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Associação de Linguística Aplicada do Brasil | Anais Eletrônicos do 10º Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada
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“Ser professor”: um estudo das representações
sociais na fala de Antônio Nóvoa
Tatiana Nathália de Paula (UFSJ /CAPES)1i
Resumo: Atualmente, muito se tem discutido no Brasil a respeito da educação.
Nesse contexto, o papel do professor, sua valorização, assim como sua formação
estão constantemente em pauta. Diante de uma pluralidade de formas de
representações do docente e de uma não existência de um senso comum em relação
a elas, o presente trabalho tem como objetivo identificar e analisar as representações
sociais do professor em entrevista concedida por António Nóvoa à revista Nova
Escola. Serão analisados também os discursos que perpassam a fala do
especialista, assim como a presença do Outro/outro (Authier-Revuz, 2004) na
mesma. A análise dos excertos foi feita tendo como aporte teórico as proposições
feitas por Authier-Revuz (2004) sobre a presença do outro no discurso, de Jodelet
(2001) sobre as representações sociais e de Bakhtin (2003, 2012) sobre o discurso.
A partir da análise, foi possível depreender os discursos que perpassam a fala de
Nóvoa, assim como a representação do professor como missionário, possuidor de
autoridade e como profissional desprestigiado.
Palavras-chave: professor, discurso, representação social.
Abstract: Nowadays, issues related to education have been discussed in Brazil. In
this sense, the teacher’s role, value and training are always on the agenda. In the face
of a diversity of ways to represent teachers and the fact that there’s no common sense
related to them, the aim of this paper is to identify and to analyze the teacher’s social
representations in a interview granted for Antônio Nóvoa to Nova Escola magazine.
The presence of the Other/other (Authier-Revuz, 2004) and the discourses in his
speech will be analyzed too. The excerpts were analyzed based on Authier-Revuz’s
propositions about the presence of the Other/other in discourse, Jodelet’s
propositions about social representations and Bakhtin’s propositions about the
discourse. By the analysis, it was possible to identify the discourses in Nóvoa’s
speech, as well as the teacher represented as a missionary, owner of authority and a
professional discredit.
Key words: teacher, discourse, social representation.
1 tatianadepaulaufsj@hotmail.com
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1. Introdução
Atualmente, muito se tem discutido sobre a importância da educação e da sua
valorização. De acordo com o Referencial de Formação de Professores do Ministério da
Educação (MEC), de 2002, os profissionais da área da educação, assim como de outros
setores da sociedade, têm debatido questões como a concepção de educação, a forma como
o conhecimento escolar se relaciona à vida social e cultural e, consequentemente, ao trabalho
docente.
No passado, a docência era vista como uma profissão de prestígio e status pela
sociedade, por se tratar, segundo Lapo e Bueno (2002), de um privilégio de uma elite e por ser
considerada um trabalho intelectual em oposição ao trabalho braçal. Entretanto, nos dias de
hoje, devido a vários fatores como a má remuneração e condições de trabalho ruins,
presencia-se uma possível desvalorização da carreira docente. Dentro desse contexto,
torna-se importante a reflexão sobre as representações sociais atribuídas ao professor, assim
como os discursos que perpassam essa discussão, a fim de uma melhor compreensão do
papel do docente nos dias atuais.
A partir do exposto, o presente trabalhoii tem como objetivo identificar e analisar as
representações sociais do “ser professor” presentes no dizer de Antônio Nóvoa, assim como
verificar quais discursos perpassam essa fala. Será analisada também a presença do
“Outro/outro na enunciação” (Authier-Revuz, 2004), tanto na fala de António Nóvoa, quanto na
forma como a revista Nova Escola apresenta a entrevista em questão partindo do pressuposto
do descentramento do sujeito, assim como do papel essencial do Outro no discurso. Para
tanto, será analisada uma entrevista concedida pelo especialista à revista Nova Escola,
publicada em outubro de 2012, na seção Fala Mestre!.
Antônio Nóvoa é, atualmente, reitor da Universidade de Lisboa, professor catedrático
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e
presidente da Associação Internacional de História da Educação (ISCHE). É especialista em
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História da Educação e Educação Comparada. Em 2012, recebeu o título de membro
honorário da European Academic Heritage Network (UNIVERSEUM - Rede de Universidades,
reconhecida pelo Conselho Europeu, que procura valorizar o patrimônio científico,
museológico, monumental, botânico e arquivístico das Universidades Europeias). O
pesquisador publicou mais de uma centena de trabalhos científicos na área da Educação em
diversos países, entre eles o Brasil, em particular sobre temáticas da profissão docente, da
história da educação e da educação comparada.iii
Segundo Silva (2013), a revista Nova Escola foi fundada em 1986, pela fundação
Victor Civitaiv. É publicada mensalmente, exceto em período de férias (janeiro e julho), em
parceria com a Editora Abril. Em 1998 foi lançado o site da revista, no qual são
disponibilizadas as edições de forma integral e gratuita para o público. A revista é
parcialmente patrocinada pelo MEC, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE). Dessa forma, a revista atua “como mediadora entre o discurso oficial e os
docentes, fixando sentidos, disciplinando a realidade e interpretando a educação brasileira
com os ideais do Estado” (SILVA, 2013. p. 40).
Através da realização do presente trabalho, a partir da análise das heterogeneidades
enunciativas, das representações, assim como dos discursos presentes na fala de um
especialista na área, acreditamos que estaremos contribuindo para um melhor entendimento
sobre o papel docente, bem como da docência no cenário atual. Serão utilizados como
aparato teórico para a realização do presente estudo as proposições feitas por Authier-Revuz
(2004) sobre a presença do outro no discurso, de Jodelet (2001) sobre as representações
sociais e de Bakhtin (2003, 2012) sobre o discurso.
Nesse sentido, ao realizarmos o presente trabalho a partir da análise de
representações e discursos presentes na fala de um especialista na área, acreditamos que
estaremos contribuindo para um melhor entendimento sobre como o docente, assim como a
docência, são representados na atualidade. A partir da presente pesquisa, acreditamos ser
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possível também contribuir para um melhor entendimento do papel desse profissional em
nossa sociedade.
2. Enunciação, discurso e representação social
Authier-Revuz (2004) analisa os processos enunciativos de forma a dar enfoque à
presença Outro/outro na enunciação, partindo do pressuposto do descentramento do sujeito,
assim como do papel essencial do Outro no discurso. A partir da noção da linguagem como
heterogênea em sua constituição, a autora busca, através dessa heterogeneidade, evidenciar
as rupturas enunciativas no discurso, apresentando elementos que favorecem a emergência
do outro no discurso.
A heterogeneidade mostrada no discurso é entendida por Authier-Revuz como a
manifestação de diferentes tipos de negociação entre o sujeito falante e a heterogeneidade
constitutiva. A consideração da heterogeneidade constitutiva consiste em uma ancoragem
necessária na exterioridade do linguístico.
Segundo a autora, a heterogeneidade mostrada acontece quando “no fio do discurso
que, real e materialmente, um locutor único produz, um certo número de formas,
linguisticamente detectáveis no nível da frase ou do discurso, inscrevem, em sua linearidade,
o outro” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 12). Assim, através de marcas linguísticas, que podem
ser explícitas ou implícitas, a heterogeneidade mostrada possibilita a emergência do outro
através do discurso e é dividida por Authier-Revuz em duas categorias: a marcada e a não
marcada.
A heterogeneidade marcada está presente de forma explícita no discurso e é
recuperada no nível do enunciado através das marcas linguísticas, a saber: aspas, itálico,
discurso direto e indireto, modalização autonímica e/ou glosas. De forma mais específica,
Authier-Revuz enumera formas nas quais a heterogeneidade mostrada emerge, que são:
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1) o discurso relatado: que consiste em um ato de enunciação, designado,
univocamente, pelas formas sintáticas dos discursos direto, indireto, discurso direto livre e
discurso indireto livre. No discurso indireto, o locutor atua como tradutor, ao remeter a um
outro como fonte de sentido dos propósitos que relata, usando suas próprias palavras. Já no
discurso direto, que aparece geralmente entre aspas, em itálico ou depois de travessões, o
locutor se apresenta como um porta-voz, pois são as palavras do outro que estão presentes,
marcadas pela citação na frase. Sob essas duas formas de discurso, o direto e o indireto, o
locutor abre espaço de forma explicita ao discurso do outro em seu próprio discurso. O
discurso direto livre apresenta todos os indicativos de pessoa, tempo e lugar do discurso
direto, no entanto, não possui marcações tipográficas. Já o discurso indireto livre consiste em
algo mais complexo, pois nele, a fala do outro aparece de forma sutil na fala enunciador, o que
gera dúvidas sobre quem está falando;
2) a conotação autonímica: através da qual o locutor pode realçar o uso de
determinadas palavras, a fim de dar ao discurso um outro sentido. Esse realce pode ser dado
através do uso de aspas, itálico, entonação ou comentário. No caso dos comentários, que
podem ser feitos através de glosas, retoques ou ajustamento, o locutor pode fixar o sentido
desejado, exercendo assim uma forma de controle do processo comunicativo;
3) uso de uma língua específica (técnica, regional, estrangeira, entre outras) que seja
adequada aos interlocutores e que estabeleça o contato do outro no discurso;
4) “as outras palavras, sob as palavras, nas palavras” (AUTHEIR-REVUZ, 2004,
p.18): consiste em uma sequência de que gera uma cadeia que pode codificar a leitura,
como no caso dos trocadilhos, ou ainda indicar ou reforçar um sentido no qual as palavras
devem ser compreendidas, como no caso da justaposição.
Já a heterogeneidade não marcada, por sua vez, não está implícita no discurso,
exigindo assim um esforço maior do receptor no seu reconhecimento e/ou interpretação. A
heterogeneidade não marcada pode ser recuperada pela ironia, no discurso indireto livre, nas
metáforas, no jogo de palavras, entre outros.
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A fim de realizar essa ancoragem entre as heterogeneidades mostrada e constitutiva,
a autora apoia seu trabalho nos propostos de Bakhtin, no que diz respeito ao discurso, e da
Psicanálise no que diz respeito à subjetividade. Segundo Authier-Revuz, a relação com o
outro é uma fronteira interior, responsável pela constituição tanto da lei do discurso (da
palavra, do enunciado, do sentido etc.), quanto dos gêneros literários propostos pelo círculo
de Bakhtin.
Bakhtin (apud Authier-Revuz, 2004) afirma que apenas “o Adão mítico, abordando
com sua primeira palavra um mundo ainda não questionado” poderia ter escapado à
orientação dialógica do já-dito da palavra do outro. Toda palavra remeterá sempre a um ou
mais contextos, chegando a seu próprio contexto, atravessada pelo sentido dado pelos
outros. Segundo Bakhtin (op. cit.) As palavras são “atravessadas por discursos, causando a
saturação da linguagem socialmente significante por intenções e acentos determinados”
(AUTHIER-REVUZ, 2004.p.36). Assim, o dialogismo consiste na condição de constituição do
sentido, ao considerarmos que a pluriacentuação da palavra se dá através dos
entrecruzamentos dos discursos no interior de cada palavra.
Para situar a questão da relação entre as duas enunciações, nas formas sintáticas
clássicas de descrição do discurso relatado, a autora retoma como os discursos direto,
indireto e indireto livre são descritos por Bakhtin. Para o autor (apud Authier-Revuz, 2004) os
discursos diretos e indiretos são considerados como formas de apreensão e de representação
da palavra do outro: o enunciado é isolado e compactado pelo discurso direto, assim como
sofre uma apropriação analítica reflexível pelo discurso indireto. Já no discurso indireto livre,
as vozes se exprimem de forma conjunta e na mesma construção linguística, o que torna
possível o ressoar de duas vozes diferentes.
O outro no dialogismo de Bakhtin “é a condição do discurso, e é uma fronteira interior,
que marca no discurso a relação constitutiva com o outro.” (AUTHIER-REVUZ, 2004.p.46).
Segundo esse ponto de vista, Bakhtin propõe que não se deve deixar de ver a
heterogeneidade como elemento constitutivo das práticas discursivas que se dominam, se
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alimentam ou se enfrentam em uma espécie de luta ideológica e política, em uma formação
social e em um dado contexto, marcando o efeito do interdiscurso no intradiscurso.
Segundo Bakhtin (2012), a enunciação é o produto da interação entre dois indivíduos
socialmente organizados. A palavra dirige-se sempre a um interlocutor, ela é função do
interlocutor e pode variar no que diz respeito a ser uma pessoa do mesmo grupo social ou
não, a ser inferior ou superior na hierarquia social, a estar ligada ao locutor por laços sociais,
sejam eles próximos ou não. Assim, é necessário supor, na maior parte dos casos, que há um
contexto social definido e estabelecido, que determina a criação ideológica do grupo social e
da época a qual os indivíduos pertencem.
O autor afirma que a orientação da palavra em função do interlocutor é de grande
importância, pois toda palavra comporta duas versões: uma determinada pelo fato de
proceder de alguém, e outra determinada por se dirigir a alguém. Dessa forma, a palavra pode
ser considerada, no entender de Bakhtin, o produto da interação do locutor e do ouvinte. É
através dela que o indivíduo se define em relação ao outro.
Bakhtin entende a situação social mais imediata, assim como o meio social mais
amplo de uma sociedade como determinantes na estrutura da enunciação. Nesse sentido, os
fatores mais imediatos determinam a forma e o estilo da enunciação. Já os fatores mais
amplos, como as pressões sociais mais substanciais e duráveis as quais o locutor está
submetido o locutor, determinam os extratos mais profundos da estrutura da enunciação. A
enunciação “é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala
determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das
condições de vida de uma determinada comunidade linguística.” (BAKHTIN, 2012, p.125.)
Bakhtin (2003), ao fazer considerações sobre o enunciado o define como a real
unidade da comunicação discursiva. Isso se deve ao fato de o discurso só poder existir na
forma de enunciações concretas dos sujeitos do discurso. Para explicar seu argumento, o
autor estabelece a diferença entre oração – unidade da língua - e o enunciado – unidade da
comunicação discursiva. A oração é entendida pelo autor como concluída nos limites da
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gramática, já o enunciado apresenta peculiaridades que ultrapassam os limites meramente
gramaticais do uso da língua.
Bakhtin apresenta três peculiaridades do enunciado que o distingue da oração. O
primeiro deles diz respeito à alternância dos sujeitos no discurso. Para o autor, todos os
indivíduos respondem a enunciados de uma forma, seja ela em maior ou menor grau. Isso se
dá pelo fato de que o falante não é o primeiro falante da humanidade, o que torna possível
pressupor tanto uma linguagem, quanto enunciados anteriores a ele. Sendo assim, os
enunciados produzidos por um sujeito vão sempre responder de uma determinada maneira a
tais enunciados precedentes, seja baseando-se neles, polemizando-os, concordando com
eles ou simplesmente os reconhecendo a partir do papel de ouvinte.
Para o autor, a voz do emissor de um enunciado é composta por pelo menos outras
duas vozes: a voz do ouvinte, o que ele chama de “endereçamento”, e a voz dos gêneros do
discurso, que são formados socialmente, carregam ideologia e determinam a forma e o
conteúdo dos enunciados. Assim, na voz do emissor, pode-se encontrar ecos de outras vozes
que compõem o pensamento ideológico de quem emite o enunciado. Nessa perspectiva, os
discursos em circulação e apropriados pelo indivíduo humano são eminentemente dialógicos
e polifônicos: estão em permanente diálogo com outros discursos e vozes presentes,
passados e futuros. O segundo elemento é a intenção discursiva do autor, a vontade
individual do falante que determina o todo do enunciado e a escolha do objeto. O autor chama
essa vontade do falante de momento subjetivo do enunciado. O terceiro elemento diz respeito
às formas estáveis do gênero discursivo. A vontade discursiva do falante (segundo elemento)
só se manifesta na escolha de um determinado gênero, que o autor chama de gênero do
discurso.
É a partir de sua vivência e domínio de diferentes gêneros discursivos, que foram
criados em um momento anterior, consolidados e naturalizados de acordo com os valores
culturais e ideológicos de dada sociedade, que o indivíduo adquire uma língua, e não a partir
de consultas a gramáticas e dicionários. Segundo o autor, é justamente essa peculiaridade do
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enunciado discursivo que garante o entendimento mútuo. Bakhtin (2003) chama essa
peculiaridade do enunciado de forças centrípetas da língua. Nesse sentido, a forma de pensar
e agir de determinado indivíduo está associada aos gêneros discursivos os quais ele
vivenciou, que foram desenvolvidos em dado momento histórico, a partir de dadas condições
e imbuídos de valores e ideologias.
O falante, assim como propõe Bakhtin, ao emitir seu enunciado, tem sua intenção
particular situada em um momento histórico e com base em dadas condições. Tem a sua
intencionalidade impregnada de subjetividade. No entanto, todo indivíduo, seja através de seu
discurso ou através de seu comportamento, está, na verdade, assumindo uma atitude
responsiva aos discursos que o precederam, os quais foram parte integrante dos gêneros que
vivenciou.
Segundo Jodelet (2001), as representações são criadas devido à necessidade do
indivíduo de se ajustar ao mundo no qual vive e de dominá-lo, de saber como se comportar,
identificar e resolver os problemas que lhe são apresentados. A circulação dessas
representações se dá através dos discursos presentes na sociedade e são trazidas por
palavras veiculadas em mensagens e imagens midiáticas, assim como são cristalizadas em
condutas e em organizações materiais espaciais. Elas se apoiam em valores e saberes
anteriores reavivados por uma situação social particular. Estão ligadas tanto a sistemas de
pensamentos mais amplos, ideológicos ou culturais, quanto à condição social e à esfera da
experiência privada e afetiva dos indivíduos.
As representações sociais são formadoras de sistemas e dão lugar a teorias
espontâneas, versões da realidade encarnadas por imagens ou condensadas por palavras
carregadas de significações. Elas expressam aqueles que as constroem e definem de forma
específica o objeto por ela representado. Tais definições são partilhadas pelos membros de
um mesmo grupo, construindo uma visão consensual da realidade para o grupo em questão.
Enquanto sistemas de interpretação, as representações orientam e organizam as
condutas e as comunicações sociais, interferindo na difusão e a assimilação dos
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conhecimentos, nos desenvolvimentos individual e coletivo, na definição de identidades
pessoais e sociais, na expressão dos grupos, assim como nas transformações sociais.
As representações sociais consistem em uma forma de conhecimento, socialmente
elaborada e partilhada, o que contribui para a construção de uma realidade comum a um
conjunto social. Assim, no entender de Jodelet, as representações sociais também são
igualmente designadas como um saber de senso comum, de caráter “natural”. O ato de
representar “está sempre ligado a um objeto, que pode ser uma coisa, uma pessoa, um
acontecimento, um fenômeno natural, entre outros. [...] Não há representação sem objeto”.
(JODELET, 2001, p.22).
Jodelet afirma que a transmissão das representações sociais se dá através da
comunicação, devido ao fato de a linguagem em si ser portadora dessas representações. Ao
incidir sobre os aspectos estruturais e formais do pensamento social, a linguagem relaciona
processos de interação social, influência, consenso ou dissenso e polêmica, contribuindo para
forjar representações que, através do poder performático das palavras e dos discursos,
instauram-se como versões da realidade, comuns e partilhadas. No entender da autora,
partilhar uma ideia ou uma linguagem consiste na afirmação de um vínculo social e uma
identidade. Assim, a partilha atua como uma afirmação simbólica de uma pertença. Dessa
forma, ao analisarmos uma entrevista publicada em uma revista voltada para área de
educação, será possível verificar como a Nova Escola, enquanto veículo midiático, contribui
para forjar representações do docente, assim como da docência, que instauram-se como
versões da realidade comuns e partilhadas.
Segundo Silva (2013), os meios de comunicação possuem um papel expressivo em
nossa sociedade, pois atuam em um duplo processo: no processo de produção, circulação e
consumo de mensagens, que atingem grande parte da população, processo no qual o
receptor decodifica as mensagens, assim como produz sentidos; ao permitir que a cultura se
manifeste, revelando suas crenças, valores e representações, a mídia também se configura
como produtora de significados sociais e culturais. Dentro do universo midiático, Silva (op. cit.)
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aborda a questão da imprensa periódica educacional, que é considerada um tipo de impressa
segmentada, destinada a atender aos interesses de públicos específicos. Segundo a autora,
por serem mídias de informação, existe uma grande preocupação dessas revistas em se
manterem atualizadas frente aos desejos e anseios do seu público-leitor, garantindo assim o
seu consumo.
Dentro desse segmento da imprensa educacional, temos os periódicos educacionais,
que, segundo Silva (2013), se constituem através da mídia impressa especializada destinada
aos docentes e aos demais profissionais da educação. Usando uma linguagem específica,
essas revistas se destinam a trazer as novas tendências, pesquisas e descobertas relativas à
área educacional e, dessa forma, buscam guiar a prática docente e proporcionar aos seus
leitores atualização profissional. Também conhecidos por “revistas pedagógicas”, esses
periódicos são relevantes fontes de informações específicas sobre o campo educacional, as
práticas e saberes pedagógicos e a profissão docente.
Nóvoa (NÓVOA, A. apud SILVA, 2013) se refere à imprensa educacional como
sendo o melhor meio de apreensão da multiplicidade do campo educativo, devido ao fato de
ser através dela que as diferentes vozes que compõem esse meio se manifestam. Dessa
forma, assim como afirma Silva, a análise dos discursos dessa mídia permite a articulação de
práticas e teorias nos níveis macro e micro. Considerando que a informação trazida pela mídia
influencia a sociedade em sua forma de pensar e agir, sugerindo assim representações de
seus valores, vivências e modos de vida aos sujeitos, Silva afirma que, ao fornecer
informações sobre o âmbito educacional, “a imprensa constrói um discurso educativo que
exprime a visão de um grupo coletivo em uma estrutura global, que é comum aos meios de
comunicação” (SILVA, 2013, p. 34).
Nóvoa (NÓVOA, A. apud SILVA, 2013) acredita que a natureza da informação
fornecida pela imprensa é o fator que lhe concede um caráter único e insubstituível. Segundo
ele, a imprensa nos coloca perante reflexões muito próximas do acontecimento, permitindo
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que se construa uma ligação entre as orientações vindas do Estado e as práticas efetivas na
sala de aula. Nesse sentido, Nóvoa afirma que
a imprensa é, talvez, o melhor meio para compreender as dificuldades de
articulação entre a teoria e a prática: o senso comum que perpassa as
páginas dos jornais e das revistas ilustra uma das qualidades principais de
um discurso educativo que se constrói a partir dos diversos atores em
presença (professores, alunos, pais, associações, instituições, etc.).
(NÓVOA, 1997, p. 13 apud SILVA, 2013).
Assim, através do estudo de reportagens e informações veiculadas através de
periódicos educacionais, devido ao “poder que a imprensa educacional tem de articular as
principais representações de determinado período, divulgá-las, e de evidenciar a opinião de
uma elite intelectual que tenta moldar a cultura pedagógica” (SILVA, 2013, p. 35), é possível
identificar discursos e representações presentes nesses periódicos, dessa forma, entender
melhor o papel do docente na sociedade atual.
3. Discursos e representações na fala de Antônio Nóvoa.
Adotando como aporte teórico as proposições feitas por Authier-Revuz (2004) e
Bakhtin (2003, 2012), a fim de identificar e analisar as marcas de heterogeneidades
enunciativas, assim como os discursos que perpassam tanto a fala de Antônio Nóvoa, quanto
a apresentação da entrevista feita pela revista Nova Escola, será feita a análise de trechos
da entrevista concedida por ele à revista em questão, publicada em outubro de 2012. Será
feita também, uma análise a fim de identificar e analisar a forma como o professor é
representado na fala do especialista, com base nas proposições feitas por Jodelet (2001). A
entrevista em questão foi publicada na seção Fala Mestre!, que é destinada a entrevistas com
especialistas de diversas áreas da educação. Em um primeiro momento, será feita a análise
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de trechos do texto de apresentação da entrevista feita pela revista. Posteriormente, serão
analisados trechos da entrevista propriamente dita.
A revista Nova Escola retoma trechos da fala de Nóvoa para fazer a abertura da
seção em questão, como podemos ver nos excertos 1, 2, 3 e 4:
Excerto 1:
Para o reitor da Universidade de Lisboa, as instituições de hoje carregam a
carga de caminhões sobre rodas de bicicleta. Ele destaca a necessidade de criar um
tempo probatório para os professores após a graduação.
Fonte: Revista Nova Escola, n.256, outubro de 2012.
Excerto 2:
Ele questiona os modelos que temos hoje no mundo escolar e julga boa parte
deles ultrapassada. Propõe repensar os cursos de formação inicial e continuada
dizendo que, realizados fora da escola e abordando conteúdos distantes da prática,
eles não têm muita utilidade. Chama a atenção para um esquema que proporcione aos
docentes uma experiência semelhante à residência médica a fim de que eles tenham
um tempo supervisionado para aprender a ensinar.
Fonte: Revista Nova Escola, n.256, outubro de 2012.
Excerto 3:
“Dono de um pensamento crítico apurado e atento aos problemas
contemporâneos que incomodam o mundo da Educação [...], António Nóvoa, reitor da
Universidade de Lisboa e doutor em Educação pela Universidade de Genebra,
reconhece que, atualmente, a escola é uma instituição frágil e sobrecarregada.”
Fonte: Revista Nova Escola, n.256, outubro de 2012.
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Excerto 4:
Ainda assim, ele pede fôlego, comprometimento e empenho de todos os
educadores para elaborar uma nova revolução na área, já que as últimas grandes
mudanças ocorreram há 100 anos e estão desatualizadas. Dentre muitas fontes para a
tarefa, indica as novidades apresentadas pela Neurociência.
Fonte: Revista Nova Escola, n.256, outubro de 2012.
Nos excertos acima, através da utilização de Ele destaca, ele questiona, propõe
pensar, ele pede, indica, temos marcações do discurso indireto. Esta forma de discurso
relatado é uma forma detectável da presença do outro em um discurso (AUTHIER-REVUZ,
2004), assim como uma forma de apreensão e de representação da palavra do outro
(BAKHTIN, apud AUTHIER-REVUZ, 2004). Podemos considerar que, ao escolher os trechos
em questão, foi intenção da revista, talvez, direcionar a discussão feita na seção Fala Mestre!
de forma específica, a fim de apresentar seu próprio posicionamento com relação à educação.
Cabe ressaltar também que, ao destacar a fala de um especialista, a revista faz uso da voz de
uma autoridade no assunto para legitimar esse posicionamento.
Excerto 5:
Nova Escola: Há algum tempo, diz-se que a Educação tem a missão de salvar o
mundo. Os educadores reclamam dessa responsabilidade. Eles têm razão?
ANTÓNIO NÓVOA: Sim. Há uma espécie de valorização retórica dos professores. Pede-se
de tudo a eles. Quem vai salvar o mundo? Quem vai assegurar o desenvolvimento de todos?
Quem vai garantir o progresso? [...] a Educação. Algumas instituições parecem caminhões
enormes carregando toneladas, mas eles têm rodinhas de bicicleta no lugar de pneus
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grandes. A Educação assumiu muitas tarefas. [...] Alguém necessita fazer essas tarefas
enquanto ninguém as quer e a escola tem de dar conta delas. Mas uma coisa é dizer que
todas são missão da escola e outra é compreender que a instituição precisa cumpri-las
enquanto outras esferas da sociedade não estiverem fortes.
Fonte: Revista Nova Escola, n.256, outubro de 2012.
No excerto 5, temos o emprego da palavra missão, tanto na pergunta feita a Nóvoa,
quanto na resposta dada por ele. Ao considerarmos, assim como proposto por Bakhtin, o fato
de o discurso só poder existir na forma de enunciações concretas dos sujeitos do discurso,
assim como o fato de que os enunciados produzidos por um sujeito vão sempre responder de
uma determinada maneira tais enunciados precedentes, seja baseando-se neles,
polemizando-os, concordando com eles ou simplesmente os reconhecendo como ouvinte,
são possíveis algumas considerações. Ao se remeter a um já dito anteriormente, que se refere
à educação como portadora de uma missão salvadora do mundo, o entrevistador se baseia
em um enunciado anterior, para colocar em evidência um discurso corrente que considera a
educação como possível salvadora do mundo.
Em sua resposta, Nóvoa concorda com os professores, contestando esse discurso,
polemizando-o. Ao dizer que "Alguém necessita fazer essas tarefas enquanto ninguém as
quer e a escola tem de dar conta delas", o educador coloca a questão de que a educação é
uma tarefa que deve ser realizada não só pela escola, mas sim em conjunto com outras
instituições.
Ainda no excerto 5, a utilização da palavra missão, relacionada à educação, assim
como aos educadores, nos remete à uma representação da docência como uma incumbência
a ser cumprida. A palavra missão significa incumbência, uma delegação divina conferida
num intuito religioso, assim como compromisso, dever imposto ou contraído, ou ainda, uma
obrigaçãov. Sendo assim, o uso da palavra missão relacionada ao “ser professor” traz uma
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carga semântica de obrigatoriedade, de um dever a cumprir, transcendendo de certa forma, a
questão profissional.
Excerto 6:
Jovens professores são deixados sem acompanhamento, sem apoio e sem
controle. O adequado seria que ganhassem autonomia profissional aos poucos. Os
mais experientes, desde que capazes, competentes e inovadores, deveriam ter um
papel maior na formação dos novatos
Fonte: Revista Nova Escola, n.256, outubro de 2012.
No excerto 6, a utilização dos adjetivos capazes, competentes e inovadores,
posteriormente à conjunção desde que (com sentido condicional), remete à representação de
um professor ideal. A condição para um professor ser capaz de supervisionar e orientar outros
professores é ser portador dessas características. Além disso, podemos perceber a presença
de um questionamento sobre a formação dos professores, que não estaria sendo suficiente,
bem sucedida, dentro do modelo adotado atualmente. Esse questionamento nos remete a um
possível discurso segundo o qual há uma má formação dos professores, formação essa que
necessita ser melhorada e adaptada ao contexto da sociedade atual.
Excerto 7:
ANTÓNIO NÓVOA: Vejo alguns problemas para isso (modelo de
acompanhamento utilizado na Universidade de Lisboa com médicos recém-formados)
se tornar realidade entre os professores. Um deles é o desprestígio da carreira e o
outro o distanciamento salarial entre o educador que lida com crianças e jovens e o
que leciona na universidade.
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A palavra desprestígio presente no excerto 7 significa ato ou efeito de desprestigiar
ou falta de prestígiovi . Ao ser usada sendo relacionada à carreira docente, coloca em
evidência tanto um discurso corrente da não valorização do professor, como também a
representação do professor como um profissional desprestigiado, se comparado a outros
profissionais, como os médicos, por exemplo. Dentro do contexto utilizado, podemos
considerar, talvez, que essa não valorização da docência acarretaria, inclusive, em um motivo
para não se investir em uma melhor formação para esses profissionais.
Excerto 8:
Nova Escola: Como o docente extrai legitimidade perante os estudantes na
atualidade, com informações disponíveis em vários lugares, como as redes sociais e
as iniciativas de Educação não formal?
ANTÓNIO NÓVOA: Minha resposta tende a ser brutal. O professor tem
legitimidade e ponto final. Os alunos não têm de dizer o que querem aprender, do
que gostam e do que não gostam. O pior a fazer é imaginar que são eles que decidem
tudo. No livro Emílio (229 págs., Ed. Publicações Europa-América, europa-america.pt,
7 euros), o suíço Jean Jacques Rousseau (1712-1778) escreve que " as crianças só
devem fazer o que querem". Essa frase tem servido para denegrir os pedagogos
porque é mal interpretada. Li a versão original da obra para entendê-la por completo.
O trecho continua assim: "Mas só devem querer aquilo que vocês professores querem
que elas queiram. A criança não deve dar um passo sem que vocês o tenham previsto,
a criança não deve abrir a boca sem que vocês saibam o que ela vai dizer". Ou seja,
não é uma citação libertária. O docente tem de colocar sua autoridade a serviço
da liberdade do aluno. Usá-la para transformá-lo em um indivíduo autônomo. É
o paradoxo da Educação: colocar nossa autoridade a serviço da liberdade do
outro.
Fonte: Revista Nova Escola, n.256, outubro de 2012.
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A partir do uso de expressões como O professor tem legitimidade e ponto final, O
docente tem de colocar sua autoridade a serviço da liberdade do aluno, Usá-la para
transformá-lo em um indivíduo autônomo, e colocar nossa autoridade a serviço da liberdade
do outro, podemos perceber a retomada de um discurso segundo o qual o professor é
possuidor de autoridade e legitimidade. Legitimidade esta que talvez necessite ser retomada
diante estudantes na atualidade, que, assim como colocado na pergunta, possuem
informações disponíveis em vários lugares, como na internet, por exemplo. Assim, temos na
fala de Nóvoa a representação do docente como possuidor de autoridade e de legitimidade. O
professor também é representado como direcionador, capaz e com o poder de guiar e moldar
o aluno. Essa representação nos remete, também, a um discurso tradicionalista no que diz
respeito à relação professor/aluno, de acordo com o qual o docente se encontra em posição
superior, de autoridade em relação ao aluno.
Podemos perceber também no excerto 8 a retomada feita por Nóvoa da fala de Jean
Jacques Rousseau. Temos, através da utilização do discurso direto, a tomada do discurso do
outro como forma legitimadora do argumento defendido por Nóvoa.
4. Considerações Finais
A partir da realização do presente trabalho, através da verificação das
representações sociais do “ser professor” presentes no dizer de Antônio Nóvoa, assim como
dos discursos que perpassam a fala do mesmo, podemos fazer algumas considerações.
Com base nos proposto por Bakhtin, de que é possível encontrar na voz do emissor
ecos de outras vozes que compõem o pensamento ideológico de quem emite o enunciado,
pudemos perceber na fala de Nóvoa a retomada e o questionamento do discurso segundo o
qual a docência configura uma missão, que seria tarefa da escola salvar o mundo. Tal
discurso é questionado por Nóvoa, que defende que a educação é tarefa de um conjunto de
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instituições e não só da escola. Considerando, assim como proposto por Jodelet (2001), que
as representações são veiculadas nos discursos, o professor é representado como portador
de uma incumbência a ser cumprida, extrapolando, de certa forma, a questão profissional.
Foi possível perceber também a presença de um discurso segundo o qual o
professor é, talvez, um profissional com uma má qualificação, discurso esse atrelado a uma
representação de um profissional ideal, que seria capaz, competente e inovador. Há também
o discurso do desprestígio docente, ao qual está atrelado a representação do professor como
profissional desprestigiado.
Podemos perceber a retomada de um discurso segundo o qual o professor é
possuidor de autoridade e legitimidade. Legitimidade esta que talvez necessite ser retomada
diante estudantes na atualidade, que, assim como colocado na pergunta, possuem
informações disponíveis em vários lugares, como na internet, por exemplo. Assim, temos na
fala de Nóvoa a representação do docente como possuidor de autoridade e de legitimidade. O
professor também é representado como direcionador, capaz de guiar e moldar o aluno.
Segundo Jodelet (2001), as representações estão ligadas a sistemas de
pensamentos ideológicos ou culturais. Elas são socialmente elaboradas e partilhadas e
contribuem para a construção de um saber de senso comum, “natural”. Sendo assim, a partir
das considerações no presente trabalho, pode-se dizer que as representações sociais
relacionadas ao professor no material de análise podem contribuir para a constituição de um
saber de senso comum em relação à atividade docente na atualidade.
Jodelet afirma que a transmissão das representações sociais se dá através da
comunicação, devido ao fato de a linguagem em si ser portadora dessas representações.
Assim, ao considerar a Nova Escola como um veículo midiático portador das representações
e discursos supracitados, podemos considerar que ela contribui para forjar representações do
docente, assim como da docência, que tendem a instalarem-se como saberes coletivos e
versões da realidade.
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Notas
iDiscente do Programa de Mestrado em Letras (PROMEL) da Universidade Federal de São João
del-Rei e bolsista pela agência de fomento CAPES. ii Trabalho orientado pela Prof
a. Dr
a Dylia Lysardo-Dias.
iii Adaptado de http://www.wook.pt/authors/detail/id/1277
iv Em 1985, o empresário Victor Civita (à época presidente do Grupo Abril) criou a FVC no intuito de
trazer para os docentes do Ensino Fundamental melhor formação e aperfeiçoamento profissional,
visando a um maior desenvolvimento social do País. Segundo a instituição, sua missão seria:
contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica no Brasil, produzindo publicações, sites,
material pedagógico, pesquisas e projetos que auxiliem na capacitação dos professores, gestores e
demais responsáveis pelo processo educacional (FUNDAÇÃO VICTOR CIVITA, 2011). v http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=
miss%E3o vi http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=
desprest%EDgio
Referências
AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva: elementos
para uma abordagem do outro no discurso. In: Entre a transparência e a opacidade: um estudo
enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MEC. Referenciais para a formação de professores. Brasília. 2002. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000511.pdf> . Acesso em: 20 abr. 2013
JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, Denise (org). As
representações sociais. Trad. Lilian Ulup. Rio de Janeiro. Ed. UERJ, 2001.
LAPO, Flavinês Rebolo, BUENO, Belmira Oliveira. O abandono do magistério: vínculo e rupturas com
trabalho docente. In: Psicologia USP. v.13 n.2. São Paulo, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sciarttext&pid=S0103-65642002000200014>. Acesso em: 20
abr. 2013
NOVOA, António. Seção Fala mestre. Revista Nova Escola, outubro de 2012. Entrevista a Beatriz
Vichessi e Gabi Portilho, Revista Nova escola, n. 256.
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