sugestÕes de evidenciaÇÃo da competÊncia · os crimes de ódio contra este grupo tornaram-se...
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SUGESTÕES DE EVIDENCIAÇÃO DA COMPETÊNCIA
• Explorar situações de vida em que teve de ultrapassar problemas relacionados com
preconceitos e estereótipos sociais, políticos, raciais, religiosos, estéticos, culturais, sexuais,
profissionais ou outros (relativos a pessoas ou grupos por serem toxicodependentes, ex-reclusos,
emigrantes, turistas, de outra religião, de outra raça, de outra aparência, casadas com outras do
mesmo sexo, portadoras de deficiência, etc.).
• Refletir sobre como atuar face à diversidade e singularidade própria dos humanos, nas suas
diferentes formas de ser e de pensar, de modo a ultrapassar preconceitos, estereótipos e
representações sociais.
Observações: Evidenciar esta competência implica abordar, mais que abordar assumir, “preconceitos
pessoais”, “explorar capacidade de questionamento” a si próprio e “propor alternativas” para ultrapassar
esses preconceitos ou, pelo menos, para que eles não interfiram nas suas atitudes para com as pessoas que
os originam. Sejam preconceitos de natureza cultural, religiosa, étnica, política…
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Poderá evidenciar em simultâneo a competência STC/CLC7 DR4, desde que considere os respetivos
critérios de evidência.
ESTEREÓTIPOS
Os estereótipos são crenças a propósito de características,
atributos e comportamentos dos membros de determinados
grupos, são formas rígidas e esquemáticas de pensar que
resultam de processos de simplificação e que se generalizam a
todos os elementos do grupo a que se referem. Daí que
possamos definir estereótipo como o conjunto de crenças que
dá uma imagem simplificada das características de um grupo ou
dos membros de um grupo.
EXEMPLOS DE ESTEREÓTIPOS
• “Os japoneses são educados e reservados”
• “Os alemães são sérios”
• “Os italianos são alegres”
• “Os jovens são irreverentes”
• “Os mais velhos são conservadores”
• “As mulheres são intuitivas”
• “Os bombeiros são heróis”
• “Os funcionários públicos trabalham pouco”
A estes grupos (orientais, jovens, mulheres, etc.) atribuímos determinadas características que
generalizamos a todos os seus membros.
Os estereótipos são um processo de categorização para que a pessoa se possa adaptar ao seu meio,
dando sentido ao mundo.
Usamos categorias sociais como estudantes, socialistas, brancos, negros, desportistas, jovens, liberais,
porque nos são úteis. Servem para colocarmos os indivíduos que nos rodeiam em “gavetas”, o que nos
permite, de uma forma rápida e económica, orientarmo-nos na vida social. Uma vez interiorizado o
estereótipo é aplicado de uma maneira quase mecânica.
Por exemplo, dizemos que uma categoria é estereotipada quando os elementos de um mesmo grupo
partilham a convicção de que um ou mais traços particulares caracterizam as pessoas dessa categoria: “Os
estudantes de cursos profissionais podem considerar os estudantes dos cursos de ciências competitivos,
marrões, certinhos e antipáticos; estes podem considerar os primeiros preguiçosos, cábulas, pouco
inteligentes e desleixados.”
PRECONCEITOS
Podemos definir preconceito como uma atitude que envolve um pré-julgamento, na maior
parte das vezes negativo, relativamente a pessoas ou grupos sociais.
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O preconceito é uma atitude que se distingue do estereótipo porque não se limita a atribuir
características a um determinado grupo ou pessoa: envolve uma avaliação, frequentemente
negativa.
Na base do preconceito está a informação
veiculada pelo estereótipo. O estereótipo
fornece os elementos cognitivos (as crenças), o
preconceito acrescenta-lhes uma componente
afetiva, avaliativa. Contudo, os preconceitos
podem mudar (a publicidade da Benetton, por
exemplo, tem vindo a trabalhar neste sentido
para ajudar a mudar o preconceito racial).
O preconceito, tal como as atitudes, tem três
componentes:
1. Componente cognitiva (corresponde a um estereótipo geralmente negativo que se formula
face a um grupo social).
2. componente afetiva (refere-se aos sentimentos que se experimentam relativamente ao
objeto do preconceito).
3. componente comportamental (refere-se à orientação do comportamento face à pessoa ou
grupo).
A discriminação designa o comportamento dirigido
aos indivíduos visados pelo preconceito. Assim, na
base da discriminação está o preconceito, que, sendo
uma atitude sem fundamento, injustificada, dirigida a
grupos e aos seus membros, geralmente
desfavorável, pode conduzir à discriminação.
Não se pode confundir discriminação com
preconceito: enquanto este é uma atitude, a
discriminação é o comportamento que decorre do
preconceito. Esquematizando:
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O tipo de discriminação está ligado com o preconceito que lhe está subjacente:
• O preconceito racial conduz, geralmente, à discriminação das pessoas por pertencerem a
raças diferentes;
• Um preconceito religioso leva à discriminação de pessoas que professam uma dada religião;
• O preconceito sexista conduz à discriminação das mulheres, homossexuais, etc…
Os comportamentos discriminatórios manifestam-se com mais intensidade em períodos de
crise económica e social
As pessoas, não podendo agir sobre as causas da sua situação, dirigem os seus sentimentos
negativos, a sua agressividade, contra grupos ou pessoas inocentes. Por exemplo, é frequente,
durante os períodos de crise, setores da população encontrarem nos imigrantes os bodes
expiatórios para a sua situação desfavorável. Deste modo, comportam-se de modo hostil e
agressivo perante esses grupos.
Estereótipos, Preconceitos e Descriminação. In AEPL, http://www.aeplegua.pt/projectos/anos-
anteriores/projetos-2012-2013/projecto-educacao-para-a-saude-pes/atividades-realizadas-2013-2014/apoio-as-aulas/preconceito-8o-ano/esteretipospreconceitosediscriminao.pdf/view (Adapatado)
OS DEZ PRECONCEITOS MAIS COMUNS
Numa sociedade que vive das aparências, julgar o livro pela capa é a regra instituída. Por mais
que se queira mudar a mentalidade, parece que as pessoas estão cada vez mais avessas a aceitar
que “somos todos diferentes e todos
iguais”.
O preconceito é um juízo
preconcebido, manifestado geralmente
na forma de uma atitude
discriminatória que se baseia nos
conhecimentos surgidos em
determinado momento como se
revelassem verdades sobre pessoas ou
lugares determinados. Costuma indicar
desconhecimento pejorativo de alguém
ao que lhe é diferente.
Os media não estão isentos da
disseminação dos preconceitos já estabelecidos e, por vezes, até criam novos preconceitos e
agudizam outros. Vamos abordar dez preconceitos dos mais comuns. Aqueles que continuam com
mais força entre nós são os mais antigos, como o racismo, o sexismo e o preconceito social.
Racismo O racismo ocorre principalmente de duas formas. A primeira, e menos comum nos dias de hoje,
é a atitude aberta de racismo, em que grupos específicos fazem propaganda pública passando a
mensagem que uma raça é inferior à sua.
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São atitudes comuns a grupos da
supremacia branca e alguns exemplos das
suas ações são crimes de ódio, segregação e
genocídio. A segunda forma de racismo é
chamada de racismo encoberto, que atua
dissimuladamente sob a forma de crença
cultural de que pessoas de certa cor ou raça
são inferiores. Os próprios media, muitas
vezes, ajudam a manter este tipo
de preconceito.
Sexismo O sexismo envolve a crença de que um sexo é naturalmente superior ao outro, usualmente que
os homens são superiores às mulheres e
como tal devem ter mais poder. Isto coloca
as mulheres em desvantagem em muitas
áreas da sociedade.
No exemplo do trabalho, em que se
acredita que o homem é mais capaz, são
criadas mais oportunidades para os homens
do que para as mulheres. Por outro lado, os
estereótipos sobre as mulheres colocam-na
muitas vezes, e predominantemente, como responsáveis pelas tarefas
Homofobia Desde sempre que a heterossexualidade é
considerada superior à homossexualidade.
Muitas pessoas mostram aversão e hostilidade
contra homossexuais e bissexuais.
Os crimes de ódio contra este grupo
tornaram-se bastante comuns em algumas
partes do planeta, com milhares de crimes
registados, por ano, contra a comunidade gay.
Preconceito em relação aos deficientes
Este preconceito engloba a discriminação ou
os maus tratos a pessoas com deficiência
mental, emocional ou física. As pessoas com
este preconceito têm tendência a inferiorizar
pessoas com deficiência e em algumas partes do
mundo há instituições que negam os seus
serviços e emprego a este grupo de pessoas.
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Outro exemplo muito comum deste preconceito é a abordagem gratuita a uma pessoa com
deficiência para oferecer ajuda quando esta não precisa ou quando não se perguntaria a uma
pessoa sem deficiência. Normalmente quem faz isto não se apercebe de que está a discriminar o
outro.
Religião
A história da humanidade está pejada de relatos de perseguição e discriminação religiosa. No
entanto não são só as religiões organizadas
que sofrem de discriminação, os ateus são
também discriminados por grupos
religiosos.
É também comum que a religião
dominante num país tente impor os seus
costumes aos seguidores de outras
religiões, muitas vezes através da força, da
segregação e do impedimento de acesso a
cargos públicos.
Peso / Tamanho
Os standards que a sociedade criou de beleza e
atração foram os criadores de um preconceito muito
comum por todo o mundo. É mais comum ser contra
pessoas com excesso de peso mas com este
preconceito quase ninguém se safa.
Magros, baixos, altos e muitas outras
características são alvo de discriminação. Está de tal
maneira cravado na sociedade que as pessoas se
discriminam a si próprias.
Preconceito com a idade
Este preconceito é mais comum
do que se pensa e tanto velhos como
novos sofrem com isto. Os mais
velhos são considerados
ultrapassados e agarrados ao
passado e os mais novos são olhados
como ingénuos e inexperientes.
É cada vez mais praticado por
empresas e 1/5 dos trabalhadores já
sentiu este tipo de discriminação no
trabalho.
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Preconceitos sociais O preconceito das classes sociais toma
normalmente forma através dos mais ricos contra os
que estão menos bem. Contudo o oposto também
acontece, com os que têm menos posses a criticarem
os mais abastados chamando-os de snobs com muito
dinheiro, mas sem moral.
Preconceito com a aparência
O preconceito com a aparência é dos mais praticados por todo o mundo. Vestir-se de maneira
diferente do “socialmente aceite” dá azo a
olhares desconfiados, assim como tatuagens e
outros acessórios menos ortodoxos.
A maioria das empresas não emprega pessoas
que ostentem tatuagens ou piercings e muitas
pessoas dão menos valor a essas pessoas. No
entanto muitos dos mais famosos artistas do
planeta, que são idolatrados por essas
mesmas pessoas, têm e exibem as suas
tatuagens e estilos.
2- Nativismo O nativismo é praticado contra emigrantes de um
determinado país. Ao contrário de outras formas de
discriminação, esta é encorajada e mantida por alguns
governos e entidades públicas para que lhes sejam
negados serviços de saúde, emprego e outros serviços.
In NCultura, https://ncultura.pt/os-10-preconceitos-mais-comuns/2/ (Adaptado)
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
(...) Se formos ao dicionário verificamos que, o conceito de representação surge associado a
uma imagem mental, a uma reconstrução do real que permite ao ser humano a capacidade de
relembrar ou evocar um dado acontecimento, objeto ou pessoa, na sua ausência. Quando as
representações são aceites e partilhadas por uma dada sociedade ou grupo de indivíduos
estamos perante as designadas Representações Sociais, isto é, conjunto de explicações, de
crenças e ideias, elaboradas a partir de modelos culturais e sociais que dão quadros de
compreensão e interpretação do real. As representações sociais são características de uma
determinada época e contexto histórico, por isso, a sua alteração ocorre muito lentamente. Um
bom exemplo disto é a representação da mulher nas sociedades ocidentais.
Contemporaneamente, para além de ser mãe de família, desenvolve uma atividade profissional
em que procura como é evidente ser bem-sucedida. Esta representação que, atualmente é tida
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como desejável, seria impensável no início do século XX, cuja representação social era da mulher
que ficava em casa a cuidar dos filhos e das tarefas domésticas. Outro exemplo onde é evidente a
mudança da representação é no ideal de mulher bonita. A imagem robusta, com ancas
arredondadas, associada ao que se considerava um corpo bonito e esbelto, deu lugar a um ideal
em que dominam os corpos magros e esguios.
As representações sociais, também consideradas em sentido mais amplo como pensamento
social, são deveras imprescindíveis nas relações humanas, uma vez que, dão uma explicação, um
sentido à realidade (função de saber). Alem disso, ao funcionarem como reguladoras e
orientadoras do comportamento (função de orientação) permitem aos indivíduos comunicarem e
compreenderem-se.
É também importante salientar a função de identidade das representações sociais, são elas
que permitem construir uma identidade social do grupo, pois numa mesma sociedade existem
diferentes grupos que possuem representações diferentes acerca de uma mesma realidade – as
representações sociais não são homogéneas dentro de uma sociedade. São também uma forma
dos indivíduos explicarem e fundamentarem as suas opiniões e comportamentos.
Na formação deste tipo de pensamento estão subjacentes dois processos que funcionam em
parceria: a objetivação e a ancoragem.
Em primeiro lugar ocorre a objetivação, processo este que permite a formação de um todo
coerente, através da seleção e da descontextualização do objeto, seguindo-se a fase da
esquematização, que tem como objetivo construir um esquema ou melhor um “núcleo
figurativo”onde constem organizadamente num padrão de relações, os principais elementos do
objeto da representação. Este processo termina
com a naturalização dos padrões relacionais que
passam a ser percebidos claramente. Assim os
elementos abstratos tidos inicialmente
transformam-se em imagens concretas, que fazem
parte da realidade.
A objetivação é, portanto um processo de
simplificação, uma vez que se perde muita
informação. No entanto, esta riqueza informativa
que se perde durante o processo ganha-se em
entendimento.
Posteriormente ocorre o processo de
ancoragem. Através deste ocorre a assimilação
das imagens criadas pela objetivação, sendo que
estas se integram em categorias (daí que a
representação social seja uma manifestação dos fenómenos da categorização) que o sujeito
possui fruto das experiências anteriores.
A objetivação e a ancoragem funcionam como um todo no processo de formação das
representações sociais.
Estas, quando ancoradas, funcionam como um filtro cognitivo, uma vez que as novas
representações são interpretadas segundo os quadros de representação preexistentes. Assim,
vão influenciar o comportamento dos indivíduos. Por exemplo, se determinado indivíduo tiver
uma má representação dos estrangeiros, esta terá muita influência no comportamento, uma vez
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que, pode levar inclusivamente a reações xenófobas. Por este motivo é que apesar de serem
extremamente importantes, as representações sociais podem revelar-se muito perigosas.
Lúcia Fertuzinhos, In http://psicob.blogspot.com/2009/02/representacoes-sociais.html (Adaptado)
FUNÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
De saber
Compreender e explicar a
realidade.
Aquisição e integração de
conhecimentos.
Manifestação do esforço
permanente para compreender
e são pré-condição da
comunicação
Orientação
Guiam os comportamentos e
as práticas.
Sistema de pré-codificação >
guia de ação.
Tipos de relações
Tipos de estratégias lícitas,
permitidas ou inaceitáveis.
Justificadora
Permitir a posteriori, a
justificativa das tomadas de
decisão.
Fortalecer a posição social do
grupo de referência.
Preservar e justificar a diferenciação social (estereótipos, discriminação, distância social).
Identitária
Definem a identidade e permitem a proteção das especificidades dos grupos.
Situar os indivíduos e os grupos dentro do campo social permitido.
Controle social / socialização.
In, https://slideplayer.com.br/slide/393303/ (Adaptado)
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AS MULHERES NO MEIO: RETRATO DE UMA MULHER DE 40 ANOS
Depois de um dia de trabalho, uma mulher da minha geração traz frequentemente mais
dinheiro para casa do que o seu companheiro. Quando chega a casa, frequentemente tem de
responder às necessidades dos seus filhos. E o que recebe? O famoso cliché “o que é o jantar?”.
Somos provavelmente muitas. Em silêncio, porque a vida continua, é preciso andar para a
frente e continuar a fazer todas as tarefas que temos mesmo de fazer. Deixando para amanhã a
resolução dos nossos sentimentos.
A geração de mulheres do baby boom dos anos 50-60 foi pioneira. Foram as primeiras a
conseguir sair dos lares, da dependência dos maridos, da função meramente geradora de filhos
e governanta de casa. Do embonecar-se para o marido e servi-lo como um dono. Estas filhas
foram diferentes: foram licenciadas, trabalhadoras, independentes, iniciaram relações sexuais
antes do casamento, fizeram contraceção, casaram ou não casaram conforme quiseram. Estas
filhas tiveram filhas. E essas filhas somo nós.
Fomos educadas na liberdade. Criadas para ser iguais aos homens: estudar, trabalhar, sair de
casa, namorar sem casar, escolher o nosso caminho sem obrigações de passar a ferro, cozinhar
ou agradar. Muitas de nós no entanto foram criadas pelas avós, bastião do lar, presentes na
retaguarda, que permitiam às nossas mães trabalhar sem restrições, seguras das suas crias bem
cuidadas por estas avós-mães. Tivemos o melhor dos dois mundos: o exemplo das mães
independentes e fortes, com a doçura das avós domésticas, os seus cozinhados e os seus colos.
Para mim, foi a educação perfeita.
Mas nós crescemos e casámos. Tivemos filhos. Casámos com homens que cresceram também
nestes princípios: mulheres iguais a homens. Contas divididas. Responsabilidades divididas. Não
seguramos as portas a estas mulheres, elas são iguais a nós.
Aquilo que as nossas mães não adivinharam é que nós de facto continuamos a ser mulheres
como elas. Mulheres que além de fazerem tudo o que um homem faz, também vivem a
maternidade, o amor e continuam apesar de tudo a ser o núcleo da casa. Eu explico. Por mais
que sejamos iguais aos homens, nós continuamos a saber cozinhar e conseguimos fazer a gestão
de várias tarefas em simultâneo. Por enquanto, a maternidade cabe-nos exclusivamente a nós. As
transformações hormonais e físicas, as dores mamárias, as noites sem dormir e o passar a ter uma
parte de nós fora do nosso corpo, essas são experiências que não conseguimos partilhar com os
nossos companheiros. Esses mesmos companheiros a quem continuamos a tratar muitas vezes
como mais um filho, assegurando que têm os seus pratos favoritos, a sua roupa em ordem e ainda
uma mulher bonita, em forma depois da gravidez e com disponibilidade mental e física para eles
— porque, afinal, o mundo está cheio de histórias de maridos que trocam as mulheres por outras
mais novas.
As nossas mães onde estão? Não estão em casa a ajudar as filhas com os filhos e os cozinhados.
Estão a trabalhar, onde sempre estiveram. E quando terminam de trabalhar, não querem mais
trabalho. Querem apenas tratar de si, que bem o mereceram: afinal trabalharam toda a vida.
“Porque continuamos a tolerar isto? Porque não nos tornamos verdadeiramente
independentes? Porque ainda trazemos em nós uma réstia das nossas avós: amáveis esposas com
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necessidade de agradar, mães perfeitas, num cruzamento antagónico com as nossas mães
pioneiras, mulheres de trabalho centradas em si, que se libertaram dos lares.”
Os nossos maridos, como são? São homens modernos: sabem que não precisamos deles para
nada, que somos auto-suficientes e por vezes ganhamos melhor que eles, temos mais ambição
profissional e somos as verdadeiras chefes das casas também. Penso que se sentem diminuídos.
Afinal, também não os deixamos desempenhar o papel de macho — nem para mudar uma
lâmpada. Somos boas demais. Por isso, perdem o drive para nos agradar. É impossível! Agradar
como? Prendas, dinheiro? Somos impossíveis de surpreender. Afinal, quando queremos,
compramos. Quando queremos, viajamos. Quando não queremos, não fazemos. Somos
insuperáveis.
E nós, mulheres filhas das nossas mães, ficamos neste limbo. Não somos as nossas avós. Não
somos as nossas mães. Somos mulheres no meio. O que queremos em troca? Apenas ser amadas.
Mas ser amadas com qualidade.
Depois de um dia de trabalho, uma mulher da minha geração traz frequentemente mais
dinheiro para casa do que o seu companheiro. No trabalho, assegura frequentemente posições
de chefia e maior responsabilidade que o seu companheiro. Quando chega a casa,
frequentemente tem de responder às necessidades dos seus filhos e ainda verificar e muitas
vezes executar tarefas domésticas. E o que recebe? “Onde estão as minhas meias?” ou o famoso
cliché “o que é o jantar?”.
Porque continuamos a tolerar isto? Porque não nos tornamos verdadeiramente
independentes? Porque ainda trazemos em nós uma réstia das nossas avós: amáveis esposas com
necessidade de agradar, mães perfeitas, num cruzamento antagónico com as nossas mães
pioneiras, mulheres de trabalho centradas em si, que se libertaram dos lares.
Por mim falo. Mas acho que por muitas de nós também. Gostava de ser melhor amada — às
vezes protegida e levada pela mão. Porque estou cansada de trabalhar, cuidar, ganhar, gerir.
Porque, de facto, não sou independente, mesmo que pareça ou até mesmo que queira. Estou
presa em filhos, bens, contas, férias de família, pais, tios e avós que envelhecem e precisam de
mim.
Todos precisam de mim, mas eu também preciso que me carreguem por vezes. Como serão as
nossas filhas?
Maria Ribeiro, Médica, mãe, pianista nas horas vagas. in publico, In jornal Público, publicado em 11 de Março de 2020
DOIS FILMES SOBRE MULHERES E O REGRESSO DO FANTASMA DA
SUBMISSÃO FEMININA
Enquanto nos EUA se procura ressuscitar a submissão feminina à “ordem” masculina, dois
filmes exaltam a força e a determinação das mulheres.
No início de Março, ainda toda a gente se passeava por aí, chegou às salas de cinema o
documentário Woman, com a assinatura de Anastasia Mikova e Yann Arthus-Bertrand, fotógrafo,
repórter e ambientalista francês conhecido pelo seu trabalho para a National Geographic e pelos
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seus muitos livros e documentários de grande impacto, como Home (2009), Planet Ocean (2012)
ou Human (2015). Houve antestreias com debate, exibições gratuitas no Dia Internacional da
Mulher (8 de Março) e o filme chegou mesmo a estrear — até que o cinema em salas parou,
travado pela pandemia.
O que nos trazia Woman, como antes Human? Rostos, relatos de vidas, angústias, dores e
esperanças de mulheres de várias idades e cantos do globo, em 2000 entrevistas feitas em 50
países ao longo de três anos. “Uma visão aprofundada do mundo visto pelos olhos das mulheres”,
como se escreveu à data no Cartaz do PÚBLICO. Num filme que procurava, anunciavam os
promotores, “trazer à luz as injustiças que as mulheres enfrentam, ao mesmo tempo que destaca
a sua força interior e a capacidade de mudar o mundo apesar dos desafios que enfrentam.”
Ora na passada segunda-feira a RTP2 veio recordar-nos um outro filme, também sobre
mulheres e baseado numa história tão verídica quanto insólita: A Ordem Divina, de Petra Biondina
Volpe. Estreado em 2017 no país onde foi realizado, a Suíça, também no Dia Internacional da
Mulher (e mais de um ano depois em Portugal, em Maio de 2018), o filme mostra que, em plena
Europa, houve um país onde as mulheres só votaram pela primeira vez em 1971. E esse país foi a
Suíça. Porquê? Porque, disse Petra Volpe em 2017 à SWI, “a Suíça é um país muito
conservador, onde sempre houve resistência às mudanças.”
O filme tem por cenário uma pequena aldeia, em 1970, mas espelha nela a situação de um país
alheio aos ventos de mudança da época. Tanto, que só em 1981 foi aprovada na Constituição a
igualdade entre homens e mulheres e só em 1990 (já depois da queda do Muro de Berlim!) caiu a
proibição do voto feminino no último cantão suíço. Para quem, ao ouvir falar da luta das
sufragistas, a coloca automaticamente, e com glória, no início do século XX, a Suíça é um relógio
em retrocesso — e logo no país dos relógios. Quem quiser ver (ou rever) o filme, ainda vai a
tempo: é só recuar uns dias na grelha da RTP2. Quanto a Woman, é deixar passar a pandemia. Ele
voltará.
A realidade, porém, é outro filme. Se Woman ou A Ordem Divina põem em evidência a força
das mulheres e o seu olhar sobre o mundo (onde ganharam poder, mas, a par disso, são também
ainda discriminadas, brutalizadas ou escravizadas, consoante as latitudes), tem-se registado
nalguns países um apelo retrógrado que pretende empurrar as mulheres de novo para uma vida
exclusivamente doméstica e de submissão à “ordem” masculina. Exemplo disso é, nos Estados
Unidos, o #tradwive (contracção da expressão traditional house wife) que, como escreveu
Natália Faria no PÚBLICO, “funciona como uma espécie de selo de um movimento que procura
recuperar a nostalgia dos idos anos 1950.”
Que “nostalgia” é essa? Para se ter uma ideia, basta consultar, por exemplo, “o guia das boas
esposas” (The good wife’s guide) publicado na edição de 13 de Maio de 1955 da revista norte-
americana Housekeeping Monthly. Alguns excertos (onde o marido é sempre o centro e
objectivo das atenções; mesmo as crianças são aprumadas para ele ver):
“Tenha o jantar pronto. Planeie com antecedência (…) para ter pronta uma deliciosa refeição
quando ele chegar”; “Mostre-se alegre e um pouco mais interessante para ele; se o dia dele foi
aborrecido, precisa que o animem e essa é uma das suas funções”; “Dedique uns minutos a lavar
as mãos e a cara das crianças, a penteá-las e, se necessário, mudar-lhes a roupa; elas são
pequenos tesouros e ele gostará de vê-las a cumprir esse papel”; “Mostre-se feliz ao vê-lo”;
“Receba-o com um sorriso caloroso e mostre sinceridade no desejo de ser agradável para ele”;
“Ouça-o. Você pode ter uma dúzia de coisas importantes para lhe contar, mas o momento da sua
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chegada não é o apropriado. Deixe-o falar primeiro — lembre-se, os temas de conversa dele são
mais importantes do que os seus; “Arranje-lhe a almofada e ofereça-se para lhe tirar os sapatos.
Fale em voz baixa, suave e agradável”; “Não questione as suas acções, juízos ou integridade.
Lembre-se, ele é o dono da casa e, como tal, exerce sempre a sua vontade com imparcialidade e
veracidade. Você não tem o direito de questionar isso”; e por último: “Uma boa esposa sabe
sempre o seu lugar”.
Felizmente, sabem. E não é aquele que esta ladainha submissa sugere. Woman ou A Ordem
Divina afirmam-no bem.
Nuno Pacheco, publicado no Jornal Público em 26 de Março de 2020
CONTRA O RACISMO
A agenda populista e nacionalista, que ganha espaço na Europa, põe a nu o pensamento racista
e xenófobo que prolifera nas sociedades dos países europeus.
Dia 21 de março assinala-se o Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial. Este dia,
proclamado pelas Nações Unidas, destaca o massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960,
quando, numa manifestação contra o Lei do Passe, que obrigava a população negra a usar um
cartão que dizia por onde podia circular, a polícia disparou, matando 69 pessoas e ferindo 186.
Em julho de 2019, a Assembleia da República produziu um relatório parlamentar sobre racismo,
xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal, do qual fui relatora. Já este ano, o PS
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apresentou um projeto de resolução que recomenda ao Governo ações concretas em áreas como
a educação, a habitação, o trabalho, a justiça ou a administração interna retiradas das
recomendações do relatório parlamentar.
A expressão do racismo tem tido um conjunto de episódios que nos interpelam para uma
ação política de combate ao fenómeno. Mais recentemente, destaca-se a alegada violência
policial desproporcional contra Cláudia Simões e o caso Marega, tornando-se a decisão individual
do jogador de abandonar o campo, perante insultos racistas, num ato político de grande
significado. Mais do que o ato corajoso do jogador, interpela-nos a incapacidade dos diferentes
atores desportivos responsáveis no campo, de agirem condenando a ação inequivocamente
racista.
Também a agenda populista e nacionalista, que ganha espaço na Europa, põe a nu o
pensamento racista e xenófobo que prolifera nas sociedades dos países europeus e que tem
levado a ações sociais e posturas políticas perigosas e inaceitáveis.
Outro aspeto relevante hoje é a capacidade de pessoas afrodescendentes e ciganas, através de
associações e coletivos, ocuparem o
espaço público expondo as suas
experiências de discriminação com
base na origem étnico-racial,
reivindicando direitos de igualdade,
de cidadania e de combate ao
racismo estrutural.
A posição política destes
movimentos está a provocar um
debate que tardou em Portugal. Por
um lado, escondido atrás da
autoimagem nacional de país que se
abriu ao mundo, que era bondoso
com os indígenas das colónias,
assente na teoria luso-tropicalista
de Gilberto Freyre. Por outro lado, o confronto com o pensamento dominante, que considera
discriminatório o princípio diferenciador com base em “raças” e etnias, assumindo como
condições de desigualdade apenas os rendimentos e a classe, com abertura ao género.
Há uma tensão latente entre o poder dominante e o ativismo dos grupos racializados que
lutam para que o fator étnico-racial seja assumido como fator de desocultação do racismo e da
discriminação. É exemplo a oportunidade que se perdeu de recolher dados étnico-raciais nos
Censos 2021.
O desafio está na forma como estas narrativas e a realidade se conjugam na sociedade
portuguesa atual. Grande parte da diversidade étnico-racial faz-se de pessoas afrodescendentes
que têm nacionalidade portuguesa, e que hoje, 45 anos após a descolonização, continuam a
viver numa sociedade que não olha para elas como iguais. Só entre 2007 e 2017, meio milhão de
pessoas obtiveram nacionalidade portuguesa, uma grande parte delas afrodescendentes, além de
todas as que nasceram em Portugal. Assim como de pessoas ciganas, a única minoria étnica de
portugueses, cujos antepassados remontam ao século XV. Nas próximas décadas, considerando os
fluxos migratórios, a nossa sociedade contará com muitos portugueses de origem asiática.
Imagem Público, disponível em:
https://www.publico.pt/2020/02/16/desporto/noticia/liga-repudia-
racismo-marega-guimaraes-1904375
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É urgente enfrentar o racismo sem tibiezas. O populismo e o nacionalismo que proliferam na
sociedade, que crescem nas intenções de voto, cujo discurso radical assenta numa narrativa
racista e xenófoba, atacando os direitos humanos e o politicamente correto assumindo esta
postura como um ato “libertário”, a par da desigualdade étnico-racial não assumida e muitas
vezes dissimulada que corrompe a democracia, exige urgência no combate ao racismo e ação
nas políticas públicas, integrando obviamente o pensamento das pessoas racializadas, como
prioridade política em Portugal.
Catarina Marcelino, publicado no jornal Público em 21 de Março de 2020
PARA ELIMINAR A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CELEBRAR MENOS
E AGIR MAIS
O racismo ganhou relevância política, mas continua a ser o parente pobre do combate às
desigualdades. São tantos os desafios que, havendo vontade política, há muito por onde começar.
Há muito que Portugal, subscritor da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação, “celebra”, a cada 21 de março, o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação
Racial, que foi instituído em 1969 depois do Massacre de Sharpeville pelo regime do apartheid em 1960.
Apesar do combate ao racismo estar inscrito na ordem constitucional e jurídica ordinária – nas vertentes
penal e contraordenacional –, convém lembrar que entrou tardia e dificilmente nas preocupações
políticas nacionais.
Em 1996, o SOS Racismo e a Associação Portuguesa dos Direitos do Cidadão apresentaram uma
petição para a criação de uma lei contra a discriminação racial que seria entregue na Assembleia da
República. Em 1997, a Assembleia da República discutiu-a, reconhecendo a sua pertinência e
necessidade. Três anos mais tarde, em 1999, viriam a ser aprovadas por unanimidade na generalidade as
propostas do PS e do PCP que dariam lugar à lei contra a discriminação racial (Lei 134/99). Este quadro
jurídico criou a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), com competência
para a aplicação da legislação de combate à discrimina ão racial, “refor ada” com a lei 1 2004, que
transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2000 43 CE, mais conhecida como “Diretiva Ra a”.
Após 20 anos de vigência inoperante, criou-se a Lei n.º 93/2017, infelizmente uma oportunidade perdida
para constituir, de uma vez por todas, o racismo como crime público. Supostamente, entre outras coisas,
esta a nova lei alargaria o leque das discriminações, aumentaria a capacidade de dissuasão pelo acréscimo
das coimas e pela operacionalidade e reforçaria a prestação pública de contas por parte da CICDR.
O relatório da CICDR de 2018 mostra, por exemplo, que 22,5% das queixas de discriminação se devem
à origem racial e étnica, 19,1% à nacionalidade e 17,9% à cor da pele. Neste relatório, verificamos ainda
que 21,4% do total das queixas se referem a pessoas ciganas, 17,6% a negras e 13,3% a brasileiras (...)
Até 2019, a taxa de arquivamento para cada uma das áreas situa-se nos 80%, sendo 22% por prescrição.
Segundo esta investigação, apenas 5,8% destes casos resultaram numa condenação efetiva e a média do
valor das coimas é irrisória, situando-se nos 731 euros.
A nova legislatura começou com a inédita eleição de três deputadas negras e a entrada da extrema-
direita na Assembleia da República. Antes, durante e depois da sua eleição, o debate sobre o racismo, ao
mesmo tempo que ganhou visibilidade, revelou quão estrutural é o racismo na sociedade portuguesa.
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2020 inicia-se com o caso do assassinato do jovem cabo-verdiano Luís Giovani, marcado pelo laxismo e
silenciamento das instituições, assim como pela criminalização da comunidade cigana nos media, pela
extrema-direita, por alguns sindicatos de forças de segurança e pelo próprio presidente da Comissão de
Protecção às Vítimas de Crimes. De então para cá, tivemos as bárbaras agressões à cidadã Cláudia Simões,
um Carnaval marcado pelo repetido “black face” nos festejos escolares e pela agressão xenófoba de duas
cidadãs brasileiras, o ataque racista do deputado da extrema-direita à deputada Joacine Katar Moreira, o
insulto coletivo a Moussa Marega perante a passividade da maioria dos intervenientes.
Vivemos uma situação em que os populismos fascistas ganharam expressão e representatividade
política, apoiando-se em estratégias de banalização do racismo no espaço público e consolidando a
estratégia militante de captura das instituições através de infiltrações da extrema-direita. É nesta situação
que Marega, através do seu gesto, se tornou de repente no herói da boa consciência de muitos que até
hoje se limitaram a
encolher os ombros.
Passada a espuma do
momento, parece que
ainda há quem não
tenha percebido que o
combate ao racismo, seja
em que circunstância for,
precisa muito mais do
que a coragem de um só
homem ou de bonitas
frases feitas. A continuar
a falta de coragem para
enfrentar o monstro,
estão criadas as
condições para a consolidação do fascismo racista. O corajoso e digno gesto de Marega foi um desafio à
inércia que tem marcado o combate ao racismo. A dívida moral que o país e a democracia têm para com
ele e para com todas as vítimas do racismo só será saldada se estivermos à altura de combater o racismo
que assombra a sociedade portuguesa.
O debate vai ganhando contornos esquizofrénicos em que reina a fábula lusotropicalista do país com
racistas, mas sem racismo. Grassa uma patológica disfunção cognitiva e uma profunda vontade de
silenciamento político do debate sobre o racismo. Mas como é que se quer atacar um privilégio sem causar
desconforto? A mudança da ordem social que resulta das relações de poder de uma sociedade pós-colonial
marcada pela “linha da cor” não se faz sem criar desconforto. É impossível enfrentar o racismo sem atacar
privilégios historicamente acumulados e que sustentam o imaginário coletivo. Há uma elite investida em
ostracizar o antirracismo, acusando-o de histerismo e comparando-o com o racismo da extrema-direita.
Esta desonesta acusação serve um propósito que interessa desmontar. Colocando-se como “fiel da
balança”, procura ter o monopólio legítimo do debate sobre a questão racial. Incapaz de atribuir ao racismo
a mesma valoração ética e política que atribuiu às outras violências e incapaz de assimilar que o racismo
põe em causa a humanidade, esta elite pretende enfrentar a questão racial sem sobressaltos.
Depois do chumbo da inclusão da pergunta sobre a pertença étnico-racial nos censos pelo INE, do recuo
do Ministério Público nas acusações de racismo e tortura no caso da Esquadra de Alfragide, da enchente de
Sondagem SIC, realizada em abril de 2016, disponível em:
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discursos racistas no espaço público, da entrada da extrema-direita no Parlamento, dos repetidos casos de
violência policial sobre sujeitos racializados, o racismo ganhou mais relevância política, mas continua a ser
o parente pobre do combate às desigualdades. Fala-se muito e faz-se muito pouco. Do anterior grupo de
trabalho sobre os censos nada se sabe, a não ser algumas declarações da tutela sobre a sua reativação no
âmbito do anunciado Observatório do Racismo, sobre o qual também pouco ou nada consta.
A passagem da CICDR para a tutela da Secretaria de Estado da Cidadania e Igualdade não resolve os
problemas da sua orgânica e competências. A manutenção das questões relacionadas com a comunidade
cigana no Alto Comissariado para as Migrações é inaceitável. Querer implementar uma política de quotas,
que é necessária e urgente, sem uma recolha censitária de dados étnico-raciais e através do “método
indireto francês” é uma farsa. Uma “educa ão para a cidadania” com conteúdos curriculares
lusotropicalistas e despolitizantes é um logro. Sem orientação estratégica para o ensino bilingue e a
regulamentação do estatuto do mediador socio-cultural, a escola continuará a ser um espaço de
exclusão. Uma “agenda da igualdade” que não responda à precariedade habitacional das pessoas
racializadas reforçará a sua segregação. Uma política de emprego que não contemple medidas de
reconversão profissional deixará de fora muitas pessoas racializadas. Celebrar a diversidade cultural sem
uma política memorial que rompa com a romantização colonial é um silenciamento da nossa história
comum. Exaltar a participação política através do tokenismo ou da meritocracia é reforçar a
invisibilidade. São tantos os desafios que, havendo vontade política, há muito por onde começar.
Ultimamente, apareceram na Assembleia da República uma série de recomendações sobre o racismo. E
ainda bem. Mas, nos últimos 20 anos, foram também várias as que apareceram sem que fossem
efetivamente traduzidas numa lei, programa ou ações com resultados concretos. O combate ao racismo
nunca teve centralidade nas políticas de igualdade e continua a não ter, como o provam os vários
Orçamentos do Estado. Hoje, tão longe de derrotar o racismo, a celebração da efeméride tem que ter
substância concreta. A carga simbólica da data exige uma ação política que vá para lá das proclamações
abstratas a cada 21 de março.
Mamadou Ba, In Jornal Público, edição de 21 de Março de 2020
OUTROS RECURSOS: VÍDEOS, FILMES, ETC.
- O "Teste da boneca" é uma experiência psicológica realizado nos anos 40 nos EUA para testar o
grau de marginalização sentido por crianças afro-americanas e causado por preconceito,
discriminação e segregação racial. O vídeo mostra-nos uma recriação do teste com crianças
italianas: Disponível aqui.
-Experiência realizada na Lituânia sobre o preconceito tendo por base a raça. Pode ser visto aqui.
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