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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Fernanda da Silva Moura
Compreendendo as Determinações Sociais da Saúde a partir da
Prática Interdisciplinar na Pediatria do HU/USP
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Fernanda da Silva Moura
Compreendendo as Determinações Sociais da Saúde a partir da
Prática Interdisciplinar na Pediatria do HU/USP
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social sob a orientação da Professora Doutora Maria Lúcia Martinelli.
SÃO PAULO
2011
ERRATA
1. FOLHA 11 – LINHAS 11 e 12
ONDE SE LÊ: reinternação
LEIA-SE: internação caracterizada por determinantes sociais.
2. FOLHA 36 – LINHAS 28 e 29
ONDE SE LÊ: causas experimentadas
LEIA-SE: determinantes experimentados
3. FOLHA 63
Mudar a Figura 1 para página 64
4. FOLHA 64
Mudar o Gráfico 1 para página 63
Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
AGRADECIMENTOS e DEDICATÓRIA
A dança e o dançarino se identificam e tal aproximação entre o movimento de um e
a personalidade e técnica do outro produzem um resultado que sempre surpreende
e emociona aos que assistem.
Em minha vida pessoal e na prática profissional busco ao menos a similaridade com
a relação entre a dança e o dançarino para não perder o movimento surpreendente
e emocionante da vida. Portanto, a quem agradeço também dedico este estudo, a
cada um que fez parte das consecutivas cenas proporcionadas no campo de
trabalho e pessoal, pelas situações complexas que vivenciamos ou atuamos juntos.
Aos meus pares do HU/USP: Bernadete, Dulce, Heloísa, Izilda, Oderice, Marina,
Nancy e Thaís, a vocês, Técnicos para Apoio Administrativo, mais do que pares são
amigos.
Á equipe da enfermaria de Pediatria, que de maneira singular atuou, dançou a dança
conforme o ritmo que se apresentava, criando e recriando estratégias, significando e
(re) significando trajetórias.
Ás famílias, pois segundo Suzan Sontag: “A dança não pode existir sem um projeto,
que é a coreografia”, do mesmo modo não seria possível apreender a realidade se
não existissem as famílias, vocês me ensinaram a não representar, mas ser e
perceber por meio de todos os sentidos, a complexidade da vida.
Á querida Professora e orientadora Maria Lúcia Martinelli, que ensinou muito mais
do que uma densa teoria, mas ensinou a olhar com esperança, praticar a fé, deixar
fluir tudo o que se faz, enfim me ensinou a lutar.
Ao Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social, Professores,
Coordenadores e a Secretária Vânia, estejam certos que todos me auxiliaram a
erguer o prumo profissional.
Á agência CAPES que foi condição “sine qua non” ao meu ingresso e permanência
no Mestrado.
Ás amigas Patrícia Ataíde e Rosângela Oliveira por permanecerem comigo.
Aos todos meus amigos peruanos, em especial à assistente social Castula e ao Dr.
Jorge, que me conquistaram por sua amabilidade, cultura e resiliência reforçando o
objeto desse estudo.
Á minha família, em especial meus pais, Gerusa e Waldir por toda dedicação,
compreensão, por se alegrarem com a minha alegria e me oferecerem apoio nos
momentos difíceis.
Ao meu querido Deus por sua graça e amor incondicional.
RESUMO
MOURA, F. S. Compreendendo as Determinações Sociais da Saúde a
partir da Prática Interdisciplinar na Pediatria do HU/USP. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social). Programa de Estudos Pós Graduados em
Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2011.
A presente Dissertação de Mestrado visa apreender o processo de saúde e
doença, bem como os determinantes sociais que emergem durante a
hospitalização de crianças e adolescentes internados na Enfermaria Pediatria
do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. O estudo buscou
esclarecer questões relacionadas à saúde acolhendo o sujeito como
protagonista de sua trajetória. A outra via de estudo foi identificar se a equipe
interdisciplinar reconhece a atuação dos Determinantes Sociais da Saúde ou
se permanecem no conceito de saúde como ausência de doença. Foi utilizado
como aporte teórico o materialismo histórico e como metodologia a entrevista
reflexiva com roteiro semi-estruturado. A investigação de campo permitiu a
constatação de que a prática interdisciplinar é o que diferencia a equipe ao se
atuar junto a demandas extremamente complexas. Os familiares entrevistados
demonstraram fragilidade no entendimento das questões mais estruturais que
os acompanham no processo de adoecimento, mas se sentem seguros ao
receberem atenção dos profissionais. No desenvolvimento desse estudo foram
discutidas as peculiaridades de cada grupo, profissionais e familiares. As
reflexões geradas se fortalecem no viés do trabalho compartilhado entre as
diferentes áreas, que somam e multiplicam saberes no momento de atuação.
Em relação aos familiares existe a necessidade de maior aproximação da
realidade vivenciada, isto já acontece, porém quanto mais próximo da realidade
mais a equipe terá segurança em suas condutas.
Palavras-Chave: saúde, doença, determinantes, interdisciplinaridade.
ABSTRACT
MOURA, F. S. Understanding the Social Health Resolutions from the
practice interdisciplinary of the Pediatric from the HU/USP. Dissertation
(Masters in Social Work). Post Graduate Studies Program in Social Work,
University of São Paulo, São Paulo, 2011.
This master's thesis aims to understand the process of health and disease as
well as the social determinants that emerges during the hospitalization of
children and adolescents admitted to the Pediatrics Ward of the University
Hospital of the University of São Paulo. The study sought to clarify issues
related to the subject's health as a result of his lifestyle or routine. The other
purpose of the study was to identify the interdisciplinary team, whether to
acknowledge the work of the Social Determinants of Health, or whether they
remain within the concept of health with the absence of disease. The theoretical
and historical materialism was used as a methodology to reflexive interview with
the semi-structured. The field investigation led to the confirmation that practice
is what distinguishes interdisciplinary team to work with is extremely complex
demands. Family members interviewed demonstrated weakness in
understanding the issues that go along with the sickness, but felt reassured by
receiving attention from professionals. During this study the peculiarities of each
group, professionals, and families were discussed. The reflections generated
stronger bias in the work shared between the different areas, and multiply the
total knowledge at the time of operation. In relation to the families there is a
need for further understanding and familiarity of lifestyle. This is already
somewhat happening, but the closer proximity to reality then the greater
security the team will have in their behavior.
Keywords: health, disease, determinants, interdisciplinarity.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS:
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CID – Classificação Internacional de Doenças
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CDSS – Comissão Sobre os Determinantes Sociais da Saúde
CNDSS – Comissão Nacional Sobre os Determinantes Sociais da Saúde
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DSS – Determinantes Sociais da Saúde
GT - Grupo de Trabalho
HU/USP – Hospital Universitário da Universidade de São Paulo
LER – Lesões por Esforços Repetitivos
OMS – Organização Mundial da Saúde
PNUD – Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento
UBS – Unidade Básica de Saúde
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10
PARTE I
CAPÍTULO I - Teoria e Prática: Conhecendo o Processo de Saúde/Doença......... 12
1.1 A Trajetória se Constrói na História: o reconhecimento da relação entre as
condições sociais e de saúde.................................................................................. 13
1.2 Pensando e repensando a Saúde e a Doença ................................................. 21
1.3 Processo Saúde/Doença .................................................................................. 24
CAPÍTULO II - A Compreensão dos Determinantes Sociais da Saúde: um novo,
porém conhecido caminho a percorrer..................................................................... 27
2.1 Os Níveis Intermediários de Saúde................................................................... 31
2.2 A Consciência do Sujeito no Processo de Saúde/Doença ................................ 36
2.2.1 Consciência Imediata e Consciência Mediata ................................................ 37
CAPÍTULO III - Os Parâmetros para Atuação dos Assistentes Sociais na Saúde e a
Interdisciplinaridade ................................................................................................. 39
3.1 Atribuições e Competências do Assistente Social na Saúde ............................ 39
3.1.2 A Interdisciplinaridade na Saúde .................................................................... 41
3.1.3 A Interdisciplinaridade e o Serviço Social na Enfermaria de Pediatria do
HU/USP: Contexto Histórico .................................................................................... 42
3.1.4 Alguns momentos da história e construção da equipe interdisciplinar do
HU/USP ................................................................................................................... 45
Alguns Caminhos Percorridos ................................................................................. 49
PARTE II
CAPÍTULO IV – Procedimentos Metodológicos ...................................................... 52
4.1 Onde e Com Quem? ......................................................................................... 53
4.2 Como (Instrumentos de Coleta de Dados) ........................................................ 54
4.3 Análise dos Dados Quantitativos ....................................................................... 67
4.4 Análise dos Dados Qualitativos ......................................................................... 71
CAPÍTULO V - As Entrevistas ................................................................................ 72
Da compreensão dos DSS no processo saúde/doença .......................................... 72
Indicadores sociais relacionados às patologias ...................................................... 75
O significado atribuído pela equipe de encontro à percepção da família ............... 76
A atuação da equipe interdisciplinar na enfermaria de Pediatria ............................ 77
Em relação à expectativa do período de internação ............................................... 82
A percepção dos pais em relação à equipe interdisciplinar .................................... 84
Quanto ao estabelecimento de vínculo com um profissional .................................. 84
Alta hospitalar: desafios e expectativas .................................................................. 84
A atuação do assistente social na equipe ............................................................... 85
Concluindo a análise das narrativas ........................................................................ 86
Considerações Finais............................................................................................... 87
Referências Bibliográficas ....................................................................................... 91
Apêndice A - Roteiro de entrevista destinada aos responsáveis pela
criança/adolescente ................................................................................................ 97
Apêndice B - Roteiro de entrevista destinada aos profissionais .............................. 98
10
INTRODUÇÃO
A trilha para chegarmos a este estudo foi formada através do contato com a
realidade do outro, família e profissional.
A estrada que nos conduziu inicialmente apresentava poucas sinalizações,
mas com o passar dos dias, ao observar bem o caminho começamos a ver as
indicações de siga em frente, vire a direita, curva sinuosa, proibido parar e então
passamos a segui-las e chegamos a alguns pontos importantes.
Há alguns anos era muito comum ouvir a expressão: “essa família é
totalmente desestruturada”, atualmente sabemos que a concepção foi transformada
bem como as famílias e suas demandas, já os serviços socioassistenciais e
principalmente de saúde adquiriram níveis de complexidade. No entanto, acontece
que diariamente lidamos com demandas cada vez mais complexas que não se
apresentam únicas e suas problemáticas, mas estão repletas de determinações e
isso faz emergir nas equipes de atendimento estratégias, técnicas e metodologias de
trabalho, que às vezes são inovações outras vezes são readaptações de algum
modelo já conhecido.
A saúde é um campo instigante e vasto em termos de experiências, pois
oferece ao profissional um amplo campo de intervenção.
A aproximação da realidade despertou um forte desejo de ir além, romper
paradigmas e tratar o outro, como sujeito e protagonista de sua trajetória. A
centralidade ocupada pelo sujeito confere a ele autonomia, poder de decisão,
segurança em meio a processos extremamente desgastantes que envolvem a saúde
e a doença.
A temática das determinações sociais na saúde vem entrando em cena
novamente, em decorrência de novos processos de saúde/doença instalados na
sociedade e vivenciados na crise contemporânea. No entanto, o objeto deste estudo
encontra-se em movimento, tem seu lugar na história por ser socialmente
determinado, está pautado em uma realidade social e está diretamente relacionado
ao sujeito deste processo e as circunstâncias geobiopsicossociais que o envolvem,
11
ou seja, são condições que permeiam toda sua vida, o nascer, o crescer, o trabalhar,
o envelhecer, enfim, o existir e tais condições podem influenciar fortemente o
engendramento de doenças.
Compreender este objeto pressupõe seu esclarecimento através de cenas do
cotidiano inter-relacionadas, pois cada história, cada trajetória é a manifestação da
totalidade e reflete o modo como este indivíduo está inserido em sua vida diária.
Procuramos seguir pela via da desconstrução do paradigma biologicista
presente no processo de saúde/doença.
Esta dissertação foi fruto de uma investigação no Hospital Universitário da
Universidade de São Paulo, especificamente na enfermaria de Pediatria por atender
uma das principais características propostas no estudo, que foi a reinternação. O
índice de reinternação nessa unidade é elevado.
A parceria estabelecida foi a mesma utilizada no trabalho diário com as
famílias e profissionais, relação de confiança, de valorização dos sujeitos e com
seriedade.
Em relação à teoria, não há nenhum estudo em profundidade no Serviço
Social a respeito dos determinantes sociais da saúde. Os achados da presente
dissertação, no primeiro capítulo são frutos da análise de materiais que mais se
assemelhavam ao objeto. Na segunda parte encontramos questões empíricas que
também proporcionaram considerações relevantes à prática.
Ao final encontramos subsídios, que fortalecem a atuação da equipe através
da interdisciplinaridade, garantindo clareza e compreensão de um objeto que tem se
configurado dia-a-dia cada vez mais complexo.
Refletir sobre as determinações sociais da doença poderá formar em alguns o
pensamento crítico, em outros poderá provocar a inovação de metodologias de
trabalho e o incentivo ao conhecimento à natureza do objeto, que é o ser social.
12
PARTE I
CAPÍTULO I
TEORIA E PRÁTICA: CONHECENDO O PROCESSO DE
SAÚDE/DOENÇA
O valor de todo o conhecimento está no seu vínculo com as nossas necessidades, aspirações e ações; de outra forma, o conhecimento torna-se um simples lastro de memória, capaz apenas - como um navio que navega com demasiado peso - de diminuir a oscilação da vida quotidiana. (V. O. Kliutchevski)
13
1.1 A Trajetória se Constrói na História: o reconhecimento da
relação entre as condições sociais e de saúde.
No decurso dos anos, a sociedade vem se movimentando de maneira a
produzir e reproduzir sua história. Ao nos reportarmos ao passado não é difícil
compreender a mudança do paradigma de saúde, que ocupou um lugar
eminentemente biologicista por décadas. A nova ordem mundial marcada pelo
Neoliberalismo e pela Globalização trouxe como conseqüências o agravamento dos
problemas sociais e o aumento da desigualdade, o que provocou a criação de
inúmeros mecanismos que visam à compreensão e a intervenção nos resultados
das diversas manifestações do capitalismo perverso, por exemplo, as comissões,
novas investigações, metodologias de estudo que vem sendo modificadas
constantemente na tentativa de apreender a realidade e como a desigualdade atinge
diversos setores da vida humana e maximiza o sofrimento social.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em seu
último Relatório Regional sobre Desenvolvimento Humano para a América Latina e
Caribe 2010 teve como título: “Atuar sobre o futuro: romper a transmissão
intergeracional da desigualdade”. Para esse levantamento foi utilizada a nova versão
do Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à desigualdade (IDH-D), no Brasil
com dados estatísticos de 2008, que propôs a utilização de novos indicadores. O
IDH tem três dimensões: o rendimento, a educação e a saúde, porém apesar de
utilizar a mesma estrutura, se valeu dos novos indicadores. Ao rendimento usou a
renda per capita no lugar do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, à educação a
taxa de alfabetização e anos de estudo das pessoas de 07 (sete) anos ou mais,
substituindo a taxa bruta de matrícula e na saúde, que é a nossa temática, a
expectativa de vida deu lugar ao acesso a água potável e a disponibilidade de
banheiro no domicílio. Esses indicadores vêm qualificar dados estatísticos, que não
14
ampliavam a compreensão das conseqüências provocadas pelas desigualdades de
modo a não permitir uma atuação eficaz sobre o futuro, objetivo do PNUD.1
O PNUD revela a desigualdade como marca mais forte da América Latina e
Caribe, além de ser vista como moralmente inaceitável, mas continuam acreditando
que a redução da desigualdade é possível.
A ONU reconhece através das Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM)
adotadas por 189 países na Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em setembro de
2000, uma recíproca dependência entre as condições sociais e de saúde da
população.
O caráter social da doença vem sendo estudado desde a constituição da
Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948, mas só ganhou visibilidade em
1974 a partir da nova perspectiva de saúde do então Ministro de Saúde do Canadá,
Marc Lalonde. O objetivo de Marc Lalonde era oferecer qualidade de vida aos
canadenses, acreditava que uma boa saúde podia aumentar o potencial para
felicidade, além de estimular a discussão de novos programas de saúde, pois
reconheceu que os serviços e programas existentes eram limitados em relação a
melhora da saúde. O relatório Lalonde sugeriu a existência de quatro grandes áreas
dentro da saúde: estilo de vida, ambiente, organização da saúde ou da assistência e
biologia humana. Em 1977 foi realizada a 30ª Assembléia Mundial de Saúde
realizada pela ONU, quando o Movimento Saúde Para Todos foi lançado. Em 1978 a
OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) realizaram a Primeira
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata no
Cazaquistão, este evento teve como resultado a elaboração de um documento que
reafirmou o significado de saúde como um direito humano, conhecido por
1 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Informe Regional sobre
Desarrollo Humano para América Latina y el Caribe 2010: Actuar sobre el futuro: romper la transmisión intergeneracional de la desigualdad. Nova York, 2010
15
Declaração de Alma-Ata, que se tornou uma das metas mais importantes para
melhorar as condições sociais de uma parcela vulnerável da sociedade.2
Faremos uma pausa para convidar a esse diálogo a pesquisadora, Dra. Dina
Czeresnia, porque ela nos conduz a uma viagem pela história, onde podemos nos
reportar ao relato de Tucídides e a obra de Boccaccio em Decameron. A nossa
atenção agora se voltará somente ao relato do historiador grego Tucídides a respeito
da história da guerra do Peloponeso, pois retratou qual foi a percepção do contágio
durante as epidemias. Esse conflito durou 27 anos – de 431 a 404 a.C. - entre
Atenas e Esparta tendo como objetivo a hegemonia grega. Vejamos o relato de
Tucídides:
Enquanto durou a peste, ninguém se queixava de outras doenças, pois se alguma se manifestava, logo evoluía para aquela. Às vezes a morte evoluía por negligência, mas de modo geral ela sobrevinha apesar de todos os cuidados. Não se encontrou remédio algum, pode-se dizer que contribuísse para o alívio de quem o tomasse – o que beneficiava um doente prejudicava outro - e nenhuma compleição foi por si mesma capaz de resistir ao mal, fosse ela forte ou fraca; ele atingiu a todos sem distinção, mesmo àqueles cercados de todos os cuidados médicos. Mas o aspecto mais terrível da doença era a apatia das pessoas atingidas por ela, pois seu espírito se rendia imediatamente ao desespero e elas se consideravam perdidas, incapazes de reagir. Havia também o problema do contágio, que ocorria através dos cuidados de uns doentes para com os outros, e os matava como a um rebanho; esta foi a causa da maior mortandade, pois se de um lado os doentes se abstinham por medo de visitar-se uns aos outros, acabavam todos perecendo por falta de cuidados, de tal forma que muitas casas ficaram vazias Por outro lado, caso se aventurassem a fazê-lo, a conseqüência era a morte. Isso aconteceu especialmente com aqueles que tiveram pretensões à bondade. Tornaram-se cruéis consigo mesmos, ao praticarem a virtude, darem assistência à casa dos amigos, onde os membros da família estavam por demais abatidos para lamentar os mortos, sucumbindo à força do desastre. (1963 apud CZERESNIA, 1997, p. 76)
3
Existe um ponto de interseção entre a história vivenciada no período da Peste
Negra durante a guerra do Peloponeso, a percepção de contágio e os determinantes
sociais na saúde hoje acrescido da reação das pessoas?
Refletindo a respeito da citação anterior, podemos pensar que na medicina a
porta de entrada para a doença é um agente microbiológico, que na época das
2 IRWIN, A.; SCALI, E. Ação Sobre os Determinantes Sociais da Saúde: aprendendo com experiências
anteriores. Genebra, 2005.
3 TUCÍDIDES. The History of The Peloponnesian War. Londres, 1963.
16
epidemias tinha como características e também conseqüências em relação aos
outros aspectos que envolvem uma pessoa, o temor, a rejeição com rompimento de
relações, inclusive as de solidariedade e até aquelas que envolviam um grau
parentesco. “O contágio relaciona a doença ao contato e ao sentido do tato”.
(CZERESNIA, 1997, p. 76).
Hoje, como mencionado anteriormente apreender, analisar, traçar metas e
estratégias em saúde é possível se voltarmos à atenção as diferentes configurações
da vida contemporânea, como o PNUD se utilizou de outros coeficientes ou
indicadores para saber como os níveis de desigualdade estavam e estão afetando o
desenvolvimento humano. Dessa maneira, poderíamos arriscar e pensar, que o
ponto de interseção entre 431 a. C. e os dias atuais está em refletir sobre o processo
de saúde/doença como algo concreto em nossa sociedade, onde o sentido do tato
provoca um isolamento e apatia não só entre pessoas comuns ou pares, mas entre
pessoas, Políticas Públicas e realidade reciprocamente. Convido o leitor a fazer uma
breve reflexão do texto citado: 431 a. C.: “Enquanto durou a peste, ninguém se
queixava de outras doenças, pois se alguma se manifestava, logo evoluía para
aquela. Às vezes a morte evoluía por negligência, mas de modo geral ela sobrevinha
apesar de todos os cuidados.” Hoje: Qual a comunidade ou quem se manifesta a
respeito da infestação de animais sinantrópicos em seu habitat? Vamos destacar
alguns desses animais: ratos, pulgas, pombos e moscas, entre outros. Os animais
sinantrópicos são aqueles que se adaptaram a viver junto ao homem, contra a sua
vontade, e causam agravos a sua saúde e à saúde de animais domésticos. Essa
reflexão vem da experiência do atendimento de vítimas de mordedura e arranhadura
de ratos e leptospirose, a mordedura e a arranhadura acometendo principalmente
crianças e a leptospirose atingindo adultos. Em muitos atendimentos os relatos
descrevem as situações de vulnerabilidade a que a população está exposta, pois há
ratos atacando os alimentos destinados ao consumo humano, à noite causa medo,
pois andam em cima dos telhados, dependendo das condições do domicílio têm
acesso as pessoas, que não têm como se protegerem. Durante o dia estão nas ruas,
não mais temendo ao homem, de um lado a outro, grandes e pequenos, correm em
busca de alimento e abrigo. Ninguém se queixa, porque o pensamento é que tudo
seguiria para um único fim, ou seja, doenças e a ausência de providências. Para
17
quem não conhece tal nível de realidade é possível que a avaliação seja
tendenciosa evoluindo ao diagnóstico da negligência, por condições de higiene
precárias, por exemplo, mas independente das condições de higiene da família e do
domicílio, a infestação dos animais sinantrópicos acontecerá. 431 a. C.: “e nenhuma
compleição foi por si mesma capaz de resistir ao mal, fosse ela forte ou fraca; ele
atingiu a todos sem distinção, mesmo àqueles cercados de todos os cuidados
médicos”. Hoje: Outra situação característica é a ausência de vagas nos Centros de
Educação Infantil (CEI), as antigas creches. Por mais imbuída que esteja a mãe de
inserir seu filho no sistema educacional, até para poder trabalhar, pois muitas
dessas famílias são chefiadas por mulheres e esse é também o critério para
matrícula das crianças, além de ter garantido essa segurança de saber que o filho
está sendo cuidado por profissionais capacitados, por mais que a motivação seja
correta, a demanda excede o número de vagas e crianças permanecem em listas de
espera por mais de um ano; tal situação toma forma durante a internação. 431 a. C.:
“Mas o aspecto mais terrível da doença era a apatia das pessoas atingidas por ela,
pois seu espírito se rendia imediatamente ao desespero e elas se consideravam
perdidas, incapazes de reagir”. Hoje: Este é o ponto crucial da reflexão. O traço
mais forte do processo de adoecimento relacionando aos Determinantes Sociais da
Saúde (DSS) também é a apatia das pessoas afetadas pelas conseqüências da
relação entre condições sociais e de saúde. Os exemplos anteriores são cenas da
vida real, em internações onde há o atendimento do assistente social, tais demandas
emergem, bem como outros da mesma natureza, também conseqüência dessa
relação. A apatia gerada durante o processo de adoecimento paralisa as pessoas,
rapta sua autonomia e converte todos os problemas como inerente à vida, não há
estranhamento, tudo permanece no mesmo lugar. A apatia é um dos critérios
avaliados pela equipe de saúde da enfermaria de Pediatria do Hospital Universitário
da Universidade de São Paulo (HU/USP) para solicitar o atendimento do assistente
social. A prática profissional revela que as pessoas estão ocupando cada vez mais o
lugar da desesperança, não acreditam mais que uma mudança de paradigmas, que
Políticas Públicas sejam capazes de reverter este quadro.
Em linhas gerais, podemos ter uma compreensão mais ampla desse
processo quando apreendemos a realidade da maneira como ela se apresenta, não
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como a idealizamos, ou seja, ver com as lentes da vida real, condições precárias de
moradia, alimentação inadequada ou insuficiente, ou ainda a ausência de acesso:
saneamento básico, emprego, educação, dentre outros. A reflexão anterior pode nos
levar a alguns elementos constitutivos do processo de adoecimento nos dias de
hoje, que não são agentes microbiológicos, mas condições sociais potenciais para
provocar um processo de adoecimento.
Retomando o ponto anterior a pausa, as conferências internacionais, o
programa Saúde para Todos tratava de criar estratégias de cuidados primários
incluindo temas como: educação, alimentação, saneamento básico, habitação,
agregando outros profissionais, investindo em capacitação técnica para estes. A
meta era atingir um nível aceitável de saúde para todos os povos até o ano 2000,
portanto há onze anos a meta deveria ter sido atingida. Esta foi a primeira
conferência a tratar a saúde de forma mais abrangente e a partir dela ocorreram
outros encontros e conferências.
Em 1986, oito anos após, ocorreu a I Conferência Internacional sobre
Promoção da Saúde em Ottawa.
A Conferência de Ottawa apresenta uma nova configuração de saúde voltada
a realidade das pessoas somada aos fatores biológicos e o documento gerado foi
uma carta de intenções. A Carta de Ottawa propõe: “A saúde é construída e vivida
pelas pessoas dentro daquilo que fazem no seu dia-a-dia: onde elas aprendem,
trabalham, divertem-se e amam”, ou seja, estabeleceu pré-requisitos para a saúde:
paz, habitação educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos
sustentáveis, justiça social e equidade, além de manter as discussões de Alma-Ata.
A declaração de Ottawa foi um documento importante à compreensão da
determinação de saúde, porém uma idealização de bem-estar, afastando algo mais
concreto previsto na conferência anterior e avançando à idéia de um mundo melhor,
onde as pessoas poderiam isoladamente controlar as circunstâncias da vida, que
eles diziam acontecer através da capacidade de tomar decisões, tendo a sociedade
o papel de oferecer condições uns aos outros para o benefício da saúde de todos,
partindo de uma sociedade global. Os pré-requisitos foram: “paz, habitação,
educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça
social e eqüidade”.
19
Em 1988, acontece a II Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde
em Adelaide, Austrália. A Conferência teve como tema políticas públicas saudáveis
voltadas a saúde e manteve a direção das Conferências de Alma-Ata e Ottawa. Por
políticas saudáveis entendemos aquelas que demonstram interesse e preocupação
por políticas públicas relacionadas à saúde e a equidade.
As discussões estabeleceram que na saúde o direito humano fundamental e o
investimento social concreto passaram a ter o mesmo valor.
O diferencial desta declaração é ter claro que todas as recomendações serão
possíveis apenas por meio de ações concretas dos governantes, avaliando e
medindo o impacto das políticas na saúde.
A Conferência identificou quatro áreas que necessitavam de ações imediatas
através de políticas públicas, são elas: apoio à saúde da mulher (igualdade de
direitos na divisão de trabalho, práticas de partos baseadas nas preferências e
necessidades das mulheres, mecanismos de apoio a mulher trabalhadora como
apoio a mulheres com crianças, licença maternidade, licença para acompanhamento
dos cuidados de filhos doentes); alimentação e nutrição; tabaco e álcool; criar
ambientes saudáveis para viver e trabalhar.
Outras conferências aconteceram como em Sandsvall, na Suécia, em 1991;
em Santafé de Bogotá; em 1992, em Jacarta, na Indonésia; em 1997, em Genebra a
Rede de Megapaíses Para a Promoção da Saúde; em 1998 e a V Conferência
Internacional sobre Promoção à Saúde, no México em 2000, lembrando que este era
o prazo do Programa Saúde para Todos. Os conteúdos desses relatórios estão
disponíveis para consulta.4
Vejamos o relatório dessa conferência:
DAS IDÉIAS ÀS AÇÕES Reunidos na Cidade do México por ocasião da Quinta Conferência Global sobre Promoção da Saúde, os ministros da Saúde que assinaram esta declaração: 1 - Reconhecem que a consecução do nível de saúde mais alto possível é um elemento positivo para o aproveitamento da vida e necessário para o desenvolvimento social, econômico e a eqüidade. 2 - Reconhecem que a promoção da saúde e do desenvolvimento social é um dever e responsabilidade central dos governos, compartilhada por todos os setores da sociedade.
4 http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/declaracoesecarta_portugues.pdf
20
3 - Estão conscientes de que, nos últimos anos, através dos esforços sustentados dos governos e sociedades em conjunto, houve uma melhoria significativa da saúde e progresso na provisão de serviços de saúde em muitos países do mundo. 4 - Constatam que, apesar desse progresso, ainda persistem muitos problemas de saúde que prejudicam o desenvolvimento social e econômico e que, portanto, devem ser urgentemente resolvidos para promover uma situação mais eqüitativa em termos de saúde e bem-estar. 5 - Estão conscientes de que, ao mesmo tempo, doenças novas e reemergentes ameaçam o progresso registrado na área da saúde. 6 - Constatam a necessidade urgente de abordar os determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde, sendo preciso fortalecer os mecanismos de colaboração para a promoção da saúde em todos os setores e níveis da sociedade. 7 - Concluem que a promoção da saúde deve ser um componente fundamental das políticas e programas públicos em todos os países na busca de eqüidade e melhor saúde para todos. 8 - Constatam as amplas indicações de que as estratégias de promoção da saúde são eficazes. Considerando o acima exposto, recomendam o seguinte: AÇÕES a - Colocar a promoção da saúde como prioridade fundamental das políticas e programas locais, regionais, nacionais e internacionais. b - Assumir um papel de liderança para assegurar a participação ativa de todos os setores e da sociedade civil na implementação das ações de promoção da saúde que fortaleçam e ampliem as parcerias na área da saúde. c - Apoiar a preparação de planos de ação nacionais para promoção da saúde se preciso utilizando a capacidade técnica da OMS e de seus parceiros nessa área. Esses planos variarão de acordo com o contexto nacional, mas seguirão uma estrutura básica estabelecida de comum acordo durante a Quinta Conferência Global sobre Promoção da Saúde, podendo incluir, entre outros: • identificação das prioridades de saúde e estabelecimento de políticas e programas públicos para implantá- las. • apoio às pesquisas que ampliem o conhecimento sobre as áreas prioritárias • mobilização de recursos financeiros e operacionais que fortaleçam a capacidade humana e institucional para o desenvolvimento, implementação, monitoramento e avaliação dos planos de ação nacionais. d - Estabelecer ou fortalecer redes nacionais e internacionais que promovam a saúde. e - Defender a idéia de que os órgãos da ONU sejam responsáveis pelo impacto em termos de saúde da sua agenda de desenvolvimento. f - Informar ao diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, para fins do relatório a ser apresentado à 107a sessão da Diretoria Executiva, o progresso registrado na execução dessas ações. (2000 apud, Coelho, 2001)
Procuramos trazer ao texto algumas considerações dos relatórios finais das
conferências que desencadearam um processo de mudança nos parâmetros de
saúde e a última conferência no México apresenta os resultados e direciona a
algumas ações para implementação da concepção contemporânea de saúde, no
21
entanto, mesmo com a contribuição das conferências o início muito se aproximou de
idealizações, com seu caráter difuso, sem aproximação da realidade de cada país.
Houve um empenho e muitas tentativas de ações intersetoriais, mas analistas
identificaram os alguns motivos que impediram a execução completa prevista nos
relatórios das conferências, um desses motivos foi o distanciamento das causas
sociais priorizando outros fatores, além da ausência de evidências e dados
quantitativos em relação às áreas que somariam a saúde para avaliação da nova
maneira de entender a saúde, à partir dos determinantes sociais.
1.2 Pensando e repensando a saúde e a doença
Saúde, alguma concepção se aproxima do concreto ou são meras
idealizações?
Existem algumas definições de saúde, que surgiram em períodos diferentes,
mas nenhuma delas conseguiu chegar ao real consenso do que é saúde. A mais
conhecida delas é a da OMS.
Em 1977 Christopher Boorse, pautado pela teoria funcionalista5, define saúde
como: “ausência de doença”. Em 1981 Leon Kass6 questionou o bem-estar mental
como parte do campo da saúde e a definiu como: “o bem funcionar de um organismo
como um todo”. Em 2001 Lennart Nordenfelt 7 definiu saúde como: “um estado físico
e mental em que é possível alcançar todas as metas vitais, dadas as circunstâncias”.
No entanto, em 1946 a OMS já havia definido saúde como: “um estado de completo
bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Em 1998 a
OMS reconhece o espiritual como parte desse bem-estar agregando-o à definição
de saúde. Quanto a esse conceito já se constatou ser inatingível, eu arriscaria dizer
inacessível a maior porcentagem da população.
5 ALMEIDA FILHO, N. Saúde como ausência de doença: crítica à teoria funcionalista de Christopher
Boorse, Rio de Janeiro, ABRASCO, 2002. p. 880.
6 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO. Rede Humaniza SUS. Definições de Saúde, 2008.
7 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO. Rede Humaniza SUS, 2008.
22
Conforme o dicionário Houaiss, saúde significa:
1 Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para a forma particular de vida (raça, gênero, espécie) e para a fase particular de seu ciclo vital. 2 estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar.
No latim saúde vem de “salutis”, que é salvar (livrar do perigo; afastar o risco);
saudar (desejar saúde).8
Em 1988 Canguilhem conceituou a saúde relacionando o pensamento filosófico
à medicina concluindo que:
A saúde é a verdade do corpo, é a qualidade dos poderes que constituem o corpo vivente. Corpo este que é ao mesmo tempo um dado (natureza biológica) e um produto. Um dado pela sua natureza biológica e genética e um produto do seu modo de vida escolhido ou imposto (SILVA, 2010, p.185)
O corpo é afetado por ações externas por todo o tempo.
A saúde não tem um mesmo significado para todos por ser parte da sua
essência os fatores culturais, sociais, físicos e religiosos. Após cada uma dessas
definições encontramos uma citação considerada pelo autor como hipótese, que
vem de encontro às diferentes maneiras de se conceber saúde:
O conceito de saúde constitui um dos pontos–cegos paradigmáticos da ciência epidemiológica, porque existem problemas que os próprios paradigmas, consubstanciados pelos agentes históricos engajados na prática institucional da ciência, não permitem “ver” ou sequer toleram que sejam vistos. (ALMEIDA FILHO, 2000, p.6)
A citação anterior retrata o motivo de tantas tentativas de definir saúde sem
uma aproximação da realidade.
8 PEREIRA, S.D. Conceitos e definições da saúde e epidemiologia usados na vigilância
sanitária. São Paulo: [s.n.], 2007, p. 4
23
Buscamos algumas definições de saúde para compreendermos a importância
da aproximação do nosso objeto de estudo. Os autores aqui apontados defendem a
hipótese de trabalhar o processo de saúde/doença na coletividade.
O que percebemos no desenvolvimento da prática profissional é que o desejo
de estar bem existe, porém independente do biológico, as pessoas estão tão
adoecidas em outros aspectos de suas vidas, que não conseguem alcançar o bem-
estar pleno, nem o parcial.
O conceito de doença também passa pelo viés ideológico; o modelo
biomédico tradicional diz que, doença é falta ou perturbação da saúde, moléstia,
mal, enfermidade. No dicionário Houaiss a palavra doença significa:
1 Alteração biológica do estado de saúde de um ser (homem, animal, etc.), manifestada por um conjunto de sintomas perceptíveis ou não; enfermidade, mal, moléstia. 2 alteração do estado de espírito ou ânimo de um ser. 3 devoção excessiva; mania; obsessão, vício.
Para Laurell (1982, p. 3): “esconde-se por trás da palavra doença, um
processo biológico que ocorre na população”.
A doença já foi sinal de desobediência do povo em tempos bíblicos, seus
conceitos já estiveram relacionados à aspectos culturais, históricos e religiosos.
Rouquayrol9 (1983 apud BORUCHOVITCH, 1991) enfatiza que:
O estado final provocador de uma doença é resultado da sinergização, de uma multiplicidade de fatores políticos, econômicos, sociais, biológicos, físicos, culturais, psicológicos e químicos.
A sensação de sentir-se bem é o mesmo que ter saúde e sentir-se mal para
muitos é o mesmo que estar doente, poucas pessoas têm uma compreensão
ampliada do que seria saúde ou doença.
9 ROQUAYROL, M., Z. Epidemiologia e saúde, Fortaleza, 1988
24
1.3 Processo Saúde/Doença
O processo de saúde/doença tem caráter social?
Sim, pois está socialmente determinado, tendo em vista os fatores externos
que aumentam a complexidade desse processo.
Um tapeceiro com seu tear conhece a complexidade de seu trabalho ao
entrelaçar fios e cores, se nos colocamos no lugar do tapeceiro para tecer a teia
desse processo encontramos, por exemplo, situações de saúde envolvidas com
condições de moradia. Este período do ano, outono e inverno, é de marcado pelas
doenças respiratórias e essa demanda já é esperada nas instituições de saúde.
Hipoteticamente temos o paciente A, dois anos, com um quadro respiratório há cinco
dias sem melhora. Esse mesmo paciente já esteve internado por 4 (quatro) vezes,
sendo duas delas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ao realizar a primeira
entrevista com um familiar desse paciente, somos informados que as condições de
moradia são precárias, sem rede de água, sem esgoto, sem coleta de lixo, um único
cômodo para a família, mãe, pai e dois filhos, sem ventilação e muita umidade, com
acúmulo de água das chuvas. Esta situação retrata o quanto fatores externos ao
biológico influenciam no processo de adoecimento e justifica o estado de saúde da
criança. Após abordagem do assistente social com a família, esse profissional
oferece acolhimento individual ao sujeito e após aciona a equipe interdisciplinar para
discutir a conduta e os devidos encaminhamentos na tentativa de fazer com que
ações intersetoriais voltem à atenção para situações como esta.
As causas do comprometimento da saúde nem sempre estão explícitas, nem
sempre estão sob domínio da consciência do sujeito deste processo, por esse
mesmo motivo quando as pessoas chegam ao serviço de saúde por
multicausalidades deve ser iniciada uma ação integral dos profissionais para tratar
os achados emergentes durante o atendimento, por exemplo, circunstâncias
familiares influenciando o quadro respiratório ou a exposição do sujeito a um ritmo
de trabalho penoso causando as Lesões por Esforços Repetitivos (LER), além de
problemas emocionais, dentre muitos outros aspectos, o que normalmente durante a
25
internação de um filho emerge, pois tal problema cria conflitos em relação ao
responsável não poder permanecer ao lado da criança, ou mesmo no adulto, quando
a ida a um serviço de saúde gera um atestado de afastamento, sabe que será
descontado em seu dia liberado por um médico ou então será demitido se não
possuir vínculo empregatício; muitas pessoas não atendem as limitações do corpo, o
que pode vir a produzir doenças crônicas, e também pode causar rompimento total
com a vida produtiva precocemente.
Considerando o homem como um ser social, não é possível analisar o
processo de saúde/doença sem contextualizá-lo em sua vivência. Não é possível
compreender a determinação de uma doença, sem observar o processo de
saúde/doença como um processo social.
A partir de uma frutífera prática social no HU/USP foi possível ampliar o foco,
ou seja, ao invés de olharmos apenas as condições biológicas apresentadas,
articulamos como um todo condições de vida, trabalho, família e outros
componentes do processo de adoecimento. Durante o atendimento médico ou de
outro membro da equipe de saúde, sempre emergem assuntos inerentes à vida,
ocorre que, se não tivermos clareza de que o processo de saúde/doença tem caráter
social, não daremos atenção aos determinantes do adoecimento e por conseqüência
não conseguiremos atingir um tratamento voltado a realidade do sujeito, o que
certamente poderá gerar reinternações.
Além de ter um caráter social, este processo tem historicidade, o que nos
remete a importância de conhecer a história trazida pelo sujeito. As famílias criam
seus perfis patológicos, e tratam como acreditam ser melhor. Exemplificando, uma
criança com diarréia pode ser tratada por sua família como uma criança com
desarranjo por ter comido algo que não tenha “caído bem”, mesmo que essa diarréia
persista e cause desidratação e emagrecimento. Em geral essa família só levará a
criança a um serviço de saúde se houver piora extrema do quadro sem melhora com
chás e outras formas de tratamento também proposto pela família, vizinhos ou
amigos. Ouvindo, acolhendo e analisando a história e as circunstâncias que os
envolvem é possível chegarmos aos determinantes do adoecimento e o tratamento
será voltado à patologia, claro, porém a preocupação da equipe não pára aí, mas vai
26
de encontro às condições concretas de vida, ou seja, existe acesso a este
tratamento, como a família irá mantê-lo, há suporte familiar e da rede pública para
seguimento e contenção da situação?
Chegamos a um dos objetivos mais expressivos do estudo. Tratar o indivíduo
ou paciente como sujeito de sua história e de seu processo de adoecimento.
Sabemos que existe um comprometimento da equipe de saúde em curar, em
tratar, mas não é possível oferecer estado de completo bem-estar físico, mental e
social. O conceito de saúde estabelecido pela OMS gera um sentimento de
impotência na equipe frente a muitos atendimentos complexos, pois as indagações
da família nos casos de seqüelas crônicas vêm em razão de levar um filho “normal”
ao hospital e sair com um filho comprometido por uma traqueostomia ou
gastrostomia, tendo anulada sua fala, a ingestão de alimentos por via oral ou outras
seqüelas provenientes das mais diversas patologias. Tanto poderemos trabalhar a
questão social relacionada ao processo vivenciado pela família em sua vida
cotidiana antes de sua chegada ao hospital, quanto poderemos trabalhar novas
questões sociais que seguirão após a alta em decorrência de seqüelas de uma
patologia. A tendência de mudança de um quadro pré estabelecido ocorre quando o
processo de saúde/doença é apreendido em sua totalidade, pela equipe inter ou
multidisciplinar. Faço menção a equipe multidisciplinar, pois a realidade dos serviços
pouco contemplam o trabalho das equipes interdisciplinares, sendo o mais comum a
multidisciplinaridade.
O desejo do profissional de saúde é cuidar, evitar ou controlar as doenças,
mas caímos em uma lacuna quando o cuidar não supre as expectativas da equipe e
da família, falta compreensão mais abrangente do que é inerente a este sujeito e
sem essa compreensão não será possível um diálogo inclusivo e acolhedor. Essa
ausência que percebemos na prática gera angústia.
Na apreensão da prática observamos que o sofrimento envolve tanto à equipe
quanto à família, desse modo lidar com o processo de saúde/doença na perspectiva
de um processo social poderia ser um dos caminhos a ser trilhado pela equipe de
saúde para compreender as determinações sociais da doença.
27
Capítulo II
A compreensão dos Determinantes Sociais da Saúde: um
novo, porém conhecido caminho a percorrer.
Conhecer a influência dos DSS a partir do sujeito não trava uma guerra
contra as ciências biológicas, mas agrega ou amplia um conhecimento subjetivo
antes desconhecido, importante para planejar melhor as ações profissionais em
benefício desse sujeito.
Não está em pauta o saber técnico ou a apropriação da teoria que o
profissional tem, pois isso é fato. No entanto, o saber técnico precisa dar lugar a
escuta da subjetividade humana, pois existe uma interação importante entre os
aspectos biológicos, socioculturais e subjetivos. Seguindo por nesta direção surge
outro questionamento: Articular essas dimensões pode transformar a nossa
compreensão dos DSS?
Insistimos em ir pelo caminho inverso ao que já foi percorrido por muito
estudiosos e também pela OMS por acreditarmos, que também existem boas
possibilidades de se apreender os DSS através do sujeito provocando assim a
integralidade no que se refere à compreensão dos aspectos inclusos processo de
adoecimento.
A tecnologia, por exemplo, deu um salto em alguns anos, a ciência vem
descobrindo a cada dia maneiras de se extinguir ou controlar algumas patologias,
porém mesmo assim, a impressão que prevalece é a de que existe uma lacuna.
A CNDSS formada em 2004 define os DSS como “fatores sociais,
econômicos, culturais, étnicos-raciais, psicológicos e comportamentais, que
influenciam o adoecimento e os fatores que determinam o adoecer na população.”
A OMS definiu os DSS de maneira sucinta: DSS são as condições que a
pessoa vive e trabalha.
O sujeito chega ao serviço de saúde momentaneamente fragilizado ou às
vezes apresenta uma situação mais crônica de desesperança, demonstrando não ter
28
objetivos ou planos de vida futura, pois ao ser remetido ao passado ou as condições
de vida atuais não lhes resta autonomia ou força para responder ao processo de
adoecimento, mesmo com os motivos ora pontuados, o sujeito não perde sua
singularidade. Outros passam por uma internação demonstrando extrema
agressividade em relação à equipe de saúde, mas para esses casos existe uma
opção, que seria buscar a compreensão do que pode estar interferindo na relação
equipe/sujeito e oferecer escuta inclusiva para minimizar o sofrimento e a tensão.
Dessa maneira o sujeito se sentirá acolhido em suas dificuldades, e poderá adquirir
capacidade para reagir e lutar contra as circunstâncias de vida.
A atuação dos DSS na vida do sujeito deve ser compreendida de modo a
encontrarmos novos caminhos de atuação na saúde, ou seja, quando entendemos o
que está por trás de um processo de adoecimento, conseguimos negociar a
construção de novos modelos de enfrentamento às situações adversas, além da
construção de uma nova postura frente a sua conjuntura. Ações contrárias a exposta
existem e são facilmente identificadas quando o sujeito não é acolhido em sua
fragilidade ou resistência e a equipe de saúde passa a responsabilizá-lo por sua
condição, pelo adoecimento.
Uma das estratégias de atendimento do assistente social é exercer a escuta
inclusiva. Insistimos nesse tipo de escuta, pois é dessa maneira, que o sujeito
percebe que do outro lado tem alguém lhe dando a devida importância, respeitando
seu sofrimento. O assistente social e a equipe poderá caminhar junto com ele com o
objetivo de levá-lo a rever sua história ao relatar suas vivências e oferecerá a ele a
possibilidade da mudança de foco, seja ampliando ou reduzindo o foco com a lente
que ele vê o mundo; com isso revelará que existem opções e novos caminhos a
percorrer. Isso realizado, não será difícil visualizar como se deu a resiliência do
sujeito, ao vê-lo superando modos de vida que pareciam estáticos.
Os processos sociais se fazem visíveis na categoria totalidade sendo
reconstruídos e interpretados através da metodologia de trabalho eleita para
desenvolver aproximações que permitam decifrar ou interpretar a realidade.
Em 2008 a OMS e a CDSS lançam uma carta a respeito dos DSS e sofrem
críticas, pois seguem na mesma direção, que até o presente não rendeu o
29
desenvolvimento suficiente dos programas e ações de combate a atual conjuntura
relacionada às determinações sociais.
Arellano, Carmona e Escudero (2008, p.327, tradução nossa) propõem temas
para discussão pautados nas críticas a carta da OMS:
Está ausente uma elaboração teórica explícita sobre a sociedade, pelo que a definição de determinantes é relativamente ambígua, pois faz referência aos determinantes estruturais sem os desenvolver suficientemente e as condições de vida, que em conjunto constituem os determinantes sociais da saúde.
Limita o problema das desigualdades sociais a um problema distributivo, onde a distribuição injusta de bens, acessos, serviços e pode afetar a vida das pessoas. Sua crítica a ordem social se reduz a assinalar, que a má distribuição é tolerada e favorecida por normas, políticas e práticas sociais.
A postura de reunir evidências sobre os fatores sociais que criam as desigualdades em saúde tem as limitações do paradigma dominante na epidemiologia e saúde pública, pois fragmenta a realidade, supondo que isolados mantém sua capacidade explicativa e são suscetíveis a mudanças.
Os determinantes sociais ao serem convertidos em fatores perdem sua dimensão de processos sócio-históricos, a expressão de formas específicas das relações entre os homens e deles com a natureza, e facilita a sua simplificação ao serem entendidos como fatores de risco, escolhas inadequadas de estilos de vidas, etc.
Expressa uma visão limitada da configuração dinâmica e momento de desenvolvimento das sociedades capitalistas, pelo que gera recomendações políticas abstratas para reduzir as desigualdades sociais, se limitando ao plano de “melhorar as condições de vida” e “dividir recursos”. Recomendações sem contexto reduzidas a resolver problemas de gerenciamento.
Estão ausentes as reflexões críticas e análises sobre a fase atual de desenvolvimento capitalista, sobre a globalização neoliberal e a recomposição geoestratégica do mundo, que impõe uma ordem depredadora à vida e saúde dos povos, e impulsiona processos que põem em risco a viabilidade do planeta (mudança climática global, guerras por recursos renováveis e não renováveis e mais recentemente a crise alimentar e financeira).
Os autores citados, em síntese, tecem críticas a respeito da insuficiência não
apenas do documento da CDSS em relação ao avanço da compreensão da origem
dos problemas, mas também em relação ao debate que vem ocorrendo ao longo dos
anos em relação aos DSS e as maneiras de combater a desigualdade. Isso vem de
encontro ao que postulamos no presente estudo. A complexidade das
30
determinações sociais vai muito mais além do que, como disseram os autores,
simples problemas de gerenciamento e recomendações políticas.
Ressaltamos a proposta de Arellano, Carmona e Escudero a respeito da
diferença entre fatores e determinantes sociais, pois os fatores expressam apenas
algo momentâneo sem qualquer construção histórica, culpando o sujeito por suas
escolhas ou entendendo que o processo de adoecimento se deve aos fatores de
riscos aos quais os indivíduos estão expostos, quando na realidade não se trata
apenas de situações pontuais, mas da constituição do processo de adoecimento,
implicando principalmente a historicidade, ou seja, a trajetória percorrida pelo sujeito.
Refletindo a respeito dessas ações, o que vem ocorrendo é o isolamento da
realidade dos indivíduos. Existe de fato uma preocupação em excluir faces das
determinações sociais, mas a OMS e a CDSS privilegiam a dimensão coletiva. Ao
enfocar mudança de comportamento da população, o fenômeno da transformação
não ocorrerá de forma massiva, como é pretendido, e sob a ótica que este estudo
pretende apresentar, é mais uma prova de que comportamentos individuais ou
isolados também merecem atenção e a partir do conjunto da análise menos coletiva
da sociedade partir em direção às políticas públicas. As duas frentes são
importantes, a coletiva e a individual, mas as políticas e programas voltados a
questões dos DSS para cumprir seus objetivos precisam ser vistos e trabalhados
também sob a perspectiva do sujeito. É importante, além de ter dados pautados no
coletivo, ter o conhecimento dos problemas em “locus” para verificar as reais
necessidades, os interesses e como se dá o cotidiano dessas pessoas até chegar
aos DSS.
As políticas sociais e econômicas deverão beneficiar o todo, mas ao
trabalharmos diretamente essas demandas tomamos conhecimento da
complexidade do processo subjetivo inerente ao ser social, ou seja, toda abordagem
que envolve questões pessoais da população, aqui me refiro ao atendimento dos
profissionais que estão na “linha de frente”, atendendo um a um, a configuração é
transformada e com a aproximação das pessoas constatamos a complexidade que
envolve o processo de saúde/doença.
31
No presente estudo não buscamos as causas das determinações sociais, mas
a compreensão e a repercussão a partir do sujeito, a partir de seu relato, de sua
vivência, pois quanto mais ampliamos o conhecimento de um conceito, mais ele se
torna concreto.
O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida, e, portanto igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação. (1977 apud NOGUEIRA 2009, p. 218-219)
10
A análise dos DSS sob a perspectiva do sujeito oferece subsídios para uma
compreensão mais próxima da realidade de quem realmente é o protagonista do
processo de adoecimento viabilizando o planejamento de programas e políticas que
os atendam em suas demandas.
2.1 OS NÍVEIS INTERMEDIÁRIOS DE SAÚDE
Existem alguns modelos esquemáticos que mostram os diferentes níveis dos
DSS. No estudo utilizamos o modelo de Dahlgren e Whitehead, por apresentar
vários níveis, que vão desde uma camada basal, onde estão presentes
particularidades individuais, até a camada chamada distal, na qual se situam os
macro determinantes. As camadas intermediárias transitam pelos estilos de vida dos
indivíduos, pelas redes sociais e comunitárias, e pelos fatores relacionados à vida e
de trabalho. Esses autores acreditam que as estratégias e políticas públicas devem
se fundamentar no entendimento das principais influências sobre a saúde. Isso
explica agrupar tais influências em diversas categorias, as quais requerem diferentes
níveis de intervenção, mostrando que estão relacionadas entre si.
Veremos primeiro a base centrada no sujeito e o que é inerente a ele, depois
cada um dos níveis apresentando a relação do indivíduo com os fatores produzidos
fora de suas características biológicas, atentando ao fato que os autores utilizaram
10
MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo, 1977
32
determinantes sociais que se formam no exterior da cadeia limitando ou
transformando a ação do sujeito como determinantes em potencial para afetar o
processo de saúde/doença.
Vejamos a figura:
Figura 1 Modelo Whitehead e Dahlgren
Fonte: FIOCRUZ
O modelo de Dahlgren e Whitehead interpreta as diferenças sociais na saúde
como decorrências das interações entre os diferentes níveis de condições de vida,
desde o nível mais próximo ao sujeito até o mais externo.
No centro do diagrama encontramos o sujeito e seus fatores biológicos como
idade, gênero e fatores genéticos que influenciam seu potencial de saúde. A idade
pode ou não agravar seu quadro de saúde, dependendo do diagnóstico, por
33
exemplo, se é criança e tem episódios repetitivos de pneumonia vai comprometer a
parte respiratória precocemente, se é idoso já não tem a mesma predisposição para
reverter quadros graves, exemplificando, se sofre uma queda levará mais tempo
para ser reabilitado e em alguns casos não haverá recuperação de sua mobilidade.
Em relação aos fatores genéticos a influência no processo de adoecimento é direta.
Conhecidos os fatores biológicos, passamos a refletir sobre o comportamento do
indivíduo no enfrentamento as situações do cotidiano.
Na próxima categoria Dahlgren e Whitehead propõem uma análise a respeito
de como se dá a relação do sujeito biológico com o meio através de suas atividades,
ou seja, a resposta que ele dará as situações enfrentadas, além de caracterizar seu
modo de agir, revelará seu comportamento. Traduzindo as situações mais comuns
em uma enfermaria de pediatria, quando a mãe acompanha seu filho internado e
discorda de alguma conduta médica, de que maneira se dará a sua interação com o
meio? Poderá se tornar apática, agressiva, poderá deprimir ou buscar outras
informações a respeito da conduta médica, entre outros. Isso se dá por meio de uma
ou mais ações e a mãe ou o familiar responsável poderá experimentar novas
relações entre estímulos e respostas o que determinará seu comportamento e que
também poderá mostrar como resultante de seu estilo de vida, pois é comum que
essas pessoas envolvam seus próprios recursos na tentativa muitas vezes
inconsciente de buscar respostas ou enfrentar riscos, o que propõe os autores. As
novas relações emergem quando a equipe estimula o responsável pela criança a
pensar no tratamento, que com freqüência causa medo, angústia, principalmente
nos procedimentos mais invasivos. No entanto, a resposta se estabelece e com ela
surge uma nova relação do responsável pelo paciente em relação à equipe, mas
principalmente em relação a nova realidade a ser vivenciada com a criança.
A outra categoria se refere às redes sociais e comunitárias, neste nível podem
emergir interações entre o sujeito do processo de saúde/doença e as pressões mais
ocultas, pois se refletirmos sobre a atuação da rede social das pessoas atendidas
em um serviço de saúde, logo chegaremos ao consenso de que se a rede social e
comunitária é precária, apontam à falta de recursos, que atendam suas
34
necessidades, desse modo exercerão pressões sobre os indivíduos e trarão riscos à
saúde dessa mesma população.
A próxima categoria e mais externa, sinaliza as questões de vida e trabalho.
Apesar deste nível ser apresentado como mais distal no modelo proposto, apresenta
fortes repercussões no cotidiano do sujeito que está na base do diagrama e por
conseqüência riscos a saúde do indivíduo. Estas questões são as que mais
diferenciam os riscos a saúde dos que estão em situação de privação ou extrema
privação de bens, acessos e serviços.
Do lado direito da figura encontramos as condições básicas que marcam em
alta escala a extrema privação, Dahlgren e Whitehead colocam em primeiro o
desemprego, que continua tendo muita expressão na vida de um indivíduo e de sua
família, pois aqueles que têm um emprego têm autonomia, podem administrar os
problemas e por estarem mais fortalecidos conseguem elaborar internamente
respostas às demandas diárias. Em seguida observamos água e esgoto, que ainda
hoje repercutem negativamente nas comunidades mais privadas em seus direitos,
pois ainda hoje existem domicílios sem banheiro, água e esgotos clandestinos sem
tratamento, acrescentamos aqui a ausência de coleta de lixo o que eleva os riscos
de danos à saúde e agrava as epidemias. Depois podemos localizar na figura a
ausência de serviços sociais e de saúde, esse item traduz a ineficiência de inúmeras
tentativas de regular e adaptar o número de serviços ao número de habitantes das
regiões, a realidade mostra que muitas regiões do Brasil ainda são mantidas
privadas dos recursos mais básicos como os de saúde. Os serviços sociais11, como
CRAS, CREAS, programas de frente de trabalho, cursos profissionalizantes, entre
outros. Quando esses e outros serviços existem em determinadas localidades são
insuficientes ou não possuem recursos para atendimento integral as suas
demandas. A habitação é outra questão colocada pelos autores por ter grande
potencial de causar riscos à saúde e ainda hoje os programas sociais e de habitação
Municipais, Estaduais e Federais não conseguiram solucionar.
11
Adaptamos a compreensão desse item conforme o que se apresenta hoje
35
À esquerda encontramos o ambiente de trabalho como um dos fatores
relevantes na vida do sujeito. O Brasil é um país que tem uma legislação específica
direcionada ao trabalho e ao trabalhador intitulada por Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT). Ocorre que existem muitos trabalhos informais, que não
aparecem em estatísticas, não seguem a CLT, pois o funcionário possui apenas um
contrato verbal ou mesmo um documento que não lhe oferece nenhuma garantia,
isso significa que o nível de exploração da força de trabalho e as condições
oferecidas são precárias, ocasionando desgaste emocional e físico exacerbados,
tais condições também oferecem riscos à saúde. O outro determinante seria a
educação, aqui tanto podemos compreender como o nível de formação dos alunos,
quanto processos educativos nas mais diferentes situações, com o objetivo de
fortalecer os indivíduos no processo de enfrentamento de circunstâncias
desfavoráveis. Por último os autores relacionam as questões agrícolas e a produção
de alimentos como agravos a saúde, muito provavelmente eram questões presentes
no período de construção da figura, que hoje optaríamos por mencionar a questão
do acesso a uma alimentação de qualidade.
As condições sociais que permeiam a vida de um indivíduo, principalmente as
anteriormente expostas, reúnem elementos que incidem sobre os aspectos
geobiopsicossociais que envolvem todos os aspectos da vida e podem provocar o
engendramento de doenças.
O último nível atinge as condições sócio-econômicas, culturais e ambientais
gerais, que é a fusão de tudo o que foi mencionado anteriormente, mas vamos nos
deter as condições culturais que abrange diariamente o cotidiano do hospital.
Pensando em uma cidade como São Paulo, que polariza as ausências e privilégios,
este último referente a uma minoria, como a cultura pode influenciar a saúde?
Pessoas, independente de onde vivam ou qual sua procedência cultivam os
resultados de sua formação, ou seja, valores, temperamento, estilos de vida e
conforme Marilena Chaui: “a cultura é a segunda natureza [...] uma natureza
adquirida, que melhora, aperfeiçoa e desenvolve a natureza inata de cada um.” Essa
é uma questão de extrema relevância, pois o que pode ter um significado para um
pode ser distinto para outro e os determinantes culturais devem ser considerados na
36
análise do processo de saúde/doença, pois pode conter dados importantes à
compreensão de um determinado fenômeno.
Alguns autores se apropriam do modelo de Dahlgren e Whitehead para propor
mudanças sócio-políticas no cenário atual, mas nesse estudo este modelo foi
utilizado para tecer o caminho inverso, ou seja, a partir da realidade do sujeito, como
estes níveis intermediários de saúde estão afetando não apenas a saúde, mas a
vida daquele que está na base da figura.
Terminamos esta análise com a seguinte indagação: “quais são as condições
sócio-econômicas, culturais e ambientais oferecidas ao sujeito do processo de
adoecimento, em especial aqueles afetados pela privação de direitos, bens e
acessos?
2.2 A CONSCIÊNCIA DO SUJEITO NO PROCESSO DE
SAÚDE/DOENÇA
Tomamos conhecimento através da ilustração como é possível o encontro
das condições de saúde com as sociais, mas será que o sujeito, que está no cerne
da questão tem a consciência deste processo?
O presente estudo envolve também o tema secundário e complementar da
consciência, onde a indagação consistiu em conhecer se a consciência do sujeito
em relação ao processo de saúde/doença é imediata ou mediata e quais são as
suas repercussões.
A respeito da consciência existem vários estudos, dentre eles destacamos a
perspectiva epistemológica, onde a consciência é vista no sentido de conhecimento
interno e/ou externo.
O objetivo foi entender a compreensão que o sujeito expressa das causas
experimentadas na trama social.
37
2.2.1 CONSCIÊNCIA IMEDIATA E CONSCIÊNCIA MEDIATA
A consciência imediata é autêntica, individual e formada por fenômenos. No
entanto tem pouco tempo de duração, segundo Engelmann (1991, p. 251-274): “A
duração da consciência imediata de uma pessoa dura no máximo 4 segundos”.
O reconhecimento da função da consciência imediata individual é relevante
para o desenvolvimento do nosso objeto de estudo por gerar aportes que utilizamos
na análise da investigação.
O progresso contemporâneo das ciências empíricas é reconhecido por todos,
mas a autenticidade do uno e momentâneo da consciência imediata raramente é
reconhecida. É fato que, para a maior parte das pessoas, o momentâneo da
consciência é real, porém a singularidade dessa consciência não o é. A
singularidade irá produzir os diferentes estilos de vidas, as diversas características
de cada cidadão.
Outro dado importante e característico da consciência é que está isolada e
não se mescla com outras consciências.
Compreende-se que a somatória dos conhecimentos a respeito da sociedade
provoca duas operações que lhe aproximam da teoria: uma é a escolha dos
elementos que vão compor o objeto, por exemplo, a pobreza, a honestidade, o
sofrimento social, etc.; outra, as premissas ou razões em relação ao objeto de
estudo.
A consciência mediata pode ocorrer sob duas formas: a consciência mediata
minha e a consciência mediata dos outros. A consciência mediata do observador
apresenta uma potente mediação: a memória. No entanto, o tipo de memória, se
breve ou duradoura terá um caráter introspectivo na subjetividade da lembrança. A
consciência mediata de outros ocorre por intermédio de mediações.
A consciência mediata se dá na relação com as partes não conscientes do
sistema nervoso central, mas se fixa através da relação com outros níveis de
organização, como as partes exteriores ao organismo, e este conhecimento é
essencial, está em relação com partes anteriores ao tempo presente.
38
A consciência mediata do observador pode se converter em lembrança da
consciência imediata. O grau de perspectiva subjetiva é muito alto, a não ser em
lembranças muito distantes. Ressaltamos que a lembrança não é como uma
pesquisa científica, não está sob o domínio de todos e sim apenas do observador.
Não basta nos dedicarmos neste espaço a dizer o que é uma consciência e
do que se trata a outra, mas percebermos como se dá a repercussão de uma ou de
outra na vida do sujeito, ou qual é o nível de consciência do sujeito frente as suas
demandas e a partir de sua consciência como compreende o processo de
saúde/doença, além de saber se ele compreende a influência dos determinantes
sociais em sua saúde.
Utilizamos o relato verbal na investigação para compreender qual é a
consciência que o sujeito tem do processo de adoecimento de seu filho. Veremos na
segunda parte desse estudo, nos procedimentos metodológicos o resultado dessas
questões.
A consciência pode se definir como o conhecimento que o homem tem dos
seus próprios pensamentos, sentimentos e atos. Podem-se distinguir dois tipos de
consciência, a consciência imediata e a refletida. A consciência imediata ou
espontânea caracteriza-se por ser a que remete para a existência humana diante de
si mesmo, no tempo em que pensa ou age. A consciência refletida ou secundária é a
capacidade do homem recuar perante os seus pensamentos, julgá-los e analisá-los.
Contudo, nem todo efeito adquirido pela experiência se compõe em aprendizagem.
A uma aquisição em função da experiência, mas se desenvolvendo no tempo, quer
dizer, consciência mediata e a imediata como a percepção ou a compreensão
instantânea.
39
Capítulo III
OS PARÂMETROS PARA ATUAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS
NA SAÚDE E A INTERDISCIPLINARIDADE
3.1 ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DO ASSISTENTE SOCIAL NA
SAÚDE
Atualmente as condutas na enfermaria de Pediatria não estão em torno
apenas de questões de saúde, o que temos mencionado desde o início desse
estudo, mas de questões mais amplas que podem potencializar o adoecimento.
Os Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde é um
documento constituído por um Grupo de Trabalho (GT) intitulado como Serviço
Social na Saúde e instituído pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) com
a finalidade de ser uma referência a esses profissionais.
Atendendo as demandas da categoria em dar respostas mais uniformes as
situações do cotidiano com usuários dos serviços de saúde ou aos empregadores o
GT elaborou o documento.
Um ato importante foi a consulta realizada às Secretarias Municipais e
estaduais de Saúde, além de Ministério da Saúde a fim de conhecer as atribuições e
competências desses profissionais.
A Resolução nº 218, de 06/03/1997 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e
a Resolução do CFESS, nº 383, de 29/03/1999, reconhecem a categoria de
assistentes sociais como profissionais da área da saúde.
O documento está divido em quatro grandes áreas, a primeira é: “Saúde,
Reforma Sanitária, Sistema Único de Saúde e Desafios Atuais”, a segunda é:
“Serviço Social e Saúde”, a terceira tem como título: “Atuação do Assistente Social
na Saúde” e a quarta: “Algumas Reflexões”.
40
O objetivo maior dos Parâmetros para atuação do assistente social na saúde
é: “fortalecer o trabalho desses profissionais na saúde, na direção dos Projetos de
Reforma Sanitária e Ético-Político Profissional, imprimindo maior qualidade ao
atendimento prestado à população usuária dos serviços de saúde em todo o Brasil”.
(CFESS, 2008, p.8-9)
Apresentamos algumas ações presentes no documento, onde o profissional
pode estar pautado no exercício de sua prática:
- estar articulado e sintonizado ao movimento dos trabalhadores e de usuários que lutam pela real efetivação do SUS; - conhecer as condições de vida e trabalho dos usuários bem como os determinantes sociais que interferem no processo saúde-doença; - facilitar o acesso de todo e qualquer usuário aos serviços de saúde da instituição e da rede de serviços e direitos sociais, bem como de forma compromissada e criativa não submeter à operacionalização de seu trabalho aos rearranjos propostos pelos governos que descaracterizam a proposta original do SUS de direito, ou seja, contido no projeto de Reforma Sanitária; - buscar a necessária atuação em equipe tendo em vista a interdisciplinaridade da atenção em saúde; - estimular a intersetorialidade, tendo em vista realizar ações que fortaleçam a articulação entre as políticas de seguridade social, superando a fragmentação dos serviços e do atendimento às necessidades sociais; - tentar construir e/ou efetivar, conjuntamente com outros trabalhadores da saúde, espaços nas unidades que garantam a participação popular e dos trabalhadores de saúde nas decisões a serem tomadas; - elaborar e participar de projetos de educação permanente, buscar assessoria técnica e sistematizar o trabalho desenvolvido, bem como realizar investigações sobre temáticas relacionadas à saúde; - efetivar assessoria aos movimentos sociais e/ou aos conselhos a fim de potencializar a participação dos sujeitos sociais contribuindo no processo de democratização das políticas sociais, ampliando os canais de participação da população na formulação, fiscalização e gestão das políticas de saúde, visando o aprofundamento dos direitos conquistados. (CFESS, 2008, p. 17-18)
Os Parâmetros buscam atingir sua finalidade ao procurar aportes nas
políticas já existentes, resoluções para a profissão, ressaltando aspectos do Código
de Ética Profissional. No entanto esse documento vem sendo pouco discutido em
41
debates, encontros, Congressos e outros, o que acaba por sinalizar a não
implantação pelos assistentes sociais da saúde.
As críticas a esse documento também existem, principalmente em relação a
problematização, divulgação e aprovação do documento, mas compete a nós
assinalarmos aqui a importância dos parâmetros no sentido de acolher aos
profissionais que antes tinham suas práticas isoladas de outros trabalhadores da
saúde.
3.1.2 A INTERDISCIPLINARIDADE NA SAÚDE
São igualmente considerados empecilhos à interdisciplinaridade no campo da
Saúde: a intensa tradição positivista e biocêntrica, que cuidam apenas sob a
perspectiva natural ou biologicista no tratamento dos problemas de saúde, os
espaços de poder que a disciplinarização denota a estrutura das instituições de
ensino e pesquisa em departamentos sem nenhuma comunicação entre si.
Na área da saúde, as hipóteses da integração estão presentes há algum
tempo e, nas últimas décadas, a interdisciplinaridade tem sido invocada para a
construção de um conhecimento partilhado por ciências biológicas e sociais. São
muitas as dificuldades para se trabalhar, numa expectativa integrada entre os
diferentes saberes. As dificuldades não se restringem ao campo epistemológico,
entretanto objetivam vencer os impedimentos que se colocam ou são colocados
institucionalmente.
Na prática institucional do HU/USP há mais de dez anos houve uma
mobilização dos profissionais de diversas áreas à criação da inicialmente chamada,
equipe multidisciplinar, hoje esta equipe é interdisciplinar e não é possível olhar a
estrutura do serviço na enfermaria de Pediatria sem incluir esta equipe, em outras
palavras, essa equipe passou a ser uma ferramenta necessária para tratar
problemas cada vez mais complexos. A tarefa maior de uma equipe interdisciplinar é
a partilha de saberes, primeiro no conhecimento das demandas e depois na tomada
de decisões. Os objetivos entre as áreas do saber são comuns: estudar as
42
interações biopsicossociais e buscar através da integração dos profissionais
metodologias de trabalho que beneficiem o paciente.
O enfoque está em torno da totalidade dos aspectos que estão relacionados
com a saúde, doença e com o processo de adoecimento que no caso da enfermaria
de Pediatria geram as reinternações. Por isso a interdisciplinaridade é uma crítica ao
trabalho de equipes especializadas, por que isto rompe totalmente com a concepção
de totalidade.
3.1.3 A INTERDISCIPLINARIDADE E O SERVIÇO SOCIAL NA ENFERMARIA DE
PEDIATRIA DO HU/USP: CONTEXTO HISTÓRICO.
Antes de iniciarmos a retrospectiva do trabalho realizado na enfermaria de
Pediatria do HU/USP vamos contextualizar a Instituição de Saúde HU/USP.
O hospital universitário tem como área de abrangência a Região Oeste de
São Paulo, distrito correspondente a subprefeitura do Butantã, com
aproximadamente 384.000 habitantes, abrangendo uma área de 56,1 km, ou seja,
3,75% da área total do Município. Existem nesta área quinze 15 (quinze) Unidades
Básicas de Saúde (UBS), 5 (cinco) serviços de Assistência Médica Ambulatorial
(AMA) sendo este o único hospital geral de atenção secundária da região com
unidades de internação em Clínica Médica, Cirúrgica, Obstetrícia, Berçário e
Pediatria, Unidades de Terapias Intensivas, adulto e infantil, Hospital Dia,
Ambulatórios, além dos Prontos-Socorros, adulto e infantil.
No HU/USP a atuação dos assistentes sociais ocorre de maneira a atingir
todas as áreas de atenção direta ao paciente que necessitem da intervenção desse
profissional. No entanto, algumas áreas têm cobertura integral, como: os Prontos-
Socorros adulto e infantil, a enfermaria de Clínica Médica, SEMI e UTI Adulto,
Alojamento Conjunto, Berçário, enfermaria de Pediatria, UTI Neonatal e UTI
Pediátrica, ressaltando que a toda a área materno infantil tem cobertura integral de
pelo um assistente social, isto se dá por suas demandas expressivas. As demais
áreas citadas no parágrafo anterior são atendidas quando a equipe, o próprio
43
paciente ou o acompanhante solicitam a intervenção do assistente social; os dois
últimos nomeamos de “demanda espontânea”. As demandas têm características que
as diferenciam, normalmente de acordo com a categoria a qual pertencem, como
materno-infantil, adulto-idoso, saúde mental, pacientes crônicos, dentre outros; e
com certeza também expressam os DSS. Ocorre que para atender as características
do estudo, foi escolhida a enfermaria de Pediatria por apresentar um alto índice de
reinternações e/ou longa permanência e por ser a única unidade do hospital a ter a
atuação de uma equipe interdisciplinar, que tem por premissa buscar o cuidado
integral não apenas do paciente, mas também do cuidador.
A equipe interdisciplinar foi tida por muitos anos como multidisciplinar, mas
sempre buscou desenvolver um modelo de atenção centrada no usuário do serviço
com ações mais horizontalizadas.
Utilizamos como premissa da interdisciplinaridade a citação presente em o
Uno e o Múltiplo:
A interdisciplinaridade é o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão e exploração de seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e da criatividade. (1993 apud ON, 1995, p.157)
A interação com diversas áreas é o que constitui a diferença, mas também
enriquece a prática profissional rompendo antigos paradigmas e colaborando para
um melhor entendimento do que é trabalhar as demandas da saúde não apenas sob
o trato da medicina, o que estamos mostrando desde o início.
O assistente social é profissional que opera a síntese, trabalha numa
perspectiva criativa junto aos demais profissionais e sua especificidade o diferencia
dos demais.
A proposta da equipe é tratar a saúde do usuário de maneira integral e
sempre se auto-explorando em relação a cada área do saber. Todavia o assistente
social é o profissional que favorece a apreensão da realidade antes captada apenas
pelos sentidos e práxis de cada profissional, tornando-a palpável e significativa a
todos após seu contato com o sujeito desse processo. O contato com o sujeito se dá
44
através de ações que expressem acolhimento, escuta reflexiva e, sobretudo através
da análise da realidade apresentada.
Os atendimentos diários têm demonstrado o quanto esses três itens citados
anteriormente (re) significam a trajetória percorrida pela equipe, ou seja, após o
atendimento do assistente social o campo de visão de determinada situação se
amplia e a equipe interdisciplinar passa a se articular de outro modo, exercendo em
alguns casos uma postura diferenciada para favorecerem a criança internada.
Um aspecto muito comum da prática, mas que não encontrei na literatura é
que a equipe interdisciplinar também se divide por um momento, pois médicos,
enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, e a técnica para apoio educativo cuidam
direta e especificamente da criança, mas os psicólogos e os terapeutas
ocupacionais dividem sua atenção com a família, entretanto o assistente social
atende especificamente a família, é claro que com a intenção de favorecer a criança,
mas não podemos deixar de afirmar que ele é o único profissional a olhar a
problemática estabelecida por outro ângulo.
O assistente social trabalha de modo a provocar estímulos para obter
respostas. Podemos refletir através de uma situação do cotidiano a maneira que a
relação intrafamiliar acontece.
Atualmente é comum a internação de crianças que apresentam uma patologia
por ausência de cuidados adequados, ou da supervisão constante de um adulto o
que pode ser caracterizado como negligência. Nessas situações o assistente social
é o profissional que estabelece o vínculo com o responsável pela criança e por meio
de seus instrumentais, se aproxima da realidade familiar e social para examinar com
cuidado as faces da vivência dessa família e o que pode interferir no processo de
saúde/doença. É possível encontrarmos nessa história aspectos culturais ou de
privação de direitos, como uma criança que apresentou uma lesão vaginal com
sangramento intenso, suturada em centro cirúrgico. A primeira hipótese da equipe
médica, pediatras e ginecologistas foi de abuso sexual, porém após o procedimento
a criança relatou que uma brincadeira em um “parquinho desativado” que tinha
muitos ferros de construção e servia também como depósito de lixo, teve por
conseqüência o acidente, pois ao tentar se equilibrar em um dos ferros caiu sobre
45
ele causando a lesão. Ao entrevistarmos a responsável e principal cuidadora em
mais de um atendimento, constatamos através de relatos e fotos e outras
evidências, além do comportamento da criança que era observado na brinquedoteca
e em outros momentos da internação e o atendimento da psicologia, que
deveríamos considerar o que a mãe e a criança traziam. A impressão diagnóstica do
assistente social foi a ausência de áreas de lazer em um conjunto habitacional do
governo do Estado, o que potencializou os aspectos de saúde apresentados, nesse
caso tivemos a influência direta dos DSS. Existem inúmeros exemplos dessa
influência, mas basta refletirmos sobre a situação exposta para tentarmos
compreender esse processo quando a determinação social atravessa a
determinação da saúde.
A ação do assistente social tem sido cada vez mais exigida pelos demais
membros da equipe, por conseguir captar circunstâncias concretas, que favorecerão
a análise mais integral da situação apresentada durante a internação, contudo
sabemos que a prática interdisciplinar em hospitais ainda não compõe a agenda
institucional, o que certamente fragmenta as ações que poderiam favorecer
pacientes e familiares.
3.1.4 Alguns Momentos da História e Construção da Equipe Interdisciplinar do
HU/USP:
Em meados dos anos 80 as profissões estavam buscando especializações
em todas as áreas, inclusive no campo da saúde já haviam ganhado forma e força o
que vai à contramão do atendimento integral ao usuário. No entanto, em 1982
iniciaram as atividades na enfermaria de Pediatria do HU/USP com profissionais que
traziam de outros serviços a experiência de um trabalho mais abrangente, estes
profissionais eram principalmente da área médica. Nesse mesmo ano uma
assistente social passa a compor o grupo. Em 1983 o médico, chefe da enfermaria
tomou a iniciativa de tratar as questões de maus-tratos envolvendo outros
profissionais. No atendimento do primeiro caso de maus-tratos, com extensões
graves a prática da equipe convergiu para o alinhamento das ações reforçando o
46
trabalho multidisciplinar, que já acontecia de maneira não sistematizada, porém
convidou outros médicos assistentes, enfermeiro, nutricionista, envolvendo os
alunos no trato da questão.
O fluxo de atendimento aos maus-tratos foi formalizado, a relação com o
judiciário e outros serviços externos foi fortalecida.
A tentativa de exercer a prática de um cuidado integral ganhou proporção a
ponto do grupo sentir a necessidade de constituir um espaço formal aos encontros
com data, horário e local planejados, o que foi efetivado e consolidado ao longo dos
anos. O entrosamento foi crescente levando a equipe ao consenso de que as
reuniões deveriam acontecer mesmo na ausência de um ou outro profissional, com
deliberações conjuntas e que as decisões do grupo sempre seriam soberanas.
O grupo adotou um livro-ata para registros, o qual ainda hoje é utilizado para
descrever todas as situações discutidas, profissionais participantes, condutas
adotadas e outros assuntos que foram pauta.
No decorrer dos anos profissionais de outras áreas passaram a compor o
grupo, como fisioterapeuta, farmacêutica, especializandos em Psicologia e
terapeutas ocupacionais, o que enriqueceu sobremaneira essa prática.
Conforme os registros e relato da assistente social que na época participava
da equipe, nas situações de negligência que envolvia encaminhamentos ao judiciário
para redefinição de guarda ou até abrigamento, este parecer era do assistente social
e a prática desse profissional sofria resistência pela compreensão de que o melhor
lugar para uma criança estar era com mãe e pai biológicos, relato por um sujeito de
pesquisa. A assistente social traçava alguns planos de ação, como por exemplo,
continuar seguindo a criança e a família abulatorialmente, contatar outros serviços
na região por onde a criança poderia ser atendida, etc.
No período ao qual nos reportamos não existia a denominação de rede aos
diversos serviços públicos, privados ou terceiro setor, que prestavam atendimentos a
população, mas a equipe se deslocava às creches e a outros serviços, além de
fazerem visitas domiciliares. O trabalho nas creches era, em geral, em razão das
diarréias crônicas. Na época não havia alimentos isentos de lactose, então a
47
assistente social e a nutricionista se reuniam com a diretora, estudavam a
alimentação mais apropriada à criança, verificavam os custos, a nutricionista
treinava a cozinheira e a diretora da creche, inclusive liberava mamadeiras
destinadas aos períodos noturnos, feriados e finais de semana para viabilizar a alta
com segurança, essas ações aconteciam também nos casos de refluxo
gastroesofágico, incluindo as visitas domiciliares.
Nas visitas eram constatados os mesmos problemas de hoje e as famílias
tinham clareza que as dificuldades enfrentadas, como o desemprego, as condições
de moradia, a alimentação precária, a ausência de vagas em creche, o custo do
registro civil (que era cobrado), entre outros, influenciavam as questões referentes à
saúde. Outros problemas surgiam, como em relação ao ser mãe, porque em geral
estas mães não haviam sido cuidadas, não tiveram o incentivo para serem filhas e
este problema é cíclico. No entanto eram de menor complexidade em relação as
outras demandas.12
Alguns profissionais mudaram de área, de posição ou saíram do HU/USP,
vieram outros a compor a equipe colhendo frutos e também construindo, planejando
novas metodologias de trabalho.
Atualmente a equipe construiu uma nova configuração, pois na
interdisciplinaridade os cuidados dos profissionais se complementam, na
interdisciplinaridade o cuidado tem como critério conhecer o usuário em sua
totalidade e permitir que a troca de saberes leve a equipe a uma conduta mais
segura, uniforme, ampliada em seus benefícios ao paciente, que também gere
benefícios à equipe como a diminuição da angústia ou do sentimento de impotência
ao tratar situações de vida tão complexas que se opõe aos recursos disponíveis, a
experiência profissional, as leis muitas vezes. Compreendemos que ao tratar tais
situações de maneira integral, ouvindo e tecendo juntos uma nova prática
profissional, poderemos minimizar o desgaste, mas sobretudo acolher o paciente e
sua família nas problemáticas já existentes, mas que emergem com muita força
durante as internações.
12
Registro adaptado conforme relato de Meneses.
48
O papel do Serviço Social vem ocupando diariamente lugar de destaque na
equipe e em geral no hospital por ser um dos profissionais, que faz a interface com a
família, acolhendo, orientando, analisando, oferecendo aos demais profissionais algo
mais concreto de tudo o que é possível visualizar por meio da patologia e de
comportamentos diferenciados que se instalam durante o período de internação.
O cotidiano dessa prática acaba nos ensinando a extrair algo ou alguma
informação do menor detalhe perceptível e através das entrevistas somado ao que
muitos pensam ser só um detalhe conseguimos articular, ou melhor, planejar a ação
com a equipe.
Estabelecer uma relação entre o sujeito do processo de saúde/doença e o
profissional é tão importante quanto uma resposta terapêutica ao paciente. O
trabalho acontece sob a perspectiva interdisciplinar, mas o sujeito, familiar ou
responsável estabelece vínculo com um ou dois profissionais, o que veremos nos
resultados da investigação, mas as condutas continuam a ser partilhadas e bem
estudadas ou planejadas.
Contextualizamos a prática interdisciplinar no HU/USP afirmando e
reafirmando a importância da singularidade do sujeito, porque as entrelinhas não
são percebidas se temos a amostra apenas da coletividade. É importante na prática
do assistente social considerar a subjetividade do sujeito, mas sempre oferecendo
concretude, para isso é necessário analisar o subjetivo de acordo com as condições
de vida em que o sujeito está inserido, dessa maneira não perderemos a
especificidade da profissão. Esta afirmação está referenciada nos Parâmetros para
Atuação de Assistentes Sociais na Saúde.
Os elementos presentes na subjetividade decorrem de capacidades individuais, relativas às possibilidades de registro de experiências vividas. Mas se constituem e se configuram a partir de um processo objetivo, social, com conteúdo histórico. Por outro lado, a subjetividade não se esgota em seus elementos individuais, porque o indivíduo age sobre o mundo, relaciona-se com outros indivíduos, realiza objetivamente, o que elaborou subjetivamente. (BOCK; GONÇALVES, 2009, p. 147)
O perfil social da unidade de Pediatria é constituído, principalmente de
demandas sócio-familiares dos pacientes, que implicam em atendimento da equipe
49
interdisciplinar visando ampliar o foco da realidade do paciente e família e das
condições reais que os envolvem e interfere no processo de saúde/doença, longa
permanência, de alta hospitalar, além das freqüentes reinternações de alguns
pacientes.
A prática interdisciplinar é imprescindível nas equipes de saúde, porque
apóia, soma, acolhe, respeita, apazigua inquietudes e no HU/USP ocupou seu
espaço com veemência sendo modelo para outras enfermarias.
CAMINHOS PERCORRIDOS
Até o momento a realização desse estudo se comprometeu em apresentar o
objeto alinhado à teoria, mas existe uma confissão a ser tecida no âmago dessa
construção, a trajetória foi longa, porém surpreendente por apreender que os
caminhos a serem percorridos não são novos caminhos. Poderíamos parar aqui,
mas sem dúvida restariam muitas indagações. Então optamos por seguir com essa
reflexão.
Diariamente os assistentes sociais da saúde vêm se aproximando dos DSS e
de suas conseqüências por fazerem parte de seu cotidiano, a busca por estratégias
de atendimento se concretiza e mostra seu potencial dentro das equipes, ainda que
não sejam interdisciplinares por suas especificidades.
Somar e multiplicar conhecimentos auxilia no enfrentamento das questões
que se ampliam nas instituições de saúde dia-a-dia e isso foi o que fizemos. Ao
conhecer os elementos constitutivos do processo de saúde/doença de modo mais
singular foi possível multiplicar e chegar ao entendimento da importância das
análises individuais para depois chegarmos às coletivas. Ressaltamos que também
somos favoráveis as análises coletivas, mas o uno também oferece o retrato do
múltiplo, além de nos aproximar da realidade que parece estar ausente quando as
problemáticas mais diversas se instalam durante a hospitalização.
50
Os assistentes sociais da saúde têm o privilégio de trabalhar com diversas
demandas, é característica do trabalho na saúde, atender em parceria com a
assistência, educação, habitação e outras áreas e no HU/USP estamos procurando
fazer com que essa prática ganhe eco entre as diversas áreas, porque dessa
maneira será possível intervir com mais propriedade junto às demandas conhecidas
pela rede de atendimento sem fragmentar o sujeito desse processo, sem dividir as
ações, mas multiplicar e somar para estabelecer, a partir daí uma nova práxis.
A parte dois do presente estudo apresentará os resultados da investigação
com o intuito de oferecer um panorama dos elementos constitutivos da primeira
parte ou da teoria.
51
Parte II
A relação entre a teoria e a experiência é determinante da relação entre a teoria e a história. (Jürgen Habermas)
52
IV Capítulo
Procedimentos Metodológicos:
O principal objetivo desse estudo consiste em identificar e compreender os
determinantes Sociais da Saúde atuantes no processo de internação prolongada
e/ou reinternação de crianças ou adolescentes. Para tratar à temática e conhecer de
maneira os DSS atuam no sujeito e em seu grupo familiar foi necessário identificar
as circunstâncias e comportamentos do cotidiano em que estes sujeitos vivem e
como os fatores sociais repercutem em suas trajetórias de vida Após, optamos por
compreender a consciência que o sujeito tem desse processo, e então identificar se
ele conhece as causas mais estruturais de suas demandas, ou não. Para enveredar
por uma prática social transformadora foi necessário reconhecer de que maneira a
equipe interdisciplinar identifica a atuação dos DSS. A partir deste conhecimento,
cruzar os dados obtidos e traçar estratégias de intervenção que atenuem o período
de hospitalização, quando houver a relação com os determinantes sociais.
Para tornar viável este conhecimento foi necessário identificar e compreender
os DSS atuantes neste processo e para isto optamos por trabalhar na perspectiva da
Triangulação Metodológica, porque compreendemos que a investigação poderia ser
mais dinâmica se utilizássemos de maneira mais abrangente a estrutura existente
das relações entre os atores, profissionais, e o responsável pela criança e as
atitudes desses atores em relação ao processo de saúde/doença. Deste modo, a
triangulação metodológica é um modo de articular os diferentes métodos quanti e
qualitativos de maneira integrada.
A triangulação é decorrente da navegação e da topografia, era um método
que estabelecia a posição de um ponto C, a partir da relação, ou da distância entre
A e B. Atualmente há pessoas que utilizam este método para validar uma pesquisa.
Neste estudo utilizaremos a triangulação para integrar a análise dos resultados,
aprofundando o conhecimento das ações envolvidas no processo de saúde/doença
53
e a função do ponto C, ou seja, dos DSS no processo de saúde/doença, a partir do
sujeito.
4.1 Onde e Com Quem?
O estudo foi desenvolvido no Hospital Universitário da Universidade de São
Paulo (HU/USP), localizado no campus da USP, conforme caracterização na parte I
do estudo,
Para atender as características desta investigação, foi escolhida a enfermaria
de Pediatria por apresentar um alto índice de reinternações e/ou longa permanência
e por ser a única unidade de internação a ter uma equipe interdisciplinar na atuação
integral junto ao paciente e seu responsável ou familiar.
A Clínica Pediátrica é composta por duas alas e possui 36 leitos para
atendimento de pacientes com idade entre 29 dias e 14 anos, salvo algumas
exceções entre 15 e 16 anos. A equipe conta com 12 enfermeiras, 40 auxiliares e
técnicos de enfermagem, 07 médicos pediatras, uma técnica de apoio educativo, 02
fisioterapeutas, 01 assistente social, 01 farmacêutico. Além dessa equipe, a
enfermaria oferece espaço para desenvolvimento de cursos e programas para
docentes, alunos da graduação e especialização nas áreas das quais a equipe é
composta, juntamente com a Psicologia e a Terapia Ocupacional.
O perfil social da unidade de Pediatria está relacionado, principalmente as
demandas sócio-familiares dos pacientes, que implicam em atendimento da equipe
interdisciplinar visando ampliar o foco da realidade do paciente e família e das
condições reais que os envolvem e interferem no processo de saúde/doença, longa
permanência, de alta hospitalar, além das freqüentes reinternações de alguns
pacientes.
O universo da pesquisa é de 331 sujeitos, destes 327 dispostos através do
levantamento de dados quantitativos apresentado nas tabelas 1, 2 e 3 que se
seguem, conforme sexo, idade e classificação de acordo com a CID 10, com
destaque à figura 1. Esses dados foram organizados conforme os atendimentos
54
realizados pelo assistente social, na enfermaria de Pediatria, no período de Janeiro
de 2009 à Junho de 2010 Os outros 4 sujeitos foram divididos em 2 profissionais da
equipe interdisciplinar e 2 responsáveis pela criança ou adolescente que esteve
internado, sendo atendido pelo assistente social.
4.2 Como (Instrumentos de Coleta de Dados)
O planejamento inicial com os dados quantitativos era dar visibilidade aos
determinantes sociais no processo durante a hospitalização, através da CID 10, no
entanto os resultados foram além das expectativas.
É necessário termos a compreensão do que é a CID 10 e de maneira breve
conhecer a sua história e constituição.
A Classificação Internacional de Doenças é uma classificação estatística
internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. A aprovação de sua
primeira edição, pelo Instituto Internacional de Estatística, ocorreu em 1893 e era
conhecida como Lista Internacional das Causas de Morte; naquela época os
interesses estavam concentrados em conhecer as causas de mortalidade. Somente
em 1948 com a aprovação da sexta revisão foram incluídas as causas de morbidade
e publicada pela primeira vez. Em 1967 a Assembléia Mundial da Saúde aprovou a
nomenclatura proposta pela Organização Mundial da Saúde, regulamentando o uso
da CID para mortalidade e morbidade por todos os Estados – Membros.
Em maio de 1990 a CID em sua 10ª revisão foi aprovada e a partir de 1994
passou a ser utilizada pelos Estados-Membros da OMS.
A última revisão foi a 10ª, porém a versão mais atual é de 2008, com
pequenas atualizações.
A CID tem padrão internacional, é utilizada para estudos epidemiológicos,
clínicos, gestão e outros fins em saúde como os registros de óbitos, os registros
para reembolsos, reunindo dados importantes para as estatísticas nacionais de
morbidade e mortalidade dos Estados-Membros da OMS.
55
No estudo, empregamos o capítulo XXI: Fatores que influenciam o estado
de saúde e o contato com os serviços de saúde. Dentro desse capítulo o
agrupamento Z55-Z65 Pessoas com riscos potenciais à saúde relacionados
com circunstâncias socioeconômicas e psicossociais:
Z55 Problemas relacionados com a educação e com a alfabetização
Exclui: transtornos do desenvolvimento psicológico (F80-F89)
Z55.0 Analfabetismo e baixa escolaridade
Z55.1 Escolarização não disponível e impossível
Z55.2 Reprovação em exames
Z55.3 Maus resultados escolares
Z55.4 Má adaptação escolar e dificuldades com professores e colegas
Z55.8 Outros problemas relacionados com a educação e com a alfabetização
Z55.9 Problemas não especificados relacionados com a educação e com a
alfabetização
Z56 Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego
Exclui: exposição a fatores de risco (Z57) problemas relacionados com a moradia e com circunstâncias econômicas (Z59)
Z56.0 Desemprego não especificado
Z56.1 Mudança de emprego
Z56.2 Ameaça de perda de emprego
Z56.3 Ritmo de trabalho penoso
Z56.4 Desacordo com patrão e colegas de trabalho
56
Z56.5 Má adaptação ao trabalho
Z56.6 Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas ao trabalho
Z56.7 Outros problemas e os não especificados relacionados com o emprego
Z57 Exposição ocupacional a fatores de risco
Z57.0 Exposição ocupacional ao ruído
Z57.1 Exposição ocupacional à radiação
Z57.2 Exposição ocupacional à poeira (pó)
Z57.3 Exposição ocupacional a outros contaminantes do ar
Z57.4 Exposição ocupacional a agentes tóxicos na agricultura
Z57.5 Exposição ocupacional a agentes tóxicos em outras indústrias
Z57.6 Exposição ocupacional a temperaturas extremas
Z57.7 Exposição ocupacional à vibração
Z57.8 Exposição ocupacional a outros fatores de risco
Z57.9 Exposição ocupacional a fator de risco não especificado
Z58 Problemas relacionados com o ambiente físico
Exclui: exposição ocupacional (Z57)
Z58.0 Exposição ao ruído Z58.1 Exposição à poluição atmosférica
Z58.2 Exposição à poluição da água
Z58.3 Exposição à poluição do solo
Z58.4 Exposição à radiação
Z58.5 Exposição a outras poluições
57
Z58.6 Água potável insuficiente
Z58.8 Outros problemas relacionados com o ambiente físico
Z58.9 Problema não especificado relacionado com o ambiente físico
Z59 Problemas relacionados com a habitação e com as condições econômicas
Exclui: água potável insuficiente (Z58.6)
Z59.0 Falta de domicílio fixo
Z59.1 Habitação inadequada
Z59.2 Desacordo com vizinhos, locatários e proprietários
Z59.3 Problemas relacionados com a vida em instituição residencial
Z59.4 Falta de alimentação adequada
Z59.5 Pobreza extrema
Z59.6 Baixo rendimento
Z59.7 Seguro social e medidas de bem-estar
social insuficientes
Z59.8 Outros problemas relacionados com a habitação e com as circunstâncias
econômicas
Z59.9 Circunstâncias não especificadas econômicas ou de habitação
Z60 Problemas relacionados com o meio social
Z60.0 Problemas de adaptação às transições do ciclo de vida
Z60.1 Situação parental atípica
Z60.2 Viver só
Z60.3 Dificuldade de aculturação
Z60.4 Exclusão e rejeição sociais
58
Z60.5 Objeto de discriminação e perseguição percebidas
Z60.8 Outros problemas relacionados com o meio social
Z60.9 Problema não especificado relacionado com o meio social
Z61 Problemas relacionados com eventos negativos de vida na infância
Exclui: síndromes de maus tratos (T74)
Z61.0 Perda de relação afetiva na infância
Z61.1 Remoção do lar na infância
Z61.2 Padrão alterado de relações familiares na infância
Z61.3 Eventos que originam a perda de autoestima
na infância
Z61.4 Problemas relacionados com abuso sexual alegado de uma criança por uma
pessoa de dentro
de seu grupo
Z61.5 Problemas relacionados com abuso sexual alegado de uma criança por
pessoa de fora de seu grupo
Z61.6 Problemas relacionados com abuso físico alegado da criança
Z61.7 Experiência pessoal amedrontadora na infância
Z61.8 Outros eventos da vida pessoal negativos na infância
Z61.9 Evento pessoal negativo não especificado na infância
Z62 Outros problemas relacionados com a educação da criança
Exclui: síndromes de maus tratos (T74)
Z62.0 Supervisão e controle inadequado por parte dos pais
59
Z62.1 Superproteção por parte dos pais
Z62.2 Educação numa instituição
Z62.3 Hostilidade com relação a uma criança, transformada em bode expiatório
Z62.4 Negligência emocional da criança
Z62.5 Outros problemas relacionados com negligência na educação dos filhos
Z62.6 Pressões não apropriadas por parte dos pais e outras falhas de educação
Z62.8 Outros problemas especificados relacionados com a educação dos filhos
Z62.9 Problema não especificado relacionado com a educação dos filhos
Z63 Outros problemas relacionados com o grupo primário de apoio, inclusive com a situação familiar
Exclui: problemas relacionados com: educação da criança (Z62) eventos negativos de vida na infância (Z61) síndromes de maus tratos (T74)
Z63.0 Problemas nas relações com cônjuge ou parceiro
Z63.1 Problemas nas relações com os pais ou com os sogros
Z63.2 Suporte familiar inadequado
Z63.3 Ausência de um dos membros da família
Z63.4 Desaparecimento ou falecimento de um membro da família
Z63.5 Rompimento da família por separação ou divórcio
Z63.6 Parente dependente de cuidados, residente no domicílio
Z63.7 Outros acontecimentos difíceis com incidência na família ou no lar
Z63.8 Outros problemas especificados relacionados com o grupo primário de
suporte
Z63.9 Problema não especificado relacionado com o grupo primário de suporte
60
Z64 Problemas relacionados com algumas outras circunstâncias psicossociais
Z64.0 Problemas relacionados com uma gravidez não desejada
Z64.1 Problemas relacionados com multiparidade
Z64.2 Procura e aceitação de intervenções físicas, nutricionais, ou químicas
conhecidas como perigosas ou nocivas
Z64.3 Procura e aceitação de intervenções comportamentais ou psicológicas
conhecidas como perigosas ou nocivas
Z64.4 Desacordo com conselheiros
Z65 Problemas relacionados com outras circunstâncias psicossociais
Z65.0 Condenação, sem prisão, por tribunal civil ou criminal
Z65.1 Prisão ou encarceramento
Z65.2 Problemas ligados à libertação de prisão
Z65.3 Problemas ligados à outras circunstâncias legais
Z65.4 Vítima de crime ou de atos terroristas
Z65.5 Exposição a catástrofe, guerra e outras hostilidades
Z65.8 Outros problemas especificados relacionados com circunstâncias
psicossociais
Z65.9 Problemas relacionados com circunstâncias psicossociais não especificadas
Ao cruzar os dados quantitativos da categorização realizada através da CID
10, houve uma relação estreita com os achados através do método qualitativo de
entrevista reflexiva tanto com os profissionais quanto com os responsáveis pelas
crianças.
Dos dados quantitativos, ordenamos entre os meses de Janeiro de 2009 à
Junho de 2010 os atendimentos sociais de acordo com a CID 10. É importante
61
ressaltar que não houve categorização para 100% dos atendimentos do Serviço
Social, pois para algumas situações não há categoria correspondente, como as
negligências, as ocorrências domésticas, os pacientes crônicos, os abandonos e a
não adesão ao tratamento.
Foram utilizadas tabelas para organização desses dados contendo as
variáveis sexo, idade e a CID 10. As características individuais, principalmente a
idade influenciam as condições de saúde e apontam a uma tendência no momento
de classificar as situações atendidas, por exemplo, o potencial para as negligências
é alto, já para os riscos para exposição ocupacional a fatores de risco é inexistente.
Veremos nas próximas páginas as tabelas 1 e 2 mostrando a distribuição por sexo e
idade e a tabela 3 mostrando a divisão dos atendimentos por agrupamentos na CID
10 e após a figura 01 com três destaques as categorias que mais obtiveram
atendimentos característicos.
Segundo Laurell:
Não obstante, a possibilidade de investigar o caráter social do processo saúde-doença através de objeto construído não se esgota na descrição distinta, mas a transcende. O estudo do padrão de desgaste e do tipo de patologia e sua distribuição nos grupos definidos por suas características sociais, também expõe a possibilidade de gerar conhecimento sobre a determinação destes processos, isto é, explicá-los. (Laurell, 1982, p. 12)
62
Tabelas
Tabela 1 – Pacientes por sexo e faixa etária referente aos doze meses do ano
de 2009.
Janeiro à Dezembro de 2009
Sexo Masculino Feminino Total
118 -52% 110 – 48% 228 – 100%
Faixa
Etária
0-11
MESES
1 – 11
ANOS
12 – 16 ANOS
79 – 35% 121 – 53% 28 – 12%
Tabela 2 - Pacientes por sexo e faixa etária referente a seis meses do ano
de 2010 e o total de 2009 e 2010.
JANEIRO À JUNHO 2010
SEXO MASCULINO FEMININO TOTAL
48 – 48,5% 51 – 51,5% 99 – 100%
FAIXA ETÁRIA 0 – 11 MESES 1 – 11 ANOS 12 – 16 ANOS
39 – 35% 41 – 53% 19 – 12%
TOTAL DE
ATENDIMENTOS
Jan à Dez. de 2009
228
Jan à Jun de 2010
99
Total
327
63
Figura 1 – Destaque para três categorias
Z 59.6 – Baixo Rendimento (83 casos)
Z 63.2 – Suporte Familiar Inadequado (41 casos)
Z 65.3 – Problemas Ligados a Outras Circunstâncias Legais (38)
65
A demonstração que as tabelas, o gráfico e a figura representam é relevante,
tendo em vista que há pelo menos vinte anos já se pensava que problemas
psicossociais também estavam relacionados á saúde e a doença. A CID 10 é um
documento criterioso, aprovado pela Assembléia Mundial de Saúde, que
regulamentou seu uso, como citado anteriormente, pelos Estados Membros da
OMS, que por sua vez, é uma agência mundial especializada em saúde e
subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU).
As tabelas 1 e 2 mostram o número de atendimentos classificados realizados
pelo assistente social, no total dos dezoito meses, foram 327 atendimentos,
distribuídos por sexo e faixa etária, o que confirma a faixa etária com maior
vulnerabilidade entre 01 e 11 anos, seguido dos bebês entre 0 e 11 meses. A figura
1 oferece uma visão mais restrita, porém apresentando os destaques da
classificação.
O gráfico 1 é uma outra maneira de visualizarmos o levantamento realizado.
O fato a se pensar é que o tema saúde/doença relacionado às circunstâncias
psicossociais é pouco explorado e em especial o agrupamento Z55 à Z65 da CID 10
é pouco difundido entre os trabalhadores da saúde. Desse modo, através da
investigação encontramos alguns achados importantes na relação entre os atores,
as atitudes desses atores frente às determinações sociais presentes no processo de
saúde/doença. Pensando apenas nas questões estatísticas já teríamos um ganho,
pois assim como epidemiologia, poderíamos traçar o perfil por regiões do Brasil e
buscar estratégias de enfrentamento a estas questões de risco à saúde.
A triangulação metodológica possibilitou a articulação das diferentes fontes,
permitindo que a interação entre os sujeitos fosse aprofundada.
A figura 1 tem como objetivo projetar a visão da engrenagem, porque assim
compreendemos a sociedade e da mesma maneira consideramos o processo de
adoecimento com o movimento semelhante ao de uma engrenagem.
Os sujeitos escolhidos foram por amostra probabilística típica, ou seja, foram
eleitos casos típicos, que apresentaram relação com as determinações sociais da
doença, oferecendo a possibilidade de compor a amostra de acordo com os
66
objetivos da pesquisa, compreendemos por casos típicos: as reinternações,
internações prolongadas, as negligências, maus-tratos, migrantes, os casos
classificados junto a CID 10, já em relação à equipe interdisciplinar todos poderiam
ser elegíveis por lidarem no cotidiano de suas atividades com a demanda estudada.
Para a metodologia qualitativa foi utilizada a técnica da entrevista reflexiva,
semiestruturada com um roteiro previamente elaborado. A entrevista foi gravada e
transcrita. Seguimos os critérios preconizados pela Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa e anteriormente submetemos o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa do
HU/USP, que concedeu a aprovação.
67
4.3 Análise dos Dados Quantitativos:
A questão inquietante que provocou esta investigação foi a percepção
empírica da influência dos aspectos sociais na internação, permanência prolongada
e na alta hospitalar.
Em meados de 2006 os assistentes sociais do HU/USP tiveram o
interesse de compreender melhor a CID 10, em especial o agrupamento Z 55 à Z 65
e a relação com os atendimentos sociais realizados.
Em 2009 iniciamos esse trabalho, pois compreendemos que este
conhecimento seria possível se aplicássemos a CID 10 aos casos atendidos.
A construção do levantamento se deu em relação aos atendimentos
realizados com os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente internado,
lembrando que a faixa etária para internação nesta enfermaria é de 29 dias a 14
anos, porém houve casos com 15 e 16 anos.
De 327 atendimentos entre 2009 e 2010, 270 estão na faixa etária de 0 a 11
anos, que conforme a concepção da equipe interdisciplinar, essa faixa etária é
extremamente dependente de cuidados e supervisão de um adulto responsável; já
em relação à variável sexo existe uma paridade, pois 166 são do sexo masculino e
161 do sexo feminino. Referente à classificação, ver a figura 1, pois houve destaque
para três categorias: 86 casos na categoria Z 59.6 – Baixo rendimento. Para esta
classificação utilizamos o critério da não efetivação da alta hospitalar por razões de
ausência de recursos para algumas finalidades que visavam a alta, como: a compra
de medicações visando o prosseguimento do tratamento no domicílio, a aquisição de
equipamentos como inalador, aspirador ou espaçador, e também quando a mãe não
podia permanecer integralmente com a criança internada por ter outros filhos e por
não ter o suporte de outras pessoas, além dos casos que não dispunham de recurso
para voltar ao domicílio na alta, necessitando de subsídios do Serviço Social ou da
UBS para acessar o auxílio-transporte, que neste caso não está relacionado a
benesse, mas tem como uma de suas funções a redução da tensão durante a
internação.
68
A categoria Z 63.2 – Suporte familiar inadequado - esteve relacionada a 41
atendimentos, para tanto os critérios estabelecidos foram: alguns tipos de acidentes,
como aqueles em que durante entrevista com o responsável ficou claro que o ponto
frágil consistiu na ausência de um adulto responsável próximo da criança, ou
aqueles casos em que seguir o tratamento ou não dependia exclusivamente da
criança ou adolescente, por exemplo, os diabéticos, os que necessitam medicações
de uso controlado e até os que necessitavam de antibioticoterapia, que inclusive
evitaria uma internação. Além dessas situações apareceram também as evasões
escolares e o uso abusivo de álcool, as intoxicações exógenas por ingestão
acidental de medicamentos ou produtos químicos de limpeza.
A outra categoria destacada foi a Z 65.3 – Problemas ligados a outras
circunstâncias legais com 38 casos atendidos, para esta classificação os critérios
foram: as situações envolvendo guarda irregular, ou guarda de fato como é
nomeado pelo judiciário, criança ou adolescente proveniente de outro Estado sem
um responsável legal, disputa pela guarda e conflitos envolvendo questões com
pensão alimentícia.
Lembrando que as classificações estão intrinsecamente ligadas ao processo
de saúde/doença e as reinternações e internações prolongadas que poderiam ser
otimizadas se não fossem as circunstâncias sociais presentes no cotidiano da
demanda em questão.
É importante esclarecer que os atendimentos mais complexos levaram mais
de uma categoria em sua classificação, por este motivo o número presente nas
categorias ultrapassa o número total casos atendidos, que foram 327.
A categoria Z55 - Problemas relacionados com a educação e com
alfabetização traduz a problemática em relação, por exemplo, aos responsáveis não
seguirem a terapêutica proposta em casa por não saber ler, portanto não
conhecendo as medidas, não conseguem medicar corretamente a criança, o que
causa reinternações ou prolongamento das internações para término do tratamento
no hospital, o que seria possível acontecer em casa. Esse problema foi atenuado
com um trabalho desenvolvido pela Farmácia do HU/USP de orientação com as
medicações prescritas para alta, com desenhos e cores, no lugar de horários e
medidas.
69
A categoria Z 56 - Problemas relacionados com o emprego e com o
desemprego tem principalmente a questão relacionada à ameaça da perda de
emprego por estar com o filho internado no hospital, sem a garantia da CLT de dias
abonados, mesmo com a declaração de acompanhante fornecida pelo hospital,
estas situações acabam por gerar conflitos fora e dentro do hospital, provocando em
algumas vezes as tentativas de evasão.
A categoria Z 57 – Exposição ocupacional a fatores de risco, não obteve
nenhum atendimento classificado, mas o motivo é bem claro, a população – alvo tem
idade entre 0 e 16 anos e ainda não tem idade laboral, conseqüentemente não está
expostas a estes riscos.
A categoria Z 58 - Problemas relacionados com o ambiente físico teve a
identificação de problemas com a exposição à poluição, seja atmosférica, seja por
ausência de rede de coleta de lixo ou de saneamento básico, estes problemas
também geram mais hospitalizações e até mudança de domicílio ou de cuidador,
quando possível, para não continuar a expor a criança a riscos.
Na categoria Z 59 - Problemas relacionados com a habitação e com as
condições econômicas houve destaque para o código Z 59.6, que implica em baixo
rendimento, mas neste ponto é importante referir que existe um índice elevado de
reinternações por problemas respiratórios, o que veremos também na análise das
entrevistas, na maioria das vezes porque o domicílio não possui condições mínimas
para acolher seus moradores, em especial as crianças.
A categoria Z60 - Problemas relacionados com o meio social, com elevada
representatividade aparecem os migrantes e imigrantes, indígenas com dificuldade
de aculturação, seja em relação aos costumes, seja em relação a língua, seja por
estarem só em São Paulo, geralmente isto determina internações muito
prolongadas, com dificuldade de acesso aos recursos de saúde no pós alta e até a
relação de confiança com a equipe leva mais tempo para se estabelecer.
A categoria Z61 – Problemas relacionados com eventos negativos de vida
na infância está relacionada os abusos, físico e sexual e outras perdas afetivas na
infância, que geram alteração no padrão comportamental não só da criança, mas da
família também.
70
A categoria Z 62 – Outros problemas relacionados com a educação da
criança, outra categoria muito comum de identificarmos, principalmente pelo
controle e supervisão inadequados por parte dos pais ou responsáveis, além da
ausência de limites ou da preocupação do cuidador, neste agrupamento
encontramos as reinternações e internações do paciente e de seus irmãos.
A categoria Z 63 – Outros problemas relacionados com o grupo primário
de apoio, inclusive com a situação familiar, este também mereceu destaque pelo
número de atendimentos classificados, a prioridade neste agrupamento se dá em
relação aos conflitos familiares entre a família por questões diversas.
A categoria Z 64 – Problemas relacionados a algumas outras
circunstâncias psicossociais, a relação presente neste agrupamento se dá em
relação a gravidez não planejada, em sua maioria com mães adolescentes, o que
dificulta o cuidar de maneira a manter a criança saudável no que depender do
cuidado, além das mães multíparas o que gera conflitos durante a internação pelo
desgaste da principal cuidadora, a genitora, ou ainda pela ansiedade de ir embora,
ou pelas reinternações freqüentes causado pela ausência dos cuidados adequados.
A categoria Z 65 – Problemas relacionados com outras circunstâncias
psicossociais, neste caso a classificação se dá quando pai ou mãe está preso, o
que pode implicar em uma guarda irregular, na ausência da certidão de nascimento.
Sem a regularização da guarda, quando o cuidador não é um familiar colateral ou
sem o registro civil a alta não acontece.
Discorremos sobre cada agrupamento, mas a intenção é de suscitar o desejo
de conhecer o que existe em cada categoria.
Agora podemos iniciar a análise das entrevistas.
4.4 Análise dos Dados Qualitativos:
Ao trabalhar com a metodologia quantitativa não temos a pretensão de
comprovar ou refutar uma hipótese, mas construir a partir das narrativas, ou seja,
com aquilo que apresenta o sujeito relacionado aos determinantes sociais no
processo de saúde/doença durante a hospitalização, com o recorte nas internações
prolongadas ou recidivantes.
71
A entrevista reflexiva proporcionou ao pesquisador e aos colaboradores
momentos ímpares em razão da possibilidade de trazer ao diálogo, questões que
em alguma parte da história provocaram sofrimento, porém em outras
potencializaram expectativas de que as condições favorecedoras não só do
adoecimento, mas do processo de saúde/doença poderia ser mais tênue gerando
menos sofrimento ou até superadas.
O processo reflexivo exige interação, é como uma síntese, ao mesmo tempo
em que o pesquisador propõe as questões norteadoras, ele vai adquirindo a
confiabilidade do sujeito, que vai refazendo sua trajetória, seja ela profissional,
pessoal ou ambas.
O objetivo é alcançado quando o entrevistador tem êxito em
desenvolver também o papel de receptor da narrativa do sujeito, porque essa
narrativa é plena de significados, nos traz a lembrança o trabalho de um tapeceiro
tecendo em seu tear, entrelaçando os fios coloridos ou não.
Houve questões de esclarecimentos para que o foco pudesse ser
mantido, o que não impediu o fluir das entrevistas.
Depois da realização das entrevistas houve mais um período muito
valioso, que foi o de reouvir e transcrever o áudio. Ao ouvir novamente, tenho a
impressão de ganhar riqueza de detalhes, às vezes pelo enfoque de uma fala,
outras por uma expressão facial que foi impressa na memória do pesquisador; cada
gesto, alteração no tom de voz ou mudança na construção da reflexão foi de máxima
importância. Por fim, a última percepção do pesquisador foi a sensação de tornar a
escuta algo importante, com valor ao profissional e ao responsável pela criança,
naquele momento não era simplesmente uma pesquisa de campo, mas a escuta de
uma trajetória longamente percorrida.
Em relação aos aportes para análise, fomos guiados pelo materialismo
histórico e dialético e também por autores contemporâneos, estudiosos do tema e
que muita contribuição ofereceram, como Asa Cristina Laurell, Roberto Passos
Nogueira, Naomar de Almeida Filho, Ana M. B. Bock com o estudo sobre a
subjetividade e o significado, Arno Engelmann com as referências sobre consciência
imediata e mediata e outros necessários à análise, o que vimos no capítulo anterior.
72
Realizamos quatro entrevistas com dois profissionais e dois
responsáveis por crianças, conforme os critérios já mencionados.
CAPITULO V
5.1 As Entrevistas
Os roteiros das entrevistas foram elaborados com o objetivo de conhecer a
atuação dos DSS nas demandas atendidas e como a equipe interdisciplinar
reconhece a influência dos DSS no processo de adoecimento, além disso, ambos os
roteiros estão interligados para saber se o entendimento que a equipe tem vai de
encontro à compreensão dos pais ou responsáveis.
Um único TCLE foi elaborado para profissionais e pais ou responsáveis por
crianças internadas.
Antes de iniciar a entrevista houve uma prévia dos objetivos do estudo
destinada a ambas as categorias de sujeitos de pesquisa.
Da compreensão dos DSS no processo saúde/doença:
Observamos que a compreensão existe por parte dos profissionais, e que os
DSS fazem parte da reflexão no momento de definir condutas, porém os conceitos
não são muito aprofundados. Vejamos os dois relatos tendo como fonte os
profissionais da equipe interdisciplinar:
Na minha opinião os determinantes sociais interferem o tempo todo de uma forma muito grande, muito importante, desde a questão de coisas básicas para o indivíduo ter sua saúde física, emocional/psíquica até realmente no adoecimento, porque, claro uma pessoa que não está bem adoece mais fácil, pensando em todos os sentidos, higiene, a questão de imunidade, o paciente desnutrido, é muito complexo mesmo e também quando ela adoece ela tem dificuldade de seguir orientações, ela não compra o remédio, se ela compra ela não usa direito, ela não sabe ler ou não entendeu direito, também tem a questão do papel do serviço de orientar melhor e acaba com certeza internando mais, adoecendo com mais
73
freqüência, e como não tem o cuidador hoje elegível para a criança, por causa disso acaba internando muitas coisas que antigamente eles davam conta de cuidar em casa, tinha aquela pessoa que se propunha a ter o cuidado e ficar de olho. Sujeito I Pela definição da OMS, quando fala que saúde é o bem-estar físico, social e mental do indivíduo a gente vê que, entender saúde nesta complexidade, nessa amplitude, você dificilmente vai encontrar alguém 100% saudável. São quatro pilares, o físico, o biológico e o social e o afetivo/emocional, que precisam estar equilibrados para que você tenha saúde. Então, isto vai acarretar doenças, vai acarretar o desequilíbrio biológico e também causar a desestabilidade emocional, esse desequilíbrio vai promover uma hospitalização e durante esta hospitalização isto não foi trabalhado vai ocorrer uma reinternação e tantas quais forem necessárias até a gente poder centrar esta família para que ela volte a ter um equilíbrio mínimo, não vou colocar totalmente saudável para que ela tenha esta manutenção de vida no cotidiano fora do ambiente hospitalar. Sujeito II
Ambos os sujeitos demonstram interação em relação ao assunto posto, um
pelo viés da empiria e outro faz uma tentativa de utilizar o conceito de saúde,
pontuando que as partes se somam, quando afirma que o físico, aqui a
compreensão estabelecida é do corpo que recebe estímulos externos na produção
de doenças, o biológico como inerente ao ser, o social e o afetivo/emocional.
Considerando que até o momento trabalhamos integralmente as demandas e o
sujeito do processo de saúde/doença, as narrativas vão fazendo a mesma trajetória.
No entanto, é necessário constatarmos de que maneira os pais ou responsáveis
pela criança internada apreendem a realidade com vistas a planejar ações que
contemplem os sujeitos mesmo que não tenham uma compreensão adequada dos
processos estruturais que favoreceram o adoecimento.
As narrativas nos conduzem a compreensão de que a equipe de saúde
também rompeu com o paradigma biologicista da concepção de saúde trazendo ao
seu campo de atuação a complexidade do processo de adoecimento sempre
relacionando seus pensamentos à prática, os profissionais usaram de sua
experiência cotidiana para compreender a influência dos DSS na vida do indivíduo.
A interface da compreensão dos DSS por parte dos responsáveis pelas
crianças ou adolescentes aparece nas narrativas através da primeira questão
direcionada a eles, quando a intenção foi conhecer o significado de ter saúde ou
74
estar doente. Esta questão também teve como objetivo saber se o sujeito
apresentava a consciência imediata ou mediata do processo de adoecimento:
Às vezes eu acho que teve que acontecer isso tudo com o B. para eu prestar mais atenção, para estar mais do lado dele e foi uma coisa que aconteceu muito rápido, eu nem esperava que acontecesse isso, então é complicado, porque é difícil estar com seu filho bonzinho, até os 07 meses estar bem e de repente ficar ruim e grave do jeito que ele ficou. É muito difícil ver seu filho entubado do jeito que ele ficou passar por quatro cirurgias, mas graças a Deus eu consegui superar tudo isso, e mesmo eu estando sozinha consegui superar tudo isso, na primeira vez ele ficou um mês e meio na UTI e um mês e meio na Pediatria. Tem gente que fica mais tempo, mas é difícil. Sujeito III Eu falei pro pai dela, ela mesma não fica doente porque ela quer tadinha, mas porque dá, né? A saúde dela é boa e daqui a pouco fica doente, sem problema nenhum, porque ela tava boa e de repente começou a aparecer isso, não sei como, pra mim era catapora, estava bem pequenininho, aí começou a crescer, eu levei ela no posto e falaram que era furunco, lá mandaram eu trazer logo. Sujeito IV
Os sujeitos III e IV demonstram através de suas narrativas que saúde é
ausência de doença, porém o sujeito III adiciona algumas características peculiares
à consciência de que deveria supervisionar melhor a criança, além de pontuar a
ausência de suporte. O sujeito IV mantém o seu foco na doença.
Ao ponderarmos sobre as narrativas dos sujeitos III e IV, constatamos que
embora para a equipe a presença dos DSS seja notável na vida das crianças,
adolescentes e de suas famílias através das situações que se repetem, com as
reinternações freqüentes, os responsáveis não possuem clareza do que pode levar a
criança ao processo de adoecimento não tendo identificando as causas mais
estruturais que estão em torno do processo de saúde/doença. A técnica da
entrevista reflexiva foi aplicada, mas a ausência de recursos internos dos
entrevistados coibiu o processo reflexivo e não permitiu que fosse elaborado
nenhum novo pensamento a respeito do processo de adoecimento o que gerou
freqüentes reinternações.
75
Indicadores sociais relacionados às patologias
Das patologias que geram um maior índice de internação investigamos os
profissionais para saber se perceberam onde estaria a maior prevalência em relação
as determinações sociais.
Notamos que ambos os profissionais entrevistados enfatizaram em primeiro
lugar as doenças respiratórias e depois trouxeram ao cenário diferentes indicadores.
Selecionamos dois trechos que mostram a análise de cada profissional e a relação
que estabelecem entre a patologia e alguns determinantes sociais:
As doenças respiratórias, principalmente as atopias que no bebê é um diagnóstico mais difícil, mas chamamos de crise de sibilância, justamente porque tem um ambiente doméstico muito ruim, tem muita poeira e não é só por falta de higiene, mas porque muitas vezes mora em um lugar que propicia isto, não tem uma boa casa ou não tem uma boa vedação, tem umidade, o chão é ruim e tem muito animal, embora eu não seja contra animais, mas tem que estar limpo, bem cuidado, separado principalmente do contexto dos bebezinhos. Isto seria o que eu considero mais importante. Outra situação que a gente tem bastante e que há controvérsia é a doença do refluxo gastroesofágico, que também causa doença respiratória de repetição, e a questão é: a criança não tem lugar para ela dormir, muitas vezes dorme junto com os pais, aí não fica no lugar em decúbito correto, eu acho também que aí não dá para dizer que é a questão alimentar, porque em geral a alimentação não é boa, mas não tem mágica, porque falta dinheiro ali, então a criança não chega a ficar desnutrida, como eu vi no começo da minha carreira, que havia o desnutrido grave, mas um certo grau de desnutrição, um certo grau de inadequação alimentar a gente sabe que com certeza vai ter e isto interfere em tudo, na recuperação e na imunidade geral da criança. No caso das crianças que tem gastrostomia, também é difícil adquirir a dieta especial, o ideal seria o leite materno, mas normalmente a mãe não amamenta até os seis meses, em parte porque tem que trabalhar, mas usar a fórmula que é o preconizado é impossível, uma lata de leite a RS 20,00 e dura uma média de quatro dias. Quem consegue na nossa população arcar com este valor? É impraticável. Sujeito I A gente tem as questões respiratórias, que justamente pela questão de morar num lugar inadequado, os pais fumam, não há pulmão de lactente que resista a essa vida, então você tem esta questão respiratória, que é bem forte principalmente nos bebês. O corpo está em formação, está se desenvolvendo, ele saiu da barriga da mãe e foi para um ambiente em que ele respira mal, já basta a poluição de São Paulo, a qualidade do ar já não é boa por si só, a qualidade da casa não é boa [...] Outras patologias que a gente pode estar chamando de acidentes, que os acidentes com medicação, com produtos químicos e os acidentes ou por atropelamento ou por arma de fogo, que aí mostra um certo descuido da família com esta criança, que não anteviu os cuidados necessários[...] Então a parte respiratória, a parte dos acidentes domésticos, as negligências de um modo geral, eu acho que são os grandes focos da pediatria.
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As narrativas revelam uma inquietação quando algumas expressões
são utilizadas nos remetendo ao pós - alta. Neste ponto me coloco como
observadora, pois conhecendo o trabalho dessa equipe, não é difícil compreender o
que está nas entrelinhas. Portanto, quando o sujeito I se refere as condições
precárias de moradia, a interrupção no aleitamento pela necessidade de trabalhar, o
valor da fórmula alimentar utilizando a palavra impraticável, ele está significando
problemas mais estruturais, pontuando também sua angústia e impotência, pois de
um lado é a Sociedade Brasileira de Pediatria que preconiza a fórmula, que muitos
não terão acesso e de outro as condições de moradia que não apresentam
perspectiva de melhorias.
O sujeito II além de citar os problemas respiratórios, se refere aos acidentes
por negligência, quando fala da falta de cuidados necessários, o que nomeamos de
ausência da supervisão de um adulto.
Consideramos indicadores, pois ao mesmo tempo em que a equipe constata
a presença dos determinantes sociais operando no processo de saúde/doença da
criança, estes mesmos indicadores podem revelar o que está por trás de freqüentes
reinternações.
O significado atribuído pela equipe de encontro à percepção da
família
Por intermédio das narrativas dos sujeitos III e IV é possível verificar que o
mencionado pela equipe é a realidade vivenciada pelas crianças em seu núcleo
familiar.
Acho que uma parte foi culpa minha, eu saía com ele na friagem, mas eu também não via o outro lado que ele podia ficar doente, a outra parte foi a pneumonia, na pneumonia vai tudo friagem e outras coisas, mas eu via minhas amigas saindo com os filhos delas, então eu queria fazer isso também.Sujeito III Nas outras internações ela já teve problemas com pneumonia e bronquiolite, falaram que era alergia dos bichos, dos ursos, os bichos de pelúcia, que ela brincava muito e depois que eu tirei os ursos melhorou, nunca mais ela internou, depois que ela começou a tomar o fenobarbital para as convulsões ela melhorou, ela tinha uma febre que ninguém descobria, depois quando foram ver era isso. Sujeito IV
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O sujeito III relata sentir culpa pela gravidade do quadro que a criança
adquiriu, e também demonstrou imaturidade ao desenvolver a maternagem, sentindo
falta do suporte de familiares verbalizou em outros momentos que não contava com
o apoio de ninguém para oferecer os cuidados necessários. Esse trecho da narrativa
encontra a narrativa do sujeito II, vejamos:
[...] se você tem um filho, você tem certas preocupações, condições financeiras, de cuidado, de moradia, de alimentação, que você precisa ter em mente, antes de planejar esta gravidez, que muitas vezes não é planejada.
O sujeito IV atribui a patologia respiratória à ausência de orientações, que ao
serem realizadas, o problema foi sanado. Todavia, ocorre que o sujeito IV não
percebeu que outras internações aconteceram, porém com diagnósticos que se
assemelhavam a negligência nos cuidados mais básicos.
Os responsáveis se sentiram culpados pelas patologias adquiridas pelas
crianças. A culpa gerada no processo de adoecimento e nas reinternações não é
favorável na construção da reflexão sobre sua vivência, além de não oferecer meios
para transformação e resiliência.
A atuação da equipe interdisciplinar na enfermaria de Pediatria
A equipe interdisciplinar tem uma forte atuação nas demandas provenientes
de internações provocadas ou potencializadas pelos DSS.
As narrativas contribuíram para dar visibilidade a este trabalho, como ele
acontece e quais objetivos buscam, mas assim como os DSS não está explícito o
conhecimento de sua fundamentação teórica por parte dos profissionais, que
nomeiam a prática de multidisciplinaridade, mas na sua atuação utilizam da
interdisciplinaridade.
Seguem alguns trechos das narrativas:
A gente percebe que cada um tem uma visão e cada um consegue complementar a visão do outro, a gente aprendeu junto, justamente nesses casos mais complicados a pensar junto [...] eu não consigo imaginar um
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serviço com esta complexidade sem um grupo atuante como o nosso, acho que a gente aprendeu muito, acho que beneficiamos muitas pessoas, acredito de verdade que a gente faz diferença [...] Se eu tivesse que dizer o que este grupo mais faz eu responderia dar altas difíceis, a G.O.S. é o extremo disso, você precisa fazer uma ginástica, e no grupo cada um faz sua ginástica super bem e ajuda o outro. [...] Eu lembro de uma criança com retardo grave, mas para aquela família ele era importantíssimo, a mãe o trazia e dizia que ele não estava bem, e não estava mesmo. No grupo multidisciplinar a gente aprende a ouvir, porque eles só estão precisando que alguém escute, ninguém quer saber e todo mundo foge. O que é melhor para essa criança, qual o recurso que ela precisa, isso a gente aprendeu e faz bem. [...] Aquilo que eu falei, chegaram as meninas (TO) começaram a dar um monte de opinião, eu não acho isso ruim, mas isto acontece porque nós pensamos que somos donos de tudo isso, não é ruim ter este sentimento, embora claro, tem que haver um equilíbrio, mas é bom porque no serviço público ninguém quer saber de nada, é dono só para ter a posse, não para cuidar, para melhorar. Se eu parar agora eu já ganhei. É um grupo que não é só de pessoas especiais, é um grupo de profissionais que têm uma bagagem muito grande. A gente pode até dizer com essa situação a gente já sabe lidar, sabemos, mas sempre tem um detalhe que a gente não sabe e com este detalhe a gente consegue no grupo muita coisa. [...] Então tem outra coisa que eu não falei, eu estou lá no meu dia-a-dia e tem um caso complicado, eu penso vou ver, mas eu vou deixar para discutir com a equipe, é uma cultura, por exemplo, este aqui vai precisar discutir na equipe e os outros colegas também fazem isso, pedem para levar alguns casos para discussão na equipe, então você vê que não é um detalhe. [...] A gente discute, vê e eu acho até que tem um clima de brincadeira, porque é muito pesado e aí eu acho que a gente consegue se ajudar também neste aspecto, porque existe um custo emocional do nosso trabalho, a gente chegou a discutir 10 casos e todos muito complexos. No dia-a-dia a gente pede muito para vocês ajudarem, de novo o papel do serviço Social, mas quando discute na equipe fica mais abrangente. Sujeito I
Independente das reuniões que acontecem uma vez por semana, acontecem também os encontros nos corredores, então é assim, o paciente chega, a reunião já aconteceu, os profissionais têm uma boa comunicação, uns procuram aos outros para estar passando o caso, para estar falando o que cada um sabe daquele caso, o que escutou do acompanhante ou da própria criança para estar montando o perfil deste caso e para estar direcionando o atendimento, então o médico vai estar cuidando da parte clínica, o assistente social tem a sua preocupação, a brinquedista, a psicóloga, a fono, a TO, o enfermeiro, o farmacêutico, a nutricionista, todos os funcionários da equipe têm um olhar diferenciado, porque o ser humano é multifacetado, tem o ser humano biopsicossocial, que é o tripé da OMS. Quando você fala este termo, você tem que realmente olhar o ser humano desse jeito, não adianta você só usar o termo e você não ter este olhar diferenciado. O que eu vejo no atendimento da equipe multi é que existe esse olhar diferenciado, essa comunicação entre a equipe é o que faz com que o atendimento seja redondo, que ele seja muito bem estruturado porque cada um às vezes tem uma informação da mãe dependendo de qual é o entrosamento que tem com esta família e traz para a reunião, para as nossas conversas as características de cada paciente. Pensando nisto a gente vai ver como é a estrutura familiar, como essa família se organiza socialmente, quais são as relações entre mãe e filho, entre os pais, a questão da violência, do abuso, dos cuidados, da negligência, são questões que a gente vai norteando e a gente consegue caracterizar este paciente,
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esta família e aí a gente consegue ter quais são os recursos disponíveis na rede, assim a gente consegue orientar esta família de forma adequada para que ela tenha autonomia nas ações. Sujeito II
Até o momento os sujeitos I e II descreveram a interdisciplinaridade
chamando-a de multidisciplinaridade. Todavia a interação entre os profissionais
acontece e está claro que a cada discussão, a cada nova descoberta a respeito da
dinâmica familiar ocorre a construção do conhecimento, que irá gerar uma postura
crítica e mais segura entre os profissionais que favorecerá a tomada de decisão,
também conhecida na saúde por conduta da equipe.
A interdisciplinaridade é uma metodologia de trabalho, que como vimos na
história da unidade de Pediatria vem sendo construída, não apenas porque a equipe
resolveu que iria introduzir uma nova metodologia, mas através da necessidade de
planejar novas formas de enfrentamento a questões cada vez mais complexas do
cotidiano da saúde. É possível que por esse mesmo motivo a equipe ainda não
tenha claro o que é trabalhar sob a perspectiva da multi ou da interdisciplinaridade,
apesar de exercê-las na prática. Essa mesma equipe já sinalizou por várias vezes a
necessidade de uma supervisão técnica, pois ao lidar com situações cada vez mais
complexas sentiu a ausência do suporte técnico, mas com o passar dos anos foram
sendo criadas estratégias de atendimento desenvolvidas internamente.
Veremos agora a voz uníssona dos profissionais a respeito das críticas:
A conversa com os pais em equipe eu também acho que a gente ganhou muito, eu acho que é um marco nosso, porque cada um conversar é claro que é maravilhoso, é válido às vezes só de sentar para conversar já muda tudo, mas o grupo... eu escutei falar assim: “Nossa a família não se sente acuada?” Houve uma época que sim, mas não é o que costumamos fazer, três, quatro profissionais com o casal ou com a mãe e a avó, é claro que cada um tem seu foco profissional, isso a gente aprendeu a fazer e eu acho bárbaro. [...] Aquilo que eu falei, chegaram as meninas (TO) começaram a dar um monte de opinião, eu não acho isso ruim, mas isto acontece porque nós pensamos que somos donos de tudo isso, não é ruim ter este sentimento, embora claro, tem que haver um equilíbrio, mas é bom porque no serviço público ninguém quer saber de nada, é dono só para ter a posse, não para cuidar, para melhorar. Se eu parar agora eu já ganhei. Sujeito I
Ás vezes, esse trabalho não é tão perfeito, porque como a gente está lidando com seres humanos, não basta a nossa expectativa ser uma e a expectativa do acompanhante e paciente ser outra. Então temos que conhecer esta família, mas também dar o suporte para ela e orientar para
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que ela seja autônoma, não que ela tenha esta heteronomia( sujeição a lei exterior ou à vontade de outrem) vinculada ao hospital, esta questão do ganho secundário, do estar sendo cuidado, ela tem que aprender a se cuidar e a cuidar do seu núcleo familiar. [...] A gente se sensibiliza, cada um tem uma história de vida, uma expectativa perante aquela família, uma angústia perante o prognóstico dela então a gente transfere todos os nossos medos, todas as nossas frustrações, às vezes a gente pode pensar, a gente vai querer que aconteça assim e assim e às vezes não é até o que a família deseja. Dependendo do tempo de trabalho, a gente pensa ah esse deu certo assim, mas esse agora não está dando desse jeito que a gente está indo, então as vezes a gente tem a expectativa que a mãe é a melhor cuidadora e descobre que outro familiar realmente é o melhor cuidador, a melhor pessoa para cuidar da criança e as reinternações acabam, porque a genitora visava o ganho secundário, então ela as vezes não intencionalmente, mas até é uma coisa subinconciente, o cuidado dela não era tão bom, para que ela voltasse ao hospital e a gente vendo, que o que nos angustia é que essa criança não vai ficar com a mãe, vai ficar com uma tia, vai ficar com a avó, mas ficar com uma tia, com uma avó ou com uma cuidadora que realmente cuide dela, tenha esse olhar diferenciado de dar uma assistência, o melhor possível para esta criança, a gente vê que as reinternações acabam. Então, às vezes a gente vai vendo que precisa entender que tem a nossa visão, a do acompanhante e a visão da criança, nós enquanto adulto responsável durante a internação e o adulto responsável da família; nós estamos dialogando para que tenha a melhor finalização ao paciente.
Com as duas últimas narrativas percebemos que existe um nível de
ansiedade na equipe, e algo que vem sendo discutido é a questão das expectativas
diferenciadas entre os responsáveis pelas crianças e a equipe. Cada um espera algo
da família, porém não é seguro afirmar que as famílias se configuram da maneira
que nos parece mais adequado. Este é um momento de tensão da internação, pois o
assistente social encontra resistência ao apresentar o panorama da situação sócio
familiar que envolve a criança e qual é o potencial para transformação. Procuramos
explorar intensamente as particularidades de cada família atendida pela equipe
interdisciplinar, pois somente dessa maneira poderemos construir um plano de ação.
Ressaltamos aqui que o diferencial dessa equipe, como o sujeito I trouxe em
sua narrativa, fazer reuniões com a família, pois neste encontro buscamos a
aproximação, esclarecemos os pontos mais frágeis do processo de adoecimento,
projetando ao pós-alta; e a partir desse momento refletir com o protagonista desse
processo a melhor conduta.
O encontro com os responsáveis pela criança é um campo de apoio a estas
famílias, que só tem gerado bons resultados. Essas reuniões dispõem de horários
flexíveis, só terminam quando dúvidas e controvérsias são exaustivamente acolhidas
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e esclarecidas, a equipe ganha por se aproximar da vivência de cada uma e por
desmistificar que obrigatoriamente a família necessita atender as suas expectativas.
Este é um campo da igualdade, pois de um lado encontramos o saber técnico, de
suma importância no processo de restabelecimento da saúde e de outro aquele que
também prima pelo cuidado da criança, seu responsável.
Faz parte da rotina do trabalho interdisciplinar valorizar o que a família
apresenta de concreto, pois revelarão indícios do que ocorre no cotidiano da criança
que não conseguimos apreender enquanto temos a visão parcial da situação.
O sujeito I narra um sentimento de posse presente na saúde que não é
sinônimo de cuidado e reconhece que isso já ocorreu na equipe do HU/USP.
Constatamos também que a pressão aos pais ou responsáveis já aconteceu nos
encontros da equipe, mas existe um cuidado hoje para que os encontros sejam
reveladores de estratégias partilhadas por ambos, equipe e o responsável pela
criança.
O sujeito II começa dizendo que o trabalho não é tão perfeito por lidarmos
com seres humanos, podemos entender como seres complexos, dotados de história,
vivência, limitações, expectativas que nem sempre são apreendidas por um ou mais
profissionais. O sujeito II trabalha melhor as frustrações em relação as suas
expectativas enquanto profissional, sabendo que elas podem ou não ir de encontro a
realidade do protagonista da história, afirmando que um bom resultado pode ser
alcançado quando a equipe apóia este sujeito para que ele conquiste autonomia e o
fortalecimento para seguir sua trajetória após a alta hospitalar.
O papel da equipe e a importância da família e as críticas podem ser notados
no trecho seguinte:
Então precisamos saber falar, mas precisamos saber escutar e enxergar coisas até no escuro, dar tentativas às pessoas para que elas possam mostrar realmente qual o potencial delas e a gente subjuga o potencial das pessoas também, a gente carrega no colo durante um tempo, mas é igual filho, você tem que por no chão e ensinar a andar para que ele caminhe sozinho também, é assim que eu cuido das minhas crianças com amor e carinho. Primeiro eu carrego no colo, conforto, ensino e depois vai andar, ele tem que aprender a andar sozinho como todo mundo, é uma coisa bem simples, mas é a evolução da vida. Todo mundo foi carregado no colo durante um período para que depois pudesse andar com ajuda, com apoio, com alguém do lado e depois ser independente como todos nós crescemos e somos. Sujeito II
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Falar, escutar e enxergar no escuro traduz o trabalho dessa equipe,
que desde a sua implantação na enfermaria de Pediatria vem conquistando seu
espaço e trabalhando as demandas através das necessidades diárias.
O conhecimento interdisciplinar deve ser a lógica da descoberta, uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios do Saber, deveria ser uma atitude, que levaria ao perito a reconhecer os limites de seu saber para receber contribuições de outras disciplinas. Toda ciência seria complementada por outra e a separação entre as ciências seria substituída por objetivos mútuos. Cada disciplina dá sua contribuição, preservando a integridade de seus métodos e seus conceitos. (1989 apud ELY, 2003, p.115)
Chegando ao final da análise da interdisciplinaridade, afirmo que além
da comunicação entre os domínios do saber, compreendido aqui como o saber
técnico, estendemos a comunicação, a integração e a interação aos pais ou
responsáveis pelas crianças internadas, porque os consideramos protagonistas do
processo de saúde/doença e neste ponto consiste a diferença do trabalho no
HU/USP.
Em relação à expectativa do período de internação
Observamos através das narrativas que a internação pode ou não
gerar sofrimento ou estresse, principalmente em quem permanece como
acompanhante e também foi possível constatar a importância da realização dos
encontros com a família pelo nível de ansiedade gerado no familiar responsável pela
criança.
Eu estava muito triste, eu estava muito desanimada, já não estava agüentando mais, ia fazer uma tomografia, tinha alguma coisa, ia fazer ultrassom tinha outra coisa, eu já não agüentava mais, toda vez que ia fazer alguma coisa tinha que ter algum problema, então já estava muito cansada. Eu estava impaciente, ia lá fora não agüentava, eu não agüentava mais ficar aqui, só que eu não ia deixar meu filho aqui para eu ir para casa e se acontecer alguma coisa com ele e ninguém me avisar. Imagina, inclui tudo isso, até discuti com uma funcionária, hoje em dia eu nem falo nada, eu fico com vergonha. Eu aprendi bastante coisa, porque a gente acha que tem problema, mas a gente vê que tem pessoas com mais problemas do que a gente. Então eu aprendi muito principalmente no HC, o meu medo era o B. colocar traqueo, mas graças a Deus ele não precisou de nada disso, o Oxigênio logo logo tira, só que não tenho nada a reclamar daqui, nunca deixaram de falar nada pra mim, nunca me esconderam nada, não tenho nada que reclamar daqui, nem do Santa Marcelina, a única coisa que eu
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queria que tivesse lá era uma UTI para ficar mais fácil, porque eu levo 3 horas para chegar aqui. Sujeito III
O assistente social tem o dever de conhecer e articular essa demanda
junto aos demais profissionais, porque o julgamento a respeito do comportamento do
familiar responsável pela criança tem peso nas condutas da equipe. Ao agir sem
conhecer as singularidades presentes nessas situações não contribuiremos com a
sistematização e organização de dados que levarão a condutas menos ajustadas as
reais necessidades da criança e da família.
Às vezes um comportamento agressivo ou pouco comunicativo tem
razões como as apresentadas pelo sujeito III, como a distância, as múltiplas
determinações clínicas, dentre outros.
A narrativa do sujeito IV mostra que apesar das reinternações não há
sofrimento ou impaciência com a situação de adoecimento, mas existe um ganho
secundário que não foi verbalizado, como os benefícios advindos da hospitalização,
os não palpáveis: organização da rotina de alimentação, a higienização, a atenção
de todos os membros da equipe de atendimento da enfermaria. Os palpáveis: auxílio
transporte, medicação para término do tratamento em domicílio, equipamento como
inalador, dentre outros. O sujeito II nomeou situações como esta de ganhos
secundários, pois o primário seria o tratamento da criança.
Eu acho que pra mim é bom, porque o hospital cuida direitinho das crianças e dentro de casa a gente não sabe o que faz quando fica doente. Eu falei pro pai dela, eu sei que é ruim ficar aqui dentro, tem que ter paciência, mas é melhor aqui do que pegar outras doenças. Desta vez em casa ela estava sofrendo muito, porque eu não sabia que era furúnculo e para vir o SAMU disse que iria atender se estivesse morrendo, então um vizinho emprestou R$ 6,00 e a gente trouxe. Sujeito III
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A percepção dos pais em relação à equipe interdisciplinar
Não foi observado, pois ambas as narrativas estão relacionadas com o
atendimento dos profissionais e com a clareza de informações, mas não sugerem
que o trabalho interdisciplinar seja percebido pelos responsáveis.
Eu acho que todos falam a mesma coisa aqui, eu perguntei a mesma coisa a dois profissionais diferentes e os dois me falaram a mesma coisa [...] Eu não tenho o que falar, porque eles estão atendendo bem, estão cuidando bem, falam a mesma coisa, não me escondem nada. Sujeito III Nas outras internações a fisio veio, depois o neuro, veio cuidou dela, mudou o remédio dela e agora ela está melhor. O atendimento é bom, cada um vê o que ela precisa. Sujeito IV
Quanto ao estabelecimento de vínculo com um profissional
Compreendemos que mesmo com o trabalho interdisciplinar o vínculo a ser
estabelecido não será com todos os profissionais, mas o familiar terá maior
aproximação a um ou dois profissionais, e este poderá exercer a interface entre
familiar e equipe.
Ambos os sujeitos, III e IV conseguiram estabelecer vínculo com a
enfermagem e um dos sujeitos incluiu a figura do assistente social.
Alta hospitalar: desafios e expectativas
O sujeito III apresentou expectativas sobre a alta, mas listou os desafios e
dificuldades. O sujeito IV demonstrou indiferença e não se manifestou em relação a
alta, mas pontuou a possibilidade de permanecer no hospital, caso o seu problema
anterior seja solucionado que é o fornecimento do vale transporte para ambos os
pais.
A maior dificuldade para ele sair de alta foi o oxigênio, ale de ter a dificuldade de ter alguém aqui para poder ficar com oB. Enquanto eu ia ver tudo isto, no posto foi muito rápido, mas o problema foi o oxigênio de transporte, minha mãe teve que alugar para levar ele para casa, foi R$ 80,00 e R$ 20,00 para levar até em casa.e o pai dele não ajudou em nada. Eu ficava pensando que ele ia sair rápido do oxigênio para eu poder
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trabalhar. Hoje em dia não, eu estou mais calma, eu vi que ele fica mais em hospital do que em casa, to seguindo tudo com ele, depois que minha prima faleceu, eu coloquei uma coisa na minha cabeça, eu quero ver o B. crescendo, eu quero ver o B. evoluindo, não quero que ele seja como o pai dele com certeza, então quer sempre estar ali junto com ele. Eu quero levar ele no Shopping. Eu tenho dezoito anos e todo mundo fala pra mim, você é muito nova para passar por tudo isso. Hoje eu estou namorando e o carinho e atenção que eu não tive do pai do meu filho ele me dá, ele gosta de mim, gosta do B. Sujeito III O problema era que eu tinha que ir em casa e ficar pedindo passe no Serviço Social, não me preocupo de ficar aqui, não tem problema nenhum nem pra mim, nem pra ele, se arrumar passe dá pra ele vir todo dia, entendeu? Porque agora a gente mora um pouco longe, aí pra ele vir andando não dá. Sujeito IV
A importância do trabalho interdisciplinar é visível até o final do período
de internação, pois as demandas trazidas pelas famílias não cessam, e se não
houver intervenção nas situações expostas, os DSS atingirão com mais freqüência
as famílias provocando o adoecimento. No mesmo compasso as reinternações
serão cada vez mais freqüentes como já temos notado e não somente por um
problema clínico, mas por todos os determinantes que as envolvem.
A atuação do assistente social na equipe
Os Sujeitos I e II mostraram sua compreensão da atuação do assistente
social das seguintes maneiras:
[...] a formação que vocês trazem é muito ampla, ela acaba fazendo aparecer vários aspectos que a gente tem que parar para refletir, então e é fundamental essa participação, não só a participação porque daqui saem muitas tarefas, muitas conversas difíceis, é uma profissão bem mais difícil do que a nossa, até tem aquela frase do profissional A., que o residente falou para a assistente social, que ele resolveu cuidar só da parte física de doença e ela resolveu cuidar de todos os problemas do ser humano. Sujeito I O Serviço Social é extremamente importante porque infelizmente quando você trabalha com uma população carente como a que a gente atende o determinante social, a causa da doença muitas vezes são estes aspectos sociais que eu já falei e que o Serviço Social vai ter que conversar com a equipe, vai estar nos orientando, também vai estar minimizando a nossa angústia, se a gente for olhar à nossa comunidade e querer que ela seja perfeita é impossível, mas assim vai estar orientando a família, a equipe, porque a orientação é para os dois, porque muitas vezes a gente fala, ah
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essa criança é neuropata, não vai ter a dieta especial, mas aí a gente vê que aquela outra criança da mesma comunidade também não tem a alimentação adequada, então o Serviço Social vai justamente centrar a equipe, para que a equipe perceba as possibilidades que a gente tem, qual é o nosso papel [...] Então é a assistente social ajudando a equipe e ajudando a família, mesma comunicação, mesmo diálogo, mesmo discurso, mantendo isso durante toda a internação até que esta família solte a mão do HU e ande com as próprias pernas.
Estes são apenas alguns momentos das narrativas dos sujeitos I e II, no
entanto ambos falam desde o início na equipe, do suporte que sempre encontraram
no assistente social, independente de quem fosse, pois ao longo dos anos alguns
assistentes sociais passaram pela equipe da enfermaria de Pediatria, reconhecendo
inclusive a nossa formação. Isso não faz o assistente social mais capaz, no entanto
reafirma que as suas especificidades são reconhecidas e aprovadas, plenamente
adequadas ao objeto de trabalho da equipe.
Concluindo a análise das narrativas
O movimento das narrativas foi interessante por trazer a compreensão
de qual é o significado atribuído por cada sujeito as questões propostas.
A importância da investigação de campo se dá através de constatações
que demonstrem se estamos de fato seguindo por um caminho que nos conduzirá a
melhor trajetória ou se estamos insistindo por caminhos resistentes às
transformações.
Observamos que esta equipe tem exercido sua prática através da
atribuição de sentidos, que pode significar trabalhar em um campo escorregadio, é
importante que a teoria caminhe junto com a prática. Todas as profissões podem
contar com a literatura, como dizem na área médica ou nas diversas teorias, mas
penso que por ser um campo pouco explorado, a interdisciplinaridade tem se
distanciado das bases epistemológicas. Isso causa um estranhamento entre os
profissionais que se utilizam dessa metodologia, o que foi provado por meio das
narrativas onde nenhum dos profissionais nomearam a sua prática como
interdisciplinar e sim como multidisciplinar.
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A respeito dos responsáveis pelas crianças internadas, surge uma
reflexão se a investigação fosse realizada por debate certamente não haveria
compreensão entre as partes, pois como o sujeito II afirmou, as expectativas da
equipe são diferentes das expectativas dos responsáveis, o que nos leva a pensar
que quanto mais próximos da realidade, mais compreenderemos o outro e a análise
das situações complexas será diferente com outro foco no momento da intervenção.
Algumas análises mostraram pontos discrepantes em razão da
ausência da consciência mais estrutural quando entrevistamos os responsáveis. O
sujeito III demonstrou condições melhores de reflexão sobre sua trajetória, incluindo
elementos importantes relacionados aos determinantes sociais, como ausência de
suporte, a gestação não planejada, os desafios econômicos para tratar uma criança
com problemas respiratórios crônicos. O sujeito IV apresentou muitas limitações ao
refletir sobre o processo de saúde/doença, não sendo possível construir no
momento da entrevista qualquer processo reflexivo a respeito das DSS.
Os profissionais, sujeitos I e II recontaram suas atuações na enfermaria
de maneira apaixonante, pois mesmo com a ausência de uma supervisão
desempenham a prática com destreza e seriedade no planejamento de ações.
Considerações Finais:
Considerar a arte final é levar em conta os aspectos relevantes no decorrer
desse percurso, é incentivar a outros quanto a busca incessante de novos
paradigmas na área da saúde.
A apreensão da realidade revela sua máxima quando a exploramos no
sentido de entender e planejar ações profissionais, não é possível trabalhar no
campo das idealizações, como ainda observamos nos dias atuais, profissionais
trabalhando apenas com perspectivas e idéias.
O estudo só se construiu por oferecermos ao sujeito um lugar de destaque em
sua própria trajetória.
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Os achados não são apenas verdades a serem inculcadas em uma prática
profissional, mas reflexões que poderão subsidiar condutas mais humanizadas, mais
coerentes com a realidade de cada ator.
O processo de saúde/doença sendo visto não apenas sob o paradigma
biologicista, mas como Asa Cristina Laurell identifica de processo social.
As famílias estão vivenciando que a prescrição de medicamentos ou um
diagnóstico para uma patologia não são suficientes para devolver a saúde. O
processo se estende e atingi as condições de vida, a interação com a rede
assistencial, as determinações biológicas, que permitem uma intervenção
simultânea entre as áreas do saber, não é de posse de um ou de outro, mas
daqueles que olham o sujeito em sua totalidade.
Ao chegarmos neste ponto reiteramos que o Serviço Social é empreendedor
de sua prática, mas com isso não somos apenas empreendedores solitários, mas
que buscamos cada vez mais quem queira aproximação, entre os pares, entre a
rede de atendimento e também entre os protagonistas do processo de
saúde/doença.
Compreendemos que as ações intersetoriais necessitam maior aproximação
com os sujeitos desse processo, porque através da coletividade temos um retrato
geral, mas as situações individuais ou ainda de uma determinada localidade podem
não ter expressão real. Como exemplo, o Subdistrito do Butantã, que não aparece
como área de extrema pobreza, nem as necessidades mais abrangentes de uma
população carente de recursos são visíveis, pois na divisão de renda a região do
Morumbi ganha destaque, encobrindo as demais sub-regiões.
Existem determinantes sociais de causas individuais, que diferem e modificam
os achados entre as populações.
Não consideramos saúde e doença como processos opostos, mas como
processos que se entrelaçam e se encontram.
O estudo permitiu a constatação de que as determinações sociais das
doenças são pouco estudadas na camada mais basal do processo, que conforme
vimos através do modelo de Dahlgren e Withehead é representada pelos sujeitos, os
quais consideramos protagonistas do processo de saúde/doença.
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A proposta central da investigação foi verificar a influência dos DSS que
emergem durante a hospitalização da criança ou do adolescente internado na
enfermaria de Pediatria, depois analisar se os profissionais tinham presente em suas
práticas as determinações sociais, após o intuito foi provocar um processo reflexivo
em relação à prática profissional, que levasse a um aperfeiçoamento das ações
cotidianas.
O assistente social consegue traduzir o que está oculto na situação
apresentada durante a internação após seu atendimento, isso ocorre quando o
campo de atuação é ampliado, ou seja, não focamos apenas no estado atual de
saúde ou doença.
A experiência de me colocar como observador facilitou entendimento de
algumas colocações, além de exercer uma maior aproximação ao objeto de estudo.
As evidências tiveram como base a empiria e demonstraram um saber que se
revela quando a necessidade de uma intervenção diferenciada emerge na
internação da criança.
A necessidade se volta ao avanço das estratégias profissionais que atendam
demandas cada vez mais complexas o que observamos através das narrativas dos
profissionais.
O processo de saúde/doença e a influência dos DSS não são somente
questões para interpretação, mas uma realidade presente em 100% dos
atendimentos do assistente social na enfermaria de Pediatria do HU/USP.
A interdisciplinaridade foi uma das questões centrais desse estudo e através
da investigação se tornou mais claro, que além de uma metodologia de trabalho, ela
possui uma ação transformadora e amplia o conhecimento profissional a respeito de
determinado objeto.
O movimento interno das narrativas mostrou que o familiar responsável pela
criança internada faz uma mínima relação ou nenhuma com as causas mais
estruturais do processo de saúde/doença. Como já mencionado anteriormente, o
traço mais forte do que é saúde para eles é a ausência de doença.
90
O trabalho da equipe precisa estar fundamentado na teoria, além da prática,
pois como percebemos a prática tem ocupado o lugar da subjetividade e isso
acrescenta angústia e impotência quando alguma situação complexa não tem um
bom desfecho.
A pesquisa revela que se faz necessário a supervisão técnica trazendo
aportes de ordem profissional que tenham a função de oferecer subsídios na
discussão dos casos e na tomada de condutas. Isso contribuiria com o
fortalecimento da equipe interdisciplinar.
Concluímos através do presente estudo que os caminhos a percorrer na
compreensão das DSS não são novos, porém pouco experimentados. Portanto
oferecemos a oportunidade de considerar e refletir sobre a trajetória percorrida
nesse estudo, não com o intuito de finalizar ou encerrar conceitos, mas fazer
conhecida uma práxis que busca adequar condutas que se aproximem da realidade
concreta, não idealizada, se é que podemos assim dizer, já que a realidade não
pode ser idealizada.
“A evidência empírica, tal como expusemos, permite-nos demonstrar que
existe uma relação entre o processo social e o processo saúde-doença. Sem
dúvida, esta observação, por si mesma, não resolve qual é o caráter desta
relação. Isto porque temos, por um lado, o processo social e, por outro, o
processo biológico, sem que seja imediatamente visível como um se
transforma no outro. Na verdade, enfrentamos uma “caixa negra", na qual o
social entra de um lado e o biológico sai de outro, sem que se saiba o que
ocorre dentro dela. Esse é, talvez, o problema mais candente para a
explicação causal social do processo saúde-doença. Este problema não está
resolvido. A reflexão sobre o caráter do processo da saúde/doença, porém,
abre alguns caminhos para serem explorados”. (LAURELL, 1982, p. 15)
91
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97
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista Destinado ao Responsável
pelo Paciente:
1) O que significa ao Sr. (a) ter saúde e estar doente?
2) O que o Sr. (a) acredita que causou o adoecimento do seu familiar?
3) O (a) Sr. (a) conta com apoio, ajuda de familiares para enfrentar esse
momento?
4) Para o Sr. (a) como ocorreu e como foi o período da internação?
5) O que o Sr. pensa sobre o atendimento prestado pela equipe
interdisciplinar?
6) Durante a internação com que área conseguiu estabelecer maior
aproximação?
7) Qual é a sua expectativa com a alta hospitalar?
98
APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista Destinada ao profissional
da Equipe Interdisciplinar
1) Qual é sua compreensão sobre os determinantes sociais no processo de
saúde/doença?
2) Quais determinantes sociais considera com maior prevalência em relação
às patologias?
3) Como se dá a atuação da equipe interdisciplinar durante a hospitalização
até o momento da alta?
4) Qual a sua compreensão sobre a participação do assistente social na
equipe?
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