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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo ‐ SP – 05 a 09/09/2016
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Análise das capas do jornal Extra sobre o Massacre de Realengo1
Caroline Feijó Souza e SILVA2
Laiz CARVALHO3 Larissa Bozi LIMA4
Letycia Gomes NASCIMENTO5 Luis Henrick Teixeira da SILVA6 Sandra Sueli Garcia de SOUSA7
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de analisar, sob a ótica da ética jornalística, sete capas do Jornal Extra a respeito do massacre de Realengo no período de um ano: 2011-2012. Tratando-se de um caso trágico envolvendo a morte de crianças e adolescentes, o artigo examina a abordagem jornalística de acordo com os conceitos éticos, levantados pelos estudiosos Francisco Karam (1997) e Eugênio Bucci (2000), por meio da metodologia semiótica, de Charles Sanders Pierce (1998).
PALAVRAS-CHAVE: cobertura; Massacre de Realengo; Jornal Extra; ética; sensacionalismo. 1 INTRODUÇÃO
O dia 7 de abril de 2011 ficará para sempre marcado na memória dos cariocas e de
todos que viram a tragédia que se abateu sobre a Escola Municipal Tasso da Silveira, em
Realengo. Na manhã do dia 7, a primeira chacina em uma instituição de ensino brasileira
matou 12 crianças. Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, autor do crime, era ex-
aluno da escola e planejava o morticínio há muito tempo. O Massacre de Realengo, como o
caso ficou conhecido, evidencia pontos cruciais na formação da sociedade, muitos deles no
que diz respeito à gestão de ações educativas e psicopedagógicas. Contudo, buscar expor os
efeitos do episódio junto à comunicação, a exploração do assunto e a ética por trás de temas
delicados como esse, faz-se urgente para a área comunicacional.
1 Trabalho como avaliação parcial para a disciplina de Ética, Política e Comunicação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 3 Estudante do 8º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 4 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 5 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 6 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 7 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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O presente artigo busca pensar semioticamente como o Jornal Extra abordou o
ocorrido em suas capas durante o período de um ano em que se seguiu o episódio. A partir
da coleta de dados foi possível observar que o caso foi destaque em apenas sete capas em
todo o primeiro ano que sucedeu o massacre.
Os veículos de comunicação são, ao mesmo tempo, detalhistas e superficiais ao
relatar o terror sofrido no Massacre de Realengo. Hegemonicamente, os grandes jornais
cariocas exploraram o lado do atirador, o jovem Wellington Menezes, em detrimento das
consequências da chacina para a população local e para as famílias das vítimas.
As capas analisadas para a construção do artigo deixam claro que é preciso olhar
outros pontos de vista sobre o assunto. Afinal, em todas elas o assassino ganha seu
destaque. As capas deixam de lado o fato de que o horror vivido em Realengo é o primeiro
na história do País ou a dor da perda de 12 crianças para suas famílias e amigos.
Mas, para além de analisar as capas do veículo, a intenção é entender eticamente até
onde cabe o papel da comunicação em repetir tantas vezes o mesmo assunto doloroso para a
sociedade. Desta forma, o principal objetivo deste artigo é demonstrar como a mídia retrata
crimes de grande comoção e repercussão no cenário nacional e as implicações éticas
geradas devido à especificidade do tema. Procuramos explorar, também, quais artifícios são
utilizados, com que finalidades e, além disso, qual a visibilidade que se dá ao Massacre de
Realengo. Buscando questionar a ética nas ações midiáticas do jornal Extra acerca do
assunto, com auxílio de produções de autores como Karam (1997) e Bucci (2000).
Ao analisar as capas do jornal Extra sobre a chacina de Realengo, pretende-se
demonstrar o quanto o jornal tenta atrair o leitor pelo caráter mórbido da notícia. Uma
leitura profunda, tanto dos textos quanto das imagens das edições, é capaz de indicar as
manobras utilizadas para que o veículo alcance uma boa arrecadação e, a partir disso, fazer
o questionamento ético.
Com essa análise, também buscamos entender as consequências do tom mórbido e
sensacional do jornal, tanto para os envolvidos na tragédia (familiares e demais estudantes
da escola) quanto para o leitor.
Mídia, sensacionalismo e semiótica
É preciso entender o Sensacionalismo como uma ferramenta perspicaz no âmbito da
comunicação visto que, ao mesmo tempo que traz ao leitor uma proximidade emocional
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com a notícia, ele transforma o assunto em algo publicizado. Assim, faz-se com que o fato
perca sua relevância social e moral, quando tratado apenas como um produto atrativo a
consumidores. De acordo com o jornalista Alberto Dines (1986), cada tipo de veículo é
dirigido e absorvido por um determinado mecanismo sensorial. Isso não quer dizer que a
grande diferença entre os veículos informativos não acentue ainda mais a luta pela
audiência do telespectador ou ouvinte e pela fidelidade do leitor.
Quanto mais massificadas forem a sociedade e a informação, mais o ser humano procurará formas exclusivas de informação, e os meios eletrônicos, pela própria natureza da recepção, são coletivos. O jornal consegue atender a cada leitor que o manuseia e, na medida que o satisfaz, torna-se sua propriedade. (DINES, 1986, p. 77)
O posicionamento abordado pelo veículo foi a divulgação de notícias já prontas,
fornecidas pelo próprio atirador através de cartas e vídeos, deixando evidente um
jornalismo de caráter curioso e mórbido (KARAM, 1997). Manuel Carlos Chaparro (2001)
afirma que o jornalista parece ter renunciado ao papel de narrador de seu tempo, ou então
perdeu a percepção humanística desse papel.
O jornalismo não pode ter a ambição vaidosa de assumir papéis e espaços que devem pertencer a outros sujeitos, principalmente os que constroem as divergências e os confrontos. Ao contrário, a meu ver, ele deve privilegiar e desenvolver em si mesmo a missão de captar, entender, interpretar e ajustar ou confrontar os discursos organizados dos grupos sociais, institucionalizados ou não, sejam eles produtores de ações ou vítimas delas. (CHAPARRO, 2001. p.99)
Este recorte feito pelo jornal deixa a desejar e não reflete a totalidade do
acontecimento, estabelecendo, em segundo plano, a cobertura sobre a história das vítimas.
Faz-se necessário, portanto, compreender primeiramente, a partir do jornal emissor, a
mensagem (visual e textual) que o Jornal Extra transmitiu aos seus leitores e as causas que
culminaram nesta visão.
Para isto, é preciso uma análise semiótica das capas deste jornal, a fim de partir
destas, refletir os conceitos teóricos que levaram a escolha da abordagem do veículo.
A importância de se estudar a visão do jornal impresso, pela análise semiótica, dá-se
não apenas pela estrutura de diagramação e textos das capas, mas também pelo fato de que
a visão difundida pelo veículo acaba por refletir o meio social. Logo, a partir de tal meio é
possível identificar os parâmetros éticos do jornalismo na noção de realidade sobre o que é
transmitido para a sociedade.
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Alex Pacheco (2005) afirma que “As notícias sensacionais e que chocam atraem o
público; contudo, na maior parte, são apuradas de forma inadequada, sem profundidade e
com grandes possibilidades de distorcer o contexto real dos fatos”. (s.p.)
Acredita-se que o discurso midiático sensacional (que se utiliza da emoção para
aproximar-se do popular) é capaz de produzir uma representação tão forte no público que o
faz interpretar aquilo que vê ou lê como a realidade. A narrativa jornalística aproxima o
fato, mas o distorce. O enquadramento jornalístico (formatação da notícia, seleção de
imagem, de fontes, título, espaço no jornal) compõe um recorte sobre o acontecimento.
Supomos que este recorte seja o maior responsável pelo grande destaque dado ao atirador e
não as famílias, para atrair o leitor à compra do jornal. Acreditamos, inclusive, que, apesar
de capas pitorescas, existe um texto mais complexificador, porém, que fica deslocado ao
enquadramento. Há uma condução brusca na edição das capas para uma lógica comercial.
Outro elemento que consideramos são os dilemas dos princípios éticos no
jornalismo. A repercussão social do morticínio deve ser vista como uma significação
diferente para o emissor. Por ser um caso único no país, com todas as informações expostas
e a necessidade do furo de reportagem, o veículo levou em consideração princípios de
prestação de serviço destacados nos principais códigos de ética, porém, deixando de lado
outras propriedades. Ou seja, utilizando os códigos a seu favor.
A semiótica é a ciência geral dos signos dos quais os mais comuns são as palavras.
No entanto, ela não se limita apenas ao aspecto verbal, há uma análise sobre qualquer
sistema de signos – artes visuais, música, fotografia, cinema, moda, gestos, religião, entre
outros. Exatamente como Pierce (1998) afirma, isto é, a semiótica como teoria geral dos
signos, que não se aplica somente à fala ou escrita, mas qualquer estrutura cujos elementos
têm uma relação específica. Então, um signo é a ação de representar uma coisa que está no
lugar de outra para alguém ou para um organismo. Um signo pode possuir um significado
para um grupo diferente do que possui para outro.
A semiótica foi escolhida uma vez que o estudo demonstra a transformação da
informação em linguagem visual. E por ela transmitir um significado através da relação,
segundo Pierce, do signo, objeto e interpretante. Por isso, vale ressaltar que a organização
dos signos provoca determinados efeitos pretendidos. Então, a escolha das capas desejava
causar um impacto social mais do que informativo.
Sobre os princípios éticos, que norteiam este trabalho, as concepções de Francisco
Karam (1997) ressaltam que o jornalismo precisa tratar das tragédias de comoção para
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valorizar as consideradas grandiosas, mas observa a necessidade de relatos diferentes sobre
o mesmo assunto. No caso da tragédia de Realengo, ao se prenderem ao dia da tragédia e
aos indícios de terrorismo do atirador, os jornais passaram sempre a mesma imagem da
violência:
Por isso, o jornalismo precisa lidar com esta diversidade que inclui dor e prazer, mesquinharia e grandeza, alegria e tristeza. É por isso que inclui diversidade das fontes, de opiniões, de antagonismos morais, de relatos diferenciados sobre os acontecimentos e de várias versões sobre os mesmos fatos. Eliminar isso é simplesmente querer que o jornalismo, o presente e o futuro submetam a lógica pessoal e à moral particular, vertentes nítidas para o autoritarismo e a opressão. (KARAM, 1997, p.79)
Os grandes veículos preocuparam-se em localizar as vítimas, seus familiares,
moradores da redondeza e os heróis, criando um espetáculo na porta da escola, esmiuçando
a tragédia com sensacionalismo. Segundo Bucci, "quando o jornalismo emociona mais do
que informa, tem-se aí um problema ético, que é a negação de promover o debate das ideias
no espaço público" (BUCCI, 2000, p. 145).
ANÁLISE
A primeira capa sobre o assunto foi na edição do dia 8 de abril de 2011, um dia após
a tragédia. Com a chamada ‘Vira pra parede que eu vou te matar’, frase dita pelo atirador
antes de atirar nas crianças, a capa é completada com a fachada da escola manchada de
vermelho, como sangue respingado, e a foto de seis vítimas, todas garotas.
Nesta capa podemos notar vários signos, cada um deles buscando dar ao objeto um
direcionamento pré-definido que influencie diretamente o interpretante.
O artifício de manchar a fachada da escola via programa de edição de imagem é um
signo em forma de ícone, carregado de significados diretamente ligados ao ocorrido. Todo
discurso é interessado, e o jornal demonstra ter um propósito usando este artifício gráfico na
composição da capa. O objeto é o significado que pretende ser passado e o interpretante é a
conclusão que o leitor terá ao olhar a capa.
A fachada marcada de vermelho é de forma ampla um signo. Dentro dos signos, é
um ícone, pois se relaciona com o objeto por meio de associação convencionais e
consensuais, como a tinta vermelha que remete diretamente ao objeto (sangue), que dá a
ideia de ser derramado pelas vítimas do massacre. O interpretante faz a ligação: sangue, em
contato com algumas superfícies, mancha. Ao tingir as paredes da fachada da escola com
tinta vermelho-sangue, o ícone representado ali intenta mostrar ao interpretante de que a
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mancha (no sentido de memória, ou marca na lembrança) provocada pelo massacre ficará
perpetuada na história daquele local.
Nesta edição, não há nenhuma outra chamada de capa, o massacre de Realengo
ocupa toda a página principal do jornal.
Com o evidente objetivo de chocar o público e atrair a atenção do leitor, o jornal
usou de artifícios gráficos para se destacar entre os veículos impressos. Segundo Manuel
Carlos Chaparro (2001), a linguagem jornalística é a linguagem dos conflitos, e o ícone que
remete ao sangue das vítimas atrai o leitor que busca um caráter mórbido e conflituoso na
cobertura jornalística. O conflito atrai o leitor, e o profissional de comunicação sabe disso.
Porém, cabe ao jornalista procurar andar na linha tênue do limite ético da profissão. Para
ele, “o jornalismo tornou-se o espaço público dos confrontos discursivos" e tudo "o que o
jornalismo relata são conflitos" (CHAPARRO, 2001. p.38), mas é de responsabilidade do
profissional não abandonar sua humanidade e lembrar que, como bom profissional, precisa
se colocar no lugar das fontes e dos personagens envolvidos na história que pretende relatar.
A segunda edição que aborda a Chacina foi publicada no dia 09 de abril. Nela, o
jornal conta mais detalhadamente os preparativos para o crime, com que arma o atirador
cometeu a carnificina, como a conseguiu e até quantas vezes atirou em cada aluno. A edição
informa, por exemplo, valor do revolver, a forma de pagamento, quantas balas haviam, e
salienta que o algoz poderia ter feito mais vítimas e, ainda, que elas poderiam ter sido
escolhidas, visto que Wellington esteve na escola na semana anterior ao crime. Na capa, o
destaque da cobertura fotográfica é de amigos e parentes das vítimas, todos chorando. Na
parte inferior do exemplar, há a utilização da imagem de uma das vítimas no caixão,
acompanhada do título “Atirador disparou duas vezes contra cada aluno”. Apenas a parte
baixa da capa do jornal recebeu manchetes de outros assuntos não relacionados ao
massacre, cerca de 1/10 do espaço total.
Todas as fotos da edição são de crianças. A primeira imagem é a maior. Nela, um
menino chora, o que causa comoção e desperta no leitor diversas emoções acerca da
tragédia. Acima, o chapéu8 “Cenas de uma dor inexplicável” acompanha imagens que
claramente denotam dor e sofrimento. A fotografia que mais choca é a última, que está na
parte inferior da capa: uma das vítimas sendo sepultada.
8 Sobre o título há uma pequena informação, geralmente uma frase curta relacionada ao assunto. Essa frase é chamada de Chapéu.
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O jornal Extra é uma empresa privada e, como tal, visa o lucro, dessa forma, o
questionamento é a validação da utilização de uma imagem que pode causar tanta dor aos
familiares da jovem Luiza para fins comerciais.
O sensacional no jornal vende tanto quanto a matéria de fundo: diferente do jornal publicitário, a mercadoria do jornal liberal é a informação, sensacionalizada e mutilada para tornar-se mais vendável, mas ainda um artigo de real procura dos consumidores. Sob essa perspectiva, jornais podem vender tudo, desde que lhes seja lucrativo. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 88)
A preocupação com a exposição de uma menina foi sobreposta, ali, para causar
sentimentos nos leitores. Inquestionavelmente, todas as vítimas do massacre foram
sepultadas e enterradas, o leitor não precisa, assim, da exibição imagética de tal fato para
confirmá-lo.
Para Karam (1997), o problema ético do jornalismo tange a questão dos monopólios
e oligopólios da propriedade dos meios, e concentra-se também na exposição da vida
privada sob o pretexto de interesse público. Entretanto, para ele, o jornalista deve mostrar
tudo aquilo que “humaniza” quanto aquilo que “desumaniza” o homem. O paralelo traçado
é que, embora o assunto deva ser retratado, deve haver cuidado quanto ao falar de algo de
tamanha delicadeza, ainda mais quando a finalidade gira em torno de capital. Portanto,
quando ela acontece de forma sensacionalista e há violação da privacidade de uma vítima
em um caixão, os princípios éticos foram esmagados.
Para Debord (1997), o espetáculo é uma forma de demonstrar a racionalidade do
sistema e do setor econômico, que buscam a venda e o lucro:
A raiz do espetáculo está no terreno da economia que se tornou abundante, e daí vêm os frutos que tendem afinal a dominar o mercado espetacular, a despeito das barreiras protecionistas ideológico-policiais de qualquer espetáculo local com pretensões autárquicas (DEBORD, 1997, p. 39).
A intenção deve ser a de informar o leitor, trazer a quem não estava presente a
emoção do ocorrido. Quando se age segundo essa perspectiva, a ética no jornalismo se
conserva mais facilmente, já que há a possibilidade de se entregar a informação ao leitor
sem que se atinjam pessoalmente os familiares das vítimas, por exemplo. Um jornal de
grande circulação foi capaz de decidir, dessa forma, a última imagem que as pessoas
próximas à Luiza teriam da jovem. O caráter mórbido contido na edição vai de encontro ao
que diz o artigo 11º do Código dos Jornalistas Brasileiros (“Art. 11º O jornalista não pode
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divulgar informações: - de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores
humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes” p.10)
No dia 10 de abril de 2011, o Jornal Extra fez mais uma capa sobre o massacre de
Realengo. Com o título “Como o bobão da turma virou uma besta assassina” o Jornal usa
mais uma vez de programa de edição gráfica para transformar uma foto do atirador em um
quebra-cabeças. A ausência de algumas peças demonstra qual será o posicionamento dali
por diante: vasculhar a vida do atirador, a fim de encontrar fatos que justifiquem seus atos e
preencha as lacunas dos motivos que o levaram a promover o crime que chocou o país. A
escolha das palavras usadas no título e subtítulo da manchete enfatizam o juízo de valor
expresso pelo veículo, uma vez que denomina o assassino como “bobão” da escola, “besta
assassina”, “egoísta e cruel” de personalidade “monstruosa”. A escolha das palavras feitas
pelo autor do texto trabalha o que Pierce (1998) denomina como significante, ou seja, o
termo escolhido expresso, quando acompanhado de composição imagética. A mensagem
clara que o Extra deseja dar: que independente de quem tenha sido Wellington Menezes,
sua personalidade “cruel e monstruosa” o justifica. Olhando a capa desta edição através da
semiótica vê-se que a utilização do quebra-cabeça como símbolo não se justifica quando
olhando separadamente de todo o contexto de mistérios sobre a vida do assassino. Segundo
Martino (2012, p.116) “o símbolo é aquilo que vem junto, é a forma mais distante de
relação entre um signo e o significado”. Portanto o símbolo do quebra-cabeça transforma-se
em ícone que é, ainda segundo Martino, a representação direta do fato, não havendo como
desvincular um ícone de seu momento representativo. Na edição, o assunto não tomou
conta de toda a capa, apenas da parte superior, embaixo constava ainda a suíte do assunto
tratado no dia anterior: a compra da arma usada no crime. Além de mais uma imagem de
pessoas tristes durante a despedida no enterro e velório das vítimas.
A retenção é o que mais importa, pois os veículos, na competição para fazer valer sua força, procuram fazer com que suas mensagens sejam mais bem retidas. A resposta da audiência será uma consequência da retenção obtida. (DINES, 1986, p. 66)
A repetição das imagens do velório e a informação sobre a obtenção da arma são
postas propositalmente para marcar o leitor dos horrores da Chacina, além, é claro, de
despertar o desejo de conhecer mais sobre o fato, fidelizando o leitor de acordo com Dines
(1986).
A quarta capa analisada, datada do dia 12 de abril de 2011, reserva um espaço mais
modesto ao assunto: apenas sua parte superior. O destaque foi a reconstrução da escola,
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com a chamada: “Ex-professores ajudarão a recriar a Tasso da Silveira” que, segundo
informa o jornal, recebeu oferta de licenciados e aposentados para continuarem as aulas, de
forma voluntária. O que intriga é o pequeno texto que acompanha a chamada. Seguido de
uma nova imagem do atirador, a publicação esquece o destaque da manchete. O jornal dá
continuidade a missão de seguir os rastros do assassino, ressaltando a carta deixada por
Wellington e o sigilo eletrônico e telefônico que foram quebrados. Apenas o final do texto
retoma a limpeza da escola, que é destacada com uma grande imagem de um gari, ajudando
a limpá-la, como diz a legenda. Para Barthes, as duas estruturas compõem a formação da
mensagem:
A totalidade da informação é, pois, suportada por duas estruturas diferentes (das quais uma é linguística); essas duas estruturas são convergentes, mas como suas unidades são heterogêneas, não podem se misturar; aqui (no texto) a substância da mensagem é constituída por palavras; ali (na fotografia), por linhas, superfícies, tonalidades. (BARTHES, 1990, p. 11)
A imagem é difícil de ser associada com o texto, já que não o complementa
diretamente. Faz-se necessário ler toda a composição referente ao Massacre na capa, para
que se faça a associação.
Quinta capa, dia 13 de abril de 2011, e mais uma vez o destaque é para o atirador.
Incansável na busca de informações sobre a privacidade do responsável por interromper a
vida das crianças, o jornal usa como título a informação de que “A família culpava atirador
pela morte da mãe”, acompanhada de um “print” de um vídeo gravado pelo assassino, onde
deixa uma mensagem sobre o ataque que faria. A imagem representa o ícone na semiótica,
uma vez que é uma representação direta do vídeo, congelando o tempo do significado da
fotografia. Fica clara a tentativa do jornal de saciar a curiosidade do público sobre o que
levou um jovem a cometer tais atos, assim como também seus fins comerciais, pois sabe
que outros veículos vão destacar o conteúdo dos vídeos. O assunto toma conta da parte
superior do jornal, e é completada, mais uma vez, com uma imagem do atirador. Nenhuma
referência é feita às famílias das vítimas.
Novamente com o atirador em evidência, a sexta capa analisada data do dia 14 de
abril de 2011, e traz como título “Atirador doou dinheiro a jovens”. A capa mostra mais
uma tentativa de destacar o assassino das crianças. O vermelho é usado de novo como
ícone, a fim de remeter a ideia de sangue e para chamar a atenção do leitor pela cor
vibrante. A foto da chamada é do policial que foi um dos primeiros a chegar ao local. A
imagem é um ícone, pois evidencia o oficial sendo abraçado e beijado pelos alunos que
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sobreviveram ao massacre, acentuando-o como “herói” e “salvador” das crianças
sobreviventes. A cena junto com o título foi uma sacada do jornalista em destacar o
contraste entre o “monstro” e o “herói”. Dessa maneira, é possível observar que o atirador
nunca é deixado de lado, ele sempre é destaque, seja no título ou na foto.
A sétima e última capa analisada traz a imagem do atirador portando uma arma
apontada na direção da câmera, e destaca a informação de que ele deixou um testamento em
vídeo. Na manchete: “Assassino de 12 crianças deixou vídeo testamento”, o jornal abre um
espaço para tratar das condições dos sobreviventes, e mostra na fotografia a visita que
Ronaldinho Gaúcho, jogador de futebol do Flamengo, na época, fez para vítimas internadas.
O jornal utiliza diagramação igual à do dia 12 de abril, com a imagem de Wellington no
mesmo local. O pequeno texto que acompanha a chamada destaca o testamento deixado
pelo atirador e suas justificativas. Mais uma vez, o jornal abre espaço para o bom e o mau,
destacando o jogador como um “bom moço” e passando a impressão do atirador como um
“vilão”.
Ao fim de nossa análise podemos notar que o Jornal Extra deixa evidente sua opção
por satisfazer a curiosidade do leitor a qualquer custo e garantir sucesso comercial com sua
cobertura. Em sete capas, o atirador foi evidenciado em quase todas, e a medida que as
informações foram sendo descobertas, a especulação sobre os motivos para que ele
cometesse tais atos estavam cada vez mais em discussão. O jornal acompanhou e estimulou
a curiosidade do leitor, dando cada vez mais ênfase a vida do atirador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A narrativa e o enquadramento escolhido são elementos essenciais na escolha do
recorte feito pelo jornal para a cobertura do caso.
Para Chaparro (2011) o jornalista hoje sofre de uma "crise de identidade" por ter
perdido o monopólio da função que acreditava ser a sua como defensor da democracia, da
liberdade, igualdade e justiça. O autor defende que o discurso jornalístico perdeu autonomia
e, em vez de agendar, é agendado. As fontes se apropriaram do jornalismo, e isso fica
evidenciado no fato de o atirador ter deixado o material pronto para uso da imprensa,
pautando, assim, a repercussão que o veículo daria após o crime que ele estava planejando.
Entretanto, não vemos o mesmo acontecer com as outras fontes, no caso, a família
das vítimas. A inserção do grupo no recorte dado pelo jornal foi desproporcional ao dado
para o assassino.
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O autor defende ainda que o que dá base e poder ao jornalismo não é a liberdade de
imprensa, e sim o direito pleno à informação, garantido pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Segundo Angrimani (1995) a linguagem normalmente utilizada pelos
sensacionalistas, busca aproximar-se da fala, muitas vezes sem o respeito às normas
gramaticais, envolvendo mais facilmente o emocional do público, que sente uma
aproximação com o interlocutor:
Ainda dentro do ponto de vista jornalístico, a linguagem sensacionalista não pode ser sofisticada, nem o estilo elegante. A linguagem utilizada é a coloquial, não aquela que os jornais informativos comuns empregam, mas a coloquial exagerada, com emprego excessivo de gíria e palavrões. Como se verá adiante, a linguagem sensacionalista não admite distanciamento, nem a proteção da neutralidade. É uma linguagem que obriga o leitor a se envolver emocionalmente com o texto, uma linguagem editorial ― clichê. (ANGRIMANI, 1995, p. 10)
Fica evidente que os estudos semióticos são essenciais para analisar e interpretar o
universo das capas, repletas de imagens, letras, cores e símbolos para discutirmos os
princípios éticos. Nestas, encontram-se diversos tipos de linguagem, que transmitem
mensagens diretas e indiretas através de diversos ícones, símbolos e índices, das quais os
estudos de Peirce (1998) são grandes aliados na interpretação. Através do autor,
compreende-se que a linguagem não está restrita a um único item, mas que esta cresce com
as mudanças midiáticas e tecnológicas. Faz-se necessária uma análise como um todo. Os
recursos visuais e linguísticos pretendem atrair o leitor, utilizando a inovação como forma
de atrair o público. O uso das cores quentes, da diagramação e da criatividade, visa fazer
com que todos os signos falem. O leitor é seduzido tanto pela composição visual quanto
pela composição verbal das capas.
Interpretando as capas do veículo com base em todos as ideias dos autores
mencionados, fica evidente o quanto o jornal Extra prezou apenas por seu lucro no que
tange a formatação da notícia. Diversos parâmetros e princípios éticos da profissão foram,
em quase todas as vezes, suprimidos em vista de seu objetivo. Olhar com visão crítica para
uma série de notícias como essa faz-se essencial para a compreensão real do que está em
voga no meio da comunicação e até para a realidade noticiada. É preciso que a interpretação
dos veículos de comunicação seja feita com senso crítico e análise cautelosa das intenções
do emissor. A comunicação verbera pela imparcialidade, mas nunca deixa de lado suas
opiniões ou o objetivo capitalista das grandes corporações midiáticas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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