subjetividades contemporâneas leila machado
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Psicologia: questões contemporâneas - Vitória: EDUFES - 1999
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Subjetividades contemporâneas 1
Leila Domingues Machado 2
Introdução
A noção de subjetividade que colocamos em discussão não está
referida às concepções de identidade, de estrutura psíquica ou de
personalidade, ou seja, não se trata de uma palavra mais atual para dizer a
mesma coisa. Trabalharemos a partir de uma idéia de subjetividade que vem
questionar a presença de uma interioridade em separado de uma
exterioridade, tais como as polarizações clássicas: sujeito e objeto,
consciência e mundo, corpo e alma ou individual e social. Pois mesmo que a
separação entre o pólo interior e o pólo exterior conceba uma relação entre
ambos, ainda há a manutenção de um binarismo que pressupõe a
determinação de um pólo sobre o outro. Concepção que utiliza a referência de
causa-efeito e atualiza a perspectiva metafísica ao localizar em um dos pólos o
lugar da verdade.
Atualmente falamos em subjetividades intimistas, ligadas à esfera
privada, e temos para com essa forma uma relação de verdade que nos faz
acreditar que sempre fomos assim e, por conseguinte, vamos continuar sendo.
Há uma crença de que a “natureza” da subjetividade estaria referida à
interioridade, à intimidade ou à idiossincrasia e, assim, tratamos uma forma-
1 Artigo revisto e ampliado. Publicação original: MACHADO, Leila Domingues. Subjetividades Contemporâneas. In: BARROS, Mª Elizabeth Barros (org.) Psicologia: questões contemporâneas . Vitória: Edufes, 1999. 2 Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo.
Psicologia: questões contemporâneas - Vitória: EDUFES - 1999
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subjetividade, que possui uma história e está inserida num contexto, como
sendo natural e não variável. A supervalorização da esfera privada é uma
forma-subjetividade bastante comum em nossos dias, contudo não é a única
possibilidade de forma para a subjetividade.
Para pensarmos essa problemática, propomos uma distinção entre
modos de subjetivação - processos de subjetivação ou modos de existência -
e formas-subjetividade, como aspectos presentes na constituição da
subjetividade. A subjetividade nos fala de territórios existenciais que podem
tornar-se herméticos às transformações possíveis, como mapas, ou podem
tornar-se abertos a outras formas de ser, como nas cartografias. Os modos de
subjetivação referem-se à própria força das transformações, ao devir, ao
intempestivo, aos processos de dissolução das formas dadas e cristalizadas,
uma espécie de movimento instituinte que ao se instituir, ao configurar um
território, assumiria uma dada forma-subjetividade. Os modos de subjetivação
também são históricos, contudo, tem para com a história uma relação de
processualidade e por isso não cessam de engendrar outras formas.
Imaginemos uma rede cujos fios - constituídos por materiais de
expressão diversos, como: palavras, gestos, moedas, musicalidades,
conhecimentos etc. - se entrelaçam. Uma rede que não fosse lisa e sim
estriada e cujos fios se misturam em uma trama embaralhada. A rede e os fios
que a constituem são históricos. Pensemos que essa rede faça dobras,3
aproximando pontos distanciados e distanciando pontos próximos. Mas as
dobras que se formam também se desfazem e outras então se formam em um
movimento incessante. Como um lenço que rola na areia e vai formando
desenhos variados ao sabor do vento. As dobras constituem então formas
provisórias. Uma espécie de um dentro que não é fechado e que continua
sendo parte de um fora-rede.
3 A idéia de dobra é desenvolvida por Gilles Deleuze e aparece principalmente nos livros: A
dobra: Leibniz e o barroco. Campinas: Papirus, [1988] 1991 e Foucault, 1988.
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A subjetividade pode ser pensada então como sendo formada por
dobras. Mas as dobras são a própria rede, ou melhor, nós somos a própria
rede, assim como o sistema econômico, político, educacional etc. também são.
As dobras são formas que se produzem e conferem um sentido específico para
o que chamamos desejo, trabalho, arte, religião, ciência etc. As dobras não
são nem interiores e nem exteriores e sim formações provisórias de um entre
que mistura finitos materiais de expressão em ilimitadas combinações.
Acreditamos que a idéia de poder possa se oferecer como ferramenta
de trabalho para pensarmos mais essa idéia. Foucault (1984) concebe o poder
desvinculado da perspectiva de propriedade. O poder não é algo que se detém
ou que pertença a uns e não a outros. O poder é um exercício. Através de sua
análise, a oposição entre senhores e escravos é questionada. O poder, como
um exercício, é exercido por todos. Desta forma, o poder não seria
categorizado a partir de um viés binário – os dominantes e os dominados -,
mas pensado através das práticas que produz. Não haveria ninguém que
somente estivesse no campo de dominação ou de submissão. Em nossa vida
cotidiana, muitas de nossas práticas mostram-se como exercício de dominação
e tantas outras como exercício de resistência.
O poder não está desvinculado da resistência ou as práticas de
dominação não estão separadas das práticas de revolta. Não existe um vilão e
não existe um herói. Nossas ações são ora de vilania e ora de heroísmo. Tanto
o poder quanto a resistência são exercícios anônimos. O que não quer dizer
que pessoas os realizem, mas, como dissemos anteriormente, não pertencem
a ninguém. Há um complexo jogo de forças que forma uma rede que não
possui nem começo e nem fim. O emaranhado dos seus fios vai tecendo
contornos variados e vai constituindo formas. Essa rede conjuga forças
variadas que se atravessam, que estão em luta, onde o combate não fala de
vitórias ou derrotas mas de ultrapassamentos, de transformações no próprio
jogo das forças. Cada época histórica é marcada pela emergência de
determinadas configurações dessa rede como, por exemplo, formas de sentir,
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de trabalhar, de desejar, enfim, de viver. A economia, a cultura, a sociedade, a
natureza, a tecnologia e os valores assumem contornos específicos. Produz-se
uma forma-homem, uma forma-política, uma forma-conhecimento... O mesmo
se dá em diferentes sociedades onde o jogo de forças também pode assumir
formas variadas em relação a uma outra sociedade, seja em sua totalidade ou
em alguns aspectos.
O que acreditamos ser nossa personalidade, nosso mais íntimo desejo,
são expressões-em-nós da história de nossa época. A própria necessidade de
acreditarmos que temos coisas que nos são particulares e que nos diferenciam
do resto do mundo é uma produção própria do momento em que vivemos hoje.
Nós somos atravessados por toda uma complexa teia de aspectos desejantes,
políticos, econômicos, científicos, tecnológicos, familiares, culturais, afetivos,
televisivos... Entretanto, cada um de nós tem uma história de vida que é
singular e que não é interior. É como se inúmeras peças de um jogo se
embaralhassem de formas variadas e com intensidades distintas, fazendo com
que afirmássemos essa composição como sendo nosso eu ou nossa
individualidade. Mas em cada momento histórico as peças se modificam,
algumas se introduzem, algumas se mantêm e outras vão sendo esquecidas.
Experimentamos a composição de algumas delas ao longo de nossa vida e
muitas vezes, querendo ou não, elas se embaralham e assumem outras
formas.
Nós desejamos fervorosamente uma unidade com a qual nos identificar,
uma harmonia, uma estabilidade. Quando as peças se embaralham muito nos
sentimos sem chão, é como se alguém nos tivesse tirado o tapete. A questão é
que ansiamos pela ordem e repudiarmos o caos, a desestabilização de nossas
certezas, de nossas verdades. Queremos um escudo protetor que nos afaste
do desconhecido e, assim, nos faça manter uma mesma personalidade para o
resto da vida. Parece que precisamos de unidades que nos tranqüilizem. Mas
o problema é que não as pensamos como provisórias.
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A era do tempo intensivo e sem densidade
Quando vivemos atravessados pela velocidade talvez a melhor arma
seja a desaceleração. O que seria diferente de uma imobilidade. Da mesma
forma que o poder massifica, ele também individualiza. A transitoriedade das
informações pode produzir letargia e a aceleração da velocidade pode produzir
inércia. As sociedades contemporâneas são marcadas por um processo
contínuo de aceleração onde as matérias de expressão tornam-se rapidamente
obsoletas. Parece que o mundo transforma-se numa seqüência aleatória e
infinita. Neste sentido, a pluralidade configura-se em intensidade e não em
densidade. As muitas coisas que somos, que gostamos, que fazemos às vezes
não chegam nem mesmo a assumir uma forma ou somente assumem formas
padronizadas. O cotidiano transforma-se em uma coleção de tarefas sem cor,
sem sabor e sem cheiro. Passageiros aflitos da próxima novidade, desliza-se
incessantemente por tudo, repletos de informações e de um sentimento de
vazio.
Uma cronopolítica está em curso cujos desdobramentos
ainda são desconhecidos, mas que implica
necessariamente no declínio de uma profundidade de
campo nas nossas atividades as mais cotidianas. Um
achatamento temporal que proporciona um presente
eterno, sem história para trás nem para frente, sem
passado nem futuro. Presente sem espessura, ilusão da
imortalidade que ignora o começo e o fim, a morte e o
imprevisto, que só integra o desconhecido enquanto
probabilidade calculável. O paradoxo é que a
desmaterialização provocada pela velocidade absoluta
equivale a uma inércia absoluta. Estranha equação em que
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coincidem velocidade máxima e imobilidade total.
(PELBART, 1993, p. 34)
O contemporâneo traz no ideário da velocidade o desejo de um tempo
contraído sobre o instante pontual e um espaço abolido (LÉVY, 1993)
Inaugura-se uma idéia de espaço bem diferente das que se faziam presentes
no início do século. As distancias são minimizadas. O trem bala, os aviões
supersônicos, as naves espaciais, vieram expressar que o deslocamento
poderia assumir uma rapidez inimaginável. O desejo de um domínio sobre o
espaço veio acompanhado de um desejo de domínio sobre o tempo. Torná-lo
tão rápido que não haveria mais “espaço” de tempo.
O processo de disciplinar através dos espaços fechados estaria
perdendo seu predomínio para um processo de controle através do tempo.
Após a segunda guerra mundial, com a crise do capitalismo e a constituição do
capitalismo mundial integrado, com a globalização da mídia e a constituição da
era da informação, entre outros aspectos:
sociedade disciplinar é o que já não éramos mais, o que
deixávamos de ser. (...) São as sociedades de controle
que estão substituindo as sociedades disciplinares.
Controle é o nome que Burroughs propõe para designar o
novo mostro, e que Foucault reconhece como nosso futuro
próximo. Paul Virilio também analisa sem parar as formas
ultra-rápidas de controle ao ar livre, que substituem as
antigas disciplinas que operavam na duração de um
sistema fechado. (DELEUZE, 1992, p. 220)
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A crise dos espaços fechados - como a escola, a prisão ou os hospitais
psiquiátricos - também pode ser percebida no Brasil, contudo, misturamos de
uma forma específica exercícios de poder que evidenciam soberania, disciplina
e gestão da vida. As formas de controle constroem modelos de espaço-tempo
que da mesma forma que impõe limites e dizem não, produzem desejos e são
afirmativas. Embora não possamos negar a intensidade do biopoder entre nós,
também não podemos esquecer que nos trópicos promovemos coquetéis
bastante diversos e até considerados exóticos para os pensadores do velho
mundo.
Atravessado pela aceleração vive-se os processos de
desterritorialização4 como falta de territórios, contudo, muitas vezes, o que
ocorre é uma dificuldade de criação de sentidos e, com isso, uma dificuldade
na composição de territórios.5 Quando a desterritorialização é por demais
brutal, podem não ocorrer agenciamentos de subjetivação ou a configuração
de suportes expressivos para os materiais existenciais descorporificados.
Fazendo com que permaneçam passivos ou à deriva e percam a possibilidade
de constituírem uma consistência (ROLNIK, 1989). Assim, prisioneiros da idéia
de limite e de ordem, nós construímos barreiras para impedir a avalanche das
transformações. Fixamos-nos no conhecido e conferimos sentidos
manufaturados ao que nos pareça sem sentido. Movidos pelo consumo,
desejamos ter tudo e não nos afetarmos com nada. Desejamos desejar - nas
formas-desejo capitalistas - porque o verbo é infinito. Seria como fazer sexo
pela internet: sem cheiro, sem cor, sem sabor, sem contato e sem sofrimento?
4 O processo de desterritorialização é um movimento de destruição dos territórios constituídos,
podendo desdobra-se em processos de territorialização, onde novos territórios provisórios seriam inventados, ou em processos de reterritorialização, onde o processo de desterritorialização é capturado e em lugar da invenção de outros territórios teríamos a recomposição de territórios vinculados à ordem de produção capitalística. Os territórios se compõem de materiais existenciais, como comportamentos, valores, relações sociais, etc. Os territórios e as desterritorializações fazem parte e produzem formas de subjetividade. O que não quer dizer que o território seja uma identidade e que cada um tenha o seu. Muitos e variados territórios compõe nossa existência e eles podem ter sido produzidos ou não a partir da perspectiva de personalidade. Os territórios são organizações de materiais de expressão históricos.
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Montagem de territórios por meio de sistemas de referência gerais ou mapas,
valorizados a priori e que não representem a desestabilização do poder
territorial narcísico. Encontros sem contato, sexo sem suor.
Longe de buscar um consenso cretinizante e infantilizante,
a questão será, no futuro, a de cultivar o dissenso e a
produção singular de existência. A subjetividade
capitalística, tal como é engendrada por operadores de
qualquer natureza ou tamanho, está manufaturada de
modo a premunir a existência contra toda intrusão de
acontecimentos suscetíveis de atrapalhar e perturbar a
opinião. Para esse tipo de subjetividade, toda
singularidade deveria ou ser evitada, ou passar pelo crivo
de aparelhos e quadros de referência especializados.
Assim, a subjetividade capitalística se esforça por gerar o
mundo da infância, do amor, da arte, da loucura, da dor, da
morte, do sentimento de estar perdido no cosmos... É a
partir dos dados existenciais mais pessoais - deveríamos
dizer mesmo infra-pessoais - que o Capitalismo Mundial
Integrado constitui seus agregados subjetivos maciços,
agarrados à raça, à nação, ao corpo profissional, à
competição esportiva, à virilidade dominadora, à star da
mídia... Assegurando-se do poder sobre o máximo de
ritornelos existenciais para controlá-los e neutralizá-los, a
subjetividade capitalística se inebria, se anestesia a si
mesma, num sentimento coletivo de pseudo-eternidade.
(GUATTARI, 1990, p. 34)
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A reversão dos processos totalitários que experimentamos no presente
não seria o recurso a territórios fabricados em conformidade com o status quo.
Em lugar de inventarmos outros territórios existenciais nos fixamos em
territórios modelos, que são tratados como uma espécie de escudo mágico
contra a “loucura” da atualidade. Enfim, num movimento de tentativa de
organização das mudanças aceleradas, nos assentamos em formas
padronizadas que nos surgem carregadas de um colorido de novidade. É
quando casais apaixonados, por exemplo, mantém apartamentos separados e
pregam a importância de um espaço próprio e, em contrapartida, promovem
um controle recíproco de horários, em tempo real, através do celular. É
necessário estarmos sempre forjando territórios existenciais provisórios e que
venham escapar a uma forma-subjetividade serializada. A provisoriedade pode
funcionar apenas como uma adesão ao descartável ou ser uma tentativa de
reversão do que se tornou instituído em uma época.
VIDA E ARTE: UMA SIMPLES FORMALIDADE? 6
A chuva forte deixa nebulosa a paisagem do bosque daquela pequena
cidade. As árvores se transformam em enormes sombras. Um homem corre,
parecendo sem destino, por caminhos que se descortinam imprevisíveis em
meio a escuridão. O som de seus passos são acompanhados pelo forte
palpitar do seu peito. Uma luz surge ofuscante. Uma pergunta ecoa
incansável: quem é você? Um assassinato, um assassino, a polícia procura
por.
O ritual de interrogatório percorrerá toda a noite. Quem é você? Como
se chama? Me diga seu nome! O homem completamente molhado, que vagava
sem capa e sem documentos em meio a tempestade, responde Onoff, como
6 Baseado no filme Uma simples formalidade, dirigido por Giusepp Tornatore, 1994, 108’.
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quem poderia dizer Shakespeare ou qualquer outro escritor consagrado. O
comissário retruca com ironia ser Leonardo da Vinci e começa a recitar: “Até
hoje eu duvido ter vivido aqueles dias, (...) de ter conhecido quem me surgia
diante dos olhos. Um corpo que precisava de um sopro.”
O homem molhado permanece a olhar indiferente o comissário que aos
berros diz conhecer a biografia de Onoff como ninguém, acusando-o de falsa
identidade. Após um silêncio arrastado diz: “Seus olhos copos precisam de
uma luz... e seus lábios, um último lamento. E esse sonho precisava de um
dormente...”
“Onoff! Como não o reconheci! Eu que já vivi em tantos dos seus
mundos!” As regras do jogo estavam postas. Onoff e o comissário. Perguntas
se avolumam na tentativa de elucidação de um assassinato. A imagem do
escritor oscila entre o heroísmo e a suspeita, entre a verdade e a mentira,
entre extremos opostos que lançam percalços à tentativa de configuração do
perfil do assassino.
As respostas desdobram-se em novas questões, em lugar de aplacar a
saga detetivesca do comissário. A história se descortina em múltiplas
possibilidades, onde acompanhamos uma suposta “mesma cena” sob
diferentes ângulos, em diversos tempos, com diferentes personagens, com
sequências multifacetadas... Acreditamos em estações e em trens que dizem
nunca terem existido. As “contradições” só seriam possíveis na literatura?
Percorremos as fotografias em busca de algum sinal, de alguma unidade e
todas se mostram artificialmente construídas.
Por fim, o quem é permanece sem resposta ou se configura
indefinidamente em várias possibilidades. Não sabemos quem matou e nem
quem morreu, se eram homens ou mulheres, quais os motivos envolvidos. Não
sabemos sequer se todas aquelas histórias existiam de fato. Permanecemos
sob o fio da navalha que insiste em não opor-se em pólos, que insiste em
embaralhar falsos e idênticos, verdades e mentiras, heróis e assassinos.
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Como escritor, Onoff falava da vida que não lhe pertencia, que não
cabia nos limites do seu corpo e criava mundos, outras vidas nas quais
vagavam seus leitores. Onoff era um autor-personagem, sua biografia de
grande escritor fora toda inventada, seu nome não era verdadeiro. Da mesma
forma que escrevia seus livros, escrevera a história de sua própria vida para
ser consumida por leitores ávidos de detalhes do seu cotidiano, dos seus
hábitos, da identidade do herói. Autor e personagem se atravessavam, se
entrecortavam, misturavam vidas imaginárias e reais.
Como homem, vivia condenado a escrever mas não era digno de sua
obra. Onoff nascera das fantasias de um mendigo-escritor, um velho amigo
que lhe inventara o nome adequado para um futuro promissor. Após sua morte,
recebera junto de uma carta uma série de manuscritos desconexos que
decifrara tempos depois. Publicou a obra sob o nome Onoff. Emprestava
tardiamente ao amigo a identidade de escritor forjada em comum. O sucesso
deste livro passou a lhe pesar nos ombros. Nada parecia comparável àquelas
páginas rascunhadas ao longo de toda uma vida.
Febraio, nome de batismo do homem-molhado-sem-documentos
encontrado no bosque, queria se libertar de Onoff. A força da obra perpassava
o corpo do homem e o dilacerava, não conseguia mais ter passagem. A busca
da perfeição aprisionava o seu dia-a-dia, a sua possibilidade de amar, a
abertura para a própria invenção da vida. A obra ficou enclausurada ao autor.
O escritor teria domesticado seus escritos. Onoff era a identidade que
precisava ser calada para abrir espaço aos afetos, às múltiplas formas de
existência.
O filme “Uma Simples Formalidade” coloca em cena a temática da
identidade e da verdade, ou melhor, da verdadeira identidade. O anonimato
não nos seria suportável? Autor e obra são chamados a afirmar sua
individualidade e sua unidade, a própria coerência, um fio que costura a
disparidade das experiências e a não uniformidade da escrita. Do homem
Febraio era exigida a construção e a manutenção do nome Onoff, a vida do
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autor deveria ser assegurada. Do autor era exigida a continuidade da obra, a
contínua consagração. No entanto, o impasse se coloca quando o autor é
suspeito de assassinato e quando a obra é suspeita de plágio.
Foucault indaga: o que é um autor? A imagem que insistimos em
produzir para o autor seria:
(...) aquilo que permite ultrapassar as contradições que
podem manifestar-se numa série de textos: deve haver - a
um certo nível do seu pensamento e do seu desejo, da
sua consciência ou do seu inconsciente - um ponto a
partir do qual as contradições se resolvem, os elementos
incompatíveis encaixam finalmente uns nos outros ou se
organizam em torno de uma contradição fundamental ou
originária. Em suma, o autor é uma espécie de foco de
expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se
manifestam da mesma maneira, e com o mesmo valor,
nas obras, nos rascunhos, nas cartas, nos fragmentos,
etc. (FOUCAULT, 1992, p. 53)
Me deram um nome e me alienaram de mim *
A multiplicidade nos aflige. Exigimos certa constância de valores, uma
unidade estilística, uma autenticidade, para podermos dizer: concordamos ou
discordamos, gostamos ou odiamos, somos amigos ou não. Como tais
unicidades podem ser pensadas como construções que venham aplacar a
angústia de estarmos sempre diante de imprevistos, esquecemos do livro que
* LISPECTOR, Clarice, 1978, p.37.
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não gostamos, da mágoa que o amigo causou, da opinião que abominamos ou
sequer lemos ou ouvimos alguma coisa vinda do escritor não grato. Assim,
voltamos a bela totalidade uníssona das identidades e de suas verdades. Não
perdoamos ao autor um livro ruim e nem admitimos as metamorfoses
produzidas nos jogos, nos encontros. Enfim, a multiplicidade nos apavora.
Parece que somente admitimos uma pluralidade de “eus” ou uma identidade
plural.
Com isso, não estamos defendendo o consenso, parte do ideário da
política neoliberal. Não há aqui nem uma apologia de respeito ao próximo, nem
uma apologia dos jogos de interesse e nem, tampouco, uma apologia às
constantes produções reativas de discordâncias, de intolerâncias, de
autoritarismos, de generalizações, de preconceitos, de xenofobia. Não se trata
de ser submisso e nem de ser do contra. O que pode ser uma boa forma de
continuar cada um na sua e bola pra frente. A idéia de diferença que se faz
presente em tais práticas somente reafirma a identidade, o outro se resume a
alguém distinto de um “eu”, o que vem configurar a manutenção da polaridade
sujeito e objeto. Admite-se a diversidade de uma forma asséptica. Mecanismos
de um processo de indiferença que faz a diferença ser banalizada, pregada
aos quatro cantos num discurso de aceitação e respeito distanciados. O que
não significa envolvimento, possibilidade de afetar e de ser afetado pelo outro,
abertura para as transformações promovidas nos encontros da vida.
O que teria produzido tal crença-seguro na unidade, no idêntico e esse
pânico a tudo que se mostre intempestivo, provisório, estranho? O século XIX
comportou idéias que afirmavam a razão, a supremacia da consciência, bem
como, o inconsciente e sua outra lógica, seu insistente descumprimento dos
princípios da racionalidade, da cronologia, das leis e normas dos contratos
sociais. Descontinuidade nada desprezível. Produção de um novo discurso
sobre o sujeito. Entretanto, se o lugar da verdade mudava de endereço, a
“busca de” seguia seu rumo.
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Para se saber “quem é você?” não bastaria um exame de consciência,
um padre, uma confissão, seria preciso escutar esse outro lado, pois “penso
onde não sou, portanto sou onde não me penso”. E aí, o ato de confissão
torna-se sofisticado, pecar não é só fazer, mas ter a “intenção de”, desejar,
imaginar, sonhar. Não tem saída, se pensou pecou. Não basta, também, falar
para alguém é preciso estar só-consigo-mesmo, estar atento a todos os
detalhes, às palavras que disse e às que não disse, aos nomes que trocou ou
até às piadinhas que escaparam, pois tudo isso fala. Estamos diante de todo
um processo de aperfeiçoamento rebuscado de um olhar para o próprio
umbigo. Intimismo mesclado de narcisismo, de uma desenfreada preocupação
com a sexualidade, do medo do desconhecido, do desprezo pelo espaço
público que não comporte as mazelas da vida privada. Contudo, a vida pública
não encolheu, o espaço privado é que teria estendido seus domínios,
recoberto o público e dado a ele novos adereços (SENNETT, 1988).
No século XX, o processo intimista ganha os matizes do psico-tudo,
busca de auto-conhecimento assumindo as formas mais variadas, cristais,
florais, tarôs, hipnoses, até um “eu o.k., você o.k.” com ar tupiniquim. As crises
político-econômicas transformam-se em conflitos existenciais, muitas vezes. A
descrença nas lutas sociais, em uma sociedade mais igualitária, abre espaço
para um “gosto de levar vantagem em tudo”. A “lei do Gerson” pode ser vista
como expressão do descrédito nos movimentos sociais e lembrança de que se
você não correr alguém pode chegar na frente. Velocidade desenfreada a nos
lembrar que “não deixe pra amanhã o que você pode fazer hoje”. “Ética” do
meu desejo. O espaço público é considerado hostil. A privacidade precisa
oferecer-lhe contornos mais pessoais, com toques mais íntimos. Trata-se de
uma espécie de relação com o espaço público como se esse fosse uma esfera
pública do domínio privado.
Diante da telinha rimos de nós mesmos. A televisão consegue ser
homogeneizadora e especular. O cotidiano mais particular é passado em
cadeia nacional e nos deliciamos ao ver a reprodução dos nossos dilemas,
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nossa comédia da vida privada: se o ultraje é a rigor ou não, eu me amo e não
posso mais viver sem mim. Parte dos rituais que compõe o culto do interior na
atualidade. O problema é que naturalizamos determinadas concepções de
desejo e de subjetividade. Acreditamos que sempre foi, é e será assim.
Quando uma visão crítica é lançada sob tais aspectos produz-se, muitas
vezes, um sentimento de que não tem saída, é tudo grande demais, longe
demais e não podemos alcançar. O que pode se configurar em sentimentos de
descrédito e cansaço promovendo aceitações incondicionais. Diante do “que
não tem remédio, remediado está”, nos restaria cruzar os braços e aderir a
saga da “privatização” desenfreada.
Na atualidade, ser yuppie coincide com os valores massificados, nos faz
estar na moda, nos oferta territórios padronizados e autenticados com o selo
do sucesso, nos coloca na crista da onda do consumo.7 Deixar-se afetar pelo
estranho, pelo inatual, não nos confere certezas. Muitas vezes nos parece
mais confortável a adesão a uma subjetividade serializada. Mas também nos
sentimos desconfortáveis no reino da falta-consumo. “A época contemporânea,
exacerbando a produção de bens materiais e imateriais em detrimento da
consistência de territórios existenciais individuais e de grupo, engendrou um
imenso vazio na subjetividade que tende a se tornar cada vez mais absurda e
sem recursos”. (GUATTARI, 1990, p. 30). Desta forma, seria preciso uma
reinvenção cotidiana da existência, uma luta incansável pela não-captura, uma
curiosidade ilimitada pela vida, por suas cores, por seus cheiros, por seus
sabores, por suas densidades intensivas.
O contemporâneo, neste sentido, não se configuraria como uma via de
mão única, existem as pluralidades, as diferenças, as fragmentações. Contudo,
7 Suely Rolnik utiliza as imagens do yuppie e do antropófago para falar de formas
diferenciadas e que estariam presentes na atualidade para lidar com a dispersão, com o fragmentado, com o pluralismo, com a velocidade, com o consumo, com o descartável, com a mídia, etc. O que tenta mostrar é que o contemporâneo em si não significa um processo de adesão ou de contestação, de transformação ou de submissão, do mal ou do bem. É preciso pensar como cada época oferece todo um repertório de materiais de expressão que podem ser utilizados e recombinados de ilimitadas formas. O importante é efetuarmos movimentos que escapem à captura dos exercícios de poder que visam a dominação ou a massificação.
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o plural ou a “diferença” podem estar a serviço da manutenção de territórios-
modelo. As diferenças identitárias podem significar um distanciamento
respeitoso, e uma indiferença para tudo o que não nos diga respeito
diretamente. A pluralidade pode significar máscaras que desfilamos
ecleticamente para nada afirmar. Mas a fragmentação, o pluralismo e a
diferença também podem significar a multiplicidade que nos constitui, as
diferenças que nos produzem, os fragmentos que nos marcam. Não em uma
intensidade vazia mas na construção de densidades repletas de marcas da
história e de sua superação.
A problematização da idéia de identidade não deveria ser entendida
como uma recusa frente à existência de sujeitos concretos ou como a negação
da história de vida de alguém. Mas, também, não consideramos que se trate
de substituir a idéia de sujeito pela idéia de estrutura ou de funções.
Pensamos a subjetividade como podendo assumir diferentes formas. O que
significa podermos perceber o contemporâneo como um jogo de forças que
fala de desejos e de medos que se fazem presentes em nosso cotidiano.
Contudo, significa também pensarmos que as formas assumidas pela
subjetividade na atualidade não são as últimas e nem são as únicas. Nesse
campo de forças, outras formas podem ser criadas quando permitimos o
acesso ao intempestivo, ao estranho, ao desconhecido, ao inatual, ao devir
sempre-outro.8
A unidade, a identidade, a coerência podem ser sacudidas em seu
curso natural. Um nome não expressa a nossa essência, fala de nossa história.
Dessa forma, em lugar do “ponto final” poderíamos fazer afirmações-
problematizantes. A processualidade transforma a vida em um constante fluxo-
8 O devir-outro seria a corporificação, na dimensão visível, das diferenças que iriam se
engendrando na dimensão invisível, que estariam aquém e além do eu. Cf. ROLNIK, Suely. Cidadania e alteridade: o psicólogo, o homem da ética e a reinvenção da democracia. In: Spink, M. (org.). A cidadania em construção. São Paulo: Cortez, 1994.
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questão, faz as certezas serem provisórias, nos torna permeável ao devir.
“Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente”.9
Dentro de mim sou anônimo. Viver exige tal audácia 10
Em lugar da permanência em campos mapeados, onde podemos dizer
“eu sou assim”, “mãe é sempre igual só muda de endereço”, “o povo não sabe
votar” ou “toda mulher tem medo de barata”, criar novas cartografias. Em lugar
do Bem e do Mal, como valores morais absolutos e homogeneizadores do
campo social, apostar em bons encontros, em relações que venham aumentar
nossa potência.11 Não destruir a si sob a força da culpabilidade e não destruir
o outro sob a força do ressentimento. A potência em lugar da impotência.
Possibilidade de afetar e permitir-se ser afetado, onde o encontro produza
ações que venham instaurar a vida e não simplesmente evitar a morte.
Para pensarmos em uma ética da existência seria preciso não tratar o
desejo ou a subjetividade como idéias vinculadas a um plano do absoluto. A
ética não estaria no plano do transcendente mas no plano do imanente. Os
valores estariam abertos sempre para novas produções. Vinculados à
expansão da vida, são questionadores de tudo que se mostre paralisado,
cristalizado, mumificado. Dão acesso à diferença como possibilidade de outra
coisa, de estranhamento de si, do outro e do mundo. Não um olhar que vaga
9 LISPECTOR, Clarice, 1978, p. 13. 10 LISPECTOR, Clarice, 1978, p. 37. 11 Os bons encontros ocorreriam quando um corpo compõe com o nosso e toda a sua força
ou parte dela vem aumentar a nossa. Um mais de força não no sentido de um acúmulo de força, mas no sentido de uma maior intensidade das forças ativas, que venha produzir uma outra qualidade de força, uma potência de agir. Os maus encontros ocorreriam quando os corpos em suas relações produzem decomposição de forças - forças reativas- que se expressariam no se contentar ou se acomodar em sofrer os efeitos, em reclamar, em se lamentar, em acusar. Estas seriam as paixões tristes , a potência de padecer .
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sobre as regiões de visibilidade reconhecendo sentidos, mas um olhar que
venha produzir sentidos.
Desnaturalizar a idéia de subjetividade, seria pensar na constituição do
desejo atravessada por todo um conjunto de aspectos econômicos, culturais,
políticos etc. Ao datarmos o que vivemos, ao pensarmos em outras sociedades
e em outros momentos históricos, podemos perceber que nem sempre foi
assim e nem sempre será. Não cabe aqui nenhuma nostalgia e sim a
possibilidade de pensarmos a subjetividade como um processo em constante
transformação.
Parece-nos questionável pensar um momento histórico como portador
somente de forças reativas. A mídia, por exemplo, é constantemente criticada
por promover a passividade, a alienação, a não criatividade, o aumento da
violência, enfim, a transformam em grande vilã. Não poderíamos pensar que a
mídia não teria nada a ver com isso, entretanto não nos parece adequado
dizer que produza sozinha tudo isso e nem que somente produza esse tipo
efeito. É possível utilizar-se da mídia de inúmeras formas, apropriando-se de
sua maquinaria de forma ativa em lugar de nos rendermos ao seu padrão
centralizador de sentido.
O que condena o sistema de valorização capitalístico é seu
caráter de equivalente geral, que aplaina todos os outros
modos de valorização, os quais ficam assim alienados à
sua hegemonia. (...) fazer transitar essas sociedades
capitalísticas da era da mídia em direção a uma era pós-
mídia, assim entendida como a reapropriação da mídia por
uma multidão de grupo-sujeito, capazes de geri-la numa
via de ressingularização. (GUATTARI, 1992, p. 51 e 47 )
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A informática, que também muitas vezes é tida como grande
colaboradora de uma espécie de distanciamento social, vem nos apresentando
muitas questões a serem pensadas. A própria montagem do conhecimento
vinculado à informática traz a idéia de que as afirmações precisam ser
provisórias. Não há para esse saber uma verdade que vai sendo burilada, mas
um defrontar-se constante com inúmeros deslocamentos que são a própria
possibilidade da sua existência. Estamos diante do “conhecimento por
simulação” onde não haveria algo a ser lido ou interpretado e sim explorado.
“Para inventar a cultura do amanhã, será preciso que nos apropriemos das
interfaces digitais. Depois disso, será preciso esquecê-las” (LEVY, 1993, p.
132).
Não acreditamos tratar-se de elaborar listas de culpados. O lamento e a
indignação não produzem transformações. Não cabe um debate sobre o
presente pensado como uma realidade exterior da qual somos vítimas
subjugadas. Nosso interesse está centrado em esboçar algumas
considerações acerca do contemporâneo, na perspectiva de um presente
pensado em sua positividade, no que vem afirmar.
Uma sociedade nos parece definir-se menos por suas
contradições que por suas linhas de fuga, ela foge por
todos os lados, e é muito interessante tentar acompanhar
em tal ou qual momento as linhas de fuga que se
delineiam. (DELEUZE, 1992, p. 212)
...é exatamente na articulação: da subjetividade em estado
nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente
no ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo
a saída das crises maiores de nossa época. (GUATTARI,
1990, p. 55)
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Consideramos importante problematizarmos a atualidade indicando os
exercícios de poder que se pretendem soberanos e que produzem servidão.
Mas entendendo que eles não serão eternamente dominantes e nem tampouco
totalitários. Será sempre possível inventar outras possibilidades, brechas
através das quais podemos fazer outras afirmações. Não há um poder que seja
total, ou melhor, todo exercício de poder é acompanhado de sua possível
reversão. Deleuze nos diz que não “se deve perguntar qual o regime mais
duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as
liberações e as sujeições. (...) Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas
armas” (DELEUZE, 1992, p. 220).
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