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Relatório Avaliação da qualidade da água do lago do Parque da cidade da Póvoa de Varzim Ruth Pereira (PhD Biologia), Ana Gavina (MSc Biologia Aplicada, ramo de Toxicologia e Ecotoxicologia), e Maria da Natividade Vieira (PhD em Biologia) Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências
FCUP/LABRISK/2017
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1. Introdução
O presente relatório corresponde a um serviço solicitado ao LABRISK, da Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto, pelo pelouro do Ambiente da Câmara Municipal da
Póvoa de Varzim, com vista à caracterização da qualidade da água do lago do Parque da
Cidade. O lago, com uma área superficial de cerca de 25000 m2, apresentava à data
todos os sintomas de um processo de eutroficação, com a ocorrência de blooms algais,
característicos da época do ano (julho), em sistemas de água doce de regiões
temperadas.
O lago é um sistema de água doce artificial, com cerca de dez anos de existência, pouco
profundo (profundidade máxima de cerca de 2 m, segundo informação cedida pelas
autoridades competentes), que resulta de uma depressão que foi escavada na área, sem
qualquer cobertura artificial da bacia. Por esta razão o lago é alimentado a partir do
afloramento à superfície do aquífero, por duas linhas de água (uma a norte e outra a
este) que abastecem a bacia, e ainda pela precipitação que cai sobre ele.
Esta área urbana enquadra-se numa região onde o principal uso do solo é agrícola, com
extensas áreas ocupadas com culturas hortícolas intensivas, sob a forma de masseiras,
campos abertos e/ou sob a forma se estufas.
O rastreio efetuado teve como objetivo fazer uma avaliação da qualidade da água, uma
identificação do bloom algal presente e da sua potencial toxicidade.
2. Metodologia
No dia 21 de julho foi efetuada uma visita ao lago, para avaliação in situ do seu estado
ambiental e para recolha de amostras de água para análise das suas propriedades físico-
químicas e da sua toxicidade. Em virtude da morfologia e da dimensão da massa de água,
assim como da necessidade de uma resposta rápida, foram recolhidas amostras de água
superficial, em 4 pontos distintos, a norte e a sul da ilha de vegetação (figura 1). As
amostras de água foram imediatamente armazenas no frio e no escuro para transporte
para o laboratório. Nos mesmos pontos de amostragem foram medidos in situ alguns
parâmetros de qualidade da água (oxigénio dissolvido em mg/L e % de saturação; total
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de sólidos suspensos em mg/L; condutividade; salinidade e pH), com recurso a um
medidor multiparamétrico Hanna Instruments (HI 987828), previamente calibrado.
Figura 1. Lago do Parque da cidade da Póvoa de Varzim, e respetiva localização dos pontos de amostragem de água a norte e a sul da ilha de vegetação.
No laboratório as amostras de água foram imediatamente filtradas por um filtro de fibra
de vidro VWR de 1,5 m de poro, para determinação do conteúdo em clorofila a,
segundo o método de Lorenzen (1967). Os respetivos filtros foram colocados em tubos
com acetona alcalinizada a 90% (10 mL) para extração da clorofila, durante 12h, a 4oC e
no escuro. As mesmas amostras foram filtradas para determinação dos nutrientes
dissolvidos (fosfatos, nitratos e amónia no filtrado), e ainda para determinação do total
de sólidos suspensos (TSS - massa de sólidos retidos no filtro por volume de água
filtrada) (APHA, AWWA and WPCF, 1989). A carência química de oxigénio (CQO) e o
conteúdo em azoto total foram determinados na amostra não filtrada, segundo o
método do ácido cromotrópico, após digestão com persulfato para conversão de todas
as amostras de azoto em nitratos (Hanna Instruments, 2002). Os nitratos foram
determinados diretamente no filtrado pelo mesmo método, e a amónia foi determinada
pelo método de Nessler (ASTM Manual of Water and Environmental Technology,
método D1426-92) (Hanna Instruments, 2002). Os fosfatos foram determinados pelo
método do ácido ascórbico. A CQO foi determinada através de uma adaptação do
método USEPA 410.4 (Hanna Instruments, 2002). Todos os nutrientes foram medidos
por colorimetria com recurso a um fotómetro Hanna Instruments C214.
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A toxicidade das amostras de água foi analisada com recurso ao ensaio de Microtox.
Este ensaio de inibição da bioluminescência de V. fischeri foi efetuado de acordo com o
protocolo do teste básico de 81,9% (Azur Environmental, 1998), com recurso a um
analisador de Microtox modelo 500 (Azur Environmental, CA, USA). Neste ensaio a
bactéria foi exposta a uma gama de diluições das 4 amostras de água recolhidas no lago,
e o efeito causado na bioluminescência da bactéria foi analisado aos 5, 15 e 30 minutos
de exposição.
3. Resultados e discussão
A tabela 1 apresenta os valores dos parâmetros físico-químicos medidos in situ no lago.
É de destacar uma clara zonação entre a zona a norte e a zona a sul da ilha, que se
manifesta na temperatura da água e nos níveis de oxigénio dissolvido, assim como na
percentagem de saturação. Sendo o vento um fator importante no arejamento da água
de lagos pouco profundos, a vegetação da ilha protege a zona sul dos ventos de Norte
dominantes na região, contribuindo para um menor arejamento e para um subsequente
aumento da temperatura da massa de água. Tal facto justificou a acumulação
preferencial do bloom de microlgas sobretudo na parte sul do lago e junto à entrada da
linha de água de oeste na zona a norte da ilha (uma zona igualmente protegida pela
vegetação da margem). O reduzido arejamento, conjugado com o aumento da
temperatura e a biomassa fitoplanctónica (que estimula a atividade microbiana após
decaimento, com subsequente consumo de oxigénio) são responsáveis pelos valores de
oxigénio dissolvido, que embora ainda não estejam em níveis que comprometam a
existência de outras formas de vida, nomeadamente peixes, não são particularmente
elevados. É também evidente que o repuxo colocado próximo do ponto 2 está
claramente a contribuir para uma maior oxigenação da água.
Na tabela 2 estão representados os valores para os parâmetros analisados em
laboratório, que demonstram que o lago se encontra num estado eutrófico a
hipereutrófico, segundo os níveis de fosfatos e de clorofila a (Wetzel, 2001). De acordo
com as classes de qualidade definidas para classificação das massas de água superficiais
interiores, os níveis de fosfatos e o CQO colocam este lago na classe de qualidade muito
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má (fosfatos> 1000 g/L e CQO>80 mg/L)
(http://snirh.apambiente.pt/snirh/_dadossintese/qualidadeanuario/boletim/tabela_classes.php).
No que refere ao nível de oxigénio (percentagem de saturação) a água do lago é
classificada como razoável (mínimo de 50%)
(http://snirh.apambiente.pt/snirh/_dadossintese/qualidadeanuario/boletim/tabela_classes.php). Os
níveis de salinidade e de condutividade registados demonstram que esta massa de água
não está a sofrer nenhum processo de salinização. Em suma, os parâmetros registados
nesta amostragem pontual confirmam que o lago se encontra num avançado estado de
eutroficação resultante potencialmente da intensa atividade agrícola que decorre na sua
bacia de drenagem. A presença de um elevado número de aves, nomeadamente
anatídeos, e a aparente elevada densidade da comunidade ictioplanctónica (observação
pessoal), poderão estar igualmente a contribuir para a elevada carga de nutrientes do
sistema. Por sua vez, a fertilização do sistema está a ser responsável pelo bloom de algas
verdes filamentosas em curso e pelo bloom de uma microalga pertencente ao grupo de
Euglena sanguinea (Figura 2) (Karnkowska-Ishikawa e Milanowski, 2013) que pela
primeira vez se manifestou de forma expressiva nesta massa de água (segundo
comunicação pessoal das autoridades camarárias). Numa avaliação qualitativa do
fitoplâncton foi possível perceber que neste momento esta comunidade não se
caracteriza pela presença, e muito menos pela dominância, de cianobactérias, contudo
a sua potencial ocorrência não pode ser descartada. As algas do grupo de E. sanguinea
apresentam uma forma fusiforme, podendo também transitar com frequência para
forma esférica, e deslocam-se rapidamente graças ao flagelo que possuem (Figura 3a-
b). Estas algas conferem uma cor avermelhada à água devido à presença de um
hematocromo nos seus carotenoides principalmente de astaxantina (Alves-da-Silva e
Tamanaha, 2008).
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Tabela 1. Parâmetros fisico-químicos de qualidade da água avaliados in situ nos quatro pontos de amostragem no lago.
Oxig. dissolvido (mg/L) Saturação de Oxig. (%) Salinidade Condutividade (S/cm) pH Temperatura (oC)
Ponto 1 5,98 70,1 0,17 353 9,44 23,37
Ponto 2 6,98 81,5 0,17 350 7,87 23,17
Ponto 3 5,16 61,6 0,17 364 8,7 24,74
Ponto 4 5,49 65,9 0,17 196 7,41 24,32
Tabela 2. Parâmetros fisico-químicos de qualidade da água avaliados nos quatro pontos de amostragem no lago.
Fosfatos (g/L) Nitratos (g/L) Amónia (g/L) Azoto Total (g/L Total clorofila a (g/L) TSS (mg/L) CQO (mg/L)
Ponto 1 1380 600 80 3000 37,8±2,0 12,3±1,9 49
Ponto 2 1350 600 20 1400 36,9±2,0 7,2±1,2 118
Ponto 3 2360 600 10 1200 42,1±6,6 16,0±7,4 41
Ponto 4 1130 500 110 1800 21,4±1,3 2,6±1,4 78
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A E. sanguinea é uma espécie cosmopolita, tendo sido já registada em todos os
continentes exceto na Antártida. O seu aparecimento é facilitado por processos de
enriquecimento em nutrientes das massas de água, e tem gerado algumas
preocupações pela aparente capacidade de algumas estirpes produzirem uma
ictiotoxina (Zimba et al., 2004). A possibilidade de esta espécie provocar a morte de
peixes pela aderência às brânquias também não pode ser negligenciada. Contudo, a
zonação do lago pode estar a permitir aos peixes evitarem o bloom, não sendo
afetados por ele. A presença da estirpe produtora de toxina também teria que ser
confirmada, pois pode não ser esta que está presente na massa de água.
Figura 2. Imagem ilustrativa da condição ambiental do lago do parque da cidade da Póvoa do Varzim
em Julho de 2017.
Figuras 3a (esquerda) e b (direita). Imagem de microscópio ótico das microalgas do grupo E. sanguinea
presentes nas amostras recolhidas nos pontos 3 e 4, com ampliação de 32X (a) e 64X (b),
respetivamente.
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Contudo, a realização de ensaios ecotoxicológicos com V. fisheri, permitiu confirmar
que a água do lado recolhida nos quatro pontos de amostragem não apresentou
toxicidade. O ensaio de inibição da bioluminescência com V. fischeri é recomendado
como um ensaio de avaliação da qualidade da água, para águas superficiais (ISO,
2007). Para três das amostras recolhidas no lago, não se observou uma inibição da
bioluminescência bacteriana, mas por oposição uma estimulação (tal como reportam
os valores negativos de percentagem de inibição descritos na tabela 3). A estimulação
da bioluminescência confirma a não toxicidade das amostras analisadas, mas sim
promoção do crescimento bacteriano, certamente provocada pela presença de
nutrientes. Para se confirmar a presença da ictiotoxina, teriam que ser realizados
ensaios ecotoxicológicos com larvas de peixe (e.g. peixe-zebra). Contudo, o facto de
não se ter ainda registado in situ qualquer impacto na comunidade ictioplanctónica
do lago, parece-nos um indicador adicional da ausência de toxicidade da massa de
água, ainda que a possibilidade de evitamento das zonas mais afetadas (tal como
acima mencionado) também possa estar a proteger estes organismos.
Para a amostra recolhida no ponto 1 registou-se uma inibição da bioluminescência de
cerca de 20%, o que em ecotoxicologia já é considerado um efeito com algum
significado. Embora este ponto fosse afastado do ponto de acumulação do bloom algal
de Euglena sp., esta toxicidade pode estar associada ao mesmo, ou a qualquer outro
contaminante que tenha entrado no sistema. Contudo, para que este resultado tenha
expressão e relevância, terá que ser complementado com ensaios com outras
espécies, e que envolvam exposições mais prolongadas.
5 15 30
Ponto 1 16,36 21,53 21,52
Ponto 2 -0,02 4,63 4,82
Ponto 3 -14,39 -19,31 -23,23
Ponto 4 -10,6 -12,3 -17,74
Tabela 3. Percentagem inibição da bioluminescência (%) de
V. fischeri após exposição às amostras de água recolhidas no
lago.
Tempo de exposição (minutos)
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4. Conclusões e recomendações
Em suma, o lago do parque da cidade da Póvoa de Varzim encontra-se num estado de
eutroficação natural, que nada tem a ver com a gestão do mesmo, mas sim com a sua
inserção geográfica numa zona marcadamente agrícola. A remoção física das algas
verdes filamentosas é um dos processos recomendados para lidar com este tipo de
ocorrências, já que permite retirar uma grande quantidade de biomassa do lago, sem
causar impactos nas espécies presentes. A remoção da biomassa, contribui para
mitigar o problema, já que a sua acumulação, após senescência, iria contribuir para
estimular a atividade microbiana e promover a desoxigenação da massa de água. A
desoxigenação da massa de água, favorece ainda a mobilização de nutrientes
acumulados na bacia que voltam para a coluna de água, onde podem promover a
produtividade biológica com o aparecimento de blooms algais. A colocação do repuxo,
junto ao ponto 2, foi por conseguinte uma medida positiva, já que favorece a
oxigenação, pelo que seria interessante considerar uma medida semelhante para a
zona do lago a sul da ilha.
Os blooms de algas do grupo de E. sanguinea são conhecidos pelo facto de serem
difíceis de remover. Para remoção física aconselha-se que seja testado o uso de uma
malha geotêxtil, dada a forte adesão destas microalgas a superfícies deste género. O
arrastamento de uma malha geotêxtil à superfície da massa de água poderá contribuir
para a remoção do bloom. Mas reforça-se a necessidade de testar no local a eficácia
desta estratégia.
As remoções químicas têm uma eficácia a curto prazo, pelo que, dada a inserção
geográfica do lago terão que ser estudados métodos alternativos de redução da
entrada de nutrientes, do tratamento imediato de blooms, ou de manipulação da
comunidade biológica, de forma a fazer um controle top-dow do desenvolvimento
algal. Contudo, para o efeito, será necessário estudar as variações sazonais do
sistema, para se perceber como e quando se deve intervir.
A persistir o bloom, seria de todo o interesse confirmar a toxicidade da água superficial
para larvas de peixe, para antecipar problemas com a comunidade ictioplanctónica,
ainda que os mesmos não nos pareçam prováveis, em virtude da zonação do bloom.
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Referências
Alves-da-Silva, S.M., Tamanaha, M.S., 2008. Ocorrência de Euglenophyceae pigmentadas em
rizipiscicultura na Região do Vale do Itajaí, SC, Sul do Brasil. Acta Bot. Bras. 22 (1): 145-163.
APHA, AWWA, WPCF, 1989. Standard Methods for the examination of water and wastewater. 17h
edition, American Public Health Association, Washingto, DC, USA.
AZUR Environmental (1998) Microtox® Omni Manual. Carlsbad.
Hanna Instruments, 2002. Multiparameter Bench Photometer. C214. Instruction Manual. Vilafranca
Padovana PV, Italy.
Karnkowska-Ishikawa, A., Milanowski, R., 2013. Redescription of morphologically similar species from
the genus Euglena: E. laciniata, E. sanguinea, E. sociabilis, and E. splendens. J. Phycol. 49, 616–626.
Lorenzen, C.J., 1967. Determination of clorophyll a and phaeo-pigments: spectrometric equations.
Limnology and Oceanography 12: 343-346..
ISO, 2007. Water quality -- Determination of the inhibitory effect of water samples on the light emission
of Vibrio fischeri (Luminescent bacteria test) -- Part 3: Method using freeze-dried bacteria. ISO 11348-
3. International Stansardization Organization, Switzerland.
Wetzel, R., 2001. Limnology. Lake and River Ecosystems 3rd Edition. ISBN: 9780127447605, Academic
Press.
Zimba, P.V., Rowan, M., Triemer, R., 2004. Identification of euglenoid algae that produce
ichthyotoxin(s). Journal of Fish Diseases 27, 115–117.
Porto 24 de julho 2017 A responsável pelo relatório
Ruth Maria de Oliveira Pereira
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