quem leva a sério as hqs -monografia de uryel marconatto marques
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA DEPARTAMENTO DE CINCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE COMUNICAO SOCIAL PUBLICIDADE E
PROGANDA
QUEM LEVA A SRIO AS HISTRIAS EM QUADRINHOS?
Um estudo sobre Asterios Polyp e outras coisas de criana.
Uryel Marconatto Marques
Santa Maria 2013
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QUEM LEVA A SRIO AS HISTRIAS EM QUADRINHOS? Um estudo sobre Asterios Polyp e outras coisas de criana.
Uryel Marconatto Marques
Monografia apresentada ao curso de Comunicao Social Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Santa Maria, como requisito parcial para a obteno do grau de bacharel. Orientador: Cludio Rabelo
Santa Maria 2013
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QUEM LEVA A SRIO AS HISTRIAS EM QUADRINHOS? Um estudo sobre Asterios Polyp e outras coisas de criana.
Uryel Marconatto Marques
Monografia apresentada ao curso de Comunicao Social Publicidade e Propaganda da Universidade Federal de Santa Maria, como requisito parcial para a obteno do grau de bacharel.
Aprovada em 26/02/2013
Banca Examinadora:
________________________________
Prof. Dr. Cludio Rabelo (orientador)
________________________________
Prof. Dr. Daniel Petry
________________________________
Prof. Dr. Fabiano Maggioni
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeo a Glauber Giuliani por seguir a carreira de
Gelogo e deixar que eu assumisse sua vaga no curso de Publicidade da
UFSM.
Agradeo Universidade Federal de Santa Maria e a Faculdade de
Comunicao Social, onde recebi quatro anos de educao gratuta e de
qualidade.
Ao Professor Dr. Cludio Rabelo, meu orientador, pela pacincia e
compreenso durante o desenvolvimento desse trabalho, e tambm por
trabalhar e orientar TCCs at nos feriados.
Aos professores que compem a minha banca: Fabiano e Daniel, pela
disponibilidade de aceitarem esse convite.
Ao Professor Adair, com quem reprovei na disciplina de Semitica e que me
fez, finalmente, estudar essa que seria uma das ferramentas desse trabalho.
Aos meus professores, com quem aprendi a trabalhar sob presso, e aos
colegas, com que compartilhei por quatro anos a cultura de deixar tudo para a
ltima hora (ainda que isso me custasse seguidas noites sem dormir), como
tambm no poderia deixar de acontecer nessa monografia.
minha me, que me apoiou em todos os sentidos para a concluso dessa
Faculdade.
minha irm, que no ultimo momento me motivou e disse que ainda havia
esperanas para terminar essa monografia em tempo hbil.
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RESUMO
Monografia de Graduao Curso de Comunicao Social Publicidade e Propaganda
QUEM LEVA A SRIO AS HISTRIAS EM QUADRINHOS? Um estudo sobre Asterios Polyp e outras coisas de criana.
AUTOR: URYEL MARCONATTO MARQUES ORIENTADOR: CLUDIO RABELO
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 25/02/2013.
O presente trabalho dedica-se ao estudo daquela definida por Will Eisner como arte sequencial e popularmente conhecida como histria em quadrinhos, desde as primeiras tiras publicadas em jornais, caracterizadas pela simplicidadade e abordagem humorstica, no fim do sculo XIX, at as novelas grficas, marcadas pela densidade e refinamento de suas histrias, surgidas nas dcadas finais do sculo XX. Nesse percurso, procurou-se evidenciar a evoluo grfica dessa mdia, ressaltando seus principais personagens, autores, editoras e atores que de alguma forma contribuiram para o seu desenvolvimento. No final do percurso se d a anlise daquela que vem sendo considerada uma obra prima contempornea, agraciada com diversos prmios do cenrio dos quadrinhos: Asterios Polyp, do americano David Mazzucchelli, publicada em 2009. Para decifrar a linguagem utilizada pelo autor, marcada pelo abuso de recursos grficos, aplicaremos a semitica greimasiana, e sua compreenso do texto, seja ele verbal ou imagtico a partir dos planos de contedo e expresso.
Palavras-chave: Histrias em quadrinhos; arte sequencial; novela grfica;
Asterios Polyp; Semitica.
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ABSTRACT
Graduation Paper Social Communication Faculty Advertising
WHO TAKES COMICS SERIOUSLY?
A study about Asterios Polyp and other kids stuff.
AUTHOR: URYEL MARCONATTO MARQUES ADVISOR: CLUDIO RABELO
Date and Place of defense: Santa Maria, 25/02/2013.
This essay is dedicated to the study of that, set by Will Eisner as sequential art and popularly known as comics, from the earliest strips published in newspapers, characterized by its simplicity and humorous approach in the late nineteenth century, until the graphic novels, defined by the density and refinement of their stories, that emerged in the final decades of the twentieth century. Along this way, we tried to expose the evolution of this graphic media, highlighting its main characters, authors, publishers and actors that somehow contributed to its development. At the end of the study is located the analysis of what has been regarded as a contemporary masterpiece, honored with several awards from the scene of comics: Asterios Polyp by the American David Mazzucchelli published in 2009. To decipher the language used by the author, marked by the abuse of graphics, we will apply greimasian semiotics and his understanding of "text", be it verbal or imagetic, from the plans of content and expression. Keywords: Comic books, sequential art, graphic novel, Asterios Polyp,
Semiotics.
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NDICE DE ILUSTRAES
Figura 1. Max e Moritz, Criao de Busch........................................................ 14
Figura 2. Familia Fenouillard ............................................................................ 14
Figura 3. Down Hoogan's Alley NY World e direita Yellow Kid em cores ... 16
Figura 4. Little Nemo, de Winsor McCay .......................................................... 19
Figura 5. Tintin, de Georges Rmi ................................................................... 20
Figura 6. Capa da primeira edio da Action Comics ...................................... 24
Figura 7. Super heri norteamericano contra Hitler .......................................... 26
Figura 8. Robin em sua primeira apario........................................................ 27
Figura 9. Peter Parker sendo mordido pela aranha e ao lado, j como
Spiderman ........................................................................................................ 30
Figura 10. Mafalda, representante da era de prata dos quadrinhos ................. 31
Figura 11. O Cavaleiro das trevas na Era de bronze ....................................... 32
Figura 12. Wolverine de Pratt ........................................................................... 34
Figura 13. Fragmentos da primeira graphic novel ............................................ 35
Figura 14. Asterios Polyp ................................................................................. 40
Figura 15. Asterios e a silhueta que o acompanha .......................................... 41
Figura 16. Asterios e Ignazio, seu gmeo morto .............................................. 42
Figura 17. Asterios e sua viso dual do mundo. ............................................... 42
Figura 18. Asterios e sua viso dual do mundo ................................................ 43
Figura 19. Exemplificando sua teoria ............................................................... 44
Figura 20. A realidade como extenso do self ................................................. 46
Figura 21. A utilizao de bales em Asterios Polyp ........................................ 47
Figura 22. Personalidades e fontes retratadas ................................................. 48
Figura 23. Diferentes tipografias empregadas para diferentes personagens ... 48
Figura 24. Encontro de Asterios e Hana........................................................... 49
Figura 25. Cena de desentendimento entre Hana e Polyp. .............................. 50
Figura 26. Quadrinho de harmonia entre o casal ............................................. 51
Figura 27. Outras relaes de Asterios marcadas pela distncia entre os
componentes .................................................................................................... 51
Figura 28. Diferentes momentos evidenciados pelo uso das cores ................. 52
Figura 29. Sonho e delrio de Polyp ................................................................. 53
Figura 30. Asterios, de Deus um personagem como outro qualquer .......... 54
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SUMRIO
PARTE I: Histrias das Histrias em Quadrinhos ...................... 13
Os primrdios: do surgimento dos primeiros quadros
Era de Platina das HQs.................................................. 13
A Era de Ouro: A consagrao dos Super-Heris ............ 21
As Eras posteriores: a invaso do underground e o
surgimento das Graphic Novels ........................................ 29
PARTE II: Um estudo da novela grfica Asterious Polyp ......... 37
A semitica como mtodo ................................................. 37
Apresentaes iniciais ...................................................... 39
O que nos dizem os signos de Mazzucchelli .................... 40
CONCLUSES ................................................................................ 56
REFERNCIAS ............................................................................... 58
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INTRODUO
No prefcio do livro Quadrinhos e Arte Sequencial (1989), Will
Eisner, um dos mais respeitados autores do gnero, expressa seu
descontentamento com a escassa ateno acadmica que percebia estar
sendo destinada aos quadrinhos. Ansiava, ao mesmo tempo, que os
quadrinhos se levassem a srio ocupando-se de temas de maior importncia,
a fim de despertar o que chamou de exame intelectual srio. Ele prprio, no
entanto, admitia que, durante boa parte de sua vida profissional, esteve lidando
com um veculo que exigia mais habilidade e intelecto do que ele e seus
contemporneos imaginavam quando produziam sua arte instintivamente.
A preocupao do autor responde a um cenrio marcado por rtulos
pejorativos atribudos s histrias em quadrinhos e seus apreciadores, como se
fizessem parte de uma horda de leitores medocres e no suficientemente
qualificados para apreciar a boa literatura, ou adultos que ainda gostassem de
coisas de crianas.
Mais de vinte anos depois, as HQs finalmente comeam a chegar ao
ambiente acadmico, recebendo estudos cada vez mais frequentes, inclusive
no Brasil. At o presente ano, uma pesquisa no site Domnio Pblico nos revela
que cerca de setenta trabalhos, entre teses e dissertaes, j foram dedicados
aos quadrinhos nos ltimos cinco anos. A maioria delas, dentro de programas
de faculdades de letras e artes, enquanto apenas uma pequena parcela
desenvolvida dentro das faculdades de comunicao, apesar do consolidado
reconhecimento do quadrinho como mdia, cujas possibilidades de uso pela
publicidade so to grandes quanto pouco exploradas.
Motivado por esse contexto, alm de meu interesse pessoal e
profissional pelos quadrinhos (que me levaram alm da leitura, tornando-me
criador do site www.Sketi.co, onde publico tiras de minha autoria), decidi
dedicar minha pesquisa monogrfica ao tema. Resolvido isso, que linha de
anlise adotar? O que abordar dentro da temtica das HQs?
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A partir dessas questes, percebemos a necessidade de
contextualizar o cenrio das HQs, apresentando a histria e evoluo grfica
dessa mdia, desde suas origens at seus contornos atuais. Percebemos,
ainda, a importncia de um estudo de caso, onde uma novela grfica fosse
estudada de maneira mais aprofundada, a partir do mtodo oferecido pela
semitica greimasiana, e seus planos de contedo e expresso, indicados
leitura grfica.
A obra escolhida deveria abusar do uso de recursos grficos
(sombra, luz, cor, trao, perspectiva, forma, etc), permitindo que, a partir dela,
pudssemos analisar a importncia da compreenso integrada de texto e
imagem para a apreenso profunda de seu sentido.
Asterios Polyp, novela grfica do americano David Mazzucchelli,
publicada em 2009 e, em 2010, agraciada com um dos maiores prmios
concedidos a artistas de HQs - o prmio Eisner - pareceu-nos encaixar-se
perfeitamente no que buscvamos.
Em suas 344 pginas, o absurdo da existncia constantemente
reforado, na mesma medida em que se busca ao menos a justificativa esttica
da vida, de forma que Mazzucheli, atravs de Asterious, faz com que cada
pincelada tenha um significado. No trao de David, toda forma representa.
Tudo narra: a cor, a disperso dos elementos, o tipo de fonte, tudo tem um
propsito, nada apenas figurativo. Alm disso, vi na anlise do curioso
processo de criao de Mazzucchelli, uma inspirao para meu prprio
trabalho enquanto futuro publicitrio.
Temos convico de que uma anlise pormenorizada de uma obra
como essa tem seu lcus ideal em um curso de comunicao social com
habilitao em publicidade e propaganda, j que parte de um referencial terico
que permite analisar a narrativa escrita e a simblica, decifrando as entrelinhas.
Alm disso, tem-se o fato de que desde sua publicao, Asterious ainda no foi
objeto de estudo na Universidade Federal de Santa Maria.
Assim, o presente trabalho est dividido em duas partes. A primeira
delas, mais genrica e abrangente, destinada contextualizao das histrias
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em quadrinhos, salientando seus principais marcos (personagens, autores,
editoras e avanos grficos). A segunda, mais especfica e aprofundada,
dedicada a uma anlise da novela Asterios Polyp.
Quanto metodologia, cabe ressaltar que a compreendemos como
caminho a ser seguido na busca de uma resposta ao problema proposto, que,
nesse caso, diz respeito s tcnicas utilizadas por Mazzucchelli para a
composio de sua narrativa grfica. Dessa forma, em nosso trajeto,
procuraremos aliar o escoro terico dado pela semitica liberdade criativa
que pede o trabalho de um futuro publicitrio. Nesse sentido, pretendemos
misturar leitura/teoria a uma escrita experimental e exploratria que lembra o
processo de criao. Com esse trabalho proponho no apenas outras leituras
de Polyp, mas outra escrita sobre ele, acadmica, mas tambm artstica.
Quanto relevncia social desse estudo, posso dizer, em sua
defesa, que a expanso dos leitores de quadrinhos e a consolidao desses
enquanto forma de arte uma realidade. Ignor-los enquanto objeto de estudo
est na contramo do esprito de descoberta e desafio que se prega em nosso
curso. Mais: desvendar/propor novas formas de ler Asterious pode tornar mais
rica e complexa a leitura dessa e de outras HQs.
Por fim, imaginamos que j seja hora de acabar com as divises
preconceituosas que classificam os quadrinhos como baixa cultura ou leitura
meramente infantil. A expanso e complexificao das Graphic novels, entre as
quais Asterios Polyp, impede a continuidade desse estigma.
Tampouco podemos ignorar que em uma sociedade onde as mdias
se tornam cada vez mais convergentes e livros, quadrinhos, jogos eletrnicos,
cinema e microtextos publicados em mdias sociais j fazem parte da cultura
contempornea. Podemos ignor-los e situ-los em uma lgica apocalptica,
ou, por outro lado, estud-los, problematiz-los, e assimilar sentidos e
caminhos para a comunicao.
Optamos pela ltima.
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Parte I
Histrias das Histrias em Quadrinhos
Este captulo inicial dedicar-se- a contextualizar as origens das
histrias em quadrinhos, desde o seu formato inicial mais simples, at aquelas
que hoje vm sendo compreendidas por alguns autores como Graphic Novels.
Para isso, traaremos um histrico das HQs, passando por suas primeiras
aparies de maior relevncia e ressaltando as frmulas e inovaes,
especialmente as grficas, que, ao quebrarem paradigmas estticos e
narrativos, impulsionaram o desenvolvimento deste gnero.
Os primrdios: do surgimento dos primeiros quadros Era de Platina das HQs1
A utilizao da imagem em narrativas vem sendo explorada pelo
homem desde a poca em que a escrita estava longe de ser desenvolvida.
Como uma forma de registro do que presenciava e talvez como forma de
comunicao (IANNONE; IANNONE, 1994: p.9), nossos ancestrais
reproduziam o que havia ao seu redor em suas pinturas dedicadas natureza,
animais e ritos cotidianos. Desde ento, a comunicao humana assumiu
muitas e complexas formas. A escrita e a ilustrao se desenvolveram e
rebuscaram. Muitos romances foram escritos e pintores realizaram suas obras
primas at o momento em que esses dois recursos foram unidos para contar
uma histria.
O surgimento das chamadas Histrias em Quadrinhos como
narrativa grficovisual e como uma forma de expresso artstica, que possui
linguagem, cdigos e regras prprias (CIRNE, 1977) tem suas origens, para
autores como Leila e Roberto Iannone (1994: p.22), no sculo XIX. Nesse
momento, quando ainda no apresentava a forma atual, as ilustraes
predominavam sobre o texto que, quando existia, aparecia sob cada quadro ou
1 Essas convenes sobre as Eras das HQs so amplamente discutidas entre fs e
apreciadores do gnero em blogs, redes sociais e at produes literrias, sem que tenham autoria definida.
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desenho. Era predominante o uso de um nico quadro e no de uma sequncia
e as ilustraes eram reproduzidas em preto e branco.
Entre os expoentes dessa fase esto os europeus Rudolphe Topffer
(1799-1846) e Wilhelm Busch (1832-1908). Ambos contavam histrias por meio
de imagens com uso diminuto de textos. As histrias se caracterizavam pela
fantasia de Topffer e pelo humor pesado e satrico de Busch (figura 1).
Figura 1 . Max e Moritz, Criao de Busch. Fonte: http://www.fetales-alkoholsyndrom.de
Outro nome lembrado Tom Brown, cujos desenhos de dois
vagabundos muito vivos e irriquietos, Willie e Tim, distinguiam-se pelos traos
fortes e fisionomias ricas em detalhes. Suas criaes custumavam ser
publicadas no jornal infantil Illustrated Chips, a partir de 1886. Entretanto, o
destaque atribuido a Georges Collomb, que, sob o pseudnimo de
Christophe, criou a famlia Fenouillard. Suas ilustraes foram publicadas a
partir de 1889 no jornal para crianas Petit franais illustr (figura 2).
Figura 2. Familia Fenouillard Fonte: http://aulas.pierre.free.fr
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Christophe considerado pelos Iannone (1994: p.29) como verdadeiro
criador da frmula que originou as histrias em quadrinhos. Isso porque,
segundo esses autores:
Seus desenhos do a idia clara do movimento entre uma imagem e outra e a histria habilmente dividida em pequenos quadros para evidenciar o desenrolar dos acontecimentos. (IANNONE, IANNONE, 1994: p.30)
Essa idia reforada por Braga (2011: p.14), que menciona
Christophe como precursor em diversos aspectos, dentre eles: desenho de
ngulos inusitados e muitos movimentos, alm da utilizao da metalinguagem
em um texto muito bem escrito2.
Sobre essas primeiras manifestaes, h em comum: quanto ao
contedo, temas que envolvem fantasia, satra e lies morais (IANNONE,
1994: p.29), voltados sobretudo ao pblico infantil. Quanto forma, destacam-
se traos simples, planos abertos e imagens leves em quadrados rgidos, onde
toda a ao est contida.
Na sequncia dessas publicaes apareceram as primeiras revistas
humorsticas: Le charivari, em Paris, Punch, em Londres, Puke, na Alemanha e
Judge e Life nos EUA (CIRNE, 1970: p.48) que ajudaram a consagrar a
profisso de cartunista. Em seu surgimento, esses cartuns no utilizavam texto,
eram de fcil entendimento e apresentavam, em sua maioria, cunho poltico (o
que hoje seria compreendido como algo prximo charge3). A concorrncia
entre esses cartunistas impulsionou a evoluo da arte. Assim, segundo os
IANNONE:
Apartir de 1890, os enredos passaram a apresentar as caractersticas essenciais das histrias em quadrinhos: a narrativa em sequncia de imagens, a manuteno dos personagens nessas sequncias e os dilogos inseridos no quadro (IANNONE, IANNONE, 1994: p.31)
2 Enquanto isso, Braga (2011: p.14) nos lembra de que no Brasil, um italiano fazia sucesso.
ngelo agostini, que chegara ao pas em 1859 e comeou a fazer histrias ilustradas para algumas publicaes da poca, sendo conhecido como o precursor dessa arte no territrio brasileiro. 3 A diferena entre Cartum e Charge esclarecida por Gazy Andraus, em apostila terica
acerca das HQs: Cartum caracterizado pelo carter ingnuo e descomprissado de humor, geralmente constitudo de imagens cmicas e universais. A charge, por sua vez, carregada de cunho poltico e presa a determinado contexto histrico-social.
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Em pouco tempo, os cartuns ganharam relevncia na imprensa
novaiorquina, a ponto de impulsionar uma intensa concorrncia entre os jornais
e, a partir da, transformaes e inovaes nesse meio. Exemplo disso foi a
disputa entre o New York World e o Morning Journal pelo sucesso de Richard
Outcoult: Down Hoogans Alley, quadro humorstico semanal que retratava o
cotidiano de famlias de imigrantes em cortios de Nova Iorque, o qual deu
origem a um dos primeiros processos autorais da imprensa e, tambm,
possibilitou as condies para a criao dos Syndicates, as organizaes que
passariam a controlar e distribuir os personagens dos comics americanos
(CARVALHO, 2007: p.16). Alm disso, o sucesso dos cartuns inspirou o
desenvolvimento de suplementos publicados aos domingos nos jornais,
dedicados inteiramente a eles.
Um dos personagens mais cativantes, e que logo ganhou a ateno
do pblico, era um garoto oriental de orelhas grandes, que usava uma espcie
de camisolo, onde se encontravam frases espirituosas. O destaque do
personagem e a vontade de torn-lo ainda mais popular levou o New York
Journal a imprimir, em abril de 1983, sua primeira pgina colorida, onde Yellow
Kid ganhou cor, um nome e um lugar na histria das HQs.
Figura 3. Down Hoogan's Alley NY World e direita Yellow Kid em cores Fonte: http://www.imageandnarrative.com
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As inovaes trazidas por Outcault, com Yellow Kid, consistiram na
introduo de um personagem constante nas tiras semanais, incorporao de
legendas e, logo depois, bales com as falas e pensamentos dos personagens.
Acerca desses bales e a evoluo grfica que eles trouxeram, Rahde (apud
MELO, 1996: p.2) os categoriza enquanto elemento grfico que aparece como
um prolongamento do personagem, o que proporciona maior dinamizao na
leitura, permitindo que imagem e texto sejam lidos em conjunto, sem que o
percurso de leitura seja quebrado ao sair do quadro. Yellow Kid (e o modelo
que inaugurou) foi tambm responsvel pelo surgimento da denominao
comics, que passaria a designar as tiras predominantemente humorsticas
criadas na poca (CAGNIN, 1975: p.10).
Aproveitando-se do clima favorvel a esses novos artistas nos
jornais citados, Rudolph Dirks apresentou um modelo de expresso comico-
grfica que, segundo os IANNONE (1994: p.35) ficaria definitivamente
conhecida como histria em quadrinhos. Estas caracterizariam-se, segundo
Melo (2010: p4):
Pela narrao de fatos com dilogos naturais, por meio dos quais os personagens interagem com palavras, gestos e expresses faciais. O discurso direto, em bales, auxiliado por legendas e recursos lingusticos (palavras onomatopicas, sinais de pontuao), paralingusticos (intensidade de sons, velocidade de pronncia e expresso de emoes) e visuais (figurao pictrica das emoes nos personagens, nos bales e nas letras).
Isto porque Dirks, alm de retomar a frmula do criador de Yellow Kid,
colocando os dilogos em bales, usando a sequncia de quadros para
desenvolver um enredo e apostando em personagens permanentes, foi o
primeiro norteamericano a apresentar uma histria em quadrinhos completa.
Tratava-se de The Captain and the Kids, traduzida para diversos idiomas e
publicada inclusive no Brasil como Os sobrinhos do capito.
Como j mencionado, ao lado dos jornais dirios, as revistas
tambm serviram para a difuso dos cartuns. Nos EUA, a revista Puke
apresentou, em 1899, o personagem Happy Hooligan, de Frederick Opper,
mendigo triste e ridicularizado que usava uma lata vazia de conserva como
chapu. O sucesso foi tamanho que o Hooligan, juntamente com outras tiras do
autor, foram selecionadas para composio de um livro e figuraram no que hoje
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compreendemos como as primeiras utilizaes de personagens associados
marcas ou produtos, uma das manifestaes iniciais da cultura de massa4 na
propaganda. Nessa mesma esteira, Yellow Kid, seu antecessor, firmava-se,
nesse mesmo momento, como marca de uma imprensa sensacionalista,
estigmatizada agora de Jornalismo amarelo5 em referncia s vestimentas do
personagem. Na opinio de Moya (1970: p.36), porm:
Na verdade, tratava-se, nada mais nada menos, do que uma reao de conservadores que temiam a divulgao dos fatos de maneira massiva, atravs de uma imprensa cada vez mais popular, cada vez mais ao alcance de todos.
Percebe-se a uma tendncia que s se intensificaria a partir de
ento e que diz respeito ao modo como a publicidade se apropriar do sucesso
de personagens, associando-os a uma determinada marca. Por outro lado,
evidencia tambm a popularidade que essa nova forma de expresso grfica
passou a alcanar. Entende-se que isso se deve, em parte, ao fato de as tiras
serem de rpida leitura (textual e imagtica) e fcil assimilao, consistindo em
uma nova forma de entretenimento.
Em 1905, Windsor McCay lanou Little Nemo, considerada obra
prima dos quadrinhos da poca (IANNONE, 1994: p.38). O artista destacou-se
pelo uso de elementos da chamada Art Noveau, caracterizada por desenhos
estilizados, mincia de composio, arquitetura majestosa e senso esttico
apurado. Inovou ainda, na temtica desenvolvida em Little Nemo, em que o
menino, todas as noites, viajava em sonhos pelo mundo da fantasia (figura 4).
4 Cultura de massa, segundo autores da escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer
(1947) toda cultura produzida para as massas a despeito de heterogeneidades sociais, tnicas, etrias, sexuais ou psicolgicas e veiculada pelos meios de comunicao de massa. 5 Chamada no Brasil de imprensa marrom.
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Figura 4. Little Nemo, de Winsor McCay Fonte: http://schulzlibrary.wordpress.com
De acordo com Santos (apud BRAGA, 2011: p.17) McCay utiliza
perspectivas diferentes, experimentaes de diagramao, surrealismo, muitas
cores e planos de corte que faziam parte dessa chamada revoluo esttica
criada por ele. Percebe-se pela figura 5 o modo como a leitura da tira j no
to simples e evidente quanto nos anteriores. Para demonstrar sua importncia
no universo das Histrias em Quadrinhos, Carvalho nos fala que:
O trabalho de McCay marcou os quadrinhos e at hoje suas histrias servem de referncias para outros autores de HQ, cinema e estudiosos do assunto. Como exemplo disso, basta citar que McCay venceu uma pesquisa feita em 2005, reunindo mais de 300 livros em diferentes idiomas, para escolher as cenas mais importantes dos quadrinhos, momentos que so citados por estudiosos e pesquisadores para exemplificar o trabalho de um autor e sua contribuio para as HQ. A mais citada foi o passeio de Nemo e seu amigo Flip pelas ruas da cidade, montados numa cama com ps enormes. (CARVALHO, 2007: p.19)
O trabalho do criador de Little Nemo tambm marcou o incio de uma
diviso entre duas tendncias no cenrio dos quadrinhos: os cartunistas, que
insistiam no carter inocente e cmico das HQs e os intelectuais, que aderiram
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novidade proposta pelo citado autor, rumo explorao de outras
possibilidades estticas que pudessem ser aplicadas arte sequencial6.
Entre as obras que seguiram a corrente intelectual, destacam-se
Krazy Kat, de George Herriman em 1911, The rising generation e Bringing up
father, ambos de George McManus em 1913, Little Orphan Annie, de Harold
Gray em 1924, Wash Tubbs7, de Roy Crane em 1924 e finalmente, Tintin, o
reprter belga, criao de Georges Rmy, em 1929 (figura 5).
Figura 5. Tintin, de Georges Rmi Fonte: http://www.archiculture.be
Essa ltima obra abusa das cores, explora personagens
secundrios que funcionam para reforar a trama e mostrar outras nuances do
personagem principal. Rmi tambm foi responsvel por explorar gneros
ainda no to visados pelas HQs, ao e aventura8, que logo a seguir
roubariam a cena da prxima era dos quadrinhos, dominada por super-
heris. Ao mesmo tempo, a tendncia iniciada por Tintin tambm evidencia um
outro movimento:
Com o passar dos primeiros anos do sculo XX, o cotidiano das pessoas, tema recorrente em praticamente todas as histrias em quadrinhos publicadas, acaba por perder fora. A depresso nos Estados Unidos e o crack da Bolsa em 1929 evidenciaram essa
6 O termo arte sequencial foi cunhado por Will Eisner e disseminado a partir de seu livro
Quadrinhos e Arte Sequencial, publicado no Brasil, pela primeira vez em 1989. 7 Ttulo que inaugurou o gnero de fico cientfica nos quadrinhos (IANONNE e IANNONE,
1994: p.41). Outra importante contribuio de Crane que ele foi o primeiro a utilizar os chamados ganchos, situaes que prendiam a ateno do leitor at o prximo episdio Patati e Braga (2006: p. 35). 8 Tintin um caso que ilustra bem o modo como personagens consolidados em uma mdia
podem figurar em outras. No toa, Tintin virou srie de TV em 1991 e filme em 2011.
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saturao do gnero comdia, fazendo com que o mercado dos comics americanos buscasse uma sada. Segundo Carvalho (2007: p.21), as pessoas precisavam de histrias que as fizesse esquecer os problemas do pas e a falta de dinheiro. Saram de cena as situaes cotidianas e os personagens infantis e entraram as histrias de ao, aventura e fico cientfica. Os heris que no existiam na vida real agora encabeavam os gibis, levando esperana e entretenimento para uma populao que estava sofrendo. (BRAGA, 2011: p.18)
Essa fase inicial, de surgimento e consolidao dos quadrinhos, entre
1897 1937, ficou conhecida como a Era de Platina e a seguinte, a qual ser
abordada a partir de agora, como sua Era de Ouro.
A Era de Ouro: A consagrao dos Super-Heris
Ironicamente, aquela que ficou conhecida como a era de ouro das
HQs, teve seu inicio logo aps o perodo de depresso inaugurado pela grande
crise de 19299. De acordo com os Iannone (1994: p.45), graas ao sucesso do
cinema, o novo estilo associou-se definitivamente tcnica dos quadrinhos
norte-americanos, que passaram por uma verdadeira revoluo. Essa
revoluo diz respeito no somente ao tipo de enredo e personagens que
passariam a estampar as novas histrias, mas tambm ao formato, que se
popularazaria a ponto de no depender mais dos jornais e poder comear uma
cultura prpria nas pginas de revistas especializadas chamadas de comic
books.
A evoluo que representou o formato, que contava com uma
generosa quantidade de tiras coloridas e era to acessvel quanto os jornais da
poca , se deve perspiccia de Maxwell C. Gaines, empresrio do ramo
grfico que dobrou um jornal de aproxidamente 60x38cm em quatro partes e
9 Nesse momento de profunda depresso "O mundo onde tem de combater pois um campo
fechado onde se batem o bem e o mal, a luz e as trevas, como no princpio dos tempos. O heri o campeo do bem, o restaurador da ordem, por vezes at o "polcia" do cosmos. Contra ele, bem podem desencadear-se as foras do mal e da treva; acaba por sair vencedor, visto que os deuses no podem permitir que o excesso triunfe, pois assim o cosmos arruinar-se-ia. Os deuses no podem aceitar nem a desordem nem a injustia. Os homens tambm no. O que explica a venerao quase sagrada com que rodeamos o heris: tem sua volta como que uma aurola de divindade. Os homens tm necessidade interior de heris" (Marny, 1970, p. 123).
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criou o formato de revistas em quadrinhos norteamericanos, com 25,4x17,8cm
(JONES, 2006: p.126). Essa nova mdia, que contava com cerca de 20 30
pginas, 1 dobra e grampeada (Idem: p,128) distanciou as tiras dos livros,
agradou aos leitores e abriu as portas para a produo de material exclusivo
para as revistas. Na era de ouro, esse formato j estava estabelecido, e as
revistas em quadrinhos s sofreriam novas mudanas na dcada de 1980.
Segundo Troula (2008: p.13), apesar da mudana do formato com o
surgimento da mdia exclusiva, a colorizao dos quadrinhos e o processo
utilizado sofreram poucas alteraes at a dcada de 70 nos EUA. Nas suas
palavras:
Desde as primeiras revistas em quadrinhos, o colorista possuia apenas 63 cores para escolher, as quais ele aplicava de forma manual sobre uma cpia da arte em preto e branco, quase como um livro de colorir. As chamadas cores primrias amarelo, magenta e ciano, serviam de base para a composio de todas as outras cores e tambm eram chamadas aditivas, pois quando somadas, geram outras cores. Nos quadrinhos, seu uso era restrito 100%, 50% e 20%, o que significava que os coloristas s podiam utilizar trs intensidades dessas cores, o que limitava a quantidade de tons possveis, somadas ao preto, a quarta cor. Depois de aplicar as cores sobre a pgina o colorista as indicava atravs de curtos cdigos escritos na prpria pgina, para que o separador de cores pudesse, na grfica, atingir os mesmos tons de cores que ele queria.
O visual dessas cores impressas em papel jornal gerava um produto
que, na concepo de McCloud (2005: p.188), era sofrvel, mas foi bem
absorvido pelo pblico norte americano. Segundo ele, para compensar a
pobreza da impresso em papel jornal, os trajes dos heris recebiam cores
primrias que se destacavam facilmente.
Inicialmente essas revistas continham apenas compilaes de
tirinhas previamente publicas em jornais. Com o sucesso desse formato,
empresas como a National Comics e a Timely (que mais tarde se tornariam
respectivamente DC Comics e Marvel) puderam estabelecer-se e comear a
produo de histrias prprias para esse meio. Assim, surgiria o precursor dos
super-heris, um dos mais populares personagens de todos os tempos,
inicialmente rejeitado por editores dos jornais j citados, sob o argumento de
que o pblico no se identificaria com ele: o Super-Homem. A idenficao viria
com a introduo de uma nova faceta para o personagem, seu alter-ego Clark
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Kent, que em contraponto atitude destemida e ousada do Homem de ao10 ,
era um cidado comum, com medos e fraquezas humanas (PATATI e BRAGA,
2006). Sobre essa dupla identidade, Guedes coloca:
O conceito da dupla identidade foi bem explorado, mostrando como o tmido reprter Clark Kent se transformava em super-heri. Ele apenas tirava os culos e ningum podia reconhec-lo. Clark se fingia de covarde para que ningum o associasse ao seu alter ego. O nome Clark foi inspirado em Clark Gable o gal do cinema que iria estrelar o clssico E o vento levou... (Guedes 2006: p. 16).
Essa construo do personagem, que se estende a outros super-
heris, parece dialogar muito bem com o mito do heri Jungiano. Jung sugere
que a imagem e realidade arquetpica do indivduo irromperam na conscincia
coletiva atravs do mito de um heri cuja presena indiscriminadamente
identificada em inmeras culturas do mundo arcaico. Ele representa aquilo que
comum a todos. Por outro lado, o heri tambm um ser transitrio que,
superando inmeras ameaas, obstculos, provas e sofrimentos diversos,
conquista e afirma sua singularidade (PEREIRA JR, 2010). Dessa forma, o
heri, desde suas fraquezas at a fora que o conduz superao provoca
empatia do ser humano que nele se projeta e identifica.
Com o mesmo objetivo, de explorar o lado humano do personagem,
o roteirista decidiu que esse heri dotado de poderes sobrehumanos possuiria
uma fraqueza principal: a kryptonita, um mineral criado a partir dos restos de
seu planeta natal.
Na composio do personagem, tambm foi adicionada uma capa,
cuja funo era conferir maior movimento e ao s aventuras vividas pelo
heri no papel. Esse recurso tornou-se, a partir de ento, elemento quase
obrigatrio na caracterizao dos super-heris. Ainda assim, o primeiro grande
Super Heri das HQs no agradou imediatamente aos editores, que
consideravam o personagem imaturo e os textos e desenhos simplrios em
relao aos publicados nos jornais. Segundo Patati e Braga (2006), entretanto,
foi justamente essa peculiaridade que cativou os leitores.
10
Como inicialmente foi apresentado o Super-Homem.
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24
O surgimento dessa obra de Jerry Siegel (roteirista) e Joe Shuster
(desenhista) tambm marca a inaugurao de um dos maiores sucessos
editoriais no mundo das HQs da poca, a Action Comics11, que daria um novo
significado para o termo Comics, desde ento utilizado para designar
quadrinhos em geral, e no somente tiras humorsticas.
Figura 6. Capa da primeira edio da Action Comics Fonte:http://superheroes.zapto.org
Devido ao sucesso do Super-Homem, a editora National decidiu
dedicar ao personagem uma revista prpria, que teve seu lanamento em maio
de 1939 sob o nome de Superman Quarterly Magazine. De acordo com Braga
(2011: p.21) ela alcanou a tiragem de 1 milho e 400 mil exemplares.
Carvalho (2007) afirma que em 1941, a soma de todos os exemplares com
publicao do super-heri nos jornais americanos era de 20 milhes. A
presena de um roteirista e um desenhista iniciou uma outra tendncia para
esse universo: a concepo de que enredo e imagem mereciam, ambos,
ateno.
O sucesso logo se estendeu para outras mdias, como o cinema,
rdios e televiso. Com a emergncia da segunda guerra mundial, Superman
11
A apario do Homem de Ao estampou a capa da primeira edio da revista Action Comics, inaugurando a Era de ouro dos comics.
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tornou-se um dos aliados no combate ao nazismo pedido do prprio
presidente norte-americano do perodo, Franklin Roosevelt. Nesse momento,
ganha fora a utilizao de protagonistas hericos das comics para difuso de
ideologias do Estado norteamericano12. V-se, a, Capito Amrica, Dick Tracy,
Jim das Selvas, entre outros, todos lutando contra os pases do Eixo
(IANNONE e IANNONE, 1994: p.46). Nas palavras de Carvalho:
interessante ver como um meio considerado de segunda categoria, apenas um escapismo para o cotidiano, foi usado na guerra de propaganda entre os governos no maior confronto armado da histria, evento que definiu o mundo no sculo XX. Sendo os quadrinhos uma bobagem para criana, por que o presidente Roosevelt se daria ao trabalho de us-los como ferramenta de propaganda poltica? (CARVALHO, 2007: p.37)
Na mesma linha do Superman, Capito Amrica ser um fiel soldado
estadounidense, resultado da Operation rebirth, uma experincia militar cujo
objetivo era a transformao de um rapaz comum em um super soldado, tudo
em nome do patriotismo e da vontade de defender os interesses de sua
ptria13. O capito empunhava apenas um escudo feito de vibranium, um
material indestrutvel, usado tanto para defesa quanto ataque. Uma das
interpretaes possveis ao uso desse equipamento a de que o exrcito dos
EUA apenas reagia a um ataque injusto, defendendo o que julgava justo e
correto (figura 7).
12
Alexandre Maccari trata do fenmeno em sua dissertao de mestrado intitulada: O cinema Disney agente da histria: A cultura nas relaes cinematogrficas entre Estados Unidos, Brasil e Argentina (1942-1945), apresentada ao programa de ps graduao em integrao latino americana da UFSM em 2008. 13
As informaes sobre o Capitao America foram retiradas de http://marvel.wikia.com.
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Figura 7. Super Heri norteamericano contra Hitler Fonte: superherouniverse.com
Caracterizam esses heris a moralidade rgida, o patriotismo e os
valores da sociedade americana, onde, aps passarem por uma srie de
provaes, o bom sempre triunfa sobre o mau. Compem, ainda, os principais
heris da Era de ouro, os obscuros Batman e Spirit. O primeiro surgiu em
1939, resultado da criatividade de Bob Kane e da aprovao dos editores da
revista National, na srie Detective Comics, a qual passaria a nomear a editora
anos mais tarde, devido ao sucesso da HQ de Kane. Utilizando-se de um trao
simples, remetendo ao estilo do autor de Dick Trace, Bob Kane chamou Bill
Finger para roteirizar as aventuras do Vigilante de Gothan. Segundo Carvalho:
Finger trouxe toda uma gama de artifcios que marcaram a histria das HQ: a mscara, ocultando a identidade secreta de um modo mais real que o Superman; os viles terrveis, todos buscando derrotar Batman; o quartel-general do heri, no caso a Batcaverna sob a manso Wayne; e as mais diversas ferramentas, como o cinto de utilidade, o batmvel, o batplano e outros. (CARVALHO, 2007: p.39)
Sem super poderes, Batman era dotado de um notvel intelecto,
que, aliado ao seu gigantesco poder aquisitivo, possibilitou que desenvolvesse
as armas necessrias para combater o crime em Gothan. Outra das inovaes
que chegaram com o Homem Morcego foi a introduo de um sidekick. Robin,
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27
personagem coadjuvante distinto e complementar ao protagonista, foi criado
com a funo de aumentar a empatia com seu pblico, composto em sua
maioria, por adolescentes que conseguiam identificar-se mais intensamente
com esse personagem. No a toa, quando o morcego ensina seu pupilo a
combater o crime, a estes jovens leitores para quem ele realmente parece
falar.
Figura 8. Robin em sua primeira apario Fonte: http://www.firstappearanceof.com
Batman e Superman tornam-se personagens to fortes, que:
Durante as dcadas seguintes, os perfis de quase todos os super-heris foram modelados a partir de semelhanas ou diferenas com relao a Superman e Batman. Entre esses dois extremos tpicos, dotados de forte valor icnico, nasceu a fisionomia de toda a gerao inicial de super-heris (PATATI e BRAGA, 2006: p. 68).
Esse o caso de Spirit, criao de Will Eisner, publicado pela
primeira vez em 1940, que traz elementos semelhantes aos vistos em Batman:
um pupilo, um disfarce e uma atuao voltada ao combate do crime. Eisner foi
considerado um gnio no perodo e sua obra, segunda Moya:
Era curiosamente similar ao Citizen Kane de Orson Wells em tcnica expressionista da luz, enquadraes e do som. Os detalhes eram delicadamente estudados, resultando num inesgotvel poder de sugesto que revela coisas novas a cada releitura de uma dessas aventuras. O travelling, o contracampo cinematogrfico, os cortes, os close ups, a ligao das seqncias quase em fuso ou sobreposio, cortes sonoros e efeitos, como um ruidinho sutil no meio de um quarto na escurido, tudo era motivo de um rendimento cinematogrfico. (MOYA 1970: p. 68)
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28
As tramas de Eisner destacavam-se pela incrvel versatilidade e
criatividade do autor, que se manifestava na explorao continua de diversos
gneros histrico, terror, policial, fico cientfica, humor, fbula, etc sempre
zelando pela qualidade e sem medo da rejeio de um pblico que supostamente
buscava os quadrinhos como forma rasa de entretenimento. Nas palavras de
Patati e Braga:
Uma tal empreitada foi possvel porque tecnicamente no foi nas pginas de um gibi que aconteceu. O que Will Eisner criou desta feita, antes mesmo do Spirit em si, foi o seu veculo: um hbrido entre o suplemento dominical dos quadrinhos e os gibis. De um lado, um nmero de pginas significativamente maior do que os suplementos dominicais; e de outro, a liberdade, ou melhor, a obrigao de falar com um pblico nitidamente maior. Ao contrrio do clich que diz que quanto mais burra e neutra uma publicao, mais leitores ela encontra, o conhecido nivelar por baixo, Eisner, na sua Spirit session, continuamente se expressou de modo ousado, embora sempre claro e compreensvel, e nem por isso menos profundo e comprometido com seus contedos. No estava nem um pouco disposto a realizar uma publicao que no satisfizesse seu leitor mais exigente: ele mesmo (PATATI e BRAGA 2006: p. 86 e 89).
Dessa forma, Will Eisner atingiu tanto os antigos fs de comics,
quanto um pblico novo, que esperava algo mais dessas leituras. No demorou
at que seu trabalho fosse amplamente reconhecido e com seu sucesso, sua
editora fosse ampliada e passasse a tambm produzir materiais de publicidade.
A contritibuio do autor estendeu-se do fazer quadrinhos a pensar
sobre quadrinhos, tornando-se um dos mais influentes autores de guias e HQs.
Nesse mbito, cunhou um novo termo para designar um novo formato de
histrias em quadrinhos: Graphic novel, destinada tramas maiores e mais
elaboradas que as convencionais comics, que examinaremos mais frente. O
reconhecimento de Eisner, alm da imensa popularidade entre os leitores, veio
na atribuio de seu nome a um prmio: o mais importante concedido a autores
de quadrinhos.
Passada a guerra, a Era de ouro dos quadrinhos encontrou novas
batalhas, uma delas foi a publicao do livro Seduction of the innocent, do
psiquiatra Frederich Wertham. Sua tese era a de que os quadrinhos
influenciavam negativamente na formao dos jovens, tornando-os rebeldes,
transgressores e levando-os desprezar a boa literatura. O impacto dessa
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29
publicao levou os editores a reunirem-se para discutir os rumos a serem
seguidos a partir dali. A associao criada por eles Comic Magazine
Association of America fazia o controle do material a ser publicado (WEINER,
2003: p.7).
A outra batalha consistia em como sobreviver sem os inimigos que
haviam consolidado seus heris. Nesse perodo de crise, alguns personages
(os que conseguiram se adaptar aos novos tempos) sobreviveram14, junto a
outros, mais humanos e lricos, que comporiam o perodo seguinte, conhecido
como a Era de prata. Vimos nesse perodo que aqui finda no incio dos anos
1950, a popularizao de revistas com tramas de um nico heri, a importncia
que se reconheceu tanto ao roteiro quanto ilustrao, encorajando a diviso
entre roteirista e desenhista e, por fim, o crescimento das editoras e sua
importncia na difuso das comics.
As Eras posteriores: a invaso do underground e o surgimento das Graphic Novels
Com o fim da era que consagrou os super-heris, seguiram-se
perodos que se vm definindo como Era de prata, de bronze, e de ferro. Seus
contornos parecem-nos mais fludos que os demais j que no h consenso
absoluto sobre seus marcos e transies. A era de prata, imediatamente
posterior Era de ouro, teve seu nascimento com a publicao da revista
Showcase #4, que apresentava uma verso reestruturada e mais humana do
heri Flash. Este, sobre cujos poderes se sabia terem sido herdados de deuses
mitolgicos, agora era apresentado como vtima de uma experincia cientfica
desastrosa.
A DC Comics desenvolveu tambm, a partir de Flash, a teoria de
universos paralelos, que permitia a reunio de seus diversos heris em uma
nica histria, levando criao da Liga da Justia, composta por Superman,
Aquaman, Batman, Mulher Maravilha, Lanterna Verde, Flash e Ajax. A
estratgia foi copiada pelo universo Marvel, permitindo a reunio dos X-Men e
14
H muitos outros heris nesse perodo, como a Mulher maravilha, o Capito Marvel, o Fantasma, entre outros.
-
30
do Quarteto Fantstico, por exemplo. Outra inovao trazida pelo editor da DC,
Julius Shwartz, na revista da Liga da justia, foi a criao de uma sesso de
cartas para incentivar o feedback e discusso do e entre o pblico leitor.
Carvalho complementa essa informao dizendo que:
Os leitores deixavam claro que estavam buscando algo perene, colecionvel. Para eles, as HQ no eram uma mdia descartvel. Schwartz comeou a publicar os endereos dos leitores tambm, permitindo assim que muitos se conhecessem. Isso acabou sendo a base para o movimento que consagraria de vez as HQ na Amrica e, logo, no mundo todo. Alm de muitas vezes revelar novos artistas. Em 1962, a premiao Alley Awards criou a categoria Melhor Editor, vencida por Julius Schwartz. (CARVALHO, 2007: p.66)
Na mesma linha de Flash, o Homem Aranha, criado por Stan Lee
tambm revelava um heri distinto. Peter Parker era um garoto rfo, criado
pelos tios em um subrbio de Nova Iorque, franzino e vulnervel, cheio de
inseguranas e fraquezas, at ser mordido por uma aranha radioativa e tornar-
se o Spiderman (figura 9). Com ele, a sensao era de que qualquer jovem
leitor poderia ser um super heri, o que gerou imensa empatia entre os
consumidores de HQ.
Figura 9. Peter Parker sendo mordido pela aranha e ao lado, j como Spiderman Fonte: http://cdn.smosh.com
Juntamente com esse heris humanizados, o perodo, segundo os
IANNONE (1994: p.47) foi de um retorno fantasia e ao lirismo. Tambm
trouxe, com a tenso e angstia despertadas pela guerra fria, o enfrentamento
de temas polticos e sociais, assim como a discusso de valores. Tratava-se do
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reposicionamento da corrente intelectual mencionada acima. As principais HQs
que assumiram essa abordagem foram Peanuts, que popularizou os
personagens Snoopy e Charlie Brown, criao do norteamericano Charles
Schultz, em 195015; O Recruta Zero, do tambm americano Mort Walker, em
1950 e Mafalda, do argentino Quino, em 1964. Em todas elas, mas sobretudo
em Mafalda, a mensagem transmitida a partir do texto ganhava destaque.
Figura 10. Mafalda, representante da era de prata dos quadrinhos Fonte: http://clubemafalda.blogspot.com
Ainda nessa poca, Braga nos destaca o aparecimento dos
chamados quadrinhos underground, a maior parte deles independete, que
comeavam a se expandir para outro segmento da sociedade, no alcanado
pelo sucesso mainstream dos super-heris:
Considerados por muitos como um gnero a parte por causa das diferenas, tanto artsticas quanto de vendas, em relao aos quadrinhos populares, os comix, como eram chamados, refletiam com humor e filosofia as incertezas de uma sociedade ameaada pela Guerra Fria. Para ficar com alguns nomes, temos os quadrinhos autobiogrficos de Art Spiegelman, chamados de Maus, e a revista Zap Comix. No Brasil, O Pasquim o representante maior da contracultura (BRAGA, 2011: p.24).
Para a maioria dos estudiosos (CARVALHO, BRAGA, IANNONE,
etc), com a dcada de 1970 surge um novo perodo, marcado pela
contaminao do mundo dos heris mainstream pelo j consolidado
underground, conhecida por alguns como Era de Bronze. De acordo com
Braga:
15
Moya (1970) chega a dizer que Schulz seria o Freud dos quadrinhos, pois Charlie Brown a sntese de todos os complexos de todos os homens, adquiridos na infncia.
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32
Esse fato faz com que surjam histrias mais maduras, levando o que antes era entretenimento caracterizado para os jovens para um pblico mais adulto. Os comics passaram a se parecer mais com as graphic novels idealizadas por Eisner, que, embora j existissem, eram pouco utilizadas. (BRAGA, 2011: p.25)
A influncia tambm se dava nos temas enfrentados, muito mais
filosficos e psicolgicos, passando pelo enfrentamento de problemas de
ordem tica e moral, tornando as histrias mais densas e sombrias e levando
a um amadurecimento dos super-heris (BRAGA, 2011: p.26). Exemplo disso
o ressurgimento de Batman em O Cavaleiro das Trevas e a publicao de
Watchmen.
Um dos recursos underground explorados por Frank Miller foi a
utilizao de escalas de cinza16, ambientando os acontecimentos de uma forma
tensa e sombria numa atmosfera que lembra o Noir, denominao aplicada ao
suspenses/policiais franceses que traziam um mundo cnico e antiptico
(BLOCK, 2001). Explorando a tcnica de impresso europia, pouqussimo
utilizada nos EUA, Frank deu a liberdade para os artistas utilizarem degrads e
uma paleta maior de cores, possibilitando um maior detalhamento e
refinamento nas pinturas do que aquele obtido at ento, como possvel ver
nas imagens abaixo (figura 11).
Figura 11. O Cavaleiro das trevas na Era de bronze Fonte: http:// www.comicvine.com
16
Provavelmente influenciado pela sofistica utilizao da tcnica de luz e sombra explorada por Will Eisner.
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A primeira imagem reflexo de um perodo em que a colorizao
dos Comic books no era um problema. Nas palavras de Thompson nos
ltimos 50 anos, foi basicamente uma questo de faa-o vermelho, ento
saberemos que ele a Tocha Humana (THOMPSON, 1945)17. A entrada de
desenhistas vindos de outros campos ajudou nessa evoluo grfica, uma das
maiores sofridas pelos quadrinhos ao longo do sculo XX. Trabalhos como o
de Jim Steranko e Neil Adams, trouxeram uma nova perspectiva para o
desenho nos quadrinhos, diferenciando-os do trao de seus fundadores:
Steranko trouxe os movimentos de arte para suas revistas, introduzindo conceitos da pop art, op art e surrealismo em suas capas e pginas. Adams introduziu solues e tcnicas que tornaram o visual dos quadrinhos mais realista e dramtico, com sombras e figuras humanas prximas ilustrao clssica. (TROULA, 2008: p.15)
O citado Adams era publicitrio e, nas palavras de Troula
acostumado com uma gama de cores muito maior que a dos quadrinhos da
poca, forando o desenvolvimento do processo de impresso nos
quadrinhos, elevando para 124 a quantidade de cores disponveis para
impresso nas tabelas das editoras. Entretanto, apenas 10 anos mais tarde a
mudana grfica foi realmente significativa, com a introduo do computador
na separao de cores e na prpria colorizao digital das pginas,
amplamente adotada na dcada de 199018.
Essas mudanas (na utilizao de cores e incorporao da arte
clssica aos quadrinhos) pode ser constatada nas ilustraes de George Pratt,
ilustrador de Wolverine: Netsuke, renomado ilustrador estado unidense,
vencedor, em 2003, do prmio Eisner de best painter/multimedia artist por seu
trabalho na obra citada (figura 12)
17
Traduo livre do autor. 18
Hoje grande parte dos quadrinhos so coloridos digitalmente atravs de softwares especficos como o Adobe Photoshop, nesse sentido, percebemos como o avano tecnolgico de componentes como computadores, tablets, scanners e impressoras, trouxeram a evoluo dessa e de outras mdias.
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Figura 12. Wolverine de Pratt Fonte: http://www.fanboyplanet.com
Alm da repaginao dos antigos heris e do surgimento de novos,
como Watchmen19, a dcada de 1970 foi marcada pela publicao de A
Contract with God and other tenement histories, de Will Eisner, que desejava
enfrentar temas de maior importncia, dotados de um exame intelectual mais
srio, alm de um trabalho artstico de boa qualidade (EISNER, 1999: p.5).
Essa foi considerada a primeira apario do modelo proposto pelo
prprio autor como Graphic Novel, que consistia, nas palavras de Weiner
(2003: p.18) em quadrinhos que se levam a srio20, voltados a um pblico
adulto que no deseja ser relacionado leitura despretensiosa do gibi ou ao
mero entretenimento das tiras de quadrinhos.
No s o assunto era novo para os leitores de quadrinhos, a apresentao tambm foi nova. Ao invs de povoar as pginas com painis detalhando movimentos dos personagens, os desenhos eram grandes com foco na expresso facial, e os painis abriram-se quase alm da pgina (WEINER, 2003: p.20).
As afirmaes de Weiner podem ser observadas na figura abaixo:
19
Considerado um marco importante, introduziu abordagens e linguagens antes ligadas apenas aos quadrinhos ditos alternativos, alm de lidar com temtica de orientao mais madura e menos superficial, quando comparada s HQs comerciais publicadas nos EUA, diz-se que, juntamente, com o Cavaleiros das Trevas e Maus, Watchmen foi um dos responsveis por despertas um interesse do pblico adulto para um formato at ento considerado infanto-juvenil. (ONLINE, WIKIPEDIA) 20
A concepo de Weiner parece reforar o preconceito de que as HQs seriam leituras de segunda classe.
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Figura 13. Fragmentos da primeira graphic novel Fonte: http://www.willeisner.com
A apario das novelas grficas marca, para os apreciadores de
quadrinhos, o fim da Era de Bronze e o incio da Era Moderna ou de Ferro.
As novelas grficas passaram a ser vendidas em livrarias, j que
estavam associadas ao fetiche do livro e a um pblico considerado culto
(GARCIA, 2012: p.12). A difuso dessas caractersticas como tpicas da
Graphic novel vm, no entanto, sendo contestada por diversos autores. O mais
contundente deles talvez seja o renomado ilustrador Eddie Campbell, autor do
Graphic novel manifest. Nele, denuncia a diferenciao de categorias iniciada
pelo uso do termo Graphic Novel como prejuzo ao prprio estudo das histrias
em quadrinhos, j que alm de criar a estigmatizao entre pblico culto e
inculto, incentivaria uma avaliao apriorstica da qualidade dos quadrinhos,
quando, em sua opinio:
Se a novela grfica um movimento, isso significa que ela representa uma tradio distinta da do comic book e no que cada novela grfica seja melhor que cada comic book: uma novela grfica mal feita muito menos interessante do que um bom comic book. (CAMPBELL, 2006: p.15)
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A discusso no parece ter afetado, porm, a propagao do uso do
termo e do surgimento, depois da obra de Will Eisner, de muitas outras novelas
grficas no cenrio dos quadrinhos, dentre as quais Sandman, entre outras de
Neil Gaiman, V de Vingaa, entre outras de Alan Moore, WE3, de Grant
Morrison, etc. De comum entre essas publicaes est o enfrentamento de
temas filosficos, a densidade do enredo e o experimentalismo grfico,
caractersticas que parecem definir as novelas grficas.
A despeito da disputa em torno dessa nova concepo dos HQs, o
consenso possvel parece ser o de que:
O grande salto que a histria em quadrinhos, como meio de expresso, deu nesses ltimos anos, no foi produzido apenas no campo da linguagem, mas tambm no da ambio expressiva, na vontade de abarcar objetivos narrativos mais profundos e mais complexos. (CALVES apud GARCIA, 2012: p.42)
Esse nos parece ser o caso de Asterios Polyp, novela grfica que
ser anlisada na segunda parte dessa monografia.
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Parte II Um estudo da novela grfica
Asterious Polyp
A segunda parte deste trabalho prope-se, depois de apresentar
alguns conceitos e elementos fundamentais para uma leitura mais integrada e
complexa da arte sequencial, a anlisar especificamente a novela grfica
Asterious Polyp. A respeito dessa obra, pode-se dizer que foi escolhida por seu
experimentalismo em vrios nveis e a consagrao obtida junto ao seu pblico
leitor. Sobre a anlise proposta, importante dizer que no se tem, com ela,
pretenses de limitar as vises e interpretaes possveis diante dessa (e de
qualquer outra) obra. Entendemos que a subjetividade do leitor tem papel
fundamental nesse sentido e o que nos limitamos a fazer buscar no estudo
semitico e na Teoria dos Quadrinhos, algumas pistas para a leitura de
Asterious.
A semitica como mtodo
Antes de comearmos especificamente a anlise de Asterios Polyp,
importante travar algumas breves discusses sobre os modos de ler a arte
sequencial. Compreende-se, aqui, a leitura, com sentido mais amplo que o
cumumente aplicado ao termo, ligado decodificao da palavra escrita.
Adotamos a perspectiva sugerida por Eisner para a leitura da arte sequencial,
que passa pela decodificao, entre outros elementos, de palavra e imagem:
A configurao geral da revista em quadrinhos apresenta uma sobreposio de palavra e imagem, e, assim, preciso que o leitor exera as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regncias da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regencias da literatura (por exemplo, gramtica, enredo, sintaxe) superpem-se mutuamente. A leitura da revista em quadrinhos [assim] um ato de percepo esttica e de esforo intelectual. (EISNER, 1999: p.8)
Essa mesma perspectiva integrada aparece na proposta da teoria
semitica francesa de Greimas, que se desdobra em semitica plstica e
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38
semiotica visual, e compreende que qualquer tipo de texto, seja ele verbal ou
no-verbal, formado por um plano de contedo e um plano de expresso.
No plano de contedo, temos as estruturas da significao
organizadas em um percurso gerativo de sentido, enquanto o plano de
expresso, na pintura, por exemplo, inclui a cor, a espacialidade, a luz e a
forma (GREIMAS, 1984). O procedimento de anlise semitico deveria, ento,
tomar como base trs pressupostos: de que o texto formado por um plano de
contedo e por um plano de expresso; de que o texto dotado de
narratividade; e de que sua estrutura pode ser apreendida por meio de um
percurso formado por trs nveis, com grau progressivo de complexidade:
superficial (cone palavras, frases); Intermedirio (figuras); estruturas
profundas (traos no figurativos).
Especificamente sobre a Semitica Plstica, a obra de Eric
Landowski, discpulo de Greimas, prope, como dimenses leitura pictrica: a
dimenso cromtica (que diz respeito cor, tonalidades, graus de saturao,
rtmo, gesto, espessura); a eidtica (que se refere forma, reto, curvo,
diferentes tipos de simetria, perspectiva); a matrica (que diz respeito
materialidade do significante) e a topolgica (que diz respeito distribuio das
formas no espao: alto, baixo, direo, formato).
Esse entendimento de que um texto formado pela unio de um
plano de contedo e um plano de expresso, remete lingstica estrutural de
Louis Hjelmslev (1899-1965). Para este, haveria, na linguagem, um liame
indissocivel entre contedo e expresso, de tal modo que uma ruptura artificial
entre essas funes seria impossvel: uma expresso no expresso seno
porque ela expresso de um contedo, e um contedo no contedo seno
porque contedo de uma expresso (HJELMSLEV apud MORATO, 2008,
p.27).
Na semitica, segundo Hernandes (2005: p.228) o plano de
expresso o lugar de trabalho das diferentes linguagens que vo, no mnimo,
carregar os sentidos do plano de contedo. Assim, em outras palavras, o
plano de contedo trataria daquilo que o texto diz, enquanto o plano de
expresso se referiria ao como e/ou por meio de que cdigo (verbal, icnico,
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gestual) so expressos os signos que compem o contedo texto. Assim, por
exemplo, ao analisarmos uma obra de arte como A persistncia da Memoria
de Salvador Dali, ao identificarmos os relgios, saberemos que o contedo do
texto o tempo. Entretanto, ao atentarmos para o modo como os relgios sao
representados derretidos, em cores suaves e etreas, contrastando com a
escurido do abismo diante do qual se encontam, a interpretao que fazemos
se d no campo da expresso. a fuso desses dois nveis que permite uma
leitura abragente do texto.
Acreditamos que esse mtodo proposto pela semitica21 o mais
apropriado leitura da arte sequencial, j que, comprendemos, concebida de
tal modo que nenhum de seus elementos (texto e imagem) pode ser
desprezado ou privilegiado.
Apresentaes iniciais
Asterios Polyp a novela grfica que leva o artista americano David
Mazzucchelli aos holofotes, concedendo-lhe uma srie de prmios e
homenagens, entre elas o prmio Eisner, mecionado na primeira parte desse
trabalho. A obra, lanada em 2009, vem sendo considerada uma obra prima
dos quadrinhos por diversos especialistas (XERXENESKY, SIECZKOWSKI,
WOLK, etc) e h motivos para isso.
O enredo da novela conta, de forma no linear, a histria de um
arquiteto e professor de meia idade, o racional e vaidoso Asterios, em sua
jornada pessoal, que envolve reconhecimento acadmico, status e relaes
superficiais e egocntricas, at seu encontro com Hana, uma pintora
despretenciosa e emocional, que, ao abandon-lo, lana-o em uma autoanlise
que culminar em uma longa viagem pelo interior dos EUA. A jornada que
comea a lembra a alguns analistas a prpria viagem de Ulisses em A
Odissia (SIECZKOWSKI e XERXENESKY). As semelhanas apontadas so
vrias: A universidade em que Polyp leciona Ithaca, mesmo nome da ilha
21
Lembramos que ha dissonancia entre os autores. Enquanto Hjelmslev propoe um caminho mais didatico e sistematico para a leitura, Greimas vai por um caminho mais aberto, livre e intuitivo.
-
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grega onde Ulisses era rei; Asterios, por sua vez, um nome de origem grega,
e remete ao antigo rei de Creta, Asterion; A viagem de Polyp at seu encontro
com Hana, quando desce (em sonho ou devaneio) ao inferno e passa por
inmeras provaes, lembram a saga do prprio Ulisses, at seu reencontro
com sua amada Penlope.
A despeito dessas comparaes, Asterios Polyp uma novela que
tem seu valor prprio e sustenta-se por si. Desde j, destacam-se suas vrias
camadas interpretativas, que funcionam sozinhas, mas que, em conjunto
aumentam seu valor. Essas camadas, que formam e articulam a produo de
sentido, fazem-no por meio das cores empregadas, os jogos de luz e sombra,
as formas geomtricas, os traos, o enquadramento, os bales e a tipografia,
que vo compondo a apresentao da personalidade e das emoes dos
personagens e auxiliando o autor a desenrolar essa trama.
O que nos dizem os signos de Mazzucchelli
Comearemos pelo modo como o (anti) heri dessa trama
apresentado. Logo no incio, Mazzucchelli nos informa que o personagem
principal um professor de arquitetura, que apesar do sucesso acadmico,
jamais teve algum de seus projetos construdos. Desde pequeno, suas
aptides so a matemtica e a lgica e, com o tempo, o gosto pela simetria, o
equilbrio e a perfeio nas formas passam a reger suas escolhas e sua
maneira de viver e pensar.
Figura 14. Asterios Polyp Fonte: Mazzucchelli, 2011
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Esse extremo de carter racional, lgico e comedido encontrar seu
oposto logo nas primeiras pginas, quando conhecemos o narrador da histria,
o irmo gmeo de Asterios, que morreu no nascimento. Esse personagem tem
sua presena retratada por um contorno pontilhado, indicando que, apesar de
sua morte, segue como uma espcie de duplo do personagem principal, seu
oposto complementar, o que fica evidente na figura abaixo:
Figura 15. Asterios e a silhueta que o acompanha Fonte: Mazzucchelli, 2011.
Essa relao de complementariedade entre os opostos
apresentada por Mazzucchelli logo na primeira meno ao gmeo, Ignazio,
que, como nos mostram os quadrinhos abaixo, forma com Asterios o que
parece ser o smbolo taosta do Yin Yang, representando a dualidade presente
em tudo, a partir de duas foras fundamentais, opostas e complementares.
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Figura 16. Asterios e Ignazio, seu gmeo morto Fonte: Mazzuchelli, 2011
No ser essa a nica vez em que a obra se vale de uma viso
dualstica dos personagens e do mundo. A parece estar uma das inovaes de
Asterios: essa percepo da dualidade no se apresenta apenas para o leitor
familiarizado com ela. O prprio Asterios vai apresentando, ao longo da novela,
os fundamentos dessa viso, que defende como sua viso de mundo. H,
portanto, na prpria obra, instrues e pistas sobre um modo de compreend-
la, quase uma metanarrativa, no sentido de que, nesses momentos, a obra
parece voltar-se sobre si mesma, conferindo-lhe significado, como vemos nas
imagens seguintes.
Figura 17. Asterios e sua viso dual do mundo. Fonte: Mazzucchelli, 2011
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Figura 18. Asterios e sua viso dual do mundo22
Fonte: Mazzucchelli, 2011
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Figura 19. Exemplificando sua teoria Fonte: Mazzucchelli, 2011
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Como percebemos, a teoria da dualidade, fundamental para a
compreenso do livro, apresentada no somente com o texto verbal (plano
do contedo na Semitica Greimasiana), mas tambm no plano da expresso,
por meio da utilizao de cores opostas do espectro cromtico. Ao admitir a
variedade de possibilidades que se localizam entre os extremos, faz isso por
meio de um degrad, indo do branco ao roxo (cor mais escura utilizada na
obra). Tudo isso feito em grandes planos abertos, como se penetrssemos
em uma outra esfera, onde Asterios sai do quadrinho (que o prende ao enredo)
para nos dar pistas de sua prpria histria.
Eisner (1999: p.38) nos informa que o quadrinho captura e
encapsula os eventos no fluxo da narrativa. Servem, portanto, para expressar a
passagem do tempo: O enquadramento de imagens que se movem atravs do
espao realiza a conteno de pensamentos, aes, lugar ou locao. Assim,
ao sair do quadrinho nessas passagens metanarrativas, como se Asterios
sasse do tempo e do lugar da histria.
Isso voltar a acontecer de maneira determinante para a apreenso
dos sentidos do texto, quando Asterios reflete, ainda no incio da novela, sobre
o modo como a realidade constituda, perguntando-se: e se a realidade
como a percebemos fosse uma mera extenso do self?
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Figura 20. A realidade como extenso do self Fonte: Mazzucchelli, 2011
Na figura esquerda vemos que a idia de que a subjetividade do
indivduo se projeta na maneira como ele percebe o mundo expressa por
meio de diferentes traos e contornos que do indcios de sua personalidade.
Enquanto alguns so mais angulosos, outros so mais arredondados, enquanto
alguns so mais bem definidos, outros beiram o rascunho. Acontece o mesmo
com as cores: algumas mais esmaecidas e outras mais intensas.
Na pgina da direita, por sua vez, vemos a aplicao dessa
concepo Asterios, representado quase como um prottipo, constitudo por
formas geomtricas simples. A representao estende-se a seus alunos,
alguns similares a ele, indicando identificao, enquanto outros so
representados em seus prprios traos, indicando diferena e singularidade.
Esta, nos parece, a viso que o prprio Asterios projeta sobre a turma,
classificando-a a partir de sua identificao ou diferena em realao a si. Isso
tudo expresso sem que seja necessria verbalizao. A imagem contm as
informaes necessrias para o entendimento da situao.
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Esse um recurso intensamente explorado pelo autor para a
expresso da subjetividade dos personagens. Sua personalidade ser
informada por cores, traos, formas, e at mesmo pela tipografia que marca
sua fala nos bales. Vemos assim como Mazzucchelli faz uso desse, que um
dos elementos mais caractersticos das HQs, utilizados comumente para
indicar a fala ou pensamento dos personagens (EISNER, 1999: p.32): os
bales.
Os recursos disponveis ao ilustrador a partir do uso dos bales so
apresentados pelos Iannone (2002) como diversos e mltiplos: o balo
tracejado indica sussurro, o balo-grito geralmente possui contorno irregular, o
balo vazio indica silncio. O uso que Mazzucchelli faz dos bales ainda mais
refinado. Na figura abaixo vemos como o balo arredondado da personagem e
o quadrado de Asterios se sobrepe, indicando concordncia entre diferentes.
Figura 21. A utilizao de bales em Asterios Polyp Fonte: Mazzuchelli, 2011
O tamanho da letra utilizada dentro do balo tambm serve para
indicar tom de voz mais alto ou mais baixo. Eisner fala, mesmo, em utilizar o
negrito para reforar a importncia do contedo dos bales. Entretanto, a
variao tipogrfica associada personalidade dos personagens no nos
parece um recurso que tenha sido explorado em outras obras da mesma
maneira que em Polyp.
David Mazzucchelli abusa desse recurso para compr seus
personagens, permitindo que j em sua primeira apario tenhamos pistas
sobre sua individualidade. Isso fica ainda mais evidente nos quadrinhos abaixo:
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Figura 22. Personalidades e fontes retratadas Fonte: Mazzucchelli, 2011
Figura 23. Diferentes tipografias empregadas para diferentes personagens Fonte: Mazzucchelli, 2011
Conseguimos observar pelos quadros de baixo, o modo como a
tipografia cursiva, mais arredondada e delicada utilizada para marcar um
carter mais emotivo, feminino e humano, em contraponto caligrafia mais
clssica e rebuscada, lembrando as inscries gregas, evidencia um
personagem mais refinado e convervador, talvez distante e arrogante. No
toa que este personagem o pai de Asterios, de quem pode ter herdado tais
caractersticas.
Os recursos semiticos at agora mencionados para a composio
da trama e seus personagens chegam ao pice no momento em que o
protagonista encontra Hana, artista de origem oriental, cuja personalidade doce
e passional ope-se frieza e egocentrismo de Polyp. Mais uma vez o autor
refora os traos de carter do personagem principal a partir do contraste com
aqueles que podemos compreender como seus duplos, opostos e
complementares a ele: seu irmo natimorto e sua esposa Hana. Essa relao
fica evidente nas tiras que marcam o encontro entre ambos, reproduzido
abaixo:
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Figura 24. Encontro de Asterios e Hana Fonte: Mazzucchelli, 2011
A partir desses quadros, percebemos que o autor se vale do uso das
cores, traos, sombras e luz, para transmitir aspectos de cada personagem.
Enquanto Polyp aparece nos traos geomtricos j comentados, e
representado pela cor ciano, que lhe confere um aspecto frio e voltado para si.
Hana ganha traos arredondados e delicados em magenta, dando a entender
que se trata de algum mais afetivo e emocional. Arnheim (1998) nos diz que a
cor azul passa a idia de intelectualidade, enquanto o magenta indica valor e
dignidade. Farina (1982: p.18) acrescenta que enquanto o azul remete
montanhas longnquas, frio, gelo, profundidade, o magenta inspira fantasia,
calma, delicadeza e espiritualidade.
Sobre a importncia do uso da cor na leitura do texto grfico, Dondis
(apud Sieczkowski, 2012: p.56) nos diz que a cor est impregnada de
informao e uma das mais penetrantes experincias visuais que temos
todos em comum. As cores, assim, estariam repletas de significados
simblicos, entendimento presente em abundncia na obra de Mazzucchelli.
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Nota-se, tambm, que a tcnica ilustrativa utilizada pelo autor sugere
que os contornos rgidos e vazios de Asterios, que podem indicar uma vida
afetiva pobre, vazia de sentimentos e emoes, sero gradativamente
preenchidos pelo jogo de luz e sombra usado na representao de Hana nesse
primeiro encontro, dando a impresso de que se trata de um arsenal de
emoes, paixo e calor que compem uma rica vida interior. No ltimo
quadrinho, temos a simbiose perfeita entre os dois traos, sugerindo um
entendimento mtuo e empatia.
A mesma tcnica empregada nas cenas de briga e
desentendimento entre o casal, quando a simbiose dos traos d lugar sua
fragmentao inicial, quando parecem retornar, cada um, ao seu prprio
universo individual e as diferenas deixam claro o isolamento em que buscam
refgio. Evidencia-se a, a tenso entre um rigor formalista versus a sutileza
sentimental (WOLK, 2009).
Figura 25. Cena de desentendimento entre Hana e Polyp. Fonte: Mazzucchelli, 2011
Em contraponto s cenas de desentendimento, sempre
representadas a partir das tcnicas recm mencionadas, as cenas de perfeito
entedimento e harmonia tornam a utilizar o smbolo do Yin Yang mencionado
ao apresentarmos o irmo duplo de Polyp.
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Figura 26. Quadrinho de harmonia entre o casal Fonte: Mazzucchelli, 2011
Essa imagem tambm contrape-se s representaes do modo
como Asterios se relacionava com outras mulheres antes de Hana, onde as
diferenas no chegam a se tornar polos complementares, e o que se
sobressai a oposio, que distancia e isola cada personagem em seu mundo.
Isso no vem tona somente a partir do contedo verbal que se pode ler nos
quadrinhos, mas sobretudo na representao smblica contida na imagem,
que no lugar do Yin Yang, que representa a harmonia com Hana, resume-se a
metades opostas e incompletas.
Figura 27. Outras relaes de Asterios marcadas pela distncia entre os componentes
Fonte: Mazzucchelli, 2011
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Outro exemplo importante do modo como David Mazzucchelli utiliza
as cores para narrar a obra a aplicao de cores para simbolizar perodos
distintos ou mesmo sonhos e devaneios, ajudando o leitor a situar-se no tempo
fragmentado que rege a trama.
Figura 28. Diferentes momentos evidenciados pelo uso das cores Fonte: Mazzucchelli, 2011
Nas pginas acima se tm, respectivamente, o primeiro quadro
designando o tempo em que inicialmente Asterios esteve casado com Hana,
marcado pelo uso de ciano e magenta; o segundo quadro indicando o perodo
em que ele (j separado de Hana e aps de um incndio que consome seu
apartamento) decide desistir de sua carreira e lanar-se em uma jornada pelo
interior dos EUA, conseguindo trabalho e pouso na casa de um borracheiro e
uma tarloga, colorido em roxo e amarelo; e o terceiro quadro representando a
ltima parte da novela grfica, quando finalmente reecontra Hana depois de
uma longa reforma interior, onde cores que at ento no se faziam presentes
so aplicadas aos quadros, ampliando a paleta de cores restrita ao CMYK23.
O uso do magenta e ciano j foi explicado e refere-se ao encontro
entra Polyp e Hana, um encontro tambm entre cores complementares. O roxo
e o amarelo, predominantes na jornada do protagonista passam a sensao,
de acordo com Farina (1982, p.28), respectivamente, de profundidade e
misticismo e esperana e espectativa. Por fim, a incorporao sobretudo do
23
Ciano, magenta, amarelo e preto.
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verde, indicaria serenidade e descanso. Todas essas interpretaes
correspondem perfeitamente ao estado de esprito dos personagens nos
perodo acima citados.
Outro emprego das cores como elemento grfico na ambientao de
cenrios onricos e etreos - localizados fora do tempo e espao onde esto os
personagens - se percebe nas passagens sombrias e msticas vividas por
Asterios em sua jornada odissica. Essas passagens so retratadas sobretudo
em amarelo, quando so vividas em sonhos e apenas em roxo, em devaneios
intertextuais do autor.
Figura 29. Sonho e delrio de Polyp Fonte: Mazzucchelli, 2011
Na figura da esquerda, o uso do amarelo encontra sentido no estudo
feito por Kandinsky (1990, p.93) para quem essa cor tem uma intensidade
incmoda, que remete loucura a ponto de atormentar o homem, espica-
lo, impor-se a ele como uma coero, importun-lo com uma espcie de
insolncia insuportvel. Essas sensaes fazem sentido quando aplicadas aos
sonhos bastante simblicos de Asterios.
Na figura da direita, por sua vez, alm da fantasia contida no uso da
cor roxa, o autor emprega de forma marcante o contraste de pouca luz e muita
sombra, criando um ambiente de suspense e tenso. Isso cria o ambiente
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perfeito para o delrio intertextual de Mazzucchelli, quando a jornada de
Asterios se funde na jornada de Ulisses, em A odissia. A descida de Astrios
ao inferno de Hades, por onde tambm passou Ulisses representada
unicamente por imagens ao longo de vinte pginas. O recurso usado pelo
autor, ao abrir mo da linguagem verbal, pressupe que o leitor tambm tenha
a saga de Ulisses em seu repertrio. Entretanto, funciona mesmo quando essa
conexo no feita, e resta o mero delirio.
Esse um dos mritos de David Mazzucchelli. Apesar de Asterios
Polyp ser uma graphic novel com vrias camadas de interpretao, funciona
mesmo para o leitor que embarca nela sem referncias mais profundas. Isso
pode ser resultado do modo como Mazzucchelli se utiliza dos elementos
grficos disponveis, e ainda, como oferece ao leitor instrues dentro de seu
prprio texto. Para finalizar nossa anlise, um ltimo exemplo de como isso
utilizado no objeto de estudo nos parece interessante.
Quando os demais personagens da graphic novel Asterios Polyp
esto consolidados e a trama j se encaminha para seu final, o autor faz
novamente o uso da metanarrativa para evidenciar aquilo que pode ser tanto
uma mudana de mentalidade de Polyp, quanto seu reposicionamento na
prpria novela: de astro maior e absoluto em torno do qual a trama e todos os
outros personagem giravam mais um personagem componente da histria.
Figura 30. Asterios, de Deus a um personagem como outro qualquer Fonte: Mazzucchelli, 2011
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Esta mais uma das evidncias de que essa histria oferece aos
leitores os caminhos para sua prpria compreenso, ainda que no sejam
especialistas ou intelectuais. Como a prpria Hana menciona em algum
momento da trama, s uma questo de ficar atento.
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CONCLUSES
A pergunta ttulo dessa monografia foi Quem leva a srio as
Histrias em Quadrinhos?. Ela referia-se ao modo pejorativo com que essa
mdia ainda hoje tratada pelos defensores da segmentao entre alta e baixa
cultura. Entretanto, como procuramos demonstrar ao longo do trabalho, nesses
mais de dois sculos desde a publicao das primeiras tiras, a arte sequencial
modificou-se em inmeros aspectos: desde as tcnicas utilizadas para sua
colorao e impresso, passando por seu formato, a gama de assuntos
explorados, at sua consolidao como mdia. Esse percurso, no entanto, s
foi reconhecido graas uma mudana de mentalidade que tambm chegou s
cincias sociais, tornando seus pensadores mais abertos contracultura e a
arte de resistncia, como costumam entender os quadrinhos.
Essas mudanas repercutiram no crescente nmero de seguidores e
na expanso de lojas especializadas, sites, blogs e espaos em mdias sociais
dedicados ao assunto, at adaptaes de histrias que tiveram sua origem nas
HQs e passaram a figurar tambm na televiso e no cinema.
Todo esse interesse e ateno despertados pelos quadrinhos no
podem mais ser ignorados pelos estudiosos e profissionais da comunicao.
Apesar deste no ser o foco de nosso trabalho, ao analisar sua histria e
evoluo percebemos como se cruzam os caminhos da publicidade e da
indstria surgida com as HQs, ambas impulsionadas pela evoluo dos
recursos grficos e tecnolgicos disposio.
Ao analisar o histrico desse meio, percebemos a importncia do
papel dos jornais que apostaram nas inovaes trazidas pelos quadrinistas,
garantindo mais espao em sua mdia para a publicao dessas tiras que logo
a frente ganhariam suas prprias revistas especializadas. Vimos ainda como a
partir dessas revistas os quadrinhos se consolidariam como mdia e atrariam
cada vez mais apreciadores.
notvel ainda a evoluo desde as primeiras comics, marcadas
por tons humorsticos e leves, em jornais dedicados ao pblico infantil at as
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complexas graphic novels e suas abordagens filosficas e polticas, que
surgiram nos ltimos 35 anos. A partir delas, conclumos: no mais possvel
deixar de levar os quadrinhos a srio.
A anlise feita da obra Asterios Polyp, de autoria do americano
David Mazzucchelli, vem apenas corroborar essa viso. Com uma abordagem
refinada, e uma temtica psicolgica e existencial, a jornada do personagem
rumo a seu crescimento interior um rico arsenal de signos que se oferecem
decodificao semitica.
Entretanto, como tambm procuramos evidenciar ao longo do
estudo, Asterios oferece suas prprias lentes para a compreenso de sua
trama. A nica exigncia que faz que texto e imagem sejam lidos de forma
conjunta e complementar. As interpretaes possveis a partir da so mltiplas
e dependem do repertrio do leitor.
Com isso, reafirmamos a inteno desse estudo: de modo algum
esgotar as possibilidades de anlise das HQs no curso de publicidade (o que,
por sinal, estamos muito longe de fazer), mas provar que a arte sequencial
merece a ateno da Universidade. Assim, nossa intencao foi contribuir para a
desmistificao da su
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