revista multidisciplinar da faculdade municipal...
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REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA FACULDADE
MUNICIPAL DE PALHOA
VIAS REFLEXIVAS
N. 06, out. de 2015
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FICHA CATALOGRFICA
DIAGRAMAO
Luzinete Carpin Niedzieluk
PERIDICO DIGITAL
www.fmpsc.edu.br
ISSN 2176-641X
Rua Jos Pereira dos Santos, 305
Bairro: Ponte do Imaruim
CEP: 88130-475
http://www.fmpsc.edu.br/
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VIAS REFLEXIVAS
N. 06, out. 2015
DIRETORA EXECUTIVA DA FMP
Mariah Teresinha do Nascimento Pereira
DIRETORA ACADMICA
Degelane Crdova Duarte
DIRETOR ADMINISTRATIVO
Denis Liberato Delfino
CAPA
Joo Dias (Do)
EDITORA-CHEFE
Prof Dr Luzinete Carpin Niedzieluk
CONSELHO EDITORIAL
Fbio Pereira (Prof. Ms. FMP)
Juliane Di Paula Queiroz Odinino (Prof Dr FMP/UDESC)
Luzinete Carpin Niedzieluk (Prof Dr FMP/UDESC)
Rangel de Oliveira (Prof. Dr. FMP)
Rosana Silveira (Prof Dr FMP)
PARECERISTAS AD HOC para este nmero
Jair Joaquim Pereira (Prof. Ms. FMP/UNISUL)
Maria Fernanda Diogo (Prof Dr FMP)
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SUMRIO
n. 6 (2015) 05
APRESENTAO 07
Luzinete Carpin Niedzieluk
ARTIGOS
O Aluno Letrado na concepo das professoras cursistas do 09
Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa
(PNAIC) da Rede Municipal de Ensino de Palhoa (SC)
Jair Joaquim Pereira; Luzinete Carpin Niedzieluk
Alfabetizao, Letramento e Literatura Infantil 24
Adriane Forster; Luzinete Carpin Niedzieluk
Infncia Tempo de Brincar: o ldico e a brincadeira como 45
estratgia pedaggica
Pauline Francielle da Silva Lohn; Maria Fernanda Diogo
Contribuio do Patrimnio Cultural Material na Qualidade Visual 62
do Espao Turstico Urbano: anlise da percepo ambiental
do prdio da antiga Prefeitura Municipal de Palhoa
Giancarlo Philippi Zacchi; Alina Gonalves Santiago
Mapeamento dos egressos do curso de Administrao da 75
Faculdade Municipal de Palhoa
Dayana Pr Madruga; Fernanda de Matos Sanchez
Turismo no espao rural e as estratgias de desenvolvimento 90
no territrio, em Portugal e no Brasil
Marins C. Walkowski; Carlos Loch
tica das virtudes 108
Fernando Maurcio da Silva
Prticas Culturais e Consumos de Mdia: uma pesquisa realizada 123
com os professores das escolas de Curitiba/PR Horcio Dutra Mello; Silvio Arajo da Silva Oliveira
Realidadefico em Ns Que Aqui Estamos Por Vs Esperamos 139
Alexandra Filomena Espindola; Jair Joaquim Pereira
Os Fatores Motivacionais que Influenciam as Atividades 149
Profissionais: anlise de uma micro-empresa no municpio
de Palhoa
Eliane Veloso Fagundes; Rangel de Oliveira Medeiros
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Ensino-Aprendizagem na Educao a Distncia 163
EAD: um processo de mediao tecnolgica
Marcelo Jos Cavalcanti
Modalidades Organizativas de Planejamento no Pacto Nacional 176
pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC): projetos didticos
e sequncias didticas
Jair Joaquim Pereira; Alexandra Filomena Espindola
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APRESENTAO
A Revista Vias Reflexivas, atualmente, uma publicao eletrnica, com
periodicidade anual da Faculdade Municipal de Palhoa. Publica, em fluxo contnuo,
artigos, resenhas e entrevistas de reas diversas. O nmero 1 foi publicado em meio
impresso, em agosto de 2008 sob o ISSN 1983-5515 e, a partir do nmero 2, a
publicao do peridico passou a ser on-line, sob o ISSN 2176-641X, sendo que este
nmero foi publicado em agosto de 2009, o seguinte, o nmero 3 em junho de 2012 e o
prximo, o nmero 4 em agosto de 2013 e o nmero 5 em outubro de 2014.
Lembramos que os textos podem ser produzidos por pesquisadores/docentes da
FMP, assim como por professores (mestres e/ou doutores) juntamente com discentes e
por docentes (mestres e/ou doutores) de outras Instituies de ensino e/ou pesquisa,
visando a estreitar os laos entre a extenso, a pesquisa e o ensino. Estes textos so
avaliados anonimamente por dois pareceristas do Conselho Editorial. Apenas os
trabalhos aprovados pelos dois pareceristas sero encaminhados para publicao, desde
que as modificaes sugeridas, se houver, forem atendidas pelo(s) autor(es), alm de a
reviso ser de responsabilidade do autor ou autores dos textos. Assim, ao enviar o
material para publicao, o(s) autor(es) est(o) automaticamente concordando com as
diretrizes editoriais da Revista e, alm disso, cedendo os direitos autorais relativos aos
trabalhos publicados. Com muito satisfao, mais uma vez, conseguimos dar continuidade ao Projeto
de Extenso da FMP - Revista Vias Reflexivas e publicar o nmero 6 (seis) que traz
artigos que versam a respeito de temticas diversas e correntes tericas diversificadas,
como psicologia, administrao, pedagogia, anlise do discurso, turismo e outros mais.
Os trabalhos publicados pretendem contribuir para promover um dilogo construtivo
entre as reas. Este nmero conta com (12) doze artigos, como se pode observar a
seguir.
O artigo que abre a edio intitulado O Aluno Letrado na concepo das
professoras cursistas do Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC) da
Rede Municipal de Ensino de Palhoa (SC) escrito pelos professores Jair Joaquim
Pereira e Luzinete Carpin Niedzieluk apresenta os resultados de uma pesquisa que
analisou os diferentes discursos sobre a concepo de aluno letrado que circulam na
esfera escolar, em especial, entre os sujeitos professores que atuam em classes de
alfabetizao.
O segundo artigo das professoras Adriane Forster e Luzinete Carpin
Niedzieluk, intitulado Alfabetizao, Letramento e Literatura Infantil que trata de
temas relevantes, contemporneos e inesgotveis na educao em geral.
O terceiro artigo Infncia Tempo de Brincar: o ldico e a brincadeira como estratgia pedaggica da professora doutora Maria Fernanda Diogo e de Pauline
Francielle da Silva Lohn analisa o ldico como possibilidade de compreenso do mundo
e ampliao do processo de ensino-aprendizagem nas instituies de ensino. O quarto artigo Contribuio do Patrimnio Cultural Material na Qualidade Visual do Espao Turstico Urbano: anlise da percepo ambiental do prdio da antiga
Prefeitura Municipal de Palhoa de autoria do professor Giancarlo Philippi Zacchi e de
Alina Gonalves Santiago objetiva verificar a importncia que o patrimnio cultural
material exerce sobre a paisagem urbana a partir da percepo das pessoas.
O quinto artigo Mapeamento dos egressos do curso de Administrao da
Faculdade Municipal de Palhoa da professora Fernanda de Matos Sanchez e de
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Dayana Pr Madruga busca ressaltar as competncias adquiridas e aplicadas durante a
atuao profissional dos egressos da instituio.
O sexto Turismo no espao rural e as estratgias de desenvolvimento no
territrio, em Portugal e no Brasil da professora Marins C. Walkowski e de Carlos
Loch caracteriza o turismo no espao rural e ressalta o processo de gesto que visa o
desenvolvimento do territrio em Portugal e no Brasil.
O stimo tica das virtudes de Fernando Maurcio da Silva busca aproximar
Kant e o platonismo, discutindo a relevncia da tica das virtudes e sua possvel reedio.
O oitavo Prticas Culturais e Consumos de Mdia: uma pesquisa realizada
com os professores das escolas de Curitiba/PR dos professores Horcio Dutra Mello e
Silvio Arajo da Silva Oliveira, busca investigar as prticas culturais e os consumos de
mdias dos professores dentro e fora das salas de aula.
O nono Realidadefico em Ns Que Aqui Estamos Por Vs Esperamos dos
professores Alexandra Filomena Espindola e Jair Joaquim Pereira busca pensar o filme
de autoria de Marcelo Masago, a partir das imagens e de alguns dos letreiros
problematizando brevemente o gnero documentrio.
O dcimo Os fatores motivacionais que influenciam as atividades profissionais: anlise de uma micro-empresa no municpio de Palhoa de Eliane Veloso Fagundes e
de Rangel de Oliveira Medeiros buscou identificar os fatores motivacionais que
influenciavam as atividades profissionais segundo a percepo dos colaboradores da
micro-empresa.
O dcimo primeiro Ensino-Aprendizagem na Educao a Distncia EAD: um
processo de mediao tecnolgica do professor Marcelo Jos Cavalcanti analisa o
ensino a distncia como uma modalidade de ensino que desenvolve estreita relao com
o movimento tecnolgico do cenrio globalizado. O ltimo artigo Modalidades Organizativas de Planejamento no Pacto Nacional
pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC): projetos didticos e sequncias didticas
dos professores Jair Joaquim Pereira e de Alexandra Filomena Espindola apresenta um
estudo bibliogrfico dos cadernos de formao para professores, na tentativa de
entender se as limitaes apresentadas pelos professores da rede municipal de Palhoa,
na realizao das atividades de planejamento escolar inerentes ao PNAIC, tm origem
nos cadernos que sustentam terica e metodologicamente este programa de formao.
Profa. Dra. Luzinete Carpin Niedzieluk
Editora-chefe
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O ALUNO LETRADO NA CONCEPO DAS PROFESSORAS CURSISTAS
DO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAO NA IDADE CERTA
(PNAIC) DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PALHOA (SC)
Jair Joaquim Pereira (FMP/UNISUL)
jair_jpereira@hotmail.com
Luzinete Carpin Niedzieluk (FMP/UDESC)
luz_carpin@yahoo.com.br
RESUMO: Com base no referencial terico da Anlise de Discurso (AD) de matriz
francesa e a abordagem Scio-Histrica do Letramento de Tfouni (2010), este artigo
apresenta os resultados de uma pesquisa que analisou os diferentes discursos sobre a
concepo de aluno letrado que circulam na esfera escolar, em especial, entre os sujeitos
professores que atuam em classes de alfabetizao. Das dez questes que compuseram o
questionrio, pode-se dizer que a questo que deu origem ao corpus desta pesquisa foi a
seguinte: quando se pode dizer que o aluno letrado? Observou-se aps a anlise
discursiva dos recortes uma compreenso confusa das professoras em relao aos
processos de alfabetizao e letramento. Ora distinguem sujeito alfabetizado de sujeito
letrado. Ora tratam esses dois conceitos como sinnimos. Os indcios encontrados nos
recortes apontam para a necessidade de uma discusso aprofundada sobre os modelos
atuais de formao continuada para os professores alfabetizadores.
PALAVRAS-CHAVE: Professores; Formao Continuada; Anlise de Discurso.
INTRODUO
Para alcanar o objetivo deste texto que de analisar discursivamente as
diferentes abordagens sobre letramento que circulam na esfera escolar, em especial,
entre os sujeitos professores que atuam em classes de alfabetizao, utilizou-se
Anlise de Discurso (em diante AD) de matriz francesa e a Teoria Scio-Histrica do
Letramento proposta por Tfouni como amparo terico. Entende-se que essas teorias
permitem ao analista do discurso o estabelecimento de uma relao crtica com a
linguagem, desde seu funcionamento. Assim, inicialmente, sero apresentados, de
forma breve, os conceitos pertinentes a essas teorias, que daro suporte reflexo
acerca das proposies relativas ao letramento. Ressalta-se que os conceitos de discurso,
sentido, ideologia, texto, sujeito, formaes discursivas e formaes ideolgicas,
elementares da AD de linha francesa, so os que interessam, particularmente, a esta
pesquisa. Outros conceitos, muito provavelmente, sero mobilizados ao longo da
anlise.
mailto:jair_jpereira@hotmail.commailto:luz_carpin@yahoo.com.br
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J se adianta que de forma contrria Lingustica que se debrua sobre o estudo
da lngua como sistema de signos, a AD no trata especificamente da lngua, muitos
menos da gramtica, embora tambm tenha interesse por esses campos de
conhecimento, o foco da AD o discurso. [...]. A Anlise de Discurso considera que a
linguagem no transparente. Desse modo ela no procura atravessar o texto para
encontrar um sentido do outro lado. A questo que ela coloca : como este texto
significa?. (ORLANDI, 2003, p. 17).
Na constituio da AD, enquanto teoria encontram-se pressupostos de trs
campos tericos distintos: a Lingustica, o Marxismo, a Psicanlise. Assim, considera-se
a AD como uma disciplina de entremeio, uma vez que sua constituio se sustenta pela
contradio desses trs campos.
Desse modo, se a Anlise do Discurso herdeira das trs regies de
conhecimento Psicanlise, Lingustica, Marxismo no o de modo servil e trabalha uma noo de discurso que no se reduz ao objeto
da Lingustica, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e
tampouco ao que teoriza a teoriza a psicanlise. Interroga a Lingustica pela contradio que ela deixa de lado, questiona o
Materialismo pelo simblico e se demarca pela Psicanlise pelo modo
como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como
materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele. (ORLANDI, 2003, p. 20).
Pode-se dizer que este estudo origina-se a partir das dificuldades sugeridas pelas
manifestaes discursivas das professoras, cursistas do Pacto Nacional pela
Alfabetizao na Idade Certa (em diante PNAIC), na definio de aluno letrado.
O PNAIC um Programa de Formao Continuada para professores
alfabetizadores que est relacionado ao projeto que estende o Ensino Fundamental de
oito para nove anos, no Brasil. De acordo com o Ministrio de Educao, o PNAIC tem
por objetivo principal aprimorar a prtica de ensino de Lngua Portuguesa e de
Matemtica nas classes de que compem o ciclo de alfabetizao no Ensino
Fundamental.
Em relao s aes do PNAIC, podemos dizer que so diversas e se
desenvolvem a partir da seguinte estrutura que obedece a quatro eixos de atuao:
formao continuada de professores alfabetizadores; materiais didticos e pedaggicos;
avaliaes; gesto, controle social e mobilizao.
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1. ANLISE DE DISCURSO: algumas consideraes
Nada mais adequado se iniciar uma apresentao da AD pelo seu objeto: o
discurso. Nos dizeres de Orlandi (2003, p. 21), entende-se discurso como um efeito de
sentido entre os interlocutores. por meio do discurso que se pode compreender como
uma determinada materialidade discursiva produz sentidos. Pelo discurso, a AD pensa
de que forma os sentidos so mobilizados pelos sujeitos em seus dizeres.
a partir de uma multiplicidade de sentidos que se produz o discurso. Pode-se
inferir que a AD busca o sentido da linguagem, sem apagar as questes sociais. A
linguagem vista pela AD no como uma simples ferramenta de comunicao ou de
transferncia de informao. Nesse campo discursivo, diferentemente do entendimento
da Lingustica, a linguagem tambm serve para no comunicar. Ou seja, toma-se a
linguagem como um espao de contradies.
No se entende, na perspectiva terica da AD, o sujeito como indivduo. O
sujeito aqui entendido como uma posio que ocupa no discurso. Essa posio um
espao de representao social que atravessada pela disperso. Trata-se de uma
posio sujeito que se constitui pelos dizeres de outros. Dizeres esses que circulam ou
j circularam antes e em outro lugar. Dessa forma, o sujeito do discurso precisa retomar
o que j foi dito, para que seus dizeres faam sentido. um sujeito imerso num
processo que formula e faz circular sentidos. O sujeito de linguagem descentrado,
pois afetado pelo real da lngua e tambm pelo real da histria, no tendo o controle
sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo
funciona pelo inconsciente e pela ideologia. (ORLANDI, 2003, p. 20).
Para Pcheux (1990), o indivduo, no campo terico da AD, interpelado em
sujeito pela ideologia. Vale dizer que a concepo de ideologia na Anlise de Discurso
provm do trabalho de Althusser, acerca dos Aparelhos Ideolgicos do Estado. Para a
AD, a relao entre linguagem e ideologia necessria, porque na e por meio da
linguagem que a ideologia se manifesta. ainda a ideologia que cria um efeito de
identidade de sujeito completo. De acordo com Pcheux (1990), so dois esquecimentos
que criam esse efeito de completude: o sujeito acredita ser a origem de seus dizeres; e
acredita ainda que o seu dizer corresponde ao seu pensamento, apagando, com isso, a
incompletude da linguagem. De certo modo, segundo Orlandi (2001), a ideologia
representa o efeito de completude que se sustenta sobre o j-dito.
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2. ABORDAGEM SCIO-HISTRICA DE LETRAMENTO
A discusso acerca do conceito de letramento iniciou-se nas escolas a partir da
dcada de 1990, quando os alfabetizadores brasileiros tm acesso aos estudos norte-
americanos e ingleses a respeito dos usos sociais da leitura e da escrita. Pode-se dizer
que no Brasil, o conceito de letramento surgiu, mais especificamente, com o propsito
de responder a determinadas demandas que o conceito de alfabetizao no dava conta
j que se trata de um conceito muito restrito ao domnio do sistema de escrita alfabtica.
A necessidade de se comear a falar em letramento surgiu, creio eu, da
tomada de conscincia que se deu, principalmente entre os linguistas, de que havia alguma coisa alm de alfabetizao, que era mais ampla,
e at determinante desta. (TFOUNI, 2010, p. 32).
No Brasil, o surgimento do termo letramento trouxe dificuldades de
entendimento aos professores alfabetizadores na esfera escolar. Mesmo com inmeros
programas de formao continuada de iniciativa do governo federal, nos ltimos anos,
voltados s especificidades da alfabetizao e do letramento, muitos alfabetizadores
ainda sentem-se inseguros em relao a esses dois conceitos. Em especial, a definio
do termo letramento parece ser bastante complexa, uma vez que se trata de um conceito
muito amplo que envolve os usos da escrita nas mais diferentes esferas sociais. O
letramento um conceito que inclui a escola, mas no se restringe a ela, por isso, a
dificuldade em delimit-lo.
Essa dificuldade e impossibilidade devem-se ao fato de que o
letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funes sociais; o conceito de letramento
envolve, portanto, sutilezas e complexidades difceis de serem
contempladas em uma nica definio. (SOARES, 2010, p. 65-66).
Mesmo com toda a complexidade e amplitude j apontadas envolvendo o termo
letramento, vale ressaltar que possvel, por meio da abordagem scio-histrica de
Tfouni (2010), definir aproximaes e distines pontuais entre os conceitos de
alfabetizao e de letramento. Em nosso entendimento, a compreenso dos significados
do letramento passa pela compreenso do conceito de alfabetizao.
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O primeiro ponto a ser considerado que o conceito de letramento no equivale
ao conceito de alfabetizao, muito menos ao de ensino formal. Para Tfouni (2010), o
letramento deve ser compreendido como um processo scio-histrico, que extrapola o
espao da escola e o processo de alfabetizao. Refere-se, o letramento, a processos
sociais mais amplos. Diferentemente do letramento, a alfabetizao est bastante
restrita esfera escolar. Enquanto a alfabetizao ocupa-se da aquisio da escrita por
um indivduo, ou grupo de indivduos, o letramento focaliza os aspectos scio-histricos
da aquisio de um sistema escrito por uma sociedade. (TFOUNI, 2010, p. 20).
O segundo ponto a ser observado refere-se especificidade da alfabetizao: o
ensino e aprendizagem do sistema alfabtico da lngua. Entretanto, no contexto do
ensino atual, a alfabetizao no pode ser mais vista como limitada a essa face. Em
classes de alfabetizao, hoje, alfabetizar ainda implica ensinar o sistema alfabtico,
mas por meio das prticas sociais de uso da escrita. justamente nessa segunda face
que alfabetizao e letramento se interpenetram.
3. METODOLOGIA E CONSTITUIO DO CORPUS
Conforme se apontou de forma breve na introduo, este trabalho analisa
recortes do discurso de quatro professoras dos anos iniciais do ensino fundamental, na
rede pblica municipal de Palhoa (SC), cursistas do Pacto Nacional pela Alfabetizao
na Idade Certa (PNAIC). Essas professoras concluram a primeira etapa de formao do
PNAIC: alfabetizao e linguagem, em 2013.
O instrumento utilizado para a constituio do corpus foi um questionrio
composto de 10 questes abertas com o objetivo de colher informaes sobre a situao
funcional, formao acadmica, experincia docente, bem como dados a respeito das
concepes de alfabetizao e letramento das professoras participantes. Ao todo
participaram da pesquisa quatro professoras que lecionam na rede municipal de ensino
de Palhoa (SC). Das dez questes que compuseram o questionrio, pode-se dizer que a
questo que deu origem ao corpus desta pesquisa seguinte: quando se pode dizer que
um aluno letrado?
Para a resposta ao questionrio, organizou-se um encontro com durao
aproximadamente de duas horas, na Faculdade Municipal de Palhoa (FMP), em horrio
e local combinados com as professoras. Como a pesquisa tratava das contribuies do
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Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC) para a prtica pedaggica
das professoras, permitiu-se consulta aos inmeros cadernos de formao do PNAIC, na
rea de alfabetizao e linguagem, com o objetivo de facilitar o acesso das professoras
ao arquivo, conforme estabelece Pcheux (1997) e, dessa forma, fazer circular os
diversos sentidos que os textos desses cadernos de formao (PNAIC) podem mobilizar.
Aps a distribuio dos cadernos de formao, cada professora recebeu o questionrio
com as dez questes abertas a serem respondidas. Questes estas tratavam
especificamente de dois processos que foram discutidos exaustivamente ao longo do
ano de 2013: alfabetizao e letramento.
Levando em considerao a noo de recorte proposta por Orlandi (2006),
selecionaram-se algumas sequncias discursivas para a anlise dos dados. Vale observar
que a AD, em relao a outras teorias, supera a ideia de informao e se debrua sobre a
noo de texto. Para tanto, a AD promove deslocamentos importantes: do segmento
para o recorte e da frase para o texto. Orlandi (2006) define recorte como uma unidade
discursiva e ressalta que o analista a optar pela noo de recorte, aceita trabalhar com a
polissemia, em outras palavras, com a incompletude da linguagem. Logo, a
interpretao dos dados no automtica. Da mesma forma que os demais pressupostos
da AD, apesar de a noo de recorte no ser pr-determinada, possui um carter
metodolgico, cujo sentido ser alcanado pelas vias da teorizao. (ORLANDI, 1996).
4. RESULTADOS E DISCUSSO
Nos recortes abaixo sero apresentados os discursos de quatro professoras acerca
do seguinte questionamento: quando se pode dizer que o aluno letrado? E com o
objetivo de preservar a identidade das professoras que contriburam para este estudo,
estes sujeitos sero identificados pelas letras do alfabeto: A, B, C, D.
RECORTES: professora A
Letrado o aluno que responde a muitas demandas tanto do universo da escrita como o
da tecnologia. Inclusive muitos alunos j conseguem escrever pequenos textos no
computador. Tudo fica mais fcil, pois o computador tem muitos mais recursos que o
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aluno letrado j domina e isso facilita a escrita, pena que a escola utiliza pouco o
computador para escrever. (PROFESSORA A)
Iniciamos a nossa anlise a partir das pistas lingusticas assinaladas no primeiro
recorte, isto , Letrado o aluno que responde a muitas demandas tanto do universo
da escrita como o da tecnologia, pode-se perceber que para essa posio-sujeito,
letrado sinnimo do aluno que faz uso da escrita e da tecnologia para responder a
demandas das sociedades modernas. De certa forma, esse entendimento da professora
A aproxima-se da abordagem scio-histrica de letramento de Tfouni (2010) que
diferencia letrado de alfabetizado. Ou seja, o sujeito que aprende a ler e a escrever,
torna-se alfabetizado; mas o sujeito alfabetizado que se envolve nas prticas sociais de
leitura e de escrita, torna-se letrado.
A anlise de outo recorte tambm indica que a professora A relaciona a
condio de aluno letrado ao domnio dos recursos da tecnologia, em especial, ao
computador, pois segundo a mesma professora: Inclusive muitos alunos j conseguem
escrever pequenos textos no computador. Neste recorte destacado, h vestgios que
permitem inferir que a professora A possui uma perspectiva de letramento, chamada
por Tfouni (2010), de tecnolgica porque trata a escrita como um produto. Nessa
perspectiva, tem-se uma viso positiva dos usos da leitura e da escrita, relacionando-os
com o progresso da civilizao e desenvolvimento tecnolgico, ignorando, assim, as
origens sociais e culturais do letramento. Essa perspectiva tecnolgica de letramento, na
prtica pedaggica, de acordo com Tfouni (2010), est voltada para a
codificao/decodificao de textos escritos. Trata-se de uma concepo utilitria que se
fundamenta em um sujeito que precisa se adaptar s regras de uma sociedade cada vez
mais tecnolgica. Para a professora A, o aluno para ser considerado letrado precisa
responder s novas demandas de escrita, em especial, as tecnolgicas.
Retomando os dizeres da professora A, pode-se dizer que o recorte a seguir:
tudo fica mais fcil, pois o computador tem muitos mais recursos que o aluno letrado
j domina e isso facilita a escrita, pena que a escola utiliza pouco o computador para
escrever, traz tona outra modalidade de escrita muito utilizada nas sociedades
marcadas intensamente pelo desenvolvimento tecnolgico: a escrita virtual. Assim,
recorrendo escrita virtual, a professora A, refuta o processo de homogeneizao do
ensino caracterstico das prticas escolares fundamentadas na reproduo de modelos de
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escrita culturalmente valorizados. E ao negar ao aluno as diferentes manifestaes da
linguagem a escola tem igualado tudo. (ORLANDI, 1996, p. 91).
A anlise dos recortes acima destacados permite-nos afirmar que o discurso da
professora A traz as marcas de como a escrita se inscreve na sociedade atual em que
os sujeitos so submetidos s novas tecnologias. Essa relao de submisso acaba por
determinar o modo como o sujeito moderno se relaciona com a escrita. A professora
A ao relacionar a condio de aluno letrado capacidade de produzir textos no
computador ocupa uma posio-sujeito determinada por um momento scio-histrico
em que a escrita est por toda a parte, especialmente, com a presena diria da internet
na vida dos sujeitos. Ao ocupar tal posio, a professora A se inscreve em uma nova
forma de sociedade, onde a escrita elemento estruturante.
RECORTES: professora B
So aqueles alunos geralmente oriundos de famlias com condies financeiras um
pouco mais favorveis, com acesso a livros e a computador mesmo antes de chegarem
escola. Infelizmente na escola em que trabalho a maioria absoluta de meus alunos
completa os anos iniciais do ensino fundamental sem produzir textos. So alunos que
considero apenas alfabetizados, pois no conseguem produzir um texto simples que
solicito em sala de aula, apenas reproduzem os textos trabalhados no livro didtico. Se
fossem letrados escreveriam o que se cobra na escola. (PROFESSORA B)
O primeiro recorte: So aqueles alunos geralmente oriundos de famlias com
condies financeiras um pouco mais favorveis, com acesso a livros e a computador
mesmo antes de chegarem escola, remete-nos a uma concepo de letramento
consagrada historicamente que considera letrado o sujeito versado em letras; erudito. O
sentido atribudo palavra letrado, pela professora B, no se relaciona concepo
scio-histrica de Tfouni (2010), que considera letrado o sujeito capaz de fazer uso da
leitura e escrita nas diversas atividades sociais onde a escrita se faz presente.
Os fragmentos destacados sinalizam tambm que a professora B se insere em
uma formao discursiva que o permite acreditar que somente os alunos privilegiados
financeiramente chegam escola, letrados. Os demais alunos, de maneira geral, no
possuem condies de se tornarem letrados, pois o acesso a livros e ao computador
reduzido, e isso, impede que o aluno chegue letrado escola, conforme entendimento da
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professora B. Entretanto, de acordo com Tfouni (2010), as prticas sociais letradas
atravessam todos os sujeitos de uma sociedade, independente de classe social. A
abordagem scio-histrica de letramento, tal como proposta por Tfouni (2010), ainda
postula que estar inscrito em uma sociedade letrada condio principal para que o
sujeito ocupe uma posio de letrado, seja ele alfabetizado ou no. Encontramos ainda
em famlias com condies financeira um pouco mais favorveis, o trabalho da
ideologia naturalizando o sentido de que h um letramento padro, que todos deveriam
ter acesso, mas somente uma parcela privilegiada da populao pode o ter. A posio
ocupada pela professora B faz reproduzir a ideologia dominante.
Outro recorte do discurso da professora B que merece ateno o seguinte:
So alunos que considero apenas alfabetizados, pois no conseguem produzir um
texto simples que solicito em sala de aula. Considerando a abordagem discursiva de
letramento, ressalta-se que a discusso que interessa no saber se o sujeito
alfabetizado ou no, mas, preliminarmente, em que medida esse sujeito pode ocupar a
posio autor. Nessa concepo discursiva de letramento, aqueles alunos que ainda no
sabem ler e escrever, considerados analfabetos, podem ocupar a posio autor. Logo,
mesmo que no dominem o sistema de escrita alfabtico de nossa lngua, esses alunos
podem constituir-se como autores de seu prprio texto. Vale ressaltar ainda que o
posicionamento da professora B distancia-se da natureza histrico-social do
letramento, defendida por Tfouni (2010). Segundo esta autora, preciso que o
professor, na prtica pedaggica, considere no apenas as prticas de escrita, mas
tambm as prticas de oralidade.
Neste mesmo segmento discursivo referente professora B, So alunos que
considero apenas alfabetizados, pois no conseguem produzir um texto simples que
solicito em sala de aula tambm se pode perceber a manifestao do discurso
pedaggico escolar, atravessando a prtica pedaggica do sujeito-professor. O Discurso
Pedaggico Escolar, DPE, ensina, assim, aos alunos que escrever consiste em uma
tarefa que deve ser cumprida nas aulas de lngua portuguesa, atendendo a uma
determinao do professor que, por sua vez, cumpre determinaes preconizadas pelo
currculo escolar. O discurso pedaggico representa um discurso do poder
institucionalizado e legitimado pela escola, uma vez que o professor determina como
um texto deve ser escrito pelo aluno, em um processo que inibe a circulao de sentidos.
Com essa prtica, o aluno volta-se, comumente, parfrase para formular seus dizeres,
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afastando-se da polissemia, conforme o fragmento: apenas reproduzem os textos
trabalhados no livro didtico. [...] A parfrase est do lado da estabilizao. Ao passo
que, na polissemia, o que temos deslocamento, ruptura dos processos de significao.
Ela joga com o equvoco. (ORLANDI, 2003, p. 36).
Pelos recortes discursivos da professora B vislumbra-se a necessidade de
incorporao pelos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, mesmo aqueles
em formao continuada no PNAIC, de uma prtica pedaggica que permita ao aluno se
reconhecer como sujeito capaz de ocupar uma posio de autor. O autor , pois, o
sujeito que, tendo o domnio de certos mecanismos discursivos, representa, pela
linguagem, esse papel, na ordem social em que est inserido. (ORLANDI, 1996, p.
79). Tanto a AD quanto a abordagem discursiva do letramento consideram que para a
produo de textos caracterizados pela autoria necessrio que o aluno ocupe a posio
autor. Nas condies de produo pouco favorveis em que se d a prtica pedaggica
de produo escrita, o processo de construo de autoria raramente se instaura, visto que
o prprio professor no estabelece gesto de interpretao capaz de superar o que est
prescrito. Por conseguinte, as atividades relacionadas produo de textos acabam por
constiturem-se em espaos onde a criao d lugar ao trabalho de reproduo e
sustentao dos sentidos legitimados, segundo Pcheux (1997).
RECORTES: professora C
No percebo muita diferena entre ser alfabetizao e letramento. Aluno letrado para
mim j domina a gramtica e a ortografia. Os alunos apenas alfabetizados no tem esse
domnio, cometem muitos erros e isso enfraquece o texto. (PROFESSORA C)
Como se pode observar, no primeiro recorte destacado, no percebo muita diferena
entre ser alfabetizado e letrado, o discurso da professora C, mesmo aps dois anos
de formao continuada no PNAIC, traz indcios de que o seu entendimento de acerca
dos conceitos de alfabetizao e letramento distante da abordagem discursiva de
letramento de Tfouni (2010). De acordo com o enfoque desta autora, o letramento um
processo mais amplo que a alfabetizao, pois, enquanto esta se refere ao ensino e
aprendizagem do sistema de escrita alfabtica, aquele focaliza o uso da leitura e da
escrita, pelo sujeito, em diferentes contextos sociais. Possivelmente, essa dificuldade
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apontada nos dizeres da professora C, em diferenciar alfabetizao de letramento, traz
implicaes sobre o seu entendimento acerca de aluno letrado.
Dando prosseguimento, apresenta-se mais um recorte oriundo do depoimento
escrito da professora C, aluno letrado para mim j domina a gramtica e a
ortografia. Muito provavelmente esse posicionamento que valoriza o ensino
gramatical, assim como o ensino da ortografia, nas classes de alfabetizao, est
intrinsecamente relacionado compreenso de letramento como sinnimo de
alfabetizao. Por conta dessa compreenso equivocada de letramento, muitos
professores reconhecem que o domnio das regras gramaticais uma condio
fundamental para que os alunos possam produzir textos. Dessa forma, nas aulas onde
deveriam ser desenvolvidas estratgias para a produo textual, consistem, na verdade,
em aulas para estudo da gramtica. Entre outras palavras, a competncia do aluno
produtor de textos est relacionada de forma intrnseca ao suposto entendimento das
regras ortogrficas e gramaticais. H vestgios em seu discurso de que a professora C,
pela posio de sujeito que ocupa, no reconhece os saberes discursivos dos seus
alunos.
Pode-se verificar nos segmentos lingusticos da professora C que o
desconhecimento gramatical e o ortogrfico funcionam como uma fonte de
discriminao, uma vez que, o aluno quando no escreve obedecendo s normas e
regras preestabelecidas, considerado apenas alfabetizado. Ou seja, a professora C
diferencia aluno alfabetizado de letrado, considerando o nvel de conhecimento
ortogrfico e gramatical que o aluno demonstra para produzir textos solicitados na
escola. Observamos que os dizeres da professora C relacionam-se apenas aos
conhecimentos gramaticais e ortogrficos. Encontram-se, tambm, pistas nesses dizeres
de um sujeito-professor que ocupa uma posio de reprodutor do discurso pedaggico
escolar. Entretanto, de acordo com a abordagem discursiva do letramento, preciso que
os professores superem essa obsesso pelo ensino da gramtica e da ortografia, desde as
classes de alfabetizao. Para tanto, a prtica pedaggica do professor deve priorizar o
funcionamento e o acontecimento da lngua, em detrimento do estudo da lngua como
instrumento. Nos estudos discursivos, no se separam forma e contedo e procura-se
compreender a lngua no s como uma estrutura, mas, sobretudo, como acontecimento
[...].. (ORLANDI, 2003, p. 19).
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RECORTES: professora D
Penso que o aluno que no consegue ler e escrever iletrado. Infelizmente, as
crianas que esto chegando ao ensino fundamental no conhecem a escrita. Fica muito
difcil, porque voc primeiro torna o aluno alfabetizado, e depois letrado. Atualmente,
abandonei um pouco aqueles mtodos tradicionais, estou seguindo uma apostila do
construtivismo, que trabalha letramento. Essa apostila ajuda muito na leitura, porque os
livros de literatura so complicados. (PROFESSORA D)
Prosseguindo com nossa discusso, passaremos a anlise de alguns recortes do
depoimento escrito da professora D acerca do aluno letrado. Inicialmente, vale dizer
que de acordo a concepo scio-histrica de letramento a qual nos filiamos, deve-se
evitar o uso do termo iletrado para determinar os alunos que no sabem ler e escrever. O
termo mais apropriado, segundo Tfouni (2010) no-alfetizado, uma vez que as prticas
sociais de escrita marcam todos os sujeitos. Mesmo aqueles sujeitos que no sabem ler e
escrever, no podem ser chamados de iletrados, porque apresentam um conhecimento
acerca da escrita: o letramento.
Em relao ao recorte Fica muito difcil, porque voc primeiro torna o aluno
alfabetizado, e depois letrado, percebemos indcios que nos permitem pensar que os
processos de letramento e de alfabetizao no esto esclarecidos na posio discursiva
assumida pela professora D. Ela acredita que o processo de letramento s se inicia
aps o de alfabetizao, ou seja, para se tornar letrado, primeiramente, necessrio o
domnio do cdigo alfabtico. J a abordagem discursiva do letramento a qual nos
filiamos diz justamente o contrrio do posicionamento da professora D: o sujeito
inicia o seu processo de letramento, antes mesmo de chegar classe de alfabetizao.
Outro recorte que merece ateno Atualmente, abandonei um pouco aqueles
mtodos tradicionais porque no ajudam na formao do aluno letrado, estou seguindo
uma apostila do construtivismo. Nesta posio discursiva, a professora D assume
que os mtodos tradicionais de alfabetizao so inadequados e, ao mesmo tempo,
sinaliza que uma apostila nos moldes do construtivismo pode ser mais eficaz formao
do aluno letrado. No mesmo recorte, a expresso significante abandonei um pouco
pode indicar que a referida professora utiliza simultaneamente os mtodos tradicionais
de alfabetizao e a metodologia construtivista na sua prtica alfabetizadora. Contudo,
nosso principal questionamento s metodologias de alfabetizao citadas pela
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professora D com relao ao entendimento de texto. Tais metodologias
desconsideram que o texto se constitui por uma textura complexa. Tratam o texto como
uma unidade fechada sem relaes com outros textos. Convm ressaltar, contudo, que
nosso entendimento acerca de texto filia-se abordagem discursiva de Orlandi (1996,
2003), e conforme o enfoque desta autora, [...] o texto definido pragmaticamente com
a unidade complexa de significao, consideradas as condies de sua produo. O
texto se constitui, portanto, no processo de interao. (ORLANDI, 1996, p. 21).
Assim, desde as classes de alfabetizao, o professor precisa ensinar ao aluno a
finalidade interacional do texto. Essa concepo de produo textual escrita exige que o
professor proponha aos alunos que escrevam textos com finalidades sociais definidas,
isto , os alunos precisam saber por que esto escrevendo aquele texto, para quem, com
que finalidade.
Ainda sobre a abordagem discursiva do letramento, de acordo Tfouni (2010), o
professor deve alfabetizar o aluno, de modo a torn-lo letrado. Da a importncia de o
professor entender a sala de aula como um espao que permita tanto o domnio das
capacidades intrnsecas alfabetizao, quanto o domnio dos conhecimentos
envolvidos nos diversos usos sociais em que a escrita se faz presente. preciso manter
em sala de aula um equilbrio entre ambos os domnios, entretanto, a manuteno desse
equilbrio tem se configurado no grande desafio para o professor que leciona em classes
de alfabetizao. Esse equilbrio, em outras palavras, a proposta de alfabetizar
letrando, ou seja, [...] ensinar a ler e a escrever nos contextos das prticas sociais da
leitura e da escrita, de modo que, o indivduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado
e letrado. (SOARES, 2010, p. 47).
Em complementao ao que expusemos acima, podemos dizer que a professora
D deixa pistas de que desenvolve uma prtica relacionada leitura que pouco
colabora na constituio do aluno como sujeito-leitor. Tal prtica sugerida colabora para
a fixao do aluno em uma posio de intrprete. Portanto, enquanto intrprete, o leitor
apenas reproduz o que est l produzido. (ORLANDI, 1996, p. 116). J o sujeito-leitor,
em seus gestos de interpretao, considera no texto: as condies de produo; as
filiaes histricas; as formaes ideolgicas; os aspectos materiais da lngua que
permitem o funcionamento discursivo; e outras formulaes to necessrias
compreenso.
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CONSIDERAES FINAIS
Nossas anlises mostraram os diferentes enfoques acerca do termo letrado que
atualmente circulam no espao escolar, entre as professoras cursistas do PNAIC, em
Palhoa. interessante ressaltar que as quatro professoras, participantes da
pesquisa, so formadas em Pedagogia e com uma carga horria considervel em
formao continuada. Mesmo assim, deixaram pistas, em seu discurso, que so
incapazes para apontar diferenas entre os processos de alfabetizao e letramento. No
entanto, conforme Tfouni (2010), alfabetizao e letramento so dois processos
distintos, enquanto aquela se refere ao domnio do cdigo escrito, esse se volta aos
aspectos scio-histricos intrnsecos aquisio da escrita. Ou seja, pode-se dizer que o
letramento um processo mais amplo do que alfabetizao. H indcios no discurso das
quatro professoras, sugerindo uma inconsistncia terica importante, capaz de interferir
negativamente na prtica pedaggica empreendida por essas docentes em sala de aula.
Ora consideraram alfabetizao e letramento sinnimos, ora apontaram diferenas
importantes entre ambos, ora confundiram aluno letrado com alfabetizado.
Os pressupostos tericos que subsidiam o PNAIC sinalizam para a necessidade
da prtica do professor alfabetizador est alinhada a um referencial terico. Tratando-se
das professoras colaboradoras nesta pesquisa, observa-se uma limitao terica
considervel. Insistimos, retomando Tfouni (2010), que diferenciar sujeito letrado de
alfabetizado de suma importncia, pois so dois conceitos distintos e da sua
compreenso dependero os resultados em sala de aula. Essa incerteza terica sugerida
no discurso das quatro professoras contribui para a identificao do sujeito-professor
com formaes discursivas nas quais predominam o discurso pedaggico tradicional
que se fundamenta pelo apego a mtodos tradicionais de alfabetizao e a programas de
ensino rgidos respaldados pelo sistema de ensino. Em decorrncia disso, as concepes
e as propostas metodolgicas oferecidas no livro didtico, portanto, so recebidas como
inquestionveis pelo professor. Assim, para ns, tanto os cursos de formao inicial
quanto os de formao continuada deveriam constituir-se em espaos discursivos, nos
quais houvesse possibilidades para o prprio professor deslocar-se da posio de sujeito
submisso aos discursos ditatoriais do livro didtico. Contudo, acreditamos que uma
prtica pedaggica fundamentada na AD e na abordagem scio-histrica do letramento
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pode conduzir o professor a ocupar posies discursivas que lhe possibilitem reflexes
sobre as bases terico-metodolgicas de sua prtica alfabetizadora, enriquecendo, assim,
os seus prprios fazeres pedaggicos.
Para finalizar, ressaltamos que nos ltimos anos o governo federal, por
intermdio do Ministrio da Educao, vem investindo seguidamente em programas de
formao continuada para docentes que atuam em classes de alfabetizao. Entretanto, a
inconsistncia terica sugerida no discurso das professoras cursistas do PNAIC, revela
fragilidades desses programas de formao continuada e, ao mesmo tempo, aponta para
a necessidade uma discusso terica aprofundada sobre os modelos atuais de formao
continuada para esses professores.
LITERATE STUDENTS FROM THE PERSPECTIVE OF TEACHERS' LITERACY
WHO ATTEND THE PLANO NACIONAL... (PNAIC) IN THE MUNICIPAL
EDUCATION SYSTEM OF PALHOCA.
ABSTRACT: Based on French Discourse Analysis (DA) and the Socio-historical
Approach to Literacy (TFOUDI, 2010), this article aims to present results of a study which analyzed different opinions of literate students which are common in the context of schools,
especially among teachers of literacy. The questionnaire was composed of ten questions, and we
could say that the corpus of this research began with the following question, When should we
consider the students are literate? After discursive analysis it was observed that teachers tend to misunderstand the alphabetization and literacy processes. They sometimes distinguish
alphabetized people from literate people; or they deal with these concepts as being synonyms.
The analysis indicate that further discussion of the mainly methods of teacher training courses for teacher literacy should necessarily be done.
KEY-WORDS: Teachers; Teacher training course; Discourse Analysis.
REFERNCIAS
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BRASIL. Secretaria de Educao Bsica. Diretoria de Apoio Gesto Educacional.
Pacto nacional pela alfabetizao na idade certa: formao de professores no pacto
nacional pela alfabetizao na idade certa / Ministrio da Educao, Secretaria de
Educao Bsica, Diretoria de Apoio Gesto Educacional. Braslia: MEC, SEB,
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ALFABETIZAO, LETRAMENTO E LITERATURA INFANTIL
FORSTER, Adriane (FMP)
prof.adrianeforster@gmail.com
NIEDZIELUK, Luzinete Carpin (FMP)
luz_carpin@yahoo.com.br
RESUMO: O presente artigo busca compreender a relao e a importncia da literatura infantil com o processo de alfabetizao e letramento. Estudaram-se os processos de
alfabetizao e letramento, suas transformaes no decorrer da histria da educao, assim
como a histria e as transformaes da literatura infantil e seus aspectos pedaggicos. Portanto, a metodologia deste artigo de reviso bibliogrfica. Como resultados percebe-se que a
sociedade atual exige um novo sujeito leitor, um indivduo que participe ativamente e
efetivamente das atividades que envolvem leitura e escrita. Por este motivo, papel da escola
estar preparada para receber esse aluno e dar condies para que ele desenvolva as habilidades de leitura e escrita dentro desses conceitos. A literatura infantil deve ser utilizada como
ferramenta didtico-pedaggica para participar desse processo que estimula a imaginao, a
criatividade e a contextualizao dos textos escritos.
PALAVRAS-CHAVE: Alfabetizao; Letramento; Literatura Infantil.
1 CONSIDERAES INICIAIS
A alfabetizao um tema que gera grandes discusses. Com a chegada de um
novo sculo, as exigncias a partir do termo alfabetizao se ampliaram e a sociedade
exige do cidado uma alfabetizao num sentido amplo, ou seja, que o cidado seja
capaz de usar a escrita e a leitura no meio social e se valer por meio dela. No dia-a-dia
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nos deparamos com diversos tipos de textos, com funes diferenciadas e temos que
saber como interpret-los. Assim h necessidade de um novo tipo de leitor/escritor que
deve estar atualizado s transformaes ocorridas no meio social.
A partir dessa nova exigncia, o termo letramento entrou em cena com foco em
um leitor fluente, que saiba diferenciar a leitura de um texto, um poema, uma receita,
uma bula de medicamento, uma instruo de um caixa de autoatendimento, uma funo
de um telefone celular [...]. A sociedade exige um indivduo que domine as mais
variadas formas de leitura e escrita. Junto com o termo letramento, surge tambm o
termo analfabetismo funcional, onde, no basta ao leitor dominar o cdigo alfabtico,
preciso que domine e opere as mais variadas formas de leitura e escrita que compe o
meio social em que ele vive. para esse novo tipo de leitor/escritor que a escola deve
estar preparada. A partir dos estudos de Soares (2012), conceituaremos os termos
alfabetizao e letramento e suas funes.
Cabe escola, proporcionar situaes de aprendizado que aproximem os alunos
dos textos e que crie um ambiente propcio para aprendizagem da leitura a da escrita.
Alm disso, tambm funo da escola preparar o aluno para usar a leitura e a escrita
em suas formas variadas no ambiente social. A partir desses questionamentos e por
meio do estudo de Coelho (2000) e de outros tericos, trataremos do tema literatura
infantil.
Tambm recorremos aos estudos de Barbosa (2013) para questes referentes
leitura e escrita e ao uso da literatura no processo de alfabetizao, bem como a
mediao do professor sero discutidos. Neste sentido, torna-se importante estudar e
investigar sobre o tema proposto e porque preciso que se pense sobre a prtica
pedaggica que vem sendo aplicada, fazendo da instituio escolar um lugar que no
foque apenas no domnio do cdigo alfabtico de maneira mecnica, mas sim que a
aprendizagem da leitura e da escrita se d de forma significativa e efetiva.
2 ALFABETIZAO
De incio, pode-se definir alfabetizao como o processo de aquisio da
habilidade que envolve leitura e escrita, voltada para o domnio do cdigo alfabtico.
No processo de alfabetizao o indivduo, que pode ser criana ou adulto, aprende a
habilidade de dominar o sistema alfabtico, ou seja, conhecer as letras e os sons que
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representam, constituir e ler palavras, frases ou at mesmo textos. Nessa perspectiva
Soares,
[...] alfabetizar significa adquirir a habilidade de codificar a lngua
oral em lngua escrita (escrever) e de decodificar a lngua escrita em oral (ler). A alfabetizao seria um processo de representao de
fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler).
(SOARES, 2013, p. 15-16).
O processo de alfabetizao, ou seja, a habilidade de ler e escrever palavras,
frases ou textos, ocorre principalmente no ambiente escolar. Pois, mesmo que o
indivduo tenha contato com a linguagem escrita fora da escola (e na maioria dos casos
tem), na escola que atividades efetivas de alfabetizao so praticadas, ou seja,
exerccios que envolvem a escrita e o reconhecimento de letras e sons. Poucas famlias
iniciam o processo de alfabetizao em casa, por isso diz-se que ele ocorre
preferencialmente no ambiente escolar, que pode ser a Educao Infantil ou o Ensino
Fundamental. Porm, apesar de concretizarem-se na escola, as habilidades de ler e
escrever, so usadas tambm, e at muito mais, fora deste ambiente. para promover-se
no meio social que a leitura e a escrita so utilizadas pelo indivduo, e a forma com que
ele se apropria da alfabetizao pode inclu-lo ou exclu-lo da sociedade.
Segundo Soares (2012, p. 31), [...] alfabetizao a ao de alfabetizar, de
tornar alfabeto. Alfabetizar tornar o indivduo capaz de ler e escrever. Portanto por
esse modo, fica evidente a definio de alfabetizao como um processo ligado ao
domnio do sistema alfabtico.
Porm, ainda segundo Soares (2013, p.16), [...] a alfabetizao um processo
de representao de fonemas e grafemas, e vice-versa, mas tambm um processo de
compreenso/expresso de significados por meio do cdigo escrito. Nesse sentido, a
partir da segunda metade dos anos 80, passou-se a questionar os fundamentos e a
eficincia do processo de alfabetizao, que deveria levar os alunos a uma
aprendizagem significativa, com funes especficas para o uso social e no apenas para
uma traduo do escrito para o oral ou vice-versa. Nessa poca, as cartilhas e os
mtodos tradicionais de alfabetizao foram muito questionados e ditos insuficientes
para as exigncias sociais que englobam leitura e escrita.
A realidade passou a exigir uma alfabetizao que engloba a diversidade de
situaes sociais impostas pelo mundo letrado. Como passamos a viver em uma
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sociedade que se tornou grafocntrica, o conceito de alfabetizado foi reduzido quele
que conseguia ler as letras do alfabeto e um novo termo surgiu para designar as pessoas
que tendo sido alfabetizadas, no conseguem se valer no universo da comunicao
escrita, os analfabetos funcionais. A partir das novas exigncias sobre a leitura, a
escrita, seu uso e funo no meio social, o termo letramento entrou em discusso.
3 LETRAMENTO
Os questionamentos sobre o processo de alfabetizao, na perspectiva de que a
alfabetizao no deve ser entendida apenas como aquisio de um domnio, fez surgir
o tema letramento. Para Castanheira, Maciel e Martins (2009), a alfabetizao no pode
ser compreendida somente como a aquisio de uma tecnologia. A ao de ensinar a ler
e a escrever, possibilita mais que apenas o simples domnio de uma tecnologia,
proporciona condies para a insero do indivduo em prticas sociais do consumo e
produo de conhecimento em diferentes instncias sociais e polticas.
O termo letramento comea a aparecer no vocabulrio da Educao e das
Cincias Lingusticas na segunda metade dos anos 80, no discurso de especialistas
dessas reas, e desde ento, tornou-se frequente na fala e escrita de especialistas e
estudiosos da rea (SOARES, 2012).
De acordo com Costa Val (2006, p. 19):
O termo letramento foi criado, portanto, quando se passou a entender,
que nas sociedades contemporneas insuficiente o mero aprendizado
das primeiras letras, e que se integrar socialmente hoje, envolve tambm saber utilizar a lngua escrita nas situaes em que esta
necessria, lendo e produzindo textos. Essa nova palavra veio para
designar essa nova dimenso da entrada no mundo da escrita, a qual
se constitui um conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades, necessrio para usar a lngua em prticas sociais.
Ainda que um indivduo no seja considerado alfabetizado, j pode ser inserido
em processo de letramento, pois ele j faz leitura inicial de rtulos, imagens, gestos,
emoes. Desta forma, o contato do indivduo com o letramento acontece antes do
contato do indivduo com as letras.
O letramento pode ser definido como a prtica de insero do indivduo na
cultura escrita (SOARES, 2012). Com o avano da comunicao escrita, da tecnologia e
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o surgimento de uma sociedade intensamente marcada pela presena da escrita, a
utilizao das habilidades de leitura e escrita tornaram-se questo de sobrevivncia.
A escrita foi tornando-se um meio de acesso (ou obstculo) para o indivduo
participar efetivamente da sociedade em que vive. Atualmente, a escrita tem variados
usos e utilidades e est presente na maior parte das atividades de nosso dia-a-dia.
Utilizamos a escrita para realizar muitas de nossas tarefas.
Segundo Barbosa:
A escrita social, com caracteres e funes diferentes, propicia leituras
diversificadas. No se l da mesma maneira um folheto de divulgao,
uma receita culinria ou um livro de literatura. Lanamos mo de estratgias de leitura diferentes para apreender as informaes
contidas nos diferentes textos, e o nosso interesse nas informaes e o
objetivo desejado vai determinar o tipo de leitura a ser feito. Esta flexibilidade de ateno s vrias formas de ler para apreender o
sentido dos textos, fundamental para o homem e sua adaptao ao
mundo moderno. atravs do letramento que o indivduo capaz de fazer uso social da competncia alfabtica, de diferentes materiais
escritos, compreend-los, interpret-los, extrair deles informaes e
guiar-se atravs da leitura e escrita. (2013, p. 143).
Diferente do processo de alfabetizao, que acontece geralmente na escola, o
letramento um fenmeno mais amplo, como j mencionamos anteriormente, ele
envolve diferentes situaes sociais e, no se limita apenas escola. Um indivduo que
no domina o sistema alfabtico pode ser considerado letrado, pois, consegue fazer uso
social da escrita em determinada situao como, por exemplo, reconhecer um produto
por meio da leitura da embalagem ou ler uma placa para identificar o nibus que
precisa embarcar. Da mesma forma, pode-se dizer que, um indivduo que aprendeu a
codificar e decodificar sons e letras, ou seja, foi alfabetizado, no pode ser considerado
letrado se, no consegue compreender um texto longo, guiar-se pela escrita em um caixa
eletrnico de autoatendimento ou enviar uma mensagem de texto em um telefone
celular. De acordo com esses exemplos, no letramento, os indivduos conseguem
realizar algumas prticas sociais por meio da linguagem, mesmo sem saber ler ou
escrever. Embora esteja intimamente ligado escrita, o letramento um processo mais
amplo que a alfabetizao, pois, envolve indivduos que ainda no dominam
completamente a escrita. Ainda sobre isto, Costa Val (2006, p. 19) assevera:
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possvel encontrar pessoas que passaram pela escola, aprenderam
tcnicas de decifrao do cdigo escrito e so capazes de ler palavras
e textos simples, curtos, mas que no so capazes de se valerem da lngua escrita em situaes sociais que requeiram habilidades mais
complexas. Essas pessoas so alfabetizadas, mas no so letradas.
Essa condio, embora frequente dentro da prpria escola, particularmente dolorosa e indesejvel, porque acarreta dificuldades
para o aprendizado dos diferentes contedos curriculares, ou mesmo
inviabiliza esse aprendizado.
Enquanto a alfabetizao um processo voltado para o domnio do cdigo
alfabtico, o letramento segundo Soares (2012), o estado ou condio que assume
aquele que aprende a ler e escrever e consegue fazer uso dessa habilidade no meio
social no qual est inserido. Embora sejam processos distintos, alfabetizao e
letramento no devem aparecer isoladamente no decorrer do desenvolvimento dessas
habilidades. Assim,
[...] dissociar alfabetizao de letramento um equvoco porque, no quadro das atuais concepes psicolgicas, lingusticas e
psicolingusticas de leitura e escrita, a entrada da criana (e tambm
do adulto analfabeto) no mundo da escrita se d simultaneamente por esses dois processos: pela aquisio do sistema convencional de
escrita a alfabetizao, e pelo desenvolvimento de habilidades de
uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas prticas
sociais que envolvem a lngua escrita o letramento. No so processos independentes, mas interdependentes, e indissociveis: a
alfabetizao se desenvolve no contexto de e por meio de prticas
sociais de leitura e de escrita, isto , atravs de atividades de letramento, e este, por sua vez, s pode desenvolver-se no contexto da
e por meio da aprendizagem das relaes fonema/grafema, isto , em
dependncia da alfabetizao. SOARES, (2003 apud Batista, 2006, p.
13).
Nessa perspectiva, alfabetizao e letramento so reconhecidos como processos
distintos, porm indissociveis, ou seja, cada um com sua especificidade, porm
fundamentais no processo de aquisio das habilidades que envolvem leitura e escrita.
3.1 ALFABETIZAO E LETRAMENTO: processos indissociveis
O processo de aquisio da leitura e escrita um processo amplo e complexo,
que envolve tanto o domnio do sistema alfabtico como a compreenso e o uso da
leitura e da escrita no cotidiano em atividades sociais variadas. Alfabetizao e
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letramento so fenmenos diferentes, porm, complementares. Assim, a alfabetizao
deve ser promovida na perspectiva do letramento, ou seja, deve-se alfabetizar letrando.
Segundo Soares (apud Castanheira, Maciel e Martins, 2009, p. 92) o exerccio efetivo e
competente da tecnologia da escrita:
[...] implica habilidades vrias, tais como: capacidade de ler ou
escrever para atingir diferentes objetivos para informar ou informar-
se, para interagir com os outros, para imergir no imaginrio, no
esttico, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio memria, para catarse...:
habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos e gneros de
textos; habilidades de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lanar mo desses protocolos, ao escrever:
atitudes de insero efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e
informaes e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstncias, os objetivos, o interlocutor
[...].
Desta forma, as prticas de sala de aula devem promover a alfabetizao na
perspectiva do letramento, considerando os mltiplos usos e funes da leitura e escrita
no meio social. Parafraseando as autoras (2009) no se trata de escolher entre alfabetizar
ou letrar, trata-se de alfabetizar letrando, isto , ao se orientar o trabalho didtico-
pedaggico para o letramento, no se deve deixar de lado o trabalho especfico com o
sistema alfabtico e a construo da leitura e escrita. Ou ainda, ensinar o domnio do
cdigo alfabtico/ortogrfico visando alfabetizao e esquecer o trabalho voltado para
o letramento. Alfabetizar letrando, de maneira adequada, produtiva e significativa,
implica desenvolver atividades que contemplem de forma articulada e simultnea a
alfabetizao e o letramento.
A escrita faz parte da vida do indivduo, e ele, reconhece sua importncia. Desta
forma, atividades que envolvam diferentes situaes de leitura e escrita so bem vindas
para o ciclo de alfabetizao. Os diferentes gneros textuais so timos aliados para o
trabalho efetivo de alfabetizao em sala de aula. Neste sentido, Rojo (2006, p. 28)
afirma que:
[...] a alfabetizao deve, alm de trabalhar com o conhecimento do
alfabeto, faz-los sobre textos em gneros de circulao social
concreta, as quais so importantes para a prtica social ativa e cidad dos alunos, desde guiar-se por receitas e rtulos nas prticas
cotidianas culinrias, at deleitar-se com um romance ou escrever uma
carta de leitor a um jornal marcando posio. Nada impede que as
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prticas alfabetizadoras se dem (sic) sobre textos interessantes e
relevantes, ao invs de frases descontextualizadas e s vezes
inimaginveis, como a girafa est na geladeira, somente porque essas apresentam determinada letra ou famlia. Os textos apresentam todas
as letras e os professores podem reorganiz-las sistematicamente para
estud-las com os alunos, aps lerem e escreverem coletivamente um texto num gnero em situao que seja o mais possvel aproximada
de uso coerente.
evidente que o trabalho com textos auxilia no processo de alfabetizao de
forma efetiva, significativa e porque no, prazerosa. Isso porque as crianas encantam-
se com o universo das histrias infantis e encontram-se nele. Descreveremos a literatura
infantil, por meio de gneros variados como elemento importante no processo de
desenvolvimento da alfabetizao e do letramento.
4 LITERATURA INFANTIL
A histria da literatura infantil comea a se delinear a partir do momento que a
criana passa a ser vista como diferente do adulto, com suas caractersticas e
especificidades prprias. Parafraseando Cunha (1994), no incio do sculo XVIII, que
a criana passa a ser vista no mais como um adulto em miniatura e tem uma educao
especial voltada para o universo infantil. Deste modo, passou-se a procurar uma
literatura adequada para a infncia. Mesmo assim, o que prevalecia nesta poca eram as
histrias de cunho moralista e paternalista, voltadas para a representao do poder.
Perrault e os irmos Grimm esto associados ao incio da literatura voltada para
crianas, atravs de seus contos e histrias folclricas. Tornaram-se escritores clssicos,
conhecidos tambm, por transformarem as histrias populares contadas oralmente em
literatura escrita, podendo assim, ser conhecida por um grande nmero de pessoas.
Em cada pas, alm dos clssicos literrios conhecidos universalmente, vo
surgindo aos poucos, diferentes manifestaes da literatura infantil. Para Cunha (1994),
no Brasil, a literatura infantil tem incio com obras pedaggicas e, sobretudo adaptadas
de produes portuguesas, demonstrando a relao de dependncia das colnias. Mais
tarde com Monteiro Lobato, a verdadeira literatura infantil brasileira concebida.
Desde ento, abrem-se as portas para uma nova era na literatura infantil, para
novos autores e novas formas de escrever para o pblico infantil. Comeam a aparecer
novas configuraes de literatura com abordagens diferentes de diversos fatores do
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mundo infantil. Surgem stios, vilarejos e matas ao invs dos castelos e novos
personagens so incorporados s histrias como: sabugos de milho falantes, bonecas,
porcos personagens mitolgicos e muitos outros. Ainda sobre o incio da literatura
infantil brasileira, Gregorim escreve:
Evidentemente, Lobato fora o precursor de uma nova literatura
destinada s crianas no Brasil, uma literatura que ainda passaria por
inmeras transformaes, por uma ditadura militar e por grandes
mudanas na tecnologia e na sociedade. Essas mudanas foram de maneira histrica e dialgica, trazendo para
a literatura infantil a diversidade de valores do mundo contemporneo,
o questionamento do papel do homem diante de um universo que se transforma a cada dia e, alm disso, trouxeram tambm as vozes e
sentimentos da criana para as pginas dos livros, para as ilustraes e
para as diferentes linguagens que se fazem presentes na produo artstica para crianas. (GREGORIM, 2009, p. 28).
Com o crescimento da sociedade e a influncia da industrializao houve um
crescimento significativo na produo e consumo de livros. Em conjunto a essas
transformaes o processo de ensino teve sua ampliao e a ligao entre a literatura e a
escola comea a ser constituda. Com o passar dos anos, apesar de todos os avanos
tecnolgicos, a enxurrada de brinquedos interativos e a exploso dos meios de
comunicao, a literatura no perdeu seu destaque no campo da educao e ainda
considerada um caminho essencial para a evoluo de um povo por pais e educadores.
Coelho afirma que:
A literatura, e em especial a infantil, tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformao: a de servir como agente de
transformao, seja no espontneo convvio leitor/livro, seja no
dilogo leitor/texto estimulado pela escola. ao livro, palavra escrita, que atribumos a maior responsabilidade na formao da
conscincia de mundo das crianas e jovens. COELHO (2000, p.
15).
Ainda segundo este mesmo autor [...] a valorizao da literatura infantil como
fenmeno significativo e de amplo alcance na formao das mentes infantis e juvenis,
bem como dentro da vida cultural das sociedades, conquista recente (p. 30).
Ultimamente se discute sobre os benefcios da literatura infantil como aliada no
processo de aprendizagem, pois atravs da palavra que o cidado evolui e se relaciona.
A literatura tenta ganhar espao e valor no meio pedaggico e familiar. O meio social
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no qual estamos inseridos nos impulsiona a usar as tcnicas de leitura, pois por meio
dela que podemos nos promover, ou somos excludos da sociedade.
Conforme Coelho (2000, p. 27):
A literatura infantil , antes de tudo, literatura; ou melhor, arte: fenmeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida,
atravs da palavra. Funde os sonhos e a vida prtica, o imaginrio e o
real, os ideais e sua possvel/impossvel realizao [...]. Literatura uma linguagem especfica que, como toda linguagem,
expressa uma determinada experincia humana, e dificilmente pode
ser definida com exatido.
A literatura infantil abrange modalidades bem distintas de textos, que vo [...]
desde os contos de fada, contos maravilhosos, lendas, histrias do cotidiano... at
biografias, romances, literatura documental ou informativa (COELHO, 2000, p. 47).
Cada um desses tipos de texto pode ser utilizado como ferramenta de leitura para as
crianas em processo de alfabetizao. importante que o professor conhea e saiba
conduzir o trabalho com os diferentes tipos de texto e disponibilize aos seus alunos o
contato com eles.
A literatura infantil uma tima ferramenta para auxiliar no processo de
alfabetizao independente do tipo de obra a ser utilizado, e atualmente, uma vasta
quantidade de obras literrias est disposio das crianas e dos educadores. Cabe ao
professor, ter condies de conduzir esse encontro de maneira produtiva e prazerosa. A
escola, lugar de socializao e mltiplos aprendizados, espao privilegiado para a
literatura encontrar o leitor, esse encontro ideal para a formao da nova mentalidade.
Sobre isto, Coelho escreve:
[...] a escola , hoje, o espao privilegiado, em que devero ser lanadas as bases para a formao do indivduo. E, nesse espao,
privilegiamos os estudos literrios, pois, de maneira mais abrangente
do que quaisquer outros, eles estimulam o exerccio da mente; a percepo do real em suas mltiplas significaes; a conscincia do eu
em relao ao outro; a leitura do mundo em seus vrios nveis, e
principalmente, dinamizam o estudo e conhecimento da lngua, da
expresso verbal significativa e consciente [...]. (2000, p. 16).
Desta forma, pode-se reconhecer a escola como ambiente privilegiado de
aprendizagem e interao, a literatura infantil como caminho para o acesso e
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participao efetiva na sociedade letrada, e o professor com agente ativo, mediador do
processo efetivo de alfabetizao e letramento.
5 LITERATURA INFANTIL, ALFABETIZAO E LETRAMENTO
A relao do homem com a literatura iniciou num passado j mais distante, com
as narraes orais. Naquela poca havia tempo e espao para a famlia compartilhar
experincias e narrar vivncias de seu dia a dia. Coelho (2000, p. 16), pondera que:
Ao estudarmos a histria das culturas e o modo pelo qual elas foram
sendo transmitidas de gerao para gerao, verificamos que a
literatura foi seu principal veculo. Literatura oral ou literatura
escrita foram as principais formas pelas quais recebemos a herana da tradio que nos cabe transformar, tal qual outros o fizeram, antes de
ns, com os valores herdados e por sua vez renovados. (2000, p.16).
Com a inveno da escrita as histrias antes contadas oralmente, que passavam
de gerao para gerao, puderam ser registradas por escrito e desta forma jamais foram
esquecidas. A arte de contar e ouvir histrias uma herana cultural, que mesmo com o
avano das tecnologias, no foi esquecida e muito apreciada no universo infantil.
Desde suas origens pr-histricas, o homem procurou se comunicar ou
marcar sua presena no mundo atravs de uma determinada escrita,
isto , de uma forma concreta de registrar sua fala e faz-la perdurar no tempo. Foram vrios os suportes fsicos descobertos pelo homem
para inscrever suas mensagens: pedras, tabuinhas de argila, peles de
animais, o crtex das rvores,, junco, chifres... materiais tirados da natureza e nos quais, com auxlio do buril, o escritor fazia riscos
para transmitir seus pensamentos aos outros. A partir dessa escrita
rudimentar em desenho, os suportes fsicos foram evoluindo at
chegarem nossa civilizao, com a inveno do papel e do livro, em cujas pginas a criao literria adquire corpo verbal e se torna
acessvel aos leitores. (COELHO, 2000, p. 65).
Sendo ento uma arte to antiga, e ainda muito apreciada, no se pode negar os
benefcios das histrias no desenvolvimento da criana e no processo de alfabetizao e
letramento. Ler e escrever so tarefas fundamentais desde que a escrita passou a fazer
parte de nossa vida. atravs da leitura e da escrita que interagimos com as situaes
variadas do cotidiano e com o mundo a nossa volta. A criana que entra em contato com
a literatura pode desenvolver e aprimorar tanto a linguagem oral como a linguagem
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escrita. Nessas atividades a criana pode ampliar seu vocabulrio, e procurar nos livros
outras histrias ou at mesmo, escrever sua prpria histria.
De acordo com Saraiva
[...] a leitura constitui fonte de prazer na medida em que atende as
necessidades de ludismo e de informao da criana. Por meio da
leitura, o aluno satisfaz essas necessidades, sendo-lhe permitido assumir uma atitude crtica em relao ao mundo, advinda das
diferentes mensagens e indagaes que os textos suscitam. (2001, p.
12).
A sociedade da qual fazemos parte conhecida como grafocntrica, pois, a
escrita est presente em todos os espaos e cumpre diversas funes na vida dos
cidados. Muitas vezes, ao entrar na escola, o aluno tem como experincia de
alfabetizao a utilizao de textos sem sentido que tm como propsito a avaliao da
construo do sistema alfabtico.
Sendo assim, vale ressaltar que:
[...] o aprendizado da leitura no dispensa desde o incio da alfabetizao, livros para crianas. O trabalho de automatizao da
decodificao deve ser concomitante com o da leitura de textos
variados. Da, na iniciao literria desde a pr-escola, a importncia dos livros de imagem, com ou sem texto escrito, no trabalho com as
narrativas. Eles podem ser uma grande alavanca na aquisio da
leitura, para alm da simples decodificao. (FARIA, 2012, p. 22).
importante que a escrita tenha sentido e significado para a criana, pois na
sociedade em que vivemos a escrita muito importante e nada do que se escreve sem
sentido ou sem significado. Cada texto tem uma funo que pode ser informar, instruir,
guiar, divertir e outras mais. Neste sentido, importante que o professor, tenha
conscincia de que a escola a grande responsvel pelo acesso da criana ao mundo da
escrita e que perceba as mltiplas funes do uso da leitura e escrita na sociedade.
No raro observarmos professores que consideram necessria a interao com diferentes gneros textuais na formao do
leitor/escritor competente, mas que, na sala de aula, recorrem
basicamente a pseudotextos no trabalho de alfabetizao. Esse tipo de prtica no possibilita aos estudantes interagir com materiais escritos
fora do espao escolar nem refletir sobre as funes sociais desses
textos e sobre as relaes que se estabelecem entre as pessoas por
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meio desses textos. (CASTANHEIRA; MACIEL; MARTINS, 2009,
p. 17).
Um dos dilemas atuais sobre a utilizao da literatura infantil, nas classes de
alfabetizao, portanto sries iniciais do Ensino Fundamental a forma com que os
professores lidam com a escolha do texto. Muitas vezes a leitura empobrecida com
textos sem sentido, sem significado, retirados de livros didticos, ou fragmentados sem
preocupao com o contexto da histria, apenas para fixar o contedo desta ou daquela
famlia silbica. Desta maneira, o trabalho com o texto perde seu objetivo maior que o
de formar cidados letrados capazes de usar a escrita no meio social tirando-os da
condio de analfabetismo funcional. A esse respeito, Castanheira recorre a Freire
(1991), quando este afirma que: No basta saber ler Eva viu a uva. preciso
compreender qual a posio que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir a uva e quem lucra com esse trabalho. Ao analisar isto, o autor relata que:
Dessa forma, Freire chama a nossa ateno para o fato de que no basta simplesmente dominar a escrita como um instrumento
tecnolgico. preciso considerar as possveis consequncias polticas
da insero do aprendiz no mundo da escrita. Essa insero favoreceria uma leitura crtica das relaes sociais e econmicas
(re)produzidas em nossa sociedade. (CASTANHEIRA; MACIEL;
MARTINS, 2009, p. 15).
muito importante que, o professor reconhea que as atividades envolvendo a
leitura e a escrita tenham significado e sejam prazerosas para a criana e que no sejam
simplesmente um processo mecnico, descontextualizado que se baseia em exerccios
mecnicos de frases e palavras pautados somente em princpios silbicos. Se as
atividades que envolvem leitura e escrita forem superficiais, mecnicas, repetitivas e
sem significado, a leitura e a escrita no tero valor para a criana, assim essas
habilidades ficam comprometidas. Para que a leitura e a escrita tenham valor para a
criana a escolha do texto muito importante, ele deve ser de interesse da criana para
lhe chamar a ateno e para que a criana se envolva com a narrativa.
Sobre o assunto, Barbosa salienta que:
[...] bom lembrar que as letras e palavras sero mais facilmente aprendidas se estiverem dentro de frases com sentido. Pedir a uma
criana que identifique letras ou palavras isoladas dificultar a leitura,
pois o nmero de possibilidades (incertezas) est maximizado. Sem o
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apoio do contexto (seja o assunto ou suporte da escrita), as
possibilidades multiplicam-se enormemente, a incerteza aumenta. Um
aluno no pode ser capas de identificar uma palavra isoladamente, mas poder a vir identific-la numa frase atravs de outros ndices.
(BARBOSA, 2013, p. 169).
Desta forma, imprescindvel que o educador tenha conscincia da
responsabilidade da escola no processo de acesso do aluno ao mundo da escrita e
perceba a alfabetizao e o letramento como processos complexos, porm, com
mltiplas possibilidades de uso social. Nesta perspectiva, as prticas de leitura e escrita
promovidas na sala de aula devem contemplar a alfabetizao na perspectiva do
letramento. Sendo assim, cabe ao professor, promover o processo de aquisio das
habilidades de leitura e escrita aliando o trabalho com textos escritos de interesse dos
alunos ou que se aproximem de situaes reais vividas pelos alunos. Barbosa (2013)
explica que ajudar uma criana no procurar transmitir um saber; permitir que ela
construa estratgias de que necessita para usar a escrita quando quiser brincar, agir,
informar-se, distrair-se, etc. (BARBOSA, 2013, p. 169). O papel do professor neste
caso muito importante para que o aluno tenha condies de acesso ao mundo letrado e
adquira as habilidades que lhe permitiro fazer uso efetivo da leitura e da escrita.
Alm de promover a alfabetizao e o letramento, o uso da literatura infantil na
sala tambm serve para a formao do aluno leitor. Por isso, alm de usar as estratgias
de alfabetizao, o professor um dos principais agentes que podem promovem a
leitura. Cabe ao professor reconhecer que alm do encantamento e magia que a
literatura causa no universo infantil, ela tambm uma ferramenta importante para a
aquisio das habilidades de leitura e escrita e para o processo de formao de futuros
leitores. Desta forma, pode-se dizer que a literatura infantil um elo, uma ligao entre
letras, palavras, frases, textos ao pensar, ao agir, ao vivenciar, ao questionar e refletir
sobre as interpretaes que a leitura leva o leitor a fazer; formando assim, sujeitos
letrados, capazes de tecer suas prprias concluses e questionamentos acerca do
contexto no qual esto inseridos. preciso formar um leitor envolvido integralmente
com o que l. Segundo Saraiva apropriar-se do sistema de escrita muito importante
para a criana, assim toda palavra:
[...] suscita pois, o desejo das crianas de romperem com seu crculo para, atravs da superao das dificuldades inerentes conquista do
cdigo escrito, aderir a um espao de direitos mais plenos. O domnio
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da leitura uma experincia to importante na vida da criana, que
determina o modo como ela ir perceber a escola e aprendizagem em
geral. Em decorrncia disso, o esforo despendido pela criana no reconhecimento de letras e palavras precisa aliar-se certeza de que
ser compensado pela leitura de textos estimulantes. (SARAIVA,
2001, p. 81).
Alm do saber terico, para despertar o interesse pela leitura e tornar prazeroso o
contato da criana com o universo da literatura infantil, enriquecendo assim o processo
de aquisio das habilidades de leitura e escrita, o professor deve ter sido antes,
encantado pelas histrias. No pode despertar paixo pelas histrias quem antes, no foi
encantado por elas. Nesse sent
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