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Segunda Turma
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
N. 249.045-RN (2012/0227309-8)
Relator: Ministro Og Fernandes
Agravante: Ministério Público Federal
Agravado: Vicente Inacio Martins Freire
Advogado: José Maurício de Araújo Medeiros
Interessado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte
EMENTA
Administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso
especial. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Art. 7º,
parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992. Indisponibilidade de todos
os bens. Desproporcionalidade. Prejuízo das atividades empresariais.
Limitação ao pedido inicial. Revisão do julgado. Súmula n. 7-STJ.
1. O art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992 é claro ao
dispor que a constrição patrimonial “recairá sobre bens que assegurem
o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial
resultante do enriquecimento ilícito”.
2. O Tribunal a quo considerou extremado o bloqueio da totalidade
dos bens do agravado, entendendo que a medida inviabilizaria suas
atividades empresariais, além de se mostrar desproporcional à extensão
dos danos causados ao erário.
3. Não se ignora a jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido
de que, “nos casos de improbidade administrativa, a responsabilidade
é solidária até a instrução fi nal do feito, momento em que se delimita
a quota de responsabilidade de cada agente para a dosimetria da
pena.” (AgRg no REsp n. 1.314.061-SP, Relator Ministro Humberto
Martins, DJe 16.5.2013)
4. No presente caso, a Corte de origem verificou que o
Ministério Público requereu a condenação de todos os demandados,
proporcionalmente ao tempo de suas respectivas permanências nos
cargos. Diante disso e, considerando as provas até então produzidas,
delimitou o valor do suposto dano causado ao erário de acordo com os
atos praticados por cada um dos demandados.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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5. Diante desse quadro, a inversão do julgado por suposta afronta
ao art. 7º da Lei n. 8.429/1992 demandaria a análise dos documentos
e provas que instruíram os autos, procedimento inviável na via eleita,
a teor da Súmula n. 7-STJ.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do
Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente),
Eliana Calmon, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília (DF), 5 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Presidente
Ministro Og Fernandes, Relator
DJe 20.11.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de agravo regimental interposto
pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática da lavra do
Ministro Castro Meira, então relator do feito, assim ementada:
Administrativo. Improbidade administrativa. Indisponibilidade. Revisão.
Provas. Desproporcionalidade. Prejuízo. Atividades empresariais. Súmula n. 7-STJ.
1. O Tribunal de origem considerou extremado o bloqueio de todos os bens do
recorrido, tendo em vista o possível prejuízo a suas atividades empresariais, e a
desproporcionalidade de se decretar a indisponibilidade total dos bens, diante da
extensão dos danos causados no caso concreto.
2. É vedado revisar os documentos e provas que instruem os autos, a fi m de
desconfi gurar tal conclusão, segundo informa a Súmula n. 7-STJ: “A pretensão de
simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
3. Agravo em recurso especial não provido.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 151
O agravante sustenta que, ao contrário do que está assentado na decisão
recorrida, a questão tratada nos autos é meramente de direito, prescindindo do
reexame do conjunto fático-probatório.
Diante disso, alega a existência de violação do art. 7º da Lei n. 8.429/1992,
tendo em vista que o Tribunal de origem limitou o bloqueio dos bens do
recorrido, inviabilizando o integral ressarcimento ao erário.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): O art. 7º, parágrafo único, da
Lei n. 8.429/1992 é claro ao dispor que a constrição patrimonial “recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo
patrimonial resultante do enriquecimento ilícito”.
A constrição patrimonial, entretanto, não pode incidir indiscriminadamente
sobre todos os bens do demandado. Assim, cabe ao magistrado, em atenção ao
princípio do livre convencimento motivado, fi xar as sanções previstas na Lei de
Improbidade Administrativa de forma fundamentada e proporcional, com base
nos elementos fáticos da causa.
No caso, o Tribunal a quo considerou extremado o bloqueio da totalidade
dos bens do agravado, entendendo que a medida inviabilizaria suas atividades
empresariais, além de se mostrar desproporcional à extensão dos danos causados
ao erário, nesses termos:
A questão posta em análise, cinge-se ao debate acerca da possibilidade da
indisponibilidade de todos os bens dê agravante, ou apenas dos necessários
para assegurar valor corresponde à prática pelo ora agravante de suposto ato de
improbidade administrativa.
Indubitável que a Lei n. 8.429/1992 autoriza a decretação de indisponibilidade
de bens de pessoas que pratiquem atos de improbidade que causem lesão ao
patrimônio público ou ensejem enriquecimento lícito, objetivando assegurar
possível ressarcimento ao erário.
Assim reza o parágrafo único do art. 7º da citada Lei:
A indisponibilidade a que sé refere o caput deste artigo recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano. ou sobre o
acréscimo patrimonial.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Portanto o objetivo de aludido dispositivo legal é garantir o ressarcimento de
danos pelos gestores ímprobos ao P der Público, de possíveis prejuízos por eles
causados, principalmente quando condenados em definitivo pela reparação,
assegurando-se a utilidade do decisum judicial.
Com efeito, no caso em tela, entendo que o agravante poderá sofrer prejuízos
irreparáveis em razão de suas atividades empresariais, mormente no que diz respeito
as suas necessidades de movimentações fi nanceira e patrimonial inerentes a sua
atividade empresarial, como única forma de se manter no concorrido, mas promissor
segmento da construção civil potiguar.
Nesse diapasão, se impõe registrar que dos documentos apresentados em sede
recursal, mormente as cópias da ata da reunião do Conselho de Administração da
CAERN, datada de 24 de junho de 1999, da Resolução n. 13/99, da mesma data,
do Contrato n. 900053, fi rmado entre a CAERN e o IASAN, datado de 14.7.1999,
do Contrato n. 900053-1, assinado pelas mesmas partes, em data de 16.8.1999 e o
demonstrativo de pagamento efetuado pela contratante (CAERN) ao contratado
(IASAN), que apesar da vultosa quantia contratada inicialmente, mas que logo
após o pagamento inicial no valor de R$ 107.400,00 (cento e sete mil e quatrocentos
reais), realizado em 21.6.2004, de responsabilidade do ora agravante, foi revogado
integralmente pelo novo instrumental contratual.
No item 6 da Cláusula Oitava - Disposições Gerais, do último contrato
firmado entre mencionadas partes e, repita-se, revogou o anteriormente
realizado, expressamente determina: “Este contrato entra em vigor nesta data,
revogado integralmente o Contrato n. 900053, de 14 de Julho de 1999”. Portanto,
durante a vigência do Contrato n. 900053, decorrente da decisão do Conselho de
Administração da citada empresa que foi presidida pelo ora agravante, concretizou-
se único pagamento, correspondente a quantia acima mencionada, pois do segundo
pagamento em diante já se encontrava em vigor o último contrato, de n. 900053-1,
sem nenhuma participação do agravante.
Nesse compasso, oportuno trazer a colação o seguinte trecho da decisão
hostilizada: “Além disso, o primeiro contrato perdurou apenas 32 (trinta e dois)
dias e Vicente Freire presidiu o Conselho de Administração da CAERN de 5 de
janeiro de 1995 até 29 de julho de 1999, período durante o qual houve apenas
um repasse ao IASAN, no valor de R$ 107.400,00, que foi pago em 23 de julho de
1999. Assim, a participação de Vicente Freire fi caria restrita a esse período, conforme
pedido formulado no item “g” da petição inicial, onde o Ministério Público pugna
pela condenação dos demandados proporcionalmente ao tempo de suas respectivas
permanências nos cargos”. Vejamos o que consta do item “g” da petição inicial
da respectiva Ação Civil Publica para responsabilização pela prática de ato de
improbidade administrativa e para promoção de ressarcimento ao erário: “g)
a condenação de todos os demandados, proporcionalmente ao tempo de suas
respectivas permanências nos cargos, a ressarcirem à CAERN, com juros e correção
monetária, todos os valores que tenham sido repassados ao IASAN fruto do contrato
objeto desta ação”.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 153
Em sendo assim, indubitável que a manutenção da decisão singular que
decretou a indisponibilidade de todos os bens do ora agravante, afronta os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois que nenhum servidor ou
cidadão tem o dever de ressarcir prejuízo causado por outrem ao erário. Portanto,
a decisão hostilizada que determinou mencionada indisponibilidade, não observou
que referida responsabilidade deveria se limitar ao valor do suposto dano sofrido pela
Fazenda Pública e ocorrido no período em que o agravante presidiu o Conselho de
Administração da CAERN e praticou atos ou determinou pagamentos baseados em
contrato fi rmado com o IASAN.
(...)
Por outro lado, se impõe ressaltar que o ora agravante antes do deferimento
da atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, estava impossibilitado
de legalizar qualquer dos imóveis de sua propriedade. No entanto, logo após
referida decisão, fez juntar ao caderno processual os documentos de fl s. 202
usque 251, comprobatórios da propriedade dos imóveis dado como garantia e já
indisponíveis por determinação deste Relator, objetivado assegurar a utilidade de
possível sentença fi nal condenatória.
Por fi m, vislumbra-se neste momento processual, mesmo de forma superfi cial,
elementos suficientes para avaliar mesmo que por aproximação, o grau de
participação e responsabilidade de cada um dos demandados nesta ação, em face
da documentação apresentada, bem assim, a limitação temporal dos atos praticados
por cada um dos demandados, e ainda, as datas e os valores dos respectivos
pagamentos realizados pela CAERN ao IASAN.
Face ao exposto, dou provimento ao recurso, no sentido de reformar a
sentença hostilizada, para limitar a indisponibilidade dos bens do ora agravante
ao valor de R$ 107.400,00 (cento e sete mil e quatrocentos reais), com seus
acréscimos legais e, como garantia de possível ressarcimento ao erário, acrescido
de juros e correção monetária legais, mantenho a indisponibilidade dos dois (2)
lotes de terrenos, cuja propriedade, características, dimensões e confrontações
se encontram nos documentos acostados aos autos às fl s. 202 a 251, observadas
as cautelas e prescrições legais, sufi cientes para assegurar possível ressarcimento
ao erário, até o julgamento fi nal da referida Ação Civil Pública. (e-STJ fl s. 284-288).
Não se ignora a jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido de que,
“nos casos de improbidade administrativa, a responsabilidade é solidária até a
instrução fi nal do feito, momento em que se delimita a quota de responsabilidade
de cada agente para a dosimetria da pena”. (AgRg no REsp n. 1.314.061-SP,
Relator Ministro Humberto Martins, DJe 16.5.2013)
Na espécie, todavia, a situação é peculiar. Isso porque a Corte de origem
verificou que o Ministério Público requereu a condenação de todos os
demandados, proporcionalmente ao tempo de suas respectivas permanências
nos cargos. Ou seja, há uma delimitação da responsabilidade no próprio
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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petitório inicial do Parquet, cujo teor volto a reproduzir (grifos nossos): “g)
a condenação de todos os demandados, proporcionalmente ao tempo de suas
respectivas permanências nos cargos, a ressarcirem à CAERN, com juros e correção
monetária, todos os valores que tenham sido repassados ao IASAN fruto do
contrato objeto desta ação”.
Diante disso e, considerando as provas até então produzidas, o acórdão
recorrido limitou a decretação de indisponibilidade aos bens sufi cientes para
garantir a imputação que foi formulada em face do recorrido.
Vale lembrar que “a mesma base indiciária que respalda a decretação
de indisponibilidade dos bens deve nortear a extensão do seu alcance. Com
fundamento nos dados fornecidos na petição inicial e em outros elementos que
revelem a plausibilidade da responsabilidade do recorrente, cabe ao julgador
ordinário delimitar o montante sobre o qual deve recair a indisponibilidade de
seus bens - o que não signifi ca necessariamente que, ao fi nal, tal medida não
alcançará todo o seu patrimônio, tampouco que será reduzida ao valor por ele
apontado em seu apelo” (REsp n. 1.194.045-SE, Relator Ministro Herman
Benjamin, DJe 3.2.2011).
Sobre o tema, veja-se, ainda, o seguinte precedente:
Processual Civil. Administrativo. Medida cautelar. Bloqueio de bens.
Responsabilidade solidária. Improbidade administrativa. Ausência de perigo da
demora e de fumaça do bom direito. Insufi ciência dos bens e valores bloqueados
para o ressarcimento ao erário. Impossibilidade de liberação da constrição por
esta Corte.
1. É entendimento assente que, nos casos de improbidade administrativa,
a responsabilidade é solidária até, ao menos, a instrução final do feito, em
que se poderá delimitar a quota de responsabilidade de cada agente para o
ressarcimento.
Não existe, portanto, ofensa alguma aos preceitos de individualização da
sanção.
(...)
3. O levantamento parcial da constrição pode ser feito, com base na situação
concreta, pelo juízo competente de acordo com o seu livre convencimento
motivado, utilizando do princípio da proporcionalidade e razoabilidade para
liberar as verbas constritas, a fi m de se evitar que as empresas envolvidas venham
a ter sua atividade comercial inviabilizada.
(...)
Agravo regimental improvido. (AgRg na MC n. 15.207-RJ, Rel. Min. Humberto
Martins, Segunda Turma, DJe 19.9.2009)
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 155
Diante desse quadro, a inversão do julgado por suposta afronta ao art.
7º da Lei n. 8.429/1992 demandaria a análise dos documentos e provas que
instruíram os autos, procedimento inviável na via eleita, a teor da Súmula n.
7-STJ.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
Processual Civil. Ação civil pública. Indisponibilidade de bens. Medida
suficiente para garantir eventual execução. Desnecessidade do bloqueio de
depósitos bancários. Incidência da Súmula n. 7-STJ.
1. O Ministério Público Federal sustenta que os valores bloqueados não são
sufi cientes para garantir o ressarcimento ao erário, uma vez que há diferença
entre o valor dos bens bloqueados (R$ 1.300.616,34) e o prejuízo imposto ao
Erário (R$ 2.446.595,49).
2. O Tribunal a quo decidiu pelo descabimento do bloqueio de valores em
razão da indisponibilidade de bens ser sufi ciente para garantir o ressarcimento
dos danos causados ao erário. Ora, infi rmar tais conclusões, com o fi to de acolher
a apontada violação ao artigo art. 7º da Lei n. 8.429/1992 e aferir a necessidade do
bloqueio das contas bancárias dos recorridos, - uma vez que os bens afetados pela
constrição judicial seriam insufi cientes para garantir o efetivo ressarcimento ao erário
- , demandaria incursão no contexto fático-probatório dos autos, o que é defeso em
recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 desta Corte de Justiça.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.337.258-AL, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
Primeira Turma, DJe 14.2.2013)
Ação civil pública. Natureza cível da ação. Ministério Público. Prazo em dobro
para recorrer. Improbidade administrativa. Responsabilidade solidária até a
instrução fi nal do feito. Indisponibilidade dos bens limitada ao ressarcimento
integral do dano ao erário.
1. O entendimento jurisprudencial sedimentado no STF e no STJ, na época
em que protocolizado o agravo de instrumento, era no sentido que a intimação
pessoal do Ministério Público se dava com o “ciente” lançado nos autos, quando
efetivamente entregues ao órgão ministerial, e não da data da entrada dos autos
na secretaria.
2. Em razão da natureza cível da ação, o Parquet tem prazo em dobro para
recorrer na ação civil pública por improbidade administrativa (art. 188 do CPC).
3. Nos casos de improbidade administrativa, a responsabilidade é solidária até a
instrução fi nal do feito, momento em que se delimitará a quota de responsabilidade
de cada agente para a dosimetria da pena.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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4. É entendimento assente no âmbito desta Corte que, conforme o artigo
7º, parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992, a indisponibilidade dos bens deve ser
limitada ao valor que assegure o integral ressarcimento ao erário e do valor de
eventual multa civil.
5. Cumpre à instância ordinária verificar a extensão da medida de
indisponibilidade necessária para garantir o ressarcimento integral do dano,
pois, avaliar se os bens constritos excederam, ou não, o valor do dano ao erário,
implicaria a análise do material probatório dos autos, inviável em sede de recurso
especial, nos termos da Súmula n. 7 desta Corte.
Agravo regimental parcialmente provido, apenas para limitar a extensão da
medida de indisponibilidade ao valor necessário para o integral ressarcimento do
suposto dano ao erário e do valor de eventual multa civil.
(AgRg nos EDcl no Ag n. 587.748-PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira
Turma, DJe 23.10.2009)
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o relatório.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.097.823-SC
(2008/0223043-6)
Relator: Ministro Castro Meira
Relator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin
Agravante: União
Agravado: Olivio Marafon e outro
Advogado: Fábio Finn e outro(s)
EMENTA
Processual Civil e Administrativo. Ação de indenização. Mata
Atlântica. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prescrição
quinquenal. Revogação do decreto. Perda do objeto. Tamanho do
imóvel. Irrelevância. Súmula n. 7-STJ. Inaplicabilidade.
1. Hipótese em que o aresto recorrido afastou a prescrição
quinquenal e determinou a realização de perícia para aferir se as
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 157
restrições ao aproveitamento da vegetação da Mata Atlântica trazidas
pelo Decreto n. 750/1993 caracterizam desapropriação indireta ou
mera limitação administrativa.
2. A matéria recursal restringe-se a interpretar os efeitos do
Decreto n. 750/1993 e a consequente incidência da norma prescricional
quinquenal, prevista no Decreto n. 20.910/1932, o que é cabível em
Recurso Especial. Inaplicabilidade da Súmula n. 7-STJ.
PERDA DO OBJETO
3. Após o julgamento da Apelação, o Decreto n. 750/1993 foi
expressamente revogado pelo art. 51 do Decreto n. 6.660/2008, que
regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006).
4. Com a revogação do ato especifi camente apontado pelos
recorridos como ensejador da desapropriação indireta, confi gura-se
a perda do objeto da ação a ensejar sua extinção sem resolução de
mérito.
DECRETO N. 750/1993 - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA
5. O STJ pacifi cou o entendimento de que o Decreto n. 750/1993
estabeleceu mera limitação administrativa, e não desapropriação
indireta, pois não exclui o domínio particular sobre a terra, mas apenas
condiciona o exercícios dos direitos inerentes à propriedade.
PRECEDENTES DO STJ
6. Cito precedentes nesse sentido: EDcl nos EDcl no REsp
n. 1.099.169-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, j.
11.6.2013; REsp n. 1.120.304-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, DJe 29.5.2013; REsp n. 752.232-PR, Rel. Ministro
Castro Meira, Segunda Turma, DJe 19.6.2012; AgRg no Ag n.
1.337.762-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 12.6.2012; AgRg nos EDcl no REsp n. 1.116.304-SC, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.12.2011;
REsp n. 1.275.680-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 1º.12.2011; AgRg no REsp n. 1.204.607-SC,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 17.5.2011;
AgRg no REsp n. 404.791-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin,
Segunda Turma, DJe 26.4.2011; AgRg no REsp n. 934.932-SC, Rel.
Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 26.5.2011;
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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AgRg nos EREsp n. 752.813-SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki,
Primeira Seção, DJe 9.5.2011; AgRg no Ag n. 1.221.113-SC, Rel.
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 17.2.2011;
REsp n. 1.126.157-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 5.11.2010; REsp n. 1.180.239-SC, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.9.2010; REsp n.
1.172.862-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
26.3.2010; EREsp n. 922.786-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 15.9.2009; REsp n. 1.171.557-SC, Rel. Ministro
Castro Meira, Segunda Turma, DJe 24.2.2010.
7. Na origem, o presente caso foi julgado conjuntamente com
sete outros, sendo idêntico ao dos Recursos Especiais n. 1.098.162-
SC (Rel. Min. Eliana Calmon), e 1.098.163-SC e 1.099.428-SC
(Rel. Min. Humberto Martins), em que, mesmo em se tratando
de minifúndios, reconheceu-se que o Decreto n. 750/1993 fi xou
limitação administrativa e que se aplicou a prescrição quinquenal.
AUSÊNCIA DE REDUÇÃO DA ÁREA CULTIVADA
8. Cabe observar que, no caso dos autos, o Decreto n. 750/1993
não diminuiu a área então cultivada pelos recorridos, até porque
não há Mata Atlântica na lavoura. Apenas impediu nova supressão
da cobertura fl orística, especifi camente a vegetação primária ou nos
estágios avançado e médio de regeneração. O efeito possível do
Decreto é restringir a ampliação do aproveitamento econômico do
imóvel, mas não reduzir a exploração já existente.
MINIFÚNDIOS
9. Caso os minifúndios sejam excluídos da jurisprudência relativa
à limitação administrativa, o STJ estará afastando a aplicação da lei
em relação à maioria absoluta dos imóveis rurais na região Sul do
Brasil. Registre-se que só em Santa Catarina, segundo dados ofi ciais,
existem 167.335 pequenas propriedades rurais. O que seria exceção
à jurisprudência deste Tribunal tornar-se-ia a regra para o local,
contribuindo-se para a desproteção dos 5% de Mata Atlântica que
restam no País.
CONCLUSÃO
10. Agravo Regimental provido.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 159
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman
Benjamin, divergindo do Sr. Ministro-Relator, a Turma, por maioria, deu
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Herman
Benjamin, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Castro Meira.” Votaram
com o Sr. Ministro Herman Benjamin os Srs. Ministros Humberto Martins,
Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon.
Brasília (DF), 15 de agosto de 2013 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJe 4.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: Trata-se de agravo regimental interposto
contra decisão proferida em recurso especial, assim ementada:
Processual Civil. Pretensão recursal e premissas fáticas alicerçadas pelo
acórdão recorrido. Reexame de matéria fática. Súmula n. 7-STJ. Enquadramento.
Desapropriação indireta ou limitação administrativa.
1. Tanto as premissas fáticas alinhavadas pelo Tribunal de origem no sentido
de que não se pode fi rmar se a situação do bem se enquadra em desapropriação
indireta ou em mera limitação administrativa, quanto a pretensão recursal
demandariam a coibida inserção no contexto fático-probatório constante do
processo na via especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.
2. Recurso especial não conhecido (fl . 70).
Sustenta a agravante que versa o caso o reconhecimento da prescrição
fundada no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932. Aduz que o Verbete Sumular
de n. 7 do STJ não impede a apreciação da efetiva desapropriação indireta.
Assevera que não se pode cogitar da desapropriação indireta, pois não houve
transferência compulsória da propriedade para o Poder Público.
Nesse sentido, alega que os próprios autores da demanda afi rmam, na
exordial, que são proprietários do imóvel rural matriculado sob o n. 5.896, ou
seja, que não houve transferência da propriedade para a União.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
160
Invoca, segundo entende, caso similar – REsp n. 1.016.925-SC, Rel. Min.
José Delgado – em que preconiza ser aplicável o prazo prescricional de cinco
anos por indenização decorrente de limitação ao direito de propriedade.
Postula a reforma da decisão agravada a fim de que seja acolhida a
prescrição quinquenal ou alternativamente o reconhecimento de inexistência de
desapropriação no caso concreto, mas de limitação administrativa, na forma dos
arts. 1º e 2º do Decreto n. 750/1993.
É o relatório.
VOTO
Ementa: Processual Civil. Pretensão recursal e premissas fáticas
alicerçadas pelo acórdão recorrido. Reexame de matéria fática.
Súmula n. 7-STJ. Enquadramento. Desapropriação indireta ou
limitação administrativa. Prazo prescricional do art. 1º do Decreto n.
20.910/1932. Ausência de prequestionamento.
1. O Juízo de primeira instância, pouco mais de 15 dias após
a distribuição do feito, indeferiu a petição inicial e extinguiu o
processo, por ter reconhecido a prescrição do direito dos autores à ação
indenizatória. Initio litis, apurou que não se tratava de desapropriação
indireta, mas de mera limitação administrativa, sujeita, portanto, ao
prazo de prescrição quinquenal do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
2. A Corte Regional deu provimento ao recurso de apelação por
entender que a existência, ou não, de desapropriação indireta depende
de prova a respeito, não podendo ser o processo extinto, initio litis,
antes de ultrapassada a fase probatória. Asseverou que através de
perícia é que será determinado o grau de intervenção do Estado na
propriedade, para concluir se o caso dos autos é de desapropriação
indireta ou de mera limitação administrativa.
3. O acórdão regional aferiu a existência, no caso, de um
peculiaridade que torna ainda mais evidente a necessidade de se
realizar a prova a fi m de demonstrar o grau da intervenção estatal na
propriedade, especifi camente o fato de se tratar de pequenas propriedades
rurais (minifúndios), onde a instituição da reserva legal, aliada a outras
limitações, pode levar, não raras vezes, a “inviabilidade completa da
própria subsistência”.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 161
4. A Corte de origem levou em conta certa peculiaridade do
caso - o fato de se tratar de minifúndio rural - para concluir que
a caracterização do feito como desapropriação indireta ou mera
limitação administrativa depende de prova a ser produzida na fase
própria, não podendo o processo ser extinto initio litis por prescrição,
já que o prazo prescricional varia a depender da natureza da ação: vinte
anos para a desapropriação indireta e cinco anos para a indenização
por prejuízos causados em decorrência de limitações administrativas.
5. As premissas fáticas assentadas no acórdão e as circunstâncias
de que se valeu para afi rmar a necessidade de prova a fi m de demonstrar
o grau de intervenção do Estado na propriedade não podem ser
alteradas ou desconsideradas por esta Corte.
6. A própria jurisprudência do STJ não se distancia do que foi
decidido pelo TRF da 4ª Região, pois se entende que a criação de
parques de preservação ambiental não criam limitações além das que
já estão previstas no Código Florestal, não cabendo, em tese, qualquer
indenização, a menos que o autor da ação faça prova de prejuízos concretos,
que suplantam aqueles experimentados em razão das proibições do próprio
Código. Assim, não pode ser suprimida da parte a possibilidade de produzir
a prova que demonstra a sua pretensão. Precedentes.
7. A tese da recorrente de que houve prescrição impõe o
afastamento da premissa alinhada pela Corte regional de que não seria
possível se defi nir a qualifi cação jurídica da intervenção na propriedade
sem a produção de prova pericial, providência incompatível com a
natureza do recurso especial, que não se vocaciona à discussão de
matéria fática, a teor da Súmula n. 7-STJ.
8. A tese segundo a qual o art. 1º do Decreto n. 20.910/1932 se
aplica em ações de qualquer natureza não foi debatida pelo acórdão
recorrido, o que impede seu conhecimento por esbarrar nas Súmulas
n. 282 e 356-STF.
9. Agravo regimental não provido.
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): Olívio Marafon e cônjuge são
proprietários de imóvel rural, com área de 243.500 m², localizado no Município
de Descanso, no oeste catarinense, desde o ano de 1979.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
162
Em 14 de janeiro de 2008, ajuizaram ação que intitularam de “indenizatória
por desapropriação indireta” em face da União. Alegaram que o Decreto n.
750/1993, em seu art. 1º, proibiu o corte, a exploração e a supressão de vegetação
primária ou nos estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Assim, como são pequenos proprietários e adquiriram seu imóvel para
a prática da agricultura e da pecuária, disseram que têm sofrido verdadeira
“interdição do uso da propriedade” e não mera limitação administrativa, o que
justifi ca a indenização reclamada.
Na exordial, sustentaram o seguinte:
No caso em tela, os Autores sofreram danos materiais, consistentes em danos
emergentes e lucros cessantes. Os danos emergentes estão confi gurados na perda
efetiva da propriedade rural adquirida, pois, como dito, são pequenos agricultores,
e, embora tenham pago o valor integral da área comprada, adimplindo, inclusive,
os tributos incidentes sobre toda ela, somente pode ser utilizada de forma restrita,
perdendo, por consequência, o valor investido na mesma.
Isto porque a área do imóvel dos Autores coberta pela vegetação protegida
por lei ambiental é totalmente inútil para as lides agrícolas, tendo em vista que tal
vegetação não pode ser extraída para que se possa plantar ou cultivar pastagens,
que, como se sabe, não germina nem cresce sob condições de muita umidade e
pouca luminosidade.
(...)
Por óbvio, tal perda deverá ser calculada mediante a realização de prova pericial,
que demonstre o total da área pretendida pelos autores, em razão das políticas
adotadas pela ré, apurando-se a respectiva indenização. Deverá ser apurado
mediante perícia, também, o valor real da vegetação existente nã área e que poderá
ser comercializada.
Quanto aos lucros cessantes, os autores possuem o direito à indenização pelo
que deixaram de lucrar em razão da inutilização de sua propriedade por meio de
políticas ambientais adotadas pela ré (fl . 12, grifos do original).
Ao fi nal, postularam o seguinte:
c) sejam julgados procedentes os pedidos formulados pelos autores nesta
inicial, condenando-se a Ré ao pagamento da indenização respectiva, que
deverá ser apurada em liquidação de sentença, ou seja, o valor do imóvel, o lucro
cessante e o valor dos recurso vegetais (madeiras) existentes no local;
d) ao final seja determinada a devida averbação da área considerada de
preservação ambiental, expedindo-se mandado ao competente Registro de
Imóveis;
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 163
e) a condenação da ré ao pagamento de juros, inclusive compensatórios, da
correção monetária, das custas processuais e honorários advocatícios;
f ) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, mormente a
testemunhal, documental e pericial (fl . 13).
O Juízo de primeira instância, pouco mais de 15 dias após a distribuição do
feito, indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo com resolução de mérito,
por ter reconhecido a prescrição do direito dos autores à ação indenizatória.
Initio litis, apurou que não se tratava de desapropriação indireta, mas de mera
limitação administrativa, sujeita, portanto, ao prazo de prescrição quinquenal do
art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
A motivação da sentença fi ca clara nos seguintes fragmentos de voto,
verbis:
Analisando o caso dos autos, constata-se que não é caso de desapropriação,
à medida que o direito de propriedade continua a pertencer à parte autora, não
tendo havido qualquer apossamento irregular.
Trata-se na verdade de uma limitação legal ao direito de propriedade que
atinge de forma abstrata e geral todos os proprietários com imóveis nas situações
descritas pela norma, instituídas em favor do interesse coletivo, e que não altera a
titularidade do imóvel e também não impossibilita por completo o exercício dos
poderes de proprietário.
(...)
Em conclusão: a natureza jurídica do evento alegado na inicial é a de mera
limitação administrativa ao direito de propriedade e não de desapropriação indireta.
Sendo mera limitação administrativa, o prazo prescricional é quinquenal,
regulado pelo Decreto n. 20.910/1932. Considerando a data do Decreto e da
Portaria Interministerial que teriam limitado o direito de propriedade da parte
autora (1993 e 1996 respectivamente), bem como a data da propositura da
presente demanda, observo que a pretensão está irremediavelmente fulminada
pela prescrição (fl s. 23 e 24, grifos nossos).
A Corte Regional deu provimento ao recurso de apelação dos autores
por entender que a existência, ou não, de desapropriação indireta aqui depende
de prova a respeito, não podendo ser o processo extinto, initio litis, antes de
ultrapassada a fase probatória. Assim, asseverou que através de perícia é que será
determinado o grau de intervenção do Estado na propriedade, para concluir se o
caso dos autos é de desapropriação indireta ou de mera limitação administrativa.
O nobre Des. Federal Márcio Rocha sustentou o seguinte, verbis:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
164
Alegam os autores que a aplicação do Decreto n. 750, de 1993, retira a utilidade
econômica de tais propriedades. Nessa linha não poderia o juízo, de antemão, sem
oportunizar às partes a prova da extensão dessa perda de utilidade econômica do
imóvel, já entender que se trata de uma mera restrição administrativa, e não da
própria perda da utilidade da propriedade. Essa matéria deverá ser objeto de
debate nos autos, cabendo aos autores provar que a extensão dessas limitações
de fato retiraram dessas propriedades a utilidade econômica. Não pode o
juízo, sem prova e sem contraditório, já antecipar a qualifi cação jurídica dessa
intervenção da propriedade, presumindo, portanto, uma das teses.
Então, dada essa questão e entendendo que a existência ou não de
desapropriação indireta aqui depende de prova a respeito: a mata que existe em
cada terreno, a utilidade que se dava, o que ainda se pode utilizar e o que não se
pode (...)
Diante disso, afasto a sentença que reconheceu a prescrição e determino o
retorno dos autos à origem.
É o voto em todos os feitos (fl . 41).
Em complemento, o Des. Antônio Lippmann asseverou que, no caso, há
um peculiaridade que torna ainda mais evidente a necessidade de se realizar
a prova a fi m de demonstrar o grau da intervenção estatal na propriedade,
especifi camente o fato de tratar-se de pequenas propriedades rurais (minifúndios),
onde a instituição da reserva legal, aliada a outras limitações, pode levar, não raras
vezes, a “inviabilidade completa da própria subsistência” (fl . 41-v), como se verifi ca
no seguinte excerto de voto:
Confesso que na última sessão em que fi gurei na relatoria dos feitos, trouxe
uma matéria análoga e, naquela assentada, fiquei vencido. Depois daqueles
debates realizados durante a sessão, e, depois, com o voto divergente apresentado
pelo Des. Valdemar Capeletti, que fi cou para atuar como Relator para o acórdão,
refl etindo durante esse período - recebi o memorial do ilustre advogado - percebi
que há uma peculiaridade que me chamou a atenção, salvo melhor juízo, todas
as propriedades são minifúndios, onde, além da reserva legal, que é ínsito, tendo
em vista a legislação específi ca no caso, haveria praticamente a situação de levar
aos titulares do domínio até - e V. Exa. bem salientou, desde que comprovado isso
pericialmente - a inviabilidade completa da própria subsistência.
Também sou de família do interior, e lá acho que esse decreto não chegou
a atingir a parte do Estado do Paraná, embora tenhamos também dentro da
extensão territorial do Estado uma margem signifi cativa de Mata Atlântica. Mas
confesso que me curvei diante dessas considerações - e V. Exa. agora bem aduziu
que estamos diante de um caso que depende de uma aferição concreta da
extensão desse possível prejuízo ocasionado a esses titulares do domínio.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 165
Ressalvando o meu ponto de vista pessoal - no voto trago um precedente
do Min. Fux, se não me falha a memória, envolvendo a questão, só que é uma
questão já envolvendo até a própria perícia realizada no imóvel.
Recebi o voto divergente do Des. Valdemar Capeletti naquele feito que refere
que há no seio do próprio Superior Tribunal de Justiça um precedente do Min.
Teori Zavascki que enfrenta essa questão e isso mostra o dissenso jurisprudencial
a ensejar que o feito tenha a sua tramitação.
Por isso, alterando meu posicionamento utilizado naquele feito, estou
aderindo à posição sustentada agora por V. Exa.
Estou acompanhando (fl . 41).
O ilustre Des. Valdemar Capeletti foi ainda mais enfático quanto à
situação sui generis desse caso, por se tratar de minifúndio, em que a limitação à
propriedade supera os 44% da totalidade do imóvel.
Para corroborar o fundamento de seu voto, transcreve-se o trecho a seguir:
Sem dúvida, eminente Relator, caro Presidente.
Vou pegar um dos feitos apenas como parâmetro, e me atenho ao feito de n.
18. No caso concreto:
“Os presentes autos envolvem pequena propriedade, ou seja, minifúndio, cuja
área é de onze hectares (...) (lê) (...) limitação desse gênero.”
Fosse uma limitação administrativa na exploração seria perfeitamente
aplicável os precedentes que se invocavam naquele feito em que tive a honra de
ser o Relator e que V. Exa., Des. Lippmann, foi vencido.
“Mas aqui onde se reduz o uso e gozo e fruição da propriedade que atinge
44,01% da área total, estamos, sem dúvida diante de uma situação sui generis e
que merece tratamento diferenciado (...) (lê) (...) a saber, a ação de desapropriação
indireta prescreve em vinte anos.” Aí declino precedentes do Supremo Tribunal
Federal, da lavra do eminente Min. Celso de Mello, que à unanimidade, foi
publicado em 22.9.1995, exatamente nesta linha de posicionamento em que
afasta a aplicação do Decreto n. 750 por ser situações diferenciadas, assim como
do próprio STJ, já mencionado por V. Exa., o acórdão da 1ª Turma, também
unânime, que teve como Relator o eminente Min. Teori Zavascki.
Diante disso, vou acompanhar o voto de S. Exa., o Relator, com essas
ponderações. Peço a juntada de notas taquigráficas em todos os feitos, Sr.
Presidente, a título de complementação (fl . 41).
Como se vê, o acórdão regional levou em conta certa peculiaridade do caso
- o fato de se tratar de minifúndio rural - para concluir que a caracterização do
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
166
feito como desapropriação indireta ou mera limitação administrativa depende de
prova a ser produzida na fase própria, não podendo o processo ser extinto initio
litis por prescrição, já que o prazo prescricional varia a depender da natureza da
ação: vinte anos para a desapropriação indireta e cinco anos para a indenização
por prejuízos causados em decorrência de limitações administrativas.
A jurisprudência desta Corte não se distancia do que foi decidido pelo
TRF da 4ª Região, pois se entende que a criação de parques de preservação
ambiental não criam limitações além das que já estão previstas no Código
Florestal, não cabendo, em tese, qualquer indenização, a menos que o autor da
ação faça prova de prejuízos concretos, que suplantam aqueles experimentados
em razão das proibições do próprio Código.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
Administrativo. Embargos de divergência em recurso especial. Ação de
indenização. Decreto Estadual n. 10.251/1977. Criação do Parque Estadual da
Serra do Mar. Esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade. Indenização
indevida. Limitações preexistentes em decorrência de outras normas. Súmula n.
168-STJ.
1. A criação do Parque Estadual da Serra do Mar não gera direito à indenização pura
e simplesmente, eis que as limitações administrativas previstas no Decreto Estadual n.
10.251/1977 já estavam anteriormente entabuladas no Código Florestal, sendo devida
a indenização somente no caso de restar comprovada limitação administrativa mais
extensa que as já existentes na área antes do decreto e, também, prejuízo concreto
decorrente da impossibilidade de exploração econômica da propriedade.
2. “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal
se fi rmou no mesmo sentido do acórdão embargado” (Súmula n. 168-STJ).
3. Embargos de divergência não conhecidos (EREsp n. 610.158-SP, Rel. Min.
Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 22.9.2008 - original sem grifos);
Processual Civil. Administrativo. Agravo regimental em recurso especial.
Ação de indenização por desapropriação indireta. Parque Estadual da Serra do
Mar (Decreto Estadual n. 10.251/1977). Limitações administrativas de caráter
geral. Função social da propriedade. Ausência de prejuízo. Impossibilidade de
indenização. Precedentes do STJ: EREsp n. 209.297-SP, DJ 13.8.2007
1. A criação do “Parque Estadual da Serra do Mar”, por intermédio do Decreto
n. 10.251/1977, do Estado de São Paulo, não acrescentou qualquer limitação
àquelas preexistentes, engendradas em outros atos normativos (Código Florestal,
Lei do Parcelamento do Solo Urbano), que já vedavam a utilização indiscriminada
da propriedade. Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp n. 257.970-SP, Relator
Ministro Francisco Falcão, DJ de 13.3.2006; AgRg no REsp n. 610.158-SP, Relatora
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 167
Ministra Denise Arruda, DJ de 10.4.2006 e REsp n. 442.774-SP, Relator Ministro
Teori Zavascki, DJ de 20.6.2005.
2. Consectariamente, à luz do entendimento predominante desta Corte, revela-
se indevida indenização em favor dos proprietários dos terrenos atingidos pelo ato
administrativo sub examine - Decreto n. 10.251/1977, do Estado de São Paulo, que
criou o Parque Estadual da Serra do Mar - salvo comprovação pelo proprietário,
mediante o ajuizamento de ação própria em face do Estado de São Paulo, que
o mencionado decreto acarretou limitação administrativa mais extensa do que
aquelas já existentes à época da sua edição.
3. É inadmissível a propositura de ação indenizatória na hipótese em que a
aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos atos
normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis, como
ocorrera, in casu, com os Decretos Estaduais n. 10.251/1977 e n. 19.448/1982 de
preservação da Serra do Mar (Precedente: EREsp n. 254.246-SP, Primeira Seção,
Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. para acórdão Min. João Otávio Noronha, julgados em
13.12.2006)
4. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 988.785-SP, Rel. Min. Luiz
Fux, Primeira Turma, DJe de 18.2.2009);
Assim, está assente nesta Corte que a criação de parque de preservação
ambiental ou a edição de normas que contemplam restrições à exploração do
meio ambiente não geram, pura e simplesmente, direito à indenização, que será
devida caso de restar comprovada limitação administrativa mais extensa que as
já existentes na área e, também, prejuízo concreto decorrente da impossibilidade de
exploração econômica da propriedade.
Há precedente da Segunda Turma que retrata um caso muito semelhante
ao que se está examinado. Na oportunidade, concluiu este órgão julgador que
“a existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do autor e
o eventual direito à indenização são questões que extrapolam os limites do
interesse meramente processual, passando a constituir o próprio mérito da
causa. Desse modo, conclui-se que se faz necessária dilação probatória para fi ns
de verifi car a extensão da limitação administrativa imposta pelo decreto-lei que
institui o Parque de IlhaBela, de forma que têm os proprietários do imóvel o
direito de promover a instrução regular do feito com o fi to de postular eventual
indenização decorrente de limitação administrativa ao direito de propriedade”.
O julgado recebeu a seguinte ementa:
Processual Civil e Administrativo. Ação de desapropriação indireta. Criação do
Parque Estadual de IlhaBela. Falta de interesse de agir. Afastamento. Necessidade
de dilação probatória. Violação aos arts. 130, 267, VI, § 3º, 331, § 2º do CPC.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
168
1. A existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do autor
e o eventual direito à indenização são questões que extrapolam os limites do
interesse meramente processual, passando a constituir o próprio mérito da causa.
2. Afi gura-se necessária dilação probatória para fi ns de verifi car a extensão
da limitação administrativa imposta pelo decreto-lei que institui o Parque de
IlhaBela, de forma que têm os proprietários do imóvel o direito de promover a
instrução regular do feito com o fi to de postular eventual indenização decorrente
de limitação administrativa ao direito de propriedade. Precedentes.
3. Recurso especial provido (REsp n. 510.666-SP, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, Segunda Turma, DJ de 23.5.2007).
O eminente Relator, Min. João Otávio de Noronha, asseverou o seguinte,
em tudo aplicável ao presente caso, verbis:
Cuida-se, na espécie, de ação de desapropriação indireta proposta por Maria
Oliveira Facchina e Outros, ora recorrentes, em que se requer indenização em face
da impossibilidade de utilização econômica de seu imóvel – situado na Comarca
de São Sebastião, Município de Ilhabela – em decorrência da criação do Parque
Estadual de Ilhabela.
Apreciado em primeiro grau de jurisdição, o feito foi extinto com base no art.
267, VI, do CPC, por falta de interesse de agir (fl s. 361-366). Entendeu o magistrado
que só há desapropriação indireta quando ocorrer a efetiva ocupação pelo
Poder Público de área de propriedade privada, hipótese inocorrente na espécie.
Ponderou que, no caso, houve apenas a delimitação genérica da área pertencente
ao referido parque estadual.
Interposto subseqüente recurso de apelação, foi ele improvido.
Manifestado embargos infringentes, foram eles rejeitados.
Daí, adveio o presente recurso especial.
Na mesma linha da orientação deste Tribunal, entendo que, no caso, a
existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do autor e o
eventual direito à indenização são questões que extrapolam os limites do
interesse meramente processual, passando a constituir o próprio mérito da
causa. Desse modo, concluo que se faz necessária dilação probatória para fi ns
de verifi car a extensão da limitação administrativa imposta pelo decreto-lei que
institui o Parque de IlhaBela, de forma que têm os proprietários do imóvel o
direito de promover a instrução regular do feito com o fi to de postular eventual
indenização decorrente de limitação administrativa ao direito de propriedade.
Colaciono, por oportunos, precedentes desta Corte que bem refletem o
entendimento ora adotado:
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 169
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Divergência
jurisprudencial não comprovada. Criação de reserva ambiental (Parque
Estadual de Ilhabela). Ação de desapropriação indireta. Interesse de agir.
1. Manifesta-se presente o interesse de agir quando a ação proposta é
meio idôneo à obtenção da pretensão do autor, bem como necessária à
consecução dos escopos da demanda.
2. Deveras, a análise do interesse de agir é engendrada in abstrato,
pelo que consta da petição inicial. In casu, a existência ou não de efetivo
desapossamento da propriedade do autor, assim como o eventual direito
a indenização, são questões que extrapolam os limites do interesse
meramente processual, passando a constituir o próprio meritum causae.
Constituindo precedentes do STJ: REsp n. 595.731-SP, Relator Ministro
Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005; REsp n. 402.598-SP, desta relatoria, DJ de
24.3.2003 e REsp n. 433.251-SP, desta relatoria, DJ de 30.9.2002.
3. O Recurso Especial fundado na alínea c exige a demonstração
do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração das
circunstâncias que assemelham os casos confrontados, não bastando, para
tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas.
Precedentes jurisprudenciais: AGA n. 585.523-RS, 1ª T., Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJ 29.11.2004 e REsp n. 645.061-MG, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJ 25.10.2004.
4. Recurso especial provido para determinar que o Tribunal a quo julgue
o mérito do recurso. (REsp n. 730.464-SP, relator Ministro Luiz Fux, Primeira
Turma, DJ de 9.10.2006).
Processual Civil e Administrativo. Ação de desapropriação indireta.
Criação do Parque Estadual de Ilhabela. Falta de interesse de agir.
Afastamento.
I - “Manifesta-se presente o interesse de agir quando a ação proposta
é meio idôneo à obtenção da pretensão do autor, bem como necessária
à consecução dos escopos da demanda. Deveras, a análise do interesse
de agir é engendrada in abstrato, pelo que consta da petição inicial. In
casu, a existência ou não de efetivo desapossamento da propriedade do
autor, assim como o eventual direito a indenização, são questões que
extrapolam os limites do interesse meramente processual, passando a
constituir o próprio meritum causae” (REsp n. 402.598-SP, Rel. Min. Luiz Fux,
DJ de 24.3.2003).1 (REsp n. 595.731-SP, relator Ministro Francisco Falcão,
Primeira Turma, DJ de 19.12.2005).
Agravo de instrumento. Desapropriação indireta. Parque Estadual
da Ilhabela. Limitações administrativas. Sub-rogação. Divergência
jurisprudencial não comprovada. Súmula n. 83-STJ.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
170
1. A demonstração da divergência pretoriana precisa observar as
formalidades exigidas no par. único do art. 541 do CPC.
2. “Os adquirentes do imóvel tem o direito de provar - em instrução
regular (obstaculizada pelo decreto de carência de ação) - que se sub-
rogaram nos direitos e ações dos seus antecessores, inclusive para
postularem possível indenização decorrente de limitação administrativa do
direito de propriedade.” (AGA n. 49.171-Peçanha).
3. Se o acórdão a quo harmoniza-se com a jurisprudência do STJ, incide
a Súmula n. 83-STJ.
4. Regimental improvido. (AgRg no Ag n. 387.733-SP, relator Ministro
Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, DJ de 24.2.2003.)
Diante dessas considerações, dou provimento ao recurso.
É como voto.
Os fundamentos utilizados naquele julgado em tudo se aplicam a este,
pois há entre ambos grande simetria, a não ser o fato de que, no paradigma,
houve extinção do feito por falta de interesse de agir e, no caso dos autos, por
prescrição.
Não pode o Juízo singular, initio litis e antes da fase instrutória, extinguir
o feito por entender que não se trata de desapropriação indireta, mas de mera
limitação administrativa, impossibilitando a parte autora de demonstrar que a
ação é de indenização por desapropriação indireta não apenas no nome mas
também em seu conteúdo.
No caso, o próprio acórdão recorrido entendeu não ser possível defi nir
a qualifi cação jurídica da intervenção na propriedade, sem antes propiciar a
produção de provas com ampla defesa, razão pela qual afastou o decreto de
prescrição e determinou o retorno dos autos ao Juízo singular.
Para defi nir-se o prazo prescricional aplicado à ação, faz-se necessário fi xar
o tipo de intervenção estatal na propriedade - se mera limitação administrativa
ou verdadeira desapropriação indireta - já que, em regra, cada qual se submete a
prazo distinto: qüinqüenal no primeiro caso (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932)
e vintenária no segundo (Súmula n. 119-STJ).
Assim, a tese da recorrente de que houve prescrição impõe o afastamento
da premissa alinhada pela Corte regional de que não seria possível se defi nir a
qualifi cação jurídica da intervenção na propriedade sem a produção de prova
pericial, providência incompatível com a natureza do recurso especial, que não
se vocaciona à discussão de matéria fática, a teor da Súmula n. 7-STJ.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 171
Vale repisar que o caso dos autos ainda comporta uma peculiaridade que
norteou a decisão do TRF 4ª Região: o fato de se tratar de minifúndio, em que a
limitação administrativa pode superar a casa dos 44% da área total do imóvel, o
que praticamente inviabiliza a natureza agrícola de certas propriedades.
Esses fatos e peculiaridades do caso devem ser aferidos em perícia, que
concluirá se a turbação administrativa é de tal monta a ensejar a desapropriação
indireta ou se é mera limitação que a todos atinge indistintamente.
Ademais, a Corte regional gaúcha não emitiu juízo de valor sobre a
tese segundo a qual o art. 1º do Decreto n. 20.910/1932 é “aplicável a ações
de qualquer natureza” (fl s. 52-53), o que impede o conhecimento do recurso
especial por esbarrar nas Súmulas n. 282 e 356-STF.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Herman Benjamin: O Recurso Especial da União foi
interposto contra acórdão assim ementado (fl . 51, e-STJ):
Processual Civil e Administrativo. Mata Atlântica. Decreto n. 750/1993.
Desapropriação indireta ou limitação administrativa. Dilação probatória.
Sem a instauração do contraditório e a produção de prova não é possível
defi nir a qualifi cação jurídica da intervenção na propriedade, promovida pelo
Decreto n. 750/1993.
Sentença anulada, determinando-se o prosseguimento da ação.
Cuida-se de discussão relativa aos efeitos do Decreto n. 750/1993 (limitação
administrativa ou desapropriação indireta). Ela é relevante, no presente caso,
para defi nir o prazo prescricional para a Ação Indenizatória (quinquenal, para as
limitações administrativas; vintenário, para as desapropriações indiretas).
O juiz de origem aplicou a pacífi ca jurisprudência do STJ, no sentido de
que o Decreto n. 750/1993 fi xou limitação administrativa, de modo que o
prazo prescricional é quinquenal, nos termos do Decreto n. 20.910/1932. Por
consequência, a demanda foi extinta sem julgamento de mérito, pois proposta
apenas em janeiro de 2008.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
172
O TRF reformou a sentença, porque entendeu necessária a dilação
probatória para aferir se o caso é de limitação administrativa ou de efetiva
desapropriação indireta, considerando tratar-se de minifúndio. Transcrevo
trechos do acórdão (fl s. 49-50, e-STJ, com grifos meus):
Alegam os autores que a aplicação do Decreto n. 750, de 1993, retira a utilidade
econômica de tais propriedades. Nessa linha não poderia o juízo, de antemão, sem
oportunizar às partes a prova da extensão dessa perda de utilidade econômica do
imóvel, já entender que se trata de uma mera restrição administrativa, e não da
própria perda da utilidade da propriedade. Essa matéria deverá ser objeto de
debate nos autos, cabendo aos autores provar que a extensão dessas limitações
de fato retiraram dessas propriedades a utilidade econômica. Não pode o
juízo, sem prova e sem contraditório, já antecipar a qualifi cação jurídica dessa
intervenção da propriedade, presumindo, portanto, uma das teses.
Então, dada essa questão e entendendo que a existência ou não de desapropriação
indireta aqui depende de prova a respeito: a mata que existe em cada terreno, a
utilidade que se dava, o que ainda se pode utilizar e o que não se pode.
(...)
Confesso que na última sessão em que fi gurei na relatoria dos feitos, trouxe
uma matéria análoga e, naquela assentada, fiquei vencido. Depois daqueles
debates realizados durante a sessão, e, depois, com o voto divergente apresentado
pelo Des. Valdemar Capeletti, que fi cou para atuar como Relator para o acórdão,
refl etindo durante esse período - recebi o memorial do ilustre advogado - percebi
que há uma peculiaridade que me chamou a atenção, salvo melhor juízo, todas as
propriedades são minifúndios, onde, além da reserva legal, que é ínsito, tendo em
vista a legislação específi ca no caso, haveria praticamente a situação de levar aos
titulares do domínio até - e V. Exa. bem salientou, desde que comprovado isso
pericialmente - a inviabilidade completa da própria subsistência.
O eminente Ministro Castro Meira (Relator) reconhece, no âmbito do
Decreto n. 750, a jurisprudência pacífi ca do STJ, no sentido do prazo prescricional
quinquenal. Entretanto, consignou relevante a peculiaridade do caso (tratar-se
de minifúndio) para manter a decisão da Corte regional, aplicando a Súmula n.
7-STJ. Transcrevo trechos do voto de Sua Excelência (grifos no original):
Assim, está assente nesta Corte que a criação de parque de preservação
ambiental ou a edição de normas que contemplam restrições à exploração do
meio ambiente não geram, pura e simplesmente, direito à indenização, que será
devida caso de restar comprovada limitação administrativa mais extensa que as já
existentes na área e, também, prejuízo concreto decorrente da impossibilidade de
exploração econômica da propriedade.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 173
(...)
Não pode o Juízo singular, initio litis e antes da fase instrutória, extinguir o feito
por entender que não se trata de desapropriação indireta, mas de mera limitação
administrativa, impossibilitando a parte autora de demonstrar que a ação é de
indenização por desapropriação indireta não apenas no nome mas também em
seu conteúdo.
No caso, o próprio acórdão recorrido entendeu não ser possível definir a
qualificação jurídica da intervenção na propriedade, sem antes propiciar a
produção de provas com ampla defesa, razão pela qual afastou o decreto de
prescrição e determinou o retorno dos autos ao Juízo singular.
Para defi nir-se o prazo prescricional aplicado à ação, faz-se necessário fi xar o
tipo de intervenção estatal na propriedade - se mera limitação administrativa ou
verdadeira desapropriação indireta - já que, em regra, cada qual se submete a
prazo distinto: qüinqüenal no primeiro caso (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932) e
vintenária no segundo (Súmula n. 119-STJ).
Assim, a tese da recorrente de que houve prescrição impõe o afastamento
da premissa alinhada pela Corte regional de que não seria possível se defi nir a
qualifi cação jurídica da intervenção na propriedade sem a produção de prova
pericial, providência incompatível com a natureza do recurso especial, que não se
vocaciona à discussão de matéria fática, a teor da Súmula n. 7-STJ.
Passo ao meu voto.
1. Natureza e objeto da ação
Conforme explicitado no relatório, cuida-se, originariamente, de Ação
de Indenização por Desapropriação Indireta proposta contra a União em
virtude das restrições veiculadas pelo Decreto n. 750/1993, que proibiu o corte,
a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e
médio de regeneração da Mata Atlântica.
Transcrevo trecho da exordial que demonstra a causa de pedir (fl s. 6-8,
e-STJ):
Para a realização de seu desiderato, necessitam preparar a terra, quer para
o plantio de víveres como milho, soja, mandioca, etc, quer para a implantação
de pastagens, tudo para a sobrevivência do grupo familiar, conforme pode se
constatar das notas de venda de produtos agrícolas cultivados em área parcial da
propriedade dos Autores que são juntadas aos autos e do levantamento técnico-
pericial a ser determinado por Vossa Excelência no decorrer da instrução do
presente feito.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
174
O preparo da terra implica, também, na derrubada de matas, sem o que
restaria impraticável a atividade dos requerentes. Há vários anos os Autores se
vêem impedidos de desenvolver suas atividades econômicas, vez que não é
possível criar animais e plantar os produtos que desejam em meio às mnatas
existentes em sua propriedade.
Esse fato, evidentemente, causa enorme prejuízo aos Autores, pois ficam
impedidos de exercer com sua família a atividade econômica de agricultores e
pecuaristas, em razão da política nacional, denominada de Proteção do Meio
Ambiente e Preservação da Mata Atlântica.
(...)
A proteção do meio ambiente impõe o dever de indenizar os proprietários que
fi cam impedidos - caso dos Autores - de exercer sua atividade, porquanto lhe é
vedada a derrubada da mata, sem o que, repete-se, é impossível plantar cereais
ou pastagem para o gado e sobrevivência do grupo familiar.
Observa-se, Excelência, que o presente caso não é de limitação administrativa,
mas de interdição do uso da propriedade.
Como se sabe, o órgão executor da polícia ambiental, no tocante à derrubada
de matas, nada permite e nada aprova, fazendo prevalecer o art. 1º do Decreto n.
750/1993, assim expresso: “Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de
vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata
Atlântica”.
Ocorre assim, efetivamente, uma interdição do uso da propriedade, vez que
a Ré dá cumprimento ao contido no art. 225 e seus parágrafos, da Carta Magna.
Mas, lembra-se que tal política governamental tem um preço, qual seja, indenizar
o proprietário atingido.
Assim, não há qualquer dúvida de que se trata efetivamente de ação
indenizatória, cujo pedido foi formulado com fundamento no esvaziamento
econômico da propriedade em função das restrições então previstas no Decreto
n. 750/1993.
2. Perda do objeto da ação
Estabelecidas as premissas quanto ao objeto e à natureza da demanda,
cumpre observar a caracterização in casu de superveniente falta de interesse
processual.
Conforme explicitado, a lide fundou-se nas restrições impostas pelo
Decreto n. 750/1993 à exploração da agricultura no imóvel dos agravados.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 175
Não se pode perder de perspectiva, contudo, que, após o julgamento
da Apelação, o referido Decreto foi expressamente revogado pelo art. 51 do
Decreto n. 6.660/2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei n.
11.428/2006). Confi ra-se:
Art. 51. Fica revogado o Decreto n. 750, de 10 de fevereiro de 1993.
Assim, com a revogação do ato especifi camente apontado pelos recorridos
como ensejador do esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade,
confi gura-se a perda do objeto da ação, a ensejar sua extinção sem resolução de
mérito.
3. Inaplicabilidade da Súmula n. 7
No tocante ao conhecimento do Recurso Especial, com todo o respeito,
não me parece aplicável a Súmula n. 7-STJ ao caso dos autos.
A questão é estritamente de direito. Discute-se se é necessária a perícia
em cada imóvel para aferir os efeitos do Decreto n. 750/1993, ou se é relevante
tratar-se de minifúndio ou latifúndio.
A matéria recursal restringe-se, com a devida vênia, a interpretar os
efeitos do Decreto n. 750/1993 e a consequente adoção da norma prescricional
quinquenal, prevista no Decreto n. 20.910/1932, o que é cabível em Recurso
Especial.
De fato, o STJ faz isso com inequívoca frequência, tendo pacificado
o entendimento de que o Decreto n. 750/1993 implica mera limitação
administrativa, e não desapropriação indireta, pois não exclui o domínio
particular sobre a terra nem esvazia o conteúdo econômico da propriedade.
O art. 1º do referido Decreto apenas proíbe “o corte, a exploração e
a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de
regeneração da Mata Atlântica”, admitindo exceções previstas em seu parágrafo
único e art. 2º.
Ora, a restrição é a mesma, seja em latifúndio, seja em minifúndio, sem
necessidade de revolver matéria fático-probatória para chegar a tal conclusão.
O fato de o imóvel dos recorridos ter aproximadamente 24,20 ha (eles
adquiriram imóvel de 48,55 ha em 1979 e venderam lote de 24,35 ha em 1988
- fl . 6, e-STJ) não signifi ca que haverá mais restrição em relação a um imóvel de
2.000 ha, por exemplo.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
176
Não há relação direta e presumível entre o tamanho do imóvel e a cobertura
de Mata Atlântica e, consequentemente, entre a área do terreno e a limitação
imposta ao proprietário, diferentemente do que supôs o TRF.
4. Jurisprudência pacífi ca do STJ
Mister trazer à baila a orientação jurisprudencial do STJ em casos
semelhantes, no sentido do reconhecimento, independentemente do porte
da propriedade, de que o Decreto n. 750/1993 representa mera limitação
administrativa, o que, inclusive, afasta a aplicação da Súmula n. 7-STJ:
Processual Civil e Administrativo. Embargos de declaração. Recurso especial.
Intervenção do Estado na propriedade. Limitação administrativa. Decreto n.
750/1993. Prazo prescricional quinquenal. Precedentes.
1. O aresto embargado, ao tratar a hipótese como ação de indenização por
desapropriação indireta, induzido pelos termos do acórdão recorrido, incorreu
em erro passível de correção em sede de embargos de declaração.
2. A ação que busca a reparação de danos causados pela imposição de
limitação administrativa está sujeita à prescrição quinquenal, seja em função
do disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, seja em razão da inovação
legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de 2001, que acrescentou o parágrafo
único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar
provimento ao recurso especial.
(EDcl nos EDcl no REsp n. 1.099.169-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, j. 11.6.2013).
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Intervenção do Estado na
propriedade. Inexistência de violação do art. 535 do CPC. Limitação administrativa.
Decreto n. 750/1993. Prazo prescricional quinquenal. Precedentes.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide,
fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. A ação que busca a reparação de danos causados pela imposição de
limitação administrativa está sujeita à prescrição quinquenal, seja em função
do disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, seja em razão da inovação
legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de 2001, que acrescentou o parágrafo
único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.120.304-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
29.5.2013)
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 177
Administrativo e Ambiental. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa.
Desapropriação indireta. Não ocorrência. Indenização indevida. Ausência de
supressão dos poderes inerentes ao domínio.
1. O recurso especial combateu de forma efi caz o fundamento do aresto, não
busca a análise dos fatos da causa e não depende da interposição de recurso
extraordinário, ultrapassando os óbices das Súmulas n. 7-STJ, 283-STF e 126-STJ.
2. O Decreto n. 750/1993 estabeleceu limitação administrativa para proteger
o bioma Mata Atlântica e não retirou do proprietário os poderes inerentes ao
domínio, o que inviabiliza a pretendida indenização. Precedentes: EREsp n.
901.319-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 3.8.2009 e EREsp n.
922.786-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 15.9.2009.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 752.232-PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 19.6.2012).
Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental no agravo de instrumento.
Ambiental. Ação de indenização. Restrições advindas do Decreto n. 750/1993
às áreas cobertas por vegetação integrante da Mata Atlântica. Limitação
administrativa. Ação de natureza pessoal. Prescrição quinquenal. Decreto n.
20.910/1932. Precedentes desta Corte. Incidência da Súmula n. 83-STJ.
1. A controvérsia trazida a exame diz respeito à natureza da ação ajuizada
pelas autoras, ora agravantes, se desapropriação indireta, cujo prazo para
posterior indenização é de vinte anos, ou se limitação administrativa, submetida a
prescrição quinquenal.
2. O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta
Corte, que consolidou-se no sentido de que as restrições relativas à exploração da
mata atlântica estabelecidas pelo Decreto n. 750/1993 constituem mera limitação
administrativa, sujeitando-se, portanto, à prescrição quinquenal. Precedentes:
REsp n. 1.090.622-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado
em 25.8.2009, DJe 31.8.2009; EREsp n. 901.319-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Primeira Seção, julgado em 24.6.2009, DJe 3.8.2009; REsp n. 1.110.048-SC, Rel.
Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 4.6.2009, DJe 5.8.2009.
3. Dessa forma, considerando que a ação foi proposta em 7.2.2003, portanto,
decorridos quase dez anos do ato do qual se originou o suposto dano (Decreto n.
750/1993), não merece reparos o decisum atacado, incidindo, à espécie, a Súmula
n. 83-STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag n. 1.337.762-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 12.6.2012).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
178
Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental nos embargos de
declaração no recurso especial. Prescrição. Tema abordado pela Corte de origem
no bojo de remessa ex offi cio. Não ocorrência de preclusão consumativa. Decreto
n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo prescricional quinquenal. Questão
de direito. Não incidência da Súmula n. 7-STJ. Inexistência de fundamento
constitucional autônomo.
1. A preclusão consumativa não se aperfeiçoou. Isso porque o TRF da
Quarta Região analisou o tema prescrição em sede de remessa ex offi cio, sendo
desinfl uente, para esse mister, que a União tenha apelado tão somente quanto
aos honorários advocatícios a título de sucumbência.
2. Mutatis mutandis, incide o entendimento assente no âmbito da Corte
especial, segundo, o qual, litteratim: “[...] a ausência de recurso da Fazenda Pública
contra sentença de primeiro grau não impede, em razão da remessa necessária
(art. 475, do CPC), que ela recorra do aresto proferido pelo Tribunal de origem. Não
se aplica aos casos da espécie o instituto da preclusão lógica” (EREsp n. 853.618-
SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 3.6.2011).
3. O STJ ostenta entendimento uníssono no sentido de que a edição do Decreto
n. 750/1993 constitui mera limitação administrativa. E, para essa conclusão, é
despiciendo o reexame do cenário fático-probatório, na medida em que esse
entendimento decorre da avaliação do texto legal e das suas consequências.
Precedentes: REsp n. 1.126.157-SC, Relator Ministro Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 5.11.2010; e REsp n. 442.774-SP, Relator Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, DJ 20.6.2005.
4. Não se cogita fundamento constitucional autônomo. Deveras, consta do
acórdão recorrido apenas 2 (dois) temas, quais sejam: prescrição vintenária e
desapropriação indireta, temas esses que estão exclusivamente assentados em
fundamentos de cunho infraconstitucional.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no REsp n. 1.116.304-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, DJe 13.12.2011).
Processual Civil e Ambiental. Recurso especial. Violação ao art. 535 do
CPC. Alegações genéricas. Incidência da Súmula n. 284 do STF, por analogia.
Tutela antecipada. Requisitos. Conclusões do Tribunal de origem. Revisão.
Impossibilidade. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.
1. Trata-se, na origem, de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu
medida liminar em ação civil pública cujo objetivo era a contenção da devastação
de mata atlântica pela realização de determinado empreendimento no Rio
Grande do Sul.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 179
2. O acórdão entendeu que, quanto ao pedido de vedação à supressão de
vegetação na área do loteamento, o recurso teria perdido o objeto, porque, com
a modifi cação do estado de fatos, já não havia mais o que não ser devastado.
Em relação aos pedidos de demolição e reparação ambiental, entendeu que não
estaria confi gurada a verossimilhança das alegações, a autorizar o deferimento da
liminar, uma vez que a avaliação do cabimento das medidas solicitas a título de
antecipação de tutela dependeriam de maior dilação probatória.
3. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos
arts. 535 do Código de Processo Civil (CPC) - porque o acórdão foi omisso -, 461
do CPC, 11 da Lei n. 7.347/1985 e 1º do Decreto n. 750/1993 - em razão de a
área devastada ser pertencente à zona de mata atlântica, merecendo proteção
imediata com deferimento da liminar.
4. Em primeiro lugar, não se pode conhecer da apontada violação ao art. 535
do CPC pois as alegações que fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas,
sem discriminação dos pontos efetivamente omissos, contraditórios ou obscuros
ou sobre os quais tenha ocorrido erro material. Incide, no caso, a Súmula n. 284 do
Supremo Tribunal Federal, por analogia.
5. Em segundo lugar, a análise de eventual ofensa aos arts. 461 do CPC, 11 da
Lei n. 7.347/1985 e 1º do Decreto n. 750/1993, no que diz respeito ao cumprimento
dos requisitos para deferimento de tutela antecipada, requer necessariamente o
revolvimento de fatos e provas - notadamente porque, em relação à confi guração
da verossimilhança das alegações, a origem consignou a insufi ciência das provas
até então carreada nos autos a respeito da licitude do empreendimento, de forma
que não se poderia deferir liminarmente a demolição e a reparação ambiental -,
situação que faz incidir a Súmula n. 7 desta Corte Superior.
6. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.275.680-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 1º.12.2011).
Agravo regimental. Recurso especial. Art. 535 do CPC. Mata Atlântica. Decreto
n. 750/1993. Restrições administrativas ao uso. Posse mantida. Desapropriação
indireta e ação de natureza real não caracterizadas. Indenização. Ação pessoal.
Prescrição de cinco anos.
- A ausência de efetiva omissão no acórdão afasta a violação do art. 535 do
Código de Processo Civil.
- Carece de prequestionamento o tema relativo à efetiva violação do art. 170, I,
do anterior CC e dos artigos 269, II, 471 e 473 do CPC, não enfrentado no acórdão
dos embargos infringentes, expressamente, porque “não fi zeram parte do julgado
por estarem fora dos estritos limites da divergência dos embargos infringentes”.
- Na linha da jurisprudência desta Corte, não tendo o Decreto n. 750/1993
retirado do proprietário a posse do imóvel, mas, apenas, imposto restrições
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
180
administrativas ao uso, proibindo o corte, a exploração e a supressão de vegetação
primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, a
ação viável tem natureza pessoal, indenizatória, com prazo prescricional de cinco
anos.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.204.607-SC, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda
Turma, DJe 17.5.2011).
Processual Civil e Administrativo. Mata Atlântica. Decreto n. 750/1993.
Limitação administrativa. Prescrição qüinqüenal.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp n. 901.319-SC, de
relatoria da Ministra Eliana Calmon, fi rmou o entendimento de que as restrições
ao aproveitamento da vegetação da Mata Atlântica, trazidas pelo Decreto n.
750/1993, caracterizam limitação administrativa, e não desapropriação indireta,
razão pela qual se aplica o prazo de prescrição qüinqüenal, nos moldes do
Decreto n. 20.910/1932.
2. Hipótese em que a Ação foi proposta em 1991, muito antes da inovação
legislativa. Inaplicável, portanto, a norma superveniente relativa à prescrição.
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 404.791-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
DJe 26.4.2011).
Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Decreto n. 750/1993.
Restrições sobre exploração de áreas de Mata Atlântica. Limitação administrativa e
não desapropriação indireta. Prazo prescricional quinquenal. Decreto n. 20.910/1932.
Precedentes. Da Primeira Seção. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 934.932-SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira
Turma, DJe 26.5.2011).
Processual Civil e Administrativo. Embargos de divergência. Decreto n.
750/1993. Proibição do corte, da exploração e da supressão de vegetação
primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Limitação administrativa. Prazo prescricional quinquenal. Decreto n. 20.910/1932.
Entendimento sedimentado da 1ª Seção (EREsp n. 901.319-SC, DJe de 3.8.2009).
Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EREsp n. 752.813-SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira
Seção, DJe 9.5.2011).
Processual Civil. Administrativo. Agravo regimental no agravo de instrumento.
Limitação administrativa. Proibição do corte, da exploração e da supressão de
vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 181
Atlântica. Decreto Estadual n. 750/1993. Prescrição quinquenal. Agravo não
provido.
1. O Superior Tribunal de Justiça já fi rmou entendimento no sentido de que
às ações relativas à limitação administrativa ao direito de propriedade impostas
pelo Decreto n. 750/1993 aplica-se o prazo prescricional de cinco anos previsto no
Decreto n. 20.910/1932.
2. Estando o acórdão recorrido em conformidade com a orientação deste
Tribunal, incide, à espécie, o óbice da Súmula n. 83-STJ, aplicável, também, aos
recursos interpostos pela alínea a do permissivo constitucional.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag n. 1.221.113-SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira
Turma, DJe 17.2.2011).
Processual Civil e Administrativo. Recurso especial. Mata Atlântica. Ação de
desapropriação indireta. Não configuração. Decreto n. 750/1993. Limitações
administrativas. Prazo prescricional.
1. Posto tratar-se de simples limitação administrativa, incidem as disposições
incertas no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe: todo e qualquer direito
ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua
natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se
originarem.
2. A restrição ao uso da propriedade, no caso sub judice, foi imposta pelo
Decreto n. 750, de 1993, de efeitos concretos, publicado em 11.2.1993 e a ação foi
proposta em 10.2.2003, revelando-se a consumação da prescrição.
3. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.126.157-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 5.11.2010).
Administrativo e Processual Civil. Violação ao art. 535 do CPC. Inocorrência.
Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo prescricional. Cinco anos.
Honorários advocatícios. Ausência de prequestionamento.
1. Não há violação ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil, se o
acórdão recorrido, ao solucionar a controvérsia, analisa as questões a ele
submetidas, dando aos dispositivos de regência a interpretação que, sob sua
ótica, se coaduna com a espécie. O fato de a interpretação não ser a que mais
satisfaça a recorrente não tem a virtude de macular a decisão atacada, a ponto
de determinar provimento jurisdicional desta Corte, no sentido de volver os
autos à instância de origem, mesmo porque o órgão a quo, para expressar a sua
convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados
pelas partes.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
182
2. A proibição relativa à exploração da mata atlântica estabelecida pelo
Decreto n. 750/1993 constitui limitação administrativa, sujeitando-se, portanto, à
prescrição quinquenal. Recentes julgados da eg. Primeira Seção: EREsp n. 901.319-
SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 3.8.2009. Assim, a ação que busca a reparação
de danos causados pela imposição de limitação administrativa está sujeita à
prescrição quinquenal, seja em função do disposto no art. 1º do Decreto n.
20.910/1932, seja em razão da inovação legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de
2001, que acrescentou o parágrafo único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
3. Não se conhece do recurso especial se a matéria suscitada não foi
objeto de análise pelo Tribunal de origem, em virtude da falta do requisito do
prequestionamento. Súmulas n. 282 e 356-STF. No caso, não houve debate acerca
do artigo 20, § 4º, do CPC e artigo 27 do DL n. 3.365/1941.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
(REsp n. 1.180.239-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 20.9.2010)
Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Intervenção do Estado na
propriedade. Limitações administrativas. Decreto n. 750/1993. Prazo prescricional
quinquenal. Precedentes.
1. A ação que busca a reparação de danos causados pela imposição de
limitação administrativa está sujeita à prescrição quinquenal, seja em função
do disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, seja em razão da inovação
legislativa trazida pela MP n. 2.183-56, de 2001, que acrescentou o parágrafo
único no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
2. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.172.862-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
26.3.2010).
Administrativo e Processual Civil. Embargos de divergência em recurso
especial. Decreto n. 750/1993. Preservação da Mata Atlântica. Limitação
administrativa. Inexistência de esvaziamento do conteúdo econômico do
propriedade. Precedentes de ambas as Turmas e da própria Seção de Direito
Público do STJ.
1. A desapropriação indireta pressupõe três situações, quais sejam: (i)
apossamento do bem pelo Estado sem prévia observância do devido processo
legal; (ii) afetação do bem, ou seja, destina-lo à utilização pública; e (iii)
irreversibilidade da situação fática a tornar inefi caz a tutela judicial específi ca.
2. A edição do Decreto Federal n. 750/1993, que os embargantes reputam
ter encerrado desapropriação indireta em sua propriedade, deveras, tão
somente vedou o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 183
em estados avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, sendo certo
que eles mantiveram a posse do imóvel. Logo, o que se tem é mera limitação
administrativa. Precedentes: REsp n. 922.786-SC, Relator Ministro Francisco Falcão,
Primeira Turma, DJ de 18 de agosto de 2008; REsp n. 191.656-SP, Relator Ministro
João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 27 de fevereiro de 2009; e EREsp
n. 901.319-SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, DJ de 3 de agosto
de 2009.
3. As vedações contidas no Decreto Federal n. 750/1993 não são capazes de
esvaziar o conteúdo econômico da área ao ponto de ser decretada a sua perda
econômica.
4. Recurso de embargos de divergência conhecido e não provido.
(EREsp n. 922.786-SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe
15.9.2009).
Administrativo e Processual Civil. Artigo 267, VI, do CPC. Ausência de
prequestionamento. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo
prescricional. Cinco anos.
1. Não se conhece do recurso especial se a matéria suscitada não foi
objeto de análise pelo Tribunal de origem, em virtude da falta do requisito do
prequestionamento. Súmulas n. 282 e 356-STF. No caso, não houve debate acerca
do artigo 267, VI, do CPC.
2. A proibição relativa à exploração da mata atlântica estabelecida pelo
Decreto n. 750/1993 constitui limitação administrativa, sujeitando-se, portanto,
à prescrição quinquenal. Recentes julgados da eg. Primeira Seção: EREsp n.
922.786-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 15.9.2009 e EREsp
n. 901.319-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 3.8.2009.
3. Recurso especial conhecido em parte e provido.
(REsp n. 1.171.557-SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe
24.2.2010).
5. O presente caso é idêntico ao dos Recursos Especiais n. 1.098.162-
SC (Rel. Min. Eliana Calmon), e 1.098.163-SC e 1.099.428-SC (Rel. Min.
Humberto Martins)
Saliento que, na ocasião do julgamento do apelo que ensejou a interposição
do presente Especial, foram julgados pelo Tribunal de origem, conjuntamente, 8
(oito) recursos de Apelação em casos praticamente idênticos (fl . 49, e-STJ).
Do teor do acórdão de fls. 48-58, e-STJ, extrai-se que os votos dos
Desembargadores que participaram da sessão foram utilizados como razão de
decidir em todas as mencionadas demandas, concluindo-se de modo uniforme
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
184
que seria necessário o retorno dos autos à Vara de origem para realização de
perícia. Transcrevo a conclusão do decisum (fl . 50, e-STJ):
Nos feitos de n. 18 a 25 a Turma, por unanimidade, afastou a prescrição
determinando o retomo dos autos à vara de origem para a normal tramitação, na
forma do voto apresentado pelo eminente Relator, com a ressalva do ponto de
vista pessoal do Des. Lippmnann. Determinada a juntada das notas taquigráfi cas
de todos os integrantes da Turma. (grifei)
Ao buscar o destino dos processos julgados em conjunto, constatei que três
deles já foram objeto de julgamento no STJ. E saliento que em todos eles, mesmo
em se tratando de minifúndios, reconheceu-se que o Decreto n. 750/1993 fi xou
limitação administrativa e que se aplicou a prescrição quinquenal.
Nesse aspecto, destaco a decisão prolatada no Recurso Especial n.
1.098.162-SC, de relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon:
Processual Civil e Administrativo. Ausência de prequestionamento. Súmula
211-STJ. Mata Atlântica. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prescrição
quinquenal. Decreto n. 20.910/1932. Ocorrência.
1. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo
Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incidência da
Súmula n. 211-STJ.
2. A jurisprudência do STJ é fi rme no sentido de que o Decreto n. 750/1993
corresponde a uma limitação administrativa – abstrata e geral – sobre o direito de
propriedade dos imóveis situados na região da Mata Atlântica, instituída em favor
do interesse coletivo, e que não altera a titularidade do imóvel, nem impossibilita,
por completo, o exercício dos poderes do proprietário.
3. Aplica-se na hipótese o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto n.
20.910/1932.
4. In casu, a ação foi ajuizada somente em 18.1.2008, decorridos mais de cinco
anos do ato do qual se originou o suposto dano (Decreto n. 750/1993), o que
confi gura a prescrição do pleito do particular.
5. Recurso Especial parcialmente conhecido e provido.
(REsp n. 1.098.162-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe
19.11.2009).
Quanto aos demais recursos (REsp n. 1.098.163-SC e REsp n. 1.099.428-
SC), ambos de relatoria do Min. Humberto Martins, observo que foram
proferidas decisões monocráticas, em juízo de retratação, assim ementadas:
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 185
Administrativo. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Prazo prescricional
de 5 anos. Juízo de retratação. Recurso especial provido.
(AgRg no REsp n. 1.098.163-SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda
Turma, DJe 24.8.2009).
Administrativo. Decreto n. 750/1993. Limitação administrativa. Ausência de
apossamento. Prazo prescricional de 5 anos. Juízo de retratação. Recurso especial provido.
(AgRg no REsp n. 1.099.428-SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda
Turma, DJe 10.8.2009).
A mesma solução se impõe na espécie, devendo ser reconhecida a prescrição
de plano, tendo em vista que o Decreto 750/93 estabeleceu apenas limitações
administrativas.
6. O Decreto n. 750/1993 não alterou a área já explorada pelos
proprietários
Frise-se que, em se tratando de ocupação para subsistência, como se
presumiu na origem (fl . 50, e-STJ), havida desde 1979 (fl . 6, e-STJ), é evidente
que em 1993 (advento do Decreto n. 750), após o transcurso de 14 anos, os
proprietários já cultivavam a terra.
O Decreto n. 750/1993 não diminuiu essa área então cultivada, até porque
não há Mata Atlântica na lavoura. Apenas impediu a supressão da cobertura fl orística
restante, especifi camente a vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de
regeneração.
Dito de outra forma, no minifúndio de subsistência, a sobrevivência dos
ocupantes não é ameaçada pelo Decreto n. 750/1993, que não tem o condão de
reduzir a área já ocupada por lavouras.
O efeito possível do Decreto n. 750/1993 é restringir a ampliação do
aproveitamento econômico do imóvel, mas não reduzir a exploração de
subsistência já existente.
Note-se que a demanda foi proposta aproximadamente 15 anos após o
advento do Decreto n. 750/1993 (inicial protocolada em janeiro de 2008 - fl . 5,
e-STJ), o que ratifi ca a constatação de que a subsistência dos recorridos não foi
impedida pela legislação em comento.
Não há razão, portanto, para realizar perícia que busque avaliar
“inviabilidade completa da própria subsistência”, como entendeu o Tribunal de
origem (fl . 50, e-STJ).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
186
O Desembargador Valdemar Capeletti, citado pelo Ministro Castro Meira,
indica possível limitação de 44,01% da área total (referindo-se a demanda
semelhante, julgada em bloco, na mesma oportunidade - fl . 49, e-STJ).
Mas o argumento é contrário à tese adotada pelo TRF, pois demonstra não
haver desapropriação indireta.
Segundo o cálculo indicado no acórdão recorrido, 56% da área do imóvel
não é atingida pelos efeitos do Decreto n. 750/1993. Impossível dizer, nesse
caso, que houve total esvaziamento econômico da propriedade, que é o critério
para eventualmente confi gurar a desapropriação indireta.
Pelo contrário, esse percentual demonstra, inequivocamente, que houve
simples restrição à exploração futura da vegetação remanescente do imóvel.
7. Pretensão de garantia judicial para exploração de 100% do imóvel
Verifi ca-se que a petição inicial faz menção ao uso corrente da propriedade,
“conforme pode se constatar das notas de venda de produtos agrícolas cultivados
em área parcial da propriedade dos Autores” (fl . 6, e-STJ).
O objetivo dos autores, no entanto, é outro, pois, segundo suas palavras,
para utilizarem a totalidade do imóvel, “o preparo da terra implica, também, na
derrubada de matas” (fl . 6, e-STJ). Do contrário, ainda segundo a petição inicial,
estaria confi gurada a “interdição do uso da propriedade” (fl . 8, e-STJ), e, por
isso, a hipótese seria não de “limitação administrativa, mas de interdição do uso
da propriedade” (fl . 8, e-STJ, grifos no original), sob o argumento de que “a área
do imóvel dos Autores coberta pela vegetação protegida por lei ambiental é
totalmente inútil para as lides agrícolas, tendo em vista que tal vegetação não
pode ser extraída - rectius, derrubada - para que se possa plantar ou cultivar
pastagens” (fl . 15, e-STJ).
Constata-se, assim, que, em última análise, os recorridos pretendem
obter um pronunciamento judicial que lhes garanta a exploração irrestrita da
totalidade da propriedade. E tal pretensão, claramente, não merece acolhida.
8. Prescrição quinquenal
Por fi m, é importante salientar que todas as demandas trazidas ao STJ
têm peculiaridades. O tamanho do imóvel, entretanto, com todo o respeito, é
irrelevante para a ampliação do prazo prescricional.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 187
Por essa razão, deve-se prestigiar a jurisprudência pacífica deste
Tribunal Superior, no sentido de que o Decreto n. 750/1993 veicula limitação
administrativa (e não desapropriação indireta) e, portanto, a Ação Indenizatória
sujeita-se ao prazo de prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/1932, como
havia decidido o juiz de primeira instância.
Cabe ressaltar que, na hipótese de impedimento absoluto de uso da
propriedade, por conta de limitação administrativa, caracterizada estará a
desapropriação indireta. Tal, contudo, não é o que aqui se tem.
Como já visto, os próprios autores, na petição inicial, indicam que há anos
– desde 1979 – exploram economicamente seu imóvel. Ao ser editado em 1993, o
Decreto n. 750 em nada afetou essa explorabilidade já existente ou em curso, pois
apenas se refere à fl oresta em pé, e não a qualquer fl oresta, somente à Mata
Atlântica, o mais ameaçado dos biomas brasileiros (só restam pouco mais de 5%
de sua cobertura original). Já o Código Florestal (e o STJ pacifi cou sua aplicação
como obrigação propter rem) incide tanto em frações com vegetação como
naquelas já desmatadas, como se dá com as Áreas de Preservação Permanente e
a Reserva Legal.
É de conhecimento geral que em Santa Catarina a quase totalidade, em
números absolutos, são minifúndios. Segundo dados da Secretaria de Estado
da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Santa Catarina (Levantamento
Agropecuário de Santa Catarina, 2002-2003), as pequenas propriedades
catarinenses, menores que 50 ha, representam aproximadamente 90% do total de
estabelecimentos agropecuários (167.335 em um universo de 187.061 imóveis).
Cumpre apontar que, caso esta Corte exclua os minifúndios da
jurisprudência relativa à limitação administrativa, estará afastando a aplicação
da lei em relação à maioria absoluta dos imóveis rurais no Sul do País.
Nesse contexto, o que seria exceção à jurisprudência do STJ tornar-se-ia a
regra para essa região, o que não é razoável. Acabaria, simplesmente, a proteção
dos 5% de Mata Atlântica que restam no Brasil.
9. Conclusão
Diante do exposto, peço vênia ao eminente Relator para dele divergir e dar
provimento ao Agravo Regimental nos termos da fundamentação exposta.
É como voto.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
188
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 43.466-BA
(2013/0254758-4)
Relator: Ministro Humberto Martins
Recorrente: Etelvina Maria Santos Silva Cardoso
Advogado: Igor Coutinho Souza e outro(s)
Recorrido: Estado da Bahia
Procurador: Roberto Lima Figueiredo e outro(s)
EMENTA
Administrativo. Processual Civil. Magistrado. Processo disciplinar.
Aposentadoria compulsória. Decadência verifi cada. Impetração contra
o Decreto Judiciário. Ato coator que se consubstancia na aplicação
da penalidade pelo Colegiado. Termo inicial. Ciência. Precedente
específi co.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que
acolheu preliminar de decadência à impetração no mandamus no qual
se postulavam diversas ilegalidades em decisão colegiado que aplicou
aposentadoria compulsória à magistrada.
2. No caso concreto, a petição inicial postula combater o Decreto
Judiciário, publicado em 18.12.2009, pelo Presidente do Tribunal de
Justiça que declara ter a aposentadoria compulsória se efetivado por
acórdão do Tribunal Pleno, cuja súmula de julgamento foi publicada
em 23.11.2009; a impetração data de 14.4.2010, o que atrai a aplicação
do art. 23 da Lei n. 12.016/2009 e o reconhecimento da decadência.
3. O caso vertente possui precedente em tudo similar neste STJ,
no qual se constata que o ato administrativo coator - em tais situações
- é a decisão do colegiado do Tribunal que aplica a penalidade e não
o Decreto Judiciário que reconhece sua aplicação; afi nal, a deliberação
do órgão colegiado judicial produz efeitos concretos e o termo inicial
para impetração começa a fl uir da ciência do decisum pelo interessado.
Precedente: RMS n. 26.289-GO, Rel. Ministro Celso Limongi
(Desembargador convocado do TJ-SP), Rel. p/ acórdão Ministro
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 189
Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Sexta
Turma, julgado em 5.4.2011, DJe 22.8.2011.
Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A
Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do
voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin,
Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Dr. Igor Coutinho Souza, pela parte recorrente: Etelvina Maria Santos
Silva Cardoso
Brasília (DF), 8 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 18.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso ordinário em
mandado de segurança interposto por Etelvina Maria Santos Silva Cardoso,
com fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia assim ementado (fl . 3.901,
e-STJ):
Mandado de segurança. Alegação de irregularidades e nulidades em processo
administrativo disciplinar (PAD). Magistrado. Aposentadoria compulsória. Decadência
da impetração. Configuração. Denegação da segurança. 1. O direito de impetrar
mandado de segurança extingue-se decorridos cento e vinte dias da ciência, pelo
interessado, do ato impugnado, nos precisos termos do art. 23 da Lei do Mandado
de Segurança. 2. Este prazo é decadencial e, como tal, não se suspende nem se
interrompe desde que iniciado. 3. A impetrante, embora aponte como ato coator
a publicação do Decreto Judiciário n. 299, de 17.12.2009, publicado no DJe do dia
18.12.2009, insurreiciona-se, na verdade, contra o resultado do julgamento oriundo
da Sessão do Tribunal Pleno, cuja Súmula foi publicada no DJe de 23.11.2009, tanto
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
190
assim que todas as alegações estão voltadas às supostas irregularidades/nulidades
apontadas no acórdão proferido no PAD. 4. Sendo assim, o prazo decadencial para a
impetração do mandamus teve o seu marco inicial na data da publicação da súmula
do julgamento do Tribunal Pleno que decidiu pela aposentação compulsória da
impetrante, isto é, 23.11.2009 (segunda-feira), fi ndando-se, portanto, em 23.3.2010
(terça-feira). Contudo, a impetração somente foi manejada em 14.4.2010. 5.
Denegação da segurança.
Rejeitados os embargos de declaração (fl s. 3.920-3.925, e-STJ).
Nas razões do recurso ordinário, defende a impetrante que o ato coator
é a publicação do acórdão e não a publicação da súmula do julgamento. Pede
a aplicação do art. 515, § 3º do Código de Processo Civil, para que sejam
examinadas as demais alegações, referentes ao mérito da impetração (fl s. 3.979-
4.020, e-STJ).
Contrarrazões nas quais se alega que, embora seja indicado o Decreto
Judiciário n. 299 de 17.12.2009, a recorrente se insurge contra o resultado do
julgamento, publicado no DJe em 23.11.2009 (fl s. 4.031-4.033, e-STJ).
O Ministério Público Federal opina no sentido do não provimento do
recurso ordinário, em parecer que indica o advento da decadência do direito de
impetração (fl s. 4.046-4.050, e-STJ).
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Não deve ser provido o
recurso ordinário.
A recorrente foi penalizada administrativamente com aposentadoria
compulsória, após a tramitação de processo administrativo disciplinar. Para além
das alegações de mérito da impetração, o Tribunal de origem acolheu preliminar
de decadência nos seguintes termos (fl s. 3.904-3.906, e-STJ):
Conquanto o esforço argumentativo expendido nas insurgências lançadas, a
partir de um melhor exame dos autos, vê-se que o mandado de segurança não
pode vingar, porque a pretensão da impetrante foi fulminada pelo instituto da
decadência.
(...)
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 191
Tendo em vista a natureza decadencial do prazo para impetração do mandado
de segurança, cediço que seu transcurso não se interrompe nem se suspende.
Na hipótese em exame, a impetrante, embora aponte como ato coator a
publicação do Decreto Judiciário n. 299, de 17.12.2009, publicado no DJe do dia
18.12.2009, insurrecionase, na verdade, contra o resultado do julgamento oriundo
da Sessão do Tribunal Pleno, cuja Súmula foi publicada no DJe de 23.11.2009,
tanto assim que todas as alegações estão voltadas a supostas irregularidades/
ilegalidades/nulidades contidas no acórdão de fl s. 1.977-2.004.
(...)
Tanto é certo que o marco para a contagem do prazo decadencial é a data da
publicação da súmula do julgamento do PAD, que o próprio decreto presidencial
se refere a “deliberação adotada na Sessão Plenária Ordinária Administrativa
de 20 de novembro de 2009”, revelando-se tão somente a formalização do ato
administrativo. Eis o teor da publicação do reportado decreto:
(...)
Sendo assim, o prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança
teve o seu marco inicial na data da publicação, no Diário Eletrônico da Justiça, da
súmula do julgamento que decidiu pela aposentação compulsória da impetrante,
isto é, 23.11.2009 (segunda-feira), fi ndando-se, portanto, em 23.3.2010.
Contudo, a impetração somente foi manejada em 14.4.2010, conforme fez
prova a impetrante com a juntada do protocolo de fl s. 3.450 e certidão de fl s.
3.451 dos autos.
Por isso, não se pode considerar, como pretende a impetrante, como ato coator
o Decreto Judiciário n. 299, publicado em 18.12.2009, pois este se confi gura tão
somente como a formalização do necessário ato administrativo decorrente de
uma decisão extraída do Órgão Plenário desta Corte.
Considero evidente que tenha havido o transcurso do prazo de 120 dias, tal
como previsto no art. 23 da Lei n. 12.016/2009.
Ademais, não prospera o argumento trazido de que o prazo somente
poderia começar com a publicação do acórdão. É bem sabido que o prazo para
combate aos atos administrativos - pela via mandamental - começam a fl uir
com a ciência por parte do interessado.
A súmula de julgamento, inequivocamente publicada, gerou efeitos
concretos e serviu para dar ciência do ato que se reputa como coator.
O caso vertente possui precedente em tudo similar neste STJ, no qual se
percebe que o ato administrativo coator - em tais situações - é a decisão do
colegiado do Tribunal que aplica a penalidade e não o Decreto Judiciário que
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
192
reconhece sua aplicação; afi nal, a deliberação do órgão colegiado judicial produz
efeitos concretos e o termo inicial para impetração começa a fl uir da ciência do
decisum pelo interessado.
Nestes termos, deve ser aplicada a jurisprudência que cito:
Recurso ordinário em mandado de segurança. Magistratura estadual. Acórdão
do Tribunal que determina aposentadoria compulsória de juiz. Ato de efeitos
concretos. Decadência confi gurada.
1. A impetração está voltada contra o acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás
que concluiu pela aposentadoria compulsória do magistrado.
2. Não se verifica nas razões do mandamus qualquer insurgência contra
Decreto Judicial, o que ocorreu tão somente nas alegações do recurso ordinário.
3. Consta do ato mencionado que os efeitos da aposentação retroage à da
publicação do referido acórdão, evidenciando tratar-se de julgado com efeitos
concretos.
4. Os efeitos da pena disciplinar decorreram do julgamento realizado pelo
Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás, em 14 de dezembro de 2005, e
não da edição dos Decretos Judiciais n. 826 e 914, ambos de 2006.
5. Ajuizada a ação fora do prazo previsto no artigo 18 da Lei n. 1.533/1951,
impõe-se reconhecer a decadência do direito de impetrar o mandado de
segurança.
6. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(RMS n. 26.289-GO, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do
TJ-SP), Rel. p/ acórdão Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado
do TJ-CE), Sexta Turma, julgado em 5.4.2011, DJe 22.8.2011.)
Assim, anui o opinativo produzido pelo Ministério Público Federal (fl .
4.048, e-STJ):
O recurso não prospera.
Como bem observou o Tribunal a quo, ocorreu a decadência do presente
mandado de segurança, impetrado em 14.4.2010, contra acórdão, publicado em
23.11.2009, que decidiu pelo aposentadoria compulsória da impetrante, não se
podendo considerar como ato coator o Decreto Judiciário n. 299, publicado em
18.12.2009, que tão-somente formaliza o ato de aposentadoria.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
É como penso. É como voto.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 193
RECURSO ESPECIAL N. 1.126.515-PR (2009/0042064-8)
Relator: Ministro Herman Benjamin
Recorrente: Municipio de Londrina
Procurador: Joao Luiz Martins Esteves e outro(s)
Recorrido: Protenge Engenharia de Projetos e Obras Ltda
Advogado: Joao Tavares de Lima Filho e outro(s)
EMENTA
Processual Civil e Administrativo. Protesto de CDA. Lei n.
9.492/1997. Interpretação contextual com a dinâmica moderna das
relações sociais e o “II Pacto Republicano de Estado por um sistema
de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”. Superação da jurisprudência
do STJ.
1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da
Lei n. 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida
Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC)
que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei n. 6.830/1980.
2. Merece destaque a publicação da Lei n. 12.767/2012,
que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei n.
9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas “entre
os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas
autarquias e fundações públicas”.
3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da
orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.
4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei n. 9.492/1997, o
protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento
para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de
outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado,
desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para
abranger todos e quaisquer “títulos ou documentos de dívida”. Ao
contrário do afi rmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime
jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
194
5. Nesse sentido, tanto o STJ (REsp n. 750.805-RS) como a
Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto,
por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas,
transitadas em julgado.
6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder
Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque
da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para
recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda
Pública.
7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido
sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e
legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria,
com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento
extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper
com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e
da imparcialidade.
8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico
(Lei n. 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do
crédito fi scal e de que o sujeito passivo não participou da constituição
do crédito.
9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a
cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável
conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou
utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.
10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria
razoável apenas se versasse sobre o “Auto de Lançamento”, esse sim
procedimento unilateral dotado de efi cácia para imputar débito ao
sujeito passivo.
11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior
extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do
exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar
o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento
de confi ssão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF,
GIA, Termo de Confi ssão para adesão ao parcelamento, etc.).
12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve
“surpresa” ou “abuso de poder” na extração da CDA, uma vez que esta
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 195
pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que
o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confi ssão
de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota
promissória ou letra de câmbio.
13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos
princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para
todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação
da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.
14. A Lei n. 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com
o contexto histórico e social. De acordo com o “II Pacto Republicano
de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”,
defi niu-se como meta específi ca para dar agilidade e efetividade à
prestação jurisdicional a “revisão da legislação referente à cobrança
da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos
procedimentos em âmbito judicial e administrativo”.
15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com
o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de
Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente,
orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e
de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às
obrigações alimentares.
16. A interpretação contextualizada da Lei n. 9.492/1997
representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção
dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo
instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada,
exemplifi cativamente, com a limitação do direito de propriedade,
outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por
outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a
incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes –
de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora
apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de
sistemas de gerenciamento e controle de efi ciência na prestação de
serviços).
17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência
do STJ.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
196
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana
Calmon, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por
unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-
Relator.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Eliana
Calmon (voto-vista) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 3 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJe 16.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto,
com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição da República, contra
acórdão assim ementado:
Embargos infringentes. Certidão de Dívida Ativa. Protesto. Não cabimento.
Impossibilidade de aplicação da Lei n. 9.492/1997. Recurso conhecido e acolhido, por
maioria dos votos. A certidão de dívida ativa não se reveste de natureza cambiária,
não podendo ser protestada.
O recorrente alega violação do art. 1º da Lei n. 9.492/1997 e dissídio
jurisprudencial. Afi rma que, após a entrada em vigor da referida norma, outros
títulos representativos de crédito – como é o caso da Certidão de Dívida Ativa
–, além dos cambiais, podem ser levados a protesto. Acrescenta que: a) a Lei
Municipal n. 7.303/1997 autoriza o protesto das CDAs em seu art. 271, § 6º; b)
o fato de a legislação não prever tal medida como requisito para o ajuizamento da
Execução Fiscal não conduz ao entendimento de que a sua utilização é vedada;
c) o aludido instituto representa meio menos oneroso ao devedor, que se verá
livre do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios; d) o
art. 29 da Lei n. 9.492/1997 disciplina a utilização do protesto, nas modalidades
obrigatório ou facultativo, como medida lícita de repressão à inadimplência.
Foram apresentadas as contrarrazões. Afirma-se que: a) não houve
demonstração analítica da divergência; b) incidem os óbices das Súmulas
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 197
n. 7-STJ e 83-STJ; c) a Fazenda Pública possui prerrogativas – como, por
exemplo, as de constituir unilateralmente o seu crédito, bem como de cobrá-
lo judicialmente por processo específico (Execução Fiscal) – que tornam
desnecessária a utilização do protesto; d) a pretensão do recorrente é coagir os
contribuintes; e) o protesto da CDA é medida incompatível com o ordenamento
jurídico, uma vez que a origem do crédito não é cambial e, ademais, a publicidade
por ele conferida implica violação do art. 198 do CTN.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Apresentarei meu voto em
tópicos autônomos, visando facilitar a compreensão da controvérsia debatida no
apelo.
1. Preliminares
Objetiva-se defi nir a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida
Ativa, no regime da Lei n. 9.492/1997. Questão de natureza estritamente
jurídica. Inaplicável, portanto, o enunciado da Súmula n. 7-STJ.
O Tribunal a quo concluiu de forma contrária à pretensão do recorrente,
valendo-se dos seguintes fundamentos (fl s. 216-218): a) inexiste lei que autorize
o protesto da CDA pelo ente federativo; b) a adoção da aludida medida
confi guraria utilização de meio coercitivo; c) a Lei n. 6.830/1980 estabelece rito
próprio para a cobrança da dívida ativa; d) a Lei n. 9.492/1997 trata apenas do
protesto cambial, de natureza comercial.
Conquanto o recorrente afi rme que existe legislação municipal específi ca
que disciplina o protesto da CDA, isso é irrelevante para a presente lide, pois
a principal tese suscitada nos autos tem por objeto a interpretação do art. 1º da
Lei n. 9.492/1997, isto é, se ele permite ou veda o protesto de outros títulos que não os
cambiários – especifi camente a Certidão de Dívida Ativa da Fazenda Pública.
2. Disciplina normativa atual do protesto
O tema ora versado (possibilidade de protesto da CDA) desperta grande
discussão na doutrina.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
198
É importante, em primeiro lugar, compreender a definição legal do
protesto e sua disciplina no âmbito normativo. Atualmente, prescreve a Lei n.
9.492/1997:
Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o
descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
A alteração normativa rompeu com antiga tradição existente no
ordenamento jurídico, consistente em atrelar o protesto exclusivamente aos
títulos de natureza cambial (cheques, duplicatas, etc.).
A utilização dos termos “títulos” e “outros documentos de dívida” possui
atualmente concepção muito mais ampla que a relacionada apenas aos de natureza
cambiária – consoante será explicitado adiante, hoje em dia até atos judiciais
(sentenças transitadas em julgado em Ações de Alimentos ou em processos
que tramitaram na Justiça do Trabalho) podem ser levados a protesto, embora
evidentemente nada tenham de cambial –, de modo que, nesse ponto, o
fundamento adotado no acórdão hostilizado merece censura.
3. Jurisprudência
Os precedentes jurisprudenciais a respeito do tema foram construídos,
precipuamente, com base na disciplina original do instituto – qual seja a de
instrumento destinado a constituir e comprovar a mora do devedor, no que se
refere às obrigações garantidas por títulos cambiais.
A entrada em vigor da Lei n. 9.492/1997 – que, conforme demonstrado,
utilizou-se de termos que deliberadamente evidenciaram a intenção
de abranger outros documentos que não apenas os títulos cambiais – não
sensibilizou, em um primeiro momento, o Poder Judiciário, que, preso às
antigas concepções e insensível à dinâmica das relações jurídicas, permaneceu
hostil à utilização do protesto da Certidão da Dívida Ativa. Nesse sentido os
seguintes precedentes:
Agravo regimental em recurso especial. Tributário e Processual Civil. CDA.
Presunção de certeza e liquidez. Protesto. Desnecessidade. Precedentes. Verbete n. 83
da Súmula do STJ. Julgamento monocrático. Autorização dada pelo art. 557 do CPC.
Agravo improvido (AgRg no REsp n. 1.277.348-RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha,
Segunda Turma, DJe 13.6.2012).
Tributário. Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento.
Certidão da Dívida Ativa - CDA. Protesto. Desnecessidade. Agravo não provido.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 199
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afi rmado a ausência
de interesse em levar a protesto a Certidão da Dívida Ativa, título que já goza de
presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na
divida ativa.
2. Agravo regimental não provido (AgRg no Ag n. 1.316.190-PR, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 25.5.2011).
Processual Civil e Tributário. Execução fi scal. CDA. Protesto. Desnecessidade.
Ausência de interesse municipal. Precedentes.
1. O protesto da CDA é desnecessário haja vista que, por força da dicção
legal (CTN, art. 204), a dívida regularmente inscrita goza de presunção relativa
de liquidez e certeza, com efeito de prova pré-constituída, a dispensar que
por outros meios tenha a Administração de demonstrar a impontualidade e o
inadimplemento do contribuinte. Precedentes: AgRg no Ag n. 1.172.684-PR,
Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 5.8.2010,
DJe de 3.9.2010; AgRg no Ag n. 936.606-PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira
Turma, julgado em 6.5.2008, DJe de 4.6.2008; REsp n. 287.824-MG, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 20.10.2005, DJU de 20.2.2006; REsp n.
1.093.601-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 18.11.2008,
DJe de 15.12.2008.
2. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 1.120.673-PR, Rel. Ministro
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 21.2.2011).
Processual Civil e Tributário. Execução fi scal. CDA. Protesto. Desnecessidade.
Ausência de interesse municipal. Precedentes.
1. A CDA, além de já gozar da presunção de certeza e liquidez, dispensa o
protesto. Correto, portanto, o entendimento da Corte de origem, segundo a
qual o Ente Público sequer teria interesse para promover o citado protesto.
Precedentes.
2. Agravo regimental não provido (AgRg no Ag n. 1.172.684-PR, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 5.8.2010, DJe 3.9.2010).
4. Argumentos contrários ao protesto da CDA
Em síntese, são estas as premissas utilizadas pela doutrina e jurisprudência
refratárias à utilização do protesto da CDA:
a) a ratio da Lei n. 9.492/1997 é regular o protesto para efeitos de direito
privado;
b) as fi nalidades para as quais o instituto foi concebido (constituição do
devedor em mora, prova de situação relevante na relação jurídica entre credor
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
200
e devedor, etc.) constituem prerrogativas que a legislação (art. 204 do CTN) já
prevê em favor dos créditos fi scais, pois a CDA goza da presunção de liquidez e
certeza; dessa forma, o protesto da CDA se revela desnecessário;
c) a cobrança dos créditos públicos encontra disciplina específi ca na Lei n.
6.830/1980, com aplicação subsidiária do CPC, no que não for incompatível;
d) os títulos de crédito surgem a partir da vontade do devedor (assinatura
em cheque, nota promissória, letra de câmbio, etc.), o que não sucede com a
CDA;
e) o interesse público primordial é de prosseguimento da atividade
econômica do contribuinte, o que fi caria abalado caso permitido o protesto, em
razão das fortes restrições ao crédito, que dele decorrem;
f ) os ônus morais e materiais do protesto demonstram que este não
representa meio menos gravoso de cobrança do crédito fi scal;
g) é inadmissível a utilização de expedientes coercitivos (cobrança indireta)
para obrigar ao recolhimento da exação;
i) desproporcionalidade entre o motivo utilizado para justifi car o protesto e
os prejuízos por ele causados;
j) ausência de razoabilidade.
5. Possibilidade de protesto da CDA (desconstrução de mitos)
Após muito refletir sobre o tema controvertido, posiciono-me
favoravelmente ao protesto da CDA diante das seguintes considerações.
a) a Lei n. 9.492/1997 não disciplina apenas o protesto de títulos
cambiais, tampouco versa apenas sobre relações de Direito Privado.
Conforme dito anteriormente, a entrada em vigor da Lei n. 9.492/1997
constituiu a reinserção da disciplina jurídica do protesto ao novo contexto das
relações sociais, mediante ampliação de sua área de abrangência para qualquer
tipo de título ou documento de dívida.
Exemplifi cativamente, tem-se que até títulos judiciais podem ser levados a
protesto, como, por exemplo, se verifi ca abaixo:
Recurso especial. Protesto de sentença condenatória, transitada em julgado.
Possibilidade. Exigência de que represente obrigação pecuniária líquida, certa e
exigível.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 201
1. O protesto comprova o inadimplemento. Funciona, por isso, como poderoso
instrumento a serviço do credor, pois alerta o devedor para cumprir sua obrigação.
2. O protesto é devido sempre que a obrigação estampada no título é líquida,
certa e exigível.
3. Sentença condenatória transitada em julgado, é título representativo de dívida -
tanto quanto qualquer título de crédito.
4. É possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que
represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível.
5. Quem não cumpre espontaneamente a decisão judicial não pode reclamar
porque a respectiva sentença foi levada a protesto (REsp n. 750.805-RS, Rel.
Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJe 16.6.2009) (grifei)
O Tribunal Regional do Trabalho-MG igualmente adota essa orientação:
Protesto extrajudicial. Título judicial trabalhista em execução.
A Lei n. 9.492/1997 não restringe o protesto extrajudicial em face do devedor,
reconhecido como tal em título judicial, já tendo sido, inclusive, celebrado
convênio entre este Eg. TRT e os tabeliães de protesto do Estado de Minas Gerais
visando à implementação de protestos decorrentes de decisões proferidas pela
Justiça do Trabalho da 3ª Região, com expressa permissão para a inclusão de
nomes de devedores em listas de proteção ao crédito.
A medida constitui importante instrumento de coerção indireta do executado
ao pagamento da dívida, em face da publicidade de que se reveste e da sua
repercussão nas relações sociais, civis e comerciais do devedor.
Agravo de petição provido para determinar o protesto extrajudicial do título,
verifi cada a tentativa frustrada de localização do devedor e de bens passíveis de
penhora. (AP n. 01676-2004-077-03-00-1 - Sétima Turma - TRT-MG - Juiz Relator:
Juiz convocado Jesse Claudio Franco de Alencar - Publicado em 4.3.2010).
b) a natureza bifronte do protesto viabiliza sua utilização, inclusive para
a CDA e as decisões judiciais condenatórias transitadas em julgado.
O protesto, além de representar instrumento para constituir em mora e/ou
comprovar a inadimplência do devedor, é meio alternativo para o cumprimento
da obrigação.
Com efeito, o art. 19 da Lei n. 9.492/1997 disciplina o pagamento dos
títulos ou documentos de dívida levados a protesto.
Assim, embora a disciplina do Código de Processo Civil (art. 586, VIII,
do CPC) e da Lei n. 6.830/1980 atribua exequibilidade à CDA, qualifi cando-a
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
202
como título executivo extrajudicial apto a viabilizar o imediato ajuizamento
da Execução Fiscal (a inadimplência é presumida iuris tantum) – ou seja, sob
esse restrito enfoque efetivamente não haveria necessidade do protesto – a
Administração Pública, no âmbito federal, estadual e municipal, vem reiterando sua
intenção de adotar o protesto como meio alternativo para buscar, extrajudicialmente, a
satisfação de sua pretensão creditória (principalmente quanto a valores para os quais,
paradoxalmente, o próprio Poder Judiciário fecha as portas, haja vista a tendência –
não acolhida no STJ, mas habitualmente adotada nos Tribunais locais – de extinguir
Execuções Fiscais de “baixo valor”, por suposta falta de interesse processual).
Sob essa ótica, não vejo como legítima qualquer manifestação do Poder
Judiciário tendente a suprimir, sob viés que se mostra político, a adoção do
protesto da CDA.
De fato, a verifi cação quanto à utilidade ou necessidade do protesto da
CDA, como política pública para a recuperação extrajudicial de crédito, cabe
com exclusividade à Administração Pública.
Ao Poder Judiciário é reservada exclusivamente a análise da sua
conformação (ou seja, da via eleita) ao ordenamento jurídico. Dito de outro
modo, compete ao Estado decidir se quer protestar a CDA; ao Judiciário caberá
examinar a possibilidade de tal pretensão, quanto aos aspectos constitucionais e
legais.
Ao dizer que é desnecessário o protesto da CDA, sob o fundamento
de que a lei prevê a utilização da Execução Fiscal, o Poder Judiciário rompe
não somente com o princípio da autonomia dos poderes (art. 2º da CF/1988),
como também com o princípio da imparcialidade, dado que, reitero, a ele
institucionalmente não compete qualifi car as políticas públicas como necessárias
ou desnecessárias.
Relembramos, conforme dito anteriormente, que o protesto pode ser
utilizado como meio alternativo, extrajudicial, para a recuperação do crédito.
Nesse contexto, o argumento de que há lei que disciplina a cobrança
judicial da dívida ativa (Lei n. 6.830/1980), evidentemente, é um sofi sma, pois
tal não implica juízo no sentido de que os entes públicos não possam, mediante
lei, adotar mecanismos de cobrança extrajudicial.
É indefensável, portanto, o argumento de que a disciplina legal da cobrança
judicial da dívida ativa impede, em caráter permanente, a Administração Pública de
instituir ou utilizar, sempre com observância do princípio da legalidade, modalidade
extrajudicial para cobrar, com vistas à efi ciência, seus créditos.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 203
c) a questão da participação do devedor na formação da dívida.
Outro interessante, e insubsistente, argumento apresentado é que, em
relação aos títulos cambiários, o protesto é medida legítima porque pressupõe
a anuência do sujeito passivo em relação ao conteúdo do débito (por exemplo,
ao emitir o cheque ou a nota promissória que posteriormente não foi quitada),
o que não ocorre com a dívida ativa, cuja origem decorre do poder unilateral do
Fisco em constituir o crédito.
A assertiva é artifi ciosa.
Em primeiro lugar, não vejo como sustentar que, na forma disciplinada pelo
art. 1º da Lei n. 9.492/1997, somente a obrigação decorrente de ato ou contrato
de natureza privada possa ser levada a protesto. Não é a concordância do sujeito
passivo que autoriza o protesto (se fosse assim, o portador de um cheque não
poderia levá-lo a protesto, caso verifi casse que o devedor se recusa a pagá-lo sob
o fundamento de que o crédito se encontra quitado por compensação), mas sim
a sua participação, acrescida da previsão legal que confere esse direito subjetivo
ao titular de um crédito oriundo de determinado tipo de obrigação.
Se a origem do vínculo obrigacional, em vez de contrato ou ato jurídico,
for diretamente a lei (é o caso dos tributos) – em que a manifestação de vontade
do sujeito passivo é irrelevante –, haveria, na verdade, até menos motivos para
recusar o protesto (já que uma manifestação de vontade pode estar viciada, o que
não sucede com a obrigação prevista em lei).
Em segundo lugar, é importante registrar que não se confunde o poder
unilateral de o Fisco constituir o crédito tributário com a situação posterior
da inscrição em dívida ativa. Esta última nunca é feita “de surpresa”, sem o
conhecimento do sujeito passivo.
A inscrição em dívida ativa ou decorre de um lançamento de ofício, no
qual são assegurados o contraditório e a ampla defesa (impugnação e recursos
administrativos), ou de confi ssão de dívida pelo devedor.
Em qualquer uma dessas hipóteses, o sujeito passivo terá concorrido para a
consolidação do crédito tributário. Neste ponto, devo acrescentar que, ao menos
nas hipóteses (hoje majoritárias) em que a constituição do crédito tributário se dá
mediante o denominado autolançamento (entrega de DCTF, GIA, etc., isto é,
documentos de confi ssão de dívida), a atitude do contribuinte de apurar e confessar
o montante do débito é equiparável, em tudo e por tudo, ao do emitente de cheque, nota
promissória ou letra de câmbio. Como não admitir, nesse contexto, o respectivo
protesto?
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Haveria razoabilidade no questionamento do protesto se este fosse
autorizado para o simples “auto de lançamento”, porque este sim pode ser
feito unilateralmente (isto é, sem a participação prévia da parte devedora) pela
autoridade administrativa.
Mas não é disso que tratam os autos, e sim da certidão de dívida ativa,
que somente é extraída, conforme mencionado, depois de exaurida a instância
administrativa (lançamento de ofício) ou de certifi cado que o contribuinte não
pagou a dívida por ele mesmo confessada (DCTF, GIA, etc.).
d) conformidade do protesto da CDA com o “II Pacto Republicano de
Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”.
Foi publicado, no DOU de 26.5.2009, o “II Pacto Republicano de
Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, instrumento
voltado a fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação
jurisdicional, o acesso universal à Justiça e também o aperfeiçoamento do
Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça.
Entre as medidas anunciadas, merece destaque a seguinte:
Anexo “Matérias Prioritárias”
2 - Agilidade e efetividade da prestação jurisdicional
(...)
2.11 - Revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda
Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e
administrativo.
A interpretação da Lei n. 9.492/1997, portanto, não pode ser feita sem
levar em conta esse importante vetor.
Nesse ponto, cabe trazer à consideração que o Conselho Nacional de
Justiça analisou os Pedidos de Providência n. 2009.10.00.004178-4 e
2009.10.00.004537-6, nos quais se discutiu a legalidade de orientações fi rmadas,
respectivamente, nas Corregedorias de Justiça dos Estados de Goiás e do Rio
de Janeiro, versando sobre a possibilidade de protesto de sentenças judiciais
relativas à obrigação alimentar e de CDA.
Transcrevo o seguinte excerto do voto condutor, apresentado pela
Conselheira Morgana Richa:
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 205
(...) o cenário legislativo adquiriu novo contorno com a edição da Lei n.
9.492/1997, que transformou o enfoque restritivo do modelo, com a atribuição
de moderno conceito ao protesto, defi nido, a partir de então, como “ato formal
e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação
originada em títulos e outros documentos de dívida.” A concepção vigente
estendeu a possibilidade do protesto aos títulos executivos judiciais e extrajudiciais,
o que conduz à conclusão indubitável de abrangência dos documentos previstos
na lei processual, mormente porque dotados dos atributos de liquidez, certeza e
exigibilidade.
Em complemento, o inciso VII do artigo 585 do Código de Processo Civil
registra que a Certidão de Dívida Ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios constitui título executivo
extrajudicial.
Embora, conforme destacado, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais
não sejam pacífi cas no que se refere ao tema, inexiste qualquer dispositivo legal
ou regra que restrinja a possibilidade de protesto aos títulos cambiais ou proibitiva/
excepcionadora do registro dos créditos inscritos em dívida ativa em momento
prévio à propositura da ação judicial de execução, desde que observe os requisitos
previstos na legislação correlata.
A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em parecer
normativo referente ao tema, assim argumentou: “Que o intérprete não se deixe
obnubilar por considerações sobre as origens do protesto, que o vinculam ao
direito cambiário. (...) falta base para pretender que dito instituto permaneça
eternamente agrilhoado ao berço, sem horizonte algum. Não será a primeira
vez que uma figura jurídica originalmente concebida para viger num universo
mais apertado terá seu espectro expandido com vistas ao entendimento de outras
situações compatíveis com sua natureza, por força de necessidades ditadas pelo
desenvolvimento das relações jurídicas e pelo próprio interesse social.” (Parecer
Normativo CGJ-SP n. 76/2005).
Walter Ceneviva, autor de obra que comenta a Lei dos Notários e dos
Registradores, trata do tema: “O protesto sempre e só tem origem em instrumento
escrito no qual a dívida seja expressa e cuja existência se comprove com seu
exame extrínseco (...). O instrumento será título (referindo-se ao previsto nas leis
comerciais ou processuais vigentes) ou outro documento, no qual a dívida não
apenas esteja caracterizada, mas de cuja verifi cação resulte a clara informação
de seu descumprimento. A tutela de interesses públicos e privados corresponde
ao reconhecimento legal da eficácia do protesto, tanto no campo do direito
privado como no do direito público, admitindo como credores e devedores os
entes privados e os órgãos da Administração Pública direta e indireta, fundações e
autarquias públicas. Reconhece, outrossim, que, embora o serviço seja cumprido
em caráter privado, envolve o interesse da Administração (...).” (grifos acrescidos)
(Ceneviva, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 6ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. p. 92).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
206
A possibilidade que se traz à tona não guarda qualquer correlação com o
interesse de comprovação da inadimplência, tendo em vista que, nos termos
supra mencionados, os créditos referidos são dotados de presunção de certeza e
liquidez. O que se pretende in casu é o resultado decorrente do efeito indireto do
protesto, que se traduz meio capaz de coibir o descumprimento da obrigação, ou
seja, forma efi ciente de compelir o devedor ao pagamento da dívida.
Nesta linha manifesta-se Eduardo Fortunato Bim em artigo publicado na
Revista Dialética de Direito Tributário: “De fato, o protesto extrajudicial não serve
somente para comprovar a inadimplência ou descumprimento da obrigação; sua
utilidade também é de estimular o devedor a saldar a dívida (...).” (Bim, Eduardo
Fortunato. A juridicidade do Protesto Extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa.
Revista Dialética de Direito Tributário. 2008).
Por fim, forçoso registrar que o Judiciário e a sociedade suplicam hoje
por alternativas que registrem a possibilidade de redução da judicialização das
demandas, por meios não convencionais. Impedir o protesto da Certidão de Dívida
Ativa é de todo desarrazoado quando se verifica a estrutura atual do Poder e o
crescente número de questões judicializadas. É preciso evoluir para encontrar novas
saídas à redução da conflituosidade perante os órgãos judiciários, raciocínio
desenvolvido por Sílvio de Salvo Venosa: “De há muito o sentido social e jurídico
do protesto, mormente aquele denominado facultativo, deixou de ter o sentido
unicamente histórico para o qual foi criado. Sabemos nós, juristas ou não, que o
protesto funciona como fator psicológico para que a obrigação seja cumprida.
Desse modo, a estratégia do protesto se insere no iter do credor para receber seu
crédito, independentemente do sentido original consuetudinário do instituto. Trata-
se, no mais das vezes, de mais uma tentativa extrajudicial em prol do recebimento do
crédito. (...) Não pode, porém, o cultor do direito e o magistrado ignorar a realidade
social. Esse aspecto não passa despercebido na atualidade. Para o magistrado
Ermínio Amarildo Darold (2001:17) o protesto ‘guarda, também, a relevante
função de constranger legalmente o devedor do pagamento (...), evitando,
assim, que todo e qualquer inadimplemento vislumbre na ação judicial a única
providência formal possível.” (Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em
Espécie. 5ª ed, 2005, p. 496).
A autorização para o protesto nos casos em tela atende não somente ao
interesse da Fazenda Pública, mas também ao interesse coletivo, considerando
que é instrumento apto a inibir a inadimplência do devedor, além de contribuir
para a redução do número de execuções fi scais ajuizadas, com vistas à melhoria
da prestação jurisdicional e à preservação da garantia constitucional do acesso à
Justiça.
Outrossim, constatado o interesse público do protesto e o fato de que o
instrumento é condição menos gravosa ao credor, posição esta corroborada pelos
doutrinadores favoráveis à medida. O protesto possibilita ao devedor a quitação
ou o parcelamento da dívida, as custas são certamente inferiores às judiciais, bem
assim não há penhora de bens tal como ocorre nas execuções fi scais.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 207
Diante do exposto, conheço da medida apresentada para reconhecer a
legalidade da norma expedida pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do
Rio de Janeiro.
A análise, em conclusão, fi cou assim ementada:
Certidão de Dívida Ativa. Protesto extrajudicial. Corregedoria Geral da Justiça
do Estado do Rio de Janeiro. Legalidade do ato expedido.
Inexiste qualquer dispositivo legal ou regra que vede ou desautorize o protesto
dos créditos inscritos em dívida ativa em momento prévio à propositura da ação
judicial de execução, desde que observados os requisitos previstos na legislação
correlata.
Reconhecimento da legalidade do ato normativo expedido pela Corregedoria
Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
A mesma linha argumentativa foi adotada em relação ao protesto de
sentenças judiciais condenatórias ao pagamento de obrigação alimentar.
6. Considerações fi nais
Os poderes constituídos estão implementando estudos e medidas destinadas
a racionalizar o acesso ao Judiciário, incentivando o recurso às atividades de
composição extrajudicial entre as partes litigantes. Nesse sentido, o legislador
instituiu outras modalidades que visam conferir solução extrajudicial, ou simples
medidas de ampliação de meios, para a arrecadação dos créditos públicos, tais
como transferência de sigilo bancário (LC n. 105/2011), arrolamento de bens e
parcelamento da Dívida Ativa (Lei n. 10.522/2002 e Lei n. 11.941/2009);
Os princípios do contraditório e do devido processo legal são garantidos, pois
subsistirá o controle judicial quanto à higidez do protesto da CDA.
O reconhecimento da legalidade de tal medida combate a inversão de
valores: o crédito fi scal recupera, ao menos, igualdade de condições com as
medidas de cobrança postas à disposição do credor privado.
Finalmente, a interpretação contextualizada da Lei n. 9.492/1997 representa
medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos
próprios do Direito Público e Privado. Como se sabe, a todo instante vem
crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplifi cativamente, com
a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento
de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
208
exemplo, com a incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes
– de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados tradicionalmente
apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de
gerenciamento e controle de efi ciência na prestação de serviços).
Não vemos, portanto, sombra de inconstitucionalidade ou de ilegalidade na
realização do protesto da CDA.
Não bastasse isso, é importante destacar que a Lei n. 12.767/2012 – em
nossa intelecção, meramente interpretativa – acrescentou o parágrafo único ao
art. 1º da Lei n. 9.492/1997, para de modo expresso prescrever que a CDA pode
ser levada a protesto:
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões
de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas.
Com essas considerações, dou provimento ao Recurso Especial. Determino a
inversão dos encargos de sucumbência.
É como voto.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Discute-se na presente demanda se as
certidões de dívida ativa - CDA - estão ou não incluídas entre os títulos sujeitos
a protesto.
Após o voto do Relator, Min. Herman Benjamin, dando provimento ao
recurso especial, pedi vista dos autos.
Em julgados anteriores sobre o tema, seguindo a jurisprudência prevalente
à época, havia me manifestado no sentido de que “a certidão de dívida ativa,
além da presunção de certeza e liquidez, é também ato que torna público o conteúdo do
título, não havendo interesse de ser protestado, medida cujo efeito é a só publicidade”
(REsp n. 1.093.601-RJ, DJe 15.12.2008).
Relacionado o precedente, contudo, à ocorrência de dano moral em
decorrência do protesto de CDA, entendi que, embora não fosse o protesto
necessário, também não seria nocivo, dado o caráter público da informação nele
contida, concluindo na ocasião pela inexistência do alegado dano.
Em uma análise mais criteriosa, percebo que o protesto da CDA, além de
não causar dano ao devedor e não ser obstado pelo ordenamento jurídico, pode
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 209
trazer resultados positivos de diversas ordens, como bem ponderou o Relator em
seu judicioso voto.
Assiste-lhe razão ao afi rmar que a Lei n. 9.492/1997 trouxe nova disciplina
ao instituto dentro de um novo contexto das relações sociais, rompendo com a
antiga tradição de vincular o protesto aos títulos de natureza cambial, tanto é
assim que atualmente se admite o protesto de títulos executivos judiciais.
Como principal ponto positivo, traz como alternativa o cumprimento da
obrigação defi nida no título sem a intervenção do Poder Judiciário, daí porque
tratou o legislador de incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de
dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas autarquias e fundações públicas (art. 1º, parágrafo único, da Lei n.
9.492/1997, incluído pela Lei n. 12.767/2012), assim o fazendo de maneira
interpretativa, como bem ressaltou o Relator.
Com estas breves considerações, acompanho o voto proposto pelo Relator,
para dar provimento ao recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.242.772-SC (2011/0053965-0)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrente: Companhia Jordan de Veículos
Advogado: Jaime Luiz Leite
Recorrido: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
EMENTA
Tributário e Administrativo. PAES. Exclusão. Valor irrisório da
parcela mensal. Possibilidade. Interpretação teleológica dos arts. 1º e
7º da Lei n. 10.684/2003. Previsão de prazo máximo para o fi m do
parcelamento. Precedentes. Hipótese diversa da que ocorre no Refi s
2000 (Lei n. 9.964/2000).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
210
1. É possível a exclusão do PAES se o valor das prestações
mensais pagas se mostrarem incapazes de adimplir o parcelamento
dentro do prazo máximo fi xado na lei, considerando-se o valor total
do débito consolidado. Interpretação teleológica dos arts. 1º e 7º da
Lei n. 10.684/2003. Precedentes.
2. Caso concreto referente ao PAES regido pela Lei n.
10.684/2003.
3. Hipótese diversa da que ocorre no Refi s 2000, uma vez que a
lei de regência (Lei n. 9.964/2000) não contempla prazo máximo para
o fi m do parcelamento.
4. No caso do Refi s 2000, a exclusão do contribuinte somente
pode ocorrer por umas das hipóteses previstas no art. 5º da Lei n.
9.964/2000, dentre as quais não foi contemplada a possibilidade de
desligamento do contribuinte do programa por ser irrisório o valor da
prestação em comparação com o débito geral consolidado.
5. Impossibilidade, no Refis 2000, de aplicação do mesmo
entendimento desenvolvido para o PAES no que se refere à exclusão
do programa, por absoluta falta de previsão legal de prazo máximo
de duração do parcelamento. Obediência ao Princípio da Legalidade.
6. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça “Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro
Mauro Campbell Marques, acompanhando a Sra. Ministra Eliana Calmon, por
outros fundamentos, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso,
nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora.” Os Srs. Ministros Humberto
Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (voto-
vista) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 10 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJe 18.2.2014
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 211
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Trata-se de recurso especial interposto
com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do
TRF da 4ª Região (fl s. 178-190), assim ementado:
Tributário. PAES. Programa de Parcelamento Especial. Lei n. 10.684/2003.
Empresas de pequeno porte. Valor da parcela. Limite de 180 meses. Pagamento a
menor. Amparo em ato administrativo. Direito à reinclusão no PAES.
1. As pessoas jurídicas optantes do Simples e as micro e pequenas empresas
enquadradas no disposto no art. 2º da Lei n. 9.841/1999 não possuem, à luz do
art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003, direito de recolher as parcelas mensais relativas
ao PAES em montante inferior a 1/180 do débito consolidado, prolongando o
período do parcelamento para além dos 180 meses expressamente previstos no
caput do art. 1º da Lei n. 10.684/2003.
2. Considerando que o recolhimento a menor realizado pela contribuinte,
empresa de pequeno porte, no valor mínimo de R$ 200,00, era respaldado pela
Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 1, de 25.6.2003, revogada apenas em 25.8.2004
pela Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 3, devendo-se em muito à inadequada
redação do art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003, e que não foi oportunizado à
requerente adaptar-se à nova interpretação administrativa, deve ser permitida
a sua reinclusão no programa especial de parcelamento (PAES), observando,
todavia, quanto ao cálculo das parcelas remanescentes, critérios que se
harmonizem com a Lei n. 10.684/2003.
Embargos de declaração rejeitados nos termos do acórdão de fl s. 212-215.
Alega a parte recorrente violação ao art. 1º, § 4º, inc. II e § 6º, da Lei n.
10.684/2003.
Defende, em síntese, que:
a) “a lei do PAES criou a possibilidade das micro e pequenas empresas
pagarem o valor parcelado da melhor forma que lhe aprouver, seja em 180
parcelas, seja em percentual de 0,3% de seu faturamento.” (fl . 200);
b) a Portaria Conjunta n. 1/2003, criada no início do parcelamento,
transcrevia o art. 1º, § 4º da Lei n. 10.684/2003, prevendo duas possibilidades
de cálculo da parcela, a divisão em 180 parcelas ou a pagamento de percentual
de 0,3% incidente sobre a receita bruta;
c) não pode ser excluída do PAES por recolher o valor mínimo exigido por
lei e, nem tampouco, pode ser compelida a realizar pagamento a maior, tendo
em vista que o benefício está previsto na lei;
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
212
d) enquadra-se na exceção da regra geral do parcelamento máximo em 180
meses, podendo saldar o débito em maior número de prestações; e,
e) portaria não pode fi xar limitação que a lei não previa, não podendo um
ato administrativo regulamentador extinguir benefício concedido pela lei que
rege o parcelamento, devendo ser respeitada as disposições constantes no art. 1º,
§ 4º, inc. II da Lei n. 10.684/2003.
Com as contrarrazões (fl s. 227-231), subiram os autos admitido o especial
na origem (fl . 238-239).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): - A questão presente nos autos
refere-se à possibilidade de exclusão do contribuinte do parcelamento PAES
por ser considerado irrisório o valor da prestação mensal, em confronto com o
débito geral consolidado.
Para melhor análise do tema, faço antes um breve relato do ocorrido nos
autos:
Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado por Companhia
Jordan de Veículos (empresa de pequeno porte) contra o Procurador da Fazenda
Nacional em Joinville, visando à manutenção no parcelamento especial - PAES
e a continuidade dos pagamentos das parcelas calculadas nos termos do art. 1º, §
4º, inc. II e § 6º, da Lei n. 10.684/2003.
Alega que, por ser empresa de pequeno porte, efetuava o recolhimento das
parcelas com base no art. 1º, § 4º, II, da Lei n. 10.684/2003 – 0,3% da receita
bruta, com recolhimento mínimo de R$ 200,00 (duzentos reais) – , quando
foi excluída do PAES, sob a alegação de inadimplência por mais de três meses
consecutivos.
Sustenta que os recolhimentos das parcelas estavam em dia, tendo
cumprido as obrigações legais que regulamentam o PAES.
A segurança foi denegada nos termos da sentença de fl s. 130-133.
O Tribunal de origem deu parcial provimento à apelação da impetrante
(ora recorrente) para que fosse reincluída no parcelamento, devendo-se proceder
ao recálculo das prestações observando-se o valor total do débito e o número de
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 213
parcelas restantes até o fi m do prazo de 180 meses, adotando as seguintes teses
(fl s. 178-190):
a) a norma do PAES estabelece limites mínimos para o valor das prestações
conforme o tipo de contribuinte e o prazo máximo para o parcelamento em 180
meses, devendo tais disposições serem interpretadas conjuntamente e, com isso
a conclusão possível é que deve ser calculado o total do saldo devedor e esse
valor deverá ser dividido pelo número de meses que restam para completar o
prazo máximo de parcelamento, apurando-se assim o valor de cada parcela; e,
b) em face do disposto no art. 4º, II, da Portaria Conjunta PGFN/SRF
n. 1/2003 que amparava a pretensão da impetrante (ora recorrente) quanto aos
recolhimentos efetuados, deveria ser oportunizada ao contribuinte a reinclusão
no PAES, observando-se o recálculo do débito parcelado a partir do limite
máximo de 180 prestações mensais, sem a inclusão de quaisquer penalidades,
pois não pode ser o contribuinte prejudicado por ter agido em conformidade
com a orientação normativa da própria autoridade administrativa.
Irresignada, a recorrente aponta violação ao art. 1º, § 4º, inc. II e § 6º, da
Lei n. 10.684/2003, defendendo em síntese que: i) não pode ser excluída do
PAES por recolher o valor mínimo exigido por lei e, nem tampouco, pode ser
compelida a realizar pagamento a maior, tendo em vista que o benefi cio do tem
previsão legal; e, ii) a lei do PAES criou a possibilidade das microempresas e
empresas de pequeno porte pagarem o valor parcelado da melhor forma que lhes
aprouver, seja em 180 parcelas, seja em percentual de 0,3% de seu faturamento,
podendo saldar o débito em número superior de prestações.
Na hipótese, colhe-se dos autos (fl s. 26-28) que a recorrente foi excluída
do PAES porque o valor das prestações mensais recolhidas não seria capaz de
adimplir o débito no prazo máximo de 180 meses, in verbis:
Observe-se que a expectativa do legislador é que o contribuinte optante pelo
PAES quite seu débito em no máximo 180 prestações, conforme disposto no art.
1º da Lei n. 10.684/2003. Entrementes, o débito da representada ultrapassava
os R$ 750,000,00 em abril de 2005, conforme relatório de fl s. 04-05, o que, por
dedução lógica, nunca será integralmente pago em 180 prestações de R$ 200,00.
Desse modo, a opção da representada pelo PAES representa não uma forma
de recuperação fi scal como objetivado pela lei, mas uma forma de protelação do
pagamento do crédito público.
Face ao exposto, reconheço a inadimplência da representada nos pagamentos
do valor das prestações devidas ao PAES, haja vista que realizadas em valor menor
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
214
que o efetivamente devido e, com base na competência que me é outorgada pela
Portaria Conjunta n. 3/2004, art. 2º, II, determino a exclusão da representada pelo
PAES.
(fl . 27)
Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de
que, consoante à interpretação dos arts. 1º, § 4º c.c. art. 7º da Lei n. 10.684/2003,
é legítima a exclusão do programa de parcelamento PAES quando o valor das
parcelas recolhidas pelo contribuinte se mostrar incapaz de adimplir o total
consolidado do débito dentro do prazo máximo admitido na lei do parcelamento
(considerando-se o total do débito e o valor das prestações efetivamente pagas).
Ficou definido que a ineficácia do parcelamento diante do montante
total da dívida, considerando-se o valor de cada parcela e a impossibilidade de
adimplemento dentro do prazo legal previsto, equipara-se à inadimplência para
efeitos de exclusão do benefício.
Confi ram-se:
Tributário. Processual Civil. Embargos de declaração no recurso especial.
Recebimento como agravo regimental. Princípio da fungibilidade. Aplicação.
Parcelamento do débito - PAES. Parcelas de valor irrisório. Impossibilidade de
quitação da dívida. Exclusão do PAES. Cabimento. Agravo não provido.
1. “Admite-se receber embargos declaratórios, opostos à decisão monocrática
do relator, como agravo regimental, em atenção aos princípios da economia
processual e da fungibilidade recursal” (EDcl nos EREsp n. 1.175.699-RS, Corte
Especial, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 6.2.2012).
2. “A exclusão do programa de parcelamento é devida, visto a inobservância
do preceito legal - divisão do valor consolidado por 180, única modalidade
possível para o caso da recorrente -, bem como pela inefi cácia do parcelamento
para quitação do montante da dívida” (REsp n. 1.321.865-PE, Rel. Min. Humberto
Martins, Segunda Turma, DJe 29.6.2012) 3. Embargos de declaração recebidos
como agravo regimental, ao qual se nega provimento.
(EDcl no REsp n. 1.264.896-PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira
Turma, julgado em 16.10.2012, DJe 25.10.2012)
Processual Civil. Tributário. Violação do art. 535 do CPC. Alegação genérica.
Súmula n. 284-STF. Preceitos constitucionais. Inviabilidade de análise.
Competência do STF. Programa de parcelamento tributário (PAES). Microempresa.
Divisão dos valores em 180 parcelas ou recolhimento, com base em 0,3% da
receita bruta. Observância dos preceitos legais. Dever do contribuinte. Inefi cácia
da forma de quitação do débito. Exclusão. Cabimento.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 215
1. A alegação genérica de violação do art. 535 do Código de Processo Civil,
sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a
aplicação do disposto na Súmula n. 284-STF.
2. A análise de suposta violação de dispositivos e princípios constitucionais é
de competência exclusiva do Pretório Excelso, conforme prevê o art. 102, inciso
III, da Carta Magna, pela via do recurso extraordinário, sendo defeso a esta Corte
fazê-lo, ainda que para fi ns de prequestionamento.
3. O art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003 possibilita aos inadimplentes
enquadrados como microempresas o parcelamento em até 180 meses, sendo
que a parcela mínima corresponderá a um cento e oitenta avos (1/180) do total
do débito consolidado, ou a três décimos por cento (0,3%) da receita bruta, cujo
valor não será, em qualquer dos casos, inferior a R$ 100,00 (cem reais).
4. No caso, a microempresa encontra-se em inatividade, inexistindo, por
consequência lógica, a base contábil para formulação do cálculo da parcela -
receita bruta auferida no mês anterior -, cumprindo à empresa a formulação do
valor devido, com base na modalidade residual, qual seja, um cento e oitenta avos
(1/180) do total do débito.
5. O simples fato de enquadrar-se na categoria de microempresa não lhe
confere o direito de optar pelo valor mínimo da parcela, mas, sim, ao dever de
observar os comandos legais inseridos na lei de regência, o que não ocorreu.
6. A Segunda Turma desta Corte, no julgamento do REsp n. 1.187.845-ES,
relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, ressaltou que “as normas que
disciplinam o parcelamento não podem ser interpretadas fora de sua teleologia.
Se um programa de parcelamento é criado e faz menção a prazo determinado para
a quitação do débito e penaliza a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003
- 180 meses), não se pode compreendê-lo fora dessa lógica, admitindo que um
débito passe a existir de forma perene ou até, absurdamente, tenha o seu valor
aumentado com o tempo diante da irrisoriedade das parcelas pagas. A fi nalidade
de todo o parcelamento, salvo disposição legal expressa em sentido contrário, é
a quitação do débito e não o seu crescente aumento para todo o sempre. Sendo
assim, a impossibilidade de adimplência há que ser equiparada à inadimplência
para efeitos de exclusão do dito programa de parcelamento.” (REsp n. 1.187.845-
ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.10.2010,
DJe 28.10.2010).
7. A exclusão do programa de parcelamento é devida, visto a inobservância do
preceito legal - divisão do valor consolidado por 180, única modalidade possível
para o caso da recorrente -, bem como pela inefi cácia do parcelamento para
quitação do montante da dívida.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(REsp n. 1.321.865-PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado
em 26.6.2012, DJe 29.6.2012)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
216
Processual Civil. Tributário. Mandado de segurança. Ausência de violação ao
art. 535, CPC. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Exame de
matéria fática. Súmula n. 7-STJ. Fundamento sufi ciente mantido. Súmula n. 283-
STF. Empresa de pequeno porte. PAES. Parcelamento superior a 180 parcelas.
Recolhimento com base em 0,3% da receita bruta. Possibilidade de exclusão do
programa de parcelamento se restar demonstrada a sua inefi cácia como forma de
quitação do débito.
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma sufi cientemente
fundamentada, não estando obrigada a Corte de Origem a emitir juízo de valor
expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.
2. Ausente o prequestionamento do disposto nos arts. 128, 460, do CPC,
incide o Enunciado n. 211 da Súmula do STJ: “Inadmissível recurso especial
quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi
apreciada pelo Tribunal a quo”.
3. Fixado pela Corte de Origem que não houve prova pré-constituída
necessária à concessão da segurança, incide o Enunciado n. 7, da Súmula do STJ:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Sendo
este fundamento sufi ciente, por si só, para manter o acórdão recorrido, incide,
por analogia, o Enunciado n. 283, da Súmula do STF: “É inadmissível o recurso
extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento
sufi ciente e o recurso não abrange todos eles”.
4. A jurisprudência do STJ é fi rme no sentido de que a Lei n. 10.684/2003 não
limitou a 180 (cento e oitenta) parcelas o Parcelamento Especial (Paes) para as
pessoas jurídicas optantes pelo Simples e para as microempresas e empresas de
pequeno porte que efetuam o recolhimento com base no percentual de 0,3% de
sua receita bruta, nos termos do artigo 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003. Precedentes:
REsp n. 905.323-SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 16.9.2009; REsp n.
893.351-SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe de 10.6.2009; REsp
n. 912.712-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
20.5.2010.
5. No entanto, é possível a exclusão do programa se restar demonstrada a
inefi cácia do parcelamento como forma de quitação do débito, ainda que para
além de 180 (cento e oitenta) prestações, considerando-se o valor do débito e
o valor das prestações efetivamente pagas. Situação em que a impossibilidade
de adimplência há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão
do dito programa de parcelamento. Precedente em sentido contrário: REsp n.
1.119.618-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22.9.2009.
6. Caso em que o valor do débito parcelado é superior a R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) e o valor da parcela é de apenas R$ 100,00 (cem reais),
valor insufi ciente para quitar até mesmo os encargos mensais do débito, de modo
que o valor devido tende a aumentar com o tempo, não havendo previsão para a
sua quitação.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 217
7. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.187.845-ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 19.10.2010, DJe 28.10.2010)
Com isso, se o programa de parcelamento faz menção a prazo determinado
para quitação do débito e penaliza a inadimplência com a exclusão do programa,
diante da constatação da impossibilidade de adimplemento da obrigação no
prazo legal, mostra-se legítima a exclusão do programa.
Tal hipótese é diversa da que ocorre no parcelamento previsto na Lei n.
9.964/2000, o chamado Refi s 2000, pois neste inexiste prazo máximo de duração
do programa. No entanto, observo que alguns julgados, inclusive um de minha
relatoria (REsp n. 1.238.519-PR, DJe 28.8.2013, AgRg no REsp n. 1.352.070-
RS, DJe 25.3.2013, REsp n. 1.253.283-PR, DJe 27.2.2012), têm aplicado o
entendimento constante da jurisprudência fi rmada para os casos do PAES a
partir do julgamento do REsp n. 1.187.845-ES, de relatoria do Min. Mauro
Campbell Marques, DJe 28.10.2010, sem observar as diferenças constantes na
lei de um e outro programa de parcelamento – isto é Refi s 2000 e PAES.
Inicialmente, faço uma análise da legislação que regula o parcelamento -
Refi s 2000.
Lei n. 9.964/2000 (Institui o Programa de Recuperação Fiscal - Refi s e dá outras
providências e altera as Leis n. 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.844, de 20 de
janeiro de 1994.)
Art. 1º É instituído o Programa de Recuperação Fiscal - Refis, destinado a
promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas
jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da
Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento
até 29 de fevereiro de 2000, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida
ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os
decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos. (Vide Lei n. 10.189, de
2001)
Art. 2º O ingresso no Refi s dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus
a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fi scais a que se
refere o art. 1º.
(...)
§ 4º O débito consolidado na forma deste artigo:
II – será pago em parcelas mensais e sucessivas, vencíveis no último dia útil
de cada mês, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
218
da receita bruta do mês imediatamente anterior, apurada na forma do art. 31 e
parágrafo único da Lei n. 8.981, de 20 de janeiro de 1995, não inferior a:
a) 0,3% (três décimos por cento), no caso de pessoa jurídica optante pelo
Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas
e Empresas de Pequeno Porte - Simples e de entidade imune ou isenta por
fi nalidade ou objeto;
b) 0,6% (seis décimos por cento), no caso de pessoa jurídica submetida ao
regime de tributação com base no lucro presumido;
c) 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento), no caso de pessoa jurídica
submetida ao regime de tributação com base no lucro real, relativamente às
receitas decorrentes das atividades comerciais, industriais, médico-hospitalares,
de transporte, de ensino e de construção civil;
d) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), nos demais casos.
(...)
Art. 3º A opção pelo Refi s sujeita a pessoa jurídica a:
I – confi ssão irrevogável e irretratável dos débitos referidos no art. 2º;
II – autorização de acesso irrestrito, pela Secretaria da Receita Federal, às
informações relativas à sua movimentação fi nanceira, ocorrida a partir da data de
opção pelo Refi s;
III – acompanhamento fi scal específi co, com fornecimento periódico, em meio
magnético, de dados, inclusive os indiciários de receitas;
IV – aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas;
V – cumprimento regular das obrigações para com o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço - FGTS e para com o ITR;
VI – pagamento regular das parcelas do débito consolidado, bem assim dos
tributos e das contribuições com vencimento posterior a 29 de fevereiro de 2000.
§ 1º A opção pelo Refis exclui qualquer outra forma de parcelamento de
débitos relativos aos tributos e às contribuições referidos no art. 1º. (Vide Lei n.
12.688, de 2012)
§ 2º O disposto nos incisos II e III do caput aplica-se, exclusivamente, ao período
em que a pessoa jurídica permanecer no Refi s.
§ 3º A opção implica manutenção automática dos gravames decorrentes de
medida cautelar fi scal e das garantias prestadas nas ações de execução fi scal.
§ 4º Ressalvado o disposto no § 3º, a homologação da opção pelo Refis
é condicionada à prestação de garantia ou, a critério da pessoa jurídica, ao
arrolamento dos bens integrantes do seu patrimônio, na forma do art. 64 da Lei n.
9.532, de 10 de dezembro de 1997.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 219
§ 5º São dispensadas das exigências referidas no § 4º as pessoas jurídicas
optantes pelo Simples e aquelas cujo débito consolidado seja inferior a R$
500.000,00 (quinhentos mil reais).
§ 6º Não poderão optar pelo Refi s as pessoas jurídicas de que tratam os incisos
II e VI do art. 14 da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998.
(...)
Art. 5º A pessoa jurídica optante pelo Refi s será dele excluída nas seguintes
hipóteses, mediante ato do Comitê Gestor:
I – inobservância de qualquer das exigências estabelecidas nos incisos I a V do
caput do art. 3º;
II – inadimplência, por três meses consecutivos ou seis meses alternados, o
que primeiro ocorrer, relativamente a qualquer dos tributos e das contribuições
abrangidos pelo Refi s, inclusive os com vencimento após 29 de fevereiro de 2000;
III – constatação, caracterizada por lançamento de ofício, de débito
correspondente a tributo ou contribuição abrangidos pelo Refi s e não incluídos
na confi ssão a que se refere o inciso I do caput do art. 3º, salvo se integralmente
pago no prazo de trinta dias, contado da ciência do lançamento ou da decisão
defi nitiva na esfera administrativa ou judicial;
IV – compensação ou utilização indevida de créditos, prejuízo fi scal ou base de
cálculo negativa referidos nos §§ 7º e 8º do art. 2º;
V – decretação de falência, extinção, pela liquidação, ou cisão da pessoa
jurídica;
VI – concessão de medida cautelar fi scal, nos termos da Lei n. 8.397, de 6 de
janeiro de 1992;
VII – prática de qualquer procedimento tendente a subtrair receita da optante,
mediante simulação de ato;
VIII – declaração de inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica, nos termos dos arts. 80 e 81 da Lei n. 9.430, de 1996;
IX – decisão defi nitiva, na esfera judicial, total ou parcialmente desfavorável
à pessoa jurídica, relativa ao débito referido no § 6º do art. 2º e não incluído no
Refi s, salvo se integralmente pago no prazo de trinta dias, contado da ciência da
referida decisão;
X – arbitramento do lucro da pessoa jurídica, nos casos de determinação da
base de cálculo do imposto de renda por critério diferente do da receita bruta;
XI – suspensão de suas atividades relativas a seu objeto social ou não
auferimento de receita bruta por nove meses consecutivos.
§ 1º A exclusão da pessoa jurídica do Refi s implicará exigibilidade imediata
da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução
da garantia prestada, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
220
acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos
respectivos fatos geradores.
§ 2º A exclusão, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, produzirá efeitos
a partir do mês subseqüente àquele em que for cientifi cado o contribuinte.
§ 3º Na hipótese do inciso III, e observado o disposto no § 2º, a exclusão dar-
se-á, na data da decisão defi nitiva, na esfera administrativa ou judicial, quando
houver sido contestado o lançamento.
Consoante se verifica da literalidade dos dispositivos legais que
regulamentam o Refis 2000, as hipóteses de exclusão do programa estão
disciplinadas no art. 5º da Lei n. 9.964/2000 e inexiste previsão de prazo máximo
para o fi m do parcelamento.
Nos termos do art. 155-A do CTN, o parcelamento será concedido na
forma e condição estabelecidas em lei específi ca, de modo que o contribuinte
não possui o direito a pleitear parcelamento em molde e com características
diversas daquelas constantes na lei. De outro lado, também não pode o Fisco
exigir senão o cumprimento das condições previstas na lei do parcelamento.
Com efeito, o parcelamento é ato administrativo vinculado cingindo-se aos
exatos termos da legislação de regência.
Diante disso, observa-se que a hipótese de exclusão do programa por
inadimplência está prevista no art. 5º, inc. II, cuja redação é a seguinte:
II – inadimplência, por três meses consecutivos ou seis meses alternados, o
que primeiro ocorrer, relativamente a qualquer dos tributos e das contribuições
abrangidos pelo Refi s, inclusive os com vencimento após 29 de fevereiro de 2000;
Assim, verifica-se que somente a falta de pagamento, por três meses
consecutivos ou seis meses alternados, o que primeiro ocorrer, caracteriza-se
inadimplemento apto a justifi car a exclusão do programa.
Dessa forma, não vejo como concordar com o raciocínio, para o caso do Refi s
2000, de que o pagamento regular das prestações, conforme estipulado na lei de
regência, embora o valor da parcela mensal pareça ínfi mo, se comparado com o valor
total do débito, caracterize inadimplência apta a ensejar exclusão do parcelamento, em
face da absoluta falta de previsão legal.
Ressalte-se que na lei do Refi s 2000 não há prazo determinado para o fi m
do parcelamento ou número máximo de prestações, tal como ocorre no PAES,
que prevê o prazo máximo de 180 meses (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003).
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 221
Com isso, quanto ao Refi s 2000 não há que se falar em inadimplemento
nas hipóteses em que existir parcela paga e calculada de acordo com o preceito legal de
regência.
Parece-me claro, com a devida vênia, que no Refi s 2000, a disposição
legal que permite a exclusão do programa por inadimplência refere-se tão-
somente ao inadimplemento da parcela mensal e não ao saldo total da dívida
(impossibilidade de adimplemento do valor total da dívida), tal como ocorre no
PAES.
Se há alguma incongruência na lei, cabe ao legislador alterá-la, não
podendo o Poder Judiciário realizar interpretação extensiva para impor sanção
em face da observância do princípio da legalidade.
Destaque-se que não está aqui se falando dos casos em que o contribuinte
paga valor irrisório, aleatório ou insufi ciente para a quitação do débito e em
desconformidade com os critérios estabelecidos pela lei, buscando, com isso, obter
apenas a aparência de cumprimento das obrigações, mas da hipótese em que
o contribuinte, de boa-fé, paga montante segundo critérios previstos em lei,
sendo depois surpreendido com sua exclusão do programa sob a alegação
de inadimplemento, por não ter o valor das parcelas mensais potencial para
adimplir o débito total.
Com isso, diante do pagamento regular das prestações que foram
estipuladas observando a lei pertinente, impossível criar hipótese de exclusão do
programa não contemplada na lei de regência.
Registro que não desconheço a existência de julgados da lavra do
Min. Mauro Campbell Marques, cujo entendimento vem sendo aplicado
indistintamente em julgados da 1ª e 2ª Turmas, entendendo que a realização
de pagamentos ínfi mos que impossibilitariam a quitação do débito, confi gura-
se inadimplência parcial (REsp n. 1.187.845-ES, DJe 28.10.2010 e REsp n.
1.2227.055-PR, DJe 10.3.2011) apta a ensejar a exclusão do programa de
parcelamento.
Embora naquele julgado tenha sido reconhecida a possibilidade das pessoas
jurídicas optantes pelo Simples, das microempresas e empresas de pequeno porte
que efetuam recolhimento com base no percentual de 0,3% de sua receita bruta
não estarem limitadas ao parcelamento em 180 parcelas mensais, o raciocínio da
inefi cácia do parcelamento pautou-se na existência de prazo determinado para a
quitação do débito, conforme se verifi ca de excerto do acórdão, in verbis:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
222
Com efeito, entendo que as normas que disciplinam o parcelamento não
podem ser interpretadas fora de sua teleologia. Se um programa de parcelamento
é criado e faz menção a prazo determinado para a quitação do débito e penaliza
a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003 - 180 meses), não se pode
compreendê-lo fora dessa lógica, admitindo que um débito passe a existir de forma
perene ou até, absurdamente, tenha o seu valor aumentado com o tempo diante
da irrisoriedade das parcelas pagas. A fi nalidade de todo o parcelamento, salvo
disposição legal expressa em sentido contrário, é a quitação do débito e não o
seu crescente aumento para todo o sempre. Sendo assim, a impossibilidade de
adimplência há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão do
dito programa de parcelamento. (grifo nosso)
No entanto, entendo que o raciocínio ali desenvolvido é inaplicável ao
Refi s 2000, pois neste não há prazo determinado para quitação do débito. Digo
isso, especialmente em face da conclusão apresentada pelo relator no sentido de
que “se um programa de parcelamento é criado e faz menção a prazo determinado
para quitação do débito e penaliza a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n.
10.684/2003 - 180 meses), não se pode compreendê-lo fora dessa lógica (...)”.
(grifo nosso, excerto do REsp n. 1.187.845-ES acima transcrito).
Consoante se verifi ca, uma das premissas fi xadas para a aplicação do
entendimento fi xado naquele julgado é a existência de previsão legal de prazo
máximo para o fi m do parcelamento, circunstância que não ocorre no Refi s 2000.
Assim, inexistindo prazo determinado, inviável se admitir como hipótese
de exclusão do programa, o pagamento de prestação do parcelamento que foi
calculada nos moldes previsto na legislação, por ser considerada de valor irrisório.
Tenha-se presente que cabe à Administração atentar para o princípio da
legalidade, no sentido de que somente a lei pode impor sanção.
Como decorrência do regime de direito público, a legalidade traduz a
idéia de que a Administração Pública somente pode praticar ato que exclua
ou outorgue direito a terceiros, quando exista lei que o determine (atuação
vinculada), devendo obedecer estritamente ao estipulado na lei. Até mesmo no
exercício de atividade discricionária, deve a Administração observar os termos,
condições e limites autorizados na lei.
Com efeito, ainda que argumentos de ordem prática sejam invocados para
apontar a ocorrência de situações em que o parcelamento se prolongaria por
muitos anos, não vejo como aplicar hipótese de sanção não prevista em lei, sem
que seja ofendido o princípio da legalidade.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 223
Ressalto, uma vez mais, que se há incongruências na lei cabe ao legislador
alterá-la para que haja adequação à realidade prática e se alcance o fim
pretendido.
Ante o exposto, demonstradas as peculiaridades dos parcelamentos PAES
e Refi s 2000 no tocante às hipóteses de exclusão do programa e, tratando-se o
caso concreto de exclusão do PAES, nego provimento ao recurso do particular.
É o voto.
VOTO-VISTA
Ementa: Processual Civil. Tributário. Mandado de segurança.
Microempresa e empresa de pequeno porte. Parcelamento especial
- PAES. Art. 1º, § 4º da Lei n. 10.684/2003. Impossibilidade de
exclusão do programa em razão da ne reformatio in pejus.
1. Segundo a “tese da parcela ínfi ma”, é possível a exclusão do
programa de parcelamento PAES (art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003)
se restar demonstrada a inefi cácia do parcelamento como forma de
quitação do débito, ainda que para além de 180 (cento e oitenta)
prestações, considerando-se o valor do débito e o valor das prestações
efetivamente pagas. Situação em que a impossibilidade de adimplência
há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão do
dito programa de parcelamento. Precedente: REsp n. 1.187.845-ES,
Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
19.10.2010.
2. Segundo a “tese da ausência de receita bruta”, as empresas
inativas, por não possuírem receita bruta, não podem gozar do art. 1º,
§ 4º, da Lei n. 10.684/2003 que lhes possibilita o cálculo da parcela em
percentual sobre a receita bruta e sem o limite de 180 meses, devendo
a parcela mínima corresponder a um cento e oitenta avos (1/180)
do total do débito consolidado. Precedente: REsp n. 1.321.865-PE,
Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26.6.2012.
3. No caso concreto, além de a empresa estar inativa, o pagamento
das parcelas de R$ 200,00 (duzentos reais) implicou o aumento de seu
saldo devedor em aproximadamente R$ 1.200.00,00 (um milhão e
duzentos mil reais). Nessa situação, deveria ser excluída do programa
de parcelamento pela aplicação de ambas as teses, o que aqui não pode
ser feito em virtude do princípio que veda a reformatio in pejus.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
224
4. O presente processo restringe-se ao PAES, de modo que são
extraprocessuais todas as alusões ao Programa de Recuperação Fiscal - Refi s
a fi m de salvaguardá-lo ou inserí-lo nessa lógica.
5. Ante o exposto, acompanho a relatora por fundamentos diversos
para negar provimento ao presente recurso especial.
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: A controvérsia de fundo dos
autos diz respeito à possibilidade de as microempresas e empresas de pequeno
porte poderem parcelar os seus débitos no âmbito do Programa de Parcelamento
Especial - PAES (art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003) em prazo superior a 180
(cento e oitenta) meses, no entanto não poderem nesse parcelamento, embora
por prazo superior a 180 (cento e oitenta) meses, pagar parcela irrisória frente ao
montante do débito consolidado.
A este respeito, a jurisprudência desta Casa já sedimentou:
Processual Civil. Tributário. Mandado de segurança. Ausência de violação ao
art. 535, CPC. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Exame de
matéria fática. Súmula n. 7-STJ. Fundamento sufi ciente mantido. Súmula n. 283-
STF. Empresa de pequeno porte. PAES. Parcelamento superior a 180 parcelas.
Recolhimento com base em 0,3% da receita bruta. Possibilidade de exclusão do
programa de parcelamento se restar demonstrada a sua inefi cácia como forma de
quitação do débito.
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma sufi cientemente
fundamentada, não estando obrigada a Corte de Origem a emitir juízo de valor
expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.
2. Ausente o prequestionamento do disposto nos arts. 128, 460, do CPC,
incide o Enunciado n. 211 da Súmula do STJ: “Inadmissível recurso especial
quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi
apreciada pelo Tribunal a quo”.
3. Fixado pela Corte de Origem que não houve prova pré-constituída
necessária à concessão da segurança, incide o Enunciado n. 7, da Súmula do STJ:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Sendo
este fundamento sufi ciente, por si só, para manter o acórdão recorrido, incide,
por analogia, o Enunciado n. 283, da Súmula do STF: “É inadmissível o recurso
extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento
sufi ciente e o recurso não abrange todos eles”.
4. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a Lei n. 10.684/2003 não
limitou a 180 (cento e oitenta) parcelas o Parcelamento Especial (Paes) para as
pessoas jurídicas optantes pelo Simples e para as microempresas e empresas de
pequeno porte que efetuam o recolhimento com base no percentual de 0,3% de
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 225
sua receita bruta, nos termos do artigo 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003. Precedentes:
REsp n. 905.323-SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 16.9.2009; REsp n.
893.351-SC, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe de 10.6.2009; REsp
n. 912.712-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
20.5.2010.
5. No entanto, é possível a exclusão do programa se restar demonstrada a
ineficácia do parcelamento como forma de quitação do débito, ainda que para
além de 180 (cento e oitenta) prestações, considerando-se o valor do débito e o
valor das prestações efetivamente pagas. Situação em que a impossibilidade de
adimplência há que ser equiparada à inadimplência para efeitos de exclusão
do dito programa de parcelamento. Precedente em sentido contrário: REsp n.
1.119.618-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22.9.2009.
6. Caso em que o valor do débito parcelado é superior a R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) e o valor da parcela é de apenas R$ 100,00 (cem reais),
valor insufi ciente para quitar até mesmo os encargos mensais do débito, de modo
que o valor devido tende a aumentar com o tempo, não havendo previsão para a
sua quitação.
7. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.187.845-ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 19.10.2010, DJe 28.10.2010)
No precedente foi reconhecido que o PAES admite o parcelamento para
além de 180 (cento e oitenta) meses, mas não admite que a parcela seja ínfi ma
frente ao montante do débito consolidado. O precedente foi lavrado em caso
extremo, onde o valor do débito parcelado era superior a R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais) e o valor da parcela era de apenas R$ 100,00 (cem reais),
ou seja, o valor da parcela era insufi ciente para quitar até mesmo os encargos
mensais do débito, de modo que o valor devido tendia a aumentar com o
tempo, não havendo qualquer previsão para a sua quitação, ainda que em prazo
alongado.
Esse raciocínio o entendo aplicável a todo e qualquer parcelamento. A se admitir
a existência de uma parcela que não é capaz de quitar sequer os encargos do
débito, não se está mais diante de parcelamento ou moratória, mas de uma
remissão, pois o valor do débito jamais será quitado. E remissão deve vir expressa
em lei e não travestida de parcelamento. Desse modo, reafi rmo, o raciocínio
da impossibilidade de parcela ínfi ma o entendo aplicável a qualquer tipo de
parcelamento, pois a teleologia de qualquer parcelamento é pagar o débito e
não mantê-lo por toda a eternidade. No entanto, o presente processo restringe-se ao
PAES, de modo que são extraprocessuais todas as alusões ao Programa de Recuperação
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Fiscal - Refi s a fi m de salvaguardá-lo ou inserí-lo nessa lógica, pois isto não está em
causa.
Pois bem, em outra linha jurisprudencial, chegou-se à posição de que, se
a empresa está inativa, não há base contábil para se calcular o valor da parcela
do PAES, pois não há receita bruta (a parcela se calcula em percentual sobre
a receita bruta), devendo então ser adotado obrigatoriamente o prazo de 180
(cento e oitenta) meses para a quitação total do débito. Transcrevo:
Processual Civil. Tributário. Violação do art. 535 do CPC. Alegação genérica.
Súmula n. 284-STF. Preceitos constitucionais. Inviabilidade de análise.
Competência do STF. Programa de parcelamento tributário (PAES). Microempresa.
Divisão dos valores em 180 parcelas ou recolhimento, com base em 0,3% da
receita bruta. Observância dos preceitos legais. Dever do contribuinte. Inefi cácia
da forma de quitação do débito. Exclusão. Cabimento.
1. A alegação genérica de violação do art. 535 do Código de Processo Civil,
sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a
aplicação do disposto na Súmula n. 284-STF.
2. A análise de suposta violação de dispositivos e princípios constitucionais é
de competência exclusiva do Pretório Excelso, conforme prevê o art. 102, inciso
III, da Carta Magna, pela via do recurso extraordinário, sendo defeso a esta Corte
fazê-lo, ainda que para fi ns de prequestionamento.
3. O art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003 possibilita aos inadimplentes enquadrados
como microempresas o parcelamento em até 180 meses, sendo que a parcela mínima
corresponderá a um cento e oitenta avos (1/180) do total do débito consolidado, ou a
três décimos por cento (0,3%) da receita bruta, cujo valor não será, em qualquer dos
casos, inferior a R$ 100,00 (cem reais).
4. No caso, a microempresa encontra-se em inatividade, inexistindo, por
consequência lógica, a base contábil para formulação do cálculo da parcela - receita
bruta auferida no mês anterior -, cumprindo à empresa a formulação do valor devido,
com base na modalidade residual, qual seja, um cento e oitenta avos (1/180) do total
do débito.
5. O simples fato de enquadrar-se na categoria de microempresa não lhe
confere o direito de optar pelo valor mínimo da parcela, mas, sim, ao dever de
observar os comandos legais inseridos na lei de regência, o que não ocorreu.
6. A Segunda Turma desta Corte, no julgamento do REsp n. 1.187.845-ES,
relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, ressaltou que “as normas que
disciplinam o parcelamento não podem ser interpretadas fora de sua teleologia.
Se um programa de parcelamento é criado e faz menção a prazo determinado para
a quitação do débito e penaliza a inadimplência (arts. 1º e 7º da Lei n. 10.684/2003
- 180 meses), não se pode compreendê-lo fora dessa lógica, admitindo que um
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débito passe a existir de forma perene ou até, absurdamente, tenha o seu valor
aumentado com o tempo diante da irrisoriedade das parcelas pagas. A fi nalidade
de todo o parcelamento, salvo disposição legal expressa em sentido contrário, é
a quitação do débito e não o seu crescente aumento para todo o sempre. Sendo
assim, a impossibilidade de adimplência há que ser equiparada à inadimplência
para efeitos de exclusão do dito programa de parcelamento.” (REsp n. 1.187.845-
ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.10.2010,
DJe 28.10.2010).
7. A exclusão do programa de parcelamento é devida, visto a inobservância do
preceito legal - divisão do valor consolidado por 180, única modalidade possível
para o caso da recorrente -, bem como pela inefi cácia do parcelamento para
quitação do montante da dívida.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(REsp n. 1.321.865-PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado
em 26.6.2012, DJe 29.6.2012)
Veja-se que a primeira tese, a “tese da parcela ínfi ma” é completamente
diferente desta segunda tese, a “tese da ausência de receita bruta”. A primeira
tem por causa uma parcela que jamais pagará o parcelamento em absoluto e em
qualquer prazo, pois não cobre sequer os encargos mensais da dívida, a segunda
tem por causa a inatividade da empresa, o que implica que a única forma de se
calcular a parcela é sua divisão por 180 meses. Ambas levam à exclusão, mas são
teses completamente distintas e que trilham caminhos distintos, muito embora
possam ser utilizadas em conjunto para a exclusão do programa por duplo
fundamento.
Sob o ponto de vista econômico, o que se visa inibir é o comportamento
elisivo de aderir ao programa de parcelamento e esvaziar as atividades da
empresa a fi m de pagar parcela menor no parcelamento cuja parcela é calculada
sobre a receita bruta, migrando as atividades da empresa, portanto suas receitas,
para uma outra empresa saudável.
No caso concreto, por se tratar de PAES (e não de Refi s) é importante
identifi car expressamente qual tese foi a adotada ou se foram adotadas ambas
para se efetuar a exclusão.
Compulsando os autos, verifi co que a empresa CIA Jordan de Veículos
(sociedade anônima, portanto) entende que por ser empresa de pequeno porte
não poderia ter sido excluída do PAES por pagamento da parcela inferior ao
devido, já que vinha regularmente quitando a parcela mínima de R$ 200,00
(duzentos reais) prevista no art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003.
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O ato de exclusão do PAES às e-STJ fl. 21 narra a exclusão por
inadimplência. A manifestação da Fazenda Nacional esclarece que a empresa
não existe de fato, e, portanto, não tem faturamento. Sendo assim, sua dívida
deveria ser paga em 180 (cento e oitenta) meses (e-STJ fl . 26).
Outrossim, às e-STJ fl s. 31 consta que o valor consolidado da dívida em
21.8.2003 era de aproximadamente R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais),
sendo que com o pagamento das parcelas de R$ 200,00 (duzentos reais) o saldo
devedor aumentou para aproximadamente R$ 6.200.000,00 (seis milhões e
duzentos mil reais).
Essas duas afi rmações foram corroboradas na sentença de e-STJ fl s. 130-
133 e no acórdão de e-STJ fl s. 178-190, que as teve por premissas.
O caso, portanto, era de exclusão do parcelamento com amparo tanto na
“tese da parcela ínfi ma” quanto na “tese da ausência de receita bruta”. Ocorre
que a Corte de Origem permitiu a reinclusão da empresa no programa de
parcelamento PAES, com nova apuração de seu saldo devedor, nos seguintes
moldes, in verbis:
Nada obstante, como já salientado, considerando que a atuação da impetrante
encontrou amparo na Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 1, de 25.6.2003, revogada
apenas em 25.8.2004 pela Portaria Conjunta PGFN/SRF n. 3, devendo-se em
muito à inadequada redação do art. 1º, § 4º, da Lei n. 10.684/2003, e que não
foi oportunizado à requerente adaptar-se à nova interpretação administrativa,
deve ser permitida a sua reinclusão no programa especial de parcelamento
e a reconsolidação da sua dívida, observando os critérios já assinalados
anteriormente, que, por cuidado, ora repiso:
a) o valor do saldo devedor será apurado de conformidade com os critérios
da Lei n. 10.684/2003, sem cômputo de quaisquer penalidades, de juros de mora
e correção monetária no período em que a impetrante permaneceu afastada do
benefi cio, tendo como referência a data respectiva;
b) esse valor será dividido pelo número de meses que então restavam para
completar o prazo máximo do parcelamento (180 meses), apurando-se assim o
valor de cada parcela a ser paga pela apelante, cujo primeiro vencimento ocorrerá
30 dias após sua intimação, pela autoridade administrativa, do valor apurado;
c) o valor da prestação poderá ser elevado até o limite de 0,3% de sua receita
bruta, sempre que esse percentual venha a representar prestação maior que
aquela fi xada na forma da alínea anterior.
Nesses termos, merece parcial reforma a sentença a fi m de que seja concedida
em parte a segurança.
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No entanto, não houve recurso da Fazenda Nacional.
Desse modo, não é possível aplicar as teses desta Corte para realizar a
exclusão da empresa do programa de parcelamento especial PAES sob pena de
reformatio in pejus, cabendo apenas negar provimento a seu recurso especial com
fundamento na jurisprudência desta Casa suso transcrita.
Ante o exposto, acompanho a relatora por fundamentos diversos para negar
provimento ao presente recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.297.942-GO (2011/0186137-2)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Estado de Goiás
Procurador: Márcia Oliveira Alves da Mota e outro(s)
Recorrido: Calcário Uruacu Ltda
Advogado: Lucas Fernandes de Andrade
EMENTA
Processual Civil. Recurso especial. Tributário. ICMS. Encargo
de capacidade emergencial. Cobrança que não corresponde a consumo
nem a demanda de potência efetivamente utilizada. Não incidência do
imposto.
1. A despeito da natureza do encargo de capacidade emergencial
(tarifa ou preço público), a sua cobrança tinha como base a
contratação de capacidade de geração ou de potência, com o intuito
de assegurar a continuidade no fornecimento de energia elétrica em
caso de eventuais cortes emergenciais. Desse modo, não se tratando
de cobrança decorrente do consumo de energia elétrica propriamente
dito nem da demanda de potência efetivamente utilizada no período
de faturamento, a tarifa correspondente não sofre a incidência do
ICMS.
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230
Nesse sentido: REsp n. 1.044.042-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro
Meira, DJe de 31.8.2009.
2. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte
resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao
recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”
A Sra. Ministra Eliana Calmon, os Srs. Ministros Humberto Martins,
Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.
Brasília (DF), 3 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 10.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de
Goiás cuja ementa é a seguinte:
Mandado de segurança. Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam
afastada. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. Encargo de capacidade
emergencial. Incidência do imposto apenas sobre a tarifa calculada com base na
demanda de potência elétrica efetivamente utilizada. Restituição de valores pagos
indevidamente ao Fisco. Via inadequada. 1 - A pessoa jurídica de direito privado,
sendo consumidora fi nal, tem legitimidade para fi gurar no polo ativo de ação
de mandado de segurança em que se discute a ilegalidade da cobrança de ICMS
sobre o valor pago a título de demanda contratada de energia elétrica. 2 - Para
efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo
consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente
à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento,
independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
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3 - Não incide ICMS sobre o encargo de capacidade emergencial (“seguro-
apagão”). 4 - O mandado de segurança não é a via processual adequada para se
obter a restituição de valores pagos indevidamente ao Fisco.
Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados.
Nas razões do recurso especial, interposto com base na alínea a do
permissivo constitucional, o recorrente aponta ofensa ao art. 13, § 1º, da LC n.
87/1996, alegando, em síntese, que o encargo de capacidade emergencial é preço
público devido pela fruição da energia elétrica, de modo que compõe a base de
cálculo do ICMS, integrando o valor fi nal da operação.
Em suas contrarrazões, a recorrida pugna pela manutenção do aresto
atacado.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A pretensão não
merece acolhida.
Inicialmente, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do RE n. 576.189-RS (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe
de 26.6.2009), declarou a constitucionalidade dos encargos de capacidade
emergencial e de aquisição de energia elétrica emergencial, firmando
entendimento no sentido de que tais encargos não possuem natureza
tributária, correspondem a tarifas ou preços públicos, diante da ausência de sua
compulsoriedade.
A propósito, confi ra-se a ementa do julgado:
Tributário. Energia elétrica. Encargos criados pela Lei n. 10.438/2002. Natureza
jurídica correspondente a preço público ou tarifa. Inaplicabilidade do regime
tributário. Ausência de compulsoriedade na fruição dos serviços. Receita
originária e privada destinada a remunerar concessionárias, permissionárias e
autorizadas integrantes do sistema interligado nacional. RE improvido.
I - Os encargos de capacidade emergencial e de aquisição de energia elétrica
emergencial, instituídos pela Lei n. 10.438/2002, não possuem natureza tributária.
II - Encargos destituídos de compulsoriedade, razão pela qual correspondem a
tarifas ou preços públicos.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
232
III - Verbas que constituem receita originária e privada, destinada a remunerar
concessionárias, permissionárias e autorizadas pelos custos do serviço, incluindo
sua manutenção, melhora e expansão, e medidas para prevenir momentos de
escassez.
IV - O art. 175, III, da CF autoriza a subordinação dos referidos encargos à
política tarifária governamental.
V - Inocorrência de afronta aos princípios da legalidade, da não-afetação, da
moralidade, da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade.
VI - Recurso extraordinário conhecido, ao qual se nega provimento. (RE n.
576.189, Relator(a): Min. Ricardo Lewandovski, Tribunal Pleno, DJe 26.6.2009)
O encargo de capacidade emergencial possui previsão legal no artigo 1º da
Lei n. 10.438, de 26.4.2002, segundo o qual:
Os custos, inclusive de natureza operacional, tributária e administrativa,
relativos à aquisição de energia elétrica (kWh) e à contratação de capacidade de
geração ou potência (kW) pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial
- CBEE serão rateados entre todas as classes de consumidores fi nais atendidas pelo
Sistema Elétrico Nacional Interligado, proporcionalmente ao consumo individual
verifi cado, mediante adicional tarifário específi co, segundo regulamentação a ser
estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel.
Posteriormente, em 6.5.2002, a Aneel (Agência Nacional de Energia
Elétrica) editou a Resolução n. 249, com o intuito de estabelecer critérios e
procedimentos para a defi nição de encargos tarifários relativos à aquisição
de energia elétrica e à contratação de capacidade de geração ou potência pela
Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEE, trazendo em
seu texto a regulamentação acerca dos encargos de capacidade emergencial, de
aquisição de energia elétrica emergencial e de energia livre adquirida no MAE
(Mercado Atacadista de Energia Elétrica). A mencionada resolução trouxe,
ainda, em seu art. 6º, o termo fi nal de cobrança dos dois primeiros encargos.
Não obstante tal previsão, a Resolução n. 204/2005 da Aneel estabeleceu o
encerramento da cobrança do encargo de capacidade emergencial (art. 1º), no
fi nal de dezembro/2005.
Quanto ao Encargo de Capacidade Emergencial - caso dos autos -, dispõe
o art. 3º, § 1º, da resolução referida que “será estabelecido pela Aneel, em R$/
kWh, com base no custo associado à contratação de capacidade de geração ou
potência previsto pela CBEE para o ano e no consumo realizado de energia
elétrica, no ano anterior, pelo consumidor fi nal atendido pelo Sistema Elétrico
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Interligado Nacional, excetuada a classe residencial classifi cada como de baixa
renda”, de modo que o valor correspondente ao adicional tarifário ocorra
de forma individualizada e seja identifi cado na fatura de energia elétrica do
consumidor, sob a denominação de “encargo de capacidade emergencial”.
Destinava-se à cobertura dos custos, inclusive de natureza operacional,
tributária e administrativa, incorridos pela Comercializadora Brasileira de
Energia Emergencial - CBEE na contratação de capacidade de geração ou
de potência, que eram rateados pelos consumidores fi nais de energia elétrica
atendidos pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional, de forma proporcional ao
consumo individual verifi cado.
Conforme se depreende da leitura do mencionado artigo, embora a
forma de cobrança do encargo de capacidade emergencial seja proporcional ao
consumo, a tarifa correspondente não decorre do efetivo consumo da energia
elétrica disponibilizada ao usuário, mas tem como base a contratação de
capacidade de geração ou de potência, com o intuito de assegurar a continuidade
no fornecimento de energia elétrica em caso de eventuais cortes emergenciais.
Ressalte-se que para se verifi car a possibilidade de incidência do ICMS
sobre o referido encargo, é oportuno destacar as hipóteses de incidência do
imposto em questão.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu, em seu artigo 155, caput e
inciso II, a competência dos Estados e do Distrito Federal para a instituição
de impostos sobre: a) circulação de mercadorias; b) prestação de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal; c) comunicação.
Por sua vez, a Lei Complementar n. 87/1996, no art. 13, I, dispôs que a
base de cálculo do ICMS na saída da mercadoria é o valor da operação.
Por “valor da operação” deve-se entender aquele “da qual decorra a entrega
desta mercadoria ao consumidor. Noutro giro, é o preço da energia elétrica
efetivamente consumida, vale dizer, o valor da operação da qual decorra a
entrega desta mercadoria ao consumidor fi nal” (Roque Antônio Carraza, 14ª
ed., São Paulo, Editora Malheiros, 2009, p. 278).
No que se refere à energia elétrica, a orientação da Primeira Seção-STJ
pacifi cou-se no sentido de que é legítima a incidência do ICMS sobre o valor
cobrado em decorrência do respectivo consumo (expresso em kWh), bem como
sobre a tarifa correspondente à demanda contratada efetivamente utilizada
(Súmula n. 391-STJ).
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Com efeito, tal orientação foi fi rmada no julgamento do REsp n. 960.476-
SC (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 13.5.2009 - recurso submetido à
sistemática prevista no art. 543-C do CPC), no sentido de que o fato gerador
do ICMS, nas operações de fornecimento de energia elétrica, é a energia
efetivamente consumida, e não a demanda contratada ou reservada, sendo que o
valor correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período
de faturamento deve ser levado em conta para efeito de base de cálculo do
ICMS.
Em razão da importância da decisão e de sua especial efi cácia vinculativa,
transcreve-se a respectiva ementa:
Tributário. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. Não incidência sobre
tarifa calculada com base em demanda contratada e não utilizada. Incidência
sobre tarifa calculada com base na demanda de potência elétrica efetivamente
utilizada.
1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp n.
222.810-MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.5.2000), é no sentido de que
“o ICMS não é imposto incidente sobre tráfi co jurídico, não sendo cobrado, por
não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos”, razão pela qual, no
que se refere à contratação de demanda de potência elétrica, “a só formalização
desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica
não caracteriza circulação de mercadoria”. Afi rma-se, assim, que “o ICMS deve
incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for
entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no
estabelecimento da empresa”.
2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que “não há hipótese de incidência
do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de
potência”. Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afi rmar,
a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de
potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.
3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador
supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é
o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de
faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos
de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução Aneel n. 456/2000,
independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.
4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a
incidência do ICMS sobre o valor correspondente à demanda de potência elétrica
contratada mas não utilizada.
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5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.
A despeito da natureza do encargo de capacidade emergencial (tarifa ou
preço público), a sua cobrança tinha como base a contratação de capacidade
de geração ou de potência, com o intuito de assegurar a continuidade no
fornecimento de energia elétrica em caso de eventuais cortes emergenciais.
Desse modo, não se tratando de cobrança decorrente do consumo de energia
elétrica propriamente dito nem da demanda de potência efetivamente utilizada
no período de faturamento, a tarifa correspondente não sofre a incidência do
ICMS.
Essa foi a orientação adotada pela Segunda Turma-STJ no julgamento do
REsp n. 1.044.002-RS (Rel. Min. Castro Meira, DJe de 31.8.2009), sendo que
o respectivo acórdão foi assim ementado:
Tributário e Processo Civil. Ausência de prequestionamento. Divergência
jurisprudencial. Ausência de cotejo analítico. ICMS. Energia elétrica. Demanda de
potência. Não incidência sobre tarifa calculada com base em demanda contratada
e não utilizada. Recurso repetitivo. Art. 543-C do CPC. Súmula n. 213-STJ.
1. A falta de prequestionamento do disposto arts. 1º e 18 da Lei n. 1.533/1951
impede o conhecimento do apelo especial no particular. Incidência da Súmula n.
282-STF.
2. Encontra óbice ao conhecimento o recurso interposto com fundamento
na alínea c do permissivo constitucional quando não realizado o cotejo analítico
entre os acórdãos recorrido e paradigmas, com a demonstração das circunstâncias
que identifi cam ou assemelham os casos confrontados. Desatendimento dos
requisitos previstos no art. 255, § 2º, do RISTJ. 3. Na sessão de 11.3.2009, foi
julgado o Recurso Especial n. 960.476-SC (DJe de 960.476-SC), representativo de
controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008, tendo
a eg. Primeira Seção fi rmado o entendimento de que o ICMS somente incide
sobre a tarifa calculada com base na demanda de potência elétrica efetivamente
utilizada, não incidindo, todavia, sobre a demanda contratada, e não utilizada.
4. Seguindo o mesmo raciocínio, não incide ICMS sobre o encargo de
capacidade emergencial, já que a sua cobrança decorria do rateio dos custos,
inclusive de natureza operacional, tributária e administrativa, incorridos pela
Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEE com a contratação de
capacidade de geração ou de potência de energia elétrica, voltada, portanto, à
garantia da continuidade da prestação desse serviço.
5. O consumidor fi nal é o sujeito passivo da obrigação tributária, na condição
de contribuinte de direito e de fato.
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6. A teor do que enuncia a Súmula n. 213-STJ, a ação mandamental é meio
próprio para pleitear-se a declaração do direito à restituição ou à compensação
de tributos pagos indevidamente.
7. Recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul conhecido em parte e não
provido. Recurso especial da parte autora conhecido e provido.
Cumpre registrar que não se desconhece o entendimento fi rmado pela
Primeira Turma, por maioria, no julgamento do REsp n. 1.054.011-RS (Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 20.8.2010), no sentido de que “o encargo de
capacidade emergencial instituído pela Lei n. 10.438/2002 é preço público, vale
dizer, é contraprestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica”,
de forma que “o seu valor integra o preço fi nal dessa especial mercadoria,
estando consequentemente compreendido no ‘valor da operação’, que vem a ser
a base de cálculo do ICMS, nos termos do art. 13, § 1º, da LC n. 87/1996”.
Isso porque a orientação fi rmada pela Primeira Seção-STJ - certo ou
errado -, tem como pressuposto o consumo efetivo para fi ns de cobrança do
ICMS, no que se refere aos valores cobrados pela comercialização de energia
elétrica. Como já mencionado, além da tarifa correspondente ao consumo
propriamente dito, integra a base de cálculo do ICMS a tarifa decorrente
da cobrança da demanda de potência efetivamente utilizada no período de
faturamento.
Contudo, não se revela possível ampliar esse entendimento para permitir a
tributação (pelo ICMS) de elemento extrínseco ao consumo, como é o caso da
tarifa concernente à cobrança do encargo de capacidade emergencial.
Registro que no precedente mencionado, além da Min. Denise Arruda
(Relatora originária), o Min. Benedito Gonçalves também votou no sentido de
afastar a incidência do ICMS sobre o encargo em comento, merecendo destaque
o seguinte excerto extraído do seu voto:
Sobre o tema, coaduno-me com o entendimento da Ministra Relatora.
De fato, o STF, ao reconhecer a constitucionalidade do Encargo de Capacidade
Emergencial (Seguro apagão), defi niu que este tem natureza de preço público
ou tarifa, não se lhes aplicando o regime tributário, especialmente em razão da
ausência do requisito da “compulsoriedade”.
(...) Dessa forma, observa-se que o encargo em questão (que possui natureza
de tarifa ou preço público) resulta do rateio, de forma proporcional ao consumo
individual verificado, dos custos, inclusive de natureza operacional, tributária
e administrativa, suportados pela Comercializadora Brasileira de Energia
Emergencial - CBEE com a contratação de capacidade de geração ou de potência,
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 237
diferentemente do encargo de aquisição de energia elétrica emergencial, por
meio do qual se dava o rateio dos custos da aquisição se energia elétrica contratada.
A respeito da diferenciação entre os mencionados encargos, de forma a
destacar a natureza do encargo de capacidade emergencial (seguro apagão),
transcrevo elucidativo trecho do voto proferido pelo Ministro Castro Meira, em
recente precedente da Segunda Turma, que apreciou o tema em questão (REsp
n. 1.044.042-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.8.2009,
DJe 31.8.2009).
(...) Sob esse prisma, entendo que, trazendo para a presente discussão, o
raciocínio desenvolvido no julgamento do já mencionado REsp n. 960.476-SC,
segundo o qual exclui-se da base de cálculo do ICMS o valor pago pela potência
elétrica reservada, mas não consumida, deve ser excluído da base de cálculo do
mencionado tributo o encargo de capacidade emergencial, já que, nos termos
acima mencionados, a sua cobrança decorria do rateio de custos pagos pela CBEE
com a contratação de capacidade de geração ou de potência de energia elétrica,
voltada, portanto, à garantia da continuidade da prestação desse serviço, e não dos
custos referentes à efetiva aquisição/consumo de energia elétrica.
Desse modo, levando em consideração a natureza do encargo de capacidade
emergencial e os elementos que justifi caram a cobrança da respectiva tarifa
(durante o período de sua vigência), bem como a orientação que foi adotada pela
Primeira Seção-STJ no julgamento do REsp n. 960.476-SC (acima referido), é
imperioso concluir que o ICMS não incide sobre o valor cobrado a título de
encargo de capacidade emergencial.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.361.805-PR (2013/0004151-0)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrente: Total Linhas Aéreas S/A
Advogados: Leonardo Sperb de Paola
Maria das Graças Anunciação e outro(s)
Recorrido: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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EMENTA
Tributário e Processo Civil. Alegação de ofensa ao art. 535 do
CPC. Exame prejudicado. Débitos de CPMF. Parcelamento. Lei n.
11.941/2009. Possibilidade.
1. Prequestionada, ainda que implicitamente, a tese em torno dos
dispositivos legais tidos por violados, acolhe-se o pedido alternativo de
exame do mérito recursal e julga-se prejudicado o exame da questão
da violação do art. 535, II, do CPC.
2. O art. 15 da Lei n. 9.311/1996, vedando o parcelamento de
débitos oriundos da incidência da CPMF vigorou, nos termos do art.
90, § 1º, do ADCT, até 31.12.2007, não mais se aplicando após esta
data.
3. Incidência da Lei n. 11.941, de 27.5.2009 para reconhecer o
direito do contribuinte à inclusão dos débitos decorrentes da CPMF
no Programa de Parcelamento de débitos tributários (Refis IV),
como permitido pela Fazenda por ocasião da adesão ao PAEX (Lei n.
10.684/2003).
4. Ilegalidade do indeferimento do pedido de inclusão do débito
remanescente, após oito anos, ao fundamento de que o art. 15 da Lei
n. 9.311/1996 vedava a concessão do benefício fi scal aos débitos da
CPMF.
5. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça
“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto
do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque.” Os Srs. Ministros Castro
Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin (Presidente) e Mauro Campbell
Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr(a). Leonardo Sperb de Paola, pela parte recorrente: Total Linhas
Aéreas S/A
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 239
Brasília (DF), 18 de junho de 2013 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJe 26.6.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Trata-se de recurso especial (fl s. e-STJ
359-372) interposto por Total Linhas Aéreas S/A com fundamento na alínea a do
permissivo constitucional contra acórdão proferido pelo TRF 4ª Região, assim
ementado (fl . e-STJ 330):
Tributário. Mandado de segurança. Decadência afastada. Lei n. 11.941/2009.
Parcelamento. CPMF. Vedação. Art. 15. Lei n. 9.311/1996.
1. Não se conta a decadência desde a data da consolidação se o ato
efetivamente impugnado é o despacho que indeferiu o pedido de revisão do
parcelamento aviado na esfera administrativa. Decadência afastada.
2. Não existe ilegalidade no ato administrativo que indefere a inclusão de
débito relativos à CPMF no parcelamento da Lei n. 11.941/2009, tendo em vista
que o art. 15 da Lei n. 9.311/1996, que institui a Contribuição Provisória sobre
Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira - CPMF, veda expressamente a moratória de tais créditos.
3. A Lei n. 11.941/2009 é geral em relação à natureza dos tributos que podem
ser incluídos no parcelamento, de sorte que há de prevalecer a legislação
específi ca de cada tributo, no que contrária àquela. Nesse contexto, permanece
a vedação a parcelamento de débito de CPMF, na forma do art. 15 da Lei n.
9.311/1996, uma vez que não foi afastada expressamente pela Lei n. 11.941/2009.
A recorrente interpôs o presente recurso especial, defendendo, em síntese
(fl s. e-STJ 359-372):
a) negativa de vigência dos arts. 10, 14 e 14-C da Lei n. 10.522/2002, ao
fundamento de ter esta lei regulado inteiramente a matéria sobre o parcelamento
de débitos na esfera federal, revogando tacitamente legislações pretéritas a
respeito do tema, sem, contudo, excetuar os débitos decorrentes da Lei n.
9.311/1996 (CPMF);
b) negativa de vigência do art. 1º da Lei n. 11.941/2009, uma vez que este
dispositivo permitiu o pagamento ou parcelamento dos débitos administrados
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240
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e dos débitos para com a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive o saldo remanescente dos
débitos consolidados no Programa de Recuperação Fiscal - Refi s, de que trata
a Lei n. 9.964/2000; e no Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n.
10.684/2003;
c) a Lei n. 11.941/2009 afastou os impedimentos ao parcelamento
constantes da Lei n. 10.522/2002, notadamente os do art. 14 dessa lei;
d) ao tempo da entrada em vigor da Lei n. 11.941/2009, em razão das
disposições do §1º do art. 90 do ADCT, não mais vigorava a Lei n. 9.311/1996,
cujo art. 15 vedava o parcelamento de débitos oriundos da CPMF; e
e) apenas para argumentar, diante do que expõe o acórdão recorrido acerca
da especialidade da lei instituidora da CPMF, ainda assim é de se reconhecer a
aplicação da Lei n. 11.941/2009, uma vez que o § 1º do art. 90 da ADCT dispôs
que a vigência da Lei n. 9.311/2009 iria apenas até 31 de dezembro de 2007.
Contrarrazões às fl s. e-STJ 403-405.
Subiram os autos, admitido o especial na origem (fl . e-STJ 411).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): - A questão tem início
com a impetração da segurança pela ora recorrente, pleiteando a inclusão
defi nitiva dos débitos n. 10980.005.245/2003-41 e 10980.005.244/2003-05 no
parcelamento instituído pela Lei n. 11.941/2009, oriundos do não recolhimento
da CPMF e, por conseqüência, o cancelamento das inscrições em dívida ativa
correspondentes.
Relatou o fato de ter sido indeferido o pedido, por serem débitos referentes
à CPMF, cujo parcelamento está vedado expressamente pelo art. 15 da Lei n.
9.311, de 24.10.1996, proibição legal direcionada às instituições fi nanceiras
responsáveis pelo recolhimento da contribuição e não ao contribuinte da
CPMF.
Esclareceu tratar-se de débito do próprio contribuinte, incluídos no
Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n. 10.684/2003 desde 2003.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 241
Informou ter ajuizado em 16.7.1999 medida judicial contra a exigência da
CPMF, obtendo liminar para suspendendo a retenção; porém, com a cassação
da liminar e a improcedência da ação, a CPMF que deixou de ser retida no
período de vigência da medida foi lançada pela Receita Federal e, em seguida,
parcelada pela Impetrante. Aduziu ter sido revogada, há muito, a vedação ao
parcelamento, conforme legislação superveniente, notadamente pela Lei n.
10.522/2002. Assim sendo, quando da entrada em vigor da Lei n. 11.941/09
(que tratou do Refi s IV), a própria Lei n. 9.311/1996 já não mais vigorava.
Sustentou não ser razoável o indeferimento, passados mais de 8 anos do
parcelamento original (PAES/2003), especialmente considerando que a CPMF
foi extinta em 2007 (em razão da rejeição parcial da PEC n. 89/2007), com a
revogação completa da Lei n. 9.311/1996.
A autoridade impetrada prestou informações (fls. e-STJ 142-146),
sustentando, preliminarmente, a decadência para o ajuizamento do mandado
de segurança. No mérito, alegou ser a Lei n. 9.311/1996, regulamentadora da
CPMF, específi ca em relação à Lei n. 11.941/2009.
A sentença julgou procedentes os pedidos da impetrante (e-fl s. 163-165).
Houve apelação da Fazenda e o Tribunal de origem (fl s. e-STJ 263-266) deu
parcial provimento à apelação da União Federal (Fazenda Nacional) assim
entendendo:
1) o art. 90, § 1º, do ADCT ao afi rmar ser a vigência da Lei n. 9.311/1996
até 31.12.2007, se referia apenas à sua efi cácia para a incidência do tributo e não
para limitação da vigência daquela lei; e,
2) a Lei n. 9.311/1996 possui caráter especial em relação à Lei n.
11.941/2009, afastando, com isso, a possibilidade do parcelamento de créditos
decorrentes do não recolhimento da CPMF.
Prequestionada, ainda que implicitamente, a questão federal em torno dos
dispositivos legais invocados pela recorrente, tenho por prejudicada a análise da
tese de violação do art. 535, II, do CPC, e examino o mérito do recurso especial.
A controvérsia presente nos autos refere-se à possibilidade de inclusão
de débitos relativos a ausência de recolhimento de CPMF no parcelamento
instituído pela Lei n. 11.941, de 27.5.2009, diante da vedação constante no art.
15, da Lei n. 9.311/1996 (lei que instituiu a CPMF).
A autoridade fazendária negou o pedido da impetrante, ora recorrente,
para incluir os débitos de CPMF no programa de parcelamento tributário
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
242
instituído pela Lei n. 11.941/2009 ao principal fundamento de que a Lei n.
9.311/1996 é especial em relação às demais normas normas tributárias que
tratam de parcelamento, devendo ser aplicada em detrimento de qualquer outra
norma geral sobre o tema.
A Lei n. 9.311/1996, editada com base no art. 75 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT/1988) - introduzido pela Emenda
Constitucional n. 21/1999 -, veio especifi camente para instituir a CPMF e
estabelecer o modo de sua incidência.
Dessa forma, inegável o seu caráter especial em face de outras normas
tributárias, inclusive em relação àquelas referentes a parcelamentos de créditos,
uma vez que estabeleceu em seu art. 15 disposição a respeito, vedando o
“parcelamento do crédito constituído em favor da Fazenda Pública em decorrência da
aplicação desta Lei”.
Assim, em razão do caráter especial da Lei n. 9.311/1996 e da inexistência
de lei posterior tratando especifi camente da CPMF, é correto afi rmar que
durante a vigência daquela norma, seus dispositivos é que deveriam ser aplicados
em relação a esse tributo, inclusive no que tange às regras de parcelamento, em
decorrência do que estabelece o art. 2º, § 2º, da LINDB, no sentido de que
normas gerais não revogam disposições constantes de normas especiais.
Resta saber, no entanto, se ao tempo da edição da Lei n. 11.941/2009 (que
tratou do Refi s IV), a Lei n. 9.311/1996 e seus dispositivos ainda eram vigentes,
fato que justifi caria a proibição de inclusão de débitos tributário decorrentes de
CPMF no Programa de Parcelamento Tributário Refi s IV. A resposta a esta
indagação pode ser extraída da análise da aplicação da lei no tempo. Vejamos:
A Lei n. 9.311/1996, que instituiu a CPMF, teve como fundamento
de validade o art. 74 do ADCT, que dava o caráter de temporalidade a esta
contribuição, inicialmente por um prazo de dois anos.
No entanto, a referida lei teve diversas prorrogações, sendo a primeira pelo
art. 75 do ADCT (EC n. 21/1999), e as subsequentes, pelos arts. 84 (EC n.
37/2002) e 90 (EC n. 42/2003) do ADCT.
O art. 90, § 1º, do ADCT estabeleceu como data limite de vigência da Lei
n. 9.311/1996 o dia 31 de dezembro de 2007. Confi ra-se:
Art. 90. O prazo previsto no caput do art. 84 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias fi ca prorrogado até 31 de dezembro de 2007. (Incluído
pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003)
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 243
§ 1º Fica prorrogada, até a data referida no caput deste artigo, a vigência da
Lei n. 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações. (Incluído pela Emenda
Constitucional n. 42, de 19.12.2003) grifo nosso
Depois da EC n. 42/2003, não houve mais prorrogação do prazo de
vigência da Lei n. 9.311/1996. Portanto, sua vigência foi até 31.12.2007.
Assim, após esta data (31.12.2007), a Lei n. 9.311/1996 e seus dispositivos
não mais produziram efeitos, por lhes faltar pressuposto básico de efi cácia, qual
seja, a vigência.
Registre-se que a “vigência, em sentido estrito, é a existência específi ca da
norma em determinada época, caracterizando o preceito normativo que rege relações
sociais aqui e agora. É o âmbito temporal de validade normativa. O conceito de
vigência, em sentido estrito está relacionado com o de ef icácia, uma vez que da
existência (vigência) da norma depende a produção de seus efeitos” (DINIZ, Maria
Helena. Dicionário jurídico universitário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 589).
Com isso, tem-se que, quando da publicação da Lei n. 11.941, em
27.5.2009, a proibição de inclusão de débitos decorrentes de CPMF em
programas de parcelamento tributário não mais subsistia no ordenamento
jurídico, uma vez que o art. 15 da Lei n. 9.311/1996 deixou de vigorar em
31.12.2007.
Ressalte-se, por oportuno, que o art. 90, § 1º, do ADCT, acima transcrito,
estabeleceu que a vigência da Lei n. 9.311/1996 seria até 31 de dezembro de 2007.
Desta forma, considerando que após 31.12.2007 inexistiu lei vigente
estabelecendo proibição para inclusão dos débitos da CPMF em programas de
parcelamento, assiste razão à ora recorrente em pretender incluir os seus débitos
decorrentes de CPMF no Programa de Parcelamento Refi s IV instituído pela
Lei n. 11.941/2009, a qual não trouxe nenhum impedimento neste sentido,
conforme se constata da leitura do seu art. 1º abaixo transcrito, in verbis:
Art. 1º. Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses,
nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita
Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de
Recuperação Fiscal - Refi s, de que trata a Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000, no
Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003,
no Parcelamento Excepcional - PAEX, de que trata a Medida Provisória n. 303, de
29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei n. 8.212, de 24
de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei n. 10.522, de 19 de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
244
julho de 2002, mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas e
parcelamentos, bem como os débitos decorrentes do aproveitamento indevido
de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI oriundos da
aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários
relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados
- TIPI, aprovada pelo Decreto n. 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência
de alíquota 0 (zero) ou como não-tributados.
Com isso, em face do princípio basilar de hermenêutica jurídica, se a lei
não faz restrições, é vedado ao intérprete fazê-las. Não se está aqui fazendo uma
interpretação ampliativa das regras do parcelamento, mas apenas se constatando
que não é possível extrair dos artigos da Lei n. 11.941/2009 evidente restrição
ao parcelamento dos débitos de CPMF, máxime presente a autorização expressa
de inclusão “do saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de
Recuperação Fiscal - Refi s, de que trata a Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000,
no Parcelamento Especial - PAES, de que trata a Lei n. 10.684, de 30 de maio de
2003, no Parcelamento Excepcional - PAEX, de que trata a Medida Provisória
n. 303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei n.
8.212, de 24 de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei n.
10.522, de 19 de julho de 2002.” (art. 1º, da Lei n. 11.941/2009).
Ressalte-se que a Administração Pública em atendimento ao princípio da
legalidade estrita, tem sua atuação limitada aos balizamentos contidos na lei,
sendo descabido imprimir interpretação extensiva ou restritiva à norma, quando
esta assim não permitir.
Ademais, no caso dos autos, é incontroverso que, sob a égide do PAES (Lei
n. 10.684/2003), a autoridade fazendária permitiu o parcelamento do débito
relativo à CPMF em benefício da recorrente, negando-lhe esta possibilidade,
contudo, após decorridos mais de 8 (oito) anos, quando do pedido de inclusão
dos valores remanescentes de referidos débitos no Programa de Parcelamento
Refi s IV, instituído pela Lei n. 11.491/2009.
Registre-se serem os débitos que a recorrente pretende incluir no Refi s
IV (Lei n. 11.941/2009) remanescentes do Programa de Parcelamento PAEX,
instituído pela Lei n. 10.684/2003.
Ora, é contraditória e injustifi cada a conduta da autoridade fazendária
ao pretender afastar o benefício do parcelamento mantido há mais de 8 (oito)
anos com o contribuinte, com vista a aplicar dispositivo legal até então não
observado, fulminando com a previsibilidade e a estabilidade da relação jurídica
tributária estabelecida com o contribuinte.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 245
Assim, a alteração do entendimento da receita federal sobre o parcelamento,
autorizado até então no PAES e vedado no Refis IV (ressalte-se, após 8
anos), promove fl agrante insegurança jurídica e compromete o planejamento
fi nanceiro do contribuinte, procedimento vedado pelo art. 146 do CTN, o qual
positiva em nível infraconstitucional a proteção da confi ança do contribuinte na
administração tributária.
Se a Administração identifi ca como correta uma determinada interpretação
da norma e depois verifi ca não ser ela a mais adequada, tem o poder-dever de,
em face da legalidade, promover a alteração do seu posicionamento. Entretanto,
em respeito ao postulado da proteção da confi ança legítima, deve resguardar o
direito do contribuinte em relação a atos administrativos consolidados à luz de
critério anteriormente adotado.
Tal entendimento restou consolidado na jurisprudência do STJ, por ocasião
do julgamento do Recurso Representativo de Controvérsia n. 1.130.545-RJ, Rel.
Min. Luiz Fux, DJe 22.2.2011, tratando da revisão do lançamento tributário.
Confi ra-se:
Processo Civil. Recurso especial representativo de controvérsia. Artigo 543-C,
do CPC. Tributário e Processo Administrativo Fiscal. Lançamento tributário. IPTU.
Retifi cação dos dados cadastrais do imóvel. Fato não conhecido por ocasião do
lançamento anterior (diferença da metragem do imóvel constante do cadastro).
Recadastramento. Não caracterização. Revisão do lançamento. Possibilidade. Erro
de fato. Caracterização.
1. A retifi cação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito
tributário, autoriza a revisão do lançamento pela autoridade administrativa (desde
que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo
decadencial), quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião
do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN.
2. O ato administrativo do lançamento tributário, devidamente notifi cado ao
contribuinte, somente pode ser revisto nas hipóteses enumeradas no artigo 145,
do CTN, verbis: “Art. 145. O lançamento regularmente notifi cado ao sujeito passivo
só pode ser alterado em virtude de: I - impugnação do sujeito passivo; II - recurso
de ofício; III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos
no artigo 149.”
3. O artigo 149, do Codex Tributário, elenca os casos em que se revela possível
a revisão de ofício do lançamento tributário, quais sejam: “Art. 149. O lançamento
é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada,
por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
246
pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do
inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a
pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se
a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV -
quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento
definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V -
quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente
obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando
se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente
obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se
comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com
dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido
ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove
que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que
o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não
extinto o direito da Fazenda Pública.”
4. Destarte, a revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-
dever de autotutela da Administração Tributária, somente pode ser exercido
nas hipóteses do artigo 149, do CTN, observado o prazo decadencial para a
constituição do crédito tributário.
5. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo
149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a
impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito
tributário.
6. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica
dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável,
máxime em virtude do princípio da proteção à confi ança, encartado no artigo 146,
do CTN, segundo o qual “a modifi cação introduzida, de ofício ou em conseqüência de
decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade
administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação
a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua
introdução”.
7. Nesse segmento, é que a Súmula n. 227-TFR consolidou o entendimento de
que “a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de
lançamento”.
8. A distinção entre o “erro de fato” (que autoriza a revisão do lançamento) e o
“erro de direito” (hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina,
verbis: “Enquanto o ‘erro de fato’ é um problema intranormativo, um desajuste
interno na estrutura do enunciado, o ‘erro de direito’ é vício de feição internormativa,
um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta.
Assim constitui ‘erro de fato’, por exemplo, a contingência de o evento ter
ocorrido no território do Município ‘X’, mas estar consignado como tendo
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 247
acontecido no Município ‘Y’ (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda,
quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel
vizinho (erro de fato verifi cado no elemento quantitativo).
‘Erro de direito’, por sua vez, está confi gurado, exemplifi cativamente, quando a
autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural,
entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o
lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta
a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda,
quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido
do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor
da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é
sutil, mas incisiva.” (Paulo de Barros Carvalho, in “Direito Tributário - Linguagem
e Método”, 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, p. 445-446) “O erro de fato ou
erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o
que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou
no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha
equivocada de um módulo normativo inservível ou não mais aplicável à regência
da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios
jurídicos (art. 146, do CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na
feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Signifi ca que
tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa,
mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos
geradores posteriores à alteração.” (Sacha Calmon Navarro Coêlho, in “Curso de
Direito Tributário Brasileiro”, 10ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 708) “O
comando dispõe sobre a apreciação de fato não conhecido ou não provado à
época do lançamento anterior. Diz-se que este lançamento teria sido perpetrado
com erro de fato, ou seja, defeito que não depende de interpretação normativa
para sua verificação. Frise-se que não se trata de qualquer ‘fato’, mas aquele
que não foi considerado por puro desconhecimento de sua existência. Não
é, portanto, aquele fato, já de conhecimento do Fisco, em sua inteireza, e, por
reputá-lo despido de relevância, tenha-o deixado de lado, no momento do
lançamento.
Se o Fisco passa, em momento ulterior, a dar a um fato conhecido uma ‘relevância
jurídica’, a qual não lhe havia dado, em momento pretérito, não será caso de
apreciação de fato novo, mas de pura modifi cação do critério jurídico adotado no
lançamento anterior, com fulcro no artigo 146, do CTN, (...).
Neste art. 146, do CTN, prevê-se um ‘erro’ de valoração jurídica do fato (o
tal ‘erro de direito’), que impõe a modifi cação quanto a fato gerador ocorrido
posteriormente à sua ocorrência. Não perca de vista, aliás, que inexiste previsão
de erro de direito, entre as hipóteses do art. 149, como causa permissiva de revisão
de lançamento anterior.” (Eduardo Sabbag, in “Manual de Direito Tributário”, 1ª ed.,
Ed. Saraiva, p. 707).
(...)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
248
10. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C,
do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.
(REsp n. 1.130.545-RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em
9.8.2010, DJe 22.2.2011)
Ante a inexistência de dispositivo legal vigente, estabelecendo expressa
proibição de inclusão dos débitos da CPMF em programas de parcelamento
e, em respeito ao princípio da segurança jurídica, deve-se reconhecer estar o
comportamento do Fisco, no caso, vinculado na relação com o contribuinte,
devendo, portanto, especialmente em face as peculiaridades do caso concreto, ser
autorizada a inclusão dos débitos relativos à falta de recolhimento da CPMF no
parcelamento autorizado pela Lei n. 11.491/2009.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial, nos termos
da sentença.
Sem condenação em honorários, por tratar-se originariamente de ação
mandamental.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.385.952-SC (2013/0148682-5)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: Crivitta Diagnostica Ltda
Advogados: Ademir Gilli Junior e outro(s)
Bruna Luiza Gilli
EMENTA
Recurso especial. Processual Civil. Tributário. Ausência de
violação ao art. 535, CPC. Imposto sobre Produtos Industrializados
- IPI. Fato gerador. Incidência sobre os importadores na revenda de
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 249
produtos de procedência estrangeira. Fato gerador autorizado pelo art.
46, II, c.c. 51, parágrafo único do CTN. Sujeição passiva autorizada
pelo art. 51, II, do CTN, c.c. art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964. Previsão
nos arts. 9º, I e 35, II, do RIPI/2010 (Decreto n. 7.212/2010).
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma
sufi cientemente fundamentada, não estando obrigada a Corte de
Origem a emitir juízo de valor expresso a respeito de todas as teses e
dispositivos legais invocados pelas partes.
1. Seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo único
do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art.
51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964, art. 79, da Medida
Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 - que
def inem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por
inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma
nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento
importador na operação de revenda.
3. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída
dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do
importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n.
4.502/1964, com a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN.
4. Interpretação que não ocasiona a ocorrência de bis
in idem, dupla tributação ou bitributação, porque a lei elenca dois
fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente
da operação de compra de produto industrializado do exterior e a
saída do produto industrializado do estabelecimento importador
equiparado a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação
recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da
empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da
venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira
importadora. Além disso, não onera a cadeia além do razoável, pois
o importador na primeira operação apenas acumula a condição de
contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que
o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito
pela lei nacional brasileira como contribuinte de direito do IPI (os
limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa
importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
250
no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do
imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito
(não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas sobre o valor
agregado.
5. Superado o entendimento contrário veiculado no REsp n.
841.269-BA, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em
28.11.2006
6. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado
de julgamento: “A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso,
nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque.”
A Sra. Ministra Eliana Calmon, os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto
Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.
Brasília (DF), 3 de setembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 11.9.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto com fulcro no permissivo do art. 105, III, a, da Constituição Federal
de 1988, contra acórdão que afastou a incidência do IPI na saída de produto
importado do estabelecimento importador (e-STJ fl s. 156-160):
Tributário. Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro.
1 - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre
alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço
aduaneiro ou na arrematação em leilão.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 251
2 - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço
aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando
de sua comercialização quando ausente industrialização, ante a vedação ao
fenômeno da bitributação.
Os embargos de declaração interpostos restaram acolhidos parcialmente
apenas para fi ns de prequestionamento (e-STJ fl s. 184-189).
Alega a recorrente que houve violação ao art. 535, do CPC, e aos arts. 46,
inciso II e o art. 51, parágrafo único, ambos do CTN; os arts. 2º, I e II, 4º, I, 35
e 40 da Lei n. 4.502/1964 e art. 9º, I, do Decreto n. 7.212/2010 - RIPI 2010.
Sustenta que cabe a dupla incidência do IPI, no desembaraço aduaneiro e na
saída da mercadoria do estabelecimento comercial, no escopo de manter uma
igualdade na tributação de bens nacionais e importados. Tratando-se de medida
de harmonização do Sistema Tributário Nacional, de assaz importância para o
desenvolvimento econômico do País (e-STJ fl s. 199-232).
Contrarrazões nas e-STJ fl s. 279-294.
Recurso regularmente admitido na origem (e-STJ fl s. 314-315).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): De início, afasto a
ocorrência da alegada ofensa ao artigo 535, do CPC. É que o Poder Judiciário
não está obrigado a emitir expresso juízo de valor a respeito de todas as teses
e artigos de lei invocados pelas partes, bastando para fundamentar o decidido
fazer uso de argumentação adequada, ainda que não espelhe quaisquer das
linhas de argumentação invocadas.
Devidamente prequestionados os dispositivos legais tidos por violados,
conheço do recurso especial.
Quanto ao mérito, observo que as empresas importadoras objetivam a
declaração de inexistência de relação jurídico-tributária que lhes obrigue a
recolher o Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI quando da revenda
para o mercado nacional das mercadorias que importaram, ao fundamento
de que a incidência do referido tributo somente poderia se dar quando do
desembaraço aduaneiro (importação), pois se tratam de produtos já acabados
e prontos para o consumo, não se justifi cando uma nova tributação na saída
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
252
do estabelecimento comercial para os varejistas, já que ali não houve nenhuma
industrialização.
Sobre esses argumentos teço algumas considerações.
Efetivamente, o fato de o nomen juris do tributo ser “Imposto sobre Produtos
Industrializados” não signifi ca que seu fato gerador esteja necessariamente
atrelado a uma imediata operação de industrialização. A este respeito, rememoro
que o IPI, antes da Emenda Constitucional n. 18/1965 e do Decreto-Lei n.
34/1966, denominava-se “Imposto de Consumo”, e assim o era porque seu ônus
econômico era e é suportado pelo consumidor e em suas origens incidia sobre
bens de consumo. O fato de o tributo incidir sobre o produto industrializado
signifi ca somente que é necessário e relevante que essa operação de industrialização
em algum momento tenha ocorrido, pois a circulação que se tributa é de um produto
industrializado, mas não que ela tenha que ocorrer simultaneamente a cada vez que se
realize uma hipótese de incidência do tributo (fato gerador). Por todos, transcrevo as
lições de Ricardo Lobo Torres e Fábio Fanucchi, in verbis:
Tanto que industrializado o produto, aqui ou no estrangeiro, a sua circulação,
seja pela saída econômico-jurídica do estabelecimento industrial, seja pela
arrematação em leilão, seja pelo desembaraço aduaneiro, constitui fato gerador
do IPI (TORRES, R. L. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol.
IV - Os tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 174).
O fato gerador do tributo é instantâneo (...). Cada desembaraço aduaneiro,
cada saída de produto de estabelecimento contribuinte e cada produto
arrematado em leilão, faz nascer uma obrigação tributária distinta (FANUCCHI,
F. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: IBET/Resenha Tributária,
1986. vol. II, p. 129).
À toda evidência, quando se está a falar da importação de produtos, a
primeira incidência do IPI encontra guarida no art. 46, I, do CTN, que assim
defi ne o fato gerador:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados
tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
[...]
Veja-se que para essa hipótese de incidência não há a necessidade
de operação de industrialização imediatamente associada ao desembaraço
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 253
aduaneiro. Até porque o produto pode ser adquirido do exterior depois de
ter trafegado pelas mãos de vários intermediários, sejam ou não industriais
produtores. O que importa aqui é que em algum momento tenha havido a
industrialização (produto industrializado) e não que ela ocorra imediatamente
antes da operação que leva ao desembaraço.
Essa mesma lógica subsiste quando se tributa “o comerciante de produtos
sujeitos ao imposto, que os fornece a estabelecimento industrial ou equiparado a
industrial”, ou “o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados”, pois nesses
dois casos também não há atividade de industrialização desenvolvida pelos
contribuintes. Transcrevo:
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
[...]
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos
contribuintes defi nidos no inciso anterior;
IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a
leilão.
[...]
Não foge a esta linha a segunda incidência do tributo sobre o importador, no
momento em que promove a saída do produto do seu estabelecimento a título
de revenda, veja-se:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados
tem como fato gerador:
[...]
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
[...]
Art. 51. [...]
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte
autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou
arrematante.
Ora, muito embora existam respeitadas posições com contrário, tudo isso
demonstra que a tese de que somente é contribuinte do IPI quem participa
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
254
do processo de industrialização, ou de que cada incidência do IPI deve estar
atrelada a uma nova operação de industrialização específi ca é, com todo o
respeito, completamente descabida, sob o ponto de vista infraconstitucional, que
limita o exame da matéria por esta Corte.
O problema então merece outra abordagem.
O certo é que, na letra da Lei n. 4.502/1964, o “Imposto de Consumo”
tinha duas hipóteses de incidência clássicas a depender de onde se dava a
produção do bem industrializado:
• Se ocorrida a produção no exterior, o fato gerador era o desembaraço
aduaneiro (art. 2º, I, da Lei n. 4.502/1964);
• Se ocorrida a produção no Brasil, o fato gerador era a saída do
estabelecimento produtor (art. 2º, II, da Lei n. 4.502/1964).
Tal levava a crer que se a produção fosse no exterior não se dava o fato
gerador na saída do estabelecimento produtor, pois não se podia compor uma
norma de incidência cruzada. Transcrevo a Lei n. 4.502/1964, in litteris:
Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto:
I - quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço
aduaneiro;
II - quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento
produtor.
[...]
Com o advento do IPI na Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional
- CTN, essa discriminação tomou novos contornos, pois não foi repetida a regra
contida no art. 2º, II, da Lei n. 4.502/1964 que limitou o critério temporal “saída”
apenas para os produtos de produção nacional. Sendo assim, a lei permitiu que também
os produtos de procedência estrangeira estejam sujeitos novamente ao fato gerador do
imposto quando da saída do estabelecimento produtor ou equiparado. Veja-se:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados
tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do
artigo 51;
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 255
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado
o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifi que a
natureza ou a fi nalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
[...]
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
[...]
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte
autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou
arrematante.
De ver que essa autorização é perfeitamente compatível com o art. 4º, I, da
Lei n. 4.502/1964, que equipara os importadores a estabelecimento produtor,
isto porque o próprio art. 51, II, do CTN, admitiu a equiparação. Transcrevo os
dois dispositivos:
Lei n. 5.172/1966 - Código Tributário Nacional - CTN
Art. 51. Contribuinte do imposto é:
II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
[...]
Lei n. 4.502/1964
Art. 4º Equiparam-se a estabelecimento produtor, para todos os efeitos desta Lei:
I - os importadores e os arrematantes de produtos de procedência estrangeira;
[...]
Outrossim, legislação mais recente estabeleceu a referida equiparação entre
estabelecimento industrial e os estabelecimentos atacadistas ou varejistas que
adquirem produtos de procedência estrangeira. A saber:
Medida Provisória n. 2.158-35, de 2001
Art. 79. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos,
atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira,
importados por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica
importadora.
Lei n. 11.281/2006
Art. 13. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos,
atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
256
importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa
jurídica importadora.
Desta forma, seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo
único do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art.
51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964, art. 79, da Medida Provisória
n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 - que defi nem a sujeição
passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos
importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do
estabelecimento importador na operação de revenda.
Interpretando esse conjunto de dispositivos legais, o atual Regulamento do
Imposto sobre Produtos Industrializados - RIPI/2010 (Decreto n. 7.212/2010),
assim estabeleceu:
Estabelecimentos Equiparados a Industrial
Art. 9º Equiparam-se a estabelecimento industrial:
I - os estabelecimentos importadores de produtos de procedência
estrangeira, que derem saída a esses produtos (Lei n. 4.502, de 1964, art. 4º,
inciso I);
[...]
Hipóteses de Ocorrência
Art. 35. Fato gerador do imposto é (Lei n. 4.502, de 1964, art. 2º):
[...]
II - a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a
industrial.
[...]
Desse modo, não vejo qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída
dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador,
já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n. 4.502/1964, art. 79, da
Medida Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006, tudo com
a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN.
Também observo que essa incidência do IPI:
a) não se caracteriza como bis in idem, dupla tributação ou bitributação, isto
porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro
proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e
a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 257
a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de
compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda
tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da
empresa brasileira importadora;
b) não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira
operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão
da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não
pode ser eleito pela lei nacional brasileira como contribuinte do IPI (os limites
da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional
brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para
ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como
contribuinte de direito (não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas
sobre o valor agregado.
Nessa linha, data vênia, considero equivocado o precedente fi rmado por esta
Primeira Turma no REsp n. 841.269-BA, Rel. Min. Francisco Falcão, in verbis:
Empresa importadora. Fato gerador do IPI. Desembaraço aduaneiro.
I - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre
alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço
aduaneiro ou na arrematação em leilão.
II - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço
aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de
sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação.
III - Recurso especial provido (REsp n. 841.269-BA, Primeira Turma, Rel. Min.
Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006).
No precedente criticado, considerou o Relator Min. Francisco Falcão
que a indicação constante da parte fi nal do inciso II do artigo 46 do CTN
(“saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51”) não
atingiria a hipótese descrita no inciso I, específi ca para o produto de procedência
estrangeira. Essa linha de pensar encontra guarida em notáveis doutrinadores,
tendo inclusive Aliomar Baleeiro (in BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário
brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 343) considerado que o art.
46, II, do CTN, cometeu “falha técnica” ao invocar o parágrafo único do art. 51
do mesmo diploma.
No entanto, não é possível superar a letra da lei invocando mera
impropriedade técnica e, como já o vimos, a linha de argumentação que impedia
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
258
a nova incidência para produtos provenientes do exterior somente fazia sentido
durante a vigência da Lei n. 4.502/1964, que vinculava a hipótese de incidência
ao local de produção do bem. Essa argumentação foi, portanto, superada pelo
advento do CTN e pela legislação posterior (art. 79, da Medida Provisória n.
2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006).
Quanto ao argumento da bitributação também utilizado naquele acórdão,
também já ressaltamos que não ocorre dada a duplicidade de fatos geradores.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao presente recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.409.527-RJ (2013/0288479-1)
Relator: Ministro Humberto Martins
Recorrente: Dilma Costa da Rocha Silva
Advogado: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Recorrido: Estado do Rio de Janeiro
Procurador: Camila Pezzino Balaniuc Dantas e outro(s)
EMENTA
Administrativo. Processual Civil. Direito à saúde. Tratamento
médico-hospitalar em rede particular. Pedido subsidiário na falta de
leito na rede pública. Garantia de efetividade da tutela judicial.
1. Não há violação ao art. 535 do CPC quando a prestação
jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida e a decisão está
sufi cientemente fundamentada.
2. O direito à saúde, como consectário da dignidade da pessoa
humana, deve perpassar todo o ordenamento jurídico pátrio, como
fonte e objetivo a ser alcançado através de políticas públicas capazes
de atender a todos, em suas necessidades básicas, cabendo, portanto,
ao Estado, oferecer os meios necessários para a sua garantia.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 259
3. Um vez reconhecido, pelas instâncias ordinárias, o direito a
tratamento médico-hospitalar na rede pública de saúde, o resultado
prático da decisão deve ser assegurado, nos termos do artigo 461, §
5º, do CPC, com a possibilidade de internação na rede particular de
saúde, subsidiariamente, na hipótese de lhe ser negada a assistência
por falta de vagas na rede hospitalar do SUS.
Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça
“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto
do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og
Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Eliana Calmon votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 8 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 18.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial
interposto por Dilma Costa da Rocha Silva, com fundamento no art. 105, III,
a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, cuja ementa guarda os seguintes termos (fl . 100, e-STJ):
Ação de Obrigação de Fazer. Pretensão deduzida pela autora para que o ERJ
a remova em UTI móvel para hospital público de grande porte, para a realização
de determinados procedimentos médico-hospitalares. Alternativamente, seja ela
transferida para hospital particular às expensas do poder público. Antecipação de
tutela então deferida e cumprida, com a internação da autora em hospital público
adequado. Sentença de procedência que se prestigia. Recurso em que insiste na
tese da internação em hospital particular. Desprovimento do recurso.
Rejeitados os embargos de declaração (fl s. 113-116, e-STJ).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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No presente recurso especial, a recorrente alega, preliminarmente, ofensa ao
art. 535, II, do CPC, porquanto, apesar da oposição dos embargos de declaração,
o Tribunal de origem não se pronunciou sobre pontos necessários ao deslinde da
controvérsia.
Aduz, no mérito, que o acórdão estadual contrariou as disposições contidas
no artigo 461, § 5º do CPC, uma vez que, “em se tratando de demanda de obrigação
de fazer, nada obsta que o Magistrado, diante da impossibilidade de deferimento
da tutela específi ca, que, no caso em tela, consiste na internação da Recorrente em
nosocômio da rede pública, possa tomar medidas que assegurem resultado prático
equivalente, na espécie, a internação em hospital da rede particular às expensas do
Erário.” (fl . 125, e-STJ)
Oferecidas contrarrazões ao recurso especial (fls. 140-146, e-STJ),
sobreveio o juízo de admissibilidade negativo na instância de origem (fl s. 163-
168, e-STJ), o que ensejou a interposição de agravo.
Apresentada contraminuta ao agravo (fl s. 187-196, e-STJ).
Este Relator houve por bem dar provimento ao agravo de instrumento
para determinar a conversão dos autos em recurso especial (fl s. 214-215,
e-STJ).
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):
DA VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC
Inicialmente, observo não haver a alegada violação do art. 535 do CPC,
pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se
depreende da análise do acórdão recorrido que manteve a sentença monocrática,
incorporando as razões de decidir como sua fundamentação.
Transcrevo os trechos pertinentes para melhor elucidar a questão, (fl s. 52,
e-STJ), verbis:
Verifico que o documento de fls. 11 demonstra a imprescindibilidade da
transferência da autora para Unidade de Terapia Intensiva - UTI de hospital.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 261
Sobre o tema devem ser observados os comentários de Paulo César Pinheiro
Carneiro, em parecer recursal, preferido na Apelação Cível n. 1.069/95, em que era
apelante o Município de Petrópolis.
(...) 3 - No caso em exame, a questão de direito à saúde está relacionada
com a garantia constitucional do direito à vida (artigo 5º, caput), eis que a
apelada possui doença em estado avançado, necessitando do medicamento
postulado para o fi m de manter-se com vida.
4 - Nesta linha, a esta altura, é absolutamente fantástica, até esotérica
a discussão sobre ser ou não programática, ser ou não aplicável a norma
do artigo 196 da Constituição Federal até que legislação própria venha
a regular os contornos e os limites da obrigação do Estado em garantir a
saúde (...)
O art. 196 da CRFB/1988 dispõe:
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O art. 269 da CERJ dispõe:
Art. 269 - A assistência farmacêutica faz parte da assistência social
global à saúde, as ações a ela correspondente devem ser integradas ao
sistema único de saúde, garantido-se o direito de toda população aos
medicamentos básicos que contém de lista padronizada dos que sejam
considerados essenciais.
Entendo incabível toda e qualquer discussão acerca da efi cácia das normas
acima referidas diante do parágrafo 1º, art. 5º, da CR, porque como trazem elas
direitos e garantias fundamentais, têm aplicação imediata, nos exatos termos do
art. 5º, parágrafo 1º, sendo, portanto, auto-aplicável o art. 196 da CR.
A Lei n. 8.080/1990, que regula o Sistema Único de Saúde, garante também o
direito à assistência médica e farmacêutica integral e determina a solidariedade
entre a União, os Estados e os Municípios.
Quanto ao pedido de manutenção e custeio do tratamento médico realizado
em instituição particular não assiste razão à autora, uma vez que o dever da
Administração Pública, nos termos do art. 196, da CF, é prestar assistência médica
em suas unidades, ou seja, em estabelecimento público (pertencente ao SUS) e não
efetivar pagamento por tratamento realizado fora de suas dependências.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Na verdade, a questão não foi decidida conforme objetivava a recorrente,
uma vez que foi aplicado entendimento diverso. É sabido que que o juiz não
fi ca obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se
aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus
argumentos, quando já encontrou motivo sufi ciente para fundamentar a decisão,
o que de fato ocorreu.
Ressalte-se, ainda, que cabe ao magistrado decidir a questão de acordo
com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência,
aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso
concreto.
Nessa linha de raciocínio, o disposto no art. 131 do Código de Processo Civil:
Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas
deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.
Em suma, nos termos de jurisprudência do STJ, “o magistrado não é obrigado
a responder todas as alegações das partes se já tiver encontrado motivo sufi ciente para
fundamentar a decisão, nem é obrigado a ater-se aos fundamentos por elas indicados”.
(REsp n. 684.311-RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
4.4.2006, DJ 18.4.2006, p. 191), como ocorreu na hipótese ora em apreço.
Nesse sentido, ainda, os precedentes: AgRg no AREsp n. 281.621-RJ, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 19.3.2013,
DJe 3.4.2013; AgRg nos EDcl no REsp n. 1.353.405-SP, Rel. Ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 2.4.2013, DJe 5.4.2013; AgRg no
REsp n. 1.296.089-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
julgado em 21.3.2013, DJe 3.4.2013.
DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 461, § 5º, DO CPC
Cinge a discussão, nesta instância, da possibilidade de assegurar,
subsidiariamente, o tratamento médico-hospitalar em rede particular de saúde,
na hipótese de não haver leitos disponíveis na rede pública.
Não é o caso de verifi car, aqui, se há ou não leitos disponíveis, o que
ensejaria o reexame de fatos e provas, mas saber se a medida judicial pleiteada/
deferida - tratamento médico - estará assegurada no caso de superlotação da
rede pública de saúde, o que ocorre com frequência, em muitos casos.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 26, (233): 147-264, janeiro/março 2014 263
A instância a quo, sobre o ponto, decidiu por afastar a possibilidade de
internação em rede particular, sob o argumento de que a assistência médica do
SUS é prestada por suas unidades, ou seja, na rede pública.
Contudo, ante a natureza do direito constitucional assegurado à autora,
qual seja, a dignidade de sua vida, deve perpassar todo o ordenamento jurídico
pátrio, como fonte e objetivo a ser alcançado através de políticas públicas
capazes de atender a todos, em suas necessidades básicas, como o direito à saúde.
A recorrente, na inicial, formulou pedido no sentido de receber assistência
médica-hospitalar na rede pública, e apenas na hipótese de lhe ser negada a
assistência, por falta de vagas, que lhe seja assegurado o tratamento na rede
particular de saúde.
O que é subsidiário não é o pedido, é a eventualidade dos fatos na execução
da sentença. O segundo pedido (internação na rede particular de saúde) não
foi deduzido para o caso de improcedência do primeiro (internação na rede
pública), mas de impossibilidade material de seu cumprimento, por ausência de
leitos – circunstância que não é absolutamente inverossímil, e que, aliás, motivou
o próprio ajuizamento do feito.
Cuida-se de um só pedido, que deve conter não só o prestígio da efetividade
da tutela judicial, mas também da segurança jurídica - preceito aplicável na
hipótese de frustração do primeiro pleito (por impossibilidade física), tudo no
espírito de assegurar o “resultado prático equivalente ao do adimplemento” (art.
461, caput, do CPC).
Outrossim, a própria Lei n. 8.080/1990, que rege o SUS, faz referência à
prestação suplementar na rede particular, em caso de carência de serviço na rede
pública de saúde.
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insufi cientes para garantir a
cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de
Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Os artigos 196 e 198 da CF/1988 asseguram a todos ações e serviços
gratuitos por partes dos entes federados aos que deles precisarem, na medida de
sua necessidade, como o direito à saúde, não obstante tenha a parte ou não plano
ou seguro-saúde.
Ademais, “a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante,
não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que
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depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente
ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando
esta é fruto das escolhas do administrador” (REsp n. 1.185.474-SC, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20.4.2010, DJe 29.4.2010).
Nesse sentido já se manifestou esta Corte Superior:
Processual Civil e Administrativo. Omissão. Não ocorrência. Internação
hospitalar por orientação médica em UTI. Dever do Estado.
(...).
2. Não viola legislação federal a decisão judicial que impõe ao Estado o dever de
garantir a internação em UTI conforme orientação médica e, inexistindo vaga na rede
pública, arcar com os custos da internação em hospital privado.
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 36.394-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 28.2.2012, DJe 12.4.2012.)
Processual Civil. Ação de obrigação de fazer. Internação em UTI na rede
privada. Óbito superveniente do autor. Possibilidade de habilitação dos herdeiros
para pleitear pagamento do tratamento pelo Estado. Violação do art. 535 do CPC.
Inocorrência. Violação do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.080/1990. Súmula n. 282-STF.
(...)
3. A saúde é direito assegurado a todos pela Constituição Federal de 1988,
cabendo ao Estado oferecer os meios necessários para a sua garantia.
4. Mostra-se legítima a pretensão dos herdeiros de conseguir a sua habilitação
no feito, a fi m de pleitear o pagamento do tratamento do falecido.
5. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte não provido.
(REsp n. 1.198.486-DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
19.8.2010, DJe 30.8.2010)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para assegurar o
tratamento médico-hospitalar da recorrente na rede privada de saúde,
subsidiariamente, na hipótese de não haver leitos disponíveis na rede pública do
SUS.
É como penso. É como voto.
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