reflexÕes sobre percursos e processos … · 4 do alfabetizando de seu próprio contexto sócio...
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REFLEXÕES SOBRE PERCURSOS E PROCESSOS FORMATIVOS:
CONSTRUINDO A FORMAÇÃO COM OS PROFESSORES
Nesse painel, apresentamos três pesquisas que tratam da formação de professores no
exercício da profissão docente. A primeira pesquisa refere-se à investigação no contexto
do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, na perspectiva de
uma pesquisa-ação como instrumento didático, em que o professor universitário precisa
desenvolver-se como pesquisador, e utilizar dispositivos de pesquisa em sala de aula
que possibilitem aos alunos atuarem como autores de seu processo de formação. O
trabalho resultou na transformação dos professores-estudantes em autores de um blog e
de um livro, com uma premiação internacional. A segunda pesquisa, na abordagem
qualitativa de intervenção, também se caracterizou como pesquisa-ação. Um grupo de
professoras se desligou da sala de aula e assumiu a coordenação pedagógica, com
responsabilidade sobre a formação de professores no contexto escolar. A participação
das professoras-coordenadoras teve o propósito de problematizar a realidade, por meio
do diálogo crítico, em um processo contínuo de ação-reflexão-ação, para construção da
práxis pedagógica. Esse trabalho formativo pressupôs uma epistemologia crítica com
finalidades emancipatórias. A terceira pesquisa traz uma análise do processo de
implantação da atual Proposta Curricular, na rede estadual paulista, analisando as
contradições e complexidades do processo, a partir de uma matriz crítico-reflexiva e
ética, trazendo a “voz” dos professores. Na discussão dos dados, percebeu-se que o
método de implantação do processo de mudança é mais importante para o sucesso do
empreendimento do que a natureza da mudança desejada. É essencial ouvir os
professores envolvidos, com eles dialogar, possibilitando o delineamento de um
currículo resignificado. As três pesquisas de cunho qualitativo, com foco no trabalho
docente, ressaltam princípios colaborativos e dialógicos, com vistas à construção da
formação com os professores.
Palavras-Chave: Formação de Professores, Princípios Colaborativos, Princípios
Dialógicos
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO BÁSICA: RENOVANDO
PERSPECTIVAS
Rosana Aparecida Ferreira Pontes
Universidade Católica de Santos
Resumo: Trata-se de uma pesquisa-ação realizada com professores-estudantes do curso
de Pedagogia da Universidade Católica de Santos, em convênio com o Programa
PARFOR do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica. Norteia-
se a partir da seguinte questão-problema: quais as possibilidades desses sujeitos
desenvolverem-se como autores de sua prática docente durante a formação
universitária? Tem por objetivo construir conhecimentos entre professores/estudantes e
professora/pesquisadora, por meio da elaboração de textos de cunho reflexivo. Os textos
são postados em um blog site concebido como espaço de expressão e interlocução entre
os sujeitos participantes e demais leitores que possam vir a acessá-lo. O exercício de
produzir textos, caracterizados neste contexto como crônicas pedagógicas, instigou os
estudantes a refletirem sobre sua trajetória de formação. O trabalho compreendeu várias
fases em um estudo longitudinal que acompanhou as turmas que começaram o curso em
2010 e terminaram em 2014. A pesquisa-ação, fundamentada em Franco, foi utilizada
como instrumento didático. Nessa perspectiva, a pesquisa-ação está alinhada com um
novo paradigma de ensino, em que o professor universitário precisa desenvolver-se
como pesquisador, bem como utilizar-se de dispositivos de pesquisa em sala de aula,
que possibilitem aos estudantes atuarem como protagonistas de seu processo de
formação. A prática da escrita reflexiva, na formação de professores, foi compreendida
a partir de autores como M. Freire, Josso, Zabalza, Bakhtin. O trabalho resultou na
transformação dos professores envolvidos em autores de um blog e de um livro,
culminando ainda com uma premiação internacional, reconhecendo o trabalho como
uma experiência inovadora na formação de professores.
Palavras-chave: Pesquisa-ação. Formação de professores. Escrita reflexiva.
Introdução
Este texto apresenta um recorte de uma pesquisa ampla que envolveu duas
frentes de trabalho. A primeira, em sala de aula, com a participação de professores-
estudantes de um curso de Pedagogia conveniado ao PARFOR – Plano Nacional de
Formação de Professores da Educação Básica. A segunda, em grupo de pesquisa,
empreendida por pesquisadoras da área de formação de professores.
O recorte refere-se ao trabalho em sala de aula, em que a pesquisa-ação foi
utilizada como instrumento didático (FRANCO, 2003, 2005, 2009, 2012), e foi
desenvolvido a partir da seguinte questão-problema: quais as possibilidades desses
sujeitos desenvolverem-se como autores de sua prática docente durante a formação
universitária? Teve por objetivo construir conhecimentos entre professores/estudantes e
professora/pesquisadora, por meio da elaboração de textos de cunho reflexivo.
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O PARFOR é uma política pública de formação emergencial de professores
direcionada para educadores que já atuam nas escolas públicas brasileiras, mas não
possuem formação em nível superior. Em virtude das disparidades socioeconômicas, a
formação de professores existente não acompanha a demanda da educação básica e essa
é uma das razões do Brasil não conseguir alcançar os índices de qualidade almejados
para a educação e ainda haver uma quantidade imensurável de educadores leigos
atuando nas escolas das mais diversas regiões do país.
Frente a esse contexto, nossa universidade firmou convênio com o Ministério da
Educação (MEC), no segundo semestre de 2010 e, desde então, assumiu o compromisso
de oferecer formação para professores-estudantes subvencionados pelo PARFOR.
O perfil diferenciado desses sujeitos nos impulsionou a buscar possibilidades
para que estabelecessem relação com a teoria de forma mais significativa, valorizando
os saberes que já traziam da experiência prática. Cientes de que, no âmbito da formação,
as maiores dificuldades desses estudantes estavam relacionadas com a leitura e a escrita,
acreditamos que escrever sobre a própria história de formação poderia ser um caminho
para ajudá-los em um processo de transformação e superação de suas dificuldades.
Nesse sentido, realizamos a experiência denominada crônicas pedagógicas.
As crônicas pedagógicas são as narrativas que os sujeitos da pesquisa
escreveram ao longo do curso. Nesse exercício, refletiram sobre questões que
influenciaram o percurso da formação, inseridos em um programa governamental, em
busca da profissionalização docente.
No intuito de socializar os conhecimentos adquiridos, destacamos o percurso
didático-metodológico da pesquisa-ação desenvolvida e os principais resultados
alcançados.
A pesquisa-ação em sala de aula
A pesquisa-ação de cunho formativo tem sido recomendada por inúmeros
autores da área educacional. Nesse contexto, constitui-se, principalmente, como uma
abordagem metodológica para o desenvolvimento de educadores e pesquisadores com o
propósito de que utilizem suas pesquisas para aprimorar a prática docente e,
consequentemente, o aprendizado dos estudantes.
No Brasil, as origens da pesquisa-ação estão fortemente entrelaçadas com a ação
educativa. Encontramos nossa principal influência nos trabalhos de Paulo Freire (1985,
2003, 2005) relativos à educação popular. O método de alfabetização, a partir da leitura
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do alfabetizando de seu próprio contexto sócio histórico é que proporcionou as bases da
pesquisa participante e influenciou a pesquisa-ação como é pensada no Brasil.
A pesquisa-ação, conforme os estudos de Franco (2003, 2005, 2009, 2012), está
alinhada com um novo paradigma de ensino, em que o professor universitário precisa se
desenvolver como pesquisador, bem como utilizar-se de dispositivos de pesquisa em
sala de aula que possibilitem aos estudantes atuarem como protagonistas e autores de
seu processo de formação. A pesquisadora citada defende que é preciso desenvolver a
prática docente com pesquisa e mantê-la em pesquisa, questionando-nos o tempo todo.
Criar espaço para o diálogo, como defende Freire (1985, 2003, 2005), torna-se condição
primordial. Acreditamos, portanto, que a pesquisa-ação na formação de professores
pode fomentar uma práxis reflexiva (FRANCO, 2003, 2005, 2009, 2012), pois quando
os professores refletem sobre suas atividades, criam saberes, teorizam, mantendo
propriedade sobre os conhecimentos por eles gerados.
Franco (2009) recomenda a utilização da pesquisa-ação, em sala de aula, como
um instrumento didático, indicando fases para o trabalho: 1. esclarecimento do projeto
de pesquisa partilhado; 2. oficinas de produção; 3. sínteses coletivas; 4. socialização
entre o coletivo pesquisador da produção de todos; 5. produção individual dos
conhecimentos adquiridos no processo.
A partir dessas premissas, a pesquisa-ação que comunicamos foi desenvolvida
nas aulas das disciplinas Instrumentação da Língua Portuguesa, Educação e Linguagem
e Conteúdos e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, ao longo de quatro anos,
em que esta professora incentivou e orientou a produção de textos reflexivos pelos
estudantes, proporcionando condições para que desenvolvessem a autoria como sujeitos
pensantes e atuantes, assim como professores em processo de formação.
A primeira fase da pesquisa durou três semestres e a denominamos “constituição
do coletivo pesquisador”. Foi o tempo que precisamos para que houvesse o
esclarecimento do projeto de pesquisa partilhado (FRANCO, 2009), bem como a
compreensão e a adesão por parte dos professores-estudantes.
A princípio, a professora solicitou que, em grupos, a cada aula, escrevessem suas
avaliações sobre o que haviam estudado, sobre o desenvolvimento da aula e
compusessem um portfólio reflexivo. Esses primeiros resultados foram significativos, já
que os professores-estudantes aprenderam a importância dos portfólios para a prática
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docente, no entanto, os textos eram pouco desenvolvidos. Assim, foi preciso avançar no
processo.
No segundo semestre do curso, foi realizada uma segunda tentativa.
Incentivados pela professora, os professores-estudantes postaram reflexões sobre as
aulas em um fórum de debates. No entanto, os textos ainda eram muito sucintos e
inconsistentes quanto à elaboração de reflexões.
No terceiro semestre do curso, a professora e os estudantes chegaram a um
formato mais satisfatório: o diário de bordo. Os estudantes passaram a escrever
livremente seus pensamentos em cadernos que a professora recolhia toda semana para
ler e os devolvia com comentários pessoais. Os textos cresceram e ganharam um
formato expressivo, espontâneo, verdadeiro, com reflexões sobre a formação
vivenciada. Nessa fase, o canal para o diálogo foi verdadeiramente aberto. Somente
então, consideramos que o coletivo pesquisador estava formado. Ou seja, o grupo
tornou-se consciente da importância da escrita para sua formação e comprometeu-se
com a pesquisa-ação, passando a participar do planejamento, implementação e avalição
das ações coletivas.
Assim, no quarto semestre do curso, esse coletivo pesquisador – professora e
estudantes – chegou à forma de produção textual atual: crônicas pedagógicas.
A crônica é um gênero textual muito popular em livros, revistas e blogs que
apresenta relatos em ordem cronológica (a palavra crônica vem de Cronos, deus grego
do tempo), em um discurso que se aproxima do jornalístico e do literário, já que
também prima pela estética do texto.
A ação seguinte do coletivo pesquisador foi a criação de um blog para a
postagem das crônicas. Essa fase surgiu da necessidade do grupo de socializar com mais
pessoas as crônicas pedagógicas. A motivação para a criação do blog foi o sentimento
geral entre os participantes de que era preciso ampliar a trama da dialogia (BAKHTIN,
2011). Isto é, proporcionar oportunidade para que mais pessoas interagissem,
dialogassem, lendo e escrevendo textos. O blog tornou-se, desse modo, um sitio virtual
que abriga hoje mais de 700 textos produzidos pelos estudantes, um suporte textual para
ensinar e aprender a escrever textos, um grande diário de bordo do curso de Pedagogia
PARFOR, na nossa universidade.
Ao mesmo tempo, o exercício de narrar a própria história, refletindo e
compartilhando as experiências vividas, resultou em construção de sentido para a
formação e em um processo de construção da autoria pedagógica.
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Bakhtin (2011) conceitua a autoria a partir das relações discursivas dialógicas
que o sujeito estabelece com seus interlocutores. Para produzir textos escritos, o escritor
precisa de outros textos para utilizar como modelos e criar um repertório para poder
embasar-se e recorrer sempre que necessário. Nessas condições, durante o processo
coletivo de produção das crônicas pedagógicas – em que a professora participava do
diálogo, realizando a mediação pedagógica, por meio de inúmeras revisões dos textos,
antes das postagens no blog –, os estudantes cronistas liam as crônicas de seus colegas,
inspiravam-se nelas, imitavam-nas em suas temáticas e estilos, tecendo uma trama
dialógica (BAKHTIN, 2011). Trama essa que entrelaçou seus participantes em um
diálogo ininterrupto, transformando-os em uma comunidade discursiva, em que a
autoria foi compartilhada e construída coletivamente (isso sem anular a originalidade de
cada autor).
A produção escrita – na forma de registros, narrativas de histórias de vida,
diários de aula – é altamente recomendada por autores como Madalena Freire (1996),
Josso (2004), Zabalza (2004), para a formação de professores reflexivos, pesquisadores
e autores da própria prática.
Madalena Freire (1996) é pioneira no Brasil na defesa do registro escrito das
atividades pedagógicas cotidianas pelo professor, como um importante instrumento
metodológico. Para a autora, registrar a prática significa analisar a aula, refletir e estar
em constante processo de formação. A autora sugere que, por meio desse exercício, os
professores em formação estão aprendendo que registrar as reflexões precisa ser um
exercício disciplinado, a fim de que a reflexão faça a devida conexão entre teoria e
prática. Madalena Freire (1996, p. 40) ressalta que “se apropriando do que faz e pensa, o
educador, sujeito pensante, começa a praticar a autoria de sua reflexão, assumindo a
condução do seu processo”.
Josso (2004) defende as narrativas de histórias de vida, no sentido de que o
sujeito consiga tecer um fio condutor, a fim de estabelecer um elo entre o que vive e o
que apreende em sua formação. Josso (1998) atribui às narrativas de natureza
autobiográfica três dimensões formadoras: a escrita como arte de evocação: o ator-
artista apropria-se dos recursos poéticos da língua para expressar o seu “eu” e a sua
visão particular de mundo; a escrita como construção de sentidos: o ator-autor aprende
a se expressar e a questionar de forma ativa a liberdade que possui sobre sua existência;
a escrita como pesquisa: o ator-pesquisador aprende a analisar suas experiências,
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identificando que transformou algumas delas em experiências fundadoras, isto é, o
vivido pode tornar-se ocasião de formação, orientando suas buscas.
Zabalza (2004), por sua vez, afirma que, nos diários de aula, a escrita dos
professores pode alcançar a dimensão da formação, e, assim, pode constituir-se em um
instrumento importante de investigação, pois o professor constrói sua experiência
linguisticamente, transformando sua narrativa em reflexão, e esta desenvolve uma
função epistêmica em que as representações do conhecimento são modificadas e
reconstruídas no processo de serem recuperadas por escrito.
Embasada nessa fundamentação teórica, a atividade de produção textual, aqui
destacada, cumpriu a função de ser uma intervenção pedagógica com a intencionalidade
de ajudar os professores-estudantes a desenvolver a escrita, a formular reflexões sobre a
formação na universidade, tornando-se mais conscientes da prática que exercem, bem
como da importância dos estudos teóricos para sua profissionalização docente.
Por meio de suas crônicas pedagógicas, aprenderam a escrever de forma
reflexiva (ZABALZA, 2004), ou seja, a adotar uma atitude de escritor que implica
buscar em seu íntimo respostas, hipóteses, sentimentos, lembranças, evocar seu eu
sensível, escrever com toda sua capacidade de pensar sobre algo, dialogando com outros
autores. Demonstraram compreender que registrar a prática (M. FREIRE, 1996) é de
fundamental importância para o professor tornar-se um profissional reflexivo,
pesquisador e autor. Em seus textos, reconheceram que suas crônicas eram de natureza
autobiográfica (relatavam vivências pessoais), confessional (expunham medos,
inseguranças, dúvidas) e reflexiva (refletiam sobre a vida e o processo de formação),
conforme Josso (1998, 2004). Reconheceram ainda que estavam se apropriando do
discurso pedagógico (BAKHTIN, 2011), utilizando termos específicos, jargões, estilo
de falar e escrever da área da Pedagogia.
Perspectivas de aprendizagem alcançadas
Com base em Franco (2005), observamos, principalmente, os efeitos
pedagógicos da pesquisa-ação, em três aspectos que destacamos.
Primeiramente, a construção do tempo/espaço do coletivo. Até que o grupo de
professores em formação se visse como um coletivo pesquisador, demandou um
trabalho de três semestres. Somente após várias oficinas de produção textual – portfólio
reflexivo, fórum de debates, diário de bordo – é que os estudantes começaram a se
apropriar de um estilo de escrever reflexivo e mais autoral, compreendendo que, no
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trabalho coletivo, poderiam alçar voos mais altos, como a criação de um blog e, nesse
processo, implicaram-se e comprometeram-se com objetivos comuns. Conseguimos,
portanto, "construir uma dinâmica do coletivo", conforme nos explica Franco (2005, p.
497).
Um segundo aspecto observado foi a valorização das espirais cíclicas de ação-
reflexão-ação. Foi preciso compreender que, para pesquisa e ação caminharem juntas, a
reflexão sobre a ação precisaria ser permanente, a fim de que as ações pudessem ser
reformuladas a todo momento. Assim, a pesquisa-ação pode favorecer a formação de
professores pesquisadores. Nesse sentido, as crônicas configuraram-se como um meta-
instrumento formativo. Ao mesmo tempo em que eram o produto da pesquisa-ação,
eram os instrumentos de avaliação do processo.
Nesse sentido, a avaliação permeou toda a experiência, uma vez que a primeira
instância de avaliação foi a das crônicas pedagógicas postadas no blog. Destacamos,
como exemplo, trechos de uma crônica, em que a professora-estudante avalia os
principais aspectos de sua transformação:
Assim como houve naquele tempo um grande milagre com a
pureza da água e a alegria do vinho, senti-me alegre quando tive
a oportunidade de cursar uns dos melhores cursos de Pedagogia
[...]. Um milagre aconteceu! Foi quando iniciaram as grandes
transformações na minha vida pessoal, profissional, social e
acadêmica. Com o curso, a minha prática, atuando como
educadora, mudou, abriu novos olhares, porque o conhecimento
transforma e foi isso que aconteceu. Hoje, na minha prática,
tudo é fundamentado, sempre estou questionado no meu
cotidiano profissional: Qual o autor que se refere a esse tema?
Como posso usar essa fundamentação para melhorar a minha
prática pedagógica? Qual é a Lei que fundamenta tal coisa?
Estou sendo ética? O que posso melhorar? São questões de
reflexões e críticas positivas que antes do curso de Pedagogia
PARFOR não existiam em minha mente, porém com um projeto
de curso bem elaborado, com uma proposta pedagógica de longo
prazo, acredito que todas as expectativas foram preenchidas em
cada disciplina e com desempenho. [...] Quando eu pensava que
era impossível, que não iria conseguir, todos os professores me
diziam: você pode, vá em frente, você vai conseguir. [...] Ao
destacar fatos marcantes e pessoas na minha formação, não
quero ser injusta com nenhum professor, porque todos os
professores contribuíram, uns diretamente e outros
indiretamente, mas sempre grandemente para que hoje eu
estivesse escrevendo esta crônica. Tudo mudou, tudo
transformou. A água se transformou em vinho, a água purifica,
mas o vinho alegra e faltam poucos meses para a alegria ser total
e dizer: venci mais uma etapa, a graduação. E a alegria não
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ficará apenas restrita a mim e à coordenação do grupo de
docentes, irá contagiar a família, amigos e colegas e eu também
irei um dia contribuir para transformar outras vidas. (Crônica
postada em: 18/03/2014)
As transformações percebidas pela professora-estudante conectam os resultados
da formação com sua atuação profissional, ou seja, ela estabelece relação significativa
entre teoria e prática. É possível inferir também que valoriza essa transformação,
principalmente, na sua vida pessoal, na sua essência humana.
Outra importante etapa de avaliação e de ampliação da pesquisa aconteceu após
dois anos do trabalho sistematizado de postagem de crônicas (2012-2014), quando esta
pesquisadora (professora da turma) selecionou e classificou as crônicas pedagógicas em
6 eixos temáticos, dando início à organização de um livro.
Iniciou-se, então, um segundo ciclo da pesquisa-ação, agora no grupo de
pesquisa, com a participação de 16 pesquisadoras da área de educação que, durante um
ano, reuniram-se semanalmente, a fim de avaliar o trabalho desenvolvido, analisar o
conteúdo das crônicas pedagógicas e produzir capítulos analíticos, de acordo com os 6
eixos temático identificados: 1. Das expectativas iniciais: o sonho da graduação. 2. Dos
dilemas e desafios. 3. Das vivências formativas. 4. Ser professor(a) na educação infantil.
5. Do reconhecimento da autoria pedagógica em construção. 6. Da (auto)avaliação do
processo de formação.
O livro foi organizado em duas partes, a primeira com os capítulos analíticos
escritos pelas pesquisadoras do grupo de pesquisa; a segunda parte apresenta 97
crônicas pedagógicas que foram escritas pelos estudantes cronistas, ao longo da
existência do blog. O critério de escolha das crônicas para o livro foi de que cada
professor-estudante tivesse um texto de sua autoria publicado.
No âmbito do grupo de pesquisa, o coletivo de pesquisadoras interagiu com o
grupo de estudantes, por meio da leitura e análise das crônicas. Assim, a pesquisa-ação
aconteceu em dois ciclos, com tempos/espaços diferentes: o ciclo da formação (na sala
de aula) e o ciclo da pesquisa (no grupo de pesquisa) que dialogaram entre si, sem
perder o sentido de trabalho coletivo.
Um terceiro aspecto observado foi em relação à produção e socialização de
conhecimentos. O processo de produção/socialização de conhecimento foi
desenvolvido, essencialmente, por meio da escrita. E essa é a forma mais complexa de
verbalização do pensar, que pode emancipar, empoderar, libertar, enfim, transformar
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sujeitos que, como nos ensina Paulo Freire (2005, p. 28), são "seres históricos capazes
de, intervindo no mundo, conhecer o mundo".
Nessa perspectiva, acreditamos que foi possível a construção de sentidos e
significados pelos formandos, de modo que transformassem suas práticas e assumissem
uma nova identidade docente, a de professores autores capazes de criar e pensar seu
fazer pedagógico com criticidade – e essa capacidade denominamos autoria pedagógica
–, conforme nos relata a professora-estudante abaixo:
Penso que o momento em que me senti autora foi quando tive a
liberdade para expressar meus pensamentos, opiniões,
sentimentos, críticas, tristezas através das crônicas. Através
desta escrita senti-me como diz a frase citada acima: “autora da
minha própria história”. História de formação pessoal,
profissional e acadêmica, porque as crônicas que escrevi tiveram
um pouquinho de cada um desses três temas. Relatando nas
crônicas experiências vividas na universidade, fui refletindo
sobre minha formação enquanto docente, avaliando os
conhecimentos adquiridos e fazendo uma crítica a mim mesma
sobre o que foi transformado na minha ação pedagógica e
principalmente o que foi modificado em mim como pessoa. Ao
reler as minhas crônicas postadas no blog, analisei os meus
erros, o vocabulário e o nível de conhecimento construído até
agora. Confesso que me espantei! (Crônica postada em 17 de
junho de 2012)
O texto destacado exemplifica a interpretação que realizamos das crônicas. Foi
possível inferir que a representação que os sujeitos faziam de autor, no início do
trabalho, era de um ser distante deles, um profissional como um escritor, jornalista,
pesquisador etc., alguém que nasceu com o dom da escrita. No decorrer da pesquisa-
ação, passaram a reconhecer que poderiam torna-se autores e demonstraram o desejo de
conquistar a autoria em três dimensões: a da escrita, a da formação e a da vida pessoal.
Frases como “ser autora da própria vida”, “escrever minha própria história”,
“escrever o script da minha vida”, “me sinto AUTORA vivendo”, “me impor capaz de
assinar meus próprios textos, sendo autora primeiramente da minha própria vida”
ecoaram em grande parte das crônicas. Soaram como um mote escolhido por essa
comunidade discursiva para exaltar a força interior que moveu esses sujeitos durante a
formação no curso de Pedagogia/PARFOR, bem como para expressar o desejo de
conquista da autoria como professores capazes de ter domínio sobre o que fazem e o
que pensam.
CONSIDERAÇÕES
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Por todos os aspectos que relatamos neste texto, pudemos comprovar que a
pesquisa-ação pode ser uma importante abordagem metodológica na formação e na área
da pesquisa de formação de professores: uma perspectiva de renovação. Assim,
concordamos com Franco (2005), quando a autora reafirma que “a pesquisa-ação pode e
deve funcionar como uma metodologia de pesquisa, pedagogicamente estruturada,
possibilitando tanto a produção de conhecimentos novos para a área da educação, como
também formando sujeitos pesquisadores, críticos e reflexivos” (p. 501).
Assim como a professora-estudante citada acima, também nos espantamos com
os rumos e a amplitude que o trabalho com a pesquisa-ação alcançou. Conseguimos
ajudar sujeitos em “defasagem de formação” a transformarem-se em professores-autores
de um blog e de um livro, que são produtos de grande relevância social no âmbito da
escrita. Ainda, para completar essa realização, o trabalho coletivo denominado Crônicas
Pedagógicas, que envolveu professores-estudantes do Programa PARFOR e
pesquisadoras da nossa universidade, foi destacado com um prêmio internacional, como
uma experiência inovadora na área de formação de professores. Essa premiação nos
oportunizou viagem de intercâmbio para socializar a experiência com professores
indígenas do povo Paî Tavyterã, no Paraguai.
Por fim, o conteúdo das crônicas pedagógicas nos ajudou a avaliar a dimensão
humana que o nosso trabalho conquistou. Como explica Freire (1997, p. 17) sobre o
papel da educação na humanização:
[...] a educação se constitui como verdadeiro quefazer humano.
Educadores-educandos e educandos-educadores, mediatizados
pelo mundo, exercem sobre ele uma reflexão cada vez mais
crítica, inseparável de uma ação também cada vez mais crítica.
Identificados nessa reflexão-ação e nessa ação-reflexão sobre o
mundo mediatizador, tornam-se ambos – autenticamente – seres
da práxis.
Acreditamos que, como sujeitos da práxis pedagógica, trabalhando com a
pesquisa-ação, estamos contribuindo significativamente para a formação e
transformação dos professores-estudantes do Programa PARFOR. Por isso, o trabalho
que promove a prática da escrita prossegue em nosso curso, renovando perspectivas de
formação para professores da educação básica.
Referências bibliográficas
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FRANCO, M. A. S. Pedagogia como ciência da educação. São Paulo: Cortez, 2003.
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Pedagogia Universitária, 10. São Paulo: USP, 2009.
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FREIRE, M. O registro e a reflexão do educador. In: FREIRE, M. (coord.). Observação,
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ZABALZA, M. Á. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento
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A PESQUISA-AÇÃO COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO DE
PROFESSORES FORMADORES
Elisabete Ferreira Esteves Campos
Centro Universitário Fundação Santo André
Resumo O exercício da reflexão crítica é tido como fundamental na formação de professores,
pressupondo que os profissionais responsáveis pela formação, construam fundamentos
didático-pedagógicos para promover e provocar processos reflexivos nos contextos
formativos. Partindo desse pressuposto, tornou-se relevante realizar uma investigação,
na perspectiva da pesquisa-ação, fundamentada em Franco, Monceau, e Thiollent, para
dialogar com um grupo de Professoras que, ao assumirem a coordenação pedagógica,
tornaram-se responsáveis pela formação das equipes docentes. A pesquisa teve como
propósito investigar os desafios da função, os saberes que mobilizam para enfrenta-los e
os fundamentos que orientam sua prática. As Professoras-coordenadoras que assumiram
a função no mesmo ano em que a pesquisa começou, foram convidadas a participar para
que pudessem dialogar e vivenciar esse processo investigativo, analisando
coletivamente o contexto em que se dá a ação formativa, seus condicionantes e
possibilidades, tendo em vista a emancipação docente. Para o desenvolvimento da
pesquisa-ação organizamos encontros sistemáticos denominados Círculos de Debates,
inspirados nos Círculos de Cultura de Paulo Freire, com o intuito de problematizar a
realidade por meio do diálogo crítico, em um processo contínuo de ação-reflexão-ação.
O trabalho coletivo, que caracteriza a pesquisa-ação, pressupõe uma epistemologia
crítica com finalidades emancipatórias. Configurou-se em espaço de formação, no qual
o grupo pôde analisar e dialogar sobre os problemas e propostas para a educação pública
escolar, participando de debates sobre a democratização do ensino, sobre políticas e
diretrizes educacionais e suas influências na organização da escola, nas práticas
pedagógicas docentes e em suas próprias práticas, abrindo possibilidades para outras
perspectivas nas propostas formativas. Perspectivas que superem a formação para os
professores, construindo processos formativos com os professores, ampliando os
espaços de participação e diálogo para transformar e melhorar a qualidade do ensino e
da aprendizagem dos alunos.
Palavras-chave: Pesquisa-ação. Professores formadores. Formação docente.
Introdução
Os processos educativos estão intimamente vinculados aos contextos
econômicos, políticos, sociais, culturais. Considerar esses aspectos, bem como as leis e
diretrizes que influenciam na organização das escolas e nas práticas docentes torna-se
necessário, quando se compreende a educação numa perspectiva multidimensional
(FRANCO, 2013). No Brasil, as políticas voltadas à formação dos professores em
serviço, implantadas a partir dos anos 1980 por recomendação do Banco Mundial
(TORRES, 1998), levaram a um menor investimento nas licenciaturas em universidades
públicas, e à proliferação de faculdades privadas, comprometendo a qualidade na
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4107ISSN 2177-336X
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formação de professores, como declarou Saviani em entrevista concedida ao portal da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED:
[...] a grande maioria dos docentes que atuam nas redes públicas de
educação básica do país é formada em instituições particulares de
ensino superior de duvidosa qualidade. Com isso a educação básica
pública fica refém do ensino privado mercantilizado, sem possibilidade
de resolver seus problemas de qualidade. Portanto, diferentemente do
que a mídia divulga incessantemente, não é verdade que a rede
particular seja qualitativamente melhor que a rede pública. Ao
contrário: a má qualidade das escolas superiores privadas de formação
de professores é um dos fatores determinantes da baixa qualidade da
rede pública de educação básica (SAVIANI, 2014).
Nesse cenário, a formação em serviço é justificada pela precariedade na
formação inicial, pela presença de educadores leigos que ainda atuam nas instituições
escolares, sem a necessária formação pedagógica (CAMPOS et al, 2006, GATTI &
BARRETO, 2009), como também pelas rápidas mudanças científicas, tecnológicas, que
exigem qualificação profissional.
Essa formação, como política educacional, vem sendo organizada com
diferentes formatos e terminologias (MARIN, 1995): atualização, reciclagem,
treinamento, capacitação, aperfeiçoamento, especialização, dentre outros. Atualização e
reciclagem podem ser compreendidas como tornar atual um conhecimento
desatualizado; treinamento pode ter como propósito a implantação de programas, uso de
material didático, aplicação de atividades; capacitação significa tornar capaz, habilitado;
aperfeiçoamento e especialização podem se referir a um saber que deve ser aperfeiçoado
ou a especialização em algum conteúdo.
O que há de comum nessas modalidades formativas é certa tendência
transmissiva de conhecimentos definidos e ministrados por especialistas, excluindo os
próprios professores dos debates sobre políticas e propostas de formação em serviço.
Em uma visão economicista o professor é visto como recurso humano, ou seja, como
meio, recurso para algo e não como sujeito de. (FUSARI, 1988).
As formações planejadas para os professores no modelo transmissivo, não
articulam os conteúdos dessas formações com os contextos das práticas docentes, seus
saberes e experiências, não havendo preocupação com sua formação política e cultural,
podendo conferir à didática um caráter técnico-instrumental. Críticas a esse modelo
levaram à defesa de propostas formativas que promovessem a reflexão dos docentes. A
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4108ISSN 2177-336X
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formação em serviço tendo a escola como lócus privilegiado parecia mais adequada
para este propósito.
No bojo desses debates, a Lei de Diretrizes de Bases 9.394/96 (BRASIL, 1996)
no artigo 67, indicou “período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído
na carga horária de trabalho” o que levou as redes de ensino a reorganizarem o horário
de trabalho dos docentes. Além de cursos, oficinas e palestras, algumas redes de ensino,
como a rede estadual paulista e redes municipais, instituíram o Horário de Trabalho
Pedagógico Coletivo – HTPC – configurando-se em reuniões semanais com as equipes
docentes nas unidades escolares. Para Freitas (2002)
A concepção de formação no próprio local de trabalho, se traz em si
elementos inovadores ao tomar o trabalho concreto como categoria de
análise, contraditoriamente provoca o reducionismo nas análises mais
amplas e críticas desse trabalho em suas relações com a sociedade.
(p. 149-150)
Nesse contexto, emergiu o problema que motivou a investigação aqui relatada
com um grupo de Professoras dos anos iniciais do ensino fundamental de uma rede
pública, que se desligaram da sala de aula para assumirem a coordenação pedagógica,
assumindo também a formação de professores no próprio local de trabalho, planejando e
coordenado as reuniões semanais com os docentes. A rede de ensino onde trabalhavam
estabeleceu como pré-requisito, para os professores coordenadores, graduação em
Pedagogia e dois anos de docência, o que me levou a questionar se tais requisitos eram
suficientes para o desempenho dessa função.
Formulei a hipótese de que a coordenação pedagógica, que inclui a formação de
professores na escola, exige saberes que passam pela docência, mas vão além dela. A
base teórico-metodológica da coordenação pedagógica é a docência e práticas
pedagógicas que a incluem, mas vão além.
Iniciei então a investigação para identificar os desafios e percursos de um grupo
de Professoras que estavam assumindo a coordenação pedagógica naquele mesmo ano,
quando teve início a pesquisa, questionando: quais desafios enfrentam? Quais saberes
mobilizam? Como compreendem e coordenam a formação de professores? Com quais
fundamentos didático-pedagógicos?
As Professoras-coordenadoras foram convidadas a participar da pesquisa para
que pudessem dialogar e vivenciar esse processo investigativo, analisando
coletivamente suas ideias iniciais, o contexto das escolas, a forma como enfrentavam os
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desafios e os fundamentos que orientavam sua prática, tomando como base os
referenciais freireanos de participação e diálogo (FREIRE, 2005, 2007).
Neste artigo, apresento os fundamentos da pesquisa-ação, excertos de diálogos
com o grupo participante, destacando algumas considerações que indicam a
coordenação partilhada de uma proposta formativa com os professores.
Fundamentos da pesquisa-ação
Compreendendo a Educação e a pesquisa como formas de intervenção no mundo
(FREIRE, 1979, 2005,2007), esta investigação não poderia ser sobre os sujeitos, mas
com os sujeitos participantes da pesquisa, desenvolvida nem uma abordagem qualitativa
de intervenção e se caracterizou como pesquisa-ação. Fundamentada em Franco (2005),
Monceau (2005) e Thiollent (1986), a pesquisa-ação considerou as vozes dos sujeitos,
suas perspectivas e sentidos, formando a tessitura desta metodologia de investigação. O
grupo participou de encontros sistemáticos que denominamos Círculos de Debates,
inspirados nos princípios dos Círculos de Cultura de Freire (1979, 2005).
Coletamos e analisamos coletivamente os dados iniciais relativos à organização
e estrutura das escolas, como também relatos das Professoras-coordenadoras sobre sua
própria prática. Durante a pesquisa, estive nas unidades escolares envolvidas
observando e registrando situações do cotidiano e, em algumas ocasiões participei, junto
com as Professoras-coordenadoras, de reuniões de HTPC, Conselhos de Classe,
reuniões com pais/responsáveis, tendo como foco as práticas da coordenação nesses
diversos contextos para construirmos coletivamente fundamentos didático-pedagógicos.
Todos os dados foram analisados nos Círculos de Debates, assim como os documentos
das escolas, especialmente os Projetos Político-Pedagógicos, gerando novas
perspectivas de análises das situações da realidade, que provocaram a expressão de
sentimentos, opiniões, dúvidas, inseguranças como também possibilidades de ação, em
um processo contínuo de diálogo-reflexão-ação.
As Professoras-coordenadoras elaboraram registros reflexivos, durante a
pesquisa, que permitiram novos diálogos e propostas de ação, sempre à luz de
referenciais teóricos, fundamentando as mudanças nas práticas, num processo contínuo.
O método deve contemplar o exercício contínuo de espirais
cíclicas: planejamento; ação; reflexão; pesquisa; ressignificação;
replanejamento, ações cada vez mais ajustadas às necessidades
coletivas, reflexões, e assim por diante... (FRANCO, 2005, p.
491)
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Nesse processo de “espirais cíclicas”, tornou-se necessária a análise crítica de
certos aspectos relativos às questões sociais, econômicas e de políticas educacionais que
compõem o cenário atual e influenciam na organização das escolas, nas práticas
docentes e nos processos formativos. A pesquisa-ação que assume o caráter de
criticidade (FRANCO, 2005) não pretende apenas compreender ou descrever o mundo
da prática, mas o transformar:
A condição para ser pesquisa-ação crítica é o mergulho na práxis do
grupo social em estudo, do qual se extraem as perspectivas latentes, o
oculto, o não familiar que sustentam as práticas, sendo as mudanças
negociadas e geridas no coletivo. Nessa direção, as pesquisas-ação
colaborativas, na maioria das vezes, assumem também o caráter de
criticidade (FRANCO, 2005, p. 486)
A criticidade é assim compreendida também na perspectiva freireana, que
procura analisar a situação concreta, permite o distanciamento da realidade,
objetivando-a para admirá-la e agir conscientemente sobre a realidade objetivada,
constituindo, assim, a práxis humana, a unidade indissociável entre a ação, reflexão e a
ação sobre o mundo, como processo contínuo e de intervenção.
Monceau (2005) aborda a pesquisa-ação na expectativa de que a intervenção, de
intenção analítica, provoque uma renovação da percepção que os indivíduos possuem da
realidade social em que estão envolvidos. “É evidente que a pesquisa-ação tem efeitos
de intervenção e a intervenção produz conhecimentos [...]” (MONCEAU, 2005, p. 469).
Foi nesses termos que desenvolvemos a pesquisa, que por sua natureza política e
dinâmica, tornou-se uma investigação bastante desafiadora. Na pesquisa-ação, o nível
de reflexão do grupo e o tipo de relações que estabelecerão entre si são variáveis; os
conflitos e dificuldades que emergem nas discussões e a forma como o grupo
compreenderá e abordará os conceitos e as relações com sua prática são imprevisíveis.
Torna-se necessário e desafiante lidar com o imprevisto, o que pressupõe que o
pesquisador tenha habilidade para provocar as reflexões coletivas, sempre em um clima
de respeito e confiança.
É o diálogo coletivo, na pesquisa-ação, que promove a construção de saberes
para coordenar o currículo em ação, que pressupõe a formação contínua de professores
compreendida como processo permanente no qual educadores escolares questionam e
refletem sobre seu arcabouço teórico, metodológico, sobre a Pedagogia e as Ciências da
Educação.
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O caráter emancipatório da pesquisa-ação
Nos encontros iniciais, as Professoras-coordenadoras relataram suas ideias,
expectativas, sentimentos e as dificuldades que enfrentavam. Apresento alguns excertos
desses diálogos:
Tenho visto muitas coisas gritantes nas práticas das professoras,
atitudes e propostas muito complicadas, principalmente em relação ao
trabalho de alfabetização, mas não sei como ajudar sem faltar com a
ética. As professoras são minhas amigas e não quero magoá-las.
(Professora-coordenadora S1).
A gente quer mudar, mas não sabe como – não tem embasamento para
ajuda-las [as professoras] a avançar (Professora-coordenadora F)
Ter ideia sobre a coordenação pedagógica é imaginar o que não se vivenciou. Não criei muitas expectativas até para não chegar à
conclusão de que tive muitas decepções. (Professora-coordenadora A)
Esse diálogo entre as várias Professoras-coordenadoras ajudou-me a
refletir que os problemas que temos são comuns em todas as escolas,
pois quando assumimos a função, em primeiro lugar, achamos que
vamos ajudar as professoras com nossas experiências em sala de aula,
principalmente eu, com 18 anos de experiência docente. (Professora-
coordenadora S)
A expressão de ideias, sentimentos e dos fundamentos para analisar as situações
escolares e sua própria prática, evidenciam o caráter formativo da pesquisa-ação, cujo
desenvolvimento favorece a auto concepção de sujeitos históricos em permanente
transformação.
Daí a ênfase no caráter formativo dessa modalidade de pesquisa, pois o
sujeito deve tomar consciência das transformações que vão ocorrendo
em si próprio e no processo. É também por isso que tal metodologia
assume o caráter emancipatório, os sujeitos da pesquisa passam a ter
oportunidade de se libertar de mitos e preconceitos que organizam suas
defesas à mudança e reorganizam a sua auto-concepção de sujeitos
históricos. (FRANCO, 2005, p. 486-487)
Quando assumiram a função, as Professoras acreditavam que a experiência
docente seria suficiente, mas ao se depararem com os diferentes problemas do cotidiano,
com práticas docentes que consideravam equivocadas quando comparadas com suas
próprias práticas, sentiam-se despreparadas. Os embates com as equipes docentes e, em
algumas situações, com o diretor escolar, eram inevitáveis.
De acordo com as experiências pessoais e profissionais de cada uma, iam
construindo recursos singulares e buscando apoios, quer na literatura ou em outros
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parceiros. Ressaltaram que a falta de formação para essa passagem, de professora a
coordenadora, as deixava inseguras. Por isso, a proposta de participação na pesquisa-
ação foi muito bem recebida e valorizada por todas.
A pouca experiência na coordenação de grupos e as análises dos dados da
pesquisa levaram o grupo a identificar a dificuldade em constituir e fortalecer o trabalho
coletivo nas escolas, considerado como tema central que se desdobrou em subtemas. As
Professoras-coordenadoras assumiam para si a dificuldade na constituição de coletivos,
bem como a dificuldade em lidar com a postura de professores, muitas vezes de
resistência, indiferença ou mesmo de desrespeito a princípios éticos. Essas
manifestações nos levaram a uma análise mais ampliada sobre os problemas
educacionais cujo rebatimento parecia ocorrer de forma semelhante nas escolas. Com o
apoio de referenciais teóricos, o grupo destacou alguns entraves para a constituição e
fortalecimento desse coletivo nas escolas, que não se relacionam apenas ao trabalho de
coordenação pedagógica, tais como:
A histórica imagem dos professores construída socialmente desconsidera a
complexidade da docência e desvaloriza a profissão, sugerindo que os
professores podem, individualmente, ministrar suas aulas aos alunos, pois se
trata de tarefa simples.
A formação em Pedagogia tem uma característica fragmentária (GATTI E
BARRETO, 2009) e não oferece uma sólida formação articulada com
conhecimentos e reflexões coletivas acerca da relação escola-sociedade.
A formação em serviço voltada ao treinamento, atualização, capacitação para
que os professores apliquem individualmente em sua sala de aula o que
aprenderam, ainda estão presentes nas redes de ensino.
A falta de compreensão do sentido e significado do Projeto Político Pedagógico,
além da dificuldade do saber-fazer tal Projeto, dificulta a articulação dos
docentes em torno de princípios, fundamentos e objetivos comuns.
A histórica exclusão dos professores dos processos participativos em diferentes
instâncias limita a visão de compromisso coletivo com as causas da Educação.
O individualismo presente na sociedade também se fortalece nas escolas e nas
práticas docentes.
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A carga horária dos professores é insuficiente para as várias demandas da
profissão, dificultando a articulação com outros profissionais e participação em
órgãos colegiados.
O tempo instituído para o trabalho coletivo, nas escolas pesquisadas, fica
reduzido aos HTPCs semanais e ainda assim com parte da equipe de professores,
porque há mais de um grupo, descaracterizando o conceito de “coletivo”. As
reuniões com a participação de todos os funcionários da escola se resumem a
duas ou três por ano.
Há escolas em que o diretor delega para a Professora-coordenadora a
responsabilidade pela constituição do trabalho coletivo, nem sempre participa de
HTPC e não assume a parceria na liderança desse trabalho.
A política de descentralização dos serviços educacionais que se fortaleceu a
partir dos anos de 1990 (CONTRERAS, 2002), transferiu responsabilidades para
as escolas e sociedade, provocando um mal-estar e até mesmo embates internos
e externos quando o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica,
que supostamente indica a qualidade do trabalho da escola, não é atingido.
A teoria da avaliação formativa e dialógica não converge com as avaliações
padronizadas instituídas pelo Estado, que vem implantando padrões empresariais
na educação (SAVIANI, 2014) e convidando a sociedade a avaliar o trabalho da
escola de seus filhos e filhas como se essa “pressão”, por si só pudesse elevar a
qualidade do ensino.
As políticas de descentralização transferiram responsabilidades para as escolas
(CONTRERAS, 2002), mas não deixaram de exercer o controle central em
relação a vários aspectos, dentre eles a estrutura do prédio escolar,
equipamentos, jornada escolar, contratação de pessoal, carga horária docente,
remuneração, orientações, diretrizes e avaliação.
A internacionalização da agenda educacional (TEODORO 2003), indicando
políticas e diretrizes a serem implantadas nos diferentes países, condiciona a
ação educativa e reforça a imagem dos professores como reprodutores de
programas e projetos.
Na medida em que ocorriam os diálogos, ampliavam-se as perspectivas de
análises sobre o contexto mais amplo, das organizações sociais, políticas, leis e
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diretrizes que influenciam na organização escolar e práticas docentes. Mesmo
reconhecendo seus limites, a pesquisa-ação com as Professoras-coordenadoras
possibilitou uma formação reflexiva para superar o reducionismo das análises de
práticas isoladas, quer na formação de professores nas escolas, quer em sua própria
formação, ampliando suas capacidades reflexivas para construção de sua práxis.
A sistematização das análises, durante a pesquisa, fundamentou o conceito de
formação com o professor – articulando o sujeito individual e o coletivo – que pode se
configurar em espaço de diálogo e reflexão acerca da realidade social, sua relação com a
Educação e as possibilidades de transformação. Os espaços de HTPC podem ser
aproveitados para que os docentes analisem, reflitam, dialoguem sobre a situação real de
cada escola, relacionando ao contexto mais amplo, para construir propostas de ensino
enfrentando os desafios que se colocam e, desta forma, estarão construindo sua
qualificação profissional, na interação com seus pares.
Considerações
A pesquisa-ação como espaço formativo, permitiu ao grupo dialogar sobre os
problemas e propostas para a educação pública escolar, analisando questões
relacionadas à democratização do ensino, políticas, diretrizes e suas influências na
organização da escola e nas práticas pedagógicas.
O trabalho docente, seja em sala de aula ou na coordenação pedagógica, não se
reduz ao contexto das ideias – formação teórica desvinculada dos problemas e situações
de realidade - ou ao puro fazer da prática descontextualizada, pois, como argumenta
Freire, trata-se do “contexto de que-fazer, de práxis” (FREIRE, 2007a, p. 106),
articulando teoria e prática para a compreensão das contradições por meio da reflexão e
da ação, para a transformação.
A formação docente não se limita aos conteúdos curriculares desvinculados de
uma análise cuidadosa do contexto político, econômico e social. Portanto, outras bases
teóricas tornam-se necessárias, reconhecendo os professores como sujeitos dos
processos de ensino e aprendizagem.
Superando um projeto de formação para os docentes, propomos, na conclusão
desta pesquisa, a formação planejada e desenvolvida com os docentes, em um processo
contínuo de ação-reflexão-ação na construção da práxis educativa, que é sempre uma
prática social.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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Articular essas análises à compreensão do papel da escola e do currículo requer
o debate coletivo do Projeto Político-Pedagógico em função do projeto de sociedade
que se quer fortalecer. Essa é a essência do trabalho coletivo nas escolas, que é sempre
formativo e exige liderança, coordenação.
No entanto, essa responsabilidade, na formação das equipes docentes, não pode
ser assumida por um formador isoladamente. A coordenação desse trabalho precisa ser
partilhada pelas equipes gestoras, superando o formato de cargos hierárquicos de
diretor, vice-diretor, etc., para aprender a trabalhar juntos e articular as dimensões
administrativas e pedagógicas, assumindo princípios comuns, considerando os
professores como corresponsáveis por esse trabalho.
A formação é um processo contínuo e tem como finalidade a construção
gradativa da autonomia intelectual, moral e social, tendo em vista uma educação de
melhor qualidade, mas essa formação não se reduz ao tempo/espaço da escola e precisa
ser assumida e ocorrer em outras instâncias, considerando a formação como condição
básica para o desenvolvimento profissional, que também está muito ligado à prática
social-cultural-política desses sujeitos-professores.
Os encontros nos Círculos de Debates foram valorizados por viabilizar a
participação coletiva na pesquisa-ação, contribuindo com a construção de saberes e
promovendo reflexões, conforme manifestaram as Professoras-coordenadoras, mas
destacando que tais construções ocorreram de forma diferenciada e peculiar para cada
uma delas.
Não posso deixar de registrar que as reflexões [...] em boa parte se deve
aos encontros realizados com as Professoras-coordenadoras, onde as
pessoas não têm vergonha de expor seus acertos e suas dificuldades e
com isso todo o grupo cresce e se sente capaz de ser um formador em
suas escolas. (Professora-coordenadora A)
Falar de formação de professores é uma tarefa bastante complexa. [...] é
ainda mais complexo falar de formação quando você mesma é a
formadora! [...] Hoje tenho plenas condições de trabalhar com o grupo
[de professoras] de uma forma melhor [...] quero que se sintam autores de
seu processo de construção. (Professora-coordenadora F)
Eu pensava que meu trabalho seria o de ajudar professoras na sala de
aula, com alunos em dificuldades, acompanhar conselhos de classe,
recados, etc. Que inocência! [...] Nos encontros com as Professoras-
coordenadoras e com a Bete eu me sentia aliviada, porque ouvia as outras
Professoras e voltava mais fortalecida, com muitas ideias. [...] Lendo
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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todos os registros dos encontros nos Círculos de Debates, vejo o quanto
aprendi, mas não é um trabalho fácil. (Professora-coordenadora S)
A elaboração de registros reflexivos, durante a pesquisa, contribuiu com a
construção da autoria pedagógica (PONTES, 2007). Foi um exercício de sistematização
do pensamento por meio da escrita, para a reflexão da própria prática. As professoras
registraram também a relação entre o trabalho na coordenação e o crescimento pessoal,
ressaltando o caráter formativo da pesquisa-ação na construção da práxis, compreendida
na perspectiva de Freire (2005), para a transformação social e pessoal.
Acredito que meu trabalho como Professora-coordenadora me fez
crescer muito, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. [...] Hoje
tenho um olhar muito mais crítico em relação ao mundo, em relação a
tudo, até a um filme que assisto. O fato de uma pessoa se realizar
profissionalmente a faz se sentir melhor, mais forte. [...] Para ser
educador é preciso ter paixão naquilo que fazemos. Ser educador
depende de comprometimento e de esforço pessoal para que possamos
contribuir de fato com uma educação de melhor qualidade. (Professora-
coordenadora F).
[...] aprendi muito, superei muitas dificuldades que às vezes nem eu
mesma pensei que pudesse. Me fortaleci na convivência com o outro,
aprendi que não lidamos da mesma forma com todas as pessoas e
quando olho para a equipe desta escola, vejo o quanto todos nós
crescemos. Foi dolorido, foi, mas mudar dói e o melhor, o resultado são
os alunos, as faltas diminuíram, vejo projetos maravilhosos acontecendo
[...] a chave de tudo isso é acreditar no grupo e desfiá-las a buscarem as
soluções e por incrível que pareça as soluções se mostraram melhores
do que eu esperava. Como você mesma vê, aprendi muito, mas tenho
muito a aprender, a chave é a busca, é o não comodismo. (Professora-
coordenadora SI).
O desenvolvimento profissional ocorre na pessoa do professor, que, em sua vida
pessoal, também opera mudanças de valores, modos de ver, de sentir e agir. A ética
profissional está intimamente imbricada com a ética que se assume na vida pessoal.
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Estudos Pós-Graduados em Educação: História e Filosofia da Educação da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 1998.
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O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA REFORMA CURRICULAR NO
ESTADO DE SÃO PAULO: IMPLICAÇÕES NO TRABALHO DOCENTE
Sandra Faria Fernandes
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo: Este artigo traz uma reflexão a respeito do trabalho docente na implantação da
nova Proposta Curricular no estado de São Paulo de 2008 a 2010, em escolas
pertencentes à Diretoria de Ensino de Santos. A pesquisa teve como objetivo específico
identificar fatores facilitadores e dificultadores que interferem no trabalho docente. Para
tanto, percorreu-se o caminho metodológico da abordagem qualitativa, na perspectiva
de interpretar e desvelar as contradições e complexidades do objeto investigado, a partir
de uma matriz crítico-reflexiva e ética. Cumpriram-se as seguintes etapas: observação
realizada nas unidades escolares; análise de documentos legais; e entrevistas
semiestruturadas com os professores de cada escola selecionada para a pesquisa.
Tomando como base as entrevistas, as respostas foram tabuladas por fatores
dificultadores e facilitadores do trabalho docente no processo de implantação. O
propósito foi o de contribuir para a pesquisa na área, trazendo a “voz” dos professores,
que tiveram a oportunidade de, trabalhando diretamente com o processo de implantação
da Proposta Curricular, apontar alguns caminhos que acreditam ter tido sucesso e outros
que não foram tão bem-sucedidos, mas que, na análise de seus desacertos, permitirão
encontrar direções para novas mudanças. À luz de uma matriz teórica que aborda a
escola para o novo século, projetos inovadores, reformas curriculares e trabalho
docente, os dados foram analisados e discutidos. Percebeu-se que o método de
implantação do processo de mudança é mais importante para o sucesso do
empreendimento do que a natureza da mudança desejada. Esses resultados permitem
crer que as estratégias que não levam em conta as decisões locais de como colocar em
prática novos projetos podem ser determinantes para o sucesso ou o fracasso da
proposta curricular. É essencial ouvir os professores, com eles dialogar, possibilitando o
delineamento de um currículo resignificado.
Palavras-chave: Reforma curricular. Trabalho docente. Participação.
Introdução
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo iniciou em 2008 o “Projeto
São Paulo faz escola”, que buscava propor um currículo para os níveis de Ensino
Fundamental II e Médio, com a finalidade de apoiar o trabalho realizado nas escolas
estaduais e contribuir para a melhoria da pratica docente e da qualidade das
aprendizagens dos alunos.
Na sequência dão inicio ao processo de implantação de uma nova Proposta
Curricular. Esse processo foi acompanhado pelo grupo de supervisão da Diretoria de
Ensino de Santos, que abrange os municípios de Santos, Cubatão, Guarujá e Bertioga. O
termo acompanhar se justifica, tendo em vista que não competia propor ou testar o
projeto, mas sim acompanhar a implantação.
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Tendo a oportunidade de pertencer a esse grupo pude realizar uma pesquisa que
partiu da análise desse momento de implantação da nova Proposta Curricular no Estado
de São Paulo tendo como foco as repercussões no trabalho docente, para tanto foram
delineados alguns subsídios para a reflexão desse processo, e, com base nesse cenário, a
questão principal da investigação foi a de analisar o processo de implantação de uma
nova Proposta Curricular no estado de São Paulo, identificando fatores facilitadores e
dificultadores apontados pelos professores em suas atividades docentes. Com o
propósito de obter um recorte no tempo, a pesquisa está focada no intervalo
compreendido entre a sua implantação, no ano de 2008, até o final de 2010, ano que,
segundo Fini (2008, p. 5), “[...] deixa de ser proposta e passa a ser o Currículo Oficial
do Estado de São Paulo”.
A metodologia utilizada na pesquisa foi a de abordagem qualitativa. A pesquisa
cumpriu as seguintes etapas: observação realizada nas unidades escolares; análise de
documentos legais; e entrevistas semiestruturadas com os professores de cada escola
selecionada para a pesquisa. Os dados coletados por meio das entrevistas foram tratados
com base na análise de conteúdo.
O propósito foi o de contribuir para a pesquisa na área, trazendo a “voz” dos
professores, que tiveram a oportunidade de, trabalhando diretamente com o processo de
implantação da nova Proposta Curricular, apontar alguns caminhos que acreditam ter
tido sucesso e outros que não foram bem-sucedidos, mas que, na análise de seus
desacertos, permitirão encontrar direções para novas mudanças.
Com o acompanhamento e a observação dos sujeitos envolvidos na pesquisa
foram realizadas as entrevistas. Com base nessas entrevistas com os professores,
organizei as respostas, tabulando-as por fatores dificultadores e facilitadores do
processo de implantação da Proposta Curricular, buscando, também, identificar as
condições em que a Proposta foi implantada na escola a partir da fala dos professores.
Para manter um arcabouço teórico que permitisse a sustentação da análise da
fala dos professores, partimos de conceitos maiores que serviram como lentes para a
investigação. Foram três os temas cuja reflexão nos ajudou em nossa análise: reformas
curriculares, processos inovadores e processos de mudanças educacionais.
Foram traçadas as considerações finais, destacando os principais fatores que
dificultaram e os que facilitaram o trabalho docente na implantação da nova Proposta
Curricular no estado. Destacamos, ainda, as contribuições deixadas pelos entrevistados
no sentido de melhorar o processo, que podem colaborar para a tentativa de estabelecer
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diretrizes que venham subsidiar a continuidade dos debates sobre a implantação de
programas educacionais mais profícuos.
A Proposta Curricular
A Proposta Curricular do estado de São Paulo é composta por um conjunto de
medidas adotadas pelo governo estadual com relação à Educação Básica, que alterou o
cotidiano das escolas públicas estaduais a partir de 2008. Está fundamentada na
Resolução SE nº 76, de 07 de novembro de 2008, que dispõe a respeito de sua
implantação.
O texto legal, acompanhando as diretrizes pré-estabelecidas em nível federal,
determinava que os componentes curriculares contemplados seriam: Língua Portuguesa,
Artes, Educação Física, Língua Estrangeira Moderna - Inglês, Matemática, Ciência,
Física, Química, Biologia, História, Geografia, Filosofia e Sociologia.
O objetivo da Proposta Curricular é que todas as escolas do estado devem
funcionar, de fato, como uma rede. Nesse sentido, a Secretaria da Educação passou a
produzir e encaminhar às escolas subsídios que incidem diretamente não só em sua
organização, como também na sala de aula. O propósito apresentado pela SEE/SP é de
garantir uma base comum de conhecimentos e de competências para todos os alunos. A
Proposta está contextualizada na LDBEN nº 9.394/96, nas Diretrizes Curriculares
Nacionais e nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Portanto, não
só para o Ensino Médio, mas para toda a Educação Básica. (SÃO PAULO, 2008).
A Proposta foi completada por um conjunto de publicações dirigidas aos
professores e alunos. O Caderno do Professor foi organizado por semestre e por
disciplina, contendo situações de aprendizagem no sentido de orientar o trabalho do
professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Os conteúdos, habilidades
e competências são organizados por séries, acompanhados de orientações para a gestão
em sala de aula, para a avaliação e para a recuperação. Nos anos de 2011 e 2012, deu-se
continuidade à Proposta, que passou a ser o Currículo Oficial do estado de São Paulo.
É importante considerar que o momento era polêmico, pois, ao mesmo tempo
em que todos ansiavam por uma mudança que promovesse melhorias na escola, a nova
Proposta Curricular em implantação provocava dúvidas que esse fosse o caminho das
mudanças esperadas.
Apesar das dúvidas, não se teve muito tempo para reflexão, já que, passado o
momento chamado pela Secretaria da Educação de diagnóstico (fevereiro de 2008), na
sequência já chegaram às escolas uma enxurrada de materiais contendo a nova Proposta
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Curricular das diferentes disciplinas. Todos os envolvidos se encontravam entre o
compromisso individual e a responsabilidade institucional. A segunda opção saiu
vitoriosa e passou-se a trabalhar para que a implantação da nova Proposta Curricular em
curso no estado ocorresse da melhor maneira que as possibilidades alcançavam.
Fundamentação teórica
Nas últimas décadas, diferentes reformas educacionais vêm varrendo os sistemas
de ensino, sem apresentar uma resposta pertinente aos problemas que atingem de forma
recorrente e intensa os sistemas escolares.
Quando buscamos alternativas para o futuro, nada melhor do que refletirmos a
respeito do passado. Embora nossas interpretações possam ser diversas, existe uma
materialidade no que já passou, no que foi vivido. No dizer de Imbernón (2000, p. 17),
“o futuro vai sendo construído com peças do passado e do presente. A análise do
passado permite-nos conhecer melhor nossa própria idiossincrasia e a do presente,
prever uma situação do futuro provável (desejável ou não)”.
Para Sacristán (2000, p. 45), um aspecto essencial na Educação é ser projeto, e o
projeto moderno de Educação prioriza a acumulação do saber que nos dá a imagem de
mundo; “[...] o passado cultural é a fonte do presente e o material substancial do futuro
ao ser refeito no presente”. Não há futuro sem raízes previamente assentadas sobre as
quais se erguer. Nesse sentido, o pensamento moderno para a Educação busca o difícil
equilíbrio entre o valor do conteúdo que precisa ser denso e relevante e a busca de sua
apropriação significativa como saber.
Acreditamos na urgência em mudanças na escola, principalmente no
reconhecimento social da importância do trabalho docente, acompanhado de melhoria
nas condições materiais dessas instituições. Pensamos que a escola, sendo uma
instituição que está inserida em uma comunidade social globalizada e em mudança,
sofre influências constantes em suas prioridades e projetos para o futuro. Sabemos
também que alunos, professores e os demais sujeitos pertencentes à comunidade escolar
não são os mesmos de um passado recente. Para tanto, precisamos prepará-la para que,
nos próximos anos, possa ser chamada não apenas para ocupar o espaço de apropriação
do saber, de ser um lugar de aprender, mas sim para ser um espaço de busca de
construção, de diálogo e confronto, prazer, desafio, conquista, enfim, para ser uma
organização cidadã.
Os mentores da nova Proposta Curricular do estado de São Paulo lhe atribuem
um caráter inovador. Mas o conceito de inovação é, por sua essência, polissêmico.
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Existe um grande universo de pesquisas que buscam dar conta desse conceito. Essa
polissemia se faz presente entre as várias ciências que analisam esse conceito de
inovação, bem como dentro de áreas específicas do conhecimento, ou seja, muitas
teorias, muitos atores, cada um procura analisar e redesenhar, a cada época, o que é
inovação. E essa questão torna-se ainda mais polêmica quando o foco passa a ser
inovação educacional.
Masetto (2011) assume que um projeto, para ser inovador, precisa estar centrado
na prática docente. Para que essa prática seja trabalhada em conjunto, por todos os
professores, é necessário que a escola tenha uma proposta pedagógica coerente, ou seja,
que ela seja o registro do planejamento coletivo e de um amplo processo de negociação
com todos os atores da escola (gestores, professores, pais, alunos e funcionários).
Nesse mesmo sentido, Arroyo (2011) destaca que, para uma proposta apresentar-
se como inovadora, é necessário que se valorize o que os professores consideram como
mais significativo em suas práticas. O autor defende que a inovação na escola necessita
estar muito mais centrada nas práticas educativas, na estrutura, nas relações escolares,
nos tempos e espaços, nos rituais que dão concretude aos conteúdos intelectuais e
formativos da escola, do que na reforma de conteúdos e programas.
Ao refletir a respeito das reformas na América Latina, Candau (2011) entende
que as reformas são utilizadas para legitimar projetos político-ideológicos concretos. E
ainda discute o consenso em torno da compreensão da reforma como progresso e
mudança, destacando-a como um processo de regulação social.
Werle (2010, p. 59) assevera que, quando estamos falando de reforma, inovação
e mudança, estamos nos referindo a elementos diferenciados entre si. Para a autora
(2010, p. 50), a reforma é uma mudança ampla e deliberada, e, sendo assim, “[...] as
reformas estão ligadas a leis e projetos de domínio institucional. Embora não se possa
mudar a Educação apenas pelos textos, os textos principais das reformas são
desdobrados sob a forma de regulamentação”.
No Brasil, é procedimento habitual, ao início de um novo governo, abandonar,
mesmo que de forma sutil, os programas implantados no governo anterior, e apresentar
uma nova e redentora proposta, sobretudo na área educacional.
Entendemos que, no processo de construção de um currículo, a participação do
professor e do aluno é indispensável para que este tenha sentido para aqueles a que se
destina e que haja comprometimento por parte dos envolvidos.
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Com Michael Apple (2008), passou a existir uma relação estrutural entre as
relações da Educação com o poder econômico, político e cultural. Sua preocupação é
evitar uma concepção mecanicista entre produção e Educação.
Paulo Freire, embora não tenha elaborado uma teoria sobre currículo, discute
profundamente essa questão em suas pesquisas, tendo grande influência no pensamento
de Giroux e de Apple.
A crítica de Freire ao currículo se manifesta basicamente no conceito de
educação bancária, que pensa no conhecimento como algo constituído de informações e
fatos a ser simplesmente transferido do professor para o aluno, comparando o
conhecimento com um depósito bancário. Para Freire (2008, p. 25) “além de um ato de
conhecimento, a educação é também um ato político, é por isso que não há pedagogia
neutra”.
Freire aponta em direção de uma Educação problematizadora, defendendo que
não existe uma separação entre o ato de conhecer e aquilo que se conhece, que o
conhecimento tem sempre uma intencionalidade e que o ato pedagógico é um ato
dialógico. Para Freire (2010, p. 26), “o educador democrático não pode negar-se o dever
de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade e
sua insubmissão”. Assim sendo, afirma que a tarefa docente não é apenas ensinar os
conteúdos, mas também ensinar a pensar certo, no sentido de abrir possibilidades para
ser um professor crítico.
As questões do currículo no milênio, em uma nova perspectiva, colocam o
campo do currículo como elemento central do processo educativo. Tendo o espaço
escolar como referência, o currículo é o lugar onde se cruza a reflexão sobre a teoria e a
prática.
Discussão e resultados: a fala dos professores
Com base nas entrevistas com os professores, organizamos as respostas
trabalhando-as por fatores dificultadores e facilitadores. A partir desses procedimentos,
selecionamos indicadores e os organizamos em categorias para a análise.
Para a discussão dos resultados, utilizamos como eixos os princípios centrais
explicitados na Proposta Curricular em implantação no estado: uma escola que também
aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como referência,
prioridade para a competência da leitura e da escrita, e articulação das competências
para aprender, relacionando-os com as categorias obtidas na análise das entrevistas.
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Vários pontos foram destacados pelos professores entrevistados, entre eles o
principal fator dificultador apontado foi a não consulta aos professores que estavam em
contato direto com os alunos. É o que nos mostra a fala da professora Margarida, da EE
dos Crisântemos:
A Proposta Curricular, o currículo da escola, deveria passar por
uma consulta ampla, longa, demorada, pente fino, com os
professores, com os diretores. (MARGARIDA).
Na EE dos Girassóis, a situação não foi diferente, e a fala da professora Íris
demonstra bem essa indignação a respeito da forma de implantação da Proposta
Curricular:
Eu questiono a forma como o Estado implementa os projetos, as
propostas. Eu acho que deveria ser muito..., mas muito bem
discutido antes, mas não... É discutido lá em cima, com a equipe
técnica, não é discutido com quem realmente vai trabalhar ali na
linha de frente, quem vai pegar o material e vai aplicar em na
sala de aula. (ÍRIS)
Entre os principais pontos dificultadores apontados pelos professores encontra-
se o da autonomia e regulação.
Podemos observar, na EE dos Crisântemos, a professora Margarida, que coloca:
Não tivemos tempo de opinar, foi sequencial. Simplesmente
veio e está aí e pronto. Não existe como massificar, fazer um
bloco, todos vão saber essa mesma coisa. Aqui na escola, nós
estamos equacionando de acordo com a realidade que nós
temos. (MARGARIDA)
Na construção de uma escola que também aprende, não se pode perder de vista a
interação e a autonomia de seus integrantes, principalmente no tocante às práticas
pedagógicas. Franco (2012, p. 154), ao refletir sobre o conceito de práticas pedagógicas,
diz: “[...] considero-as práticas que se organizam intencionalmente para atender a
determinadas expectativas educacionais solicitadas/requeridas por dada comunidade
social”, e ainda relativiza a sua construção, partindo de sua representatividade e de seu
valor, pois afirma que: “[...] elas se organizam e se desenvolvem por adesão, por
negociação ou ainda por imposição”. Contudo, sustenta, essencialmente, que, “a prática
que temos é, e sempre será, a possível nas atuais circunstâncias. Assim não nos
iludamos: a prática não muda por decreto”.
As reflexões acima justificam a posição tomada pelos professores quando
apontam como retrocesso a forma de implantação da Proposta Curricular, pois o espaço
de sala de aula é aquele em que o professor interage com seus alunos e com o currículo.
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Ao professor cabe priorizar o que precisa ser ensinado e aprendido. Segundo Masetto
(2003, p. 72), “[...] concebe-se o professor como um mediador decisivo entre o currículo
estabelecido e os alunos, um agente ativo no desenvolvimento curricular”.
Apple e Beane (2001, p. 26) destacam que a vida cotidiana oferece uma espécie
de “currículo oculto”, por meio do qual as pessoas aprendem lições fundamentais sobre
justiça, poder, dignidade e autoestima. Talvez uma alternativa fosse que professores e
alunos, somados à comunidade escolar, criassem meios de construir uma aprendizagem
que fosse significativa e que permitisse a formação de uma comunidade que ensina e
aprende junto. Nas palavras de Paulo Freire (2010, p. 78), “ninguém educa ninguém,
ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, midiatizados pelo mundo”.
No decorrer da investigação, analisamos as Propostas Curriculares das
disciplinas e observamos que elas apresentam metas de aprendizagem por
séries/bimestres, tanto no Ensino Fundamental ciclo II como no Ensino Médio. Alega
Murrie (2008, p. 12), uma das mentoras, que “os alunos devem aprender determinados
conteúdos e habilidades, no bimestre, para que possam acompanhar os conteúdos e
habilidades dos bimestres subsequentes”. Pela afirmação da autora, notamos que as
Propostas apresentam um processo de subordinação entre conteúdos, habilidades e o
tempo em que são distribuídos. Nessa lógica, observa-se a existência de uma estrutura
curricular interna que considera o bimestre como tempo mínimo de aprendizagem.
Essa postura não acompanha o pensamento apresentado por teóricos da área
(CANÁRIO, 2006; CARBONELL, 2002; MASETTO, 2011), que em suas
argumentações, colocam que, no desenvolvimento de um projeto, a construção de um
processo de aprendizagem necessita que se oriente pelos princípios da
autoaprendizagem e da interaprendizagem, da aprendizagem colaborativa, da
aprendizagem por descoberta com pesquisa, da aprendizagem significativa, da
aprendizagem que efetivamente integra a prática profissional com as teorias e princípios
que a fundamentam em todo o tempo de formação. Se tivermos um tempo tão fechado,
como um bimestre, para a aquisição de habilidades e competências pelos alunos,
certamente não estaremos trabalhando em um projeto inovador. Acreditamos que a
Proposta Curricular do estado de São Paulo, tendo em vista o exposto acima, não pode
ser tomada, em sua totalidade, como uma inovação educacional, como foi anunciada por
seus mentores.
A resistência à mudança também foi percebida pela fala dos professores. Na EE
dos Crisântemos:
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Na última reunião que teve, disseram: “você tem que usar a
apostila”. Eu reluto com isso. Eu não tenho que usar a apostila
se meus alunos não acompanham. Eu não posso. Como que eu
vou usar uma coisa que eu sei que eles não acompanham?
(PETUNIA)
Quanto à resistência à mudança, podemos perceber que os professores não
concordam que fique somente com as instâncias condutoras da política educacional nos
estados e municípios a elaboração de novas Propostas Curriculares. Os sujeitos
pesquisados aceitam e concordam que necessitamos de Diretrizes e Parâmetros
Curriculares comuns dentro da federação, dos estados e dos municípios, garantindo uma
política educacional que leve em conta a promoção de um ensino público gratuito e de
qualidade. Na esteira desse pensamento, a elaboração da Proposta Curricular de cada
estado e de cada município necessita, para ser adequada, de consulta prévia à
comunidade escolar, garantindo sua participação na elaboração desses documentos.
Alguns pontos foram elencados como fatores facilitadores. Na EE dos
Crisântemos, a professora Gardênia coloca como fator facilitador o processo de revisão,
no decorrer da implantação, das exigências feitas pela SEE/SP durante o processo de
implantação da nova Proposta Curricular:
Depois foi mudando, sim... Porque, a princípio, a ideia era que
só tinha que trabalhar com o conteúdo que o governo havia
determinado; no segundo momento era o conteúdo mais o livro
didático, e o terceiro momento já era mais flexível.
Na EE dos Girassóis, a professora Amarílis coloca como facilitadores o trabalho
em equipe e o trabalho realizado pela Coordenação:
Quando alguns colegas argumentam que são resistentes em
relação à Proposta, a coordenadora deixa bem claro, “mas você
não tem que trabalhar só o caderno, você tem outras fontes. A
aula é sua, só que a Proposta esta aí e ela não pode ser
esquecida”.
Campos (2010, p. 4) coloca que a definição de um currículo nacional é uma
reivindicação antiga no Brasil, que vem de “[...] grupos de educadores que lutam por
uma escola única, aberta a todos e que proporcione às novas gerações o acesso a uma
base comum de conhecimentos e valores, necessária para a construção de uma nação
democrática”, mas concordamos com a autora quando ela deixa claro que, “[...] para que
este modelo possa funcionar, é preciso que os professores tenham autonomia para
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adequar o currículo às características de diferentes grupos de alunos e de diversas
condições locais”.
Em uma leitura rápida, podemos dizer que os fatores dificultadores foram
superiores em número aos facilitadores, nas entrevistas realizadas no grupo dos
professores. Em uma leitura mais atenta, observamos que, embora o número de fatores
dificultadores tenha suplantado o de facilitadores, foram poucos os professores que se
declararam totalmente contra a Proposta Curricular e que não conseguiram ou não
quiseram aplicá-la.
Em um balanço das falas dos entrevistados, podemos considerar que os cinco
princípios elencados na nova Proposta Curricular em implantação no estado podem ser
atingidos, mas necessitarão de inúmeras adequações, as quais foram tão bem apontadas
na fala dos professores.
Algumas conclusões
O que observamos nas falas dos professores, foi a rejeição de uma Proposta que
não foi submetida à consulta dos professores, que são aqueles que estão em contato
direto com os alunos em sala de aula, e dos gestores, que estão na base do sistema.
Tal posicionamento nos remete à fala de Candau (2011, p. 38), quando afirma
que: “as reformas têm sido desenhadas, em geral, de modo centralizado e vertical,
privilegiando o papel do especialista e consultores internacionais, com conteúdos
definidos de forma homogênea e prescritiva”. No nosso caso, aos professores restou
apenas a aplicação de conteúdos previamente elaborados.
A sugestão colocada pelos professores, além de serem consultados previamente
para a garantia de sua participação e sua autonomia, seria a de que a Proposta
Curricular, ao ser implantada por séries sequenciais, a cada ano em uma série, evitaria o
descompasso entre os conteúdos e promoveria um melhor planejamento da
aprendizagem. Eles atribuíram a políticas públicas equivocadas a impossibilidade de
contar com um tempo maior para a implantação da nova Proposta Curricular.
Pudemos constatar, ainda, que, mesmo discordando da forma de implantação,
que foi um fator amplamente apontado, a Proposta não foi abandonada. Sua implantação
deu-se de uma forma parcial, adaptada, como revelaram os entrevistados. Percebemos,
também, que essa forma de alinhamento adotada, devem-se muito mais à esperança dos
professores em testar novas opções de melhoria na qualidade da Educação do que a
atitudes tomadas pelos mentores da Proposta com a finalidade de corrigir rumos.
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Sarason (2012, p. 444), destaca que: “O método de implementação do processo
de mudança é muito mais importante para o sucesso do empreendimento do que a
natureza da mudança desejada”. Sua fala vem ao encontro dos resultados que obtivemos
em nossa pesquisa, pois nossos sujeitos apresentaram como principal fator dificultador a
estratégia de implantação, alegando que a Proposta em si representou menos
desconforto do que o modo como ela foi implantada. Isso nos faz acreditar que as
estratégias que não levam em conta as decisões locais de como colocar em prática novos
projetos podem determinar se os professores assimilam e continuam a usá-los, ou que
caiam em desuso.
Os papéis estão invertidos, nossos professores estão solicitando um melhor
planejamento, por parte da SEE/SP, na implantação da nova Proposta Curricular. Um
planejamento que inclua a consulta aos principais sujeitos do processo, que são os
professores que estão nas salas de aulas, e aos gestores, que trabalham em contato direto
com a coordenação do processo. Uma implantação em longo prazo, com conteúdos e
materiais adequados às necessidades dos alunos, e, principalmente com um cuidado
maior com o espaço escolar que vai receber os alunos e ser o cenário de todo o processo
de implantação.
Acreditamos que, para a implantação de novos programas ou projetos, ou
mesmo para um realinhamento dessa Proposta Curricular, é essencial ouvir e dialogar
com os professores que estão na escola. Não só ouvir, oferecer oportunidade de troca,
de retorno de suas propostas. Na atualidade, tal processo é perfeitamente possível, pois,
o estado de São Paulo, possui plataformas na rede de informática que permitem a
interação de uma escola com as demais escolas da rede estadual. Boas práticas podem
ser socializadas e, a partir desse processo, um novo currículo pode ser delineado, mas,
agora, com a participação dos interessados, em uma postura crítica em relação à
realidade, com a possibilidade de transcender as aparências e chegar à essência de forma
profunda, atitude que nos permite desvelar e transformar o mundo.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4131ISSN 2177-336X
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