revista multidisciplinar da faculdade municipal...

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  • 2

    REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA FACULDADE

    MUNICIPAL DE PALHOA

    VIAS REFLEXIVAS

    N. 06, out. de 2015

  • 3

    FICHA CATALOGRFICA

    DIAGRAMAO

    Luzinete Carpin Niedzieluk

    PERIDICO DIGITAL

    www.fmpsc.edu.br

    ISSN 2176-641X

    Rua Jos Pereira dos Santos, 305

    Bairro: Ponte do Imaruim

    CEP: 88130-475

    http://www.fmpsc.edu.br/

  • 4

    VIAS REFLEXIVAS

    N. 06, out. 2015

    DIRETORA EXECUTIVA DA FMP

    Mariah Teresinha do Nascimento Pereira

    DIRETORA ACADMICA

    Degelane Crdova Duarte

    DIRETOR ADMINISTRATIVO

    Denis Liberato Delfino

    CAPA

    Joo Dias (Do)

    EDITORA-CHEFE

    Prof Dr Luzinete Carpin Niedzieluk

    CONSELHO EDITORIAL

    Fbio Pereira (Prof. Ms. FMP)

    Juliane Di Paula Queiroz Odinino (Prof Dr FMP/UDESC)

    Luzinete Carpin Niedzieluk (Prof Dr FMP/UDESC)

    Rangel de Oliveira (Prof. Dr. FMP)

    Rosana Silveira (Prof Dr FMP)

    PARECERISTAS AD HOC para este nmero

    Jair Joaquim Pereira (Prof. Ms. FMP/UNISUL)

    Maria Fernanda Diogo (Prof Dr FMP)

  • 5

    SUMRIO

    n. 6 (2015) 05

    APRESENTAO 07

    Luzinete Carpin Niedzieluk

    ARTIGOS

    O Aluno Letrado na concepo das professoras cursistas do 09

    Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa

    (PNAIC) da Rede Municipal de Ensino de Palhoa (SC)

    Jair Joaquim Pereira; Luzinete Carpin Niedzieluk

    Alfabetizao, Letramento e Literatura Infantil 24

    Adriane Forster; Luzinete Carpin Niedzieluk

    Infncia Tempo de Brincar: o ldico e a brincadeira como 45

    estratgia pedaggica

    Pauline Francielle da Silva Lohn; Maria Fernanda Diogo

    Contribuio do Patrimnio Cultural Material na Qualidade Visual 62

    do Espao Turstico Urbano: anlise da percepo ambiental

    do prdio da antiga Prefeitura Municipal de Palhoa

    Giancarlo Philippi Zacchi; Alina Gonalves Santiago

    Mapeamento dos egressos do curso de Administrao da 75

    Faculdade Municipal de Palhoa

    Dayana Pr Madruga; Fernanda de Matos Sanchez

    Turismo no espao rural e as estratgias de desenvolvimento 90

    no territrio, em Portugal e no Brasil

    Marins C. Walkowski; Carlos Loch

    tica das virtudes 108

    Fernando Maurcio da Silva

    Prticas Culturais e Consumos de Mdia: uma pesquisa realizada 123

    com os professores das escolas de Curitiba/PR Horcio Dutra Mello; Silvio Arajo da Silva Oliveira

    Realidadefico em Ns Que Aqui Estamos Por Vs Esperamos 139

    Alexandra Filomena Espindola; Jair Joaquim Pereira

    Os Fatores Motivacionais que Influenciam as Atividades 149

    Profissionais: anlise de uma micro-empresa no municpio

    de Palhoa

    Eliane Veloso Fagundes; Rangel de Oliveira Medeiros

  • 6

    Ensino-Aprendizagem na Educao a Distncia 163

    EAD: um processo de mediao tecnolgica

    Marcelo Jos Cavalcanti

    Modalidades Organizativas de Planejamento no Pacto Nacional 176

    pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC): projetos didticos

    e sequncias didticas

    Jair Joaquim Pereira; Alexandra Filomena Espindola

  • 7

    APRESENTAO

    A Revista Vias Reflexivas, atualmente, uma publicao eletrnica, com

    periodicidade anual da Faculdade Municipal de Palhoa. Publica, em fluxo contnuo,

    artigos, resenhas e entrevistas de reas diversas. O nmero 1 foi publicado em meio

    impresso, em agosto de 2008 sob o ISSN 1983-5515 e, a partir do nmero 2, a

    publicao do peridico passou a ser on-line, sob o ISSN 2176-641X, sendo que este

    nmero foi publicado em agosto de 2009, o seguinte, o nmero 3 em junho de 2012 e o

    prximo, o nmero 4 em agosto de 2013 e o nmero 5 em outubro de 2014.

    Lembramos que os textos podem ser produzidos por pesquisadores/docentes da

    FMP, assim como por professores (mestres e/ou doutores) juntamente com discentes e

    por docentes (mestres e/ou doutores) de outras Instituies de ensino e/ou pesquisa,

    visando a estreitar os laos entre a extenso, a pesquisa e o ensino. Estes textos so

    avaliados anonimamente por dois pareceristas do Conselho Editorial. Apenas os

    trabalhos aprovados pelos dois pareceristas sero encaminhados para publicao, desde

    que as modificaes sugeridas, se houver, forem atendidas pelo(s) autor(es), alm de a

    reviso ser de responsabilidade do autor ou autores dos textos. Assim, ao enviar o

    material para publicao, o(s) autor(es) est(o) automaticamente concordando com as

    diretrizes editoriais da Revista e, alm disso, cedendo os direitos autorais relativos aos

    trabalhos publicados. Com muito satisfao, mais uma vez, conseguimos dar continuidade ao Projeto

    de Extenso da FMP - Revista Vias Reflexivas e publicar o nmero 6 (seis) que traz

    artigos que versam a respeito de temticas diversas e correntes tericas diversificadas,

    como psicologia, administrao, pedagogia, anlise do discurso, turismo e outros mais.

    Os trabalhos publicados pretendem contribuir para promover um dilogo construtivo

    entre as reas. Este nmero conta com (12) doze artigos, como se pode observar a

    seguir.

    O artigo que abre a edio intitulado O Aluno Letrado na concepo das

    professoras cursistas do Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC) da

    Rede Municipal de Ensino de Palhoa (SC) escrito pelos professores Jair Joaquim

    Pereira e Luzinete Carpin Niedzieluk apresenta os resultados de uma pesquisa que

    analisou os diferentes discursos sobre a concepo de aluno letrado que circulam na

    esfera escolar, em especial, entre os sujeitos professores que atuam em classes de

    alfabetizao.

    O segundo artigo das professoras Adriane Forster e Luzinete Carpin

    Niedzieluk, intitulado Alfabetizao, Letramento e Literatura Infantil que trata de

    temas relevantes, contemporneos e inesgotveis na educao em geral.

    O terceiro artigo Infncia Tempo de Brincar: o ldico e a brincadeira como estratgia pedaggica da professora doutora Maria Fernanda Diogo e de Pauline

    Francielle da Silva Lohn analisa o ldico como possibilidade de compreenso do mundo

    e ampliao do processo de ensino-aprendizagem nas instituies de ensino. O quarto artigo Contribuio do Patrimnio Cultural Material na Qualidade Visual do Espao Turstico Urbano: anlise da percepo ambiental do prdio da antiga

    Prefeitura Municipal de Palhoa de autoria do professor Giancarlo Philippi Zacchi e de

    Alina Gonalves Santiago objetiva verificar a importncia que o patrimnio cultural

    material exerce sobre a paisagem urbana a partir da percepo das pessoas.

    O quinto artigo Mapeamento dos egressos do curso de Administrao da

    Faculdade Municipal de Palhoa da professora Fernanda de Matos Sanchez e de

  • 8

    Dayana Pr Madruga busca ressaltar as competncias adquiridas e aplicadas durante a

    atuao profissional dos egressos da instituio.

    O sexto Turismo no espao rural e as estratgias de desenvolvimento no

    territrio, em Portugal e no Brasil da professora Marins C. Walkowski e de Carlos

    Loch caracteriza o turismo no espao rural e ressalta o processo de gesto que visa o

    desenvolvimento do territrio em Portugal e no Brasil.

    O stimo tica das virtudes de Fernando Maurcio da Silva busca aproximar

    Kant e o platonismo, discutindo a relevncia da tica das virtudes e sua possvel reedio.

    O oitavo Prticas Culturais e Consumos de Mdia: uma pesquisa realizada

    com os professores das escolas de Curitiba/PR dos professores Horcio Dutra Mello e

    Silvio Arajo da Silva Oliveira, busca investigar as prticas culturais e os consumos de

    mdias dos professores dentro e fora das salas de aula.

    O nono Realidadefico em Ns Que Aqui Estamos Por Vs Esperamos dos

    professores Alexandra Filomena Espindola e Jair Joaquim Pereira busca pensar o filme

    de autoria de Marcelo Masago, a partir das imagens e de alguns dos letreiros

    problematizando brevemente o gnero documentrio.

    O dcimo Os fatores motivacionais que influenciam as atividades profissionais: anlise de uma micro-empresa no municpio de Palhoa de Eliane Veloso Fagundes e

    de Rangel de Oliveira Medeiros buscou identificar os fatores motivacionais que

    influenciavam as atividades profissionais segundo a percepo dos colaboradores da

    micro-empresa.

    O dcimo primeiro Ensino-Aprendizagem na Educao a Distncia EAD: um

    processo de mediao tecnolgica do professor Marcelo Jos Cavalcanti analisa o

    ensino a distncia como uma modalidade de ensino que desenvolve estreita relao com

    o movimento tecnolgico do cenrio globalizado. O ltimo artigo Modalidades Organizativas de Planejamento no Pacto Nacional

    pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC): projetos didticos e sequncias didticas

    dos professores Jair Joaquim Pereira e de Alexandra Filomena Espindola apresenta um

    estudo bibliogrfico dos cadernos de formao para professores, na tentativa de

    entender se as limitaes apresentadas pelos professores da rede municipal de Palhoa,

    na realizao das atividades de planejamento escolar inerentes ao PNAIC, tm origem

    nos cadernos que sustentam terica e metodologicamente este programa de formao.

    Profa. Dra. Luzinete Carpin Niedzieluk

    Editora-chefe

  • 9

    O ALUNO LETRADO NA CONCEPO DAS PROFESSORAS CURSISTAS

    DO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAO NA IDADE CERTA

    (PNAIC) DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PALHOA (SC)

    Jair Joaquim Pereira (FMP/UNISUL)

    [email protected]

    Luzinete Carpin Niedzieluk (FMP/UDESC)

    [email protected]

    RESUMO: Com base no referencial terico da Anlise de Discurso (AD) de matriz

    francesa e a abordagem Scio-Histrica do Letramento de Tfouni (2010), este artigo

    apresenta os resultados de uma pesquisa que analisou os diferentes discursos sobre a

    concepo de aluno letrado que circulam na esfera escolar, em especial, entre os sujeitos

    professores que atuam em classes de alfabetizao. Das dez questes que compuseram o

    questionrio, pode-se dizer que a questo que deu origem ao corpus desta pesquisa foi a

    seguinte: quando se pode dizer que o aluno letrado? Observou-se aps a anlise

    discursiva dos recortes uma compreenso confusa das professoras em relao aos

    processos de alfabetizao e letramento. Ora distinguem sujeito alfabetizado de sujeito

    letrado. Ora tratam esses dois conceitos como sinnimos. Os indcios encontrados nos

    recortes apontam para a necessidade de uma discusso aprofundada sobre os modelos

    atuais de formao continuada para os professores alfabetizadores.

    PALAVRAS-CHAVE: Professores; Formao Continuada; Anlise de Discurso.

    INTRODUO

    Para alcanar o objetivo deste texto que de analisar discursivamente as

    diferentes abordagens sobre letramento que circulam na esfera escolar, em especial,

    entre os sujeitos professores que atuam em classes de alfabetizao, utilizou-se

    Anlise de Discurso (em diante AD) de matriz francesa e a Teoria Scio-Histrica do

    Letramento proposta por Tfouni como amparo terico. Entende-se que essas teorias

    permitem ao analista do discurso o estabelecimento de uma relao crtica com a

    linguagem, desde seu funcionamento. Assim, inicialmente, sero apresentados, de

    forma breve, os conceitos pertinentes a essas teorias, que daro suporte reflexo

    acerca das proposies relativas ao letramento. Ressalta-se que os conceitos de discurso,

    sentido, ideologia, texto, sujeito, formaes discursivas e formaes ideolgicas,

    elementares da AD de linha francesa, so os que interessam, particularmente, a esta

    pesquisa. Outros conceitos, muito provavelmente, sero mobilizados ao longo da

    anlise.

    mailto:[email protected]:[email protected]

  • 10

    J se adianta que de forma contrria Lingustica que se debrua sobre o estudo

    da lngua como sistema de signos, a AD no trata especificamente da lngua, muitos

    menos da gramtica, embora tambm tenha interesse por esses campos de

    conhecimento, o foco da AD o discurso. [...]. A Anlise de Discurso considera que a

    linguagem no transparente. Desse modo ela no procura atravessar o texto para

    encontrar um sentido do outro lado. A questo que ela coloca : como este texto

    significa?. (ORLANDI, 2003, p. 17).

    Na constituio da AD, enquanto teoria encontram-se pressupostos de trs

    campos tericos distintos: a Lingustica, o Marxismo, a Psicanlise. Assim, considera-se

    a AD como uma disciplina de entremeio, uma vez que sua constituio se sustenta pela

    contradio desses trs campos.

    Desse modo, se a Anlise do Discurso herdeira das trs regies de

    conhecimento Psicanlise, Lingustica, Marxismo no o de modo servil e trabalha uma noo de discurso que no se reduz ao objeto

    da Lingustica, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e

    tampouco ao que teoriza a teoriza a psicanlise. Interroga a Lingustica pela contradio que ela deixa de lado, questiona o

    Materialismo pelo simblico e se demarca pela Psicanlise pelo modo

    como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como

    materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele. (ORLANDI, 2003, p. 20).

    Pode-se dizer que este estudo origina-se a partir das dificuldades sugeridas pelas

    manifestaes discursivas das professoras, cursistas do Pacto Nacional pela

    Alfabetizao na Idade Certa (em diante PNAIC), na definio de aluno letrado.

    O PNAIC um Programa de Formao Continuada para professores

    alfabetizadores que est relacionado ao projeto que estende o Ensino Fundamental de

    oito para nove anos, no Brasil. De acordo com o Ministrio de Educao, o PNAIC tem

    por objetivo principal aprimorar a prtica de ensino de Lngua Portuguesa e de

    Matemtica nas classes de que compem o ciclo de alfabetizao no Ensino

    Fundamental.

    Em relao s aes do PNAIC, podemos dizer que so diversas e se

    desenvolvem a partir da seguinte estrutura que obedece a quatro eixos de atuao:

    formao continuada de professores alfabetizadores; materiais didticos e pedaggicos;

    avaliaes; gesto, controle social e mobilizao.

  • 11

    1. ANLISE DE DISCURSO: algumas consideraes

    Nada mais adequado se iniciar uma apresentao da AD pelo seu objeto: o

    discurso. Nos dizeres de Orlandi (2003, p. 21), entende-se discurso como um efeito de

    sentido entre os interlocutores. por meio do discurso que se pode compreender como

    uma determinada materialidade discursiva produz sentidos. Pelo discurso, a AD pensa

    de que forma os sentidos so mobilizados pelos sujeitos em seus dizeres.

    a partir de uma multiplicidade de sentidos que se produz o discurso. Pode-se

    inferir que a AD busca o sentido da linguagem, sem apagar as questes sociais. A

    linguagem vista pela AD no como uma simples ferramenta de comunicao ou de

    transferncia de informao. Nesse campo discursivo, diferentemente do entendimento

    da Lingustica, a linguagem tambm serve para no comunicar. Ou seja, toma-se a

    linguagem como um espao de contradies.

    No se entende, na perspectiva terica da AD, o sujeito como indivduo. O

    sujeito aqui entendido como uma posio que ocupa no discurso. Essa posio um

    espao de representao social que atravessada pela disperso. Trata-se de uma

    posio sujeito que se constitui pelos dizeres de outros. Dizeres esses que circulam ou

    j circularam antes e em outro lugar. Dessa forma, o sujeito do discurso precisa retomar

    o que j foi dito, para que seus dizeres faam sentido. um sujeito imerso num

    processo que formula e faz circular sentidos. O sujeito de linguagem descentrado,

    pois afetado pelo real da lngua e tambm pelo real da histria, no tendo o controle

    sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo

    funciona pelo inconsciente e pela ideologia. (ORLANDI, 2003, p. 20).

    Para Pcheux (1990), o indivduo, no campo terico da AD, interpelado em

    sujeito pela ideologia. Vale dizer que a concepo de ideologia na Anlise de Discurso

    provm do trabalho de Althusser, acerca dos Aparelhos Ideolgicos do Estado. Para a

    AD, a relao entre linguagem e ideologia necessria, porque na e por meio da

    linguagem que a ideologia se manifesta. ainda a ideologia que cria um efeito de

    identidade de sujeito completo. De acordo com Pcheux (1990), so dois esquecimentos

    que criam esse efeito de completude: o sujeito acredita ser a origem de seus dizeres; e

    acredita ainda que o seu dizer corresponde ao seu pensamento, apagando, com isso, a

    incompletude da linguagem. De certo modo, segundo Orlandi (2001), a ideologia

    representa o efeito de completude que se sustenta sobre o j-dito.

  • 12

    2. ABORDAGEM SCIO-HISTRICA DE LETRAMENTO

    A discusso acerca do conceito de letramento iniciou-se nas escolas a partir da

    dcada de 1990, quando os alfabetizadores brasileiros tm acesso aos estudos norte-

    americanos e ingleses a respeito dos usos sociais da leitura e da escrita. Pode-se dizer

    que no Brasil, o conceito de letramento surgiu, mais especificamente, com o propsito

    de responder a determinadas demandas que o conceito de alfabetizao no dava conta

    j que se trata de um conceito muito restrito ao domnio do sistema de escrita alfabtica.

    A necessidade de se comear a falar em letramento surgiu, creio eu, da

    tomada de conscincia que se deu, principalmente entre os linguistas, de que havia alguma coisa alm de alfabetizao, que era mais ampla,

    e at determinante desta. (TFOUNI, 2010, p. 32).

    No Brasil, o surgimento do termo letramento trouxe dificuldades de

    entendimento aos professores alfabetizadores na esfera escolar. Mesmo com inmeros

    programas de formao continuada de iniciativa do governo federal, nos ltimos anos,

    voltados s especificidades da alfabetizao e do letramento, muitos alfabetizadores

    ainda sentem-se inseguros em relao a esses dois conceitos. Em especial, a definio

    do termo letramento parece ser bastante complexa, uma vez que se trata de um conceito

    muito amplo que envolve os usos da escrita nas mais diferentes esferas sociais. O

    letramento um conceito que inclui a escola, mas no se restringe a ela, por isso, a

    dificuldade em delimit-lo.

    Essa dificuldade e impossibilidade devem-se ao fato de que o

    letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funes sociais; o conceito de letramento

    envolve, portanto, sutilezas e complexidades difceis de serem

    contempladas em uma nica definio. (SOARES, 2010, p. 65-66).

    Mesmo com toda a complexidade e amplitude j apontadas envolvendo o termo

    letramento, vale ressaltar que possvel, por meio da abordagem scio-histrica de

    Tfouni (2010), definir aproximaes e distines pontuais entre os conceitos de

    alfabetizao e de letramento. Em nosso entendimento, a compreenso dos significados

    do letramento passa pela compreenso do conceito de alfabetizao.

  • 13

    O primeiro ponto a ser considerado que o conceito de letramento no equivale

    ao conceito de alfabetizao, muito menos ao de ensino formal. Para Tfouni (2010), o

    letramento deve ser compreendido como um processo scio-histrico, que extrapola o

    espao da escola e o processo de alfabetizao. Refere-se, o letramento, a processos

    sociais mais amplos. Diferentemente do letramento, a alfabetizao est bastante

    restrita esfera escolar. Enquanto a alfabetizao ocupa-se da aquisio da escrita por

    um indivduo, ou grupo de indivduos, o letramento focaliza os aspectos scio-histricos

    da aquisio de um sistema escrito por uma sociedade. (TFOUNI, 2010, p. 20).

    O segundo ponto a ser observado refere-se especificidade da alfabetizao: o

    ensino e aprendizagem do sistema alfabtico da lngua. Entretanto, no contexto do

    ensino atual, a alfabetizao no pode ser mais vista como limitada a essa face. Em

    classes de alfabetizao, hoje, alfabetizar ainda implica ensinar o sistema alfabtico,

    mas por meio das prticas sociais de uso da escrita. justamente nessa segunda face

    que alfabetizao e letramento se interpenetram.

    3. METODOLOGIA E CONSTITUIO DO CORPUS

    Conforme se apontou de forma breve na introduo, este trabalho analisa

    recortes do discurso de quatro professoras dos anos iniciais do ensino fundamental, na

    rede pblica municipal de Palhoa (SC), cursistas do Pacto Nacional pela Alfabetizao

    na Idade Certa (PNAIC). Essas professoras concluram a primeira etapa de formao do

    PNAIC: alfabetizao e linguagem, em 2013.

    O instrumento utilizado para a constituio do corpus foi um questionrio

    composto de 10 questes abertas com o objetivo de colher informaes sobre a situao

    funcional, formao acadmica, experincia docente, bem como dados a respeito das

    concepes de alfabetizao e letramento das professoras participantes. Ao todo

    participaram da pesquisa quatro professoras que lecionam na rede municipal de ensino

    de Palhoa (SC). Das dez questes que compuseram o questionrio, pode-se dizer que a

    questo que deu origem ao corpus desta pesquisa seguinte: quando se pode dizer que

    um aluno letrado?

    Para a resposta ao questionrio, organizou-se um encontro com durao

    aproximadamente de duas horas, na Faculdade Municipal de Palhoa (FMP), em horrio

    e local combinados com as professoras. Como a pesquisa tratava das contribuies do

  • 14

    Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC) para a prtica pedaggica

    das professoras, permitiu-se consulta aos inmeros cadernos de formao do PNAIC, na

    rea de alfabetizao e linguagem, com o objetivo de facilitar o acesso das professoras

    ao arquivo, conforme estabelece Pcheux (1997) e, dessa forma, fazer circular os

    diversos sentidos que os textos desses cadernos de formao (PNAIC) podem mobilizar.

    Aps a distribuio dos cadernos de formao, cada professora recebeu o questionrio

    com as dez questes abertas a serem respondidas. Questes estas tratavam

    especificamente de dois processos que foram discutidos exaustivamente ao longo do

    ano de 2013: alfabetizao e letramento.

    Levando em considerao a noo de recorte proposta por Orlandi (2006),

    selecionaram-se algumas sequncias discursivas para a anlise dos dados. Vale observar

    que a AD, em relao a outras teorias, supera a ideia de informao e se debrua sobre a

    noo de texto. Para tanto, a AD promove deslocamentos importantes: do segmento

    para o recorte e da frase para o texto. Orlandi (2006) define recorte como uma unidade

    discursiva e ressalta que o analista a optar pela noo de recorte, aceita trabalhar com a

    polissemia, em outras palavras, com a incompletude da linguagem. Logo, a

    interpretao dos dados no automtica. Da mesma forma que os demais pressupostos

    da AD, apesar de a noo de recorte no ser pr-determinada, possui um carter

    metodolgico, cujo sentido ser alcanado pelas vias da teorizao. (ORLANDI, 1996).

    4. RESULTADOS E DISCUSSO

    Nos recortes abaixo sero apresentados os discursos de quatro professoras acerca

    do seguinte questionamento: quando se pode dizer que o aluno letrado? E com o

    objetivo de preservar a identidade das professoras que contriburam para este estudo,

    estes sujeitos sero identificados pelas letras do alfabeto: A, B, C, D.

    RECORTES: professora A

    Letrado o aluno que responde a muitas demandas tanto do universo da escrita como o

    da tecnologia. Inclusive muitos alunos j conseguem escrever pequenos textos no

    computador. Tudo fica mais fcil, pois o computador tem muitos mais recursos que o

  • 15

    aluno letrado j domina e isso facilita a escrita, pena que a escola utiliza pouco o

    computador para escrever. (PROFESSORA A)

    Iniciamos a nossa anlise a partir das pistas lingusticas assinaladas no primeiro

    recorte, isto , Letrado o aluno que responde a muitas demandas tanto do universo

    da escrita como o da tecnologia, pode-se perceber que para essa posio-sujeito,

    letrado sinnimo do aluno que faz uso da escrita e da tecnologia para responder a

    demandas das sociedades modernas. De certa forma, esse entendimento da professora

    A aproxima-se da abordagem scio-histrica de letramento de Tfouni (2010) que

    diferencia letrado de alfabetizado. Ou seja, o sujeito que aprende a ler e a escrever,

    torna-se alfabetizado; mas o sujeito alfabetizado que se envolve nas prticas sociais de

    leitura e de escrita, torna-se letrado.

    A anlise de outo recorte tambm indica que a professora A relaciona a

    condio de aluno letrado ao domnio dos recursos da tecnologia, em especial, ao

    computador, pois segundo a mesma professora: Inclusive muitos alunos j conseguem

    escrever pequenos textos no computador. Neste recorte destacado, h vestgios que

    permitem inferir que a professora A possui uma perspectiva de letramento, chamada

    por Tfouni (2010), de tecnolgica porque trata a escrita como um produto. Nessa

    perspectiva, tem-se uma viso positiva dos usos da leitura e da escrita, relacionando-os

    com o progresso da civilizao e desenvolvimento tecnolgico, ignorando, assim, as

    origens sociais e culturais do letramento. Essa perspectiva tecnolgica de letramento, na

    prtica pedaggica, de acordo com Tfouni (2010), est voltada para a

    codificao/decodificao de textos escritos. Trata-se de uma concepo utilitria que se

    fundamenta em um sujeito que precisa se adaptar s regras de uma sociedade cada vez

    mais tecnolgica. Para a professora A, o aluno para ser considerado letrado precisa

    responder s novas demandas de escrita, em especial, as tecnolgicas.

    Retomando os dizeres da professora A, pode-se dizer que o recorte a seguir:

    tudo fica mais fcil, pois o computador tem muitos mais recursos que o aluno letrado

    j domina e isso facilita a escrita, pena que a escola utiliza pouco o computador para

    escrever, traz tona outra modalidade de escrita muito utilizada nas sociedades

    marcadas intensamente pelo desenvolvimento tecnolgico: a escrita virtual. Assim,

    recorrendo escrita virtual, a professora A, refuta o processo de homogeneizao do

    ensino caracterstico das prticas escolares fundamentadas na reproduo de modelos de

  • 16

    escrita culturalmente valorizados. E ao negar ao aluno as diferentes manifestaes da

    linguagem a escola tem igualado tudo. (ORLANDI, 1996, p. 91).

    A anlise dos recortes acima destacados permite-nos afirmar que o discurso da

    professora A traz as marcas de como a escrita se inscreve na sociedade atual em que

    os sujeitos so submetidos s novas tecnologias. Essa relao de submisso acaba por

    determinar o modo como o sujeito moderno se relaciona com a escrita. A professora

    A ao relacionar a condio de aluno letrado capacidade de produzir textos no

    computador ocupa uma posio-sujeito determinada por um momento scio-histrico

    em que a escrita est por toda a parte, especialmente, com a presena diria da internet

    na vida dos sujeitos. Ao ocupar tal posio, a professora A se inscreve em uma nova

    forma de sociedade, onde a escrita elemento estruturante.

    RECORTES: professora B

    So aqueles alunos geralmente oriundos de famlias com condies financeiras um

    pouco mais favorveis, com acesso a livros e a computador mesmo antes de chegarem

    escola. Infelizmente na escola em que trabalho a maioria absoluta de meus alunos

    completa os anos iniciais do ensino fundamental sem produzir textos. So alunos que

    considero apenas alfabetizados, pois no conseguem produzir um texto simples que

    solicito em sala de aula, apenas reproduzem os textos trabalhados no livro didtico. Se

    fossem letrados escreveriam o que se cobra na escola. (PROFESSORA B)

    O primeiro recorte: So aqueles alunos geralmente oriundos de famlias com

    condies financeiras um pouco mais favorveis, com acesso a livros e a computador

    mesmo antes de chegarem escola, remete-nos a uma concepo de letramento

    consagrada historicamente que considera letrado o sujeito versado em letras; erudito. O

    sentido atribudo palavra letrado, pela professora B, no se relaciona concepo

    scio-histrica de Tfouni (2010), que considera letrado o sujeito capaz de fazer uso da

    leitura e escrita nas diversas atividades sociais onde a escrita se faz presente.

    Os fragmentos destacados sinalizam tambm que a professora B se insere em

    uma formao discursiva que o permite acreditar que somente os alunos privilegiados

    financeiramente chegam escola, letrados. Os demais alunos, de maneira geral, no

    possuem condies de se tornarem letrados, pois o acesso a livros e ao computador

    reduzido, e isso, impede que o aluno chegue letrado escola, conforme entendimento da

  • 17

    professora B. Entretanto, de acordo com Tfouni (2010), as prticas sociais letradas

    atravessam todos os sujeitos de uma sociedade, independente de classe social. A

    abordagem scio-histrica de letramento, tal como proposta por Tfouni (2010), ainda

    postula que estar inscrito em uma sociedade letrada condio principal para que o

    sujeito ocupe uma posio de letrado, seja ele alfabetizado ou no. Encontramos ainda

    em famlias com condies financeira um pouco mais favorveis, o trabalho da

    ideologia naturalizando o sentido de que h um letramento padro, que todos deveriam

    ter acesso, mas somente uma parcela privilegiada da populao pode o ter. A posio

    ocupada pela professora B faz reproduzir a ideologia dominante.

    Outro recorte do discurso da professora B que merece ateno o seguinte:

    So alunos que considero apenas alfabetizados, pois no conseguem produzir um

    texto simples que solicito em sala de aula. Considerando a abordagem discursiva de

    letramento, ressalta-se que a discusso que interessa no saber se o sujeito

    alfabetizado ou no, mas, preliminarmente, em que medida esse sujeito pode ocupar a

    posio autor. Nessa concepo discursiva de letramento, aqueles alunos que ainda no

    sabem ler e escrever, considerados analfabetos, podem ocupar a posio autor. Logo,

    mesmo que no dominem o sistema de escrita alfabtico de nossa lngua, esses alunos

    podem constituir-se como autores de seu prprio texto. Vale ressaltar ainda que o

    posicionamento da professora B distancia-se da natureza histrico-social do

    letramento, defendida por Tfouni (2010). Segundo esta autora, preciso que o

    professor, na prtica pedaggica, considere no apenas as prticas de escrita, mas

    tambm as prticas de oralidade.

    Neste mesmo segmento discursivo referente professora B, So alunos que

    considero apenas alfabetizados, pois no conseguem produzir um texto simples que

    solicito em sala de aula tambm se pode perceber a manifestao do discurso

    pedaggico escolar, atravessando a prtica pedaggica do sujeito-professor. O Discurso

    Pedaggico Escolar, DPE, ensina, assim, aos alunos que escrever consiste em uma

    tarefa que deve ser cumprida nas aulas de lngua portuguesa, atendendo a uma

    determinao do professor que, por sua vez, cumpre determinaes preconizadas pelo

    currculo escolar. O discurso pedaggico representa um discurso do poder

    institucionalizado e legitimado pela escola, uma vez que o professor determina como

    um texto deve ser escrito pelo aluno, em um processo que inibe a circulao de sentidos.

    Com essa prtica, o aluno volta-se, comumente, parfrase para formular seus dizeres,

  • 18

    afastando-se da polissemia, conforme o fragmento: apenas reproduzem os textos

    trabalhados no livro didtico. [...] A parfrase est do lado da estabilizao. Ao passo

    que, na polissemia, o que temos deslocamento, ruptura dos processos de significao.

    Ela joga com o equvoco. (ORLANDI, 2003, p. 36).

    Pelos recortes discursivos da professora B vislumbra-se a necessidade de

    incorporao pelos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, mesmo aqueles

    em formao continuada no PNAIC, de uma prtica pedaggica que permita ao aluno se

    reconhecer como sujeito capaz de ocupar uma posio de autor. O autor , pois, o

    sujeito que, tendo o domnio de certos mecanismos discursivos, representa, pela

    linguagem, esse papel, na ordem social em que est inserido. (ORLANDI, 1996, p.

    79). Tanto a AD quanto a abordagem discursiva do letramento consideram que para a

    produo de textos caracterizados pela autoria necessrio que o aluno ocupe a posio

    autor. Nas condies de produo pouco favorveis em que se d a prtica pedaggica

    de produo escrita, o processo de construo de autoria raramente se instaura, visto que

    o prprio professor no estabelece gesto de interpretao capaz de superar o que est

    prescrito. Por conseguinte, as atividades relacionadas produo de textos acabam por

    constiturem-se em espaos onde a criao d lugar ao trabalho de reproduo e

    sustentao dos sentidos legitimados, segundo Pcheux (1997).

    RECORTES: professora C

    No percebo muita diferena entre ser alfabetizao e letramento. Aluno letrado para

    mim j domina a gramtica e a ortografia. Os alunos apenas alfabetizados no tem esse

    domnio, cometem muitos erros e isso enfraquece o texto. (PROFESSORA C)

    Como se pode observar, no primeiro recorte destacado, no percebo muita diferena

    entre ser alfabetizado e letrado, o discurso da professora C, mesmo aps dois anos

    de formao continuada no PNAIC, traz indcios de que o seu entendimento de acerca

    dos conceitos de alfabetizao e letramento distante da abordagem discursiva de

    letramento de Tfouni (2010). De acordo com o enfoque desta autora, o letramento um

    processo mais amplo que a alfabetizao, pois, enquanto esta se refere ao ensino e

    aprendizagem do sistema de escrita alfabtica, aquele focaliza o uso da leitura e da

    escrita, pelo sujeito, em diferentes contextos sociais. Possivelmente, essa dificuldade

  • 19

    apontada nos dizeres da professora C, em diferenciar alfabetizao de letramento, traz

    implicaes sobre o seu entendimento acerca de aluno letrado.

    Dando prosseguimento, apresenta-se mais um recorte oriundo do depoimento

    escrito da professora C, aluno letrado para mim j domina a gramtica e a

    ortografia. Muito provavelmente esse posicionamento que valoriza o ensino

    gramatical, assim como o ensino da ortografia, nas classes de alfabetizao, est

    intrinsecamente relacionado compreenso de letramento como sinnimo de

    alfabetizao. Por conta dessa compreenso equivocada de letramento, muitos

    professores reconhecem que o domnio das regras gramaticais uma condio

    fundamental para que os alunos possam produzir textos. Dessa forma, nas aulas onde

    deveriam ser desenvolvidas estratgias para a produo textual, consistem, na verdade,

    em aulas para estudo da gramtica. Entre outras palavras, a competncia do aluno

    produtor de textos est relacionada de forma intrnseca ao suposto entendimento das

    regras ortogrficas e gramaticais. H vestgios em seu discurso de que a professora C,

    pela posio de sujeito que ocupa, no reconhece os saberes discursivos dos seus

    alunos.

    Pode-se verificar nos segmentos lingusticos da professora C que o

    desconhecimento gramatical e o ortogrfico funcionam como uma fonte de

    discriminao, uma vez que, o aluno quando no escreve obedecendo s normas e

    regras preestabelecidas, considerado apenas alfabetizado. Ou seja, a professora C

    diferencia aluno alfabetizado de letrado, considerando o nvel de conhecimento

    ortogrfico e gramatical que o aluno demonstra para produzir textos solicitados na

    escola. Observamos que os dizeres da professora C relacionam-se apenas aos

    conhecimentos gramaticais e ortogrficos. Encontram-se, tambm, pistas nesses dizeres

    de um sujeito-professor que ocupa uma posio de reprodutor do discurso pedaggico

    escolar. Entretanto, de acordo com a abordagem discursiva do letramento, preciso que

    os professores superem essa obsesso pelo ensino da gramtica e da ortografia, desde as

    classes de alfabetizao. Para tanto, a prtica pedaggica do professor deve priorizar o

    funcionamento e o acontecimento da lngua, em detrimento do estudo da lngua como

    instrumento. Nos estudos discursivos, no se separam forma e contedo e procura-se

    compreender a lngua no s como uma estrutura, mas, sobretudo, como acontecimento

    [...].. (ORLANDI, 2003, p. 19).

  • 20

    RECORTES: professora D

    Penso que o aluno que no consegue ler e escrever iletrado. Infelizmente, as

    crianas que esto chegando ao ensino fundamental no conhecem a escrita. Fica muito

    difcil, porque voc primeiro torna o aluno alfabetizado, e depois letrado. Atualmente,

    abandonei um pouco aqueles mtodos tradicionais, estou seguindo uma apostila do

    construtivismo, que trabalha letramento. Essa apostila ajuda muito na leitura, porque os

    livros de literatura so complicados. (PROFESSORA D)

    Prosseguindo com nossa discusso, passaremos a anlise de alguns recortes do

    depoimento escrito da professora D acerca do aluno letrado. Inicialmente, vale dizer

    que de acordo a concepo scio-histrica de letramento a qual nos filiamos, deve-se

    evitar o uso do termo iletrado para determinar os alunos que no sabem ler e escrever. O

    termo mais apropriado, segundo Tfouni (2010) no-alfetizado, uma vez que as prticas

    sociais de escrita marcam todos os sujeitos. Mesmo aqueles sujeitos que no sabem ler e

    escrever, no podem ser chamados de iletrados, porque apresentam um conhecimento

    acerca da escrita: o letramento.

    Em relao ao recorte Fica muito difcil, porque voc primeiro torna o aluno

    alfabetizado, e depois letrado, percebemos indcios que nos permitem pensar que os

    processos de letramento e de alfabetizao no esto esclarecidos na posio discursiva

    assumida pela professora D. Ela acredita que o processo de letramento s se inicia

    aps o de alfabetizao, ou seja, para se tornar letrado, primeiramente, necessrio o

    domnio do cdigo alfabtico. J a abordagem discursiva do letramento a qual nos

    filiamos diz justamente o contrrio do posicionamento da professora D: o sujeito

    inicia o seu processo de letramento, antes mesmo de chegar classe de alfabetizao.

    Outro recorte que merece ateno Atualmente, abandonei um pouco aqueles

    mtodos tradicionais porque no ajudam na formao do aluno letrado, estou seguindo

    uma apostila do construtivismo. Nesta posio discursiva, a professora D assume

    que os mtodos tradicionais de alfabetizao so inadequados e, ao mesmo tempo,

    sinaliza que uma apostila nos moldes do construtivismo pode ser mais eficaz formao

    do aluno letrado. No mesmo recorte, a expresso significante abandonei um pouco

    pode indicar que a referida professora utiliza simultaneamente os mtodos tradicionais

    de alfabetizao e a metodologia construtivista na sua prtica alfabetizadora. Contudo,

    nosso principal questionamento s metodologias de alfabetizao citadas pela

  • 21

    professora D com relao ao entendimento de texto. Tais metodologias

    desconsideram que o texto se constitui por uma textura complexa. Tratam o texto como

    uma unidade fechada sem relaes com outros textos. Convm ressaltar, contudo, que

    nosso entendimento acerca de texto filia-se abordagem discursiva de Orlandi (1996,

    2003), e conforme o enfoque desta autora, [...] o texto definido pragmaticamente com

    a unidade complexa de significao, consideradas as condies de sua produo. O

    texto se constitui, portanto, no processo de interao. (ORLANDI, 1996, p. 21).

    Assim, desde as classes de alfabetizao, o professor precisa ensinar ao aluno a

    finalidade interacional do texto. Essa concepo de produo textual escrita exige que o

    professor proponha aos alunos que escrevam textos com finalidades sociais definidas,

    isto , os alunos precisam saber por que esto escrevendo aquele texto, para quem, com

    que finalidade.

    Ainda sobre a abordagem discursiva do letramento, de acordo Tfouni (2010), o

    professor deve alfabetizar o aluno, de modo a torn-lo letrado. Da a importncia de o

    professor entender a sala de aula como um espao que permita tanto o domnio das

    capacidades intrnsecas alfabetizao, quanto o domnio dos conhecimentos

    envolvidos nos diversos usos sociais em que a escrita se faz presente. preciso manter

    em sala de aula um equilbrio entre ambos os domnios, entretanto, a manuteno desse

    equilbrio tem se configurado no grande desafio para o professor que leciona em classes

    de alfabetizao. Esse equilbrio, em outras palavras, a proposta de alfabetizar

    letrando, ou seja, [...] ensinar a ler e a escrever nos contextos das prticas sociais da

    leitura e da escrita, de modo que, o indivduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado

    e letrado. (SOARES, 2010, p. 47).

    Em complementao ao que expusemos acima, podemos dizer que a professora

    D deixa pistas de que desenvolve uma prtica relacionada leitura que pouco

    colabora na constituio do aluno como sujeito-leitor. Tal prtica sugerida colabora para

    a fixao do aluno em uma posio de intrprete. Portanto, enquanto intrprete, o leitor

    apenas reproduz o que est l produzido. (ORLANDI, 1996, p. 116). J o sujeito-leitor,

    em seus gestos de interpretao, considera no texto: as condies de produo; as

    filiaes histricas; as formaes ideolgicas; os aspectos materiais da lngua que

    permitem o funcionamento discursivo; e outras formulaes to necessrias

    compreenso.

  • 22

    CONSIDERAES FINAIS

    Nossas anlises mostraram os diferentes enfoques acerca do termo letrado que

    atualmente circulam no espao escolar, entre as professoras cursistas do PNAIC, em

    Palhoa. interessante ressaltar que as quatro professoras, participantes da

    pesquisa, so formadas em Pedagogia e com uma carga horria considervel em

    formao continuada. Mesmo assim, deixaram pistas, em seu discurso, que so

    incapazes para apontar diferenas entre os processos de alfabetizao e letramento. No

    entanto, conforme Tfouni (2010), alfabetizao e letramento so dois processos

    distintos, enquanto aquela se refere ao domnio do cdigo escrito, esse se volta aos

    aspectos scio-histricos intrnsecos aquisio da escrita. Ou seja, pode-se dizer que o

    letramento um processo mais amplo do que alfabetizao. H indcios no discurso das

    quatro professoras, sugerindo uma inconsistncia terica importante, capaz de interferir

    negativamente na prtica pedaggica empreendida por essas docentes em sala de aula.

    Ora consideraram alfabetizao e letramento sinnimos, ora apontaram diferenas

    importantes entre ambos, ora confundiram aluno letrado com alfabetizado.

    Os pressupostos tericos que subsidiam o PNAIC sinalizam para a necessidade

    da prtica do professor alfabetizador est alinhada a um referencial terico. Tratando-se

    das professoras colaboradoras nesta pesquisa, observa-se uma limitao terica

    considervel. Insistimos, retomando Tfouni (2010), que diferenciar sujeito letrado de

    alfabetizado de suma importncia, pois so dois conceitos distintos e da sua

    compreenso dependero os resultados em sala de aula. Essa incerteza terica sugerida

    no discurso das quatro professoras contribui para a identificao do sujeito-professor

    com formaes discursivas nas quais predominam o discurso pedaggico tradicional

    que se fundamenta pelo apego a mtodos tradicionais de alfabetizao e a programas de

    ensino rgidos respaldados pelo sistema de ensino. Em decorrncia disso, as concepes

    e as propostas metodolgicas oferecidas no livro didtico, portanto, so recebidas como

    inquestionveis pelo professor. Assim, para ns, tanto os cursos de formao inicial

    quanto os de formao continuada deveriam constituir-se em espaos discursivos, nos

    quais houvesse possibilidades para o prprio professor deslocar-se da posio de sujeito

    submisso aos discursos ditatoriais do livro didtico. Contudo, acreditamos que uma

    prtica pedaggica fundamentada na AD e na abordagem scio-histrica do letramento

  • 23

    pode conduzir o professor a ocupar posies discursivas que lhe possibilitem reflexes

    sobre as bases terico-metodolgicas de sua prtica alfabetizadora, enriquecendo, assim,

    os seus prprios fazeres pedaggicos.

    Para finalizar, ressaltamos que nos ltimos anos o governo federal, por

    intermdio do Ministrio da Educao, vem investindo seguidamente em programas de

    formao continuada para docentes que atuam em classes de alfabetizao. Entretanto, a

    inconsistncia terica sugerida no discurso das professoras cursistas do PNAIC, revela

    fragilidades desses programas de formao continuada e, ao mesmo tempo, aponta para

    a necessidade uma discusso terica aprofundada sobre os modelos atuais de formao

    continuada para esses professores.

    LITERATE STUDENTS FROM THE PERSPECTIVE OF TEACHERS' LITERACY

    WHO ATTEND THE PLANO NACIONAL... (PNAIC) IN THE MUNICIPAL

    EDUCATION SYSTEM OF PALHOCA.

    ABSTRACT: Based on French Discourse Analysis (DA) and the Socio-historical

    Approach to Literacy (TFOUDI, 2010), this article aims to present results of a study which analyzed different opinions of literate students which are common in the context of schools,

    especially among teachers of literacy. The questionnaire was composed of ten questions, and we

    could say that the corpus of this research began with the following question, When should we

    consider the students are literate? After discursive analysis it was observed that teachers tend to misunderstand the alphabetization and literacy processes. They sometimes distinguish

    alphabetized people from literate people; or they deal with these concepts as being synonyms.

    The analysis indicate that further discussion of the mainly methods of teacher training courses for teacher literacy should necessarily be done.

    KEY-WORDS: Teachers; Teacher training course; Discourse Analysis.

    REFERNCIAS

    ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva. Pedagogia da leitura parafrstica. 236f.

    Dissertao (Mestrado em Cincias rea Psicologia). Faculdade de Filosofia,

    Cincias e Letras de Ribeiro Preto. Departamento de Psicologia e Educao.

    Universidade de So Paulo. 1999.

    BRASIL. Secretaria de Educao Bsica. Diretoria de Apoio Gesto Educacional.

    Pacto nacional pela alfabetizao na idade certa: formao do professor

    alfabetizador: caderno de apresentao / Ministrio da Educao, Secretaria de

    Educao Bsica, Diretoria de Apoio Gesto Educacional. Braslia: MEC, SEB,

    2012a.

    BRASIL. Secretaria de Educao Bsica. Diretoria de Apoio Gesto Educacional.

    Pacto nacional pela alfabetizao na idade certa: formao de professores no pacto

    nacional pela alfabetizao na idade certa / Ministrio da Educao, Secretaria de

    Educao Bsica, Diretoria de Apoio Gesto Educacional. Braslia: MEC, SEB,

    2012b.

  • 24

    PCHEUX, Michel. Semntica e discurso: uma crtica afirmao do bvio. Traduo

    de Eni Pulcinelli Orlandi et. al. 2. ed. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1990.

    PCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, E. P. Gestos de

    leitura. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997, p. 55-66.

    SOARES, Magda. Letramento: um tema em trs gneros. Belo Horizonte: Autntica,

    2010.

    ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. Interpretao e autoria: leitura e efeitos do

    trabalho simblico. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

    ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. Discurso e texto: formulao e circulao dos

    sentidos. Campinas: Pontes, 2001.

    ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. Anlise de discurso: princpios e

    procedimentos. 5. ed. Campinas: Pontes, 2003.

    ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas

    do discurso. Campinas: Pontes, 2006.

    TFOUNI, Leda, Verdiani. Letramento e alfabetizao. 9 ed. So Paulo: Cortez, 2010.

    ALFABETIZAO, LETRAMENTO E LITERATURA INFANTIL

    FORSTER, Adriane (FMP)

    [email protected]

    NIEDZIELUK, Luzinete Carpin (FMP)

    [email protected]

    RESUMO: O presente artigo busca compreender a relao e a importncia da literatura infantil com o processo de alfabetizao e letramento. Estudaram-se os processos de

    alfabetizao e letramento, suas transformaes no decorrer da histria da educao, assim

    como a histria e as transformaes da literatura infantil e seus aspectos pedaggicos. Portanto, a metodologia deste artigo de reviso bibliogrfica. Como resultados percebe-se que a

    sociedade atual exige um novo sujeito leitor, um indivduo que participe ativamente e

    efetivamente das atividades que envolvem leitura e escrita. Por este motivo, papel da escola

    estar preparada para receber esse aluno e dar condies para que ele desenvolva as habilidades de leitura e escrita dentro desses conceitos. A literatura infantil deve ser utilizada como

    ferramenta didtico-pedaggica para participar desse processo que estimula a imaginao, a

    criatividade e a contextualizao dos textos escritos.

    PALAVRAS-CHAVE: Alfabetizao; Letramento; Literatura Infantil.

    1 CONSIDERAES INICIAIS

    A alfabetizao um tema que gera grandes discusses. Com a chegada de um

    novo sculo, as exigncias a partir do termo alfabetizao se ampliaram e a sociedade

    exige do cidado uma alfabetizao num sentido amplo, ou seja, que o cidado seja

    capaz de usar a escrita e a leitura no meio social e se valer por meio dela. No dia-a-dia

  • 25

    nos deparamos com diversos tipos de textos, com funes diferenciadas e temos que

    saber como interpret-los. Assim h necessidade de um novo tipo de leitor/escritor que

    deve estar atualizado s transformaes ocorridas no meio social.

    A partir dessa nova exigncia, o termo letramento entrou em cena com foco em

    um leitor fluente, que saiba diferenciar a leitura de um texto, um poema, uma receita,

    uma bula de medicamento, uma instruo de um caixa de autoatendimento, uma funo

    de um telefone celular [...]. A sociedade exige um indivduo que domine as mais

    variadas formas de leitura e escrita. Junto com o termo letramento, surge tambm o

    termo analfabetismo funcional, onde, no basta ao leitor dominar o cdigo alfabtico,

    preciso que domine e opere as mais variadas formas de leitura e escrita que compe o

    meio social em que ele vive. para esse novo tipo de leitor/escritor que a escola deve

    estar preparada. A partir dos estudos de Soares (2012), conceituaremos os termos

    alfabetizao e letramento e suas funes.

    Cabe escola, proporcionar situaes de aprendizado que aproximem os alunos

    dos textos e que crie um ambiente propcio para aprendizagem da leitura a da escrita.

    Alm disso, tambm funo da escola preparar o aluno para usar a leitura e a escrita

    em suas formas variadas no ambiente social. A partir desses questionamentos e por

    meio do estudo de Coelho (2000) e de outros tericos, trataremos do tema literatura

    infantil.

    Tambm recorremos aos estudos de Barbosa (2013) para questes referentes

    leitura e escrita e ao uso da literatura no processo de alfabetizao, bem como a

    mediao do professor sero discutidos. Neste sentido, torna-se importante estudar e

    investigar sobre o tema proposto e porque preciso que se pense sobre a prtica

    pedaggica que vem sendo aplicada, fazendo da instituio escolar um lugar que no

    foque apenas no domnio do cdigo alfabtico de maneira mecnica, mas sim que a

    aprendizagem da leitura e da escrita se d de forma significativa e efetiva.

    2 ALFABETIZAO

    De incio, pode-se definir alfabetizao como o processo de aquisio da

    habilidade que envolve leitura e escrita, voltada para o domnio do cdigo alfabtico.

    No processo de alfabetizao o indivduo, que pode ser criana ou adulto, aprende a

    habilidade de dominar o sistema alfabtico, ou seja, conhecer as letras e os sons que

  • 26

    representam, constituir e ler palavras, frases ou at mesmo textos. Nessa perspectiva

    Soares,

    [...] alfabetizar significa adquirir a habilidade de codificar a lngua

    oral em lngua escrita (escrever) e de decodificar a lngua escrita em oral (ler). A alfabetizao seria um processo de representao de

    fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler).

    (SOARES, 2013, p. 15-16).

    O processo de alfabetizao, ou seja, a habilidade de ler e escrever palavras,

    frases ou textos, ocorre principalmente no ambiente escolar. Pois, mesmo que o

    indivduo tenha contato com a linguagem escrita fora da escola (e na maioria dos casos

    tem), na escola que atividades efetivas de alfabetizao so praticadas, ou seja,

    exerccios que envolvem a escrita e o reconhecimento de letras e sons. Poucas famlias

    iniciam o processo de alfabetizao em casa, por isso diz-se que ele ocorre

    preferencialmente no ambiente escolar, que pode ser a Educao Infantil ou o Ensino

    Fundamental. Porm, apesar de concretizarem-se na escola, as habilidades de ler e

    escrever, so usadas tambm, e at muito mais, fora deste ambiente. para promover-se

    no meio social que a leitura e a escrita so utilizadas pelo indivduo, e a forma com que

    ele se apropria da alfabetizao pode inclu-lo ou exclu-lo da sociedade.

    Segundo Soares (2012, p. 31), [...] alfabetizao a ao de alfabetizar, de

    tornar alfabeto. Alfabetizar tornar o indivduo capaz de ler e escrever. Portanto por

    esse modo, fica evidente a definio de alfabetizao como um processo ligado ao

    domnio do sistema alfabtico.

    Porm, ainda segundo Soares (2013, p.16), [...] a alfabetizao um processo

    de representao de fonemas e grafemas, e vice-versa, mas tambm um processo de

    compreenso/expresso de significados por meio do cdigo escrito. Nesse sentido, a

    partir da segunda metade dos anos 80, passou-se a questionar os fundamentos e a

    eficincia do processo de alfabetizao, que deveria levar os alunos a uma

    aprendizagem significativa, com funes especficas para o uso social e no apenas para

    uma traduo do escrito para o oral ou vice-versa. Nessa poca, as cartilhas e os

    mtodos tradicionais de alfabetizao foram muito questionados e ditos insuficientes

    para as exigncias sociais que englobam leitura e escrita.

    A realidade passou a exigir uma alfabetizao que engloba a diversidade de

    situaes sociais impostas pelo mundo letrado. Como passamos a viver em uma

  • 27

    sociedade que se tornou grafocntrica, o conceito de alfabetizado foi reduzido quele

    que conseguia ler as letras do alfabeto e um novo termo surgiu para designar as pessoas

    que tendo sido alfabetizadas, no conseguem se valer no universo da comunicao

    escrita, os analfabetos funcionais. A partir das novas exigncias sobre a leitura, a

    escrita, seu uso e funo no meio social, o termo letramento entrou em discusso.

    3 LETRAMENTO

    Os questionamentos sobre o processo de alfabetizao, na perspectiva de que a

    alfabetizao no deve ser entendida apenas como aquisio de um domnio, fez surgir

    o tema letramento. Para Castanheira, Maciel e Martins (2009), a alfabetizao no pode

    ser compreendida somente como a aquisio de uma tecnologia. A ao de ensinar a ler

    e a escrever, possibilita mais que apenas o simples domnio de uma tecnologia,

    proporciona condies para a insero do indivduo em prticas sociais do consumo e

    produo de conhecimento em diferentes instncias sociais e polticas.

    O termo letramento comea a aparecer no vocabulrio da Educao e das

    Cincias Lingusticas na segunda metade dos anos 80, no discurso de especialistas

    dessas reas, e desde ento, tornou-se frequente na fala e escrita de especialistas e

    estudiosos da rea (SOARES, 2012).

    De acordo com Costa Val (2006, p. 19):

    O termo letramento foi criado, portanto, quando se passou a entender,

    que nas sociedades contemporneas insuficiente o mero aprendizado

    das primeiras letras, e que se integrar socialmente hoje, envolve tambm saber utilizar a lngua escrita nas situaes em que esta

    necessria, lendo e produzindo textos. Essa nova palavra veio para

    designar essa nova dimenso da entrada no mundo da escrita, a qual

    se constitui um conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades, necessrio para usar a lngua em prticas sociais.

    Ainda que um indivduo no seja considerado alfabetizado, j pode ser inserido

    em processo de letramento, pois ele j faz leitura inicial de rtulos, imagens, gestos,

    emoes. Desta forma, o contato do indivduo com o letramento acontece antes do

    contato do indivduo com as letras.

    O letramento pode ser definido como a prtica de insero do indivduo na

    cultura escrita (SOARES, 2012). Com o avano da comunicao escrita, da tecnologia e

  • 28

    o surgimento de uma sociedade intensamente marcada pela presena da escrita, a

    utilizao das habilidades de leitura e escrita tornaram-se questo de sobrevivncia.

    A escrita foi tornando-se um meio de acesso (ou obstculo) para o indivduo

    participar efetivamente da sociedade em que vive. Atualmente, a escrita tem variados

    usos e utilidades e est presente na maior parte das atividades de nosso dia-a-dia.

    Utilizamos a escrita para realizar muitas de nossas tarefas.

    Segundo Barbosa:

    A escrita social, com caracteres e funes diferentes, propicia leituras

    diversificadas. No se l da mesma maneira um folheto de divulgao,

    uma receita culinria ou um livro de literatura. Lanamos mo de estratgias de leitura diferentes para apreender as informaes

    contidas nos diferentes textos, e o nosso interesse nas informaes e o

    objetivo desejado vai determinar o tipo de leitura a ser feito. Esta flexibilidade de ateno s vrias formas de ler para apreender o

    sentido dos textos, fundamental para o homem e sua adaptao ao

    mundo moderno. atravs do letramento que o indivduo capaz de fazer uso social da competncia alfabtica, de diferentes materiais

    escritos, compreend-los, interpret-los, extrair deles informaes e

    guiar-se atravs da leitura e escrita. (2013, p. 143).

    Diferente do processo de alfabetizao, que acontece geralmente na escola, o

    letramento um fenmeno mais amplo, como j mencionamos anteriormente, ele

    envolve diferentes situaes sociais e, no se limita apenas escola. Um indivduo que

    no domina o sistema alfabtico pode ser considerado letrado, pois, consegue fazer uso

    social da escrita em determinada situao como, por exemplo, reconhecer um produto

    por meio da leitura da embalagem ou ler uma placa para identificar o nibus que

    precisa embarcar. Da mesma forma, pode-se dizer que, um indivduo que aprendeu a

    codificar e decodificar sons e letras, ou seja, foi alfabetizado, no pode ser considerado

    letrado se, no consegue compreender um texto longo, guiar-se pela escrita em um caixa

    eletrnico de autoatendimento ou enviar uma mensagem de texto em um telefone

    celular. De acordo com esses exemplos, no letramento, os indivduos conseguem

    realizar algumas prticas sociais por meio da linguagem, mesmo sem saber ler ou

    escrever. Embora esteja intimamente ligado escrita, o letramento um processo mais

    amplo que a alfabetizao, pois, envolve indivduos que ainda no dominam

    completamente a escrita. Ainda sobre isto, Costa Val (2006, p. 19) assevera:

  • 29

    possvel encontrar pessoas que passaram pela escola, aprenderam

    tcnicas de decifrao do cdigo escrito e so capazes de ler palavras

    e textos simples, curtos, mas que no so capazes de se valerem da lngua escrita em situaes sociais que requeiram habilidades mais

    complexas. Essas pessoas so alfabetizadas, mas no so letradas.

    Essa condio, embora frequente dentro da prpria escola, particularmente dolorosa e indesejvel, porque acarreta dificuldades

    para o aprendizado dos diferentes contedos curriculares, ou mesmo

    inviabiliza esse aprendizado.

    Enquanto a alfabetizao um processo voltado para o domnio do cdigo

    alfabtico, o letramento segundo Soares (2012), o estado ou condio que assume

    aquele que aprende a ler e escrever e consegue fazer uso dessa habilidade no meio

    social no qual est inserido. Embora sejam processos distintos, alfabetizao e

    letramento no devem aparecer isoladamente no decorrer do desenvolvimento dessas

    habilidades. Assim,

    [...] dissociar alfabetizao de letramento um equvoco porque, no quadro das atuais concepes psicolgicas, lingusticas e

    psicolingusticas de leitura e escrita, a entrada da criana (e tambm

    do adulto analfabeto) no mundo da escrita se d simultaneamente por esses dois processos: pela aquisio do sistema convencional de

    escrita a alfabetizao, e pelo desenvolvimento de habilidades de

    uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas prticas

    sociais que envolvem a lngua escrita o letramento. No so processos independentes, mas interdependentes, e indissociveis: a

    alfabetizao se desenvolve no contexto de e por meio de prticas

    sociais de leitura e de escrita, isto , atravs de atividades de letramento, e este, por sua vez, s pode desenvolver-se no contexto da

    e por meio da aprendizagem das relaes fonema/grafema, isto , em

    dependncia da alfabetizao. SOARES, (2003 apud Batista, 2006, p.

    13).

    Nessa perspectiva, alfabetizao e letramento so reconhecidos como processos

    distintos, porm indissociveis, ou seja, cada um com sua especificidade, porm

    fundamentais no processo de aquisio das habilidades que envolvem leitura e escrita.

    3.1 ALFABETIZAO E LETRAMENTO: processos indissociveis

    O processo de aquisio da leitura e escrita um processo amplo e complexo,

    que envolve tanto o domnio do sistema alfabtico como a compreenso e o uso da

    leitura e da escrita no cotidiano em atividades sociais variadas. Alfabetizao e

  • 30

    letramento so fenmenos diferentes, porm, complementares. Assim, a alfabetizao

    deve ser promovida na perspectiva do letramento, ou seja, deve-se alfabetizar letrando.

    Segundo Soares (apud Castanheira, Maciel e Martins, 2009, p. 92) o exerccio efetivo e

    competente da tecnologia da escrita:

    [...] implica habilidades vrias, tais como: capacidade de ler ou

    escrever para atingir diferentes objetivos para informar ou informar-

    se, para interagir com os outros, para imergir no imaginrio, no

    esttico, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio memria, para catarse...:

    habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos e gneros de

    textos; habilidades de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lanar mo desses protocolos, ao escrever:

    atitudes de insero efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e

    informaes e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstncias, os objetivos, o interlocutor

    [...].

    Desta forma, as prticas de sala de aula devem promover a alfabetizao na

    perspectiva do letramento, considerando os mltiplos usos e funes da leitura e escrita

    no meio social. Parafraseando as autoras (2009) no se trata de escolher entre alfabetizar

    ou letrar, trata-se de alfabetizar letrando, isto , ao se orientar o trabalho didtico-

    pedaggico para o letramento, no se deve deixar de lado o trabalho especfico com o

    sistema alfabtico e a construo da leitura e escrita. Ou ainda, ensinar o domnio do

    cdigo alfabtico/ortogrfico visando alfabetizao e esquecer o trabalho voltado para

    o letramento. Alfabetizar letrando, de maneira adequada, produtiva e significativa,

    implica desenvolver atividades que contemplem de forma articulada e simultnea a

    alfabetizao e o letramento.

    A escrita faz parte da vida do indivduo, e ele, reconhece sua importncia. Desta

    forma, atividades que envolvam diferentes situaes de leitura e escrita so bem vindas

    para o ciclo de alfabetizao. Os diferentes gneros textuais so timos aliados para o

    trabalho efetivo de alfabetizao em sala de aula. Neste sentido, Rojo (2006, p. 28)

    afirma que:

    [...] a alfabetizao deve, alm de trabalhar com o conhecimento do

    alfabeto, faz-los sobre textos em gneros de circulao social

    concreta, as quais so importantes para a prtica social ativa e cidad dos alunos, desde guiar-se por receitas e rtulos nas prticas

    cotidianas culinrias, at deleitar-se com um romance ou escrever uma

    carta de leitor a um jornal marcando posio. Nada impede que as

  • 31

    prticas alfabetizadoras se dem (sic) sobre textos interessantes e

    relevantes, ao invs de frases descontextualizadas e s vezes

    inimaginveis, como a girafa est na geladeira, somente porque essas apresentam determinada letra ou famlia. Os textos apresentam todas

    as letras e os professores podem reorganiz-las sistematicamente para

    estud-las com os alunos, aps lerem e escreverem coletivamente um texto num gnero em situao que seja o mais possvel aproximada

    de uso coerente.

    evidente que o trabalho com textos auxilia no processo de alfabetizao de

    forma efetiva, significativa e porque no, prazerosa. Isso porque as crianas encantam-

    se com o universo das histrias infantis e encontram-se nele. Descreveremos a literatura

    infantil, por meio de gneros variados como elemento importante no processo de

    desenvolvimento da alfabetizao e do letramento.

    4 LITERATURA INFANTIL

    A histria da literatura infantil comea a se delinear a partir do momento que a

    criana passa a ser vista como diferente do adulto, com suas caractersticas e

    especificidades prprias. Parafraseando Cunha (1994), no incio do sculo XVIII, que

    a criana passa a ser vista no mais como um adulto em miniatura e tem uma educao

    especial voltada para o universo infantil. Deste modo, passou-se a procurar uma

    literatura adequada para a infncia. Mesmo assim, o que prevalecia nesta poca eram as

    histrias de cunho moralista e paternalista, voltadas para a representao do poder.

    Perrault e os irmos Grimm esto associados ao incio da literatura voltada para

    crianas, atravs de seus contos e histrias folclricas. Tornaram-se escritores clssicos,

    conhecidos tambm, por transformarem as histrias populares contadas oralmente em

    literatura escrita, podendo assim, ser conhecida por um grande nmero de pessoas.

    Em cada pas, alm dos clssicos literrios conhecidos universalmente, vo

    surgindo aos poucos, diferentes manifestaes da literatura infantil. Para Cunha (1994),

    no Brasil, a literatura infantil tem incio com obras pedaggicas e, sobretudo adaptadas

    de produes portuguesas, demonstrando a relao de dependncia das colnias. Mais

    tarde com Monteiro Lobato, a verdadeira literatura infantil brasileira concebida.

    Desde ento, abrem-se as portas para uma nova era na literatura infantil, para

    novos autores e novas formas de escrever para o pblico infantil. Comeam a aparecer

    novas configuraes de literatura com abordagens diferentes de diversos fatores do

  • 32

    mundo infantil. Surgem stios, vilarejos e matas ao invs dos castelos e novos

    personagens so incorporados s histrias como: sabugos de milho falantes, bonecas,

    porcos personagens mitolgicos e muitos outros. Ainda sobre o incio da literatura

    infantil brasileira, Gregorim escreve:

    Evidentemente, Lobato fora o precursor de uma nova literatura

    destinada s crianas no Brasil, uma literatura que ainda passaria por

    inmeras transformaes, por uma ditadura militar e por grandes

    mudanas na tecnologia e na sociedade. Essas mudanas foram de maneira histrica e dialgica, trazendo para

    a literatura infantil a diversidade de valores do mundo contemporneo,

    o questionamento do papel do homem diante de um universo que se transforma a cada dia e, alm disso, trouxeram tambm as vozes e

    sentimentos da criana para as pginas dos livros, para as ilustraes e

    para as diferentes linguagens que se fazem presentes na produo artstica para crianas. (GREGORIM, 2009, p. 28).

    Com o crescimento da sociedade e a influncia da industrializao houve um

    crescimento significativo na produo e consumo de livros. Em conjunto a essas

    transformaes o processo de ensino teve sua ampliao e a ligao entre a literatura e a

    escola comea a ser constituda. Com o passar dos anos, apesar de todos os avanos

    tecnolgicos, a enxurrada de brinquedos interativos e a exploso dos meios de

    comunicao, a literatura no perdeu seu destaque no campo da educao e ainda

    considerada um caminho essencial para a evoluo de um povo por pais e educadores.

    Coelho afirma que:

    A literatura, e em especial a infantil, tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformao: a de servir como agente de

    transformao, seja no espontneo convvio leitor/livro, seja no

    dilogo leitor/texto estimulado pela escola. ao livro, palavra escrita, que atribumos a maior responsabilidade na formao da

    conscincia de mundo das crianas e jovens. COELHO (2000, p.

    15).

    Ainda segundo este mesmo autor [...] a valorizao da literatura infantil como

    fenmeno significativo e de amplo alcance na formao das mentes infantis e juvenis,

    bem como dentro da vida cultural das sociedades, conquista recente (p. 30).

    Ultimamente se discute sobre os benefcios da literatura infantil como aliada no

    processo de aprendizagem, pois atravs da palavra que o cidado evolui e se relaciona.

    A literatura tenta ganhar espao e valor no meio pedaggico e familiar. O meio social

  • 33

    no qual estamos inseridos nos impulsiona a usar as tcnicas de leitura, pois por meio

    dela que podemos nos promover, ou somos excludos da sociedade.

    Conforme Coelho (2000, p. 27):

    A literatura infantil , antes de tudo, literatura; ou melhor, arte: fenmeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida,

    atravs da palavra. Funde os sonhos e a vida prtica, o imaginrio e o

    real, os ideais e sua possvel/impossvel realizao [...]. Literatura uma linguagem especfica que, como toda linguagem,

    expressa uma determinada experincia humana, e dificilmente pode

    ser definida com exatido.

    A literatura infantil abrange modalidades bem distintas de textos, que vo [...]

    desde os contos de fada, contos maravilhosos, lendas, histrias do cotidiano... at

    biografias, romances, literatura documental ou informativa (COELHO, 2000, p. 47).

    Cada um desses tipos de texto pode ser utilizado como ferramenta de leitura para as

    crianas em processo de alfabetizao. importante que o professor conhea e saiba

    conduzir o trabalho com os diferentes tipos de texto e disponibilize aos seus alunos o

    contato com eles.

    A literatura infantil uma tima ferramenta para auxiliar no processo de

    alfabetizao independente do tipo de obra a ser utilizado, e atualmente, uma vasta

    quantidade de obras literrias est disposio das crianas e dos educadores. Cabe ao

    professor, ter condies de conduzir esse encontro de maneira produtiva e prazerosa. A

    escola, lugar de socializao e mltiplos aprendizados, espao privilegiado para a

    literatura encontrar o leitor, esse encontro ideal para a formao da nova mentalidade.

    Sobre isto, Coelho escreve:

    [...] a escola , hoje, o espao privilegiado, em que devero ser lanadas as bases para a formao do indivduo. E, nesse espao,

    privilegiamos os estudos literrios, pois, de maneira mais abrangente

    do que quaisquer outros, eles estimulam o exerccio da mente; a percepo do real em suas mltiplas significaes; a conscincia do eu

    em relao ao outro; a leitura do mundo em seus vrios nveis, e

    principalmente, dinamizam o estudo e conhecimento da lngua, da

    expresso verbal significativa e consciente [...]. (2000, p. 16).

    Desta forma, pode-se reconhecer a escola como ambiente privilegiado de

    aprendizagem e interao, a literatura infantil como caminho para o acesso e

  • 34

    participao efetiva na sociedade letrada, e o professor com agente ativo, mediador do

    processo efetivo de alfabetizao e letramento.

    5 LITERATURA INFANTIL, ALFABETIZAO E LETRAMENTO

    A relao do homem com a literatura iniciou num passado j mais distante, com

    as narraes orais. Naquela poca havia tempo e espao para a famlia compartilhar

    experincias e narrar vivncias de seu dia a dia. Coelho (2000, p. 16), pondera que:

    Ao estudarmos a histria das culturas e o modo pelo qual elas foram

    sendo transmitidas de gerao para gerao, verificamos que a

    literatura foi seu principal veculo. Literatura oral ou literatura

    escrita foram as principais formas pelas quais recebemos a herana da tradio que nos cabe transformar, tal qual outros o fizeram, antes de

    ns, com os valores herdados e por sua vez renovados. (2000, p.16).

    Com a inveno da escrita as histrias antes contadas oralmente, que passavam

    de gerao para gerao, puderam ser registradas por escrito e desta forma jamais foram

    esquecidas. A arte de contar e ouvir histrias uma herana cultural, que mesmo com o

    avano das tecnologias, no foi esquecida e muito apreciada no universo infantil.

    Desde suas origens pr-histricas, o homem procurou se comunicar ou

    marcar sua presena no mundo atravs de uma determinada escrita,

    isto , de uma forma concreta de registrar sua fala e faz-la perdurar no tempo. Foram vrios os suportes fsicos descobertos pelo homem

    para inscrever suas mensagens: pedras, tabuinhas de argila, peles de

    animais, o crtex das rvores,, junco, chifres... materiais tirados da natureza e nos quais, com auxlio do buril, o escritor fazia riscos

    para transmitir seus pensamentos aos outros. A partir dessa escrita

    rudimentar em desenho, os suportes fsicos foram evoluindo at

    chegarem nossa civilizao, com a inveno do papel e do livro, em cujas pginas a criao literria adquire corpo verbal e se torna

    acessvel aos leitores. (COELHO, 2000, p. 65).

    Sendo ento uma arte to antiga, e ainda muito apreciada, no se pode negar os

    benefcios das histrias no desenvolvimento da criana e no processo de alfabetizao e

    letramento. Ler e escrever so tarefas fundamentais desde que a escrita passou a fazer

    parte de nossa vida. atravs da leitura e da escrita que interagimos com as situaes

    variadas do cotidiano e com o mundo a nossa volta. A criana que entra em contato com

    a literatura pode desenvolver e aprimorar tanto a linguagem oral como a linguagem

  • 35

    escrita. Nessas atividades a criana pode ampliar seu vocabulrio, e procurar nos livros

    outras histrias ou at mesmo, escrever sua prpria histria.

    De acordo com Saraiva

    [...] a leitura constitui fonte de prazer na medida em que atende as

    necessidades de ludismo e de informao da criana. Por meio da

    leitura, o aluno satisfaz essas necessidades, sendo-lhe permitido assumir uma atitude crtica em relao ao mundo, advinda das

    diferentes mensagens e indagaes que os textos suscitam. (2001, p.

    12).

    A sociedade da qual fazemos parte conhecida como grafocntrica, pois, a

    escrita est presente em todos os espaos e cumpre diversas funes na vida dos

    cidados. Muitas vezes, ao entrar na escola, o aluno tem como experincia de

    alfabetizao a utilizao de textos sem sentido que tm como propsito a avaliao da

    construo do sistema alfabtico.

    Sendo assim, vale ressaltar que:

    [...] o aprendizado da leitura no dispensa desde o incio da alfabetizao, livros para crianas. O trabalho de automatizao da

    decodificao deve ser concomitante com o da leitura de textos

    variados. Da, na iniciao literria desde a pr-escola, a importncia dos livros de imagem, com ou sem texto escrito, no trabalho com as

    narrativas. Eles podem ser uma grande alavanca na aquisio da

    leitura, para alm da simples decodificao. (FARIA, 2012, p. 22).

    importante que a escrita tenha sentido e significado para a criana, pois na

    sociedade em que vivemos a escrita muito importante e nada do que se escreve sem

    sentido ou sem significado. Cada texto tem uma funo que pode ser informar, instruir,

    guiar, divertir e outras mais. Neste sentido, importante que o professor, tenha

    conscincia de que a escola a grande responsvel pelo acesso da criana ao mundo da

    escrita e que perceba as mltiplas funes do uso da leitura e escrita na sociedade.

    No raro observarmos professores que consideram necessria a interao com diferentes gneros textuais na formao do

    leitor/escritor competente, mas que, na sala de aula, recorrem

    basicamente a pseudotextos no trabalho de alfabetizao. Esse tipo de prtica no possibilita aos estudantes interagir com materiais escritos

    fora do espao escolar nem refletir sobre as funes sociais desses

    textos e sobre as relaes que se estabelecem entre as pessoas por

  • 36

    meio desses textos. (CASTANHEIRA; MACIEL; MARTINS, 2009,

    p. 17).

    Um dos dilemas atuais sobre a utilizao da literatura infantil, nas classes de

    alfabetizao, portanto sries iniciais do Ensino Fundamental a forma com que os

    professores lidam com a escolha do texto. Muitas vezes a leitura empobrecida com

    textos sem sentido, sem significado, retirados de livros didticos, ou fragmentados sem

    preocupao com o contexto da histria, apenas para fixar o contedo desta ou daquela

    famlia silbica. Desta maneira, o trabalho com o texto perde seu objetivo maior que o

    de formar cidados letrados capazes de usar a escrita no meio social tirando-os da

    condio de analfabetismo funcional. A esse respeito, Castanheira recorre a Freire

    (1991), quando este afirma que: No basta saber ler Eva viu a uva. preciso

    compreender qual a posio que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para

    produzir a uva e quem lucra com esse trabalho. Ao analisar isto, o autor relata que:

    Dessa forma, Freire chama a nossa ateno para o fato de que no basta simplesmente dominar a escrita como um instrumento

    tecnolgico. preciso considerar as possveis consequncias polticas

    da insero do aprendiz no mundo da escrita. Essa insero favoreceria uma leitura crtica das relaes sociais e econmicas

    (re)produzidas em nossa sociedade. (CASTANHEIRA; MACIEL;

    MARTINS, 2009, p. 15).

    muito importante que, o professor reconhea que as atividades envolvendo a

    leitura e a escrita tenham significado e sejam prazerosas para a criana e que no sejam

    simplesmente um processo mecnico, descontextualizado que se baseia em exerccios

    mecnicos de frases e palavras pautados somente em princpios silbicos. Se as

    atividades que envolvem leitura e escrita forem superficiais, mecnicas, repetitivas e

    sem significado, a leitura e a escrita no tero valor para a criana, assim essas

    habilidades ficam comprometidas. Para que a leitura e a escrita tenham valor para a

    criana a escolha do texto muito importante, ele deve ser de interesse da criana para

    lhe chamar a ateno e para que a criana se envolva com a narrativa.

    Sobre o assunto, Barbosa salienta que:

    [...] bom lembrar que as letras e palavras sero mais facilmente aprendidas se estiverem dentro de frases com sentido. Pedir a uma

    criana que identifique letras ou palavras isoladas dificultar a leitura,

    pois o nmero de possibilidades (incertezas) est maximizado. Sem o

  • 37

    apoio do contexto (seja o assunto ou suporte da escrita), as

    possibilidades multiplicam-se enormemente, a incerteza aumenta. Um

    aluno no pode ser capas de identificar uma palavra isoladamente, mas poder a vir identific-la numa frase atravs de outros ndices.

    (BARBOSA, 2013, p. 169).

    Desta forma, imprescindvel que o educador tenha conscincia da

    responsabilidade da escola no processo de acesso do aluno ao mundo da escrita e

    perceba a alfabetizao e o letramento como processos complexos, porm, com

    mltiplas possibilidades de uso social. Nesta perspectiva, as prticas de leitura e escrita

    promovidas na sala de aula devem contemplar a alfabetizao na perspectiva do

    letramento. Sendo assim, cabe ao professor, promover o processo de aquisio das

    habilidades de leitura e escrita aliando o trabalho com textos escritos de interesse dos

    alunos ou que se aproximem de situaes reais vividas pelos alunos. Barbosa (2013)

    explica que ajudar uma criana no procurar transmitir um saber; permitir que ela

    construa estratgias de que necessita para usar a escrita quando quiser brincar, agir,

    informar-se, distrair-se, etc. (BARBOSA, 2013, p. 169). O papel do professor neste

    caso muito importante para que o aluno tenha condies de acesso ao mundo letrado e

    adquira as habilidades que lhe permitiro fazer uso efetivo da leitura e da escrita.

    Alm de promover a alfabetizao e o letramento, o uso da literatura infantil na

    sala tambm serve para a formao do aluno leitor. Por isso, alm de usar as estratgias

    de alfabetizao, o professor um dos principais agentes que podem promovem a

    leitura. Cabe ao professor reconhecer que alm do encantamento e magia que a

    literatura causa no universo infantil, ela tambm uma ferramenta importante para a

    aquisio das habilidades de leitura e escrita e para o processo de formao de futuros

    leitores. Desta forma, pode-se dizer que a literatura infantil um elo, uma ligao entre

    letras, palavras, frases, textos ao pensar, ao agir, ao vivenciar, ao questionar e refletir

    sobre as interpretaes que a leitura leva o leitor a fazer; formando assim, sujeitos

    letrados, capazes de tecer suas prprias concluses e questionamentos acerca do

    contexto no qual esto inseridos. preciso formar um leitor envolvido integralmente

    com o que l. Segundo Saraiva apropriar-se do sistema de escrita muito importante

    para a criana, assim toda palavra:

    [...] suscita pois, o desejo das crianas de romperem com seu crculo para, atravs da superao das dificuldades inerentes conquista do

    cdigo escrito, aderir a um espao de direitos mais plenos. O domnio

  • 38

    da leitura uma experincia to importante na vida da criana, que

    determina o modo como ela ir perceber a escola e aprendizagem em

    geral. Em decorrncia disso, o esforo despendido pela criana no reconhecimento de letras e palavras precisa aliar-se certeza de que

    ser compensado pela leitura de textos estimulantes. (SARAIVA,

    2001, p. 81).

    Alm do saber terico, para despertar o interesse pela leitura e tornar prazeroso o

    contato da criana com o universo da literatura infantil, enriquecendo assim o processo

    de aquisio das habilidades de leitura e escrita, o professor deve ter sido antes,

    encantado pelas histrias. No pode despertar paixo pelas histrias quem antes, no foi

    encantado por elas. Nesse sent