacionais assumidos pelo País, relativos ao
controle naval do tráfego marítimo. Ao COMCONTRAM compete acompanhar o
tráfego marítimo de embarcações brasileiras e estrangeiras em águas sob jurisdição
nacional, em particular na área marítima do Atlântico Sul e nas áreas sujeitas a
ações hostis de países em guerra limitada.
6.2 O Comando da Marinha e a atuação junto à IMO
O Decreto nº 3.402/2000 atribui à Marinha do Brasil a Representação
Permanente do Brasil junto à Organização Marítima Internacional. A ANTAQ, como
órgão especialista no transporte aquaviário internacional, assessora o Comando da
Marinha na análise de propostas que objetivam defender as posições brasileiras na
IMO (International Maritime organization) que têm de estar alinhadas aos Princípios
Fundamentais previstos na Constituição Federal, na Política Externa, na Política
96
Marítima Nacional, nas Políticas Nacionais setoriais e nos atos internacionais dos
quais o Brasil é parte.
Acompanhamento das Principais Convenções em discussão:
Convenção Internacional para o Controle e Gestão de Água de Lastro e
Sedimentos de Navios
Convenção Internacional sobre Controle de Sistemas Anti-Incrustantes
Nocivos em Navios
Convenção Internacional sobre Responsabilidade e Compensação por
Danos relativos ao transporte por mar de Substâncias Potencialmente
Perigosas e Nocivas
7 Sistema Brasileiro de defesa da Concorrência
O Sistema Brasileiro de defesa da Concorrência é composto pelos seguintes
órgãos:
SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico66. Órgão do
Ministério da Fazenda responsável pela instrução probatória nos processos
administrativos do CADE relativos aos Atos de Concentração (Fusões e Aquisições)
e na investigação da formação de cartéis e de outras estruturas danosas à
concorrência. Também é competente para a análise das condutas a que se refere o
art. 20 da Lei nº 8.884/94 e serve como órgão consultivo na área econômica e
financeira, fornecendo o embasamento necessário ao CADE.
SDE – Secretaria de Direito Econômico67. Órgão vinculado à estrutura do
Ministério da Justiça. É responsável pelas averiguações preliminares e pela
instrução probatória prévia. Na fase posterior, atua também na instrução probatória
na fase do processo administrativo. Normalmente sua atividade de fiscalização
ordinária do mercado inicia o processo administrativo no CADE.
66
<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ29715BC8ITEMIDCEF35B5AB2E84F6A8CA8858B129BB4EF
PTBRIE.htm>, acessado em 17/07/2015: A SDE é o órgão responsável por instruir a análise concorrencial dos atos de concentração econômica (fusões, aquisições, etc.), bem como investigar infrações à ordem econômica. 67<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ29715BC8ITEMIDCEF35B5AB2E84F6A8CA8858B129BB4E
FPTBRIE.htm>, acessado em 17/07/2015: A Seae, por sua vez, é responsável por emitir pareceres econômicos em atos de concentração, investigar condutas para oferecer representação à SDE, bem
como elaborar facultativamente pareceres em investigações sobre condutas anticoncorrenciais.
97
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica68. Órgão central
do SBDC. Ganhou status de autarquia especial através da Lei no 8.884/94. É
responsável pelo julgamento e controle das estruturas e condutas concorrenciais,
atuando precipuamente e corretivamente, vez que, hoje, os atos de concentração e
as condutas tratadas no art. 20 da Lei no 8.884/94 são julgados depois de realizados.
8 Organizações internacionais
8.1 Organização Marítima Internacional (OMI)69
Criada em 1958, é a Agência da ONU especializada em matérias técnicas
da embarcação. Tem 165 países membros e Conselho com 32 membros - inclui
Brasil.
Possui Comitês de:
Segurança da Navegação
Poluição do Meio Ambiente Marinho
Aspectos Legais
Facilitação do tráfego internacional - documentação
Cooperação Técnica - Assistência técnica (países em desenvolvimento)
Principais Convenções:
SOLAS - Segurança da Vida Humana no Mar
MARPOL - Prevenção da Poluição por Navios
STCW - padrões de treinamento, certificação e serviço de marítimos
Controle do Estado do Porto (1982)
Memorandos de Paris, Tóquio e Viña del Mar
Afetam:
Projeto, construção e vida útil das embarcações
Novos equipamentos e tecnologias de segurança
Melhores padrões de treinamento
68http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ29715BC8ITEMIDCEF35B5AB2E84F6A8CA8858B129BB4EFPTBRIE.htm>, acessado em 17/07/2015: o Cade é responsável pela decisão final, na esfera
administrativa, dos processos iniciados pela SDE ou Seae. Assim, após receber os pareceres da SDE e Seae, que não são vinculativos, o CADE tem a tarefa de julgar tanto os processos administrativos que tratam de condutas anticoncorrenciais quanto as análises de atos de concentração econômica. 69
Em inglês, IMO – International Maritime Organization
98
8.2 International Association of Marine Aids to Navigation and Lighthouse
Authorities (IALA)
A IALA é um fórum de discussão e regulação sobre sinalização náutica.
8.3 Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Através da Convenção nº 147 (1976), “Normas Mínimas da Marinha
Mercante”, estabelece que os estados membros devam garantir, através de lei:
Normas de segurança
Regime de seguridade social
Condições de emprego e vida a bordo
Procedimento para processamento de queixas de marítimos, dar
conhecimento à OIT e ao país do navio
8.4 Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte (ITF)
Tem como principal foco o combate às condições de trabalho nos navios
operando sob bandeira de conveniência (normas mínimas para bandeira de
conveniência mais elevadas, contrato Coletivo da ITF, tabela salarial, boicotes aos
navios de bandeira de conveniência) – Hoje prefere agir através de organismos
internacionais.
99
APÊNDICE E - A ordenação jurídica nacional70
1 O Regime Jurídico da Navegação Nacional
Como se verá adiante, a legislação que trata da construção naval no Brasil
está atrelada àquela que regulamenta a navegação. Trata-se de política praticada
pelo Governo com vistas a proteger o parque industrial naval, política esta criticada
por parte dos agentes envolvidos no setor de navegação.
2 A Ordenação do Transporte Aquaviário
O principal instrumento a regulamentar a exploração comercial da
navegação é a Lei nº 9.432/97, da Ordenação do Transporte Aquaviário. O foco na
questão do emprego comercial dos navios fica evidente ao definir que (art. 1º) ela se
aplica a armadores, empresas de navegação e às embarcações por eles
empregadas, enquanto exclui, de sua abrangência, navios de guerra e de Estado,
embarcações de esporte, recreio, turismo, pesca e pesquisa.71
A Lei dispõe sobre os seguintes temas:
a) Direito das embarcações a arvorar a bandeira brasileira (art. 3º) –
aquelas inscritas Registro de Propriedade Marítima ou, caso estrangeiras, sob
contrato de afretamento a casco nu, por empresa brasileira de navegação, com
suspensão provisória de bandeira no país de origem.
b) Modalidades de navegação (art. 2º) – definidas 5 modalidades, a saber:
I. Navegação de longo curso;
II. Navegação de cabotagem;
III. Navegação de apoio portuário;
IV. Navegação de apoio marítimo; e
70
Centro de Estudos, Pesquisa e Atualização em Direito, Curso de Direito Marítimo (2005) - Notas de aula. 71
Lei nº 9.432/97 Art. 1º Esta Lei se aplica:
I - aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações brasileiras; II - às embarcações estrangeiras afretadas por armadores brasileiros; III - aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações estrangeiras, quando amparados
por acordos firmados pela União. Parágrafo único. Excetuam-se do disposto neste artigo: I - os navios de guerra e de Estado que não estejam empregados em atividades comerciais;
II - as embarcações de esporte e recreio; III - as embarcações de turismo; IV - as embarcações de pesca;
V - as embarcações de pesquisa.
100
V. Navegação Interior.
c) Embarcação brasileira: a que tem o direito de arvorar a bandeira
brasileira (art. 1º).
d) Apoio ao Desenvolvimento da Marinha Mercante (art. 11) – instituído o
Registro Especial Brasileiro – REB, no qual poderão ser inscritas embarcações
brasileiras, operadas por empresas brasileiras de navegação. As embarcações
inscritas no REB gozam dos seguintes privilégios:
I. Não recolhimento da taxa do Fundo de Ensino Profissional Marítimo
II. Possibilidade de contratação de seguro de casco e máquinas no
exterior
III. Financiamento oficial para construção
IV. Obrigatoriedade de serem brasileiros apenas o comandante e o chefe
de máquinas
e) Afretamento de embarcações estrangeiras – uma Empresa Brasileira
de Navegação pode afretar embarcações por meio de uma das três seguintes
modalidades (art. 8º):
I. A casco nu (“Bareboat Charter”) – contrato no qual o afretador tem a
posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado,
incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação; logo, o
afretamento a casco nu é a locação de embarcação desarmada e sem
tripulação, caracterizando a transferência de posse;
II. A tempo (“Time Charter”) – contrato em virtude do qual o afretador
recebe a embarcação armada e tripulada, ou parte dela, para operá-la
por tempo determinado; portanto, é aquele no qual a embarcação fica a
disposição do afretador, realizando as viagens por ele determinadas
durante o prazo contratualmente estabelecido – não há transferência
de posse; e
III. Por viagem (“Voyage Charter”) – contrato em virtude do qual o fretador
se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com
tripulação, à disposição do afretador para efetuar transporte em uma
ou mais viagens; portanto, é um contrato de transporte – não há
transferência de posse.
101
O afretamento nessas modalidades somente poderá ser realizado, visando a
atividade comercial, por uma empresa brasileira de navegação (EBN), autorizada
pela ANTAQ.
São características comuns aos afretamentos previstos na Lei, o emprego
de navio individualizado, descrito no contrato de afretamento, que não são contratos
de adesão e o emprego de nomenclatura comum: fretador e afretador (partes) e frete
(preço).
Os contratos de afretamento podem ser qualificados de acordo com a gestão
da embarcação, empregando-se os seguintes conceitos:
Gestão Náutica – Atos relativos à condução e manobra da embarcação no
mar (contratação da tripulação, aprovisionamento do navio, contratação de seguro,
custos portuários, etc.); e
Gestão Comercial – Atos relativos à gerência comercial de uma expedição
marítima (angariamento de cargas, assinatura dos contratos de transporte, etc.).
Nesse caso, quanto à responsabilidade de cada parte, temos o seguinte
quadro:
Contrato Objeto Gestão Resp. pela carga
Resp. perante terceiros
Casco nu Locação Náutica e comercial com o afretador
Afretador Afretador
A tempo Prestação de serviços
Náutica – afretador
Comercial – fretador
Afretador Fretador
Por viagem Transporte Náutica e comercial com o fretador
Fretador Fretador
O proprietário da carga não realiza contrato de afretamento – restrito à
relação entre empresas de navegação e/ou proprietários de embarcações – mas,
sim, contratos de transporte. Em geral, contrata-se por viagem ou em linha regular.
O contrato de transporte de linha regular, denominado Carta Partida (art.
566, Código Comercial), se caracteriza por:
Predominar no segmento da carga geral, solta ou conteinerizada; diversos
lotes de carga provenientes de diferentes embarcadores são embarcados
em portos de escala;
102
Por isso mesmo, é adequado ao tráfego de linhas regulares; implica em
roteiros fixos e diversas escalas pré-determinadas;
Cada embarque é representado por um conhecimento de carga (B/L),
precedido de contratação verbal ou por escrito; é um contrato de adesão; e
Por suas características, o transporte não está vinculado a um navio
individualizado (objetiva o direito ao transporte, não ao navio).
Em suma, comparando-se o contrato por viagem e o de transporte de linha
regular, temos:
Contrato por viagem Transporte de linha regular
Navio individualizado Navio não individualizado
Cargas especiais (granéis) ou não atendidas por linhas regulares
Carga geral, conteinerizada ou não
Não é contrato de adesão Contrato de adesão
Por que estabelecer uma política de afretamentos? Quando falamos de
política de afretamentos estamos, em especial, tratando do afretamento de
embarcações estrangeiras, uma vez que o afretamento de embarcações brasileiras
deve ser livre, sem interferência direta do Estado (desde que, é claro, não acarrete
prática que caracterize abuso de poder econômico).
O afretamento de embarcação estrangeira interfere diretamente na
economia do país quando:
Representa significativa remessa de divisas ao exterior
Desestimula a bandeira brasileira
De fato, como no momento a frota nacional não comporta o mercado e esse
mercado está crescendo, se tornou necessário permitir o afretamento. A solução
para o problema é estabelecer uma política que possibilite suprir o mercado com as
embarcações necessárias, buscando embarcações estrangeiras operadas por
empresas brasileiras por prazo determinado e, ao mesmo tempo, estimular o
aumento da frota nacional e a construção de embarcações em estaleiros brasileiros
e, com isso, substituir, paulatinamente, as embarcações estrangeiras por
embarcações nacionais.
A Lei, por questões políticas ou de mercado, estabelece regras distintas, por
modalidade de navegação, para permitir o afretamento. São elas:
103
No longo curso:72
A única modalidade de navegação onde o afretamento de embarcação
estrangeira independe de autorização é a do longo curso, pois ela é aberta aos
armadores, às empresas de navegação e às embarcações de todos os países,
observados os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.
Logo, não havendo obstáculos para a operação de empresas estrangeiras no Brasil
no longo curso, por isonomia, não se justifica impor qualquer restrição à operação
das empresas brasileiras com embarcações estrangeiras afretadas.
Na cabotagem:73
A definição da política de transporte relativa à cabotagem, leva em conta que
o mercado é restrito às EBN, a procura por transporte é, especialmente no
escoamento da produção agrícola, sazonal e influenciada pelo mercado
internacional de commodities. A frota está envelhecida e com custos operacionais
elevados. O emprego de embarcações estrangeiras afretadas, nos momentos de
pico de procura, é essencial.
O afretamento na Cabotagem (art. 9º) é permitido nas modalidades por
viagem ou por tempo, depende de autorização e só poderá ocorrer nos casos de
inexistência ou indisponibilidade de embarcação de bandeira brasileira do tipo e
porte adequados para o transporte pretendido ou quando em substituição a
embarcações em construção no País, em estaleiro brasileiro, com contrato em
eficácia, enquanto durar a construção, por período máximo de 36 meses, até o limite
da tonelagem de porte bruto contratada.
Excepcionalmente (art. 10), independe de autorização o afretamento de
embarcação estrangeira a casco nu, com suspensão de bandeira, limitado ao dobro
da tonelagem de porte bruto das embarcações, de tipo semelhante, por ela
encomendadas a estaleiro brasileiro instalado no País, com contrato de construção
em eficácia, adicionado de metade da tonelagem de porte bruto das embarcações
brasileiras de sua propriedade, ressalvado o direito ao afretamento de pelo menos
uma embarcação de porte equivalente.
No Apoio Portuário:74
72
O afretamento no Longo Curso e o transporte de carga prescrita são o objeto da Norma da Resolução nº 195-ANTAQ. 73
O afretamento na cabotagem é o objeto da Norma da Resolução nº 193-ANTAQ.
104
No apoio portuário, utiliza-se uma extensa frota (mais de um milhar de
embarcações) pulverizada por todo o país. O mercado, fora em questões pontuais,
não carece de maiores incentivos, o que balizou a política de afretamento.
O emprego de embarcações estrangeiras afretadas é eventual. Assim,
diferentemente do caso da cabotagem, onde independe de autorização o
afretamento de embarcação estrangeira a casco nu, com suspensão de bandeira,
em substituição às encomendadas a estaleiro brasileiro, no apoio portuário o
afretamento a casco nu de embarcação estrangeira depende, sempre, da
circularização (art. 9º).
Apoio Portuário – caso especial: dragagem
A questão da dragagem é um bom exemplo da atuação do governo
regulando uma área sensível e estratégica. Devido a características peculiares, que
assemelham e aproximam a dragagem a obra de engenharia, causando confusão
sobre a qual setor do governo esse serviço estaria subordinado, em 1999 o MT
enquadrou na navegação de apoio portuário a execução dos serviços de dragagem
portuária e hidroviária dos canais de acesso, dos berços de atracação, das bacias
de evolução e de fundeio, até a desobstrução e a regularização da navegabilidade
marítima e hidroviária interior.
No passado, o serviço de dragagem era realizado por empresa estatal, a
Companhia Brasileira de Dragagem – CBD. Ainda dentro da política neoliberal em
voga, a atividade foi privatizada: a CBD foi extinta e suas dragas, vendidas.
Empresas privadas passaram a realizar a atividade antes de responsabilidade da
CBD mas, como os principais clientes eram os portos organizados, administrados
pelas companhias docas, de capital misto, continuou sob forte intervenção do
Estado, a quem cabe a aprovação das verbas destinadas a esse fim.
O contingenciamento, anos seguidos, das verbas governamentais, restringiu
a contratação de dragagens tendo ocorrido, por consequência, assoreamento dos
portos e hidrovias. Com o aquecimento da economia mundial, a necessidade da
movimentação de riquezas, o aumento do porte das embarcações e de seu fluxo, o
início do século trouxe uma enorme demanda pelo serviço de dragagem, o que
74
O afretamento no apoio portuário é o objeto da Norma da Resolução nº 191-ANTAQ, com exceção
da dragagem.
105
determinou uma medida de exceção da ANTAQ, suspendendo a exigência de
circularização, para o afretamento de dragas estrangeiras, até o final de 200775.
Essa medida não provocou o efeito desejado. A demanda por dragas pelo
mundo afora estava aquecida e o custo e prazos de mobilização destas
embarcações dos mercados europeu e asiático tornaram o mercado brasileiro pouco
atrativo.
O Governo, em um último e tardio impulso de sua política
desregulamentadora (ocorreu em 2007), interveio novamente eliminando a reserva
de mercado para as empresas de dragagem76. Essa medida também não teve o
efeito desejado, ao contrário, as duas maiores dragas do país foram vendidas para o
exterior, uma vez que a empresa proprietária passou a ter que concorrer com
megaempresas estrangeiras e decidiu se retirar do mercado. A demanda externa
continuou mais atrativa e o custo de mobilização77 tornou impeditivo trazer dragas
modernas para o Brasil. A solução do problema ficou nas mãos da “providência”: a
crise financeira do final do ano 2008 interrompeu empreendimentos no exterior
tornando disponíveis algumas dragas.
A Lei nº11.610/07 foi substituída pela Lei nº 12.815/2013, a nova “Lei dos
Portos”, a qual, surpreendentemente, manteve a política anterior preservando o
interesse das empresas estrangeiras, que continuam operando livremente no país,
onerando a conta-serviços da balança de pagamentos, desestimulando o
crescimento das empresas brasileiras e restringindo o papel da frota de dragas
nacionais (envelhecidas, obsoletas, mal mantidas) à extinção.78
75
Resolução
nº. 434-ANTAQ.
76 Lei nº11.610/07
77
Custo de mobilização de embarcação – é o custo de armação do navio para adaptá-lo ao serviço para o qual foi afretado acrescido dos custos da viagem até o destino onde será realizado o serviço e
da viagem de retorno a sua sede, após a realização do serviço, e os custos do serviço que deixou de realizar durante o período dessas duas viagens. 78
Lei nº 12.815/2013, que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e
instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários : Art. 54. A dragagem por resultado compreende a contratação de obras de engenharia destinadas ao aprofundamento, alargamento ou expansão de áreas portuárias e de hidrovias, inclusive canais de
navegação, bacias de evolução e de fundeio e berços de atracação, bem como os serviços de sinalização, balizamento, monitoramento ambiental e outros com o objetivo de manter as condições de profundidade e segurança estabelecidas no projeto implantado.
§ 1o As obras ou serviços de dragagem por resultado poderão contemplar mais de um porto, num
mesmo contrato, quando essa medida for mais vantajosa para a administração pública. § 2
o Na contratação de dragagem por resultado, é obrigatória a prestação de garantia pelo
contratado.
106
No Apoio Marítimo79
A navegação de apoio marítimo é fruto da exploração de petróleo na
plataforma continental. A Lei do Petróleo abriu o mercado de exploração a novas
empresas além da Petrobras o que, somado ao aumento do preço internacional do
barril, acelerou a expansão da exploração de petróleo offshore.
O quadro mostra que existe uma forte demanda por embarcações de apoio
marítimo. Cerca da metade da frota tem bandeira estrangeira, muito embora o
mercado seja reservado a empresas e embarcações nacionais. Assim, a política de
afretamentos é similar àquela praticada para a cabotagem.
Fonte: ANTAQ
f) Carga Prescrita e Proteção à Bandeira Brasileira
A carga prescrita é a reservada aos navios de bandeira brasileira. O
Decreto-lei nº 666, de 2 de julho de 1969, Institui a obrigatoriedade de transporte em
navio de bandeira brasileira – a carga prescrita.80
§ 3
o A duração dos contratos de que trata este artigo será de até 10 (dez) anos, improrrogável.
§ 4o As contratações das obras e serviços no âmbito do Programa Nacional de Dragagem Portuária e
Hidroviária II poderão ser feitas por meio de licitações internacionais e utilizar o Regime Diferenciado
de Contratações Públicas, de que trata a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011. § 5o A administração pública poderá contratar empresa para gerenciar e auditar os serviços e obras contratados na forma do caput.
Art. 55. As embarcações destinadas à dragagem sujeitam-se às normas específicas de segurança da navegação estabelecidas pela autoridade marítima e não se submetem ao disposto na Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997. 79
O afretamento no apoio marítimo é o objeto da Norma da Resolução nº 2919-ANTAQ.
107
O transporte pode ser realizado em navio de bandeira estrangeira, afretado
por EBN, quando comprovada a inexistência ou indisponibilidade de embarcações
operadas por empresas brasileiras de navegação, do tipo e porte adequados ao
transporte pretendido, ou quando estas não oferecerem condições de preço e prazo
compatíveis com o mercado internacional. Nesse caso, mediante circularização ou
em substituição a embarcação em construção em estaleiro brasileiro.81
Além do disposto no D.L. nº 666/69, outra fonte de cargas prescritas são os
acordos de divisão de carga firmados com outros países. Esses têm as seguintes
características:
Reciprocidade de Tratamento – Direito de tráfego e atracação mútua,
documentos de tripulantes, certificados de navios, salvamento, etc.
Conflito de Leis de Reserva de Carga – Estende benefício ao Parceiro
Restringir terceiras Bandeiras – Acordos de Pool, estabelecimento de
cotas em Conferências de Frete
Impedir terceiras Bandeiras - Tráfego Fechado. Proíbe armadores não
nacionais (Cone Sul)
O Brasil possui acordos de transporte marítimo com os seguintes países:
Alemanha, Argélia, Argentina, Bulgária, China, Chile, França, Polônia,
Portugal, Romênia, Rússia e Uruguai.
g) Acordos Operacionais
O Acordo Operacional é aquele celebrado entre empresas brasileiras e
estrangeiras de navegação, com o propósito de racionalizar o emprego da frota em
serviços regulares, através da troca de espaços segundo os princípios da
equivalência e reciprocidade, no transporte marítimo internacional de contêineres,
entre embarcações operadas por empresas estrangeiras, e embarcações, próprias
ou afretadas, operadas por empresas brasileiras de navegação. De certa forma, vale
como um afretamento.
80
DL nº666/69 Art. 2º Será feito, obrigatoriamente, em navios de bandeira brasileira, respeitado o
princípio da reciprocidade, o transporte de mercadorias importadas por qualquer órgão da administração pública federal, estadual e municipal, direta ou indireta, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como as importadas com quaisquer favores governamentais e,
ainda, as adquiridas com financiamento, total ou parcial, de estabelecimento oficial de crédito, assim também com financiamentos externos, concedidos a órgãos da administração pública federal , direta ou indireta. 81
Lei 9.432/97, art. 5º, § 3º.
108
O acordo operacional passa a representar uma política de incentivo À EBN
quando homologado pela ANTAQ. Neste caso, os espaços disponibilizados para as
empresas brasileiras participantes de Acordo poderão ser considerados para
bloquear solicitações de afretamento por viagem para transporte de carga prescrita e
as embarcações estrangeiras indicadas a participar no acordo podem ser
empregadas no transporte de cargas entre os países com os quais o Brasil tem
acordos de divisão de carga.82
h) Incentivo à construção naval
A Lei nº 9.432/97, art. 9º e 10, ao permitir o afretamento de embarcação
estrangeira em substituição a embarcações em construção no País, em estaleiro
brasileiro, com contrato em eficácia, enquanto durar a construção, por período
máximo de trinta e seis meses, estabelece uma medida de incentivo à construção
naval no Brasil. No entanto, o maior incentivo está no Fundo de Marinha Mercante
(FMM) e o Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).
O AFRMM nasceu como receita especial, como disposto no Decreto-Lei nº
3.100, de 7 de março de 1941 que criou a Comissão de Marinha Mercante. Ao final
da década de 50, foi instituído o Fundo da Marinha Mercante (FMM), e a receita
especial substituída por Taxa de Renovação da Marinha Mercante (TRMM), com a
figura de adicional ao frete líquido devido, na importação, exportação ou cabotagem,
pelo transporte de qualquer carga.
Em 1966, as operações de exportação foram excluídas da cobrança da taxa;
em dezembro de 1970 a legislação relativa ao Fundo da Marinha Mercante foi
alterada, instituindo-se, para a sua manutenção, recursos decorrentes de “produto
do adicional de frete para renovação da Marinha Mercante”.
Pela legislação em vigor, o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha
Mercante – AFRMM, instituído pelo artigo 1º do Decreto-Lei no 2.404, de 1987,
destina-se a atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao
desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação
naval brasileiras, e constitui fonte básica do FMM.83
82 Tais privilégios fazem com que a ANTAQ tenha incluído requisitos rigorosos para a homologação desses acordos na Norma da Resolução nº 194, que trata do assunto. 83
Art 3º, Lei nº 10.893/04.
109
A Lei nº 10.893, de 13 de julho de 2004, estabelece normas sobre o
Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM e o Fundo da
Marinha Mercante – FMM e, no artigo 5º, determina que o Adicional incide sobre o
frete, que é a remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza
descarregada em porto brasileiro.
A “remuneração do transporte aquaviário”, pelo disposto no parágrafo 1º, do
artigo 5º, é entendida como “a remuneração para o transporte da carga porto a
porto, incluídas todas as despesas portuárias com a manipulação de carga,
constantes do conhecimento de embarque, anteriores e posteriores a esse
transporte, e outras despesas de qualquer natureza a ele pertinentes”. Entende-se
por frete marítimo o preço do serviço prestado pelo armador para o transporte de
mercadorias, de um porto de origem para um destino, recebendo a carga ao costado
do navio, e retirando-a para terra no ponto de destino. 84
Os contratos entre o tomador de serviços de transporte marítimo e o
armador/transportador definem as despesas que podem integrar a cotação do frete,
ou não, por não serem específicas do próprio transporte da carga, que são as
relativas a carregamento, estiva, e descarga no porto de destino, segundo regras
praticadas internacionalmente.
Quanto à destinação dos recursos do FMM, parte é rateada entre as EBN da
cabotagem e da navegação interior, proporcionalmente ao total de fretes por elas
gerado no comércio exterior do País (art. 18), a ser utilizado para a aquisição de
embarcações novas, para uso próprio, jumborização, conversão, modernização,
docagem ou reparação de embarcação própria, inclusive para aquisição e instalação
de equipamentos necessários, quando as obras forem realizadas por estaleiro
brasileiro (art. 19).
A parcela restante dos recursos do FMM é aplicada no financiamento de até
90% (noventa por cento) do valor do projeto aprovado para a construção e demais
obras de embarcação em estaleiro brasileiro, tanto à EBN quanto ao estaleiro
brasileiro, este último podendo utilizá-los, também, para expansão e modernização
de suas instalações ou para construção de novas instalações (art. 26).
84
Direito Marítimo, Leandro Raphael.
110
O FMM tem como agente financeiro o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES e, nas condições fixadas em ato do CDFMM85, os
bancos oficiais federais (art. 29). Também cabe ao CDFMM estabelecer as
prioridades de utilização dos recursos para a realização dos projetos das EBN e
estaleiros.
3 O incentivo à construção naval
A legislação estabelece, claramente, o vínculo da exploração do transporte
por EBN com a construção naval no Brasil, prevendo mecanismos casados de
fomento para uma atividade (transporte) e a outra (construção)86.
A Lei nº 11.196/05, decorrente da Medida Provisória nº 255-D (“MP do
Bem”), estabelece a isenção da contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da
Cofins-Importação ao estaleiro naval brasileiro, no caso de aquisição ou importação
de bens de capital destinados à incorporação ao seu ativo imobilizado para
utilização nas atividades de construção, conservação, modernização, conversão e
reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no Registro Especial
Brasileiro – REB.87
“É setor em que os produtores (estaleiros) observam com grande rivalidade intra-setorial, em
que há baixas barreiras à entrada, em que ocorre alta pressão de fornecedores (aço, equipamentos de
propulsão) e forte poder de barganha de
85
Decreto nº 5.269/2004 - Dispõe sobre a competência, composição e funcionamento do Conselho Diretor do Fundo da Marinha Mercante - CDFMM - órgão colegiado de caráter deliberativo, integrante da estrutura básica do Ministério dos Transportes, tem a finalidade de administrar o Fundo da
Marinha Mercante - FMM, bem assim acompanhar e avaliar a sua aplicação. 86
Lei nº 9.432/97 Art. 9º O afretamento de embarcação estrangeira por viagem ou por tempo, para operar... na navegação de cabotagem... depende de autorização do órgão competente e só poderá
ocorrer nos seguintes casos: I - quando verificada inexistência ou indisponibilidade de embarcação de bandeira brasileira do tipo e porte adequados para o transporte... pretendido;
II - quando verificado interesse público, devidamente justificado; III - quando em substituição a embarcações em construção no País, em estaleiro brasileiro, com contrato em eficácia, enquanto durar a construção, por período máximo de trinta e seis meses, até o
limite... da tonelagem de porte bruto contratada” Art. 10. Independe de autorização o afretamento de embarcação: I - de bandeira brasileira para a navegação... de cabotagem;
III - estrangeira a casco nu, com suspensão de bandeira, para a navegação de cabotagem, . .. limitado ao dobro da tonelagem de porte bruto das embarcações, de tipo semelhante, por ela encomendadas a estaleiro brasileiro instalado no País, com contrato de construção em eficácia, adicionado de
metade da tonelagem de porte bruto das embarcações brasileiras de sua propriedade, ressalvado o direito ao afretamento de pelo menos uma embarcação de porte equivalente. 87
Inciso II, § 3º, art. 13.88
ABDI – Relatório de Acompanhamento Setorial – Construção Naval -
Volume II - junho de 2008.
111
compradores (armadores). É um setor exposto a
forte ciclicalidade e que convive com altos riscos, devido ao amplo lag temporal entre a encomenda e
a entrega do produto, o que provoca grande instabilidade na lucratividade dos estaleiros. ... A demanda por novas embarcações é fortemente
correlacionada com os ciclos de crescimento da economia mundial que, por sua vez, condicionam o
crescimento elástico de fluxos de comércio marítimo.”88
A conjuntura atual. Vemos o seguinte cenário:
Estaleiros antigos – O longo período de “vagas magras” deixou marcas,
cicatrizes que não estão sendo removidas sem muito sacrifício. Alguns fecharam, e
quase todos os outros foram negociados com empresas estrangeiras, se voltando
para a manutenção ou para a indústria “offshore”. Alguns passam por dificuldades
de renegociar dívidas fiscais e trabalhistas, o que leva à impossibilidade de participar
de licitações e prestar serviços ao Estado.
Estaleiros novos – O mercado esteve bastante favorável à participação de
novas empresas, sem passivos fiscais e trabalhistas; e é o que se viu, com a
abertura de estaleiros em Pernambuco – Suape; Rio Grande – RS, salvador – BA,
Navegantes – SC. No entanto, como a construção naval está enormemente
dependente das atividades de exploração do petróleo, esse setor está muito
vulnerável às flutuações do mercado de petróleo e derivados. O que se observa,
com a queda do preço do barril, é uma grande retração no mercado de construção
naval.
4 O Registro da Propriedade Marítima89
O registro da propriedade tem por objeto estabelecer a nacionalidade,
validade, segurança e publicidade da propriedade de embarcações (art. 2º). Com o
registro, a embarcação adquire individualidade jurídica própria, num paralelo com as
pessoas naturais. Passa a ter nome, nacionalidade (bandeira), domicílio (porto de
inscrição) e registro de identificação - “RG” (provisão de registro).
Toda embarcação (exceto a de emprego militar) deve ser inscrita na
Capitania dos Portos ou órgão subordinado, em cuja jurisdição for domiciliado o
88
ABDI – Relatório de Acompanhamento Setorial – Construção Naval - Volume II - junho de 2008. 89
Lei nº 7.652/98.
112
proprietário ou armador ou onde for operar (art. 3º), sendo obrigatório o registro da
propriedade no Tribunal Marítimo, se a embarcação possuir arqueação bruta
superior a cem toneladas, para qualquer modalidade de navegação. Em suma, o
registro de propriedade é realizado no Tribunal Marítimo mas a embarcação,
obrigatoriamente, deve ser inscrita na unidade do Sistema de Segurança do Tráfego
Aquaviário (SSTA) com jurisdição sobre a região onde ela será utilizada.
O proprietário da embarcação pode ser pessoa física ou jurídica. A aquisição
de uma embarcação pode ser feita através de sua construção ou de outro meio
regular em direito permitido, mas a transmissão de sua propriedade, assim como o
registro de direitos reais e de outros ônus que gravem a embarcação, só se
consolida pelo registro no Tribunal Marítimo (art. 4º e 12).
Diversos ônus ou gravames reais podem incidir sobre as embarcações, tais
como:
Hipotecas navais;
Privilégios marítimos; e
Alienação fiduciária.
A Lei estabelece uma distinção entre o armador da embarcação e seu
proprietário. Armador é a pessoa física ou jurídica que, em seu nome e sob sua
responsabilidade, apresta a embarcação para sua utilização com finalidade lucrativa,
pondo-a ou não a navegar por sua conta (art. 16), sendo obrigatório seu registro no
Tribunal Marítimo mesmo quando a atividade for exercida pelo proprietário (art. 15).
O armador é aquele que detém o exclusivo controle da expedição, sob
qualquer modalidade de cessão, embora recebam a embarcação devidamente
aparelhada e tripulada, desde que possuam sobre ela poderes de administração. A
armação, qualquer que seja a sua modalidade, deverá ser averbada à margem do
registro da embarcação e na respectiva Provisão (art. 19).
Para os navios apenas em construção, é viável fazer-se um pré-registro no
REB.90
5 Normas de Direito Comercial
Quanto ao direito comercial, é importante ressaltar os aspectos:
90
Decreto nº 2.256/97, art. 4º.
113
O Contrato de Transporte Marítimo. O Conhecimento de Transporte
A Responsabilidade Civil: abalroações e faltas/avarias de cargas. A
limitação de responsabilidade no Direito Marítimo
As avarias particulares e as avarias grossas
O Seguro Marítimo – Seguro casco e seguro de P&I (Protection and
Indemnity)
a) O Conhecimento de Transporte Marítimo
As empresas de navegação que operam no transporte de cargas emitem
conhecimentos de transporte com denominações distintas, a saber:
Na navegação de longo curso, conhecimento de embarque ou B/L – “Bill
of Lading”
Na navegação de cabotagem, Conhecimento de Transporte Aquaviário de
Carga (CTAC).
O Conhecimento de Transporte Marítimo serve como:
Recibo de mercadorias embarcadas
Documento que prova a existência do contrato de transporte
Título representativo da mercadoria 91
Quando da sua emissão, a descrição da mercadoria no conhecimento deve
ser a mais fiel possível à vista das suas condições no momento do carregamento,
com base nos recibos provisórios de embarque (“mate’s recepts”) e outras ressalvas
opostas na ocasião por quaisquer meios diversos válidos de direito. As ressalvas
podem ser:
Quanto à quantidade embarcada
Quanto à qualidade da mercadoria
Quanto ao seu estado
Quanto à inadequação da embalagem
A não emissão e entrega dos conhecimentos no prazo legal – 24 (vinte e
quatro) horas depois de ultimada a carga – expõe à pena de serem responsáveis por
todos os danos que resultarem do retardamento da viagem, tanto o capitão como os
91
Decreto nº 19.473/30.
114
carregadores que houverem sido remissos na entrega dos mesmos
conhecimentos92, bem como:
Busca e apreensão judicial
Perda da cobertura do seguro
Resgate da Mercadoria
b) Abalroações
Abalroação é o choque de embarcação com outra embarcação. A
abalroação difere da colisão, que é o choque da embarcação com um objeto fixo ou
flutuante diverso de uma embarcação. O assunto é tratado no Código Comercial.
Sendo um navio abalroado por outro, o dano inteiro causado ao navio
abalroado e à sua carga será pago por aquele que tiver causado a abalroação, se
esta tiver acontecido por falta de observância do regulamento do porto, imperícia, ou
negligência do capitão ou da tripulação (art. 749).
Todas as perdas resultantes de abalroação pertencem à classe de avarias
particulares ou simples; excetua-se o único caso em que o navio, para evitar dano
maior de uma abalroação iminente, pica as suas amarras, e abalroa a outro para sua
própria salvação (art. 764). Os danos que o navio ou a carga, neste caso, sofre, são
repartidos pelo navio, frete e carga por avaria grossa (art. 752).
c) Faltas e Avarias de Cargas
A legislação sobre faltas e avarias de cargas visa caracterizar os problemas
físicos-materiais ocorridos com cargas transportadas por via marítima, e definir as
responsabilidades do transportador.
Tudo aquilo (carga/parte do navio) que for alijado (sacrificado) ao mar, em uma aventura marítima, em benefício de todos, para possibilitar que a aventura
chegue ao destino, deve ser pago por todos que chegaram ao destino).93
A Convenção internacional de York-Antuéria (1877) estabeleceu 11 Regras
sobre a questão; nesse mesmo ano foi criado o Comité Maritime Internacional (CMI)
que passou a ser o guardião dessas regras, que tiveram sua última atualização em
2004 – hoje já são 32 regras.
92
Código Comercial Art. 578. 93
Lei do Mar (Rodes – Mediterrâneo – 800 a.C.).
115
O Brasil não é signatário desta Convenção, de modo que o Código
Comercial é que estabelece o regime jurídico tanto para as avarias-danos (problema
físico-material) ao navio ou às cargas, como para as avarias-despesas da operação
de transporte marítimo.
Todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga,
conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde
o embarque e partida até a sua volta e desembarque, são reputadas avarias (art.
761).
As avarias são de duas espécies: avarias grossas ou comuns, e avarias
simples ou particulares. A importância das primeiras é repartida proporcionalmente
entre o navio, seu frete e a carga; e a das segundas é suportada, ou só pelo navio,
ou só pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa (art. 763).
São avarias grossas, entre outras:
Tudo o que se dá ao inimigo, corsário ou pirata por composição ou a título
de resgate do navio e fazendas, conjunta ou separadamente.
As coisas alijadas para salvação comum.
Os danos feitos deliberantemente ao navio para facilitar a evacuação
d’água e os danos acontecidos por esta ocasião à carga.
O tratamento, curativo, sustento e indenizações da gente da tripulação
ferida ou mutilada defendendo o navio.
As soldadas e sustento da tripulação durante arribada forçada.
Custos extraordinários decorrentes de arribada forçada.
Os danos acontecidos ao corpo e quilha do navio, que premeditadamente
se faz varar para prevenir perda total, ou presa do inimigo.
As despesas feitas para pôr a nado o navio encalhado, e toda a
recompensa por serviços extraordinários feitos para prevenir a sua perda
total, ou presa.
E, em geral, os danos causados deliberadamente em caso de perigo ou
desastre imprevisto, e sofridos como consequência imediata destes eventos, bem
como as despesas feitas em iguais circunstâncias, depois de deliberações
motivadas (Art. 509), em bem e salvamento comum do navio e mercadorias, desde a
sua carga e partida até o seu retorno e descarga.
116
São avarias simples e particulares, entre outras:
O dano acontecido à carga por borrasca, presa, naufrágio, ou encalhe
fortuito, durante a viagem, e as despesas feitas para a salvar.
A perda de cabos, amarras, âncoras, causada por borrasca ou outro
acidente do mar.
As despesas de reclamação, sendo o navio e carga reclamadas
separadamente.
O conserto particular de embalagens e as despesas feitas para conservar
os efeitos avariados.
O aumento de frete e despesa de carga e descarga; quando declarado o
navio inavegável, as fazendas são levadas ao lugar do destino por um ou
mais navios.
E, em geral, as despesas feitas e o dano sofrido só pelo navio, ou só pela
carga, durante o tempo dos riscos.
d) A responsabilidade do transportador
A responsabilidade civil no Direito Marítimo segue, como regra, os mesmos
princípios do direito civil em geral, ressalvados alguns assuntos que são regidos por
normas especiais.
As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar
o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar
as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos (art. 754).
Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo
(art. 927). O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado (art. 393).
Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano (art. 945).
6 Normas de Direito Ambiental
Da Constituição Federal:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
117
povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.
§3º - As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
Poluir enseja responsabilidade penal, administrativa e cível (obrigação de
indenizar o dano patrimonial causado).
Há diversas Convenções Internacionais sobre a matéria ambiental em vigor
no Brasil; são exemplos:
MARPOL (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição
causada por Navios – decreto n° 2.508/98)
Dumping Convention (Convenção sobre a Prevenção de Poluição
Marinha por alijamento de Resíduos e outras Matérias – Decreto n°
87.556/82)
OPRC (Convenção Internacional sobre Preparo, Prevenção, Resposta e
Cooperação em caso de Poluição por Óleo – Decreto n° 2.870/98)
As infrações administrativas ambientais, no âmbito federal, encontram
respaldo, fundamentalmente, na Lei n° 9.605/98 (intitulada Lei de Crimes
Ambientais, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente) e no Decreto n° 6.514/2008, de 22
de julho de 2008, que revogou o Decreto n° 3.179/99 e as principais situações de
poluição decorrente de incidentes com embarcações estão determinadas citado
decreto, acrescidas das disposições da Lei nº 9.966/00 (“Lei do Óleo”) que
estabelecem, de forma complementar, princípios básicos na movimentação de óleo
e outras substâncias nocivas ou perigosas em portos, instalações portuárias, navios
e plataformas.
Os incidentes são averiguados pela Capitania dos Portos94 e o culpado é
passível de penalidades:
Multa;
94
Arts. 70/76 da Lei n° 9.605/98.
118
suspensão de atividade; e
restrição de direitos (suspensão/cancelamento de registro, licença,
permissão ou autorização; restrição/ perda de incentivos ou benefícios fiscais;
restrições de financiamentos oficiais; e proibições de contratar com a Administração
Pública).
Também a ANTAQ tem atribuições na área do meio ambiente, dentro da
esfera de sua competência95.
O dano ao próprio meio ambiente e o dano causado ao patrimônio e
terceiros são prejuízos indenizáveis. A responsabilidade é objetiva (independe da
existência de culpa), bastando identificar o vínculo entre o dano e a atividade que
gera risco ambiental, responsabilizando o respectivo empreendedor. É a chamada
“teoria do risco integral” baseada no princípio do “poluidor pagador”96. Está em vigor
no país a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos
Causados por Poluição por Óleo, Bruxelas 1969 – CLC/69 (Decreto no 79.437/77).
Contempla a limitação da responsabilidade como contrapartida da responsabilização
do proprietário da embarcação (mesmo estando o navio afretado a casco nu a
terceiros) e da prestação de garantia financeira para poder trafegar.
No aspecto criminal, as situações possíveis de caracterizarem crime
ambiental são as previstas nos artigos 54 e 60 da Lei nº 9.605/98, que dispõe sobre
as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente. A responsabilidade é subjetiva - depende da existência de dolo ou
culpa.
Estão sujeitas a processo penal:
Pessoas físicas: quem concorre para o fato, bem como o diretor,
administrador, membro do conselho e do órgão técnico, auditor, gerente
preposto ou mandatário, que deixar de evitar o crime quando podia para
evitá-lo (art. 2º)
Pessoas jurídicas: quando a infração for cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou seu órgão colegiado no interesse ou
benefício da entidade (art. 3º)
95
Art. 11, inciso V e art. 12, inciso V da Lei n° 10.233/01. 96
Art. 14, § 1° da Lei 6.938/81.
119
As penas aplicáveis (art. 21) são:
Multa;
Restrição de direitos (suspensão de atividades, interdição de
estabelecimento e proibição de contratar com o Poder Público); e
Prestação de serviços à comunidade (custeio de programas/projetos
ambientais, recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços
públicos, contribuições a entidades públicas).
O dano econômico a terceiros é quantificável da mesma forma que as
demais espécies de danos patrimoniais. Extremamente problemático é, contudo, o
dano ao meio-ambiente em si, aquele subsistente após as medidas de combate à
poluição (controle da emissão de poluente e limpeza dos resíduos poluidores), por
não poder ser associado a um custo comercial e ser, por vezes, não estimável.
120
APÊNDICE F – A ordenação jurídica Internacional
1 Antecedentes
1.1 A importância do tratado de Tordesilhas
Portugal e Espanha foram as duas primeiras nações do mundo ocidental a
se aventurarem em alto mar. Até então, havia um considerável e importante tráfego
marítimo ao longo do litoral europeu, que alcançava o médio oriente e a África
mediterrânea, gerando um rico comércio do qual esses dois países pouco
participavam.
O tratado de Tordesilhas foi um acordo entre nações (Portugal e Espanha)
que dividia entre as elas o ainda não descoberto – mares, terras e suas riquezas. À
época, a Espanha já sabia das descobertas de Colombo e Portugal empreendia
suas travessias à costa da África, vislumbrando a chance de descobrir o acesso
marítimo ao rico comércio do Oriente.
O Tratado de Tordesilhas - (Também chamado de Partição do Mar Oceano)
Como se sabe, o Tratado partilhava terras descobertas pelos navegantes;
traçava uma linha imaginária a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde - as descobertas
a leste dessa linha ficariam para Portugal e as encontradas a oeste, para a Espanha.
121
Assinado em 7/6/1494, trata-se de um acordo bilateral ratificado pela Espanha em
Arévalo (em 2/7/1494) e por Portugal em Setúbal (em 5/9/1494).
Como ato formal, de um acordo entre Nações, possuía as características
exigíveis à época, muito similares às praticadas atualmente - qualificação das partes,
descrição clara de seu objeto, definição de obrigações e direitos, homologação por
autoridade reconhecida, publicidade, etc.
A abertura dessa nova fronteira tinha um enorme potencial e aos dois países
interessava garantir a propriedade do que viessem a descobrir incluindo, aí, o direito
exclusivo de exploração de terras e de vias de navegação. Para possuir
reconhecimento internacional, o acordo precisava ser homologado por uma
autoridade reconhecida - a Igreja -, que o sancionou por meio da Bula “Ea, quae pro
bono pacis”, do Papa Júlio II, de 26 de janeiro de 1506. Mesmo assim, as demais
nações marítimas europeias manifestaram seu desacordo - Francisco I, monarca
Francês, questionando a autoridade da Igreja de legitimar um ato da justiça dos
homens, não da justiça de Deus, ironicamente argumentou com um diplomata
espanhol que gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que o afastara da
partilha do mundo. Em pouco tempo, embarcações holandesas e inglesas passaram
a explorar a navegação no Atlântico e frequentar a nossa costa, em especial atrás
do pau-brasil.
Para Portugal, o controle do tráfego no Atlântico Sul era vital. Portanto, era
necessário que seus navios exercessem esse controle com rigor, policiando as vias
navegáveis e atacando ferozmente as embarcações de outras nações que lá se
aventurassem. Esses atos deveriam ser reconhecidos internacionalmente como
legítimos. No entanto, se tratava de algo novo – a exploração de vias oceânicas!
Fez-se necessário estabelecer um novo conceito jurídico de direito dos
mares prevalecendo, inicialmente, o conceito conhecido como “mare clausum” onde
aos mares dava-se o mesmo reconhecimento dado aos territórios quanto à
propriedade, ou seja, pertenciam a quem os controlava..
Em 1603, o apresamento na Ásia de um navio português por um
comandante holandês gerou um amplo debate em cortes internacionais sobre o uso
e a propriedade dos mares. A Companhia Holandesa das Índias Orientais contratou
os serviços de um pouco conhecido advogado - Hugo Gröutius – que formulou o que
122
veio a ser conhecido como o Princípio das Liberdades dos Mares - DE MARE
LIBERUM, peça publicada anonimamente em 1609, que defendia a
internacionalidade das águas oceânicas97.
Gröutius defendia que devido à imensidade dos oceanos, à inexistência de
limites estabelecidos de territoriedade sobre eles e o direito das nações de manter
linhas de acesso e de comunicação entre elas, nenhuma nação poderia restringir a
passagem de embarcações em águas abertas. A Inglaterra contrapôs através da
obra "Mare clausum" (John Selden – 1635) cuja tese residia no conceito de que o
mar era equiparado a um território continental e, como tal, podia ser conquistado.
A partir de então dominou os tribunais internacionais a necessidade de ser
estabelecido um limite territorial para as águas costeiras, aquelas sobre as quais o
país teria soberania.
Holandeses e ingleses passaram a liderar as discussões a respeito do direito
de uso dos mares até que, na virada do século XVIII o jurista holandês Cornelius van
Bynkershoek formulou seu trabalho "De dominio maris" (1702), onde propôs que o
mar deveria ser dividido em "mar proximal" e "mar distal" e que a definição do mar
territorial poderia ser do limite de alcance máximo dos canhões em terra. 98
Muitos consideram que a publicação do texto com as idéias de Gröutius a
respeito do direito das nações ao uso do mar (1609), é o ponto de partida da atual
política internacional sobre os direitos dos mar. No entanto, o fato que deu origem a
toda essa nova vertente do Direito Marítimo ocorreu 100 anos antes: a assinatura do
tratado de Tordesilhas, que vigorou por mais de dois séculos e meio. Foi
formalmente revogado apenas em 1750.99
97
http://www.abrapat.org.br/forum/esp_mar_1.html - Em 1603 o navio mercante português "Santa Catarina" foi capturado em alto-mar, ao largo de Singapura, pelo capitão holandês Jacob Van
Heemskerk, então a serviço da Companhia Holandesa das Índias Orientais. O feito gerou protestos internacionais, e até mesmo nos Países Baixos. Para defender-se, os representantes da companhia procuraram o jovem e renomado jurista Hugo Grotius.
98 Wikipédia - Na controvérsia gerada pelo conflito entre estas duas visões (“mare liberum” e “mare
clausum”), os estados marítimos acabariam por moderar as suas exigências de domínio marítimo, baseando-se no princípio de que o território se estendia para o largo a partir de terra. Uma base sustentável foi encontrada, restringindo o domínio marítimo até à distância em que um tiro de canhão
seria capaz de defendê-lo. Este seria universalmente adotado e estabelecido no limite das três milhas marítimas da costa. 99
Jorge Couto, coletânea “A Abertura dos Portos”, pp 315: O Tratado dos Limites, assinado em 14 de
janeiro de 1750..., revogava formalmente todas as cláusulas referentes a domínios ultramarinos
123
1.2 A evolução do Direito Internacional Marítimo
Em 1651, durante a gestão de Cromwell, é promulgado o “Ato de
Navegação” (Navigation Act), uma atitude unilateral onde Inglaterra impõe seu
domínio dos mares que durou séculos. Por meio dele, se restringiu aos navios
ingleses todo o tráfego entre o Reino Unido e suas colônias, assim como, no
comércio com as demais nações europeias independentes, determina a divisão igual
entre as frotas dos dois países. O Ato de Navegação vigorou até 1849.
Já sob nova ordem mundial, quando os Estados unidos assumem a posição
de potência econômica mundial, esses publicam o “Jones Act” (1920), proposto e
defendido pelo senador Wesley Jones, motivado por conceitos nacionalistas
decorrentes das dificuldades da 1º Guerra Mundial. Tem quatro vertentes principais:
a) A formação de uma marinha mercante forte, bem estruturada, capaz de
suprir as necessidades estratégicas do país tanto em tempos de guerra
quanto de paz100;
b) Indústria de construção e reparação navais bem aparelhada, com mão-
de-obra de excelente formação, sendo restringido o uso de peças e
assessoria estrangeiras;
c) A prescrição de cargas a navios de proprietários norte-americanos101; e
d) A proteção dos tripulantes norte-americanos102.
É uma política protecionista, imposta de forma unilateral, que balizou a
política dos demais países com transporte aquaviário e construção naval
expressivos ou com pretenções a sê-lo.
constantes dos acordos anteriormente firmados pelas duas potências ibéricas, nomeadamente os tratados de Tordesilhas (1494), de Lisboa (1671), de Utrecht (1715) e o acordo de Saragoça (1529). 100
Jones Act - A navegação de cabotagem deve ser realizada por embarcações construídas e
registradas nos EUA, utilizando preferencialmente mão-de-obra de cidadão americano e suprida preferencialmente por fornecedores norte-americanos, de propriedade de cidadão americano, cuja tripulação seja formada por, ao menos, 75% de cidadãos norte-americanos. 101
Jones Act – “Nenhuma mercadoria, incluindo aquelas pertencentes ao governo dos Estados Unidos ou de um estado, poderá ser transportada por água ou por terra e por água, sob pena de aplicação de multa ou de arresto da mercadoria, entre portos dos Estados Unidos, incluindo distritos,
territórios e suas possessões, abrangidos pelas leis costeiras, diretamente ou através de um porto estrangeiro, ou qualquer parte do transporte em navio que não seja construído e registrado nas leis dos Estados Unidos e pertencentes a pessoas que não sejam cidadãos dos Estados Unidos”. 102
Jones Act - Criou benefícios extremamente abrangentes para a tripulação: qualquer marinheiro que está acidentado em viagem tem direito à tratamento e cuidados médicos a serem providos pelo armador (empregador), que será responsabilizado e deverá indenizar danos causados por
negligência por parte dos proprietários do navio ou outros membros da tripulação.
124
2 Mecanismos de Proteção
Em reação à política unilateral dos EUA de proteção à sua navegação, os
demais países também passaram a praticar Mecanismos de Proteção103 em defesa
de interesses estratégicos ou logísticos, fomento de emprego ou para manter
equilíbrio da Balança de Pagamentos, universalizando esses mecanismos, que tem,
como principais agentes:
Proteção de mercado
Tolerância ao registro de embarcações em bandeiras de conveniência
Proteção à Cabotagem
Auxílio financeiro (financiamentos, condições fiscais privilegiadas,
subsídios)
A seguir, se tece considerações a respeito de cada um desses tópicos.
a) A proteção de mercado
Historicamente, o primeiro mecanismo de proteção de mercado praticado no
Brasil foi o Pacto Colonial, onde toda mercadoria traficada de/para a colônia deveria,
obrigatoriamente, passar por portos portugueses. Com a evolução das discussões
sobre o direito internacional e, posteriormente, a derrocada da estrutura colonialista,
passou-se a seguir o modelo do acordo Reino Unido/Calcutá (1875), um acordo
103
Tipos de subsídios: 1) Subsídios à Construção – fundos e verbas para operações em andamento, reestruturação e
produção, crédito para sucateamento e entrega do navio como parte do pagamento, e programas de taxa cambial; 2) Programas de Financiamento – empréstimos a taxas reduzidas e garantias de empréstimos para
estaleiros, tomados por estaleiro ou diretamente pelo comprador do navio, por meio de governos ou instituições afins; 3) Acordos Bilaterais
4) Créditos à Exportação 5) Depreciação e Taxas com Beneficiamento 6) Tratamento Fiscal Diferenciado Mediante Redução de Impostos
7) Empresa de Navegação Governamental 8) Reserva de Cabotagem 9) Auxílio à Pesquisa e Desenvolvimento
10) Reserva de Carga e Preferência de Bandeira 11) Subsídios Operacionais 12) Auxílio Seguro Marítimo
13) Auxílio à Construção e Sucateamento 14) Programas Sociais ou Econômicos 15) Registros Abertos / Segundo Registro
16) Auxílio de Reestruturação
125
bilateral, dando início ao que se chamou “Conferências de Fretes”104. Esse acordo
surgiu sob os efeitos da evolução tecnológica que introduziu a propulsão a vapor, o
que alterou significativamente os parâmetros de transporte. Isso determinou a
firmatura desse acordo, estabelecendo limites para cargas e fretes e dando início a
uma nova prática que perdurou por mais de um século, chegando a haver mais de
300 conferências de frete pelo mundo, hoje a prática se rege por regras da OMC.
A prática restritiva da proteção de mercado pode ter caráter ”fechado”,
atendendo interesses de uma única nação, ou “aberto”, favorecendo um bloco de
nações. Como exemplo, temos:
EUA promulgam seu “Shipping Act” (1916/1984), por meio do qual
reconhecem o sistema e a excepcionalidade da lei anti-cartel americana,
bem como o registro de tarifas na FMC (Federal Maritime Commission) –
Prática fechada
A União Europeia, no Tratado de Roma (1957), estabelece a
excepcionalidade das Regras anti-cartel da U. E., o “Shippers’ Council” –
Prática aberta
A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD) 105 é um fórum permanente de discussão de questões econômicas. Criou,
em 1974, o Código de Conduta para as Conferências de Frete originando princípios
que visam a estabilidade de tarifas e a participação de terceiras bandeiras nos
acordos bilaterais, onde os dois países diretamente envolvidos no tráfego tem o
104
Lacerda, Sander Magalhães, REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 21, P. 209-232, JUN. 2004, Transporte Marítimo de Longo Curso no Brasil e no Mundo. 105 <http://eduquenet.net/unctad.htm>, acessado em 15/06/2015 - Criada em 1964, a Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD/CNUCED) é um órgão permanente da Assembleia Geral das Nações Unidas e conta com a participação de 188 Estados-membros (março
2000). Contribui para a redução dos desequilíbrios e das desigualdades na economia mundial, designadamente através do comércio internacional, o qual constitui, para esta Organização, um importante instrumento ao serviço do crescimento econômico especialmente nos países em vias de
desenvolvimento (PVD). Os trabalhos da UNCTAD têm especial incidência nas seguintes áreas: análise do impacto dos acordos da OMC relacionados com o comércio e o desenvolvimento econômico, especialmente nos
PVD, e a contribuição para a expansão do comércio internacional, sobretudo entre os PVD e outros países com níveis mais baixos de desenvolvimento. Desde a sua formação, a UNCTAD tem vindo a ocupar-se de um conjunto diversificado de temas, tais
como a política comercial (que inclui áreas como a concorrência, o ambiente e os serviços) os produtos de base (café, madeira tropical, e açúcar, entre outros), a eficácia comercial (v.g., harmonização dos procedimentos alfandegários, estabelecimento de pontos de contato – "Trade
Points"), e questões macroeconômicas e financeiras.
126
direto a 40%, cada, dos fretes decorrentes, enquanto que os 20% restantes ficam
disponíveis para terceiras bandeiras, chamados “outsiders”.
b) Bandeiras de Conveniência
No pós 1ª Guerra (1919), os EUA emergiram como potência mundial, mas
ainda necessitados de estimular sua economia, voltaram-se para adotar medidas de
redução dos custos logísticos de transporte, atacando as parcelas que mais incidem
no custo do frete. A solução adotada foi de permitir o registro de embarcações
americanas em países de menor expressão econômica – no caso, Panamá, a partir
de 1919, e Libéria, desde 1940 -, onde as exigências tributárias e os custos sociais
eram significativamente menores, mesmo que, com isso, tenha vindo a ocorrer a
perda do vínculo substancial com o país de origem, a queda dos padrões de
segurança das embarcações e tripulações socialmente desamparadas.
Tal decisão causou a adoção de política similar pelas demais nações
detentoras de grandes frotas, tais como Holanda e Inglaterra. Mais tarde, quando o
custo do combustível passou a pesar significativamente na composição do frete,
logo após a crise do petróleo (anos 1970), a prática se universalizou. Essas medidas
se mostram eficientes no seu intuito de baratear custos operacionais, principalmente
os referentes aos salários dos tripulantes. Ocorreu, então, uma corrida das
empresas com grandes frotas de longo curso para as bandeiras de conveniência,
agora como política interna de cada corporação.
Em reação a essa debandada, e temendo o risco de perdas estratégicas e
de receitas em decorrência de não mais deter o controle sobre as frotas, alguns
países adotam uma política alternativa de incentivo ao retorno dos navios à bandeira
nacional, qual seja a criação de registros especiais ou Segundo Registro, onde
benefícios eram concedidos na condição de o proprietário do navio realizar a
suspensão da bandeira original de registro e adoção temporária de outra bandeira.
Foi o caso da Noruega – NIS, Dinamarca – DIS, Espanha – CSR, França – FIS,
Portugal – Madeira, Alemanha – GIS, Luxemburgo e, até mesmo, o Brasil, com o
seu Registro Especial Brasileiro– REB.
O quadro a seguir resume a situação descrita:
127
Fonte: ANTAQ
No entanto, o esforço dos países de forte referência marítima de
reconquistar as frotas para suas áreas de influência, não vem surtindo o efeito
desejado, como mostra o gráfico abaixo, onde se verifica a tendência de crescimento
do número de navios sob regime de bandeira de conveniência.
Fonte: ANTAQ
c) Proteção à Cabotagem
A reserva de mercado na navegação de cabotagem é praticada por diversos
países com tradição marítima. Sua aplicação é solidamente respaldada por questões
estratégicas e aceita, internacionalmente, já há séculos. No Brasil, remonta ao Pacto
Colonial e, mais tarde (1816, 1891 e 1997) foi motivo de legislação específica.
128
Como já relatado, nos EUA a cabotagem é restrita a empresas americanas,
empregando embarcações construídas e registradas no próprio país (“Jones Act”), e
a Comunidade Européia também protege a navegação entre os Estados-Parte.106
Murillo Barbosa, diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários –
ANTAQ, sita107 o levantamento realizado pelo US Department of Transportation –
Maritime Administration (MARAD), em 1987108, onde, no universo 56 países
pesquisados, que preencheram um ou mais dos seguintes critérios:
Frota oceânica com no mínimo 50 embarcações com mais de 1000 TPB;
Litoral aberto para águas internacionais;
Governo estável sem existência de conflitos armados; e
Interesse comercial ou político dos EUA.
Praticam privilégios109:
40 países – Cabotagem restrita a navios nacionais
17 países – subsídios diretos em favor da frota nacional
13 países – subsídios indiretos
43 países – restrições sobre a composição das tripulações
37 países – restrições sobre a propriedade das embarcações
3 A Legislação Internacional
A discussão política do direito do mar nos diversos fóruns internacionais se
consubstancia na forma de convenções. Estas convenções necessitam ser
aprovadas no legislativo de cada nação e atingir um quórum mínimo de aprovações
para que entre em vigor. A partir de então, os países membros da Convenção se
obrigam a fazer cumprir suas determinações. São relacionadas, a seguir, as
convenções mais importantes:
106
Regulamento CCE nº 3577/92 do Conselho da Comunidade Européia. 107
1º Seminário sobre o Desenvolvimento da Navegação de Cabotagem Brasileira (Agosto/2009). 108
Revalidado em 2004, e citado na Avaliação da Política Marítima dos EUA para os próximos 30
anos (07/01/2009). 109
Argumentação:
“to develop a merchant marine”
“to give preference to labor and national industry”
“to generate employment for nationals”
“to support national security”
“to protect the domestic economy”
129
a) CNUDM - Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar -
promulgada pelo Decreto nº 99.165/90, em vigor em 1994
b) Convenção em matéria de abalroamento - Decreto nº 10.773/14
c) Convenção sobre limitação de responsabilidade de proprietários de
embarcações marítimas - Decreto nº 350/35
d) Convenção em matéria de privilégios e hipotecas marítimas (parte) -
Decreto nº 351/35)
e) Acordo do Mercosul de alcance parcial para a facilitação do transporte
multimodal - Decreto nº1.563/95
f) Convenção para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS-74) -
Decreto nº 87.186/82
g) Regras Internacionais para Evitar o Abalroamento no Mar (RIPEAM) -
Decreto nº 80.068/77
h) Acordo de Viña Del Mar (matéria de Controle de Estado do Porto)
i) Convenção sobre Responsabilidade Civil em danos por Poluição por Óleo
(CLC-69) - Decreto nº 79.437/77
j) Convenção sobre Prevenção da Poluição no Mar (MARPOL) - Decreto nº
2.508/98
k) Convenção sobre Preparo, Prevenção, Resposta e Cooperação em caso
de Poluição por Óleo - Decreto nº 2.870/98
l) Convenção sobre a Prevenção Marinha por Alijamento de Resíduos e
Outras Matérias (Londres-72) - Decreto nº 87.566/82
m)Convenção de Arresto de Embarcações - somente assinada, ainda não
ratificada - não está em vigor no Brasil
n) Convenção para a Supressão dos Atos Ilícitos de Violência contra a
Segurança da Navegação Marítima, Roma, 1998 (SUA) - não está em
vigor no Brasil
Há, ainda, convenções internacionais que tratam do transporte de cargas;
são elas:
Regras de Haia (“Hage Rules”)
Regras de Haia Visby (“Hage-Visby Rules”)
Regras de Hamburgo (“Hamburg rules”)
130
As Regras de Haia, complementadas pelas de Haia Visby, limitam as
responsabilidades dos transportadores (nos casos de falha náutica, incêndio,
perigos do mar, embalagem inadequada, atrasos, etc.); por isso, foram ratificadas
em geral por países com grandes frotas. Já as regras de Hamburgo incluem o
conceito de culpa presumida do transportador e indenização por atraso na entrega.
Foram ratificadas por países de menor participação no transporte marítimo. No
Brasil, estas convenções não estão em vigor e adota-se o Código Comercial.
4 O Regime jurídico dos Mares
A carência de um arcabouço jurídico universal tratando do Direito marítimo
levou à promoção das Conferências das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,
realizadas em Genebra em 1958 e 1960, das quais foram elaboradas 4 Convenções
sobre:
o mar territorial e a zona contígua;
o alto mar;
a pesca e conservação dos recursos vivos do alto mar; e
a plataforma continental.
Muito embora a aceitação dessas novas convenções não tenha sido
abrangente, com o crescimento das relações econômicas e a evolução tecnológica
que levou a novos patamares a capacidade de exploração dos recursos do mar, elas
serviram para estimular a discussão entre as nações sobre a necessidade de se
chegar a um entendimento sobre o direito internacional marítimo. Amadurecida a
questão, se fez necessário estabelecer o Regime dos Mares (1993): a natureza
jurídica do mar territorial, da zona contígua, da zona econômica exclusiva e da
plataforma continental brasileiros110, realizado a partir da Convenção das Nações
Unidas sobre o direito do mar – CNUDM111, da qual se extrai o texto do Anexo I.
O Brasil, com seu imenso litoral e, praticamente, sem conflitos territoriais
marítimos, se antecipou à Convenção (que entrou em vigor apenas em 1994).
110
Lei n º 8.617/93 - Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros. 111
Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM), assinada por 119 delegações em
Montego Bay (Jamaica), a 10 de dezembro de 1982, que entrou em vigor em 16 de novembro de 1994, e da qual fazem parte 137 Estados. O Brasil ratificou a Convenção em 22 de dezembro de 1988 e a definição de seus limites, de acordo com esta nova Convenção, ocorreu em 4 de janeiro de
1993. Promulgada pelo Decreto nº 99.165/90.
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Essa Convenção estabelece, de modo essencialmente jurídico, que a
largura da ZEE não poderá estender-se além das 200 milhas marítimas (art. 57),
salvo no caso em que a plataforma continental se estenda além das 200 milhas, o
que dá o direito ao Estado costeiro de estender a sua ZEE a até 350 milhas.
Sua delimitação é de fundamental importância, o que levou o Governo
Brasileiro a implementar o Plano de Levantamento da Plataforma Continental
Brasileira (LEPLAC), com o objetivo de determinar, por meio de mapas e
informações pertinentes, incluindo dados geodésicos, que descrevam
permanentemente as fronteiras exteriores da sua plataforma continental, o limite
além das 200 mn, no termos em que a mesma é definida no artigo 76 da CNUDM.
O êxito desse empreendimento possibilitou o reconhecimento da ONU com
respeito à uma extensa área adicional de sua zona econômica exclusiva, levando ao
que foi chamado de “Amazônia Azul”.
ANEXO 1 - Introdução ao texto da Convenção das Nações Unidas sobre o
direito do mar
Os Estados Partes nesta Convenção,
Animados do desejo de solucionar, num espírito de compreensão e
cooperação mútuas, todas as questões relativas ao direito do mar e conscientes do
significado histórico desta Convenção como importante contribuição para a
manutenção da paz, da justiça e do progresso de todos os povos do mundo,
Verificando que os fatos ocorridos desde as Conferências das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, realizadas em Genebra em 1958 e 1960, acentuaram
a necessidade de uma nova Convenção sobre o direito do mar de aceitação geral,
Conscientes de que os problemas do espaço oceânico estão estreitamente
inter-relacionados e devem ser considerados como um todo,
Reconhecendo a conveniência de estabelecer por meio desta Convenção,
com a devida consideração pela soberania de todos os Estados, uma ordem jurídica
para os mares e oceanos que facilite as comunicações internacionais e promova os
usos pacíficos dos mares e oceanos, a utilização equitativa e eficiente dos seus
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recursos, a conservação dos recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação
do meio marinho,
Tendo presente que a consecução destes objetivos contribuirá para o
estabelecimento de uma ordem econômica internacional justa e equitativa que tenha
em conta os interesses e as necessidades da humanidade em geral e, em particular,
os interesses e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento, quer
costeiros quer sem litoral,
Desejando desenvolver pela presente Convenção os princípios consagrados
na resolução 2749 (XXV) de 17 de dezembro de 1970, na qual a Assembléia Geral
das Nações Unidas declarou solenemente, interalia, que os fundos marinhos e
oceânicos e o seu subsolo para além dos limites de jurisdição nacional, bem como
os respectivos recursos são patrimônio comum da humanidade e que a exploração e
o aproveitamento dos mesmos fundos serão feitos em beneficio da humanidade em
geral, independentemente da situação geográfica dos Estados,
Convencidos de que a codificação e o desenvolvimento progressivo do
direito do mar alcançados na presente Convenção contribuirão para o fortalecimento
da paz, da segurança, da cooperação e das relações de amizade entre todas as
nações, de conformidade com os princípios de justiça e igualdade de direitos e
promoverão o progresso econômico e social de todos os povos do mundo, de
acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas, tais como enunciados na
Carta,
Afirmando que as matérias não reguladas pela presente Convenção
continuarão a ser regidas pelas normas e princípios do direito internacional geral,
Acordaram o seguinte...
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