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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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REDE LOGÍSTICA, BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE DA CIRCULAÇÃO NO TERRITÓRIO NO SÉCULO XXI: O CASO DO ANEL DE
INTEGRAÇÃO NO PARANÁ
GUSTAVO GLODES BLUM1 NILSON CESAR FRAGA2
Resumo: Dentro do escopo das atuais relações econômicas e políticas globais, este trabalho
busca compreender e estabelecer a relação entre a constituição e manutenção de redes logísticas, a circulação de riquezas e a administração de territórios com foco na produção econômica. Adotando o conceito de biopolítica para analisar a maneira através da qual se constituem os limites de circulação, liberdade e poder no espaço, esta pesquisa analisa o caso do Anel de Integração no Paraná, Brasil. O Anel de Integração é um tipo de administração territorial que, ao se basear na circulação sobre o espaço, apresenta-se como um bom exemplo de tentativa de administração do território através do controle da circulação. Dividido em duas seções, este trabalho primeiramente analisa a relação entre circulação e poder no espaço, para posteriormente analisar a proposta de instalação e administração do território através do Anel de Integração.
Palavras-chave: Rede Logística; Governamentalidade; Anel de Integração.
Abstract: Within the framework of the current economic and political relations in a global level, this
paper seeks to understand and stablish the relation between the construction and maintenance of logistical networks, the circulation of riches and territorial management with focus on economic production. Adopting the concept of biopolitics to analyze the manners through which are constituted the limits of circulation, liberty and power in space, this research analyzes the case of the “Anel de Integração” in Paraná, Brazil. This project is a kind of territorial management that, basing itself in the circulation on space, can be considered a good example in the trying of territorial management through the control of circulation. Divided in two sections, this work firstly analyzes the relationship between circulation and power in space, to furthermore analyze the proposition of installing and management of the territory through the “Anel de Integração”.
Key-words: Logistical Network; Governamentality; Anel de Integração.
1 – Introdução
O presente trabalho pretende, dentro do escopo da Ciência Geográfica e sua
área específica da Geografia Política, apresentar alguns dos resultados obtidos
1 Docente do curso de Graduação em Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba
(UNICURITIBA), Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Internacionalista pelo UNICURITIBA. E-mail de contato: blum.gustavo@hotmail.com. 2 Pesquisador Produtividade em Pesquisa CNPq. Docente dos Programas de Pós-graduação da
Universidade Federal do Paraná e da Universidade Estadual de Londrina. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, Mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Geógrafo pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail de contato: nilsoncesarfraga@hotmail.com.
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durante a pesquisa do curso de Mestrado em Geografia da Universidade Federal do
Paraná, com relação à rede de infraestrutura logística do estado do Paraná.
Localizado na Região Sul do Brasil, o Paraná têm um histórico de ocupação do seu
território que se caracteriza por ser tanto recente como ter um foco específico e
muito claro dentro das instituições governamentais: a racionalização da exploração
econômica da natureza. Desta forma, pode-se dizer que, desde a sua emancipação
política de São Paulo, em 1853, e a instalação do governo provincial, em 1854, uma
das principais preocupações das entidades governamentais paranaenses foi a da
circulação da riqueza no estado.
Desta forma, e baseando-se na proposta de autores como Michel Foucault
(2008, 2014) e Claude Raffestin (1993 [1980]), durante a pesquisa buscou-se
compreender de qual maneira não apenas o Governo estadual, considerado um
poder institucionalizado, mas também outros grupos de pressão 3 foram
responsáveis pela estruturação da atual configuração da rede logística paranaense.
Da mesma forma, a perspectiva adotada foi a de analisar de qual forma esta rede
logística pode ser entendida como a representação de relações de poder que ainda
se delineiam no Paraná, tal como a concentração e centralização política na região
mais antiga, o Paraná Tradicional no qual se encontram a capital e os municípios
mais antigos, e a questão dos acessos à mobilidade com a concessão da
administração da rede logística à iniciativa privada no final do século XX.
Para tal, o trabalho debate, inicialmente, a questão da circulação no espaço e
os efeitos políticos gerados tanto por esta mesma circulação como pela sua
administração pública ou privada. Compreende-se que tanto a liberdade de
circulação quanto o controle que se pretende sobrepor a ela faz parte da política que
se dá sobre o espaço, em todas as suas perspectivas. Da mesma forma, a análise
deste tipo de processos social cria necessidades metodológicas a serem abordadas.
Na segunda seção, por sua vez, debate-se este processo e, em específico, a noção
de governamentalidade da circulação no caso específico do Paraná.
3 Segundo Pasquino (2010, p. 564), a expressão grupos de pressão “indica, ao mesmo tempo, a
existência de uma organização formal e a modalidade de ação do próprio grupo em vista da consecução de seus fins: a pressão”. Estes grupos são aqueles que reúnem indivíduos da sociedade civil mas que, através de suas práticas, conseguem alterar práticas políticas mesmo que de forma indireta, sem ter aceso direto ao aparato estatal.
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Por fim, conclui-se que a noção de governamentalidade é altamente aplicável
para a análise da circulação no espaço, uma vez que cria as perspectivas
necessárias para apreender os elementos necessários para uma visão científica
deste processo. Por sua vez, ao analisar a administração do território paranaense
voltado à administração do território com vistas à produção, e a elevação das
necessidades privadas acima das necessidades da população do estado, percebe-
se os impactos da administração neoliberal do territorial e de pressupostos
econômicos que se apresentam como mais relevantes, na perspectiva dos
governantes, que as liberdades de circulação da população no espaço.
2 – A circulação no espaço como imagem da política: redes e
fluxos no Espaço e no Tempo
Dentro dos estudos da Geografia Política e da Geopolítica, a circulação no
espaço e sua devida administração aparecem como uma das principais
preocupações para que se atinja os objetivos dos grupos envolvidos no controle e
desenvolvimento das atividades no território. Já em seus primeiros estudos, Ratzel
(1990 [1969], p. 186) afirma que é dever daqueles que governam politicamente um
território e fazem a sua administração se preocupar com a “delimitação de posições
politicamente valiosas” para si.
Dentre estas denominadas “posições politicamente valiosas” estariam as vias
de comunicação, que permitem ao Estado agir politicamente em seu território e da
maneira que melhor lhe aprouver. Para Ratzel, “o crescimento político consiste de
movimento, ou melhor, da reunião de inumeráveis movimentos” e, por isso, “o
Estado considera vantajoso anexar aquelas regiões (...) que favorecem o
movimento” (op. cit., p. 187). Num pensamento da geografia política e da geopolítica
tradicionais, a obtenção destes pontos estratégicos daria poder aos Estados para
alcançarem seus objetivos de crescimento e manutenção e, portanto, a preocupação
militar e econômica com a circulação adquire um caráter essencial para a
administração territorial.
Se, do tempo em que Ratzel escreveu, em fins do século XIX e numa era de
grande atividade imperialista por parte da Europa com relação ao resto do mundo,
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até a atualidade, se passaram diversas décadas, a relevância da análise das redes
de circulação circunscritas num território permanecem as mesmas. Na atualidade,
segundo Becker (2012 [1995]), ocorre uma transformação importante nas relações
que estabelecem a estrutura das ações globais de poder. Para a autora (op. cit., p.
290), “a logística é a nova racionalidade capaz de explicar a simultaneidade da
desordem/ordem da globalização/fragmentação (...) [já que] ela está na base do
poder: a inovação permanente aciona a economia e a guerra”. Porém, a mudança
fundamental se encontra na forma de encarar quem são os formadores deste
processo de movimento, assim como de qual forma estas redes são utilizadas na
atualidade.
Mais do que pensar apenas nos agentes que se qualificam como aqueles
investidos para realizar a administração territorial, pensar a circulação no espaço
torna-se relevante para compreender a dupla relação entre o Espaço e as
sociedades humanas. Se compreendermos que o Espaço é submetido a inúmeras
alterações pelos seres humanos em busca de atingir seus objetivos, é fato que,
tanto no caso de Ratzel como no de Becker, a circulação será influenciada por este
mesmo espaço; pode-se afirmar que pensar o espaço é problematizar uma realidade
na qual estão inseridos e têm lugar diversos processos e projetos diferenciados.
Assim, concorda-se com Santos (2012 [1996]) quando afirma que o Espaço é
composto por um agregado de diversas atividades e produções, representando
diferentes agendas de interação com o mesmo:
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidrelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico. (SANTOS, op. cit., p. 63)
Ao afirmar que o espaço é constituído por objetos que se interconectam e
ações que se tornam possíveis através do uso destes mesmos objetos, Santos (op.
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cit.) nos permite compreender que a humanidade se encontra diante de algumas
possibilidades de ação que envolvem esse “conjunto indissociável”. Ao utilizar-se de
objetos, “tudo que existe na superfície da Terra, toda herança da história natural e
todo resultado da ação humana que se objetivou”, o homem cria uma
instrumentalidade no espaço, ou seja, seu uso para uma finalidade (p. 72). E, se é a
possibilidade de agir e a ação em si em busca de atingir um objetivo, é necessário
que se analise toda prática espacial, 4 incluída aí a circulação no Espaço, numa
relação entre Espaço e Tempo.
Pensar numa relação entre Espaço e Tempo, no caso da circulação no
primeiro que se dá ao longo do segundo, é pensar na relação entre os objetos e as
ações, numa perspectiva de poder. Surgem, aí, as problematizações a respeito do
poder que Costa (2013 [1992]) levanta ao abordar a própria constituição da análise
política da geografia. Para o autor,
O que importa ressaltar é que a relação espaço/poder é relação social por excelência, processo real que se expressa empiricamente sob várias formas e tipos e que tem um significado e uma relevância inquestionáveis para a sociedade, fato esse que não pode ser ignorado pela ciência social e pela geografia em particular. (COSTA, op. cit., p. 27)
Assim, faz-se necessário compreender as relações sociais que se
estabelecem para e na circulação sobre o espaço. Esta circulação, de acordo com
Dias (2012 [1995]), se baseia nos fluxos estabelecidos pelas redes que se propõe a
estruturar a movimentação de bens, pessoas e informações no espaço. Para a
autora, a característica de conexão das redes 5 é o que permite a seus nós um
controle a respeito de sua ação, a sua possibilidade de ligar elementos diversos,
mas também de excluir elementos externos aos arcos de conexão entre os pontos.
Assim, “nunca lidamos com uma rede máxima, definida pela totalidade de relações
4 Segundo Roberto Lobato Corrêa (2012 [1995], p. 35), seriam práticas espaciais o “conjunto de
práticas através das quais são criadas, mantidas, desfeitas e refeitas as formas e as interações espaciais (...) isto é, um conjunto de ações espacialmente localizadas que impactam diretamente sobre o espaço, alterando-o no todo ou em parte ou preservando-o em suas formas e interações espaciais”. 5 Em sua acepção mais básica, uma rede é “um conjunto de nós interconectados. Nó é um ponto no
qual uma curva se entrecorta. Concretamente, oque um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos” (CASTELLS, 1999, p. 566).
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mais diretas, mas com a rede resultante da manifestação das coações técnicas,
econômicas, políticas e sociais” (p. 148).
As redes surgem, assim, como afirma Raffestin (op. cit.), enquanto “fios
seguros de uma rede flexível que pode se moldar segundo as situações concretas e,
por isso mesmo, se deformar para melhor reter” (p. 204). A rede não apenas serve
para conectar, segundo o autor, mas também para reter algum tipo de circulação ou
comunicação, como se verificará no caso do estado do Paraná, já que ela “faz e
desfaz as prisões do espaço, tornado território: tanto liberta quanto aprisiona. É o
por quê dela ser o „instrumento‟ por excelência do poder” (idem).
Já para Haesbaert (2011), um dos elementos principais de análise a respeito
das redes é a sua característica territorializadora e desterritorializadora. Para o
autor, as redes têm a capacidade, através da sua utilização, de garantir um processo
de construção de territórios, ao circunscrever a ação política dos sujeitos e dos
grupos no espaço, assim como de desestruturar territórios já construídos. Esta ação
não está relacionada à materialidade da rede, que está dada segundo a sua
constituição física, mas sim o seu uso enquanto “formas ou meios constituídos e/ou
mobilizados por determinados sujeitos” (p. 294). As redes surgem, aí, como os
instrumentos para atingir objetivos, e desta forma se relacionam tanto ao conceito de
objetos como aquele de ações de Santos (op. cit.), se tornando a forma necessária
através da qual as estratégias dos diversos atores podem se circunscrever no
espaço.
Por fim, é através da análise da circulação que é possível compreender a
visibilidade e materialidade de algumas das principais relações de poder sobre o
espaço. Ao considerar-se enquanto circulação “a transferências de seres e bens lato
sensu” (RAFFESTIN, 1993 [1980]), pode-se afirmar que
A circulação é a imagem do poder e há poucas chances de ser de outra maneira, pois a circulação, no sentido em que a definimos, é visível pelos fluxos de homens e de bens que mobiliza, pelas infraestruturas que supõe. Nesse caso, o poder não pode evitar que seja “visto”, que seja “controlado”. Assim, quer queira, quer não, ele fornece informações sobre si mesmo, chama a atenção daqueles que podem ter um interesse em controlá-lo ou em vigiá-lo. (RAFFESTIN, op. cit., p. 202)
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É, portanto, através da análise da circulação, que se pode falar das principais
maneiras de verificar as relações de poder sobre o espaço, como se verá na seção
seguinte.
3 – A biopolítica do espaço: administração da circulação e
governamentalidade no Paraná do Anel de Integração
Tendo em vista a análise da circulação no espaço, é possível verificar, no
caso específico do estado do Paraná, uma intenção muito premente e desde muito
cedo em termos de administração política, com relação à procura de facilitar o
trânsito e a circulação das riquezas produzidas no estado.
Fruto de três processos distintos de ocupação territorial, caracterizados pelas
motivações econômicas de exploração da natureza presente na região quando de
sua ocorrência (SILVA, 2007), o Paraná, na faceta de seu governo provincial e,
posteriormente, estadual, enfrentou desde sempre dificuldades com relação à
administração desta circulação.
Esta preocupação, porém, leva à instalação de alguns projetos político-
espaciais que envolvam a noção de administração da própria vida dos sujeitos
dentro de uma comunidade política. Havendo uma necessidade do Estado
(enquanto ente jurídico-político-administrativo, em todos os seus níveis burocráticos)
com relação à sua população, é a partir da administração da vida desta mesma
tendo em vistas a produção econômica que se dá o processo da biopolítica, como
afirma Foucault (2006 [1979]):
Este (...) mecanismo de poder apoia-se mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos. É um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no tempo; que supõe mais um sistema minucioso de coerções materiais do que a existência física de um soberano. Finalmente, ele se apoia no princípio, que se representa por uma nova economia do poder, segundo o qual se deve propiciar simultaneamente crescimento das forças dominadas e o aumento da força e da eficácia de quem as domina. (FOUCAULT, op. cit., p. 187-188)
A administração da circulação, portanto, pode ser compreendida enquanto o
empreendimento de uma atividade que não está sempre sob o comando do Estado.
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Porém, sendo de alto interesse para o mesmo, por tratar-se da atividade econômica
envolvida, passa a ser relevante atuar diante do mesmo através do seu controle e da
sua vigilância. Uma das questões mais importantes, neste sentido, é o deslocamento
da questão da infraestrutura da responsabilidade do Estado para o mercado, fato
que ocorrerá no Paraná, em específico, e no Brasil, em geral, na década de 1990.
Ocorrido no âmbito do processo chamado de glocalização 6 por Swyngedouw
(2010), esse deslocamento prevê a redução de ação do Estado-nação com relação
à regulação e à regulamentação econômico-políticas. Isto é, à medida em que
avança o processo de globalização econômica, a desterritorialização da produção e
a elevação dos sistemas financeiros à escala mundial, o Estado-Nação durante a
década de 1990 perde algumas das suas atribuições em direção a duas escalas: a
global e a regional. Se a regulação econômica, ou seja, o encontro do ponto de
equilíbrio entre os agentes econômicos, desloca-se à escala global, a
regulamentação das relações entre trabalho e capital vai à escala regional, se
apoiando nos governos subnacionais.
Este processo pode ser observado durante o processo de concessão à
iniciativa privada da administração das principais vias de circulação no Paraná. Em
razão das suas diferentes constituições e estruturas físicas e administrativas, as
duas principais redes logísticas do Paraná serão concedidas de maneira
diferenciada. A partir da Lei nº 8.967/1995 (BRASIL, 1995, a chamada “Lei das
Concessões”, estabelece-se a maneira a partir da qual estas terão lugar no Brasil,
criando uma divisão relevante no que toca à administração da circulação: enquanto
a rede ferroviária será concedida a partir do governo central, que detinha o seu
controle desde a década de 1970, a rede rodoviária será concedida pelo governo
estadual.
A rede ferroviária que passa pelo Paraná, no ano de 1997, foi concessionada
por 25 anos à empresa América Latina Logística. Porém, devido à conexão da única
6 O termo glocalização, utilizado por Swyngedouw (op. cit.) busca enquadrar analisticamente o
processo de redefinição de escalas ocorrida no final do século XX e início do século XXI, sobretudo a partir do deslocamento de capacidades do Estado-Nação para as escalas global (no caso da economia), e regional (no caso da legislação).
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parte desta rede que não pertencia ao governo federal, a chamada FERROESTE, 7
que serve mais ou menos como um ramal em direção ao Oeste do Paraná, mas que
apenas se conecta com a rede concessionada, ao fim e ao cabo a circulação nas
ferrovias está restrita às demandas e adaptações dos produtos que circulam às
intenções econômicas da empresa privada que é sua concessionária. Segundo a
empresa (ALL, 2014, p. 5-12), o transporte realizado se caracteriza por estar
composto de dois grandes grupos: commodities agrícolas e produtos destinados às
indústrias de “siderurgia e mineração, madeira, papel e celulose, alimentos,
containers, combustível, óleo vegetal [e] construção civil” (p. 12). Não ocorre, à
exceção do trecho entre Curitiba e Paranaguá, no Litoral do Estado, a circulação de
passageiros.
Por sua vez, a administração da rede rodoviária se baseou numa busca por
organizar a forma de trabalho no território. Uma das principais propostas do governo
estadual, a partir da gestão de Jaime Lerner (que se iniciou em 1994), foi a
organização de uma “matriz básica de vida e trabalho no Estado”, de acordo com a
proposta de implantação do Anel de Integração:
O Anel de Integração é uma nova concepção de desenvolvimento estratégico e geoeconômico do Estado do Paraná. O Anel compõe-se de um cinturão de infraestrutura que liga o polígono integrado pelas cidades-polo [do estado]. Ele define uma matriz básica de vida e trabalho no Estado, à qual todas as regiões poderão ter rápido acesso. (...) O objetivo é a promoção de desenvolvimento uniforme entre as diversas regiões do Estado. A principal referência do Anel são as rodovias e ferrovias que interligam as cidades-polo. Como a concepção do Anel é de irradiação, as ações pertinentes não serão, necessariamente, lineares ou pontuais ao longo do trajeto. A faixa de abrangência será variável conforme o tipo de ação, equipamento ou serviço instalado. (PARANÁ, 1995, p. 19)
A principal maneira de desenvolver este projeto, de acordo com a perspectiva
do governo, era a concessão das rodovias à iniciativa privada, tornando a circulação
um aspecto econômico da vida, e não político. Isso é perceptível quando esta
mesma circulação é encarada enquanto um processo laboral e, portanto, um custo a
ser absorvido de acordo com as regras de mercado, e não enquanto um direito
básico. É esta perspectiva neoliberal que permitirá o desenvolvimento dos projetos
7 Ramal ferroviário que conecta das cidades de Cascavel e Guarapuava (vide mapa abaixo para
localização).
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de concessão à iniciativa privada (KARAM; SHIMA, 2007; LIMA, 2006). As
concessões se darão de acordo com a proposta apresentada pela IMAGEM 1
(próxima página), que apresenta os lotes de concessão do Anel de Integração.
Do total de 18.194,6 km da rede de infraestrutura logística no Paraná
(SEINFRA; ANTT; DNIT, 2015), a rede rodoviária representa quase 90% das vias de
circulação no estado. Porém, ainda que haja uma grande participação do governo
estadual em sua administração, as principais vias de comunicação estão sob o
controle da iniciativa privada que, em razão de uma ação política do governo de
Jaime Lerner em 1997, não tem mais as responsabilidade inicialmente assumidas
quando da conclusão das concessões.
IMAGEM 1 – Os lotes de concessão do Anel de Integração
Fonte: Departamento de Estradas de Rodagem (DER); Secretaria de Infraestrutura e Logística, 2015.
Esta estrutura da circulação cria uma maneira de controlar o território através
da sua circulação. Isso significa afirmar que, através da instalação de maneiras não-
estatais de impedir o movimento, através da cobrança de tarifas de pedágio que
variavam entre R$ 3,40 e R$ 78,60 em 2015 (DER/PR, SEINFRA, 2015), se pode
falar em uma governamentalidade do território, ou seja, a sua disciplinarização.
Reduzindo a possibilidade de ação dos agentes não-econômicos, ou assumindo que
estes custos deverão ser socializados por toda a sociedade sendo que alguns
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agentes podem absorver estes custos (as empresas que trabalham com a circulação
de sua produção), a administração territorial acaba por gerar maneiras legais porém
não legislativas de controlar a circulação no espaço.
3 – Considerações Finais
A discussão aqui apresentada procurou explorar os âmbitos da geografia
política em busca de uma compreensão da noção de biopolítica e
governamentalidade da circulação. Partindo do pressuposto de que a circulação é a
imagem do poder, e permite compreender as relações de poder que se dão sobre o
espaço tornado território, analisou-se a proposta de administração territorial que
tomou lugar no Paraná na virada entre os séculos XX e XXI, o denominado “Anel de
Integração”.
A análise dos deslocamentos de responsabilidades permitem compreender a
forma como as propostas neoliberais de transformação das sociedades humanas em
“sociedades-para-o-trabalho” levaram à constituição de uma prática de
administração da vida, a biopolítica. Este tipo de administração vem de mãos dadas
com a sua maneira de administrar a sociedade, a governamentalidade,
compreendida como uma grade de relações a partir da qual, de maneira indireta,
grupos conseguem influenciar as políticas públicas sem deter a posse do aparelho
público.
No caso do Paraná e em outros em que uma situação similar ocorra, parece
mister da geografia política analisar a realidade destas relações de poder e o papel
da circulação enquanto representação dos diversos poderes no espaço na era da
globalização.
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