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SOBRE A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS, DE GARDNER

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Escrito por psicopr

Sex, 15 de Abril de 2005 17:37

SOBRE A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS, DE GARDNER

Leandro Kruszielski

Trabalho apresentado à disciplina de Psicologia da Aprendizagem,

da Universidade Federal do Paraná (1999)

Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do conhecimento.Outras ganham espaço na mídia em geral e, consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. Ateoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (pesquise livros e preços de edições brasileiras)parece estar enquadrada nos dois casos.

Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do conhecimento.Outras ganham espaço na mídia em geral e, consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. Ateoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner parece estar enquadrada nos dois casos.

Este fato acarreta vantagens e desvantagens. A grande vantagem, neste caso, é a mudança de pensamentode pessoas que normalmente não tem acesso ou interesse em artigos científicos. A desvantagem encontra-seno fato de que, ao tornar-se uma teoria "popular", correria riscos de ser tratada superficialmente permitindoque os eventuais erros fossem expostos sem uma análise mais crítica.

Pensando desta maneira, o presente trabalho pretende apresentar de forma sucinta a teoria das InteligênciasMúltiplas e realizar uma breve análise crítica da teoria, enfocando principalmente o aspectoneuropsicológico inserido nela. Por esta razão, durante a exposição da teoria em si, embora mantendofidelidade ao conteúdo original, serão utilizados outros autores para fundamentar as inteligências em seuaspecto cerebral. Fundamentando-se assim, poderá acontecer uma crítica mais consistente por estarenfocada em determinado aspecto, que anteriormente foi destacado na apresentação da teoria.

2. A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

Em 1900 o psicólogo francês Alfred Binet foi solicitado para que desenvolvesse uma medida de prediçãodo sucesso escolar de crianças das primeiras séries. Desta forma surgiu o primeiro teste de inteligência. Talteste tinha por finalidade geral diferenciar crianças retardadas e crianças normais nos mais diferentes graus.Após a I Guerra Mundial, onde o teste de Q.I. (Quociente Intelectual) foi utilizado para medir a inteligênciados soldados, tornou-se muito popular sua aplicação.

Com a popularização do teste, propagou-se a idéia de inteligência nele inserida. A inteligência seria única,estagnada, passível de ser medida quantitativamente. Segundo GARDNER (1995, p. 21), autor da teoriadas Inteligências Múltiplas que veremos a seguir, segundo esta visão tradicional: "a inteligência é (...) acapacidade de responder a itens em testes de inteligência". Os testes psicométricos consideram que existeuma inteligência geral, nos quais os seres humanos diferem uns dos outros, que é denominada g. Este gpode ser medido através da análise estatística dos resultados dos testes. É importante acrescentar que tal

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maneira de encarar a inteligência ainda hoje está presente no senso comum e mesmo em muitas parcelas domeio científico.

Porém podemos observar que durante todo o século XX, vários psicólogos e cientistas de outras áreas doconhecimento fizeram fortes críticas aos testes de Q.I. Vygotsky, por exemplo, apontou o erro no que dizrespeito aos testes de inteligência abordarem as zonas de desenvolvimento proximal de modo errado. Piagettrabalhava com tais testes, mas a sua atenção era voltada para as linhas de raciocínio das crianças, não paraas respostas dadas. Estudando as respostas erradas e os raciocínios que conduziam a elas, Piaget construiuparte de sua teoria. Ao criticarem o modo como era medido a inteligência, o próprio conceito de inteligênciacontido em tais testes era também criticado.

Entretanto uma proposta mais revolucionária surgiu recentemente através de Howard Gardner, psicólogo eprofessor norte americano. GARDNER (1995, p.14) entende por inteligência "a capacidade para resolverproblemas ou elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários".A novidade dentro da teoria de Gardner é considerar a inteligência como possuindo várias facetas. Taisfacetas, que na verdade são talentos, capacidades e habilidades mentais; são chamadas de inteligências nateoria das Inteligências Múltiplas, como o próprio nome explicita.

Antes de discorrer a respeito da teoria e das diversas inteligências vale lembrar de um curioso incidente queaconteceu em nosso país antes de Copa do Mundo de 1958. O Brasil possuía seu primeiro psicólogoesportivo, João Carvalhaes, que atendia a seleção brasileira de futebol. O psicólogo resolveu aplicar emtodos os jogadores testes de QI. Garrincha, que estava no apogeu de sua carreira, após responder os testesficou sabendo que seu quociente intelectual era irrisório, sendo classificado como débil mental. Por estemotivo quase foi impedido de participar da Copa. (MODERNELL, 1992, p. 56)

Ninguém duvida do talento que possuía este atleta quando se encontrava no meio de um gramado com abola nos pés. Todavia, o teste psicométrico de inteligência indicava Garricha como uma pessoa sem grandeschances de ser bem sucedido em sua vida, o que não correspondeu à realidade. Fica claro que os testes deQI predizem apenas como vai ser o desempenho escolar e não o sucesso profissional depois de concluída ainstrução formal.

É dentro desta perspectiva que Gardner apresenta a teoria das Inteligências Múltiplas (IM). Os testes de QImedem apenas as capacidades lógica e lingüística, capacidades que normalmente são as únicas exigidas eavaliadas pelas escolas e, sem dúvida, as capacidades mais valorizadas em nossa sociedade. Gardnerpretende considerar também as outras capacidades, as outras "inteligências" menos lembradas, para analisá-las em sua teoria.

Para selecionar quais as inteligências que seriam trabalhadas em sua teoria foram utilizadas diversas fontes:as informações disponíveis sobre o desenvolvimento normal e o desenvolvimento do indivíduo talentoso;estudos sobre populações prodígios, idiotas sábios, crianças autistas, crianças com dificuldade deaprendizagem; dados sobre a evolução da cognição; considerações culturais comparadas sobre a cognição;estudos psicométricos; estudos de treinamento psicológico e principalmente análise da perda dascapacidades cognitivas nas condições de lesão cerebral. Foram consideradas inteligências genuínas apenasas inteligências candidatas que satisfaziam todos ou, pelo menos, a maioria dos critérios acima. Além dissocada inteligência deveria ter uma operação nuclear ou um conjunto de operações identificáveis e deveriatambém ser capaz de ser codificada em um sistema de símbolos. (GARDNER, 1995, p. 21-22)

Deste modo, foram selecionadas sete inteligências em particular: lógico-matemática, lingüística, musical,corporal-cinestésica, espacial, interpessoal e intrapessoal. Cada uma delas será analisada separadamente.

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2.1 INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA

Como o próprio nome indica, a inteligência lógico-matemática é a capacidade lógica e matemática, assimcomo a capacidade de raciocínio científico ou indutivo, embora processos de pensamento dedutivo tambémestejam envolvidos. Esta inteligência envolve a capacidade de reconhecer padrões, de trabalhar comsímbolos abstratos (como números e formas geométricas) assim como discernir relacionamentos ou entãover conexões entre peças separadas ou distintas. Relaciona-se, também, à capacidade de manejarhabilmente longas cadeias de raciocínio, elaborar perguntas que ninguém fez, conceber problemas e levá-losa diante. Juntamente com a linguagem, é a principal base para os testes de QI. O desenvolvimento de talinteligência foi o grande objeto de estudo de Jean Piaget.

Tal inteligência possui uma natureza não-verbal, de modo que a solução de um problema pode serconstruída antes de ser articulada. Alguns idiotas sábios realizam grandes façanhas de cálculo sem sequersaberem comunicarem-se ou até mesmo realizar simples operações de adição ou subtração. Como doisgêmeos relatados por SACKS (1997, p.217) que apenas vêem a resposta do problema: "Uma data émencionada e, quase instantaneamente, eles informam em que dia da semana ela cairá. (...) Eles tambémpodem dizer a data da Páscoa durante o mesmo período de 80 mil anos." Enquanto tais gêmeos sãotragicamente deficientes em diversas áreas, conseguiram realizar um algoritmo para a data da Páscoa queaté mesmo o grande matemático Gauss teve uma enorme dificuldade para descobrir. Possuem umainteligência lógico-matemática extremamente desenvolvida.

A região do córtex responsável pelo cálculo matemático em si e, provavelmente, pela inteligência lógico-matemática situa-se na região têmporo-paríeto-ocipital do hemisfério esquerdo. (LURIA, 1981, p. 25)

Está presente nos cientistas, programadores de computadores, contadores, advogados, banqueiros ematemáticos.

2.2 INTELIGÊNCIA LINGÜÍSTICA

A inteligência lingüística é manifestada no uso da linguagem (seja ela escrita, falada ou através de outromeio), no significado das palavras; pela capacidade de seguir regras gramaticais e usar a linguagem paraconvencer, estimular, transmitir informações ou simplesmente agradar. Ainda é responsável por todas ascomplexas possibilidades lingüísticas, entre elas, a poesia, as metáforas, o raciocínio abstrato e opensamento simbólico.

São duas as principais áreas corticais responsáveis pela linguagem. A área de Wernicke (lobo temporal dohemisfério esquerdo) é responsável pelo entendimento da linguagem e a organização das palavras. A áreade Broca (giro pós-central do hemisfério esquerdo) cuida da articulação da fala, da produção da linguagemexpressiva. Ainda contribuem para a linguagem a região têmporo-ocipto-parietal responsável pelaorganização gramatical e o hemisfério direito para criar o ritmo, entonação e fluxo da fala. (SPRINGER;DEUTSCH, 1993. p. 184-186).

Nos poetas, teatrólogos, escritores, novelistas, oradores e comediantes podemos encontrar a inteligêncialingüística bem desenvolvida.

2.3 INTELIGÊNCIA MUSICAL

Esta inteligência baseia-se no reconhecimento de padrões tonais (incluindo sons do ambiente) e numasensibilidade para ritmos e batidas. Inclui também capacidades para o manuseio avançado de instrumentosmusicais.

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Não podemos separar para a inteligência musical determinadas áreas corticais como fizemos para ainteligência lingüística. Mas sabemos que o hemisfério direito, principalmente o lobo temporal, é oencarregado da audição e da criação musical. Uma lesão maciça neste hemisfério pode levar a uma amusia:o lesionado não consegue perceber combinações rítmicas ou até mesmo entonações de voz. (LURIA,1981, p. 112)

É destaque dos músicos, cantores, compositores e maestros.

2.4 INTELIGÊNCIA CORPORAL-CINESTÉSICA

A inteligência corporal-cinestésica está relacionada com o movimento físico e com o conhecimento docorpo. É a habilidade de usar o corpo para expressar uma emoção (dança e linguagem corporal) ou praticarum esporte, por exemplo. Garrincha, reprovado no teste de QI, provavelmente apresentaria um ótimodesempenho nesta inteligência se esta fosse submetida a um teste psicométrico.

"O controle do movimento corporal está, evidentemente, localizado no córtex motor, com cada hemisfériodominante ou controlador dos movimentos corporais no lado contra-lateral." (GARDNER, 1995, p. 23)Porém é possível acrescentar outras áreas corticais também importantes para a realização do movimentoque Gardner deixa de lado. Uma delas é o giro pós-central, onde está localizado o Homúnculo de Penfieldsensitivo. É uma representação somatotópica: cada ponto sensitivo do corpo tem uma representação nestaparte do córtex. Por exemplo, a mão, que possui muitos receptores sensitivos, possui uma representaçãogrande no córtex enquanto que o pé, com menos receptores, possui uma área menor. (MACHADO, 1981,p. 219) Deste modo, esta área cortical tem como função sentir, perceber o corpo para que o movimentopossa ser harmônico. Outra área importante é o córtex pré-motor, que integra os impulsos motores notempo, permitindo a criação de movimentos habilidosos, suaves e finos. (LÚRIA, 1981, p. 154)

A inteligência corporal-cinestésica pode ser melhor observada em atores, atletas, mímicos, artistas circensese dançarinos profissionais.

2.5 INTELIGÊNCIA ESPACIAL

A inteligência espacial é a capacidade de formar modelos mentais (imagens) e operar com tais imagens. Aimagem não é necessariamente visual, pode ser construída uma imagem tátil, por exemplo, que é o quegeralmente faz uma pessoa cega ao tatear objetos. Esta inteligência lida com atividades como as artesvisuais, a navegação, a criação de mapas e a arquitetura.

Enquanto o hemisfério esquerdo do cérebro tornou-se mais lingüístico durante a evolução, o hemisfériodireito especializou-se no processamento espacial. A principal área cortical que controle toda esta questãoespacial é a região têmporo-paríeto-ocipital. Uma lesão em tal área impede que o lesionado consigainterpretar os ponteiros de um relógio, encontrar sua posição em um mapa ou então orientar-se dentro deespaços fechados. Fica claro o quanto esta a região têmporo-ocipto-parietal é importante para umainteligência espacial. (LURIA, 1981, p.24)

Engenheiros, escultores, cirurgiões plásticos, artistas gráficos e arquitetos dependem desta inteligência paraatuarem com êxito.

2.6 INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL

Esta inteligência opera, primeiramente, baseada no relacionamento interpessoal e na comunicação. Envolvea habilidade de trabalhar cooperativamente com outros num grupo e a habilidade de comunicação verbal enão-verbal. Constrói a capacidade de perceber, por exemplo, alterações de humor, temperamento,

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motivações e intenções de outras pessoas. Em sua forma mais avançada a pessoa consegue ler, mesmo queos outros tentem esconder, os desejos e intenções, podendo ter empatia por suas sensações, medos ecrenças.

"Todos os indícios na pesquisa do cérebro sugerem que os lobos frontais desempenham uma papelimportante no conhecimento interpessoal. Um dano nessa área pode provocar profundas mudanças depersonalidade, ao mesmo tempo em que não altera outras formas de resolução de problemas - a pessoageralmente não é a mesma' depois de um dano desses." (GARDNER, 1995, p.27)

A inteligência interpessoal é desenvolvida nos professores, terapeutas, políticos e líderes religiosos.

2.7 INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL

Esta outra inteligência pessoal está relacionada aos estados interiores do ser, à auto-reflexão, àmetacognição (reflexão sobre o refletir) e à sensibilidade perante as realidades espirituais. Podemos dizerque é a capacidade de formar um conceito verídico sobre si mesmo pois envolve o conhecimento dosaspectos internos de cada um, como o conhecimento dos sentimentos, a intensidade das respostasemocionais, a auto-reflexão e um senso de intuição avançado.

"Assim como na inteligência interpessoal, os lobos frontais desempenham um papel central na mudança depersonalidade. Um dano na área inferior dos lobos frontais provavelmente produzirá irritabilidade oueuforia, ao passo que um dano nas regiões mais altas provavelmente produzirá indiferença, desatenção,lentidão e apatia - um tipo de personalidade depressiva". (GARDNER, 1995, p. 28)

Um bom desempenho da inteligência intrapessoal pode ser encontrada em filósofos, conselheiros espirituais,psicólogos e pesquisadores de padrões de cognição.

Estas são as sete inteligências "clássicas" apresentadas no livro "Estruturas da Mente" de Gardner. O autor,posteriormente passou a considerar também outras inteligências conforme podemos observar em diversosartigos na internet. Uma delas é a inteligência naturalística, que é a capacidade do ser humano relacionar-secom a natureza. Outra inteligência "recente" é a pictórica ou pictográfica. Trata-se da habilidade paradesenhar. Existe ainda a "inteligência" existencial que, na verdade, é considerada como uma meia inteligênciapor preencher apenas quatro dos oito requisitos avaliados para assegurar a existência da inteligência. Ela éresponsável pela necessidade do homem fazer perguntas sobre si mesmo, sua origem e seu fim.

Uma das características das IM é a independência em grau significativo entre essas múltiplas faculdadeshumanas. Para explicar esta independência Gardner apoia-se no fato de que, em caso de lesão cerebral,determinadas capacidades são perdidas enquanto outras permanecem intactas. Desta forma, segundo oautor, as inteligências não interferem umas nas outras. (GARDNER, 1995, p. 29-30)

Contudo as inteligências agem de forma integrada. Um alto nível de capacidade na inteligência corporal-cinestésica apenas, por exemplo, não asseguraria a ninguém um sucesso como jogador de futebol. Serianecessário também um bom desenvolvimento da inteligência espacial para realizar bons passes e chutes agol e também inteligência interpessoal desenvolvida para um bom relacionamento com os companheiros, osadversário e a imprensa. Estas três inteligências agindo de forma integrada provavelmente possibilitariamuma maior chance de sucesso no esporte. Todavia não seria necessário, neste caso, um bom desempenhoda inteligência lógico-matemática, por exemplo, com bem demonstrou Garrincha.

Como era de se esperar, as inteligências possuem um desenvolvimento natural. Este inicia no início da vidacom a capacidade de padronizar. Isto equivaleria a diferenciar tons na inteligência musical ou apreciararranjos tridimensionais na inteligência espacial. O passo seguinte é a manifestação das inteligências em

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sistemas simbólicos: a linguagem nas frases, a música nas canções, a corporal-cinestésica na dança e assimpor diante. A medida em que o desenvolvimento avança e surge um ambiente formal de educação, asinteligências passam a ser representadas em sistemas notacionais. São exemplos a matemática, a notaçãomusical, os mapas e plantas e assim por diante. Finalmente o desenvolvimento atinge seu auge na expressãointeligente nas atividades profissionais e de passatempo na adolescência e adultez. As inteligências pessoaisparecem não seguir este curso, surgindo muito mais gradualmente. (GARDNER, 1995, p. 31-32)

3. CRÍTICA À TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

3.1 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E NEUROPSICOLOGIA

Uma das fontes para a escolha das inteligências propostas acima foi o estudo de como tais capacidadesfalham sob condições de lesão cerebral. Isto pressupõe que cada inteligência possui uma localizaçãocerebral, mais especificamente cortical. Assim sendo, uma lesão que incapacitaria determinada inteligência,deixaria as demais intactas. A tabela abaixo apresenta um resumo da representação cortical de todas asinteligências consoante vimos ao analisar cada inteligência em particular.

Tabela 1 - Localização cortical das inteligências múltiplas propostas por Gardner.

Inteligência Área cortical responsável

Lógico-matemática

região têmporo-paríeto-ocipital

Lingüística área de Wernicke, área de Broca,

região têmporo-paríeto-ocipital (hemisférioesquerdo)

Musical Lobo temporal (hemisfério direito)

Corporal-cinestésica

Giro pós-central, córtex pré-motor

Espacial região têmporo-paríeto-ocipital

Interpessoal lobos frontais

Intrapessoal lobos frontais

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Podemos perceber através da tabela que diversas inteligências são regidas pela mesma área do córtexcerebral. A região têmporo-paríeto-ocipital é responsável ao mesmo tempo pelas inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial. As inteligências pessoais também são comandadas por uma única área: oslobos frontais.

Isto invalida a independência das inteligências que Gardner propõe. Imaginemos uma lesão na regiãotêmporo-paríeto-ocipital. Ela acabaria por afetar três inteligências ao mesmo tempo e não apenas uma.

Além disso, neste caso, os desenvolvimentos das inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial nãoaconteceriam separadamente, mas seriam dependentes entre si. LURIA (1981, p. 24-25) desenvolve umaexplicação destas áreas como sendo integradoras e essencialmente espaciais. Assim, tanto a matemáticaquanto a gramática seriam trabalhadas pelo cérebro de uma forma espacial. Uma deficiência espacialtornaria incapazes tarefas de relacionar "espacialmente" os números entre si e construir uma frasetrabalhando as relações "espaciais" entre as palavras.

Não se trata das inteligências lógico-matemática e lingüística serem englobadas pela inteligência espacial,mas da aceitação de uma dependência e de uma relação íntima entre determinadas inteligências.

O mesmo ocorre com as inteligências pessoais. É possível perceber que em várias características taiscapacidades equivalem-se. Afinal, uma mesma área cerebral é responsável pelas duas. Todo psicoterapeutaconhece e chega mesmo a ser lugar-comum o fato de que só podemos conhecer bem o outro seconhecermos bem a nós mesmos primeiro. Sendo assim uma inteligência interpessoal desenvolvida necessitade uma inteligência intrapessoal também bem trabalhada, o que sugere não existir uma independência entreas inteligências.

3.2 AS NOVAS INTELIGÊNCIAS

"Uma lista de 700 inteligências seria proibitiva para o teórico e inútil para o praticante. Consequentemente, ateoria das IM tenta articular apenas um número manejável de inteligências que parecem constituir tiposnaturais". (GARDNER, 1995, p.45) Esta foi a resposta dada pelo autor da teoria das inteligências múltiplasquando perguntado o que impediria a construção de novas inteligências: elas poderiam deixar de ser 7 etornarem-se 700!

Porém surge a impressão de que o próprio autor está caminhando contra o que afirmou ao apresentar as"novas" inteligências naturalística, pictórica e existencial. Tendo em vista as inúmeras capacidade humanas,por que a escolha arbitrária de algumas delas em detrimento de outras? Se o objetivo era tornar asinteligências manejáveis estando elas em número limitado de modo que o uso prático da teoria possuíssemaior eficácia, a adoção de novas inteligências somente dificultaria este processo.

Se Gardner apresenta novas inteligências, nada impede que outras inteligências sejam descobertas - oucriadas - por outros autores. Isto é preocupante pois não parece ser tarefa muito árdua a criação de umanova inteligência. Para demonstrar esta afirmação, apresento neste trabalho um esboço de uma novainteligência: a inteligência palato-olfativa.

Podemos considerar tal inteligência como a capacidade de sentir o gosto e o cheiro das substâncias eidentificá-las com precisão. Em nossa sociedade esta inteligência seria valorizada nos cozinheiros, enólogose provadores nas empresas como cervejarias e torrefação e moagem de café. A fim de evidenciar averacidade desta inteligência, seguirei os critérios para a escolha de um inteligência conforme foramdescritos anteriormente.

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Um dos critérios é a existência de estudos sobre populações excepcionais, incluindo prodígios. Nadamelhor para a provar a existência de tais estudos do que o relato realizado por Oliver Sacks a respeito deum estudante de medicina que, por usar determinadas drogas (cocaína, cloridrato de fenociclidina [PCP] eanfetaminas), passou algumas semanas de sua vida com o olfato e o paladar extremamente aguçados. "Eledescobriu que podia distinguir todos os seus amigos - e pacientes - pelo cheiro. (...) Ele era capaz decheirar as emoções - medo, alegria, sexualidade - como um cachorro. Podia reconhecer cada rua, cada lojapelo cheiro - era capaz de se deslocar por Nova York , infalivelmente, guiado pelo cheiro." (SACKS,1997, p.176)

Outro critério é a informação sobre o colapso da inteligência em condição de lesão cerebral. A árearesponsável pelo olfato possui uma pequena representação cortical na parte anterior do uncus e do giroparahipocampal. Nos casos de epilepsia focal nesta área, o epilético queixa-se de cheiros, normalmentedesagradáveis, que não existem. (MACHADO, 1981, p. 220) Uma lesão nesta área leva a uma anosmia,ou sejam incapacidade de sentir odores.

Para aceitar tal inteligência é preciso considerar também os dados sobre sua evolução. Sobre tal assunto,"Freud escreveu em várias ocasiões que o sentido do olfato no homem era uma perda', reprimido nocrescimento e na civilização quando o homem assumiu a postura ereta e reprimiu a sexualidade primitiva,pré-genital." (SACKS, 1997, p. 177) Nas obras de Freud tal idéia é encontrada principalmente nas cartasnúmero 55 e 75. A adoção da postura ereta deixava o nariz mais longe do chão e fornecia um maior campopara a visão e para a audição. De fato, a representação do olfato e da gustação passaram a ocupar umlugar pronunciadamente menor no córtex por serem eclipsados pela representação central dos sistemasexteroceptivos superiores, principalmente a visão e a audição. (LURIA, 1981, p. 49)

Ainda devemos considerar o aspecto cultural da inteligência palato-olfativa, que para ser considerada comotal, precisa ser universal. Deste modo temos a culinária, presente em todas as culturas e em todas àsépocas. Cada povo possui uma culinária própria onde cheiros e sabores são apreciados ou depreciados e acapacidade da preparação de alimentos crus, fritos ou cozidos é valorizada.

Da mesma maneira todos os outros critérios para a aceitação de uma inteligência - como o conhecimentodo desenvolvimento desta inteligência, os estudos psicométricos e os estudos de treinamentos psicológicos -também podem ser encontrados e explicitados da forma como realizada acima.

E, trabalhando de igual modo, poderiam ser criadas tantas inteligências quanto o número de capacidadeshumanas existentes.

4. CONCLUSíO

A teoria das Inteligências Múltiplas tem enorme importância ao conseguir derrubar a idéia de umainteligência única, fechada. A muito a ciência estava impregnada com tal idéia e já era tempo de fazermosuso de uma noção de inteligência mais dinâmica.

Embora ninguém possa discordar das afirmações acima, também esta teoria tens seus erros. Talvez ogrande erro seja, tendo em vista as inúmeras capacidades humanas valorizadas em nossa sociedade,escolher algumas ignorando, com efeito, as outras não mencionadas. Por outro lado considerar todas asinteligências seria impossível e inadequado.

Por isso Gardner escolheu um número limitado de determinadas inteligências e acreditou em umaindependência entre elas. Tal comportamento foi exemplo típico do pensamento pragmatista americano.Deste modo as inteligências escolhidas poderiam ser trabalhadas de modo mais eficaz.

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Porém poderíamos considerar também as inúmeras capacidades existentes em cada ser humano e, sempretensão de desejar um desenvolvimento total, procurar desenvolver a inteligência em que cada pessoa emparticular é mais apta, que não necessariamente precisa estar incluída nas dez inteligênciasdescritas na teoria das IM. Desta forma, o educador - ou qualquer outro profissional que trabalharia coma inteligência- precisaria conhecer melhor cada indivíduo para perceber nele a capacidade que se sobressai.Os resultados provavelmente seriam melhores pois, conforme vimos, a independência pura entre asinteligências não existe e desenvolvendo melhor uma capacidade, outras também seriam afetadas.

Mas este seria um passo mais adiantado. Levando-se em conta a atual situação dos profissionais que, dequalquer forma, trabalham com o aprendizado, a simples adoção da teoria das IM já é mais do quesatisfatório.

REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS

GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática 1. ed. Porto Alegre :

Artes Médicas, 1995

LURIA , Aleksandr Romanovich. Fundamentos de Neuropsicologia. 1. ed. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1981.

MACHADO, Angelo. Neuroanatomia Funcional. 1. ed. São Paulo : Atheneu, 1981.

MODERNELL, Renato; GERALDES, Elen. O Enigma da Inteligência. Globo Ciência, Rio

de Janeiro, v.2, n. 15, p.56-63, out. 1992

SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. 1. ed. São Paulo :

Companhia das Letras, 1997

SPRINGER, Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito. 1. ed. São

Paulo : Summus, 1993

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Última atualização em Sáb, 29 de Agosto de 2009 12:34

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