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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo ‐ SP – 05 a 09/09/2016 1 Análise das capas do jornal Extra sobre o Massacre de Realengo 1 Caroline Feijó Souza e SILVA 2 Laiz CARVALHO 3 Larissa Bozi LIMA 4 Letycia Gomes NASCIMENTO 5 Luis Henrick Teixeira da SILVA 6 Sandra Sueli Garcia de SOUSA 7 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ RESUMO Este artigo tem o objetivo de analisar, sob a ótica da ética jornalística, sete capas do Jornal Extra a respeito do massacre de Realengo no período de um ano: 2011-2012. Tratando-se de um caso trágico envolvendo a morte de crianças e adolescentes, o artigo examina a abordagem jornalística de acordo com os conceitos éticos, levantados pelos estudiosos Francisco Karam (1997) e Eugênio Bucci (2000), por meio da metodologia semiótica, de Charles Sanders Pierce (1998). PALAVRAS-CHAVE: cobertura; Massacre de Realengo; Jornal Extra; ética; sensacionalismo. 1 INTRODUÇÃO O dia 7 de abril de 2011 ficará para sempre marcado na memória dos cariocas e de todos que viram a tragédia que se abateu sobre a Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo. Na manhã do dia 7, a primeira chacina em uma instituição de ensino brasileira matou 12 crianças. Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, autor do crime, era ex- aluno da escola e planejava o morticínio há muito tempo. O Massacre de Realengo, como o caso ficou conhecido, evidencia pontos cruciais na formação da sociedade, muitos deles no que diz respeito à gestão de ações educativas e psicopedagógicas. Contudo, buscar expor os efeitos do episódio junto à comunicação, a exploração do assunto e a ética por trás de temas delicados como esse, faz-se urgente para a área comunicacional. 1 Trabalho como avaliação parcial para a disciplina de Ética, Política e Comunicação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 3 Estudante do 8º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 4 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 5 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 6 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 7 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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1

Análise das capas do jornal Extra sobre o Massacre de Realengo1

Caroline Feijó Souza e SILVA2

Laiz CARVALHO3 Larissa Bozi LIMA4

Letycia Gomes NASCIMENTO5 Luis Henrick Teixeira da SILVA6 Sandra Sueli Garcia de SOUSA7

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de analisar, sob a ótica da ética jornalística, sete capas do Jornal Extra a respeito do massacre de Realengo no período de um ano: 2011-2012. Tratando-se de um caso trágico envolvendo a morte de crianças e adolescentes, o artigo examina a abordagem jornalística de acordo com os conceitos éticos, levantados pelos estudiosos Francisco Karam (1997) e Eugênio Bucci (2000), por meio da metodologia semiótica, de Charles Sanders Pierce (1998).

PALAVRAS-CHAVE: cobertura; Massacre de Realengo; Jornal Extra; ética; sensacionalismo. 1 INTRODUÇÃO

O dia 7 de abril de 2011 ficará para sempre marcado na memória dos cariocas e de

todos que viram a tragédia que se abateu sobre a Escola Municipal Tasso da Silveira, em

Realengo. Na manhã do dia 7, a primeira chacina em uma instituição de ensino brasileira

matou 12 crianças. Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, autor do crime, era ex-

aluno da escola e planejava o morticínio há muito tempo. O Massacre de Realengo, como o

caso ficou conhecido, evidencia pontos cruciais na formação da sociedade, muitos deles no

que diz respeito à gestão de ações educativas e psicopedagógicas. Contudo, buscar expor os

efeitos do episódio junto à comunicação, a exploração do assunto e a ética por trás de temas

delicados como esse, faz-se urgente para a área comunicacional.

1 Trabalho como avaliação parcial para a disciplina de Ética, Política e Comunicação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 3 Estudante do 8º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 4 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 5 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 6 Estudante do 5º. Semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 7 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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O presente artigo busca pensar semioticamente como o Jornal Extra abordou o

ocorrido em suas capas durante o período de um ano em que se seguiu o episódio. A partir

da coleta de dados foi possível observar que o caso foi destaque em apenas sete capas em

todo o primeiro ano que sucedeu o massacre.

Os veículos de comunicação são, ao mesmo tempo, detalhistas e superficiais ao

relatar o terror sofrido no Massacre de Realengo. Hegemonicamente, os grandes jornais

cariocas exploraram o lado do atirador, o jovem Wellington Menezes, em detrimento das

consequências da chacina para a população local e para as famílias das vítimas.

As capas analisadas para a construção do artigo deixam claro que é preciso olhar

outros pontos de vista sobre o assunto. Afinal, em todas elas o assassino ganha seu

destaque. As capas deixam de lado o fato de que o horror vivido em Realengo é o primeiro

na história do País ou a dor da perda de 12 crianças para suas famílias e amigos.

Mas, para além de analisar as capas do veículo, a intenção é entender eticamente até

onde cabe o papel da comunicação em repetir tantas vezes o mesmo assunto doloroso para a

sociedade. Desta forma, o principal objetivo deste artigo é demonstrar como a mídia retrata

crimes de grande comoção e repercussão no cenário nacional e as implicações éticas

geradas devido à especificidade do tema. Procuramos explorar, também, quais artifícios são

utilizados, com que finalidades e, além disso, qual a visibilidade que se dá ao Massacre de

Realengo. Buscando questionar a ética nas ações midiáticas do jornal Extra acerca do

assunto, com auxílio de produções de autores como Karam (1997) e Bucci (2000).

Ao analisar as capas do jornal Extra sobre a chacina de Realengo, pretende-se

demonstrar o quanto o jornal tenta atrair o leitor pelo caráter mórbido da notícia. Uma

leitura profunda, tanto dos textos quanto das imagens das edições, é capaz de indicar as

manobras utilizadas para que o veículo alcance uma boa arrecadação e, a partir disso, fazer

o questionamento ético.

Com essa análise, também buscamos entender as consequências do tom mórbido e

sensacional do jornal, tanto para os envolvidos na tragédia (familiares e demais estudantes

da escola) quanto para o leitor.

Mídia, sensacionalismo e semiótica

É preciso entender o Sensacionalismo como uma ferramenta perspicaz no âmbito da

comunicação visto que, ao mesmo tempo que traz ao leitor uma proximidade emocional

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com a notícia, ele transforma o assunto em algo publicizado. Assim, faz-se com que o fato

perca sua relevância social e moral, quando tratado apenas como um produto atrativo a

consumidores. De acordo com o jornalista Alberto Dines (1986), cada tipo de veículo é

dirigido e absorvido por um determinado mecanismo sensorial. Isso não quer dizer que a

grande diferença entre os veículos informativos não acentue ainda mais a luta pela

audiência do telespectador ou ouvinte e pela fidelidade do leitor.

Quanto mais massificadas forem a sociedade e a informação, mais o ser humano procurará formas exclusivas de informação, e os meios eletrônicos, pela própria natureza da recepção, são coletivos. O jornal consegue atender a cada leitor que o manuseia e, na medida que o satisfaz, torna-se sua propriedade. (DINES, 1986, p. 77)

O posicionamento abordado pelo veículo foi a divulgação de notícias já prontas,

fornecidas pelo próprio atirador através de cartas e vídeos, deixando evidente um

jornalismo de caráter curioso e mórbido (KARAM, 1997). Manuel Carlos Chaparro (2001)

afirma que o jornalista parece ter renunciado ao papel de narrador de seu tempo, ou então

perdeu a percepção humanística desse papel.

O jornalismo não pode ter a ambição vaidosa de assumir papéis e espaços que devem pertencer a outros sujeitos, principalmente os que constroem as divergências e os confrontos. Ao contrário, a meu ver, ele deve privilegiar e desenvolver em si mesmo a missão de captar, entender, interpretar e ajustar ou confrontar os discursos organizados dos grupos sociais, institucionalizados ou não, sejam eles produtores de ações ou vítimas delas. (CHAPARRO, 2001. p.99)

Este recorte feito pelo jornal deixa a desejar e não reflete a totalidade do

acontecimento, estabelecendo, em segundo plano, a cobertura sobre a história das vítimas.

Faz-se necessário, portanto, compreender primeiramente, a partir do jornal emissor, a

mensagem (visual e textual) que o Jornal Extra transmitiu aos seus leitores e as causas que

culminaram nesta visão.

Para isto, é preciso uma análise semiótica das capas deste jornal, a fim de partir

destas, refletir os conceitos teóricos que levaram a escolha da abordagem do veículo.

A importância de se estudar a visão do jornal impresso, pela análise semiótica, dá-se

não apenas pela estrutura de diagramação e textos das capas, mas também pelo fato de que

a visão difundida pelo veículo acaba por refletir o meio social. Logo, a partir de tal meio é

possível identificar os parâmetros éticos do jornalismo na noção de realidade sobre o que é

transmitido para a sociedade.

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Alex Pacheco (2005) afirma que “As notícias sensacionais e que chocam atraem o

público; contudo, na maior parte, são apuradas de forma inadequada, sem profundidade e

com grandes possibilidades de distorcer o contexto real dos fatos”. (s.p.)

Acredita-se que o discurso midiático sensacional (que se utiliza da emoção para

aproximar-se do popular) é capaz de produzir uma representação tão forte no público que o

faz interpretar aquilo que vê ou lê como a realidade. A narrativa jornalística aproxima o

fato, mas o distorce. O enquadramento jornalístico (formatação da notícia, seleção de

imagem, de fontes, título, espaço no jornal) compõe um recorte sobre o acontecimento.

Supomos que este recorte seja o maior responsável pelo grande destaque dado ao atirador e

não as famílias, para atrair o leitor à compra do jornal. Acreditamos, inclusive, que, apesar

de capas pitorescas, existe um texto mais complexificador, porém, que fica deslocado ao

enquadramento. Há uma condução brusca na edição das capas para uma lógica comercial.

Outro elemento que consideramos são os dilemas dos princípios éticos no

jornalismo. A repercussão social do morticínio deve ser vista como uma significação

diferente para o emissor. Por ser um caso único no país, com todas as informações expostas

e a necessidade do furo de reportagem, o veículo levou em consideração princípios de

prestação de serviço destacados nos principais códigos de ética, porém, deixando de lado

outras propriedades. Ou seja, utilizando os códigos a seu favor.

A semiótica é a ciência geral dos signos dos quais os mais comuns são as palavras.

No entanto, ela não se limita apenas ao aspecto verbal, há uma análise sobre qualquer

sistema de signos – artes visuais, música, fotografia, cinema, moda, gestos, religião, entre

outros. Exatamente como Pierce (1998) afirma, isto é, a semiótica como teoria geral dos

signos, que não se aplica somente à fala ou escrita, mas qualquer estrutura cujos elementos

têm uma relação específica. Então, um signo é a ação de representar uma coisa que está no

lugar de outra para alguém ou para um organismo. Um signo pode possuir um significado

para um grupo diferente do que possui para outro.

A semiótica foi escolhida uma vez que o estudo demonstra a transformação da

informação em linguagem visual. E por ela transmitir um significado através da relação,

segundo Pierce, do signo, objeto e interpretante. Por isso, vale ressaltar que a organização

dos signos provoca determinados efeitos pretendidos. Então, a escolha das capas desejava

causar um impacto social mais do que informativo.

Sobre os princípios éticos, que norteiam este trabalho, as concepções de Francisco

Karam (1997) ressaltam que o jornalismo precisa tratar das tragédias de comoção para

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valorizar as consideradas grandiosas, mas observa a necessidade de relatos diferentes sobre

o mesmo assunto. No caso da tragédia de Realengo, ao se prenderem ao dia da tragédia e

aos indícios de terrorismo do atirador, os jornais passaram sempre a mesma imagem da

violência:

Por isso, o jornalismo precisa lidar com esta diversidade que inclui dor e prazer, mesquinharia e grandeza, alegria e tristeza. É por isso que inclui diversidade das fontes, de opiniões, de antagonismos morais, de relatos diferenciados sobre os acontecimentos e de várias versões sobre os mesmos fatos. Eliminar isso é simplesmente querer que o jornalismo, o presente e o futuro submetam a lógica pessoal e à moral particular, vertentes nítidas para o autoritarismo e a opressão. (KARAM, 1997, p.79)

Os grandes veículos preocuparam-se em localizar as vítimas, seus familiares,

moradores da redondeza e os heróis, criando um espetáculo na porta da escola, esmiuçando

a tragédia com sensacionalismo. Segundo Bucci, "quando o jornalismo emociona mais do

que informa, tem-se aí um problema ético, que é a negação de promover o debate das ideias

no espaço público" (BUCCI, 2000, p. 145).

ANÁLISE

A primeira capa sobre o assunto foi na edição do dia 8 de abril de 2011, um dia após

a tragédia. Com a chamada ‘Vira pra parede que eu vou te matar’, frase dita pelo atirador

antes de atirar nas crianças, a capa é completada com a fachada da escola manchada de

vermelho, como sangue respingado, e a foto de seis vítimas, todas garotas.

Nesta capa podemos notar vários signos, cada um deles buscando dar ao objeto um

direcionamento pré-definido que influencie diretamente o interpretante.

O artifício de manchar a fachada da escola via programa de edição de imagem é um

signo em forma de ícone, carregado de significados diretamente ligados ao ocorrido. Todo

discurso é interessado, e o jornal demonstra ter um propósito usando este artifício gráfico na

composição da capa. O objeto é o significado que pretende ser passado e o interpretante é a

conclusão que o leitor terá ao olhar a capa.

A fachada marcada de vermelho é de forma ampla um signo. Dentro dos signos, é

um ícone, pois se relaciona com o objeto por meio de associação convencionais e

consensuais, como a tinta vermelha que remete diretamente ao objeto (sangue), que dá a

ideia de ser derramado pelas vítimas do massacre. O interpretante faz a ligação: sangue, em

contato com algumas superfícies, mancha. Ao tingir as paredes da fachada da escola com

tinta vermelho-sangue, o ícone representado ali intenta mostrar ao interpretante de que a

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mancha (no sentido de memória, ou marca na lembrança) provocada pelo massacre ficará

perpetuada na história daquele local.

Nesta edição, não há nenhuma outra chamada de capa, o massacre de Realengo

ocupa toda a página principal do jornal.

Com o evidente objetivo de chocar o público e atrair a atenção do leitor, o jornal

usou de artifícios gráficos para se destacar entre os veículos impressos. Segundo Manuel

Carlos Chaparro (2001), a linguagem jornalística é a linguagem dos conflitos, e o ícone que

remete ao sangue das vítimas atrai o leitor que busca um caráter mórbido e conflituoso na

cobertura jornalística. O conflito atrai o leitor, e o profissional de comunicação sabe disso.

Porém, cabe ao jornalista procurar andar na linha tênue do limite ético da profissão. Para

ele, “o jornalismo tornou-se o espaço público dos confrontos discursivos" e tudo "o que o

jornalismo relata são conflitos" (CHAPARRO, 2001. p.38), mas é de responsabilidade do

profissional não abandonar sua humanidade e lembrar que, como bom profissional, precisa

se colocar no lugar das fontes e dos personagens envolvidos na história que pretende relatar.

A segunda edição que aborda a Chacina foi publicada no dia 09 de abril. Nela, o

jornal conta mais detalhadamente os preparativos para o crime, com que arma o atirador

cometeu a carnificina, como a conseguiu e até quantas vezes atirou em cada aluno. A edição

informa, por exemplo, valor do revolver, a forma de pagamento, quantas balas haviam, e

salienta que o algoz poderia ter feito mais vítimas e, ainda, que elas poderiam ter sido

escolhidas, visto que Wellington esteve na escola na semana anterior ao crime. Na capa, o

destaque da cobertura fotográfica é de amigos e parentes das vítimas, todos chorando. Na

parte inferior do exemplar, há a utilização da imagem de uma das vítimas no caixão,

acompanhada do título “Atirador disparou duas vezes contra cada aluno”. Apenas a parte

baixa da capa do jornal recebeu manchetes de outros assuntos não relacionados ao

massacre, cerca de 1/10 do espaço total.

Todas as fotos da edição são de crianças. A primeira imagem é a maior. Nela, um

menino chora, o que causa comoção e desperta no leitor diversas emoções acerca da

tragédia. Acima, o chapéu8 “Cenas de uma dor inexplicável” acompanha imagens que

claramente denotam dor e sofrimento. A fotografia que mais choca é a última, que está na

parte inferior da capa: uma das vítimas sendo sepultada.

8 Sobre o título há uma pequena informação, geralmente uma frase curta relacionada ao assunto. Essa frase é chamada de Chapéu.

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O jornal Extra é uma empresa privada e, como tal, visa o lucro, dessa forma, o

questionamento é a validação da utilização de uma imagem que pode causar tanta dor aos

familiares da jovem Luiza para fins comerciais.

O sensacional no jornal vende tanto quanto a matéria de fundo: diferente do jornal publicitário, a mercadoria do jornal liberal é a informação, sensacionalizada e mutilada para tornar-se mais vendável, mas ainda um artigo de real procura dos consumidores. Sob essa perspectiva, jornais podem vender tudo, desde que lhes seja lucrativo. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 88)

A preocupação com a exposição de uma menina foi sobreposta, ali, para causar

sentimentos nos leitores. Inquestionavelmente, todas as vítimas do massacre foram

sepultadas e enterradas, o leitor não precisa, assim, da exibição imagética de tal fato para

confirmá-lo.

Para Karam (1997), o problema ético do jornalismo tange a questão dos monopólios

e oligopólios da propriedade dos meios, e concentra-se também na exposição da vida

privada sob o pretexto de interesse público. Entretanto, para ele, o jornalista deve mostrar

tudo aquilo que “humaniza” quanto aquilo que “desumaniza” o homem. O paralelo traçado

é que, embora o assunto deva ser retratado, deve haver cuidado quanto ao falar de algo de

tamanha delicadeza, ainda mais quando a finalidade gira em torno de capital. Portanto,

quando ela acontece de forma sensacionalista e há violação da privacidade de uma vítima

em um caixão, os princípios éticos foram esmagados.

Para Debord (1997), o espetáculo é uma forma de demonstrar a racionalidade do

sistema e do setor econômico, que buscam a venda e o lucro:

A raiz do espetáculo está no terreno da economia que se tornou abundante, e daí vêm os frutos que tendem afinal a dominar o mercado espetacular, a despeito das barreiras protecionistas ideológico-policiais de qualquer espetáculo local com pretensões autárquicas (DEBORD, 1997, p. 39).

A intenção deve ser a de informar o leitor, trazer a quem não estava presente a

emoção do ocorrido. Quando se age segundo essa perspectiva, a ética no jornalismo se

conserva mais facilmente, já que há a possibilidade de se entregar a informação ao leitor

sem que se atinjam pessoalmente os familiares das vítimas, por exemplo. Um jornal de

grande circulação foi capaz de decidir, dessa forma, a última imagem que as pessoas

próximas à Luiza teriam da jovem. O caráter mórbido contido na edição vai de encontro ao

que diz o artigo 11º do Código dos Jornalistas Brasileiros (“Art. 11º O jornalista não pode

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divulgar informações: - de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores

humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes” p.10)

No dia 10 de abril de 2011, o Jornal Extra fez mais uma capa sobre o massacre de

Realengo. Com o título “Como o bobão da turma virou uma besta assassina” o Jornal usa

mais uma vez de programa de edição gráfica para transformar uma foto do atirador em um

quebra-cabeças. A ausência de algumas peças demonstra qual será o posicionamento dali

por diante: vasculhar a vida do atirador, a fim de encontrar fatos que justifiquem seus atos e

preencha as lacunas dos motivos que o levaram a promover o crime que chocou o país. A

escolha das palavras usadas no título e subtítulo da manchete enfatizam o juízo de valor

expresso pelo veículo, uma vez que denomina o assassino como “bobão” da escola, “besta

assassina”, “egoísta e cruel” de personalidade “monstruosa”. A escolha das palavras feitas

pelo autor do texto trabalha o que Pierce (1998) denomina como significante, ou seja, o

termo escolhido expresso, quando acompanhado de composição imagética. A mensagem

clara que o Extra deseja dar: que independente de quem tenha sido Wellington Menezes,

sua personalidade “cruel e monstruosa” o justifica. Olhando a capa desta edição através da

semiótica vê-se que a utilização do quebra-cabeça como símbolo não se justifica quando

olhando separadamente de todo o contexto de mistérios sobre a vida do assassino. Segundo

Martino (2012, p.116) “o símbolo é aquilo que vem junto, é a forma mais distante de

relação entre um signo e o significado”. Portanto o símbolo do quebra-cabeça transforma-se

em ícone que é, ainda segundo Martino, a representação direta do fato, não havendo como

desvincular um ícone de seu momento representativo. Na edição, o assunto não tomou

conta de toda a capa, apenas da parte superior, embaixo constava ainda a suíte do assunto

tratado no dia anterior: a compra da arma usada no crime. Além de mais uma imagem de

pessoas tristes durante a despedida no enterro e velório das vítimas.

A retenção é o que mais importa, pois os veículos, na competição para fazer valer sua força, procuram fazer com que suas mensagens sejam mais bem retidas. A resposta da audiência será uma consequência da retenção obtida. (DINES, 1986, p. 66)

A repetição das imagens do velório e a informação sobre a obtenção da arma são

postas propositalmente para marcar o leitor dos horrores da Chacina, além, é claro, de

despertar o desejo de conhecer mais sobre o fato, fidelizando o leitor de acordo com Dines

(1986).

A quarta capa analisada, datada do dia 12 de abril de 2011, reserva um espaço mais

modesto ao assunto: apenas sua parte superior. O destaque foi a reconstrução da escola,

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com a chamada: “Ex-professores ajudarão a recriar a Tasso da Silveira” que, segundo

informa o jornal, recebeu oferta de licenciados e aposentados para continuarem as aulas, de

forma voluntária. O que intriga é o pequeno texto que acompanha a chamada. Seguido de

uma nova imagem do atirador, a publicação esquece o destaque da manchete. O jornal dá

continuidade a missão de seguir os rastros do assassino, ressaltando a carta deixada por

Wellington e o sigilo eletrônico e telefônico que foram quebrados. Apenas o final do texto

retoma a limpeza da escola, que é destacada com uma grande imagem de um gari, ajudando

a limpá-la, como diz a legenda. Para Barthes, as duas estruturas compõem a formação da

mensagem:

A totalidade da informação é, pois, suportada por duas estruturas diferentes (das quais uma é linguística); essas duas estruturas são convergentes, mas como suas unidades são heterogêneas, não podem se misturar; aqui (no texto) a substância da mensagem é constituída por palavras; ali (na fotografia), por linhas, superfícies, tonalidades. (BARTHES, 1990, p. 11)

A imagem é difícil de ser associada com o texto, já que não o complementa

diretamente. Faz-se necessário ler toda a composição referente ao Massacre na capa, para

que se faça a associação.

Quinta capa, dia 13 de abril de 2011, e mais uma vez o destaque é para o atirador.

Incansável na busca de informações sobre a privacidade do responsável por interromper a

vida das crianças, o jornal usa como título a informação de que “A família culpava atirador

pela morte da mãe”, acompanhada de um “print” de um vídeo gravado pelo assassino, onde

deixa uma mensagem sobre o ataque que faria. A imagem representa o ícone na semiótica,

uma vez que é uma representação direta do vídeo, congelando o tempo do significado da

fotografia. Fica clara a tentativa do jornal de saciar a curiosidade do público sobre o que

levou um jovem a cometer tais atos, assim como também seus fins comerciais, pois sabe

que outros veículos vão destacar o conteúdo dos vídeos. O assunto toma conta da parte

superior do jornal, e é completada, mais uma vez, com uma imagem do atirador. Nenhuma

referência é feita às famílias das vítimas.

Novamente com o atirador em evidência, a sexta capa analisada data do dia 14 de

abril de 2011, e traz como título “Atirador doou dinheiro a jovens”. A capa mostra mais

uma tentativa de destacar o assassino das crianças. O vermelho é usado de novo como

ícone, a fim de remeter a ideia de sangue e para chamar a atenção do leitor pela cor

vibrante. A foto da chamada é do policial que foi um dos primeiros a chegar ao local. A

imagem é um ícone, pois evidencia o oficial sendo abraçado e beijado pelos alunos que

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sobreviveram ao massacre, acentuando-o como “herói” e “salvador” das crianças

sobreviventes. A cena junto com o título foi uma sacada do jornalista em destacar o

contraste entre o “monstro” e o “herói”. Dessa maneira, é possível observar que o atirador

nunca é deixado de lado, ele sempre é destaque, seja no título ou na foto.

A sétima e última capa analisada traz a imagem do atirador portando uma arma

apontada na direção da câmera, e destaca a informação de que ele deixou um testamento em

vídeo. Na manchete: “Assassino de 12 crianças deixou vídeo testamento”, o jornal abre um

espaço para tratar das condições dos sobreviventes, e mostra na fotografia a visita que

Ronaldinho Gaúcho, jogador de futebol do Flamengo, na época, fez para vítimas internadas.

O jornal utiliza diagramação igual à do dia 12 de abril, com a imagem de Wellington no

mesmo local. O pequeno texto que acompanha a chamada destaca o testamento deixado

pelo atirador e suas justificativas. Mais uma vez, o jornal abre espaço para o bom e o mau,

destacando o jogador como um “bom moço” e passando a impressão do atirador como um

“vilão”.

Ao fim de nossa análise podemos notar que o Jornal Extra deixa evidente sua opção

por satisfazer a curiosidade do leitor a qualquer custo e garantir sucesso comercial com sua

cobertura. Em sete capas, o atirador foi evidenciado em quase todas, e a medida que as

informações foram sendo descobertas, a especulação sobre os motivos para que ele

cometesse tais atos estavam cada vez mais em discussão. O jornal acompanhou e estimulou

a curiosidade do leitor, dando cada vez mais ênfase a vida do atirador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A narrativa e o enquadramento escolhido são elementos essenciais na escolha do

recorte feito pelo jornal para a cobertura do caso.

Para Chaparro (2011) o jornalista hoje sofre de uma "crise de identidade" por ter

perdido o monopólio da função que acreditava ser a sua como defensor da democracia, da

liberdade, igualdade e justiça. O autor defende que o discurso jornalístico perdeu autonomia

e, em vez de agendar, é agendado. As fontes se apropriaram do jornalismo, e isso fica

evidenciado no fato de o atirador ter deixado o material pronto para uso da imprensa,

pautando, assim, a repercussão que o veículo daria após o crime que ele estava planejando.

Entretanto, não vemos o mesmo acontecer com as outras fontes, no caso, a família

das vítimas. A inserção do grupo no recorte dado pelo jornal foi desproporcional ao dado

para o assassino.

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O autor defende ainda que o que dá base e poder ao jornalismo não é a liberdade de

imprensa, e sim o direito pleno à informação, garantido pela Declaração Universal dos

Direitos Humanos.

Segundo Angrimani (1995) a linguagem normalmente utilizada pelos

sensacionalistas, busca aproximar-se da fala, muitas vezes sem o respeito às normas

gramaticais, envolvendo mais facilmente o emocional do público, que sente uma

aproximação com o interlocutor:

Ainda dentro do ponto de vista jornalístico, a linguagem sensacionalista não pode ser sofisticada, nem o estilo elegante. A linguagem utilizada é a coloquial, não aquela que os jornais informativos comuns empregam, mas a coloquial exagerada, com emprego excessivo de gíria e palavrões. Como se verá adiante, a linguagem sensacionalista não admite distanciamento, nem a proteção da neutralidade. É uma linguagem que obriga o leitor a se envolver emocionalmente com o texto, uma linguagem editorial ― clichê. (ANGRIMANI, 1995, p. 10)

Fica evidente que os estudos semióticos são essenciais para analisar e interpretar o

universo das capas, repletas de imagens, letras, cores e símbolos para discutirmos os

princípios éticos. Nestas, encontram-se diversos tipos de linguagem, que transmitem

mensagens diretas e indiretas através de diversos ícones, símbolos e índices, das quais os

estudos de Peirce (1998) são grandes aliados na interpretação. Através do autor,

compreende-se que a linguagem não está restrita a um único item, mas que esta cresce com

as mudanças midiáticas e tecnológicas. Faz-se necessária uma análise como um todo. Os

recursos visuais e linguísticos pretendem atrair o leitor, utilizando a inovação como forma

de atrair o público. O uso das cores quentes, da diagramação e da criatividade, visa fazer

com que todos os signos falem. O leitor é seduzido tanto pela composição visual quanto

pela composição verbal das capas.

Interpretando as capas do veículo com base em todos as ideias dos autores

mencionados, fica evidente o quanto o jornal Extra prezou apenas por seu lucro no que

tange a formatação da notícia. Diversos parâmetros e princípios éticos da profissão foram,

em quase todas as vezes, suprimidos em vista de seu objetivo. Olhar com visão crítica para

uma série de notícias como essa faz-se essencial para a compreensão real do que está em

voga no meio da comunicação e até para a realidade noticiada. É preciso que a interpretação

dos veículos de comunicação seja feita com senso crítico e análise cautelosa das intenções

do emissor. A comunicação verbera pela imparcialidade, mas nunca deixa de lado suas

opiniões ou o objetivo capitalista das grandes corporações midiáticas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue. São Paulo: Summus, 1995 BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. O óbvio e o obtuso, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1990. BUCCI, Eugênio. Sobre ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. CHAPARRO, Manuel Carlos. Linguagem dos conflitos, Coimbra: Minerva, 2001. DEBORD, GUY. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DINES, Alberto. O papel do jornal. São Paulo: Sumus Editorial, 1986. DOS JORNALISTAS BRASILEIROS, Código de Ética. Disponível em:< http://www. fenaj. org. br/>. KARAM, Francisco. Jornalismo, Ética e Liberdade. São Paulo: Ed.USP, 1997. MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia: Jornalismo como Produção Social de Segunda Natureza. 2. ed. São Paulo: Ática,1989. MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação: ideias, conceitos e métodos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. PACHECO, A. R. Jornalismo Policial Responsável. 2005. Online. PIERCE, C.S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1998.