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TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS
CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS: APROXIMAÇÃO
ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA
E A SOCIOLOGIA DISPOSICIONALISTA
Eixo Políticas e Fundamentos
aberta.senad.gov.br
APRESENTAÇÃO
As investigações sobre o uso de crack no Brasil vêm ganhando importância devido aos agravos sociais e sanitários provocados pelo uso da
substância, sobretudo em populações vulneráveis. Este módulo propõe uma visão compreensiva do problema do abuso de crack nas
“cracolândias” brasileiras, a partir de uma aproximação entre a psicopatologia fenomenológica e a sociologia disposicionalista. Utilizou-se
o método fenomenológico para a análise de 74 entrevistas com usuários de crack de seis cidades brasileiras, procurando-se a determinação
de um tipo antropológico essencial geral. A análise fenomenológica centrou-se sobre a temporalidade e a identidade, ambas dimensões
que fundamentam a estrutura pré-reflexiva da existência. A redução da temporalidade ao instante e a necessidade extrema de unificação
da identidade, reafirmando a identidade de classe, caracterizaram o tipo essencial geral dessa população.
Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-
CompartilhaIgual 4.0 Internacional. Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em
http://aberta.senad.gov.br/.
AUTORIA
Guilherme Peres Messas
lattes.cnpq.br/4385703295450760
Psiquiatra formado pela Faculdade de Medicina da USP com mestrado e doutorado pela mesma
instituição e pós-doutorado pelo no Instituto de Psiquiatria da FMUSP. Estudioso dos temas:
psicopatologia fenomenológica, psicopatologia da embriaguez por álcool e drogas, depressão, psicose e
drogas e história da psiquiatria. Atualmente é coordenador do curso de Especialização em Psicopatologia
Fenomenológica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, editor da revista
Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea e Coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do
CREMESP.
Vanessa Marins Amado Henriques
lattes.cnpq.br/6228908741946303
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Publicou,
em coautoria, o artigo “O poder discricionário dos agentes institucionais que lidam com usuários de crack:
invisibilidade de classe e estigma de gênero”, publicado no livro Crack e exclusão social (2016), organizado
por Jessé de Souza.
Leon de Souza Lobo Garcia
lattes.cnpq.br/3561515616362901
Graduado em Medicina com residência em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, doutor em Epidemiologia e Saúde Pública pela University College London. Foi diretor de articulação
e coordenação de políticas da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça
(SENAD-MJ). Tem experiência profissional clínica e didática na área de psiquiatria e de gestão na área de
saúde pública.
Jessé José Freire de Souza
lattes.cnpq.br/0579479554424887
Pós-doutor em Filosofia e Psicanálise pela New School for Social research de Nova Iorque, EUA, e livre
docência em sociologia pela Universität Flensburg, Alemanha. É professor titular de Ciência Política da
Universidade Federal Fluminense. Atualmente é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA).
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
SITUAÇÃO PROBLEMATIZADORA
https://youtu.be/pSz2jUPkCNw
Nos últimos anos, sobretudo na cidade de São Paulo, o problema do uso de crack logrou se tornar tema central dos principais meios de
comunicação e de conversas aflitas travadas cotidianamente por aqueles que, por um motivo ou outro, precisavam trafegar pela região
central do município e se deparavam com uma quantidade expressiva de indivíduos fazendo uso da substância. O problema rapidamente
começou a ser categorizado como “epidemia” pelos veículos de comunicação: o crack começa a ser apresentado como uma pedra cujos
“poderes mágicos” seriam capazes de tragar para o universo das ruas, quase que instantaneamente, os incautos que ousassem
experimentar seus efeitos. Os usuários de crack – não raras vezes designados como “zumbis” ou “mortos-vivos” – são representados pelos
noticiários como seres subtraídos de sua humanidade: a droga teria roubado desses indivíduos parte de sua energia vital, transformando-
os em criaturas movidas pelo único desejo de reinstalar, incessantemente, a intoxicação causada pelo estimulante.
Conformou-se, então, uma ideia geral acerca desse fenômeno social que leva em consideração apenas os efeitos físico-químicos da
substância e que ignora toda uma diversidade de problemáticas que acometem os sujeitos usuários. Diante disso, como podemos refletir
sobre as distintas condições históricas e sociais que propiciam o aumento do fenômeno do uso abusivo de crack, tendo em vista a tríade
sujeitos, contextos e substâncias? Que possibilidades para a compreensão desse fenômeno social deixamos passar ao centrar nossa análise
apenas em um desses aspectos?
Neste módulo, aprofundaremos esses e outros debates à luz das teorias da psicopatologia fenomenológica e da sociologia
disposicionalista.
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
SOBRE A PESQUISA
Este módulo explora os resultados de uma pesquisa nacional, de caráter sociológico, que entrevistou usuários de crack em cenas de uso
brasileiras para investigar a gênese social do uso dessa droga. As entrevistas foram realizadas por cientistas sociais experimentados.
Utilizou-se de entrevistas semiestruturadas, guiadas por questões sobre o uso de crack e os efeitos nele buscados, vida familiar e escolar,
trabalho e relações afetivas. O material foi colhido entre março e novembro de 2014, nas cidades de Fortaleza, Salvador, Brasília, Porto
Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Campos dos Goytacazes, buscando-se usuários que, em sua quase totalidade, encontravam-se em cenas
de uso de crack. Posteriormente, pesquisadores destacaram das transcrições os segmentos vinculados a expressões de experiências
subjetivas de maior valor afetivo e a experiências psicopatológicas.
As experiências psicopatológicas são exemplos extremos do uso da substância, favorecendo a visualização de estruturas de ser. Vivências
afetivas fundamentais para a significação individual biográfica foram captadas por ressonância afetiva, ou seja, pelo modo como os afetos
do entrevistado mobilizaram os do entrevistador , com base no método fenomenológico, que provém da interpessoalidade primária, da
qual entrevistadores, entrevistados e autores, responsáveis pelas reduções, fazem parte inexoravelmente do mesmo mundo .
Contextualmente, foi a partir dos anos 90 do século XX que se começou a identificar um uso pontual de crack no Brasil. Uma pesquisa
recente, realizada nas capitais brasileiras, identificou uma prevalência de uso regular de crack e similares levado a cabo por 0,81% da
população. O padrão de uso mais visível dessa substância assume uma característica inusitada, que vem provocando alarme na sociedade
brasileira. Os usuários de crack concentram-se em regiões específicas de várias cidades, constituindo cenas de uso a céu aberto, nas quais
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se intoxicam diante dos olhos da população. Essas cenas, povoadas em sua maioria por homens entre 18 e 34 anos de idade que fazem
uso de 16 pedras de crack por dia, em média, são muitas vezes chamadas de “cracolândias”, pelo fato do uso continuado de crack parecer
ser o motivo principal da existência dessas associações de pessoas. A dificuldade do poder público em lidar com essa situação, devido, em
parte, à formação social inusitada em que se reproduz, traz para os pesquisadores o desafio de um melhor entendimento desse fenômeno
psicopatológico e social.
Embora o abuso do crack pareça não se restringir às classes desfavorecidas, a investigação epidemiológica mostra que conhecidos
marcadores de exclusão social estão fortemente sobrerrepresentados entre os frequentadores dessas cenas de uso, se comparados com
a população geral brasileira. Dentre esses marcadores, destacam-se a baixa escolaridade e a cor da pele, parda ou negra, autorreferida,
sugerindo uma trajetória de marginalização social que precede o uso de drogas. Somam-se à escolaridade e à cor da pele outros
marcadores de exclusão social presentes, esses já passíveis de terem sido influenciados ou originados pelo uso problemático de droga,
como a falta de moradia e o desemprego ou trabalho precário.
Saiba Mais
Pesquisa Nacional sobre o uso de crack, realizada pelo instituto FioCruz em 2014. Para acessá-la na íntegra, clique neste link
(http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/fiocruz-lanca-livro-digital-da-pesquisa-nacional-sobre-o-uso-de-crack).
Glossário
Ato ou efeito de intoxicar(-se); envenenamento. (INTOXICAÇÃO. In: HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário eletrônico Houaiss da
língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.)
Figura 1: nesta figura constam os principais marcadores sociais dos usuários de crack e suas porcentagens. Fonte: Bastos e Bertoni (2014) adaptado por NUTE-UFSC (2017).
Assim, é nítido que o fenômeno psicopatológico “uso abusivo de crack” apresenta peculiaridades sociais que exigem que sua
investigação se faça a partir de uma análise dialógica da psicopatologia com a sociologia.
Saiba Mais
Do ponto de vista psicopatológico, categorias tão abrangentes quanto as de abuso ou dependência de substâncias são indefinidas
demais para captar as complexidades da questão , já que, por exemplo, valorizam de maneira semelhante um jovem negro de
baixa escolaridade que vive em uma cena de uso e um profissional liberal branco que usa o crack depois do trabalho em sua casa.
Para que se atinja um apuramento das experiências psicopatológicas, deve-se construir uma estratégia que leve em conta a
dimensão sociológica, uma vez que toda experiência psicológica, patológica ou não, apoia-se de formas diversas no corpo social.
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Saiba Mais
Por sua vez, do ponto de vista sociológico, um entendimento estrito das cracolândias como apenas uma das variantes da
marginalização social dos brasileiros pobres e negros vedaria o olhar dos pesquisadores aos significados das experiências
individuais patológicas daqueles que, intoxicando-se ininterruptamente, agravam sua exclusão da cidadania. A aproximação da
psicopatologia com a sociologia pode contribuir para iluminar elementos estruturais desse complexo fenômeno contemporâneo
da sociedade brasileira.
Entretanto, para que essa aproximação entre campos científicos diversos não seja mera justaposição de conhecimentos parciais, incapazes
de estabelecer um diálogo profícuo e investigar as origens profundas de um fenômeno, é necessário que ambos tenham perspectivas
ontológicas e epistemológicas comuns.
Glossário
Ontologia
Segundo o aristotelismo, parte da filosofia que tem por objeto o estudo das propriedades mais gerais do ser, apartada da infinidade
de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral. (ONTOLOGIA. In: HOUAISS, A.;
VILLAR, M. de S. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009).
Epistemologia
Reflexão geral em torno da natureza, etapas e limites do conhecimento humano, esp. nas relações que se estabelecem entre o
sujeito indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades tradicionais do processo cognitivo; teoria do conhecimento.
(EPISTEMOLOGIA. In: HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2009.)
1 MINKOWSKI, E. Le Temps Vécu. Paris: Presses Universitaires de France, 1995.
2 GIORGI, A. The questions of validity in qualitative research. Journal of Phenomenological Psychology, v. 33, n. 1, p. 1-18, 2002.
3 SHAFFER, H. The most important unresolved issue in the addictions: conceptual chaos. Subst Use Misuse, v. 11, n. 32, p. 1573-1580, 1997
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
A CONFLUÊNCIA DA PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA COM A SOCIOLOGIA DISPOSICIONALISTA
A CONFLUÊNCIA DA PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA COM A SOCIOLOGIA DISPOSICIONALISTA
A psicopatologia fenomenológica investiga as condições de possibilidade das vivências conscientes . Seu campo de interesse ultrapassa a
descrição das experiências subjetivas, penetrando em sua estrutura pré-reflexiva intersubjetiva (pagina-03-extra-01-1.html) de
significação, ou seja, explorando as condições, inadvertidas pela consciência, que determinam comportamentos, valores e expectativas na
vida . Essa estrutura pré-reflexiva engloba tanto os fenômenos conscientes quanto os inconscientes. A estrutura psíquica, assim
compreendida, delimita o campo de atuação das disponibilidades individuais e da vontade livre, caracterizando as personalidades e
também as patologias. Assim, para a compreensão antropológica das patologias, mais do que uma investigação sintomatológica , deve-se
investigar a estrutura psíquica a partir das cinco dimensões apresentadas na Figura 2.
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Figura 2: esta imagem ilustra a estrutura psíquica dos sujeitos, a partir de cinco dimensões. Fonte: NUTE-UFSC (2017).
Saiba Mais
Fundamentalmente, a psicopatologia fenomenológica busca compreender a estrutura das vivências psíquicas tais e quais
realmente experimentadas pelos sujeitos. Entre os principais autores, pode-se citar Karl Jaspers, Eugène Minkowski, Ludwig
Binswanger, Erwin Straus e Viktor von Gebsattel. Você pode compreender melhor essa linha teórica clicando aqui
(http://www.fenomenoestrutural.com.br/home).
Fonte: MOREIRA, Virginia. A contribuição de Jaspers, Binswanger, Boss e Tatossian para a psicopatologia fenomenológica. Rev.
abordagem gestalt., Goiânia , v. 17, n. 2, p. 172-184, dez. 2011 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1809-68672011000200008&lng=pt&nrm=iso (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1809-68672011000200008&lng=pt&nrm=iso)>. Acesso em: 18 abr. 2017.
Essas dimensões se dão, em seu aspecto mais profundo, como modificação das relações da existência com o próprio eu, com a alteridade
interpessoal e com o mundo .
De modo análogo, a sociologia disposicionalista busca investigar as condições pressupostas nas quais se fundamenta a realidade social ,
visando esclarecer o comportamento social individual ou coletivo .
Nessa perspectiva, Jessé de Souza, em seu livro A ralé brasileira: quem é e como vive, postulou que a condição social das crianças pobres
brasileiras produz padrões de temporalização psíquica diferentes daqueles das crianças de classe média.
Esses mecanismos pré-reflexivos dificultam as possibilidades de acesso dos pobres às “oportunidades” oferecidas pela sociedade . A
igualdade de oportunidades transforma-se em falácia quando essas oportunidades, de ascensão no sistema educacional ou no mercado
de trabalho, por exemplo, são organizadas a partir de valores e da realidade existencial da classe média, que não necessariamente
conseguem ser incorporadas em suas exigências pelas pessoas em situação de maior vulnerabilidade. Dessa maneira, a diferenciação
social por esses mecanismos pré-reflexivos contribui para a perpetuação transgeracional da desigualdade e, por sua opacidade, permite
que a meritocracia seja usada para justificar privilégios.
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Saiba Mais
A sociologia disposicionalista é uma corrente sociológica que pretende explicar as estruturas que orientam os sujeitos, nos mais
diversos contextos – família, amizades, escola, trabalho, entre outros. O sociólogo Pierre Bourdieu é o principal pensador dessa
teoria. Caso queira saber mais a respeito, leia este artigo (http://www.anpad.org.br/admin/pdf/eneo435.pdf).
Fonte: SÁ, M. G. A Sociologia Disposicionalista e o Homem de Negócios Contemporâneo. In: VI ENCONTRO DE ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS DA ANPAD, 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ANPAD, 2010.
Biografia Autor
Jessé José Freire de Souza
É um pesquisador brasileiro com formação nas áreas de direito e sociologia. Escreveu e organizou diversos livros,
sendo o Brasil e suas diversas características e problemáticas sociais temas bem explorados pelo autor. Ocupou o
cargo de presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015 e atualmente é professor na
Universidade Federal Fluminense.
Fonte: JESSÉ Souza. In: Wikipedia. 2016 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jess%C3%A9_de_Souza). Acesso em 18
abril 2017.
Glossário
Os mecanismos pré-reflexivos podem ser compreendidos como os processos psicológicos primários, que são vividos na
espontaneidade. É a resposta primeira do sujeito frente às exigências do mundo.
Glossário
Sistema de recompensa e/ou promoção (p. ex., num emprego) fundamentado no mérito pessoal. (MERITROCACIA. In: HOUAISS, A.;
VILLAR, M. de S. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009)
Portanto, o interesse pela formação pré-reflexiva da vivência temporal nos indivíduos e grupos sociais é a raiz comum que iremos
explorar no diálogo da psicopatologia com a sociologia para a compreensão das condições que favorecem o uso imoderado do
crack no Brasil.
4 CHARBONNEAU, G. Introduction à la psychopathologie phénoménologique. Tome II. Paris: MJW Fédition, 2010.
de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 61, n. 4, p. 221-226, 2012.
5 TATOSSIAN, A.; MOREIRA V. Clínica do Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia fenomenológica. São Paulo: Editora Escuta, 2012.
6 GOROSTIZA P. R.; MANES, J. A. Misunderstanding psychopathology as medical semiology: an epistemological inquiry. Psychopathology, v. 44, n. 4, p. 205-215,
2011.
7 MOREIRA, V.; BLOC, L. G. O Lebenswelt com fundamento da psicopatologia fenomenológica de Arthur Tatossian. Psicopatologia Fenomenológica
Contemporânea, v. 4, p. 1-14, 2015.
8 BERGER, P. LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1973..
9 BOURDIEU, P. La distinction: critique social du jugement. Paris: Minuit, 1979.
10 SOUZA, J. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
A ESTRUTURA PRÉ-REFLEXIVA INTERSUBJETIVA
A psicopatologia fenomenológica compreende que o psiquismo seja estruturado por categorias fundamentais, como as de tempo, espaço e
intersubjetividade, que condicionam os conteúdos e as significações das experiências que podem ser adquiridas ao longo da vida. Da
mesma forma que é impossível pensar qualquer objeto que não esteja localizado num certo lugar do tempo e do espaço, a própria
consciência está encerrada nessas categorias, que funcionam como seus "quadros móveis" de sustentação.
Essas categorias condicionam a amplitude de possibilidades da existência mesma, incluindo os caminhos de seu desenvolvimento.
Vejamos, por meio de um exemplo, como a intersubjetividade pré-reflexiva ocorre: antes mesmo de sentirmos que somos, já existe uma
presença ativa de um outro determinando e regendo nossas vidas. Um exemplo disso é a relação mãe-bebê. O bebê recém-nascido sequer
é capaz de conhecer a si mesmo, mas já "sabe" que tem uma mãe com quem se relaciona.
Essa estrutura de dimensões fundamentais que orienta a existência regula a produção e as características daquilo que chamamos de
camada vivencial da existência, uma camada composta por sentimentos, pensamentos, sensações e esquemas avaliativos que os
indivíduos efetivamente experimentam. Damos um exemplo aqui, muito ligado aos problemas vivenciados pelos usuários de crack. Uma
estrutura pré-reflexiva na qual o tempo presente é muito mais importante do que os tempos futuro e passado determina que as ideias e
sentimentos que surjam na consciência tenham muito valor presente, mas pouca capacidade de se articular com o passado e com o
futuro. A pessoa pode desejar intensamente ser cantora (um exemplo tirado de uma usuária entrevistada pela pesquisa), mas não dar
nenhum passo para realizar esse desejo. O desejo fica como que "empoçado" no presente, sem nenhuma consequência prática. As duas
camadas, a pré-reflexiva e a vivencial, podem ser compreendidas como condições antropológicas gerais, compartilhadas entre os sujeitos,
sendo a segunda delimitada e “formatada” pela primeira.
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE
A temporalidade vincula-se diretamente com a identidade .11
Esta será entendida aqui como o núcleo de todas as vivências unitárias parciais nas quais se desdobra a existência de um
indivíduo. As vivências unitárias parciais são os papéis sociais da identidade.
Os papéis são uma unidade em si – por exemplo, o papel de pai/mãe ou de enfermeiro/a –, mas, ao mesmo tempo, são apenas
parcializações da unidade identitária. As parcialidades da identidade compreendem um amplo espectro, que vai desde a identidade de
filho até unidades mais amplas, como classe social ou nacionalidade. A capacidade da personalidade singular de se pluralizar em
identidades parciais requer uma condição de possibilidade para sua atualização, a ipseidade . Assim, há uma relação inversamente
proporcional entre ambas. Uma existência com grande capacidade de ipseidade apresenta menor valor relativo de cada identidade parcial
(papel) e, consequentemente, maior capacidade de multiplicação da identidade existencial total.
Glossário
Capacidade da identidade de pluralizar-se em diferentes papéis sociais.
Quando a capacidade de pluralização da identidade for grande, ou seja, quando o indivíduo for capaz de assumir simultaneamente
um leque de papéis, os trajetos biográficos podem abarcar diversas identidades parciais, abrindo-se ao horizonte existencial
renovador da vida.
Mas não apenas a multiplicidade de papéis como também a temporalidade parcial de cada papel social sustentam o vigor existencial. Por
exemplo, um papel profissional estável, com um plano de carreira definido, é capaz de apoiar a identidade como um todo, mantendo sua
temporalidade saudável mesmo na ocorrência de crises em outros papéis, como o conjugal. Em síntese, pode-se dizer que a saúde da
temporalidade biográfica depende da capacidade de pluralização de papéis e da capacidade destes de oferecer temporalidade à
existência. A presença excessiva ou insuficiente dos papéis identitários na totalidade da existência favorece fenômenos
psicopatológicos . 12,13
As condições de existência das classes sociais desfavorecidas em estruturas sociais desiguais fazem com que essas pessoas tenham
uma tendência de vivência da temporalidade mais ancorada no presente. Para quem sobrevive no fio da navalha da miséria,
qualquer acidente de percurso (desemprego, separação conjugal) ameaça a própria sobrevivência. Uma vida sobressaltada e sem
perspectivas aprisiona no presente.
Estudos de psicopatologia fenomenológica com pessoas que abusam de substâncias também encontraram, independentemente da classe
social, uma vivência da temporalidade ancorada no presente, vinculada ao abuso de substâncias .14,15
A fala de uma das entrevistadas da pesquisa é exemplar nesse sentido, pois demonstra sua dificuldade em criar uma narrativa de
reconstrução da própria trajetória no passado, numa linha de causas e efeitos, bem como, consequentemente, sua dificuldade em se
projetar num futuro imaginado, a curto ou a longo prazo:
Você quer saber por que cheguei nessa situação? Nem eu sei. Acho que foi ao acaso. Não sei, é uma fase que eu tô passando, eu não sei se é
provação, não sei, só Deus que sabe, eu não sei, é o acaso que tá acontecendo comigo, eu não tenho tanta inteligência. É só Ele que sabe das
coisas. Ele sabe as peças colocadas em cada... a vida é um tabuleiro de xadrez, Ele sabe qual peça colocar ali dentro. Ele vai mexer nas
peças.
(N. 34 anos)
11 RICOEUR, P. Soi-même comme un autre. Paris: Seuil, 1990.
12 KRAUS, A. Pseudohysterischer Melancholischer. In: SEIDLER G. H. (Org.). Hysterie heute: metamorphosen eines Paradiesvogels. Estugarda: Ferdinand Enke
Verlag, 1996. p. 131-143.
13 TELLENBACH, H. Melancholie: Problemgeschichte Endogenität Typologie Pathogenese Klinik. Berlin: Springer Verlag, 1983.
14 KIMURA, B. Scritti di psicopatologia fenomenologica. Roma: Giovanni Fioriti Editore, 2005.
15 MESSAS, G. A existência fusional e o abuso de crack. Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 124-140, 2015.
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
A ESTRUTURA EXISTENCIAL DA PSICOPATOLOGIA DO CRACK
As descrições subjetivas dos usuários a respeito dos efeitos da substância revelam grande variabilidade, indo da euforia e disposição para o
trabalho até a irritabilidade e agressividade; no entanto, todas têm um fator em comum: a rapidez da redução da consciência ao
instante. É consistente entre os depoimentos que a rapidez com que o crack altera suas consciências é fator fundamental, achado
que sugere uma especificidade da droga .16
Eu gostava de usar cocaína pela sensação que ela dava. De poder e tal. Pra falar com as gurias. Mas a fissura é mais longa. O crack não, o
bagulho é momentâneo. [...] Me subiu adrenalina, me deixou eufórico, sensação de poder, a droga é fogo, cara. O bagulho te satisfaz. Por
isso que deixar é tão difícil.
(G., 25 anos)
O crack tira o sono. E o barato dele vai e vem muito rápido, então tu quer ficar fumando. [...] O crack é diferente da cocaína, porque na
cocaína tu usa a noite inteira, vira, mas chega uma hora que tu não quer mais. E o crack não, tu sempre quer mais. Na cocaína, tu consegue
dormir e acorda enojado da droga. O crack não tem isso. [...] É uma sensação de perfeição. Dura 15 segundos.
(J., 31 anos)
A existência, subjugada ao instante, perderia sua capacidade de individualizar-se no tempo. Se, por um lado, há grande variabilidade
subjetiva nos relatos dos efeitos do crack, as expressões psicopatológicas, por sua vez, confluem todas para uma experiência de
desconforto interpessoal. Em sua maioria, esse desconforto remete a figuras do entorno imediato, com perfis sociais nítidos . Alguns
relatos expressam, por exemplo, o medo de que os parceiros do crack ou a polícia venham violentar-lhes ou, ainda, visões de vultos ou
vozes, que o próprio usuário atribui ao crack.
17
https://youtu.be/wI7-lveu4RI
O crack faz os seus piores medos... Imagine um filme de suspense, aquele terror, tipo o assassino vai entrar com uma faca pela porta,
entendeu? Quando você usa crack, você fica sentindo isso o tempo todo... Os seus piores medos vêm à realidade... Isso aqui que é a
realidade, porque agora eu tô com a mente sã, eu tô sem usar droga, mas quando você usa crack essa realidade aqui para de existir. Tudo
fica sinistro, tudo fica suspeito, você se torna uma pessoa muito perigosa, muito perigosa…
(J., 33 anos)
Uma nova redução fenomenológica desses achados identifica três condições de possibilidades homogêneas entre as experiências, as quais
estão descritas a seguir.
Elevação da materialidade vivida
Esta é a primeira delas. Reduzida a temporalidade, a espacialidade primária das vivências tende a intensificar-se . Essa intensificação
é tal que promove conjuntamente a compressão da materialidade . A expressão psicopatológica disso são as alucinações auditivas ou
visuais, desacompanhadas de delírios (com exceção dos delírios transitórios de perseguição, discutidos abaixo). A fala de um dos
usuários de crack entrevistados consegue ilustrar como o momento pós-intoxicação promove a impressão de que suas sensações
ganham aspecto de solidez:
Quando eleva-se a materialidade, uma das expressões psicopatológicas mais básicas é a sensação de que o som da rua invade o
ouvido, como se o som fosse mais sólido. São frequentes os relatos de ruídos na cabeça que o sujeito não consegue afastar, ou a
sensação de que há bichos sob a pele. Nesse momento, a "neutralidade" do corpo é perdida; não há experiência de tempo e todo o
corpo se movimenta.
No fragmento destacado acima, vale ressaltar como o sujeito mantém o juízo da realidade. O entrevistado em questão tem noção de
que suas visões não são reais. Trata-se, portanto, da vivência de uma “hiper-realidade”. Assim, vivenciar a sensação de materialidade
elevada não é o mesmo que "enlouquecer".
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No início, né, era uma euforia... Era uma euforia... Eu que já falava muito, muito dado à fala, despencava a falar assim, de uma tal
forma, descontrolada... mas... com o tempo, isso foi mudando... Da euforia, passou pra... Era uma coisa assim, de..., meio
inexplicável, assim... Como eu vou dizer? Tô querendo achar a palavra certa pra isso... Era como se você sentisse a compulsão... tátil!
Sabe, como você pegar a compulsão e não conseguir largar ela? Eu quero, pronto e acabou, eu vou dar meu jeito de conseguir, não
importa se é assim ou daquele jeito, sabe.
(M., 37 anos, usa crack há 21 anos.)
A minha audição fica bem mais ativa. O corpo fica, os nervos agitados. E a pessoa fica alucinada. Tu não tem noção de nada. Eu via
coisas.” [...] Qualquer barulho incomoda. O crack ataca muito a audição.
(O., 35 anos)
Mano, eu já vi até bicho. Eu já vi até bicho, eu já vi monstro, eu já vi os cara me matando... Mas isso nunca aconteceu, tá ligada? Mas
eu já vi todo tipo de coisa que você imaginar, eu já vi, mano.
(H., 19 anos)
Eu ouço vozes, olho pro lado, parece que tem alguém me cuidando, um espírito, uma mulher com uma roupa branca, as vezes é uns
enxu na minha volta, eu vejo eles todos na minha volta. Só que não é que eu vejo, é alucinação da droga. Se tem uma pessoa
conversando contigo, você já pensa que a pessoa quer brigar, quer te avançar. Mas tudo isso é a ira da droga.
(A., 22 anos)
Estreitamento identitário
Relacionado à materialidade elevada, essa condição é reveladora de aumento da solidez do real perceptual, estende-se igualmente à
identidade, provocando um estreitamento identitário. A expressão psicopatológica do estreitamento identitário é visível nas
experiências persecutórias, já que estas nascem da redução do leque das alternativas da presença inter-humana a seu papel, real e
frequente, de perseguidor. Aqueles que objetivamente assediam a consciência individual em seu cotidiano – a família, a polícia –
passam agora a sitiá-la também na ausência física do perseguidor . As identidades pessoais e interpessoais possíveis dentro do corpo
familiar ou social ficam restritas àquelas que não apenas o cercam de todos os lados, como também enfatizam os valores da
sociedade, em sua condenação do uso da substância. É constante a queixa dos usuários de serem sentidos como lixo social. O
estreitamento identitário, gerando a incapacidade de renovação existencial, favorece também a presença frequente de depressão e de
intenções suicidas nos relatos .
20
21
https://youtu.be/8WhVOMjI65E
Eu não tenho nada a perder. Eu não tenho nada. Eu não tenho dignidade, eu não tenho família, entendeu? É só eu por mim. Só eu
por mim. Só eu com os meus problemas, entendeu? Daqui eu posso piorar, é facinho pra eu piorar (estala os dedos). Pra melhorar
que é difícil.
(J., 33 anos)
Submissão ao social
Destaca-se que a posição básica dos usuários em suas relações com o entrevistador foi a de sintonia integral com as significações
sociais pré-reflexivas, deixando, na maioria das vezes, a impressão de que o usuário relata aquilo que imagina que dele se espera. A
identidade de usuário de crack é assumida integralmente pelo entrevistado, enrijecendo especularmente a identidade do
entrevistador. A esse movimento chamamos de submissão ao social. A excessiva aproximação do social reduz os usuários à
obediência à prescrição rígida e definitiva de condutas e identidades, deixando à existência duas alternativas: aderir a ele
incondicionalmente ou permanecer em dívida com relação a suas prescrições. Há, assim, uma direta vinculação entre as frequentes
experiências de culpa dos usuários e sua submissão ao social, mesmo naqueles que não se sentem deprimidos e até exaltam a vivência
da marginalidade.
https://youtu.be/8jz4Rh6koYQ
(http://youtu.be/watch=0000/)
Pra eu estar aqui também é porque eu não sou flor que se cheire. Essa que é a grande verdade. Mas sinceramente me arrependo de
muitas coisas que eu fiz, principalmente de envolvimento com drogas e de não ter ouvido meus pais. Não ter ouvido meus pais…
(J. 33 anos)
https://youtu.be/ZdXkzjfrrpI
Amo muito meu filho. Me sinto muito incapacitado, me sinto muito derrubado como homem em relação a não poder estar com meu
filho, eu fico envergonhado. Eu morro de vergonha, morro de medo, se, por exemplo, eu não tenho medo de polícia eu não tenho
medo de nada, eu morro de medo de algum parente meu entrar por essa porta e me ver aqui, nesta situação. Pra mim vai ser muito
vergonhoso. Vai ser tão vergonhoso que eu acho que eu vou meter o pé daqui e vou parar no meio da rua, entendeu? [...] eu acho
que estraguei a vida do meu filho porque eu não tô perto dele, eu não posso orientar o meu filho.
(J. 33 anos)
16 KRAUS A. Phenomenological and criteriological diagnosis: different or complementary? In: SADLER, J. Z.; WIGGINS, O. P.; SCHWARTZ, M. A. (Org.).
Philosophical Perspectives on Psychiatric Classification. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1994.
17 DI PETTA, G. L´experience paranoide chez les cocaïnomanes: phénoménologie, psychopatholoige, traitement. In: BALLERINI, A.; DI PIAZZA, G. (Org.) Délirer:
analyse du phénomène delirant. Paris: Le cercle herméneutique, 2011. p. 65-78.
18 MESSAS, G. Psicose e embriaguez: psicopatologia fenomenológica da temporalidade. São Paulo: Editora Intermeios, 2014.
18 SBARTHÉLÉMY, J. M. L´analyse Phénoméno-strucuturale dans l´étude Psychologique des Alcooliques. Toulouse: Erès, 1987.
20 RIBEIRO, L.; SANCHEZ, Z.; NAPPO, S. Estratégias desenvolvidas por usuários de crack para lidar com os riscos decorrentes do consumo da droga. Jornal
Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 59. p. 210-18, 2010..
21 KRAUS, A. Der Typus Melancholicus als Normopath. In: LANG, H.; FALLER, H.; SCHOWALTER, M. (Org.) Struktur, Persönlichkeit, Persönlichkeitsstörung.
Würzburg: Köningshausen & Neumann, 2007. p. 131-143.
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
A
A ESTRUTURA EXISTENCIAL DA PSICOPATOLOGIA DO CRACK
Os entrevistados se condicionam pré-reflexivamente por deveres sociais definidos, cujo valor não conseguem relativizar. Estão
demasiadamente expostos àquilo que lhes é prescrito, desprovidos da capacidade de encontrar a distância suficiente para uma reflexão
sobre essa condição. Dentre esses deveres, destaca-se o respeito incondicional pela família, que se expressa na grande influência desta
como fator de risco ou proteção para o uso de crack .
A adesão incondicional a um corpo social rígido com identidades fixas esculpe uma hierarquia nas relações interpessoais, qualificando a
submissão ao social como hiperhierárquica. Em diálogo direto com a experiência de culpa, há sempre a presença ativa de seu polo
oposto, a convicção. A identidade social dos convictos e dos autoritários é decorrência natural da estruturação interpessoal
destemporalizante. Quanto mais uma identidade for chancelada por uma frágil vivência da temporalidade, mais se adequará a essa
condição pré-reflexiva.
De modo sintético, a psicopatologia do usuário das cracolândias reflete, portanto, a transformação da existência em um aprisionamento
imutável e rígido dentro de um corpo social saturado, prescritivo e inclemente. As palavras de um usuário entrevistado dentro da
cracolândia paulistana, descrevendo seus pares e a si mesmo, resumem a homogeneidade dessa queda existencial: “[...] se estagnaram
aqui dentro, não saem nem pra tomar um porre, nem pra arrumar um dinheiro”. Restaria acrescentar que estagnaram em uma cidadela
sitiada, assediada por olhos vigilantes e suspeitos.
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Momento Cultural
“Nasceram todos jogados na calçada
Sem estrutura para nunca terem nada
Que vê na pedra sua única saída
Pra esquecer o seu futuro nessa vida.”
(PROJECT46, 2014)
Esses são versos (https://www.letras.mus.br/project46/empedrado/) da música "Empedrado", da banda de heavy metal
paulista Project46. A Project46 surgiu em 2008 na capital paulista e segue em atividade até hoje, com dois álbuns de estúdio
lançados. A faixa “Empedrado” faz parte do álbum Que seja feita a nossa vontade, de 2014, e fala sobre o sofrimento de uma
vida marcada pela miséria material comum aos indivíduos que fazem uso abusivo de crack. Tanto essa música como o álbum
completo podem ser ouvidos no canal oficial da banda no YouTube, disponível aqui (https://www.youtube.com/watch?
v=i_CwbiDE_eU&list=PLIz11ApVxr-QhyjSJAYSYuRHcxZdwMfj4&index=7).
22 HORTA, R. et al. Influência da família no consumo de crack. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 63, n. 2, p.104-12, 2014.
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
ESTREITAMENTO IDENTITÁRIO E VULNERABILIDADE DE CLASSE SOCIAL
A manutenção da unidade identitária causada pela intoxicação aguda é insuficiente para produzir dependência, como observado nos casos
de uso controlado do crack .23
O ponto fundamental para a compreensão antropológica do usuário abusivo de crack passa pela observação de que a procura repetida
pela manutenção da unidade, proporcionada pela droga, leva a um estreitamento identitário que paralisa a existência. Deve-se, portanto,
indagar sobre: (1) os motivos pelos quais certas estruturas de personalidade tornam-se tão vulneráveis à necessidade de manter sua
unidade, terminando por deixarem-se dominar por ela e (2) a razão pela qual o estreitamento identitário determina, nesta população, as
formas sociais encontradas nas cracolândias.
É para essa investigação que a confluência da psicopatologia fenomenológica com a sociologia disposicionalista apresenta seu valor
elucidativo, seja pelo momento da vida – especialmente adolescência (http://www.aberta.senad.gov.br/modulos/capa/o-adolescente-
em-desenvolvimento-e-a-contemporaneidade), quando as identidades parciais são mais frágeis –, seja pelas características da história
de vida, da personalidade ou do meio social (http://www.aberta.senad.gov.br/modulos/capa/o-sujeito-os-contextos-e-a-
abordagem-psicossocial-para-pessoas-que-usam-drogas), certo contingente de pessoas é mais vulnerável à instabilidade existencial e,
portanto, buscam mais unificação. A vulnerabilidade à instabilidade existencial requer um contraponto capaz de oferecer a mínima
unidade à personalidade, uma identidade suficiente para a manutenção da existência na sua trajetória de vida. Essa unidade se dá,
preferencialmente, pela presença, maior ou menor ao longo da vida, de uma alteridade interpessoal íntegra e estável.
Glossário
Alteridade é a concepção de que todo o homem social interage e interdepende do outro. Nenhum indivíduo pode existir senão a
partir da visão e do contato com o outro. Não pode haver indivíduo se não houver uma relação estabelecida entre ele e outro ou
outros (a coletividade).
https://youtu.be/APBNBsl7tUU
Eu sou um tipo de pessoa que eu não presto pra viver sozinho. Se eu prestasse pra viver sozinho eu estaria morando dentro de alguma
maloca aí, tinha alugado um quarto pra eu poder ficar, porque eu tenho já as condições de fazer isso. Mas eu não vou fazer isso agora,
porque eu preciso ter uma pessoa do meu lado pra ficar falando do meu lado: 'pô, cara, não faz isso', 'pô, mano, tá nervoso por quê?'.
(J., 33 anos, expressando a necessidade de uma alteridade interpessoal que lhe confira estabilidade existencial).
Há elementos geradores de estabilidade existencial que, na sua ausência ou fragilidade, aumentam a vulnerabilidade pessoal. Esse
fenômeno ocorre independentemente da posição social do usuário . Trata-se de uma condição antropológica geral. No entanto, as cenas
de uso de crack a céu aberto revelam majoritariamente a presença de grupos socialmente vulneráveis.
Elementos geradores de estabilidade existencial:
24
Relações familiares
Historicamente, as relações familiares são as primeiras e mais importantes fontes de promoção de unidade. São elas que mantêm a
existência calcada em um passado contínuo que permite a transformação do presente rumo ao futuro. Em nossa população estudada,
é frequente a ausência ou fragilidade dessas relações primeiras. Violência familiar e abandono precoce são achados frequentes dos
usuários de crack brasileiros . A ausência de um anteparo humano para a unidade da personalidade favorece a busca supletiva pela
unidade oferecida pelo crack. A alteração súbita de consciência causada pela droga, reduzindo a ipseidade, estabiliza a estrutura da
existência, protegendo-a, inicialmente, de uma intolerável falta de determinação identitária.
Papel profissional
O papel profissional é importante fator de orientação da existência. Embora haja papéis sociais que permitam maior ou menor
criatividade, todo papel constitui-se por uma prescrição de condutas definidas a partir de suas relações recíprocas com os demais
papéis da sociedade. Souza demonstrou como a assunção de papéis profissionais entre os excluídos brasileiros é instável e efêmera.
A maior parte da população deste estudo não apresenta profissão definida, vivendo de bicos instáveis e de mínimo valor na hierarquia
social. Sua identidade profissional não é capaz de oferecer estabilidade, ampliando, assim, a ipseidade da existência e potencializando
a necessidade de busca de unidade.
Escolaridade
O outro elemento gerador de estabilidade ausente ou frágil na população das cracolândias é a escolaridade. 80% de usuários
regulares de crack das cenas de uso brasileiras não chegaram ao Ensino Médio . A trajetória de classe que vai da família ao papel
profissional tem a vida escolar como intermediária. É típico das instituições escolares brasileiras um distanciamento entre as
necessidades e predisposições de classe dos mais pobres e os programas oferecidos, dificultando a identificação entre estudante e
escola. Não raro, é pela identidade de oposição à escola que esses estudantes conseguem alguma estabilidade . Assim, a imensa
maioria dos frequentadores das cenas de uso de crack não pode, na transição para a vida adulta, encontrar na identidade estudantil
apoio para a estabilidade de sua identidade.
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25
27
23 OLIVEIRA, L.; NAPPO, S. Caracterização da cultura de crack na cidade de São Paulo: padrão de uso controlado. Revista de Saúde Pública, v. 42, n. 4, p.
664-671. 2008.
24 FREIRE, S. D. et al. Intensidade de uso de crack de acordo com a classe econômica de usuários internados na cidade de Porto Alegre/Brasil. Jornal Brasileiro
de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 61, n. 4, p. 221-226, 2012.
25 BASTOS, F. I.; BERTONI, N. Pesquisa nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais
brasileiras? Rio de Janeiro: Lis/Icict/Fiocruz, 2014.
26 SOUZA, J. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
27 ROCHA, E.; TORRES, R. O crente e o delinquente. In: Souza J (Ed.) A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 205-40.
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
E
ESTREITAMENTO IDENTITÁRIO E VULNERABILIDADE DE CLASSE SOCIAL
Quanto menores forem os recursos individuais para a multiplicação de parcialidades identitárias, maior a chance de um elemento exógeno
capaz de oferecer força à unidade da personalidade (como o crack) encontrar apenas a identidade de classe como estrutura a ser
reforçada.
A identidade de classe excluída é especialmente exaltada pelo efeito do crack, porque ambos operam na temporalidade do presente
absoluto. Assim, o estreitamento identitário subordinado ao social provocado pela substância encontra consolidação na classe social,
última instância da identidade a ser perdida. Se o passado pessoal dissolve-se pelas alterações da intoxicação e o futuro não se apresenta,
resta à existência cristalizar-se na instância temporal mais resistente da história de vida, a classe social. A classe social, como parcialidade
da identidade, apresenta particularidades que a diferenciam, por exemplo, do papel profissional ou mesmo do familiar. O papel
profissional pode ser exercido com maior ou menor rigidez; o familiar permite ao menos uma modificação parcial veloz, ainda que seja pelo
mero abandono físico da família (caso típico das cracolândias). Há, enfim, como deles tomar alguma distância. As condições encarnadas na
classe social são de difícil mudança, já que não dependem apenas do indivíduo. A estrutura social brasileira determina destinos de classe
rígidos. Um indivíduo pertence ou não a uma classe e não pode dela escapar rapidamente por um ato de fuga ou criatividade. Em síntese, a
subordinação ao social assim produzida não se dá por um reforço de papéis profissionais ou de afinidade ideológica, mas pela cristalização
da tipicidade da classe social.
Como mostrou Binswanger em estudo clássico (1977), a inautenticidade existencial substitui o indivíduo pelo tipo, em sua tentativa de
alcançar estabilidade para viver.
Esses usuários perdem seus perfis idiossincráticos homogeneizando-se em sua identidade de classe, cristalizada no presente absoluto. Mas
se toda experiência humana se constitui pelo diálogo com a alteridade, e as classes sociais não fogem a isso, o estreitamento identitário
subordinado ao social da classe dos excluídos usuários de crack constitui-se pela elevação de seu contraste com relação às classes média e
alta.
28
Biografia Autor
Ludwig Binswanger
Foi um psiquiatra suíço precursor no campo da psicologia fenomenológica e expoente da Daseinsanalyse, uma
linha de psicopatologia e psicoterapia que se baseia nas teorias do filósofo Martin Heidegger. Binswanger nasceu
em 1881 e formou-se em medicina na universidade de Zurique, tendo estudado e trabalhado com diversos nomes
importantes da psicanálise, como Sigmund Freud, Carl Jung e Eugen Bleuler. É considerado o primeiro profissional
a combinar fenomenologia, psicopatologia e psicologia e psicoterapia.
Fonte: LUDWIG, Binswanger. In: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Binswanger). 2015. Acesso
em: 18 abr. 2017.
Assim, a formação das cracolândias revela ao máximo um isolamento por oposição da classe dos excluídos, constituindo uma
caricatura da sociedade brasileira.
A formação de cracolândias não é, portanto, casual ou provocada apenas pela pobreza (países pobres podem não ter cracolândias), mas
determinada pela dominação da existência por uma unificação artificial, atuante sobre indivíduos que não puderam ao longo de suas
vidas, pelos motivos que forem, encontrar a unidade pessoal necessária para temporalizar-se por meio das relações e instituições
humanas. Inexiste, assim, no fenômeno das cracolândias, uma decomposição existencial neutra, na qual a rua seria meramente a ausência
de um local íntimo e pessoal para se viver. Como relata um dos usuários entrevistados na pesquisa realizada
(http://obid.senad.gov.br/obid/livro-crack-e-exclusao-social_digital_web.pdf/view), “[...] dormir na rua é comparecer na sociedade”. A
frase revela como a sociedade, mesmo nessas cenas de flagrante abandono e ausência, segue presente para os usuários que nela vivem.
A compreensão das condições de possibilidade do fenômeno social mostra que as cenas de uso nas ruas estão por necessidade
situadas diante dos olhos dos demais membros das classes sociais brasileiras.
Esse achado pré-reflexivo não é negado pela existência de usuários de crack que fazem uso da droga solitariamente . O uso solitário ou
coletivo em locais isolados apenas atesta que o efeito de obtenção de unidade de personalidade procurado com ou provocado pela
intoxicação encontrou outros anteparos para sua atualização, prescindindo da absorção completa do indivíduo em sua classe social. As
variantes de um fenômeno antropológico geral são determinadas pelas alternativas que uma sociedade oferece para a concretização de
uma forma típica de existência. Uma sociedade como a brasileira, na qual as fronteiras entre as classes sociais são fortemente
demarcadas , possibilita aos indivíduos excluídos encontrarem unidade existencial pela hiperacentuação de sua classe perenemente
excluída, tal unidade em outras populações pode ser oferecida por uma identidade étnica positiva . Constrói-se, assim, um círculo
vicioso, no qual a busca extremada por uma unidade da personalidade, ao não encontrar anteparo interpessoal sólido e estável, acarreta
um irrefreável anseio por mais unidade, solidificando o indivíduo num afunilamento existencial hipersocial, hipermaterial e anônimo.
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28 BINSWANGER, L. Três formas da existência malograda: extravagância, excentricidade, amaneiramento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977.
29 JORGE, M. et al. Ritual de consumo de crack: aspectos socioantropológicos e repercussões para a saúde dos usuários. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, v. 18, n. 10, p. 2909-2918, 2013.
30 SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
31 MARSIGLIA, F. F. Ethnicity and Ethnic Identity as Predictors of Drug Norms and Drug Use Among Preadolescents in the US Southwest. Subst Use Misuse, v. 39,
n. 7, p. 1061-94, 2004.
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
Síntese Reflexiva
Neste módulo, procuramos compreender o fenômeno das cracolândias por meio da aproximação de duas ciências
correlacionadas epistemológica e ontologicamente – a psicopatologia fenomenológica e a sociologia disposicionalista – ao
estabelecer relações entre a origem de classe dos marginalizados brasileiros com sua maior vulnerabilidade ao efeito
destemporalizador do crack. A partir das narrativas do vídeo e tomando como base a leitura do módulo, procure refletir sobre
como a história de vida desses sujeitos expressa uma situação de vulnerabilidade de classe social e implica um estreitamento
identitário. Como compreender, então, de forma mais complexa, o abuso de crack desses dois sujeitos? Dada essa
compreensão, como planejar uma abordagem de cuidado que considere esses determinantes psicossociais?
Práticas Potencializadoras (pagina-10.html)
TEMPORALIDADE E IDENTIDADE DE CLASSE NAS CRACOLÂNDIAS BRASILEIRAS:
APROXIMAÇÃO ENTRE A PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA E A SOCIOLOGIA
DISPOSICIONALISTA
PRÁTICAS POTENCIALIZADORAS
PRÁTICAS POTENCIALIZADORAS
O projeto Luz Solar faz parte do programa Braços Abertos
(http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/DBAAGO2015.pdf) e tem como objetivo levar à região da Luz, em
São Paulo, oficinas artísticas, como de percussão, música, teatro, expressão corporal e outras intervenções culturais, procurando abordar a
questão do crack a partir da arte. Para conhecer mais sobre essa iniciativa, leia esta matéria intitulada “Intervenções artísticas chegam à
Cracolândia (https://www.cartacapital.com.br/revista/804/pedras-musicas-palavras-e-afeto-6060.html)”.
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Textos
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FREIRE, S. D. et al. Intensidade de uso de crack de acordo com a classe econômica de usuários internados na cidade de Porto
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Vídeos
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NOSSOS mortos. Produção e direção: David Vega. (49 min, 37 s), São Paulo: Cine Registro, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=g_Ogwxx1TQU (https://www.youtube.com/watch?v=g_Ogwxx1TQU)>. Acesso em: 10 mar. 2017.
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